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E dson L opes

Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

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Page 1: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

E d s o n L o p e s

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calvinistafiel

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Copyright © 2009 por Edson Pereira Lopes

Publicado originalmente por Editora Mundo Cristão

Editora responsável: Silvia Justino

Supervisão editorial: Ester Tarrone

Preparação: Cecília Eller

Revisão: Josemar de Souza Pinto

Coordenação de produção: Lilian Melo

Colaboração: Pamela Moura

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional (NVI), da

Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação específica.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/02/1998. É expressamente

proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrônicos, mecâni­

cos, fotográficos, gravação e outros), sem prévia autorização, por escrito, da editora.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lopes, Edson Pereira

Fundamentos da teologia da salvação: pode um cristão regenerado perder a salvação? / Edson

Pereira Lopes — São Paulo: Mundo Cristão, 2009. (Coleção teologia brasileira)

ISBN 978-85-7325-592-8

1. Salvação 2. Salvação — Ensino bíblico 3. Teologia I. Título II. Série.

09-05571 CDD —234

índice para catálogo sistemático:

1. Salvação: Teologia dogmática cristã 234

Categoria: Teologia

Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:

Editora Mundo Cristão

Rua Antônio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020

Telefone: (11) 2127-4147

Home page: www.mundocristao.com.br

1a edição: novembro de 2009

Ia reimpressão: 2011

Page 6: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

S u m á r i o

Agradecimentos 7

Pensando na doutrina 9

Prefácio 11

Introdução 13

Capítulo 1

Correntes históricas da doutrina da salvação 15

Capítulo 2

Fundamentos bíblicos da crença de que o cristão

regenerado não perde a salvação 47

Capítulo 3

Considerações finais e práticas da doutrina da salvação 79

Bibliografia consultada 89

Bibliografia de consulta sugerida 93

Sobre o autor 95

Page 7: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

A g r a d e c i m e n t o s

À MINHA AMADA ESPOSA NÍVEA COSTA DA SlLVA LOPES, grande

incentivadora dos meus estudos e grande bênção em meu ministé­

rio pastoral e educacional.

Aos meus filhos Tales Edson Costa Lopes e Taila Nívea Costa

Lopes, bênçãos de Deus.

Aos meus pais Luiz e Glória, meus primeiros educadores.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, por ter me proporcio­

nado o tempo necessário para esta reflexão.

Aos professores e alunos da Escola Superior de Teologia da Uni­

versidade Presbiteriana Mackenzie, razão de ser deste estudo.

Ao rev. Marcos Nicolli Napoli, meu pastor do coração.

Aos professores: revs. Sebastião Arruda, Hermisten Maia Perei­

ra da Costa e João Alves dos Santos, do Seminário Presbiteriano, e

rev. José Manoel da Conceição, que sempre me serviram de refe­

rência na excelência do ensino e da pesquisa.

Ao tutor rev. Nei Araújo Bacellar (in memoriam).

A Igreja Presbiteriana da Vila Esperança, que tenho o privilégio

de pastorear.

Aos presbíteros Orlando Perciliano e José Mariano, que me fo­

ram muito úteis no pastoreio da Igreja Presbiteriana de Parada XV

de Novembro.

Ao recém-organizado Presbitério Leste de São Paulo.

A Editora Mundo Cristão.

A todos, meus sinceros agradecimentos.

Page 8: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

P e n s a n d o n a d o u t r i n a

LUTERO

O decreto divino da predestinação é imutável e seguro; e sua execução é

igualmente inalterável, e há de levar-se a cabo com absoluta certeza. Se

dependesse de nós mesmos, que somos tão débeis, mui poucos, ou melhor,

nenhum se salvaria; Satanás nos venceria a todos.

BERKHOF

E Deus quem persevera, não o homem... E porque Deus nunca aban-

dona a sua obra que os crentes continuam de pé até o fim.

A. W. PINK

Se a nossa escolha foi determinada desde a eternidade, perdurará por

toda a eternidade.

L. BOETTNER

Quanto mais meditamos sobre estas verdades, mais sentimos que nossa

perseverança na santidade e nossa segurança da salvação não depen-

dem de nossa débil natureza, mas do contínuo poder sustentador de

Deus.

D. JAMES KENNEDY

A dádiva divina da vida eterna, sua graça e sua chamada para a salva­

ção nunca são revertidas por Deus.

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10 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

D. DWIGHT PENTECOST

A obra do Pai, Filho e Espírito Santo é a base da segurança do crente.

JESUS CRISTO

Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá

arrancar da minha mão.

Page 10: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

O tema DESTE livro É bastante atual e relevante. A salvação eterna

de nossa alma, bem como a certeza dessa salvação são assuntos que

cotidianamente percorrem os púlpitos das igrejas evangélicas tra­

dicionais e históricas, as salas das escolas dominicais e as discus­

sões em grupo. Basta que se coloque o assunto em fórum de

discussão na Internet e logo surgem dezenas de opiniões, favorá­

veis e contrárias, muitas em tom acalorado, revelando o grau de

envolvimento dos comentaristas.

Os que são contra a ideia de que “uma vez salvo, salvo para

sempre” não raro receiam que tal crença conduza, inevitavelmen­

te, o cristão que assim se considera a negligenciar a graça, as ativi­

dades cristãs, a prática espiritual. Argumentam que a expectativa

diária de perder a salvação por desobedecer a Deus manterá o cris­

tão vigilante e ativo no serviço divino. Em contrapartida, os que se

contrapõem à ideia de que o verdadeiro cristão possa perder a sal­

vação argumentam que viver na expectativa de perdê-la rouba-lhe

toda alegria, gozo e paz provenientes dessa certeza. E, naturalmen­

te, as interpretações que ambos os grupos farão dos textos bíblicos

refletirão tais receios e experiências pessoais.

É preciso, portanto, uma análise mais isenta e focada nos textos

bíblicos, como a presente obra que o leitor tem em mãos.

Apesar de tratar-se de assunto bastante antigo — como o pró­

prio livro demonstra em seu primeiro capítulo —, ele sempre des­

pertou o interesse de cristãos de todas as épocas. E, portanto, sempre

Page 11: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

12 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

há espaço para discuti-lo de novo, analisá-lo à luz de cada nova

geração, sem perder de vista o conhecimento adquirido pelas gera­

ções anteriores. É isso que o dr. Edson Lopes faz neste livro, de

maneira didática e clara, numa linguagem profunda mas de fácil

leitura. Fundamentos da teologia da salvação é uma contribuição para

nossa geração.

Acredito que a relevância do livro jaz no fato de que ele foi

escrito numa época em que as grandes doutrinas do cristianismo

têm sido relegadas a plano secundário. Isso se deve à predominân­

cia da teologia da prosperidade e do neopentecostalismo, cuja ên­

fase equivocada nas necessidades materiais, físicas e imediatas assola

o brasileiro. Pouco ou nada se ouve falar nesses arraiais, onde pre­

valece a busca das bênçãos materiais, das grandes doutrinas da

graça, da salvação completa e plena obtida por Cristo para o peca­

dor perdido, e muito menos da obra do Espírito Santo na aplicação

dessa salvação ao pecador — o Espírito nesses círculos é sinônimo

apenas de curas, sinais, prodígios e dons extraordinários.

O presente livro, com a penetração que a Editora Mundo Cris­

tão tem no mercado brasileiro das mais diversas orientações teoló­

gicas, poderá servir para instruir e orientar os que se encontram

confusos quanto ao tema.

São Paulo, setembro de 2009.

Augustus Nicodemus Lopes

Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Page 12: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

O grupo de pesquisa Religiosidade e Saúde,1 composto por um psiquia­

tra, um educador, um psicólogo e uma estudante de psicologia,

tem focado a discussão em se a religião influencia beneficamente a

saúde do cristão. O grupo surgiu da inquietação de um de seus

membros, ao descobrir que isso nem sempre ocorre. Foram levanta­

dos vários casos de fiéis que sofrem com o estresse e, em fase mais

avançada, com a depressão.

Na prática pastoral, encontram-se muitos cristãos fiéis ao Se­

nhor que, por causa do estresse e da depressão, chegam a pensar se

de fato são cristãos verdadeiros. O cristão vive numa sociedade

cujos valores familiares praticamente já não existem, e isso tem se

refletido de modo negativo também em seu lar. Não são raros os

casos de verdadeiros cristãos que enfrentam sérias dificuldades nessa

área, sem mencionar questões conjugais, que geram angústia e so­

frimento.

No tocante ao trabalho, se alguém se concentrar nas crises eco­

nômicas, políticas e sociais, certamente encontrará mais um moti­

vo para angústias e sofrimentos. A relação de trabalho se reveste

cada vez mais de intensos choques entre cultura, motivações e

novas tecnologias que, se por um lado facilitam a vida, por outro

mostram que o ser humano é perfeitamente descartável em alguns

Page 13: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

14 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

setores.2 Isso sem mencionar as competições desleais que o cristão

tem de enfrentar em muitas situações.

Nessa mesma perspectiva, se refletirmos criticamente na “filo­

sofia” proposta para o século XXI, ficará claro que vivemos em um

século em que a insensibilidade assola a sociedade, e o cristão não

está imune a isso. Vemos poucos gestos de amor genuíno, poucos

líderes cristãos compromissados com o evangelho de Cristo, pouco

envolvimento de cristãos no trabalho do Senhor e o enfraqueci­

mento do cristianismo verdadeiro, apesar do fortalecimento das

instituições religiosas.

Imerso nessa sociedade, o cristão acaba absorvendo tais princí­

pios, que resultam em angústia emocional, expressa nas mais diver­

sas formas do sofrimento humano. Dentre as incertezas e dúvidas

que o assolam, destaca-se uma das temáticas mais importantes para

a vida cristã: a salvação.

No efetivo ministério pastoral no cotidiano da igreja, encontra­

mos indagações como:

• Uma vez regenerado, o cristão pode perder a regeneração?

• O cristão regenerado pode perder a salvação?

Diferentes respostas têm surgido no decorrer da história cristã.

Este livro tem como objetivo mostrar que o cristão regenerado em

Cristo, ainda que sofra as angústias e pressões do presente século,

pode estar certo de que nada do que ele faça ou sofra poderá sepa­

rá-lo do amor incondicional de Deus.

2E. Fromm, A revolução da esperança, p. 48-49.

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C a p í t u l o 1

Correntes históricas

da doutrina da salvação

Ao estudar A história DA Igreja cristã no que concerne à dúvida

quanto à perda ou não da salvação, não podemos deixar de men­

cionar as principais correntes histórico-doutrinárias.

A doutrina da salvação no

PELAGIANISMO E NO SEMIPELAGIANISMO

O pelagianismo é assim denominado em referência a Morgan Pelá-

gio (354-430), monge britânico, asceta e apoiador dos ideais mo­

násticos.1 Pelágio chegou à Itália no final do século IV e, durante

sua estada na capital romana, já no século V, estudou os escritos de

Agostinho, especialmente a obra Do livre-arbítrio, e se opôs à dou­

trina do pecado original.2

Pelágio, então, associou a lassidão moral dos bispos romanos à

doutrina do pecado original ensinada por Agostinho. Assim, tor-

nou-se opositor a este ensino e começou a defender a partir daí a

inexistência do pecado original e a ensinar que o homem era capaz

de conquistar um lugar no céu sem a intervenção da graça de Deus.

Pelágio discordou da seguinte afirmação agostiniana: “Dá o que

Tu ordenas — e ordena o que Tu queres”,3 pois compreendeu

'R. C. Sproul, Sola gratia: a controvérsia sobre o livre-arbítrio na história, p. 29.ZB. L. Shelley, “Pelágio, pelagianismo”, em: Enciclopédia histórico-teológica da Igreja

cristã, p. 127.3Confissões, p. 221-222.

Page 15: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

16 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

que a criatura não necessita pedir permissão para fazer o que lhe

foi ordenado. Em sua concepção, se Deus ordena que as pessoas

creiam em Cristo, então elas devem ter o poder de crer em Cristo

sem ajuda da graça especial interior de Deus, daí suas palavras:

“Se Deus ordena que os pecadores se arrependam, eles devem ter

a habilidade de se inclinarem para obedecerem ao comando. A

obediência não precisa, de forma alguma, ser concedida”.4

A base fundamental dos princípios teológicos pelagianos consis-

te em que Deus, ao criar o homem, não o sujeitou, como as demais

criaturas, à lei da natureza, mas lhe deu o privilégio de cumprir a

vontade divina por sua própria escolha. Pelágio observa três aspectos

nas ações humanas: posse (poder), velle (querer) e esse (realização),

que se distribuem da seguinte forma: o “poder” vem exclusivamente

de Deus, enquanto os outros dois pertencem ao homem.

Pelágio defende a impossibilidade de o homem ter qualquer ten­

dência para o mal resultante da queda, conforme Gênesis 3. Em

vez disso, acredita que o louvor ou a censura depende da ação

humana.

A interpretação de Pelágio da palavra “graça” está vinculada a

sua crença de que, com a queda, a razão de Adão foi obscurecida,

impedindo-o de compreender a revelação de Deus. Com isso, sur­

giu a necessidade de criar mecanismos — como a lei de Moisés, o

ensino e o exemplo de Cristo — que consistem em graças externas

fornecidas por Deus para que o homem reconheça o Criador. Ve­

mos que, no ensino de Pelágio, a graça não é uma ação interior, mo­

tivada pelo Espírito Santo, que conduz a vontade humana ao que é

bom, mas “consiste unicamente em dons exteriores e faculdades

naturais, tais como a natureza racional e o livre-arbítrio do homem,

a revelação da lei de Deus nas Escrituras e o exemplo de Cristo”.5

Com a mesma perspectiva, Sproul assim entende o pensamento

de Pelágio: “[...] O livre-arbítrio, adequadamente exercido, pro­

4Sproul, Solagratia, p. 30.

5A. Hoekema, Criados à imagem de Deus, p. 174.

Page 16: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

duz virtude, que é o bem supremo e devidamente seguido pela

recompensa. Por meio do seu próprio esforço, o homem pode alcan-

çar tudo o que se requer dele na moralidade e na religião”.6

Hanarck7 observa que um dos principais fundamentos do pen-

samento de Pelágio consiste no princípio de que a bondade e a

justiça são atributos que devem ser mais ressaltados em Deus, visto

que para ele seria inconcebível um Deus que carecesse da perfei­

ção de tais atributos. Deus é perfeitamente bom e criou o homem

em igual condição, possuidor de livre-arbítrio, elemento que per­

mitiu que Adão pecasse por sua própria vontade. Ele não foi coagi­

do por Deus ou por qualquer criatura a cometer o primeiro ato de

pecado, e este não resultou na corrupção da sua natureza, nem

causou a morte natural, uma vez que Pelágio acredita que Adão

fora criado mortal.

Podemos resumir8 os pressupostos teológicos de Pelágio da se­

guinte maneira:

1. Adão foi dotado de razão e livre-arbítrio. Com a razão, ele de­

veria ter domínio sobre todas as criaturas irracionais; com o

livre-arbítrio, servir a Deus. A liberdade é o bem supremo, a

honra e a glória do homem, o bem natural que não pode ser

perdido. É a base única da relação ética do homem com Deus.

A liberdade consiste essencialmente no livre-arbítrio, ou seja,

na possibilidade absoluta de escolher e praticar o bem ou o

mal a cada momento. Pelágio firmou sua visão da natureza

humana e do livre-arbítrio em sua doutrina da criação. Isso

significa que ele acreditava que a natureza humana não ape­

nas fora criada boa, mas incontestavelmente boa, ou seja,

embora o comportamento da pessoa possa ser alterado ao co­

meter algum ato pecaminoso, o mesmo não ocorre com sua

natureza ou substância.

"Sproul, Solagracia, p. 31.

7History of the Dogma, p. 169-175.

8Sproul, Sola gratia, p. 236.

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 17

Page 17: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

18 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

2. O pecado original não existe. A compreensão pelagiana do pe­

cado parte do princípio de que a natureza do homem foi cria­

da incontestavelmente boa. O homem, portanto, pode ser

perfeito, e alguns têm sido, o que resulta na interpretação de

que o pecado consiste num ato, e não em algo arraigado à

natureza humana, já que o homem é capaz de voltar a agir

corretamente, como antes de cometer o erro. As pessoas, por­

tanto, nascem sem pecado. Cometem erros porque estão cer­

cadas de maus exemplos. Por conseguinte e estritamente

falando, segundo o ponto de vista pelagiano, não há pecado­

res, mas tão somente atos pecaminosos isolados, frutos de

maus exemplos.9

3. Transmissão do pecado à raça humana. Pelágio considerava

que seria injustiça de Deus transmitir ou imputar o pecado

de um homem a outros, não vendo, portanto, conexão entre

o pecado de Adão e seus descendentes. Acreditava que to­

dos os homens são criados por Deus na mesma posição que

Adão desfrutava antes da queda, o que eqüivale a dizer que

a criança é concebida sem nenhum pecado. Para ele, só exis­

tem duas diferenças entre Adão e sua descendência. Uma

delas é que ele foi criado adulto, e sua descendência, infan­

te. Assim, desde o início, Adão teve uso total da razão, en­

quanto sua descendência teve de desenvolvê-la. A segunda

diferença é que Adão foi colocado no Paraíso, onde não pre­

valecia o costume do mal, poupando-o dos maus exemplos,

ao passo que sua descendência nasce em uma sociedade e

em um ambiente em que o costume do mal e, portanto, dos

maus exemplos, prevalece.10

4. O papel da graça de Deus. O pelagianismo defende que o ho­

mem nasce em condição neutra e sem pecado; o que o cor­

9L. Berkhof, Teologia sistemática, p. 236.

I0Sproul, Sola gratia, p. 35.

Page 18: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 19

rompe é o mau exemplo e sua imitação, que resulta do hábi-

to de pecar, o qual, por sua vez, obscurece o pensamento do

ser humano, conduzindo-o aos maus hábitos. Já a graça de

Deus age como facilitadora, e não como elemento essencial,

para que o homem encontre e pratique a justiça e a bonda­

de. Com esse pressuposto é que Pelágio ensina a importância

da graça de Deus manifestada de diversas formas, seja por

sua lei, seja pelo exemplo de Cristo, pela educação e ilumi­

nação. Tal graça nada produz, portanto, no interior do ho­

mem, mas define a bondade, apontando ao homem o caminho

da justiça.11

Referindo-se a uma carta de Pelágio a Demétrio, Agostinho12

afirmou que o argumento total daquelas linhas demonstra que,

para Pelágio, a “assistência de Deus”, ou a graça de Deus, resume-

se apenas à instrução.

Assim, como o pelagianismo defende o pressuposto de que a

natureza do homem não foi corrompida pelo pecado — que se trata

apenas de uma questão de ações pecaminosas escolhidas pelo pró­

prio homem — e que ele é capaz de fazer o bem — mesmo sem a

intervenção divina, desde que seja despertado com os meios ade­

quados —, a salvação não resulta da graça divina como obra de

Deus no homem, mas da vontade e capacidade deste em desejá-la.

