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9 Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 9-40, jan./jun. 2017 Fundamentos metodológicos do Aconselhamento Filosófico Edson Renato NARDI 1 Resumo: O presente artigo busca reproduzir uma pesquisa realizada pelo pró- prio pesquisador-autor a respeito dos fundamentos metodológicos do Aconselha- mento Filosófico, que foi utilizada como material didático do primeiro curso de pós-graduação latu sensu em Aconselhamento Filosófico, oferecido pelo Clare- tiano – Centro Universitário, no ano de 2015. A fonte inicial dessa investigação originou-se da tese de doutorado produzida pelo filósofo e aconselhador filosófi- co Peter Bruno Raabe e teve por tema a investigação a respeito dos fundamentos filosóficos do Aconselhamento Filosófico. A intenção da reprodução do texto anteriormente produzido nesse novo contexto foi a de divulgar para o grande público, que possui interesse pelo Aconselhamento Filosófico, uma fonte inicial de pesquisa e eventual aprofundamento com o intuito de se ampliar o leque de referências e fontes de pesquisa em língua nacional a seu respeito. Palavras-chave: Aconselhamento Filosófico. Método. Influências Metodológicas. 1 Edson Renato Nardi. Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Araraquara (SP). Mestre em Educação pela mesma instituição. Coordenador dos cursos de Pós-graduação e Graduação em Filosofia, pelo Claretiano – Centro Universitário. Atua profissionalmente também na rede pública de ensino, há cerca de 23 anos, como docente efetivo nas disciplinas de Educação Física e Filosofia. Atualmente, promove investigação a respeito dos rituais de passagem no espaço escolar, os fundamentos filosóficos e sociológicos da cultura corporal do movimento e a implantação do aconselhamento filosófico no Brasil. E-mail: <[email protected]>.

Fundamentos metodológicos do Aconselhamento Filosófico...de uma investigação sobre o Aconselhamento Filosófico e que teve como desdobramento a produção de um curso de pós-graduação

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Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 9-40, jan./jun. 2017

Fundamentos metodológicos do Aconselhamento Filosófico

Edson Renato NARDI1

Resumo: O presente artigo busca reproduzir uma pesquisa realizada pelo pró-prio pesquisador-autor a respeito dos fundamentos metodológicos do Aconselha-mento Filosófico, que foi utilizada como material didático do primeiro curso de pós-graduação latu sensu em Aconselhamento Filosófico, oferecido pelo Clare-tiano – Centro Universitário, no ano de 2015. A fonte inicial dessa investigação originou-se da tese de doutorado produzida pelo filósofo e aconselhador filosófi-co Peter Bruno Raabe e teve por tema a investigação a respeito dos fundamentos filosóficos do Aconselhamento Filosófico. A intenção da reprodução do texto anteriormente produzido nesse novo contexto foi a de divulgar para o grande público, que possui interesse pelo Aconselhamento Filosófico, uma fonte inicial de pesquisa e eventual aprofundamento com o intuito de se ampliar o leque de referências e fontes de pesquisa em língua nacional a seu respeito.

Palavras-chave: Aconselhamento Filosófico. Método. Influências Metodológicas.

1 Edson Renato Nardi. Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Araraquara (SP). Mestre em Educação pela mesma instituição. Coordenador dos cursos de Pós-graduação e Graduação em Filosofia, pelo Claretiano – Centro Universitário. Atua profissionalmente também na rede pública de ensino, há cerca de 23 anos, como docente efetivo nas disciplinas de Educação Física e Filosofia. Atualmente, promove investigação a respeito dos rituais de passagem no espaço escolar, os fundamentos filosóficos e sociológicos da cultura corporal do movimento e a implantação do aconselhamento filosófico no Brasil. E-mail: <[email protected]>.

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Methodological foundations of Philosophical Counseling

Edson Renato NARDI

Abstract: This article seeks to reproduce a survey conducted by the researcher-author, about the methodological foundations of philosophical counseling, which was used as didactical material of the first latu sensu post-graduation course in Philosophical Counseling, offered by the Claretiano – Centro Universitário in 2015. The initial source of this research originated from the doctoral thesis produced by the philosopher and philosophical counselor Bruno Peter Raabe and had the theme, the philosophical foundations of Philosophical Counseling. The intent of the reproduction of this text previously produced in this new context, was to disclose to the general public, which has interest in Philosophical Counseling, an initial source of research and possible further development in order to expand the range of references and research sources in national language about this topic.

Keywords: Philosophical Counseling. Methods. Methodological Influences.

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1. INTRODUÇÃO

Esta investigação teve como ponto de partida inicial um ar-tigo produzido por mim no ano de 2009, que teve como objetivo verificar como algumas análises filosóficas relativas à morte e ao morrer haviam sido incorporadas pela Terapia Existencial.

Naquela oportunidade, dentre os vários textos pesquisados, alguns deles abordavam o Aconselhamento Filosófico e, ainda que fossem interessantes, como não compunham o objeto de minha in-vestigação à época, ficaram arquivados para uma eventual pesquisa futura.

Mais recentemente, ao exercitar a função de coordenador do curso de graduação em Filosofia do Claretiano – Centro Univer-sitário, pude perceber, empiricamente, um número relativamente elevado de trabalhos de conclusão de curso que tinham como tema o uso e necessidade da filosofia enquanto pharmakon, para os desa-fios existenciais humanos vividos na contemporaneidade.

Essa constatação me levou a tecer a hipótese da pertinência de uma investigação sobre o Aconselhamento Filosófico e que teve como desdobramento a produção de um curso de pós-graduação latu sensu voltado para esse tema, no período de 2015 a 2016, no Claretiano – Centro Universitário.

Durante a realização da pesquisa, pude constatar um número por demais pequeno de produções voltadas para o Aconselhamento Filosófico (AF) em língua portuguesa e, em especial, sobre os fun-damentos metodológicos do AF.

Com a possibilidade da criação de um dossiê sobre esse tema, considerei pertinente a reprodução, com as necessárias readequa-ções, do texto didático produzido sobre os fundamentos metodo-lógicos do AF e que tem sido usado em uma disciplina voltada, especificamente, para essas questões metodológicas que envolvem o AF.

Por meio dessa iniciativa, espero contribuir para a ampliação do leque de informações atualmente existente e, além disso, dispo-nibilizar para o grande público que tem interesse sobre essa temá-

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tica e que não vai, necessariamente, realizar essa pós-graduação a oportunidade de acesso a essa pesquisa.

Para atender a esse objetivo, este texto foi organizado de modo a elencar alguns movimentos que ocorreram no século 20 e que, em razão de suas abordagens, atuaram como precursores do AF e, logo depois, alguns dos métodos especificamente criados para essa área de atuação filosófica atualmente em gestação.

Nesse texto, não me dedicarei a investigar os aspectos históricos e fundantes do AF, por considerar que os demais arti-gos presentes nesse dossiê já apresentam considerações relevantes sobre esse tema. Tratarei tão somente dos aspectos metodológicos presentes nele.

O texto norteador da pesquisa aqui apresentada originou-se de uma tese de doutorado intitulada Philosophy of philosophical counselling, produzida pelo filósofo Peter Bruno Raabe em 1999.

