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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MACHADO DE ASSIS FACULDADES INTEGRADAS MACHADO DE ASSIS CURSO DE DIREITO DARI SACKVIL ATUAÇÃO POLICIAL PERANTE A LEI MARIA DA PENHA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Santa Rosa 2016

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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MACHADO DE ASSIS FACULDADES INTEGRADAS MACHADO DE ASSIS

CURSO DE DIREITO

DARI SACKVIL

ATUAÇÃO POLICIAL PERANTE A LEI MARIA DA PENHA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Santa Rosa

2016

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DARI SACKVIL

ATUAÇÃO POLICIAL PERANTE A LEI MARIA DA PENHA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Monografia apresentada às Faculdades Integradas Machado de Assis, como requisito parcial para avaliação do Componente Curricular do Curso de Direito.

Orientador: Prof. Ms. Cláudio Rogério Sousa Lira

Santa Rosa 2016

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DEDICATÓRIAS

A minha esposa Camila Lima Lopes

Sackvil, por ser minha grande

incentivadora e por sempre acreditar em

mim, na minha capacidade. E aos meus

filhos Nícolas Gustavo Lopes Sackvil e

Vítor Daniel Lopes Sackvil, minhas razões

de viver.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente а Deus qυе permitiu qυе tudo isso acontecesse, pоr tеr mе dado saúde е força pаrа superar as dificuldades ао longo de minha vida, por ter iluminado meus caminhos nãо somente nestes anos como acadêmico, mas em todos os momentos da minha vida, principalmente como policial em busca da verdade e da justiça. Aos meus pais, Valdi Sackvil e Elvira Sackvil, responsáveis por me dar o bem maior. A vida!! Aos meus irmãos pelo apoio e incentivo Ao Prof. Ms. Cláudio Rogério Sousa Lira que esteve junto comigo em todos os momentos acadêmicos e de estudo. E a todos que de uma maneira ou outra estiveram junto comigo nesta caminhada.

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“Uma mulher que vive na sombra da

violência cotidiana... não é

verdadeiramente livre”.

(Kofi Annan, Secretário-geral das Nações

Unidas)

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RESUMO

O tema desta monografia trata sobre atuação policial perante a Lei Maria da Penha, e tem como objetivo geral, analisar a Lei nº. 11.340 de 2006 e o amparo da mesma frente às mulheres vítimas de violência. O presente estudo utiliza os métodos de pesquisa descritivo e explicativo, pois se pretende identificar a importância da Lei Maria da Penha para as mulheres vítimas de violência. Fez-se também um estudo de caso no qual se buscou dados quantitativos das ocorrências registradas na DEAM - Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher da cidade de Santa Rosa – RS, no ano de 2015. A temática do trabalho gira em torno da violência doméstica e familiar contra a mulher, que instigou o pesquisador ao trabalho, que, como policial civil, observa diariamente casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Atualmente, esta violência vem sendo apontada como um dos problemas mais inquietantes e preocupantes da população, bem como para as autoridades do município alvo da pesquisa. Viu-se com este estudo que dentre os 516 inquéritos instaurados no ano de 2015, os crimes de maior incidência foram, 42% por ameaça; 32% lesão corporal e; 14% vias de fato. Com isso, a implementação da lei provocou o crescimento do número de serviços da Rede de Atendimento a mulheres em situação de violência, principalmente no que se refere à criação dos Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres. As delegacias ganharam força, pois a lei restabeleceu o papel da Autoridade Policial no enfrentamento à violência contra a mulher. Entre as inovações estão à obrigatoriedade de abertura de Inquérito Policial composto por depoimentos da vítima, do agressor e de provas documentais e periciais e a solicitação das medidas de proteção para as mulheres junto aos Juizados. O agressor também pode ser preso em flagrante ou ter a prisão preventiva decretada.

Palavras-Chave: Lei Maria da Penha – Atuação Policial – Violência contra a

mulher.

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ABSTRACT

The theme of this monograph is about police action before the Maria da Penha Law, and its general objective is to analyze Law no. 11,340 and its support in the face of women victims of violence. The present study uses descriptive and explanatory research methods, since it is intended to identify the importance of the Maria da Penha Law for women victims of violence. A case study was also carried out in which quantitative data were searched for the occurrences recorded in the DEAM - Specialized Police Station for Women's Care in the city of Santa Rosa, RS, in the year 2015. The theme of the work revolves around domestic and against the woman, who instigated the researcher to work, who, as a civilian police officer, daily observes cases of domestic and family violence against women. Currently, this violence has been pointed out as one of the most disturbing and worrying problems of the population, as well as for the authorities of the municipality targeted by the research. It was seen from this study that among the 516 investigations instituted in the year 2015, the crimes with the highest incidence were, 42% per threat; 32% personal injury and; 14% real way. As a result, the implementation of the law has led to a growth in the number of services provided by the Network of Attention to Women in Situation of violence, especially with regard to the creation of Judges and Sticks of Domestic and Family Violence against Women. The police stations gained strength, as the law reestablished the role of the Police Authority in confronting violence against women. Among the innovations are the obligation to open a Police Inquiry composed of testimony of the victim, of the aggressor and of documentary and expert evidence and the request of the measures of protection for women in the Courts. The offender can also be arrested in the act of redoubling or detention ordered. Key words: Maria da Penha Law - Police Action - Violence against women.

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LISTA DE FIGURAS

Ilustração 1 – Inquéritos instaurados na DEAM de Santa Rosa – RS no ano de 2015

.................................................................................................................................. 38

Ilustração 2 - Rede de atendimento a mulher em situação de violência. .................. 43

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LISTA DE SIGLAS

ART – Artigo

BR – Brasil

BO – Boletim de Ocorrência

CF – Constituição Federal

CRAM – Centro de Referência de Atendimento à Mulher

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

D – Dom

DDM – Delegacia de Defesa da Mulher

DEAM – Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher

DP – Delegacia de Polícia

DPPA – Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento

DST – Doença Sexualmente Transmissível

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ETC – Etcetera

H – Hora

HIV – Human Immunodeficiency Virus

IP – Inquérito Policial

INC - Inciso

JECRIM – Juizado Especial Criminal

LMP – Lei Maria da Penha

MS – Mestre

Nº - Número

OCR – Sistema de Registro de Ocorrências

P – Página

PAI – Procedimento de Adolescente Infrator

PML – Posto Médico Legal

PROF – Professor

RS – Rio Grande do Sul

SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública

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SP – São Paulo

SPM – Secretaria de Políticas para a Mulher

SSP – Secretaria de Segurança Pública

TC – Termo Circunstanciado

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 1 LEI MARIA DA PENHA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES ........................................ 15 1.1 ASPECTOS LEGAIS DA LEI ............................................................................... 15 1.2 A LEI MARIA DA PENHA NO ENFRENTRAMENTO A QUESTÃO DE GÊNERO ENTENDIDA COMO VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .......................................... 21 1.3 A REDE DE ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUA REAL EFETIVAÇÃO ................................................................................................. 23 2 ATUAÇÃO POLICIAL FRENTE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ................ 27 2.1 ATUAÇÃO POLICIAL: ATRIBUIÇÕES COMO AUTORIDADE ........................... 27 2.2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ...................................................................... 31 3 A EFETIVAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA NO MUNICÍPIO DE SANTA ROSA - RS ............................................................................................................................. 37 3.1 A REDE DE PROTEÇÃO A MULHER NO MUNICÍPIO DE SANTA ROSA –RS ................................................................................................................................ ..37 3.2 A ATUAÇÃO POLICIAL ESPECIFICAMENTE NO ATENDIMENTO DE CASO MARIA DA PENHA NO ANO DE 2015 ...................................................................... 38 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 52

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INTRODUÇÃO

A violência doméstica e familiar constitui-se em uma das mais inaceitáveis

formas de violação dos direitos das mulheres, por negar-lhes, principalmente, o

exercício do direito à vida, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e

comunitária.

Durante muito tempo, a mulher foi considerada como objeto, isto é, um sujeito

social com pouco ou nenhum direito e que, por isso mesmo, sofre inúmeros tipos de

violência. A Lei Maria da Penha é um referencial para a efetivação dos direitos e

garantias das mulheres em situação de violência.

O problema deste estudo está na seguinte questão: a partir de uma nova

concepção da adoção por uma norma penal que escolheu proteger o gênero

feminino, como forma de coibir a violência contra a mulher, questiona-se em que

medida deve ser considerado adequado e eficiente o atual modelo de atuação da

Polícia Judiciária diante de casos de violência doméstica na forma da Lei nº 11.340

de 2006 (Lei Maria da Penha)? O estudo é de relevância, pois demonstra a

importância da Lei Maria da Penha na construção de uma sociedade mais

humanitária para as mulheres.

Justifica-se o tema, porquanto a violência contra a mulher faz parte de raízes

culturais trazidas pelos colonizadores europeus. Analisando a estrutura das famílias

na cultura ocidental, percebe-se que o poder do marido era de “chefe da família” que

tinha direitos sobre as mulheres. Isso significava dizer que as mulheres só tinham o

“poder” de substituir o homem somente quando este faltasse.

Com o intuito de colaborar com o estudo levantou-se as seguintes hipóteses:

a) É possível sustentar que a Lei nº 11.340 de 2006 trouxe mecanismos

suficientes para coibir a violência doméstica e familiar praticada contra a

mulher.

b) As comunicações de ocorrências de crimes pelas ofendidas representam

uma fiel demonstração das ações violentas cometidas contra elas no

âmbito da violência doméstica e familiar.

c) O modelo de atuação da Polícia Judiciária em razão de casos de violência

doméstica e familiar cometida contra a mulher é eficiente e se traduz em

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uma intervenção do Estado necessária para estancar a violência e

prevenir novas investidas do agressor contra a ofendida.

Para tanto, os objetivos específicos são:

a) Apresentar a Lei nº 11.340/06, Lei Maria da Penha, a fim de compreender a

racionalidade legislativa para a proteção de gênero, de forma a entendê-la;

b) Identificar os aspectos legais da referida legislação voltados à proteção da

mulher e à punição dos possíveis agressores;

c) Examinar o modelo de atuação policial repressivo como resposta jurídica

eficiente diante de casos de violência contra a mulher, sobretudo pela

aplicação dos mecanismo de proteção da ofendida.

Como resposta ao problema da violência doméstica e familiar contra a

mulher, surge a inclusão e empoderamento delas. Então, a participação mais ativa

das mulheres na vida econômica e no mercado de trabalho oportuniza uma

possibilidade diante da exclusão, desigualdade e discriminação para que possam

ser superados.