Segundo Pelágio, portanto, a salvação depende apenas do homem.

Em suma, as concepções teológicas de Pelágio se fundamentam

em discussões sobre o livre-arbítrio e o pecado original. Ele afirma­

va que a transgressão de Adão só fez mal a ele mesmo, e não a sua

posteridade. O homem nasce na mesma condição em que Adão foi

11A influência desse pressuposto teológico pode ser visto em João Amós Comenius

(1592-1670), sistematizador da ciência da educação. Foi citado por Lopes em O concei­

to de teologia na Didática magna de Comenius, p. 152, como pelagiano ou no máximo

semipelagiano. Comenius considerou a educação um meio externo de Deus para curar

a corrupção do gênero humano: “a educação é o remédio divino para a corrupção do

gênero humano”. Didática magna, p. 11.

12Agostinho, A graça, vol. 2, p. 7-8.

Page 19: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

20 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

criado, ou seja, sem pecado original. O resultado de tal ponto de

vista é que a vontade do homem é livre, pois ele possui todo o

poder de querer e fazer o bem, independentemente da graça salvífica

interior e especial de Deus.

Essa doutrina encontrou forte oposição na Igreja antiga e, de

modo especial, em Agostinho, que se entregou por completo a

combatê-la. Foi também condenada pelo Sínodo de Cartago (407 e

416 d.C.); pelo Concilio de Milevo, na Mumídia, em 416; pelos

papas Inocêncio e Zósimo; e pelo Concilio de Éfeso (431). Não

obstante sua condenação, muitos cristãos daqueles dias se manti­

veram envolvidos com as ideias de Pelágio, o que resultou num

cisma entre eles.

De um lado, alguns perceberam que Pelágio pregava uma espé­

cie de antropocentrismo incipiente, ao submeter a graça divina ao

livre-arbítrio e à boa escolha dos homens. Por outro lado, muitos

não queriam aceitar a doutrina da eleição divina, ensinada por

Agostinho. Assim, especialmente após a morte do bispo, em 430

d.C., originou-se na igreja uma doutrina intermediária denomina­

da ' ‘semipelagianismo”, que admitia o pecado original e sua influên­

cia sobre a natureza e a vontade do homem. Ensinava, contudo,

que, se a boa natureza do homem fosse despertada e ajudada pela

graça de Deus, seria possível ao homem cooperar com Deus para

vencer o pecado. Isso eqüivale a dizer que, ao ser ajudado pelo

homem, não é Deus quem tem a palavra final na salvação do ho­

mem, mas o próprio homem.

O semipelagianismo difere do pelagianismo por aceitar a dou­

trina do pecado original e se mostrar disposto a aceitar a predesti­

nação divina, desde que fundamentada na presciência de Deus,

isto é, ele prevê de antemão quem vai aceitar sua graça e crer em

Jesus.

Com isso, as doutrinas pelagiana e semipelagiana respondem

afirmativamente à pergunta: “Pode um cristão regenerado perder

a salvação?”. Nessas concepções doutrinárias, é possível ao cristão

regenerado perder a salvação, haja vista que ela depende da fi­

Page 20: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 21

delidade do homem — que, quando muito, pode ter o auxílio da

igreja —, e não necessariamente da fidelidade de Deus.

A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO AGOSTIN1ANISMO

Agostinho, ou Aurelius Augustinus, nasceu em 13 de novembro de

354, na cidade de Tagaste, província romana da Numídia, hoje

Souk-Ahras, Argélia. Foi o primeiro filho de Patrício, conselheiro

municipal e membro da classe média. Agostinho viveu em sua ci­

dade natal até precisar se mudar para Madura e posteriormente

para Cartago, a fim de continuar os estudos. Ali estudou as sete

artes liberais — gramática, retórica, dialética, geometria, música,

matemática e astronomia — e passou a viver com Melânea, com

quem teve Adeodato.

O próprio Agostinho13 narra sua conversão, a qual se deu depois

que ele encontrou uma criança que cantava repetidamente: “toma

e lê”. Após esse evento, abriu a Bíblia em Romanos 13:13-14, texto

que marcou definitivamente sua conversão. Em 25 de abril de 387,

Agostinho foi batizado por Ambrósio e, logo depois, retornou a

Tagaste. Pouco depois, mudou-se para Hipona a fim de fundar um

mosteiro, onde viveu. Em 396, sucedeu o bispo Valério, em Hipona.

A partir de então, Agostinho enfrentou várias vicissitudes no mi­

nistério pastoral.

Ele escreveu as seguinte obras: Contra os acadêmicos, Solilóquios,

A vida feliz e. a ordem (386); A imortalidade da alma e A gramática

(387); A grandeza da alma (387-388); O livre'arbítrio (388-395); O

mestre (389); A música (389-391); A moral da Igreja Católica e a

moral dos maniques (388); As duas almas (391); Controvérsia contra

Fortunato, O maniqueu (392); Sobre o Gênesis, Contra os maniqueus

(386-391); A verdadeira religião (389); Questões diversas (389-396);

A utilidade do crer (391); A fé e o símbolo (393); Algumas cartas e

sermões; Contra a epístola de Manique (397); Contra Fausto, o maniqueu

13Agostinho, Confissões, p. 214-

Page 21: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

22 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

(398); A natureza do bem (399); O batismo (400); Contra a epístola

de Petiliano (401); A unidade da Igreja (405); A doutrina cristã (397);

Confissões (398-399); Comentário literal ao Gênesis (400-415); A Trin­

dade (400-416); Os bens do matrimônio; A santa virgindade (401);

Cartas, sermões e comentários aos Salmos; Os méritos e a remissão

dos pecados (411-412); O Espírito e a letra (412); A natureza e a

graça (415); A correção dos donatistas (417); A graça de Cristo e o

pecado original (418); A alma e sua origem (419); As núpcias e a

concupiscência ( 419-420); O Enquirídio (421); dois volumes in­

titulados Contra Juliano (421 e 429-430); A graça e o livre-arbítrio e

A correção e a graça (426); A predestinação dos santos e O dom da

perseverança (428-429); A cidade de Deus (413-426); O Ciddado

devido aos mortos (421) e as Retratações (426-427).14

Essas obras produzidas pelo bispo de Hipona foram intensas e

profundas. Contudo, não se pode esquecer que seus escritos surgi­

ram como resultado do seu exercício pastoral prático, cuja carac­

terística mais evidente foi a defesa da fé cristã. Ao estudá-las, é

notório perceber que ele concedeu honra e glória a Deus, ao con­

fessar que o fundamento da salvação estava somente nele e em sua

soberana eleição por meio de Cristo.

Para ele, o homem caído não tinha condições de se gloriar,

porque Adão e todos os seus descendentes se corromperam após

a queda, de maneira que no homem não reside bem algum.15

Por causa das transgressões e erros, o homem é, por natureza,

escravo do pecado e filho da morte. E, sozinho, não pode mudar

coisa alguma, a menos que seja regenerado ou nasça pelo Espírito

Santo.16

Agostinho foi quem primeiro ensinou a doutrina da perseveran­

ça dos santos, cuja base era a doutrina da predestinação. Segundo

seu ponto de vista, os eleitos jamais poderiam se perder de modo

14F. Ferreira, Agostinho de A a Z, p. 22-25.15Agostinho, A graça, p. 300.

l6Idem, p. 114-

Page 22: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 23

definitivo. Não obstante, o teólogo reformado Berkhof17 argumen­

ta que Agostinho achava possível que alguns, mesmo depois de re­

vestidos da nova vida e fé verdadeira, poderiam cair completamente

do estado de graça e, por fim, sofrer a condenação eterna. O pro­

blema dessa afirmação é que Berkhof não fundamenta suas palavras

em nenhuma obra de Agostinho. O que pode ser lido em seus es­

critos é que ele jamais ensinou outra doutrina que não fosse a gra­

ça de Deus na vida do cristão como razão de sua perseverança.18

Fica claro que Santo Agostinho declara que o homem eleito

jamais pode perder a salvação. A resposta à pergunta: “Pode um

cristão regenerado perder a salvação?” é explicitada em suas pró­

prias palavras: “Aqueles eleitos [...] foram predestinados [...] se

eles se perdem, é sinal de que Deus se engana; mas nenhum deles

se perde, porque Deus não se engana”.19

O pensamento de Agostinho influenciou grande parte da Igreja

e foi revisitado pelos movimentos reformados dos séculos XVI e

XVII, os quais também responderam à pergunta: “Pode um cristão

regenerado perder a salvação?”. Passaremos a abordar esses pontos

de vista.

A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NA REFORMA DO SÉCULO XVI

E NOS MOVIMENTOS PROTESTANTES DO SÉCULO XVII

O primeiro reformador a se posicionar acerca da possibilidade de

perda da salvação foi Martinho Lutero, monge da ordem agostinia-

na. Ele nasceu no dia 10 de novembro de 1483, em Eisleben. Seu

pai era de origem camponesa, mas ganhou a vida administrando

minas de cobre. Apesar de seus negócios não irem tão bem, conse­

guiu prover boa educação para o filho. Em 1501, Lutero ingressou

17Teobgia sistemática, p. 549.lsPara aprofundamento, se Berkhof está correto ou não em afirmar que Agostinho teria

ensinado que o cristão poderia perder a salvação ou não, é necessário ler o artigo: O

dom da perseverança dos santos no pensamento de Santo Agostinho. Disponível em:

<http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/cr>. Acesso em 28 de mai. de 2009.i9Ferreira, Agostinho de A a Z , p. 168.

Page 23: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

na escola de Direito da Universidade de Erfurt. Todavia, desde

então, sua vocação era a área religiosa.

Depois de concluir o curso de Direito, Lutero optou pela vida

religiosa e entrou para a Ordem dos Agostinianos em 1505, onde

conquistou prestígio como intelectual. Em 1508, já era professor da

Universidade de Wittenberg, não como titular, mas como contra­

tado para lecionar durante um semestre. Anos mais tarde, viajou

para Roma, sede da igreja papal, de onde voltou decepcionado

com o ambiente de corrupção e avareza no qual vivia o clero.20

Sua preocupação central na vida era a salvação de sua alma.

Dentro do mosteiro, começou a travar lutas agonizantes. Havia

entrado ali à procura da salvação, mas não encontrou a paz e a

segurança de que estava no caminho de Deus. Mesmo levando

uma vida exemplar de piedade, sua alma ardia com o sentimento

de pecado e o pensamento constante de estar provocando a ira

divina. Para livrar seu pai do purgatório, subiu de joelhos a escada

da Santa Sé, a escadaria que se diz ter sido trazida da casa de

Pilatos. Em cada degrau, repetia o Pai-nosso. Ao chegar ao topo,

veio-lhe à mente a seguinte pergunta: “Quem sabe se tudo isto é

verdade?”. Mas tal inquietação logo passou.21

Em 1511, foi transferido para Wittenberg, onde se tornou profes­

sor de Bíblia. Ali recebeu o título de doutor em Teologia. Com o

intuito de aperfeiçoar seus ensinamentos, começou a estudar as

línguas originais da Bíblia (hebraico e grego). Segundo Cairns,22

de 1513 a 1515, Lutero lecionou sobre Salmos e, de 1515 a 1517,

sobre Romanos, Gálatas e Hebreus.

Sua alma angustiada só encontraria paz interior entre os anos

1512 e 1517, ao estudar Romanos 1:17: “O justo viverá pela fé”. Esse

texto despertou sua mente para entender que a salvação acontece

pela graça e que somente pela fé em Cristo é possível se tornar

20R. Olson, História da teologia cristã, p. 380.

21R. Nicfiols, História da Igreja cristã, p. 142.

22História do cristianismo através dos séculos, p. 234.

24 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Page 24: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 25

justo diante de Deus. A partir daí, as doutrinas da justificação pela

fé e da Sola Scriptura (somente as Escrituras), a ideia segundo a

qual as Escrituras são a única autoridade na qual o pecador pode

procurar a salvação, passaram a ser os pontos principais de seu sis­

tema teológico. Contra essa verdade, a igreja papal apregoava que

a salvação ocorreria pelas obras, mediante os sacramentos.

No ano de 1517, apareceu em Wittenberg um homem chamado

Tetzel, enviado pelo arcebispo Alberto de Mogúncia, para vender

indulgências emitidas pelo papa. De toda parte, muitas pessoas

vieram comprar essas indulgências, pois elas ofereciam diminuição

das penas do purgatório. Essa multidão pensava que, com a compra

das indulgências, conseguiria o perdão dos pecados. “Tetzel ensi-

nava que o arrependimento não era necessário para quem com-

prasse uma indulgência, pois por si mesma ela era capaz de dar

perdão completo de todos os pecados.”23 “Tão logo a moeda no

cofre soa, uma alma do purgatório voa!”.24

A notícia da venda das indulgências chegou até Lutero, que

objetou a elas e, em 31 de outubro de 1517, às vésperas do Dia de

Todos os Santos, quando grande multidão comparecia à igreja do

castelo,25 em Wittenberg, Lutero afixou as 95 teses que tratavam,

particularmente, de mostrar que a igreja não podia oferecer per-

dão pelos pecados, tampouco alterar a situação no purgatório e

que somente Deus poderia fazê-lo. As teses negavam que o papa e

a igreja fossem mediadores entre o homem e Deus, não sendo dig-

nos de perdoar, portanto, os pecados. A partir daí, estava declara­

da a Reforma da igreja, ainda que Lutero só fosse excomungado

em agosto de 1520, pelo papa Leão X. Seu intento inicial não era a

divisão da igreja, mas reformá-la em alguns pontos.

Lutero fundamenta sua crença na Bíblia sob a perspectiva agos-

tiniana. Assim, ao proclamar a Reforma Protestante, rompeu com a

2,Idem.

24Olson, História da teologia cristã, p. 387.

25W. Walker, História da Igreja cristã, p. 14.

Page 25: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

26 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

igreja papal. A principal doutrina que defendia, denominada de

“justificação pela fé”, era contrária a aceitar qualquer tipo de obras

como meio de salvação. Por causa das influências agostinianas,

Lutero creu na doutrina da predestinação e respondeu à questão:

“Pode um cristão regenerado perder a salvação?” da seguinte ma­

neira: “Defendo que o decreto divino da predestinação é imutável

e seguro; e sua execução é igualmente inalterável, e há de levar-se

a cabo com a absoluta certeza. Se dependesse de nós mesmos, que

somos tão débeis, mui poucos, ou melhor, nenhum se salvaria, Sa­

tanás nos venceria a todos”.

Ou seja, o luteranismo, originariamente, defendia que o cristão

regenerado não poderia perder a salvação. Entretanto, por atribuir

ao homem a função de se manter fiel ou não a Deus, acredita hoje

que é possível ao homem perder a salvação.26 A Fórmula de Concór­

dia, elaborada em 1577, que retoma alguns artigos da Confissão de

Augsburgo e é aceita pelos luteranos como exposição correta das

Sagradas Escrituras, afirma: “Deve-se refutar e rejeitar zelosamen­

te a falsa opinião de alguns segundo a qual não se pode perder [...]

a salvação”.27

Vale ressaltar a afirmação conjunta das crenças da Igreja Cató­

lica Romana e da Igreja Luterana: “[...] Confessamos juntos que as

pessoas crentes podem confiar na misericórdia e nas promissões de

Deus [...]. Mas toda pessoa pode estar preocupada com sua salva­

ção quando olha para suas próprias fraquezas e insuficiências”.28

Na mesma declaração, ao tratar da Incapacidade e pecado humanos

face à justificação, a Igreja Luterana afirma: “[...] Luteranos não

negam que o ser humano possa rejeitar a atuação da graça [...]”.29

Por causa dessas afirmações é que se pode pontuar que a Igreja

26Berkfiof, Teologia sistemática, p. 549.27Hodge, Esboços de teologia, p. 762.

“Declaração Conjunta de Luteranos e Católicos, 2008, p. 7. Disponível em:

< www.vatican.va/roman>. Acesso em 13 de ago. de 2008.29Idem, p. 4-

Page 26: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 27

Luterana, com o passar dos anos, afastou-se das ideias de Martinho

Lutero acerca da doutrina da certeza da salvação e se apegou à

doutrina da graça universal ou expiação universal.30

Dentro do movimento da Reforma, outras correntes também

pontuam sua resposta à pergunta: “Pode um cristão regenerado

perder a salvação?”. Uma delas é o arminianismo.

A doutrina arminiana surgiu com o teológo holandês Jacob

Hermann, que nasceu em 1560 e ficou conhecido pelo nome lati-

nizado: Arminius. Ele foi designado para responder a Coomhert*1

e defender a posição “supralapfica”32 contra os ministros de Delft,

os infralapsarianos.33 Em seus estudos, Arminius começou a du­

vidar da doutrina da eleição incondicional e passou a atribuir

ao homem o livre-arbítrio, ou seja, o homem tem soberana liber­

dade para aceitar ou recusar Cristo, ou seja, o homem controla

a graça.

"Berkhof, Teologia sistemática, p. 549.

31Walker, História da Igreja cristã, p. 13432A posição supralapsária é definida por Hodge como “a teoria das diversas provisões do

decreto divino nas suas relações lógicas, que supõe que o supremo fim a que Deus se

propôs na salvação de uns e na condenação de outros foi a Sua própria glória, e que,

como meio de alcançar esse fim, decretou criar o homem e permitir que caísse”. Segun­

do o próprio Hodge, a ordem dos decretos seria então: 1. dentre todos os homens, Deus

primeiro decretou a salvação de uns e a condenação de outros, a fim de promover a sua

própria glória; 2. para alcançar esse fim, decretou criar os que já havia escolhido ou

reprovado; 3. decretou permitir que caíssem; 4- decretou preparar a salvação para os

eleitos. “Essa foi a teoria de Beza, sucessor de Calvino em Genebra, e de Gomaro, o

grande oponente de Arminius”. A. A. Hodge, Esboços de teologia, p. 313.33A posição infralapsária é definida por Hodge como “a teoria da predestinação, ou

decreto da predestinação considerado como subsequente, no propósito divino, ao

decreto que permitiu a queda do homem, representa este como objeto da eleição depois

de criado e decaído”. Segundo ele, a ordem dos decretos é a seguinte: 1. o decreto de

criar o homem; 2. o de permitir que caísse; 3. o de eleger certos homens dentre a raça

inteira decaída e com justiça condenada para a vida eterna e de passar por alto os outros,

deixando-os entregues às justas conseqüências dos seus pecados; 4. o decreto de prepa­

rar a salvação para os eleitos. “Esta é a teoria comum às igrejas reformadas, confirmada

pelo Sínodo de Dort e pela Assembleia de Westminster”. A. A. Hodge, Esboços de

teologia, p. 312.