2. DESENVOLVIMENTO

O primeiro método precursor a ser apresentado é a proposta psicoterapêutica produzida pelo pesquisador norte-americano Al-bert Ellis (1913-2007). Inicialmente, cumpre dizer que a história pessoal de Ellis, apresentada por meio do portal The Albert Ellis Institute, possui alguns fatos singulares que merecem ser destaca-dos antes de lidarmos, especificamente, com sua teoria. O primeiro deles é que Ellis teria tido uma infância difícil, ficando constante-mente doente, o que perdurou, também, em sua juventude.

Devido a problemas renais que possuía nessa época, deixou de realizar as práticas esportivas típicas dessa idade e passou a lidar com livros. Além disso, Ellis vivenciou, aos 12 anos, a separação de seus pais e, nesse contexto, deu para si o desafio de investigar os seres humanos em suas particularidades que necessitam de en-tendimento.

Em 1947, Ellis terminou o doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de Colúmbia e, nesse período, passou a investi-gar a Psicanálise por considerá-la o melhor instrumento terapêutico

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para o tratamento das enfermidades não fisiológicas. No entanto, com o tempo, abandonou-a por considerar que o terapeuta deveria ter um papel mais ativo no processo e, além disso, se fizesse uso de interpretações diretas e emitisse conselhos ao seu cliente, teria resultados mais efetivos.

Vejamos como Ellis (1973, p. 414) se posiciona a esse res-peito:

RET, a qual eu originei em 1955, vai além de uma psica-nálise ortodoxa e das clássicas abordagens behavioristas. Essa coloca o homem no centro do universo e dá a ele a quase total responsabilidade pelo seu próprio destino. [...] é de sua escolha fazer ou recusar-se a fazer a si mesmo seriamente perturbado. Embora a teoria básica RET da personalidade humana tenha fortes raízes em suposições biológicas e ambientais, ela sustenta que o indivíduo por si mesmo pode [...] [realizar] intervenções entre os inputs ambientais e seu output emocional, e que, portanto, ele, e, é claro, ela tem, potencialmente, enorme quantidade de controle sobre o que pensa e faz.

Quanto aos aspectos filosóficos de sua proposta, Ellis desen-volveu o que intitulou como sendo uma filosofia racionalista, ou seja, que enfatizasse o uso da razão e os instrumentos lógicos que a sustentam para intervir nos problemas que as pessoas enfrentam. Nesse sentido, caberia ao terapeuta confrontar posicionamentos que não satisfizessem os aportes racionais e, além disso, intervir de modo que o cliente abdicasse de crenças cujos fundamentos fossem irracionais e se apropriasse de fundamentos racionais.

Merece destaque uma frase emitida por Epiteto, em sua obra Enchrideon, que é muito utilizada para fundamentar as propostas cognitivas que seguem o caminho da proposta realizada por Ellis: “[...] os homens não são perturbados pelas coisas, mas pela visão que tem a respeito delas” (EPITETO, [s.d.] apud BECK et al., 1979, p. 8).

A partir desses fundamentos, Ellis passou a considerar que, se fazemos uso de nossas crenças racionais, não somos bons e tam-pouco maus, no entanto, se utilizamos nossas crenças irracionais, passamos a nos analisar e avaliar os outros a partir dessa díade

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bom/mau, e isso ocorre sempre que não atingimos as expectativas criadas para nós mesmos ou para os outros.

Ao assimilar essas crenças irracionais, as pessoas tornam-se emocionalmente perturbadas e passam a ter sentimentos negativos. Nesse processo, Ellis concluiu que se cria um raciocínio circular de irracionalidade e que, em termos gerais, pode ser compreendido por meio do diagrama a seguir:

Figura 1. O processo circular da irracionalidade.

Fonte: adaptado de Cengage Learning (2011).

E o que fazer diante disso? Ellis estabelece um método para lidar com esse processo, o qual recebeu o título de ABC. Vejamos como esse pesquisador realizou a caracterização desse método:

RET utiliza uma abordagem simples ABC à personalidade humana e sua perturbação. O terapeuta geralmente come-ça com C, a consequência emocional perturbadora que o cliente tem experimentado recentemente. Normalmente, ele foi rejeitado. Essa rejeição pode ser chamada de A, a experiência Ativação, que a pessoa erroneamente acredita que diretamente provoca C, seus sentimentos de ansiedade, inutilidade e depressão. O cliente aprende que um evento Ativador (A) no mundo exterior não é e não pode causar ou criar qualquer sentimento ou Consequência emocional

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(C). Porque, se o fez, o terapeuta explica, que virtualmente todos que são rejeitados teriam de se sentir tão deprimidos como o cliente. Mas desde que isso raramente é verdade, C é realmente causada por alguma variável interveniente, que é o sistema de crenças individuais (ELLIS, 1973, p. 414).

A partir dessas considerações emitidas por Ellis, veja abai-xo um quadro comparativo entre um fato ativador que que geraria crenças irracionais e, por outro lado, como seria uma leitura racio-nal desses mesmos fatos:

Figura 2. Exemplo do método ABC de Ellis.

Fonte: adaptado de Jan (2013).

Feita essa breve análise da proposta de Ellis, analisemos ago-ra a contribuição do professor norte-americano Matthew Lipman (1922-2010), criador do programa Filosofia para Crianças e, mais especificamente, dos métodos que faz uso ao desenvolver tal pro-grama.

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Inicialmente, convém ressaltar que essa proposta surgiu quan-do Lipman buscava, por meio de seu projeto, resgatar a dimensão lógico racional humana que, segundo a análise que realizou, esta-ria se perdendo na cultura americana. Desde então, sua proposta e eventuais reinterpretações avançaram bastante e, atualmente, são utilizadas em mais de 30 países. Vejamos como Lipman contextu-aliza essa iniciativa:

No final dos anos 1960, eu era um professor catedrático de filosofia na Universidade de Columbia, em Nova York. Eu considerei que os meus alunos de graduação careciam de falta de raciocínio e julgamento, mas que era tarde demais para melhorar seu pensamento de forma significativa. Eu pensei (e eu estava quase sozinho nesta opinião naquele tempo) que isso precisava ser feito na infância. Deveria ter cursos para crianças para o Pensamento Crítico quando as crianças tinham onze ou doze anos de idade. Mas, para tornar o assunto “amigável-usuário”, o texto teria de ser escrito na forma de um romance sobre crianças que desco-brem a lógica (LIPMAN, 2003, [n.p.]).

Dentre algumas das suas qualidades, merece destaque o fato de que, segundo seus defensores, o método melhora a capacidade oratória da criança, suas habilidades comunicativas, sua autoesti-ma, a habilidade matemática e de leitura e, por fim, a alfabetização emocional.

Esse último aspecto, a alfabetização emocional, é muito inte-ressante, visto que, por meio dela, é proposto que a criança come-ce a expressar racionalmente suas emoções e a lidar racionalmente com elas. Além disso, outro aspecto interessante se refere ao de-senvolvimento da capacidade da criança de processar informações, pois, por meio das seções propostas, a criança necessariamente ne-cessita:

1) Classificar as informações colhidas, compará-las umas com as outras e realizar os contrastes que diferenciam uma informação de outra.