Hoje, cada mulher em sua área contribui decisivamente para a evolução da

sociedade e transformação no cotidiano familiar. A mulher deixou de ser somente

esposa e mãe, entrando de forma maciça no mercado de trabalho. Isso se traduz em

uma contribuição efetiva da mulher para a evolução da sociedade.

Foram muitos anos de luta para que as mulheres pudessem dispor deste

instrumento legal e para que o Estado Brasileiro passasse a enxergar a violência

contra a mulher de uma forma mais preocupante e com uma expectativa de solução

dessa problemática tão degradante das famílias, pois não se trata apenas de

violência contra uma mulher, na verdade toda a estrutura familiar é afetada, que

atinge além da mulher, também os filhos que muitas vezes presenciam as

agressões. Assim, o Estado tem que criar mecanismos para reduzir e impedir a

violência doméstica e familiar contra a mulher, fazendo com que haja erradicação

desta tão bárbara violência.

No dia 07/08/2006, foi sancionada a lei de proteção à Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher. A Lei sancionada no dia sete de agosto do ano de dois mil

e seis, alterou o Código Penal e possibilitou que o agressor seja preso em flagrante

ou tenha sua prisão preventiva decretada.

Esta monografia, para melhor visualização e entendimento, dividiu-se em três

capítulos, sendo que no primeiro capítulo conceituou-se e descreveu-se a Lei Maria

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da Penha, as redes de enfrentamento à violência contra a mulher e sua real

efetivação. No segundo estudou-se a atuação policial e suas atribuições frente à

violência contra a mulher. Já no terceiro e último capítulo apresentou-se a pesquisa

realizada com relação à efetivação da Lei Maria da Penha no Município de Santa

Rosa – RS, no período de janeiro a dezembro de 2015.

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1 LEI MARIA DA PENHA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Neste primeiro capítulo, estuda-se a Lei Maria da Penha, com o intuito de

atingir um dos objetivos deste estudo, procurando-se conceituar e definir esta tão

importante lei para a sociedade Brasileira.

1.1 ASPECTOS LEGAIS DA LEI

Maria da Penha Maia Fernandes é uma biofarmacêutica brasileira que lutou

para que seu agressor viesse a ser condenado. Idosa e com três filhas, é líder de

movimentos de defesa dos direitos da mulher, vítima emblemática da violência

doméstica. (PIAS, 2008).

Conforme Pias, em 1983, o ex-marido de Maria da Penha Maia Fernandes, o

professor universitário colombiano Marco Antônio Heredia Viveros, tentou matá-la

duas vezes: na primeira vez atirou contra ela, simulando um assalto, e na segunda,

tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Maria da Penha ficou

paraplégica. Nove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão.

(PIAS, 2008).

O caso de violência contra essa mulher repercutiu da seguinte forma:

A tragédia pessoal de Maria da Penha virou símbolo de luta contra os maus-tratos físicos, psicológicos e morais sofridos por parcela significativa da população feminina brasileira, os quais revelam a prevalência, até hoje, dos piores aspectos da cultura patriarcal e machista em nossa sociedade. Esses delitos assumem dimensão especialmente cruel quando se constata que a maioria das agressões ocorre no espaço doméstico e são praticados por membros da família. Em tais casos, além de vitimarem as mulheres, têm repercussão sobre os filhos e podem levar à desestruturação do núcleo familiar. Estimulam a persistência de comportamentos violentos; geram situações de desajuste para crianças e adolescentes; prejudicam a educação e a formação. Além disso, expõe a face mais perversa da desigualdade de gênero, ao afrontarem direitos elementares à dignidade, à saúde e a própria vida das pessoas agredidas. (BRASIL, 2007).

A Lei Maria da Penha estipula a criação, pelos tribunais de Justiça dos

Estados e do Distrito Federal, de um Juizado Especial de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher para dar mais agilidade aos processos, como se afere pela

expressa denominação jurídica desta legislação:

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A LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (BRASIL. 2011).

Segundo Costa, o Brasil triplicou a pena para agressões domésticas contra

mulheres e aumentou os mecanismos de proteção das vítimas. Nesse campo, a Lei

Maria da Penha aumentou de um para três anos o tempo máximo de prisão – o

mínimo foi reduzido de seis meses para três meses. (COSTA, 2006).

Essa alteração parece ter o condão de reforçar a tese de que as formas de

violências contra as mulheres não sejam objeto de processo no JECrim, que julga

infrações penais cuja pena máxima é até 02 (dois) anos de reclusão assim relata o

autor acima citado.

Portanto, segundo Meneghel et al

anterior à Maria da Penha, as situações de violência contra a mulher eram julgadas segundo a Lei 9.099/95 e grande parte dos casos era considerada crime de menor potencial ofensivo, cuja pena ia até dois anos e os casos eram encaminhados aos Juizados Especiais Criminais (JECRIM). As penas muitas vezes eram simbólicas, como cestas básicas ou trabalho comunitário, o que contribuía para produzir um sentimento de impunidade. (MENEGHEL et al, 2016, p.03)

Além disso, as investigações passaram a ser mais detalhadas, com

depoimentos também de testemunhas. Antes de a Lei Maria da Penha entrar em

vigor, o crime de violência doméstica era considerado de “menor potencial ofensivo”.

E nos estados em que ainda não foram instalados os juizados específicos

determinados pela lei, o crime de violência doméstica é ainda julgado nos juizados

especiais criminais junto com outras causas. (DIAS, 2007).

Não é de se esquecer que tal legislação resultou de um compromisso

institucional do Brasil com organismos internacionais em prevenir, coibir e reprimir as

formas de violência doméstica familiar praticadas contra as mulheres, como foi o

caso de Maria da Penha. (DIAS, 2007).

Nesse extenso âmbito, enquadram-se as mulheres que se encontrem no

ambiente doméstico, mesmo que não tenham vínculo familiar com o agressor, como

ocorre na relação entre empregados domésticos e entre eles e os moradores da

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residência. Assim, uma empregada doméstica pode ser vítima para os fins desta Lei,

quando venha, por exemplo, a sofrer violência sexual, moral etc., praticadas por seu

patrão. (DIAS, 2007).

Em relação ao sujeito passivo, a lei em comento elegeu apenas a mulher,

enquanto que no pólo ativo das condutas por ela compreendidas, encontra-se

primeiramente o homem que com ela seja ou tenha sido casado, ou aquele que

mantenha ou tenha mantido uma relação afetiva, bem como qualquer outro homem

ou mulher que habite a mesma residência ou unidade domiciliar do grupo familiar a

que pertença ou esteja integrada a vítima. (DIAS, 2007).

Entende-se que norma não se destina diretamente à questão de gênero, a

não ser no aspecto passivo, não impedindo que as mulheres que estejam nas

mesmas condições dos homens e venham a praticar atos de violência doméstica e

familiar contra outras mulheres, sejam alcançadas pelas suas regras.

Inclusive as agressões praticadas por uma companheira de uma relação se

enquadram na norma, dentro do conceito de “qualquer relação íntima de afeto, na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de

coabitação”, não deixando dúvidas a este respeito o parágrafo único deste artigo ao

estabelecer que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de

orientação sexual” (SOUZA, 2007, p.91).

A implementação da lei provocou o crescimento do número de serviços da

Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, principalmente no que

se refere à criação dos Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra

as Mulheres.

Em todo o País, no período de agosto de 2006 a setembro de 2007, foram

criados 15 Juizados e adaptadas 32 Varas, o que ainda é um número muito reduzido

frente às necessidades para o combate da violência, mas é certamente um

quantitativo significativo, pois representa uma mudança nos procedimentos e na

cultura do Poder Judiciário (SOUZA, 2007)

Com relação às medidas protetivas, solicitação que deve ser encaminhada

pela Autoridade Policial ao judiciário em um prazo máximo de 48 horas, foram

solicitadas 16.121, o equivalente a 88 por DEAM. As delegacias das regiões Sul e

Centro-Oeste foram as principais responsáveis por manter a média nacional em um

patamar elevado (BRASIL, 2007).

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A Maria da Penha que empunhou a bandeira da luta em relação à violência

contra a mulher foi vítima de atrocidades que a deixaram paraplégica e o autor não

era um operário, mas, sim, um professor universitário, situação esta que de pronto

evidencia que o problema da violência do homem em relação à mulher ultrapassa as

fronteiras das classes sociais, estando presente em todas elas e não respeitando

sequer o grau de intelectualidade.

A Lei em seu art. 1° anuncia que:

a violência que esta Lei visa a combater é aquela “violência doméstica e familiar”, mas os seus incisos tratam separadamente da violência eminentemente doméstica (inc. I), da eminentemente familiar (inc. II) e daquela que não se enquadra diretamente em nenhuma das suas anteriores, decorrendo de uma relação caracterizada pela convivência qualificada pela afetividade e intimidade presente ou passada, mesmo sem coabitação (inc. III), o que demonstra a possibilidade de que se sujeite aos efeitos desta Lei, como agentes que figuram do pólo ativo da violência, qualquer pessoa vinculada com a vítima, seja ela do sexo masculino, feminino ou que opte por outra orientação sexual, desde que esteja coligada à mulher vitimada e a agressão ocorra no âmbito doméstico e familiar ou, se fora dele, decorra do vínculo de afetividade, familiar ou doméstico. Assim, se a violência tem lugar fora do âmbito doméstico, ou seja, na rua, no cinema, em um estádio, no teatro, na praia, no Fórum etc., somente estará fora do âmbito de proteção desta Lei se for praticada por uma pessoa que não mantenha vínculo de afetividade íntima, doméstico ou familiar com a vítima, caso em que se aplicam as regras processuais gerais e inclusive as da Lei 9.099/95.

O art. 1º deixa expresso que esta Lei visa a “coibir e prevenir a violência

doméstica e familiar contra a mulher”, ou seja, no aspecto objetivo (físico-espacial) a

lei direciona-se especialmente a combater os fatos ocorridos no âmbito doméstico,

familiar ou intrafamiliar, ao passo que no contexto subjetivo, a preocupação é a

proteção da mulher, contra os atos de violência praticados por homens ou mulheres

com os quais ela tenha ou haja tido uma relação marital ou de afetividade, ou ainda

por qualquer pessoa (não importando sequer a orientação sexual), com os quais

conviva no âmbito doméstico e familiar, tais como: o pai, o irmão, o cunhado, a filha,

o filho, a neta, o neto etc., ou com quem mantenha ou já tenha mantido relação de

intimidade, não havendo em relação a essas pessoas a exigência de que a violência

tenha ocorrido no âmbito físico-espacial do lugar de convivência, podendo ocorrer

em qualquer lugar (SCHUSTER, 2007).

