Upload
vuongbao
View
224
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
2unidade
OS FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA E A COMPREENSÃO DAS
RELAÇÕES ENTRE CULTURAE EDUCAÇÃO
Seção IV A cultura como base para a compreensão do
homem moderno.Seção V Veratravésdooutro:aexperiênciaetnográfica. Seção VI
Diferença e diversidade: o elogio da alteridade.
• Seção IV: apresentar a relevância do conceito de
cultura para a construção teórico-metodológica da
Antropologia e da Educação.
• Seção V: refletir sobre o trabalho da etnografia
para a consolidação das abordagens antropológicas
contemporâneas.
• SeçãoVI: refletir sobre a alteridade comoprincípio
fundador das posturas antropológicas e pedagógicas.Obje
tivos
OS FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA E A COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE
CULTURA E EDUCAÇÃO
seções 4 5 6
45PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
4
SEÇÃO IVA CULTURA COMO BASE PARA A COMPREENSÃO DO
HOMEM MODERNO
Afirmamosanteriormentequeoconceitodeculturaéumdos
elementos de ligação entre a Antropologia e a Educação. À medida
que o pensamento social, na modernidade, ocupou-se em definir
a cultura como conceito através do qual se compreende de forma
sistemática o ser humano, em suas relações com a natureza e a
sociedade,tantoaAntropologiaquantoaEducaçãoavançaramnos
seus desenvolvimentos teóricos.
Natentativadeprecisaroconceitodecultura,aAntropologia
conseguiucatalogarmaisde150definiçõesdiferentesparaotermo.
Foram criadas várias escolas de pensamento antropológico que
desenvolveram suas teorias culturais, entre as mais importantes
estão: o evolucionismo, o difusionismo, o estruturalismo, o
estruturalismo-funcional e o personalismo cultural. Dadas as
diferentes e divergentes abordagens do conceito de cultura destas
escolas, o debate mais recente da Antropologia, segundo Kuper
(2002), busca se amparar na compreensão de que a cultura é
um sistema simbólico através do qual a espécie humana produz
significadoseorganizaossentidosdasuaexistência.Destaformaa
Antropologia,enquantociência,buscaavançarenquantocampodo
conhecimento sobre o homem e a cultura.
46 Módulo 2 I Volume 1 EAD
A cultura como base para a compreensão do homem moderno.Antropologia e Educação
Dopontodevistadasteoriasdaeducação,odebatesobreo
homemeaculturaproduziudiferentesteoriassobreosprocessosde
ensino e aprendizagem.Muitos pensadores contribuírampara esta
discussão, merecendo destaque as teses defendidas por Comênio
no século XVII e Rousseau no século XVIII. Para o primeiro, o
papel da educação era levar o homem ao conhecimento das coisas
atravésdaorganizaçãosistemáticadosconteúdosdeaprendizagem.
Para Rousseau, o trabalho
da educação era despertar a
criança para o conhecimento,
a partir das suas visões de
mundo enquanto criança. Em
que pesem as diferenças de
concepções pedagógicas entre
adidáticapropostaporComênio
e os princípios pedagógicos
da formação social da criança
propostosporRousseau,ambos
tomam a sociedade e a cultura
de suas épocas como cenários da
educação.
No Brasil, várias foram
as influências do pensamento
europeu e do pensamento
americano sobre educação e
cultura. Contudo, é, a partir
dos trabalhos desenvolvidos por
ÁlvaroVieiraPintoePauloFreire,
que Antropologia e Educação
vão encontrar um campo fértil
de proposições conceituais e
metodológicasparaumareflexão
profunda sobre as relações
intrínsecasda culturaedavida
social na formação humana.
Segundo Gadotti (2006), as
contribuições teóricas deÁlvaro
Vieira Pinto para a educação
foram decisivas para a compreensão da radicalidade antropológica
dosprocessoseducativos, istoporque,paraesteautor,aeducação
tem como tarefa situar a presença humana na história e destacar
o seu papel na transformação da sociedade. Paulo Freire, por sua
Difusionismo:correntedopensamentoantropológicoquedefendeaideiade
que a cultura é umprocesso dinâmico cuja origemestá relacionada através
dastrocasculturaisentrepovosdediferentestradições.Contestaomodelode
evoluçãocultural linear,defendidopelosevolucionistas,ebuscacompreender
aevoluçãocultural comoumprocessomultilinear.Muitasdesuas idéiassão
baseadas nas teorias de Franz Boas, considerado um dos precursores do
métodoetnográfico.
Estruturalismo: teoria da cultura que busca compreender amaneira como
os fenômenos sociais se estruturam originando formas de pensamento e
linguagemquecompõemossignificadosdasaçõeshumanas.Entreosnomes
mais conhecidos desta tendência encontra-se o antropólogo francês Claude
Lévi-Strauss.
Estruturalismo-funcional: teoria que tem origem entre os antropólogos
britânicos,herdeirosdasteoriasfuncionalistasdaculturadeMalinowisk.Esta
corrente de pensamento indica a importância de se interpretar as estruturas
sociaisdeduzindoasfunçõessociaisqueosindivíduoscumpremnaexperiência
da vida comum. A cultura seria a dimensão de articulação dos papéis sociais
entreosindivíduos.
Evolucionismo: é considerada uma das primeiras escolas de pensamento
socialsobreacultura.TementreosseusrepresentantesLewisHenryMorgan,
antropólogo americano responsável pelos primeiros estudos sobre o parentesco
entreosIroqueses,nosEstadosUnidos.Entreasprincipaisformulaçõesdesta
escoladepensamentoestáabuscapordefiniçõesdeleissociaisatravésdas
quais o homemproduz cultura. Concebe a cultura comoumprocesso social
evolutivo linear,ouseja,grupossociais consideradosmaissimplesestãoem
escala cultural inferior aos considerados grupos sociais complexos.
Personalismo-cultural: corrente de pensamento teórico sobre a cultura
que temorigemnosEstadosUnidos.Entreosseusmais importantesnomes
encontram-se as antropólogas Ruth Benedict e Margareth Mead. Ambas
defendematesedequetodopovopossuiumapersonalidadeculturaldebase,
essa personalidade é transmitida por herança cultural para os indivíduos.
