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Fundamentos Metodológicos do Ensino de História e Geografia

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A lógica formal e a lógica dialética, os conteúdos e objetivos pedagógicos no ensino de História e Geografia

Material Teórico

Responsável pelo Conteúdo:Profa. Dra. Adriana Aparecida Furlan

Revisão Textual:Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicaroni

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•Lógica formal e lógica dialética

•Conteúdos e objetivos pedagógicos

Nesta unidade, a leitura do texto teórico e o desenvolvimento das atividades são fundamentais para o acompanhamento da linha de raciocínio a ser trabalhada.

Suas experiências pessoais, vividas em sua vida escolar e cotidiana, também serão essenciais para que compreenda, com mais facilidade, o que trataremos nesta unidade.

Muito tempo de nossas vidas é dispendido na escola, desde pequenos até chegarmos à universidade, como é agora seu caso. Nesse longo processo a que estamos submetidos, nossa forma de pensar e agir sobre o mundo vai, paulatinamente, sendo construída. Os professores desempenharam e desempenham um papel fundamental em nossas vidas, desde a mais tenra idade, como orientadores e direcionadores de pensamentos e comportamentos que se refletem/refletirão em nossa vida adulta.

Dessa forma, a maneira como somos treinados a pensar (na vida escolar e cotidiana) definirá muitas de nossas atitudes e ações perante a sociedade na qual vivemos e, se atuarmos como professores, perante nossos alunos também.

O ato de ensinar é reflexo da forma como entendemos o mundo e das escolhas que fazemos. Sendo assim, compreendermos de que forma se desenvolve o raciocínio (que chamamos de lógica de pensamento), o papel dos conteúdos nas aulas e quais objetivos pedagógicos perseguimos é de fundamental importância para que a nossa atuação, em sala de aula, seja consciente e transformadora.

· Iniciaremos nossos estudos com uma unidade de discussão sobre a lógica do pensamento e a forma como, em função dessa lógica, organizamos nossa prática pedagógica, em relação aos conteúdos a serem trabalhados em aula e a nossos objetivos pedagógicos.

· Para atingirmos, satisfatoriamente, nossos objetivos, nesta disciplina, saliento a importância da leitura atenta dos textos e empenho na realização das atividades propostas.

A lógica formal e a lógica dialética, os conteúdos e objetivos pedagógicos no ensino de História e Geografia

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Unidade: A lógica formal e a lógica dialética, os conteúdos e objetivos pedagógicos no ensino de História e Geografia

Contextualização

Imagine as seguintes situações:

1. Você tem um texto de História no qual há vários nomes de personagens importantes da história do Brasil, fatos realizados por esses personagens e datas importantes relativas a esses fatos.

2. O professor pede que leia o texto, o qual “cairá” na prova. Você sabe que precisa saber os nomes dos personagens, fatos e datas, pois, provavelmente, isso será questão da prova. Solução: decorar os nomes, fatos e datas.

3. Para a aula de Geografia, o professor solicita que decore os nomes das capitais e rios mais importantes do Nordeste do Brasil. Para isso, usa diferentes estratégias, tais como um mapa em branco para que coloque os nomes das capitais e dos rios; faz chamada oral para verificar o quanto conseguiu absorver de informações e, na prova, coloca um mapa para que identifique corretamente as capitais e os rios.

4. Em um telejornal é apresentada, por vários dias, uma notícia sobre um fato que teve lugar em um país distante e é mostrada uma visão unilateral (única) sobre os acontecimentos. Dessa forma, o fato apresentado em tal emissora leva a crer que as coisas aconteceram daquela forma.

Ao longo de um período (que pode ser de vários anos) aprendendo a reproduzir ideias, através de treinos de decorar o que é supostamente importante, sem ter a possibilidade de interagir com o que está sendo aprendido e não podendo questionar, um tipo de raciocínio será desenvolvido.

Para Pensar

Que tipo de adulto se formará em função de treinamentos como esses apresentados nas situações acima? Essas situações poderiam ser diferentes? De que forma?