Quanto às pessoas que não tenham vínculo doméstico, familiar e tampouco

de afetividade, não são alcançadas pelas regras desta Lei, exceto quando ajam em

concluso com alguma daquelas pessoas já mencionadas.

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Observe-se que a Lei 11.340/06 não tem tipos penais próprios, apenas se

refere aos tipos penais comuns já existentes no ordenamento, acrescendo-lhes

circunstâncias qualificadoras ou agravantes e alterando penas, além de acrescer os

requisitos insertos no seu art. 1º, que se refere à existência, entre agente e vítima,

de relação doméstica, familiar ou afetiva (ou homoafetiva), além do que, estabelece

no artigo sob comento, de forma exemplificativa, as classes de condutas que se

enquadram como violência doméstica e familiar contra a mulher (DIAS, 2007).

Com relação à violência doméstica o art. 5° relata:

Para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Entende-se, portanto, que o legislador procurou apresentar algumas

definições acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que:

essa modalidade de violência quando ocorra ação ou omissão, baseada no gênero e que cause à mulher uma das seguintes consequências: a morte; lesão (aqui se referindo à lesão física ou corporal); sofrimento físico; sofrimento psicológico; dano moral ou dano patrimonial, desde que a ação ou omissão tenha lugar “no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”, e também “no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”, ou finalmente, “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”(SOUZA, 2007, p.44).

Nesse extenso âmbito enquadram-se as mulheres que se encontrem no

âmbito doméstico, mesmo que não tenham vínculo familiar com o agressor, como

ocorre na relação entre empregados domésticos e entre eles e os moradores da

residência. Assim, uma empregada doméstica pode ser vítima para os fins desta Lei,

quando venha a, por exemplo, sofrer violência sexual, moral etc., praticadas por seu

patrão.

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Segundo Dias,

Lei não é a questão de gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, sem importar o gênero do agressor, que tanto pode ser homem, como mulher, desde que esteja caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, sendo esta a opinião, dentre outros, do jurista Luiz Flávio Gomes, a qual entendemos ser mais coerente e que dá menos ensejo a possíveis questionamentos quanto à constitucionalidade, já que trata igualmente homens e mulheres quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima, já que se apresenta inaceitável que no mesmo ambiente doméstico ou familiar o neto agrida fisicamente avó e esteja sujeito à regras desta Lei, enquanto que a neta, nas mesmas condições pratique idênticos atos e não se submeta a tais regras (DIAS, 2007, p.89).

No entender de Dias, a norma não se destina diretamente à questão de

gênero,

a não ser no aspecto passivo, não impedindo que as mulheres que estejam nas mesmas condições dos homens e venham a praticar atos de violência doméstica e familiar contra outras mulheres, sejam alcançadas pelas suas regras. A Lei 11.340/06 considerou a realidade social e sua evolução, não ficando o legislador alheio às relações que envolvem pessoas do mesmo sexo e das quais também podem derivar situações de violência doméstica e familiar similares àquelas verificadas na tradicional relação de pessoas de diferentes gêneros, não tendo olvidado também aquelas relações parentais cada vez mais comuns, principalmente por questões econômicas, onde convivem em um mesmo local parentes pertencentes a diferentes gerações e de graus os mais diversos, além daquelas pessoas agregadas por relação de emprego, de amizade, dentre outras (DIAS, 2007, p.101).

Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o

conceito de família. Entende-se que ninguém pode continuar sustentando que, em

face da omissão legislativa não é possível emprestar-lhe efeitos jurídicos. No

entanto, é importante esclarecer que a Lei Maria da Penha somente deve ser

utilizada de forma séria, ou seja, não podem as pessoas (vítimas) fazerem

acusações ou comunicações falsas de crimes contra companheiros ou maridos.

Pelo menos três situações destas já foram constatadas. Nesse contexto,

verificou-se que as supostas vítimas de casos de violência doméstica não haviam

sido agredidas. Elas queriam, na verdade, forçar uma separação ou resolver

problemas de ordem patrimonial. Face a essa atitude, o Ministério Público oferece

denúncia contra a esposa e/ou companheira pela prática de crime de Denunciação

Caluniosa, previsto no artigo 339 do Código Penal, cuja pena é de dois a oito anos

de reclusão e multa (PIAS, 2008).

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Segundo o autor, com relação à punição:

- Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher; - Estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher como sendo física, psicológica, sexual, patrimonial e moral Possibilita a prisão em flagrante; - A mulher vítima de violência doméstica será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor; - A mulher deverá estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais;

- Altera o artigo 61 do código penal para considerar este tipo de violência

como agravante da pena; - A pena do crime de violência doméstica passará a ser de 3 meses a 3 anos;

Se violência doméstica for cometida contra mulher portadora de deficiência, a

pena será aumentada em 1/3 (um terço). Além disso, altera a lei de execuções

penais para permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor

a programas de recuperação e reeducação.

1.2 A LEI MARIA DA PENHA NO ENFRENTRAMENTO A QUESTÃO DE GÊNERO

ENTENDIDA COMO VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Trabalhar as questões da violência não é algo fácil, mesmo para um

profissional que trabalha no contexto social, e tem no seu dia-a-dia, questões

oriundas das relações de gênero, apesar das conquistas em relação aos direitos

femininos, ainda prevalece o poder e a dominação do mais forte sem mencionar que

o sistema patriarcal ainda está inserido em algumas famílias nos dias de hoje.

O fato é que a violência usa o outro para destruir, mas atinge a humanidade

como um todo, assim sendo, a questão de gênero é vista e ensinada com base na

condição de ser homem e de ser mulher, a fim de buscar os papéis sociais que cada

um aprende na sociedade. O homem visto com a ideia idealizada de que deve trazer

o sustento da casa e a mulher como quem tem o dever de cuidar dos serviços

domésticos bem como, o cuidado com os filhos.

Seguindo esta percepção, violência contra as mulheres segundo o que diz

Chauí é a “condição feminina inferior à masculina”. (CHAUÍ, 2007, p.85). As

diferenças entre o feminino e o masculino são transformadas em desigualdades

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através de dizeres masculinos sobre a mulher e a forma de como a mulher se põe

diante as adversidades postas pelos homens.

As desigualdades sociais não vêm de hoje, elas possuem uma história que

vem de anos, e com ela as mais variadas formas de preconceitos e exclusões. Os

papéis sociais, exercidos entre homens e mulheres, estão construídos social e

culturalmente, no qual a mulher sempre tomou à parte de submissão da história,

oriundas de várias questões culturais, colocando os homens a frente das mulheres

que acabaram exercendo um papel secundário e de submissão.

A questão de gênero baseia-se nas relações e diferenças entre os sexos,

sendo que também está presente nas relações sociais e é nesse cenário que a ideia

de poder é articulada. Gênero é definido como uma relação socialmente construída

entre homens e mulheres, servindo como categoria de análise para se investigar a

construção social do feminino e do masculino. (IZUMINO, SANTOS, 2005, p. 10-11).

Para Saffioti, “paira sobre a cabeça de todas as mulheres a ameaça de

agressões masculinas, funcionando isto como mecanismo de sujeição aos homens,

inscrito nas relações de gênero”. (SAFFIOTI, 2004, p.86).

Conforme Almeida,

Na medida em que a violência de gênero é produzida no quadro de relações desiguais de gênero, a sua eliminação requer que se operem mudanças substantivas na matriz hegemônica de gênero. Uma política pública nessa área supõe dar centralidade ao papel do estado, com a participação da sociedade civil, no envolvimento orgânico das áreas da educação, do trabalho, da saúde, da segurança pública, da cultura, do judiciário, da agricultura e da economia. (ALMEIDA, 2007, p.37).

Entende-se que o termo violência de gênero é constituído a partir da relação

de poder do homem e a de submissão, fragilização da mulher, atesta que os papéis

impostos às mulheres e aos homens, fortalecidos ao longo da história e reforçados

pelo patriarcado, incentivam relações violentas entre os gêneros assinalando que a

prática da violência não é oriunda da natureza senão do proceder de socialização

das pessoas. A violência de gênero é entendida como violência contra a mulher.

Diante disto, os fatos mostram que a violência contra a mulher vem associada

a diversos fatores, dentre eles as relações de gênero são as mais presentes, pois, é

a partir daí que as agressões a humilhações acontecem, já que o homem se vê

neste próprio papel, o de humilhar a mulher que escolheu para viver. Esse tipo de

violência incorporou-se ao cotidiano das mulheres que, lastimavelmente, fazem

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parte desta história. A partir desse levantamento bibliográfico, passa-se a abordar a

questão do enfrentamento pelo Estado para prevenir e reprimir as formas de

violência doméstica e familiar contra a mulher.

1.3 A REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUA

REAL EFETIVAÇÃO

A rede de enfrentamento à violência doméstica diz respeito à articulação entre

os serviços disponibilizados para tal problema. Essa rede compõe instituições

vinculadas aos serviços governamentais e não governamentais destinados ao

combate à violência, ensejando o aumento de estratégias de prevenção, bem como

o de políticas públicas que objetivam não só o fim da violência, mas também o

empoderamento da mulher (SPM, 2011). Portanto, analisar e compreender a

presente rede, vislumbrando assim seu funcionamento e sua utilidade diante da

sociedade, é de suma importância para tal entendimento.

Com o advento da Lei Maria da Penha, as políticas públicas de enfrentamento

a violência contra a mulher também cresceram e, como consequência, hoje existem

mais direitos e a assistência às mulheres renovou seus serviços passando a

alcançar outros centros redirecionados a essas mulheres que sofrem desta violência

(SPM, 2011).

A rede de atendimento à violência doméstica contra a mulher é uma

articulação entre as instituições que compõe a Secretaria de Políticas para Mulheres.

A Lei Maria da Penha, no seu capítulo II, art. 9º, prevê que a assistência à mulher

em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e

conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência

Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre

outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o

caso.

A efetivação dos direitos das mulheres que sofrem violência sob a luz dos

princípios da dignidade humana é onde se pretende chegar com esses serviços

especializados com total foco à mulher, sua saúde, autonomia, liberdade e

autoestima. Diante do pressuposto verifica-se a importância de uma rede de

atendimento a essa mulher vitimada que se encontra em estado de fragilização.

Portanto, a rede de enfrentamento tem por objetivos efetivar os quatro eixos

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previstos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres,

combate, prevenção, assistência e garantia de direitos e dar conta da

complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres. (SPM, 2011).