Suas teorias foram influenciadaspelapsicologiae influenciaramapedagogia
americana.
Simbólico: expressão derivada da palavra símbolo de origem grega que
significa agregação de sentido. Utilizamos a expressão sistema simbólico
para interpretar o conjunto de palavras, gestos e convenções sociais que
constituem os contextos de vida da espécie humana em suas mais diferenciadas
ambientações.
SAIBA MAIS
47PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
4
vez, mostrou a importância da ‘antropologia da palavra’ para a
compreensãodaeducaçãoenquantoumatopolítico.
Oquequeremosdizerquandoindicamosuma‘antropologia da
palavra’paradefinirarelaçãoentreeducaçãoeculturanopensamento
de Paulo Freire?
Vejamos duas das mais importantes teses defendidas por
Paulo Freire: a leitura do mundo precede a leitura da palavra; o ato
de ensino exige o diálogo com a realidade daqueles que aprendem.
As duas proposições aparecem nos mais diferentes momentos do
desenvolvimento teórico do pensamento de Freire. Elas indicam a
importância da palavra como dimensão fecunda da cultura, capaz
deformaretransformarasaçõeshumanas.Paraesteautor,nãoé
possívelpensaraeducaçãosemumacompreensãoradicaldarelação
entre os indivíduos e a cultura. Educar é um exercício crítico de:
pensar a palavra, as condições sociais em que os humanos dizem
a palavra, e o desafio de transformar realidades de submissão do
homem pelo próprio homem através da palavra.
A partir destas contribuições, podemos inferir que tanto do
pontodevistadaAntropologiaquantodopontodevistadaEducação,
a cultura é uma dimensão viva e profunda das relações entre os
indivíduos,anaturezaeavidaemsociedade.Éatravésdaconstrução
simbólicadesignificadosparasuaspráticasesaberesqueaespécie
humanaconsolidaasuavidaemgrupo,produzdiferentesformasde
organização social e se expande numa diversidade ascendente do
ponto de vista cultural. O trabalho do pensamento e da linguagem
nãopodeserdissociadodocontextoemqueéproduzidoe,desta
forma, os humanos criam diferentes e diversas formas de ensinar
e aprender. Nesta perspectiva, a Antropologia busca interpretar e
compreenderosdiferentessistemassimbólicosemqueoshumanos
produzemseuscontextosdevivências,enquantoaEducaçãobusca
aprofundarasrelaçõesqueosindivíduosestabelecemdentrodestes
sistemas,bemcomoentreessessistemas(compreendendoaquique
diferentes grupos sociais interagem uns com os outros). Sob esta
ótica,educarécompreenderasrelaçõesentreconhecimentoevida
emsociedadeetransformarculturalmenteestasrelações,produzindo
novossignificadosparaaquelesqueaprendeme,porquenãodizer,
paraaquelesqueensinam.
48 Módulo 2 I Volume 1 EAD
A cultura como base para a compreensão do homem moderno.Antropologia e Educação
ATIVIDADE
• Organizesuasdúvidassobaformadeperguntasetenterespondê-las.• Através do pensamento e da linguagem a espécie humana utiliza
símbolosparaaexpansãodassuas formasdecomunicação.Comenteesta afirmação a partir dos conhecimentos que você desenvolveu atéaqui.
• Qual a importância do conceito de cultura para o desenvolvimento da Antropologia e da Educação na modernidade?
• Aeducaçãoéumprocessocultural,namedidaemqueatravésdelaaspessoasestabelecemrelaçõesentresiecomoutrosseresvivos.Ela(aEducação)étambémumprodutocultural,namedidaemqueestabelecepráticasespecíficasdeensinoeaprendizagem.Comenteestaafirmação.
• VocêconheceopensamentodeÁlvaroVieiraPintoePauloFreire?Oquesabe a respeito destes pensadores?
Numa entrevista concedida à Revista Nova Escoladosmesesdejaneiro/fevereirodoanode2004,aantropólogagaúchaAnaLuizaCarvalhodaRochafala sobre a importância da Antropologia para a Educação. Vejamos a seguiralgumasdassuasobservaçõesparacompreendermosaimportânciadestaáreadoconhecimento no campo da educação.
“Nova Escola:Comoumantropólogoatuanaescola?Ana Luiza:Nossa funçãobásicaéobservarascaracterísticassocioculturaisdo serhumanoe refletir sobre elas.Comoele se comporta, se relacionaese organiza em sociedade.Minhas primeiras pesquisas nessa área visavamcompreenderporque integrantesdasclassespopularesdemorammaisparaser alfabetizados. Levantei informações sobre as condições de vida dessascomunidadesnaperiferiadePortoAlegreesobrearepresentaçãoqueaescolafazdelas.Nova Escola:Osestudosdeantropologiapodemajudararesolverumcasodedificuldadedeaprendizagem?Como?Ana Luiza:Duranteminhaspesquisas,percebiqueoseducadoresentenderiammuitassituaçõesque interferemnoaprendizadoseconhecessemumpoucodeantropologia.Issoporquepartedoqueseensinaemclasseosalunosjáaprenderamnacomunidadeemquevivem,aindaquenãotenhamconsciênciadisso.Muitosdessesaprendizadosprecisamserdesconstruídos.Fuisolicitadapararesolveroproblemadeumaprofessoraquenãoconseguiaformarequipes,por causa de brigas. Isso refletia no desenvolvimento dessas crianças quetinhamdificuldadesdeaprendizagem.Nova Escola: Conhecer a realidade em que vivem os estudantes ajuda oprofessor a ensinar melhor?
LEITURA COMPLEMENTAR
49PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
4
Ana Luiza:Semdúvida.Muitagentepensaqueaorigemsocialéumobstáculonaturalparaaaprendizagem.Masclassespopularessão formadasporumadiversidade enorme de culturas, valores e etnias. É impossível tirar umaconclusão e generalizar. Com a pesquisa, a professora gaúcha descobriu averdadeiraorigemeaformaçãodaturmaparaaquallecionava.Depossedasinformações,começouatrabalharcomeladeoutramaneira.”