2) Ampliar sua capacidade de raciocínio, visto que, nas ses-sões de Filosofia para crianças, estas são desafiadas a emi-tir razões para opiniões que possuem, necessitam obter

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conclusões advindas dessas opiniões e deduções posterio-res e, por fim, para se fazerem compreendidas por todos, as crianças se apropriam da necessidade e exercitam a ca-pacidade de uso de uma linguagem precisa para explicar quais os pensamentos que possuem e para os julgamentos e decisões que realizam, fornecendo motivos ou provas.

3) Saber formular perguntas pertinentes, apresentar e definir problemas.

4) A criança é estimulada a usar com habilidade seu pensa-mento criativo, quer seja para criar ou aprofundar ideias ou para ampliar suas habilidades de avaliação fazendo uso de sua imaginação. Por fim, ela é convidada a desenvolver critérios de avaliação de si mesma e dos seus colegas.

Na proposta metodológica do programa Filosofia para crian-ças, tudo se inicia com o que seus praticantes intitulam de starting points, ou seja, uma questão inicial que gera o início das discus-sões. Esses starting points podem ser uma imagem, uma história, algum artefato/objeto, uma música ou um fato qualquer que, dada a sua relevância, poderia iniciar uma reflexão.

Desse modo, busca-se realizar um debate que vise esclarecer e explorar as questões que, muitas vezes, são complexas e que, por outro lado, são importantes para as crianças. Esse debate não fica restrito ao universo da opinião ou, para fazermos uso da terminolo-gia filosófica, da doxa.

A partir do debate, as crianças são incentivadas a dar justi-ficativas a respeito das argumentações que apresentam, ou ainda, exemplos sobre o que abordam e, por fim, considerações sobre o que os outros estão dizendo a elas.

E como se dá uma sessão de Filosofia para crianças? Embo-ra existam, atualmente, algumas variações entre seus seguidores e abordagens semelhantes, é possível dizer que, de modo geral, na sessão, nós temos:

1) Um momento inicial, em que há a leitura de alguma histó-ria ou a introdução de algum item (imagem, artefato etc.) para se iniciar a reflexão.

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2) São dados alguns minutos para que as crianças reflitam calmamente sobre o que viram ou ouviram.

3) Logo depois, as crianças recebem o convite para formular uma pergunta que julgam interessante para ser discutida com seu parceiro.

4) As crianças compartilham suas perguntas com todo o grupo e, logo depois, o grupo escolhe uma pergunta a ser apresentada.

5) As perguntas escolhidas são afixadas.6) As crianças votam qual a pergunta que deverá ser respon-

dida, e suas ideias são compartilhadas com a turma.7) As crianças votam quantas vezes quiserem. Se duas per-

guntas forem idênticas, haverá uma segunda votação. Após a determinação da questão, a criança que a formulou é convidada para tentar respondê-la ou discuti-la. Respon-dida à questão, inicia-se novamente o processo.

Especificamente, em relação à atuação do professor, existem alguns aspectos interessantes e que merecem ser destacados, visto que possuem relação direta com o AF. Vejamos alguns deles:

• O professor não tem uma função central no processo, ava-liando ou emitindo a resposta para a questão.

• O professor atua buscando esclarecer o que foi dito, apre-senta questionamentos sobre as razões sobre o que foi dito, testa as hipóteses apresentadas, cita exemplos e, em especial, cria espaços para a apresentação de contra-argu-mentos.

Como se percebe, a relação assimétrica, costumeiramente existente em um processo educativo tradicional, onde o professor possui o conhecimento e cabe a ele “depositá-lo” no aluno, é fran-camente quebrada, e a ênfase é dada à realização de investigações pela criança.

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Feitas essas considerações sobre a abordagem metodológica presente em Lipman, lidaremos agora com o Diálogo Socrático, abordagem produzida por Leonard Nelson.

Nelson buscou realizar uma adaptação do método socrático clássico, tal como proposto por Sócrates/Platão e, ao fazê-lo, in-tentou inseri-lo nos ambientes educacionais. Além disso, por meio de sua prática, buscava favorecer uma educação renovada e uma efetiva participação política. Nelson interpreta o método socrático como a arte de não se ensinar a Filosofia, mas sim a filosofar; a arte de não se ensinar sobre filósofos, mas sim de fazer com que os estu-dantes se tornem filósofos (NELSON, s.d., p. 1 apud PIHLGREN, 2008, p. 50). Como se percebe, por meio desse texto, há uma gran-de influência de Kant nas considerações de Nelson, quando ele rea-liza um contraponto entre aprender filosofia e filosofar.

De suas raízes até a prática desenvolvida por Nelson, o di-álogo socrático tem sido desenvolvido em muitos países em todo o mundo, e surgiram abordagens e adaptações variadas. A partir dessas considerações, vejamos como se realiza o diálogo socrático.

O papel do professor

Segundo Pihlgren (2008), na proposta apresentada por Nel-son, o professor não deve oferecer respostas para as questões apre-sentadas pelos alunos; em vez disso, deve provocar relações entre as questões apresentadas e devolvê-las para que o grupo se posi-cione a respeito. De certo modo, como se percebe, o professor se ausenta do papel de portador de um saber a ser transmitido e passa a ter um papel provocativo, promovendo e aprofundando os debates.

Nesse processo, se o aluno não produz uma questão devida-mente sustentada e bem estruturada, o professor não deve respon-der a ela, de modo que o aluno busque aprimorar sua capacidade de formular e explicitar questionamentos.

Um aspecto interessante e que, certamente, quebra vários pa-radigmas que temos a respeito da relação existente entre professor e aluno é que, na medida em que o professor adota esse posiciona-

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mento, paradoxalmente, uma sessão de diálogo socrático pode gerar perplexidade, pois pode se sair dele sem uma resposta e, segundo Pihlgren (2008), Nelson entende esse processo como interessante, pois instiga o aluno a aprofundar suas investigações.

O papel do aluno – o diálogo socrático

Nas pesquisas que realizamos, constatamos que uma das va-riações mais comumente usadas do método socrático é a que se segue:

• Fase 1: escolha um tema/pergunta (por exemplo, a raiva).• Fase 2: dê exemplos de experiência própria.• Fase 3: que exemplo melhor combina com o tema?• Fase 4: escreva o exemplo em detalhe.• Fase 5: examine o princípio subjacente ao exemplo.• Fase 6: generalização da resposta (abstração regressiva).Vejamos como isso ocorre concretamente: se escolhermos

como tema a raiva, deveremos buscar exemplos de um evento em tempo relacionado com o tema central (raiva) ou questão e isso deve ocorrer a partir da experiência dos participantes. Esses exem-plos devem, se possível, não ser extremamente recentes ou muito longínquos, e não haverá nenhum empecilho ao serem apresenta-dos. Sugere-se, então, que o exemplo não tenha um cunho por de-mais emocional ou pessoal, de modo que o participante não seja por demasiado exposto ou envolvido sentimentalmente com o exemplo citado.

Logo após isso, deve-se analisar o exemplo, assim, o partici-pante deverá escrevê-lo com detalhes, criando sentenças numéricas ou a cena vivenciada e o local onde ocorreram os exemplos. Depois, deverá escrever respostas a respeito e examinar, detalhadamente, a resposta escolhida. Na análise a respeito do princípio subjacente, os participantes fazem uma reflexão sobre as declarações escolhi-das e as razões apresentadas, tratando de forma geral a aplicação

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dessa declaração e o seu uso em outros exemplos. Nesse período, realizam-se alterações quando necessárias.

