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E d s o n L o p e s
calvinistafiel
Copyright © 2009 por Edson Pereira Lopes
Publicado originalmente por Editora Mundo Cristão
Editora responsável: Silvia Justino
Supervisão editorial: Ester Tarrone
Preparação: Cecília Eller
Revisão: Josemar de Souza Pinto
Coordenação de produção: Lilian Melo
Colaboração: Pamela Moura
Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional (NVI), da
Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação específica.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/02/1998. É expressamente
proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecâni
cos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lopes, Edson Pereira
Fundamentos da teologia da salvação: pode um cristão regenerado perder a salvação? / Edson
Pereira Lopes — São Paulo: Mundo Cristão, 2009. (Coleção teologia brasileira)
ISBN 978-85-7325-592-8
1. Salvação 2. Salvação — Ensino bíblico 3. Teologia I. Título II. Série.
09-05571 CDD —234
índice para catálogo sistemático:
1. Salvação: Teologia dogmática cristã 234
Categoria: Teologia
Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:
Editora Mundo Cristão
Rua Antônio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020
Telefone: (11) 2127-4147
Home page: www.mundocristao.com.br
1a edição: novembro de 2009
Ia reimpressão: 2011
S u m á r i o
Agradecimentos 7
Pensando na doutrina 9
Prefácio 11
Introdução 13
Capítulo 1
Correntes históricas da doutrina da salvação 15
Capítulo 2
Fundamentos bíblicos da crença de que o cristão
regenerado não perde a salvação 47
Capítulo 3
Considerações finais e práticas da doutrina da salvação 79
Bibliografia consultada 89
Bibliografia de consulta sugerida 93
Sobre o autor 95
A g r a d e c i m e n t o s
À MINHA AMADA ESPOSA NÍVEA COSTA DA SlLVA LOPES, grande
incentivadora dos meus estudos e grande bênção em meu ministé
rio pastoral e educacional.
Aos meus filhos Tales Edson Costa Lopes e Taila Nívea Costa
Lopes, bênçãos de Deus.
Aos meus pais Luiz e Glória, meus primeiros educadores.
À Universidade Presbiteriana Mackenzie, por ter me proporcio
nado o tempo necessário para esta reflexão.
Aos professores e alunos da Escola Superior de Teologia da Uni
versidade Presbiteriana Mackenzie, razão de ser deste estudo.
Ao rev. Marcos Nicolli Napoli, meu pastor do coração.
Aos professores: revs. Sebastião Arruda, Hermisten Maia Perei
ra da Costa e João Alves dos Santos, do Seminário Presbiteriano, e
rev. José Manoel da Conceição, que sempre me serviram de refe
rência na excelência do ensino e da pesquisa.
Ao tutor rev. Nei Araújo Bacellar (in memoriam).
A Igreja Presbiteriana da Vila Esperança, que tenho o privilégio
de pastorear.
Aos presbíteros Orlando Perciliano e José Mariano, que me fo
ram muito úteis no pastoreio da Igreja Presbiteriana de Parada XV
de Novembro.
Ao recém-organizado Presbitério Leste de São Paulo.
A Editora Mundo Cristão.
A todos, meus sinceros agradecimentos.
P e n s a n d o n a d o u t r i n a
LUTERO
O decreto divino da predestinação é imutável e seguro; e sua execução é
igualmente inalterável, e há de levar-se a cabo com absoluta certeza. Se
dependesse de nós mesmos, que somos tão débeis, mui poucos, ou melhor,
nenhum se salvaria; Satanás nos venceria a todos.
BERKHOF
E Deus quem persevera, não o homem... E porque Deus nunca aban-
dona a sua obra que os crentes continuam de pé até o fim.
A. W. PINK
Se a nossa escolha foi determinada desde a eternidade, perdurará por
toda a eternidade.
L. BOETTNER
Quanto mais meditamos sobre estas verdades, mais sentimos que nossa
perseverança na santidade e nossa segurança da salvação não depen-
dem de nossa débil natureza, mas do contínuo poder sustentador de
Deus.
D. JAMES KENNEDY
A dádiva divina da vida eterna, sua graça e sua chamada para a salva
ção nunca são revertidas por Deus.
10 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
D. DWIGHT PENTECOST
A obra do Pai, Filho e Espírito Santo é a base da segurança do crente.
JESUS CRISTO
Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá
arrancar da minha mão.
O tema DESTE livro É bastante atual e relevante. A salvação eterna
de nossa alma, bem como a certeza dessa salvação são assuntos que
cotidianamente percorrem os púlpitos das igrejas evangélicas tra
dicionais e históricas, as salas das escolas dominicais e as discus
sões em grupo. Basta que se coloque o assunto em fórum de
discussão na Internet e logo surgem dezenas de opiniões, favorá
veis e contrárias, muitas em tom acalorado, revelando o grau de
envolvimento dos comentaristas.
Os que são contra a ideia de que “uma vez salvo, salvo para
sempre” não raro receiam que tal crença conduza, inevitavelmen
te, o cristão que assim se considera a negligenciar a graça, as ativi
dades cristãs, a prática espiritual. Argumentam que a expectativa
diária de perder a salvação por desobedecer a Deus manterá o cris
tão vigilante e ativo no serviço divino. Em contrapartida, os que se
contrapõem à ideia de que o verdadeiro cristão possa perder a sal
vação argumentam que viver na expectativa de perdê-la rouba-lhe
toda alegria, gozo e paz provenientes dessa certeza. E, naturalmen
te, as interpretações que ambos os grupos farão dos textos bíblicos
refletirão tais receios e experiências pessoais.
É preciso, portanto, uma análise mais isenta e focada nos textos
bíblicos, como a presente obra que o leitor tem em mãos.
Apesar de tratar-se de assunto bastante antigo — como o pró
prio livro demonstra em seu primeiro capítulo —, ele sempre des
pertou o interesse de cristãos de todas as épocas. E, portanto, sempre
12 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
há espaço para discuti-lo de novo, analisá-lo à luz de cada nova
geração, sem perder de vista o conhecimento adquirido pelas gera
ções anteriores. É isso que o dr. Edson Lopes faz neste livro, de
maneira didática e clara, numa linguagem profunda mas de fácil
leitura. Fundamentos da teologia da salvação é uma contribuição para
nossa geração.
Acredito que a relevância do livro jaz no fato de que ele foi
escrito numa época em que as grandes doutrinas do cristianismo
têm sido relegadas a plano secundário. Isso se deve à predominân
cia da teologia da prosperidade e do neopentecostalismo, cuja ên
fase equivocada nas necessidades materiais, físicas e imediatas assola
o brasileiro. Pouco ou nada se ouve falar nesses arraiais, onde pre
valece a busca das bênçãos materiais, das grandes doutrinas da
graça, da salvação completa e plena obtida por Cristo para o peca
dor perdido, e muito menos da obra do Espírito Santo na aplicação
dessa salvação ao pecador — o Espírito nesses círculos é sinônimo
apenas de curas, sinais, prodígios e dons extraordinários.
O presente livro, com a penetração que a Editora Mundo Cris
tão tem no mercado brasileiro das mais diversas orientações teoló
gicas, poderá servir para instruir e orientar os que se encontram
confusos quanto ao tema.
São Paulo, setembro de 2009.
Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
O grupo de pesquisa Religiosidade e Saúde,1 composto por um psiquia
tra, um educador, um psicólogo e uma estudante de psicologia,
tem focado a discussão em se a religião influencia beneficamente a
saúde do cristão. O grupo surgiu da inquietação de um de seus
membros, ao descobrir que isso nem sempre ocorre. Foram levanta
dos vários casos de fiéis que sofrem com o estresse e, em fase mais
avançada, com a depressão.
Na prática pastoral, encontram-se muitos cristãos fiéis ao Se
nhor que, por causa do estresse e da depressão, chegam a pensar se
de fato são cristãos verdadeiros. O cristão vive numa sociedade
cujos valores familiares praticamente já não existem, e isso tem se
refletido de modo negativo também em seu lar. Não são raros os
casos de verdadeiros cristãos que enfrentam sérias dificuldades nessa
área, sem mencionar questões conjugais, que geram angústia e so
frimento.
No tocante ao trabalho, se alguém se concentrar nas crises eco
nômicas, políticas e sociais, certamente encontrará mais um moti
vo para angústias e sofrimentos. A relação de trabalho se reveste
cada vez mais de intensos choques entre cultura, motivações e
novas tecnologias que, se por um lado facilitam a vida, por outro
mostram que o ser humano é perfeitamente descartável em alguns
14 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
setores.2 Isso sem mencionar as competições desleais que o cristão
tem de enfrentar em muitas situações.
Nessa mesma perspectiva, se refletirmos criticamente na “filo
sofia” proposta para o século XXI, ficará claro que vivemos em um
século em que a insensibilidade assola a sociedade, e o cristão não
está imune a isso. Vemos poucos gestos de amor genuíno, poucos
líderes cristãos compromissados com o evangelho de Cristo, pouco
envolvimento de cristãos no trabalho do Senhor e o enfraqueci
mento do cristianismo verdadeiro, apesar do fortalecimento das
instituições religiosas.
Imerso nessa sociedade, o cristão acaba absorvendo tais princí
pios, que resultam em angústia emocional, expressa nas mais diver
sas formas do sofrimento humano. Dentre as incertezas e dúvidas
que o assolam, destaca-se uma das temáticas mais importantes para
a vida cristã: a salvação.
No efetivo ministério pastoral no cotidiano da igreja, encontra
mos indagações como:
• Uma vez regenerado, o cristão pode perder a regeneração?
• O cristão regenerado pode perder a salvação?
Diferentes respostas têm surgido no decorrer da história cristã.
Este livro tem como objetivo mostrar que o cristão regenerado em
Cristo, ainda que sofra as angústias e pressões do presente século,
pode estar certo de que nada do que ele faça ou sofra poderá sepa
rá-lo do amor incondicional de Deus.
2E. Fromm, A revolução da esperança, p. 48-49.
C a p í t u l o 1
Correntes históricas
da doutrina da salvação
Ao estudar A história DA Igreja cristã no que concerne à dúvida
quanto à perda ou não da salvação, não podemos deixar de men
cionar as principais correntes histórico-doutrinárias.
A doutrina da salvação no
PELAGIANISMO E NO SEMIPELAGIANISMO
O pelagianismo é assim denominado em referência a Morgan Pelá-
gio (354-430), monge britânico, asceta e apoiador dos ideais mo
násticos.1 Pelágio chegou à Itália no final do século IV e, durante
sua estada na capital romana, já no século V, estudou os escritos de
Agostinho, especialmente a obra Do livre-arbítrio, e se opôs à dou
trina do pecado original.2
Pelágio, então, associou a lassidão moral dos bispos romanos à
doutrina do pecado original ensinada por Agostinho. Assim, tor-
nou-se opositor a este ensino e começou a defender a partir daí a
inexistência do pecado original e a ensinar que o homem era capaz
de conquistar um lugar no céu sem a intervenção da graça de Deus.
Pelágio discordou da seguinte afirmação agostiniana: “Dá o que
Tu ordenas — e ordena o que Tu queres”,3 pois compreendeu
'R. C. Sproul, Sola gratia: a controvérsia sobre o livre-arbítrio na história, p. 29.ZB. L. Shelley, “Pelágio, pelagianismo”, em: Enciclopédia histórico-teológica da Igreja
cristã, p. 127.3Confissões, p. 221-222.
16 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
que a criatura não necessita pedir permissão para fazer o que lhe
foi ordenado. Em sua concepção, se Deus ordena que as pessoas
creiam em Cristo, então elas devem ter o poder de crer em Cristo
sem ajuda da graça especial interior de Deus, daí suas palavras:
“Se Deus ordena que os pecadores se arrependam, eles devem ter
a habilidade de se inclinarem para obedecerem ao comando. A
obediência não precisa, de forma alguma, ser concedida”.4
A base fundamental dos princípios teológicos pelagianos consis-
te em que Deus, ao criar o homem, não o sujeitou, como as demais
criaturas, à lei da natureza, mas lhe deu o privilégio de cumprir a
vontade divina por sua própria escolha. Pelágio observa três aspectos
nas ações humanas: posse (poder), velle (querer) e esse (realização),
que se distribuem da seguinte forma: o “poder” vem exclusivamente
de Deus, enquanto os outros dois pertencem ao homem.
Pelágio defende a impossibilidade de o homem ter qualquer ten
dência para o mal resultante da queda, conforme Gênesis 3. Em
vez disso, acredita que o louvor ou a censura depende da ação
humana.
A interpretação de Pelágio da palavra “graça” está vinculada a
sua crença de que, com a queda, a razão de Adão foi obscurecida,
impedindo-o de compreender a revelação de Deus. Com isso, sur
giu a necessidade de criar mecanismos — como a lei de Moisés, o
ensino e o exemplo de Cristo — que consistem em graças externas
fornecidas por Deus para que o homem reconheça o Criador. Ve
mos que, no ensino de Pelágio, a graça não é uma ação interior, mo
tivada pelo Espírito Santo, que conduz a vontade humana ao que é
bom, mas “consiste unicamente em dons exteriores e faculdades
naturais, tais como a natureza racional e o livre-arbítrio do homem,
a revelação da lei de Deus nas Escrituras e o exemplo de Cristo”.5
Com a mesma perspectiva, Sproul assim entende o pensamento
de Pelágio: “[...] O livre-arbítrio, adequadamente exercido, pro
4Sproul, Solagratia, p. 30.
5A. Hoekema, Criados à imagem de Deus, p. 174.
duz virtude, que é o bem supremo e devidamente seguido pela
recompensa. Por meio do seu próprio esforço, o homem pode alcan-
çar tudo o que se requer dele na moralidade e na religião”.6
Hanarck7 observa que um dos principais fundamentos do pen-
samento de Pelágio consiste no princípio de que a bondade e a
justiça são atributos que devem ser mais ressaltados em Deus, visto
que para ele seria inconcebível um Deus que carecesse da perfei
ção de tais atributos. Deus é perfeitamente bom e criou o homem
em igual condição, possuidor de livre-arbítrio, elemento que per
mitiu que Adão pecasse por sua própria vontade. Ele não foi coagi
do por Deus ou por qualquer criatura a cometer o primeiro ato de
pecado, e este não resultou na corrupção da sua natureza, nem
causou a morte natural, uma vez que Pelágio acredita que Adão
fora criado mortal.
Podemos resumir8 os pressupostos teológicos de Pelágio da se
guinte maneira:
1. Adão foi dotado de razão e livre-arbítrio. Com a razão, ele de
veria ter domínio sobre todas as criaturas irracionais; com o
livre-arbítrio, servir a Deus. A liberdade é o bem supremo, a
honra e a glória do homem, o bem natural que não pode ser
perdido. É a base única da relação ética do homem com Deus.
A liberdade consiste essencialmente no livre-arbítrio, ou seja,
na possibilidade absoluta de escolher e praticar o bem ou o
mal a cada momento. Pelágio firmou sua visão da natureza
humana e do livre-arbítrio em sua doutrina da criação. Isso
significa que ele acreditava que a natureza humana não ape
nas fora criada boa, mas incontestavelmente boa, ou seja,
embora o comportamento da pessoa possa ser alterado ao co
meter algum ato pecaminoso, o mesmo não ocorre com sua
natureza ou substância.
"Sproul, Solagracia, p. 31.
7History of the Dogma, p. 169-175.
8Sproul, Sola gratia, p. 236.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 17
18 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
2. O pecado original não existe. A compreensão pelagiana do pe
cado parte do princípio de que a natureza do homem foi cria
da incontestavelmente boa. O homem, portanto, pode ser
perfeito, e alguns têm sido, o que resulta na interpretação de
que o pecado consiste num ato, e não em algo arraigado à
natureza humana, já que o homem é capaz de voltar a agir
corretamente, como antes de cometer o erro. As pessoas, por
tanto, nascem sem pecado. Cometem erros porque estão cer
cadas de maus exemplos. Por conseguinte e estritamente
falando, segundo o ponto de vista pelagiano, não há pecado
res, mas tão somente atos pecaminosos isolados, frutos de
maus exemplos.9
3. Transmissão do pecado à raça humana. Pelágio considerava
que seria injustiça de Deus transmitir ou imputar o pecado
de um homem a outros, não vendo, portanto, conexão entre
o pecado de Adão e seus descendentes. Acreditava que to
dos os homens são criados por Deus na mesma posição que
Adão desfrutava antes da queda, o que eqüivale a dizer que
a criança é concebida sem nenhum pecado. Para ele, só exis
tem duas diferenças entre Adão e sua descendência. Uma
delas é que ele foi criado adulto, e sua descendência, infan
te. Assim, desde o início, Adão teve uso total da razão, en
quanto sua descendência teve de desenvolvê-la. A segunda
diferença é que Adão foi colocado no Paraíso, onde não pre
valecia o costume do mal, poupando-o dos maus exemplos,
ao passo que sua descendência nasce em uma sociedade e
em um ambiente em que o costume do mal e, portanto, dos
maus exemplos, prevalece.10
4. O papel da graça de Deus. O pelagianismo defende que o ho
mem nasce em condição neutra e sem pecado; o que o cor
9L. Berkhof, Teologia sistemática, p. 236.
I0Sproul, Sola gratia, p. 35.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 19
rompe é o mau exemplo e sua imitação, que resulta do hábi-
to de pecar, o qual, por sua vez, obscurece o pensamento do
ser humano, conduzindo-o aos maus hábitos. Já a graça de
Deus age como facilitadora, e não como elemento essencial,
para que o homem encontre e pratique a justiça e a bonda
de. Com esse pressuposto é que Pelágio ensina a importância
da graça de Deus manifestada de diversas formas, seja por
sua lei, seja pelo exemplo de Cristo, pela educação e ilumi
nação. Tal graça nada produz, portanto, no interior do ho
mem, mas define a bondade, apontando ao homem o caminho
da justiça.11
Referindo-se a uma carta de Pelágio a Demétrio, Agostinho12
afirmou que o argumento total daquelas linhas demonstra que,
para Pelágio, a “assistência de Deus”, ou a graça de Deus, resume-
se apenas à instrução.
Assim, como o pelagianismo defende o pressuposto de que a
natureza do homem não foi corrompida pelo pecado — que se trata
apenas de uma questão de ações pecaminosas escolhidas pelo pró
prio homem — e que ele é capaz de fazer o bem — mesmo sem a
intervenção divina, desde que seja despertado com os meios ade
quados —, a salvação não resulta da graça divina como obra de
Deus no homem, mas da vontade e capacidade deste em desejá-la.
Segundo Pelágio, portanto, a salvação depende apenas do homem.