Foi a partir da criação da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) do

Governo Federal que esta rede de atendimento às mulheres cresceu no sentido de

melhor atendimento e maior valoração, consoante se percebe do texto a seguir:

Com a criação da SPM (Secretaria de Políticas para Mulheres), as ações mudaram de foco e ganharam nova envergadura, com o início da formulação da Política Nacional de Enfrentamento à violência contra as mulheres, que lança diretrizes para uma atuação coordenada dos organismos governamentais nas três esferas da federação. (Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica Contra as Mulheres, 2011, p. 11).

Trata-se de um passo importante para a formação das redes de atendimento,

de modo a possibilitar um atendimento integral. Em 2007, a necessidade dessa rede

de atendimento especializada foi percebida e implantada. Além da rede de

enfrentamento à violência contra a mulher outro marco foi a criação da Central de

Atendimento à Mulher, o ligue 180.

A Lei também estabelece criação de serviços especializados, tais como:

Centros de Referência de Atendimento à Mulher; Casas de Abrigo e Passagem,

Defensoria Pública, serviços de saúde etc.. No art. 29, há a seguinte previsão: “os

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que virem a ser criados

poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por

profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde”. Em

seguida, o art. 30 “determina que “compete à equipe de atendimento”

multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação

local, fornecer subsídios por escrito ao Juiz, ao Ministério Público e à Defensoria

Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de

orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para ofendida,

o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes”.

A Secretaria de Política para as Mulheres assim prevê:

[...] garantir o atendimento humanizado e qualificado às mulheres em situação de violência por meio de formação continuada de agentes públicos e comunitários; da criação de serviços especializados (casas de abrigo e passagem, centros de referência de atendimento a mulher, serviços de educação e responsabilização do agressor, juizados de violência doméstica

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e familiar contra a mulher, defensorias da mulher, delegacias especializadas de atendimento a mulher); e da constituição/fortalecimento da rede de atendimento (articulação dos governos) – Federal, Estadual, Municipal, Distrital e da sociedade civil para o estabelecimento de uma rede de parcerias para o enfrentamento da violência contra as mulheres, no sentido de garantir a integralidade do atendimento (SPM, 20, p. 8).

Vale ressaltar que para a garantia dos atendimentos é necessário que haja

um monitoramento da efetivação das políticas públicas destinadas à violência contra

a mulher. A rede de enfrentamento à violência é marcada, pela pluralidade de

serviços e instituições, esta variedade pretende ser absorvida como elemento

essencial de um processo de construção que visa depreender a complexidade da

violência contra as mulheres.

Contudo, para que o enfrentamento da violência se efetive, é importante que

serviços e instituições atuem de forma articulada e integrada. No âmbito da

assistência, é fundamental que os serviços trabalhem a partir de uma perspectiva

intersetorial e que definam fluxos de atendimento compatíveis com as realidades

locais os quais devem contemplar as demandas das mulheres em suas

diversidades. (SPM, 2011)

Pensar na realidade da mulher, que busca os serviços para enfrentamento à

violência doméstica faz parte do processo de intervenção, que deverá ser feito a

partir do momento em que ela estiver a usufruir dos atendimentos.

Segundo Faleiros apud BAPTISTA (2002), é na relação de redes que se

colocam as questões enfrentadas pelos próprios sujeitos na sua perda de poder para

articulá-las em estruturas e movimentos de fortalecimento da cidadania, identidade e

autonomia. Na perspectiva de Baptista, o objeto da intervenção profissional é o

segmento da realidade, esta que lhe é posta como desafio, aspecto determinado de

uma realidade total sobre o qual irá formular um conjunto de reflexão e proposições

para intervenção. (Faleiros apud BAPTISTA, 2002, p. 30).

Apesar do fenômeno violência contra a mulher ser muito antigo na sociedade,

é importante lembrar que a rede de atendimento à mulher foi construída em um

período muito curto, respondendo a uma política recentemente instalada e que ainda

está em fase de expansão e consolidação (SPM, 2011). Isto devido a questão

cultural de uma sociedade preconceituosa, apenas nos últimos anos que os direitos

humanos as mulheres que sofrem todos os tipos de violência estão sendo vistos e

defendidos.

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Este capítulo então relatou a lei Maria da Penha, seus conceitos, definições e

o enfrentamento a questão de gênero entendida como violência contra a mulher e o

capítulo a seguir aborda a atuação da polícia e suas atribuições como Autoridade

Policial frente à violência contra a mulher.

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2 ATUAÇÃO POLICIAL FRENTE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Este capítulo tem como finalidade estudar a atuação policial e suas atuações

como autoridade frente à violência contra a mulher. Com isso, primeiramente, fez-se

um breve conceito da atuação e, em seguida, buscou-se esclarecer a violência

contra a mulher, fator de extrema importância e relevância para o Estado e para a

sociedade.

2.1 ATUAÇÃO POLICIAL: ATRIBUIÇÕES COMO AUTORIDADE

A convivência das pessoas em sociedade passou a exigir, desde épocas

remotas, que se estabelecessem regras destinadas a proteger o indivíduo,

particularmente, mas também considerando o interesse do grupo social como um

todo, de maneira harmônica e equilibrada.

Para França e Marchiori, “a forma democraticamente desenvolvida e

aperfeiçoada ao longo dos tempos, foi o estabelecimento de normas jurídicas, cujo

fundamento é a Lei”. (FRANÇA; MARCHIORI, 2003, p.15).

Entende-se que, por meio de leis, a sociedade institui quais as ações ou

omissões que, pela gravidade da ofensa, ou dano causado ao interesse coletivo,

devem motivar a responsabilidade criminal de quem lhe deu causa, merecendo, por

isso, sanção penal previamente estabelecida na própria lei.

Entretanto, para que ocorra a aplicação de qualquer penalização, é

necessário que haja um processo legal, oportunizando-se ao acusado da prática da

ação ou omissão considerada delituosa amplas condições de se defender das

imputações que lhe estiverem sendo feitas. (FRANÇA; MARCHIORI, 2003).

Nesse cenário de estruturação dos órgãos preventivos e repressivos que

atuam na seara criminal, dentre o Ministério Público e a Polícia Militar, além de

outros atores públicos, a Polícia Civil, ou Polícia Judiciária, está diretamente ligada à

persecução penal, sobretudo na fase administrativa, quando são desencadedas as

investigações em razão de práticas de infrações penais. (FRANÇA; MARCHIORI,

2003).

A principal atribuição da Polícia Civil dos Estados, segundo França e

Marchiori,

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[...] é desenvolver eficaz investigação para esclarecer os delitos, demonstrando sua materialidade (existência) e fornecendo indícios de sua autoria; formalizar, na forma prevista em lei (Código de Processo Penal, especialmente) o resultado destas averiguações, por meio de alucidativos inquéritos policiais e termos circunstanciados, além dos procedimentos especiais previstos na Lei n° 8.069/90 – ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente). (FRANÇA; MARCHIORI, 2003, p.15).

O surgimento da Polícia Civil remonta a época do império, como mostra o

texto a seguir:

No Brasil, a ideia de polícia surgiu em 1500, quando D. João III resolveu adotar um sistema de capitanias hereditárias, outorgando uma carta régia a Martim Afonso de Souza para estabelecer a administração, promover a justiça e organizar o serviço de ordem pública, como melhor entendesse, em todas as terras que ele conquistasse. Registros históricos mostram que, em 20 de novembro de 1530, a Polícia Brasileira iniciou suas atividades, promovendo Justiça e organizando os serviços de ordem pública. (SÃO PAULO, 2016).

Como visto, em terras brasileiras, o modelo policial seguiu o medieval

português, no qual as funções de polícia e judicatura se completavam. Em 31 de

janeiro de 1842, o regulamento nº 120 definiu as funções da polícia administrativa e

judiciária, colocando-as sob a chefia do Ministro da Justiça. Em 20 de setembro de

1871, pela Lei n.º 2033, regulamentada pelo Decreto n.º 4824, de 22 de novembro

do mesmo ano, foi reformado o sistema adotado pela Lei n.º 261, separando-se

Justiça e Polícia de uma mesma organização e proporcionando inovações que

perduram até hoje, como a criação do Inquérito Policial. (BRASIL, 2016).

A Constituição da República estabelece, em seu artigo 144, inciso IV, que a

Polícia Civil é Órgão de Segurança Pública. O parágrafo 4º desse mesmo artigo

preceitua que “às polícias civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares”. Assim, a atribuição da Polícia

Civil é balizada por preceitos constitucionais. (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

A constitiuição do Estado do Rio Grande do Sul, no mesmo sentido da Carta

Maior, ratifica a natureza jurídica da Polícia Civil como órgão de Segurança Pública

(art. 124, inciso II), incumbindo-lhe “ressalvada a competência da União, as funções

de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares”,

conforme o art. 133 da Constituição Estadual. (RIO GRANDE DO SUL, 2016).

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E, como atribuições do polícial civil conforme Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, inserem-se as seguintes:

Art. 144 C.F - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) IV - polícias civis; (...) § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL, 1988)

Já o surgimento da Primeira Delegacia da Mulher no Brasil ocorreu em 1985,

sendo o Estado de São Paulo o pioneiro no País na criação de Delegacia de Defesa

da Mulher (DDM). A primeira delas foi planejada pelo então Secretário da Segurança

Pública Michel Temer e instalada em agosto de 1985, quando André Franco Montoro

(1916-1999) era o governador. (SÃO PAULO, 2016).1 A maior e mais especializada

legislação preventiva e repressiva à violência doméstica e familiar contra a mulher

foi concretizada a partir da Lei nº 11.343/06. A atuação policial frente à violência

contra a mulher está prevista no art. 10 da Lei nº 11.340/2006. Nesse sentido, relata

Nucci: “Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar

contra a mulher, a Autoridade Policial que tomar conhecimento da ocorrência,

adotará, de imediato, as providências legais cabíveis” (NUCCI, 2014, p.698).

Contudo, como menciona Nucci, não há necessidade de constar em lei que a

Autoridade Policial, tomando conhecimento de um caso de violência doméstica e

familiar contra a mulher, deve agir, conforme determinação legal. Tal situação é

óbvia. O parágrafo único desse dispositivo prevê que “Aplica-se o disposto no caput

deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida. (NUCCI,

2014, p.698).