Já no momento final, quando se realiza a abstração regressi-va, é formulado o desafio dos participantes, que se trata de desco-brir o princípio subjacente ao tema escolhido. Nesse momento eles devem escrever os pressupostos e argumentos utilizados. Por fim, constrói-se uma aporia a respeito daquilo que foi debatido.

LBT – Logic Based Therapy

Em meados de 1980, um leitor da proposta de Ellis, o filósofo americano Elliot D. Cohen, introduziu uma variante do REBT, cria-do por Ellis. Nessa variante, a dimensão filosófica era ressaltada em detrimento da dimensão psicoterapêutica. Cohen intitulou seu método por meio da denominação LBT – Logic Basic Therapy, ou Terapia Baseada na Lógica.

De modo geral, a proposta LBT se assenta na possibilidade de que as pessoas tomam decisões em relação a si mesmas ou para com os outros emocionalmente e comportamentalmente, por meio de deduções baseadas em premissas irracionais.

As raízes filosóficas do movimento se apoiam, sobretudo, pelo uso da lógica formal. A compreensão de consciência, tal como a proposta pela fenomenologia, quer seja nossa consciência, é sem-pre consciência de algo. Vejamos como Cohen (2015, p. 1) apresen-ta esses aspectos:

Terapia Baseada na Lógica (LBT) é um desenvolvimento filosófico da Rational Emotive Behavior Therapy (REBT), uma forma de psicoterapia fundada pelo psicólogo Albert Ellis na década de cinquenta. [A] LBT sustenta que o ser humano, em grande parte, cria os seus próprios problemas emocionais e comportamentais por [se] deduzir auto-des-trutivo e [faz] conclusões comportamentais e emocionais destrutivos a partir de premissas irracionais.

Bem, e o que diferencia essa proposta concretamente do mo-vimento iniciado por Ellis? Na pesquisa que realizamos, constata-mos que o grande diferencial ocorre no Círculo de Irracionalida-

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de, tal como abordamos agora a pouco. Vimos que, na proposta de Ellis, temos um elemento ativador, ou ponto A, as crenças que o indivíduo possui, ou ponto B, e a resposta emocional e comporta-mental, ou ponto C.

Dizendo de outro modo, imaginemos que alguém venha a fi-car desempregado (ponto A) e, logo depois, motivado por esse fato, a pessoa venha a entrar em um período de baixa autoestima. Em Ellis, é necessário que a pessoa possua crenças/ideias que associem a perda do emprego a uma inabilidade pessoal ou deficiência, ou seja, as crenças do indivíduo a respeito das características desse evento estão associadas à geração da baixa autoestima. Essa inter-pretação pode ser percebida nos quatro fundamentos metafísicos propostos por Cohen para fundamentar sua tese:

1. Os seres humanos deduzem logicamente os componen-tes cognitivo-comportamentais de suas emoções a partir de premissas.

2. Os seres humanos são inerentemente falíveis e as res-pectivas instalações de raciocínio comportamental e emo-cional tendem a conter falácias.

3. Comportamentos e problemas emocionais tendem a re-sultar de construções absolutistas e perfeccionistas da re-alidade.

4. Os seres humanos têm um poder inerente de vontade que pode ser usado para superar o raciocínio comporta-mental e emocional falacioso (COHEN, 2015, p. 2).

A grande novidade introduzida por Cohen é transformar esse processo em um formato de argumento silogístico e, ao fazê-lo, ele advoga que a proposta de Ellis incorre em erro, isso porque não é um conjunto de crenças ligadas ao evento ativador que gera todo o comportamento, emoção inadequada, mas sim um erro de raciocí-nio lógico, baseado em falsas premissas que levam a tal episódio. Vejamos como poderíamos transformar o exemplo hipotético do desempregado na proposta realizada por Cohen:

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Se eu ficar desempregado, isto significará que eu não sou competente e capaz.

Estou desempregado.

Logo, eu não sou competente e capaz.

O “caminho das pedras” diante de raciocínios silogísticos como esse é o de se estabelecer, logicamente, o argumento usado pelo cliente e analisar com ele os eventuais erros presentes nas pre-missas ou no raciocínio lógico.

A questão da intencionalidade

Como dissemos agora a pouco, no método LBT, está presente a fundamentação fenomenológica e nela temos a compreensão de que a consciência é sempre consciência de alguma coisa. Ao se rea-lizar essa fundamentação filosófica para nossos problemas, insere--se o fundamento de que nossas emoções ou desajustes sempre pos-suem um objeto disparador desses problemas. Desse modo, se eu me encontro com raiva, essa raiva sempre se referirá a algum objeto que a tenha desencadeado; ela não surgirá de modo espontâneo.

Em termos lógicos, baseando-nos no exemplo citado, o de-safio do aconselhador será o de compreender o silogismo que a pessoa faz uso, realizando a construção emocional do raciocínio.

Para tanto, é necessário que encontremos o objeto intencional (P) de emoção e, logo depois, deveremos encontrar a classificação (Q) da emoção. Vejamos um exemplo prático:

Se P, então Q

P

Logo, Q

Nesse sentido, Cohen (2015) apresenta, na tabela a seguir, a presença desses objetos intencionais e sua relação falaciosa:

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Tabela 1. Emoção, objeto intencional e classificação.EMOÇÃO OBJETO INTENCIONAL CLASSIFICAÇÃO

RaivaUma ação (ex.: um estado de coisas de alguém que agiu de determinado modo)

Avaliação negativa de quem realizou tal ação

CulpaUm princípio moral que alguém percebe a si mesmo como tendo violado

Forte condenação da violação ou de si mesmo pela violação

Depressão Um evento ou estado de coisas

Avaliação negativa forte deste evento ou estado de coisas com base no qual há uma percepção triste a respeito da própria existência

AnsiedadeUm evento futuro ou possível evento futuro que tem certa previsão de consequências

Avaliação negativa da previsão das consequências na qual a pessoa percebe que precisa se debruçar sobre elas

Fonte: adaptado e traduzido de Cohen (2015, p. 3).

E o que fazer diante dessas falácias? Cohen (2015) advoga que nosso desafio não é simplesmente suplantar as falácias, mas sim substituí-las pelos valores de transcendência que, indiretamen-te, essas falácias buscam realizar e, nesse sentido, o autor estabele-ceu a presença de 11 grandes falácias que usamos e seus respectivos valores, aos quais, indiretamente, elas se remetem. O desafio do aconselhador será o de construir o silogismo presente no discurso do aconselhado, identificar as falácias e substituí-las, mediante diá-logo, pelas virtudes a que indiretamente essas falácias se remetem.

Abordados alguns dos precursores que influenciaram a meto-dologia presente no AF, vejamos, agora, alguns dos métodos desen-volvidos dentro do movimento. Começaremos, inicialmente, com as considerações de Annete Prins-Bakker e sua proposta de Acon-selhamento Filosófico voltado para casais.

