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Fundação Biblioteca Nacional Ministério da Cultura Programa Nacional de Apoio à Pesquisa 2008

Fundação Biblioteca Nacional · facilmente percebido nos discursos dos representantes do poder do período, por exemplo. Em relatório apresentado no ano de 1859, o Ministro dos

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Fundação Biblioteca Nacional

Ministério da Cultura

Programa Nacional de Apoio à Pesquisa 2008

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Programa Nacional de Apoio à Pesquisa

Fundação Biblioteca Nacional - MinC

Giselle Baptista Teixeira

Compêndios autorizados, saberes prescritos: uma análise da trajetória dos livros nas escolas da Corte Imperial

2008

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3 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO I - ESTUDOS SOBRE OS LIVROS ESCOLARES NO BRASIL II- OS LIVROS ESCOLARES NOS OITOCENTOS

2.1 - Os autores dos livros escolares na Corte 2.2 - Mulheres, professoras e autoras 2.3 - Tensões presentes na adoção dos livros escolares nos oitocentos

2.3.1 - A disputa entre “liberais” e “conservadores”: oscilações nas normas do livro escolar

III- A CIRCULAÇÃO DOS LIVROS DE LEITURA, ESCRITA E GRAMÁ TICA NA

CORTE IMPERIAL 3. 1 – Ensino da leitura

3. 2 – Ensino da escrita

3.3 – Introdução da gramática

3. 4 – A “voz” dos professores

3.5 - Os livros de leitura do Barão de Macaúbas

3. 6 - O método “Bacadafá” de Antonio Pinheiro de Aguiar

3. 7 - O método de leitura do “Castilho brasileiro”

3.8 – O “Systema de leitura” do Bacharel Eduardo de Sá

3.9 – Livros de história e ensino da leitura

3.9.1 - Os “Episódios da História Pátria” de Fernandes Pinheiro

3.9.2 - As “Lições de História do Brasil” de Joaquim Manuel de Macedo

3.10 - “Grammatica da língua Nacional”, de Antonio Álvares Pereira Coruja

3. 11 - As Fábulas e suas moralidades

IV- LIVROS DE MORAL E RELIGIÃO NA CORTE IMPERIAL

4. 1 – O ensino da moral e da religião nas escolas da Corte

4.2 – Os livros de moral e religião em circulação na Corte

4.3 - A “doutrina christan” do Cônego Pinheiro

4. 4 – O catecismo de Castilho

4. 5 – A “Doutrina Christã” para os pequenos patrícios

4.6 – O “Compêndio da Doutrina Christã” de Backer

4. 7 – As “Lições Morais e Religiosas” de José Rufino Rodrigues

BIBLIOGRAFIA E FONTES

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4 INTRODUÇÃO

Primeiramente cabe destacar que os resultados apresentados neste relatório

decorrem da pesquisa realizada nos seis meses em que fui contemplada com a bolsa de

pesquisa da Fundação da Biblioteca Nacional (FBN)1, bem como da pesquisa realizada

anteriormente, de março de 2006 a julho de 2008, período em que cursei o mestrado em

educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob a orientação do

professor José Gonçalves Gondra2.

Neste trabalho analisei a produção, controle e circulação dos livros nas escolas

da Corte Imperial, buscando compreender melhor as condições de aparecimento e de

permanência do livro na ordem escolar do Brasil e as ações que o elegeram como um

suporte privilegiado para difusão dos saberes escolarizados. Tendo consciência da

amplitude do tema, na análise das obras, a título de exercício de reflexão acerca das

questões postas na adoção dos livros, me detive mais detalhadamente nos manuais que

eram destinados ao ensino da leitura e da escrita, bem como da moral e da religião, que

naquele período fazia parte do currículo oficial das escolas brasileiras.

Estando inserido nos estudos acerca da história do livro, como os de Lucien

Febvre, Roger Chartier, Robert Darnton, entre outros autores, a escolha do livro escolar

como objeto deste estudo não foi aleatória, sendo apoiada em uma revisão bibliográfica,

e mais especificamente com relação ao século XIX, em documentos sobre a instrução

localizados em arquivos e bibliotecas, que permitem trabalhar com a hipótese de que o

livro se constituiu em um dos principais instrumentos para a escolarização dos saberes,

e uma tecnologia a serviço de um projeto civilizatório posto em curso nos oitocentos.

Nesse sentido, o elegi com o intuito de refletir e melhor compreender aspectos

envolvidos na construção de determinadas práticas escolares da Corte Imperial, bem

como o que em um determinado momento se pretendeu ensinar, os modelos

pedagógicos e os interesses sociais de uma determinada época.

Para realização da pesquisa, as principais fontes utilizadas foram às leis que

regulamentaram a instrução primária e secundária do Município da Corte, os dicionários

biobibliográficos, obras e periódicos encontrados na Biblioteca Nacional, documentos

localizados no Arquivo Geral da Instrução Pública referente aos compêndios, trabalhos

já realizados sobre o tema e os Relatórios dos Ministros dos Negócios do Império e da

1 No período de julho de 2008 a janeiro de 2009. 2 Tendo defendido a dissertação intitulada “Compêndios autorizados, saberes prescritos: uma análise da trajetória dos livros nas escolas da Corte Imperial.

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5 Inspetoria Geral da Instrução Pública. Os documentos e relatos oficiais foram

contrastados com a documentação dos autores, professores e com a análise das obras,

dando a ver o sistema de regras do qual o livro fez parte, as transformações e

permanências neste sistema, e as tensões daí resultantes.

A Corte Imperial, considerada o principal centro urbano nacional, era formada

por uma população heterogênea composta por pessoas livres, libertos, escravos,

estrangeiros, crianças, jovens e adultos. Nessa conjuntura, desde a chegada da família

Real no Brasil, ocorrida em 1808, e, sobretudo, após a Independência, para que

houvesse um controle da diversidade e desigualdade da população e para a conquista de

hegemonia por parte do governo imperial, uma série de normas/leis foram elaboradas (e

modificadas) com vistas a construir um determinado projeto de Estado-Nação.

À instrução foi atribuída a responsabilidade pela formação do povo, e

conseqüentemente pelo bom desenvolvimento do Estado Imperial, o que pode ser

facilmente percebido nos discursos dos representantes do poder do período, por

exemplo. Em relatório apresentado no ano de 1859, o Ministro dos Negócios do Império

João Antonio de Almeida Pereira Filho, assim descrevia a função delegada a instrução:

Raros são os paizes que se achão satisfeitos com o estado de sua instrucção primária; não obstante ser ella objecto de especial solicitude de governos illustrados, sinceramente decididos a promoverem por este elemento poderoso a emancipação moral dos povos, cujos destinos dirigem; auxiliados além disso por immenso concurso de vontades esclarecidas, e dedicadas á mesma cruzada de civilisação e progresso

Em 1871, passado doze anos da opinião emitida por Pereira Filho, o Ministro

dos Negócios do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, também se referia a

instrução primária como a grande responsável por possíveis melhorias que viessem a

acontecer:

A instrucção primária é, com effeito, o primeiro passo, sem o qual não póde o homem melhorar nem progredir. Não há civilização sem sucessivas conquistas da intelligencia; esta só com a cultura se desenvolve: essa cultura é a instrucção, de que a primária é o fundamento. Princípios, costumes, deveres, direitos, sua extensão e seus limites, adiantamento da ordem moral, social e política, todo o andamento da sociedade, em summa, assenta no ensino elementar, que é a porta franqueada a todas as intelligencias para o prosseguimento em todas as carreiras. Assim, da elevação do nível intellectual dos cidadãos

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6 resultará proporcional elevação do nível social; e quantos sacrifícios se fizerem, neste intuito, em proveito dos particulares, serão altíssimos benefícios em proveito do Estado.

Como é possível perceber nas posições dos Ministros do Império, procurava-se

investir na idéia de que a Educação popular – ensino primário e profissional – deveria

funcionar como garantia de transformação social, de alcance do “progresso” e da

“civilização” – mas também, e fundamentalmente, como elemento de direção do povo,

de modo a reproduzir hierarquias e conservar a ordem imperial. (Martinez, 1998). De

acordo com Costa (2007), “Os mais preocupados, nesse momento, com a sua

escolarização eram exatamente o Estado e as elites econômicas e intelectuais, frente à

necessidade de controle social e da prevenção contra a “desordem”, pelo medo de

revoltas de escravos ou homens livres pobres, pois exemplos não faltaram durante o

século XIX, seja na Europa ou na própria América”3. (pág. 12).

Deste modo, a perspectiva do processo de normalização em curso era a de

modelar cidadãos, corrigindo supostos “defeitos”, tentando produzir uma aculturação da

população que, assim, seria mais facilmente controlada/dominada. Nesse entendimento,

é possível afirmar que o período imperial representou um dos momentos mais

significativos para tornar a escola um espaço privilegiado para a transmissão de

determinado saber na sociedade, constituindo-se em um espaço responsável pela

manutenção da ordem de uma população heterogênea, descrita sob os signos da

desordem e ignorância, dentre outros.

Nas propostas de controle dos indivíduos e da população, a escola que estava

sendo construída deveria ter um papel primordial. No âmbito deste projeto, o livro foi

entendido como um dos instrumentos que poderia contribuir para viabilização do

mesmo, como um objeto presente no cotidiano das escolas, com alunos e professores

subsidiando suas aulas, funcionando como uma espécie de veículo de circulação e

inculcação de saberes bem determinados. De acordo com Pires de Almeida, as

publicações pedagógicas se dividiam em três grupos principais,

1°) as que são destinadas aos institutores, institutoras e professores: são obras gerais de educação; 2º) as que se dirigem particularmente aos alunos, meninas e meninos; e 3º) enfim, as obras administrativas, isto é, aquelas que se destinam a fazer conhecer ou recordar aos funcionários da instrução pública as leis e os regulamentos que regem a matérias. (1889, pág. 157)

3 A título de ilustração, a autora nos informar que no ano em que é assinada, no Brasil, a Lei do Ventre Livre, é também o ano em que o povo parisiense toma o poder e estabelece a Comuna de Paris.

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Em relação às duas primeiras, ou seja, as destinadas a professores e alunos, foi

possível constatar que com a expansão do ensino primário, houve também um aumento

da produção de livros escolares. É este acontecimento; a crescente presença dos livros

nas escolas primárias; que inspirou o presente trabalho.

No que se refere aos estudos já desenvolvidos em torno deste tema, observamos

que diferentes autores tem se interessado por ele nos últimos anos. De acordo com

Choppin (2004), “Após ter sido negligenciado, tanto pelos historiadores quanto pelos

bibliógrafos, os livros didáticos vêm suscitando um vivo interesse entre os

pesquisadores de uns trinta anos para cá. Desde então, a história dos livros e das edições

didáticas passou a constituir um domínio de pesquisa em pleno desenvolvimento, em

um número cada vez maior de países”. (pág. 1). Portanto, este trabalho está inserido

neste movimento, articulando-se com estudos acerca da história do livro, como os de,

Agustín Escolano Benito, Alain Choppin, Ana Maria de Oliveira Galvão, Circe

Bittencourt, Elomar Tambara, Henri-Jean Martin, Lucien Febvre, Márcia Abreu, Roger

Chartier, Robert Darnton, entre outros.

Segundo Escolano (2001), o livro didático é considerado um espaço de memória

para a história da educação na medida em que reflete, ao mesmo tempo, uma imagem

sistêmica da escola que ele representa e uma imagem da sociedade que o escreve e que

o utiliza, seja através da materialização dos programas como suporte curricular que ele

é, seja através das imagens e valores dominantes da sociedade que veicula, seja ainda

através das estratégias didáticas e práticas de ensino-aprendizagem que prescreve. Nesta

linha, o livro deve ser entendido como objeto de construção de uma série de interesses

que antecedem ao seu uso, e os elementos que procura definir formam um conjunto de

valores que a sociedade está priorizando. Deste modo, se constitui em um objeto

privilegiado para a melhor compreensão dos interesses sociais presentes em uma

determinada época, mas para tal entendimento devemos buscar problematizar as

relações que produziram e permitiram seu aparecimento.

Para Choppin (2002), “os manuais representam para os historiadores uma fonte

privilegiada, seja qual for o interesse por questões relativas à educação, à cultura ou às

mentalidades, à linguagem às ciências... ou ainda à economia do livro, às técnicas de

impressão ou a semiologia da imagem. O manual é realmente um objeto complexo

dotado de múltiplas funções, a maioria, aliás, totalmente desapercebidas aos olhos dos

contemporâneos”. (pág. 13).

Ainda, de acordo com este autor,

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8 (...) depositário de um conteúdo educativo, o manual tem, antes de mais nada, o papel de transmitir às jovens gerações os saberes, as habilidades (mesmo o “saber-ser”) os quais, em uma dada área e a um dado momento, são julgados indispensáveis à sociedade para perpetuar-se. Mas, além desse conteúdo objetivo cujos programas oficiais constituem a trama, em numerosos países, o livro de classe veicula, de maneira mais ou menos sutil, mais ou menos implícita, um sistema de valores morais, religiosos, políticos, uma ideologia que conduz ao grupo social de que ele é a emanação: participa, assim, estreitamente do processo de socialização, de acumulação (até mesmo de doutrinamento) da juventude. (Choppin, 2002, pág. 14).

Frade e Maciel (2003) alertam que o manual é depositário de um conteúdo, mas

é indissociável do seu emprego pelos usuários. Sofre ordenamentos políticos,

pedagógicos, mas também técnicos, estéticos, comerciais. Por último, deve ser

compreendido com as dimensões do conhecimento, das políticas, das idéias de seu

tempo, sob pena de anacronismos. (pág. 30)

Trabalhando com este entendimento, procurei neste estudo, problematizar um

conjunto de questões que funcionaram como guia para o desenvolvimento da pesquisa.

Qual o poder e a função atribuída aos compêndios no momento em que a educação era

representada como medida primordial para o progresso do Estado Imperial? Que papel

exercia (ou pretendeu exercer) na formação do povo? Que estratégias administrativas

foram criadas para controlar o livro escolar? Quais as possíveis reações às medidas de

controle estabelecidas sobre a circulação dos compêndios? Quais saberes foram

tomados como essenciais para formação humana nesse período, e quais foram negados?

Quais modelos de formação de aluno que se queria constituir por meio dos saberes

contidos nos livros aprovados? Quem eram os autores desses livros, e quais sujeitos

foram considerados autorizados pelas autoridades governamentais para este tipo de

escrita?

Desta forma, com esta reflexão, busco compreender melhor o processo de

constituição do ato de ler no Brasil, mais especificamente compreender melhor o ato de

ler no âmbito das escolas de primeiras letras no século XIX.

Cabe ressaltar que nestas análises, busquei me aproximar do entendimento de

Foucault (1995) de que as unidades dos livros são variáveis e relativas e que, ao lhe

questionarmos, ele perde sua evidência, não se indicando a si mesmo, e só se

construindo a partir de um campo complexo de discursos. Desta forma, procurei

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9 observar o livro em sua complexidade, realizando uma análise do conjunto de fatores

ou do campo complexo de discursos que interferem na sua construção.

Finalmente, do ponto de vista da operação com este tipo de documento, cabe o

alerta de Bittencourt de que “Nos livros didáticos existem outras informações além do

seu conteúdo didático, que se encontram nos prefácios, prólogos, advertências,

introduções. Nestes, é possível entrever mensagens dos autores e os possíveis diálogos

com os professores, com as autoridades e com os alunos e suas famílias”. (2004, pág.

5). Ao lado disso, acompanhando as reflexões de Chartier, é necessário considerar a

dimensão material e tipográfica do livro o que, em sua perspectiva, oferece elementos

importantes para se compreender as prescrições de leitura que o livro aponta. A

combinatória destes aspectos nos dão a ver a verdade que o livro procura instaurar,

ainda que seja insuficiente para definir as práticas de leitura ou o regime de apropriação

a que os livros foram submetidos. É, portanto, nos limites do exame da norma e dos

refúgios de sua efetividade que este estudo foi desenvolvido, o que oferece condição

para se pensar o alcance, impossibilidades e o que ainda está por se fazer.

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10 I - ESTUDOS SOBRE OS LIVROS ESCOLARES NO BRASIL

Ao fazer uma revisão sobre estudos acerca dos livros escolares já realizados no

Brasil, foi possível constatar que diferentes autores têm escrito sobre este objeto. Para

um melhor conhecimento desses autores e da maneira como eles abordam o tema, elegi,

para um mapeamento preliminar, artigos que foram publicados nos Anais dos

Congressos de História da Educação Brasileira (CBHE), na Revista Brasileira de

Educação (RBE), na Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), e na Revista

de História da Educação (RHE).

Os CBHE4 são encontros promovidos pela Sociedade Brasileira de História da

Educação (SBHE)5, que tem como objetivo, “congregar profissionais brasileiros que

realizam atividades de pesquisa e/ou docência em História da Educação e estimular

estudos interdisciplinares, promovendo intercâmbios com congêneres nacionais e

internacionais e especialistas de áreas afins”6.

Ao inventariar os Anais desses encontros, procurei verificar o volume dos

trabalhos produzidos sobre os livros e quantos se relacionavam ao século XIX,

chegando aos seguintes números:

Tabela I: Artigos referentes a livros localizados nos Anais do CBHE

Ano Total de

artigos N° de artigos referentes

a “livros escolares” N° de artigos referentes a “livros

escolares” (séc. XIX). 2000 231 87 2 2002 428 138 6

4 No ano de 2000 foi realizado o I CBHE na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o tema: “Educação no Brasil, História e Historiografia”. Em 2002, o II CBHE foi realizado em Natal/RN e intitulou-se “História e Memória da Educação Brasileira”. O terceiro Congresso foi realizado em 2004 na PUC do Paraná, tendo como tema central: “A Educação Escolar em Perspectiva Histórica”. O quarto Congresso foi realizado em 2006 na Universidade Católica de Goiás, intitulando-se “A Educação e seus sujeitos na História”. A realização do quinto Congresso já está prevista para acontecer em Aracaju – Sergipe, entre os dias 9 a 12 de novembro deste ano, tendo com tema central “O Ensino e a Pesquisa em História da Educação”. 5 A Sociedade Brasileira de História da Educação é uma entidade sem fins lucrativos que foi criada em 28 de setembro de 1999, durante a 22ª Reunião Anual da ANPEd. 6 Informações retiradas do site da sociedade: http://www.sbhe.org.br/. 7 No I CBHE, os artigos localizados sobre os livros escolares foram os seguintes: “Manuais que ensinam professores a ensinar: a construção de saberes pedagógicos em livros didáticos usados por normalistas (1930 – 1970)”, de Vivian Batista da Silva; “Mensagens presidenciais e livros didáticos no Brasil”, de Ademir Gerbara; “Ana de Castro Osório e a construção da grande aliança entre os povos: dois manuais da escritora portugueza adoptados no Brasil”, de Maria José Lago dos Remédios; “Escolas de imigrantes italianos: Livro didáctico e patriotismo”, de Rosa Lydia Teixeira Corrêa; “Cenas étnicas nos livros didáticos de Geografia” de Ivaine Maria Tonini; “O manual didático: contexto histórico de emergência e implicações na organização da escola moderna”, de Lígia Regina Klein; “A adoção da Cartilha Maternal na instrução publica Gaúcha”, de Iole Faviero Trindade; “O programa nacional do livro didático e a formação de professores para o ensino fundamental e médio”, de Selma Rinaldi de Mattos. Os artigos que abordam o século XIX são os de Corrêa e Trindade.

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11 2004 418 169 6 2006 457 2010 11

8 No II CBHE, os trabalhos encontrados sobre os livros escolares foram os seguintes: “O significado do “tacto pedagógico” nos manuais de Pedagogia e de Didáctica (Antologia de textos do magistério primário)”, de Laura Maria Batista da Mota Girão; “O ensino da leitura, escrita e gramática na instrução primária em Pernambuco (1827 – 1889)”, de Ana Maria de Oliveira Galvão e Marta Regina da Costa Catanho; “Um gênero de manual escolar: os paleógrafos ou livros de leitura manuscrita”, de Antonio Augusto Gomes Batista; “As faces dos livros de leitura”, de Cátia Regina Alves de Oliveira e Rosa Fátima de Souza; “A pedagogia da nação nos livros didáticos de História do Brasil do Colégio Pedro II (1838 – 1920), de Arlete Medeiros Gasparello; “Estado, Nação e Etnia na construção do Estado Imperial através do Compêndio de História do Brasil de José Inácio de Abreu e Lima”, de Selma Rinaldi de Mattos; “Lecturas Selectas: língua e civilização nos livros didáticos de Espanhol publicados nas décadas de 40 e 50 no Brasil”, de Deise Cristina de Lima Picanço; “O Estado Novo nas cartilhas de alfabetização”, de Isabel Cristina Alves da Silva Frade e Francisca Izabel Pereira Maciel; “Linguagens alternativas na construção do saber: charges e imagens nos livros didáticos”, de Maria Lindaci Gomes de Souza e Marlúcia Paiva; “O livro didático no Pará da 1ª Republica”, de Maricilde Oliveira Coelho; “Uma história de leituras para professores em Portugal e no Brasil (1930 – 1971)”, de António Carlos Luz Correia e Vivian Batista da Silva; “Práticas de leitura e memória escolar”, de Márcia de Paula Gregório Razzini; “Para formação do bom Sergipano: Um estudo do livro didático ‘Meu Sergipe’ de Elias Montalvão (1916)”, de Leila Angélica Oliveira Moraes de Andrade. Os artigos que referem-se ao século XIX, são os de Girão, Catanho e Galvão, Batista, Oliveira e Souza, Gasparello e Mattos. 9 No III CBHE, os artigos localizados sobre os livros escolares foram os seguintes, “A indústria de livros, a materialidade do impresso e o campo educacional: Reflexões sobre a organização do acervo histórico da companhia Editora Nacional”, de Maria Rita de Almeida Toledo; “Os manuais pedagógicos e o discurso da formação de professores: saberes em viagem permanente”, de Viviam Batista da Silva e Antônio Carlos Luz Correia; “A instrução pública entre aplausos e críticas na primeira metade do novecentos na Paraíba. Discursos e compêndios didáticos”, de Maria de Lourdes Barreto de Oliveira; “A construção do código disciplinar da história: professores produzindo manuais de didática e metodologia do ensino no Brasil (1960 – 1970)”, de Maria Auxiliadora Schmidt; “As quatro operações fundamentais na ‘Arithmetica racionada’ de Pedro D’ Alcântara Lisboa, publicada em 1863”, de Elenice de Souza Lodron Zuin; “Educação e Nação: um estudo preliminar das leituras pedagógicas na Biblioteca de Sílvio Romero (1851 – 1914)”, de Cristiane Vitório de Souza; “Idéas sem lugar nos livros de Português (1940 – 1980) – a crítica ao normativismo feita por escritores exemplares”, de Suzete de Paula Bornatto; “Práticas de representação: as visões de infância em manuais para o ensino das primeiras letras”, de Maria Aparecida Junqueira de Veiga; “Livros escolares no século XIX: a presença de Pestalozzi”, de Giselle Baptista Teixeira; “O ensino de história na primeira República. Manuais didáticos e a Reforma João Pinheiro (1906)”, de André Coura Rodrigues; “Imagens e livros escolares denominados Cartilhas”, de Isabel Cristina Alves da Silva Frade e Priscila Maria de Lana; “Manual de lições de cousas de Norman Calkins: produzindo professores (as) para tecer a República em Santa Catarina”, de Gladys Mary Teive Auras; “A escravidão no livro didático de história; problematizando momentos da história da educação brasileira no século XIX”, de Maria Cristina Dantas Pina; “Livros didáticos e ensino de história nos anos setenta: memórias de professores”, de Cláudia Regina Kauka Martins; “A Pedagogia por meio da Pedagogia: teoria e prática (1954), de Antônio D’ Ávila”, de Thabatha Aline Trevisan; “Uma abordagem de saudade (1919) de Thales Castanho de Andrade e sua relação com a leitura escolar”, de Cleila de Fátima Siqueira. Os artigos que abordam o século XIX, são os dos seguintes autores, Silva e Correia, Zuin, Souza, Teixeira, Frade e Lana, e Auras. 10 No IV CBHE, os trabalhos encontrados sobre os livros escolares foram os seguintes: “A pedagogia dos catecismos protestantes no Brasil católico”, de Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento; “As madres da historiografia educacional: o manual de Peeters e Cooman”, de Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas e Jorge Carvalho do Nascimento; “Ensinamentos de Clio: o livro didático de história e a historiografia brasileira”, de Olívia Morais de Medeiros Neta; “Entre livros de ‘doutrina christã’ e ‘história’: as contribuições do Cônego Pinheiro na educação do século XIX”, de Giselle Baptista Teixeira; “Livros de leitura e cartilhas na escola primária em Mato Grosso: uma análise a partir do papel do Conselho Superior da instrução publica (1915 – 1927)”, de Lazara Nanci de Barros Amâncio e Cancionila Janzlovski Cardoso; “Livros escolares e reforma do ensino: considerações acerca da produção didática em Minas Gerais na Reforma João Pinheiro (1906 – 1915)”, de André Coura Rodrigues; “Manuais destinados à formação de professores no Brasil: Base Manbras”, de Leilah Santiago Bufrem e Mikie Alexandra Okumura Magnere; “O ensino da leitura pelo método analítico: ideário, práticas pedagógicas e disputas”, de Claudia Panizzolo; “Produção de livros didáticos e expansão escolar em São Paulo (1880 – 1930)”, de Márcia de Paula Gregório Razzini; “Professores, alunos e livros

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12 Por meio destes dados, é possível perceber que, do I para o II Congresso,

houve um crescimento no número de trabalhos em relação aos que privilegiam os livros

escolares, cinco a mais, e também de trabalhos que incidem sobre os livros escolares do

século XIX, quatro a mais, crescimento que também pode ser percebido do III para o IV

Congresso, já que este último apresenta quase o dobro de trabalhos relativos ao século

XIX, o que não acontece do II Congresso para o III, no qual há uma estabilidade, com a

mesma quantidade de trabalhos, seis.

Os dados apresentados demonstram uma certa consolidação e fortalecimento da

pesquisa acerca deste objeto. Contudo, cabe a ressalva de que quando entendemos os

manuais como uma das fontes privilegiadas para a história da educação, que permitem,

quando analisados na relação com outros documentos, a apreensão, os modos de

funcionamento, bem como o melhor entendimento de uma cultura escolar, não podemos

deixar de advertir que ainda há muito o que se pesquisar, principalmente no que se

refere ao século XIX, onde, ao contrário do que se poderia imaginar, havia uma

expressiva quantidade desses objetos, fato verificável, por exemplo, na massa

documental existente no AGCRJ.

Passando para análise das revistas, as primeiras inventariadas foram as RBE, que

são uma “publicação quadrimestral da ANPEd - Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Educação, em co-edição com a Editora Autores Associados,

voltada à publicação de artigos acadêmico-científicos”, dirigida “a professores e

pesquisadores, assim como a estudantes de graduação e pós-graduação das áreas das

ciências sociais e humanas”11. Do número zero, publicado no ano de 1995, até o ano de

2007, no qual a revista se encontrava no seu trigésimo sexto número, pude localizar sete

didáticos nas correspondências da Editora Companhia Nacional”, de José Cássio Másculo; “Reflexões às minhas alunas, um manual de conduta”, de Maria Arisnete Câmara de Morais; “As leituras de José Veríssimo Dias de Mattos”, de Rosana Llopis; “João Ribeiro, autor de livros didáticos de história e de língua portuguesa”, de Emery Gusmão; “Assim nas páginas como nas margens, marcas do ler em livros escolares do acervo do museu da escola catarinense (décadas de 20 a 70 do século XX)”, de Maria Teresa Santos Cunha; “Manuais didáticos para uso de professores: mudanças e permanências nas prescrições para a prática pedagógica”, de Vera Teresa Valdemarin; “Modelo católico de leitura e formação de professores na coleção atualidades pedagógicas - 1940 – 1970”, de Maria Rita de Almeida Toledo; “A caixa de utensílios e o tratado: modelos pedagógicos, manuais de pedagogia e práticas de leitura de professores”, de Marta Chagas de Carvalho; “Os modelos pedagógicos nos impressos adotados na escola pública catarinense do século XIX”, de Fábia Liliã Luciano; “A nova escola para aprender a ler, escrever e contar. Os apontamentos sobre a educação de um menino nobre: livros para uso no ensino das primeiras letras nas escolas setecentistas”, de José Carlos de Araújo Silva, e por último, “Leituras escolanovistas para a formação de normalistas”, de Soraya Mendes Adorno. Os autores que tratam do século XIX, são os seguintes: Nascimento, Neta, Teixeira, Magnere, Panizzolo, Razzini, Morais, Llopis, Gusmão, Carvalho e Luciano. 11 Informações retiradas do site da revista, http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm.

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13 trabalhos sobre o tema livros, sendo dois referentes ao século XIX12. Cabe ressaltar,

que seis desses artigos foram publicados a partir do ano de 2000.

Pelo fato desta revista ser uma publicação quadrimestral, destinada a todas as

áreas de educação, sendo que a Reunião da ANPEd apresenta 22 diferentes grupos de

trabalho13, é possível entender o número reduzido de publicações acerca dos livros.

Por fim, me detive na análise de duas revistas destinadas especificamente à

disseminação dos estudos de história da educação, sendo a primeira a RBHE, que “se

propõe a ser um canal de divulgação da produção nacional e internacional na área de

história da educação”14, (analisei no período de 2001 a 2007)15, e a segunda, a RHE

publicada pela Associação Sul-rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação

(ASPHE)16, produzidas no período de 1997 a 2007. Com este levantamento, obtive os

seguintes números:

Tabela II: Artigos sobre livros localizados em Revistas de História da Educação

N° de revistas N° de artigos referentes a N° de artigos referentes a “livros

12 Os sete artigos referentes a livros localizados na RBE são os seguintes: “O esquecimento de um livro. Tentativa de reconstituição de uma tradição intelectual no campo educacional”, produzido por Zaia Brandão, Ana Waleska, Vera Maria Henriques, Libânia Xavier, Carlos Otávio Moreira e Maria Paulo dos Santos, tendo sido publicado na revista de número 3, do ano de 1996; “Livros escolares de leitura: uma morfologia (1886 – 1956)”, de Antônio Gomes Batista, Ana Maria de Oliveira Galvão e Karina Klinke, tendo sido publicado na revista de número 20, no ano de 2002; “Olhares que fazem a “diferença”: o índio em livros didáticos e outros artefatos culturais”, produzido por Teresinha Silva de Oliveira, sendo publicado na revista de número 22, do ano de 2003; “A constituição das interações em sala de aula e o uso do livro didático: análise de uma prática de letramento no 1° ciclo”, de Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo, Eduardo Fleury Mortimes e Judith Green, e “Fundamentos filosóficos dos livros didáticos elaborados por Ratke, no século XVII”, de Sandino Hoff, ambos publicados na revista de número 25, no ano de 2004; “Discursos do mundo do trabalho nos livros didáticos do ensino médio”, por Rosane Evangelista Dias e Rozana Gomes de Abreu, tendo sido publicado na revista de número 32, no ano de 2006; e por último, “Saberes em viagem nos manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870 – 1970)”, por Vivian Batista da Silva, sendo publicado na revista de número 35, no ano de 2007. Os artigos referentes ao século XIX, são os de Batista, Galvão e Klinke; e Batista. 13 Os grupos de trabalhos, assim intitulam-se, GT02 – História da Educação, GT03 – Movimentos Sociais e Educação, GT04 – Didática, GT05 – Estado e Política Educacional, GT06 – Educação Popular. GT07 – Educação de Crianças de 0 a 6 anos, GT08 – Formação de Professores, GT09 – Trabalho e Educação, GT10 – Alfabetização, Leitura e Escrita, GT11 – Política de Educação Superior, GT12 – Currículo, GT13 – Educação Fundamental, GT14 – Sociologia da Educação, GT15 – Educação Especial, GT16 – Educação e Comunicação, GT17 – Filosofia da Educação, GT18 – Educação de Jovens e Adultos, GT19 – Educação Matemática, GT20 – Psicologia da Educação, GT21 – Afro-Brasileiros e Educação, GT22 – Educação Ambiental, GT23 – Gênero, Sexualidade e Educação. 14 Informações retiradas do site da Revista. 15 A Revista, de publicação semestral até 2006, passou a ser quadrimestral a partir de 2007. 16 De acordo com o site da ASPHE, a associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação foi criada em 1996, sendo a primeira associação de pesquisadores em História da Educação a constituir-se no Brasil. Ela congrega pesquisadores em história da educação de diversas instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul, tendo como principais atividades a “promoção de encontros anuais que visam, sobretudo, debater e qualificar teórica e metodologicamente os resultados das pesquisas em andamento, e a publicação da revista História da Educação”.

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14 pesquisadas “livros escolares” escolares” (Séc. XIX/Brasil)

SBHE 15 617 3 ASPHE 20 1918 13

Ao analisar os artigos de tais revistas, assim como os dos congressos

mencionados, alguns estados se destacaram na produção de trabalhos referentes aos

livros escolares: Minas Gerais (MG), Rio Grande do Sul (RS) e São Paulo (SP).