Se desejamos formar um aluno crítico, o caminho apresentado acima (nas situações) é o mais indicado? Por quê?

As respostas para essas questões serão desenvolvidas ao longo desta unidade.

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Lógica formal e lógica dialética

Para Pensar

É muito comum ouvirmos dizer que “os professores ensinam os alunos a pensar”, “aquele aluno não sabe pensar” e coisas do gênero. Vejamos: pensar é uma característica do ser humano e, desde que nascemos, pensamos! Por que a tarefa de ensinar a pensar cabe ao professor? E aqueles que não têm a oportunidade de frequentar uma escola? Não pensam?

Em outras situações, bastante comuns, ouvimos dizer que “aquele aluno não sabe nada!” ou, ainda, “aquele aluno não aprende nada”.

Analisemos as afirmações apresentadas acima. Se considerarmos que pensar é algo inerente ao ser humano, não podemos concordar com que os professores são responsáveis por nos ensinar a pensar. Mas podemos considerar que os professores são responsáveis por direcionar nosso pensamento ou, ainda, por fazer-nos pensar em determinadas direções. O que fica para nossa vida adulta, da nossa passagem pela escola, além de conhecimentos adquiridos, é uma forma de pensar e agir sobre o mundo.

Quando o professor trabalha conosco de uma determinada maneira, o seu discurso, os materiais didáticos que utiliza nas atividades que realiza em aula, entre outros, estão nos levando a desenvolver determinados tipos de raciocínio, e isso é o que ficará para nossa vida adulta e fora da escola.

E como conhecemos os objetos, fatos, fenômenos? O que é conhecer?

Como se dá esse processo? Em quais tipos de raciocínio somos treinados na escola (e na vida cotidiana)? Como tomamos contato com o mundo exterior e conhecemos as coisas?

Vamos por partes. Segundo Lefebvre (1991, p. 49), “o conhecimento é um fato: desde a vida prática mais imediata e mais simples, nós conhecemos objetos, seres vivos, seres humanos.” Esse conhecimento é prático, social e histórico. A partir de nossas experiências cotidianas, conhecemos os objetos e seres e interagimos com eles. A forma como nos relacionamos com eles acontece através de nossos sentidos, e esse relacionamento é, em grande parte, orientado pelas regras sociais que imperam na sociedade em que estamos inseridos. Esse conhecimento que adquirimos é histórico, pois desenvolve-se e aprimora-se ao longo do tempo, de geração em geração; é adquirido e conquistado.

Podemos conhecer, então, através das relações que desenvolvemos com os objetos e com os seres. Se considerarmos que cada um de nós tem uma formação e histórias de vida diferentes, a forma de interação com os objetos ou seres e o conhecimento que teremos sobre eles serão diferentes de um indivíduo para outro, ou seja, o que eu conhecer sobre algo não será, necessariamente, o que você irá conhecer, pois somos pessoas diferentes, embora o objeto ou ser a ser conhecido seja o mesmo.

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Na escola, somos levados a ter, todos, a mesma relação com os objetos e seres, uma vez que o conhecimento a ser adquirido será determinado pelos professores (via livro didático, programas de governo, entre outros) e nossas características individuais serão colocadas em segundo plano (ou em outro mais abaixo).

O que conheceremos nas aulas de História ou de Geografia, por exemplo, será previamente determinado pelo professor, que, por sua vez, tem isso em sua mente, motivado pela forma como entende essas disciplinas ou em função de orientações superiores (programas de governo, material didático previamente determinado).

A forma como estas disciplinas (História e Geografia) serão trabalhadas pelo professor determinará um tipo de relação com os fatos históricos e geográficos que conheceremos e tipos específicos de raciocínios que desenvolveremos.

Quando, em uma aula de História, somos levados a decorar nomes de heróis, datas e fatos importantes sobre a história nacional ou internacional, desenvolvemos um tipo de raciocínio semelhante àquele desenvolvido em aulas de Geografia nas quais temos que decorar capitais de estados e nomes de rios, por exemplo.