Inicialmente, convém que se apresente as considerações que a autora faz a respeito do aconselhamento e da Filosofia e que sus-tentam suas investigações:

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Para mim, filosofar sobre a vida – que é o que o acon-selhamento filosófico diz respeito – é primeiramente um processo de questionamento, não de encontro de respostas. Eu não acredito em encontrar respostas definitivas a todas as questões fundamentais da vida, uma vez que este seria o fim da vida, que é um processo contínuo de questionamen-to e busca. As questões básicas subjacentes com as quais se está lutando, ou o que pode ser chamado as perguntas de vida de alguém – sobre a identidade de alguém, obje-tivos, relacionamentos, etc. – são refletidas na forma de uma vida, incluindo problemas e impasses de alguém. A minha experiência diz-me que é nestas questões em aberto que existe um poder criativo, ou se assenta um élan vital. Encontrar suas perguntas básicas significa encontrar a sua fonte de criatividade e, assim, encontrar suas respostas pessoais e soluções que refletem sua atitude filosófica da vida (PRINS-BAKKER, 1995, p. 135).

Como se percebe, na interpretação que a autora realiza, existe um profundo respeito à dimensão singular da pessoa, visto que as respostas que busca ou eventualmente encontra dizem respeito a sua condição particular e, em tal condição, ela deve ser respeitada pelo aconselhador.

A partir desses elementos, Prins-Bakker (1995) estruturou uma abordagem metodológica composta pelos seguintes seis está-gios:

• Estágio 1 – Tell Me (Diga-me): a aconselhadora se reú-ne separadamente com os casais e, empaticamente, busca ouvi-los a respeito dos eventos ou fatos que originaram a desestabilização do relacionamento. Nesse estágio, neces-sariamente, o aconselhado terá que, filosoficamente, sis-tematizar suas ideias, sentimentos, intuições e medos, ou seja, realizar uma análise existencial a respeito da relação.

• Estágio 2 – Who are you? (Quem é você?): é realizado um convite para que o aconselhado se apresente em sua dimensão pessoal, afastada da sua dimensão de casal, e é proposto que ele se manifeste como é na dimensão de “uma pessoa única” e como ela se transforma a partir da relação existente dentro do casamento. Nesse estágio, o

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aconselhador é muitas vezes instado a oferecer insights para que o aconselhado possa fazer esse tipo de reflexão.

• Estágio 3 – What about your life? (Como está sua vida?): a autora convida o aconselhado a fazer uso de seus “ócu-los pessoais” e realiza questionamentos a respeito da filo-sofia de vida do aconselhado, ou seja, como ele concebe a si mesmo e sua vida. Prins-Bakker (1995) propõe que, nesse momento, se faça uma análise em relação a como o aconselhado concebe sua vida e, por outro lado, como de fato ele vive sua vida. A partir disso, poderão surgir as possíveis lacunas existentes entre a vida tal como o acon-selhado idealizou e como ela é vivida realmente.

• Estágio 4 – In Which Fase of your life are you now? (Em que fase da vida você se encontra?): o aconselhador convi-da o cliente a realizar um inventário de sua vida, produzin-do, a partir da própria interpretação e criação do cliente, as várias fases que a compuseram. Note que é dado ao cliente o poder de estabelecer como e quais seriam essas fases. A partir daí, o aconselhador age de modo a buscar, com o cliente, os significados que ele deu para cada fase de sua vida e os próprios critérios que usou para o estabelecimen-to delas. Ao estabelecerem essas fases e analisarem a fase presente em que ambos se encontram, é possível criar um diálogo a respeito de como cada um deles se encontra e, a partir dessa condição, detectar possíveis problemas, visto que, eventualmente, podem estar buscando coisas distintas que não tenham sido percebidas pelo casal.

• Estágio 5 – Questioning your Relationship (Questionan-do seu relacionamento): o aconselhador volta a tratar dos problemas que ocasionaram a crise no relacionamento e, para tanto, faz uso de uma série de perguntas a respeito de como ele analisa seu relacionamento, tais como: “Como você descreveria suas atitudes para os outros? O que é ter um relacionamento ou estar casado para você? O que é necessário para que se comece um relacionamento e o que é necessário para continuá-lo? O que você espera de um

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relacionamento e quais consequências ele tem para sua existência individual?” (PRINS-BAKKER, 1995, p. 146). A autora relata que, muitas vezes, o aconselhado não pos-sui nenhuma formulação de resposta para essas questões e, nesse sentido, o aconselhador deve criar perguntas que façam com que o aconselhado realize essa investigação teleológica a respeito de seu relacionamento. Nesse mo-mento, o aconselhador levanta possibilidades a respeito do que poderia ser dado e recebido por cada um dos pares, de modo que o relacionamento fosse positivo para ambos, visto que essa troca deve ser uma via de mão dupla. Ques-tões de ordem existencial mais profundas, como “O que seria a felicidade ou o amor?”, podem ser levantadas nesse momento e problematizadas de modo que o casal avalie suas expectativas e suas interpretações a respeito dessas necessidades e sentimentos.

• Estágio 6 – Should the Marriage be Continued? (O casa-mento deveria continuar?): a autora aponta uma proposta semelhante à dialética hegeliana, onde temos teses dife-rentes a respeito do casamento, a partir das expectativas de cada um dos parceiros e, por meio do diálogo, busca-se realizar uma síntese na qual as dimensões individuais são deixadas de lado em nome de uma dimensão do casal e se propõe a realização de uma reflexão coletiva sobre o casamento. A autora esclarece aos casais o significado da dialética hegeliana e que a síntese traz consigo elementos de ambas as teses individuais que o casal traz consigo a respeito do casamento e seu telos.

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O Método PEACE

Quando investigamos os fundamentos do Aconselhamento Filosófico, tratamos das contribuições de Lou Marinoff e, em es-pecial, de seu best seller Mais Platão, menos Prozac. No entanto, Marinoff não tem sofrido uma análise consensual entre seus pares a respeito de suas contribuições dentro do movimento de Aconselha-mento Filosófico, isso porque alguns de seus posicionamentos têm sido considerados como um mecanismo de “reserva de mercado” para seus seguidores e sob sua interpretação do movimento.

Nesse sentido, merecem análise as considerações emitidas pelo pesquisador Schuster (2004, p. 1):

Lou Marinoff, autor do best-seller Platão, não Prozac [...] professor de filosofia na faculdade da cidade de Nova York, não é apenas uma figura controversa em sua univer-sidade, mas também entre seus colegas de aconselhamento filosófico; alguns destes últimos até mesmo consideram--no perigoso. Isso porque ele tentou apresentar-se como o líder internacional e legislador deste novo tipo de aconse-lhamento.

Dentre algumas das críticas formuladas por Schuster (2004), merecem destaque alguns equívocos históricos que Marinoff faz uso ao intitular a si mesmo e o seu grupo como continuadores da proposta de Achenbach na América, de suas interpretações concei-tuais a respeito do que seja a Filosofia e suas eventuais relações com a teologia, bem como certo misticismo que estão presentes nos livros de Schuster. Feitas essas considerações iniciais, lidare-mos, agora, com o método proposto por Marinoff. Inicialmente, na citada obra Mais Platão, menos Prozac, ao tratar da contribuição de Achenbach e seu posicionamento contrário à existência de um método, Marinoff (2001, p. 32) emite a seguinte consideração:

Ainda assim, descobri pela experiência que muitos casos se ajustam bem à abordagem dos cinco passos que chamo de processo PEACE. Essa abordagem consegue bons re-sultados, é fácil de ser seguida e ilustra o que diferencia o aconselhamento filosófico das outras formas de terapia. Como veremos, a maioria dos problemas apresentados neste livro foi resolvida pelo processo PEACE. Talvez o

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seu também possa ser trabalhado dessa maneira. PEACE é um acrônimo que representa os cinco estágios: problema, emoção, análise, contemplação e equilíbrio. O acrônimo é apropriado, já que esses cinco passos são o caminho mais seguro para uma paz (peace em inglês) mental duradoura.