Em MG, a maioria das pesquisas são decorrentes das atividades de

pesquisadores ligados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dentre os quais

se destacam Ana Maria de Oliveira Galvão, Antonio Augusto Gomes Batista, Francisca

Izabel Pereira Maciel e Isabel Cristina Alves da Silva Frade. Batista e Galvão19, por

exemplo, organizaram e publicaram o livro, “Leitura: práticas, impressos, letramentos”,

no ano de 2005. Galvão também publicou em 2007, o livro “História da cultura escrita:

séculos XIX e XX”. Maciel e Frade, assim como Batista e Galvão, estabeleceram

17 Os artigos referentes aos livros publicados na RBHE são os seguintes: “A idéia de Europa no período fascista: análise de um livro de história da pedagogia” de Giovane Genovese; “Os livros escolares da “Bibliotéque Bleue”: arcaísmo ou modernidade?”, de Jean Hébrard, tradução de Laura Hansen e Maria Rita Toledo; “La educación física Argentina en los manuales y textos escolares (1880-1930) Sobre los ejercicios físicos o acerca de como configurar cuerpos útiles, productivos, obedientes, dóciles, sanos e racionales”, de Pablo Scharagrodsky, Laura Manolakis y Rosana Barroso; “Uma história das leituras para professores: análise da produção e circulação de saberes especializados nos manuais pedagógicos (1930 – 1971)”, de Vivian Batista da Silva; “A cartilha maternal e algumas marcas de sua aculturação”, de Iole Maria Faviero Trindade; “Monteiro Lobato e seus leitores: livros para ensinar, ler para aprender”, de Marco Antonio Branco Edreira. Os artigos que se referem ao século XIX, são os de Hébrard; Scharagrodesky; Manolakes e Barroso; Trindade. 18 Os artigos publicados na Revista da ASPHE foram os seguintes: “Livros didáticos, sabres disciplinares e cultura escolar: primeiras aproximações”, de Décio Gatti Júnior; “A formação de professores para o ensino mutuo no Brasil: o curso normal para professores de primeiras letras do Barão de Gérando (839)”, de Maria Helena Camara Bastos; “João de Deus, a cartilha maternal e o ensino de leitura em Portugal”, de Catia Regina G. A. de Oliveira; “Método analítico, cartilhas e escritores didáticos: ensino da leitura em São Paulo (1890 – 1920)”, de Maria do Rosário Longo Mortatti; “A produção e o uso de livros de leitura no Rio Grande do Sul: Queres ler? E Quero ler”, de Eliane Teresinha Peres; “Transferência culturais entre metrópole e colônia: o livro escolar como instrumento da formação do cidadão em Quebec no século XIX”, de Thérese Hamel; “O Dictionnaire de pédagogie et d’ instruction de F. Busson (1878 – 1887 e 1911): bíblia da escola republicana” de Patrick Dubois, “O historiador e o livro escolar”, de Alain Choppin; “Trajetórias e natureza do livro didático nas escolas de ensino primário no século XIX no Brasil”, de Elomar Tambara; “O livro e a biblioteca, o documento e o arquivo na era digital”, de Diana Gonçalves Vidal; “As cartilhas e a história da alfabetização no Brasil: alguns apontamentos”, de Francisca Izabel Pereira Maciel; “A leitura, o cinema e os processos educativos na obra de Jonathas Serrano: problemas metodológicos e precauções morais da pedagogia nos anos 1910 – 30”, de André Luiz Paulilo, “A adoção da cartilha maternal na instrução pública gaúcha”, de Iole Faviero Trindade; “Livros e leitores em Policarpo Quaresma”, de Pedro da Cunha Pinto Neto; “Escolha de livros didáticos de alfabetização: dialogando com permanências históricas e com modelos atuais de inovação”, de Isabel Cristina Alves da Silva Frade; “Os livros didáticos de matemáticas na escola secundária brasileira no século 19”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia; “O circuito cultural das cartilhas no primeiro governo republicano sul-rio-grandense”, de Iole Maria Faviero Trindade; “O método Bacadafá: leitura, escrita e língua nacional em escolas públicas primárias da Corte Imperial (1870-1880)”, de Alessandra Frota Martinez de Schueler, e por último, “O conhecimento em Desenho das Escolas Primárias Imperiais brasileiras: O livro de Desenho de Abílio César Borges”, por Gláucia Trinchão. 19 Galvão e Batista também publicaram em 2002, juntamente com Karine Klinke, o já mencionado artigo na RBE, bem como o artigo “A leitura na escola primária brasileira”, na revista “Presença Pedagógica” de Belo Horizonte em 1998.

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15 parcerias de trabalho em torno da temática do livro, já que ambos organizaram e

publicaram o livro “História da Alfabetização: produção, difusão e circulação de livros

(MG-RS-MT séc. XIX e XX)”, no ano de 2006, possuindo, nesta obra, três capítulos

referentes ao estado de MG, sendo estes, “Fontes para a história da alfabetização e dos

livros em Minas Gerais: os impressos e os arquivos”, “A Livraria Francisco Alves e

suas relações com o mercado de livros escolares de alfabetização, em Minas Gerais”, e

“O livro de Lili em Minas Gerais: hegemonia didática e suas influências. História da

alfabetização: produção, difusão e circulação de livros (MG/RS/MT Séc. XIX e XX)”.

O trabalho em parceria em torno do livro se repete na obra publicada por Peres e

Tambara em 2003, examinado mais adiante. 20

Cabe destacar que muitos dos autores mencionados foram orientandos de

doutorado da professora Magda Becker Soares, conhecida por seus estudos acerca da

alfabetização e do letramento. Assim como Soares, eles fazem parte do Centro de

Alfabetização, Leitura e escrita (Ceale) da UFMG, estando Francisca Izabel Pereira

Maciel na atual direção deste centro. O Ceale “é um órgão da Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), criado em 1990, com o objetivo de

integrar grupos interinstitucionais de pesquisa, ação educacional e documentação na

área da alfabetização e do ensino de Português”. Entre os objetivos de pesquisas

desenvolvidos pelo Ceale, encontra-se o de investigar práticas de leitura e de escrita da

região de MG, ou em parceria com pesquisadores de outros Estados, mantendo,

inclusive, um setor de documentação e memória, “que reúnem teses e dissertações sobre

alfabetização, leitura e escrita, livros didáticos, cartilhas e manuais de leitura, arquivos

privados, livros infantis e juvenis de literatura, cadernos de professores e alunos, além

de cartazes e fotografias que apresentam um pouco da história e do cotidiano das salas

de aula do início do século XIX aos dias de hoje.” 21

No RS, na produção de trabalhos referentes aos livros escolares se destacam os

autores Eliane Teresinha Peres, Elomar Tambara, Iole Maria Favieiro Trindade e Maria

Teresa Santos Cunha. A primeira, coordenou no período de 2001 a 2004, na

Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a pesquisa intitulada “Leituras de formação

docente: produção e a circulação de manuais pedagógicos no Rio Grande do Sul 1869 –

1970”. Peres foi autora, juntamente aos trabalhos já citados, de dois artigos da parte

dedicada a Pelotas no livro organizado por Frade e Maciel (2006), sendo o primeiro

“Desenvolvimento do projeto de pesquisa Cartilhas Escolares em Pelotas (RS):

20 Trata-se do artigo “Cartilhas de alfabetização e nacionalismo”. 21 Informações retiradas do site do Ceale: http://www.fae.ufmg.br/ceale/

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16 organização do trabalho, fontes e questões de investigação”, e o segundo, “A

produção e a circulação de cartilhas escolares no Rio Grande do Sul: alguns dados de

pesquisa”. Organizou também, junto com Tambara, o livro “Livros escolares e Ensino

da Leitura e da Escrita no Brasil (Séculos XIX – XX)”, publicado no ano de 2003.

Tambara também se destaca como pesquisador de livros, sendo sua pesquisa atual,

iniciada em 2001, voltada para a análise de textos de leitura utilizados no Brasil no

século XIX nas escolas de primeiras letras. No livro organizado com Peres, foi autor do

artigo “Textos de leitura nas escolas de ensino elementar no século XIX no Brasil”. Já

Trindade, professora da Universidade Federal o Rio Grande do Sul (UFRGS), publicou

em 2004 sua tese de Doutorado intitulada “A invenção de uma nova ordem para as

Cartilhas. Ser Natural, nacional e mestra. Queres Ler?”, juntamente com os artigos já

mencionados e publicados nas revistas e congressos de história da educação. Cunha

coordenou, no período de 2003 a 2006, o projeto “Hóspedes do tempo, inquilinos da

vida: um estudo sobre o acervo de livros escolares do Museu da Escola Catarinense”,

estando atualmente, e desde de 2006, se dedicando a pesquisa “Saberes impressos:

imagens de civilidade em textos escolares (Série Pedrinho, de Lourenço Filho) e textos

não escolares: composição e circulação.(Décadas de 50 a 70 do século XX)”.

A produção do RS pode ser explicada em parte pela própria parceria existente

com o Ceale. O livro organizado por Tambara em 2003, por exemplo, e por Frade e

Maciel em 2006 são resultados desta parceria. Em introdução do primeiro livro,

Tambara nos explica que:

Os textos reunidos nesta coletânea estão vinculados, direta ou indiretamente, ao projeto de pesquisa interinstitucional denominado Cartilhas Escolares – Ideários, práticas pedagógicas e editoriais (MG, MT, RS, 1870-1996), em andamento desde 2001, numa parceria entre pesquisadores das universidades federais de Minas Gerais, Mato Grosso e Pelotas. Trata-se de um projeto que pretende realizar um levantamento e uma análise qualitativa da produção das cartilhas nacionais que circularam no Brasil no período de 1870/1996, destacando o material produzido e em circulação em MG, MT e RS. (pág. 7)

Frade e Maciel, na introdução do segundo livro, também ajudam a compreender

o desenvolvimento desse trabalho conjunto, nos informando que:

O livro/repertório que apresentamos é resultados deste programa de pesquisa interinstitucional, empreendido no CEALE/FaE/UFMG, sob a coordenação geral de Isabel Cristina

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17 Alves da Silva Frade, e tem como coordenadores de cada estado: Francisca Maciel (MG, Eliane Teresinha Peres (UFPel) e Cancionila Janzkovski Cardoso (UFMT) e sua colaboradora, Lazara Nanci de Barros Amâncio. Este projeto teve início no ano de 2001 e os resultados que apresentaremos foram produzidos em cinco anos de trabalho. No momento, o projeto se configura como um programa contínuo de pesquisa sobre a história dos livros e da alfabetização, nos três estados (...). (pág. 15)

As autoras responsáveis pela pesquisa em Mato Grosso, Cancionila Janzkovski

Cardoso e Lazara Nanci de Barros Amâncio, ambas da Universidade Federal de Mato

Grosso (UFMT), publicaram no livro organizado por Frade e Maciel, três artigos

referentes a sua região, sendo o primeiro “Fontes para o estudo da produção e circulação

de cartilhas no estado de Mato Grosso”, o segundo, “Memórias da trajetória docente de

uma alfabetizadora: entrecruzando vozes e tecendo fios”, e por último, “Circulação de

cartilhas em Mato Grosso e o caso de Ada e Edu”. Já no primeiro livro do projeto,

organizado por Tambara, somente Amâncio foi autora, com o artigo “Cartilhas de

ensino de leitura e escola primária em Mato Grosso no início do século XX”. Há

também que se destacar nesta região, o trabalho de Ana Paula da Silva Xavier, também

da UFMT, que pesquisou a leitura e a escrita na escola primária de Mato Grosso,

defendendo no ano de 2006, sob a orientação do professor Dr. Nicanor Palhares, a

dissertação “A leitura e escrita na cultura escolar primária de Mato Grosso (1837 –

1889)”.

No estado de São Paulo, com base no balanço feito, destacaram-se Vivian

Batista da Silva, Márcia de Paula Gregório Razzini, Cátia Regina Guidio Alves de

Oliveira e Maria do Rosário Longo Mortatti. A primeira, Silva, se encontra atualmente

ligada a Universidade São Francisco em Bragança Paulista - SP, defendeu mestrado e

doutorado sobre manuais pedagógicos, tendo o primeiro trabalho o título, “História de

leituras para professores: um estudo da produção e circulação de saberes especializados

nos manuais pedagógicos brasileiros”, de 2001, e o segundo “Saberes em viagem nos

manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970)”, de

2006. Juntamente aos artigos já citados, Silva publicou em parceria com António Carlos

da Luz Correia, o livro “Manuais Pedagógicos - Portugal e Brasil - 1930 a 1971 -

Produção e Circulação Internacional de Saberes Pedagógicos”, no ano de 2002. Razzini,

tendo experiência nas áreas de Educação e de Letras, participou como pesquisadora do

“Projeto Temático Educação e Memória: Organização de Acervos de Livros Didáticos”,

desenvolvido na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), de

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18 2003 a 2007, o qual abordaremos mais adiante. Publicou outros artigos sobre livros,

além dos já citados nos congressos de história da educação, como, por exemplo, “A

Livraria Francisco Alves e a expansão da escola pública em São Paulo”, no I Seminário

Brasileiro sobre Livro e História Editorial, realizado em 2004 no Rio de Janeiro; e

“Livros e leitura na escola brasileira do século XX”, no livro organizado por Maria

Stephanou e Maria Helena Câmara Bastos, intitulado “Histórias e memórias da

educação no Brasil”, de 2005. Já Oliveira defendeu em 2004 na Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), dissertação de mestrado intitulada “As séries

graduadas de leitura nas escolas primárias paulistas (1890-1910)”. E por último,

Mortatti, também da Faculdade de Educação da UNESP, possui livro publicado sobre o

tema intitulado, “Os sentidos da alfabetização (São Paulo -1876/1994)”, de 2005.

Ainda no estado de São Paulo, encontramos o Projeto Livres, que é um “Banco

de dados de Livros Escolares Brasileiros (1810 a 2005)”, organizado pelo Centro de

Memória da Faculdade de Educação da USP - CMEUSP -, por intermédio do grupo de

pesquisadores do Projeto Temático “Educação e memória: organização de acervos de

livros didáticos”. Segundo seus organizadores, o Banco de Dados Livres,

(...) disponibiliza pela Internet o acesso à produção das diversas disciplinas escolares brasileiras desde o século XIX até os dias atuais e, fornece referenciais e fontes, por intermédio da recuperação de obras e coleta de documentos sobre a produção didática, legislação, programas curriculares, catálogos de editoras, etc. A organização do Banco de Dados LIVRES se insere no projeto temático "Educação e Memória: organização de acervos de livros didáticos", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no Centro de Memória da Educação Escolar, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (CME). A organização do LIVRES caracteriza-se por ser alimentado e ampliado constantemente pelas pesquisas de uma equipe de especialistas da área, que analisam o livro didático em suas diferentes vertentes: conteúdos das diversas disciplinas, processo de produção e história das editoras, memória e usos dos livros em salas de aula. Trata-se de um projeto de pesquisa que tem se desenvolvido no CME com apoio da Biblioteca da FEUSP e convênios internacionais, visando intercâmbios para estudos comparados e acompanhamento das pesquisas em outras instituições.22

22 Informação retirada do site: http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/index.htm.

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19 O Livres é coordenado pela professora Circe Maria Fernandes Bittencourt da

FEUSP, tendo pesquisadores coordenadores23 e pesquisadores associados24. Em

novembro de 2007, o CMEUSP promoveu o “Simpósio Internacional Livro Didático:

Educação e História”, na FEUSP e, segundo seus organizadores, esse encontro, foi o

“(...) primeiro concretizado no Brasil tendo como base os estudos do livro didático em

uma perspectiva histórica, com debates sobre os fundamentos teórico-metodológicos

das pesquisas.”25 O encontro contou com 34 comunicações coordenadas (CC)26,

reunindo coordenadores de diferentes países (Brasil, França, Itália, Portugal, Espanha,

Argentina e Canadá), publicando, aproximadamente, 175 trabalhos. Tais dados tornam-

se mais um indício da ampla quantidade de pesquisas sobre os mais variados aspectos

do livro escolar.

Dentre os pesquisadores coordenadores do Livres, encontramos a presença da

professora Carlota Boto, também da FEUSP, e Kazumi Munakata da PUC-SP. A

primeira dedicou-se de 2003 a 2007, ao projeto “A história da escola em Portugal e no

Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais”, no qual pesquisava os manuais

didáticos de Augusto Coelho, autor português, que estiveram em voga em cursos de

preparação do magistério no Brasil da primeira metade do século XX. Outro “intelectual

23 Atualmente, os professores coordenadores são os seguintes: Carlota Boto (FEUSP), Kazumi Munakata (PUC-SP), Cecília Hanna Mate (FEUSP), Antonia Terra (PUC-SP), Cristina Casadei Pietraróia (FFLCH-USP), Mansur Lutfi (UNICAMP), Eulina Pacheco Lutfi, Marcia de Paula Gregorio Razzini (PUC-SP), Kátia Helena Alves Pereira (Profª do Colégio Marista Arquidiocesano), Yassuko Hosoume (IFUSP) e Cristiano Mattos (IFUSP). 24 Os professores associados ao projeto Livres são, Arlete Medeiros Gasparello (UFF), Conceição Cabrini, Francisca Izabel Pereira Maciel (UFMG - CEALE), Glauce Soares Casimiro (UNIDERP - Campo Grande-MS), Ingrid Hotte (Mackenzie), Vera Lucia Cabana Andrade (NUDOM/UEC - Colégio Pedro II-RJ), Maria Aldaíza Martins (FIG), e Maria Inês Martins (PUC-MG). 25 Trecho retirado da apresentação do Programa e Caderno de Resumos do mencionado simpósio. 26 Sendo as seguintes: CC01 – Fontes, atores e cenários do livro didático de História; CC02 – Matemática/; números e operações no discurso do livro didático; CC03 – Livros didáticos de Ciências: Biologia e Química; CC04 – A História nos livros didáticos: relatos e saberes; CC05 – Saberes escolares, literatura e linguagem; CCO6 – Iconografia, memória e história: imagens e textos; CC07 – Autores e edições de livros didáticos de História; CC08 – Pedagogia e manuais escolares de formação de professores; CC09 – Gramática, literatura e questões de leitura; CC10 – Higiene e Biologia na história do livro didático; CC11 – Autores e editores: produção e circulação do livro didático; CC12 – Manuais de leitura, civilidade e cadernos escolares: notas de formação; CC13 – Novos ambientes do livro didático; CC14 – Cidades, regiões e livros escolares: tópicos; CC15 – Letramento, textualização e biblioteca infantil; CC16 – A educação matemática em formação; CC17 – Editoras, autores e conteúdos: livros de Física e Química; CC18 – O livro didático como fonte e objeto de pesquisa; CC19 – As vozes e os ecos dos livros de leitura: prescrições e usos; CC20 – Livros didáticos de História em tempos autoritários; CC21 – Língua portuguesa e línguas estrangeiras: gramáticas e discursos; CC22 – Política do livro didático e sistemas de ensino; CC23 – Gramática e literatura; poesia e livros de leitura; CC24 – Cultura escolar e livro didático: vivência e violência; CC25 – Estudos sociais, Nacionalismo e Sociologia na historiada produção didática; CC26 – Livros didáticos de Geografia: política e currículo; cc27 – Imagens e linguagens nos livros didáticos; CC28 – Livros didáticos: leituras e produções de texto; CC29 – Cartilhas e métodos de ensino de ler e escrever; CC30 – Nação, cidadania e civismo na cultura escolar; CC31 – Ciências: produção de livros didáticos e conteúdos; CC32 – As artes do currículo: música e contos pátrios; CC33 – Língua Portuguesa: gêneros do discurso e arte de escrever; e por último, CC34 – Saberes escolares da escola primária: memória e histórias.

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20 português” eleito por Boto em seus estudos, foi Francisco Júlio Caldas Aulete, ao

qual dedicou o estudo de sua cartilha, publicando o artigo, “Aprender a ler entre

cartilhas: civilidade, civilização e civismo pelas lentes do livro didático”, em 2004 na

revista “Educação e Pesquisa”, entre outros trabalhos. Já Munakata, reconhecido

estudioso de livros escolares, coordenou de 2003 a 2007, o projeto “A política de livro

didático no regime militar: da Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino

(CALDEME) /Campanha Nacional de Material de Ensino (CNME) à comissão do Livro

Técnico e Didático (COLTED) e à Fundação Nacional de Material Escolar

(FENAME)”. Atualmente coordena, desde 2002, o projeto “História das disciplinas

escolares e do livro didático”, bem como integra o projeto “Manes” (Manuales

Escolares). O “Manes” é um centro de investigação, que tem como objetivo, “(...) la

investigación de los manuales escolares producidos en España, Portugal y América

Latina durante los siglos XIX y XX”27, com a construção de um banco de dados dos

livros didáticos produzidos nesses países. Para isto, conta com uma rede de instituições

e pesquisadores associados, incluindo duas Universidades brasileiras, a PUC-SP e a

UFPR.

Na FEUSP também encontramos a professora Diana Gonçalves Vidal, que

produziu os livros, “O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de

formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937)”, no ano de

2001, bem como “Culturas escolares: estudo sobre práticas de leitura e escrita na escola

pública primária (Brasil e França, final do século XIX)”, no ano de 2005. Juntamente a

estas obras, Vidal já produziu também artigos publicados em revistas de educação, nas

quais também aborda estudos sobre livros escolares, como, por exemplo, “Julia Lopes

de Almeida e a educação brasileira no fim do século XIX: um estudo sobre o livro

escolar contos infantis”, publicado na Revista de Educação Pública, no ano de 2004.

No Rio de Janeiro (RJ), Arlette Medeiros Gasparello da Faculdade de Educação

da Universidade Federal Fluminense (UFF), se destaca na área de história da educação

como pesquisadora de livros escolares. Gasparello defendeu doutorado no ano de 2002

sobre o tema, com a tese “Construtores de identidades: os compêndios de História do

Brasil do Colégio Pedro II (1838-1920)”, tendo publicado a mesma, em livro, com o

título, “Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola

secundária brasileira”, no ano de 2004.

27 Informação retirada do site: http://www.uned.es/manesvirtual/portalmanes.html

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21 Também no RJ, a professora Alessandra Schueler da UERJ, coordena desde

2007, o grupo de Estudo “Intelectuais, Impressos e Sociabilidades”, do qual faço parte,

que visa aprofundar a investigação no campo da História dos Impressos, dos Intelectuais

e suas redes de sociabilidade no Brasil (1850-1910), privilegiando os impressos, os

livros escolares e pára-escolares, os manuais e os textos produzidos por professores

primários e secundários nos vários âmbitos da produção escrita e em espaços diversos

de sociabilidade (imprensa, associações profissionais, sociedades literárias, científicas,

pedagógicas, clubes literários, escolas e colégios, entre outros). Schueler publicou em

2005, juntamente com o já citado artigo da Revista da ASPHE, o artigo “El metodo

Bacadafá: lectura, escritura y lengua nacional en escuelas públicas de enseñanza

primaria de la Corte imperial (1870-1880)”, no “Anuário Historia de La Educacion”,

periódico oficial da Sociedade Argentina de História da Educação.

Ao analisar os autores que têm escrito sobre livros escolares, foi possível

perceber que este tema desperta o interesse de historiadores da educação, como fora

demonstrado nos exemplos aqui enumerados, mas também tem estado no foco de

pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como história, comunicação,

literatura, antropologia, entre outros28.

28 Para saber mais sobre este assunto, cf. Teixeira (2008).

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22

II – OS LIVROS ESCOLARES NOS OITOCENTOS

De acordo com Gondra (2005), no Brasil o fenômeno da educação escolar,

adquiriu maior volume e densidade ao longo do século XIX, assim,

(...) no Brasil, se poderia afirmar, que o século XIX constitui-se no século da “invenção” da forma escolar moderna, modelo de intervenção na ordem social que, no limite, pode ser descrito como um dispositivo que separa crianças, jovens e adultos de seus núcleos sociais primários para recolhê-los, por um determinado número de horas e dias do ano, segundo uma rotina programada para cada dia, o que implica na submissão dessa população à autoridade de um ou mais professores, sob cuja responsabilidade repousava (e repousa) a disseminação de saberes bem determinados, a partir de uma seqüência prevista, com base em procedimentos igualmente calculados. (pág. 5)

Segundo Faria Filho (2000), os recentes estudos a respeito da educação

brasileira no século XIX, particularmente no período imperial, têm demonstrado que em

várias Províncias havia uma intensa discussão acerca da necessidade de escolarização

da população, sobretudo das chamadas “camadas inferiores da sociedade”29.

No processo de formação do Estado Imperial, após a Independência política, a

instrução primária gratuita foi considerada um dos meios capazes de fomentar a

constituição de laços entre os cidadãos e os poderes públicos (art. 179 da Carta de

1824). Integrando o rol dos direitos de cidadania30, a instrução primária foi percebida

como caminho possível para forjar a idéia de unidade, por meio da divulgação da

doutrina católica, religião oficial do estado, da língua pátria, dos símbolos e das

“inventadas tradições” nacionais, a partir de um programa civilizador implementado

pelas classes senhoriais e dirigentes do Estado. (Schueler e Teixeira, 2008).

29 Cf. “Instrução elementar no século XIX”. In: LOPES, Eliane M. e FARIA FILHO, Luciano. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, Autentica, 2000. 30 Pela Constituição de 1824, os direitos de cidadania foram estabelecidos de acordo com os princípios liberais da liberdade e da propriedade. De natureza censitária, a cidadania era dividida em passiva (composta por aqueles indivíduos com menor capacidade renda – 200 mil réis anuais - e, por isso, poderiam ser apenas votantes nas eleições de primeiro grau, incluindo neste caso, os libertos) e ativa (composta por indivíduos com maior capacidade de renda – 400 mil réis anuais - e que poderiam ser eleitores nas eleições de segundo grau; ainda ser elegíveis, de acordo com os critérios de cada cargo ou função pública). Excluíam-se, assim, os escravos e as mulheres. Para os critérios de definição de cidadania e as tensões sociais em torno da questão ao longo dos oitocentos, consultar: Carvalho (2007a), Mattos (2000), e Nicolau (2002).

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23 Pires de Almeida31, por exemplo, em sua obra “A Instrução Pública no Brasil

(1500 – 1889)” de 1889, ao expor sobre as vantagens do ensino primário, demonstra as

idéias de determinados grupos no período sobre este ensino:

A instrução primaria deve ser a base larga sobre a qual repousará todo o edifício da nossa instrução nacional. Este ensino deverá sondar em todos os sentidos as inteligências e garantir atitudes diversas. É preciso, por conseqüência, que todas as ciências aí estejam igualmente representadas. Agir de modo diferente seria expor-se a perder algumas de suas glórias das quais se honra o país inteiro. (pág. 166)

Embora possamos entender o século XIX como rico em debates acerca da

necessidade de escolarização da população, Faria Filho e Vidal (2005), alertam que não

podemos considerar que apenas aqueles, ou aquelas, que freqüentavam uma escola

tinham acesso às primeiras letras. Pelo contrário, há indícios de que a rede de

escolarização doméstica, ou seja, do ensino e da aprendizagem da leitura, da escrita e do

cálculo, mas, sobretudo, daquela primeira, atendia a um número de pessoas bem

superior ao da rede pública estatal. Os autores também assinalam que essas escolas (às

vezes chamadas de particulares, outras vezes de domésticas), ao que tudo indica,

superavam em número, bem avançado até o século XIX, àquelas escolas cujos

professores mantinham um vínculo direto com o Estado. Uma das formas conhecidas

dessa educação doméstica utilizada pelas famílias ricas do Brasil, por exemplo, ocorreu

por meio das preceptoras. De acordo com Ritzkat (2000), muitas vezes, trazia-se para a

casa dos abastados locais uma estrangeira, que deveria ajudar na tarefa de preparar as

crianças e os jovens em uma educação não-institucionalizada. Esta preceptora elaborava

programas e regras para as crianças: aulas, horários, métodos.

Ainda sobre este assunto, de acordo com Limeira (2007), ao identificar

informações diversas acerca das práticas educativas dos particulares no “Almanak

Laemmert”32, como em anúncios de algumas aulas avulsas, de alguns colégios, de

professores e explicadores que comercializavam seus produtos (saberes e práticas

educativas), foi possível encontrar a existência de uma extensa malha privada. Para esta

31 A respeito deste autor cf. Gondra (2002). 32 A informação refere-se ao período estudado pela autora, 1840 e 1850, correspondente às duas primeiras décadas de publicação do mencionado Almanak. Para saber mais sobre este documento, cf. Limeira (2007).

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24 autora, havia “relações, mais ou menos mascaradas, de apoio do poder público a

iniciativa privada no campo da educação”33. (pág. 99).

Apesar da significativa “rede de escolarização doméstica”, é possível verificar

pelos discursos existentes um significativo interesse das autoridades governamentais em

mudar esse quadro. De acordo com Inácio (2002), várias estratégias foram utilizadas no

sentido de produzir e assegurar o lugar da escola sob controle do Estado no século XIX,

sendo necessário diferenciar suas práticas educativas daquelas presentes na esfera

familiar, religiosa e do convívio social mais amplo. A especificidade da escola foi sendo

construída por meio de uma legislação escolar, implantando novos métodos de ensino,

constituindo um corpo de especialistas responsáveis pela instrução, criando escolas

Normais encarregadas de formá-los, procurando diferenciar o tempo escolar do tempo

de convívio nas comunidades, manifestando uma preocupação no que se refere à

construção de espaços específicos para a prática educativa, produzindo novos materiais

e conteúdos escolares.

Dentre esses materiais, é possível perceber que o livro ocupou um lugar

privilegiado. Joaquim Vieira da Silva e Souza, Ministro do Império em 1834, já alertava

para as vantagens que a utilização do livro trazia:

Concluirei esta parte do presente artigo, ponderando a necessidade de se fixarem os Compêndios de que se deve usar em todas as Academias, Aulas, e Escolas Publicas do Império, em quanto se não organisa hum Plano Geral de Estudos. Este objecto não he de pequeno momento: elle interessa não só à instrucção em si, mas também aos estudantes em particular, e ao Estado; áquella, desterrando das classes alguns livros, que já não estão a par da Sciencia, de que tratão, como acontece nas Aulas de Philosophia Racional, e Moral, e substituindo-lhes outros, que tem merecido a acceitação das Nações mais cultas; aos segundos, poupando-lhes os atrazos, que de ordinário sofrem, quando por qualquer motivo mudão de Professor; e ao último, firmando a certeza de que se não corrompe o espírito débil da juventude, imbuindo-o em doutrinas falsas, ou perigosas, ou por qualquer motivo prejudiciais a ella, ou à Sociedade.

No movimento de construção da escola, o livro foi entendido, e eleito, como um

instrumento a ser regulado pelas autoridades governamentais, já que poderia estar

presente no cotidiano das escolas, com os alunos, e com os professores, regulando suas

33 O que pode ser percebido, por exemplo, segundo Limeira (2007), na imprensa e nas palavras autorizadas de homens ancorados fortemente na aparelhagem do Estado, como Antônio Almeida de Oliveira e José Ricardo Pires de Almeida, autores por ela estudados.

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25 aulas. De acordo com Bittencourt (1993), o professor, formado em sua maioria, na

aprendizagem pela prática, deveria contar com o livro didático para dominar os

conteúdos a serem transmitidos. Ainda de acordo com Bittencourt (2004), para

professores sem formação específica, o livro didático representava “o método de

ensino”, além de conter o conteúdo específico da disciplina. (Pág. 484)34

Com este entendimento, trabalho com a hipótese de que os livros passaram a

funcionar como um dos principais instrumentos para concretização dos projetos

educacionais existentes, sendo utilizados por professores, como uma espécie de “guia”

no ensino dos saberes escolares. Da parte dos alunos, seria um guia para suas práticas

ordinárias, ferramenta que deveria regular a aprendizagem, definindo os saberes, sua

ordem, ritmo e alcance a ser atingido por meio da ação escolar. Nessa perspectiva, os

livros poderiam ser utilizados com a intenção de modelagem da prática docente, de sua

formação, e um instrumento mais ou menos seguro para o controle da ação dos alunos.

Concebido nestes termos, se tornou necessário uma série de normas que regulassem a

elaboração, aprovação e circulação dos livros de destinação escolar.

Nesta linha, a primeira lei promulgada pelas nossas autoridades imperiais já

procurava regular e definir os aspectos relacionados à instrução de “primeiras letras” no

Brasil. A Lei de 15 de outubro de 182735 trazia em seu artigo 6° a prescrição dos

saberes a serem difundidos via escola, como demonstra a tabela III:

Tabela III – Disciplinas previstas para meninos e meninas (1827)

Meninos Meninas Ler Ler Escrever Escrever Quatros operações de aritmética Quatros operações de aritmética Prática de quebrados, decimais e proporções Prendas a economia doméstica Noções mais gerais de geometria prática ________________ Gramática da língua nacional Gramática da língua nacional Princípios da moral cristã Princípios da moral cristã Princípios da doutrina da religião catholica e apostólica romana

Princípios da doutrina da religião catholica e apostólica romana

Preferência para leitura: Constituição do Império e História do Brasil

Preferência para leitura: Constituição do Império e História do Brasil

Desde a Lei de 15 de outubro de 1827, os saberes a serem transmitidos pela

escola primária foram prescritos pelo Estado Imperial, na tentativa de organizar e

34 Para saber mais acerca da formação dos professores na Corte e das Escolas Normais, cf. Uekane (2008). 35 É possível encontrar um estudo mais detalhado acerca desta Lei, em Gondra (1997).

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26 controlar o currículo escolar, estabelecendo, inclusive, diferenças de gênero, aspecto

que já vem sendo analisado pela historiografia da educação (Louro 1997; Gouvêa,

2004).

Segundo Tambara (2003), a legislação de 1827 possuía determinação explícita

sobre a natureza dos conteúdos dos textos escolares para leitura das escolas de primeiras

letras, com prioridade atribuída a elementos ideológicos associados à doutrina religiosa

católica e às diretrizes institucionais do Império, o que podemos atestar consultando a

tabela III. Privilegiamento este que, para Gondra (1997), expressa a preocupação com a

divulgação e construção de uma “Gramática do Novo Estado”, das bases legais do

governo imperial e da história oficial da “jovem nação”.

A regulamentação dos saberes e dos textos escolares a serem utilizados nos anos

iniciais da escolarização continuou a ser objeto da legislação e da política educacional

do Estado imperial, sobretudo a partir das décadas de 1830 e 1840, após os primeiros

anos de profunda instabilidade social e política, que culminaram com o Ato Adicional

de 1834, norma que determinou a descentralização das competências sobre o ensino

primário e secundário, a partir de então colocados sob a responsabilidade das

províncias, com exceção do Município da Corte, cuja organização e administração

pertencia ao governo central, por meio da pasta do dos Negócios do Império. (Schueler

e Teixeira, 2008).

Para Mattos (2003), apesar das iniciativas referentes à construção e consolidação

do Estado Imperial começarem já nas primeiras décadas do século XIX, só em seus

meados esta obra parecia ter se completado36 e, não coincidentemente, neste mesmo

período, de acordo com Galvão e Batista (1999), começaram a surgir no país, ainda que

alguns fossem impressos na Europa, livros de leitura destinados especificamente à

escolarização inicial, demonstrando, desta maneira, a organização que começava a

existir em torno das escolas.