Autoridade Policial Conforme o art. 11da Lei Maria da Penha e, segundo

Nucci, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a

Autoridade Policial deverá, entre outras providências:

I – garantir proteção policial, quando necessário,comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

1 SÃO PAULO. Criação da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher do país completa 30 anos. Portal do Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia2.php?id=241946 Acesso em 10 out de 2016.

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III – Fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV – se necessário, acompanhar a ofendida paa assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V – informar a ofendida os direitos a ela conferidos na Lei e os serviços disponíveis. (NUCCI, 2014, p.699).

Apesar desta previsão legal, nem todas as cidades têm Delegacia da Mulher,

embora toda Autoridade Policial tenha o dever e poder de atender às situações de

violência contra a mulher, incentivando-as a fazer o registro da ocorrência.

O exercício das atribuições da Autoridade Policial, a partir do rol expresso nos

incisos I e V do art.11 desta Lei é positivo e tem por finalidade alcançar a melhor

proteção possível à mulher vítima da violência doméstica ou familiar. (NUCCI, 2014).

Cunha e Pinto relatam que “não é nada fácil a Autoridade Policial destituir-se

de tão ardua tarefa, pois, consiste em garantir à vítima proteção policial, noutras, a

polícia não garante proteção nem a si mesma”. (CUNHA E PINTO, 2014, p.92).

É possível concordar com Nucci, pois, como previsto no inc. IV, do aludido

Diploma Legal, a Autoridade Policial deve acompanhar a ofendida no momento da

retirada de seus bens do local onde mora. Além disso, é possível também à

Autoridade Policial representar pela prisão preventiva do agressor, conforme

autoriza o art. 20 da lei.

Acerca da garantia de proteção ao patrimônio da mulher, Cunha e Pinto ainda

relatam que convém aclarar, que os bens a serem retirados do lar devem se limitar

aos pertences, assim entendidos por exemplo, a documentação, roupas,

medicamentos, objetos de uso típico da mulher etc. (CUNHA E PINTO, 2014, p.93).

Não há dúvidas da importância da Lei nº 11.340/2006, que veio para

salvaguardar os interesses da mulher vítima de violência doméstica no âmbito das

relações familiares. Como ocorre em relação às leis especiais, toda a matéria inédita

e tratada de forma particularizada deve prevalecer sobre outras leis especiais mais

antigas e sobre todas as leis consideradas gerais, como, no caso do Código Penal,

de Processos Penais e Civil. Logo, é desnecessário mencionar em dispositivo

expresso o que já se aplica na prática, por questão de mera logicidade do

ordenamento juridico, há muito tempo. (NUCCI, 2014).

O nascedouro da especialização da matéria criminal envolvendo mulher em

situação de violência doméstica encontra-se no art. 14, que assim dispõe:

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Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência civil e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e no Território, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. (NUCCI, 2014, p.702).

Com isso, criam-se os juizados específicos de ajuda à Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, órgãos integrantes da justiça comum, naturalmente

estadual, decorrente da matéria, com competência cumulativa cível e criminal.

Isso é fruto de uma perspectiva holística da função da Polícia, que também

deve alcançar a função do policial civil como um agente do Estado responsável

pelos direitos humanos de seus semelhantes, não sendo razoável que raros casos

de excessos cometidos por alguns policiais de forma reprovável e merecedora de

devida correição e responsabilização por quem de direito, conduzam a errada

conclusão de que os policiais não defendem nem respeitam aqueles direitos,

sobretudo os que preconizam uma proteção da mulher enquanto sujeito de direitos.

E, para dar sequência ao estudo, no tocante à violência contra a mulher e os

tipos de violência a elas praticados, inicia-se o próximo tópico abordando a violência

contra a mulher.

2.2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Este item tem como finalidade analisar a violência contra a mulher, sendo

que, para isso, buscou-se diferentes autores que referenciaram o assunto em

questão.

Segundo Chaui, a violência está presente ao longo da história da humanidade,

e apenas recentemente tornou-se um problema central, sendo discutido e estudado

por várias áreas do conhecimento, pela sociedade atual na busca de alternativas de

amparo e ajuda. (CHAUI, 2007).

A violência contra a mulher configura-se como qualquer conduto, agressão ou

ação que cause danos físicos, morte, violência sexual, moral ou psicológica, sendo

ela ocasionada tanto em espaços públicos ou privados. Daí porque Cavalcanti vai

dizer que

A violência contra a mulher geralmente se identifica como violência doméstica. Porém, o conceito de violência contra a mulher é mais amplo, pois inclui, segundo consta o art.1 da convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, “qualquer ato de violência baseado em sexo que ocasione algum prejuízo ou sofrimento

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físico, sexual ou psicológico as mulheres, incluídas ameaças de tais atos coerção ou privação arbitrárias da liberdade que ocorram na vida pública ou privada”. (CAVALCANTI, 2008, p.26).

O fato é que a violência doméstica familiar contra a mulher consagrou-se em

um tema atual presente nos diferentes segmentos da sociedade, na medida em que

é um problema que atinge diretamente as mulheres, mas também crianças e idosos

em todo mundo. Isso porque a violência doméstica contra a mulher é derivada das

diferenças nas relações entre homens e mulheres, bem como nas discriminações

ainda existentes na família e na sociedade.

Conforme Cavalcanti, violência doméstica é qualquer ação ou conduta

cometida por familiares ou pessoas que vivem na mesma casa e que cause morte,

dano, sofrimento físico ou psicológico a mulher. Essa violência constitui-se em uma

das formas mais comuns de manifestação da violência e, no entanto, uma das mais

invisíveis, sendo uma das violações dos direitos humanos mais praticadas contra

pessoas de menor reconhecimento da sociedade. Não é de se olvidar que a

violência doméstica contra a mulher trata-se de um fenômeno mundial que não

respeita fronteiras classe social, raça, etnia, religião, idade ou grau de escolaridade.

(CAVALCANTI, 2008).

Seguindo o raciocínio do autor, geralmente o agressor acusa a sua vítima

criando um clima de vergonha e culpa para a mesma, sentindo-se retraída, ferida e

com medo de denunciar, pois muitas vezes o agressor faz promessas incabíveis,

com o propósito de evitar a denúncia dele, gerando um processo de violência e de

sofrimento cíclico da mulher.

Daí porque, estabelece o art. 2.° da Lei Maria da Penha, que toda mulher

goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. (NUCCI, 2014, p.687),

como se afere pelo texto abaixo:

Art. 2.° Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (NUCCI, 2014, p.687).

Embora reconheça o gênero feminino hipossuficiente em relação ao

masculino, ao longo do tempo, concordando com a necessidade de instituição de

políticas públicas para substancializar a igualdade entre homens e mulheres, com

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relação ao direito penal, Lira relata que, “A coibição à violência doméstica e familiar

contra a mulher não deve ser alcançada a partir da norma penal. Ainda que o Direito

Penal tenha uma face de prevenção”. (LIRA, 2015, p.165).

Portanto, com isso entende-se que existe proteção contra a mulher, seja ela

na Lei Maria da Penha, como também no próprio Código Penal Brasileiro.

Existem vários tipos de violência contra a mulher. Ao longo deste estudo,

constatou-se que a violência contra a mulher pode se manifestar de várias formas e

com diferentes graus de severidade. Estas formas de violência não se produzem

isoladamente, mas fazem parte de uma sequência crescente de episódios, do qual o

homicídio é a manifestação mais extrema. Dentre as maneiras de se causar

sofrimento à mulher destacam-se:

- Violência física; - Violência de gênero; - Violência intrafamiliar; - Violência sexual; - Violência psicológica. 2

Verifica-se, portanto, que a Lei Maria da Penha amplia o espaço de

ocorrência da violência domiciliar e familiar, que pode ser praticada em qualquer

lugar, desde que motivada por uma relação de afeto ou de convivência familiar entre

agressor e mulher ofendida. Essa relação pode, inclusive, não ser atual, quando é o

caso de mulher agredida em via pública, pelo ex-marido ou ex-companheiro, por

motivo relacionado à convivência anterior entre agressor e vítima.

Por outro lado, atos de violência contra a mulher, praticados por agente que

não se enquadre numa das três hipóteses previstas no art. 5º e seus incisos, não

serão submetidos ao tratamento estabelecido na Lei 11.340/2006, sendo-lhes

aplicadas as demais normas da legislação comum.

Nos termos do art. 7º, a prática de violência contra a mulher pode assumir as

seguintes formas de manifestação:

1) Física, "entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal" (inciso I). Estariam incluídas aí, condutas caracterizadoras de crimes como o homicídio, aborto, lesão corporal. 2) Psicológica, "entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima" (inciso II).

2 LEI Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 22 set 2016.

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3) Violência Sexual, "entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força" (inciso III). Este tipo de conduta pode configurar um dos crimes contra a liberdade sexual, definidos no Código Penal. 4) Violência Patrimonial, "entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total" de bens de qualquer natureza pertencentes à ofendida (inciso IV). Podem ser aqui enquadrados casos em que a mulher, por medo, coagida ou induzida a erro, transfere bens ao agressor. 5) Violência Moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (inciso V). São as hipóteses de crimes contra a honra tipificadas no Código Penal. (BRASIL, 2006).

Aqui, a lei é exaustiva, ao indicar e descrever cinco formas de violência contra

a mulher. Desde a violência física, que é a mais comum, à violência moral. Esta

última, que não é rara na vida real, ocorre nos casos em que a mulher for caluniada,

difamada ou injuriada pelo marido ou companheiro e sempre que a conduta violenta

for praticada no espaço de uma relação doméstica ou familiar. (LEAL, 2008).

De fato, na história da humanidade permeia a relação de domínio, e se for

feita uma análise ao passado poderá se constatar que as mulheres sequer possuíam

direito ou autonomia sobre suas vontades, nem sobre sua própria vida. A cultura

forjada ao longo do tempo estabeleceu uma abjeta premissa de que o gênero

feminino nasceu para ser de propriedade masculina dispondo eles poder sobre elas

e hoje a violência contra a mulher nada mais é, do que os resquícios que sobraram

de um passado com relação desigual de poder resultando em uma cultura iníqua de

total dominação sobre o sexo feminino. (LEAL, 2008).

O conceito violência contra mulher é constantemente aplicado como sinônimo

de violência doméstica e nas relações de gênero. No Brasil, o termo começou a ser

usado no final dos anos 70 e propagou-se rapidamente em função das mobilizações

feministas contra o assassinato de mulheres resultando na impunidade dos

agressores (GROSSI, 1998).