Vejamos, agora, como Marinoff esclarece o significado do acrônimo:

• P – Problem (Problema) Ao encarar filosoficamente uma questão, você precisa pri-meiro identificar o problema. Por exemplo, seu pai ou sua mãe está morrendo, ou você foi rebaixado, ou sua esposa o está traindo. Geralmente sabemos quando temos um pro-blema, e a maioria de nós possui um sistema de alarme interno que dispara quando precisamos de ajuda ou de re-cursos complementares. Às vezes, especificar o problema é mais complicado do que parece, de modo que este passo pode requerer um pouco de trabalho se os parâmetros da questão com que você está lidando não são óbvios (MA-RINOFF, 2001, p. 32).

• E – Emotion (Emoção) Em segundo lugar, você deve avaliar cuidadosamente as emoções provocadas pelo problema. Trata-se de um regis-tro interior. Deve experimentar emoções genuinamente e canalizá-las de modo construtivo. A psicologia e a psi-quiatria praticamente nunca vão além deste estágio, e por isso seus benefícios são limitados. Prosseguindo com o exemplo acima, as suas emoções são, provavelmente, uma combinação de dor, raiva e tristeza, embora você vá ter um bocado de trabalho para chegar a essa conclusão (MARI-NOFF, 2001, p. 33).

• A – Analysis (Análise)No terceiro passo, análise, você lista e avalia as opções para resolver o problema. Uma solução ideal resolverá tan-to as questões externas (o problema) quanto as internas (as emoções despertadas pelo problema), mas nem sempre é realizável. Continuando com o exemplo, dar a ordem de desligar o oxigênio de sua mãe agonizante talvez seja o melhor para ela, porém o mais difícil para você. Pode dei-

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xar a decisão para os médicos, ou para os seus irmãos, ou pretender deixar funcionando o inútil aparelho que man-tém a sua mãe viva – esses são os diversos caminhos que terá de percorrer em sua mente para descobrir o mais ade-quado (MARINOFF, 2001, p. 33).

• C – Contemplation (Contemplação)No quarto estágio, você recuará um passo, ganhará uma certa perspectiva e contemplará a situação por inteiro. Nesse ponto, terá compartimentado cada um dos estágios para ter controle sobre eles. Mas agora exercitará todo o seu cérebro para integrá-los. Em vez de se demorar nas ár-vores individualmente, examinará a forma da floresta. Isto é, cultivará uma visão filosófica unificada de sua situação como um todo: o problema quando o encara, a sua reação emocional e suas opções analisadas dentro dele. A essa altura, estará pronto para considerar insights, sistemas e métodos filosóficos para lidar com a situação em sua tota-lidade. Filosofias diferentes oferecem interpretações con-trastantes de sua situação assim como prescrições diver-gentes sobre o que fazer em relação a ela – se for preciso fazer algo. No exemplo de enfrentar a morte da mãe, você tem de considerar as suas próprias idéias sobre qualida-de de vida, suas responsabilidades em relação aos outros, a ética de retirar o aparelho que mantém a vida e o peso relativo dos outros valores em questão. Você tem de esta-belecer, por meio da contemplação, uma posição filosófica que seja ao mesmo tempo justificável por seus méritos e coerente com a sua natureza (MARINOFF, 2001, p. 33).

• E – Equilibrium (Equilíbrio)Por fim, depois que articula o problema, expressa as suas emoções, analisa as suas opções e contempla uma posição filosófica, você alcança o equilíbrio. Compreende a essên-cia do seu problema e está preparado para empreender a ação apropriada e justificável. Sente-se estável, mas está preparado para as inevitáveis mudanças que o aguardam. Por exemplo, se decidir desligar o aparelho que mantém a sua mãe viva, terá certeza de que era isso que ela teria desejado e, mesmo que a sua morte lhe seja penosa, cabe a você obedecer aos desejos dela da melhor da melhor forma

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possível em uma situação difícil (MARINOFF, 2001, p. 34).

Feita essa exposição da proposta de Marinoff, vejamos, agora, a última abordagem metodológica voltada para o Aconselhamento Filosófico, que é a abordagem proposta por Bruno Raabe (1999). Como informado anteriormente, a estrutura desse estudo, tanto no que se refere aos fundamentos do Aconselhamento Filosófico, sua proposta e eventuais abordagens metodológicas existentes, teve na tese de Raabe a sua principal referência.

Sua proposta metodológica dá conta de vários aspectos citados a respeito dos fundamentos do Aconselhamento Filosófico e, além disso, segundo nossa análise, consegue se manter com laços sólidos dentro do espaço filosófico, ou seja, a filosofia se manifes-taria como fim e não como meio na proposta que ele apresenta.

Para lidar com esse objetivo, convém, agora, que inicie ana-lisando o foco que deve ser dado pelo aconselhador no decorrer do aconselhamento. Deveria ele estar vinculado tão somente ao pro-blema pontual pelo qual passa a pessoa em determinado momento? Deveria ele atuar de modo a instigar a pessoa a analisar seu telos existencial e estimulá-la na construção/reconstrução de sua visão de mundo?

Essas questões são muito importantes, posto que, dependen-do da forma como se dá essa resposta, a Filosofia teria tão somente uma finalidade instrumental ou, por meio das propostas realizadas, ela passa a ser, de fato, um elemento presente na vida do aconselha-do e do aconselhador.

Diante desses aspectos, abordaremos os possíveis focos da ação do aconselhador e, ao fazê-lo, vamos nos amparar, integral-mente, nas considerações emitidas a esse respeito por Bruno Raabe.

Problem-Oriented (Orientação para o Problema)Nessa abordagem, o aconselhador vai lidar, diretamente, com

um problema específico pelo qual passa o aconselhado e que, dadas as suas características, esse problema tem gerado desconforto emo-cional, profissional, espiritual etc.

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Dentre os muitos exemplos possíveis, podemos citar o des-conforto de uma decisão empresarial que atinja a vida do aconse-lhado ou de seus subalternos/pessoas próximas, o sofrimento ocor-rido devido a uma perda afetiva ou morte de alguém querido, um dilema ético que se apresenta e que, dadas as suas particularidades, torna extremamente difícil a decisão, a falta de autoestima devido a algum evento que atingiu o aconselhado.

Enfim, são muitas as possibilidades possíveis e, diante delas, caberá ao aconselhador discutir as várias possibilidades filosóficas possíveis para se lidar com o problema ou favorecer uma resolução para a situação encontrada.

Segundo Raabe (1999), em aproximadamente uma hora de entrevista, seria possível ao aconselhador abordar as várias possibi-lidades para a situação do problema presente.

Certamente, nessa abordagem, as grandes questões inerentes à reflexão filosófica, tais como a visão de mundo ou o telos existen-cial que a pessoa busca construir, não terão tempo nem condições suficientes para serem abordadas; no entanto, muitas vezes, o sofri-mento gerado pelo problema vivenciado pelo aconselhado é de tal monta que somente mediante a resolução desse problema pontual será possível o trato de outras questões de ordem mais profunda e ampla.