Page 27: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

28 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Com sua morte em 1609, seus discípulos, João Wtenbogaert e

Simão Episcopius, sistematizaram a doutrina arminiana, chaman-

do-a de Remonstrance,34 que defende cinco pontos fundamentais:

1. O pecado e a vontade do homem. “O homem nunca é de tal

modo corrompido pelo pecado que não possa crer salvaticia-

mente no evangelho, uma vez que este lhe seja apresenta­

do”.35 Arminius acreditava que a queda do homem não foi

total e sustentou que restou ao ser humano bem suficiente

capaz de habilitá-lo a querer aceitar Cristo como Salvador.

2. Eleição condicional. O homem nunca é de tal modo controla­

do por Deus que não possa rejeitá-lo. Infere-se daí que o ato

de fé por parte do homem é a condição para que ele seja

eleito e salvo eternamente.36

3. Expiação universal. A eleição divina daqueles que serão sal­

vos se alicerça no fato da previsão divina de que eles have­

rão de crer, por sua própria deliberação. Arminius sustentava

a redenção universal, isto é, a morte de Cristo oferece a Deus

condição para que todos os homens se salvem.37

4- A graça pode ser impedida. A morte de Cristo não garantiu a

salvação para ninguém, pois não garantiu o dom da fé para

ninguém. Tal dom sequer existiria. O que ela fez foi criar a

possibilidade de salvação para todo aquele que crê. Uma vez

que Deus quer que todos os homens sejam salvos, ele envia

seu Santo Espírito para atraí-los a Cristo. Entretanto, por causa

de seu livre-arbítrio, os seres humanos podem resistir à graça

de Deus e desejar não serem salvos.38

34“Protesto” ou “representação”.35J. Packer, O antigo evangelho, p. 6.

36Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 13.37Packer, O antigo evangelho, p. 6.

38Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 14-

Page 28: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 29

5. O homem pode cair da graça. “Depende inteiramente dos cren-

tes manterem-se em um estado de graça, conservando sua

fé; aqueles que falham nesse ponto desviam-se e se perdem”.

Assim, depende de o homem permanecer no estado de graça

e, se ele não o desejar, poderá se afastar de Deus. O resulta­

do disso será a perda da salvação.39

Esses cinco pontos arminianos causaram conflitos no protestan­

tismo da época. Por isso, os Estados Gerais da Holanda convoca­

ram um sínodo nacional na cidade de Dort, que aconteceu entre

13/11/1618 e 9/5/1619, com a finalidade de prover um parecer con­

ciliar acerca do assunto. O Sínodo de Dort condenou o arminia-

nismo e adotou os “cânones” de tom calvinista, os quais, juntamente

com o Catecismo de Heidelberg e a Confissão belga tornaram-se a

base doutrinai da Igreja Reformada Holandesa.

Tendo em vista seu ensinos, em especial o último ponto do Re-

monstrance, Arminius, assim como seus discípulos, afirma ser possí­

vel ao cristão perder a salvação.

Embora condenado, o arminianismo, segundo Olson,40 flo­

resceu em solo inglês no fim do séxulo XVI, e muitos líderes da

igreja na Inglaterra o adotaram publicamente. Durante os séculos

XVII e XVIII, uma era de racionalismo e de avivamento na

Inglaterra e na Nova Inglaterra (hoje Estados Unidos da Amé­

rica), os princípios arminianos foram disseminados no protes­

tantismo norte-americano. Este, por meio de suas expedições

missionárias ao Brasil, propagou o arminianismo em boa parte

do protestantismo que nascia em terras brasileiras. De certa

maneira, isso parece explicar, pelo menos em parte, a hegemonia

da crença arminiana na maioria das igrejas protestantes ou evan­

gélicas.

39Idem.

40Olson, História da teologia cristã, p. 483.

Page 29: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

Textos bíblicos que parecem afirmar

QUE O CRISTÃO REGENERADO PODE PERDER A SALVAÇÃO

A grande maioria dos segmentos protestantes do Brasil do século

XXI, por causa da forte influência arminiana, defende que é possí­

vel a um cristão regenerado perder a salvação. Algumas dessas

comunidades optaram pela postura arminiana, em detrimento da

perspectiva calvinista, por causa de certas objeções, fundamenta­

das, segundo esses grupos, em textos bíblicos, os quais parecem se

opor à salvação ou à segurança eterna do cristão regenerado.

Hebreus 6:4-6

Esse é um texto muito difícil, classificado por Barclay41 como uma

das passagens mais terríveis das Escrituras. Os arminianos fazem

uso dele para defender sua crença de que o cristão regenerado

pode perder a salvação. Ele diz o seguinte:

Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom

celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimen­

taram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de

vir e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependi­

mento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de

Deus, sujeitando-o à desonra pública.

No versículo 6, o escritor emprega a expressão “é impossível”,

que está diretamente ligada à continuação no mesmo versículo:

“que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos

estão crucificando de novo o Filho de Deus [...]”. Observa-se que

a dificuldade com essas afirmações é, por um lado, a “queda dos

iluminados” e, por outro, a “impossibilidade de renová-los para

arrependimento”. Bezerril42 entende que a primeira expressão

41The Letter to the Hebrews, p. 55.42A queda dos iluminados de Hebreus 6:4-6, p. 1. Disponível em: <www.icegob.com.br/

marcos/heb6>. Acesso em 22 de ago. de 2008.

30 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Page 30: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 31

parece se apresentar como um problema para os calvinistas, pois

fala da “queda” dos que outrora foram iluminados; no entanto, a

segunda sentença parece ser um problema para os arminianos, pois

eles se deparam com a questão da impossibilidade de o homem por

si mesmo se renovar para arrependimento.

Agrava-se ainda mais o problema de compreensão do texto se

forem consideradas as declarações ditas, pelo escritor de Hebreus,

acerca dos que caíram: foram iluminados; provaram o dom celes­

tial; tornaram-se participantes do Espírito Santo; provaram a boa

palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro; mas, porque

caíram, “é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento

Num primeiro momento, a reflexão a ser feita é com relação

ao pecado que resultou nessa “queda”. Deve se tratar de um peca­

do grave (se é que existe pecado que não seja grave), para resultar

numa conseqüência tão séria, mas pode-se afirmar que não se re­

fere a qualquer tipo de pecado contra Deus.

E fato que o termo “caíram”,43 utilizado pelo escritor de He­

breus, pode se referir a “ofensas comuns”, conforme os textos bíbli­

cos de Mateus 6:14, Marcos 11:25 e Gálatas 6:1. Mas também se

refere ao estado de morte espiritual e condenação eterna, segundo

os textos bíblicos de Romanos 4:25, 5:15-18,20, 11:11; 2Coríntios

5:19; Efésios 1:7, 2:1,5 e Colossenses 2:13. Infere-se daí que aque­

les homens não podiam ser novamente renovados para o arrependi­

mento porque não cometeram uma “ofensa comum” a Deus, mas

uma ofensa grave que resultava na condenação eterna. Essa grave

ofensa pode ser percebida na frase final do versículo 6: “[...] pois

para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujei-

tando-o à desonra pública”.

Nesse contexto, vale ressaltar as palavras de Lutero44 quanto à

apostasia daqueles homens: “Deve ser entendido que nesta passagem

43No grego, parapesóntas.44Lut/ier’s Works, p. 182.

Page 31: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

32 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

o apóstolo está falando acerca daqueles que ‘caíram da fé’, eram os

descrentes, os quais acreditavam que poderiam ser salvos sem Cristo,

por sua própria justiça”. Com a mesma perspectiva, Kistemaker45

pontua que aqueles homens “caíram” porque não eram cristãos re-

generados, haja vista que negaram Jesus como Senhor e Salvador e

deliberadamente se rebelaram contra Cristo.

Para Hagner,46 quando o autor emprega o título “Filho de Deus”,

ele acentua a gravidade da ofensa. Em seu comentário a respeito

desse texto, o autor afirma que a apostasia é um dos pecados mais

graves, “pecado para o qual não há remédio e do qual não há pos-

sibilidade de retomo. Nenhum outro meio de salvação está à dis­

posição do apóstata senão aquele que ele rejeitou”.47

Ainda que Hagner esteja correto em sua afirmação de que o

autor de Hebreus intenciona acentuar a gravidade da ofensa ao

empregar o título “Filho de Deus”, é relevante pontuar que não se

trata de qualquer apostasia, mas de negar a obra da redenção rea­

lizada por Cristo e voltar ao judaísmo e sua prática sacrificial.

Para melhor compreensão desse texto bíblico, de uma perspecti­

va mais abrangente, é preciso levar em conta o que está escrito em

Mateus 12:31: “Por esse motivo eu lhes digo: Todo pecado e blasfê­

mia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito

não será perdoada”. Pereira Filho,48 ao discutir a temática em seu

livro A blasfêmia contra o Espírito Santo, explicita que esse pecado é

imperdoável porque está fundamentado no total desprezo e anula­

ção da obra de salvação realizada por Cristo. Analisando os dois

textos em conjunto, pode-se conceber que aqui se aplica a blasfê­

mia contra o Espírito Santo,49 já que o problema principal quanto à

atitude daqueles homens é que eles procuravam anular e buscar

45Comentário do Novo Testamento, p. 313-315.46Novo comentário bíblico contemporâneo, p. 109.4'Idem.48p. 92-117.49Calvino, A epístola aos Hebreus, p. 151.

Page 32: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 33

um outro caminho que não fosse o sacrifício de Jesus para expiação

e justificação de seus pecados. “Em outras palavras, alinham-se

com os inimigos de Deus, que crucificaram Jesus e de modo figura-

do cometem o mesmo pecado de novo”.50 Todavia, deve-se deixar

claro que “tal coisa não acontece a qualquer um, exceto àquele

que peca contra o Espírito Santo [...]”,51 pois, segundo o próprio

Calvino,52 “certamente Deus jamais exclui ou priva alguém de sua

graça, exceto aquele que se torna totalmente réprobo. Para tal pes-

soa, nada é deixado”.

Dessa perspectiva é que serão estudadas as afirmações que vi-

rão a seguir. A primeira delas é “foram iluminados”.53 Alguns con-

sideram que essa expressão não se refere à iluminação trazida pela

verdadeira regeneração, mas apenas a um pequeno raio de luz do

evangelho ou, como dizia Calvino,54 apenas uma “degustação do

dom celestial”. Westcott55 e Kistemaker56 afirmam que Justino

Mártir, um dos primeiros pais da igreja, interpretou essa expressão

como uma referência ao batismo, pois, para ele, o pecado após o

batismo não receberia perdão.57 Kistemaker58 parece estar convic-

to de que essas palavras estão diretamente ligadas ao batismo: “Des-

de o século II até hoje, escritores têm associado o verbo iluminados

com o batismo”.

O mesmo Kistemaker59 afirma que essa interpretação se susten-

ta por causa da expressão “[...] uma vez”; e porque “no contexto

mais amplo da passagem, o termo batismo de fato aparece em 6:2”.

50D. A. Hagner, Novo comentário bíblico contemporâneo, p. 109.51Calvino, A epístola aos Hebreus, p. 151.52Idem.

’5No grego, phõtisthentas.54A epístola aos Hebreus, p. 152.55The Epistle to the Hebrews, p. 148.56Comentário do Novo Testamento, p. 225.57Barclay, The Letter to the Hebrews, p. 56.

5SComentário do Novo Testamento, p. 225.59ldem.

Page 33: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

34 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Além disso, segundo ele, muitas similaridades podem ser destaca­

das entre o batismo e a iluminação. “Por exemplo, a prática cristã

antiga de realizar os batismos na aurora utiliza o simbolismo da

noite anterior de pecado e do sol nascente que ilumina o candida­

to batismal, que entra numa vida nova”.60

Tendo em mente a perspectiva de Kistemaker, é necessário aten­

tar para o termo “iluminados”, usado no capítulo 10, versículo 32:

“Lembrem-se dos primeiros dias, depois que vocês foram ilumi­

nados, quando suportaram muita luta e muito sofrimento”. A pala­

vra “iluminados” é a mesma empregada no texto em estudo, e

Kistemaker61 a interpreta com referência aos que foram batizados

e, a partir de então, começaram a sofrer grandes lutas.

Entretanto, além dessas interpretações concernentes ao termo

“iluminados”, é possível entendê-lo como uma referência à salva­

ção. Em João 1:9, o evangelista aplica esse termo, segundo Bruce,62

da seguinte forma: “A iluminação que o evangelista tem em mente

é principalmente espiritual, que dissipa as trevas do pecado e da

descrença [...]”. Outro texto que comprova que o termo “ilu­

minados” se encontra diretamente ligado com a salvação é Efé-

sios 1:18: “os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim

de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as

riquezas da gloriosa herança dele nos santos”. Hendriksen,63 ao

comentar o texto anterior, afirma: “Com o fim de alcançar esta

iluminação, o Espírito opera nos homens o novo nascimento [...].

Os olhos são esclarecidos (iluminados) quando o coração é puri­

ficado”.

A partir dessas constatações, percebe-se que essa temática não

é tão simples quanto pode aparentar em primeira instância, e en-

cará-la como uma revelação inicial ou “uma degustação”, como fez

“Idem.6lIdem, p. 419.aIntrodução e comentário de João, p. 41- 63Comentário do Novo Testamento: Efésios, p. 125.

Page 34: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 35

Calvino,64 parece não estar de acordo com as afirmações do escri­

tor de Hebreus, o qual pretendia demonstrar o alto grau de ilumi­

nação recebido por aqueles homens concernentes à verdade cristã,

já que deles é dito: “[...] provaram o dom celestial”. A referência

aqui não é relativa a algo experimentado superficialmente, mas ao

que de fato foi vivenciado. Eles “tornaram-se participantes do Es­

pírito Santo”. Para Calvino,65 essa afirmação não deve ser entendi­

da de outra forma, a não ser que os apóstolos haviam imposto as

mãos sobre eles. Isso quer dizer que essas pessoas receberam o Espí­

rito Santo, o que resultou possivelmente na operação de sinais e

curas.

Aqueles homens participaram ativamente da igreja e confessa­

ram o senhorio de Jesus, pois essa era a condição básica para parti­

cipar da comunidade de fé e usufruir da companhia dos cristãos.66

E, por fim, “[...] experimentaram a bondade da palavra de Deus e

os poderes da era que há de vir”, isto é, tiveram os mesmos privilé­

gios dos cristãos: ouviram a palavra de Deus e participaram da ceia

do Senhor. Entretanto, jamais chegaram ao arrependimento e à

regeneração. Com isso em mente, esse texto não serve para funda­

mentar o pensamento arminiano de que o cristão regenerado pode

perder a salvação, haja vista que aqueles homens, ao voltarem para

o judaísmo e seus cerimoniais de sacrifícios, demonstraram que

jamais tiveram um encontro salvífico com Jesus.

Judas Iscariotes

Muitos não conseguem compreender como Judas, por ser um após­

tolo, caiu do estado de graça e se perdeu definitivamente. Con­

cluem que, se ele caiu, o cristão regenerado também pode cair e

de igual forma perder a salvação. Portanto, é relevante destacar

alguns textos das Escrituras quanto à pessoa de Judas, para procurar

MA epístola aos Hebreus, p. 150.65Idem, p. 148.

66Westcott, The Epistle to the Hebrews, p. 149.

Page 35: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

36 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

saber se é possível identificá-lo como o traidor e se ele era escolhi­

do para a salvação eterna.

Jesus declarou que um dos seus apóstolos haveria de traí-lo. E o

que pode ser lido em João 6:64: ‘“Contudo, há alguns de vocês que

não creem’. Pois Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam

e quem o iria trair”. Em João 13:18, é possível ler: “Não estou me

referindo a todos vocês; conheço os que escolhi. Mas isto acontece

para que se cumpra a Escritura [...]”. No capítulo 17, versículo 12,

encontram-se as seguintes palavras de Jesus: “Enquanto estava com

eles, eu os protegi e os guardei no nome que me deste. Nenhum

deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à perdição,

para que se cumprisse a Escritura”.

Nesses textos, alguém pode objetar que o nome de Judas não é

mencionado e, portanto, poderia ser qualquer outro apóstolo. To­

davia, na comparação desses textos com outros textos bíblicos, fica

evidente que o nome desse traidor era Judas. Marcos 14:43-44 afir­

ma: “Enquanto ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze [...].

O traidor havia combinado um sinal com eles: ‘Aquele a quem eu

saudar com um beijo, é ele: prendam-no e levem-no em segurança’

[...]”. Marcos 3:19 é ainda mais explítico: “e Judas Iscariotes, que

o traiu”. Em Mateus 26:47-49, o traidor é chamado de Judas.

Em João 13:2, pode-se ler: “Estava sendo servido o jantar, e o

Diabo já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair

Jesus”. Com a mesma perspectiva, Lucas, em Atos 1:16, declara:

“[...] Irmãos, era necessário que se cumprisse a Escritura que o

Espírito Santo predisse por boca de Davi, a respeito de Judas, que

serviu de guia aos que prenderam Jesus”.

Por conseguinte, é possível afirmar que o traidor é identificado

como Judas Iscariotes, de quem o evangelista Mateus, no capítulo

26, versículo 56, afirma: “[...] para que se cumprissem as Escrituras

[...]”. Está claro que Judas Iscariotes traiu Jesus. Entretanto, não

se pode concluir que Judas perdeu a salvação por causa da sua

traição. Judas estava inserido no propósito eterno de Deus como

aquele que seria um dos apóstolos, denominado como tal, porém

Page 36: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 37

sem jamais fazer parte dos escolhidos de Deus. É por essa razão que

Jesus se refere a ele como “filho da perdição” e diz que seu propósi­

to era “que se cumprisse a Escritura”, conforme João 17:12: “[...]

Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à

perdição, para que se cumprisse a Escritura”.

Isso significa que Judas pertencia ao colégio apostólico, mas não

fazia parte dos escolhidos para a salvação eterna. Ele se perdeu

para que as Escrituras se cumprissem. Portanto, desautorizar a dou­

trina de que o cristão regenerado não perde a salvação com base

em Judas é um equívoco bíblico, haja vista que em nenhum mo­

mento se declara em qualquer parte das Escrituras que ele tivesse

sido salvo e houvesse perdido a salvação. Pelo contrário, Judas é

identificado como “filho da perdição”, ou seja, ele não perdeu a

salvação, já que nunca a teve.

Outro texto citado pelos cristãos brasileiros que aderiram ao

arminianismo em detrimento do calvinismo é 2Pedro, que diz:

Teria sido melhor que não tivessem conhecido o caminho da jus­

tiça, do que, depois de o terem conhecido, voltarem as costas para

o santo mandamento que lhes foi transmitido. Confirma-se neles

que é verdadeiro o provérbio: “O cão volta ao seu vômito” e ain­

da: “A porca lavada volta a revolver-se na lama”.

2Pedro 2:21-22

Green,67 ao comentar esse texto, pontua, num primeiro momen­

to, que esses homens não estavam “dentro do âmbito do santo man­

damento que lhes fora dado”, pois Pedro logo indica que não eram

verdadeiros cristãos. A “porca” não foi transformada, mas apenas

lavada, como acontece quando alguém é selado exteriormente com

o batismo, e não com a regeneração interior operada por obra do

Espírito Santo.68 Assim, referindo-se ao texto, o autor declara: “Este,

67Segunda epístola de Pedro e Judas, p. 115.