Em suma, as concepções teológicas de Pelágio se fundamentam
em discussões sobre o livre-arbítrio e o pecado original. Ele afirma
va que a transgressão de Adão só fez mal a ele mesmo, e não a sua
posteridade. O homem nasce na mesma condição em que Adão foi
11A influência desse pressuposto teológico pode ser visto em João Amós Comenius
(1592-1670), sistematizador da ciência da educação. Foi citado por Lopes em O concei
to de teologia na Didática magna de Comenius, p. 152, como pelagiano ou no máximo
semipelagiano. Comenius considerou a educação um meio externo de Deus para curar
a corrupção do gênero humano: “a educação é o remédio divino para a corrupção do
gênero humano”. Didática magna, p. 11.
12Agostinho, A graça, vol. 2, p. 7-8.
20 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
criado, ou seja, sem pecado original. O resultado de tal ponto de
vista é que a vontade do homem é livre, pois ele possui todo o
poder de querer e fazer o bem, independentemente da graça salvífica
interior e especial de Deus.
Essa doutrina encontrou forte oposição na Igreja antiga e, de
modo especial, em Agostinho, que se entregou por completo a
combatê-la. Foi também condenada pelo Sínodo de Cartago (407 e
416 d.C.); pelo Concilio de Milevo, na Mumídia, em 416; pelos
papas Inocêncio e Zósimo; e pelo Concilio de Éfeso (431). Não
obstante sua condenação, muitos cristãos daqueles dias se manti
veram envolvidos com as ideias de Pelágio, o que resultou num
cisma entre eles.
De um lado, alguns perceberam que Pelágio pregava uma espé
cie de antropocentrismo incipiente, ao submeter a graça divina ao
livre-arbítrio e à boa escolha dos homens. Por outro lado, muitos
não queriam aceitar a doutrina da eleição divina, ensinada por
Agostinho. Assim, especialmente após a morte do bispo, em 430
d.C., originou-se na igreja uma doutrina intermediária denomina
da ' ‘semipelagianismo”, que admitia o pecado original e sua influên
cia sobre a natureza e a vontade do homem. Ensinava, contudo,
que, se a boa natureza do homem fosse despertada e ajudada pela
graça de Deus, seria possível ao homem cooperar com Deus para
vencer o pecado. Isso eqüivale a dizer que, ao ser ajudado pelo
homem, não é Deus quem tem a palavra final na salvação do ho
mem, mas o próprio homem.
O semipelagianismo difere do pelagianismo por aceitar a dou
trina do pecado original e se mostrar disposto a aceitar a predesti
nação divina, desde que fundamentada na presciência de Deus,
isto é, ele prevê de antemão quem vai aceitar sua graça e crer em
Jesus.
Com isso, as doutrinas pelagiana e semipelagiana respondem
afirmativamente à pergunta: “Pode um cristão regenerado perder
a salvação?”. Nessas concepções doutrinárias, é possível ao cristão
regenerado perder a salvação, haja vista que ela depende da fi
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 21
delidade do homem — que, quando muito, pode ter o auxílio da
igreja —, e não necessariamente da fidelidade de Deus.
A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO AGOSTIN1ANISMO
Agostinho, ou Aurelius Augustinus, nasceu em 13 de novembro de
354, na cidade de Tagaste, província romana da Numídia, hoje
Souk-Ahras, Argélia. Foi o primeiro filho de Patrício, conselheiro
municipal e membro da classe média. Agostinho viveu em sua ci
dade natal até precisar se mudar para Madura e posteriormente
para Cartago, a fim de continuar os estudos. Ali estudou as sete
artes liberais — gramática, retórica, dialética, geometria, música,
matemática e astronomia — e passou a viver com Melânea, com
quem teve Adeodato.
O próprio Agostinho13 narra sua conversão, a qual se deu depois
que ele encontrou uma criança que cantava repetidamente: “toma
e lê”. Após esse evento, abriu a Bíblia em Romanos 13:13-14, texto
que marcou definitivamente sua conversão. Em 25 de abril de 387,
Agostinho foi batizado por Ambrósio e, logo depois, retornou a
Tagaste. Pouco depois, mudou-se para Hipona a fim de fundar um
mosteiro, onde viveu. Em 396, sucedeu o bispo Valério, em Hipona.
A partir de então, Agostinho enfrentou várias vicissitudes no mi
nistério pastoral.
Ele escreveu as seguinte obras: Contra os acadêmicos, Solilóquios,
A vida feliz e. a ordem (386); A imortalidade da alma e A gramática
(387); A grandeza da alma (387-388); O livre'arbítrio (388-395); O
mestre (389); A música (389-391); A moral da Igreja Católica e a
moral dos maniques (388); As duas almas (391); Controvérsia contra
Fortunato, O maniqueu (392); Sobre o Gênesis, Contra os maniqueus
(386-391); A verdadeira religião (389); Questões diversas (389-396);
A utilidade do crer (391); A fé e o símbolo (393); Algumas cartas e
sermões; Contra a epístola de Manique (397); Contra Fausto, o maniqueu
13Agostinho, Confissões, p. 214-
22 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
(398); A natureza do bem (399); O batismo (400); Contra a epístola
de Petiliano (401); A unidade da Igreja (405); A doutrina cristã (397);
Confissões (398-399); Comentário literal ao Gênesis (400-415); A Trin
dade (400-416); Os bens do matrimônio; A santa virgindade (401);
Cartas, sermões e comentários aos Salmos; Os méritos e a remissão
dos pecados (411-412); O Espírito e a letra (412); A natureza e a
graça (415); A correção dos donatistas (417); A graça de Cristo e o
pecado original (418); A alma e sua origem (419); As núpcias e a
concupiscência ( 419-420); O Enquirídio (421); dois volumes in
titulados Contra Juliano (421 e 429-430); A graça e o livre-arbítrio e
A correção e a graça (426); A predestinação dos santos e O dom da
perseverança (428-429); A cidade de Deus (413-426); O Ciddado
devido aos mortos (421) e as Retratações (426-427).14
Essas obras produzidas pelo bispo de Hipona foram intensas e
profundas. Contudo, não se pode esquecer que seus escritos surgi
ram como resultado do seu exercício pastoral prático, cuja carac
terística mais evidente foi a defesa da fé cristã. Ao estudá-las, é
notório perceber que ele concedeu honra e glória a Deus, ao con
fessar que o fundamento da salvação estava somente nele e em sua
soberana eleição por meio de Cristo.
Para ele, o homem caído não tinha condições de se gloriar,
porque Adão e todos os seus descendentes se corromperam após
a queda, de maneira que no homem não reside bem algum.15
Por causa das transgressões e erros, o homem é, por natureza,
escravo do pecado e filho da morte. E, sozinho, não pode mudar
coisa alguma, a menos que seja regenerado ou nasça pelo Espírito
Santo.16
Agostinho foi quem primeiro ensinou a doutrina da perseveran
ça dos santos, cuja base era a doutrina da predestinação. Segundo
seu ponto de vista, os eleitos jamais poderiam se perder de modo
14F. Ferreira, Agostinho de A a Z, p. 22-25.15Agostinho, A graça, p. 300.
l6Idem, p. 114-
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 23
definitivo. Não obstante, o teólogo reformado Berkhof17 argumen
ta que Agostinho achava possível que alguns, mesmo depois de re
vestidos da nova vida e fé verdadeira, poderiam cair completamente
do estado de graça e, por fim, sofrer a condenação eterna. O pro
blema dessa afirmação é que Berkhof não fundamenta suas palavras
em nenhuma obra de Agostinho. O que pode ser lido em seus es
critos é que ele jamais ensinou outra doutrina que não fosse a gra
ça de Deus na vida do cristão como razão de sua perseverança.18
Fica claro que Santo Agostinho declara que o homem eleito
jamais pode perder a salvação. A resposta à pergunta: “Pode um
cristão regenerado perder a salvação?” é explicitada em suas pró
prias palavras: “Aqueles eleitos [...] foram predestinados [...] se
eles se perdem, é sinal de que Deus se engana; mas nenhum deles
se perde, porque Deus não se engana”.19
O pensamento de Agostinho influenciou grande parte da Igreja
e foi revisitado pelos movimentos reformados dos séculos XVI e
XVII, os quais também responderam à pergunta: “Pode um cristão
regenerado perder a salvação?”. Passaremos a abordar esses pontos
de vista.
A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NA REFORMA DO SÉCULO XVI
E NOS MOVIMENTOS PROTESTANTES DO SÉCULO XVII
O primeiro reformador a se posicionar acerca da possibilidade de
perda da salvação foi Martinho Lutero, monge da ordem agostinia-
na. Ele nasceu no dia 10 de novembro de 1483, em Eisleben. Seu
pai era de origem camponesa, mas ganhou a vida administrando
minas de cobre. Apesar de seus negócios não irem tão bem, conse
guiu prover boa educação para o filho. Em 1501, Lutero ingressou
17Teobgia sistemática, p. 549.lsPara aprofundamento, se Berkhof está correto ou não em afirmar que Agostinho teria
ensinado que o cristão poderia perder a salvação ou não, é necessário ler o artigo: O
dom da perseverança dos santos no pensamento de Santo Agostinho. Disponível em:
<http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/cr>. Acesso em 28 de mai. de 2009.i9Ferreira, Agostinho de A a Z , p. 168.
na escola de Direito da Universidade de Erfurt. Todavia, desde
então, sua vocação era a área religiosa.
Depois de concluir o curso de Direito, Lutero optou pela vida
religiosa e entrou para a Ordem dos Agostinianos em 1505, onde
conquistou prestígio como intelectual. Em 1508, já era professor da
Universidade de Wittenberg, não como titular, mas como contra
tado para lecionar durante um semestre. Anos mais tarde, viajou
para Roma, sede da igreja papal, de onde voltou decepcionado
com o ambiente de corrupção e avareza no qual vivia o clero.20
Sua preocupação central na vida era a salvação de sua alma.
Dentro do mosteiro, começou a travar lutas agonizantes. Havia
entrado ali à procura da salvação, mas não encontrou a paz e a
segurança de que estava no caminho de Deus. Mesmo levando
uma vida exemplar de piedade, sua alma ardia com o sentimento
de pecado e o pensamento constante de estar provocando a ira
divina. Para livrar seu pai do purgatório, subiu de joelhos a escada
da Santa Sé, a escadaria que se diz ter sido trazida da casa de
Pilatos. Em cada degrau, repetia o Pai-nosso. Ao chegar ao topo,
veio-lhe à mente a seguinte pergunta: “Quem sabe se tudo isto é
verdade?”. Mas tal inquietação logo passou.21
Em 1511, foi transferido para Wittenberg, onde se tornou profes
sor de Bíblia. Ali recebeu o título de doutor em Teologia. Com o
intuito de aperfeiçoar seus ensinamentos, começou a estudar as
línguas originais da Bíblia (hebraico e grego). Segundo Cairns,22
de 1513 a 1515, Lutero lecionou sobre Salmos e, de 1515 a 1517,
sobre Romanos, Gálatas e Hebreus.
Sua alma angustiada só encontraria paz interior entre os anos
1512 e 1517, ao estudar Romanos 1:17: “O justo viverá pela fé”. Esse
texto despertou sua mente para entender que a salvação acontece
pela graça e que somente pela fé em Cristo é possível se tornar
20R. Olson, História da teologia cristã, p. 380.
21R. Nicfiols, História da Igreja cristã, p. 142.
22História do cristianismo através dos séculos, p. 234.
24 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 25
justo diante de Deus. A partir daí, as doutrinas da justificação pela
fé e da Sola Scriptura (somente as Escrituras), a ideia segundo a
qual as Escrituras são a única autoridade na qual o pecador pode
procurar a salvação, passaram a ser os pontos principais de seu sis
tema teológico. Contra essa verdade, a igreja papal apregoava que
a salvação ocorreria pelas obras, mediante os sacramentos.
No ano de 1517, apareceu em Wittenberg um homem chamado
Tetzel, enviado pelo arcebispo Alberto de Mogúncia, para vender
indulgências emitidas pelo papa. De toda parte, muitas pessoas
vieram comprar essas indulgências, pois elas ofereciam diminuição
das penas do purgatório. Essa multidão pensava que, com a compra
das indulgências, conseguiria o perdão dos pecados. “Tetzel ensi-
nava que o arrependimento não era necessário para quem com-
prasse uma indulgência, pois por si mesma ela era capaz de dar
perdão completo de todos os pecados.”23 “Tão logo a moeda no
cofre soa, uma alma do purgatório voa!”.24
A notícia da venda das indulgências chegou até Lutero, que
objetou a elas e, em 31 de outubro de 1517, às vésperas do Dia de
Todos os Santos, quando grande multidão comparecia à igreja do
castelo,25 em Wittenberg, Lutero afixou as 95 teses que tratavam,
particularmente, de mostrar que a igreja não podia oferecer per-
dão pelos pecados, tampouco alterar a situação no purgatório e
que somente Deus poderia fazê-lo. As teses negavam que o papa e
a igreja fossem mediadores entre o homem e Deus, não sendo dig-
nos de perdoar, portanto, os pecados. A partir daí, estava declara
da a Reforma da igreja, ainda que Lutero só fosse excomungado
em agosto de 1520, pelo papa Leão X. Seu intento inicial não era a
divisão da igreja, mas reformá-la em alguns pontos.
Lutero fundamenta sua crença na Bíblia sob a perspectiva agos-
tiniana. Assim, ao proclamar a Reforma Protestante, rompeu com a
2,Idem.
24Olson, História da teologia cristã, p. 387.
25W. Walker, História da Igreja cristã, p. 14.
26 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
igreja papal. A principal doutrina que defendia, denominada de
“justificação pela fé”, era contrária a aceitar qualquer tipo de obras
como meio de salvação. Por causa das influências agostinianas,
Lutero creu na doutrina da predestinação e respondeu à questão:
“Pode um cristão regenerado perder a salvação?” da seguinte ma
neira: “Defendo que o decreto divino da predestinação é imutável
e seguro; e sua execução é igualmente inalterável, e há de levar-se
a cabo com a absoluta certeza. Se dependesse de nós mesmos, que
somos tão débeis, mui poucos, ou melhor, nenhum se salvaria, Sa
tanás nos venceria a todos”.
Ou seja, o luteranismo, originariamente, defendia que o cristão
regenerado não poderia perder a salvação. Entretanto, por atribuir
ao homem a função de se manter fiel ou não a Deus, acredita hoje
que é possível ao homem perder a salvação.26 A Fórmula de Concór
dia, elaborada em 1577, que retoma alguns artigos da Confissão de
Augsburgo e é aceita pelos luteranos como exposição correta das
Sagradas Escrituras, afirma: “Deve-se refutar e rejeitar zelosamen
te a falsa opinião de alguns segundo a qual não se pode perder [...]
a salvação”.27
Vale ressaltar a afirmação conjunta das crenças da Igreja Cató
lica Romana e da Igreja Luterana: “[...] Confessamos juntos que as
pessoas crentes podem confiar na misericórdia e nas promissões de
Deus [...]. Mas toda pessoa pode estar preocupada com sua salva
ção quando olha para suas próprias fraquezas e insuficiências”.28
Na mesma declaração, ao tratar da Incapacidade e pecado humanos
face à justificação, a Igreja Luterana afirma: “[...] Luteranos não
negam que o ser humano possa rejeitar a atuação da graça [...]”.29
Por causa dessas afirmações é que se pode pontuar que a Igreja
26Berkfiof, Teologia sistemática, p. 549.27Hodge, Esboços de teologia, p. 762.
“Declaração Conjunta de Luteranos e Católicos, 2008, p. 7. Disponível em:
< www.vatican.va/roman>. Acesso em 13 de ago. de 2008.29Idem, p. 4-
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 27
Luterana, com o passar dos anos, afastou-se das ideias de Martinho
Lutero acerca da doutrina da certeza da salvação e se apegou à
doutrina da graça universal ou expiação universal.30
Dentro do movimento da Reforma, outras correntes também
pontuam sua resposta à pergunta: “Pode um cristão regenerado
perder a salvação?”. Uma delas é o arminianismo.
A doutrina arminiana surgiu com o teológo holandês Jacob
Hermann, que nasceu em 1560 e ficou conhecido pelo nome lati-
nizado: Arminius. Ele foi designado para responder a Coomhert*1
e defender a posição “supralapfica”32 contra os ministros de Delft,
os infralapsarianos.33 Em seus estudos, Arminius começou a du
vidar da doutrina da eleição incondicional e passou a atribuir
ao homem o livre-arbítrio, ou seja, o homem tem soberana liber
dade para aceitar ou recusar Cristo, ou seja, o homem controla
a graça.
"Berkhof, Teologia sistemática, p. 549.
31Walker, História da Igreja cristã, p. 13432A posição supralapsária é definida por Hodge como “a teoria das diversas provisões do
decreto divino nas suas relações lógicas, que supõe que o supremo fim a que Deus se
propôs na salvação de uns e na condenação de outros foi a Sua própria glória, e que,
como meio de alcançar esse fim, decretou criar o homem e permitir que caísse”. Segun
do o próprio Hodge, a ordem dos decretos seria então: 1. dentre todos os homens, Deus
primeiro decretou a salvação de uns e a condenação de outros, a fim de promover a sua
própria glória; 2. para alcançar esse fim, decretou criar os que já havia escolhido ou
reprovado; 3. decretou permitir que caíssem; 4- decretou preparar a salvação para os
eleitos. “Essa foi a teoria de Beza, sucessor de Calvino em Genebra, e de Gomaro, o
grande oponente de Arminius”. A. A. Hodge, Esboços de teologia, p. 313.33A posição infralapsária é definida por Hodge como “a teoria da predestinação, ou
decreto da predestinação considerado como subsequente, no propósito divino, ao
decreto que permitiu a queda do homem, representa este como objeto da eleição depois
de criado e decaído”. Segundo ele, a ordem dos decretos é a seguinte: 1. o decreto de
criar o homem; 2. o de permitir que caísse; 3. o de eleger certos homens dentre a raça
inteira decaída e com justiça condenada para a vida eterna e de passar por alto os outros,
deixando-os entregues às justas conseqüências dos seus pecados; 4. o decreto de prepa
rar a salvação para os eleitos. “Esta é a teoria comum às igrejas reformadas, confirmada
pelo Sínodo de Dort e pela Assembleia de Westminster”. A. A. Hodge, Esboços de
teologia, p. 312.