A forma de raciocínio é a mesma: reprodução de verdades absolutas previamente dadas (pelo livro, texto ou professor). A nós cabe somente reproduzir as informações e mantê-las em mente até a prova (para não ficar com nota baixa), uma vez que temos que provar que sabemos o que nos foi ensinado nas aulas.

Essa forma de transmissão de conhecimento - como se este fosse uma verdade absoluta, na qual há somente o certo ou o errado, o falso ou o verdadeiro, em que não há possibilidade de questionamentos (uma vez que está no livro ou foi dito pelo professor!) - desenvolverá um raciocínio em que a dúvida não tem espaço e o aluno se tornará um mero reprodutor de discursos previamente prontos e tidos como verdadeiros. Este tipo de raciocínio é levado para fora da escola e interferirá na vida cotidiana, na qual o sujeito será alguém que aceitará as coisas como são (porque alguém disse, especialmente se for uma autoridade!), não terá dúvidas e nem questionará se haverá outra possibilidade de se olhar o fato. Um adulto que terá dificuldades em ver “o outro lado da moeda” e que agirá conforme as regras impostas, sem questioná-las. Esse aluno, e futuro adulto, não será o que podemos chamar de “crítico”.

Esse tipo de raciocínio pode ser definido, conforme Lefebvre (1991), como lógica formal.

A lógica formal (...) determina através do puro pensamento as regras de seu emprego correto, ou seja, as regras gerais da coerência, do acordo do pensamento consigo mesmo. (Por exemplo: é uma regra de todo pensamento coerente que ele não deve ser destruído por uma contradição)

(LEFEBVRE, 1991, p. 81).

Dessa forma, Lefebvre conclui que “não basta falar ou escrever corretamente, é preciso ter algo a dizer!”

Na lógica formal, o objeto a ser conhecido é apresentado segundo uma única versão (seja um fato, um fenômeno, um acontecimento, um objeto ou qualquer outra coisa). Essa versão apresentada é tida como verdadeira, pois é acompanhada de um raciocínio coerente e construída de forma que não sobre espaços para questionamentos. Por exemplo: aprendemos

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sobre a independência do Brasil e o grito do Ipiranga. Absorvemos em nossa imaginação aquela imagem de Dom Pedro, em seu cavalo, empunhando a espada, às margens do tal rio, e declarando a independência de Portugal, no dia 7 de setembro de 1822. Todos nós (pelo menos a maioria) aprendemos, em algum momento de nossa vida escolar, esse fato. Dificilmente nossos professores nos levaram a questionar o que esse fato possa ter significado, o que levou a tal fato e se a imagem criada em nossa mente correspondia à realidade. Gritou independência ou morte, e pronto... fez-se a independência de Portugal, como num passe de mágica.

Assim como a imagem do grito do Ipiranga, a imagem de um Tiradentes barbudo e com a corda no pescoço povoa nosso imaginário. Mais importante do que compreender o processo, foi termos a certeza de que o Tiradentes foi o mártir da Inconfidência Mineira (que, geralmente, nem sabemos exatamente a que se refere), num ano X e que Dom Pedro proclamou a independência em 7 de setembro de 1822.

A reprodução desses fatos com seus heróis e datas tornaram-se mais importantes do que conhecer o processo e verificar se há outras formas de se analisar esses acontecimentos. Decoramos isso, repetimos e devolvemos na prova para “tirar uma boa nota”.

Agindo dessa forma, como nesses sucintos exemplos, estamos agindo dentro da lógica formal, ou seja, acreditando em verdades absolutas, sem questioná-las. Por mais estratégias diferenciadas de que possamos nos valer para que o aluno compreenda os fatos (Inconfidência Mineira, Independência do Brasil e qualquer outro), se o raciocínio que desenvolvermos for aquele da simples devolução das coisas prontas, sem possibilidade de abrir o leque de visões, estaremos atuando dentro da lógica forma. Não desenvolveremos a criticidade no aluno e teremos um adulto que acreditará no que lhe é dito, sem questionar, e que não será capaz de sair do “lugar” em que se encontra, pois acreditará que as “coisas são assim mesmo!”