A antropóloga indica a importância do contexto sociocultural da vida em comunidade para o educador compreender a diversidade dos seus educandos. Suas afirmações nosorientamàorganizaçãodeprocessosdeensinoeaprendizagemqueconsideremsaberesepráticas sociaisque já fazempartedavida sociocultural dos indivíduos comosquaiscompartilhamos a experiência da educação na escola.
Vamos tentar agora compreender dimensão simbólica da cultura do ponto de vista davisãodeescolaqueconstituímosnoprocessodeescolarização.ParaistovamoslerdoistrechosdeumpoemadeCoraCoralina:
A Escola da Mestra Silvina
Minhaescolaprimária...Escola antiga de antiga mestra.Repartidaemdoisperíodosparaamesmameninada,das8às11,da1às4.Nemrecreio,nemexames.Nemnotas,nemférias.Semcânticos,semmerenda...Digomal–semprehaviadistribuídosAlguns bolos de palmatória...A granel?Não,queaMestraeraboa,velha,cansada,aposentada.Tinhajáensinadoaumageraçãoantes da minha.
Agentechegava“-Bença,Mestra”.Sentavaembancoscompridos,escorridos,semencosto.Liaaltoliçõesderotina:Ovelhoabecedário,Lição salteada.Aprendia a soletrar.
Aohomenagearaescoladasua infância,CoraCoralinaconstróiumconjuntodesímbolosparanosapresentarocontextodesuasexperiênciasdeaprendizagem:adivisãodos grupos de estudantes entre os da ‘manhã’ e os da ‘tarde’,aautoridadedaMestrapelos‘bolos de palmatória’ e a ‘bença’comoformadecumprimento,asformasdeaprenderna‘lição salteada’ e no ‘soletrar’.Adescriçãodosmóveis,areferênciatemporaldaEscola Antiga e da Antiga Mestranosconvida,logonoiníciodotexto,aentrarnasmemóriasdaautorae,atravésdopoema,descobrirouniversoculturaldaescoladaMestraSilvina.Esteéumbomexemplodecomo,atravésdaspalavras,atribuímossignificadosparanossaexperiênciaedescrevemosumsistemasimbólicoqueproduzsentidoparanossasexperiênciasvividas.
50 Módulo 2 I Volume 1 EAD
A cultura como base para a compreensão do homem moderno.Antropologia e Educação
Apartirdosexemploscitados,produzaumtextoemquevocêdescreveuma das escolas emque você estudou, procurando destacar elementos quecompõemocontextodesteespaço.
ATIVIDADE
LEITURA RECOMENDADA
Assista ao filmeNenhum a Menos, de Zhang Yimou (1999). O enredo do filme retrata aexperiênciadeumajovemprofessoranumapequenaescolanointeriordaChina,natentativadegarantiraspresençasdetodososalunosnasaladeaula,ajovemprofessorasevêdesafiadaalidarcomasdificuldadessociaisdacomunidade.Umdosalunosfogedaescolaeaprofessorairápercorrerumlongotrajetoparatrazê-lodevolta.Outraboapedidaéouvir,lereinterpretara canção Língua, de Caetano Veloso; a letra damúsica nos remete à riqueza cultural dainfluêncialatinananossaformaçãocultural.
RESUMINDO
OconceitodeculturaestabelecerelaçõesteoriasepráticasentreaAntropologiaeaEducação.Compreendendoaculturacomoumsistemasimbólico através do qual a espécie humana produz pensamento elinguagem,apresençadoshumanosentreosdemaisseresvivosdanaturezasediferenciapelasuacapacidadedesignificarassuasações.
Além das diversas correntes do pensamento antropológico quebuscamconceituaracultura,nocampodopensamentopedagógico,Comênio e Rousseau buscaram compreender a educação de umpontodevistaantropológicoe,noBrasil, destacam-seos trabalhosdeintelectuaiscomoÁlvaroVieiraPintoePauloFreire,naabordagemantropológica dos processos educativos. É importante situar a cultura como um conceito antropológico epedagógico. Graças à capacidade humana de atribuir significadosparasuasações,avidaemsociedadeéresultantederegras,valores,práticasesaberesquetêmorigemnacultura.
51PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
5
A etnografia é uma prática de investigação de natureza
antropológica em que o pesquisador busca compreender a cultura
dopontodevistadosmembrosdacomunidadepesquisada.Através
doexercíciodaobservaçãoparticipante,oetnógrafobuscaregistrar
ossignificadosproduzidospelosseus informantesparasituaçõese
eventos da vida social em comunidade. Os primeiros registros são
feitosnodiáriodecampo(blocodeanotaçõesemqueopesquisador
descreve suas primeiras impressões sobre o grupo observado).
Posterior aos registros no diário de campo, o pesquisador elabora
descriçõesdocontextoobservado,desenvolvendosuasinterpretações
acercadasprincipaiscaracterísticasculturaisdopovooucomunidade
queestuda.OantropólogoamericanoCliffordGeertz(1989)define
este trabalho descritivo e interpretativo como uma descrição
densa.Oresultadofinaldestetrabalhosãotextosatravésdosquais
a Antropologia produz visibilidade de outras culturas, a partir da
experiênciadeconversaçãoentreoantropólogoeosindivíduosque
sãopesquisados.
SEÇÃO VVER ATRAVÉS DO OUTRO:
A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA
52 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Ver através do outro: a experiência etnográficaAntropologia e Educação
As primeiras experiências de compreensão da cultura através
dopontodevistadosnativossãoreputadasaFranzBoaseBronislaw
Malinowski.Oprimeiroconviveucomosesquimósdoextremonorte
docontinenteamericano.Osegundo,comumacomunidadetribaldas
ilhasTrobriand,noPacíficoocidental.TantoBoasquantoMalinowski
viveram bastante tempo com estas
comunidades distantes e desenvolveram
teorias culturais após suas experiências em
campo. Seus trabalhos foram desenvolvidos
no início do século XX. Algumas de suas
teorias são questionadas pela Antropologia
na contemporaneidade, no entanto, a
iniciativa de ir a campo, conviver com os
grupos pesquisados, registrar observações
e tentar sistematizar teoricamente o
observado, inaugurou definitivamente uma
nova postura para a Antropologia.