Person Oriented (Orientação para a Pessoa) Nessa abordagem, temos uma atuação mais ampla que a an-

terior, isso porque nela se discute a dimensão da pessoa que se en-contra em aconselhamento e, desse modo, os aspectos éticos, cul-turais, ontológicos, políticos e todos os demais que se vinculam à construção de uma pessoa passam a ser discutidos. Um elemento central a ser discutido é a atitude que a pessoa adota perante a vida, como ela compreende a si mesma nesse processo relacional e como o seu ambiente social, cultural e ambiental se relaciona com a atitude adotada. Não mais se tem uma discussão sobre um fato isolado, mas sobre a visão de mundo (weltanschaung) presente na vida do aconselhado.

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Desse modo, a postura do aconselhador lembra muito a de Sócrates e sua pertenogênese de ideias, buscando fazer com que o aconselhado descubra dentro de si a inquietação eminentemente fi-losófica e realize, na busca da sabedoria, uma atitude a ser adotada para toda a vida.

O grande desafio do aconselhador é o de, por meio do diálogo entre iguais e diferentes, promover a sistematização da dimensão que o aconselhado possui a respeito desse tema, problematizá-la a partir de outras dimensões filosóficas possíveis e apresentar con-trapartidas críticas para a análise do aconselhado, de modo que ele possa perceber outras possibilidades possíveis para a construção de seu ethos.

Open-Ended (Fim aberto) Nessa dimensão, temos uma relação entre aconselhado e

aconselhador muito próxima daquela que já vimos nos cafés filo-sóficos, onde as pessoas que lá se encontram tem tão somente o intento de realizar um diálogo filosófico. Nele, não há finalidade determinada, realiza-se o encontro pelo prazer de se realizar a ex-periência filosófica. Fazendo uso de Jaspers, Bruno Raabe (1999) explicita essa atitude ao trazer à baila a afirmação de que seria um dos primeiros erros, na prática filosófica, o estabelecimento de uma meta, isso porque a “[...] invenção de uma meta é técnica – e não prática filosófica” (JASPERS apud RAABE, 1999, p. 76).

Desse modo, a ênfase no encontro entre aconselhado e acon-selhador não se encontra mais em uma meta a ser atingida, mas no processo desencadeado pelo exercício do filosofar, ou como bem o disse Ron Lahav, ao invés da busca de um produto final, na aborda-gem de finalidade em aberto se “[...] valoriza o processo de busca; e ao invés de se construir teorias abstratas e gerais, esta encoraja a única expressão concreta do caminho de ser no mundo” (LAHAV [s.d.] apud RAABE, 1999, p. 77).

End Point Oriented (Orientação a um ponto fim) Nessa dimensão, temos um caminho inverso do anterior e que

possui muitas semelhanças com a proposta orientada para o proble-

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ma. Nessa abordagem, o aconselhado apresenta uma meta filosó-fica que deseja perseguir e, diante dela, o aconselhador estabelece uma trajetória filosófica que permite a caminhada do aconselhado de modo que ele possa atingir essa meta.

Como exercício ilustrativo dessa abordagem, imaginemos juntos que um empresário necessita de tomar decisões referentes à possibilidade da criação de limites que seus funcionários devem adotar no acesso e uso das redes sociais e, diante desse desafio, se vê na necessidade de entender o conceito de liberdade individual e sua relação com a sociedade ou instituição e quais seriam as abor-dagens possíveis para ela.

Nesse contexto, o aconselhador necessitará estabelecer uma rota de filósofos e filosofias que trafegam sobre esse tema e, ao fazê-lo, buscará por meio do diálogo e o debate apresentar várias facetas filosóficas possíveis para esse tema.

A questão da autonomia/normatividade no aconselhamento

Um dos temas que Raabe discute e que também é muito im-portante refere-se à autonomia do aconselhado ou eventual nor-matividade a ser estabelecida para o aconselhado. De certo modo, temos nessa díade visões filosóficas diferentes que sustentam cada um desses posicionamentos, isso porque se nos pautarmos por uma abordagem filosófica pós-moderna, onde há o questionamento quanto à possibilidade da existência das metanarrativas, ou ainda, se fizermos uso de uma abordagem existencialista, onde a criação de um projeto essencial anterior ao indivíduo careceria de fun-damento, caberia ao aconselhador fornecer elementos para que o aconselhado autonomamente decida o “melhor caminho para sua vida”, visto que a filosofia, em tese, deve favorecer essa autonomia.

Por outro lado, os defensores da normatividade advogam que não é possível abdicarmos dessas metanarrativas, ou, ainda, não deixarmos de intervir, criticamente, quando o posicionamento ado-tado pelo aconselhado infringe determinada regra lógico-filosófica ou apresente desdobramentos éticos problemáticos, isso porque, se

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assim o fizéssemos, estaríamos abdicando da própria relação dialó-gica e assertiva que deve estar presente no debate filosófico.

Diante disso, baseando-nos em Aristóteles, consideramos que o aconselhador deve adotar um certo equilíbrio entre ambas as posições, pois, se respeitasse irrestritamente o posicionamen-to do aconselhado, ele deixaria de exercitar seu papel de portador de determinados saberes construídos ao longo de sua experiência filosófica e, em contrapartida, se se pautar tão somente por uma abordagem normativa, estaria correndo o risco de não fomentar a autonomia do aluno na sua construção pessoal e investigativa e, eventualmente, geraria uma relação de dependência, muito diferen-te daquela em que se assenta a Filosofia.

Quanto a abordagem metodológica proposta por Bruno Ra-abe, foi intitulada pelo autor como Método dos Quatro Estágios e, segundo ele:

Este modelo lida com a maioria das concepções teóricas do aconselhamento filosófico assim como a maioria dos relatórios da prática atual. Eu irei argumentar que este mo-delo trata todas as diversas necessidades de vários clientes, é orientado para uma meta sem infringir a autonomia do cliente, permite que a autonomia do cliente seja realçada mais que simplesmente respeitada, ele claramente diferen-cia o aconselhamento filosófico da psicoterapia (se isso é realmente importante), e esse evita a prejudicial ambi-guidade e imprecisão de modelos posmodernos extremos “além do método” propostos por Achenbach e outros (RA-ABE, 1999, p. 8, grifo do autor).

Nessa proposta de estágios, segundo Raabe, não necessaria-mente há uma característica sucessória, ou seja, pode-se ir de um estágio para outro e ou retornar-se a um estágio anterior de acordo com o processo de aconselhamento.

Primeiro estágio: Flutuação Livre (Free Floating)Nesse estágio se inicia o diálogo e a relação de confiança do

aconselhador e aconselhado. Nele o aconselhador busca obter do cliente, inclusive por meio da aplicação de questionários, os moti-vos que o levaram a buscar ajuda filosófica.

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Nesse momento, a abordagem deve ser não diretiva e com metas abertas, de modo que ocorra uma experiência fenomenológi-ca/hermenêutica de leitura do aconselhado. A ênfase na ausculta do aconselhado, sem julgamentos, sem o uso de perguntas diretivas e o uso do diálogo socrático, visam aprofundar e segmentar o que o aconselhado busca.