Segundo Schueler e Teixeira (2006), este período corresponde a um momento de

transformações sensíveis no contexto político e cultural da Corte, com ampliação das

demandas no ensino primário e secundário, com repercussões no mundo editorial e

36 Segundo este autor, o esforço dos dirigentes imperiais para instituir uma ordem legal, para criar uma burocracia, pelo exercício de uma jurisdição compulsória sobre o território e pelo monopólio da utilização legítima da força – característica que, segundo alguns, definem um Estado moderno – era a expressão de uma obra cuja conclusão era vislumbrada também com o fim das revoltas e rebeliões provinciais, com um certo amortecimento das idéias e propostas federalistas, democráticas e até mesmo republicanas, e com o relativo controle das insurreições negras.

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27 investimentos na produção de livros didáticos de autores brasileiros. Com esse

entendimento, torna-se necessário um estudo detalhado deste período37.

Pensar a escola da Corte em meados do século XIX implica em abordar a

Reforma de Luiz Pedreira Coutto Ferraz38. Por meio desta reforma, expressa na lei de

17 de fevereiro de 1854, o então Ministro dos Negócios do Império pretendia organizar

a instrução. Segundo Gondra (2003):

Da série de reformas já elaboradas no Brasil, uma delas desperta especial interesse para se pensar a instrução do povo no Brasil imperial, já que busca instituir uma máquina de governo no que se refere à instrução primária e secundária na Corte, espaço que se buscou constituir sob o signo da exemplaridade. Trata-se da reforma que cria a Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da Corte (IGIPSC), em 1854. O aparelho gerado nos termos dessa intervenção supõe uma profissionalização da instrução, impondo regras para ingresso e permanência de alunos e professores, criando uma nova estrutura para a instrução primária e secundária, redefinido os saberes escolares, ao mesmo tempo em que instaura uma rede de vigilância sobre a organização escolar e seus sujeitos por intermédio da qual se pretendia obter eficiência e eficácia na instrução primária e secundária da Corte.

Dentro deste novo esquema de organização e “controle” da instrução, foi

nomeada, por exemplo, em 1873, uma Comissão de Professores Públicos – formada

pelos professores públicos primários, Philippe da Motta Correa de Azevedo, João

Rodrigues da Fonseca Jordão e José Manuel Garcia, escolhidos pelo Inspetor Geral,

Francisco Inácio Marcondes Homem de Mello, e pelo Ministro do Império João Alfredo

Correia de Oliveira, que teriam a função de averiguar o estado das escolas públicas e

controlar todas as ações a ela ligadas.

Os livros também não ficaram de fora desse novo esquema de organização e

“controle” da instrução, pois desde sua elaboração, eles deveriam cumprir um rigoroso

percurso que ia do autor ao Conselho Diretor de Instrução para, então, poder chegar às

salas de aula. Para que pudessem receber autorização do governo imperial para uso nas

escolas oitocentistas, os textos e livros participam de intrincadas redes e relações de

poder, que abrangiam a sua elaboração pelo autor, a aprovação pelo Conselho Diretor

37 Para o exame desta conjuntura, no que se refere ao problema da instrução, cf. também Gondra (2003), Martinez (1998) e Schueler (2002). 38 Para saber mais sobre Luiz Pedreira do Couto Ferraz e o regulamento de 1854, consultar, Gondra, Garcia e Sacramento (2000), “Rediscutindo a Reforma de Coutto Ferraz”, I CBHE, RJ.

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28 de Instrução e o encaminhamento para os procedimentos necessários à impressão

pelas tipografias, editoras e livrarias. Apenas após este percurso, após ter cumprido esta

espécie de liturgia do poder é que os livros poderiam chegar, finalmente, às salas de

aula.

Nesta rede de relações, sujeitos distintos eram envolvidos: autores, avaliadores,

membros do Conselho de Instrução e autoridades do ensino, editoras, tipografias e

livrarias, além dos próprios professores primários e secundários, responsáveis pelo

ensino, pela divulgação e pela apropriação dos livros e obras escolares nas escolas.

(Bittencourt, 2004).

De acordo com a Lei de 1854, a IGIPSC possuía, a função de rever os

compêndios adotados nas escolas públicas, corrigi-los e fazê-los corrigir, e substituí-los

quando necessário. Este órgão também era responsável pela convocação do Conselho de

Instrução Pública39, que deveria examinar os melhores métodos e sistemas práticos de

ensino, bem como, designar e rever os compêndios utilizados nas escolas. Para

Amâncio (2003), a necessidade da chancela do Conselho Superior da Instrução Pública

na circulação dos livros escolares, é indicativa da importância desse recurso didático,

visto que o espaço por ele ocupado, era determinado e legitimado pelo órgão consultivo

da presidência do estado para questões educacionais. (pág. 55).

O Conselho Diretor era composto pelo Inspetor Geral (presidente); Reitor do

Imperial Colégio de Pedro II; dois professores públicos e um particular de instrução

primária ou secundária, que se houverem distinguido no exercício do magistério e

fossem designados pelo governo ao fim de cada ano; e de mais dois membros nomeados

anualmente também pelo governo. Em 1857, com a divisão do Collegio de Pedro II em

externato e internato, o estabelecimento passou a contar com dois reitores e, assim, o

Conselho Diretor passou a ter a presença de ambos os administradores. Também havia

os membros substitutos para os dois professores públicos e um particular, e um

substituto para os dois membros nomeados. Segundo Borges (2008), entre os indivíduos

que figuravam no Conselho Diretor se encontravam bacharéis, médicos, eclesiásticos da

Igreja Católica, escritores, desembargadores conselheiros do estado e figuras destacadas

da sociedade imperial na Corte. (pág. 144).

Antes de serem aprovadas, as obras eram encaminhadas pelo Conselho a pessoas

consideradas “idôneas” e de confiança das autoridades para que pudessem fazer sua

39 Também cabia a este Conselho criar novas cadeiras; analisar o sistema e matéria dos exames; opinar sobre todos os assuntos literários que interessassem a instrução primária e secundária; julgar as infrações disciplinares de professores e diretores passíveis de punições mais graves.

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29 avaliação, sendo que uma parcela significativa desses sujeitos era composta por

professores públicos. Como exemplo, trago na figura I, um parecer emitido em 1875

pela professora Josepha Thomazia da Costa Passos, sobre o “Syllabario” do professor

M. Ribeiro de Almeida:

Figura I – Parecer sobre o livro “Syllabario” de Ribeiro de Almeida

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30

Ao mesmo tempo em que previa a regulação, o governo incentivava a criação

destas obras ao garantir prêmios às pessoas que compusessem compêndios para uso das

escolas e aos que melhor traduzissem os publicados em língua estrangeira, conforme

consta nos artigos 56° e 95° do regulamento de 1854:

Art. 56 - Nas escolas publicas só podem ser admittidos os livros autorisados competentemente. São garantidos premios aos professores ou a quasquer pessoas que compuzerem compêndios ou obras para uso das escolas, e aos que traduzirem melhor os publicados em língua estrangeira, depois de serem adoptados pelo governo, segundo as disposições do Art. 3° (4° combinadas com as do Art. 4°). A adopção de livros ou compendios que contenhão matéria do ensino religioso precederá sempre a approvação do Bispo Diocesano. Art. 95 - O governo garante prêmios na conformidade da 2ª parte do Art. 56 aos que compuzerem ou traduzirem compêndios, os quaes serão sujeitos á disposição do (4° do Art. 3° combinada com a do Art. 4°).

De acordo com o Art. 56, a adoção de livros que contivessem matéria do ensino

religioso ficava a cargo da igreja católica, que era responsável pela aprovação de tais

obras. Como exemplo há o compêndio “Catechismos chistão” de Elisa Tamer, do qual

há um parecer do Cônego João Pires de Amorin, considerando o livro apto para uso dos

meninos, desde que este sofresse certas modificações, como demonstrado em

documento de 27 de outubro de 1877:

(...) Tem porém, na minha humilde opinião, dous pequenos defeitos: o primeiro é que seu autor dando a uma parte da doutrina, como seja a que trata dos Sacramentos, um compêndio de meninos, em outras, como por exemplo o mandamentos, passou tão ligeiramente que quase se torna deficiente. O segundo é que o método de perguntas e respostas que a experiência tem demonstrado ser o mais proveitoso para os meninos, não foi sempre observado; alem de que encontran-se às vezes algumas respostas tão longas, que são antes extensas dissertações, bem difíceis de ser conservadas pela memória dos meninos. (AGCRJ, Códice 11.4.30, pág. 30)

Ao alertar para as longas respostas que poderiam prejudicar a memorização e ao

sugerir modificações que pudessem aprofundar as questões relacionadas às doutrinas

que compõem o livro, podemos perceber uma preocupação do Cônego referente à

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31 assimilação dos ensinamentos da igreja católica, e conseqüentemente, formação de

sujeitos, segundo um determinado modelo pedagógico. De acordo com Bittencourt

(1993), estando o poder educacional dividido entre o Estado Civil e a Igreja Católica, o

livro escolar desempenhava um papel fundamental na concretização dos projetos

educacionais de ambos, ficando, por isso, sujeito aos interesses dessas forças.

Nos primeiros anos de vigência da Reforma Couto Ferraz, as atividades do

Conselho Diretor de Instrução Pública da Corte, apontavam para a preocupação com a

escolha e a garantia de controle e uniformidade dos métodos e objetos de ensino,

inclusive livros e compêndios escolares. No Relatório do Inspetor Geral de Instrução,

Eusébio de Queiroz40, em 1855, a lista de livros adotados pelo governo, com seus

respectivos autores e tradutores, foi assim discriminada:

Catecismo de Fleury, traduzido pelo ex-diretor das escolas, Joaquim José da Silveira; Gramática Nacional, de autoria de Cyrilo Dilermando da Silveira;

Coleções de Fábulas, de Justiniano José da Rocha; História Universal, de Pedro Parley, traduzido pelo desembargador Lourenço José Ribeiro;

Harmonias da Criação, pelo Dr. Caetano Lopes de Moura; Traslados Calígrafos, de Cyrilo Dilermando da Silveira. As Harmonias da Creação, do Dr. Caetano Lopes de Moura O Cathecismo da Doutrina Christã, do Cônego Fernandes Pinheiro, adoptado para uso do Imperial Instituto dos meninos cegos

Neste mesmo relatório, Eusébio explicava que dentre os compêndios admitidos

nas escolas, convinha extirpar algumas proposições, por serem algumas pouco

ortodoxas, outras contrárias aos princípios do sistema governativo, e outras inexatas

quanto à matéria do ensino, ou enunciadas sem a clareza necessária à inteligência dos

alunos. Ao selecionar e oficializar uma coleção de livros, o representante do poder

define uma biblioteca para as escolas, um padrão para os professores que, deste modo,

teriam um instrumento para uniformizar suas ações junto à população que começava a

chegar à escola.

Segundo Galvão (2005), para ser aprovado, além de útil, o livro escolar também

deveria ser bem organizado. O manual deveria apresentar uma seqüência lógica, não ser

confuso, ser claro/breve, ser metodicamente planejado, ser adequado ao uso escolar. Na

segunda metade dos oitocentos, os manuais também deveriam se basear nos preceitos

40 Para saber mais sobre o Inspetor Eusébio de Queiroz, cf. Gondra (2002).

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32 do método intuitivo: suas páginas deveriam coadunar-se com um espírito mais prático

do que teórico e, entre os recursos possíveis para que isso ocorresse, recomendava-se o

uso de desenhos, de exercícios, de quadros. Percebe-se, nesse aspecto, a consciência que

tinham os que estavam à frente das instâncias de instrução pública provinciais de que o

conhecimento científico era distinto do conhecimento escolar. Cabia ao manual mediar

essas duas instâncias: se, como vimos, o manual deveria estar isento de imprecisões e

inexatidões científicas, também deveria adequar-se ao uso cotidiano da escola e ao

público ao qual se destinava. (p. 5)

Para viabilizar o ensino de um conjunto polimorfo, dinâmico, móvel e variável

de saberes, ao contrário do que se pode imaginar, houve uma significativa produção de

textos e livros escolares, produção que foi sendo intensificada na medida em que a

escola primária adquiriu maior institucionalidade e passou a ser legitimada como lugar

fundamental de instrução e educação da população (Schueler e Teixeira, 2008). O

incremento desta produção pode ser verificada por meio de um estudo de documentos

variados encontrados na Série Instrução Pública do AGCRJ, que evidenciam uma

produção e circulação crescentes. Dentre estes materiais, encontramos oferecimento

feitos pelos respectivos autores; atas do conselho de instrução pública; notas fiscais de

livrarias destinadas a Secretaria de Instrução Pública com a quantidade e valores dos

livros fornecidos; pareceres positivos e negativos referentes à aprovação e adoção de

livros escolares; além de ofícios de professores e delegados de províncias que pediam

determinadas obras autorizadas para uso de suas escolas.

Muitos destes livros quando não eram imediatamente considerados impróprios

para adoção das escolas, recebiam sugestões de alterações para que se ajustassem a

modelos pedagógicos desejados o que, muitas vezes, era aceito pelos seus autores que

queriam ter suas obras autorizadas e, com isso, poder concorrer aos prêmios referidos

no regulamento. No que diz respeito aos livros (e autores) premiados, cabe observar o

que se passou com o professor Pinheiro em 1867.

Em ofício emitido em 1867 ao Inspetor Geral da Instrução Primária e Secundária

do Município da Corte Joaquim Caetano da Silva, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro

insiste em cobrar o prêmio a que tinha direito, recorrendo à lei como amparo para seu

pedido, explicando que:

Em data de 19 de fevereiro do corrente anno enderecei ao governo imperial uma petição para que mandasse dar o prêmio, assegurado pelo artigo 56 do Regulamento de 17 de fevereiro de 1854, em razão de ser eu o auctor das “Histórias Sagradas” e

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33 “Contemporânea”, adoptadas para o ensino do Imperial Collegio de Pedro II. Contou-me pouco tempo depois a meu requerimento fora a informar ao Conselho Director da Intrucção Publica, e como até agora não haja a secretaria do Império recebido a mencionada informação, vou por meio d’esta rogar a V. Exª que se sirva de submetter à minha petição ao Conselho, amparando-a com valiosa. da sua sempre generosa protecção. (AGCRJ, Códice: 11.2.26, pág. 152)

Em alguns contratos assinados entre a Secretaria da Inspectoria Geral e os

autores dos livros, podemos localizar uma cláusula que pré-estabelece determinadas

alterações, obrigando o autor a fazer, em edições posteriores, se necessário,

modificações que fossem indicadas pela IGIPSC, de acordo com parecer do Conselho

Diretor, forçando, com isso, o autor a se submeter à ordem estabelecida, caso quisesse

que sua obra continuasse a ser aprovada para uso nas escolas e caso quisesse receber o

prêmio estabelecido em lei. Como exemplo, há o contrato assinado com José Pedro

Xavier Pinheiro no ano de 1864, para o fornecimento do seu compêndio intitulado

“Epitome da História do Brasil”, o qual estabelece em sua cláusula terceira que:

3ª) Obriga-se a ter sempre uma reserva de mil exemplares disponíveis, e a fazer nas seguintes edições as alterações que lhe forem indicadas pelo Conselho Director. (AGCRJ, Códice 11.2.9, pág. 145)

É possível encontrar um outro exemplo dessa prática no relatório do Ministro

do Império do ano de 187241, o qual trás a decisão do Conselho Superior de Instrução

Pública sobre o destino da obra dos professores Jose Ortiz e Candido Matheus Faria

Pardal:

Tendo os professores Dr. Jose Ortiz e Candido Matheus Faria Pardal aceitado as idéas e procedido as alterações recommendadas pela comissão revisora, o conselho julgou a grammatica de língua portugueza, de que são autores, preferível, assim emendada, ao compendio de grammatica também da língua portugueza de Cyrillo Dilermando da Silveira, e opinou que nessa conformidade se representasse ao governo imperial, a fim de que o primeiro dos ditos compêndios substitua o segundo nas escolas publicas primarias do município da Corte.

41 Tais relatórios eram apresentados anualmente pelo Inspetor Geral e pelo Ministro do Império. Segundo Martinez (1998), esses documentos nos fornecem indicações do movimento oficial para incentivar a instrução primária na cidade do Rio de Janeiro, já que um dos seus objetivos era demonstrar a ação das autoridades em prol do “bem público”, sendo possível perceber, através desta documentação os significados e as intenções dos dirigentes imperiais ao preconizarem o desenvolvimento da instrução, bem como, com muitas limitações, mensurar o crescimento das instituições públicas na cidade.

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Nesse caso, como é possível perceber pelo texto citado, o livro aprovado teria a

função de substituir a gramática de Cyrillo Dilermando, anteriormente aprovada, mas

que naquela conjuntura, frente aos ajustes realizados pelos autores, passou a ser

considerada inferior à obra de Ortiz e Pardal. Tal processo de substituição também era

uma prática comum, sendo inclusive, regulamentada como função da IGIPSC, que

deveria substituir as obras quando necessário. Neste mesmo ano de 1872, o relatório trás

a informação de que outro livro deveria ser substituído: o do professor Frazão,

Foram aprovados pelo governo imperial para uso dos alunos das escolas publicas primárias e já se lhes tem fornecido em virtude dos contratos celebrados com os respectivos editores, os seguintes compêndios previamente submetidos a exames e revisão do conselho diretor na forma das disposições em vigor: Grammatica explicativa da língua portugueza pelos professores Ortiz e Pardal, segunda edição correcta e augmentada; Compendio de arithmética para a instrucção primaria pelo conselheiro Christiano Benedicto Ottoni; ambos aprovados por aviso de 26 de novembro do ano passado, para substituírem o da grammatica portugueza de Cyrillo Dilermando da Silveira e o de arithmética de Frazão (...)

No que se refere ao jogo da aprovação e reprovação dos livros, este se encontra

muito articulado à composição dos saberes primários. Como se pode perceber, a

inspetoria se desloca, alterando a biblioteca das escolas, professores e alunos o que

certamente se articula ao jogo das forças presentes nesta instância, à legitimidade de

novos saberes e/ou métodos de ensino que, combinados, promovem determinados

autores/obras e censuram outros, mesmo aqueles aprovadas em outras conjunturas.

De acordo com o artigo 47° da Lei de 1854, o ensino primário (ensino

elementar) nas escolas públicas compreenderia:

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35 Tabela IV – Disciplinas previstas para o ensino primário (1854)

Meninos Meninas

A instrucção moral e religiosa A instrucção moral e religiosa A leitura escripta A leitura escripta As noções essenciaes de grammatica As noções essenciaes de grammatica Os princípios elementares da arithmética Os princípios elementares da arithmética O systema de pesos e medidas do Município O systema de pesos e medidas do

Município + bordados e trabalhos de agulha mais necessários42

Já nas escolas de segundo grau (também chamada de instrução primária

superior) haveria as seguintes matérias:

Tabela V – Disciplinas previstas para a instrução primária superior (1854)

Meninos Meninas (Com a designação do governo

imperial) Desenvolvimento da arithmetica e suas aplicações praticas

Desenvolvimento da arithmetica e suas aplicações praticas

A leitura explicada dos evangelhos e noticia da historia sagrada

A leitura explicada dos evangelhos e noticia da historia sagrada

Os elementos da historia e geografia, principalmente do Brasil

Os elementos da historia e geografia, principalmente do Brasil

Os princípios das sciencias physicas e da historia natural aplicáveis aos usos da vida

Os princípios das sciencias physicas e da historia natural aplicáveis aos usos da vida

A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de música e exercício de canto, gymnastica e um estudo mais desenvolvido de pesos e medidas, ou seja, que inclua também as províncias do Império e as Nações que tenham relações com o Brasil.

A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de música e exercício de canto, gymnastica e um estudo mais desenvolvido de pesos e medidas, ou seja, que inclua também as províncias do Império e as Nações que tenham relações com o Brasil.

Em relação aos programas curriculares das instituições escolares de ensino

primário, como é possível perceber pela tabela IV, o Regulamento de 1854 priorizava,

em primeiro lugar, a instrução moral e religiosa, a leitura e a escrita, noções essenciais

de gramática, princípios básicos de aritmética, sistema de pesos e medidas do

município. Estes saberes integravam o currículo das escolas primárias de primeira

classe ou primeiro grau, tendo sido as únicas criadas na Corte, embora o Regulamento

tivesse previsto a criação das escolas primárias de segunda classe ou segundo grau,

42 Grifos meus.

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36 como é possível verificar na tabela V. De acordo com Schueler e Teixeira (2008),

nestas escolas de segunda classe, idealizadas aos moldes da reforma de Victor Cousin

na França da restauração monárquica, as matérias ministradas aproximavam-se do

currículo das escolas secundárias, e no decorrer do século XIX, tenderam a ser

incorporadas ao ensino primário pelas diversas reformas de ensino preconizadas, como

a de Leôncio de Carvalho (abril de 1879), como veremos mais adiante.

Na documentação analisada foi possível perceber a relação entre as disciplinas

que faziam parte do currículo imposto pelo governo imperial e a produção dos livros

escolares já que, só a partir do aparecimento na lei, houve a produção e/ou tradução de

livros de determinadas disciplinas que inexistiam ou pouco se destacavam no Brasil

como desenho, geografia, entre outras43. Tal acontecimento pode ser explicado, por

exemplo, por questões pedagógicas e econômicas, afinal seria muito mais vantajoso

produzir um livro que tivesse previsão de uso, ou seja, que houvesse um mercado

potencial, posto que o mesmo se encontrava associado a um saber que se escolarizava.

A partir da segunda metade do século XIX passou a se tornar mais claro que o

livro didático não deveria ser um material de uso exclusivo do professor, que

transcrevia ou ditava partes dos livros em suas aulas. (Bittencourt, 2004). Mais uma vez,

combinando argumentos técnico-pedagógicos e econômicos, assistimos o aparecimento

de uma nova posição; a de que o livro precisava estar nas mãos dos alunos. Este fato é

possível de ser constatado no material pesquisado no AGCRJ, no qual se verifica que,

ou por já estar especificado em ofícios de professores e delegados de províncias, ou

pelas quantidades requeridas, que muitos livros eram pedidos para uso dos próprios

alunos nas escolas oitocentistas.

De acordo com o Art. 3º parágrafo 2° das “Instrucções expedidas pela

Inspectoria Geral de Instrucção primaria e secundaria do Município da Corte” ao

encarregado do fornecimento e conservação do material das escolas publicas do 1°. e 2º.

grão no ano de 1877, dever-se-ia entregar aos professores e professoras os livros

fornecidos pela Secretaria para serem, na forma do art. 60 do Regulamento de 17 de

fevereiro de 1854, distribuídos unicamente aos alunos pobres que tivessem freqüência,

cobrando-se recibo dos ditos professores para sua descarga na secretaria. Apesar de

prescrito em lei, a distribuição dessas obras não necessariamente ocorria de acordo com

43 Como exemplo dessas novas produções, é possível citar: Noções Elementares de “Desenho Linear” – Ad. Rion, traduzido por José João de Povoas Pinheiro; Manual de Dezenho Linear de A. J. Araújo; Atlas Elementar de Geografia de J. E. Silva Lisboa; Compêndio de Geografia de Adolfo Tiberghien, só para citar alguns livros e disciplinas.

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37 a norma. Por meio do relatório do Ministro do Império João Alfredo Corrêa de

Oliveira do ano de 1873, encontramos reclamações quanto à forma dessa distribuição:

Os poucos compendios, actualmente existentes, são fornecidos ás escolas de modo muito irregular e após reiteradas reclamações dos professores, que muitas vezes se vêem forçados a mandar comprar os livros pelos meninos, muitos delles indigentes. Na distribuição não se observa sempre o disposto na 2ª parte do art. 60 do regulamento de 17 de fevereiro de 1854, recebendo livros gratuitamente muitos meninos cujos paes não se acham no estado de indigencia, previsto e prescripto, pelo citado artigo; é mister toda a vigilancia e fiscalisação dos professores e dos delegados neste ponto, para que não seja illudido o espírito da lei.

Tal constatação também era compartilhada pela “Comissão de Professores

Públicos”, criada em 1873, cujos membros, Philippe da Motta Correa de Azevedo, João

Rodrigues da Fonseca Jordão e José Manuel Garcia, de acordo com Martinez (1998),

foram escolhidos a dedo pelo Inspetor Geral entre aqueles em que depositava sua

confiança.

Em pesquisa realizada no AGCRJ referente ao período de 1854 a 1878, foi

possível observar os seguintes títulos que poderiam ter sido utilizados pelos os alunos:

Tabela VI - Livros utilizados pelos alunos (1854 a 1878)

LIVRO AUTOR

Aritmética José Joaquim d’ Ávila Aritmética Manoel José Pereira Frazão Cathecismo Cônego Fernandes Pinheiro

Epítome da historia do Brasil José Pedro Xavier Pinheiro Episódios da historia pátria Cônego Fernandes Pinheiro

Fábulas Justiniano José da Rocha Grammatica portugueza Cyrillo Dilermando da Silveira

História universal Pedro Parley Lições de história do Brasil Joaquim Manuel de Macedo

Livro de meninos Antonio Rego Metrologia Lossie

A presença destes livros na escola primária pode ser compreendido com base no

sistema regulatório associado ao livro escolar. No entanto, consideramos que o uso do

livro também está associado à posição de seus autores. Ao observarmos a lista da tabela

VI identificamos que muitos autores também eram professores da escola primária e/ou

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38 secundária da Corte. Ao mesmo tempo estes sujeitos mantinham relações com a

imprensa, com a igreja, com partidos políticos, com a classe dos professores o que,

certamente, criava condições especiais de sucesso e divulgação dos livros desses

professores-autores.

Segundo Peres (2006), a circulação e adoção de livros escolares de um modo

geral em um espaço e/ou tempo determinado depende de um conjunto de variáveis

como, por exemplo, preço do livro, chancela, recomendação e/ou aprovação por órgãos

competentes para serem adotados nas escolas, hegemonia de determinados métodos de

ensino, adoção oficial de métodos, formação docente e ‘adesão’ das professoras a um ou

outro método, etc. (pág. 147)

Há uma série de relações que podem ajudar a explicar o porquê de um livro,

durante um determinado período, ser solicitado para uso dos próprios alunos nas

escolas, principalmente em uma época na qual estudos indicam que havia uma forte

carência de materiais escolares, incluindo os livros em quase todas as escolas

brasileiras44. Dentre estas relações, podemos citar, por exemplo, a que se estabelece

entre o autor e sua posição na sociedade; a compatibilidade de seu conteúdo com os

interesses predominantes; a linguagem escrita; as relações com a igreja católica, já que

neste período, como já mencionado, muitos livros aprovados dependiam da chancela

desta instituição, pois o ensino religioso ainda fazia parte do currículo oficial das

escolas, sendo a Instrucção moral uma das disciplinas obrigatórias do ensino primário;

por exemplo.

2.1 – Os autores dos livros escolares na Corte

No processo de emergência de livros escolares e de escritores nacionais, uma

“primeira geração” de autores (aproximadamente entre 1827 e 1880), foi responsável

pela elaboração de livros marcados pelo caráter moral e patriótico e pela preocupação

com a fundação da nacionalidade e com a construção do Estado. Identificada por

Bittencourt (2004) como integrante de um grupo intelectual vinculado ao poder do

Estado, estes intelectuais pertenciam às elites políticas e culturais e partilhavam o

pertencimento a prestigiosas instituições científicas, acadêmicas e literárias, como o

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Escola Militar, o Colégio Pedro II e as

instituições superiores de ensino.

44 Sobre este tema consultar Martinez (1998).

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39 No entanto, de acordo com Schueler e Teixeira (2008), na segunda metade

dos oitocentos, juntamente com a expansão do mercado editorial e com a consolidação

das editoras e livrarias interessadas no ramo dos livros escolares, uma “segunda

geração” de autores começou a se delinear, marcada pelas discussões liberais a respeito

da ampliação da escolarização e da cidadania. De acordo com Bittencourt (2004), entre

os anos de 1880 e 1910, é possível observar transformações significativas no perfil dos

autores e nas relações que estes estabeleceriam com o Estado e com o mercado editorial.

Neste momento, a atuação docente, a experiência pedagógica, o conhecimento sobre a

realidade cotidiana das escolas, e dos alunos, passaram a ser valorizadas como

credenciais importantes para a criação de textos, livros e outros materiais destinados às

escolas. A produção de textos escolares pelos professores primários e secundários foi,

então, cada vez mais incentivada pelos poderes públicos e pelo mercado editorial em

franca expansão.

Em relatório apresentado no ano de 1872, João Alfredo Corrêa de Oliveira,

Ministro dos Negócios do Império, dizia que “Sempre que se me offerece occasião não

deixo de animar os professores a apresentarem trabalhos de própria lavra no sentido de

melhorarmos os exercícios escolásticos”. De acordo com Maciel (2003), os autores dos

manuais, em geral, partem de suas experiências como professores ou inspetores de

ensino, para escreverem e justificarem as suas orientações metodológicas. (pág. 19).

Pela pesquisa feita no AGCRJ foi possível constatar a existência de um número

significativo de professores que ofereciam suas obras para avaliação junto ao Conselho

Diretor. Em maio de 1875, por exemplo, o professor Felix Amedeo Tosetti, oferece sua

obra ao inspetor geral da instrução:

O Professor Felix Amedeo Tosetti representa humildemente a V. Ex. ter compilado um compêndio de Grammatica Portugueza, cujo manuscripto tem a honra de abaixar a V. Ex. para que se digne sotopol-o a exame do illustrado Conselho de Instrucção Publica para approvação e da graça. (AGCRJ, Códice – 11.4.21, pág. 66)

Em alguns casos, os pareceres e as respostas do Conselho foram positivas, o que

significava o sucesso do pleito, com a aprovação das obras, e em alguns casos,

conseguia-se a adoção oficial para uso nas escolas públicas.

Uma das formas de incentivar a produção destes textos escolares pelo Estado

imperial, como já vimos, era a promessa de pagamentos de prêmios aos autores que

tivessem sua obra aprovada. Em relatório apresentado ao Ministro do Império no ano de

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40 1872, o Conselho de Instrução Pública declara ter entendido que se deveria conceder

“o premio afiançado pelo art. 95 do regulamento de 17 de fevereiro de 1854, que

requereu o Dr. Manoel Duarte Moreira de Azevedo por haver composto um compendio

de história antiga adoptado no imperial collegio do Pedro II”. Anos antes, em 19 de

agosto de 1858, um ofício comunica que “Sua Majestade o Imperador”, atendendo ao

que representou o Doutor Saturnino Soares de Meirelles, também professor do Imperial

Colégio de Pedro 2º, de “Phisica e Qhimica”, e com o parecer do Conselho Diretor da

Instrução Primária e Secundária do Município da Corte, concedeu um prêmio de dois

contos de reis pelo compêndio que escreveu, e que foi adotado para uso das respectivas

aulas no dito Colégio, correndo a impressão por conta do autor, que ficava com a livre

propriedade da obra. Contudo, cabe ressaltar, que nem sempre esse prêmio era

garantido, ou efetivado sem tensões, como demonstram uma série de ofícios de autores

reclamando do atraso e, até mesmo, o não recebimento das quantias a que tinham direito

por força do Regulamento de 1854, como veremos mais adiante.

Tais exemplos evidenciam que além do interesse pedagógico dos professores de

divulgar novos métodos e conteúdos para o ensino, alcançando uma posição de

distinção e destaque na formação das novas gerações, os retornos financeiros

decorrentes da premiação e do comércio dos livros também pareciam incentivar os

escritores de livros escolares (Bittencourt, 2004, p. 488).

Segundo Bittencourt (1993), a construção de uma obra didática seria uma tarefa

patriótica, um gesto honroso, digno das altas personalidades da nação, sendo assim, os

homens de confiança do poder seriam, evidentemente, o grupo ideal de autores de obras

didáticas, mas, com o decorrer do tempo, o número limitado de obras que surgiram de

autores famosos fez com que as autoridades educacionais aceitassem pessoas menos

nobilitadas.

Ao retornarmos a análise da tabela VI, podemos perceber que do total de 11

livros que, provavelmente, eram utilizados pelos próprios alunos, e que possui um total

de 10 autores45, 6 foram produzidos por professores46 que, com exceção de Manoel José

Pereira Frazão, não se encontravam presentes na lista dos relatórios anuais da IGIPSC.

Tal ocorrência indica a existência de professores/autores não recobertos pelo

levantamento oficial, e reforça ainda mais a hipótese da participação dos docentes nas

45 “Cathecismo” e “Episódios da Historia Pátria” foram escritos pelo mesmo autor, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro. 46 Segundo o Dicionário Sacramento Blake, dentre os autores citados, apenas Antonio Rego e José Pedro Xavier Pinheiro não exerceram o magistério, no entanto, cabe o destaque de que não foi possível localizar os nomes, e conseqüentemente as funções exercidas, de Lossie e Pedro Parley.

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41 questões educacionais, mesmo que, ou até mesmo, em virtude da existência de um

extensivo controle de suas práticas pelo poder público e da precariedade de seus

vencimentos.

Outra função recorrente que era delegada aos professores públicos, como já

mencionado, e que vale destacar, era a de avaliadores dos livros escolares, a pedido do

governo imperial. Como exemplo desta prática, no ano de 1877, foi possível encontrar

um ofício emitido pelo professor Frazão47, em 15 de abril, sobre o Opúsculo do Senhor

João Braz da Silveira Caldeira, intitulado Primeiro livro de Leitura48, onde há uma

escrita favorável e elogiosa ao método em questão, apontando, contudo, para uma

impossibilidade de sua aplicação na organização escolar vigente pois, segundo o

avaliador:

O methodo (...) acostuma as crianças a analysar os elementos de cada letra, enriquecendo-lhes a memória, de um sem número de idéias úteis, práticas e scientíficas é, por certo, fazer no ensino elementar uma verdadeira revolução. Por esse meio educa-se a vista, educa-se o ouvido, educa-se a attenção, e assim se formão os hábitos intellectuais, de cuja falta muito o resentem as nossas crianças. Entretanto o methodo tem como defeito de origem muito esforço do professor de sorte que para ser adoptado, exige uma reforma radical na organização das escholas. O professor que se encarrega da turma de principiantes, precisa de uma hora de repouso para cada hora de trabalho. Ora uma tal distribuição não a comporta a nossa organização actual. (AGCRJ, Códice 11.4.30, pág. 65)

O parecer demonstra uma preocupação com os professores, sendo esta uma

característica marcante deste autor que, como nos informa Lemos (2002), empreendeu

esforços para se apresentar como uma liderança entre parcela do professorado, tentando

se afirmar como representante da classe ao denunciar inúmeros problemas da instrução

da Corte, particularmente as péssimas condições de trabalho e a baixa remuneração.