Com a expansão dos meios de
comunicação e o conhecimento efetivo de
outrastradiçõesculturaisnãoeuropeias,os
antropólogos passaram a se ocupar do estudo
de suas próprias comunidades. O início da
etnografia ensinou o pesquisador a tornar
familiar aquilo que lhe parecia estranho em outras culturas (após
anosdeobservaçãoopesquisadorestavacadavezmaisfamiliarizado
com a cultura dos outros). O retorno à sua comunidade trouxe
para o etnógrafo o desafio de estranhar aquilo que lhe é familiar
(aopesquisargruposcomosquaismantémalgumafamiliaridade,o
pesquisadorbusca interpretardeoutra formaaquiloqueamaioria
das pessoas vê da mesma forma).
Aposturadebasedaetnografiapermaneceviva.Vereouvir
o mundo através dos outros é a atitude básica para o exercício
interpretativoemquearelaçãoentreofamiliareoestranhocompõe
aprincipalestratégiadepesquisanocampoantropológico.NoBrasil,
muitasdestaspesquisasdenaturezaetnográficaproduzem teorias
importantessobreavidaemcomunidadesindígenas,quilombolasou
mesmonaperiferiadasgrandescidades.Podemoscitar,atítulode
exemplo,aproduçãoteóricadeGilbertoVelho(1973),queestudouas
relaçõessociaisdeumgrupodemoradoresdobairrodeCopacabana,
no Rio de Janeiro (RJ). O trabalho deste autor é uma das principais
referências para o estudo de comunidades urbanas no Brasil.
AantropólogaClariceCohn(2005)dedicousuaspesquisasàs
SAIBA MAIS
Descrição densa: importante conceito da antropologia contemporânea desenvolvido pelo antropólogo americano Clifford Geertz. Para este antropólogo, a descrição dasculturas é o principal papel da etnografia, ao organizar assuasobservaçõesdeformadescritivaopesquisadorinterpretaaquiloqueviu,ouviuevivenciouemcampo.Neste sentido,adensidadedescritivaestánacapacidadequeopesquisadorterádeinterpretaraquiloquedescrevesemdissociarnaescritaoobservadodo interpretado.Estamodalidadedeescrita fazcomqueostextosantropológicosseaproximemdosgênerosliterários da crônica e do ensaio.
Comunidades distantes: noção utilizada pelaAntropologiaparadesignarospovospesquisadospelosprimeirosantropólogos.Oiníciodotrabalhoantropológico(como vimos na seção anterior) está vinculado ao colonialismo europeu pelomundo, os primeiros textosdesteperíodobuscavamassociaradistânciageográficaàs distâncias culturais que existiam entre diferentespovos no planeta. À medida que os antropólogos seaproximam mais de suas comunidades de pesquisa,as noções de proximidade e distância assim como defamiliareestranhovãoindicarorientações importantespara o deslocamento do antropólogo no processo da observaçãoparticipante,quandoopesquisadordevesemoverdentroeforadosgruposqueestuda.
53PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
5
criançasdacomunidadeindígenaXikrin,nonortedoPará(PA).Após
convivercomestacomunidadeindígena,aantropólogaconcluiuque
acriançaxikrinparticipaintensamentedavidaculturaldoseugrupoe
atuanaproduçãodaculturadentrodastradiçõesaquepertence.Uma
dasprincipaiscontribuiçõesdoseucampodepesquisaéaaplicação
da etnografia com crianças e a articulação da Antropologia com a
Educação.ApartirdostextosdeClariceCohn,podemoscompreender,
deformaconsistente,educaçãoeaprendizagemcomointerfacesdo
processo de construção sociocultural na vida em comunidade.
Natentativadeparticipardocontextoculturaldosindivíduos
queinvestiga,oetnógrafoelaborasuasteoriasapartirdoenvolvimento
intensocomoutraspessoas.Oquesepretendecomestapráticade
investigaçãoéchegaromaispróximopossíveldaexperiênciacultural
tal como ela é vivida pelas pessoas. Essa aproximação gera um
conhecimentoteóricoqueéfeitoapassoslentos,por‘impregnação
contínua’,comodefineLaplantine(2004),daíresultamconhecimentos
queorientampessoasnão‘iniciadas’nosgruposetemasestudados
pela antropologia a uma visão mais profunda e complexa dos contextos
culturais em vias de interpretação pela Antropologia.
No que diz respeito ao trabalho do educador, a etnografia
podeserum instrumentode formaçãoprecioso.Considerandoque
osprocessoseducativos,dentroeforadaescola,supõemaformação
de grupos e a troca cultural como pressupostos de trabalho, a
observação participante, o registro e a interpretação cultural dos
grupos envolvidos na experiência educativa, podem enriquecer o
desenvolvimentodasatividadesdeensinoeaprendizagem.Aotomar
para si a tarefa de conhecermelhor aqueles com quem pratica a
educação,oeducadorpodeaprenderpráticasesaberessociaisdos
seuseducandosecontextualizarsuasposturasdeensino,apartirdas
experiênciasdevidadaqueles comquempartilhaos seusespaços
educativos.
O legado da etnografia nos indica um movimento de
aproximação do pesquisador para transformar em teoria os
conhecimentosqueosseuspesquisadosaplicamnavidacotidiana.
O legado da educação nos indica a participação na vida em grupo
pelo educador como uma atitude de mediação entre conhecimentos
já estabelecidos teoricamente e conhecimentos já experimentados
navidacomumpelosindivíduos.Naaproximaçãocomaetnografia,
o educador poderá se inspirar nas suas contribuições tanto para
compreenderaabordagemdaculturapelaAntropologia,quantopara
investigar de forma mais profunda sua própria experiência em campo.
Aeducaçãopraticadaemsaladeaula,ouemqualquerespaçosocial
54 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Ver através do outro: a experiência etnográficaAntropologia e Educação
LEITURA COMPLEMENTAR
em que os indivíduos criam e recriam suas práticas e saberes de
vida,podeser,também,umainstiganteexperiênciadepesquisada
cultura como forma autêntica de manifestação das nossas vivências
cotidianas.
ATIVIDADE
• Organizesuasdúvidassobaformadeperguntasetenterespondê-las.
• Escolhaumtemapresenteemsuasvivênciassociais,organizeoseudiáriodecampo,
registresuasobservaçõeseexerciteaparticipaçãonoprocessodeobservação.