28 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Com sua morte em 1609, seus discípulos, João Wtenbogaert e
Simão Episcopius, sistematizaram a doutrina arminiana, chaman-
do-a de Remonstrance,34 que defende cinco pontos fundamentais:
1. O pecado e a vontade do homem. “O homem nunca é de tal
modo corrompido pelo pecado que não possa crer salvaticia-
mente no evangelho, uma vez que este lhe seja apresenta
do”.35 Arminius acreditava que a queda do homem não foi
total e sustentou que restou ao ser humano bem suficiente
capaz de habilitá-lo a querer aceitar Cristo como Salvador.
2. Eleição condicional. O homem nunca é de tal modo controla
do por Deus que não possa rejeitá-lo. Infere-se daí que o ato
de fé por parte do homem é a condição para que ele seja
eleito e salvo eternamente.36
3. Expiação universal. A eleição divina daqueles que serão sal
vos se alicerça no fato da previsão divina de que eles have
rão de crer, por sua própria deliberação. Arminius sustentava
a redenção universal, isto é, a morte de Cristo oferece a Deus
condição para que todos os homens se salvem.37
4- A graça pode ser impedida. A morte de Cristo não garantiu a
salvação para ninguém, pois não garantiu o dom da fé para
ninguém. Tal dom sequer existiria. O que ela fez foi criar a
possibilidade de salvação para todo aquele que crê. Uma vez
que Deus quer que todos os homens sejam salvos, ele envia
seu Santo Espírito para atraí-los a Cristo. Entretanto, por causa
de seu livre-arbítrio, os seres humanos podem resistir à graça
de Deus e desejar não serem salvos.38
34“Protesto” ou “representação”.35J. Packer, O antigo evangelho, p. 6.
36Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 13.37Packer, O antigo evangelho, p. 6.
38Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 14-
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 29
5. O homem pode cair da graça. “Depende inteiramente dos cren-
tes manterem-se em um estado de graça, conservando sua
fé; aqueles que falham nesse ponto desviam-se e se perdem”.
Assim, depende de o homem permanecer no estado de graça
e, se ele não o desejar, poderá se afastar de Deus. O resulta
do disso será a perda da salvação.39
Esses cinco pontos arminianos causaram conflitos no protestan
tismo da época. Por isso, os Estados Gerais da Holanda convoca
ram um sínodo nacional na cidade de Dort, que aconteceu entre
13/11/1618 e 9/5/1619, com a finalidade de prover um parecer con
ciliar acerca do assunto. O Sínodo de Dort condenou o arminia-
nismo e adotou os “cânones” de tom calvinista, os quais, juntamente
com o Catecismo de Heidelberg e a Confissão belga tornaram-se a
base doutrinai da Igreja Reformada Holandesa.
Tendo em vista seu ensinos, em especial o último ponto do Re-
monstrance, Arminius, assim como seus discípulos, afirma ser possí
vel ao cristão perder a salvação.
Embora condenado, o arminianismo, segundo Olson,40 flo
resceu em solo inglês no fim do séxulo XVI, e muitos líderes da
igreja na Inglaterra o adotaram publicamente. Durante os séculos
XVII e XVIII, uma era de racionalismo e de avivamento na
Inglaterra e na Nova Inglaterra (hoje Estados Unidos da Amé
rica), os princípios arminianos foram disseminados no protes
tantismo norte-americano. Este, por meio de suas expedições
missionárias ao Brasil, propagou o arminianismo em boa parte
do protestantismo que nascia em terras brasileiras. De certa
maneira, isso parece explicar, pelo menos em parte, a hegemonia
da crença arminiana na maioria das igrejas protestantes ou evan
gélicas.
39Idem.
40Olson, História da teologia cristã, p. 483.
Textos bíblicos que parecem afirmar
QUE O CRISTÃO REGENERADO PODE PERDER A SALVAÇÃO
A grande maioria dos segmentos protestantes do Brasil do século
XXI, por causa da forte influência arminiana, defende que é possí
vel a um cristão regenerado perder a salvação. Algumas dessas
comunidades optaram pela postura arminiana, em detrimento da
perspectiva calvinista, por causa de certas objeções, fundamenta
das, segundo esses grupos, em textos bíblicos, os quais parecem se
opor à salvação ou à segurança eterna do cristão regenerado.
Hebreus 6:4-6
Esse é um texto muito difícil, classificado por Barclay41 como uma
das passagens mais terríveis das Escrituras. Os arminianos fazem
uso dele para defender sua crença de que o cristão regenerado
pode perder a salvação. Ele diz o seguinte:
Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom
celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimen
taram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de
vir e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependi
mento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de
Deus, sujeitando-o à desonra pública.
No versículo 6, o escritor emprega a expressão “é impossível”,
que está diretamente ligada à continuação no mesmo versículo:
“que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos
estão crucificando de novo o Filho de Deus [...]”. Observa-se que
a dificuldade com essas afirmações é, por um lado, a “queda dos
iluminados” e, por outro, a “impossibilidade de renová-los para
arrependimento”. Bezerril42 entende que a primeira expressão
41The Letter to the Hebrews, p. 55.42A queda dos iluminados de Hebreus 6:4-6, p. 1. Disponível em: <www.icegob.com.br/
marcos/heb6>. Acesso em 22 de ago. de 2008.
30 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 31
parece se apresentar como um problema para os calvinistas, pois
fala da “queda” dos que outrora foram iluminados; no entanto, a
segunda sentença parece ser um problema para os arminianos, pois
eles se deparam com a questão da impossibilidade de o homem por
si mesmo se renovar para arrependimento.
Agrava-se ainda mais o problema de compreensão do texto se
forem consideradas as declarações ditas, pelo escritor de Hebreus,
acerca dos que caíram: foram iluminados; provaram o dom celes
tial; tornaram-se participantes do Espírito Santo; provaram a boa
palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro; mas, porque
caíram, “é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento
Num primeiro momento, a reflexão a ser feita é com relação
ao pecado que resultou nessa “queda”. Deve se tratar de um peca
do grave (se é que existe pecado que não seja grave), para resultar
numa conseqüência tão séria, mas pode-se afirmar que não se re
fere a qualquer tipo de pecado contra Deus.
E fato que o termo “caíram”,43 utilizado pelo escritor de He
breus, pode se referir a “ofensas comuns”, conforme os textos bíbli
cos de Mateus 6:14, Marcos 11:25 e Gálatas 6:1. Mas também se
refere ao estado de morte espiritual e condenação eterna, segundo
os textos bíblicos de Romanos 4:25, 5:15-18,20, 11:11; 2Coríntios
5:19; Efésios 1:7, 2:1,5 e Colossenses 2:13. Infere-se daí que aque
les homens não podiam ser novamente renovados para o arrependi
mento porque não cometeram uma “ofensa comum” a Deus, mas
uma ofensa grave que resultava na condenação eterna. Essa grave
ofensa pode ser percebida na frase final do versículo 6: “[...] pois
para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujei-
tando-o à desonra pública”.
Nesse contexto, vale ressaltar as palavras de Lutero44 quanto à
apostasia daqueles homens: “Deve ser entendido que nesta passagem
43No grego, parapesóntas.44Lut/ier’s Works, p. 182.
32 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
o apóstolo está falando acerca daqueles que ‘caíram da fé’, eram os
descrentes, os quais acreditavam que poderiam ser salvos sem Cristo,
por sua própria justiça”. Com a mesma perspectiva, Kistemaker45
pontua que aqueles homens “caíram” porque não eram cristãos re-
generados, haja vista que negaram Jesus como Senhor e Salvador e
deliberadamente se rebelaram contra Cristo.
Para Hagner,46 quando o autor emprega o título “Filho de Deus”,
ele acentua a gravidade da ofensa. Em seu comentário a respeito
desse texto, o autor afirma que a apostasia é um dos pecados mais
graves, “pecado para o qual não há remédio e do qual não há pos-
sibilidade de retomo. Nenhum outro meio de salvação está à dis
posição do apóstata senão aquele que ele rejeitou”.47
Ainda que Hagner esteja correto em sua afirmação de que o
autor de Hebreus intenciona acentuar a gravidade da ofensa ao
empregar o título “Filho de Deus”, é relevante pontuar que não se
trata de qualquer apostasia, mas de negar a obra da redenção rea
lizada por Cristo e voltar ao judaísmo e sua prática sacrificial.
Para melhor compreensão desse texto bíblico, de uma perspecti
va mais abrangente, é preciso levar em conta o que está escrito em
Mateus 12:31: “Por esse motivo eu lhes digo: Todo pecado e blasfê
mia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito
não será perdoada”. Pereira Filho,48 ao discutir a temática em seu
livro A blasfêmia contra o Espírito Santo, explicita que esse pecado é
imperdoável porque está fundamentado no total desprezo e anula
ção da obra de salvação realizada por Cristo. Analisando os dois
textos em conjunto, pode-se conceber que aqui se aplica a blasfê
mia contra o Espírito Santo,49 já que o problema principal quanto à
atitude daqueles homens é que eles procuravam anular e buscar
45Comentário do Novo Testamento, p. 313-315.46Novo comentário bíblico contemporâneo, p. 109.4'Idem.48p. 92-117.49Calvino, A epístola aos Hebreus, p. 151.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 33
um outro caminho que não fosse o sacrifício de Jesus para expiação
e justificação de seus pecados. “Em outras palavras, alinham-se
com os inimigos de Deus, que crucificaram Jesus e de modo figura-
do cometem o mesmo pecado de novo”.50 Todavia, deve-se deixar
claro que “tal coisa não acontece a qualquer um, exceto àquele
que peca contra o Espírito Santo [...]”,51 pois, segundo o próprio
Calvino,52 “certamente Deus jamais exclui ou priva alguém de sua
graça, exceto aquele que se torna totalmente réprobo. Para tal pes-
soa, nada é deixado”.
Dessa perspectiva é que serão estudadas as afirmações que vi-
rão a seguir. A primeira delas é “foram iluminados”.53 Alguns con-
sideram que essa expressão não se refere à iluminação trazida pela
verdadeira regeneração, mas apenas a um pequeno raio de luz do
evangelho ou, como dizia Calvino,54 apenas uma “degustação do
dom celestial”. Westcott55 e Kistemaker56 afirmam que Justino
Mártir, um dos primeiros pais da igreja, interpretou essa expressão
como uma referência ao batismo, pois, para ele, o pecado após o
batismo não receberia perdão.57 Kistemaker58 parece estar convic-
to de que essas palavras estão diretamente ligadas ao batismo: “Des-
de o século II até hoje, escritores têm associado o verbo iluminados
com o batismo”.
O mesmo Kistemaker59 afirma que essa interpretação se susten-
ta por causa da expressão “[...] uma vez”; e porque “no contexto
mais amplo da passagem, o termo batismo de fato aparece em 6:2”.
50D. A. Hagner, Novo comentário bíblico contemporâneo, p. 109.51Calvino, A epístola aos Hebreus, p. 151.52Idem.
’5No grego, phõtisthentas.54A epístola aos Hebreus, p. 152.55The Epistle to the Hebrews, p. 148.56Comentário do Novo Testamento, p. 225.57Barclay, The Letter to the Hebrews, p. 56.
5SComentário do Novo Testamento, p. 225.59ldem.
34 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Além disso, segundo ele, muitas similaridades podem ser destaca
das entre o batismo e a iluminação. “Por exemplo, a prática cristã
antiga de realizar os batismos na aurora utiliza o simbolismo da
noite anterior de pecado e do sol nascente que ilumina o candida
to batismal, que entra numa vida nova”.60
Tendo em mente a perspectiva de Kistemaker, é necessário aten
tar para o termo “iluminados”, usado no capítulo 10, versículo 32:
“Lembrem-se dos primeiros dias, depois que vocês foram ilumi
nados, quando suportaram muita luta e muito sofrimento”. A pala
vra “iluminados” é a mesma empregada no texto em estudo, e
Kistemaker61 a interpreta com referência aos que foram batizados
e, a partir de então, começaram a sofrer grandes lutas.
Entretanto, além dessas interpretações concernentes ao termo
“iluminados”, é possível entendê-lo como uma referência à salva
ção. Em João 1:9, o evangelista aplica esse termo, segundo Bruce,62
da seguinte forma: “A iluminação que o evangelista tem em mente
é principalmente espiritual, que dissipa as trevas do pecado e da
descrença [...]”. Outro texto que comprova que o termo “ilu
minados” se encontra diretamente ligado com a salvação é Efé-
sios 1:18: “os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim
de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as
riquezas da gloriosa herança dele nos santos”. Hendriksen,63 ao
comentar o texto anterior, afirma: “Com o fim de alcançar esta
iluminação, o Espírito opera nos homens o novo nascimento [...].
Os olhos são esclarecidos (iluminados) quando o coração é puri
ficado”.
A partir dessas constatações, percebe-se que essa temática não
é tão simples quanto pode aparentar em primeira instância, e en-
cará-la como uma revelação inicial ou “uma degustação”, como fez
“Idem.6lIdem, p. 419.aIntrodução e comentário de João, p. 41- 63Comentário do Novo Testamento: Efésios, p. 125.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 35
Calvino,64 parece não estar de acordo com as afirmações do escri
tor de Hebreus, o qual pretendia demonstrar o alto grau de ilumi
nação recebido por aqueles homens concernentes à verdade cristã,
já que deles é dito: “[...] provaram o dom celestial”. A referência
aqui não é relativa a algo experimentado superficialmente, mas ao
que de fato foi vivenciado. Eles “tornaram-se participantes do Es
pírito Santo”. Para Calvino,65 essa afirmação não deve ser entendi
da de outra forma, a não ser que os apóstolos haviam imposto as
mãos sobre eles. Isso quer dizer que essas pessoas receberam o Espí
rito Santo, o que resultou possivelmente na operação de sinais e
curas.
Aqueles homens participaram ativamente da igreja e confessa
ram o senhorio de Jesus, pois essa era a condição básica para parti
cipar da comunidade de fé e usufruir da companhia dos cristãos.66
E, por fim, “[...] experimentaram a bondade da palavra de Deus e
os poderes da era que há de vir”, isto é, tiveram os mesmos privilé
gios dos cristãos: ouviram a palavra de Deus e participaram da ceia
do Senhor. Entretanto, jamais chegaram ao arrependimento e à
regeneração. Com isso em mente, esse texto não serve para funda
mentar o pensamento arminiano de que o cristão regenerado pode
perder a salvação, haja vista que aqueles homens, ao voltarem para
o judaísmo e seus cerimoniais de sacrifícios, demonstraram que
jamais tiveram um encontro salvífico com Jesus.
Judas Iscariotes
Muitos não conseguem compreender como Judas, por ser um após
tolo, caiu do estado de graça e se perdeu definitivamente. Con
cluem que, se ele caiu, o cristão regenerado também pode cair e
de igual forma perder a salvação. Portanto, é relevante destacar
alguns textos das Escrituras quanto à pessoa de Judas, para procurar
MA epístola aos Hebreus, p. 150.65Idem, p. 148.
66Westcott, The Epistle to the Hebrews, p. 149.
36 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
saber se é possível identificá-lo como o traidor e se ele era escolhi
do para a salvação eterna.
Jesus declarou que um dos seus apóstolos haveria de traí-lo. E o
que pode ser lido em João 6:64: ‘“Contudo, há alguns de vocês que
não creem’. Pois Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam
e quem o iria trair”. Em João 13:18, é possível ler: “Não estou me
referindo a todos vocês; conheço os que escolhi. Mas isto acontece
para que se cumpra a Escritura [...]”. No capítulo 17, versículo 12,
encontram-se as seguintes palavras de Jesus: “Enquanto estava com
eles, eu os protegi e os guardei no nome que me deste. Nenhum
deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à perdição,
para que se cumprisse a Escritura”.
Nesses textos, alguém pode objetar que o nome de Judas não é
mencionado e, portanto, poderia ser qualquer outro apóstolo. To
davia, na comparação desses textos com outros textos bíblicos, fica
evidente que o nome desse traidor era Judas. Marcos 14:43-44 afir
ma: “Enquanto ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze [...].
O traidor havia combinado um sinal com eles: ‘Aquele a quem eu
saudar com um beijo, é ele: prendam-no e levem-no em segurança’
[...]”. Marcos 3:19 é ainda mais explítico: “e Judas Iscariotes, que
o traiu”. Em Mateus 26:47-49, o traidor é chamado de Judas.
Em João 13:2, pode-se ler: “Estava sendo servido o jantar, e o
Diabo já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair
Jesus”. Com a mesma perspectiva, Lucas, em Atos 1:16, declara:
“[...] Irmãos, era necessário que se cumprisse a Escritura que o
Espírito Santo predisse por boca de Davi, a respeito de Judas, que
serviu de guia aos que prenderam Jesus”.
Por conseguinte, é possível afirmar que o traidor é identificado
como Judas Iscariotes, de quem o evangelista Mateus, no capítulo
26, versículo 56, afirma: “[...] para que se cumprissem as Escrituras
[...]”. Está claro que Judas Iscariotes traiu Jesus. Entretanto, não
se pode concluir que Judas perdeu a salvação por causa da sua
traição. Judas estava inserido no propósito eterno de Deus como
aquele que seria um dos apóstolos, denominado como tal, porém
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 37
sem jamais fazer parte dos escolhidos de Deus. É por essa razão que
Jesus se refere a ele como “filho da perdição” e diz que seu propósi
to era “que se cumprisse a Escritura”, conforme João 17:12: “[...]
Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à
perdição, para que se cumprisse a Escritura”.
Isso significa que Judas pertencia ao colégio apostólico, mas não
fazia parte dos escolhidos para a salvação eterna. Ele se perdeu
para que as Escrituras se cumprissem. Portanto, desautorizar a dou
trina de que o cristão regenerado não perde a salvação com base
em Judas é um equívoco bíblico, haja vista que em nenhum mo
mento se declara em qualquer parte das Escrituras que ele tivesse
sido salvo e houvesse perdido a salvação. Pelo contrário, Judas é
identificado como “filho da perdição”, ou seja, ele não perdeu a
salvação, já que nunca a teve.
Outro texto citado pelos cristãos brasileiros que aderiram ao
arminianismo em detrimento do calvinismo é 2Pedro, que diz:
Teria sido melhor que não tivessem conhecido o caminho da jus
tiça, do que, depois de o terem conhecido, voltarem as costas para
o santo mandamento que lhes foi transmitido. Confirma-se neles
que é verdadeiro o provérbio: “O cão volta ao seu vômito” e ain
da: “A porca lavada volta a revolver-se na lama”.
2Pedro 2:21-22
Green,67 ao comentar esse texto, pontua, num primeiro momen
to, que esses homens não estavam “dentro do âmbito do santo man
damento que lhes fora dado”, pois Pedro logo indica que não eram
verdadeiros cristãos. A “porca” não foi transformada, mas apenas
lavada, como acontece quando alguém é selado exteriormente com
o batismo, e não com a regeneração interior operada por obra do
Espírito Santo.68 Assim, referindo-se ao texto, o autor declara: “Este,
67Segunda epístola de Pedro e Judas, p. 115.