Segundo Schueler e Teixeira (2008), nas décadas de 1870 e 1880, vários

compêndios e métodos de autoria dos professores públicos e particulares da Corte para

47 Autor de compêndios e manuais para uso das escolas, relatórios, métodos de ensino para a escola primária, pareceres, além de ser organizador e signatário de manifestos e jornais pedagógicos. Próximo do partido conservador, lecionou nas escolas publicas de meninos da freguesia de Sacramento, em 1863, na escola publica da Glória, de 1865 a 1873 e, assumindo a cadeira da Lagoa, obteve o reconhecimento do governo por possuir a escola considerada como a mais disciplinada da cidade. Tais relações ajudam a entender o porquê de sua tão ampla e diversificada participação nas questões que envolviam a educação. 48 De acordo com o Dicionário Sacramento Blake, esta obra foi publicada no mesmo ano do referido parecer, 1877.

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42 o ensino de várias disciplinas escolares foram aprovados, como, por exemplo, os

livros de: Antonio Estevam da Costa e Cunha49, Antonio Pinheiro de Aguiar50, Augusto

Candido Xavier Cony51, Candido Matheus de Faria Pardal52, Carlos Augusto Soares

Brazil53, Guilhermina de Azambuja Neves54, Luiza Emilia da Silva Aquino55, Januário

dos Santos Sabino56, José João de Póvoas Pinheiro57, João da Matta Araújo58, João

Rodrigues da Fonseca Jordão59, Joaquim José de Amorim Carvalho60, Joaquim José de

49 De acordo com Sacramento Blake (1899), Costa e Cunha publicou Historia sagrada do antigo e novo testamento (1876), Novo methodo theorico e pratico de analyse sintática ara uso do imperial collegio de Pedro II e da escola normal da corte (1874), Nova selecta dos antigos clássicos Bernardes, Frei Luiz de Souza, Rodrigues Lobo e Luiz de Camões, seguida do programma para os exames de preparatórios (1877), Primeiro livro ou expositor da língua materna (1883), Memória sobre as escolas normaes (1878), Grammatica elementar portugueza (1880), Manual do examinando portuguez (1883), Viagem de uma parisiense ao Brazil: estudo e critica dos costumes por mad. Toussaint Simon - tradução (1883), colaborando também com a revista Instrucção nacional: revista de pedagogia, sciencias e lettras (1874). Para saber mais sobre este autor, consultar Cunha (2007). 50 Pinheiro publicou o método Bacadafá. Sobre o método, conferir Schueler (2005). 51 Cony escreveu Arithmética adaptada às escolas primarias do primeiro grau (1880), Memória sobre asylos infantis, ou estudos destas instituições (1882), Nova grammatica portugueza de Bento José de Oliveira, modificada e reduzida a compendio elementar (sem data), e colaborou com artigos para a Instrucção nacional: revista de pedagogia, sciencias e lettras (1874). 52 Faria Pardal publicou Grammatica analytica e explicativa da língua portugueza (1871). 53 Soares Brasil escreveu Systema métrico decimal (1874), Elementos de arithmetica para a infância. 54 Guilhermina publicou Methodo brazileiro para o ensino da escripta: collecção de cadernos, contendo regras e exercícios, contendo modelos, tabellas, taboadas, regras, explicações, exercícios e problemas sobre as quatros operações (1882), Methodo intuitivo para ensinar a contar (1881), Entretenimentos sobre os deveres de civilidade collecionados para uso da puerícia brazileira de ambos os sexos (1883). 55 Luiza escreveu Rudimentos arithmeticos (1877). 56 Sabino publicou o Primeiro livro ou expositor da língua materna (1878), Curso methodico de leitura; segundo livro ou colleção de leitura graduada pelos mesmos (1878), Selecta nacional, composta de trechos dos melhores poetas nacionais e organisada para uso das escolas primarias (1883). 57 Pinheiro escreveu Taboadas seguidas da fórma da doutrina para uso de seus discípulos (1882), O livro dos principiantes para uso de seus discípulos (1883), Doutrina christã, fórma e explicação, compilada para uso de seus discípulos (1883), Noções elementares de hygiene, physica e chimica por M. Pape Carpentier – tradução (1881), Tratado elementar de musica, publicado em França por Ad. Riou - traduzido e annotado (1877), Noções elementares de desenho linear (1877) 58 Araújo publicou Lições praticas de orthographia ou livro para o dictado nas escolas primarias (1887). 59 Jordão escreveu Exposição do systema métrico decimal (1862), Florilégio brazileiro da infância (1874). 60 Amorim Carvalho em 1879 publicou Postillas de gramática portugueza, Postillas de gramática francesa, e, em 1883, os livros Palestras com os meus e Manual de filosofia.

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43 Menezes Vieira61, Maria Guilhermina Loureiro de Andrade62, Manoel José Pereira

Frazão63, entre outros.64

Porém, se uma significativa parcela dos professores obteve a chancela do

governo e alcançou a adoção dos seus livros, ou, ao menos, a aprovação dos mesmos,

uma grande quantidade entre eles não foi tão bem sucedida. Em algumas cartas e ofícios

endereçados pelas autoridades competentes aos autores, comunicando o teor dos

pareceres emitidos pelos avaliadores, podemos observar a recusa de muitos títulos e

nomes, bem como a existência de recomendações e sugestões de alterações nos

originais, como já citado.

Alguns desses pareceres eram, inclusive, publicados em jornais e revista

relacionados à instrução. Pela imprensa pedagógica da época, podemos notar que os

autores enviavam seus livros recém publicados para estes lugares. Com isso, eram

noticiados publicamente os “pareceres” de suas respectivas obras, que eram emitidos

pelos responsáveis de tais publicações, o que acabava se tornando uma estratégia para a

propaganda de seus livros.

A Revista Brasileira de Educação e Ensino do Rio de Janeiro, denominada “A

Escola”, com publicação nos anos de 1877 e 1878, tendo como redatores os professores

Frazão, Joaquim José de Amorim Carvalho e Candido Xavier Cony, possuía uma

coluna fixa chamada Notícias bibliográphicas, na qual os editores opinavam sobre os

livros enviados a mesma. Entretanto, as apreciações não necessariamente eram

positivas, como podemos perceber com a nota referente ao compêndio “Exercícios para

aprender brincando” do Sr. Dr. Menezes Vieira:

É-nos difícil avaliar a importância didactica d’esses exercícios por ignorar-mos o seu modo de applicação. Se os primeiros são os que supomos, julgamol-os demasiadamente fortes para principiantes de escripta, matéria, como sabe o illustre educador, muito diffícil de ensinar ao começo. O auctor teria feito bem

61 Menezes Vieira escreveu Primeiras noções de grammatica portugueza (1877), e uma coleção de livros compilados para a infância, como, O livro de Nenê (1877), Manual para os jardins de infância (1882), Exercícios de escripta para aprender a escrever brincando (sem data). Para saber mais sobre este autor, cf. Bastos (2002). 62 A professora publicou: Aritmética da Infância (1881), Parecer sobre a organização dos Jardins de Infância para o Congresso de Instrução do Rio de Janeiro (1883), Cultura de Kindergarten (1888), Livros de leitura, Série Graduada, Resumo da História do Brasil para uso das escolas primárias brasileiras (1888), Ginn e Company, Boston, 1888. 63 Frazão escreveu Noções de geographia do Brasil para uso da mocidade brasileira (1883), Collecção de proverbios da lingua portugueza (1890), Rudimentos de arithmetica. Taboada (1890), Postillas de arithmetica (1863), Postillas de grammatica portugueza (1874). 64 Os pedidos de aprovação e os pareceres foram acompanhados, para alguns destes casos, nos códices 10.4.18, 11.2.8 a 11.2.30; 11.4.5, 11.4.33 e 12.1.8, todos pertencentes à Série Instrução Pública, riquíssimo acervo do AGCRJ.

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44 annexando a esses exercicios um prospecto ou outra qualquer indicação sobre o modus docendi.

Na análise deste artigo, é necessário ter em mente as relações estabelecidas entre

os envolvidos, no caso Menezes Vieira e os redatores do jornal, e as posições de cada

um no campo pedagógico. O primeiro, médico, proprietário de escolas e autor de livros

escolares, um “ilustre educador” como afirmam os três professores, os quais, por sua

vez, estão regendo aulas públicas, articulando jornais, viajando e publicando, para citar

algumas de suas participações. Desta maneira, é possível trabalhar com a hipótese de

que o parecer também é expressão do debate pedagógico em curso.

Tais revistas e jornais pedagógicos tornaram-se importantes locais de circulação

e discussão das questões relacionadas à instrução, incluindo nestes espaços também os

“livros escolares”, que acabavam tendo uma maior exposição, visibilidade,

legitimidades65.

Desta maneira, os professores foram considerados os sujeitos capazes e

autorizados para tal produção, cabendo destacar que este exercício não era restrito aos

homens, havendo também professoras que se tornaram escritoras de compêndios, como

veremos no próximo item.

2.2 - Mulheres, professoras e autoras

Para Tabak e Tavares (2007), instruir-se e posicionar-se através da escrita foram

as duas frentes de luta nas quais muitas mulheres dos oitocentos se empenharam, com

sua pena escreveram em verso, em prosa, em linguagem jornalística e participaram de

campanhas reivindicatórias. Tais mulheres também se dedicaram a escrita de livros com

destinação escolar, na Corte, por exemplo, local de investigação deste estudo, na

pesquisa realizada até o momento nos documentos localizados no AGCRJ, foi possível

localizar o nome de cinco professoras autoras, sendo elas: Adelina Lopes Vieira, Luiza

Emilia da Silva Aquim, Elisa Tarmer, Guilhermina de Azambuja Neves e Theresa

Leopoldina de Araújo Jacobina. A primeira, Adelina Lopes Vieira, escreveu, “Pombal”,

em 1882, “Contos”, em 1900, e entre outras poesias, “Margaritas”, em 1879; Luiza

Emilia da Silva Aquim publicou “Rudimentos arithmeticos”, em 1877; Elisa Tarmer

65 No entanto, não devemos lidar com a imprensa pedagógica como se ela traçasse um “retrato fiel” do ocorrido, pois, ao descrever a sociedade, o fazem de um lugar determinado, de certa linha ideológica e comprometimentos variados, tornando-se necessário refletir acerca das condições de aparecimento, usos e efeitos da elaboração dos jornais articulados e / ou dirigidos por professores no Brasil Imperial. (Lemos, 2002).

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45 escreveu, “Cathecismo Cristão”, (s/d); Guilhermina de Azambuja Neves66 publicou

“Methodo brazileiro para o ensino da escripta: collecção de cadernos, contendo regras e

exercícios”, em 1882, “Methodo intuitivo para ensinar a contar, contendo modelos,

tabellas, taboadas, regras, explicações, exercícios e problemas sobre as quatros

operações”, em 1881, “Entretenimento, sobre os deveres de civilidade, collecionados

para uso da puerícia brazileira de ambos os sexos”, em 1884; e Theresa Leopoldina de

Araújo Jacobina publicou a tradução da obra “Pedagogia e Methodologia de Th.

Braun”, (s/d).

Esta última, por exemplo, reivindica, em oficio apresentado em 21 de abril de

1875, resposta ao seu pedido:

Theresa Leopoldina de Araújo Jacobina, professora da 2ª escola publica de meninos da freguezia de Santa Rita, tendo tido a honra de offerecer a Inspectoria Geral da Instrucção publica no anno de 1871, uma tradução que fez da Pedagogia e Methodologia de Th. Braun para ser adoptada ao uso das escolas, caso merecesse approvação e algum apreço, e como não tinha tido até hoje resultado algum, a supplicante vem com o devido respeito pedir ao Exmo. Snr. Inspector Geral se digne providenciar afim de que seja a mesma traducção adoptada, ou a não ter merecimento ser restituída a Supplicante. (AGCRJ, Códice – 11.4.21, pág. 51)

Silva (2007), apresenta uma lista de outras mulheres professoras que, no século

XIX, ocuparam cargos na Instrução Pública, foram proprietárias de estabelecimentos de

ensino ou se dedicaram à produção de obras didáticas, são elas:

Tabela VII - Referências de proprietárias de escolas e autoras de livros de

ensino67

Edeiges Raetz de Schreiner Publicou “Idéia sobre a instrução primaria

no Brasil”, 1883

Elisa Diniz Machado Coelho Uma das fundadoras do colégio Santa

Isabel, RJ. Autora de romances-folhetins

Francisca Senhorinha da Motta Diniz Fundou e dirigiu com as filhas o colégio

Santa Isabel, e o jornal “O Sexo

66 Sobre Guilhermina de Azambuja Neves e sua produção escrita, consultar Schueler e Teixeira (2007). 67 Tabela adaptada do trabalho feito por Silva (2007).

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46 Feminino”, em 1873.

Gabriela de Jesus Ferreira França Escreveu “Contos brasileiros”, em 1881,

sendo este adotado nas escolas publicas

primarias

Luísa Carolina de Araújo Lopes. Diretora do Colégio Santa Luzia, para

educação de meninas, no RJ. Produziu

“Lições de geografia particular do Brasil”,

1877

Maria Guilhermina Loureiro de Andrade68 Natural de MG, fundou um colégio para

meninas no RJ. Produziu “Resumo da

História do Brasil para uso das escolas

primarias”, Boston, 1888; e alguns livros

de leitura para o ensino primário.

Maria Jose de Andrade Dirigiu um colégio de meninas no RJ

Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-

1885)69

Foi educadora de meninas no Brasil e em

Portugal. Escreveu “Direitos das mulheres

e injustiça dos homens”, de 1832;

“Conselhos à minha filha”, de 1842, “A

mulher”, de 1859; “Opúsculo

humanitário”, de 1853

Teresa Pizarro Filha Fundou no Rio de Janeiro o Colégio Santa

Teresa

Como nos mostra Silva (2007), e como nos alerta Tabak e Tavares (2007), essas

mulheres abriram escolas, publicaram livros, fundaram jornais70 e escreveram artigos

em defesa do direito da fala pública, em um momento de lutas das mulheres,

“principalmente pelo direito à educação e à profissão”. (Muzart, 2003).

Em relação às professoras autoras, é possível que a função que possuíam na

sociedade - a de professoras -, e a já mencionada prática de, em meados do século XIX,

muitos destes profissionais se tornarem autores de livros, muito possivelmente, ter sido

o que autorizou a prática da escrita de livros por essas mulheres.

68 Para saber mais sobre Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, cf. Chamon (2005) e Chamon & Faria Filho (2007). 69 Para saber mais sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta, consultar Duarte (2003). 70 Sobre jornais femininos no Rio de Janeiro, conferir, por exemplo, Bicalho (1989) e Morel (2003, 2005).

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47 Sobre a presença das mulheres nas escolas, segundo Uekane (2008), no século

XIX, a instrução primária feminina se desenvolveu lado a lado com as escolas de

meninos, tendo se constituído um campo privilegiado de atuação das mulheres enquanto

professoras e como alunas. Com a política de expansão da instrução primária, se fazia

necessária também à expansão do número de escolas femininas. Para isso, eram

necessárias mudanças na mentalidade brasileira acerca do papel das mulheres, não as

restringindo somente ao espaço doméstico e possibilitando sua inserção neste ramo de

ensino. Borges (2008), por exemplo, identificou um contingente de 75 professoras

públicas da Corte, a partir das informações trazidas nos relatórios dos Ministros do

Império e da IGIPSC no período de 1854 a 1889. Provavelmente outras professoras da

Corte tenham se dedicado a luta pelo “direito da fala pública”, sendo necessário maiores

investigações para se aprofundar esta questão, aqui brevemente abordada.

Ao analisar os mencionados relatórios produzidos pelos Ministros dos Negócios

do Império, foi possível encontrar no relatório referente ao ano de 1877, mais

especificamente em sua página 35, uma lista dos “Professores públicos que têm escripto

trabalhos didacticos”. Nela encontramos a presença de duas mulheres, Guilhermina de

Azambuja Neves e Luiza Emilia da Silva Aquino, juntamente com os seguintes nomes e

obras:

Figura II - Professores e suas obras (1877)

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48 Este documento comprova que a prática de produção dos “livros escolares”

por parte dos professores que, muitas vezes, possuía mais de uma obra publicada, era

fiscalizada pelas autoridades governamentais, assim como a maioria das ações que se

relacionavam com a “instrução” e “formação” da população. Ao promover uma espécie

de censo dos livros escolares existentes, o ministro constrói uma zona de visibilidade na

qual autor e obra assumem lugar destacado. Com este procedimento, o homem do poder

central dá a ver o conhecimento que possui acerca de produção didática e, ao mesmo

tempo, credencia aquilo que reconhece e inibe o uso do que poderia existir nas margens

daquilo que é oficializado, legitimado.

É possível afirmar, que no percurso que envolvia os livros escolares, mais do

que consumidoras passivas destes objetos para auxílio de suas aulas, as professores

agiam, seja analisando e avaliando as obras que deveriam ser autorizadas para uso das

escolas, como foi possível observar pelo parecer emitido pela professora Josepha

Thomazia da Costa Passos sobre o “Syllabario” do professor M. Ribeiro de Almeida

trazido neste texto, a pedido do governo imperial, seja produzindo tais compêndios.

Deste modo, é possível trabalhar com hipótese de Schueler (2005), de que estes

professores, homens e mulheres, se destacaram por sua atuação como intelectuais do

ensino e da cidade. Intelectuais que, desempenhando, (e disputando), a função de

autores, participaram na produção de saberes, de objetos, de textos e livros escolares,

interferindo nas representações em conflito a respeito da escola primária e dos projetos

educacionais em circulação na cidade do Rio de Janeiro, na segunda metade do século

XIX.

Sobre o ser um intelectual, cabe ressaltar que, como nos alerta Gondra (2007), a

atribuição do estatuto intelectual a um homem ou mulher, deve buscar reconhecer seus

pertencimentos e sua inscrição em determinada ordem discursiva, que, autoriza e

legitima determinados sujeitos a manejarem a palavra e a pena em favor de problemas

bem determinados (p. 14). Assim, para este autor, a emergência do intelectual se

encontra condicionada a um espaço de expressão, objeto a ser expresso e tipo de sujeito

que exprime. Esta nos parece ser uma chave de leitura que ajuda a compreender a

produção intelectual de professores e professoras no século XIX. A condição de

docente, vinculado à experiência pedagógica do mesmo e as estratégias empregadas

para amplificar suas posições acerca da difusão de determinados saberes são atributos

que credenciam estes agentes a ocupar a função autor.

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49 Sobre a tradução de livros, como os da citada autora, prática estimulada no

século XIX, juntamente com as já mencionadas vantagens econômicas trazidas, é

possível entender a recorrência a esse tipo de obra pelo próprio mercado editorial do

período, que se encontrava em construção. A premiação garantida em lei aos autores

que traduzissem obras que fossem posteriormente aprovadas pelo governo imperial

para uso nas escolas, também se tornava um incentivo às traduções. Outra possibilidade

a se trabalhar, que pode nos ajudar a entender melhor a existência dessas obras, é que

esta ação poderia funcionar como uma estratégia de seus autores para uma afirmação de

seu nome, já que, como a maioria dos livros traduzidos eram advindos da Europa,

considerada então, lugar do avançado e do moderno, ao se traduzir tais livros, poder-se-

ia querer demonstrar o acompanhamento dos debates desenvolvidos mundialmente

acerca de temas diversos, atestando assim, a associação do tradutor ao traduzido.

Traduzir é, pois, um negócio com rentabilidade no capital econômico e no capital

simbólico do tradutor e do traduzido. Para o Estado Imperial, estimular este tipo de

produção se constitui em um acesso complementar da vontade de ser civilizado.

Dentre as obras traduzidas que circularam na Corte Imperial, encontram-se, “A

creação do mundo, ou a explicação da obra dos seis dias”, do Francez Duques e

Dasfeld, traduzido por Henrique Velloso de Oliveira; “Catecismo de Fleury”, traduzido

por Joaquim José da Silveira; “Epítome de histore Sacré” e “Os deveres do homem”,

ambos traduzidos por Antonio de Castro Lopes; “História Universal”, traduzido por

Pedro Parley; “O produto da moral religiosa para a leitura nas escolas primarias”, por

Joaquim Pires Machado, “O Caráter”, e “O poder da vontade”, ambos de Samuel

Smiles, sendo o primeiro traduzido por Valentina Ljubschenko, e o segundo por M. J.

Fernandes dos Rios.

2.3 - Tensões presentes na adoção dos livros escolares nos oitocentos

Sobre o processo referente a produção, adoção e circulação dos “livros

escolares”, poderíamos imaginar que ele ocorria de modo linear e em consonância com

o que descreve a lei. Nesse sentido, ao haver a autorização e conseqüente adoção de

uma obra por parte do governo imperial, imediatamente seu autor recebia o prêmio

estabelecido pelo regulamento. No entanto, quando nos remetemos às práticas,

distanciando-nos por alguns momentos da letra da lei, podemos perceber reações

distintas frente à norma.

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50 Tentando refletir acerca das tensões existentes nas práticas estabelecidas para

a adoção dos livros, vemos que diferente do que nos levaria a concluir uma análise

isolada do regulamento referente ao pagamento de prêmios por sua adoção, este não

ocorria como previsto. Como exemplo há um oficio emitido pelo professor Frazão, em

10 de junho de 1964, ao Inspetor Geral da Instrução Primária e Secundária da Corte,

solicitando que seu pagamento fosse efetuado. Para tanto, faz referência à lei e relata a

situação de dificuldade da vida de professor:

(...) nascido de pais pobres, vive com difficuldade dos acanhados vencimentos que lhe da sua cadeira. Dedica-se com desvelo ao magistério, por que acredita nas promessas que fez o governo de V. M. Imperial ao professor trabalhador, e conhecendo a grande necessidade que tinha a instrucção pública de livros elementares escriptos em linguagem correcta, publicou um compêndio de Aritmética com que satisfez a uma das maiores necessidades do ensino (...). O supperintendente vem, pois, rogar a V. M. Imperial a graça de lhe mandar dar o prêmio de dois contos de reis, que a lei diz garantir-lhe. (AGCRJ, Códice 11.2.9, pág. 13)

As dificuldades materiais impostas pela pequena remuneração do trabalho

docente no ensino público primário, aparecem como argumento nas súplicas deste

professor, no sentido de obter o prêmio referido no regulamento. Esse não foi um caso

isolado e o pedido também não significa que o prêmio tenha sido pago.

Diante desse e de outros fatos a que os professores eram submetidos, como os

“acanhados vencimentos”, um grupo de professores públicos primários da Corte se

reúne em 1871 e elaboram um manifesto, dirigido aos concidadãos, no qual dizem

relatar sobre a situação em que viviam, bem como a da educação de modo mais geral71.

Neste documento, os professores denunciam a sociedade imperial: “temos soffrido toda

a sorte de injustiças” sofrido com “resignação evangélica a humilhação” a forma como

eram tratados pelo Estado, e para comprovar as humilhações e a indisposição do

governo para com eles, trazem uma denúncia sobre o processo de adoção e premiação

dos “livros escolares”.

Para deixar registrado que possuía o conhecimento da lei, e para sensibilizarem

os cidadãos de que reivindicava um direito, iniciam a denúncia com a citação de um

trecho do regulamento de 1854, o qual diz: “Garante-se prêmio ao professor que

71 Para saber mais sobre o Manifesto dos Professores Públicos de 1871, consultar Lemos (2002, 2006).

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51 escrever ou traduzir algum compêndio para uso das escolas, contanto que seja

adoptado pelo governo” (grifo no original) e, logo depois continuam o relato:

(...) depois de uma luta de quatro annos, em que teve que concorrer com um senador e com mais dous cavalheiros recommendáveis por seus conhecimentos e posição social! Corre ao governo em busca do seu prêmio, e o governo lhe reponde: a lei não é clara, não precisa o prêmio; e no entender do governo a adopção já é um prêmio. (grifo no original)

Ao registrarem a interpretação que estava sendo feita do regulamento, os

professores afirmam que tal explicação servia apenas a uma parcela dos envolvidos e

argumentam em seu manifesto que:

Não se considera a adopção como prêmio, e sim como condição para o prêmio que elle garante! Finalmente, esse prêmio o regulamento não o estabelece em termos duvidosos, porém diz: Garante-se! Reparai em tudo isso e ficareis abysmados do modo por que o governo tem entendido este artigo em relação aos desgraçados mestres de escola! Dizemos em relação aos mestres de escola, por quê os que o não são tem conseguido prêmios pecuniários por trabalhos, alguns dos quaes não honrão muito as nossas escolas por sua incorreção!. (grifo no original)

Comunicam ainda que quando o representante do governo foi interrogado sobre

o fato da adoção do livro ser uma condição para o prêmio, este informou que:

sim...sim... mas a mente do legislador referia-se a livros de certa importância(!!!!). Eis-ahi, concidadãos, a interpretação das leis quando se trata de mestres escolas! Pois há-se de aviltar um prêmio que se da aos doutores , dando-o também a um mestre escola?

Para os professores primários, a resposta do representante do poder, de acordo

com o testemunho dos próprios professores, apresenta uma discriminação, pois um

considerável número de obras adotadas pelo governo imperial era elaborado por

médicos, bacharéis, padres, políticos e, segundo o Manifesto, esses sujeitos não tinham

dificuldade de receber os prêmios estabelecidos. Trata-se, portanto, mais uma vez de

relações de poder que, estabelecidas nestes termos, fortalece os princípios da hierarquia

e desigualdade do exercício do poder.

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52 Nos documentos analisados no AGCRJ, foi possível constatar um grande

número de ofícios de professores que ofereciam suas obras para serem adotadas, mas

que também continham o pedido do prêmio referente à sua aprovação. Entretanto, até a

conclusão deste estudo, não foram encontradas as repostas à maioria das solicitações, ou

da concessão dos prêmios por parte do governo imperial. Para Foucault (1995) é mais

importante saber o conjunto das questões que estão sendo postas naquele momento, do

que propriamente as soluções que se desenvolvem para elas, uma vez que, estas serão

apropriadas diferentemente pelos diversos setores da sociedade, impossibilitando, desta

forma, o aparecimento de uma única verdade.

Com base na documentação analisada, é possível perceber traços das tensões e

disputas que envolviam a adoção de “livros escolares” em meados do século XIX,

objetivando apresentar a complexa teia de relações nas quais estavam inseridos. O

percurso percorrido pelos compêndios não se resumia apenas na escolha e pagamento

dos prêmios que, apesar de importantes e significativas, demonstram apenas um aspecto

do problema, que se mostra mais complexo à medida em que o relacionamos com

outros fatos. Considerando os envolvidos na escolha, suas trajetórias, pertencimentos,

expectativas e relações sociais. Enfim, como procuramos sublinhar, trata-se de uma

grande gama de questões a serem consideradas para se proceder a um exame mais

cuidadoso do processo de produção, publicação, circulação e usos dos “livros

escolares”.

2.3.1 – A disputa entre “liberais” e “conservadores”: oscilações nas normas do

livro escolar

Os anos de 79 a 89 representam, cronologicamente, a última década da

monarquia em nosso país. Em 1879 houve uma tentativa de inovação referente à

normatização das escolas na Corte, devido à Reforma elaborada pelo intitulado “liberal”

Leôncio de Carvalho. Porém, antes de entrarmos na análise desta lei, cabe um aparte

sobre a política de reformas em nosso país, contando com o auxílio de Gondra (2003),

Na área da educação, no Brasil, as reformas vêm se acumulando, pelo menos, desde as chamadas reformas pombalinas. Volume que se adensa quando consideramos os níveis e modalidades de ensino que são objeto das reformas; fenômeno que se multiplica por ocasião do ato adicional 1834. A partir daí, ao lado das reformas patrocinadas pelo poder central devem ser adicionadas aquelas ocorridas no plano provincial. Multiplicação que se vê ampliada pela conjuntura de alta rotatividade verificada no

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53 período monárquico, tanto no âmbito dos gabinetes ministeriais, como no da presidência das províncias, sendo esse traço igualmente visível ao longo do período republicano. Com isso, é possível afirmar que tal expediente contribuiu para gerar uma efetiva cultura da reforma no Brasil que, via de regra, opera de acordo com a retórica da insuficiência ou inexistência de iniciativas na área que a mesma procura recobrir. Desse modo, como momento em que se precipitam e se condensam posições variadas, a reforma educacional pode se configurar como ocasião especial para se examinar as estratégias e os projetos imaginados para se governar às multidões, via instrução do povo. (pág. 3)

Considerando-se aquilo que se encontra em jogo na “cultura da reforma no

Brasil”, analiso o regulamento elaborado pelo já citado “liberal” Leôncio de Carvalho72

em 19 de Abril de 1879. Este regulamento foi fruto da “rotatividade dos gabinetes

ministeriais”73, como nos aponta Gondra e, segundo Martinez (1998), trouxe grandes

mudanças no campo da Instrução Pública, pois em muito se distanciava das propostas

anteriores e do Regulamento de Couto Ferraz, de 1854. Tais características ajudam a

compreender o fato de ter sido muito criticado pelos parlamentares, pois a direção

conservadora, baseada nas idéias pedagógicas e na legislação da França restaurada,

propugnava um controle mais eficaz do Estado na Instrução Pública, não apenas

inspecionando os estabelecimentos, mas determinando horários, compêndios, métodos e

programas de ensino. De acordo com a regulação estabelecida na gestão de Leôncio de

Carvalho, em relação à adoção dos compêndios nas escolas, por exemplo, os

professores eram livres para escolher livros, assim como métodos e programas de

ensino, ainda que tivessem que seguir o currículo oficial determinado pelo regulamento.

Sobre os livros, Leôncio de Carvalho em relatório apresentado no ano de 1877,

dois anos antes da elaboração do citado regulamento, dizia que:

A multidão e variedade de compêndios derramados pelas escolas, sem mui escrupulosa escolha, vai desvairando e muitas vezes retardando o adiantamento dos alumnos, principalmente quando estes têm de passar de uma escola para outra, onde não raro se acham como que estranhos á matéria, que, aliás, estudaram, mas que lhes parece não se conformar com a doutrina e os estylos da aula que deixaram; inconveniente este que nasce das grandes differenças dos compêndios e do modo de explical-os. Do methodo e do saber dos mestres depende todo o adiantamento proveitoso do discípulo, principalmente no estudo

72 Segundo Martinez (1998), em 1883 houve um intenso debate na Câmara, e Leôncio de Carvalho foi acusado de “liberalismo extremado” por decretar o ensino livre e a liberdade religiosa. 73 Para saber mais sobre este assunto, consultar LYRA, Tavares de. (1979).

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54 primário e secundário, onde as primeiras lições illogicas se tornam inextirpáveis; por isso os primeiros modelos devem ser puros e coherentes, sob pena de não ser bem dirigido o espírito de imitação, tão pronunciado na juventude. Levado por esta consideração foi que na reforma que, quando Ministro, fiz no Collegio de D. Pedro 2º consignei a obrigação de serem pelos próprios professores, e na falta d’estes por pessoas mui hábeis, organisados compêndios para as diversas materias do ensino, tendo-se attenção às necessidades systema adoptado pelo governo. Estes compêndios, assim organizados, discutidos regularmente, e approvados por quem de direito, predominariam em todos os estabelecimentos particulares; e, assim, conseguiríamos o que ate agora nos tem faltado: unidade e uniformidade racional da instrucção e educação nacional, da qual o governo deve ser sempre o protector e o fiador, se é verdade que a sociedade não póde viver sem princípios certos e definidos.

Segundo o Artigo 4º da lei elaborada por Carvalho, no ensino nas escolas

primárias do 1º grau do Município da Corte, deveriam constar as seguintes disciplinas:

Tabela VIII - Disciplinas previstas para o ensino primário (1879)

Meninos: Meninas: Instrucção moral Instrucção moral Instrucção religiosa Instrucção religiosa Leitura Leitura Escripta Escripta

Noções de cousas Noções de cousas Noções essenciaes de grammatica Noções essenciaes de grammatica Princípios elementares de arithmetica Princípios elementares de arithmetica Sistema legal de pesos e medidas Sistema legal de pesos e medidas Noções de historia e geographia do Brazil

Noções de historia e geographia do Brazil

Elementos de desenho linear Elementos de desenho linear

Rudimentos de musica, com exercício de solfejo e canto

Rudimentos de musica, com exercício de solfejo e canto

Gymnastica Gymnastica ____________________ Costura simples

No ensino nas escolas primárias de 2° grau deveriam constar as seguintes

matérias:

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55

Tabela IX – Disciplinas previstas para o 2° grão (1879)

Princípios elementares de álgebra e geometria

Princípios elementares de álgebra e geometria

Noções de physica, chimica e historia natural, com explicação de suas principaes applicações a industria e aos usos da vida

Noções de physica, chimica e historia natural, com explicação de suas principaes applicações à industria e aos usos da vida

Noções geraes dos deveres do homem e do cidadão com explicação succinta da organização política do Império

Noções geraes dos deveres do homem e do cidadão com explicação succinta da organização política do Império

Noções de lavoura e horticultura Noções de lavoura e horticultura Noções de economia social Noções de economia domestica

Pratica manual de offícios Trabalhos de agulha74

Cabe o destaque de que, apesar da instrução religiosa fazer parte deste currículo,

segundo este regulamento, “os alumnos acatholicos não são obrigados a freqüentar a

aula de instrucção religiosa que por isso deverá effectuar-se em dias determinados da

semana e sempre antes ou depois das horas destinadas ao ensino das outras disciplinas”.