• Procure debater e refletir mais sobre o trabalho da observação participante na
construção do conhecimento.
Otextoqueseseguefoiretiradodeumartigoqueexpõepassagensdodiário de campo do antropólogo Hermano Vianna. Este antropólogo é um dosprincipaisestudiosossobremúsicaeperiferiaurbananoBrasil.Muitosdosseustrabalhos servem de roteiro para documentários do programa Fantástico,exibidoaos domingos pela Rede Globo de Televisão.
“Dia 9 de Junho de 2004
EntroemduaslojasoficiaisdediscosemCuiabá.Querofazerascoisasdentrodalei.Procuroosúltimoslançamentosdolambadãocuiabano,amúsicamaispopularnosbailesdasperiferiasurbanasdoMatoGrosso.Soutratadopelos vendedores com espanto ou com aquela cara de superioridade quesignificaalgoassimcomo‘nossoestabelecimentonãolidacomessasbaixarias,saiajádaqui’.Eraquasecomoseestivessetentandocomprarcoca-colanumalojaxiitadeprodutosorgânicos.
Perceboquenãoestãomeescondendonada:nãotemmesmolambadãoparavender.Ninguémcompraessetipodemúsicaemlojas.Claro:vouparaaquele camelódromoda beira do rio eme esbaldo – economizandomuitosreais–comospiratõesdeOsManinhos(VolumeVI–BailãoemMatoGrosso!),BandaRSom(OMelhordoLambadãodeMT–SeuProblemaéMuitoChifrenaCabeça),StilloPopSom(AoVivo),BandaRealSom(TeAmoDemais),MegaBoys(ABandadoMomento)eaindaasensacionalcoletâneadaCabanadaDudu.
AlambadachegouemCuiabátrazidapormato-grossensesqueforamtrabalharnosgarimposdaAmazônianosanos70e80.Pousandonocerrado,
55PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
5ATIVIDADE
elasemisturouaorasqueado,aosiririeàpolcaparaguaia(jádevidamenteeletrificada,soandocomoumrhythm and bluespantaneiro),edeunolambadão,quecontinuasuatrajetóriamutanteabsorvendoinfluênciasquedovaneirãogaúcho,daaxé musicedosertanejo,ouqualqueroutramúsicaquevenhaafazersucessorealmentepopularnoBrasil.Opúblicologoentendeuqueaquilonãoeraexatamente(ounãoeraapenas)umalambada.Percebeuqueestavaouvindo uma criação mato-grossense – e começou a dançar exatamente como fazianasfestastradicionaisdesiriri,“folclore”local,ondeopúblicofemininodominaeasmulherespodemdançaragarradinhas,derostocolado,girandosem parar pela pista de dança numa grande roda.
Pelos ingredientes da mistura, e também por essa apropriaçãopouquíssimo ortodoxa daquilo que é considerado ‘autêntico’,mesmo quemnuncaescutounadapodeperceberqueoresultadonãoéfeitoparaagradaros movimentos anti-baixaria (que muitas vezes são apenas movimentoselitistas, que pretendem doutrinar o povo a gostar de ‘qualidade’, definidaarbitrariamente – é claro – segundo concepções estéticas geralmentecaducas).Pena,paramimpelomenos,queoterritóriodolambadãosejaaindarestritivamente regional. Impossível compraressasmúsicas,oumesmomemanter informado sobre seus novos lançamentos, tanto no Rio de JaneiroquantonaInternet”.
Hermano Vianna, 2004.
Alémdedescreveroscenáriosdesuabuscapelolambadãomato-grossense,
o antropólogo interpreta a relação entre o oficial e o oficiosonacomercializaçãodemúsicasouvidasnaperiferia.Revelaaindaariquezadecombinaçõesdemelodiaquecompõeasofisticadacomposiçãodoshitsmusicaischamadosde‘periféricos’.Entreoutras conclusõesquepodemser retiradasdaspáginasdo seudiário, opreconceito social, muitas vezes, desconhece a engenhosa produção artísticapresentenamusicalidadedasperiferiasurbanasdopaís.
Reflitasobreaestruturadotextoapresentadoecombasenasanotaçõesdoseu
diáriodecampotenteorganizarumtextoqueexponhasuasinterpretaçõessobreum
dostemasdassuasobservações
56 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Ver através do outro: a experiência etnográficaAntropologia e Educação
RESUMINDO
A etnografia introduz, no início do século XX, uma nova postura na
abordagem da cultura. Suas contribuições interessam de um ponto de
vista particular à produção teórica da Antropologia. Interessam também à
Educaçãoàmedidaqueorientaacompreensãocontextualizadadosprocessos
socioculturais de formação humana.
O trabalho da observação participante e da descrição cultural contribui
para uma compreensão dos fenômenos antropológicos e pedagógicos numa
perspectiva dialógica. Á medida que produzem conhecimento, através da
etnografia,antropólogoseeducadoresofazemapartirdoencontroedatroca
culturalcomosgrupossociaiscomquetrabalham.
LEITURA RECOMENDADA
AssistaaofilmeZorba, O Grego,deMichaelCacoyanniseDemetriosLiappas.NeleumescritoringlêschamadoBasilfazamizadecomogregoZorbanailhadeCreta.Apartirdestaamizade,oinglêspassadeobservadoraparticipantedavidanapequenacomunidadegregaemqueoescritortorna-seproprietáriodeumamina.AcesseositeWWW.overmundo.com.br.Trata-sedeumdestinoeletrônico,noqualvocêvaiencontrarcontribuiçõesculturaisdeartistasdeváriaspartesdiferentesdopaís.
57PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
6
Historicamente, aAntropologia e aEducação se consolidam
comociênciasàmedidaqueproduzempráticasdeconhecimentodo
homem como um ser cultural. Teorias e métodos destas duas ciências
avançam quando sociedades de uma mesma cultura procuram
compreender de forma mais profunda como outras sociedades se
organizameproduzemseussaberesepráticascotidianas.Conhecer
e interagir com outro são atitudes fundamentais para a construção
e aplicação do conhecimento antropológico e pedagógico na
modernidade.