Temos, ainda, um problema quando somos obrigados a justificar para o aluno porque ele tem que aprender isso ou aquilo (que não faz sentido para sua vida mais imediata). Por exemplo: em uma aula de geografia, o aluno questiona por que ele tem que aprender coordenadas geográficas (latitude e longitude) e, por diversas vezes, a resposta do professor é que “se você estiver perdido no meio do oceano saberá se localizar”. Já ouviu algo assim? É uma situação muito mais comum do que imaginamos. Veja bem: a possibilidade de o aluno estar perdido no meio do oceano é muito pequena e de ele se lembrar de como calcular coordenadas geográficas é menor ainda! Então para que ele tem que aprender isso? Bem... está no programa de Geografia e, em dado momento, o professor tem que ensinar o aluno as coordenadas geográficas.

Na realidade, esse conteúdo, tradicional, como tantos outros, serve para que, ensinado dessa forma, cristalize o ensino de geografia com base na lógica formal, ou seja, da reprodução do conhecimento e de se ficar na aparência das coisas, sem atingir sua essência.

A lógica formal é a lógica da aparência, uma vez que o fato dado não será questionado e isso mantém-nos somente no nível da informação sobre o fato ou objeto.

Essa é a única possibilidade de se trabalhar em sala de aula? Esse é o único tipo de raciocínio que podemos desenvolver em nossos alunos?

A resposta é: não! Há outra possibilidade. Podemos, em vez de transmitir o conhecimento dos livros, textos e nosso mesmo, como algo pronto e acabado, colocar as coisas em dúvida, ou seja, apresentar mais de uma possibilidade de análise.

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Se partirmos do princípio de que nem sempre existiu ser humano neste planeta (de acordo com as descobertas arqueológicas feitas até hoje), o que temos, hoje, é nada mais, nada menos que criações humanas. Mesmo eventos naturais são explicados pelos seres humanos e essas explicações mudam com o tempo, a cada vez que mudam as ideias das pessoas e as sociedades. Sendo assim, é necessário que tenhamos a clareza de que a opção por se ensinar um tipo ou outro de raciocínio também depende da sociedade em que se vive e de que forma as relações sociais são estabelecidas.

Podemos apresentar os fatos “oficiais” e lançar dúvidas sobre eles, trabalhando com outras formas de interpretá-lo. Se simplesmente lançarmos dúvidas, mesmo que não as respondamos, estaremos nos direcionando para o desenvolvimento de um outro tipo de raciocínio: em que há questionamento, há dúvidas, algo pode estar certo ou errado e ser verdadeiro ou falso, dependendo do ponto de vista e de quem está dizendo. Dessa forma, as verdades tornam-se relativas e não absolutas e ensinamos que o que pode ser verdade para uns não o é para outros e que, ao longo do tempo, as verdades mudam, em função da mudança na forma de pensar das sociedades, de novas descobertas e de estudos que levam à elaboração de novas verdades.

Esse tipo de raciocínio leva à criticidade e forma um aluno e adulto que não aceitará a coisa como está, nada pronto, e que o levará a sair do “lugar” em que está, porque saberá onde está. Esta é a lógica dialética, a lógica que busca apontar as contradições e os questionamentos.

Unindo a lógica com o conhecimento, temos que o que será conhecido de um objeto ou ser dependerá da relação que eu estabelecer com ele em função do tipo de raciocínio que eu desenvolver: se me relacionar com a aparência, estarei dentro da lógica formal e, se buscar a essência das coisas, estarei agindo na lógica dialética.

Portanto, não só os conteúdos que escolhemos para trabalhar em sala de aula, mas também o tipo de raciocínio que desenvolvemos nos alunos serão o pano de fundo na relação ensino-aprendizagem e no aluno/adulto que estamos contribuindo para formar.