Bruno Raabe propõe que, nesse estágio, nunca devemos tra-tar o aconselhado do mesmo modo, nos adaptar às suas diferentes necessidades, pois é nele que passamos a entender as necessidades do cliente e a ajudá-lo a encontrá-las. Há a necessidade de que haja o afastamento de pré-julgamentos e intenções; não se busca uma meta nesse momento. Há a tentativa de se ampliar o quadro da história do aconselhado com o objetivo de conhecer suas necessi-dades e problemas (RAABE, 1999, p. 176-177).

Segundo Estágio: Resolução Imediata de Problemas (Immediate Problem Resolution)

Esse é o momento em que o aconselhador busca apresentar as peças do quebra cabeça existencial no qual se encontra o cliente e as inter-relações entre essas peças. Nele o aconselhado apresenta suas dificuldades de ordem ética e existencial. Nessa etapa, o acon-selhado espera que o aconselhador assuma a “autoridade” oriunda da filosofia para se posicionar diante dos problemas pelos quais ele passa.

Há um processo de empatia, em que o aconselhador se mostra como um humano, na medida em que se mostra sensível aos proble-mas pelos quais envereda o aconselhado. Nele, busca-se identificar os “nós” que ocorrem na vida do aconselhado, simplificando-os ou colocando-os em perspectiva. No processo de diálogo, o aconse-lhador pode apontar as contradições existentes entre aquilo que é pensado e o que é realizado concretamente de modo a se colocar em perspectiva o que está ocorrendo.

Os procedimentos de conduta são quase sempre analíticos, por isso, faz-se uso de uma análise lógica dos problemas apresen-tados, verifica-se os argumentos e apresenta-se contra-argumentos por meio de raciocínios indutivos e dedutivos:

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O aconselhamento nesse estágio pode descobrir premissas escondidas sobre, por exemplo, motivos humanos no caso de problemas de relacionamento inter-pessoa, a natureza e função da família no caso de diferenças familiares, dife-renças sexuais e regras sexuais no caso de problemas com o cônjuge ou problemas com a identidade pessoa, a respei-to dos deveres do próprio cliente, auto-estima e assim vai (RAABE, 1999, p. 182).

O autor alerta para o risco de o aconselhador, nesse momen-to, fazer uso de exercícios retóricos para persuadir o aconselhado a aceitar o ponto de vista do aconselhador e, com isso, perder a dimensão da autodescoberta e investigação que, em tese, a filosofia deve proporcionar ao indivíduo.

Estágio 3 – Ensino: como um ato intencional (Teaching: as a in-tentional act)

Nesse estágio, o aconselhador busca fornecer ao aconselhado as ferramentas filosóficas que permitam a ele, por si mesmo, co-meçar a realizar investigações, análise e conclusões fundamentadas filosoficamente. Diferente da psicoterapia, onde não se busca fazer com que o cliente se torne um psicoterapeuta, no aconselhamento, é desejado que o aconselhado se torne um investigador da filoso-fia, adquirindo para si a atitude e o rigor filosófico, “[...] assistindo o cliente a se tornar capaz de conduzir uma examinação crítica e reconstrução na ausência da expertise do aconselhador” (RAABE, 1999, p. 186)

Há nesse momento a tentativa de que o indivíduo comece a se auto emancipar e, para isso, o problema que o levou até o aconse-lhador deve estar devidamente encaminhado de modo que ele possa se dedicar a aprender o filosofar. Para tanto, é necessário que haja intencionalidade do aconselhador em demonstrar ao aconselhado habilidades para o pensamento crítico, estratégias para tomada de decisões éticas, análise filosófica etc. (RAABE, 1999). Há a neces-sidade de que o aconselhado seja engajado na verificação de como o problema é verificado e que possa sair do problema em que se encontra para perceber aquilo que está sendo ensinado.

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Há nessa etapa uma clara atitude educativa do aconselhador com o intuito de oferecer ao aconselhado os aspectos centrais da atitude filosófica, indo desde a análise e resolução de falácias até os erros de raciocínio de ordem lógica presentes nos problemas abor-dados. É nesse momento que o aconselhado tem acesso direto às grandes abordagens teóricas da história da filosofia e seus respec-tivos filósofos.

Pretende-se que o aconselhado adquira habilidades suficien-tes de modo que possa ser capaz de realizar uma autodiagnose me-diante o uso do ferramental filosófico.

Estágio 4: Transcendência (Transcendence)Esse estágio é descrito pelo autor como o processo em que o

indivíduo passa a lidar com as “questões de segunda ordem” (RA-ABE, 1999, p. 196). Nele o aconselhado é convidado a realizar a si mesmo as grandes perguntas de ordem ontológica, quer seja sobre si mesmo quer seja sobre o mundo e sua relação com tudo isso. Fazendo uso de um referencial heideggeriano, Raabe nos convida a aventar a possibilidade de que o aconselhado reflita sobre sua situação de estar no mundo (Dasein).

Fundamentado pela atitude filosófica, o aconselhado passa a indagar, investigar e produzir inferências a respeito das visões de mundo existentes (weltanschauung); construir a sua própria vi-são de mundo, sobre o significado da vida e assim sucessivamente. Consideramos que, nessa proposta de Raabe, o aconselhado é esti-mulado a se apropriar da atitude questionadora da filosofia e, com isso, passa a ser um interrogador a respeito de si mesmo, a respeito dos outros, sua relação com esses outros e com o mundo.

Há, nessa fase, a ênfase na emancipação do indivíduo e o es-tímulo para que ele realize, por si mesmo, investigações de ordem filosófica.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dos métodos precursores apresentados e dos métodos atual-mente existentes no AF, consideramos que existam dois elementos

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em comum que merecem nossa atenção, visto que possuem pro-funda relação com os fundamentos filosóficos subjacentes a essa prática filosófica.

O primeiro deles é a ênfase no exercício da racionalidade e, mais especificamente, na análise lógica das premissas que utiliza-mos para avaliar as situações que vivenciamos em nossas vidas. Subjacente a esse exercício, existe o entendimento de que, ao mu-darmos a forma como avaliamos a realidade, mudamos a forma como reagimos racional e emocionalmente diante dessa mesma re-alidade.

Quanto ao segundo elemento, este se manifesta em uma pro-posta de exercício contínuo e ascendente de apropriação filosófica por parte do aconselhado. Apropriação essa que, em tese, permitirá que, no futuro, o aconselhado passe a exercitar, de modo indepen-dente, uma atitude filosófica em relação aos seus dilemas existen-ciais, sociais e culturais.

Há nessa conduta uma interpretação humanista que advoga a possibilidade de emancipação do indivíduo e a aquisição de hábitos autônomos de pensamento e reflexão filosófica.

Desses dois aspectos, concluímos que a filosofia, na proposta metodológica presente no Aconselhamento Filosófico, é exercitada como um fim em si mesma. Aparentemente essa afirmação pode soar um tanto quanto paradoxal, visto que, quando o aconselha-do inicia seu processo de aconselhamento, existe uma finalidade instrumental em seu exercício; no entanto, no processo dialógico e investigativo criado entre aconselhado e aconselhador, paulatina-mente, o aconselhado adquire e exercita atitudes e questionamen-tos eminentemente filosóficos que, nutridos e exercitados habitual-mente, permitirão a ele se tornar autônomo em suas investigações e questionamentos.

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