“Hoekema, Criados à imagem de Deus, p. 260.

Page 37: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

38 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

porém, é pouco consolo para aqueles que dogmaticamente nega­

riam a possibilidade de um cristão apostatar”.69

Com perspectiva semelhante à de Green, Champlin,70 ao co­

mentar esses versículos, informa que, na Antiguidade, os hábitos

imundos do porco serviam para ilustrar os vícios morais e que Pe­

dro, ao utilizar essa figura, tem em mente demonstrar que aqueles

homens retornaram a seus pecados anteriores, com deleite e entu­

siasmo, embora, por algum tempo, tenham experimentado a crença

cristã. •

Com base nas interpretações anteriores, nota-se que Green dei­

xa mais dúvidas do que Champlin sobre aqueles homens serem ou

não cristãos regenerados. Entretanto, no estudo desse texto, à luz

dos adágios utilizados, observa-se que o apóstolo Pedro não tinha

em mente indicar que eles eram cristãos regenerados.

Além disso, o simples fato de o texto explicitar que aqueles

homens conheceram o caminho da justiça não implica que houve

regeneração real. Trata-se, na verdade, do crente ou pessoa que,

ao simpatizar com a vida cristã, separa-se das impurezas do mundo

por um curto espaço de tempo. Todavia, logo volta a amar as coisas

do mundo e, sendo vencido, torna-se pior do que o seu primeiro

estado, conforme afirma o capítulo 2, versículo 20. Assim, torna-se

como o cão que volta ao próprio vômito e a porca que, lavada,

volta para o lamaçal. Portanto, o texto não diz que o cristão rege­

nerado pode perder a salvação, mas adverte quanto à necessidade

de o cristão regenerado estar vigilante contra os falsos mestres que

se introduzem entre os cristãos com “heresias destruidoras, che­

gando a negar o Soberano que os resgatou [...]” (2Pe 2:1).

Gálatas 5:4

O texto bíblico de Gálatas 5:4 é outro escolhido pelo protestantis­

mo brasileiro na opção pela posição arminiana, em detrimento da

69Idem.70O Novo Testamento interpretado versícub por versículo, p. 204.

Page 38: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 39

calvinista, pois ele afirma: “Vocês, que procuram ser justificados

pela Lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça”. Não se pode

negar que Paulo escreve aos cristãos da Galácia. Todavia, é impru­

dente, à luz desse texto, crer que o cristão pode perder a salvação,

sobretudo fundamentado nas palavras “caíram da graça”.

No estudo do texto de Gálatas, percebe-se que a motivação

principal para escrever essa epístola foi a decisão do Concilio de

Jerusalém, descrita no capítulo 15 de Atos. O debate consistia em

saber se a salvação ocorria somente por meio da graça ou se, além

da graça, havia necessidade de seguir a lei de Moisés quanto à

circuncisão. É isso que se lê em Atos 15:1: “Alguns homens desce­

ram da Judeia para Antioquia e passaram a ensinar aos irmãos: ‘Se

vocês não forem circuncidados conforme o costume ensinado por

Moisés, não poderão ser salvos’”. O Concilio declarou: “Cremos

que somos salvos pela graça de nosso Senhor Jesus” (At 15:11).

Assim, negou aos considerados por eles como gentios a necessida­

de de praticarem a circuncisão. Contudo, estes deveriam se abster

das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de

animais sufocados e das relações sexuais ilícitas (At 15:29).

Com essa perspectiva e visando a um grupo judaizante que se

havia infiltrado naquela igreja, Paulo escreveu aos gálatas, com a

finalidade de ensinar que a salvação ocorre somente pela graça em

Cristo. É nesse contexto que se faz necessário atentar às palavras

de Pentecost:71

O apóstolo Paulo não se refere à perda da salvação, mas sim ao

abandono do princípio da graça pelo qual somos salvos e pelo qual

vivemos. Os judeus salvos que tentavam viver pela lei estavam

deixando o princípio da graça.

A interpretação de Pentecost atende ao texto e ao contexto

de toda a epístola aos Gálatas, pois “cair” não possui o sentido de

71A sã doutrina, p. 111.

Page 39: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

40 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

perda da salvação, mas significa que eles estavam recebendo in­

fluência de “outro evangelho”, o que resulta na admiração de Pau­

lo, conforme expressa em 1:6-8: “Admiro-me de que vocês estejam

abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça

de Cristo, para seguirem outro evangelho [...] querendo perverter

o evangelho de Cristo. Mas ainda que nós [...] pregue um evan­

gelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoa­

do!”. Hoekema72 comenta o seguinte a respeito desse texto: “Paulo

não está falando aqui sobre a possibilidade de que verdadeiros cren­

tes percam a salvação, mas sobre um erro doutrinário desastroso”.

Sendo assim, esse texto também não autoriza a crença de que é

possível a um crente regenerado perder a salvação.

Os protestantes brasileiros que adotam a postura arminiana tam­

bém fundamentam sua crença de que o cristão regenerado pode

perder a salvação em textos que demonstram a necessidade da

perseverança diante da apostasia.

ITimóteo 4:1-3

A primeira epístola a Timóteo, capítulo 4, versículos 1 a 3, afirma:

O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns aban­

donarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de de­

mônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e

mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casa­

mento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem rece­

bidos com ação de graças pelos que creem e conhecem a verdade.

Chama a atenção o trecho “alguns abandonarão a fé”. A ênfase

de Paulo é que esses apóstatas nunca foram redimidos, nunca nas­

ceram de novo, mas simplesmente tinham aparência de piedade, a

qual ao mesmo tempo negava o poder de Deus na vida deles e

demonstrava em suas atitudes que não eram cristãos regenerados.

nCriados à imagem de Deus, p. 255.

Page 40: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 41

Marcos 13:13 afirma: “Todos odiarão vocês por minha causa; mas

aquele que perseverar até o fim será salvo”, e em Hebreus 12:1-2 as

seguintes palavras podem ser lidas:

Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão

grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos

atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseve-

rança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus,

autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora pro-

posta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à

direita do trono de Deus.

Os textos citados não dizem que o cristão regenerado pode per­

der a salvação. O foco está na necessidade de os cristãos vigiarem.

Eles mostram o perigo da negligência a uma vida de oração, de fé e

da própria Palavra de Deus. Portanto, tampouco esses textos po­

dem fundamentar que o cristão regenerado perde a salvação. Eles

serão conservados por causa da boa mão do Senhor.

Por fim, é relevante citar outro texto, que, conforme Pink,73

é utilizado pelos arminianos na defesa de que o cristão regene­

rado pode perder a salvação. Trata-se de João 15:2,6. No ver­

sículo 2, podem ser lidas as palavras: “Todo ramo que, estando em

mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para

que dê mais fruto ainda”; e, no versículo 6, a afirmação é: “Se

alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é joga­

do fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e

queimados”.

Estudiosos como Bruce74 e Hendriksen75 associam o “ramo cor­

tado, seco, lançado no fogo e queimado” diretamente a Judas. Es­

ses autores fundamentam suas concepções em João 13:10-11, que

afirma a respeito de Judas: “Vocês estão limpos, mas nem todos.

73Exposition ofthe Gospel ofjohn, p. 805.1Alntrodução e comentário de João, p. 264-265.75Comentário do Novo Testamento: João, p. 688.

Page 41: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

42 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Pois ele sabia quem iria traí-lo, e por isso disse que nem todos esta-

vam limpos”.

Num contexto geral, pode-se supor que Judas está entre es­

tes ramos. Entretanto, no capítulo 13, versículos 28 e 29, há

referência de que ele já tinha saído dentre os apóstolos, de manei­

ra que não ouviu as últimas palavras de Jesus, narradas no ca­

pítulo 13, a partir do versículo 31, e nos capítulos 14—17. Ele

só aparece novamente em cena no capítulo 18, com aqueles que

haveriam de prender Jesus. Isso certamente não impediria Jesus

de falar se referindo a ele. Mas, ainda que Judas esteja entre esses

ramos, é improvável que Jesus tenha em mente diretamente a pes­

soa de Judas.

Champlin,76 em sua interpretação arminiana, declara serem

“ramos infrutíferos” os cristãos genuínos que, por causa de sua

falta de frutos, perdem a salvação. Pink77 é enfático ao afirmar

que esse texto não serve para fundamentar a crença arminiana

relativa à perda da salvação, pois, em sua concepção, Jesus tem

como foco os onze discípulos. Assim, o autor conclui que essa pas­

sagem diz respeito aos crentes genuínos, e não aos supostos “discí­

pulos” que experimentam somente uma conexão externa e superficial

com Jesus.

Entretanto, por falta de frutos, podem sofrer disciplinas divi­

nas. Wikenhauser,78 ao comentar esse versículo, afirma: “Este

texto ensina a severa disciplina que Deus impõe a quem quer ser

seu discípulo”. Com a mesma perspectiva, Erdman79 ressalta que

o verbo “cortar” possui o significado de “disciplinar”. Isso signifi­

ca que esse “corte” pode ser o juízo de Deus na vida do crente, que

pode implicar inclusive a morte física, mas jamais a perda da

salvação.

7óO Novo Testamento interpretado versícub por versícub, p. 537. nExposition ofthe Gospel ofjohn, p. 805-806.78El evangelio según San Juan, p. 425.790 evangelho de João, p. 117.

Page 42: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 43

A DOUTRINA DA SALVAÇÃO NO SÍNODO DE DORT

Embora o princípio arminiano propagado seja amplamente aceito

entre as comunidades evangélicas no Brasil, existe um grupo de

igrejas que se denominam reformadas, também conhecidas como

calvinistas, que respondem diferentemente das demais à pergunta:

“Pode um cristão regenerado perder a salvação?”.

Antes de conhecer a resposta das igrejas reformadas ou calvi-

nistas a essa indagação, é necessário refletir sobre a origem históri­

ca dessas igrejas. Os princípios reformados ou calvinistas são assim

denominados por se fundamentarem na compreensão dos textos

bíblicos com base nos pensamentos de João Calvino, por terem se

mantido fiéis aos cinco pontos do calvinismo prescritos pelo Sínodo

de Dort e por serem contrários ao Remonstrance ou aos cinco pon­

tos do arminianismo, já discutidos anteriormente.

João Calvino, sistematizador da Reforma, não foi o criador do ter­

mo “calvinismo”. Este foi cunhado por seus seguidores no Sínodo de

Dort.

Calvino nasceu em 1509, em Noyon, cidade renomada da re­

gião da Picardia, no norte da França, e morreu em Genebra em

1564.80 Sua mãe se chamava Jeanne de Franc, e seu pai, Gerard

Calvin. Este era um cidadão respeitado, a quem era possível reser­

var a renda de um beneficio eclesiástico para a educação do filho,

a partir dos seis anos de idade.81 Dois aspectos contribuíram decisi­

vamente para o preparo de Calvino:82 ter estudado na Universida­

de de Paris, onde se encontrou com Guilherme Cop,83 e ter conhecido

as ideias protestantes por meio de seu primo Pierre Olivetan.84

80T. Beza, A vida e a morte de João Calvino, p. 8.81Idem, p. 9.82F. Cambi, História da pedagogia, p. 252.

83Médico de Francisco I, foi um dos convertidos aos ideais reformados. Seu filho foi

reitor da Universidade de Paris. cf. Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino,

p. 115.

84Primo de Calvino, converteu-se à fé reformada, influenciando posteriormente a deci­

são de Calvino.

Page 43: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

44 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Ao encerrar os estudos humanísticos, seu pai o enviou à Univer-

sidade de Orléans, para que ele pudesse seguir carreira jurídica.

Depois de se transferir para a Universidade de Bourges, em 1529,

deixou um comentário sobre o De Clementia, de Sêneca, em 1532,

que marcou o ápice da influência humanística sobre a sua vida.85

Entre a conclusão do comentário e o fim do ano seguinte, 1533,

Calvino se converteu e adotou as ideias da Reforma. Forçado a

abandonar a França em 1534 por colaborar com Nicholas Cop,86

reitor da Universidade de Paris, na elaboração de um documento

recheado de humanismo e de reforma, seguiu para Basiléia no iní-

cio de 1537.87

Quando Guilherme Farei (1489-1565) estabeleceu os princípios

reformados em Genebra, percebeu que necessitaria de alguém admi­

nistrativamente capacitado. Em 1536, Farei se encontrou com Cal­

vino e solicitou sua ajuda. Calvino se recusou. Farei, por sua vez, o

advertiu, dizendo que Deus o amaldiçoaria se não ficasse.88 Impe­

lido pelo medo, Calvino resolveu ficar. Assim, ele e Farei trabalha­

ram juntos até serem exilados em 1538.89

Calvino foi ministro de ensino de Genebra em 1536,90 ano em

que terminou sua obra As Institutas da religião cristã, quando tinha

26 anos de idade. A princípio, desejava escrever apenas “certos

rudimentos” para o rei da França, Francisco I, com a finalidade de

defender os protestantes da França, que sofriam por sua fé e solicita­

vam ao rei que compreendesse as ideias da Reforma.91 A esse res­

peito, Cairns afirma: “Foi a perseguição aos protestantes franceses

85Calvino, Breve instrucción, p. 6.

86Fez um discurso que citava os escritos de Lutero, demonstrando ser a favor de uma

reforma conforme os princípios reformados. Todavia, não se tratava de uma proposta de

um cisma na igreja, mas da reforma de alguns princípios errôneos que ela vinha apresen­

tando. cf. BiÉler, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 121-122.87Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 122.S8Beza, A vida e a morte de João Calvino, p. 18.89Idem.90Calvino, Breve instrucción, p. 6.

91Idem, p. 13.

Page 44: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CORRENTES HISTÓRICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 45

que levou Calvino a publicar a primeira edição das suas Institutas,

em 1536; sua intenção era defender os cristãos franceses como pes-

soas leais e sugerir o fim da perseguição”.92

Nessa primeira edição, seu conteúdo estava delimitado aos ensi-

nos dos Dez Mandamentos, do Credo apostólico, da fé, da oração com

modelo no Pai-nosso, dos dois sacramentos, dos perigos da doutrina

romana acerca da ceia do Senhor e, finalmente, da liberdade cristã

do cidadão.93 Essa obra passou por várias edições, até a final, de 1559.94

Em 1537, os amigos Guilherme Farei e Calvino conseguiram a apro-

vação de um decreto que estabelecia que a ceia do Senhor fosse ceie-

brada em ocasiões preestabelecidas. Além disso, um catecismo para

crianças seria preparado, o canto congregacional seria adotado, e os

membros professos, sob disciplina severa, seriam excomungados.95 Em

1540, Calvino pastoreou refugiados franceses em Estrasburgo, onde

dirigiu a Reforma e ensinou teologia. Nessa época, casou-se com

Idelette de Bure, viúva de um pastor anabatista, convertido à fé refor-

mada. Seu único filho, Jacques, nascido em 20 de julho de 1547, não

viveu mais que alguns dias, e, em 1549, Idelette também faleceu.

Ainda na cidade de Estrasburgo, fez amizade com Melanchton,96 e,

talvez por isso, o intento de Calvino, a partir de 1541, foi o de criar

escolas ao lado dos templos calvinistas, conforme declara Biéler:97

Segue-se a ordem das escolas que diz respeito ao ministério dos

mestres. Prevê as ordenanças, já em 1541, a criação de uma escola

destinada à formação dos pastores e magistrados; esta, entretanto,

não aparecerá senão em 1559.

Calvino faleceu em maio de 1564, mas suas ideias influencia­

ram profundamente o protestantismo daqueles dias, e seus ensinos

92Cairns, História do cristianismo através dos séculos, p. 257.

93Cambi, História da pedagogia, p. 252.

94Beza, A vida e a morte de João Calvino, p. 6895Cairns, História do cristianismo através dos séculos, p. 254.

96Calvino, Breve instrucción, p. 7.

97Calvino, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 154-

Page 45: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

46 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

chegaram até as igrejas da atualidade. Sua maior influência veio

dos seus escritos, pois escreveu comentários sobre 23 livros do An­

tigo Testamento e sobre todos os do Novo Testamento, com exce­

ção do Apocalipse.98 Além disso, produziu grande número de

panfletos devocionais, doutrinários e polêmicos. Porém, acima de

tudo, suas Institutas passaram por várias edições e chegaram até os

dias atuais, trazendo como conteúdo um profundo sistema doutri­

nário fundamentado nas Escrituras.

A teologia de Calvino passou a ser aceita como estrutura teoló­

gica dos reformadores, e desde a formulação dos cinco pontos do

calvinismo, no Sínodo de Dort, eles passaram a ser denominados

de reformados calvinistas, os quais, segundo Berkhof," parecem

ser os únicos a responderem à questão: “Pode um cristão regenera­

do perder a salvação?”, com a afirmação de que o eleito jamais

pode cair do estado de graça e perder a salvação.

Este capítulo discorreu sobre as diferentes correntes históricas acerca.

da doutrina da salvação, destacando as posições contrárias entre o

arminianismo e o calvinismo com relação à salvação e o regenera­

do. Depois dessas considerações, permanecem as seguintes pergun­

tas: O que as Escrituras Sagradas dizem com relação à salvação do

cristão regenerado? O que os documentos da história da Igreja

cristã testemunham a respeito desta doutrina? O capítulo seguinte

se encarrega da busca por respostas a essas questões.

Revisão e aproveitamento do capítulo 1

1. Qual é a concepção de Pelágio quanto ao pecado original?

2. Qual é a concepção de Agostinho quanto ao pecado original?

3. Como o semipelagianismo concebe a doutrina da salvação?

4• Por que foi necessário convocar o Sínodo de Dort?

5. Por que o arminianismo se propagou mais facilmente entre as

igrejas evangélicas brasileiras do que o calvinismo?

98Reid, João Calvino, p. 229.

99Teologia sistemática, p. 549.

Page 46: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

C a p í t u l o 2

Fundamentos bíblicos da crença de que

o cristão regenerado não perde a salvação

No capítulo ANTERIOR, foram analisadas as diferentes correntes

doutrinárias que respondem à pergunta: “Pode um cristão regene­

rado perder a salvação?”. Neste capítulo, o objetivo será identificar

o que as Escrituras Sagradas dizem a respeito dessa questão.

Textos bíblicos que confirmam que oCRISTÃO REGENERADO NÃO PERDE A SALVAÇÃO

Jeremias 32:40

Farei com eles uma aliança permanente: Jamais deixarei de fazer o

bem a eles, e farei com que me temam de coração, para que jamais

se desviem de mim.

Spurgeon1 pregou sobre esse texto no Metropolitan Tabernacle,

Londres, e o interpretou nos seguintes termos:

1. Spurgeon afirma que a aliança eterna descrita no versículo

40 é qualificada de “eterna”. Segundo ele, no capítulo 31,

essa aliança é chamada de “nova aliança” em contraste com

a aliança anterior estabelecida por Deus com Israel, quando

o trouxe para fora do Egito.2 A aliança estava baseada nas

obras. Com a quebra da aliança, Israel foi considerado infiel.