Conteúdos e objetivos pedagógicos

Conteúdos e objetivos pedagógicos

Você se lembra do que aprendeu em Biologia no 1º ano do Ensino Médio? Em matemática no 9º ano? Em Geografia na 7º série?

Bem, talvez você se lembre de alguns conteúdos, pois teve que repeti-los diversas vezes ou porque gostou do assunto ou, ainda, porque esta ou aquela disciplina eram suas favoritas e tinha muita facilidade nela, ou, até mesmo, por outro motivo.

O fato é que a maioria dos conteúdos que aprendemos na escola nós esquecemos. Então surge uma dúvida: se é para esquecer, por que tenho que aprender?

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Não há dúvidas de que os conteúdos fazem parte de conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo do tempo e que a escola nos permite tomar contato com eles de forma organizada e sistemática. A questão que se coloca é: qual o papel que estes conteúdos desempenham na relação ensino-aprendizagem?

Ao longo do tempo, a ciência especializou-se, na medida em que as sociedades foram se tornando mais complexas. Não há um mundo do historiador, do geógrafo, do químico, do físico, do biólogo e de tantos outros. O mundo é um só; o que temos é um olhar diferenciado para cada fenômeno e questões específicas sobre cada olhar, que serão respondidas de acordo com a especificidade de cada área do conhecimento. Por exemplo: para um historiador, a questão fundamental é: quando? Para um geógrafo, a questão é: onde? E associada a essa questão básica, estão outras que levam a compreender os fatos no tempo (história) ou sua distribuição no espaço (geografia).

Os conteúdos têm um papel importantíssimo na relação ensino-aprendizagem, pois, sem eles, essa relação não tem mediação. Mas o conteúdo não pode ser um fim em si mesmo, ou seja, ele deve exercer um papel de mediador nessa relação, e o que deve ser buscado é algo maior do que a simples transmissão de conteúdos, o que chamamos de objetivo pedagógico.

Vejamos um exemplo citado por Pereira (1994):Os professores de geografia [não só eles, pois se trata de um fato comum entre as disciplinas que compõem as grades curriculares (...)] há muito deixaram de pensar em objetivos a serem atingidos por determinados conteúdos. O meio (conteúdo) se transformou em fim.Tanto isso é verdade, que aqueles populares planejamentos feitos pelos professores ao início do ano, por exigência da estrutura escolar, são esquecidos para sempre. Afinal, o que interessa é o conteúdo. A prova mais cabal desse processo de reificação dos conteúdos é que, nesses planos, o conteúdo se transforma em objetivo: por exemplo, ao se definir que o objetivo do estudo do conteúdo “indústria brasileira” é fazer com que o aluno saiba o que é a “indústria brasileira” . E aí, sem saber, o professor começou a adotar a lógica do cachorro que corre atrás do seu próprio rabo e consegue apenas ficar cansado.Ao estabelecer um objetivo como esse, o máximo que o professor consegue atingir é o nível da informação a respeito do fenômeno.

(PEREIRA, 1994, p.62)

O que podemos aprender com essas afirmações? Aprendemos que o conteúdo, por si mesmo, é somente informação e não produz, por si só, algum tipo de raciocínio. É o professor que, de posse desse conteúdo, o utilizará para formar um certo tipo de raciocínio na mente do aluno e, dependendo da lógica de pensamento que em este se pautar (formal ou dialética), o conteúdo ganhará status de somente conteúdo (nível da informação) ou ferramenta para formação de pensamentos (objetivo pedagógico).

A razão de existir da relação ensino-aprendizagem é mais profunda do que a simples transmissão de conteúdos (informações). Essa relação pressupõe a consciência do papel que ela desempenha na vida do educando e da sociedade. O que leva à necessidade de consciência por parte do professor de que ele está construindo formas distintas de pensar em seus alunos, dependendo de como ele conduzirá o processo na relação ensino-aprendizagem.