“Hoekema, Criados à imagem de Deus, p. 260.
38 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
porém, é pouco consolo para aqueles que dogmaticamente nega
riam a possibilidade de um cristão apostatar”.69
Com perspectiva semelhante à de Green, Champlin,70 ao co
mentar esses versículos, informa que, na Antiguidade, os hábitos
imundos do porco serviam para ilustrar os vícios morais e que Pe
dro, ao utilizar essa figura, tem em mente demonstrar que aqueles
homens retornaram a seus pecados anteriores, com deleite e entu
siasmo, embora, por algum tempo, tenham experimentado a crença
cristã. •
Com base nas interpretações anteriores, nota-se que Green dei
xa mais dúvidas do que Champlin sobre aqueles homens serem ou
não cristãos regenerados. Entretanto, no estudo desse texto, à luz
dos adágios utilizados, observa-se que o apóstolo Pedro não tinha
em mente indicar que eles eram cristãos regenerados.
Além disso, o simples fato de o texto explicitar que aqueles
homens conheceram o caminho da justiça não implica que houve
regeneração real. Trata-se, na verdade, do crente ou pessoa que,
ao simpatizar com a vida cristã, separa-se das impurezas do mundo
por um curto espaço de tempo. Todavia, logo volta a amar as coisas
do mundo e, sendo vencido, torna-se pior do que o seu primeiro
estado, conforme afirma o capítulo 2, versículo 20. Assim, torna-se
como o cão que volta ao próprio vômito e a porca que, lavada,
volta para o lamaçal. Portanto, o texto não diz que o cristão rege
nerado pode perder a salvação, mas adverte quanto à necessidade
de o cristão regenerado estar vigilante contra os falsos mestres que
se introduzem entre os cristãos com “heresias destruidoras, che
gando a negar o Soberano que os resgatou [...]” (2Pe 2:1).
Gálatas 5:4
O texto bíblico de Gálatas 5:4 é outro escolhido pelo protestantis
mo brasileiro na opção pela posição arminiana, em detrimento da
69Idem.70O Novo Testamento interpretado versícub por versículo, p. 204.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 39
calvinista, pois ele afirma: “Vocês, que procuram ser justificados
pela Lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça”. Não se pode
negar que Paulo escreve aos cristãos da Galácia. Todavia, é impru
dente, à luz desse texto, crer que o cristão pode perder a salvação,
sobretudo fundamentado nas palavras “caíram da graça”.
No estudo do texto de Gálatas, percebe-se que a motivação
principal para escrever essa epístola foi a decisão do Concilio de
Jerusalém, descrita no capítulo 15 de Atos. O debate consistia em
saber se a salvação ocorria somente por meio da graça ou se, além
da graça, havia necessidade de seguir a lei de Moisés quanto à
circuncisão. É isso que se lê em Atos 15:1: “Alguns homens desce
ram da Judeia para Antioquia e passaram a ensinar aos irmãos: ‘Se
vocês não forem circuncidados conforme o costume ensinado por
Moisés, não poderão ser salvos’”. O Concilio declarou: “Cremos
que somos salvos pela graça de nosso Senhor Jesus” (At 15:11).
Assim, negou aos considerados por eles como gentios a necessida
de de praticarem a circuncisão. Contudo, estes deveriam se abster
das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de
animais sufocados e das relações sexuais ilícitas (At 15:29).
Com essa perspectiva e visando a um grupo judaizante que se
havia infiltrado naquela igreja, Paulo escreveu aos gálatas, com a
finalidade de ensinar que a salvação ocorre somente pela graça em
Cristo. É nesse contexto que se faz necessário atentar às palavras
de Pentecost:71
O apóstolo Paulo não se refere à perda da salvação, mas sim ao
abandono do princípio da graça pelo qual somos salvos e pelo qual
vivemos. Os judeus salvos que tentavam viver pela lei estavam
deixando o princípio da graça.
A interpretação de Pentecost atende ao texto e ao contexto
de toda a epístola aos Gálatas, pois “cair” não possui o sentido de
71A sã doutrina, p. 111.
40 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
perda da salvação, mas significa que eles estavam recebendo in
fluência de “outro evangelho”, o que resulta na admiração de Pau
lo, conforme expressa em 1:6-8: “Admiro-me de que vocês estejam
abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça
de Cristo, para seguirem outro evangelho [...] querendo perverter
o evangelho de Cristo. Mas ainda que nós [...] pregue um evan
gelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoa
do!”. Hoekema72 comenta o seguinte a respeito desse texto: “Paulo
não está falando aqui sobre a possibilidade de que verdadeiros cren
tes percam a salvação, mas sobre um erro doutrinário desastroso”.
Sendo assim, esse texto também não autoriza a crença de que é
possível a um crente regenerado perder a salvação.
Os protestantes brasileiros que adotam a postura arminiana tam
bém fundamentam sua crença de que o cristão regenerado pode
perder a salvação em textos que demonstram a necessidade da
perseverança diante da apostasia.
ITimóteo 4:1-3
A primeira epístola a Timóteo, capítulo 4, versículos 1 a 3, afirma:
O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns aban
donarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de de
mônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e
mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casa
mento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem rece
bidos com ação de graças pelos que creem e conhecem a verdade.
Chama a atenção o trecho “alguns abandonarão a fé”. A ênfase
de Paulo é que esses apóstatas nunca foram redimidos, nunca nas
ceram de novo, mas simplesmente tinham aparência de piedade, a
qual ao mesmo tempo negava o poder de Deus na vida deles e
demonstrava em suas atitudes que não eram cristãos regenerados.
nCriados à imagem de Deus, p. 255.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 41
Marcos 13:13 afirma: “Todos odiarão vocês por minha causa; mas
aquele que perseverar até o fim será salvo”, e em Hebreus 12:1-2 as
seguintes palavras podem ser lidas:
Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão
grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos
atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseve-
rança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus,
autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora pro-
posta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à
direita do trono de Deus.
Os textos citados não dizem que o cristão regenerado pode per
der a salvação. O foco está na necessidade de os cristãos vigiarem.
Eles mostram o perigo da negligência a uma vida de oração, de fé e
da própria Palavra de Deus. Portanto, tampouco esses textos po
dem fundamentar que o cristão regenerado perde a salvação. Eles
serão conservados por causa da boa mão do Senhor.
Por fim, é relevante citar outro texto, que, conforme Pink,73
é utilizado pelos arminianos na defesa de que o cristão regene
rado pode perder a salvação. Trata-se de João 15:2,6. No ver
sículo 2, podem ser lidas as palavras: “Todo ramo que, estando em
mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para
que dê mais fruto ainda”; e, no versículo 6, a afirmação é: “Se
alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é joga
do fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e
queimados”.
Estudiosos como Bruce74 e Hendriksen75 associam o “ramo cor
tado, seco, lançado no fogo e queimado” diretamente a Judas. Es
ses autores fundamentam suas concepções em João 13:10-11, que
afirma a respeito de Judas: “Vocês estão limpos, mas nem todos.
73Exposition ofthe Gospel ofjohn, p. 805.1Alntrodução e comentário de João, p. 264-265.75Comentário do Novo Testamento: João, p. 688.
42 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Pois ele sabia quem iria traí-lo, e por isso disse que nem todos esta-
vam limpos”.
Num contexto geral, pode-se supor que Judas está entre es
tes ramos. Entretanto, no capítulo 13, versículos 28 e 29, há
referência de que ele já tinha saído dentre os apóstolos, de manei
ra que não ouviu as últimas palavras de Jesus, narradas no ca
pítulo 13, a partir do versículo 31, e nos capítulos 14—17. Ele
só aparece novamente em cena no capítulo 18, com aqueles que
haveriam de prender Jesus. Isso certamente não impediria Jesus
de falar se referindo a ele. Mas, ainda que Judas esteja entre esses
ramos, é improvável que Jesus tenha em mente diretamente a pes
soa de Judas.
Champlin,76 em sua interpretação arminiana, declara serem
“ramos infrutíferos” os cristãos genuínos que, por causa de sua
falta de frutos, perdem a salvação. Pink77 é enfático ao afirmar
que esse texto não serve para fundamentar a crença arminiana
relativa à perda da salvação, pois, em sua concepção, Jesus tem
como foco os onze discípulos. Assim, o autor conclui que essa pas
sagem diz respeito aos crentes genuínos, e não aos supostos “discí
pulos” que experimentam somente uma conexão externa e superficial
com Jesus.
Entretanto, por falta de frutos, podem sofrer disciplinas divi
nas. Wikenhauser,78 ao comentar esse versículo, afirma: “Este
texto ensina a severa disciplina que Deus impõe a quem quer ser
seu discípulo”. Com a mesma perspectiva, Erdman79 ressalta que
o verbo “cortar” possui o significado de “disciplinar”. Isso signifi
ca que esse “corte” pode ser o juízo de Deus na vida do crente, que
pode implicar inclusive a morte física, mas jamais a perda da
salvação.
7óO Novo Testamento interpretado versícub por versícub, p. 537. nExposition ofthe Gospel ofjohn, p. 805-806.78El evangelio según San Juan, p. 425.790 evangelho de João, p. 117.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 43
A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO SÍNODO DE DORT
Embora o princípio arminiano propagado seja amplamente aceito
entre as comunidades evangélicas no Brasil, existe um grupo de
igrejas que se denominam reformadas, também conhecidas como
calvinistas, que respondem diferentemente das demais à pergunta:
“Pode um cristão regenerado perder a salvação?”.
Antes de conhecer a resposta das igrejas reformadas ou calvi-
nistas a essa indagação, é necessário refletir sobre a origem históri
ca dessas igrejas. Os princípios reformados ou calvinistas são assim
denominados por se fundamentarem na compreensão dos textos
bíblicos com base nos pensamentos de João Calvino, por terem se
mantido fiéis aos cinco pontos do calvinismo prescritos pelo Sínodo
de Dort e por serem contrários ao Remonstrance ou aos cinco pon
tos do arminianismo, já discutidos anteriormente.
João Calvino, sistematizador da Reforma, não foi o criador do ter
mo “calvinismo”. Este foi cunhado por seus seguidores no Sínodo de
Dort.
Calvino nasceu em 1509, em Noyon, cidade renomada da re
gião da Picardia, no norte da França, e morreu em Genebra em
1564.80 Sua mãe se chamava Jeanne de Franc, e seu pai, Gerard
Calvin. Este era um cidadão respeitado, a quem era possível reser
var a renda de um beneficio eclesiástico para a educação do filho,
a partir dos seis anos de idade.81 Dois aspectos contribuíram decisi
vamente para o preparo de Calvino:82 ter estudado na Universida
de de Paris, onde se encontrou com Guilherme Cop,83 e ter conhecido
as ideias protestantes por meio de seu primo Pierre Olivetan.84
80T. Beza, A vida e a morte de João Calvino, p. 8.81Idem, p. 9.82F. Cambi, História da pedagogia, p. 252.
83Médico de Francisco I, foi um dos convertidos aos ideais reformados. Seu filho foi
reitor da Universidade de Paris. cf. Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino,
p. 115.
84Primo de Calvino, converteu-se à fé reformada, influenciando posteriormente a deci
são de Calvino.
44 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Ao encerrar os estudos humanísticos, seu pai o enviou à Univer-
sidade de Orléans, para que ele pudesse seguir carreira jurídica.
Depois de se transferir para a Universidade de Bourges, em 1529,
deixou um comentário sobre o De Clementia, de Sêneca, em 1532,
que marcou o ápice da influência humanística sobre a sua vida.85
Entre a conclusão do comentário e o fim do ano seguinte, 1533,
Calvino se converteu e adotou as ideias da Reforma. Forçado a
abandonar a França em 1534 por colaborar com Nicholas Cop,86
reitor da Universidade de Paris, na elaboração de um documento
recheado de humanismo e de reforma, seguiu para Basiléia no iní-
cio de 1537.87
Quando Guilherme Farei (1489-1565) estabeleceu os princípios
reformados em Genebra, percebeu que necessitaria de alguém admi
nistrativamente capacitado. Em 1536, Farei se encontrou com Cal
vino e solicitou sua ajuda. Calvino se recusou. Farei, por sua vez, o
advertiu, dizendo que Deus o amaldiçoaria se não ficasse.88 Impe
lido pelo medo, Calvino resolveu ficar. Assim, ele e Farei trabalha
ram juntos até serem exilados em 1538.89
Calvino foi ministro de ensino de Genebra em 1536,90 ano em
que terminou sua obra As Institutas da religião cristã, quando tinha
26 anos de idade. A princípio, desejava escrever apenas “certos
rudimentos” para o rei da França, Francisco I, com a finalidade de
defender os protestantes da França, que sofriam por sua fé e solicita
vam ao rei que compreendesse as ideias da Reforma.91 A esse res
peito, Cairns afirma: “Foi a perseguição aos protestantes franceses
85Calvino, Breve instrucción, p. 6.
86Fez um discurso que citava os escritos de Lutero, demonstrando ser a favor de uma
reforma conforme os princípios reformados. Todavia, não se tratava de uma proposta de
um cisma na igreja, mas da reforma de alguns princípios errôneos que ela vinha apresen
tando. cf. BiÉler, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 121-122.87Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 122.S8Beza, A vida e a morte de João Calvino, p. 18.89Idem.90Calvino, Breve instrucción, p. 6.
91Idem, p. 13.
CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 45
que levou Calvino a publicar a primeira edição das suas Institutas,
em 1536; sua intenção era defender os cristãos franceses como pes-
soas leais e sugerir o fim da perseguição”.92
Nessa primeira edição, seu conteúdo estava delimitado aos ensi-
nos dos Dez Mandamentos, do Credo apostólico, da fé, da oração com
modelo no Pai-nosso, dos dois sacramentos, dos perigos da doutrina
romana acerca da ceia do Senhor e, finalmente, da liberdade cristã
do cidadão.93 Essa obra passou por várias edições, até a final, de 1559.94
Em 1537, os amigos Guilherme Farei e Calvino conseguiram a apro-
vação de um decreto que estabelecia que a ceia do Senhor fosse ceie-
brada em ocasiões preestabelecidas. Além disso, um catecismo para
crianças seria preparado, o canto congregacional seria adotado, e os
membros professos, sob disciplina severa, seriam excomungados.95 Em
1540, Calvino pastoreou refugiados franceses em Estrasburgo, onde
dirigiu a Reforma e ensinou teologia. Nessa época, casou-se com
Idelette de Bure, viúva de um pastor anabatista, convertido à fé refor-
mada. Seu único filho, Jacques, nascido em 20 de julho de 1547, não
viveu mais que alguns dias, e, em 1549, Idelette também faleceu.
Ainda na cidade de Estrasburgo, fez amizade com Melanchton,96 e,
talvez por isso, o intento de Calvino, a partir de 1541, foi o de criar
escolas ao lado dos templos calvinistas, conforme declara Biéler:97
Segue-se a ordem das escolas que diz respeito ao ministério dos
mestres. Prevê as ordenanças, já em 1541, a criação de uma escola
destinada à formação dos pastores e magistrados; esta, entretanto,
não aparecerá senão em 1559.
Calvino faleceu em maio de 1564, mas suas ideias influencia
ram profundamente o protestantismo daqueles dias, e seus ensinos
92Cairns, História do cristianismo através dos séculos, p. 257.
93Cambi, História da pedagogia, p. 252.
94Beza, A vida e a morte de João Calvino, p. 6895Cairns, História do cristianismo através dos séculos, p. 254.
96Calvino, Breve instrucción, p. 7.
97Calvino, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 154-
46 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
chegaram até as igrejas da atualidade. Sua maior influência veio
dos seus escritos, pois escreveu comentários sobre 23 livros do An
tigo Testamento e sobre todos os do Novo Testamento, com exce
ção do Apocalipse.98 Além disso, produziu grande número de
panfletos devocionais, doutrinários e polêmicos. Porém, acima de
tudo, suas Institutas passaram por várias edições e chegaram até os
dias atuais, trazendo como conteúdo um profundo sistema doutri
nário fundamentado nas Escrituras.
A teologia de Calvino passou a ser aceita como estrutura teoló
gica dos reformadores, e desde a formulação dos cinco pontos do
calvinismo, no Sínodo de Dort, eles passaram a ser denominados
de reformados calvinistas, os quais, segundo Berkhof," parecem
ser os únicos a responderem à questão: “Pode um cristão regenera
do perder a salvação?”, com a afirmação de que o eleito jamais
pode cair do estado de graça e perder a salvação.
Este capítulo discorreu sobre as diferentes correntes históricas acerca.
da doutrina da salvação, destacando as posições contrárias entre o
arminianismo e o calvinismo com relação à salvação e o regenera
do. Depois dessas considerações, permanecem as seguintes pergun
tas: O que as Escrituras Sagradas dizem com relação à salvação do
cristão regenerado? O que os documentos da história da Igreja
cristã testemunham a respeito desta doutrina? O capítulo seguinte
se encarrega da busca por respostas a essas questões.
Revisão e aproveitamento do capítulo 1
1. Qual é a concepção de Pelágio quanto ao pecado original?
2. Qual é a concepção de Agostinho quanto ao pecado original?
3. Como o semipelagianismo concebe a doutrina da salvação?
4• Por que foi necessário convocar o Sínodo de Dort?
5. Por que o arminianismo se propagou mais facilmente entre as
igrejas evangélicas brasileiras do que o calvinismo?
98Reid, João Calvino, p. 229.
99Teologia sistemática, p. 549.
C a p í t u l o 2
Fundamentos bíblicos da crença de que
o cristão regenerado não perde a salvação
No capítulo ANTERIOR, foram analisadas as diferentes correntes
doutrinárias que respondem à pergunta: “Pode um cristão regene
rado perder a salvação?”. Neste capítulo, o objetivo será identificar
o que as Escrituras Sagradas dizem a respeito dessa questão.
Textos bíblicos que confirmam que oCRISTÃO REGENERADO NÃO PERDE A SALVAÇÃO
Jeremias 32:40
Farei com eles uma aliança permanente: Jamais deixarei de fazer o
bem a eles, e farei com que me temam de coração, para que jamais
se desviem de mim.