'Perseverança na santidade.2Jeremias e Lamentações, p. 115.

Page 47: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

48 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Assim, Deus estabelece uma nova aliança eterna porque está

firmada na pessoa e obra de Cristo. Jesus é o próprio fiador

desse concerto. Portanto, a aliança é eterna, feita com o cris-

tão regenerado na pessoa de Cristo, que é o representante

legal de todo o seu povo. Isso leva à certeza de que essa

aliança não pode falhar, pois é perfeita e recebida inteira­

mente pela graça de Deus, desde a primeira letra até sua

palavra final.

2. Spurgeon afirma que a aliança está baseada no Deus imutá­

vel, ou seja, Deus é o mesmo “ontem e hoje”, ele não muda

no cumprimento de suas promessas. Para o autor, o mesmo

motivo que levou Deus a começar o leva a continuar. Esse

motivo não é outro senão sua graça e misericórdia. A graça é

um favor imerecido, dispensado ao crente regenerado. Por

essa razão, pode-se afirmar que Deus, ao fazer aliança eter­

na com o seu povo, garantiu que seus eleitos jamais poderiam

perder a salvação.

3. Spurgeon declara que seu povo há de perseverar na aliança

até o fim porque ela foi provida de uma promessa absoluta

oriunda do Deus onipotente, que não pode negar a sua pró­

pria natureza: “jamais se desviarão de mim”. Para Spurgeon,

a obra da regeneração não é temporária, que reforma o ho­

mem apenas por algum tempo; mas uma obra eterna, por meio

da qual o homem nasce para o céu. No novo nascimento, é

implantada uma vida que não poderá morrer, porque é uma

semente viva e incorruptível, que vive e permanece para sem­

pre. A graça continuará operando no homem até levá-lo à

glória eterna, onde estará para sempre com Jesus.

João 5:24

Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que

me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou

da morte para a vida.

Page 48: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 49

Jesus declara enfaticamente nesse texto que aqueles que ou­

vem e guardam suas palavras e creem naquele que o enviou têm a

vida eterna. Perceba que Jesus, ao utilizar o verbo “ter”, o coloca

no presente do indicativo ativo.3 Isso significa afirmar que o cristão

regnerado em Cristo tem a vida eterna4 não como realidade futura,

mas como realidade presente. No momento em que alguém crê, a

vida eterna passa a ser, pela graça de Deus, sua herança. É por isso

que Cristo enfatiza: “tem a vida eterna, não entra em juízo, mas

passou da morte para a vida”. Esse cristão, segundo as palavras de

Jesus, já está salvo e livre da condenação da morte.

Por conseguinte, entende-se, mediante as palavras de Jesus,

que o cristão regenerado tem a vida eterna e perseverará até o fim

no estado de graça, porque o próprio Cristo o susterá, fazendo-o

permanecer firme e fiel ao Senhor. Infere-se desse texto que esse

cristão jamais poderá perder a salvação eterna.

João 6:37-39

Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu

jamais rejeitarei. Pois desci dos céus, não para fazer a minha vonta­

de, mas para fazer a vontade daquele que me enviou. E esta é a

vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos

que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.

Observa-se nesses versículos que o Pai dá pessoas que lhe per­

tencem a Cristo, e estas “jamais serão rejeitadas”, porque não é da

vontade de Deus que nenhuma delas se perca. O termo “perca” diz

respeito à vida eterna. Esta ênfase pode ser entendida no fato de

que Cristo acolhe todos os que o Pai lhe dá; e este acolher implica

proteção até o fim. Daí a expressão “último dia”, que significa os

eleitos são guardados e protegidos do momento de sua conversão

3No grego, exei.4No grego, zõen aiônion.

Page 49: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

50 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

até o fim. Por causa disso, pode-se declarar que o cristão regenera­

do tem a vida eterna e jamais a perderá.

João 6:47,54

Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna. Todo aquele

que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e

eu o ressuscitarei no último dia.

Inserido no mesmo contexto do versículo anterior, convém ape­

nas notar que o tempo do verbo novamente é o presente do indicativo

ativo, ou seja, o cristão tem a vida eterna a partir do presente. Por

essa razão, Bruce, ao comentar o texto em análise, afirma: “Apro-

priar-se de Cristo pela fé garante aos que são dele a vida na era

vindoura, quando Ele os ressuscitará no último dia; e, além disso,

faz com que a vida na era vindoura seja uma herança que já pode

ser desfrutada aqui e agora”.5

João 10:28-29

Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as

poderá arrancar da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é

maior do que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu Pai.

Jesus, após definir suas ovelhas (Jo 10:26-27), declara enfatica­

mente que elas podem ter certeza de que perseverarão até o fim e

jamais perderão a salvação ou a vida eterna. Perceba no texto que

a vida eterna é doada gratuitamente por Cristo.6 Não há méritos

humanos diante dele para recebê-la, mas os homens encontram

graça na misericórdia de Cristo. Sendo assim, se Cristo é o doador

e ele é imutável, o cristão regenerado pode ter a certeza de que

perseverará até o fim.

5Introdução e comentário de João, p. 144.óO verbo empregado por Jesus é didomi (somente eu lhes dou), que tem sua raiz em do,

que por sua vez é a raiz de doron (Ef 2:8-9), cuja tradução é “dom ou presente gratuito”.

Page 50: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 51

Além disso, o cristão regenerado pode ter a certeza da vida eterna

com Cristo, porque ele confirma sua própria afirmação ao dizer que

o cristão pode perecer fisicamente, mas não eternamente.

Por fim, Cristo declara: “ninguém as poderá arrancar da minha

mão”. O pronome indefinido “ninguém” enfatiza que “nada” pode

arrebatar as ovelhas de Jesus da sua mão. Paulo afirma em Roma­

nos 8:31-39 que “nada” pode separar o cristão do amor de Deus.

Em João, Jesus afirma que este jamais lhe pode ser tirado. “Nin­

guém” é mais poderoso do que Jesus a ponto de conseguir arrancar

qualquer de suas ovelhas da sua mão.

Vale ressaltar que a expressão “da minha mão”7 indica que a

ovelha de Jesus está protegida com ele. Além disso, mão é um

simbolismo de poder. Assim, os ouvintes de Jesus entenderiam,

por meio da palavra “mão”, que Cristo enfatizava seu imenso

poder.

Com base nessa declaração, portanto, as ovelhas de Jesus po­

dem ter certeza de que sua perseverança está garantida até o fim,

porque Cristo é a própria garantia de que a vida eterna com Deus

está confirmada e consumada. Esse versículo é claro em demons­

trar que o cristão regenerado jamais perece e que nada pode sepa­

rá-lo do poder e glória de Jesus. Por fim, para não deixar qualquer

dúvida quanto à real promessa de Cristo, ele ainda profere as pala­

vras do versículo 29, como se estivesse ratificando que a segurança

de suas ovelhas é definitiva, pois, além dele, o Pai é a certeza da

vida eterna, haja vista que ele e o Pai são “um” (Jo 10:30).

Por conseguinte, diante das declarações de Jesus, só resta ao

cristão ter plena certeza de que ele jamais perderá a salvação, ja­

mais cairá do estado de graça, jamais deixará de perseverar. De

outra forma, Cristo teria mentido, o que é impossível a sua própria

essência divina.

7No grego, aparece a preposição ék (de dentro da mão). A figura utilizada por Jesus é de

uma mão com os dedos fechados para proteger o que está em seu interior.

Page 51: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

52 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

ljoão 5:11-13,20

E este é o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está

em seu Filho. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o

Filho de Deus, não tem a vida. Escrevi-lhes estas coisas, a vocês

que creem no nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que

têm a vida eterna. Sabemos também que o Filho de Deus veio e

nos deu entendimento, para que conheçamos aquele que é o Ver­

dadeiro. E nós estamos naquele que é o Verdadeiro, em seu Filho

Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.

É clara a ênfase desses versículos. No versículo 11, percebe-se

que o verbo “ter” não aparece como no evangelho de João, isto é,

no presente do indicativo ativo, mas é utilizado em sua forma pre­

térita.8 Significa que Deus, o Pai, deu ao cristão regenerado, em

definitivo, a vida eterna que está em seu Filho. Além disso, o verbo

utilizado dessa forma indica uma ação completa no passado, isto é,

a vida eterna, que, uma vez doada, não pode ser retirada.

Nos versículos 12 e 20, João utiliza novamente o verbo “ter” no

presente do indicativo ativo, de uma maneira enfática, a fim de

explicitar que o cristão tem o Filho, e, se ele é a vida eterna, aque­

les que nele creem têm a mesma garantia. Com relação ao versícu­

lo 13, João procura convencer de forma definitiva que o fiel é

possuidor da vida eterna. Para isso, emprega o verbo “ter”9 no impe­

rativo, expressando a ideia de ordem e súplica: têm a vida eterna.

Está explicitado que a vida eterna é uma herança e possessão

presente e que jamais pode ser perdida. Para quem discorda disso,

João afirma em sua primeira epístola:

Quem crê no Filho de Deus tem em si mesmo esse testemunho.

Quem não crê em Deus o faz mentiroso, porque não crê no teste­

munho que Deus dá acerca de seu Filho. E este é o testemunho:

Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho.

IJoão 5:10-11

sO verbo “ter” aparece no pretérito edôken, cuja tradução é “deu”.90 verbo exete está no imperativo.

Page 52: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 53

Romanos 5:8-10

Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso

favor quando ainda éramos pecadores. Como agora fomos justifi­

cados por seu sangue, muito mais ainda, por meio dele, seremos

salvos da ira de Deus! Se quando éramos inimigos de Deus fomos

reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais

agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida!

Paulo, nos versículos anteriores, declara que Cristo amou e mor­

reu pelos que lhe pertencem, quando estes ainda estavam sob o

domínio do pecado e do mundo. Essa declaração implica o princí­

pio de que o homem, na condição de pecador, não podia apresen­

tar “boas obras” diante de Deus ou méritos que lhe pudessem permitir

reivindicar direitos à salvação. O texto paulino é claro em afirmar

que Deus reconciliou o homem por um ato de amor e misericórdia,

o que resulta na crença de que nada pode separá-lo do amor de

Deus (Rm 8:31-39). Deus já conhecia as condições de miséria e

pecado em que o homem estava. Por isso, nem a ingratidão nem a

infidelidade do homem regenerado o motivarão a mudar e retirar

sua graça salvífica, pois, segundo Boettner,10 “Deus conhecia toda

essa ingratidão, antes de conferir Sua graça”.

A luz das palavras anteriores, surge a seguinte reflexão: se não

fosse o propósito de Deus desde o princípio perdoar plenamente os

pecados do cristão regenerado, segundo as palavras de Colossenses

2:14: “e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenan­

ças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz”,

para que teria chamado os que lhe pertencem a sua graça? Além

disso, pode-se indagar: que vida eterna é essa que Deus dá e de­

pois retira? Para que salvar e depois deixar que o homem se perca?

E contrário à natureza de Deus dar a bênção da salvação e depois

retirá-la, porque, conforme visto, Deus é imutável, de forma que

10La predestinación, p. 158.

Page 53: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

54 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

nada no coração ou conduta do crente pode alterar seus propósitos

divinos.

Nesse sentido, o cristão regenerado pelo Espírito é mais privile­

giado que Adão. Deus fez com Adão um acordo ou pacto, que

dependia única e exclusivamente de o homem continuar no estado

em que se encontrava. Adão não havia experimentado o pecado e

não possuía inclinação para o mal. No Éden, usufruiu do livre-

arbítrio ou da capacidade de não pecar. Porém, mesmo sem essa

inclinação, pecou. Assim, a questão que permanece é: e quanto ao

cristão que já foi concebido em pecado?

No estudo da pessoa e obra de Cristo, é notória a convicção de

que Jesus é o representante legal dos salvos diante de Deus, o Pai.

Isso significa que o cristão regenerado é mais privilegiado do que

Adão, pois, no caso de Adão, a salvação dependia dele e, mesmo

sem inclinação para o pecado, ele caiu. Caso o cristão, que já é

concebido em pecado, não fosse assegurado pela suficiência da obra

de Cristo, é fácil imaginar que tragédia isso seria. Adão teve a

oportunidade de demonstrar boas obras, mas nem mesmo ele con­

seguiu, daí a necessidade do segundo Adão, Cristo, que satisfez

todas as exigências legais para garantir aos seus a salvação e as

demais bênçãos eternas.

Por conseguinte, percebe-se que o cristão regenerado não per­

de a salvação, pois esta não depende de sua obras e atitudes, mas

da suficiência da obra de Cristo. Infere-se daí que, quando al­

guém é salvo por Cristo, permanece nesse estado por toda a eterni­

dade: “uma vez salvo, sempre salvo”.

ICoríntios 1:8

Ele os manterá firmes até o fim, de modo que vocês serão irre­

preensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo.

O verbo “manterá”,11 nesse versículo, cuja tradução correspon­

de a “confirmar”, “fortalecer”, “garantir”, é o mesmo encontrado

uNogrego, bebaiosei (“confirmará”).

Page 54: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 55

em ICoríntios 1:6 e é empregado muitas vezes com o significado de

garantir legalmente. Paulo ressalta que a vida transformada dos

coríntios demonstrava a validade da mensagem que lhes fora pre­

gada. Os efeitos da pregação eram a garantia de que lhes ensinara

a verdade. No versísulo 8, o apóstolo dos gentios ensina que Cristo

os enriqueceu, deu-lhes graça e todas as boas dádivas e cuidará

para que até a hora final não lhes falte nada.

Paulo lembra que o próprio Cristo conservaria aqueles irmãos

irrepreensíveis até o dia do Senhor. Portanto, deveriam ter firme a

certeza de que permaneceriam nos caminhos da santidade até o

dia do Senhor, não por suas próprias forças, mas porque Cristo asse­

gurava essa certeza. Ora, se o cristão regenerado, à semelhança

dos coríntios, permaneceria irrepreensível, sustentado pelo poder

de Jesus, isso significa que ele será salvo da perdição eterna.

Efésios 1:13,14

Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evange­

lho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito

Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a reden­

ção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória.

Paulo afirma que o cristão, depois de ouvir a palavra da verdade

e o evangelho da salvação e crer em Jesus, é “selado” “com o Espí­

rito Santo da promessa”. A palavra “selo”, na época do Novo Testa­

mento, era utilizada para garantir a genuinidade de cartas e objetos,

para indicar que pertenciam a alguém e protegê-los de violações.

Paulo, ao utilizar essa figura, tem a intenção de demonstrar que a

presença do Espírito Santo no cristão é o selo de que ele pertence

a Deus e será protegido contra dano ou violações.

O Espírito Santo é a garantia de que o crente não se perderá,

pois ele é o “penhor”,12 ou seja, um pagamento parcial, que dava a

certeza ou garantia de que o pagamento total seria feito. Sendo

12Nogrego: arrabon (“penhor”).

Page 55: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

56 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

assim, o Espírito Santo é o selo da promessa de Deus de que o

cristão regenerado receberá sua herança completa. Ele é a garan-

tia de que o cristão jamais poderá se perder, pois, caso isso aconte-

cesse, perderia a herança garantida em Cristo por toda a eternidade.

Filipenses 1:6

Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês,

vai completá-la até o dia de Cristo Jesus.

O apóstolo declara que Deus começou a “boa obra”, ou seja,

providenciou pregações e trabalhos pastorais no meio deles, e, por

isso, ocorreram inúmeras conversões. Essa boa obra, regeneração e

conversão, não será frustrada, e os cristãos não perderão a salva­

ção. Pelo contrário, serão preservados até o fim. Portanto, esse tex­

to também afirma que o cristão tem a salvação e a vida eterna

garantidas, uma vez que Deus é quem inicia a obra da salvação e

ele mesmo a completará.

lPedro 1:3-5

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme

a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança

viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos,

para uma herança que jamais poderá perecer, macular-se ou perder

o seu valor. Herança guardada nos céus para vocês que, mediante a

fé, são protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes

a ser revelada no último tempo.

Pedro profere, nesse texto, palavras de conforto acerca da eter­

na certeza da salvação. Afirma que o cristão possui herança incor­

ruptível, que está guardada no céu para ele. Alguns podem diante

disso objetar: “Já que a herança está no céu, nunca a alcançare­

mos para desfrutá-la”. Porém, para descartar tal ideia, Pedro diz

que o cristão é protegido para alcançar a salvação. A palavra “pro­

tegido” é a mesma empregada para indicar a proteção ou cuidado

Page 56: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 57

de uma cidade a cargo de soldados (2Co 11:32). Porém, o apóstolo

declara que o cristão não está guardado por soldados, mas por Deus,

que o protege com seu poder. Essa proteção ou preservação não é

algo temporal, mas alcança o céu.

Esse texto, como os demais, declara que o cristão regenerado

jamais perderá a salvação.

Judas 24

Àquele que é poderoso para impedidos de cair e para apresen-

tá-los diante da sua glória sem mácula e com grande alegria.

Essa doxologia faz lembrar, antes de tudo, o “poder de Deus”.

Esse Deus onipotente é quem impede os que lhe pertencem de

cair. Com a palavra “impedir”, Judas enfatiza que é mister vigiar e

permanecer perto do Senhor (Jd 21), mas somente Deus pode guar­

dar e fazer que os seus filhos andem seguros, sem quedas. Isso sig­

nifica que Deus protege os seus de cair nos males morais e também

não permitirá que eles caiam do estado de graça ou que percam a

salvação.

Diante do exposto, está claro que as Escrituras atestam que

o cristão regenerado não perde a salvação. Ele tem o seu início,

meio e fim na graça e misericórdia de Deus. Assim, à luz dos textos

bíblicos analisados, pode-se afirmar: “uma vez salvos, sempre

salvos”.

Confissões que atestam que o cristão

REGENERADO NÃO PODE PERDER A SALVAÇÃO

Com base nos textos bíblicos citados anteriormente, é necessário

revisitar algumas confissões cristãs que serviram de fundamento

para o protestantismo posterior à Reforma do século XVI, as quais

explicitaram a crença de que o cristão regenerado não perde a

salvação e denominaram esse ensino como a doutrina da perseve­

rança dos santos. Admite-se, à semelhança de doutrinas como pro-

vidência de Deus, Trindade e outras, que a expressão perseverança

Page 57: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

dos santos não é encontrada nas Escrituras. Porém, sua temática e

conteúdo estão explícitos no texto bíblico.

Os estudiosos da perseverança dos santos discutem entre si sobre

qual é o melhor termo para expressar claramente seu conteúdo

doutrinário. Do debate, resultam nomes diferentes para a doutri­

na, tais como segurança dos salvos e reservação dos santos. Para os

defensores desses últimos nomes, a ideia de segurança ou proteção

é o que mais caracteriza o princípio de que o cristão regenerado

não perde a salvação, uma vez que está seguro e protegido na mão

de Cristo. Segundo eles, essa mudança de nome se justifica porque

expressa a segurança da vida eterna fundamentada na perseveran­

ça de Deus no homem, isto é, Deus é quem faz o homem perseverar

e, por esse motivo, este está seguramente salvo.