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Se a preocupação primordial for com os conteúdos (e somente com ele), ficaremos perseguindo a lógica formal e contribuiremos para manter a ordem das coisas (na sociedade) com elas estão, ou seja, produzindo cidadãos com pequena capacidade de questionamento e aceitando as imposições e regras estabelecidas.

Mas podemos definir objetivos pedagógicos e persegui-los, tendo, para isso, os conteúdos como ferramentas fundamentais e indispensáveis no processo.

Como isso funciona? Como agir, então, se não estamos satisfeitos com nossa prática pedagógica de privilegiar conteúdos e treinar nossos alunos na lógica formal?

O primeiro passo é termos clareza de que o tipo de treino que fizermos com nossos alunos (treino mental, desenvolvimento de pensamentos e raciocínios) é o que ficará para as suas vidas, pois aí está a base de sua formação (e não de sua informação – nossos alunos adquirem informações, cada dia mais e mais, na TV, na internet entre outros meios).

Tendo clareza de que podemos manipular e treinar o raciocínio do aluno, escolhemos os objetivos que queremos perseguir em um bimestre, semestre, ano ou ciclo. E esses objetivos não podem ser relativos aos conteúdos, mas sim às habilidade mentais que desenvolveremos em nossos alunos. Essas habilidades são adquiridas com treinamento; não são natas no ser humano: observar, relacionar, interpretar, questionar, entre outras. Quanto mais nós as treinarmos, mais o aluno as colocará sob seu domínio (assimilará). Vejamos um caso: muitos de nossos alunos (pequenos, especialmente) acreditam que o leite vem do supermercado. Mesmo sabendo que existem fazendas com vaquinhas, caminhões que transportam o leite e que este é embalado em outro lugar (uma fábrica), são incapazes, geralmente, de estabelecer tais relações, ou seja, de relacionar fazenda – transporte – fábrica – supermercado. Por quê? Por que estão submetidos, na sala de aula, a aprender “em partes, o saber compartimentado” e dificilmente fazem a junção, pois não adquiriram a habilidade de relacionar. E essa deficiência não se resolve na vida adulta; não é porque nos tornamos adultos que aprendemos, “de uma hora para outra”, a relacionar as coisas.

Essa habilidade (relacionar) só será adquirida pelo aluno, na medida em que propusermos exercícios que o levem a treinar esse tipo de raciocínio, ou seja, atividades que tenham como objetivo (pedagógico) o relacionar.

Da mesma forma, a observação é treinada. Quanto mais elementos fornecermos para que nossos alunos treinem essa habilidade, melhores observadores se tornarão. Um bom observador consegue perceber detalhes que outros podem não ver. Esse é um passo importante para buscar a essência das coisas e não ficar somente na aparência.

O saber questionar é conseguido com treino também. Quando trabalhamos com verdades absolutas, reproduzindo conhecimento que está em textos prontos e acabados (livros didáticos, por exemplo), tomando um fato como único e inquestionável, não estamos possibilitando ao aluno o desenvolvimento da habilidade de questionar. Esta habilidade é desenvolvida quando o fato apresentado (na versão que tivermos em mão, a partir do livro didático, por exemplo) for questionado ou apresentado sob outra forma de olhar para ele. Esse treinamento envolve a mudança de questões a serem feitas sobre o que está sendo estudado (determinado conteúdo). Perguntas como: O quê? Qual? Quando? Onde?, com respostas prontas, não contribuem para o desenvolvimento da habilidade de questionar, uma vez que, provavelmente, as respostas a essas questões estejam no material fornecido (texto do livro didático, por exemplo).

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Para se treinar essa habilidade, devemos incitar a dúvida com perguntas tais como: Por quê? Explique. Justifique. De que forma? Conforme esta visão... Conforme a outra visão... Assim, o importante não é responder às questões levantadas, mas, sim, ensinar o aluno a perguntar; buscando mais do que uma forma de ver os fatos.