Spurgeon1 pregou sobre esse texto no Metropolitan Tabernacle,
Londres, e o interpretou nos seguintes termos:
1. Spurgeon afirma que a aliança eterna descrita no versículo
40 é qualificada de “eterna”. Segundo ele, no capítulo 31,
essa aliança é chamada de “nova aliança” em contraste com
a aliança anterior estabelecida por Deus com Israel, quando
o trouxe para fora do Egito.2 A aliança estava baseada nas
obras. Com a quebra da aliança, Israel foi considerado infiel.
'Perseverança na santidade.2Jeremias e Lamentações, p. 115.
48 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Assim, Deus estabelece uma nova aliança eterna porque está
firmada na pessoa e obra de Cristo. Jesus é o próprio fiador
desse concerto. Portanto, a aliança é eterna, feita com o cris-
tão regenerado na pessoa de Cristo, que é o representante
legal de todo o seu povo. Isso leva à certeza de que essa
aliança não pode falhar, pois é perfeita e recebida inteira
mente pela graça de Deus, desde a primeira letra até sua
palavra final.
2. Spurgeon afirma que a aliança está baseada no Deus imutá
vel, ou seja, Deus é o mesmo “ontem e hoje”, ele não muda
no cumprimento de suas promessas. Para o autor, o mesmo
motivo que levou Deus a começar o leva a continuar. Esse
motivo não é outro senão sua graça e misericórdia. A graça é
um favor imerecido, dispensado ao crente regenerado. Por
essa razão, pode-se afirmar que Deus, ao fazer aliança eter
na com o seu povo, garantiu que seus eleitos jamais poderiam
perder a salvação.
3. Spurgeon declara que seu povo há de perseverar na aliança
até o fim porque ela foi provida de uma promessa absoluta
oriunda do Deus onipotente, que não pode negar a sua pró
pria natureza: “jamais se desviarão de mim”. Para Spurgeon,
a obra da regeneração não é temporária, que reforma o ho
mem apenas por algum tempo; mas uma obra eterna, por meio
da qual o homem nasce para o céu. No novo nascimento, é
implantada uma vida que não poderá morrer, porque é uma
semente viva e incorruptível, que vive e permanece para sem
pre. A graça continuará operando no homem até levá-lo à
glória eterna, onde estará para sempre com Jesus.
João 5:24
Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que
me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou
da morte para a vida.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 49
Jesus declara enfaticamente nesse texto que aqueles que ou
vem e guardam suas palavras e creem naquele que o enviou têm a
vida eterna. Perceba que Jesus, ao utilizar o verbo “ter”, o coloca
no presente do indicativo ativo.3 Isso significa afirmar que o cristão
regnerado em Cristo tem a vida eterna4 não como realidade futura,
mas como realidade presente. No momento em que alguém crê, a
vida eterna passa a ser, pela graça de Deus, sua herança. É por isso
que Cristo enfatiza: “tem a vida eterna, não entra em juízo, mas
passou da morte para a vida”. Esse cristão, segundo as palavras de
Jesus, já está salvo e livre da condenação da morte.
Por conseguinte, entende-se, mediante as palavras de Jesus,
que o cristão regenerado tem a vida eterna e perseverará até o fim
no estado de graça, porque o próprio Cristo o susterá, fazendo-o
permanecer firme e fiel ao Senhor. Infere-se desse texto que esse
cristão jamais poderá perder a salvação eterna.
João 6:37-39
Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu
jamais rejeitarei. Pois desci dos céus, não para fazer a minha vonta
de, mas para fazer a vontade daquele que me enviou. E esta é a
vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos
que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.
Observa-se nesses versículos que o Pai dá pessoas que lhe per
tencem a Cristo, e estas “jamais serão rejeitadas”, porque não é da
vontade de Deus que nenhuma delas se perca. O termo “perca” diz
respeito à vida eterna. Esta ênfase pode ser entendida no fato de
que Cristo acolhe todos os que o Pai lhe dá; e este acolher implica
proteção até o fim. Daí a expressão “último dia”, que significa os
eleitos são guardados e protegidos do momento de sua conversão
3No grego, exei.4No grego, zõen aiônion.
50 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
até o fim. Por causa disso, pode-se declarar que o cristão regenera
do tem a vida eterna e jamais a perderá.
João 6:47,54
Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna. Todo aquele
que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e
eu o ressuscitarei no último dia.
Inserido no mesmo contexto do versículo anterior, convém ape
nas notar que o tempo do verbo novamente é o presente do indicativo
ativo, ou seja, o cristão tem a vida eterna a partir do presente. Por
essa razão, Bruce, ao comentar o texto em análise, afirma: “Apro-
priar-se de Cristo pela fé garante aos que são dele a vida na era
vindoura, quando Ele os ressuscitará no último dia; e, além disso,
faz com que a vida na era vindoura seja uma herança que já pode
ser desfrutada aqui e agora”.5
João 10:28-29
Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as
poderá arrancar da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é
maior do que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu Pai.
Jesus, após definir suas ovelhas (Jo 10:26-27), declara enfatica
mente que elas podem ter certeza de que perseverarão até o fim e
jamais perderão a salvação ou a vida eterna. Perceba no texto que
a vida eterna é doada gratuitamente por Cristo.6 Não há méritos
humanos diante dele para recebê-la, mas os homens encontram
graça na misericórdia de Cristo. Sendo assim, se Cristo é o doador
e ele é imutável, o cristão regenerado pode ter a certeza de que
perseverará até o fim.
5Introdução e comentário de João, p. 144.óO verbo empregado por Jesus é didomi (somente eu lhes dou), que tem sua raiz em do,
que por sua vez é a raiz de doron (Ef 2:8-9), cuja tradução é “dom ou presente gratuito”.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 51
Além disso, o cristão regenerado pode ter a certeza da vida eterna
com Cristo, porque ele confirma sua própria afirmação ao dizer que
o cristão pode perecer fisicamente, mas não eternamente.
Por fim, Cristo declara: “ninguém as poderá arrancar da minha
mão”. O pronome indefinido “ninguém” enfatiza que “nada” pode
arrebatar as ovelhas de Jesus da sua mão. Paulo afirma em Roma
nos 8:31-39 que “nada” pode separar o cristão do amor de Deus.
Em João, Jesus afirma que este jamais lhe pode ser tirado. “Nin
guém” é mais poderoso do que Jesus a ponto de conseguir arrancar
qualquer de suas ovelhas da sua mão.
Vale ressaltar que a expressão “da minha mão”7 indica que a
ovelha de Jesus está protegida com ele. Além disso, mão é um
simbolismo de poder. Assim, os ouvintes de Jesus entenderiam,
por meio da palavra “mão”, que Cristo enfatizava seu imenso
poder.
Com base nessa declaração, portanto, as ovelhas de Jesus po
dem ter certeza de que sua perseverança está garantida até o fim,
porque Cristo é a própria garantia de que a vida eterna com Deus
está confirmada e consumada. Esse versículo é claro em demons
trar que o cristão regenerado jamais perece e que nada pode sepa
rá-lo do poder e glória de Jesus. Por fim, para não deixar qualquer
dúvida quanto à real promessa de Cristo, ele ainda profere as pala
vras do versículo 29, como se estivesse ratificando que a segurança
de suas ovelhas é definitiva, pois, além dele, o Pai é a certeza da
vida eterna, haja vista que ele e o Pai são “um” (Jo 10:30).
Por conseguinte, diante das declarações de Jesus, só resta ao
cristão ter plena certeza de que ele jamais perderá a salvação, ja
mais cairá do estado de graça, jamais deixará de perseverar. De
outra forma, Cristo teria mentido, o que é impossível a sua própria
essência divina.
7No grego, aparece a preposição ék (de dentro da mão). A figura utilizada por Jesus é de
uma mão com os dedos fechados para proteger o que está em seu interior.
52 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
ljoão 5:11-13,20
E este é o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está
em seu Filho. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o
Filho de Deus, não tem a vida. Escrevi-lhes estas coisas, a vocês
que creem no nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que
têm a vida eterna. Sabemos também que o Filho de Deus veio e
nos deu entendimento, para que conheçamos aquele que é o Ver
dadeiro. E nós estamos naquele que é o Verdadeiro, em seu Filho
Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.
É clara a ênfase desses versículos. No versículo 11, percebe-se
que o verbo “ter” não aparece como no evangelho de João, isto é,
no presente do indicativo ativo, mas é utilizado em sua forma pre
térita.8 Significa que Deus, o Pai, deu ao cristão regenerado, em
definitivo, a vida eterna que está em seu Filho. Além disso, o verbo
utilizado dessa forma indica uma ação completa no passado, isto é,
a vida eterna, que, uma vez doada, não pode ser retirada.
Nos versículos 12 e 20, João utiliza novamente o verbo “ter” no
presente do indicativo ativo, de uma maneira enfática, a fim de
explicitar que o cristão tem o Filho, e, se ele é a vida eterna, aque
les que nele creem têm a mesma garantia. Com relação ao versícu
lo 13, João procura convencer de forma definitiva que o fiel é
possuidor da vida eterna. Para isso, emprega o verbo “ter”9 no impe
rativo, expressando a ideia de ordem e súplica: têm a vida eterna.
Está explicitado que a vida eterna é uma herança e possessão
presente e que jamais pode ser perdida. Para quem discorda disso,
João afirma em sua primeira epístola:
Quem crê no Filho de Deus tem em si mesmo esse testemunho.
Quem não crê em Deus o faz mentiroso, porque não crê no teste
munho que Deus dá acerca de seu Filho. E este é o testemunho:
Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho.
IJoão 5:10-11
sO verbo “ter” aparece no pretérito edôken, cuja tradução é “deu”.90 verbo exete está no imperativo.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 53
Romanos 5:8-10
Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso
favor quando ainda éramos pecadores. Como agora fomos justifi
cados por seu sangue, muito mais ainda, por meio dele, seremos
salvos da ira de Deus! Se quando éramos inimigos de Deus fomos
reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais
agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida!
Paulo, nos versículos anteriores, declara que Cristo amou e mor
reu pelos que lhe pertencem, quando estes ainda estavam sob o
domínio do pecado e do mundo. Essa declaração implica o princí
pio de que o homem, na condição de pecador, não podia apresen
tar “boas obras” diante de Deus ou méritos que lhe pudessem permitir
reivindicar direitos à salvação. O texto paulino é claro em afirmar
que Deus reconciliou o homem por um ato de amor e misericórdia,
o que resulta na crença de que nada pode separá-lo do amor de
Deus (Rm 8:31-39). Deus já conhecia as condições de miséria e
pecado em que o homem estava. Por isso, nem a ingratidão nem a
infidelidade do homem regenerado o motivarão a mudar e retirar
sua graça salvífica, pois, segundo Boettner,10 “Deus conhecia toda
essa ingratidão, antes de conferir Sua graça”.
A luz das palavras anteriores, surge a seguinte reflexão: se não
fosse o propósito de Deus desde o princípio perdoar plenamente os
pecados do cristão regenerado, segundo as palavras de Colossenses
2:14: “e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenan
ças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz”,
para que teria chamado os que lhe pertencem a sua graça? Além
disso, pode-se indagar: que vida eterna é essa que Deus dá e de
pois retira? Para que salvar e depois deixar que o homem se perca?
E contrário à natureza de Deus dar a bênção da salvação e depois
retirá-la, porque, conforme visto, Deus é imutável, de forma que
10La predestinación, p. 158.
54 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
nada no coração ou conduta do crente pode alterar seus propósitos
divinos.
Nesse sentido, o cristão regenerado pelo Espírito é mais privile
giado que Adão. Deus fez com Adão um acordo ou pacto, que
dependia única e exclusivamente de o homem continuar no estado
em que se encontrava. Adão não havia experimentado o pecado e
não possuía inclinação para o mal. No Éden, usufruiu do livre-
arbítrio ou da capacidade de não pecar. Porém, mesmo sem essa
inclinação, pecou. Assim, a questão que permanece é: e quanto ao
cristão que já foi concebido em pecado?
No estudo da pessoa e obra de Cristo, é notória a convicção de
que Jesus é o representante legal dos salvos diante de Deus, o Pai.
Isso significa que o cristão regenerado é mais privilegiado do que
Adão, pois, no caso de Adão, a salvação dependia dele e, mesmo
sem inclinação para o pecado, ele caiu. Caso o cristão, que já é
concebido em pecado, não fosse assegurado pela suficiência da obra
de Cristo, é fácil imaginar que tragédia isso seria. Adão teve a
oportunidade de demonstrar boas obras, mas nem mesmo ele con
seguiu, daí a necessidade do segundo Adão, Cristo, que satisfez
todas as exigências legais para garantir aos seus a salvação e as
demais bênçãos eternas.
Por conseguinte, percebe-se que o cristão regenerado não per
de a salvação, pois esta não depende de sua obras e atitudes, mas
da suficiência da obra de Cristo. Infere-se daí que, quando al
guém é salvo por Cristo, permanece nesse estado por toda a eterni
dade: “uma vez salvo, sempre salvo”.
ICoríntios 1:8
Ele os manterá firmes até o fim, de modo que vocês serão irre
preensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo.
O verbo “manterá”,11 nesse versículo, cuja tradução correspon
de a “confirmar”, “fortalecer”, “garantir”, é o mesmo encontrado
uNogrego, bebaiosei (“confirmará”).
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 55
em ICoríntios 1:6 e é empregado muitas vezes com o significado de
garantir legalmente. Paulo ressalta que a vida transformada dos
coríntios demonstrava a validade da mensagem que lhes fora pre
gada. Os efeitos da pregação eram a garantia de que lhes ensinara
a verdade. No versísulo 8, o apóstolo dos gentios ensina que Cristo
os enriqueceu, deu-lhes graça e todas as boas dádivas e cuidará
para que até a hora final não lhes falte nada.
Paulo lembra que o próprio Cristo conservaria aqueles irmãos
irrepreensíveis até o dia do Senhor. Portanto, deveriam ter firme a
certeza de que permaneceriam nos caminhos da santidade até o
dia do Senhor, não por suas próprias forças, mas porque Cristo asse
gurava essa certeza. Ora, se o cristão regenerado, à semelhança
dos coríntios, permaneceria irrepreensível, sustentado pelo poder
de Jesus, isso significa que ele será salvo da perdição eterna.
Efésios 1:13,14
Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evange
lho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito
Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a reden
ção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória.
Paulo afirma que o cristão, depois de ouvir a palavra da verdade
e o evangelho da salvação e crer em Jesus, é “selado” “com o Espí
rito Santo da promessa”. A palavra “selo”, na época do Novo Testa
mento, era utilizada para garantir a genuinidade de cartas e objetos,
para indicar que pertenciam a alguém e protegê-los de violações.
Paulo, ao utilizar essa figura, tem a intenção de demonstrar que a
presença do Espírito Santo no cristão é o selo de que ele pertence
a Deus e será protegido contra dano ou violações.
O Espírito Santo é a garantia de que o crente não se perderá,
pois ele é o “penhor”,12 ou seja, um pagamento parcial, que dava a
certeza ou garantia de que o pagamento total seria feito. Sendo
12Nogrego: arrabon (“penhor”).
56 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
assim, o Espírito Santo é o selo da promessa de Deus de que o
cristão regenerado receberá sua herança completa. Ele é a garan-
tia de que o cristão jamais poderá se perder, pois, caso isso aconte-
cesse, perderia a herança garantida em Cristo por toda a eternidade.
Filipenses 1:6
Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês,
vai completá-la até o dia de Cristo Jesus.
O apóstolo declara que Deus começou a “boa obra”, ou seja,
providenciou pregações e trabalhos pastorais no meio deles, e, por
isso, ocorreram inúmeras conversões. Essa boa obra, regeneração e
conversão, não será frustrada, e os cristãos não perderão a salva
ção. Pelo contrário, serão preservados até o fim. Portanto, esse tex
to também afirma que o cristão tem a salvação e a vida eterna
garantidas, uma vez que Deus é quem inicia a obra da salvação e
ele mesmo a completará.
lPedro 1:3-5
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme
a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança
viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos,
para uma herança que jamais poderá perecer, macular-se ou perder
o seu valor. Herança guardada nos céus para vocês que, mediante a
fé, são protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes
a ser revelada no último tempo.
Pedro profere, nesse texto, palavras de conforto acerca da eter
na certeza da salvação. Afirma que o cristão possui herança incor
ruptível, que está guardada no céu para ele. Alguns podem diante
disso objetar: “Já que a herança está no céu, nunca a alcançare
mos para desfrutá-la”. Porém, para descartar tal ideia, Pedro diz
que o cristão é protegido para alcançar a salvação. A palavra “pro
tegido” é a mesma empregada para indicar a proteção ou cuidado
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 57
de uma cidade a cargo de soldados (2Co 11:32). Porém, o apóstolo
declara que o cristão não está guardado por soldados, mas por Deus,
que o protege com seu poder. Essa proteção ou preservação não é
algo temporal, mas alcança o céu.
Esse texto, como os demais, declara que o cristão regenerado
jamais perderá a salvação.
Judas 24
Àquele que é poderoso para impedidos de cair e para apresen-
tá-los diante da sua glória sem mácula e com grande alegria.
Essa doxologia faz lembrar, antes de tudo, o “poder de Deus”.
Esse Deus onipotente é quem impede os que lhe pertencem de
cair. Com a palavra “impedir”, Judas enfatiza que é mister vigiar e
permanecer perto do Senhor (Jd 21), mas somente Deus pode guar
dar e fazer que os seus filhos andem seguros, sem quedas. Isso sig
nifica que Deus protege os seus de cair nos males morais e também
não permitirá que eles caiam do estado de graça ou que percam a
salvação.
Diante do exposto, está claro que as Escrituras atestam que
o cristão regenerado não perde a salvação. Ele tem o seu início,
meio e fim na graça e misericórdia de Deus. Assim, à luz dos textos
bíblicos analisados, pode-se afirmar: “uma vez salvos, sempre
salvos”.
Confissões que atestam que o cristão
REGENERADO NÃO PODE PERDER A SALVAÇÃO
Com base nos textos bíblicos citados anteriormente, é necessário
revisitar algumas confissões cristãs que serviram de fundamento
para o protestantismo posterior à Reforma do século XVI, as quais
explicitaram a crença de que o cristão regenerado não perde a
salvação e denominaram esse ensino como a doutrina da perseve
rança dos santos. Admite-se, à semelhança de doutrinas como pro-
vidência de Deus, Trindade e outras, que a expressão perseverança
dos santos não é encontrada nas Escrituras. Porém, sua temática e
conteúdo estão explícitos no texto bíblico.