Tal medida não passou desapercebida e, como nos adverte Bittencourt (1993), a

polêmica entre o grupo conservador católico, ligado ao ideário da Igreja tramontina e o

de liberais mais radicais, positivistas ou cientificistas e republicanos acirrou-se durante

esta reforma que tornou o ensino religioso facultativo e que foi progressiva nos anos

seguintes, até a implantação do regime republicano. As propostas de nacionalização da

obra didática, por sua vez, representavam o grupo de educadores favoráveis ao domínio

do Estado na escola pública, em detrimento do poder da igreja.

Ao continuarmos a análise das disciplinas que deveriam compor o currículo

oficial das escolas de acordo com o regulamento de 1879, e ao compararmos com a Lei

de 1854, podemos perceber mudanças nos programas de ensino propostos. Estas

mudanças se tornam ainda mais evidentes quando referentes ao 1º grau, já que houve

um acréscimo de disciplinas como: Noções de historia e geographia do Brazil,

Elementos de desenho linear, Rudimentos de musica, com exercício de solfejo e canto, e

a Gymnastica que, no regimento de 1854, só pertenciam ao currículo das escolas

primárias de 2° grau. Já em relação à disciplina Noções de cousas, que inexistia na lei

anterior, foi possível perceber que sua presença como disciplina obrigatória do ensino,

74 Grifos meus.

Meninos Meninas

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56 representou nada mais do que uma inovação que já estava servindo de modelos para

muitos dos nossos autores brasileiros que, inspirados por famosos educadores

estrangeiros, como Pestalozzi, já utilizavam o método intuitivo75 na produção de suas

obras, como Abílio César Borges e seus “Livros de Leitura’ e Antonio Pinheiro de

Aguiar e seu método “Bacadafá”. A preocupação do governo pela apreensão do novo

método, o intuitivo, também se estendeu aos futuros professores, já que seu ensino

deveria fazer parte das escolas normais, e já que eles seriam os responsáveis pela

“transmissão” dos conhecimentos aos indivíduos/ alunos.

Apesar da lei 79 ter sido o último regulamento sobre a instrução primária e

secundária da Corte no período monárquico, sua repercussão não foi tão ampla quanto o

de 1854, fato possível de se observar até mesmo pelos documentos encontrados no

AGCRJ, pelos quais a maioria dos sujeitos que reivindicavam alguma questão

relacionada à educação, utilizavam como amparo legal, ainda na década de 80, a lei

elaborada por Couto Ferraz. Assim, é possível afirmar que, de fato, tal regimento não

entrou em vigor.

Segundo Martinez (1998), entre liberais e conservadores, as disputas em torno

de idéias educacionais e reformas na organização escolar foram tão acirradas quanto

instáveis. Desta maneira, no intuito de revogar o decreto de 79, outras legislações foram

criadas pelos conservadores como, por exemplo, o regimento interno das escolas

públicas primárias do 1º grão do município da Corte, criado em 1883, ano em que

Antonio Bandeira Filho76 era o Inspetor Geral da Instrução, editando o novo regimento,

e que Francisco Antunes Maciel era o Ministro do Império. Aprovado em 6 de

novembro do referido ano, com este novo regimento, tinha-se o objetivo de “supprir as

lacunas do regimento de 1855, o qual, accommodado às disposições do Decreto de 17

de fevereiro de 1854, estava em muitos pontos derogado por actos posteriores, os

Decretos de 18 de janeiro de 1877 e 19 de abril de 1879.”

75 Método que tem como características a valorização da observação das coisas, dos objetos, da natureza, dos fenômenos e da necessidade da educação dos sentidos como momentos fundamentais no processo da aprendizagem humana, alertando também para a necessidade e para a importância da escola observar os ritmos de aprendizagem dos alunos. 76 De acordo com Gondra (2007) Antônio Herculano de Souza Bandeira Filho, filho de Antônio Herculano de Souza Bandeira, nasceu na província de Pernambuco, em cuja Faculdade recebeu o grau de bacharel e depois o de doutor. Foi diretor da segunda seção da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, sendo também nomeado professor de filosofia e direito natural e público e constitucional da Escola Normal. Concorreu em 1880 a uma cadeira de Economia Política da Escola Politécnica e, partindo para a Europa com licença do governo para tratar de sua saúde, foi encarregado pelo mesmo governo de visitar os jardins de infância, e mais tarde de estudar as escolas normais primárias, sendo em sua volta nomeado diretor da Instrução Pública do Município Neutro.

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57 Sobre os livros, de acordo com a nova legislação, os compêndios não mais

seriam entregues aos alunos, permitindo que os levassem para casa. Tais objetos

deveriam agora ser guardados nas escolas, e apenas utilizados durante os exercícios.

Outra mudança com o novo regimento era que os professores não mais poderiam

escolher as obras, dentre as aprovadas pelo Conselho Diretor, já que para Bandeira

Filho:

Tal liberdade de escolha contraria a boa direcção do ensino, e, demais, será enorme a despeza si o governo for obrigado a comprar todos os livros que os professores requisitarem. Tratando-se de escolas publicas, o ensino deve ser feito de conformidade com as regras prescritas pelo governo, nem se devem exigir outros livros além dos que elle fornecer. (pág. 16)

O referido inspetor diz ainda que por diversas vezes levou ao conhecimento do

Conselho Diretor suas queixas relativas à irregularidade dos livros utilizados nas

escolas, cheio de “erros graves de doutrina, outros inconvenientes á boa educação, e

muitos inteiramente impróprios para o ensino” (pág. 16). Devido as suas reclamações,

foi aceito pelo Conselho um projeto de regulamento para aprovação e adoção de livros,

que ainda pendia de solução, mas que teria as seguintes medidas:

Bandeira Filho termina dizendo que sem essas providências, não seria possível

acabar com a desordem que se observava e que seria autorizada pelas disposições

vigentes.

Por meio de sua fala, é possível perceber claramente suas críticas e tentativas de

oposição ao regulamento existente, críticas que não eram só dele, mas do forte grupo a

que estava aliado. Segundo Martinez (1998), em meio às disputas de poder pelos

conservadores e liberais, em 1886, Ambrósio Leitão da Cunha, o Barão de Mamoré, que

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58 era ligado ao gabinete conservador, nomeou uma Comissão para estudar e criar um

projeto que reformasse o ensino primário e secundário do Município Neutro, projeto

este que ficou conhecido como “Barão de Mamoré” e que foi exemplar ao demonstrar a

força dos conservadores e de seu pensamento educacional, contrastando-se claramente

da reforma de 1879.

Tal política fez com que no ano anterior a criação desta Comissão, em 1885,

fosse elaborado pelo Ministério do Império o Decreto n° 9397 de 7 de março, assinado

por Fellipe Franco de Sá77. Este decreto legislava especificamente sobre a produção e

circulação dos “livros escolares” e com ele, retomou-se com normas trazidas pelo

regulamento de 1854, como também criou novas regras para a utilização destes objetos,

como é possível verificar na Figura III:

77 Segundo o SB, Fellipe Franco de Sá formou-se em 1864 em Ciências Sociais e jurídicas pela Faculdade do Recife. Entre os cargos que exerceu encontra-se o de promotor publico, deputado, bem como representante da pasta de negócios estrangeiros da Coroa.

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59 Figura III: Decreto n° 9397 de 7 de março de 1885

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60

Contando com um total de nove artigos, como é possível perceber na figura III,

dentre as regras reafirmadas encontra-se a do artigo 1° acerca do controle anteriormente

exercido, pelo qual nenhum livro poderia ser adotado sem a prévia aprovação do

Ministro do Império, que deveria receber o parecer do Conselho Diretor. Outra regra

assegurada pelo Decreto, é a pertencente ao artigo 2°, pelo qual a aprovação de livros

que contivesse matéria do ensino religioso deveria sempre proceder a aprovação do

Bispo Diocesano, evidenciando de tal modo, o ainda grande poder exercido por esta

instituição na educação. Porém, tal regulamento vai mais longe em sua tática de

controle, ao criar novas normas sobre os compêndios, como, por exemplo, ao classificá-

lo de acordo com a função para qual seria destinado (uso do aluno, uso do professor,

utilização na biblioteca, ou como prêmio), e ao prever a punição a quem desrespeitasse

essa lei, impedindo e restringindo, desta forma, o maior contato dos indivíduos com as

diferentes publicações.

A criação deste Regulamento que tratava mais detalhadamente dos usos e da

posse do livro remete a outros tempos como, por exemplo, no século XVI quando foi

instituído, pela igreja católica, o Index (Sagrada Congregação do Índice)78, documento

que continha uma lista dos livros proibidos e que visava, como no mencionado Decreto,

censurar o que deveria ou não ser lido pelos fiéis. Nos diferentes séculos, as instituições,

78 No século XVI, foi instituído o Index (Sagrada Congregação do Índice), que elaborou uma lista dos livros proibidos. Essa lista foi atualizada periodicamente e foram publicados 42 índices. O Index foi abolido em 1962 pelo papa João XXIII, no Concílio Vaticano Segundo.

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61 ao menos oficialmente, mudaram, método e funções permaneceram, ou seja, um

pequeno grupo de pessoas julgando o que seria ou não apropriado para a leitura do

conjunto da população das escolas primárias e secundárias da Corte.

O refinamento da norma reafirma a intenção de controle total sobre os “livros

escolares” por parte do governo imperial, bem como cria novas regras, ou seja,

estratégias que intentavam um domínio ainda maior acerca dos usos e das posses do

livro. Este documento mais do controlar a utilização dos compêndios, parece objetivar a

afirmação de autoridade de um grupo político, os conservadores, que não desejavam

perder espaço, ou seja, poder, para seus concorrentes liberais. Como nos alerta

Tambara (2003), o cotidiano escolar, no século XIX, no Brasil, constituía-se em um

campo caracterizado por fortes disputas ideológicas e políticas e evidenciam a luta pela

hegemonia e supremacia dos diversos grupos que buscavam consolidar seu poder. (pág.

102).

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62 III- LIVROS DE LEITURA, ESCRITA E GRAMÁTICA NA CORT E

IMPERIAL

A título de exercício de reflexão acerca das questões postas na adoção dos livros,

busco aqui analisar os manuais que eram destinados ao ensino da leitura e da escrita nas

escolas primárias da Corte. Como já mencionado, houve uma grande produção de livros

de leitura no Brasil oitocentista devido ao objetivo de inserir a população ao mundo

letrado, ao menos, parte da população, posto que este projeto se voltava para a

população livre.

Em 1870, de acordo com Martinez (1998), o Brasil possuía 80% de sua

população analfabeta, sendo que, em 1890, mais da metade dos habitantes da Corte já

sabiam ler e escrever, sendo este efeito resultante de práticas de difusão/apropriação da

leitura e escrita heterogêneas e plurais, de uma política de propagação do ensino

primário, e de um interesse aberto em privilegiar este tipo de ensino, fato perceptível na

legislação e discursos dos voltados para o problema da instrução pública.

Como nos alerta Galvão (2007), é interessante observar que a leitura, a escrita e

a gramática da língua nacional já se encontravam presentes como conteúdos

fundamentais da instrução primária desde a Lei Imperial de 1827 e na legislação

provincial das décadas seguintes (p. 4). De acordo com a Lei de 1827, entre os saberes

que deveriam ser difundidos, encontrava-se a leitura, a escrita e a gramática da língua

nacional, como é possível de se observar pela tabela III deste trabalho. Na Corte, de

acordo com a lei de 1854, entre as disciplinas que deveriam compor o ensino primário

nas escolas públicas, encontrava-se a “leitura escripta”, e as “noções essenciaes de

grammatica”. Já no regulamento de 1879, previa-se também para as escolas primárias, o

ensino da leitura, da escrita e a as “noções essenciaes de grammatica”.

Acerca destes saberes, ainda de acordo com Galvão (2007), a leitura era

considerada primordialmente um meio para a aquisição de outros conhecimentos – e

não um saber a ser ensinado por si mesmo – e que poderia ser exercitada através dos

compêndios ou de outros materiais escritos (p. 3). Já a escrita, duas formas de concebê-

la e ensiná-la pareciam conviver nas escolas de instrução primária no período: uma que

a identificava com a habilidade de redigir textos e uma outra que a caracterizava como

uma aquisição de caráter manual – semelhante ao desenho -, em uma sociedade em que

o manuscrito certamente tinha maior circulação do que o impresso. A identificação da

escrita com as atividades de redação e composição de textos, ortograficamente corretos,

era baseada na cópia e no ditado, que também serviriam de base à análise gramatical. Já

a aprendizagem da gramática encontrava-se, por sua vez, direcionada para a aquisição

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63 das normas ortográficas através da cópia e do ditado, da análise sintática e

etimológica e a memorização das normas que regiam a língua. (Galvão, 2007, p. 7)

A previsão formal do ensino da leitura, escrita e gramática apresentam certa

regularidade, o que não implica dizer que foi concebido do mesmo modo, e que atendia

um único método. Os debates acerca da ordem no ensino da leitura e escrita (se deveria

ser simultâneo ou separado, primeiro aprender a ler, para depois escrever) e a gradação

da mesma (com o aparecimento dos livros seriados de leitura) são indícios de

negociações em curso acerca da melhor pedagogia para difusão deste saber.

Ao mesmo tempo o discurso da norma aparece redobrado, como estratégia para

multiplicar sua força. Um exemplo desta tecnologia remete à presença deste tema na

Conferência Pedagógica79. Nesta reunião oficial dos professores, o tema da leitura,

escrita e gramática e de outros saberes obrigatórios esteve presente.

Para conduzir estes encontros, o governo preparava antecipadamente, pontos do

programa das Conferências para os professores estudarem e elaborarem trabalhos que

deveriam ser apresentados. No ano de 1872, o primeiro ponto colocado para os

professores (e por eles desenvolvido) era o seguinte:

Diante da questão, alguns professores se pronunciaram. No que se refere a

distribuição da leitura, da escrita e da gramática , a professora Joanna Amália de

Andrade informava que trabalhava “Na primeira parte do tempo, todos os dias, escripta,

contas e leitura. Na segunda parte, grammatica e doutrina às segundas (...)”. A

professora Deolinda Maria da Cruz Almeida Araújo propunha, “(...) leitura e escripta

todos os dias das 9 ás 10 horas, prolongando-se três vezes por semana, dias em que as

alumnas mais adiantadas escrevem períodos, dictados; noções essenciaes de

79 No ano de 1872, funcionou na Corte Imperial as Conferências Pedagógicas, que eram reuniões dos professores organizadas pelo Governo e que, de acordo com o regulamento de 1884, tinham como um dos objetivos promoverem a troca de observações pedagógicas. De acordo com Borges (2005), com esses encontros o governo pretendia conhecer, controlar e homogeneizar professores e práticas escolares. Sendo possível também, por meio deles, acompanhar a movimentação dos professores observando seus discursos, práticas e idéias, o que pode nos ajudar a compreender melhor ações e representações dos professores nos oitocentos. Para saber mais sobre as Conferências Pedagógicas, consultar Borges (2005).

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64 grammatica, gastando-se com esta matéria um espaço de tempo, que não exceda a

uma hora (...)”. Já entre os professores das escolas masculinas que se pronunciaram

acerca deste ponto, Gustavo José Alberto relatava destinar as segundas, terças e sextas-

feiras ao ensino da gramática. O professor Olympio Catão Viriato Montez dizia dividir

o tempo das matérias da seguinte maneira, “Processo de calligraphia 1 hora diariamente;

leitura e grammatica 1 ¼ hora diariamente (...)”. Carlos Augusto Soares Brazil

apresentou a seguinte divisão, “Calligraphia, diariamente, 1 hora; Leitura, idem, 1 hora;

Grammatica, terças, quintas e sabbados, 1 hora”80.

De acordo com estas informações, é possível perceber que este grupo de

professores privilegiava o ensino da leitura e da escrita, já que todos diziam trabalhar

com estes saberes. Já o ensino da gramática, ocorreria, em média, três vezes por

semana, variando o tempo dedicado e os dias trabalhados. Como se pode perceber,

ainda que haja variação no tempo destinado ao ensino desses saberes, todos os

professores demonstravam cumprir com a determinação oficial, e que estavam dentro da

ordem. Imagino que a dificuldade de uma manifestação oposta aparece neste tipo de

solenidade, mesmo na documentação variada com a qual trabalhei, não encontrei

nenhum vestígio da ausência desse saber na escola primária. Parece ter sido

naturalizado. Naturalização que vem apoiada em medidas variadas, como as duas a que

fiz referência, mas a elas não se limita. A produção de livros associados a estes saberes

parece ser mais um sintoma da força do mesmo no corpo de saberes a serem praticados

na escolarização inicial.

Ao fazer um levantamento nos mais variados documentos que se encontram no

AGCRJ relativos à instrução da Corte, bem como nos relatórios dos Ministros do

Império e da Inspetoria81, pude catalogar 82 obras destinadas ao ensino da leitura, da

escrita e da gramática, como se pode ver na tabela que se segue:

80 Estes professores trabalharam nas seguintes escolas: Joanna Amália de Andrade foi professora de escola da freguezia de Paquetá em 1857, sendo removida em 1858 para a freguezia da Glória; Deolinda Maria da Cruz Almeida Araújo trabalhou em 1861 na escola de São Christovão, sendo removida em 1877 para a freguezia do Engenho Velho; Gustavo José Alberto regeu em 1863 a 2ª cadeira da freguezia do Engenho Velho, sendo transferido entre 1865 e 1869 para a do Espírito Santo; Olympio Catão Viriato Montez trabalhou nas seguintes escolas e freguezias, Ilha do Gov. (2ªcad. 1865), Lagoa (2ª cad. 1866), Paquetá (1868), Guaratiba (1870), Paquetá (1874) e Jacarepaguá (2ª cad. 1881); e por último, Carlos Augusto Soares Brasil regeu a 2ª cadeira da freguezia do Espírito Santo em 1872. (Fonte: Borges, 2005). 81

Para acessar os relatórios dos Ministros do Império, referentes ao ano de 1832 a 1888, consultar o site http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/imperio.html.

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65 Tabela X – Livros destinados ao ensino da leitura, da escrita e da

gramática (século XIX)

Livros de leitura/escrita/gramática Autor A arte de aprender a ler a letra manuscripta Fellipe Jose Alberto Cartas a b c Antonio Maria Barker Collecção de cartas para o estudo da leitura João da Matta Araújo Compêndio de gramática Antonio Alves Coruja Compendio de grammatica da língua portuguesa

Laurindo José da Silva Rabelo

Compendio de grammatica portugueza Manoel José Pereira Frazão Compendio de grammatica portugueza Policarpo Jose Dias da Cruz Compendio de leitura intitulado paleógrafo luso brasileiro

Carlos Lisboa Silva

Dialogo orthographico da língua portugueza

Antonio Maria Barker

Elementos de civilidade Episódios da História Pátria Fernandes Pinheiro Exercícios caligráficos Cataldi Exercícios para aprender a escrever brincando

Joaquim José Menezes de Vieira

Expositor Portuguez Midosi Fábulas Justiniano José da Rocha Florilégio brazileiro Jordão Gramática analítica e explicativa da língua portugueza

Ortiz e Pardal

Gramática da língua Nacional Cyrillo Dilermando da Silveira Gramática da língua portuguesa Augusto Candido Xavier Cony Gramática elementar latina Carlos Hoefer Gramatical latina Manuel da Cunha Graça Gramática latina de Clintock Luciano Pereira dos Passos Grammatica da infância Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro Grammatica mnemônica Lacroix Gramática portuguesa Alexandre Jose de Mello Gramática portuguesa Felix Amadeo Tosetti Gramática portuguesa Francisco Silveira de Ávila Pimentel Gramática portuguesa T. J. L. Álvares Antunes História do Brazil Antonio Alves Coruja História do Brazil Joaquim Manuel de Macedo História Sagrada Roquete Homonymos da língua portugueza Zacarias Arines da Silva Freire Lessons in language Hiran Hadley Lições práticas de ortografia João da Matta Araújo Língua portuguesa C. H. Leinsten Livro da infância Delaphaine Livro da adolescência Delaphaine 1º Livro de leitura Abílio César Borges 2º Livro de leitura Abílio César Borges 3º Livro de leitura Abílio César Borges

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66 4º Livro de leitura Abílio César Borges 5º Livro de leitura Abílio César Borges Livro de leitura João José de Povoas Pinheiro Livro de leitura graduada Januário dos Santos Sabino Livro de português Francisco Silveira de Avila Pimentel Livro para o ensino simultâneo da leitura e da escripta com o méthodo fonético

João Baptista Marcone

Manuscripto Duarte Ventura Método Thialat Método Bacadafá Antonio Pinheiro Aguiar Método de leitura para ensino de meninos e adultos

Francisco Alves da Silva Castilho

Méthodo brazileiro para o ensino da escrita Guilhermina de Azambuja Neves Methodo de alfabetização Professor Hudson Método do ensino da língua latina Antonio de Castro Lopes Noções de grammatica prática da língua nacional

Philipe de Barros

Novo expositor Portuguez Lacerda Novo método de Ensinar a ler e escrever Augusto Freire da Silva Nova grammatica da língua portugueza ou Arte de fallar e escrever

João Idálio Cordeiro

Novo methodo theorico pratico de Analyse syntatica

Antonio Estevan da Costa e Cunha

Ortografia da língua Nacional Antonio Alves Coruja Os novos cadernos Taupier 2ª Parte do Silabário Antonio Maria Barker Pequeno livro de moral Antonio Ignácio de Mesquita Preliminares da gramática Francisco Alves da Silva Castilho Primeiro livro de leitura Sillabario J. B. da Silveira Caldeira Primeiro livro ou expostos da língua materna

Januário dos Santos Sabino e Antônio Estevam da Costa e Cunha

Regras de orthografia da língua portuguesa Lourenço M. Pecegueiro Resumo da gramática portuguesa Abílio César Borges Resumo de orthografia Antonio Maria Barker Resumo de gramática portugueza José Alexandre Passos Selecta clássica Philippe da Motta d’ Azevedo Sistema Addler Sistema Cassel Sistema Darmell Sistema Scully Sylabario Monteverde Syllabario ou o primeiro livro de leitura M. Ribeiro de Almeida Syllabarios J. M. Velho da Silva Syllabarios J. R. Galvão Syllabario Vasconcellino Syntaxe latina Carlos Hoefer Systema de leitura Eduardo Sá Pereira de Castro Thesouro dos meninos

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67 Cabe destacar que as obras presentes nesta tabela encontravam-se em

diferentes situações. Algumas foram aprovadas pelo Conselho de Instrução Pública para

uso nas escolas, outras não; algumas foram utilizadas para uso dos próprios alunos,

outras apenas para que o professor pudesse produzir e conduzir suas aulas; algumas

foram substituídas com a passar dos anos e dos objetivos governamentais;

demonstrando que cada uma delas possui particularidades que nos ajudam a

compreender a sua história, ou seja, o seu percurso nas escolas da Corte, exigindo um

estudo detalhado de cada uma delas para tornar possível o aprofundamento desta

reflexão. Como este exercício não é possível neste momento, e nem foi esta a proposta

deste trabalho, elejo a partir do item 3.5, algumas dessas obras para tentar entender

melhor a circulação dos livros de leitura, escrita e gramática nos oitocentos. Contudo,

antes desta análise, torna-se necessário trazer indícios, pistas, vestígios sobre o ensino

da leitura, da escrita e da gramática nas escolas da Corte, objetivando assim, o melhor

entendimento destes saberes, bem como dos contextos em que tais obras emergiram.

Para tanto, utilizo, especialmente, séries documentais distintas para esta análise.

No primeiro grupo, temos o discurso de um intelectual. No segundo compus um arranjo

com a documentação oficial de estratos variados e, no terceiro, procurei explorar a

palavra dos professores, ainda que constrangida pela ação do Estado. Com isto,

trabalhei com o livro de Antonio Almeida de Oliveira, intitulado “O Ensino Público”,

de 1873; com o relatório de viagem produzido por João Barbalho Uchoa Cavalcanti, em

1879; com os relatórios dos Ministros do Império e da Inspetoria; com o parecer da

“Comissão de professores públicos”; e com o regimento interno das escolas públicas

primárias de 1883. Busco também o registro dos próprios professores, seus rastros, por

meio das respostas dadas aos pontos das Conferências Pedagógicas. Por meio dessa

documentação procurei examinar as pistas sobre o uso dos livros de leitura, escrita e

gramática nas escolas oitocentistas da Corte Imperial.

3. 1 – Ensino da leitura

Para Tambara (2002), a prática da leitura consubstanciou-se em um dos aspectos

fundamentais do processo de socialização via escola no Brasil Imperial, mormente do

ensino primário. (pág. 38). E seu desenvolvimento se deu com base em métodos

diferentes.

De acordo com Pires de Almeida (1889), neste período os métodos de leitura

poderiam ser divididos em três:

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68 1°) Métodos ortográficos, admitindo a decomposição da palavra e sílaba em todos os seus elementos, consoantes e vogais; 2°) Método novos, admitindo apenas dois elementos, os sons e as articulações; 3°) Métodos que se apoiam ou pretendem apoiar-se neste dois sistemas. (pág. 158)

Segundo o autor, a estas três categorias poderia-se juntar uma quarta, a dos

métodos ditos “fonomímicos ou datilológicos, nos quais os sons e as articulações

respondem a um sinal da mão ou a um gesto do corpo, apreensível pelos olhos, na falta

do ouvido; métodos que se destinam à comunicação das crianças surdos-mudas com

seus mestres e seus discípulos”. (pág. 158)

Após uma exposição com uma caracterização geral dos métodos de leitura, sem

nomeações, Pires de Almeida recomenda para uso o método de leitura de M. J. M. de

Lacerda, o “Novo expositor portuguez” descrito da seguinte forma:

(...) se compõe de dozes alfabetos de caracteres diferentes, depois de onze lições de sílabas, seguidas cada uma de palavras apropriadas, servindo de exercícios, vêm, em seguida, quatro lições de palavras de três, quatro, cinco e seis sílabas. Encontram-se depois quatro páginas de explicações sobre o alfabeto, as sílabas, os ditongos, o valor das consoantes, os sinais de pontuação e as regras de leitura. (pág. 159)

Pires de Almeida finaliza sua exposição, opinando que as lições de soletração

presentes no livro de Lacerda, seriam uma das melhores já apresentadas, nas quais

“verifica-se que faltam, depois da soletração das palavras, pequenas frases para a

aplicação dos elementos estudados”. (pág. 159).

A Comissão de professores públicos nomeada em 1873 pelo Inspetor Geral da

Instrução Pública tinha, entre outras funções, analisar os métodos e compêndios

utilizados nas escolas da Corte. O relatório produzido pela Comissão a respeito da

leitura, informava que o processo antigo de soletração era o adotado pela maioria dos

professores, um ou outro empregava o novo processo de soletração, e poucos eram os

que usavam o de silabação. Expunha também que, depois da instrução moral e religiosa,

o ensino da leitura era o mais importante da escola primária, e que “o professor zeloso

póde illustrar o espírito do menino e desenvolver-lhe a intelligencia, tornando esse

ensino attractivo e variado”. Portanto, independente do método seguido, o fim que se

deveria ter em vista, era que não se aprendesse ler somente as palavras, “mas lêr bem,

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69 dando a cada uma dellas, e a toda a phrase, a inflexão própria; mostrar, emfim, que se

entende o que se lê.” Em observação feita, relataram que:

A commissão teve occasião de observar alumnos da 7ª classe, isto é, dos mais adiantados, lendo com difficuldade, sem expressão, e ignorando vocábulos comesinhos; e o professor deixando passar tudo sem uma emenda, sem huma observação ou explicação de qualquer natureza. Notou ainda a commissão que enquanto um alumno da classe lia um paragrapho, os outros, em vez de prestarem a devida attenção, só tratavam de estudar o trecho que, segundo a ordem, lhes teria de caber, de fórma que o ensino em vez de simultaneo tornava-se individual. Ainda notou a commissão, na mesma classe, lições e livros diversos, de sorte que a divisão por classe não significava progresso relativo, mas sim uma distinção arbitraria.

Devido a observações como esta, para a Comissão o ensino tornava-se

monótono, fatigante e incompleto, sendo urgente uma reforma na maneira de ensinar a

ler, que não poderia mais em consistir apenas em repetir palavras. A leitura em voz alta

e expressiva, acompanhadas das devidas explicações do professor, é o que deveria se

seguir nas escolas, sendo este o único meio de despertar o gosto nos alunos, “o que é de

um alcance valiosissimo, porque não basta que o menino saia da escola sabendo ler: é

conveniente que elle tenha adquirido o gosto e o habito da leitura”.

Sobre os livros utilizados neste ensino, informavam que eram apenas dois,

“Episódios da Historia Pátria”, pelo Cônego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro; e

“História do Brazil”, do Dr. Joaquim Manuel Macedo, sendo que a maioria dos

professores eram contra a utilização desses dois compêndios.

Expunham ainda que, cada professor tinha um que julgava melhor, e quase todos

diferiam na escolha. Em função disso, a comissão dizia limitar-se a apresentar os livros

adotados que encontrou nas escolas nas diversas classes de leitura, que eram os

seguintes:

Historia do Brasil, de Coruja Expositor Portuguez, de Midosi Thesouro dos meninos Fabulas, de Justiniano Rocha Livro da infância, por Delapaime Livro da adolescência, pelo mesmo Novo expositor portuguez, de Lacerda Historia Sagrada, de Roquete

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70 Segundo a Comissão dos professores, dos livros utilizados nas classes, havia

livros de história do Brasil, história sagrada, religião e livros destinados ao ensino da

moral. Com isso, é possível perceber que à leitura era atribuído um duplo papel: de um

lado, um meio para adquirir os demais conhecimentos e, de outro, um saber em si

mesmo, cujo ensino era voltado para aquisição de leitura oral, como nos alerta Galvão

(2007).

De acordo com Souza e Oliveira (2000), neste período, o livro de leitura seria o

veículo pelo qual transmitiriam-se valores, idéias e concepções de mundo, além de

desempenhar o papel de agente auxiliar – e ao mesmo tempo formador – da prática

docente. Por isso, era recheado de lições que prescrevem normas de comportamento e

civismo, estipulando modelos de pessoas que deveriam ser imitadas e modelos que

deveriam ser incorporados pelas crianças.

No mesmo ano de atuação da mencionada Comissão de Professores Públicos,

(1873), Antonio Almeida de Oliveira, publica em São Luís do Maranhão o livro “O

Ensino público”, no qual a autor critica o sistema educacional do período imperial,

apresentando uma série de possíveis soluções para os problemas apontados. (Borges e

Teixeira, 2005). Entre as questões que Oliveira se propõe a analisar, encontra-se os

métodos de ensino, e dentre eles, os métodos de leitura. Foi possível perceber por sua

análise, uma opinião parecida com a dos professores da citada Comissão, já que, assim

como eles, condenou o sistema existente no período, por ser “abstrato, longo e penoso”,

no qual, “O menino tem de decorar, cantarolando, princípios abstratos, de que nenhuma

aplicação pode fazer” (p. 241). De acordo com Oliveira, juntamente a isto, o mestre

acabava se enredando nos exercícios da “decomposição de palavras em sílabas e letras,

quando ele não pode compreender esse mistério, e a experiência geral tem mostrado que

os melhores métodos são os que prescindem da soletração preliminar”. (p. 241)

Para o autor, não haveria melhor método de leitura que o método americano, que

“não é senão o método de Pestalozzi, ligeiramente modificado por Horácio Mann” (p.

243). Oliveira deixa explícita sua admiração por Pestalozzi, e por isso, cita três métodos

produzidos no Brasil, entre ao quais considerava bons métodos de ensino primário, já

que, segundo ele, “tiveram por norma o método de Pestalozzi: começar pelas noções

sintéticas e concretas, depois passar às observação e análise”. Estes métodos eram os

“Livros de Leitura” de Abílio César Borges, o “Novo Método de Ensino a Ler e

Escrever” de Augusto Freire da Silva, e o “Método Bacadafá” de Antônio Pinheiro de

Aguiar. Segundo Oliveira:

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71 (...) ambos se apartam de alguns princípios da escola. É assim que nem um nem outro rompe inteiramente com o exercício preliminar da soletração, que aliás reconhecem só ser usada pelos povos cultos depois que os meninos já sabem ler as palavras. (p. 239)82

Sobre os métodos de ensino, Oliveira dizia ainda que, “são filhos de longos e

penosos esforços da parte dos seus autores, e foram preparados pacientemente debaixo

de um plano ou de um princípio, que nasceu, fecundou e desenvolveu-se à luz da

experiência” (p. 240). Por isso, para ele a melhor solução seria “instruir-se exame nos

métodos conhecidos e adotar cada província nas suas escolas aquele que melhor lhe

parecer” (p. 241).

Seis anos depois da iniciativa de Oliveira, em 1879, João Barbalho Uchoa

Cavalcanti, Inspetor Geral da Instrução Pública da Província de Pernambuco, publica

um relatório de viagem intitulado “Instrução Pública: estudo sobre o sistema de ensino

primário e organização pedagógica das escolas da Corte, Rio de Janeiro, São Paulo e

Pernambuco”, por meio do qual descrevia o sistema e organização do ensino primário

nas escolas da Corte, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.

Entre os assuntos abordados por Uchoa Cavalcanti neste relatório83, encontra-se

a descrição dos “Processos e Methodos: Ensino nas escolas Infantis e Escolas

Primárias”, no qual elege saberes, entre os quais a leitura, a escrita, e a língua nacional,

para apresentar livros e métodos utilizados nas escolas que visitou, emitindo, a partir de

uma narrativa diagnóstica e comparativa, opiniões acerca dos mesmos e recomendando

aqueles que considerava mais adequados para o ensino. Este trabalho permite encontrar

vestígios que ultrapassam leis e regimentos, já que, como nos alerta o próprio inspetor,

os “programas de ensino: na maior parte dos casos são simples esboços que na prática

necessariamente se alteram e muitas vezes são postos inteiramente a margem”. 82 Para saber mais sobre as relações existentes entre as concepções de Pestalozzi e a formulação de métodos para o ensino primário por autores brasileiros do século XIX, cf. Teixeira (2004a). 83 O Relatório, intitulado Instrução Pública: estudo sobre o sistema de ensino primário e organização pedagógica das escolas da Corte, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, foi publicado em forma de livro, no ano de 1879 pela Typographia de Manoel Figueiroa de Faria e Filhos, em Recife. Com quase trezentas páginas, divide-se em seis partes, ou capítulos, sendo elas: Introdução, em que o Inspetor Geral transcreve formulários, ofícios e correspondências do processo em que solicita ao Presidente da Província a autorização para esta viagem, além de observar as condições da viagem, seus interesses, o que configura este ofício, etc.; 1ª Parte, onde analisa a Organização pedagógica do Ensino Primário: disciplinas que o constituem; 2ª Parte, em que sua escrita se dedica a descrição dos Processos e Methodos: Ensino nas escolas Infantis e Escolas Primárias; 3ª Parte, na qual o autor faz análises acerca do Ensino normal primário; 4ª Parte, em que é feita uma apreciação geral e dados estatísticos e, finalmente, a Conclusão. (Limeira e Teixeira, 2007, pág. 3). Para saber mais sobre o relatório produzido por Uchoa Cavalcanti, conferir também Gondra e Schueler (2007).