Considerandoque,dopontodevistacultural,umasociedade
ougruposocialémarcadopordiferençasinternasentreosindivíduos,
e que, no conjunto, tais diferenças produzem diversidades de
gênero,classesocial,etnias, religiosidade,enfim,umsemnúmero
deexpressõesdeidentidades e sociabilidades.Podemosafirmar
que, apesar da predominância de determinados padrões culturais,
ummesmo indivíduo é portador de referências pessoaismúltiplas
para situar-se no mundo.
Vejamososeguinteexemplo:antesdeiniciarasuajornada
de trabalho, o comerciário começa o seu dia entre familiares,
realizandoseusrituaisdomésticosdehigiene,alimentação,saudação
entreparentesevizinhos.Eleescolheasvestimentascomasquais
irá atender seus clientes no trabalho. A caminho da loja em que
irá cumprir suas funções como trabalhador, utiliza bens e serviços
disponíveisemsuacidadeparairaotrabalhocomotodososcidadãos
da localidade em que vive. Ao chegar ao trabalho, convive com
SEÇÃO VIDIFERENÇA E DIVERSIDADE:O ELOGIO DA ALTERIDADE
Alteridade:aquiloqueéprópriodooutro.Nolinguajaracadêmico a expressão tem origemnafilosofia,quandoos pensadores buscavam refletirsobreasdimensõesexistenciaisqueextrapolamosentido material da vida dos indivíduos.Nopensamentoantropológico,anoção
de alteridade serve para expressar a postura através daqualoantropólogotentacompreender a cultura do pontodevistadooutro,
daquelequeéinvestigado.Nocampopedagógico,otermobuscasignificarapropostadetomar como ponto de partida
para o processo educativo as experiências vividas pelos indivíduosqueparticipam
deste processo.
Identidade: a noção de identidadeéutilizadaemdiversos sentidos pelas
ciências humanas. Trata-sedeumtermoquebuscadefinirouproblematizaras
unidades de conceitos através dasquaisosindivíduossedefinemenquantoatores
sociais. Todas as tentativas deuniversalizaçãodeumdeterminado conceito de identidade,nocampodasciênciassociais,
têm sido contestadas na contemporaneidade,àluzdascontribuiçõesqueosestudossobre as diferenças culturais
oferecem para se compreender a diversidade sociocultural da humanidade. A ideia de queosindivíduosjánascemprontos do ponto de vista
cultural é refutada na maioria das correntes do pensamento
cultural contemporâneo. Prefere-secompreenderqueosindivíduosconstroemsuasidentidades na relação com outrosindivíduosecomo
complexodeobjetosculturaiscomosquaisconvive.
Sociabilidade: processo de formaçãosocialdosindivíduos.
No campo do pensamento social,osociólogofrancêsEmileDurkeimfoiumdosprimeiros a tratar deste
conceito,quandodescreveaexperiência de formação das sociedades tradicionais e das sociedades modernas através dos conceitos de solidariedade
mecânica e solidariedade orgânica. Suas teorias
contribuematéhojeparaareflexãosobreasformasdesocializaçãopresentesnas
mais diferentes experiências de vida social no planeta.
58 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Diferença e diversidade: o elogio da alteridadeAntropologia e Educação
colegas, chefes, clientes e toda uma diversidade de pessoas com
quem mantém relações de proximidade, que conhece à distância
ouquesequerimaginariaconhecer,senãotivessediariamenteque
trabalhar no local em que trabalha. Poderíamos seguir com este
exemplo pormuitas páginas,mas o que nos interessa émostrar,
que tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista
social, a experiência cultural do homem émarcada pela diferença
epeladiversidade.Umamesmapessoapodeseroutradependendo
docontextoemqueesteja.Quantomaistomamosconsciênciadisto
maisrompemoscomarigidezdospadrõesculturaisquenosindicam
apenas um modelo de vida em sociedade.
Emmeadosdosanos80,umapesquisamostrouqueoslivros
didáticos que circulavam pelo Brasil padronizavam a imagem dos
indígenasbrasileiros.Praticamentetodososlivrosexpunhamomesmo
índio, a mesma oca, os mesmos arco e flecha. Convém ressaltar
queos traços físicosdosdesenhosdos índios,nos livrosdidáticos,
imitavamtraçosfísicosdoseuropeus.Dopontodevistadoprocesso
deescolarizaçãonopaís, isto terminouproduzindoa instituiçãode
dois modelos distorcidos e preconceituosos de sociedade praticados
pela escola a sociedade do eu e a sociedade do outro. Segundo Rocha
(1984), a sociedade do eu, representada pelos professores que
difundemosconhecimentosdoslivrosdidáticos,épretensiosamente
mais verdadeira e superior que a sociedade do outro (aquele que
se vê representado nas páginas do livro). O trabalho do autor é
umdospioneirosnaspesquisasdenaturezaantropológicasobrea
educaçãonoBrasiletentafazerumacríticaàformahomogeinizadora
comoasculturasescolarestratamasdiferençasculturaisnopaís.Ao
colocaroeueooutrocomomodelosantagônicos,atravésdoqual
umdeterminadocontextoculturalbuscasobrepor-seaooutro,Rocha
nos convida à leitura do livro didático e da escola com outros olhos.
Ver,ouvireinterpretarosoutrosqueestãodentroeforade
nós é uma forma de compreender a complexidade dimensional da
culturanasmúltiplasrelaçõesqueosindivíduosestabelecemconsigo
ecomoutraspessoas.Istoexigerupturasdecostumesquetendem
a naturalizar nossas ações. Exige ainda deslocamento das nossas
formasdepensaredizerpalavrascomasquaisproduzimossentidos,
para estarmos juntos uns-com-os-outros na vida em sociedade.
Exige a compreensão radical de que, no fundo, somosmúltiplos e
que, quando nos unificamos numa determinada postura diante do
mundo,ofazemosporidentificaçãocomoutrosindivíduos.Emoutras
palavras,poderíamosdizerque,paraviveremsociedade,sentimos,
agimos e pensamos em conformidade com a experiência de outras
59PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
6
pessoas em busca de sintonia social.