Os estudiosos da perseverança dos santos discutem entre si sobre
qual é o melhor termo para expressar claramente seu conteúdo
doutrinário. Do debate, resultam nomes diferentes para a doutri
na, tais como segurança dos salvos e reservação dos santos. Para os
defensores desses últimos nomes, a ideia de segurança ou proteção
é o que mais caracteriza o princípio de que o cristão regenerado
não perde a salvação, uma vez que está seguro e protegido na mão
de Cristo. Segundo eles, essa mudança de nome se justifica porque
expressa a segurança da vida eterna fundamentada na perseveran
ça de Deus no homem, isto é, Deus é quem faz o homem perseverar
e, por esse motivo, este está seguramente salvo.
Entretanto, a expressão perseverança dos santos é mantida neste
livro, porque se trata de um termo mais aceito e conhecido. Além
disso, o nome da doutrina não altera ou influencia seu conteúdo
doutrinário, que preconiza ser a perseverança um dom e graça de
Deus, como defendeu Agostinho.13
Os Cânones de Dort
No capítulo 5, artigo 62, os Cânones de Dort14 definem a perseveran
ça dos santos da seguinte forma:
Pois Deus, que é rico em misericórdia, de acordo com o imutável
propósito da eleição, não retira completamente o seu Espírito dos
seus, mesmo em sua deplorável queda. Nem tampouco permite
que venham a cair tanto que recaiam da graça da adoção e do
estado de justificados. Nem permite que cometam o pecado que
leva à morte, isto é, o pecado contra o Espírito Santo e assim sejam
totalmente abandonados por ele, lançando-se na perdição eterna.
u Agostinho denominou sua obra O dom da perseverança. Para maiores esclarecimentos,
consultar Agostinho “O dom da perseverança” em A graça, vol. 2.14Disponível em: <www.ipb.org.br/downloads>. Acesso em 12 de set. de 2008.
58 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 59
Os Cânones explicitam que o cristão regenerado não pode per
der a salvação, pois ela está fundamentada na misericórdia e no
acordo imutável do Pai, do Filho e do Espírito Santo de salvar os
que lhe pertencem.
Um estudo mais apreciativo dos Cânones de Dort resultará no
conhecimento de doutrinas cristãs diretamente relacionadas com
a teologia da salvação que corroboram com o cristão regenerado,
no sentido de conscientizá-lo de que ele não pode perder a salva
ção. Essas doutrinas estão firmadas em cinco pontos fundamentais,
os quais serão aqui delineados, com base no princípio da indisso-
ciabilidade, isto é, “Ninguém pode rejeitar um deles sem rejeitar
todos”.15
Plenamente pecadores
O Catecismo de Heidelberg declara que somos totalmente incapazes
de fazer o bem e inclinados a todo mal.16 A Confissão de Fé de
Westminster, no capítulo IX.3, prescreve:
O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente
todo o poder da vontade quanto a qualquer bem espiritual que
acompanha a salvação, de sorte que um homem natural, inteira
mente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo
seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.
Pelas declarações anteriores compreende-se que o homem não
pode salvar a si mesmo, pois está espiritualmente morto, conforme
a afirmação do apóstolo Paulo em Efésios 2:1,5: “Mortos em suas
transgressões e pecados”. Paulo enfatiza que o homem sem Cristo
continuará em seu estado de morto, a não ser que seja persuadido
pelo Espírito Santo a ir a Jesus. Seu desejo está contra a vontade de
Deus de forma permanente e voluntária e, devido a essa situação,
15Packer, O antigo evangelho, p. 9.
16Pergunta 8.
60 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
não pode desejar a salvação, tampouco tem condições reais de se
converter dos maus caminhos. Assim, só Deus pode salvá-lo.
Os homens, da maneira que Deus os encontra, são culpados,
vis, impotentes, incapazes de levantar um dedo a fim de cumprir a
vontade de Deus ou de melhorar sua posição espiritual.17 Eles não
se podem salvar, pois, mortos, não desejam coisa alguma. Com esse
pressuposto em mente, é necessário atentar para alguns sofismas18
ensinados e ditos por muitos, mas que pouco condizem com a rea
lidade do homem. Para exemplificar, pode-se rememorar alguns
deles: “Ao homem cabe a própria salvação” ou “Muitas pessoas
estão famintas e sedentas pelo evangelho”. Essas afirmações são
sofismas, porque um ser morto não deseja ter comunhão com Deus.
Com base nessa perspectiva, percebe-se que o homem, na que
da no jardim do Éden, foi corrompido em sua “totalidade”. Sua
personalidade foi afetada como um todo pela queda, e o pecado
atingiu todas as suas faculdades: vontade, entendimento, afeições
etc. Se é assim, o que se pode afirmar acerca do livre-arbítrio? Ele
existe ou não?
O livre-arbítrio é a liberdade de escolha que Adão possuía, quan
do estava no estado de inocência, sem nenhuma inclinação para o
mal. Quando tentado, teve a mais ampla liberdade e poder. Toda
via, pecou. Mais tarde, um de seus descendentes exclamou: “Pois o
que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer,
esse eu continuo fazendo” (Rm 7:19).
Essa liberdade que habilitou o primeiro homem à resistência à
tentação deu-lhe, ao mesmo tempo, o ensejo de ceder a ela. O
Senhor permitiu que o homem pecasse no sentido de deixar
Satanás tentá-lo e não intervir contra o efeito da tentação; o
homem teve plena liberdade de ação; pleno poder de vencer;
17Packer, O antigo evangelho, p. 10.
18Uso o termo “sofisma” com o significado de premissa verdadeira com conclusão
falsa.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 6 1
plena capacidade de desobedecer a Deus e plena responsabilidade
por essa desobediência.19
A partir desse momento, o coração do homem se tornou plena
mente corrupto pelo pecado20 e, portanto, não pode produzir senão
os frutos de sua escolha, os do pecado. Calvino diz:
Não pensemos, todavia, que o homem peca impelido por uma
necessidade. Pois peca com o consentimento de sua própria von-
tade e segundo sua inclinação. Por causa da corrupção de seu cora-
ção, odeia profundamente a justiça de Deus e, por outro lado, atrai
toda sorte de maldade, e por isso se diz que não tem o livre-arbí-
trio, que é a capacidade de escolher entre o bem e o mal.21
Por essa razão, pode-se entender que o homem perdeu o li-
vre-arbítrio, ou seja, a capacidade para desejar o bem, as coisas de
Deus; a capacidade para escolher, ele mesmo, a vida espiritual.
Agora, ele vive em degradação e depravação, não escolhendo, por
que não tem mais o que escolher, apenas vive no estado de morte
eterna espiritual.22
Spurgeon, ao comentar o termo “mortos”, corrobora com a afir
mação anteriormente citadas no sermão Livre- arbítrio: um escra-
vo. Ele apresenta três ideias reltivas ao substantivo “morte”:
1. Todos os homens, por natureza, estão legalmente mortos. Se
é assim, eles não podem herdar, nem legar bens; são apenas
cadáveres. Deus de maneira alguma os considera vivos. Se
há uma eleição, por exemplo, seu voto não é solicitado, por
que são considerados legalmente mortos.
2. A sentença da morte não foi lavrada em um livro, mas
no coração. Ela entrou na consciência, operou na alma, no
19A. Almeida,Curso de doutrina bíblica, p. 35.
20Calvino, lnstitución de la religión cristiana, p. 196.
21Calvino, Breve instrución, p. 13.
22Calvino, lnstitución de la religión cristiana, p. 219-222.
23E 2-7.
62 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
julgamento, na imaginação, em tudo. Em seguida, o prínci
pe dos pregadores afirma que a alma não está menos morta
num homem carnal do que o corpo quando depositado no
túmulo. Assim, o homem está morto espiritualmente diante
de Deus, e essa situação só poderá ser modificada se Cristo
vivificá-lo.
3. A ideia de morte traz consigo a sentença legal ou a sentença
de execução. Ela ocorre depois da morte física, após a alma
ter deixado o corpo.
O termo “morte” apresentado por Spurgeon revela o juízo de
Deus contra a desobediência de Adão (Gn 3), que se estendeu a
toda a humanidade. Isso porque o primeiro homem não somente foi
progenitor da raça humana, mas também a sua raiz, de maneira
que todos os seus descendentes nascem com natureza corrupta. É
por isso que o homem, desde a concepção, nasce em pecado, con
forme declara Berkhof,24 citando Calvino: “A Escritura ensina tam
bém que todos os homens se acham sob condenação e, portanto,
necessitam da redenção que há em Cristo Jesus [...]. Adão era o
representante federal da raça, sua desobediência afetou os seus
descendentes todos”.
O homem, portanto, não é “meio” pecador, como propõem Pelá-
gio e seus seguidores da atualidade. Ele é total e plenamente peca
dor. Nesse contexto, vale ressaltar as seguintes palavras de Berkhof:
A depravação total indica que a corrupção inerente abrange todas
as partes da natureza do homem, todas as faculdades e poderes da
alma e do corpo; e que, absolutamente, não há no pecador bem
algum em relação à pessoa de Deus; antes, só perversão.25
Em Romanos 5:12 e Efésios 2:1,5, o apóstolo Paulo declara que o
homem está morto. Em 2Timóteo 2:25-26, afirma que os homens
24Teologia sistemática, p. 242,244.
25Idem, 244.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 63
estão aprisionados pelo diabo. Em ICoríntios 2:14, mostra que o
homem não é capaz de entender as coisas de Deus. Marcos 4:11-12,
deixa nítido que o homem é cego e surdo para com a Palavra de
Deus. Por fim, o salmo 51:5, em comparação com Gênesis 6:5, indi
ca que os seres humanos são pecadores por natureza. Eles já nas
cem em pecado, e praticá-lo é a realidade de sua existência. É com
essa perspectiva que Seaton suscita as seguintes indagações:
Esse então é o estado natural do homem. Portanto, devemos per
guntar: podem os mortos se levantar? Podem os presos se libertar?
Podem os cegos dar-se visão, ou os surdos, audição? Podem os es
cravos se remir? Os ignorantes ensinar-se a si mesmos? Os peca
minosos por natureza mudar a si mesmos?26
As palavras de Seaton deixam explícito que o homem está num
estado tão profundo de pecado que não pode responder a nenhu
ma dessa indagações de forma afirmativa. Entretanto, apesar das
palavras citadas aqui serem de difícil aceitação para muitos cris
tãos, elas servem ao propósito positivo do ensino relativo à queda
de Adão, isto é, a partir dele todos os homens caíram, “todos peca
ram” (Rm 3:23). Entretanto, eles precisam saber que, apesar do
pecado, Deus tomou todas as providências para a salvação dos que
lhe pertencem. Portanto, o cristão regenerado não pode perder a
salvação, já que Deus, ao vê-lo na situação de plena corrupção em
pecado, tomou a iniciativa de salvá-lo. Ora, se Deus veio ao ho
mem, nada poderá separá-lo desse Deus e a salvação está garanti
da, conforme se pode ler em Romanos 5:10: “Se quando éramos
inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele mediante a morte
de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos
salvos por sua vida!”.
E a graça e a misericórdia de Deus que vivificam o homem, fa
zem dele herdeiro e coerdeiro em Cristo. E, por meio do Espírito
16Os cinco pontos do calvinisno, p. 8.
64 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Santo, ele pode se alegrar em saber que, uma vez salvo, sempre
salvo, porque, apesar do seu estado de pecado, Deus, o Pai, Deus o
Filho e Deus, o Espírito Santo o amaram e lhe concederam o
poder de ser chamado “filho de Deus” (Rm 8:17), e mais: “o pró
prio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus”
(Rm 8:16).
Por conseguinte, o ensino de que o homem está plenamente em
pecado, ao invés de resultar num princípio negativo ao cristão re
generado, resulta num aspecto positivo: a convicção de que a sal
vação não é fruto de obras, mas da graça e misericórdia de Deus.
Tal graça e misericórdia jamais o desampararão. Por isso, é possível
afirmar: o cristão regenerado, à luz do ensino de que o homem é
plenamente pecador, não pode perder a salvação, pois esta teve seu
início e terá sua consumação em Deus.
Infere-se daí que o amor de Deus é incondicional, ou seja,
“nada” que o homem faça poderá vitimá-lo a perder a salvação,
conforme será visto a seguir.
Amor incondicional de Deus aos que lhe pertencem
Vários textos bíblicos atestam que Deus ama incondicionalmente
os que lhe pertencem, como Deuteronômio 7:7, Mateus 24:24, João
15:16, Romanos 8:28-30, 9:11,12, Efésios 1:4-5, 2Tessalonicenses
2:13, dentre outros.
Foi dito anteriormente que, com a queda de Adão, toda a raça
humana se tornou culpada pela lei divina. Segundo essa lei, Deus
poderia deixá-los sofrer a pena de sua desobediência. O sofrimento
era o que o homem merecia. Contudo, segundo seu eterno e imu
tável propósito, santo conselho e beneplácito da sua vontade, an
tes que o mundo fosse criado, Deus marcou os que lhe pertencem
com a finalidade de manifestar neles sua gloriosa graça.
Estes foram resgatados do estado de culpa e pecado antes da
fundação do mundo, mas só tomam consciência de que pertencem
a Deus a partir do arrependimento e conversão operados pelo Espí
rito Santo, uma vez que ele “não falará de si mesmo; falará apenas
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 65
o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. Ele me glorificará
[...]” (Jo 16:13,14). Por conseguinte, a missão do Espírito Santo é
glorificar Cristo, anunciar as verdades de Deus e convencer “o
mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). Os que perten
cem a Jesus serão convertidos, atraídos pelo Espírito Santo a um
estado de bem-aventurança e santidade.
Os que não pertencem a Jesus são “preteridos” em seu estado
de pecado, isto é, serão “deixados de lado”, serão “omitidos no
testamento de uma herança”.27 Com o termo “preterição”, perce
be-se que esses homens e mulheres não possuem nenhuma heran
ça no reino de Deus, uma vez que que somente os filhos são
possuidores dessa bênção. Alguns se opõem a esse ensino porque
apelam para o princípio de que Deus seria injusto se demonstrasse
amor a uns e “deixasse” outros fora do seu reino.
Deve-se atentar para o princípio de que Deus é tanto amor
quanto justiça. Ele não é menos amor do que justiça. Ele possui
todos os seus atributos em perfeitas proporções, o que resulta no
ensino de que seu amor o leva a ser justo, e vice-versa. De acordo
com sua justiça, ele deveria dar ao ser humano o que este merece,
ou seja, a morte espiritual, e não a salvação.28 Fato é que pela jus
tiça de Deus todos merecem a perdição eterna. De maneira que,
se deixasse o ser humano continuar no pecado sem enviar Cristo
para morrer em seu lugar e satisfazer sua justiça e amor, Deus de
modo algum seria injusto, pois era isso que o homem merecia. A
esse respeito, Boettner declara o seguinte:
Ninguém tem direito à graça divina. Todavia, em vez de deixar
todos sofrerem o justo castigo, Deus, gratuitamente, confere ime
recida felicidade a uma porção da humanidade. Um ato de pura
misericórdia e graça a que nada nem ninguém podem objetar. Se o
decreto de Deus tratasse com homens inocentes, então, sim, seria
27Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2.295.
“Calvino, Institución de la religión cristiana, p. 221.
66 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
injusto assegurar a uma porção a condenação; porém, visto que
trata com homens em uma condição particular, ou seja, homens
que estão em um estado de culpa e pecado, não é justo ou injustiça.29
Boettner ainda suscita a pergunta “Qual o propósito da eleição
e da preterição?” e responde a ela. Sua resposta é que o propósito
da preterição ou reprovação é a exibição eterna aos olhos dos ho
mens e anjos, do ódio que Deus sente diante do pecado e para
servir como manifestação eterna de sua justiça:
O decreto da reprovação exibe um dos atributos divinos que ja
mais se poderá apreciar de maneira adequada: a justiça de Deus. A
salvação de alguns mediante um redentor revela os atributos de
amor, misericórdia e santidade.30
Fica claro que não há injustiça da parte de Deus. Os preteridos
continuam no estado em que sempre desejaram estar, isto é, longe
de Deus e próximo ao pecado, em plena rebelião contra tudo o que
é de Deus. Além disso, não pode ser esquecido que, se não fosse a
graça e a misericórdia de Deus, a humanidade em sua totalidade
deveria ser omitida de sua herança, porque “todos pecaram”.
Por conseguinte, não se deve concentrar no aspecto negativo
desse ensino e cair no que Paulo escreve em Romanos 9:14,20-21:
E então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhu
ma! Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso
aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me
fizeste assim?’” O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro
um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?
E salutar saber que Deus tem usado de graça e misericórdia
para com os que lhe pertencem, e isso implica a salvação do cristão
regenerado.
29La predestinación, p. 98-99.30Idem, p. 105.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÁO REGENERADO NÃO... 67
Há os que creem que Deus dispensa o seu amor a alguns e
pretere outros com base em sua presciência, isto é, ele sabe de
antemão os que seriam dignos de sua graça e creriam em seu Filho.
Assim, estes dizem: “Devo minha eleição à minha fé”.31 Isso signifi
ca que a causa da eleição foi a fé. Porém, as Escrituras ensinam
que essa escolha não se fundamenta nos méritos ou na fé que os
homens haveriam de ter. Pelo contrário, a Bíblia deixa claro que o
cristão regenerado foi redimido pela graça de Deus, mediante a
morte de Cristo, e recebeu a fé por meio do chamado do Espírito
Santo; de maneira que o cristão regenerado deve dizer: “Devo mi
nha fé à minha eleição”.32
A Confissão de fé de Westminster declara: “Ele os escolheu de sua
mera livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras
e perseverança nela, ou qualquer outra causa na criatura que a
isso o movesse, como condição ou causa”.33 Isso implica dizer que
o homem é salvo não porque teria fé ou obras, mas porque Deus o
escolheu e, em dado momento de sua existência, por meio do Espí
rito Santo, fez que este cresse em Cristo.
Deve-se pontuar ainda que Deus não o escolheu porque ele já
era irrepreensível perante o Senhor. Pelo contrário, “Porque Deus
nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou [...]”
(Ef 1:4-5). Nota-se que Deus escolheu o homem com a finalidade
de torná-lo santo e irrepreensível diante dele e não porque previu
sua santidade ou sua irrepreensibilidade. Aliás, é porque Deus o
escolheu que este tem a finalidade de ser santo.34
Portanto, ninguém é salvo por causa de méritos pessoais ou san
tidade humana, mas por causa do amor de Deus que é incondicio
nal, já que não havia nada no homem que o agradasse e, mesmo
31Packer, O antigo evangelho, p. 11.
32Idem.33Capítulo III. 5.34Calvino, Institución de la religión cristiana, p. 222.
68 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
assim, resolveu agraciá-lo com a bênção da vida eterna. Paulo afir
ma que até mesmo a fé é “dom” (presente) de Deus, portanto não
provém de “obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9).