Ao analisar as consequências dos atos de violência contra as mulheres,

percebe-se a forma de total submissão a qual foi imposta sobre a figura feminina. Ao

contrário do homem, pois sobre a figura masculina pairava o poder, já que tudo

girava em torno de um chefe e era ele que tomava as decisões da casa, da família e,

consequentemente, a mulher estava incluída nesse autoritarismo, sem chances para

viver livremente e tomar suas próprias decisões. (GROSSI, 1998).

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Chaui configura violência contra as mulheres como sendo um resultado de

uma ideologia de dominação masculina, definindo-a como uma ação que transforma

diferenças em desigualdades hierárquicas com o principal objetivo de dominar,

explorar e oprimir. (CHAUI, 2002)

Não é difícil perceber que a violência usa o outro para destruir, atingindo a

humanidade como um todo. Daí porque a questão de gênero é vista e ensinada com

base na condição de ser homem e ser mulher, a fim de buscar os papéis sociais que

cada um apreende na sociedade. O homem visto com a ideia de que deve trazer o

sustento da casa e a mulher como quem tem o dever de cuidar dos serviços

domésticos bem como, o cuidado com os filhos, como descreve Safiotti:

[…] se trata de uma cultura da hierarquia de poder que domina a estrutura social, sendo legitimada pela ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. As mulheres tendiam a ser tomadas apenas pelo útero errante no seu corpo, visto que sua figura era colada à maternidade, já os homens eram vistos como seres que trabalham na rua. (SAFFIOTI, 1994, p. 44).

É também o pensamento de Izumino e Santos, quando sustentam uma

relação de dominação como

A ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não como “sujeito”, o qual é silenciado e se torna dependente e passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde sua autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como “capacidade de autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir”. (IZUMINO, SANTOS, 2016, p. 3).

No entanto, o termo violência de gênero também pode ser considerado como

um ato machista, no qual o homem se sustenta para submeter à mulher as suas

vontades, com o fim de conseguir o conformismo da vitima a este estado de poder,

resultando na própria violência à mulher. Dada essa denominação ao homem, o

mesmo julga-se na condição e no direito de ser capaz de bater em sua mulher. Para

Saffioti, as mulheres se submetem à violência não porque “consintam”: elas são

forçadas a “ceder” porque não têm poder suficiente para consentir. (SAFFIOTI,

1994).

Assim, ao contrário do sujeito masculino, o sujeito feminino tem sido tratado

como um ser “dependente”, destituído de liberdade para pensar, querer, sentir e agir

autonomamente. (IZUMINO, SANTOS, 2016, p. 4).

Os autores têm evidenciado que as desigualdades sociais não vêm de hoje.

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Elas possuem uma história que vem de anos, e com ela as mais variadas formas de

preconceitos e exclusões. Os papéis sociais, exercidos entre homens e mulheres,

estão construídos social e culturalmente, onde a mulher sempre tomou à parte de

submissão da história, oriundas de várias questões culturais, colocando os homens

à frente das mulheres que acabaram exercendo um papel secundário e de

submissão.

Cruz destaca que:

A violência de gênero é aquela que se dá em função dos papéis sociais masculinos e femininos atribuídos ao homem e à mulher, que determinam culturalmente a dominação da sociedade pelo homem. É um problema mundial ligado ao poder, privilégios e controle masculinos, que atinge as mulheres independente de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade opção sexual ou condição social. Essas variáveis influenciam em relação a uma maior ou menor dominação e violências entre as pessoas e entre homens e mulheres, mas na imensa maioria das culturas, as mulheres tem um papel mais vinculado ao privado, à reprodução e educação dos filhos. (CRUZ, 2012, p.35).

Ainda conforme Cruz, quando se faz referência às relações de gênero

precisa-se aprofundar, e buscar todo o histórico existente, pois, em regra, o homem

se dá como o vilão, empregando sua força em forma de violência física, psicológica,

moral e patrimonial para que a mulher se sinta fragilizada e em situação de

dominação tornando-as mais temerosas e interrompendo o desenvolvimento delas

na sociedade, o que as faz inseguras e frágeis diante aos problemas do cotidiano e

de sua vida. (CRUZ, 2012)

É por isso que a política criminal tem se ocupado da violência doméstica

familiar com maior prioridade, dada a urgência em prevenir e reprimir tais formas de

subjugo e agressões.

A partir de agora, iniciando o terceiro capítulo serão abordados os serviços e

instituições que compõem a rede de enfrentamento contra a violência doméstica,

exaltando sua real importância para a garantia dos direitos das mulheres para

ensejarem de uma vida digna de todo e qualquer ser humano, também se falará do

Serviço Social enquanto instrumento articulador desses direitos, possibilitado para

garantia da qualidade de vida social, emocional e física.

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3 A EFETIVAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA NO MUNICÍPIO DE SANTA ROSA -

RS

Neste capítulo, estuda-se a efetivação da Lei Maria da Penha no Município de

Santa Rosa – RS, além de analisar como funciona a rede de proteção à mulher e,

principalmente, a atuação policial no atendimento de casos referentes a Lei Maria da

Penha no ano de 2015.

3.1 A REDE DE PROTEÇÃO A MULHER NO MUNICÍPIO DE SANTA ROSA –RS

Foi a partir do Decreto n°47.917, de 29 de março de 2011, que, em seu artigo

1°, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, no uso de usas atribuições, criou a

Delegacia de Polícia no Município de Santa Rosa – RS, integrante da 10° Região

Policial.

De acordo com o referido ato legislativo, a criação desse espaço policial tem a

seguinte atribuição:

Art. 2º - À Delegacia de Polícia ora criada compete prevenir, reprimir e exercer atividades de Polícia Judiciária no Município de Santa Rosa, nos crimes de lesões corporais, contra a liberdade pessoal e contra a dignidade sexual em que o sujeito passivo do delito seja pessoa do sexo feminino.

No artigo 3º do Decreto, a classificação da Delegacia de Polícia classifica-se

em 3ª categoria e tem a seguinte estrutura:

I – Secretaria; II – Serviço de Recepção; III – Serviço de Investigação; IV – Serviço de Plantão; V – Cartórios; VI – Depósitos; VII – Posto de Rádio. Parágrafo único - Os órgãos referidos neste artigo têm as mesmas atribuições que os similares previstos no Regimento Interno da Polícia Civil. (BRASIL, 2011).

A Delegacia Especializada substituiu o antigo Posto Policial, como se

constata do artigo 4º, que prevê “Este Decreto entra em vigor na data de sua

publicação, revogando-se a Portaria nº 36/1990-SSP, que criou o Posto Policial para

a Mulher no Município de Santa Rosa”.

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Atualmente, a delegacia está situada no segundo andar do prédio da 10°

Região Policial, na Rua Palmeira n° 229, conta com 3 policiais em horário comercial

e no plantão (DPPA).

No item a seguir demonstra-se a atuação policial especificamente no

atendimento a ocorrências dos casos de Maria da Penha.

3.2 A ATUAÇÃO POLICIAL ESPECIFICAMENTE NO ATENDIMENTO DE CASO

MARIA DA PENHA NO ANO DE 2015

Após pesquisa na Delegacia de Polícia e coleta de dados para atingir um dos

objetivos propostos neste estudo, vai-se descrever e analisar as ocorrências

registradas e inquéritos instaurados de janeiro a dezembro do ano de 2015.

Segundo os dados coletados, no ano de 2015, houve 516 inquéritos policiais

instaurados na DEAM – Delegacia de Atendimento à Mulher, no Município de Santa

Rosa – RS.

Ilustração 1 – Inquéritos instaurados na DEAM de Santa Rosa – RS no ano de 2015 Fonte: Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher de Santa Rosa/RS.

Portanto, conforme ilustração acima, dentre os 516 inquéritos instaurados no

ano de 2015, as infrações penais de maior incidência foram, 42% (quarenta e dois

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por cento) por ameaça; 32% (trinta e dois por cento) lesão corporal; e 14% (quatorze

por cento) vias de fato.

Após o registro de ocorrência policial, envolvendo vítima de violência

doméstica, inicia-se a fase de investigação propriamente dita.

Na seara policial, de praxe, comparece a vítima na Delegacia de Polícia

comunicando o crime, efetua-se o registro de ocorrência, caso a vítima queira

solicitar medidas protetivas, estas serão redigidas em um ofício (de um modelo

padrão no sistema OCR da Polícia Civil, onde é qualificada a vítima, seus

dependentes, caso houver, o agressor, assim como a especificação das medidas

protetivas, padronizadas no sistema) e encaminhados ao judiciário, onde o Juiz as

analisará, concedendo-as ou não.

Independente da concessão das medidas protetivas pelo Magistrado, será

instaurado o Inquérito Policial do fato, exceto se a vítima não deseja representar

(quando ação for condicionada à representação).

Em caso de ação incondicionada, quando independe de representação da

vítima, será instaurado Inquérito Policial e após as diligências necessárias, haverá a

conclusão e remessa do procedimento ao Judiciário.

Ainda no âmbito policial, durante o registro de ocorrência, é solicitado à vítima

de violência doméstica, se permanecerá em sua residência ou se irá para casa de

algum familiar, ou se necessita de encaminhamento à casa de passagem (estrutura

do município de Santa Rosa), ou ainda, se necessita de algum acompanhamento

policial até sua residência para retirada de alguns objetos de uso pessoal, caso a

vítima necessite será dado o acompanhamento policial ou o devido

encaminhamento, do contrário, apenas será encaminhado ao Judiciário o ofício

solicitando as medidas protetivas.

Também pode ocorrer de a vítima não solicitar medidas protetivas e apenas

representar/processar o agressor pelo crime praticado, quando então será

instaurado o Inquérito Policial; realiza-se as diligências, como oitiva do agressor, de

testemunhas, etc., necessárias para conclusão do procedimento policial e remessa

ao Judiciário.

Há, ainda, casos em que a vítima apenas deseja efetuar o registro de

ocorrência policial, sem representação, sem solicitação de medidas protetivas e sem

qualquer diligência disponível para a vítima. Neste caso, não haverá instauração de

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procedimento policial e a ocorrência aguardará pelo prazo decadencial de seis

meses, posteriormente será arquivada, caso a vítima não representar.

Ressalte-se que, em Santa Rosa, por existir a Delegacia Especializada ao

Atendimento à Mulher – DEAM, todos os procedimentos envolvendo casos de

violência doméstica contra mulher, são de competência desta, portanto os inquéritos

são instaurados, concluídos e remetidos ao Judiciário por esta Especializada.