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72 Sobre os métodos de leitura, o inspetor pernambucano elabora uma

consideração acerca daquilo que identifica como relevante para o ensino da leitura nas

escolas públicas: 1° o que constitui propriamente a arte de ler (conhecimento das

lettras, seus nomes e valores, combinações e da pronunciação das palavras por ellas

formadas), e 2° a leitura como instrumento para acquisição de idéas e noções úteis á

infância. (p. 93).

Entre essas reflexões acerca das noções de utilidade do sistema de leitura para a

infância, o ensino da moral e da religião ganhava lugar de destaque no relato do

Inspetor Geral de Pernambuco. Para ele, o ensino desta matéria deveria perpassar outras

disciplinas, não devendo passar um dia sem a aplicação dessas lições no cotidiano

escolar. Assim, tanto o ensino da leitura, como o da escrita, ou seja, a “alfabetização” da

população tornava-se um espaço privilegiado para a divulgação da moral e da religião

desejada.

O inspetor informa que os métodos de leitura utilizados nas aulas primárias que

visitou, seriam o de “soletração” e “syllabação”, sendo os outros modificações desses

dois, como o “novo methodo por soletração”, denominados “Valdetaro” e o de

“Bacadafá”, ao mesmo tempo em que realizava uma descrição explicativa acerca da

utilização destes métodos84.

Somado a estes dois métodos supracitados, Uchoa Cavalcanti aponta que, em

sua visita, também encontrou em uso nas escolas os seguintes exemplares: o primeiro

livro de leitura de Abílio César Borges, “Syllabarios”; “J. M. Velho da Silva” - J. R.

Galvão, e “Collecção de cartas para o estudo da leitura”, por J. Matta Araujo.

84 Em seu relatório, Uchoa Cavalcanti se dedica a explicar cada um desses métodos. Segundo autor, a soletração “consiste em fazer pronunciar por sua vez cada uma das lettras de que se compõem as syllabas, pronunciando-se assim separadamente cada lettra de uma syllaba, para depois enuncial-a toda. O alumno começa aprendendo as letras na ordem do alphabeto e com os nomes antigos. Conhecidas as lettras passa a articular as syllabas, primeiro as compostas de uma consoante e uma vogal, depois as de maior numero de lettras, os diphtongos, oraes e nazaes, pronunciando-se sempre cada uma das lettras de per si, que se reúnem depois e se enunciam em uma emissão de voz. Sabidas as syllabas começa-se então a juntal-as, depois de tel-as enunciado separadamente por meio da soletração, para obter-se a pronuncia inteira das palavras; e assim chega-se á leitura corrente”. Já pela silabação, “Ensina-se logo a enunciar as syllabas sem distinguir seus elementos. E na divisão que das syllabas se faz ao ler as palavras observa-se esta regra: - uma consoante, simples ou dobrada, achando-se entre duas vogaes junta-se á vogal que se lhe segue (co-pi-ar, a-ccu-sar) ; si duas ou mais consoantes differentes estam entre duas vogaes, junta-se só a primeira á vogal que a precede (in-stru-cção, com-stan-te). Neste methodo a nomenclatura e a classificação das lettras são as mesmas do novo methodo de soletração”. E, por último, no novo método de soletração, seguir-se-ia “o antigo na decomposição das palavras em syllabas e estas em seus elementos, diverge na ordem em que se aprendem as lettras, que não é a mesma, e nos nomes d’ellas que também são outros (v. gr. Fé, me, nê, etc.). Conhecidas as vogaes e consoantes simples e compostas, passam-se a articular as syllabas formadas de uma vogal e uma consoante, e em seguida são lidos os exercícios de palavras formadas d’destas syllabas. Depois seguem-se as outras cartas de syllabas, acompanhadas de exercícios de palavras que as encerrem, até chegar-se ás difficuldades, orthographicas, como os valores do x, ch, etc. D’ahi vae-se á leitura corrente. (p. 95)

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73 Após a exposição que realiza acerca daquilo que encontrou, o Inspetor Geral

opina sobre a urgente necessidade de um reforma na maneira de ensinar a ler nessas

escolas, já que esse ensino consistiria “puramente em repetir palavras”. Assim, justifica

suas considerações acerca das falhas que observara, recomendando métodos e livros que

considera os melhores dentre os que tinha visto. No Rio de Janeiro, indica o “Syllabario

ou o primeiro livro de leitura” de M. Ribeiro de Almeida. Já em São Paulo, o “Methodo

racional e rápido para aprender a ler sem soletrar” de João Kopke, o “Methodo de João

de Deus”, e o “Methodo de leitura de Grosselin”, sendo este último proveniente da

França, que utilizava-se do “Methodo Phonomimico”85.

Ao final de sua exposição, deixa clara suas preferências, ao mesmo tempo em

que defende a liberdade de escolha dos métodos, de acordo com três argumentos que

apresenta:

1° Porque, como já disse alguém, o modo de obter no ensino os resultados recommendados pela lei, depende muito do gosto e do gênio de cada professor, devendo cada um empregar seus meios. 2° A liberdade, deixado ao mestre, de preferir o methodo que mais útil lhe parece, ao passo que revela confiança, é também um estimulo que o levará a servir-se dos melhores e mais vantajosos. E 3º, um methodo obrigatório seria não só um vexame para os mestres que não estivessem convencidos de sua proficuidade, mas ainda correria o risco da depravação e falseamento em mãos imperitas: seria muita vez o sacrifício e descrédito de um bom methodo em prejuízo do progresso de ensino. (p. 111)

A exposição de Uchoa Cavalcanti a favor da liberdade de escolha dos

professores sobre os métodos de ensino e os argumentos utilizados para pautar sua

posição, o aproxima das idéias defendidas pelos “liberais”, que resultou na Corte, na Lei

de 1879.

Já de acordo com o “Regimento Interno das Escolas Públicas Primárias da

Corte” de 1883, a divisão das classes nas escolas deveria se dar da seguinte forma:

85 De acordo com Uchoa Cavalcanti, o methodo phonomimico “prendia-se ao methodo natural, pondo em jogo os sentidos, e exercendo todas as faculdades para fazer penetrar o ensino na intelligencia e na memória do alumno”. (p. 113).

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É possível perceber então que este regimento previa a divisão das classes

baseada no conhecimento que o aluno possuía da leitura, já que a 1ª classe deveria ser

formada por alunos que não soubessem ler, a 2ª classe pelos que já estivessem lendo

“com desembaraço”, e a 3ª classe para os que já conseguissem fazer a leitura corrente.

Esta divisão, ao adotar a leitura como critério central, classifica os alunos, hierarquiza

as classes, o que reforça a importância atribuída a este ensino nas escolas primárias da

Corte.

O plano de ensino deste mesmo regimento previa, para a primeira classe, o

seguinte programa:

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75 Na segunda classe, deveria seguir o seguinte programa:

Por último, a leitura na terceira classe, apresentava o seguinte programa:

O regimento, para a primeira classe, recomendava o ensino da leitura, associado

ao ensino da escrita. O método recomendado seria o “phonetico”, em substituição ao

“alphabetico”, com a justificativa de ser de mais fácil emprego. Contudo, caso o

professor se sentisse capaz, poderia fazer uma combinação dos métodos existentes,

desde que com isso conseguisse “tornar o exercicio da leitura ameno e aplauzivel”. Já

na segunda classe, o programa visava associar o ensino da leitura às “lições de cousas”,

recomendando que o professor chamasse a “attenção da classe para as differentes idéas

que se ligam às palavras pronunciadas” e, sempre que fosse possível, “apresentar-lhe-ha

o objecto em sua forma concreta”.

Pelo regulamento de 1879, a disciplina Noções de cousas faria parte do currículo

oficial das escolas de 1º grão. Assim, seu aparecimento no regimento foi mais um meio

de divulgação e tentativa de produção deste saber que se encontrava em afirmação e

construção.

Por último, na terceira classe, destaca-se o ensino da leitura corrente, pela qual o

professor deveria questionar o aluno acerca da idéias trazidas no texto lido. Tal prática

faria com que o aluno atentasse para o conteúdo do texto, extraindo sua verdade,

evitando ou minimizando desvios e/ou invenções a partir do texto lido. Neste sentido, o

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76 exercício escolar da interpretação também pode ser compreendido como um

dispositivo de controle da leitura, de modo a retificar leituras “tortas”. Com isto,

reafirma-se a tese de que ler não se constitui apenas em uma técnica. Ela cumpre

também um papel de propagar e legitimar determinados projetos aos quais a escola se

vê associada.

3. 2 – Ensino da escrita

Para Galvão (2007), no século XIX, podia-se perceber a presença da escrita,

através da caligrafia, e da gramática. Sobre este ensino, a “Comissão de professores

públicos” de 1873 opinava que não dever-se-ia exigir que o aluno da escola primária

saísse perfeito em caligrafia, mas que tivesse um “bom talho, que escreva

intelligivelmente, e com alguma correcção orthographica”. Para estes professores, o

grande desafio encontrado nesse ensino, viria dos próprios mestres, já que estes não

poderiam ensinar a escrever bem se eles mesmos não possuíam uma letra bonita. Para

eles:

Os exemplares e modelos de escripta podem concorrer para se adquirir alguma correcção nos traços, o verdadeiro exemplar, porem, é a letra do mestre que corrige o traçado vicioso, que escreve ao lado da escripta incorrecta, e a quem o menino imita a posição, o modo de pegar na penna, e a maneira de traçar os caracteres: a letra do mestre, enfim, é o modelo vivo!

Como, porém, nas escolas havia uma falta quase absoluta de modelos

apropriados, que tantas vezes eram pedidos ao governo e dificilmente fornecidos, e

como os professores não compravam por sua própria conta, acabavam eles mesmos

escrevendo os exemplares e exercícios caligráficos, E, como a maioria possuía uma má

letra, seus discípulos não poderiam ter bons resultados. Devido a estes problemas, a

“Comissão dos professores” explicava o atraso que encontrou neste ensino em grande

parte das escolas.

Outra observação feita pela Comissão, é que os processos usados no ensino desta

matéria eram muitos diferentes entre os mestres. A maioria principiava este ensino pelo

antigo sistema de retas e curvas, adotando os exemplares de Cyrillo, outros seguiam os

de Scully ou Addler. Independente do processo seguido, a “Comissão de professores”,

apontava a necessidade do desaparecimento de um vício:

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77 É que os alumnos, quando estão empregados no processo de escripta, os professores, em geral, em vez de fiscalisarem por si esse trabalho, de percorrerem mesa por mesa, e alumno por alumno, notando-lhes as imperfeições e fazendo logo as devidas correcções, accupam-se com outros assumptos da escola, e deixam os meninos completamente entregues a si, reservando para o fim o exame das escriptas, ou deixando estas a cargo de algum adjunto ou monitor: com esse nocivo systema o ensino fica falseado e não é possível esperar delle os desejados resultados.

A Comissão finaliza as considerações acerca deste ensino recomendando a

técnica do ditado nas classes mais adiantadas, além de exercícios ortográficos para dar

“estabilidade á mão, agilidades aos dedos e habituar a escrever corrido”. Outra

recomendação feita pelos professores era a realização de cálculos para os alunos, assim

como escrita de faturas, e outros assuntos de escrituração, já que tais exercícios

prenderiam a atenção dos alunos e também “lhes servem de immediato proveito e mui

uteis ser-lhes-hão no curso da vida”.

Sobre os livros utilizados neste ensino, como já haviam dito, cada professor teria

o seu sistema particular, sendo que a maior parte deles escrevia os exemplares que

deveriam ser imitados pelos alunos. Todavia, o sistema legalmente adotado era o de

Cyrillo, contra o qual se pronunciavam diversos professores, propondo uns os exercícios

caligráficos de Cataldi, e outros os quadros caligráficos de Barker.

Diferente do parecer da Comissão de Professores, para Pires de Almeida (1889),

o ensino da escrita no Brasil, em geral, era bom e se havia pessoas que possuíam uma

escrita pouco legível, não seria por falta dos métodos, nem dos mestres.

Já Oliveira (1873), limitou-se a criticar o modo como se ensinava a escrita

propriamente dita pois, para o autor, no Brasil, “Põe-se o pequeno mártir a traçar e fazer

letras de grandes dimensões, quando a prática de outros países tem condenado esses

exercícios, e canonizado como verdade que os meninos lucram mais começando pelo

bastardinho” (p. 241). Desta maneira, o menino apanharia mal a forma e a inclinação

das letras, e a escrita não apresentaria mais do que “uma série de caracteres

indecifráveis e informes” (p. 241). Já começando pelo bastardo,

(...) como o menino não forma de um só rasgo de pena senão linhas de pequena dimensão, segue-se que as letras não podem deixar de ser tremidas e, portanto, defeituosas. Por outro lado obrigado, para formar esses grandes traços, a apertar muito a pena, contrai o hábito de pegar mal nela, que vem difícil é de reformar-se. Enfim, o tempo que ele perde nos exercícios do

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78 bastardo não lhe permite senão muito tarde adquirir a prática da escrita corrente, que é condição essencial do seu progresso nos outros ramos do ensino. (pág. 241)

Acerca do ensino da escrita, o inspetor Uchoa Cavalcanti, dizia ter identificado

uma certa homogeneidade nos sistemas de instrução de todos os lugares que visitou e

observou. Os modelos adotados eram os de Cyrillo, Addler, Scully e Menezes Vieira. Já

em língua estrangeira, os usados eram os de Taupier, Cassell e Darmell.

Em relação a estes últimos, o Inspetor Pernambucano se manifesta contra sua

utilização e considera que se perde uma grande oportunidade de gravar na memória dos

alunos os preceitos de moral prática, já que, como as palavras não eram familiares,

impedir-se-ia uma maior atenção e associação com seu significado. Para ele, o ensino da

moral não deveria ser professado em lições separadas e constituir um curso especial,

mas sim, que se aproveitassem os exercícios de escrita que “contendo máximas de que

se copiam as palavras e se guarda o sentido, principalmente tendo o professor o cuidado

de commental-as e explical-as com exemplo” (p.120). Desta forma, dizia ser contra o

exercício mecânico de escrita, já que assim ele não auxiliaria o aluno em outros estudos.

Suas sugestões para esse ensino eram o “Methodo Thialat”, o “Methodo

calligraphico” de Guilhermina de Azambuja Neves e dois dos já utilizados nas escolas,

“Os novos cadernos de Taupier” e “Os exercícios para aprender a escrever brincando”

de Menezes Vieira. Dizia-se também ser a favor do ensino simultâneo da leitura e da

escrita o que, segundo ele, poderia se fazer com qualquer método preferido para o

ensino da leitura.

De acordo com o “Regimento Interno das Escolas Públicas Primárias” da Corte

de 1883, o plano de ensino referente à escrita na primeira classe, previa o seguinte

programa:

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Já para a segunda classe, previa-se o seguinte programa:

E na terceira classe:

Sobre o ensino da escrita, o regimento apresenta recomendações para o primeiro

ano, em que os exercícios da escrita deveriam acompanhar os de leitura, opinião

também compartilhada por Uchoa Cavalcanti que, como visto, se dizia a favor do

ensino simultâneo da leitura e da escrita, que poderia ser feito por qualquer método

preferível de leitura. Sobre este assunto, cabe destacar que, de acordo com Peres (2006),

a leitura e a escrita ainda no início do século XX, eram ensinadas separadamente em

várias escolas brasileiras.

3.3 – Introdução da gramática

De acordo com Galvão (2007), os saberes a serem ensinados na escola primária

vão se tornando mais complexos, principalmente a partir da segunda metade do século

XIX, com a introdução de um número maior de matérias. É o caso do ensino de

gramática, que aparece com um conteúdo específico, separada da leitura e da escrita.

(pág. 5)

Sobre o ensino da gramática, de acordo com as observações feitas pela

“Comissão de professores públicos” em 1873, esse ensino era feito por meio de

decorações a definições e regras, sem explicações que quebrasse a “monotonia da estéril

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80 recitação”. Para estes professores, “Estudar assim não é aprender, accumular

preceitos sem applicação é sobrecarregar a memoria sem proveito algum”. Informam

ainda que, de acordo com o regulamento, esse ensino limitava-se “as noções

essenciaes”, e o regimento interno estendia-o a “analyse grammatical”, ao passo que a

tabela da distribuição das matérias falava de “analyse logica e gramamtical”. Esta dupla

orientação causava dúvidas ao professor, que não sabia qual das disposições deveria

seguir. Para a Comissão, a disposição mais acertada era a do Regulamento de 17 de

fevereiro de 1854, que limitava esse ensino “as noções essenciaes”, já que para eles:

A escola elementar não tem por missão ensinar e devassar as difficuldades grammaticaes; o seu objecto limita-se a fazer fallar os meninos, com a devida correcção, o que se obtem, não por meio de analyses e de regras complicadas, mas por meios práticos, e definições e regras simples, que os meninos, sendo bem dirigidos, chegarão a descobrir e a formular, por si mesmos.

Para os professores da Comissão, a leitura poderia servir de base para o estudo

da gramática, pois ao se ler um trecho, depois de devidamente explicado, poder-se-ia

chamar a atenção do aluno para as diversas partes do discurso contidas neste trecho,

mostrando a função de cada uma. Tal lição poderia terminar com a exposição do aluno

do que leram, momento o qual o professor aproveitaria para corrigir os defeitos de

dicção, gramática e de construção que tiverem cometido. Para os mais adiantados, os

exercícios de composição e os ditados seriam de grande utilidade, pois desta forma “o

estudo fastidioso da grammatica será transformado n’um agradavel e utilissimo

passatempo: terminará o estudo da grammatica, fazendo-se decorar as theorias, já então

conhecidas e devidamente illustradas pela pratica”.

A Comissão termina seu relato assinalando que encontrou muitas irregularidades

nesse ensino, sendo ele desenvolvido em virtude da “feição de cada professor”, e dado

sem uniformidade de classes, pois em algumas começava na 4ª classe, outros na 5ª, e

finalmente outros na 6ª. Porém, em todas, o sistema de decorar era igualmente seguindo.

Acerca dos livros utilizados, informam que o compêndio adotado era o de Ortiz

e Pardal, sendo que parte dos professores se pronunciavam contra a utilização do

mesmo, por achá-lo por demais extenso, devendo ter ficado, por isso, reservado aos

alunos da 7ª e 8ª classes, preferindo para as classes inferiores, as gramáticas de Cyrillo e

Polycarpo.

Já Oliveira (1873), descreve sucintamente o que entendia acontecer no ensino da

gramática em nosso país. Para ele:

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Definições, análises, regras, exceções, tudo quanto há de mais difícil na língua tem de ser estudado por meninos que apenas sabem ler e escrever pelos sentidos. De modo que o recurso natural desse embaraço é uma decoração por si mesma condenada a desaparecer no dia seguinte. (p. 242)

Apesar de breve, Oliveira não deixar de marcar sua posição, se dizendo contra a

maneira como este ensino era conduzido e, assim como a “Comissão de professores

públicos”, se põe contra ao dito privilegiamento da memória e do decorar que, em sua

percepção, caracterizava este ensino.

Tal critica também fez parte das considerações de Uchoa Cavalcanti, já que, para

ele, o uso da memória tornava a gramática mais difícil e antipática aos meninos.

Juntamente a este fato, dizia que alguns professores consideravam-na como um fim e

não como um dos meios para aprender a língua nacional nas escolas primárias. Para o

autor:

(...) o grande principio consagrado pela pedagogia moderna, é partir do concreto para depois ir ao abstrato, - começar pela analyse e subir mais tarde á generalisação, - dos objectos, dos factos estudados á luz da analyse passar então ás regras, ás leis geraes. E a grammatica por nenhum título póde isentar-se desse princípio. (p. 135)

Os livros que recomendava para o ensino da gramática no primeiro grau eram,

“Lessons in Language” de Hiram Hadley, “Grammatica da infância” do Cônego

Pinheiro e “Grammatica mnemônica” de Lacroix.

Para Pires de Almeida (1889), havia muitas gramáticas em nosso país, e estas

pareciam ser não só a base desse ensino, “mas o instrumento principal e quase único, às

vezes, do ensino do português em nossas escolas.” (pág. 159). Segundo o autor, a

maioria destes livros possuíam erros de ortografia e até de gramática, havendo “apenas

frias e estéreis nomenclaturas de regras ou de definições, um formulário ou resumo mais

ou menos exato dos preceitos que os alunos devem reter.” (Pág. 159). Para o autor,

haveria poucas boas exceções, e entre elas, cita os livros compostos por Abílio César

Borges.

De acordo com o “Regimento Interno das Escolas Públicas Primárias” da Corte

de 1883, o ensino da gramática seria assim definido:

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Como já mencionado, a “Comissão de professores públicos da Corte” constatou

que o ensino da gramática era caracterizado pelas irregularidades de classes, com

diferentes momentos para dar início ao ensino desse saber (4ª, 5ª, 6ª classe), quando o

período estipulado pelo governo, por meio do Regimento Interno, seria a 3ª classe.

Desta forma, podemos perceber um exemplo adicional de discrepância entre a letra da

lei e aquilo que os sujeitos realizavam.

3. 4 – A “voz” dos professores

Nas Conferências Pedagógicas realizadas no ano de 1872, o quarto ponto referia-se

ao ensino da leitura e da escrita, sendo o seguinte:

Diante da questão levantada pelo governo imperial, alguns professores opinaram

sobre este ensino, como é possível perceber pela tabela XI, na qual há um resumo de

suas posições:

Tabela XI - Resposta de professores ao 4º ponto da Conferência Pedagógica de

1872

Professores86 Resumo da resposta ao 4º ponto da Conferência Pedagógica

Augusto Candido Xavier Cony

Leitura - dizia considerar a leitura como a parte mais difícil do ensino para o professor, por isso exigiria toda a sua paciência e perseverança. Entendia que o melhor método de leitura é o chamado “portuguez”. Recomendou e diz ter adotado a leitura expressiva, “devendo o professor explicar o sentido de cada vocábulo e illustrar o espírito do alumno

86 Os professores mencionados nesta tabela trabalharam nas escolas públicas primárias localizadas nas seguintes freguezias: Augusto Candido Xavier Cony – Jacarepaguá (1ª cad., 1872) e Sant’Anna (1ª cad., 1873); Candido de Matheus de Faria Pardal - Santa Rita (1837; Carlos Augusto Soares Brazil – já citado em nota anterior; Delphina Rosa da Silva Vasconcellos - Santa Rita (2ªcad., 1858) e Divino Espírito Santo(1866); Francisco Alves da Silva Castilho - Campo Grande (1849); Olympio Catão Viriato Montez – já citado em nota anterior; e Philipe de Barros - Jacarepaguá (3ª cad., 1872), S. Christovão (2ª cad.), Engenho Novo (2ª cad., 1874) e Engenho Velho (1ª cad., 1885). (Fonte: Borges, 2005).

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83 aproveitando todas as ocasiões que lhe oferecer a leitura do trecho dado: outrosim convem que o menino se habitue a narrar e a relatar, por si, aquillo que leu; alem do proveito da leitura é esse um excellente meio de desenvolver o entendimento”. Livros recomendados: Cartas syllabicas do professor Matta Araújo, pequeno livro de moral do professor Mesquita, Historia do Brazil do Dr. Macedo (uma vez que seja correcta e adaptada para livro de leitura), Florilégio Brazileiro do professor Jordão, Selecta Clássica do Dr. Motta d’ Azevedo “Língua portugueza” – derivação que julgava preferível a de “grammatica portugueza” – entende que esse ensino deveria ser acompanhado de exercícios, “que abrangendo as diversas espécies de palavras e sua função na oração, não só quanto á etymologia, mas também quanto a syntaxe, devem constar de analyses oraes e escriptas, de dictados, de exercícios de redação e de recitação de trechos diversos tirados de poetas e prosadores brazileiros, e de trechos da historia pátria, devendo os alumnos nos exercícios de analyse grammatical discriminar por escripto, as diversas partes da oração contidas no texto”. Livros recomendados: Grammatica dos professores Ortiz e Pardal, Orthographia do professor Matta Araújo

Candido de Matheus de Faria Pardal

Para ele a leitura deveria começar no “1º anno pelo conhecimento das letras e composição mental das palavras por syllabas” chegando a leitura corrente: “o 2º anno comprehende leitura explicada, o manuscripto, leitura corrente e leitura expressiva e emphatica; conjução mental dos diversos modos dos verbos regulares das terceiras conjunções” e o “3º anno tem todos os dias leituras de clássicos”

Carlos Augusto Soares Brazil

O professor entendia que o “methodo Midosi”, “compreendido no expositor portuguez, é o melhor que conhece para leitura, e propõe que seja adoptado esse livro nas aulas publicas definitivamente, uma vez que se lhe tirem certas lições que julga ociosas”

Delphina Rosa da Silva Vasconcellos

Declara ter-se servido com vantagem do “Syllabario Vasconcellino”

Francisco Alves da Silva Castilho

Para este professor, “Quer se use do antigo systema; alphabeto, syllabario, carta de nomes, quer dos modernos methodos conhecidos, o ensino da leitura pode começar ao mesmo tempo com o da escripta. Que sendo o melhor methodo aquelle que mais depressa fizer entrar o alunno em leitura corrente, deve-se condenar o geralmente seguido que é mui demorado em seus resultados pois começa pelo alphabeto, syllabario, cartas de nomes ou palavras soletradas”

Olympio Catão Viriato Montez

Entendia que o “systema mais vantajoso para o ensino da leitura é o syllabico, entre nós conhecido pelo nome de systema Valdetaro, o qual combina a leitura com a calligraphia”

Philipe de Barros

No ensino da gramática entendia que “elle deve começar de um modo inteiramente pratico, e não existindo nas nossas escolas livro algum segundo esse systema, organizou uma grammatica pratica, conforme o methodo de Lhomond, comprehendendo uma serie de exercícios que não só são próprios para fazer conhecer aos meninos os elementos da linguagem e desenvolver-lhes a intelligencia, como também para dar-lhes conhecimentos variados”. Seu trabalho se intitula: “Noções de grammatica pratica da língua nacional ou a língua nacional aprendida sem

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84 grammatica”

Professores em conjunto87

Respondem que “o melhor methodo de leitura é o analytico, pronunciando-se contra os inconvenientes que o synthetico apresenta”

O professor e autor Candido de Matheus de Faria Pardal elaborou um cuidadoso

e extenso, trabalho individual, em resposta aos pontos das conferências, opinando de

acordo com o que dizia seguir nas escolas em que era diretor, já que neste mesmo ano

de 1872, Pardal foi nomeado pela Câmara Municipal para ser Diretor das Escolas que

ela estabelecesse. De acordo com este professor, o primeiro ano da Escola de São

Sebastião teria os seguintes horários:

De acordo com o programa do professor Pardal, o ensino da leitura deveria

acontecer diariamente, sendo dedicado uma hora para cada dia. Já para a escrita seriam

dedicados quatro dias da semana, suprimindo-se a segunda-feira, sendo também

87 Estes professores responderem conjuntamente ao mencionado ponto, são eles: Manuel José Pereira Frazão, João José Moreira, Joaquim Fernandes da Silva, José Bernardes Moreira, José Joaquim Xavier, Antonio José Marques, Carlos Antonio Coimbra de Gouvêa, José Antonio de Campos Lima e João Jose de Povoas Pinheiro. Frazão em 1863 foi nomeado para a 1ª cadeira do Sacramento, sendo removido em 1864 para Glória, 1874 para Lagoa e em 1884 retornou a Glória (3ªcad.); Moreira foi nomeado em 1849 (não localizada a freguezia), sendo removido em 1855 de Inhaúma para Sant’Anna; Silva foi nomeado para Lagoa em 1855, sendo removido em 1856 para São José, e em 1867 para Santo Antonio; Xavier foi nomeado em 1861 para a 2ª cadeira de Sant’ Anna; Marques foi nomeado em 1871 para a freguezia da Candelária, sendo removido para Jacarepaguá (2ª cad.) entre 1871 e 1872, e depois em 1874 para Jacarepaguá (2ª cad.); Gouvêa foi nomeado em 1871 para a 2ª cadeira da freguezia de Engenho Velho; Lima foi nomeado para a cadeira de Paquetá em 1867, sendo removido para a 2ª cadeira da Lagoa entre 1867 e 1869, em 1875 para Candelária e por último, para a 1ª cadeira do Sacramento; Pinheiro, foi nomeado em 1871 para a 1ª cadeira do Engenho Velho, sendo removido em 1879 para a 3ª cadeira do Sacramento. (Fonte: Borges, 2008).

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85 previsto uma hora para esta lição. Não há menção ao ensino da gramática no primeiro

ano.

O professor Pardal também apresenta a rotina que deveria compor o ensino da

leitura, devendo ser, no primeiro e no segundo ano, da seguinte maneira:

Primeiro ano

Segundo ano

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86

Já no ensino da leitura, assim dividia-se o programa das escolas de Pardal:

Primeiro ano

Segundo Ano

Já no terceiro ano, não haveria mais o ensino da leitura e da escrita, que seria

substituído pelo ensino da gramática:

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87 Terceiro ano

Os outros professores citados no relatório da Conferência Pedagógica de 1872

acerca deste ponto, como: Amélia Emilia da Silva Santos, Thereza Leopoldina de

Araújo, Januário dos Santos Sabino, Joana Amália de Andrade, Maria Leopoldina da

Silva Ferreira, Deolinda Maria da Cruz Almeida Araujo, João Marciano de Carvalho, e

Antonio Estevam da Costa e Cunha, ou não responderam ao item, ou limitaram-se a

reclamar da falta de compêndios para o ensino primário, ou fizeram reclamações dos

livros já existentes, alegando, por exemplo, serem “grandes, pouco variados, em geral

mal escriptos, e alguns até incorretos”.

Por meio das informações trazidas nestes relatórios das conferências, é possível

perceber a heterogeneidade das posições dos professores, o que servia de argumento

para os defensores de um ensino uniforme. Em relação aos métodos de leitura, por

exemplo, há os que preferiam trabalhar com o método português, outros com o silábico,

outros ainda com o analítico, demonstrando assim a diversidade nas escolhas. De

acordo com Maciel (2003), “Historicamente, a querela dos métodos foi, em vários

momentos, marcada por posições políticas”. (p. 14). A autora ainda informa que, as

mudanças dos métodos sintéticos e analíticos sempre foi marcada por discordâncias,

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88 continuidades e rupturas entre os autores, pesquisadores e recursos didáticos (Maciel,

2003, p. 15)88.

Diante da falta de uniformidade dos professores públicos que se pronunciaram, o

membro substituto do Conselho Diretor Philippe da Motta d’ Azevedo Corrêa,

representando o governo imperial, no mesmo documento, se pronuncia dizendo que:

Em presença das opiniões diversas dos professores essa questão parece-me tanto mais difícil de resolver por isso que nenhum dos methodos hoje conhecidos, e que se podem reduzir a 3, deixa de ter suas vantagens e desvantagens. É certo que o methodo de leitura sem soletração, occupando-se exclusivamente de sons, leva mais depressa à leitura corrente do que os outros dous, e é por isso que está geralmente adoptados nos Estados-Unidos e na maior parte dos paizes da Europa; elle porém tem um grande defeito. Como os elementos das syllabas são inteiramente desprezados e é sobre estes que se basêa a ortographia; o alumno depois de ter aprendido a ler, precisa voltar o estudo das syllabas e das letras para assim aprender a orthographia. O novo methodo de soletração a que pertencem os systemas de Valdetaro, Castilho, Bacadafá, etc. tem sobre o methodo antigo duas vantagens: 1º designa as consoantes ou articulações por nomes mais apropriados à forma pó que modificam os sons, por ex. fé em vez de effe, lê, me, nê, rê em vez de él, emm, enn, érr, etc.: 2º facilita a leitura das syllabas, não considerando n’ellas senão dous elementos, o conduz portanto mais depressa a leitura corrente. O antigo methodo de soletração, apezar de ser melhor do que os outros para o conhecimento da orthographia, é o mais moroso no ensino da leitura. A vista d’isso e com a maioria dos professores me pronuncio pelo methodo novo sem soletração: entendo porém, que n’este ponto, assim como a respeito do programma horário e de tudo o mais que tiver relação com systema de ensinar, não se deve fazer nada definitivamente sem que uma comissão de profissionaes decida o que deva ser adoptado para servir de norma as escolas publicas. Seja qual for o mêthodo que a final tiver de ser seguido deve o mestre ter principalmente em vista 3 cousas: 1° procurar meios para prender a attenção do menino durante a lição de leitura,; 2° fazer adquirir uma boa e correcta pronuncia; 3º fazer com que os meninos comprehendam o que lêem, e a esse respeito chamo a attenção do illustrado

88 Segundo Maciel (2003), apesar das aparências, existem na realidade apenas dois métodos de leitura: sintéticos e analíticos. Ambos procuram fazer a criança compreender a existência de uma certa correspondência entre os símbolos da língua escrita e os sons da linguagem oral. Por método sintético entende-se o que principia pelo estudo dos sinais (letras), ou pelos sons elementares (sílabas). O analítico, ao contrário, procura obter o mesmo resultado colocando a criança face à linguagem escrita, tão complexa quanto se possa apresentar, tais como sentenças e textos. No método sintético, a criança aprende inicialmente a ler cada letra e deve, com efeito, condensar essas diferentes letras em uma leitura única, produzindo dessa forma uma síntese. (pág. 14).