Aqueles que foram agraciados com o amor de Deus devem estar
conscientes de que devem ser eternamente gratos, que podem con
fiar de maneira mais íntima no Deus eterno que supre suas neces
sidades nesta vida e na vindoura, que sempre receberão as bênçãos
espirituais e, por isso, são incentivados a amarem o Pai celestial e a
viver uma vida pura e de profundo ódio pelo pecado.
Logo, diante do exposto, percebe-se que o ensino de que Deus
dispensa seu amor incondicional somente aos que lhe pertencem é
uma realidade que está diretamente relacionada a sua soberania,
e não aos méritos humanos. É Deus quem marca os seus!
O Deus trino trabalha em conjunto, em sabedoria, poder e amor
soberano, a fim de realizar a salvação do seu povo. O Pai marca os
que devem ser salvos, o Filho cumpre a vontade do Pai de remi-los
por meio de sua obra salvífica, e o Espírito Santo executa o propó
sito do Pai e do Filho, que é convencer o homem do seu pecado,
provocar nele o arrependimento, dar-lhe vida para poder desejar as
coisas de Deus, chamar-lhe de forma eficaz e aplicar em sua vida a
salvação. Tudo isso acontece inteiramente pela graça, de maneira
incondicional e independente dos méritos humanos.
Se o cristão regenerado é alvo do amor incondicional de Deus e
foi marcado para ser salvo antes da fundação do mundo, indepen
dentemente dos seus méritos ou obras práticas, isso significa que
ele jamais pode perder a salvação.
O ensino seguinte das Escrituras atesta que Jesus perdoou ple
namente os pecados dos que lhe pertencem. Foi dito antes que
alguns foram “marcados” para a salvação. Entretanto, essa “mar
ca”, em si mesma, não seria suficiente para salvar ninguém. Resta
va a necessidade do perdão total e perfeito e da satisfação da justiça
de Deus. Por essa razão, o Deus trino providenciou a remissão dos
nossos pecados em Cristo, por meio da morte na cruz, conforme
será exposto a seguir.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 69
O perdão oferecido por Jesus aos que lhe pertencem
Esse é um assunto que tem gerado variadas controvérsias e debates
entre os cristãos. Todavia, o perdão oferecido ao cristão regenera-
do gratuitamente por meio da morte de Cristo é uma temática cen
tral do cristianismo e está diretamente relacionada com a salvação
eterna.
Conforme visto, o homem estava morto, sem qualquer condição
para se aproximar de Deus, mas o amor incondicional de Cristo o
agraciou com vida. Para que esse amor fosse dispensado aos que
lhe pertencem, foi necessário que Deus enviasse seu Filho para
imputar justiça ao homem.35 Deus, por sua justiça, condenaria o
homem. Porém, quando Cristo morreu na cruz, ele o justificou diante
do Pai.
Existem, portanto, dois princípios relevantes na discussão rela
tiva ao perdão oferecido por Jesus aos que lhe pertencem. De um
lado, há o ensino da expiação, cujo significado corresponde a im
putar o pecado do homem a Cristo, que removeu essa culpa defini
tivamente.36 Isaías 53 assinala que Cristo tomou sobre si a iniqüidade
e as enfermidades do seu povo. No versículo 4, lê-se o seguinte:
“Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si
levou as nossas doenças”; no versículo 5, Isaías afirma: “Mas ele foi
transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado
por causa de nossas iniquidades [...]; no versículo 6, o texto escla
rece: “[...] e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos
nós.”; o versículo 8 declara: “[...] por causa da transgressão do
meu povo ele foi golpeado”, e no versículo 12 podem ser lidas as
palavras: “ [...] levou o pecado de muitos, e pelos transgressores
intercedeu”.
O perdão oferecido por Cristo à luz de Isaías 53 assinala que ele
assumiu por livre e espontânea vontade o castigo que os homens
35Calvino, Institución de Ia religión cristiana, p. 240-241.
36Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Tiago e epístolas de João, p. 335.
70 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
mereciam. Assim, a paz de que desfruta o cristão regenerado foi
conquistada por meio do intenso sofrimento de Jesus.37 Em ljoão
2:2 e em Romanos 3:25, ele é identificado como a “propiciação
pelos pecados” do seu povo. Propiciar significa “apaziguar”, “fazer
as pazes” ou ainda “pagar um resgate”. Esse termo, aplicado à obra
de Cristo, fundamenta-se no princípio de que “Deus tomou a
iniciativa [...] de dar seu Filho para cobrir os pecados e remo
ver a culpa [...]. Jesus se tornou o sacrifício aceitável para res
taurar e redimir o homem da maldição que havia pronunciado
contra ele”.38
O segundo princípio fundamental para entender o perdão ofe
recido por Deus é a justificação. A partir do momento que Cristo,
por meio do seu sangue, paga o preço do resgate, cumpre as exi
gências da justiça e da lei de Deus e estabelece as pazes do homem
com Deus. Por isso, ele passa a ser considerado justo (Rm 3:25,26).
Isso significa que a justiça e lei de Deus foram plenamente satisfei
tas no sacrifício de Cristo. Assim, o homem passou a ter paz com Deus
(Rm 5:1), e não pode haver nenhuma condenação ou acusação
contra o cristão regenerado (Rm 8:33,34). Nisso percebe-se o amor
incondicional de Deus por seu povo: ele não poupou seu Filho;
imputou-lhe os pecados dos homens e concedeu gratuitamente aos
seres humanos o direito de serem considerados livres de toda e qual
quer condenação (Rm 3:24).
Se o princípio fundamental da obra de Cristo foi perdoar plena
mente o pecado do seu povo, infere-se daí que ele não morreu
simplesmente para tornar possível a Deus perdoar pecadores, mas
para salvar todos por quem morreu. Esta é a razão de sua morte.39
37Ridderbos, Isaías: Introdução e comentário, p. 430.38Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Tiago e epístolas de João, p. 336.39Se houver necessidade de aprofundar a discussão em torno da questão “Por quem
Cristo morreu?”, indico uma das obras mais relevantes sobre o assunto: The Death of
Death in the Death of Christ, de John Owen. No Brasil, esse livro foi publicado numa
versão condensada, com o título Por quem Cristo morreu?.Owen expõe dezesseis argu
mentos que mostram que Cristo não morreu pela salvação de todos os homens.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 71
Está aí mais um motivo para afirmar que o cristão regenerado não
pode perder a salvação.
O chamado de Deus é eficaz para salvar o cristão
regenerado
Esse princípio doutrinai é parte integrante do que foi dito anterior
mente, pois, se os homens são incapazes de salvar a si mesmos por-
que são plenamente pecadores e possuem uma natureza degenerada,
se Deus tomou a iniciativa de salvá-los e para isso enviou seu pró
prio Filho para perdoá-los e justificá-los diante da justiça, é lógico
que Deus também provê os meios para chamá-los a usufruir de
toda a obra da salvação. O apóstolo Paulo, em Romanos 8:30, afir
ma: “E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou,
•também justificou; aos que justificou, também glorificou”.
Em todas as partes do texto de Romanos, Paulo deixa claro que
quem chama o homem e o convence quanto à necessidade do ar
rependimento e de que a salvação está somente na pessoa de Cris
to é o próprio Deus, por isso ele utiliza a sentença: “[...] e aos que
chamou [...]”. Na concepção de Boettner,40 “Deus persuade eficaz
mente alguns a vir a Ele”.
O Breve catecismo de Westminster define:
A chamada eficaz como obra do Espírito de Deus, mediante a qual
convence-nos dos nossos pecados e miséria, iluminando nossas
mentes com o conhecimento de Cristo, e renovando nossas von
tades, nos convence e capacita abraçar a Jesus Cristo, que nos é
oferecido gratuitamente no evangelho.41
Observa-se que o chamado de Deus é eficaz e ocorre por meio
da pessoa e obra do Espírito Santo no coração do homem. Vale
ressaltar aqui que, com o chamado eficaz, as três pessoas da Trindade
*°La predestinación, p. 139.
41Pergunta 1.
72 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
são identificadas como autoras da salvação. O Pai planeja e marca
os salvos; o Filho expia, justifica e perdoa os pecados por meio de
sua obra redentora; e o Espírito Santo chama irresistivelmente e
regenera. Portanto, “sem o Espírito Santo não haveria fé, nem novo
nascimento — em resumo, não haveria cristãos”.42 Percebe-se que
uma das tarefas do Espírito Santo na obra da salvação é convencer
o homem do seu pecado e inspirar nele o desejo irresistível de se
tornar filho de Deus.
No estudo da vocação ou chamado de Deus, é comum a distin
ção entre chamado externo e chamado interno.43 O chamado ex
terno constitui uma declaração do plano da salvação, do dever
que o pecador tem de se arrepender e crer, dos motivos que devem
influir no espírito do pecador, como o temor, a esperança, o remorso
ou a gratidão.44 Ele é dirigido a todos os homens e se cumpre na
ordem de Cristo: “Portanto, vão e façam discípulos de todas , as
nações [...] ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes orde
nei” (Mt 28:19,20). Esse chamado pode obter diferentes resulta
dos, daí as palavras de Cristo: “muitos são chamados, mas poucos
são escolhidos” (Mt 22:14).
O chamado externo, entretanto, não é suficiente para salvar o
pecador, daí a necessidade da atuação do Espírito Santo em cha-
má-lo eficaz ou internamente, uma vez que o homem se encontra
plenamente morto e cego em suas transgressões (ICo 2:14, 2Co 4:4,
Ef 2:1).
Alguns cristãos acreditam que o homem tem perfeita liberdade
da vontade e pode, a qualquer momento, abandonar a fé e a graça.
Outros acreditam que a graça de Deus é necessária para habilitar
o homem a se voltar para Deus e viver; contudo, afirmam que é
necessário que o homem primeiro deseje estar livre do pecado e
42J. I. Packer, O conhecimento de Deus, p. 60.
4JHodge, Esboços de teologia, p. 621.
44Idem, p. 620.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 73
que escolha Deus. Desse modo, o homem coopera com a graça de
Deus.
Todavia, no estudo do chamado externo e interno, deve ser
observado que o chamado exterior precisa vir acompanhado do
chamado interno do Espírito Santo para que a salvação seja forjada
no coração do homem, como aconteceu com Lídia, segundo o re
gistro de Atos 16.
O apóstolo Paulo ensinava o evangelho para um grupo de mu
lheres às margens de um rio em Filipos e, enquanto o fazia, “uma
das que ouviam era uma mulher temente a Deus chamada Lídia.
[...] O Senhor abriu seu coração para atender à mensagem de Pau
lo” (At 16:14). Na pregação de Paulo, os dois chamados podem ser
observados: o externo, quando o grupo de mulheres ouvia Paulo, e
o interno, quando Deus abriu o coração de Lídia. A partir daí, ela
não pôde resistir e se entregou a Cristo.
O chamado do homem é irresistível, não pode ser frustrado, pois
provém unicamente da livre e especial graça de Deus, e não de
qualquer coisa prevista no homem (2Tm 1:9). “Assim, neste cha
mado o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e reno
vado pelo Espírito Santo, que o habilita a corresponder e a receber
a graça nela oferecida e comunicada.”45 Infere-se daí que o ho
mem necessita ser regenerado, isto é, “nascer de novo”, para res
ponder a qualquer estímulo divino, ter nova vida espiritual. Antes
disso, não poderá responder às atividades espirituais necessárias
para a salvação.46
E por essa razão que o chamado interno do Espírito Santo é
necessário pois, a partir dele, o homem é tirado do estado de peca
do e morte em que está por natureza. O Espírito Santo ilumina o
entendimento humano, espiritual e salvificamente, a fim de que
possa compreender as coisas de Deus. Tira-lhe o coração de pedra
45Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 106.
^Hodge, Esboços de teologia, p. 624.
74 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
e lhe dá um coração de carne, renovando suas vontades e determi
nando-as para o que é bom. Isso resulta no desejo de se dispor
como filho de Deus.47
Por essas razões, o chamado interno também é denominado de
graça irresistível, pois, após a obra da regeneração no coração do
homem, este passa a desejar irresistivelmente as coisas de Deus. E
nesse contexto que podem ser compreendidos textos bíblicos como
Romanos 8:30, ICoríntios 1:9, lPedro 2:9 e 5:10.
O chamado interno ou graça irresistível ensina que o Espírito
Santo nunca falha em trazer à salvação aqueles pecadores que ele
pessoalmente chama a Cristo. Ele aplica inevitavelmente a salvação
a esses pecadores que tencionou salvar, e é sua intenção salvar os
que pertencem ao Pai e ao Filho (Jo 6:39).
Vale ressaltar que o Espírito Santo se utiliza da Palavra de Deus
para operar a obra da salvação nos que lhe pertencem. Por essa
razão, existe a necessidade da pregação do evangelho, pois este é o
meio utilizado pelo Espírito Santo para realizar o chamado interno.
Por conseguinte, o ensino do chamado interno ou da graça
irresistível corrobora para que se tenha plena convicção de que o
cristão regenerado não pode perder a salvação, uma vez que o
mesmo Espírito que lhe chama eficaz e irresistivelmente é o penhor
e selo da salvação que inicia no presente e perdura por toda a
eternidade (Ef 1:13-14).
As declarações de fé de Westminster
Com a mesma perspectiva dos Cânones de Dort, a Confissão de fé de
Westminster;48 no capítulo XVII, Inciso ls, afirma:
Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou efi
cazmente e santificou pelo seu Espírito não podem cair do esta
do de graça, nem total nem finalmente; mas com toda a certeza
47Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 105.
135.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 75
hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente
salvos.
A Confissão de fé de Westminster assinala que aqueles a quem
Deus aceitou, chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito fo
ram regenerados e não podem perder a salvação. O Catecismo maior
de Westminster,49 à semelhança dos Cânones de Dort e da Confissão
de fé, em resposta à pergunta 79: “Não poderão os crentes verda
deiros cair do estado de graça, em razão das suas imperfeições e
das muitas tentações e pecados que os surpreendem?”, responde:
Os crentes verdadeiros, em razão do amor imutável de Deus (Jr 31:3;
Jo 13:1) e do seu decreto e pacto de lhes dar a perseverança
(ICo 1:8; Hb 13:20-21; Is 54:10), da união inseparável entre eles
e Cristo (ICo 12:27; Rm 8:35-39), da contínua intercessão de
Cristo por eles (Hb 7:25; Lc 22:32), do Espírito e da semente de
Deus que habitam neles (ljo 2:27), nunca poderão total e final
mente cair do estado de graça, mas são conservados pelo poder de
Deus, mediante a fé para a salvação (Jr 32:40; Jo 10:28).
Está claro nas declarações de fé dos Cânones de Dort, da Confis
são de fé e do Catecismo maior de Westminster, que o cristão regene
rado, uma vez salvo, estará sempre salvo. O teólogo BerkhoP afirma
que os eleitos, além de serem redimidos por Cristo e regenerados
pelo Espírito Santo, são mantidos na fé pelo infinito poder de Deus,
de maneira que todos os que são unidos espiritualmente a Cristo por
meio da regeneração estão eternamente seguros nele. Nada pode
separá-los do eterno e imutável amor de Deus, pois foram chama
dos para a glória eterna de Deus e estão assegurados para o céu.
O teólogo Boettner,51 ao discorrer acerca do amor infinito de Deus,
declara que o cristão regenerado não pode perder a salvação:
49Disponívelem: <www.ebenezer.org.br/download/onezio/catecismomaior>. Acesso
em 12 de set. de 2008.50Teologia sistemática, p. 653.51La predestinación., p. 157.
76 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
O amor infinito, misterioso e eterno de Deus para com os crentes
é a garantia de que jamais se perderão. Pois este amor divino não
está sujeito a mudanças, mas é tão imutável como Ele mesmo.
Ademais, é gratuito, e Ele tem sido fiel às Suas promessas de vida
eterna.
No tocante à fidelidade de Deus às suas promessas, é importan
te relembrar que Deus cumpre o que promete. Deus havia prome
tido Canaã à descendência de Abraão (Gn 13:14-18) e no devido
tempo cumpriu sua promessa (Js 13-21). Deus prometera o Salva
dor (Gn 3:15) e, na plenitude dos tempos (G1 4:4), enviou seu
Filho Jesus com a finalidade de expiar ou perdoar, com sua morte
na cruz, os pecados dos seus eleitos e lhes oferecer a justificação
advinda de Deus.
Deus cumpre suas promessas, pois é fiel a si mesmo, não depen
de de atrativos ou méritos de nenhum ser humano, daí a afirmação
de Malaquias 3:6: “De fato, eu, o Senhor, não mudo. Por isso vocês,
descendentes de Jacó, não foram destruídos”. Com base nisso é
que se pode entoar:
Tu és fiel, Senhor! Tu és fiel, Senhor!
Dia após dia, com bênçãos sem fim,
Tua mercê nos sustenta e nos guarda,
Tu és fiel, Senhor, fiel a mim.52
Em suma, fundamentado não nos seus próprios méritos, mas por
causa dos méritos de Cristo, do amor incondicional do Pai e da habi
tação do Espírito Santo (Ef 1:3-18), fica evidente que o cristão rege
nerado não pode perder a salvação. Pelo contrário, ele continuará no
estado de graça até o fim, porque, uma vez salvo, sempre salvo.
Isso posto, cabe agora demonstrar os benefícios práticos na vida
cristã da convicção de que o cristão regenerado não perde a salva
ção. Disso tratará o capítulo seguinte.
52Novo cântico, Hino 32, São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 77
Revisão e aproveitamento do capítulo 2
1. Como os textos de João 10:28-30 e Efésios 1:3-14 respondem
à questão: “Pode um cristão regenerado perder a salvação?”.
2. Como é denominada a doutrina que ensina que o cristão
regenerado não pode perder a salvação?
3. Comente os cinco ensinos doutrinários que atestam que o
cristão regenerado não pode perder a salvação.
4. Qual é o significado do conceito de chamado interno?
C a p í t u l o 3
Considerações finais e práticas
da doutrina da salvação
Após ter mostrado textos das Escrituras Sagradas e algumas con
fissões de fé protestantes que atestam que o cristão regenerado não
pode perder a salvação, a parte final deste livro reflete acerca das
implicações práticas desse ensino na vida do cristão. A aplicação é
muito importante porque muitas vezes o cristão deixa de estabele
cer a relação entre a doutrina ou o ensino bíblico e a prática cristã
no seu viver diário, porque considera o conhecimento teórico e
doutrinário mais importante que o prático.