Entretanto, a expressão perseverança dos santos é mantida neste

livro, porque se trata de um termo mais aceito e conhecido. Além

disso, o nome da doutrina não altera ou influencia seu conteúdo

doutrinário, que preconiza ser a perseverança um dom e graça de

Deus, como defendeu Agostinho.13

Os Cânones de Dort

No capítulo 5, artigo 62, os Cânones de Dort14 definem a perseveran­

ça dos santos da seguinte forma:

Pois Deus, que é rico em misericórdia, de acordo com o imutável

propósito da eleição, não retira completamente o seu Espírito dos

seus, mesmo em sua deplorável queda. Nem tampouco permite

que venham a cair tanto que recaiam da graça da adoção e do

estado de justificados. Nem permite que cometam o pecado que

leva à morte, isto é, o pecado contra o Espírito Santo e assim sejam

totalmente abandonados por ele, lançando-se na perdição eterna.

u Agostinho denominou sua obra O dom da perseverança. Para maiores esclarecimentos,

consultar Agostinho “O dom da perseverança” em A graça, vol. 2.14Disponível em: <www.ipb.org.br/downloads>. Acesso em 12 de set. de 2008.

58 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Page 58: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 59

Os Cânones explicitam que o cristão regenerado não pode per­

der a salvação, pois ela está fundamentada na misericórdia e no

acordo imutável do Pai, do Filho e do Espírito Santo de salvar os

que lhe pertencem.

Um estudo mais apreciativo dos Cânones de Dort resultará no

conhecimento de doutrinas cristãs diretamente relacionadas com

a teologia da salvação que corroboram com o cristão regenerado,

no sentido de conscientizá-lo de que ele não pode perder a salva­

ção. Essas doutrinas estão firmadas em cinco pontos fundamentais,

os quais serão aqui delineados, com base no princípio da indisso-

ciabilidade, isto é, “Ninguém pode rejeitar um deles sem rejeitar

todos”.15

Plenamente pecadores

O Catecismo de Heidelberg declara que somos totalmente incapazes

de fazer o bem e inclinados a todo mal.16 A Confissão de Fé de

Westminster, no capítulo IX.3, prescreve:

O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente

todo o poder da vontade quanto a qualquer bem espiritual que

acompanha a salvação, de sorte que um homem natural, inteira­

mente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo

seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.

Pelas declarações anteriores compreende-se que o homem não

pode salvar a si mesmo, pois está espiritualmente morto, conforme

a afirmação do apóstolo Paulo em Efésios 2:1,5: “Mortos em suas

transgressões e pecados”. Paulo enfatiza que o homem sem Cristo

continuará em seu estado de morto, a não ser que seja persuadido

pelo Espírito Santo a ir a Jesus. Seu desejo está contra a vontade de

Deus de forma permanente e voluntária e, devido a essa situação,

15Packer, O antigo evangelho, p. 9.

16Pergunta 8.

Page 59: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

60 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

não pode desejar a salvação, tampouco tem condições reais de se

converter dos maus caminhos. Assim, só Deus pode salvá-lo.

Os homens, da maneira que Deus os encontra, são culpados,

vis, impotentes, incapazes de levantar um dedo a fim de cumprir a

vontade de Deus ou de melhorar sua posição espiritual.17 Eles não

se podem salvar, pois, mortos, não desejam coisa alguma. Com esse

pressuposto em mente, é necessário atentar para alguns sofismas18

ensinados e ditos por muitos, mas que pouco condizem com a rea­

lidade do homem. Para exemplificar, pode-se rememorar alguns

deles: “Ao homem cabe a própria salvação” ou “Muitas pessoas

estão famintas e sedentas pelo evangelho”. Essas afirmações são

sofismas, porque um ser morto não deseja ter comunhão com Deus.

Com base nessa perspectiva, percebe-se que o homem, na que­

da no jardim do Éden, foi corrompido em sua “totalidade”. Sua

personalidade foi afetada como um todo pela queda, e o pecado

atingiu todas as suas faculdades: vontade, entendimento, afeições

etc. Se é assim, o que se pode afirmar acerca do livre-arbítrio? Ele

existe ou não?

O livre-arbítrio é a liberdade de escolha que Adão possuía, quan­

do estava no estado de inocência, sem nenhuma inclinação para o

mal. Quando tentado, teve a mais ampla liberdade e poder. Toda­

via, pecou. Mais tarde, um de seus descendentes exclamou: “Pois o

que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer,

esse eu continuo fazendo” (Rm 7:19).

Essa liberdade que habilitou o primeiro homem à resistência à

tentação deu-lhe, ao mesmo tempo, o ensejo de ceder a ela. O

Senhor permitiu que o homem pecasse no sentido de deixar

Satanás tentá-lo e não intervir contra o efeito da tentação; o

homem teve plena liberdade de ação; pleno poder de vencer;

17Packer, O antigo evangelho, p. 10.

18Uso o termo “sofisma” com o significado de premissa verdadeira com conclusão

falsa.

Page 60: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 6 1

plena capacidade de desobedecer a Deus e plena responsabilidade

por essa desobediência.19

A partir desse momento, o coração do homem se tornou plena­

mente corrupto pelo pecado20 e, portanto, não pode produzir senão

os frutos de sua escolha, os do pecado. Calvino diz:

Não pensemos, todavia, que o homem peca impelido por uma

necessidade. Pois peca com o consentimento de sua própria von-

tade e segundo sua inclinação. Por causa da corrupção de seu cora-

ção, odeia profundamente a justiça de Deus e, por outro lado, atrai

toda sorte de maldade, e por isso se diz que não tem o livre-arbí-

trio, que é a capacidade de escolher entre o bem e o mal.21

Por essa razão, pode-se entender que o homem perdeu o li-

vre-arbítrio, ou seja, a capacidade para desejar o bem, as coisas de

Deus; a capacidade para escolher, ele mesmo, a vida espiritual.

Agora, ele vive em degradação e depravação, não escolhendo, por­

que não tem mais o que escolher, apenas vive no estado de morte

eterna espiritual.22

Spurgeon, ao comentar o termo “mortos”, corrobora com a afir­

mação anteriormente citadas no sermão Livre- arbítrio: um escra-

vo. Ele apresenta três ideias reltivas ao substantivo “morte”:

1. Todos os homens, por natureza, estão legalmente mortos. Se

é assim, eles não podem herdar, nem legar bens; são apenas

cadáveres. Deus de maneira alguma os considera vivos. Se

há uma eleição, por exemplo, seu voto não é solicitado, por­

que são considerados legalmente mortos.

2. A sentença da morte não foi lavrada em um livro, mas

no coração. Ela entrou na consciência, operou na alma, no

19A. Almeida,Curso de doutrina bíblica, p. 35.

20Calvino, lnstitución de la religión cristiana, p. 196.

21Calvino, Breve instrución, p. 13.

22Calvino, lnstitución de la religión cristiana, p. 219-222.

23E 2-7.

Page 61: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

62 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

julgamento, na imaginação, em tudo. Em seguida, o prínci­

pe dos pregadores afirma que a alma não está menos morta

num homem carnal do que o corpo quando depositado no

túmulo. Assim, o homem está morto espiritualmente diante

de Deus, e essa situação só poderá ser modificada se Cristo

vivificá-lo.

3. A ideia de morte traz consigo a sentença legal ou a sentença

de execução. Ela ocorre depois da morte física, após a alma

ter deixado o corpo.

O termo “morte” apresentado por Spurgeon revela o juízo de

Deus contra a desobediência de Adão (Gn 3), que se estendeu a

toda a humanidade. Isso porque o primeiro homem não somente foi

progenitor da raça humana, mas também a sua raiz, de maneira

que todos os seus descendentes nascem com natureza corrupta. É

por isso que o homem, desde a concepção, nasce em pecado, con­

forme declara Berkhof,24 citando Calvino: “A Escritura ensina tam­

bém que todos os homens se acham sob condenação e, portanto,

necessitam da redenção que há em Cristo Jesus [...]. Adão era o

representante federal da raça, sua desobediência afetou os seus

descendentes todos”.

O homem, portanto, não é “meio” pecador, como propõem Pelá-

gio e seus seguidores da atualidade. Ele é total e plenamente peca­

dor. Nesse contexto, vale ressaltar as seguintes palavras de Berkhof:

A depravação total indica que a corrupção inerente abrange todas

as partes da natureza do homem, todas as faculdades e poderes da

alma e do corpo; e que, absolutamente, não há no pecador bem

algum em relação à pessoa de Deus; antes, só perversão.25

Em Romanos 5:12 e Efésios 2:1,5, o apóstolo Paulo declara que o

homem está morto. Em 2Timóteo 2:25-26, afirma que os homens

24Teologia sistemática, p. 242,244.

25Idem, 244.

Page 62: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 63

estão aprisionados pelo diabo. Em ICoríntios 2:14, mostra que o

homem não é capaz de entender as coisas de Deus. Marcos 4:11-12,

deixa nítido que o homem é cego e surdo para com a Palavra de

Deus. Por fim, o salmo 51:5, em comparação com Gênesis 6:5, indi­

ca que os seres humanos são pecadores por natureza. Eles já nas­

cem em pecado, e praticá-lo é a realidade de sua existência. É com

essa perspectiva que Seaton suscita as seguintes indagações:

Esse então é o estado natural do homem. Portanto, devemos per­

guntar: podem os mortos se levantar? Podem os presos se libertar?

Podem os cegos dar-se visão, ou os surdos, audição? Podem os es­

cravos se remir? Os ignorantes ensinar-se a si mesmos? Os peca­

minosos por natureza mudar a si mesmos?26

As palavras de Seaton deixam explícito que o homem está num

estado tão profundo de pecado que não pode responder a nenhu­

ma dessa indagações de forma afirmativa. Entretanto, apesar das

palavras citadas aqui serem de difícil aceitação para muitos cris­

tãos, elas servem ao propósito positivo do ensino relativo à queda

de Adão, isto é, a partir dele todos os homens caíram, “todos peca­

ram” (Rm 3:23). Entretanto, eles precisam saber que, apesar do

pecado, Deus tomou todas as providências para a salvação dos que

lhe pertencem. Portanto, o cristão regenerado não pode perder a

salvação, já que Deus, ao vê-lo na situação de plena corrupção em

pecado, tomou a iniciativa de salvá-lo. Ora, se Deus veio ao ho­

mem, nada poderá separá-lo desse Deus e a salvação está garanti­

da, conforme se pode ler em Romanos 5:10: “Se quando éramos

inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele mediante a morte

de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos

salvos por sua vida!”.

E a graça e a misericórdia de Deus que vivificam o homem, fa­

zem dele herdeiro e coerdeiro em Cristo. E, por meio do Espírito

16Os cinco pontos do calvinisno, p. 8.

Page 63: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

64 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Santo, ele pode se alegrar em saber que, uma vez salvo, sempre

salvo, porque, apesar do seu estado de pecado, Deus, o Pai, Deus o

Filho e Deus, o Espírito Santo o amaram e lhe concederam o

poder de ser chamado “filho de Deus” (Rm 8:17), e mais: “o pró­

prio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus”

(Rm 8:16).

Por conseguinte, o ensino de que o homem está plenamente em

pecado, ao invés de resultar num princípio negativo ao cristão re­

generado, resulta num aspecto positivo: a convicção de que a sal­

vação não é fruto de obras, mas da graça e misericórdia de Deus.

Tal graça e misericórdia jamais o desampararão. Por isso, é possível

afirmar: o cristão regenerado, à luz do ensino de que o homem é

plenamente pecador, não pode perder a salvação, pois esta teve seu

início e terá sua consumação em Deus.

Infere-se daí que o amor de Deus é incondicional, ou seja,

“nada” que o homem faça poderá vitimá-lo a perder a salvação,

conforme será visto a seguir.

Amor incondicional de Deus aos que lhe pertencem

Vários textos bíblicos atestam que Deus ama incondicionalmente

os que lhe pertencem, como Deuteronômio 7:7, Mateus 24:24, João

15:16, Romanos 8:28-30, 9:11,12, Efésios 1:4-5, 2Tessalonicenses

2:13, dentre outros.

Foi dito anteriormente que, com a queda de Adão, toda a raça

humana se tornou culpada pela lei divina. Segundo essa lei, Deus

poderia deixá-los sofrer a pena de sua desobediência. O sofrimento

era o que o homem merecia. Contudo, segundo seu eterno e imu­

tável propósito, santo conselho e beneplácito da sua vontade, an­

tes que o mundo fosse criado, Deus marcou os que lhe pertencem

com a finalidade de manifestar neles sua gloriosa graça.

Estes foram resgatados do estado de culpa e pecado antes da

fundação do mundo, mas só tomam consciência de que pertencem

a Deus a partir do arrependimento e conversão operados pelo Espí­

rito Santo, uma vez que ele “não falará de si mesmo; falará apenas

Page 64: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 65

o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. Ele me glorificará

[...]” (Jo 16:13,14). Por conseguinte, a missão do Espírito Santo é

glorificar Cristo, anunciar as verdades de Deus e convencer “o

mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). Os que perten­

cem a Jesus serão convertidos, atraídos pelo Espírito Santo a um

estado de bem-aventurança e santidade.

Os que não pertencem a Jesus são “preteridos” em seu estado

de pecado, isto é, serão “deixados de lado”, serão “omitidos no

testamento de uma herança”.27 Com o termo “preterição”, perce­

be-se que esses homens e mulheres não possuem nenhuma heran­

ça no reino de Deus, uma vez que que somente os filhos são

possuidores dessa bênção. Alguns se opõem a esse ensino porque

apelam para o princípio de que Deus seria injusto se demonstrasse

amor a uns e “deixasse” outros fora do seu reino.

Deve-se atentar para o princípio de que Deus é tanto amor

quanto justiça. Ele não é menos amor do que justiça. Ele possui

todos os seus atributos em perfeitas proporções, o que resulta no

ensino de que seu amor o leva a ser justo, e vice-versa. De acordo

com sua justiça, ele deveria dar ao ser humano o que este merece,

ou seja, a morte espiritual, e não a salvação.28 Fato é que pela jus­

tiça de Deus todos merecem a perdição eterna. De maneira que,

se deixasse o ser humano continuar no pecado sem enviar Cristo

para morrer em seu lugar e satisfazer sua justiça e amor, Deus de

modo algum seria injusto, pois era isso que o homem merecia. A

esse respeito, Boettner declara o seguinte:

Ninguém tem direito à graça divina. Todavia, em vez de deixar

todos sofrerem o justo castigo, Deus, gratuitamente, confere ime­

recida felicidade a uma porção da humanidade. Um ato de pura

misericórdia e graça a que nada nem ninguém podem objetar. Se o

decreto de Deus tratasse com homens inocentes, então, sim, seria

27Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2.295.

“Calvino, Institución de la religión cristiana, p. 221.

Page 65: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

66 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

injusto assegurar a uma porção a condenação; porém, visto que

trata com homens em uma condição particular, ou seja, homens

que estão em um estado de culpa e pecado, não é justo ou injustiça.29

Boettner ainda suscita a pergunta “Qual o propósito da eleição

e da preterição?” e responde a ela. Sua resposta é que o propósito

da preterição ou reprovação é a exibição eterna aos olhos dos ho­

mens e anjos, do ódio que Deus sente diante do pecado e para

servir como manifestação eterna de sua justiça:

O decreto da reprovação exibe um dos atributos divinos que ja­

mais se poderá apreciar de maneira adequada: a justiça de Deus. A

salvação de alguns mediante um redentor revela os atributos de

amor, misericórdia e santidade.30

Fica claro que não há injustiça da parte de Deus. Os preteridos

continuam no estado em que sempre desejaram estar, isto é, longe

de Deus e próximo ao pecado, em plena rebelião contra tudo o que

é de Deus. Além disso, não pode ser esquecido que, se não fosse a

graça e a misericórdia de Deus, a humanidade em sua totalidade

deveria ser omitida de sua herança, porque “todos pecaram”.

Por conseguinte, não se deve concentrar no aspecto negativo

desse ensino e cair no que Paulo escreve em Romanos 9:14,20-21:

E então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhu­

ma! Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso

aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me

fizeste assim?’” O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro

um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?

E salutar saber que Deus tem usado de graça e misericórdia

para com os que lhe pertencem, e isso implica a salvação do cristão

regenerado.

29La predestinación, p. 98-99.30Idem, p. 105.

Page 66: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÁO REGENERADO NÃO... 67

Há os que creem que Deus dispensa o seu amor a alguns e

pretere outros com base em sua presciência, isto é, ele sabe de

antemão os que seriam dignos de sua graça e creriam em seu Filho.

Assim, estes dizem: “Devo minha eleição à minha fé”.31 Isso signifi­

ca que a causa da eleição foi a fé. Porém, as Escrituras ensinam

que essa escolha não se fundamenta nos méritos ou na fé que os

homens haveriam de ter. Pelo contrário, a Bíblia deixa claro que o

cristão regenerado foi redimido pela graça de Deus, mediante a

morte de Cristo, e recebeu a fé por meio do chamado do Espírito

Santo; de maneira que o cristão regenerado deve dizer: “Devo mi­

nha fé à minha eleição”.32

A Confissão de fé de Westminster declara: “Ele os escolheu de sua

mera livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras

e perseverança nela, ou qualquer outra causa na criatura que a

isso o movesse, como condição ou causa”.33 Isso implica dizer que

o homem é salvo não porque teria fé ou obras, mas porque Deus o

escolheu e, em dado momento de sua existência, por meio do Espí­

rito Santo, fez que este cresse em Cristo.

Deve-se pontuar ainda que Deus não o escolheu porque ele já

era irrepreensível perante o Senhor. Pelo contrário, “Porque Deus

nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e

irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou [...]”

(Ef 1:4-5). Nota-se que Deus escolheu o homem com a finalidade

de torná-lo santo e irrepreensível diante dele e não porque previu

sua santidade ou sua irrepreensibilidade. Aliás, é porque Deus o

escolheu que este tem a finalidade de ser santo.34

Portanto, ninguém é salvo por causa de méritos pessoais ou san­

tidade humana, mas por causa do amor de Deus que é incondicio­

nal, já que não havia nada no homem que o agradasse e, mesmo

31Packer, O antigo evangelho, p. 11.

32Idem.33Capítulo III. 5.34Calvino, Institución de la religión cristiana, p. 222.

Page 67: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

68 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

assim, resolveu agraciá-lo com a bênção da vida eterna. Paulo afir­

ma que até mesmo a fé é “dom” (presente) de Deus, portanto não

provém de “obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9).

Aqueles que foram agraciados com o amor de Deus devem estar

conscientes de que devem ser eternamente gratos, que podem con­

fiar de maneira mais íntima no Deus eterno que supre suas neces­

sidades nesta vida e na vindoura, que sempre receberão as bênçãos

espirituais e, por isso, são incentivados a amarem o Pai celestial e a

viver uma vida pura e de profundo ódio pelo pecado.