Ao compreender a sua condição social do ponto de vista cultural
aespéciehumanacriaumainfinidadedemodosdevida,superando
muitasvezesbarreirasbiológicas,geográficaseatémesmohistóricas
que estabelecem com rigidez certas condições de existência. O
neurologistaOliverSacks(2008)relata,na introduçãodoseu livro
Um Antropólogo em Marte,comotevequeaprenderaescrevercom
amãoesquerdaapósumacirurgianoombrodireito.Apesardeser
destro, ele teve que desenvolver habilidades como canhoto, bem
comoutilizarospésparamanipularpequenosobjetos.Boapartedos
seusestudosfoidesenvolvidacompessoasquepossuemdificuldades
e síndromes de caráter neurológico e que, em alguma medida,
convivemcomadoençadeformasocialmentesaudável.Esteúltimo
exemplonosconvida,maisumavez,acompreenderaAntropologia
eaEducaçãocomointerfacesdeumpensamentoemqueacultura
é uma dimensão profunda da construção simbólica que orienta os
indivíduosnavidaemsociedadeaexistiremcomoomesmoecomoo
outro,emsuasmaisdiversificadasformasdeconvíviosocial.
ATIVIDADE
• Organizesuasdúvidassobaformadeperguntasebusquerespondê-las.
• Crieoseudiário de campoeregistredescriçõesdesituaçõesemquedeterminados
padrõesculturaisdefinemsignificadosparasemelhançasediferençasnavidaem
sociedade.
Diário de campo: trata-se do principal instrumento de trabalho etnográfico. Poder ser uma caderneta,caderno,oublocodeanotaçõesemquevocêfaráoregistrodasobservaçõesdeumdeterminadogrupooucontextosocial.Éimportantedestacarodia,ahora,aspessoasenvolvidasnoprocessodeobservaçãoecaracterísticasambientaisdolocalemqueotrabalhofoidesenvolvido.Alémdetaisregistros,odiáriodecampocomportaasimpressõeseinterpretaçõespreliminaresdoobservador.Taiselementosservirãomaistardeparaaelaboraçãodotextofinal.
60 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Diferença e diversidade: o elogio da alteridadeAntropologia e Educação
LEITURA COMPLEMENTAR
OjornalFolha de São Paulodesábado,dia27dejunhode2009,publica,noseuCadernodeEsportes,umalongamatériaemquetentaexplicarcomoogoleiroTimHoward,titulardaseleçãodosEstadosUnidos,convivecomaSíndromede Tourette uma doença neurológica que provoca movimentos muscularesinvoluntáriosnocorpohumano.Otextodizoseguinte:
“Goleiro derrota doença e preconceito
Howard,titulardaseleçãodosEUA,éportadordasíndromedeTouretteejáfoiclassificadode‘retardado’naEuropa(dosenviadosaJohannesburgo)
Umdos heróis da histórica classificação dos EUApara a decisão daCopadasConfederações,ogoleiroTimHoward,30,sofredasíndromedeTourette,um distúrbio neurológico que tem como principal conseqüência provocarmovimentos involuntáriosdosmúsculosque,emcasosextremos,podemseespalhar por todo o corpo. Tudooquepoderiaatrapalharavidadeumgoleiro,mascomoqueHoward– autor de uma série de defesas decisivas na vitória norte-americana contra a Espanha, por 2 a 0, nas semifinais do torneio – consegue conviver comnaturalidade. Tanto que, entre os jogadores da seleção de seu país, foi um dos quechegarammaislongeemtermosdeclube–jádefendeuoManchesterUnitedehojeéotitulardogoldoEverton,outroclubedebastanteprestígioetorcidana Inglaterra. Preconceitoforteele,quenasceuemNovaJersey,sótevequandotrocouoseupaíspelaEuropa,háseistemporadas. Na época, os tablóides sensacionalistas ingleses chegaram a estamparmanchetesnalinhade“ManchesterUnitedquercontratargoleiroretardado”. Os primeiros sintomas da síndrome de Tourette apareceram em Howardquandoeletinhanoveanos.Naescola,eraridicularizadopeloscolegasdevidoaostiquesnervosos–noseucaso,osmaiscomunshojesãomovimentoscomalínguaepiscarfrenéticodosolhos. Parasecontrolarduranteosjogos,Howardusatáticasderelaxamento.Eleevita tomar remédios,porque,afirma, issopoderiaatrapalharseus reflexosdurante as partidas. Em uma entrevista concedida à televisão norte-americana, declarou queadoençanuncaoatrapalhounofutebol.SegundoHoward,eleconsegueseconcentrar nos jogos a ponto de a síndrome jamais ter interferido em seudesempenhoquandoestásobastraves. MesmosabendoqueasíndromedeTourettepoderiaatrapalharsuacarreira,elenuncaescondeuquesofriadela.Efezmais,virouumaespéciedeporta-vozda doença. ‘Existemuitopreconceitoe faltade conhecimentosobreosportadoresdasíndrome’,afirmouHoward,quenãoéoúnicoesportistaamericanoderenomequesofreucomela. JimEisenreich,porexemplo,jogoupor17temporadasnaligaamericanadebeisebolporquatrotimesdiferentesmesmosendoacometidopelodistúrbio,quenãofoiobstáculoparaqueMahmoudAbdul-Rauffosseescolhidonaterceiraposiçãodo‘vestibular’daligadebasqueteNBAem1990.”
Folha de São Paulo,sábado,27dejunhode2009.
61PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
6RESUMINDO
GraçasaoseuexcelentedesempenhocomogoleirodaseleçãodosEUAHowardvenceuopreconceitoeconvivedeformasaudávelcomasíndromedeTourette.Oseuexemplonosmostracomoavidaemsociedade,marcadaporrígidospadrõesculturais,impõedificuldadesparaoconvíviocomasdiferenças.O goleiro americano conheceu o preconceito na escola, teve que enfrentar opreconceitodosformadoresdeopiniãoeseafirmoucomumídolodofutebolnosEUAeInglaterra.
ATIVIDADE
Organize um álbum das diferenças, selecione histórias de pessoas e grupos
quetiveramquesuperarpreconceitosporapresentaremcaracterísticasfísicas,sociais,
étnicasouculturaisquenãocorrespondemapadrõessociais,busquedescrevê-lasde
formaresumida,comoseestivesseorganizandoumretratofaladodestacandoapenas
ascaracterísticasessenciaisdaquelesquesãodescritos.