O termo “teoria”, do grego theorein, cujo significado primário é
“ver” e “contemplar”, passou a significar, a partir de Platão, “a pro
cura pelo conhecimento das causas últimas, do divino”.1 Hoch ex
plica ainda que o termo “teoria” está vinculado a uma faculdade
do espírito (sinônimo de alma), e não da matéria (corpo). Isso sig
nifica que os gregos destacavam como importantes as atividades
relativas ao espírito e pouco se importavam com as questões relati
vas à matéria, o que resultou numa concepção dualista do homem.
O termo “prática”, cuja origem procede do grego prasso, pode
ser definido como “prática imanente”, “ação”. Na concepção gre
ga, “prática” está estreitamente relacionada à matéria e, portanto,
era considerada como inferior à “teoria”, uma vez que a matéria
era vista como inferior ao espírito.2
'Hoch, Reflexões em tomo do método da teologia prática, p. 71.2Idem.
80 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
Tais pressupostos influenciaram o pensamento ocidental. Se-
gundo Hoch,3 “até hoje, o trabalho da cabeça é considerado supe
rior, e por isso melhor remunerado do que o trabalho das mãos”.
Talvez essa mentalidade justifique o motivo pelo qual os estudos
teológicos dão pouca ênfase à prática e porque há certas hierar
quias entre determinadas áreas, demonstradas através do peso dado
a cada uma quando se observa uma carga horária. Esse pode ser
um fator resultante do que se vê no cristianismo atual, isto é, um
distanciamento entre o que se prega e o que se vive.
Jesus admitiu que isso poderia ocorrer com os cristãos e adver
tiu seus discípulos de que estes deveriam ser praticantes da pala
vra, e não meros ouvintes (Mt 7:24-27). Assim, na busca de um
cristianismo que contenha relevantes fundamentos teóricos e prá
ticos, têm ocorrido crescentes discussões numa área dos estudos
teológicos, que é a compreensão do conceito de teologia pastoral.4
Longuini Neto,5 ao seguir os pressupostos de Floristan,6 para quem
a teologia prática possui cinco pontos fundamentais, os quais mar
caram a igreja primitiva — missão (kerigma), ensino (didache), ado
ração (litourgeo), comunhão (koinonia) e serviço (diakonia) —
prefere utilizar o termo “práxis teológica” ou “teologia prática”, em
vez de “teologia pastoral”, por entender que não são termos sinôni
mos. Ele afirma que o nome dessa área teológica deveria ser “teo
logia prática” como “ciência-mãe” e “teologia pastoral” como uma
subárea dela.
A discussão atual relativa ao termo “teologia prática” se aproxi
ma mais da práxis teológica, pois, ao se falar em teologia pastoral, a
comunidade pode se equivocar e entender que é somente o pastor
ou a liderança da igreja que deve se incumbir de pôr em prática
uma teologia transformadora.
3Idem, p. 74.4E. E Lopes, A história da educação cristã no período dos primeiros pais da Igreja.50 novo rosto da missão, p. 50.6Teología práctica: teoria y práxis de la acción pastoral, p. 10.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 81
Todavia, a partir do termo “práxis” é possível chegar a uma re
flexão mais apropriada acerca da teologia prática, uma vez que
práxis é definida por Hoch7 como “conjunto de ação/reflexão, pelo
qual se manifesta e realiza a historicidade do homem”. Assim
sendo, a teologia prática enquanto práxis não é concebida apenas
na matéria, mas também no espírito, pois sua tônica está na
indissociabilidade entre ação e reflexão. Não se pode compreen
der a ação sem reflexão, e a reflexão sem ação, conforme declara
Hoch:8
Pelo contrário, ambas se condicionam e se enriquecem mutua
mente e geram práxis cristã. Onde falta a teologia, a ação cristã
toma-se uma prática cristã irrefletida, correndo o risco de ser
ingênua e sujeita à manipulação ideológica. Onde falta a prática, a
teologia toma-se especulação abstrata que não gera vida.
Para Hoch, muitos teólogos pressupõem que a teologia práti
ca mantém a dialética entre teoria e prática, espírito e corpo, fé e
ação. Mas ele assinala que a dialética é apenas aparente, visto que
a teologia prática tem como base intelectual a teoria que, por sua
vez, realiza-se na prática. Ela exige uma ação reflexiva, refletida
na prática.
Em Tiago 2:14,17-18, pode-se ler:
De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem
obras? Acaso a fé pode salvá-lo? [...] a fé, por si só, se não for
acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: “Você tem
fé; eu tenho obras”. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostra
rei a minha fé pelas obras.
Se a história for o foco, podem-se relembrar as críticas de Lute-
ro à religião de sua época, a qual, segundo ele, afastou a teologia
7Reflexões em torno do método da teologia prática, p. 72.8Idem.
82 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
do povo, pois passou a ser puramente utilizada como teologia espe
culativa entre os eruditos das universidades. Para Lutero, confor
me as palavras de Henkys,9 a teologia como “ciência especulativa
é simplesmente vã [...]. A verdadeira teologia é prática. Sem a
prática, ninguém pode ser erudito”.
Com base nas palavras de Lutero, nota-se que a teologia funda
mentada em Jesus Cristo necessita ser prática. Além disso, ele acre
ditava que o ensino bíblico não devia ser confinado em obras
destinadas a especialistas eméritos, mas devia se tornar acessível a
qualquer um, a fim de que todos pudessem também amar a Deus.10
A esse respeito, Hoch11 afirma:
A fé cristã não se limita à contemplação ou ao ato de assentir a um
sistema de verdades reveladas, mas consiste em se envolver com
Jesus, sua palavra e ação e em segui-lo em sua trajetória de cruz e
sofrimento. Toda teologia é essencialmente teologia da cruz, e como
tal só poderá ser teologia prática.
A teologia prática precisa ser um dos focos mais fundamentais,
dos cursos de teologia. Todavia, nem sempre se observa tal ênfase.
Uma das razões para que isso ocorra consiste no pensamento de
que a teologia prática, por sua proximidade com o “mundo”, corre
o risco de tomar a forma deste. Contra essa possibilidade, Hoch12
adverte:
O seu compromisso com o mundo não a pode levar a se esquecer
do seu compromisso maior com o evangelho. Por isso ela deve
fugir do imediatismo ativista e, em estrita parceria com as demais
disciplinas teológicas, assumir constantemente uma atitude re
flexiva e de autocrítica. Como consciência prática da teologia, ela
9Die praktische theologie, p. 25.10Biéler, A força oculta dos protestantes, p. 39.11Reflexões em tomo do método da teologia prática, p. 24l2Idem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 83
mesma precisa estar consciente das razões teológicas que a
norteiam.
Por conseguinte, não se deve confundir teologia prática com
compromisso com o “mundo”. Antes, a função da teologia prática
consiste na práxis (reflexão-ação) e autocrítica da teologia, de ma
neira que não se pode “conformar com este século”, ser absorvido
por ele, tomar forma do mundo, ou desejar parecer uma teologia
“moderna”. Pelo contrário, o objetivo da teologia prática consiste
em ser “sal e luz do mundo”.
Portanto, está claro que a doutrina e a prática são termos que
não podem ser separados, são indissociáveis. Por isso, o ensino rela
tivo ao princípio de que o cristão regenerado não pode perder a
salvação necessita resultar em implicações práticas, pois esse cris
tão só demonstrará sua salvação por meio de seu modo de ser e
viver no cotidiano.
Sendo assim, serão elencados aspectos práticos resultantes da
certeza de que o cristão regenerado não pode perder a salvação.
Confiança em Deus de que o cristão
REGENERADO ESTÁ ETERNAMENTE SALVO
Não existe maior segurança e consolo na vida do cristão do que
saber que sua salvação não depende de si mesmo, mas única e
exclusivamente de Deus. Ela é resultado da graça de Deus dispen
sada ao homem. E, se esse homem pecar, saberá que a salvação não
estará perdida, porque está garantida em Cristo Jesus.
A salvação é obra da Trindade: o Pai marcou os que lhe perten
ce, o Filho morreu para remir e perdoar os eleitos, o Espírito Santo
é o penhor de herança do cristão e a garantia de que este já está
salvo. Estamos, pois, guardados pela Trindade quanto à certeza de
que jamais estaremos distantes da salvação. Uma vez salvos, sem
pre salvos.
O cristão pode saber que, enquanto há na sociedade em ge
ral pessoas sem esperança, sem qualquer direção, vivendo suas
84 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
angústias pessoais, o fiel pode descansar no Senhor, pois nada po
derá separá-lo do “amor de Deus, que está em Cristo Jesus [...]”
(Rm 8:39). Consciente de que é fruto do amor de Deus, o cristão é
conclamado a perguntar: “Se Deus é por nós quem será contra
nós?” (Rm 8:31). A resposta a essa pergunta pode ser encontrada
no salmo 23:4: “Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e
morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara
e o teu cajado me protegem”.
Assim, à luz do descanso e segurança eterna no amor de Deus,
resta-lhe declarar o refrão de um hino sacro: “Meus Deus, que
amor! Meu Deus, que eterno amor!”.13
A CERTEZA DA SALVAÇÃO CONDUZ À HUMILDADE
E A ENXERGAR O PRÓXIMO COMO CRIATURA DE DEUS
A certeza de que o cristão regenerado não pode perder a salvação
resulta na humildade, porque desnuda o homem, ensinando-lhe
que, embora ele não seja digno de tão grande bênção e graça,
foi agraciado por Deus, de maneira que é salvo, está salvo e perma
necerá salvo por toda a eternidade. Assim, ele se torna consciente
de que em nada é melhor do que ninguém, apenas foi alvo da
misericórdia de Deus. Com essa perspectiva, parece ficar mais fácil
praticar o que Paulo ensinou aos filipenses: “Nada façam por
ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente conside
rem os outros superiores a si mesmos” (Fp 2:3). No mesmo capítulo,
ele conclama: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus,
[...] esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo [...] humilhou-
se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! [...]”
(Fp 2:5-8).
Quantas discussões surgem em nossas comunidades cristãs por
que deixam de direcionar sua atenção à salvação por meio da gra
ça de Deus e se enveredam em partidarismos, vanglorias? Isso ocorre
13Novo cântico, Hino 88, São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 85
porque muitos deixaram de se lembrar que foram regenerados para
uma nova vida em Cristo (2Co 5:17) e que essa nova vida se funda-
menta na humildade e no perdão, pois “não há diferença entre
grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e
livre, mas Cristo é tudo e está em todos” (Cl 3:11). O cristão rege
nerado deve se comportar como povo de Deus: “revistam-se de
profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência”
(Cl 3:12).
A CERTEZA DA SALVAÇÃO ESTIMULA
A GRATIDÃO E A SANTIFICAÇÃO
Por ter consciência de que é salvo eternamente pela graça de Deus,
resta ao cristão render-lhe graças, glória e entregar sua vida nas
mãos do Senhor, para que faça dela o que melhor lhe aprouver.
Assim, ele conseguirá cumprir a razão de sua existência, que é
glorificar a Deus e desfrutar de sua bondade para sempre, de ma
neira que buscará sempre a santificação de sua vida. Terá consciên
cia de que o Espírito Santo habita no crente e pode ser entristecido
quando este procede impiamente. Portanto, o cristão, é fortemente
induzido a não viver de modo descuidado.14 Assim, essa doutrina,
quando ensinada, em vez de favorecer o pecado e a devassidão,
serve ao contrário, pois o cristão salvo deve viver em santidade
para a glória de Deus.
Hebreus 12:14 afirma: “Esforcem-se para viver em paz com to
dos e para serem santos; sem santidade ninguém verá o Senhor”.
No versículo 15 do mesmo capítulo, o autor exorta os irmãos a não
produzirem qualquer espécie de amargura no coração dos cristãos.
Paulo, em Colossenses 3:5-11, fala sobre a necessidade de que o
cristão regenerado vigie e ore para mortificar a carne, pois realizar
as obras da carne é compatível com os “filhos da desobediência”, e
não com os cristãos regenerados.
14Booth, Somente pela graça, p. 46.
86 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
A CERTEZA DA SALVAÇÃO É UM ESTÍMULO
À PREGAÇÃO DO EVANGELHO
A certeza de que o cristão regenerado não pode perder a salvação
resulta no estímulo à pregação do evangelho. Alguns teológos pon
tuam que, se Deus sabe quem são os eleitos e se eles serão salvos
independentemente de toda e qualquer situação, a pregação do
evangelho é, de certa forma, inútil. Entretanto, o fato de crer que
Deus marcou o seu povo não implica displicência com relação à
pregação.15 Ao contrário disso, o cristão regenerado é estimulado
a anunciar o evangelho porque parte do princípio de que toda a
obra da salvação possui origem e fim na pessoa do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, de maneira que, ao pregar o evangelho e cumprir a
ordem de Cristo (Mt 28:18-20), ele estará consciente de que Deus
salvará os que lhe pertencem.16
A CERTEZA DA SALVAÇÃO CONDUZ O CRISTÃO A SERVIR
AO PRÓXIMO NAS MAIS DIVERSAS AÇÕES SOCIAIS
A certeza da salvação enche o coração do cristão regenerado do
desejo de servir ao próximo. Quando se é um cristão verdadeiro,
possuidor da certeza da salvação, o serviço em prol do próximo é
algo que brota naturalmente, como resultado de um coração im
pregnado das coisas de Deus. O cristão entende que fazer o bem
não o salva, mas faz o bem por causa da bondade de Deus der
ramada em seu coração e assim demonstra que foi salvo na pessoa
de Cristo. É com essa perspectiva que pode ser entendido o texto
bíblico:
De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem
obras? Acaso a fé pode salvá-lo? [...] a fé, por si só, se não for
acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: “Você tem
15Para aprofundar esse estudo, cf. J. I. Packer, Evangelização e soberania de Deus.16Para aprofundar esse estudo, cf. R. B. Kuiper, Evangelização teocêntrica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 87
fé; eu tenho obras”. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostra-
rei a minha fé pelas obras.
Tiago 2:14,17-18
O mundo inteiro está comemorando os quinhentos anos do nas
cimento de João Calvino. Ele foi um exemplo de que o protestan
tismo deve possuir fundamentos sólidos nas Escrituras Sagradas,
mas que tais fundamentos devem resultar em diversas práticas de
ação social.17 Calvino se preocupou, partindo do princípio do
diaconato (At 6:1-7) com questões sociais tais como:18 a) adminis
tração dos bens destinados à comunidade. A igreja recebia recursos
que eram destinados à população menos favorecida; b) distribui
ção de forma justa e igual entre os necessitados. “Os diáconos cui
davam que todos genuinamente carentes tivessem participação igual
nos bens destinados aos pobres”;19 c) visitação e cuidado dos doen
tes. Com Farei, o diaconato fundou o Hospital Geral, que dava
assistência médica gratuita aos pobres, órfãos e viúvas, além de ser
criada a “primeira escola primária obrigatória da Europa”.20
Enfim, Calvino e outros cristãos marcaram Genebra e o mundo
com diversas atitudes práticas e sociais: socorro direto aos necessi
tados, formação educacional de adultos e escolarização das crian
ças.21 Tudo isso se deve à convicção que aqueles homens possuíam
de que um cristão regenerado não pode perder a salvação!
Esses são alguns dos apontamentos práticos que resultam desse
ensino. Ao término deste estudo, este autor está consciente de que
há muito a pesquisar a respeito dessa temática. Todavia, espera-
se que as coisas discutidas até aqui sirvam para fortalecimento e
17Para aprofundar esse estudo, cf. A. BiÉler, O pensamento econômico e social de Calvino;
O humanismo social de Calvino e A força oculta dos protestantes. A. N. Lopes, Calvino
e a responsabilidade social da Igreja.18Lopes, Calvino e a responsabilidade social da Igreja, p. 18.
19Idem.20Idem, p. 19.
21Biéler , A força oculta dos protestantes, p. 171.
88 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO
consolo ao enfrentar as angústias diárias dos cristãos em geral, bem
como para crescimento e amadurecimento espiritual. Pois, aconte-
ça o que acontecer ou custe o que custar, nada poderá separar o
cristão regenerado do amor incondicional de Deus.
A Deus toda a glória, toda a honra e todo o poder. Amém!
B i b 1 i o g r a f i a c o n s u l t a d a
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Considerações finais e práticas da doutrina da salvação
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Sobre o autor
Edson Pereira Lopes é doutor em Ciências da Religião, na área de
Práxis, Religião e Sociedade pela Universidade Metodista (2004).
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universida
de Presbiteriana Mackenzie (2001). Especialista em Estudos Brasi
leiros pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1999). Possui
Licenciatura Plena em Filosofia pelas Faculdades Associadas do
Ipiranga (1996). Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano
Rev. José Manoel da Conceição (1992). Docente no Mestrado de
Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E
autor dos livros: O conceito de teologia e pedagogia na Didática mag
na de Comenius e A inter-relação da teologia com a pedagogia no pen
samento de Comenius, Trabalho científico — teorias e aplicações. E um
dos organizadores do livro: O impacto da práxis religiosa na constru
ção de vínculos sociais. Possui artigos publicados em livros e revistas
especializadas em educação e religião. É editor da Revista de Ci
ências da Religião, História e Sociedade do Programa de Mestrado
de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ê pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Vila Esperança, São
Paulo.
aAo escrever sua epístola aos efésios, Paulo enfatizou queo cristão deve se apropriar do “capacete da salvação” (6:17). Essa figura de linguagem nos ensina que a certeza da salvação é uma arma importante contra as investidas de Satanás justamente porque sua principal função é proteger a mente do cristão, assegurando-lhe que, uma vez salvo por Deus, é mais que vencedor em Cristo Jesus e riada poderá separá-lo do amor de Deus.
Dessa perspectiva, portanto, Fundamentos da teologia da salvação resgata uma das mais importantes doutrinas bíblicas e demonstra que é totalmente inconsistente a crença de que o cristão regenerado pode perder a salvação eterna.
“Acredito que a relevância do livro jaz no fato de que ele foi escrito numa época em que as grandes doutrinas do
cristianismo têm sido relegadas a plano secundário. Isso se
deve à predominância da teologia da prosperidade e do
neopentecostalismo, cuja ênfase equivocada nas necessidades
materiais, físicas e imediatas assola o brasileiro. Pouco ou nada se ouve falar nesses arraiais, onde prevalece a busca das bênçãos materiais, das grandes doutrinas da graça, da salvação completa
e plena obtida por Cristo para o pecador perdido, e muito
menos da obra do Espírito Santo na aplicação dessa salvação
ao pecador — o Espírito nesses círculos é sinônimo apenas de curas, sinais, prodígios e dons extraordinários.”
Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
MCmundocristão