Durante o horário de expediente, as ocorrências policiais envolvendo crimes

de violência doméstica podem também ser registradas na 2ª Delegacia de Polícia,

no Bairro Cruzeiro, onde também é feita a solicitação de medidas protetivas, caso a

vítima desejar. Posteriormente, se encaminha a ocorrência e demais documentação

à DEAM para instauração do Inquérito Policial. Tratando-se de crime de lesão

corporal, a vítima será encaminhada ao Posto Médico Legal – PML/Santa Rosa para

exame de lesão corporal.

Dependendo do caso concreto, por exemplo, em um crime de homicídio, na

seara policial, a Autoridade Policial poderá representar junto ao Judiciário pela

prisão do agressor, além da possibilidade de prisão em casos de auto de prisão em

flagrante.

Após este estudo, viu-se que a Rede de Atendimento à Mulher em situação

de violência doméstica é uma ação que reúne os órgãos públicos, comunidade e

sociedade em geral. É reunir esforços para enfrentar a violência doméstica que está

caracterizada de diferentes formas, como: violência sexual, doméstica, física e

emocional, violência psicológica e violência social. (BRASIL, 2011).

A DEAM – Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher da 10ª Região

Policial/Santa Rosa conta com um quadro pessoal, atualmente com 03 policiais civis

(duas Escrivãs de Polícia e um Inspetor de Polícia).

Com relação aos cargos de Escrivão (ã) e Inspetor(a), há algumas atribuições

específicas, inerentes, como por exemplo, o cargo de Escrivão de Polícia tem suas

atribuições vinculadas às funções cartorárias nas delegacias de polícia, dentre elas

pode-se citar a realização dos autos de prisão em fragrante, os quais sempre são

presididos pelas Autoridades Policiais (Delegados de Polícia). Já o cargo de Inspetor

de Polícia tem suas atribuições vinculadas à parte investigativa, diligências de

campo, cumprimentos de mandados de busca e prisão, etc.

Evidente que não impede, por exemplo, de um Inspetor em realizar um auto

de prisão em flagrante, presidido pela Autoridade Policial, apenas esta precisa

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nomear o Inspetor na função Ad Hoc. Assim também ocorre com o cargo de

Escrivão de Polícia, o qual pode também exercer as funções de investigação,

cumprimento de mandados, etc. Então, na prática, as atividades exercidas nos

cargos de Inspetor e Escrivão de Polícia são as mesmas, é comum um Escrivão

chefiar, por exemplo, a Seção de Investigações, e, pode um Inspetor ser chefe ou

exercer as atividades da secretaria e/ou de um cartório de uma delegacia;

A DEAM em Santa Rosa tem em sua carga uma viatura. Caso haja

necessidade no cumprimento de diligência, de deslocamento de mais de uma viatura

e mais de três policiais, como por exemplo, no cumprimento de mandado de prisão

e/ou mandado de busca e apreensão, é solicitado apoio de outros agentes com

viaturas de outra(s) Delegacia(s).

Esta Delegacia Especializada, não conta com um Delegado de Polícia Titular,

atualmente, porém há uma Autoridade Policial responsável, Delegado de Polícia

Substituto, ou seja, é o Delegado de Polícia Titular da DPPA (Delegacia de Polícia

de Pronto Atendimento - Plantão) que é responsável por este órgão. Nos primeiros

meses de 2015, havia uma Autoridade Policial Titular da DEAM, mas em virtude de

transferência, a Delegacia conta com Autoridade Policial Substituta. Na prática não

há prejuízo no atendimento e prosseguimentos dos procedimentos policiais por a

Autoridade Policial ser titular ou substituta, talvez uma sobrecarga, por o(a)

Delegado(a) responder por mais de um órgão policial.

Ainda, a DEAM conta com uma agente administrativa, a qual não é policial e

realiza os serviços de secretaria e atendimento ao balcão.

O regime de trabalhando dos agentes da DEAM é o horário de expediente, ou

seja, 08 horas diárias (horário compreendido das 08:30 às 12:00 horas e das 13:30

às 18:00 horas, 40 horas semanais), além de eventuais jornadas fora do horário de

expediente, como por exemplo, o cumprimento de Mandados de Busca e/ou

cumprimento de Mandados de Prisão, etc.

Atendimentos de competência da DEAM: Cabe ressaltar que além dos fatos

de envolvimento de violência doméstica (lei Maria da Penha/Lei 11.340/2006), a

DEAM também tem a demanda de todos os fatos em que a mulher (nesse sentido

também crianças ou adolescentes) e o idoso, de alguma forma foram vítimas de

algum fato criminoso, podendo se tratar de IPs (Inquéritos Policiais); TCs (Termos

Circunstanciados) ou PAIs (Procedimentos de Adolescentes Infratores).

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Com relação ao atendimento da DEAM: durante o horário de expediente

ocorre o atendimento normal, inclusive registro de ocorrências envolvendo casos de

atribuição deste órgão (como por exemplo, casos envolvendo situação da Lei Maria

da Penha, Lei 11.340/2006), exceto a realização de autos de prisões em flagrantes,

que, por não possuir uma estrutura adequada, como por exemplo, a falta de uma

cela, é realizada, confeccionados pela DPPA (Delegacia de Polícia de Pronto

Atendimento), visto possuir melhor estrutura, seja predial ou funcional. Fora do

horário de expediente as ocorrências de atribuição da DEAM, são atendidas pela

DPPA e posteriormente encaminhadas a essa delegacia, face circunscrição.

Ressalte-se que todos os procedimentos, de primeiro atendimento, como

solicitação de medidas protetivas e encaminhamento destas ao judiciário, eventual

diligência necessária, ou encaminhamento da vítima para exame de lesão corporal,

assim como acompanhamento da vítima até sua casa para retirada de objetos

pessoais, documentos, etc, encaminhamento à casa de passagem, etc., são

realizados pelos agentes da DPPA que efetuam o registro fora do horário de

expediente ou em caso de flagrância.

Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento – DPPA (Plantão Policial): este

órgão policial funciona vinte e quatro horas (24 h). Atualmente é formada por quatro

equipes de quatro policiais cada. A carga horária dos agentes dessas equipes é de

24/72 horas, ou seja, cada equipe trabalha 24 horas (entram as 08:00 horas de um

dia saem às 08:00 do dia seguinte, descansando/folgando 72 horas/03 dias).

Portanto, a demanda dessa Delegacia compreende a realização de todos os

registros de ocorrência, podendo ser feitos, mesmo sendo de

circunscrição/atribuição de outra Delegacia, neste caso, posteriormente, o boletim de

ocorrência será encaminhado ao respectivo órgão policial.

Fora do horário de expediente a DPPA também realiza o atendimento de

ocorrências de outros municípios, dentro da 10ª Região Policial (DPs de Santa Rosa,

Santo Cristo, Godói, Campina das Missões, Porto Lucena, Porto Vera Cruz, Alecrim,

Porto Mauá, Tuparendi, Tucunduva, Horizontina, Três de Maio, Independência,

Alegria e Boa Vista), mas apenas casos de autos de prisão em flagrantes e/ou

ocorrências que não são registrados pela Brigada Militar, como por exemplo, roubos,

homicídios, etc.

Ainda, a DPPA possui a demanda dos Termos Circunstanciados (TCs)

compreendidos na circunscrição da cidade de Santa Rosa, com isso conta com

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agentes (Policiais Civis) que trabalham em cartórios, durante o horário de

expediente, além da Autoridade Policial, Titular desse órgão policial.

No município de Santa Rosa, as Redes de Órgãos de Atendimento à Mulher

vítima de violência doméstica são:

a) SEGURANÇA PÚBLICA: Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros,

Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Instituto Médico Legal;

b) JUDICIÁRIO: Juizado Criminal, Ministério Público, Defensoria Pública;

c) ASSISTÊNCIA SOCIAL: Centro de Referência Especializado de

Assistência Social - CREAS, Centro de Referência de Assistência Social –

CRAS;

d) SAÚDE: Hospital Vida e Saúde, Hospital Abosco, Postos de Saúde,

Clínicas/Consultórios Particulares.

Com isso, os poderes públicos e a comunidade em geral criaram diferentes

órgãos e centros de apoio. A ilustração abaixo demonstra em ângulo nacional como

pode funcionar a rede de atendimento à mulher em situação de violência.

Ilustração 2 - Rede de atendimento a mulher em situação de violência. Fonte: SENASP. Ministério da Justiça e Cidadania. Disponível em:

https://pt.scribd.com/doc/276833442/Maria-Da-Penha-Senasp acesso em: 23 set 2016.

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É importante notar que o trabalho em rede requer dos serviços e profissionais

envolvidos a atuação conjunta para buscar soluções, articulação dos equipamentos

e das instituições da rede de atendimento, atendimento qualificado e humanizado e

profissionais capacitados.

O trabalho em rede: favorece o estabelecimento de vínculos positivos por

meio da interação entre indivíduos; favorece reflexão, troca de experiências e busca

de soluções para problemas comuns; estimula o exercício da solidariedade e da

cidadania; mobiliza pessoas, grupos e instituições para utilizar os recursos da

própria comunidade; aumenta a resistência a partir de entrelaçamentos; e) fortalece

vínculos comunitários e estimula o protagonismo social (SENASP, 2016).

Segundo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres, a rede de atendimento faz referência ao conjunto de ações e serviços de

diferentes setores (em especial, da assistência social, da justiça, da segurança

pública e da saúde), que visam à ampliação e à melhoria da qualidade do

atendimento; à identificação e ao encaminhamento adequados das mulheres em

situação de violência; e à integralidade e à humanização do atendimento. Algumas

informações são críticas para os (as) profissionais de saúde que atendam pessoas

em situação de violência sexual. (BRASIL, 2011). A atenção à violência sexual

contra a mulher é condição que requer abordagem intersetorial e interdisciplinar,

com importante interface com questões policiais e judiciais, conforme mostrou a

ilustração 2.

Entre as instituições e serviços cadastrados estão:

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher

(DEAMs) compõem a estrutura da Polícia Civil e são encarregadas de

realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento

legal. Nessas unidades é possível registrar o Boletim de Ocorrência (B.O.)

e solicitar medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica

contra a mulher. Segundo dados do Ministério da Justiça, até agosto de

2012 havia 475 Delegacias ou Postos Especializados de Atendimento à

Mulher em funcionamento no país.

Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAMs) – são

espaços de acolhimento e acompanhamento psicológico e social a

mulheres em situação de violência, que também fornecem orientação

jurídica e encaminhamento para serviços médicos ou casas abrigo.