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89 professorado para o systema seguido nas aulas dos Estados-Unidos e que vem exlicado na obra do Sr. Hippeau (...). Cumpre observar que entre nós, alguns methodos especialmente brazileiros, estão em uso no paiz e dos quaes se tem colhido bons resultados; alem dos de Valdetaro, de Castilho, já citados, temos o do Dr. Abílio e do mestre em artes Garcia e de Bacadafá, o qual é uma modificação do processo phonemimico do Sr. Grosselin, apropriado ao ensino das salas de asylo por Mme. Pape Carpantier e o Sr. Charles Delon.

Ao comentar e opinar sobre os métodos de leitura existentes, o referido professor

dizia optar, como a maioria dos professores, pelo “methodo novo sem soletração”,

contudo, ao nos remetermos novamente a “fala” da “Comissão de professores públicos”

de 1873, podemos perceber informações diferentes já que, de acordo com a Comissão, o

“processo antigo de soletração” era o adotado pela maioria dos professores, sendo que

um ou outro empregava o “novo processo de soletração”.

Ao mesmo tempo em que se diz a favor do “methodo novo sem soletração”,

Philippe da Motta d’ Azevedo Corrêa se abstém de uma posição definitiva, ao dizer que

para uma decisão final, somente uma “comissão de profissionaes” poderia decidir “o

que deva ser adoptado para servir de norma as escolas publicas”. E, assim como a

Comissão de professores públicos de 1873 diz que independente do método adotado,

importava mais os bons resultados alcançados pelos alunos, tarefa essa que seria a

principal responsabilidade do professorado.

Por meio desses documentos de “fala” do professorado, é possível perceber que

estes materiais se tornariam uma importante base de consulta a respeito das práticas do

corpo docente da parte do governo imperial.

Ainda sobre as Conferências Pedagógicas, cabe ressaltar que alguns professores

acabavam entendendo este espaço como um momento vantajoso para divulgação e

propagação de seus métodos, já que o governo elaborava os pontos para serem

estudados pelos mestres e para que os mesmos fizessem trabalhos a serem apresentados.

Assim, neste espaço, tais professores/autores, poderia explicá-los, bem como defendê-

los para o público que mais lhes poderiam interessar, os representantes do poder e os

professores. Em relação aos métodos de leitura aqui mencionados, entenderam deste

modo o espaço das conferências, por exemplo, os professores Philipe de Barros e

Francisco Alves da Silva Castilho. O primeiro, em ofício respondido, de acordo com

informação do relatório dos Ministros de 1872, dizia que, como já mencionado na tabela

XI, no ensino da gramática entendia que dever-se-ia começar de um modo inteiramente

prático, e como não existia nas nossas escolas livro algum segundo esse sistema,

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90 organizou uma gramática prática, “conforme o methodo de Lhomond,

comprehendendo uma serie de exercícios que não só são próprios para fazer conhecer

aos meninos os elementos da linguagem e desenvolver-lhes a intelligencia, como

também para dar-lhes conhecimentos variados”. Dizia ainda que, constando com:

(...) uma serie de 12 cadernos, que tratam sucessivamente de todas as partes da grammatica, por meio de exercícios engenhosos, dando ao estudo uma forma agradável e attractiva. O 1º caderno, por exemplo, comprehende 18 exercícios sobre o nome. No alto da página lê-se a definição com exemplos, segue-se depois uma serie de phases sobre assumptos interessantes, e na meia página, que fica em branco, deve o alunmo escrever todos os substantivos e etc (...)

Da mesma maneira, o professor Francisco Alves da Silva Castilho faz uma

exposição do método de leitura de que é autor, e que consistiria, segundo o mesmo,

“(...) em ensinar primeiro as letras vogaes, os sons simples, as letras consoantes segundo

a ordem de sua analogia, sem atender a ordem natural e usual do alphabeto, passando

depois a escrever a palavra conforme o som e independente da correcção orthographica;

d’esse methodo”. O mesmo documento afirma que o dito professor, “tem colhido

optimos resultados e é o de que usa na escola a seu cargo”.

Cabe lembrar que, embora reconhecido espaço de fala e discursos da corporação

docente, o espaço das Conferências pretendeu conhecer, dominar e controlar as ações

docentes. Dominar por meio do controle estabelecido pelas normas, sobretudo, o

controle das discussões e pensamentos dentro do que o governo define como

“necessário e profícuo”, e utilizar este corpo docente para a difusão de códigos e

doutrinas norteadoras de práticas desejadas. A partir destes procedimentos, o governo

pretendeu delimitar e legitimar um conjunto de saberes exigidos na prática docente e

que deveriam ser incorporados pelos professores primários da Corte, a fim de gerar uma

homogeneização dos mestres e mestras diante de um quadro diverso de experiências

prévias, escolas distintas, de saberes, expectativas, formação, inserção social, dentre

outros aspectos que, provavelmente, implicavam em práticas distintas. A

homogeneização dos mestres passava pela preocupação com os conhecimentos em que

os professores deveriam se fundamentar para instruir a população, sobre a qual o

governo também desejava exercer o controle da formação, com o intuito de realizar a

consolidação do próprio governo. (Borges, 2005, p. 73).

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91 ***

Diante das informações trazidas acerca do ensino da leitura, da escrita e da

gramática nos oitocentos, é possível, por meio destes vestígios, tirarmos algumas

conclusões que nos permitem entender melhor a prática de ensino destes saberes no

período estudado. Contudo, primeiramente torna-se necessário compreender as

condições de aparecimento dos documentos analisados, que foram produzidos por

sujeitos envolvidos com a instrução de seu tempo, bem como pelas posições por eles

ocupadas.

Sobre as posições de Antonio Almeida de Oliveira retiradas de seu livro “O

Ensino Público” de 1873, foi possível perceber que em sua exposição o autor critica a

forma como os saberes analisados eram trabalhados, sendo em alguns casos, inclusive,

“penoso” para o aluno. Em sua obra tais críticas se estendiam a todo sistema

educacional do período imperial, o que lhe autorizava a apresentar uma série de

possíveis soluções para os problemas apontados. Tendo isto em vista, ele traz em grande

parte da escrita, exemplos de diferentes países, em especial idéias norte-americanas,

usando o argumento da obtenção de bons resultados nos mesmos como técnica de

convencimento de seus leitores. No caso do ensino da leitura, por exemplo, os livros e

métodos ideais seriam aqueles que se inspirassem em Pestalozzi. De acordo com Borges

e Teixeira (2005), no decorrer das páginas do livro de Oliveira,

(...) percebe-se uma explícita defesa dos ideais republicanos, que confere a este regime a solução para os males existentes, resultantes da “suposta” incompetência da monarquia. Desta forma, constrói um discurso de total desprezo ao regime monárquico, responsabilizando-o pelos problemas e fracassos educacionais existentes. Assim, Oliveira tece, por meio de suas idéias de educação juntamente com algumas estratégias de escrita e de convencimento, um discurso no qual remete seu leitor a aderir à tese da ineficácia da monarquia, apresentando os ideais republicanos, como a única saída para o caos no qual a educação se encontrava. Tal obra funciona, deste modo, como um privilegiado instrumento para a propagação e, em alguns casos, para a inculcação de uma proposta carregada por uma doutrina e posição bem determinadas. (p. 189)

Já o relatório produzido pelo Inspetor pernambucano João Barbalho Uchoa

Cavalcanti, em 1879, este se propõe a ser um estudo comparativo acerca do sistema e

organização do ensino primário nas escolas da Corte, Rio de Janeiro, São Paulo e

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92 Pernambuco, feito em razão de uma viagem. Nele há uma descrição e avaliação

crítica das leituras, métodos e livros utilizados nas escolas visitadas. Contudo, cabe

ressaltar que a própria elaboração de um documento respaldado por suas visitas, poderia

servir para legitimar suas ações como Inspetor Geral da Instrução Pública de

Pernambuco, e foi nestas condições que ele foi elaborado. (Limeira e Teixeira, 2007).

Sobre os relatórios dos Ministros do Império e da Inspetoria89, segundo Martinez

(1998), um dos objetivos deste documento seria o de demonstrar a ação das autoridades

em prol do “bem público”, sendo possível perceber, através desta documentação os

significados e as intenções dos dirigentes imperiais ao preconizarem o desenvolvimento

da instrução, bem como, com muitas limitações, mensurar o crescimento das

instituições públicas na cidade. Em relação às representações docentes, para Borges

(2005), o modo como os relatos dos Ministros do Império e dos Inspetores Gerais

registraram a profissão docente na instrução primária, a sua forma de organização e de

escrita, produzem certo tipo de memória docente, um relato do poder que também

participa da construção de determinadas representações acerca da trajetória profissional

de professores, da ação do Estado e dos próprios relatores.

Após uma tentativa de problematizar as fontes, considerando o pertencimento de

seus autores, procuro chamar a atenção para as relações políticas, sociais, cabe ressaltar

alguns pontos observados na análise realizada.

É possível perceber que uma crítica recorrente aos três ensinos, corresponde ao

uso da memória pelos professores em sua prática escolar, o que tornava o ensino

monótono e incompleto, não permitindo o alcance dos objetivos esperados. A

irregularidade e as discordâncias entre os métodos e livros utilizados também foi um

ponto repetidamente citado nos documentos analisados, juntamente com o argumento da

falta de preparo dos docentes. No primeiro caso, a existência de um debate acerca da

qualidade dos livros e método indicia a cadeia discursiva heterogênea e as disputas

existentes entre autores e/ou grupos profissionais envolvidos com o projeto de

escolarização e de seu controle.

Os professores, por sua vez, reclamavam da falta de compêndios, expondo que,

muitas vezes, os que existiam não eram apropriados, por serem mal escritos, incorretos

e por demais extensos, fato que, provavelmente, acarretava uma reação aos modelos

impostos, já que era recorrente o uso de outros compêndios que não faziam parte da

lista dos adotados pelo governo imperial. As críticas também podem ser compreendidas

89 Para saber mais sobre estes documentos, consultar Borges (2005; 2008).

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93 no registro das disputas entre livros, compêndios, métodos e autores. Esta dinâmica é

que parece impulsionar o jogo da aceitação e da recusa dos professores em relação ao

que é tornado oficial. Outra tese recorrente era a de que deveria haver uma junção no

ensino da leitura, escrita e gramática, principalmente da leitura com a escrita, já que, o

ensino simultâneo desses saberes traria mais vantagens aos alunos. Aqui o que se

observa é a tentativa de se construir uma nova tradição, o que, por sua vez, se constitui

em um sinalizador dos debates no campo pedagógico e na própria definição deste

campo de saber.

Para tentar entender melhor como as práticas do ensino da leitura, da escrita e da

gramática emergiram, se faz necessário perceber a significativa discussão que já havia

no XIX em torno dessas questões. Este debate permite reafirmar a tese de que produção

de textos e livros escolares foi sendo intensificada na medida em que a escola primária

adquiriu maior institucionalidade e passou a ser legitimada como lugar fundamental de

instrução e educação da população. Deste modo, o debate acerca dos livros, métodos e

compêndios parece ser expressão das demandas da escola e de sua crescente

organização e do esforço para convertê-la em tecnologia a serviço da ordem.

Tendo em vista o escopo deste estudo, do amplo quadro de obras, elejo algumas

delas que circularam nas escolas oitocentistas para melhor refletir acerca das questões e

jogos de interesses envolvidos na adoção dos livros no período analisado. Assim, busco

estabelecer relações entre concepções presentes nas mesmas e os contextos históricos

em que emergem. Em relação a esta escolha, trabalho com o alerta de Le Goff (1996),

segundo o qual:

A intervenção do historiador que escolhe o documento, extraindo-o do conjunto dos dados do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-lhe um valor de testemunho que, pelo menos em parte, depende da sua própria posição na sociedade da sua época e da sua organização mental, insere-se numa situação inicial que é ainda menos ‘neutra” do que a sua intervenção. O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio.

Trabalhando com este entendimento, e na tentativa de justificar os livros aqui

eleitos para análise, cabe ressaltar que tal escolha partiu inicialmente da obras

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94 localizadas e ainda preservadas, que “continuam a viver” e que se encontram no setor

de obras raras da BN.

Sabemos das grandes dificuldades encontradas pelos historiadores na busca dos

documentos e obras nos arquivos e bibliotecas que permitam o andamento de suas

pesquisas90. Nesse sentido, no caso deste estudo, muitas vezes, mesmo encontrando

documentos que indicavam o percurso de uma obra nas escolas dos oitocentos, ao

buscá-la, esta não foi localizada, o que impede uma análise mais rigorosa da mesma. Do

total de 82 obras destinadas ao ensino da leitura e da escrita e que, de alguma forma

foram mencionadas nos materiais relativos à instrução que se encontram no AGCRJ,

pude localizar apenas 18 delas. Dentre estas obras, elegi as que, de acordo com as fontes

trabalhadas parecem ter tido uma maior repercussão no período trabalhado.

Considerando este critério, me detive na análise dos seguintes livros escolares: “Os

livros de leitura” de Abílio César Borges, o “Método Bacadafá” de Antonio Pinheiro de

Aguiar, o método de leitura “Escola Brasileira” de Francisco Alves da Silva Castilho, o

“Systema de leitura” de Eduardo de Sá Pereira de Castro, os “Episódios da História

Pátria” de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, as “Lições de História do Brasil” de

Joaquim Manuel de Macedo, a “Grammatica da língua nacional” de Antonio Álvares

Pereira Coruja, e por último, as “Fábulas” de Justiniano José da Rocha.

3.5 - Os livros de leitura do Barão de Macaúbas

Abílio César Borges produziu cinco livros de leitura. O Primeiro e o Segundo

foram publicados em Paris, em 1866, o Terceiro foi na Antuérpia, em 1872 e 1881, o

Quarto no Rio de Janeiro, em 1890 e o Quinto em Bruxelas, no ano de 1894. Tais livros

tiveram uma ampla circulação no período Imperial, que ultrapassou as escolas do Rio de

Janeiro, sendo também utilizados nas províncias de Alagoas, Bahia, Goiás, Mato

Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Sergipe,

pelo menos. De acordo com Bittencourt (2004), foram produzidas e postas em

circulação, sob autoria de Abílio César Borges, cerca de 400 mil volumes e 22 títulos,

com várias edições revisadas91. Em relação às escolas da Corte, é possível encontrar no

AGCRJ, por exemplo, uma série de ofícios endereçados as autoridades governamentais

com pedidos de seus livros de leitura para uso nas escolas. Pelas fontes já apresentadas,

90 Sobre a problemática dos arquivos, consultar VIDAL, Diana Gonçalves. Fim do mundo do fim: avaliação, preservação e descarte documental. In FARIA FILHO, Luciano Mendes (org) (2000). Arquivos, Fontes e novas tecnologias Belo Horizonte: Autêntica. 91 Valdez (2006) apresenta um quadro com as obras publicadas e traduzidas por Abílio César Borges, bem como o ano e a editora responsável pelas publicações. Cf.págs. 194 e 195 de seu trabalho.

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95 é possível verificar também que sua utilização fazia parte das recomendações de

Antonio de Almeida de Oliveira e Philippe da Motta d’ Azevedo, já referidos. Diante da

repercussão destes livros, julguei necessário investigar o porquê desta ampla circulação.

Entre os cargos ocupados por Abílio relacionados à instrução encontram-se os de

Diretor de Instrução Pública da Bahia, fundador e Diretor do Ginásio Baiano, do

Colégio Abílio da Corte e do Colégio Abílio de Barbacena. Para Bittencourt (2004),

juntamente com Joaquim Menezes de Vieira, Abílio César Borges foi representante de

um grupo de autores específicos e significativos do processo de escolarização brasileira.

Os dois se esmeravam em criar uma imagem de inovadores pedagógicos, com projetos

centrados na escola particular, mas sob a proteção do governo, monárquico ou

republicanos o que, em alguma medida, garantia o sucesso de suas escolas e de suas

obras.

Para Teixeira (1952), Abílio,

revelou-se um pensador educacional, um formulador de métodos, com erros e acertos originais e brilhantes, e, sobretudo, um apaixonado formador de homens, dando tôda a sua vida à infância e adolescência no exercício mais completo que se pode conceber do magistério e da educação.

E, na prática dessas idéias, não ficou na administração do ensino, nem apenas na fundação e direção dos seus colégios, nem no magistério diário e permanente, mas passou a preparar o instrumental do seu ofício, escrevendo tôda uma admirável coleção de livros didáticos e chegando, até, à invenção de aparelhos escolares92.

Os estudos que analisam a trajetória do Dr. Abílio indicam a boa relação entre

ele e o imperador D. Pedro II, tendo sido, inclusive, por ele nomeado para o cargo de

Conselho Diretor de Instrução Pública da Corte93, que era um dos órgãos responsáveis

pelas aprovações dos livros na Corte. Tal fato possivelmente colaborou para autorização

e uso de suas obras nas escolas. Outra estratégia autoral e editorial do referido autor se

refere à prática de distribuir gratuitamente seus livros por diferentes províncias do

Brasil, o que acabava facilitando e ampliando a utilização de seus compêndios nas

escolas brasileiras. Como exemplo, o relatório do ministro do Império de 1878, trás a

seguinte informação:

(...) o Dr. Abílio César Borges, além de outras offertas valiosas, remetteu da Europa, para serem distribuídos gratuitamente pelas

92 Artigo disponível no site: http://www.prossiga.br/anisioteixeira/fran/artigos/educador.html 93 Abílio César Borges exerceu mandato neste órgão de 1872 a 1877.

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96 escolas da Corte e das províncias, 10.000 exemplares de cada uma das suas obras – Pequeno tratado de leitura, Os Luziadas (edição especial), e Elementos de geometria pratica popular; bem assim 21collecções completas de instrumentos e sólidos geométricos, para serem igualmente distribuídos pelas escolas-modelo, ou que mereçam ser consideradas taes, daquelle município e das capitães das províncias.

Para Galvão (2005), Abílio César Borges foi um dos autores mais habilidosos na

consecução da estratégia de divulgação de seus manuais, já que a distribuição gratuita

de suas obras, muitas vezes “comovia” as autoridades provinciais. Para Valdez (2006a),

“Mesmo que sua intenção tenha sido se promover, atestar sua filantropia cristã ou

assegurar a adoção de seus livros é evidente que muitas crianças se beneficiaram desta

distribuição”. (pág. 206). A autora também nos informa, que as doações de Abílio eram

acompanhadas de críticas, sugestões e pareceres referentes ao que pensava ser o

objetivo de seus livros.

Para Gondra (2002), Abílio César Borges, conhecido como o Barão de

Macaúbas, pode ser considerado um grande reformador da escola e do ensino. Com sua

reforma, pretendia abranger os aspectos estruturais, teóricos, metodológicos, didáticos,

disciplinares, morais e religiosos para os quais apresentou projetos, em diferentes

momentos de sua trajetória, conforme se pode verificar na sua produção escrita, tendo

como elemento decisivo na inspiração de suas reformas, as viagens que realizou à

Europa.

De acordo com Vidal (2004), o primeiro e segundo livros de leitura de Abílio

César Borges foram um dos primeiros livros nacionais escritos com o propósito de

atingir um público infantil e escolar, servindo de material de leitura para alunos e

professores. Já para Amâncio e Cardoso (2006), o método do primeiro livro de leitura

de Abílio sugeria que o processo de ensino não se iniciasse pelas Cartas ABC ou

modelos de escritas oficiais, como era comum. O aprendizado deveria ser iniciado por

sílabas considerando-se que quem fala e lê não o faz pela soletração. (p. 202)

Segundo Valdez (2006a), “O Primeiro livro trazia oito pequenas lições, que

tratavam de temas que aludiam à obediência, ao cumprimento dos deveres, à fidelidade

e a outras virtudes que se contrapunham ao orgulho, à obediência, e também a temas

gerais como tipos de casa, divisão do tempo: horas, minutos, dias, meses, etc.” (pág.

222). Já no segundo livro, composto de pequenas historietas, fábulas, poemas, hinos ou

fragmentos de textos literários clássicos, tinha como proposta aperfeiçoar a leitura, e

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97 “através dela, oferecer à criança a instrução moral e religiosa, com temas referentes

às virtudes, trazendo novamente temas como bom comportamento, obediência, amor a

Deus, honestidade, caridade, deveres cívicos, princípios de higiene etc.” (pág. 222).

Tais livros formavam uma coleção de séries graduadas e, segundo Souza e

Oliveira (2000), a popularidade dessas obras explica-se tendo em vista à sua adequação

a estrutura do ensino primário. Cada livro correspondia a uma série e a coleção, de uma

mesma autoria, matinha a continuidade, a coerência e o aprofundamento das lições e

dos temas. De acordo com Maciel (2003), os livros do Barão eram considerados uns dos

mais inovadores ao serem apresentados como um volume dentro de uma coleção de

livros de leitura para séries graduadas. Esta concepção de gradação não se encontrava

presente unicamente em suas obras, mas também em suas escolas, as quais eram

caracterizadas por uma significativa seriação.

Para Saviani (2000), o Dr. Abílio César Borges aderiu à pedagogia moderna,

procurando difundir no Brasil os métodos novos, advogando por uma escola ativa que

aguçasse a curiosidade no espírito dos meninos. De acordo com o próprio Abílio, em

seu Terceiro Livro de Leitura, por exemplo, os estudos da gramática deveriam ser mais

práticos do que teóricos. Estas idéias, de certo modo, se refletiram em seus livros, que

eram significativamente ilustrados, facilitando assim, a associação entre as imagens e as

coisas, estratégia para que os alunos pudessem melhor conhecer os objetos, por meio de

situações mais concretas.

Outro tema encontrado nas obras de Abílio, refere-se ao trabalho com os

sentidos humanos, como exemplificado em seu Primeiro Livro de Leitura. Este é um

dos temas presentes94, o que demonstra uma preocupação do autor com a questão do

papel dos sentidos na educação. Nesse entendimento, podemos compreender tal enfoque

como um alerta aos professores para o não esquecimento deste aspecto, já que seus

livros também eram destinados à formação de professores, possuindo o intuito de

apresentá-los aos conteúdos, bem como alertá-los para a forma como deveriam ser

trabalhados.

Entre as idéias pedagógicas do Barão de Macaúbas, uma teve significativa

repercussão na época, que foi sua posição frente aos castigos físicos aplicados nas

escolas95. De acordo com Saviani (2000), este autor preconizava a abolição nas escolas

94 Os outros temas abordados no Primeiro Livro de Leitura de Abílio são: Alfabeto minúsculo e maiúsculo, sílabas, ditongos orais, vogais, ditongos nasais, vozes complexas, leitura corrente, medidas do tempo, os meses do ano, as cores e os números. 95 Para saber mais sobre o debate existente acerca dos castigos corporais existentes nas escolas da Corte, consultar Lemos (2002).

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98 de todo e qualquer tipo de prêmio ou castigo. Valdez (2006a), afirma que, para

Abílio, “a instrução existente não era conveniente, pois o sistema não passava de um

‘tirocínio literário’ que causava horror aos moços e, até mesmos aos gênios. Era preciso

excitar nos meninos o amor das ciências e das letras, recorrendo a meios adaptados para

fazê-los compreender suas ‘vantagens e encantos’, pois à custa de dores, sofrimentos e

humilhações de toda espécie, estes se tornariam inimigos do conhecimento”. (pág. 176).

Apesar da propagada postura de Abílio contra os castigos, tendo inclusive

publicado uma obra em 1878, na qual reuniu seus artigos publicados no jornal O Globo,

em que argumenta contra o uso de castigos físicos nas escolas, cabe ressaltar, que foi

possível encontrar no AGCRJ, um ofício datado de 9 de dezembro de 188696, que

coloca em dúvida suas ações. Nesse ofício, o delegado de instrução primária e

secundária da freguezia de São João Baptista da Lagoa pede para que Alfredo de Paula

Freitas entregue uma Portaria a Joaquim Abílio Borges, filho de Abílio César Borges e

Diretor do Colégio Abílio, comunicando a imposição da pena de suspensão por três

meses de exercício pelo fato de ter, contra as deposições vigentes, aplicado castigo

corporal a um de seus alunos. Este fato ordinário ajuda a demonstrar o complexo e

longo caminho existente entre os discursos e as práticas.

Em relação à educação moral, para Saviani (2000), o Dr. Abílio a entendia em

íntima ligação com a religião, ocupando posição central no conjunto de suas idéias

pedagógicas, aspecto que podemos perceber claramente em sua obra. Nela o autor elege

esta questão como um dos temas a serem abordados, como exemplo, em seu Terceiro

Livro de Leitura. Nele, podemos encontrar capítulos como: Divisão Eclesiástica do

Brasil; Hymno do menino christão pela manhan e Hymno do menino christão pela

noite; Os meninos abençoados por Jesus; Parábola do filho pródigo; Influência da

religião sobre o espírito e o coração; assim como outros que trazem escritos de

membros da igreja católica, como do Pe. Antonio Vieira e de Fr. Luis de Souza97. Já no

seu Quarto Livro de Leitura encontramos um capítulo intitulado “Ave Maria”, que vem

acompanhado de outros com temas menos explícitos, mas que também são abordados

de acordo com a moral religiosa, como: A família, A gratidão, Conselho salutares, entre

outros.

96 Cf. página 13 do códice 15.3.5. Outras representações do Colégio Abílio da Corte podem ser conferidas no livro “Ateneu” de Raul Pompéia. Sobre a difusão de seu livro, cf. “Infância”, de Graciliano Ramos. 97 Em relação ao Pe. Antonio Vieira encontramos, como exemplo, escritos intitulados: “Cartas de bons annos, de parabéns, de recommendação, de pezames, etc.”, “Descripção dos effeitos da necessidade do amor, da formosura, da fortuna e da guerra”. Já em relação ao Fr. Luis de Souza um dos capítulos que traz seu nome se intitula: “Exemplo de Caridade”.

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99 Segundo Valdez (2006), para Abílio a instrução e a educação da infância

deveriam ser pautadas nos princípios da ciência e da religião e era preciso investir na

criança o quanto antes, desde a mais tenra idade, para garantir um futuro promissor para

a pátria.

Juntamente com a educação moral, era possível também encontrar nas obras

deste autor, uma grande variedade de temas que perpassavam diferentes disciplinas

escolares como geografia, história, ciências, como, por exemplo, no seu Quarto Livro

de Leitura, formado por duas partes, prosa e poesia. A primeira possui 49 pequenas

leituras, já a segunda, 3598. Para Abílio, com estas “noções variadas e numerosas de

conhecimentos úteis” presentes em seus livros de leitura, estaria contribuindo para

propagar a instrução popular, que seria condição principal para o progresso moral e

econômico do país.

3. 6 - O método “Bacadafá” de Antonio Pinheiro de Aguiar

Destinado também ao ensino da leitura e da escrita, o método “Bacadafá”,

criado pelo professor Antonio Pinheiro de Aguiar em meados do século XIX, se destaca

nos documentos relativos à instrução da Corte encontrados no AGCRJ e nas páginas dos

relatórios dos Ministros do Império e da Inspetoria. Em parte, devido a sua própria

constituição, composto por cartas e figuras indígenas, mas também pela discussão

causada entre seus defensores e opositores, bem como pela grande persistência de seu

autor para que seu método fosse aceito nas escolas da Corte, sendo esta uma opinião

partilhada, inclusive, pelo parecer do Conselho de Instrução Pública da Corte, que

afirma:

98 As prosas e poesias que compõem o livro se intitulam, respectivamente, de: “Sciencia e sciencias”, “Anatomia geral e do corpo humano”, “O esqueleto humano”, “Physiologia”, “Geologia”, “Fosseis”, “Terremotos”, “Vulcões”, “Grutas”, “A physica. Seu objeto. Distincção entre ella e a chimica”, “O ar”, “O peso do ar. O barômetro”, “Aeróstatos. Balões”, “O calórico e o calor”, “A luz”, “As cores dos corpos”, “Acústica. O som. O echo”, “A eletricidade”, “O relâmpago. O trovão. O para-raio ou conductor”, “Traços biographicos de José da Silva Lisboa, Visconde de Cayuru”, “O general Osório”, “O marquez de Marica”, “O Visconde do Rio”, “O Duque de Caxias”, “Alexandre Herculano”, “Vantagens do escrever e do ler”, “A família”, “Patria”, “Liberdade”, “A força de vontade”, “Conselhos Salutares”, “Escolha de um estado”, “A gratidão”, “Respeito aos velhos e antepassados”, “O amor fraternal”, “O pampa”, “Ave Maria”, “A floresta”, “Ao por do sol”, “A cabeça”, “A palavra”, “O berço e o tumulo”, “Arrependimento infantil”, “Os matutos”, “A festa do rei”, “Os passarinhos”, “Resignação de mãe”, “Máximas e pensamentos do Marquez de Marica”, “A escola”, “O leão e o pinto”, “A cigarra e a formiga”, “O rouxinol e seus espectadores”, “A lampada e o phosphoro”, “O pardal no viveiro de canarios”, “A macaca e o burro”, “O lão e a lebre”, “O galo e a raposa”, “O leão e o rato”, “O rato do campo e a formiga”, “O lobo e o cão”, “Meus oito annos”, “A esmola do pobre”, “Colcheias”, “Alguem”, “Tiradentes”, “Soneto”, “Soneto”, “Arvore secca”, “Boas-noites”, “Canção do Tamoyo”, “A cruz”, “Saudação dos Palmares”, “Frei Caneca”, “Hymno da cabola”, “Fora da barra”, “Soneto”, “Scenas de amor”, “A fome no Ceará”, “As pombas”, “A minha mãe”, “Sancta”, “O coração”, “Mandato d’ Alem-Campa”.

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100

(...) acha-se tão convencido de sua idéa, que chega quase a tocar no fanatismo (...) não se pode deixar de reconhecer, em these, que o supplicante é de uma perseverança invejável accresentando que a seu fervor inventivo une o supplicante um decidido amor pela educação popular (...). (AGCRJ, Códice 10.4.8)

Infelizmente, não foi possível encontrar muitas informações referentes a Antonio

Pinheiro de Aguiar. De acordo com Schueler (2002), ele nasceu na província de Minas

Gerais, era professor de desenho e piano, e exercia interinamente o cargo de professor

público na terceira escola primária de meninos da Freguezia de Santana, local onde

também dirigia uma escola particular.

Foi possível verificar que, inicialmente, em 1858, Antonio Pinheiro de Aguiar

recebeu autorização do governo imperial para ensaiar seu método99, ficando responsável

por reger uma cadeira especial com a assistência de professores “que muito livremente

queiram ensinar por ele”100, assim como, por adjuntos designados pela Inspetoria Geral

para a aprendizagem do mesmo. Neste período, o autor deveria comprovar os bons

resultados prometidos, sendo nomeada uma Comissão para acompanhar o

desenvolvimento do método.

Em relatório do Ministro do Império João de Almeida Pereira Filho, do ano de

1859, período no qual no qual Antonio da Costa Pinto era Inspetor Geral da Instrução,

há a informação deste ensaio:

Em officio de 30 de janeiro do corrente ano expuz francamente o meu parecer acerca do méthodo de leitura denominado - Bacadafá -, de invenção de Antonio Pinheiro de Aguiar transmittindo as informações da Comissão que, sob a presidência do Delegado Doutor Francisco Lopes de Oliveira Araújo nomeei para observar seus resultados práticos. Em conformidade do aviso de 22 de fevereiro último, procede o autor a um ensaio regular, sob a direção do professor publico da freguezia de São José Joaquim Fernandes da Silva, n’uma sala de edifício separado daquelle em que se acha estabelecida a respectiva escola publica.

No mesmo relatório há uma explicação para a prática de ensaios de métodos

antes de sua aprovação, ou não, para utilização em sala de aula. Segundo o mesmo:

99 AGCRJ, códice 15. 3. 20, p. 143. 100 AGCRJ, códice 15. 3. 5, p. 26.

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101 Pela fecundidade de suas conseqüências se deve julgar o valor dos methodos e das doutrinas, não se permittindo que entrem no domínio dos facto sem que as experiências sejam bem decisivas, embora gozem de toda a liberdade na arena da discussão.

Como é possível de se perceber pelo comentário do Inspetor da Instrução

Pública, havia uma grande preocupação das autoridades governamentais com a

aplicação e divulgação dos métodos de ensino nas escolas da Corte, o que fez com que

surgisse a prática dos ensaios destes métodos, que funcionariam como testes para o

governo. Caso não apresentassem os resultados esperados, haveria a suspensão do

mesmo, e a não aprovação para a disseminação nas escolas. O método “Bacadafá” não

foi o único a ser submetido a esta experimentação, como veremos nos itens 3.7 e 3.8

deste trabalho.

A primeira experiência do método “Bacadafá”, durou 3 meses, não tendo

continuidade devido a desistência do próprio autor, que alegava estar com estado de

saúde bastante comprometido para continuar em “uma lucta infeliz e desgraçada cujos

triunphos parecem de a muito consignados a estúpida coragem do erro e do interesse e

de tristes privilégios”. (13/06/1860).

Um segundo momento se deu já na década de 70, quando o professor Antonio

Estevam da Costa e Cunha, que foi professor das escolas das freguezias da Ilha do

Governador, Santana e Sacramento, recebeu a incumbência de avaliar os resultados

desse método, sendo que, posteriormente, como nos informa Schueler (2002), este

passou a ser o principal defensor de seu uso nas escolas públicas, passando a auxiliar o

professor Pinheiro de Aguiar na sua aplicação e divulgação.