Desenvolver tais habilidades deveria ser um objetivo permanente, que se desenvolverá gradualmente, ao longo de todo o processo de ensino-aprendizagem. Embora confrontar o que está sendo apresentado com ideias de outros autores possa não ser tão simples bem como desenvolver atividades para além do programado ou orientado pela escola ou material didático seja mais trabalhoso, o importante é que o resultado de ter um aluno crítico (o que é desejado) será alcançado.

O processo de avaliação também deverá ser repensado, pois medir o conhecimento de algo dado e pronto (perguntas e respostas sobre o que foi dado como conteúdo da aula) é mais fácil do que verificar de que forma as habilidades estão sendo apreendidas. Cabe, aqui, questões e exercícios que visem à devolutiva como aplicação da habilidade treinada, sendo que o conteúdo será a ferramenta para tal avaliação. Por exemplo: pode se dar um texto e fazer um questionário para que o aluno busque as respostas no texto (habilidade de interpretação – baseada na lógica formal) ou retirar uma passagem do texto, apresentar um questionamento (dúvida) que leve o aluno a apresentar outra visão sobre a passagem do texto ou buscar outra informação para confrontá-la (habilidade de interpretação – baseada na lógica dialética)

Em certo sentido, precisamos refletir, primeiro, sobre o que foi imposto para nós mesmos nos anos em que ficamos na escola. De que forma o que foi trabalhado nas aulas e pelos tantos professores que tivemos contato afetou nossas vidas? Somente após um minucioso processo de reflexão sobre nós mesmos é que devemos dar o segundo passo na direção de questionarmos o que queremos com nossos alunos e de que forma agiremos para alcançar tal objetivo.

Estas deveriam ser as primeiras perguntas que todos nós, professores, faríamos em nosso planejamento (nossa primeira aula): O que eu quero com este aluno que ficará sob minha responsabilidade por um período X ou Y? Qual será minha contribuição para a formação deste indivíduo que atuará nesta sociedade em que vivemos? Quais habilidades desenvolverei neste aluno neste momento e nos próximos? E, em um segundo momento: Como atingirei estes objetivos? Aqui entram as estratégias de ensino, a didática e os conteúdos que serão desenvolvidos.

Pensar a relação ensino-aprendizagem pressupõe um processo de reflexão constante. Buscar, em primeiro lugar, compreender como pensamos essa relação e como nos imaginamos dentro dela é nosso ponto de partida. Criar uma consciência cada vez maior de nosso papel nesse processo levar-nos-á a mudar aquilo com que não estamos satisfeitos e buscar caminhos alternativos e inovadores para que a educação se torne, cada vez mais, para nós mesmos e para nossos alunos, algo significativo dentro e fora da escola.

O conteúdo deverá estar “a serviço” de algo maior, que chamamos de objetivos pedagógicos, e ser utilizado como ferramenta em sala de aula. Desta forma, se não cumprirmos todo o extenso planejamento que propusemos ou que somos forçados a seguir, não ficaremos frustrados, desde que as habilidades que nos propusemos desenvolver nos alunos sejam alcançadas.

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Material Complementar

Para aprofundamento dos temas abordados na Unidade I, sugiro que assista aos filmes e leia os livros indicados:

Explore

Filmes:

• Coach Carter – Treinando para a vida. Disponível em: http://goo.gl/1pEhT.

• Entre os muros da escola. Disponível em: http://goo.gl/49fZy.

Explore

Livros:

• HARPER, Babete et al.. Cuidado Escola. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1997.

• KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Ed Brasiliense, 1990.

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Referências

LEFEBVRE, H. Lógica formal/lógica dialética. 5 ed. Rio de Janeiro; Ed. Civilização brasileira, 1994.

PEREIRA, D. Geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos pedagógicos. Caderno Prudentino de Geografia – Geografia e Ensino, Presidente Prudente: AGB, n.17, jun. 1995, p. 62-74.

SANTOS, D. Conteúdo e objetivo pedagógico no ensino de Geografia. Caderno Prudentino de Geografia – Geografia e Ensino, Presidente Prudente: AGB, n.17, jun. 1995, p. 20-61.

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Anotações

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