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Casas Abrigo – oferecem asilo protegido e atendimento integral

(psicossocial e jurídico) a mulheres em situação de violência doméstica

(acompanhadas ou não dos filhos) sob risco de morte. O período de

permanência nesses locais varia de 90 a 180 dias, durante o qual as

usuárias deverão reunir as condições necessárias para retomar a vida fora

dessas casas de acolhimento provisório.

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) – unidades

públicas que desenvolvem trabalho social com as famílias, com o objetivo

de promover um bom relacionamento familiar, o acesso aos direitos e a

melhoria da qualidade de vida.

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – órgãos

da Justiça ordinária com competência cível e criminal, são responsáveis

por processar, julgar e executar as causas decorrentes da prática de

violência doméstica e familiar contra a mulher.

Órgãos da Defensoria Pública – prestam assistência jurídica integral e

gratuita à população desprovida de recursos para pagar honorários a

advogados e os custos de uma solicitação ou defesa em processo

judicial/extrajudicial ou de um aconselhamento jurídico.

Serviços de Saúde Especializados para o Atendimento dos Casos de

Violência Contra a Mulher – contam com equipe multidisciplinar

(psicólogas/os, assistentes sociais, enfermeiras/os e médicas/os)

capacitada para atender os casos de violência doméstica contra a mulher e

de violência sexual. Nos casos de violência sexual, as mulheres são

encaminhadas para exames e são orientadas sobre a prevenção de DSTs

– incluindo HIV – e da gravidez indesejada. Além disso, oferecem abrigo,

orientação e encaminhamento para casos de abortamento legal. (BRASIL,

2011).

A Lei n.º 10.778, de 24 de novembro de 2003, estabelece a notificação

compulsória, no território nacional, dos casos de violência contra a mulher, atendidos

em serviços públicos e privados de saúde. O cumprimento da medida é fundamental

para o dimensionamento do fenômeno da violência sexual e de suas consequências,

contribuindo para a implantação de políticas públicas de intervenção e prevenção do

problema. (BRASIL, 2003).

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Importante destacar que, em casos de gravidez, suspeita ou confirmada,

deve-se considerar a demanda da mulher ou adolescente, identificando se manifesta

desejo ou não de interromper a gravidez. Cabe aos profissionais de saúde fornecer

as informações necessárias sobre os direitos da mulher e apresentar as alternativas

à interrupção da gravidez, como a assistência pré-natal e a entrega da criança para

adoção. (SENASP, 2016).

Toda essa reviravolta no processo de positivação de direitos e garantias

fundamentais a serem protegidos pela norma penal foi inaugurada em 1988, com a

promulgação da Constituição Federal, quando a mulher passou a ter reconhecida

sua igualdade, em direitos e obrigações, em relação à sociedade conjugal,

notadamente em relação ao homem (Art. 226, parágrafo 8º).

O fato é que a Lei Maria da Penha trouxe várias conquistas. Entre elas pode-

se destacar:

- Vedou a aplicação da Lei 9.099/95, Lei do Juizado Especial Criminal (criada

para crimes de menor potencial ofensivo), ou seja, deve ser instaurado

Inquérito Policial para apuração dos crimes praticados contra a mulher,

impedindo a elaboração de termo circunstanciado;

- Acabou com uma prática antiga utilizada pelas Delegacias de Polícia, que

encarregavam a mulher de entregar ao marido a intimação para

comparecimento, o que gerava mais problemas para a vítima, que muitas

vezes desistia de denunciar o agressor. (SENASP, 2016).

Hoje, o parágrafo único do art. 21 da lei determina que: “A ofendida não

poderá entregar intimações ou notificação ao agressor”.

Além disso, a Lei Maria da Penha vedou a aplicação de penas de cesta

básica ou outra prestação pecuniária. O agressor não temia o processo criminal,

pois sabia que seria condenado ao pagamento de cesta básica, o que muitas vezes

era usado como forma de humilhar a vítima e fazê-la desistir do processo. Também,

a referida Lei trouxe a possibilidade da decretação da prisão preventiva do agressor,

conforme o disposto no art. 20 da lei. (SENASP, 2016).

Essa medida foi possível de ser adotada porque o art. 42 da Lei Maria da

Penha modificou o Código de Processo Penal: Embora a lei não utilize o termo “rede

de atendimento”, percebe-se que ela tem como pano de fundo ou princípio o

atendimento da mulher vítima de violência doméstica ou familiar em “rede”, ou seja,

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estabelece medidas integradas de prevenção da violência doméstica e familiar.

(SENASP, 2016).

Na questão do cumprimento de pena, a nova lei estabeleceu o embrião da

chamada Justiça Terapêutica, ao determinar que, nos casos de violência doméstica

contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor

e programa de recuperação e reeducação. (SENASP, 2016).

Outro mecanismo importante e a aplicação de Medidas Protetivas. A Lei

Maria da Penha traz um rol de medidas que podem ser decretadas pelo juiz a

requerimento do Ministério Público ou a pedido da mulher. Essas medidas visam

garantir maior efetividade à lei e proteção à mulher vítima de violência,

resguardando sua integridade física, além de proteger seus bens. (SENASP, 2016).

Dentre as medidas possíveis, o juiz pode obrigar o agressor a:

I – Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao

órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – Proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o

limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio

de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade

física e psicológica da ofendida;

d) restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a

equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; e

e) prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Em relação à mulher, o

juiz poderá:

I – Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou

comunitário de proteção ou de atendimento;

II – Determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao

respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III – Determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos

relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – Determinar a separação de corpos.

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Para proteger os bens do casal ou de propriedade particular da mulher, o juiz

em sede de medidas protetivas, pode determinar:

I – Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II – Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra e

venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização

judicial;

III – Suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e

danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar

contra a ofendida. (SENASP, 2016).

Neste capítulo, portanto, estudou-se a efetivação da Lei Maria da Penha no

Município de Santa Rosa – RS, como funciona a rede de proteção à mulher e

principalmente a atuação policial no atendimento de caso Maria da Penha no ano de

2015.

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CONCLUSÃO

A Lei Maria da Penha representa um passo adiante no combate à violência,

mas demanda um controle rigoroso por parte da sociedade e, em particular, da

organização de rede em relação à criação das condições necessárias à sua

aplicação.

Os casos de violência contra a mulher, muitas vezes, não transparecem por

diversos motivos. A própria vítima por sua condição de vulnerabilidade econômica,

social e psicológica, silencia-se sobre sua condição. É preciso buscar alternativas

para a reversão desse tipo de violência, que fragiliza os laços familiares, trazendo

implicações para toda uma comunidade. Muitas vezes, são mães, vítimas de ações

criminosas dentro de sua própria casa, causando angústia para os filhos, trazendo

serias consequências e, até mesmo, gerando futuros adolescentes desestruturados

e infratores. Trata-se de um círculo vicioso de ações violentas, impactando o grupo

familiar e a vida social.

Além disso, o trabalho contribui para a formação do próprio pesquisador, e se

configurará em um instrumento de pesquisa para acadêmicos, estudiosos da área, e

para a sociedade como um todo, tendo em vista sua atualidade e pertinência.

Viu-se com esse estudo mediante as hipóteses levantadas que é possível

sustentar que a Lei nº 11.340 de 2006 trouxe mecanismos suficientes para coibir a

violência doméstica e familiar praticada contra a mulher.

O modelo de atuação da Polícia Judiciária em razão de casos de violência

doméstica e familiar cometida contra a mulher é eficiente e se traduz em uma

intervenção do Estado necessária para estancar a violência e prevenir novas

investidas do agressor contra a ofendida.

Com base nos dados levantados na DP Santa Rosa – RS, viu-se que a

violência contra a mulher no município é um número bastante significativo, dividindo

este número (516) por 365 dias do ano, obtém-se 1,4 Inquérito Policiais instaurados

por dia, além de ocorrências registradas sem representação (quando não há

instauração de Inquéritos policiais), quando as vítimas somente querem fazer o

registro.

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Viu-se também que a Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher

ajuda coibir a violência doméstica principalmente no que consiste ao atendimento às

vítimas, pois trata-se de uma Delegacia Especializada para tal atendimento. Em

Santa Rosa há uma certa precariedade do número de funcionários que trabalham

nesta Delegacia, 03 agentes policiais e 01 Delegado responsável (não titular) para

todo o município de Santa Rosa, sendo que necessitaria de mais policiais tendo em

vista a população do município e a respectiva demanda dessa natureza de crimes.

Nem todos os casos de violência que chegam a DEAM, viram Inquérito

Policial, apenas são instaurados inquéritos, nos casos de ação incondicionada (que

independe de representação da vítima, como em casos de crimes de lesão corporal,

homicídio ou tentativa de homicídio, vias de fato, etc.) ou nos casos de ação

condicionada à representação (quando depende de representação da vítima, ou

seja, a vítima diz que quer processar o agressor/autor, como por exemplo, em caso

de crimes como a ameaça). Nestes casos, quando a vítima não representar, não

será instaurado inquérito e se aguardará o prazo decadencial de seis meses que a

vítima possui o direito de representar ou não, caso ultrapassar os seis meses em

representar, a vítima não terá mais esse direito.

Pode-se dizer também que não tem como classificar um estilo de mulher que

é vítima de violência doméstica, pois qualquer mulher e de qualquer classe social

pode ser vítima da lei 11.340/2006, mas há uma maior procura nas delegacias,

pelas mulheres que são submissas economicamente ao agressor, de classe pobre e

que não tem uma estrutura familiar que possa acolher a vítima.

Com isso, também pode-se dizer que não tem como classificar um perfil

especifico dos acusados, mas grande quantidade dos casos envolvendo crimes

de violência doméstica, as vítimas mencionam como causa o alcoolismo, dizem que

o autor somente é agressivo quando ingere bebidas alcoólicas ou está embriagado

ou sob efeito de drogas, e quando não está sob o efeito de álcool é uma boa

pessoa.

Procurou-se saber também quais os fatores que levam a violência doméstica

e um dos fatores pode-se citar o alcoolismo, o efeito das drogas, mas também há

um ciclo em que vítima diz que já vem sofrendo agressão há muito tempo e, com o

registro e desfecho do procedimento no Judiciário, o agressor promete não agredir

mais, mas após certo tempo tudo começa novamente.

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E como análise final deste estudo entende-se que essa situação pode

melhorar através de mais programas sociais e intervenções como por exemplo

da assistência social, por meio de cursos ou palestras sobre conscientização dos

agressores com relação aos crimes e consequências, poderia se diminuir situações

envolvendo casos de violência doméstica.

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