Logo, diante do exposto, percebe-se que o ensino de que Deus

dispensa seu amor incondicional somente aos que lhe pertencem é

uma realidade que está diretamente relacionada a sua soberania,

e não aos méritos humanos. É Deus quem marca os seus!

O Deus trino trabalha em conjunto, em sabedoria, poder e amor

soberano, a fim de realizar a salvação do seu povo. O Pai marca os

que devem ser salvos, o Filho cumpre a vontade do Pai de remi-los

por meio de sua obra salvífica, e o Espírito Santo executa o propó­

sito do Pai e do Filho, que é convencer o homem do seu pecado,

provocar nele o arrependimento, dar-lhe vida para poder desejar as

coisas de Deus, chamar-lhe de forma eficaz e aplicar em sua vida a

salvação. Tudo isso acontece inteiramente pela graça, de maneira

incondicional e independente dos méritos humanos.

Se o cristão regenerado é alvo do amor incondicional de Deus e

foi marcado para ser salvo antes da fundação do mundo, indepen­

dentemente dos seus méritos ou obras práticas, isso significa que

ele jamais pode perder a salvação.

O ensino seguinte das Escrituras atesta que Jesus perdoou ple­

namente os pecados dos que lhe pertencem. Foi dito antes que

alguns foram “marcados” para a salvação. Entretanto, essa “mar­

ca”, em si mesma, não seria suficiente para salvar ninguém. Resta­

va a necessidade do perdão total e perfeito e da satisfação da justiça

de Deus. Por essa razão, o Deus trino providenciou a remissão dos

nossos pecados em Cristo, por meio da morte na cruz, conforme

será exposto a seguir.

Page 68: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 69

O perdão oferecido por Jesus aos que lhe pertencem

Esse é um assunto que tem gerado variadas controvérsias e debates

entre os cristãos. Todavia, o perdão oferecido ao cristão regenera-

do gratuitamente por meio da morte de Cristo é uma temática cen­

tral do cristianismo e está diretamente relacionada com a salvação

eterna.

Conforme visto, o homem estava morto, sem qualquer condição

para se aproximar de Deus, mas o amor incondicional de Cristo o

agraciou com vida. Para que esse amor fosse dispensado aos que

lhe pertencem, foi necessário que Deus enviasse seu Filho para

imputar justiça ao homem.35 Deus, por sua justiça, condenaria o

homem. Porém, quando Cristo morreu na cruz, ele o justificou diante

do Pai.

Existem, portanto, dois princípios relevantes na discussão rela­

tiva ao perdão oferecido por Jesus aos que lhe pertencem. De um

lado, há o ensino da expiação, cujo significado corresponde a im­

putar o pecado do homem a Cristo, que removeu essa culpa defini­

tivamente.36 Isaías 53 assinala que Cristo tomou sobre si a iniqüidade

e as enfermidades do seu povo. No versículo 4, lê-se o seguinte:

“Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si

levou as nossas doenças”; no versículo 5, Isaías afirma: “Mas ele foi

transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado

por causa de nossas iniquidades [...]; no versículo 6, o texto escla­

rece: “[...] e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos

nós.”; o versículo 8 declara: “[...] por causa da transgressão do

meu povo ele foi golpeado”, e no versículo 12 podem ser lidas as

palavras: “ [...] levou o pecado de muitos, e pelos transgressores

intercedeu”.

O perdão oferecido por Cristo à luz de Isaías 53 assinala que ele

assumiu por livre e espontânea vontade o castigo que os homens

35Calvino, Institución de Ia religión cristiana, p. 240-241.

36Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Tiago e epístolas de João, p. 335.

Page 69: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

70 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

mereciam. Assim, a paz de que desfruta o cristão regenerado foi

conquistada por meio do intenso sofrimento de Jesus.37 Em ljoão

2:2 e em Romanos 3:25, ele é identificado como a “propiciação

pelos pecados” do seu povo. Propiciar significa “apaziguar”, “fazer

as pazes” ou ainda “pagar um resgate”. Esse termo, aplicado à obra

de Cristo, fundamenta-se no princípio de que “Deus tomou a

iniciativa [...] de dar seu Filho para cobrir os pecados e remo­

ver a culpa [...]. Jesus se tornou o sacrifício aceitável para res­

taurar e redimir o homem da maldição que havia pronunciado

contra ele”.38

O segundo princípio fundamental para entender o perdão ofe­

recido por Deus é a justificação. A partir do momento que Cristo,

por meio do seu sangue, paga o preço do resgate, cumpre as exi­

gências da justiça e da lei de Deus e estabelece as pazes do homem

com Deus. Por isso, ele passa a ser considerado justo (Rm 3:25,26).

Isso significa que a justiça e lei de Deus foram plenamente satisfei­

tas no sacrifício de Cristo. Assim, o homem passou a ter paz com Deus

(Rm 5:1), e não pode haver nenhuma condenação ou acusação

contra o cristão regenerado (Rm 8:33,34). Nisso percebe-se o amor

incondicional de Deus por seu povo: ele não poupou seu Filho;

imputou-lhe os pecados dos homens e concedeu gratuitamente aos

seres humanos o direito de serem considerados livres de toda e qual­

quer condenação (Rm 3:24).

Se o princípio fundamental da obra de Cristo foi perdoar plena­

mente o pecado do seu povo, infere-se daí que ele não morreu

simplesmente para tornar possível a Deus perdoar pecadores, mas

para salvar todos por quem morreu. Esta é a razão de sua morte.39

37Ridderbos, Isaías: Introdução e comentário, p. 430.38Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Tiago e epístolas de João, p. 336.39Se houver necessidade de aprofundar a discussão em torno da questão “Por quem

Cristo morreu?”, indico uma das obras mais relevantes sobre o assunto: The Death of

Death in the Death of Christ, de John Owen. No Brasil, esse livro foi publicado numa

versão condensada, com o título Por quem Cristo morreu?.Owen expõe dezesseis argu­

mentos que mostram que Cristo não morreu pela salvação de todos os homens.

Page 70: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO.. 71

Está aí mais um motivo para afirmar que o cristão regenerado não

pode perder a salvação.

O chamado de Deus é eficaz para salvar o cristão

regenerado

Esse princípio doutrinai é parte integrante do que foi dito anterior­

mente, pois, se os homens são incapazes de salvar a si mesmos por-

que são plenamente pecadores e possuem uma natureza degenerada,

se Deus tomou a iniciativa de salvá-los e para isso enviou seu pró­

prio Filho para perdoá-los e justificá-los diante da justiça, é lógico

que Deus também provê os meios para chamá-los a usufruir de

toda a obra da salvação. O apóstolo Paulo, em Romanos 8:30, afir­

ma: “E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou,

•também justificou; aos que justificou, também glorificou”.

Em todas as partes do texto de Romanos, Paulo deixa claro que

quem chama o homem e o convence quanto à necessidade do ar­

rependimento e de que a salvação está somente na pessoa de Cris­

to é o próprio Deus, por isso ele utiliza a sentença: “[...] e aos que

chamou [...]”. Na concepção de Boettner,40 “Deus persuade eficaz­

mente alguns a vir a Ele”.

O Breve catecismo de Westminster define:

A chamada eficaz como obra do Espírito de Deus, mediante a qual

convence-nos dos nossos pecados e miséria, iluminando nossas

mentes com o conhecimento de Cristo, e renovando nossas von­

tades, nos convence e capacita abraçar a Jesus Cristo, que nos é

oferecido gratuitamente no evangelho.41

Observa-se que o chamado de Deus é eficaz e ocorre por meio

da pessoa e obra do Espírito Santo no coração do homem. Vale

ressaltar aqui que, com o chamado eficaz, as três pessoas da Trindade

*°La predestinación, p. 139.

41Pergunta 1.

Page 71: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

72 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

são identificadas como autoras da salvação. O Pai planeja e marca

os salvos; o Filho expia, justifica e perdoa os pecados por meio de

sua obra redentora; e o Espírito Santo chama irresistivelmente e

regenera. Portanto, “sem o Espírito Santo não haveria fé, nem novo

nascimento — em resumo, não haveria cristãos”.42 Percebe-se que

uma das tarefas do Espírito Santo na obra da salvação é convencer

o homem do seu pecado e inspirar nele o desejo irresistível de se

tornar filho de Deus.

No estudo da vocação ou chamado de Deus, é comum a distin­

ção entre chamado externo e chamado interno.43 O chamado ex­

terno constitui uma declaração do plano da salvação, do dever

que o pecador tem de se arrepender e crer, dos motivos que devem

influir no espírito do pecador, como o temor, a esperança, o remorso

ou a gratidão.44 Ele é dirigido a todos os homens e se cumpre na

ordem de Cristo: “Portanto, vão e façam discípulos de todas , as

nações [...] ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes orde­

nei” (Mt 28:19,20). Esse chamado pode obter diferentes resulta­

dos, daí as palavras de Cristo: “muitos são chamados, mas poucos

são escolhidos” (Mt 22:14).

O chamado externo, entretanto, não é suficiente para salvar o

pecador, daí a necessidade da atuação do Espírito Santo em cha-

má-lo eficaz ou internamente, uma vez que o homem se encontra

plenamente morto e cego em suas transgressões (ICo 2:14, 2Co 4:4,

Ef 2:1).

Alguns cristãos acreditam que o homem tem perfeita liberdade

da vontade e pode, a qualquer momento, abandonar a fé e a graça.

Outros acreditam que a graça de Deus é necessária para habilitar

o homem a se voltar para Deus e viver; contudo, afirmam que é

necessário que o homem primeiro deseje estar livre do pecado e

42J. I. Packer, O conhecimento de Deus, p. 60.

4JHodge, Esboços de teologia, p. 621.

44Idem, p. 620.

Page 72: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 73

que escolha Deus. Desse modo, o homem coopera com a graça de

Deus.

Todavia, no estudo do chamado externo e interno, deve ser

observado que o chamado exterior precisa vir acompanhado do

chamado interno do Espírito Santo para que a salvação seja forjada

no coração do homem, como aconteceu com Lídia, segundo o re­

gistro de Atos 16.

O apóstolo Paulo ensinava o evangelho para um grupo de mu­

lheres às margens de um rio em Filipos e, enquanto o fazia, “uma

das que ouviam era uma mulher temente a Deus chamada Lídia.

[...] O Senhor abriu seu coração para atender à mensagem de Pau­

lo” (At 16:14). Na pregação de Paulo, os dois chamados podem ser

observados: o externo, quando o grupo de mulheres ouvia Paulo, e

o interno, quando Deus abriu o coração de Lídia. A partir daí, ela

não pôde resistir e se entregou a Cristo.

O chamado do homem é irresistível, não pode ser frustrado, pois

provém unicamente da livre e especial graça de Deus, e não de

qualquer coisa prevista no homem (2Tm 1:9). “Assim, neste cha­

mado o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e reno­

vado pelo Espírito Santo, que o habilita a corresponder e a receber

a graça nela oferecida e comunicada.”45 Infere-se daí que o ho­

mem necessita ser regenerado, isto é, “nascer de novo”, para res­

ponder a qualquer estímulo divino, ter nova vida espiritual. Antes

disso, não poderá responder às atividades espirituais necessárias

para a salvação.46

E por essa razão que o chamado interno do Espírito Santo é

necessário pois, a partir dele, o homem é tirado do estado de peca­

do e morte em que está por natureza. O Espírito Santo ilumina o

entendimento humano, espiritual e salvificamente, a fim de que

possa compreender as coisas de Deus. Tira-lhe o coração de pedra

45Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 106.

^Hodge, Esboços de teologia, p. 624.

Page 73: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

74 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

e lhe dá um coração de carne, renovando suas vontades e determi­

nando-as para o que é bom. Isso resulta no desejo de se dispor

como filho de Deus.47

Por essas razões, o chamado interno também é denominado de

graça irresistível, pois, após a obra da regeneração no coração do

homem, este passa a desejar irresistivelmente as coisas de Deus. E

nesse contexto que podem ser compreendidos textos bíblicos como

Romanos 8:30, ICoríntios 1:9, lPedro 2:9 e 5:10.

O chamado interno ou graça irresistível ensina que o Espírito

Santo nunca falha em trazer à salvação aqueles pecadores que ele

pessoalmente chama a Cristo. Ele aplica inevitavelmente a salvação

a esses pecadores que tencionou salvar, e é sua intenção salvar os

que pertencem ao Pai e ao Filho (Jo 6:39).

Vale ressaltar que o Espírito Santo se utiliza da Palavra de Deus

para operar a obra da salvação nos que lhe pertencem. Por essa

razão, existe a necessidade da pregação do evangelho, pois este é o

meio utilizado pelo Espírito Santo para realizar o chamado interno.

Por conseguinte, o ensino do chamado interno ou da graça

irresistível corrobora para que se tenha plena convicção de que o

cristão regenerado não pode perder a salvação, uma vez que o

mesmo Espírito que lhe chama eficaz e irresistivelmente é o penhor

e selo da salvação que inicia no presente e perdura por toda a

eternidade (Ef 1:13-14).

As declarações de fé de Westminster

Com a mesma perspectiva dos Cânones de Dort, a Confissão de fé de

Westminster;48 no capítulo XVII, Inciso ls, afirma:

Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou efi­

cazmente e santificou pelo seu Espírito não podem cair do esta­

do de graça, nem total nem finalmente; mas com toda a certeza

47Spencer, Os cinco pontos do calvinismo, p. 105.

135.

Page 74: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 75

hão de perseverar nesse estado até ao fim, e estarão eternamente

salvos.

A Confissão de fé de Westminster assinala que aqueles a quem

Deus aceitou, chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito fo­

ram regenerados e não podem perder a salvação. O Catecismo maior

de Westminster,49 à semelhança dos Cânones de Dort e da Confissão

de fé, em resposta à pergunta 79: “Não poderão os crentes verda­

deiros cair do estado de graça, em razão das suas imperfeições e

das muitas tentações e pecados que os surpreendem?”, responde:

Os crentes verdadeiros, em razão do amor imutável de Deus (Jr 31:3;

Jo 13:1) e do seu decreto e pacto de lhes dar a perseverança

(ICo 1:8; Hb 13:20-21; Is 54:10), da união inseparável entre eles

e Cristo (ICo 12:27; Rm 8:35-39), da contínua intercessão de

Cristo por eles (Hb 7:25; Lc 22:32), do Espírito e da semente de

Deus que habitam neles (ljo 2:27), nunca poderão total e final­

mente cair do estado de graça, mas são conservados pelo poder de

Deus, mediante a fé para a salvação (Jr 32:40; Jo 10:28).

Está claro nas declarações de fé dos Cânones de Dort, da Confis­

são de fé e do Catecismo maior de Westminster, que o cristão regene­

rado, uma vez salvo, estará sempre salvo. O teólogo BerkhoP afirma

que os eleitos, além de serem redimidos por Cristo e regenerados

pelo Espírito Santo, são mantidos na fé pelo infinito poder de Deus,

de maneira que todos os que são unidos espiritualmente a Cristo por

meio da regeneração estão eternamente seguros nele. Nada pode

separá-los do eterno e imutável amor de Deus, pois foram chama­

dos para a glória eterna de Deus e estão assegurados para o céu.

O teólogo Boettner,51 ao discorrer acerca do amor infinito de Deus,

declara que o cristão regenerado não pode perder a salvação:

49Disponívelem: <www.ebenezer.org.br/download/onezio/catecismomaior>. Acesso

em 12 de set. de 2008.50Teologia sistemática, p. 653.51La predestinación., p. 157.

Page 75: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

76 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

O amor infinito, misterioso e eterno de Deus para com os crentes

é a garantia de que jamais se perderão. Pois este amor divino não

está sujeito a mudanças, mas é tão imutável como Ele mesmo.

Ademais, é gratuito, e Ele tem sido fiel às Suas promessas de vida

eterna.

No tocante à fidelidade de Deus às suas promessas, é importan­

te relembrar que Deus cumpre o que promete. Deus havia prome­

tido Canaã à descendência de Abraão (Gn 13:14-18) e no devido

tempo cumpriu sua promessa (Js 13-21). Deus prometera o Salva­

dor (Gn 3:15) e, na plenitude dos tempos (G1 4:4), enviou seu

Filho Jesus com a finalidade de expiar ou perdoar, com sua morte

na cruz, os pecados dos seus eleitos e lhes oferecer a justificação

advinda de Deus.

Deus cumpre suas promessas, pois é fiel a si mesmo, não depen­

de de atrativos ou méritos de nenhum ser humano, daí a afirmação

de Malaquias 3:6: “De fato, eu, o Senhor, não mudo. Por isso vocês,

descendentes de Jacó, não foram destruídos”. Com base nisso é

que se pode entoar:

Tu és fiel, Senhor! Tu és fiel, Senhor!

Dia após dia, com bênçãos sem fim,

Tua mercê nos sustenta e nos guarda,

Tu és fiel, Senhor, fiel a mim.52

Em suma, fundamentado não nos seus próprios méritos, mas por

causa dos méritos de Cristo, do amor incondicional do Pai e da habi­

tação do Espírito Santo (Ef 1:3-18), fica evidente que o cristão rege­

nerado não pode perder a salvação. Pelo contrário, ele continuará no

estado de graça até o fim, porque, uma vez salvo, sempre salvo.

Isso posto, cabe agora demonstrar os benefícios práticos na vida

cristã da convicção de que o cristão regenerado não perde a salva­

ção. Disso tratará o capítulo seguinte.

52Novo cântico, Hino 32, São Paulo: Cultura Cristã, 1999.

Page 76: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA CRENÇA DE QUE O CRISTÃO REGENERADO NÃO... 77

Revisão e aproveitamento do capítulo 2

1. Como os textos de João 10:28-30 e Efésios 1:3-14 respondem

à questão: “Pode um cristão regenerado perder a salvação?”.

2. Como é denominada a doutrina que ensina que o cristão

regenerado não pode perder a salvação?

3. Comente os cinco ensinos doutrinários que atestam que o

cristão regenerado não pode perder a salvação.

4. Qual é o significado do conceito de chamado interno?

Page 77: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

C a p í t u l o 3

Considerações finais e práticas

da doutrina da salvação

Após ter mostrado textos das Escrituras Sagradas e algumas con­

fissões de fé protestantes que atestam que o cristão regenerado não

pode perder a salvação, a parte final deste livro reflete acerca das

implicações práticas desse ensino na vida do cristão. A aplicação é

muito importante porque muitas vezes o cristão deixa de estabele­

cer a relação entre a doutrina ou o ensino bíblico e a prática cristã

no seu viver diário, porque considera o conhecimento teórico e

doutrinário mais importante que o prático.