LEITURA RECOMENDADA
ConheçaoMuseudaPessoa,umacervoeletrônicodehistóriasdevidadepessoasdosmaisdiferenteslugaresdopaís,oendereçoé:WWW.museudapessoa.net.AssistaaofilmeUmHeróidoNossoTempo,deRaduMilhaileanu.ContaahistóriadeummeninoetíopequeviveemumacampamentonoSudãoese fazpassarporumjudeupara fugirparaIsrael.Parasuanovaexperiênciadevida,teráqueinventarumnovomododevida,apartirdasuaexperiênciacomafamíliafrancesadejudeusqueoadota.
A alteridade é uma postura de base para a compreensão da diferença
e da diversidade do ponto de vista da Antropologia e da Educação. Ao
destacardiferençaediversidadecomocaracterísticasculturaisdavidasocial
aabordagemetnográficaconsideraocontextoemquecadaculturaproduz
seus saberes e suas práticas. Neste sentido, podemos pensar na cultura
de um ponto de vista singular: como dimensão simbólica constituinte das
significações com as quais produzimos sentidos para a nossa existência.
Podemos pensar, ainda, a cultura de um ponto de vista plural, à medida
queconsideramosquecadaindivíduoegruposocialpossuemseuspróprios
códigosdeidentificaçãocultural.
Ao reivindicarem a alteridade como pressuposto de construção das suas
elaborações teóricas emetodológicas, a Antropologia e a Educação levam
em conta as contribuições que saberes e práticas sociais oferecempara a
constituição de saberes e práticas acadêmicos.
62 Módulo 2 I Volume 1 EAD
Diferença e diversidade: o elogio da alteridadeAntropologia e Educação
RESUMINDO A UNIDADE II
NatentativadedefiniçãodoconceitodeCultura,porvoltadoséculo
XIX, o pensamento social europeu deflagrou esforços para as construções
teóricas e metodológicas que, mais tarde, colocariam a Antropologia e
a Educação no campo das ciências sociais. São considerados autores de
origem da Antropologia: Lewis Henry Morgan (com a obra Ancient Society
de1877);EdwardBurnettTylor (autordePrimitive Culture,de1871)eSir
JamesFrazer(autordeThe Golden Bough,1890).Estesautorescontribuíram
para a formação do primeiro campo teórico da Antropologia conhecido como:
evolucionismo cultural. Na Educação, devemos a Comênio e Rousseau as
primeirasorientaçõesparaotratamentofilosóficodaformaçãohumanadeum
ponto de vista da cultura.
ComoadventodaEtnografia,noiníciodoséculoXX,pensaracultura
deixa de ser um trabalho de gabinete. Os primeiros antropólogos de campo
passam a conviver com nativos de outras culturas. A partir desta mudança de
rumos,derivamdiversasescolasdopensamentoantropológico:oestruturalismo
cultural,ofuncionalismo,oestrutural-funcionalismoeopersonalismocultural
destacam-se entre as principais tendências da abordagem antropológica da
cultura. Ver o mundo através dos outros se constitui no primeiro passo para a
aproximação dos antropólogos com outros povos.
A capacidade de tornar o estranhamento com as diferenças culturais
epensarahumanidadecomoumcomplexodediversasculturas,introduziua
alteridadecomoumprincípio teóricoemetodológicodo trabalhodecampo.
Alémdeveromundoatravésdosoutros,osantropólogosprocurampensar
aculturaatravésdasmúltiplasperspectivasquesituamospovosestudados
dentrodosseusmodelosorganizacionaisdevidasocial.
NoBrasil,ascontribuiçõesteóricasdeÁlvaroVieiraPintoePauloFreire
introduziramaculturacomodimensãobásicadaformaçãohumana.Devemos
aestesautoresapreocupaçãocomacontextualizaçãodaspráticasdeensino
eaprendizagemnosprocessoseducativos.
À medida que se desenvolvem novas reflexões sobre a cultura,
Antropologia e Educação aprofundam suas relações interdisciplinares,
avançando na construção de novos paradigmas de pensamento.
63PedagogiaUESC
Uni
dade
IISe
ção
6
RE
FE
RÊ
NC
IAS
COHN,Clarice.Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,2005.
CORALINA,Cora.A Escola da Mestra Silvina. In: Poemas dos Becos deGoiás.SãoPaulo:Global,2006.
FREIRE,Paulo.Extensão ou comunicação.Trad.deRosiscaDarcydeOliveira.SãoPaulo:PazeTerra,1992.
GADOTI,Moacir.História das idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: EditoraÁtica,2006.
GEERTZ, Clifford.A interpretação das culturas. Trad. de Gilberto Velho.RiodeJaneiro:LTC,1989.
JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. Goleiro derrota preconceito. CadernodeEsportes.DosenviadosaJohannesburgo.SãoPaulo:27dejunhode2009.
KUPER,Adam.Cultura: a visão dos antropólogos.Trad.deMirtesFrangedeOliveiraPinheiros.Bauru:EDUSC,2002.
LAPLANTINE,François.Aprender antropologia.Trad.deMarie-AgnèsChauvel.SãoPaulo:Brasiliense,2002.
___________________. A descrição etnográfica. Trad. de João ManuelRibeiro;SérgioCoelho.SãoPaulo:TerceiraMargem,2004.
LARAIA,RoquedeBarros.Cultura um conceito antropológico. Rio deJaneiro:JorgeZaharEditores,2002.
MAUSS,Marcel.Sociologia e antropologia. Trad. de Paulo Neves. SãoPaulo:CosaceNaify,2003.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de.O trabalho do antropólogo. São Paulo:Paralelo15:UNESPEditora,2000.
PINTO,Álvaro.Sete lições de educação de jovens e adultos. São Paulo:Cortez,2002.
REVISTANOVAESCOLA.Fala, Mestre!.SeçãoVocê,Professor.Edição169.SãoPaulo:jan./fev.de2004.
ROCHA,EverardoP.G.O que é etnocentrismo.SãoPaulo:Brasiliense,1984.
___________________ et al. Testemunha ocular. São Paulo: Brasiliense,1984.
SACKS, Oliver. Um antropólogo em marte. Trad. de Bernardo Carvalho.SãoPaulo:Cia.dasLetras,2008.
________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Suas anotações