O termo “teoria”, do grego theorein, cujo significado primário é

“ver” e “contemplar”, passou a significar, a partir de Platão, “a pro­

cura pelo conhecimento das causas últimas, do divino”.1 Hoch ex­

plica ainda que o termo “teoria” está vinculado a uma faculdade

do espírito (sinônimo de alma), e não da matéria (corpo). Isso sig­

nifica que os gregos destacavam como importantes as atividades

relativas ao espírito e pouco se importavam com as questões relati­

vas à matéria, o que resultou numa concepção dualista do homem.

O termo “prática”, cuja origem procede do grego prasso, pode

ser definido como “prática imanente”, “ação”. Na concepção gre­

ga, “prática” está estreitamente relacionada à matéria e, portanto,

era considerada como inferior à “teoria”, uma vez que a matéria

era vista como inferior ao espírito.2

'Hoch, Reflexões em tomo do método da teologia prática, p. 71.2Idem.

Page 78: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

80 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

Tais pressupostos influenciaram o pensamento ocidental. Se-

gundo Hoch,3 “até hoje, o trabalho da cabeça é considerado supe­

rior, e por isso melhor remunerado do que o trabalho das mãos”.

Talvez essa mentalidade justifique o motivo pelo qual os estudos

teológicos dão pouca ênfase à prática e porque há certas hierar­

quias entre determinadas áreas, demonstradas através do peso dado

a cada uma quando se observa uma carga horária. Esse pode ser

um fator resultante do que se vê no cristianismo atual, isto é, um

distanciamento entre o que se prega e o que se vive.

Jesus admitiu que isso poderia ocorrer com os cristãos e adver­

tiu seus discípulos de que estes deveriam ser praticantes da pala­

vra, e não meros ouvintes (Mt 7:24-27). Assim, na busca de um

cristianismo que contenha relevantes fundamentos teóricos e prá­

ticos, têm ocorrido crescentes discussões numa área dos estudos

teológicos, que é a compreensão do conceito de teologia pastoral.4

Longuini Neto,5 ao seguir os pressupostos de Floristan,6 para quem

a teologia prática possui cinco pontos fundamentais, os quais mar­

caram a igreja primitiva — missão (kerigma), ensino (didache), ado­

ração (litourgeo), comunhão (koinonia) e serviço (diakonia) —

prefere utilizar o termo “práxis teológica” ou “teologia prática”, em

vez de “teologia pastoral”, por entender que não são termos sinôni­

mos. Ele afirma que o nome dessa área teológica deveria ser “teo­

logia prática” como “ciência-mãe” e “teologia pastoral” como uma

subárea dela.

A discussão atual relativa ao termo “teologia prática” se aproxi­

ma mais da práxis teológica, pois, ao se falar em teologia pastoral, a

comunidade pode se equivocar e entender que é somente o pastor

ou a liderança da igreja que deve se incumbir de pôr em prática

uma teologia transformadora.

3Idem, p. 74.4E. E Lopes, A história da educação cristã no período dos primeiros pais da Igreja.50 novo rosto da missão, p. 50.6Teología práctica: teoria y práxis de la acción pastoral, p. 10.

Page 79: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 81

Todavia, a partir do termo “práxis” é possível chegar a uma re­

flexão mais apropriada acerca da teologia prática, uma vez que

práxis é definida por Hoch7 como “conjunto de ação/reflexão, pelo

qual se manifesta e realiza a historicidade do homem”. Assim

sendo, a teologia prática enquanto práxis não é concebida apenas

na matéria, mas também no espírito, pois sua tônica está na

indissociabilidade entre ação e reflexão. Não se pode compreen­

der a ação sem reflexão, e a reflexão sem ação, conforme declara

Hoch:8

Pelo contrário, ambas se condicionam e se enriquecem mutua­

mente e geram práxis cristã. Onde falta a teologia, a ação cristã

toma-se uma prática cristã irrefletida, correndo o risco de ser

ingênua e sujeita à manipulação ideológica. Onde falta a prática, a

teologia toma-se especulação abstrata que não gera vida.

Para Hoch, muitos teólogos pressupõem que a teologia práti­

ca mantém a dialética entre teoria e prática, espírito e corpo, fé e

ação. Mas ele assinala que a dialética é apenas aparente, visto que

a teologia prática tem como base intelectual a teoria que, por sua

vez, realiza-se na prática. Ela exige uma ação reflexiva, refletida

na prática.

Em Tiago 2:14,17-18, pode-se ler:

De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem

obras? Acaso a fé pode salvá-lo? [...] a fé, por si só, se não for

acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: “Você tem

fé; eu tenho obras”. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostra­

rei a minha fé pelas obras.

Se a história for o foco, podem-se relembrar as críticas de Lute-

ro à religião de sua época, a qual, segundo ele, afastou a teologia

7Reflexões em torno do método da teologia prática, p. 72.8Idem.

Page 80: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

82 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

do povo, pois passou a ser puramente utilizada como teologia espe­

culativa entre os eruditos das universidades. Para Lutero, confor­

me as palavras de Henkys,9 a teologia como “ciência especulativa

é simplesmente vã [...]. A verdadeira teologia é prática. Sem a

prática, ninguém pode ser erudito”.

Com base nas palavras de Lutero, nota-se que a teologia funda­

mentada em Jesus Cristo necessita ser prática. Além disso, ele acre­

ditava que o ensino bíblico não devia ser confinado em obras

destinadas a especialistas eméritos, mas devia se tornar acessível a

qualquer um, a fim de que todos pudessem também amar a Deus.10

A esse respeito, Hoch11 afirma:

A fé cristã não se limita à contemplação ou ao ato de assentir a um

sistema de verdades reveladas, mas consiste em se envolver com

Jesus, sua palavra e ação e em segui-lo em sua trajetória de cruz e

sofrimento. Toda teologia é essencialmente teologia da cruz, e como

tal só poderá ser teologia prática.

A teologia prática precisa ser um dos focos mais fundamentais,

dos cursos de teologia. Todavia, nem sempre se observa tal ênfase.

Uma das razões para que isso ocorra consiste no pensamento de

que a teologia prática, por sua proximidade com o “mundo”, corre

o risco de tomar a forma deste. Contra essa possibilidade, Hoch12

adverte:

O seu compromisso com o mundo não a pode levar a se esquecer

do seu compromisso maior com o evangelho. Por isso ela deve

fugir do imediatismo ativista e, em estrita parceria com as demais

disciplinas teológicas, assumir constantemente uma atitude re­

flexiva e de autocrítica. Como consciência prática da teologia, ela

9Die praktische theologie, p. 25.10Biéler, A força oculta dos protestantes, p. 39.11Reflexões em tomo do método da teologia prática, p. 24l2Idem.

Page 81: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 83

mesma precisa estar consciente das razões teológicas que a

norteiam.

Por conseguinte, não se deve confundir teologia prática com

compromisso com o “mundo”. Antes, a função da teologia prática

consiste na práxis (reflexão-ação) e autocrítica da teologia, de ma­

neira que não se pode “conformar com este século”, ser absorvido

por ele, tomar forma do mundo, ou desejar parecer uma teologia

“moderna”. Pelo contrário, o objetivo da teologia prática consiste

em ser “sal e luz do mundo”.

Portanto, está claro que a doutrina e a prática são termos que

não podem ser separados, são indissociáveis. Por isso, o ensino rela­

tivo ao princípio de que o cristão regenerado não pode perder a

salvação necessita resultar em implicações práticas, pois esse cris­

tão só demonstrará sua salvação por meio de seu modo de ser e

viver no cotidiano.

Sendo assim, serão elencados aspectos práticos resultantes da

certeza de que o cristão regenerado não pode perder a salvação.

Confiança em Deus de que o cristão

REGENERADO ESTÁ ETERNAMENTE SALVO

Não existe maior segurança e consolo na vida do cristão do que

saber que sua salvação não depende de si mesmo, mas única e

exclusivamente de Deus. Ela é resultado da graça de Deus dispen­

sada ao homem. E, se esse homem pecar, saberá que a salvação não

estará perdida, porque está garantida em Cristo Jesus.

A salvação é obra da Trindade: o Pai marcou os que lhe perten­

ce, o Filho morreu para remir e perdoar os eleitos, o Espírito Santo

é o penhor de herança do cristão e a garantia de que este já está

salvo. Estamos, pois, guardados pela Trindade quanto à certeza de

que jamais estaremos distantes da salvação. Uma vez salvos, sem­

pre salvos.

O cristão pode saber que, enquanto há na sociedade em ge­

ral pessoas sem esperança, sem qualquer direção, vivendo suas

Page 82: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

84 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

angústias pessoais, o fiel pode descansar no Senhor, pois nada po­

derá separá-lo do “amor de Deus, que está em Cristo Jesus [...]”

(Rm 8:39). Consciente de que é fruto do amor de Deus, o cristão é

conclamado a perguntar: “Se Deus é por nós quem será contra

nós?” (Rm 8:31). A resposta a essa pergunta pode ser encontrada

no salmo 23:4: “Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e

morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara

e o teu cajado me protegem”.

Assim, à luz do descanso e segurança eterna no amor de Deus,

resta-lhe declarar o refrão de um hino sacro: “Meus Deus, que

amor! Meu Deus, que eterno amor!”.13

A CERTEZA DA SALVAÇÃO CONDUZ À HUMILDADE

E A ENXERGAR O PRÓXIMO COMO CRIATURA DE DEUS

A certeza de que o cristão regenerado não pode perder a salvação

resulta na humildade, porque desnuda o homem, ensinando-lhe

que, embora ele não seja digno de tão grande bênção e graça,

foi agraciado por Deus, de maneira que é salvo, está salvo e perma­

necerá salvo por toda a eternidade. Assim, ele se torna consciente

de que em nada é melhor do que ninguém, apenas foi alvo da

misericórdia de Deus. Com essa perspectiva, parece ficar mais fácil

praticar o que Paulo ensinou aos filipenses: “Nada façam por

ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente conside­

rem os outros superiores a si mesmos” (Fp 2:3). No mesmo capítulo,

ele conclama: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus,

[...] esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo [...] humilhou-

se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! [...]”

(Fp 2:5-8).

Quantas discussões surgem em nossas comunidades cristãs por­

que deixam de direcionar sua atenção à salvação por meio da gra­

ça de Deus e se enveredam em partidarismos, vanglorias? Isso ocorre

13Novo cântico, Hino 88, São Paulo: Cultura Cristã, 1999.

Page 83: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 85

porque muitos deixaram de se lembrar que foram regenerados para

uma nova vida em Cristo (2Co 5:17) e que essa nova vida se funda-

menta na humildade e no perdão, pois “não há diferença entre

grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e

livre, mas Cristo é tudo e está em todos” (Cl 3:11). O cristão rege­

nerado deve se comportar como povo de Deus: “revistam-se de

profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência”

(Cl 3:12).

A CERTEZA DA SALVAÇÃO ESTIMULA

A GRATIDÃO E A SANTIFICAÇÃO

Por ter consciência de que é salvo eternamente pela graça de Deus,

resta ao cristão render-lhe graças, glória e entregar sua vida nas

mãos do Senhor, para que faça dela o que melhor lhe aprouver.

Assim, ele conseguirá cumprir a razão de sua existência, que é

glorificar a Deus e desfrutar de sua bondade para sempre, de ma­

neira que buscará sempre a santificação de sua vida. Terá consciên­

cia de que o Espírito Santo habita no crente e pode ser entristecido

quando este procede impiamente. Portanto, o cristão, é fortemente

induzido a não viver de modo descuidado.14 Assim, essa doutrina,

quando ensinada, em vez de favorecer o pecado e a devassidão,

serve ao contrário, pois o cristão salvo deve viver em santidade

para a glória de Deus.

Hebreus 12:14 afirma: “Esforcem-se para viver em paz com to­

dos e para serem santos; sem santidade ninguém verá o Senhor”.

No versículo 15 do mesmo capítulo, o autor exorta os irmãos a não

produzirem qualquer espécie de amargura no coração dos cristãos.

Paulo, em Colossenses 3:5-11, fala sobre a necessidade de que o

cristão regenerado vigie e ore para mortificar a carne, pois realizar

as obras da carne é compatível com os “filhos da desobediência”, e

não com os cristãos regenerados.

14Booth, Somente pela graça, p. 46.

Page 84: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

86 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

A CERTEZA DA SALVAÇÃO É UM ESTÍMULO

À PREGAÇÃO DO EVANGELHO

A certeza de que o cristão regenerado não pode perder a salvação

resulta no estímulo à pregação do evangelho. Alguns teológos pon­

tuam que, se Deus sabe quem são os eleitos e se eles serão salvos

independentemente de toda e qualquer situação, a pregação do

evangelho é, de certa forma, inútil. Entretanto, o fato de crer que

Deus marcou o seu povo não implica displicência com relação à

pregação.15 Ao contrário disso, o cristão regenerado é estimulado

a anunciar o evangelho porque parte do princípio de que toda a

obra da salvação possui origem e fim na pessoa do Pai, do Filho e do

Espírito Santo, de maneira que, ao pregar o evangelho e cumprir a

ordem de Cristo (Mt 28:18-20), ele estará consciente de que Deus

salvará os que lhe pertencem.16

A CERTEZA DA SALVAÇÃO CONDUZ O CRISTÃO A SERVIR

AO PRÓXIMO NAS MAIS DIVERSAS AÇÕES SOCIAIS

A certeza da salvação enche o coração do cristão regenerado do

desejo de servir ao próximo. Quando se é um cristão verdadeiro,

possuidor da certeza da salvação, o serviço em prol do próximo é

algo que brota naturalmente, como resultado de um coração im­

pregnado das coisas de Deus. O cristão entende que fazer o bem

não o salva, mas faz o bem por causa da bondade de Deus der­

ramada em seu coração e assim demonstra que foi salvo na pessoa

de Cristo. É com essa perspectiva que pode ser entendido o texto

bíblico:

De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem

obras? Acaso a fé pode salvá-lo? [...] a fé, por si só, se não for

acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: “Você tem

15Para aprofundar esse estudo, cf. J. I. Packer, Evangelização e soberania de Deus.16Para aprofundar esse estudo, cf. R. B. Kuiper, Evangelização teocêntrica.

Page 85: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PRÁTICAS DA DOUTRINA DA SALVAÇÃO 87

fé; eu tenho obras”. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostra-

rei a minha fé pelas obras.

Tiago 2:14,17-18

O mundo inteiro está comemorando os quinhentos anos do nas­

cimento de João Calvino. Ele foi um exemplo de que o protestan­

tismo deve possuir fundamentos sólidos nas Escrituras Sagradas,

mas que tais fundamentos devem resultar em diversas práticas de

ação social.17 Calvino se preocupou, partindo do princípio do

diaconato (At 6:1-7) com questões sociais tais como:18 a) adminis­

tração dos bens destinados à comunidade. A igreja recebia recursos

que eram destinados à população menos favorecida; b) distribui­

ção de forma justa e igual entre os necessitados. “Os diáconos cui­

davam que todos genuinamente carentes tivessem participação igual

nos bens destinados aos pobres”;19 c) visitação e cuidado dos doen­

tes. Com Farei, o diaconato fundou o Hospital Geral, que dava

assistência médica gratuita aos pobres, órfãos e viúvas, além de ser

criada a “primeira escola primária obrigatória da Europa”.20

Enfim, Calvino e outros cristãos marcaram Genebra e o mundo

com diversas atitudes práticas e sociais: socorro direto aos necessi­

tados, formação educacional de adultos e escolarização das crian­

ças.21 Tudo isso se deve à convicção que aqueles homens possuíam

de que um cristão regenerado não pode perder a salvação!

Esses são alguns dos apontamentos práticos que resultam desse

ensino. Ao término deste estudo, este autor está consciente de que

há muito a pesquisar a respeito dessa temática. Todavia, espera-

se que as coisas discutidas até aqui sirvam para fortalecimento e

17Para aprofundar esse estudo, cf. A. BiÉler, O pensamento econômico e social de Calvino;

O humanismo social de Calvino e A força oculta dos protestantes. A. N. Lopes, Calvino

e a responsabilidade social da Igreja.18Lopes, Calvino e a responsabilidade social da Igreja, p. 18.

19Idem.20Idem, p. 19.

21Biéler , A força oculta dos protestantes, p. 171.

Page 86: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

88 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DA SALVAÇÃO

consolo ao enfrentar as angústias diárias dos cristãos em geral, bem

como para crescimento e amadurecimento espiritual. Pois, aconte-

ça o que acontecer ou custe o que custar, nada poderá separar o

cristão regenerado do amor incondicional de Deus.

A Deus toda a glória, toda a honra e todo o poder. Amém!

Page 87: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

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Sobre o autor

Edson Pereira Lopes é doutor em Ciências da Religião, na área de

Práxis, Religião e Sociedade pela Universidade Metodista (2004).

Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universida­

de Presbiteriana Mackenzie (2001). Especialista em Estudos Brasi­

leiros pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1999). Possui

Licenciatura Plena em Filosofia pelas Faculdades Associadas do

Ipiranga (1996). Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano

Rev. José Manoel da Conceição (1992). Docente no Mestrado de

Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E

autor dos livros: O conceito de teologia e pedagogia na Didática mag­

na de Comenius e A inter-relação da teologia com a pedagogia no pen­

samento de Comenius, Trabalho científico — teorias e aplicações. E um

dos organizadores do livro: O impacto da práxis religiosa na constru­

ção de vínculos sociais. Possui artigos publicados em livros e revistas

especializadas em educação e religião. É editor da Revista de Ci­

ências da Religião, História e Sociedade do Programa de Mestrado

de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Ê pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Vila Esperança, São

Paulo.

Page 94: Fundamentos da Teologia da Salvação- Edson Lopes

aAo escrever sua epístola aos efésios, Paulo enfatizou queo cristão deve se apropriar do “capacete da salvação” (6:17). Essa figura de linguagem nos ensina que a certeza da salvação é uma arma importante contra as investidas de Satanás justamente porque sua principal função é proteger a mente do cristão, assegurando-lhe que, uma vez salvo por Deus, é mais que vencedor em Cristo Jesus e riada poderá separá-lo do amor de Deus.

Dessa perspectiva, portanto, Fundamentos da teologia da salvação resgata uma das mais importantes doutrinas bíblicas e demonstra que é totalmente inconsistente a crença de que o cristão regenerado pode perder a salvação eterna.

“Acredito que a relevância do livro jaz no fato de que ele foi escrito numa época em que as grandes doutrinas do

cristianismo têm sido relegadas a plano secundário. Isso se

deve à predominância da teologia da prosperidade e do

neopentecostalismo, cuja ênfase equivocada nas necessidades

materiais, físicas e imediatas assola o brasileiro. Pouco ou nada se ouve falar nesses arraiais, onde prevalece a busca das bênçãos materiais, das grandes doutrinas da graça, da salvação completa

e plena obtida por Cristo para o pecador perdido, e muito

menos da obra do Espírito Santo na aplicação dessa salvação

ao pecador — o Espírito nesses círculos é sinônimo apenas de curas, sinais, prodígios e dons extraordinários.”

Augustus Nicodemus Lopes

Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie

MCmundocristão