Nesta mesma década, mais especificamente em 19 de outubro de 1874, é

possível encontrar no AGCRJ, uma carta de Antonio Pinheiro de Aguiar, na qual

reclama as autoridades governamentais a extinção de seu método, ocorrido no período

em que esteve na província de Minas, segundo o mesmo:

(...) naquelle visita, que teve lugar hoje, verificou, que o systema adoptado foi abandonado quase completamente pelo professor que ficara regendo a Escola durante sua ausência. Não pode o Suppe. se conformar com a idea de ver aniquillar-se um systema que tantas vantagens offerece quando bem dirigido, e por isso vem requerer a V. Exª ser admittido a reger e dirigir pessoalmente aquella Escola. (AGCRJ, pág. 11)

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102 Segundo circular do Barão do São Felix ao Delegado da Instrução Pública,

assim como no ano de 1859, nesse momento o método “Bacadafá” também recebeu

aprovação do Ministério do Império, ficando autorizada a sua utilização pelos

professores públicos que por ele quisessem ensinar101, o que de fato ocorreu. Como

exemplo, temos o ofício de 8 de outubro de 1875, em que A. F. Martins, da freguezia de

Santana, pede ao Ministro do Império, José Bento da Cunha Figueiredo, a quantia de

trezentos mil reis para a impressão de mil exemplares do método “Bacadafá” para uso

da escola pública do seu magistério. Já em 21 de abril de 1877, o Inspetor Geral

Interino, Barão de São Felix, pergunta ao Delegado da freguesia de Santana as

vantagens do mesmo102.

Outra constatação importante, é que a utilização deste método de leitura não

ficou restrita apenas às escolas da Corte, tendo-se notícias também de sua presença em

Mato Grosso. Como nos informa Amâncio e Cardoso (2006), em 23 de outubro de

1871, em ofício enviado do Rio de Janeiro à província do Mato Grosso,

propagandeando a invenção do método de leitura repentina, denominado “Bacadafá”,

criado e ensaiado por ele na Corte, com êxito e publicado com apoio do governo

imperial, Aguiar apresenta seu método enfatizando sua “superioridade em relação ao

rotineiro e antigo” e enviava, ao Inspetor da Instrução, 500 exemplares para serem

distribuídos nas escolas. (p. 201)

O método “Bacadafá”, segundo a definição do jornal “A Verdadeira Instrução

Pública”, caracterizava-se por ser de “leitura repentina ligeiramente modificado com a

introdução de figuras de indígenas com as quais o autor pensou captar a benevolência

de todos fazendo presidiar ao exercício de leitura um pensamento patriótico”. Segundo

palavras do próprio autor, este sistema era formado por duas partes distintas. A primeira

consistia em um quadro, base do método, no qual se acham representados quatro índios

guaranis com os respectivos nomes Bacadafá, gajalamá, naparasá, tavaxazá, que eram

escritos por baixo, sendo suas sílabas dispostas em sentido vertical, e por cima as cincos

vogais, como é possível verificar pela figura IV:

Figura IV – 1ª Carta do Método Bacadafá

101 Códice 11.4.21, p. 170. 102 Conferir códice 11.4.21, páginas 112, 152, respectivamente.

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103 Já a segunda parte, era formada pelo quadro sinóptico do sylabário

portuguez, disposto por um processo abreviado que era acompanhado por uma cartilha

de nomes verificável nas figuras V e VI:

Figura V - 2º Quadro de leitura do método Bacadafá

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104

Figura VI – Cartilha de nomes do Método Bacadafá

É possível trabalhar com a hipótese de que as figuras indígenas trazidas no

primeiro quadro pudessem representar uma família, e para cada personagem, estaria

associado um nome, que seriam as palavras geradoras deste método, sendo estas,

respectivamente, como já mencionado, “bacadafa”, “gajalama”, “naparasa” e

“tavaxaza”. De acordo com Schueler (2002), é notável no método “Bacadafá” com suas

representações indígenas, “a produção de uma releitura da colonização portuguesa na

América e a busca das raízes nacionais, com clara influência do romantismo indigenista

e da historiografia oficial oitocentista, promovidas tanto pelos membros Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro como pela própria Coroa, que exportava

representações de um Império civilizado, sempre conjugadas com polissêmicas figuras

laudatórias da paradisíaca natureza. Um “paraíso tropical” no qual se integravam o

“bom selvagem”, os indígenas nativos da Terra de Santa Cruz, e a sua descendência

que, miscigenada pelo cruzamento biológico e cultural de brancos e índios, formaria o

conjunto dos “caboclos da terra”, símbolos construídos do povo brasileiro”. (pág. 115).

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105 Assim, este método também pode ser considerado um exemplo da idéia de

nacionalização dos livros, sobretudo quando se afasta de objetos ou personagens

supostamente universais e trabalha com personagens indígenas, promovendo uma

espécie de recuo a nossa matriz étnica.

Na figura VII, Pinheiro de Aguiar explica resumidamente como deveria- se dar

a aplicação de seu método:

Figura VII - Explicação do Método de leitura Bacadafá

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106

Com seu método, Pinheiro de Aguiar objetivava uma reorganização do ensino

primário não apenas no ensino da leitura e da escrita, mas também de outros dois ramos

do ensino, o “artístico”, trabalhando com o desenho e com a música, e o ramo da

“contabilidade”, com a aritmética. Contudo, o ensino da leitura e da escrita, nomeado

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107 como “ramo literário” tinha um destaque, como é possível perceber pelas figuras

apresentadas referentes ao método, sendo considerado um ponto de partida para a

aprendizagem das outras disciplinas mencionadas. Deste modo, é possível afirmar que

seu método visava um ensino integrado das mencionadas disciplinas, por meio das

cartas de leitura.

Pinheiro de Aguiar pretendia fazer com que os meninos aprendessem a ler em

20 lições, em um processo crescente de dificuldade do ensino, no qual se incluíam

progressivamente as aprendizagens das sílabas e letras, a leitura vagarosa, a leitura

corrente ou ligeira e a leitura expressiva ou analítica, assim como as regras de sintaxe,

gramática, ortografia e fonética. Assim, como é possível perceber pela explicação do

autor, há no método um reconhecimento da gradação das sílabas, e um direcionamento

para que se partisse das mais fáceis para as mais difíceis, “enfim todas as que formão os

vacabulos da nossa opulenta língua”.

Em relação a sua metodologia, Antonio Estevam da Costa e Cunha, em parecer

emitido a pedido do governo imperial em 14 de dezembro de 1871, explica que:

Este não começa pelas palavras como o primeiro (sintético) nem pelas lettras como o segundo (analítico), começa pelas sylabas (mas não se descuida das lettras como alguns suppoem), não é tão variado e arrojado como o syntético nem tão monótono e acanhado como o analytico, possui até certo ponto as vantagens de um e de outro sem ter nenhum dos inconvenientes de ambos, e principalmente a soletração do analytico que torna-se em muitos alumnos um vicio enraizado, pois de tal modo se habituam com esta e com ver nas palavras as sylabas separadas (exemplos – ins –tru –ccão) , que não há tiral-os d`ahi durante annos. 103 (AGCRJ, Códice 11.3.28)

Como é possível perceber pelas palavras de Costa e Cunha, e como nos alerta

Schueler (2002), “o Bacadafá apresentava-se como uma metodologia intermediária

entre os “tradicionais” métodos sintéticos (que incluíam tanto a denominada soletração

do alfabeto, a começar pelas vogais, quanto a silabação: o b-a -bá) e os “modernos”

métodos analíticos, nos quais predominavam a palavração e a análise de frases, onde a

aprendizagem da leitura se realizava por intermédio não apenas da representação gráfica

103 Segundo Schueler (2002), este método se constituiria, no que Maria do Rosário Mortatti identificou como um típico método de ensino de leitura misto, posto que formulado a partir da reelaboração e da recomposição do sintético e do analítico.

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108 e fonética das palavras, e de pequenas orações delas derivadas, mas, sobretudo, de

sua decodificação semântica. Nestes últimos, enfatizavam-se os processos de cognição,

interpretação e produção de sentidos no uso da língua e da linguagem. O Bacadafá se

constituiria, portanto, no que Maria do Rosário Mortatti identificou como um típico

método de ensino de leitura misto, posto que formulado a partir da reelaboração e da

recomposição do sintético e do analítico”. (pág. 109).

Entre os que também eram a favor de sua aprovação, encontravam-se Antonio

Almeida de Oliveira e Philippe da Motta d’ Azevedo. Contudo, havia também quem era

contra a aprovação e utilização deste método. Em relatório do Ministro do Império João

Alfredo Corrêa de Oliveira, de 1873, por exemplo, há a informação de que, de acordo

com a avaliação da comissão nomeada pelo governo para tal intento, o método

“Bacadafá”, “nenhum resultado vantajoso tem apresentado”.

Cabe ressaltar que, no nascente (e promissor) mercado editorial escolar do

Brasil oitocentista, era presente a disputa de autores para a consolidação de suas obras e

métodos pedagógicos. Tal disputa estava inserida nas oposições de idéias educacionais,

nas quais uns se colocam como inovadores e modernos, em oposição aos tradicionais e

atrasados. Disputa acirrada pela legislação escolar em vigor, que premiava os que eram

considerados apropriados para o ensino, não só com a recompensa financeira, mas com

o reconhecimento e autorização para circulação nas salas de aula. Diante desse

complexo cenário, é possível pensar a emergência das obras escolares. Sobre os

processos de ensinar e aprender a ler e a escrever, e os livros e métodos utilizados para

esse fim, segundo Schueler (2002), estas disputas estavam relacionadas aos processos

de constituição e organização do sistema de ensino estatal, no afã enunciado pelos

poderes públicos de “civilizar as massas incultas” e analfabetas, como um caminho

necessário ao progresso da nação..

***

Ao dialogar com os “Livros de leitura” de Abílio César Borges e com o método

“Bacadafá” de Antonio Pinheiro de Aguiar, me senti instigava a investigar a afirmação

feita por Oliveira em seu livro “O Ensino Público”, de que “estes trabalhos tiveram por

norma o referido método de Pestalozzi104: começar pelas noções sintéticas e concretas,

depois passar a observação e análise”. Após análise desses dois autores, foi possível

104 João Pestalozzi nasceu em Zurique, Suíça, em 1746 e faleceu em 1827. Este autor é considerado uma figura de grande influência para os sujeitos que estavam pensando a problemática educacional em diferentes períodos de nossa história. Para saber mais sobre o método de Pestalozzi e suas relações com os livros de leitura de Abílio e o método Bacadafá, cf. Teixeira (2004).

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109 observar a presença de elementos que aproximam as idéias e sistemas destes dois

autores aos princípios educacionais de Pestalozzi105. Neste sentido, trabalho com a

possibilidade do autor alemão ter sido utilizado como fundamento teórico em tais

composições.

As obras estudadas possuem características do chamado método intuitivo, que

teve em Pestalozzi um de seus precursores. Este método tem como características a

valorização da observação das coisas, dos objetos, da natureza, dos fenômenos e da

necessidade da educação dos sentidos como procedimentos fundamentais no processo

da aprendizagem humana, alertando também para a necessidade e para a importância da

escola observar os ritmos de aprendizagem dos alunos.

Pelo fato das respectivas obras possuírem autorização do governo imperial para

uso nas escolas, podemos concluir que havia por parte dos representantes do poder uma

boa aceitação e, talvez, até uma eleição das obras que trouxessem características do

método intuitivo. Nessa perspectiva, foi possível perceber que as mudanças

metodológicas pelas autoridades governamentais se refletiram também nas leis que

regulamentavam a instrução primária e secundária do Município da Corte, já que o

regulamento de 19 de abril de 1879, elaborado na gestão do ministro Leôncio de

Carvalho trazia como uma das disciplinas obrigatórias do ensino primário, assim como

das Escolas Normaes do Estado, as “Noções de cousas ou a pratica do ensino intuitivo”,

disciplina esta que não aparecia no regulamento de 1854. Tal ocorrência demonstra a

preocupação do governo pela apreensão do novo método, inclusive pelos futuros

professores. Sobre esta questão, Faria Filho (2000) afirma que, a partir de um intenso

trabalho de produção e divulgação de variados impressos pedagógicos (...), a discussão

sobre a pertinência e a forma de se trabalhar com este método (intuitivo) na escola

primária perdurou, no Brasil, até a década de 30 do século XX.

Em relação ao Dr. Abílio César Borges, as viagens que fez à Europa, de acordo

com Gondra (2002), funcionaram como uma busca de referências de práticas

pedagógicas e modelos de escolas vigentes nos países considerados avançados e

modernos. Deste modo, tal fato permite pensar que por meio destas viagens, ele tenha

tido um maior contato com diferentes modelos de educação, inclusive, com as idéias de

Pestalozzi.

Já em relação ao “Bacadafá”, segundo Schueler (2002), este método visava a

uma reorganização do ensino e o enfrentamento das dificuldades dos alunos na

105 Para saber mais sobre este assunto, cf. Teixeira 2002a.

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110 aprendizagem das primeiras letras. Era caracterizado pelos entusiastas,

principalmente, por se constituir em uma criação nacional, um verdadeiro método

brasileiro, já que estava baseado em representações indígenas, gráficas e sonoras, as

quais foram criadas pelo seu idealizador como símbolos da nacionalidade, e, portanto,

deveriam ser definidas e legitimadas como marcas oficiais. É notório que este sistema

procurava construir marcas genuinamente brasileiras, resultado do empenho e do desejo

do autor em elaborar uma obra que se diferenciasse das demais. Também é digno de

nota que, assim como o Dr. Abílio, Pinheiro de Aguiar utilizou para a construção de sua

obra, idéias de outros autores e métodos, os quais, muito possivelmente, não eram

exclusivamente de autores nacionais.

Assim sendo, trabalho com a hipótese de que Abílio e Pinheiro de Aguiar

aproveitaram-se dos debates educacionais que estavam sendo travados na segunda

metade do século XIX, empregando como suporte metodológico de suas criações

autores que participavam e organizavam este debate. Nessa perspectiva, novos métodos

de ensino da chamada pedagogia moderna contribuíram, em diferentes proporções, para

os indivíduos que estavam preocupados com a questão educacional, cujos

desdobramentos se refletem na produção de “livros escolares”.

Outro esclarecimento que a pesquisa referente a estes dois livros pode trazer, diz

respeito à comprovação dos jogos de poder nos quais estavam envolvidos os “livros

escolares”, já que estudos indicam que Abílio César Borges, dado as relações que

mantinha com autoridades parece não ter tido problemas na aprovação e publicação dos

seus livros, que circularam em diferentes províncias brasileiras durante vários anos. Já

Pinheiro de Aguiar, que muito provavelmente não possuía relações equivalentes, teve

um percurso distinto ao de Abílio, tendo que percorrer um outro caminho para que sua

obra fosse aprovada nas escolas da Corte. Para tanto, precisou recorrer à experiência

pessoal e construir uma rede de apoio na própria corporação como estratégia para

legitimar seu método e seu livro. Esta diferença não pode ser encarada como mero

incidente, já que exprime o modo como o campo educacional se encontrava organizado,

indicando o desequilíbrio entre as forças que participavam do mesmo.

3. 7 - O método de leitura do “Castilho brasileiro”

Assim como o método “Bacadafá” de Antonio Pinheiro de Aguiar, o método de

leitura de Francisco Alves da Silva Castilho, denominado “Escola Brasileira”, também

se destacou nas páginas dos relatórios dos Ministros do Império e da Inspetoria, com as

notícias do seu ensaio realizado na escola pública da freguesia de Campo Grande.

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111 Natural da freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, o

professor Castilho foi nomeado em 5 de fevereiro de 1849 para o cargo de professor

público da instrução primária em cujo magistério jubilou-se, sendo, ao fim da carreira,

nomeado delegado da instrução pública da mesma freguesia (Sacramento Blake, 1899).

Sobre Castilho, como nos alerta Borges (2008), a trajetória deste professor, “(...)

exercendo o magistério por 38 anos na freguesia de Campo Grande, tornando-se autor

de livros, escrevendo em periódicos, participando de Conferências Pedagógicas,

produzindo documentos em que expõe suas reflexões para a IGIPSC, destacando-se por

suas idéias em torno da instrução e nomeado delegado da instrução no final da carreira,

fazem da figura de Castilho um curioso e importante personagem do cenário

educacional da segunda metade do século XIX.” (pág. 273)

Ao longo de sua carreira na profissão docente, Castilho também se tornou autor

de livros, tendo publicado as seguintes obras: “Methodo para o ensino rapido e

aprazivel de ler impresso, manuscripto e numeração, e descrever”, em 1850; “Methodo

de leitura para o ensino dos meninos e adultos”, em 1863; “ABC de amor, ou methodo

ameno de ensinar as moças, conforme o systema da Escola brasileira”, “Preliminares de

grammatica”, e “Grammatica pittoresca ou systema grammatical explicado pela arvore

da sciencia”, ambos em 1864; “O principio da sabedoria é o temor de Deus”, em 1872;

e o “Manual explicativo ou methodo de leitura” denominado “Escola brasileira” em

1859, sendo este último o objeto da presente análise.

No relatório dos Ministros do Império do ano de 1857106, há a notícia do ensaio

do método elaborado por Castilho, trazendo as seguintes informações107:

Continúa a ser seguida nas escolas o mesmo methodo e systema de ensino prescripto pelo regulamento. Os ensaios do methodo de leitura do professor publico da freguezia de Campo Grande, Francisco Alves da Silva Castilho, a que sob immediata direcção do autor se tem procedido, desde o anno próximo passado, nas escolas de Santa Rita, Candelária e ultimamente em uma sala particular para esse fim alfaíada, não produzirão ainda resultados bastante decisivos para autorisar sua adopção ou rejeição.

106 À época, Pedro de Araújo Lima, o Marquez de Olinda, ocupava tal cargo. 107 Também é possível encontrar essa informação no códice 15.3.20, p. 72, que contém um ofício do Marques de Olinda ao Inspetor Geral Interino da Instrução Pública comunicando que o Conselho Diretor, a quem deu conhecimento do parecer da Comissão encarregada de estudos acerca do método de leitura do professor público da Freguezia de Campo Grande Francisco Alves da Silva Castilho, bem como do processo, dos resultados e dos pormenores ocorridos durante a experiência, julgou conveniente a adoção exclusiva e interina do referido método em duas escolas públicas, cujos resultados comparados com os obtidos nas outras escolas, “habilitem a tomar uma decisão segura sobre sua adoção”.

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112 Diz que julgou conveniente que antes de qualquer decisão definitiva admita-se em duas escolas exclusivamente regidas por ele, seguindo a marcha regular delas, e o aproveitamento anual dos respectivos alunos de experiência final e decisiva, parecendo esta medida tanto mais conveniente, quanto se os resultados então obtidos aconselharem a adoção geral do referido método, muito importará ter uma escola regida que ele sirva de norma e de modelo para a transição; a qual não sendo convenientemente preparada, poderia causar graves inconvenientes.

De acordo com o relatório, em 1857 delegou-se que o ensaio do método de

Castilho fosse realizado em duas escolas regidas “exclusivamente” pelo autor, já que os

ensaios anteriormente ocorridos em escolas em que outros sujeitos eram os professores,

tendo estas escolas apenas o auxílio de Castilho, não estariam produzindo os resultados

necessários para sua adoção.

No ano de 1859, a informação trazida em tais relatórios dão a notícia de que o

referido método estava deixando de ser experimentado devido à falta da impressão, por

parte do autor, dos exemplares necessários para a experiência final, evidência de que os

custos da impressão deveriam ser financiados pelo próprio autor. De acordo com

Schueler e Teixeira (2008), eram grandes percalços a que os professores interessados

em ver seus métodos de ensino e textos reconhecidos, publicados e referendados pelo

governo, precisavam se submeter. Além de bancar os custos de impressão e edição, por

sua própria conta e risco, os autores de métodos e compêndios deveriam comprovar a

utilidade e a eficácia prática das inovações. Experimentação com os alunos, exposição

pública e avaliação pelos pares, professores públicos e demais autoridades consistiam

em passos fundamentais para que um método ou um compêndio fosse adotado pelo

governo. (p. 14).

De acordo com o dicionário de Sacramento Blake, o método composto por

Castilho seria “um methodo novo e especial pela divisão e ordem dos elementos

phonicos da palavra, e pela leitura imediata, independente de alphabetos e de

syllabarios”. Para Philippe da Motta d’ Azevedo Corrêa, ele faria parte do “novo

methodo de soletração”, juntamente com os de “Valdetaro” e “Bacadafá”.

Segundo o próprio Castilho, em explicação dada na própria obra, seu método

consistiria em:

(...) uma modificação pouco importante do systema alphabetico, porém o seu merecimento, ou ao menos o que tal se me afigura, funda-se na applicação immediata, das letras (o que tambem não dou como cousa nova), e sobretudo no encadeamento de uma

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113 serie de lições fáceis e relativas a conhecimento superiores, começando desde o ensino das letras até a leitura corrente, passando pela classificação, declinação e construção grammatical das palavras, porque este methodo, segundo o plano traçado, deveria ser a parte elementar do ensino da grammatica nas escolas; era isto uma reminiscência ainda do methodo de João de Barros, que me passou pelos olhos na bibliotheca publica quando eu estudava grammatica. Esta primeira parte preparava o discípulo para um segundo tomo de leitura graduada o progresso da instrucção do discípulo, afim de evitar na escola do ensino elementar a desigualdade de um degráo tão alto, como acontece com a transição que se faz da ultima carta que se acha no fim dos syllabarios mais communs por serem os mais baratos, e que os meninos lhe chamão nas escolas carta do meu amigo. Da qual saltáo logo pra o cathecismo ou para a leitura de fabulas.

A obra aqui analisada foi localizada no setor de obras raras da BN. Do ano de

1859, possui um total de 64 páginas. Publicado pela “Typographia de E & H Laemmert,

é oferecido à classe dos professores de primeiras letras, pois, segundo o próprio

Castilho, era costume entre os autores buscarem um mecenas, que protegesse e

recomendasse uma determinada obra. Contudo, informa que achou melhor dirigir-se a

seus colegas. Apesar deste alerta, Castilho acaba fazendo o mesmo, pois um dos

pedidos feitos nessa dedicatória aos professores era que “em nome de nossa classe

dedique eu o meu methodo de leitura ao Exmo. Sr. Conselheiro Eusébio de Queirós

Coutinho Matoso Câmara, como uma franca homenagem, mas significativa amostra de

nossa consideração, e reconhecimento dos serviços prestados á instrucção e á nossa

classe”.

Nesta apresentação, Castilho também explica que, devido ao “Methodo Castilho

– o Methodo portuguez”108, do qual faziam-se ensaios, até que seu ilustre autor veio

pessoalmente no Rio de Janeiro apresentá-lo e explicá-lo em sessões publicas, “resolvi

mudar o nome do meu trabalho, por outro mais sonoro e mais significativo – Escola

Brasileira – (...)”. Informa também que adotou este título com a intenção de que “meus

collegas aceitando-o quizessem concorrer debaixo do mesmo nome com seus trabalhos

108 Método português destinado ao ensino da leitura e da escrita, elaborado por Antonio Feliciano de Castilho. Publicado em Lisboa, no ano de 1853, deu-se a publicação de sua terceira edição. Teve significativa repercussão no Brasil, sendo também ensaiado em escolas públicas, como nos informa relatório dos Ministros do Império do ano de 1857, o qual diz que: “Continua a ser ensaiado em Alagoas sob o magistério do professo publico da capital José Francisco Soares, que obteve do governo provincial a gratificação de 200$ annuaes pelo excesso de trabalho que allegou acarretar-lhe o novo método de ensino; na Bahia na escola também da capital regida pelo professor publico, Freitas Gambôa, sendo nesta ultima província autorisados três professores e uma professora a admittirem o referido methodo em suas escolas’.

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114 para a organisação do systema de ensino, nacionalisando-o pelo methodo e pela

doutrina”. A opção de Castilho parece inserir-se efetivamente nas intenções de

nacionalização das obras escolares em curso no período.

Castilho termina seu prefácio com uma “fala” que parecia ser uma reposta as

possíveis críticas de plágio da obra de outro autor, talvez do próprio Castilho português,

ou até mesmo uma resposta a possíveis críticas que poderiam vir a surgir. O autor

informa que:

Este methodo de ensinar a ler poderá não ser uma novidade, porém ao menos não o copiei eu de ninguém, e aquillo que por ventura aqui si possa encontrar de parecido com alguma cousa já existente será uma coincidencia que me não há de envergonhar como plagiário.

Castilho esclarece que seu método era divido em parte “phonica” e parte

“orthographica”, e que dois eram os principais elementos que constituíam um método

de ensino, o princípio lógico e o princípio prático. O primeiro consistiria na

coordenação das idéias que se oferecem ao espírito de quem aprende. Já o segundo seria

“um modo próprio de fazer colar no espírito do discípulo as idéas que se lhe quer

transmitir”.

Esclarece também que seu método de leitura seria um “methodo synthetico-

analythico”, que poderia ser praticado em qualquer dos modos conhecidos, e que o

processo da parte elementar, se poderia dividir em dois períodos, que seriam:

1º leitura; 2º escripta; que o primeiro periodo póde ainda ser subdividido em dous tempos, no ensino escolar: 1º leitura collectiva nos semicírculos, 2º leitura singular, isto é cada um em seu exemplar; finalmente póde dizer que o processo deste methodo é compatível com a organisação de qualquer systemas no sentido pratico, porque no sentido lógico póde elle ser considerado com um systema, que por ora só comprehende a parte mais elementar da grammatica.

Para Castilho, na aplicação de seu método, seria necessária uma disposição em

que primeiro houvesse a organização da sala e do material da escola; segundo a

organização da classe; e terceiro a organização do ensino. Sobre este último item, dizia

que:

Supponha -se a classe dividida nos dous grupos propostos (maior e menor), occupando cada grupo o lado que lhe foi

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115 designado (esquerdo ou direito); de sorte que a primeira divisão (leitura prolongada) occupe os primeiros bancos defronte de professor, seguindo-se em ordem graduada a segunda divisão (leitura natural), e por ultimo a terceira divisão (leitura corrente). Conviria talvez ao ensino que esta ordem fosse invertida, pela razão de ficarem mais perto do professor os discípulos que formão a sua turma, e mais distantes os que são dirigidos pelos monitores, porém, com os alumnos que formão a primeira divisão são em geral os mais pequenos e os mais novos da escola, estes precisão ser protegidos pela vizinhança do professor cada discípulo occupa seu lugar segundo o gráo de seu merecimento.

Ao dizer que seu método poderia ser praticado com qualquer dos modos

conhecidos, Castilho almejava uma mais fácil aceitação por parte do professorado, já

que, como mencionado, apesar das escolhas do governo, quando não concordavam com

ela, os professores poderiam recorrer a outros métodos, como informa a Comissão de

professores públicos de 1873. Nesse momento, conquistar os professores também

poderia lhe trazer uma aceitação mais fácil da parte do governo imperial. Porém, ao

mesmo tempo em que dizia que seu método poderia ser praticado com qualquer dos

modos conhecidos, Castilho afirma que para aplicação do mesmo, ou seja, para que se

obtivesse os resultados esperados, seria necessário uma organização da sala, do material

da escola e do ensino, designando a posição que cada grupo deveria ocupar.

Na organização almejada por Castilho, podemos perceber a existência de

determinados traços do ensino mútuo109, com a divisão dos alunos em diferentes

classes, de acordo com o nível de conhecimento e também de merecimento, bem como

a presença de monitores auxiliando os professores em suas aulas. De acordo com

Bastos (1999), o entusiasmo causado por este método residiria na facilidade de manter a

disciplina que ele proporcionava, o que parecia ser uma preocupação central de

Castilho, preocupação esta que pode ser entendida também como uma necessidade de

afirmação de um modelo que o distinguisse dos demais.

Cabe lembrar que essa preocupação de Castilho com as posições ocupadas por

cada grupo, nos remete a “arte das posições” trabalhadas por Foucault (1987). Segundo

este autor, para o alcance da disciplina, seria necessário anteriormente, “à distribuição

109 De acordo com Bastos e Faria Filho (1999), o método mútuo tem sua origem na Inglaterra, no final do século XVIII, sendo posteriormente adotado na França e em outros países europeus, chegando aos países da América Latina na primeira metade do século XIX. Segundo Bastos (1999), tal método baseia-se no ensino dos alunos por eles mesmos. Há apenas um mestre para todos os alunos da escola, sendo este auxiliado por monitores, “na sala estão enfileiradas as classes, tendo em cada extremidade o púlpito do monitor e o quadro-negro. Os alunos estão divididos em várias classes, seis em geral, todos com nível de conhecimento semelhante (...)”. (pág. 97).

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116 dos indivíduos no espaço” (pág. 121), para o qual seriam utilizadas várias técnicas, e

entre elas a regra das “localizações funcionais”. Segundo essa regra, com o intuito de

obter um espaço bem utilizado, nas instituições disciplinares, como a escola, o espaço

deixa de ser livre, “Lugares bem determinados se definem para satisfazer não só à

necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um

espaço útil”. (pág. 123).

Juntamente a este controle, o autor prevê cada ação a ser desenvolvida pelos

professores e monitores nos cinco tempos de aula, como é possível perceber pelas

figuras VIII:

Figura VIII - Cinco tempos de aula propostos por Castilho no ensino da leitura

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Tal descrição demonstra a intenção do controle exercido sobre a atuação dos

professores, o que se torna contraditório com a primeira promessa da possibilidade de

liberdade dos métodos. Contudo, o detalhamento das práticas a serem seguidas pelos

professores e monitores, descritas em sua obra, pode ter agradado às autoridades

governamentais, que almejavam o maior controle possível sobre os docentes. Digo

agradar, pois os livros de Castilho foram aprovados pelo governo imperial para

utilização nas salas de aula, informação esta trazida no relatório dos Ministros do

Império e da Inspetoria do ano de 1877, no qual há uma lista dos “Professores públicos

que têm escripto trabalhos didacticos”, na qual Castilho figura como membro do

magistério público da cidade.

Apesar da aprovação do governo imperial, não havia um consenso referente as

vantagens trazidas pelo seu método de ensino, como podemos perceber no trabalho de

Pires de Almeida (1889),

Sérias objeções foram levantadas dentro da conferência pedagógica, contra o método Castilho, o qual, sob pretexto de

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119 simplificação, ensina a ler e escrever com ajuda de palavras que a ortografia excluiu, o que prejudica, mais tarde, o aluno e o impede de aprender a escrever corretamente. (pág. 153)

Acerca das objeções nas conferências, Pires de Almeida referia-se,

provavelmente, ao professor Manoel José Pereira Frazão que, após a exposição feita

pelo professor Castilho sobre seu método de leitura, no encontro do ano de 1872,

levantou algumas críticas a seu sistema. De acordo com o relatório dos Ministros do

Império e da Inspetoria de 1872:

O professor Frazão, não obstante concordar com o professor Castilho no ensino da leitura pelo methodo analytico, discorda desse professor no ponto em que se afasta da exatidão ortográfica no ensino da leitura e da caligrafia, parecendo-lhe isso muito prejudicial para o menino, que sempre se lembrará mais do primeiro modo por que aprendeu a escrever uma palavra, ainda que incorreto, do que o que lhe é posteriormente ensinado, posto que verdadeiro: acha também prejudicial a deslocação da ordem adotada nas letras do alfabeto, e o modo por que algumas delas são pronunciadas pelo professor Castilho, posto que dessa forma sejam adaptadas ao seu método.

No mesmo relatório há uma reposta de Castilho à questão levantada por seu

colega de ofício, o professor Frazão:

O Sr. Castilho responde que não acha inconveniente em escolher, no ensino, palavras de fácil composição ortográfica, e que tenham de escrever-se segundo o som articulado: que usa da inversão na ordem natural do alfabeto só com o fim de facilitar ao menino o conhecimento das letras, fazendo-lhe conhecer primeiro as letras cuja forma é parecida e depois aquelas cujos sons tem analogia e mais se aproximam do modo por que soam na palavra, sendo certo que desse seu systema tem tirado resultados vantajosos.

O debate oral feito nas conferências torna-se um exemplo das disputas entre os

professores/autores para a reafirmação de seus métodos e posições. Como nos alerta

Schueler e Teixeira (2008), as disputas entre os métodos, sobretudo no campo do ensino

da leitura e escrita, revelavam as tensões que envolviam a consagração dos autores no

mercado editorial, no momento em que se preconizava a “nacionalização” dos livros,

obras e materiais didáticos (p. 14).

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120 O professor Castilho inegavelmente empenhou-se na defesa e divulgação de

seu método. Como já mencionado no item 3.4, e como verificado da citação anterior,

utilizou-se do espaço das conferências para defesa de suas idéias. Foi possível verificar,

que também utilizou-se da imprensa pedagógica do período, ao enviar parte de suas

obras para a Revista Brasileira de Educação e Ensino do Rio de Janeiro - “A Escola”,

com o intuito de fazer propaganda da mesma. Castilho parece ter conseguido o espaço

almejado, já que no ano de 1877, foi publicado na coluna “Imprensa”, um artigo sobre o

autor que, entre outras coisas, elogiava uma de suas obras, e o aconselhava-o a estendê-

lo:

Não terminaremos estas linhas sem dizer o nosso colega Castilho que muito apreciamos a parte de seus Preliminares de Grammatica que começa ao artigo palavra e terminar na pagina 80; e um trabalho muito útil e o Sr. Professor faria bem em lhe dar mais desenvolvimento e extensão, conservando a forma que tem de entretenimentos ou pequenas conferencias, para poderem servir não só a leitura dos alumnos, como de guia ás mães e pais que ensinam a seus filhos.

Juntamente com o elogio ao trabalho de Castilho e com a recomendação de que

o mesmo ampliasse seu trabalho, destaca-se no artigo, a explícita recomendação de uso

da obra, como “guia ás mães e pais que ensinam a seus filhos”. Nesse artigo, podemos

perceber a opinião existente de que o livro poderia funcionar também como um objeto

de formação e modelação da família, considerada uma forte aliada do governo imperial

em seu projeto civilizatório.

3.8 – O “Systema de leitura” do Bacharel Eduardo de Sá

Juntamente com Antonio Pinheiro de Aguiar e o seu método “Bacadafá”, e

Francisco Alves da Silva Castilho e o seu método “Escola Brasileira”, Eduardo de Sá

Pereira de Castro também disputava espaço para afirmação e circulação de seu

“Systema de Leitura”. Nos Relatórios dos Ministros dos Negócios do Império e da

Inspetoria do ano de 1855, noticiava-se a ausência de livros de leitura, abecedários e

silabários. Porém, um ano depois, em 1856, nos mesmos relatórios, informava-se dos

ensaios que estavam sendo realizados nas escolas públicas, e entre eles, o do bacharel

em matemáticas, Eduardo de Sá Pereira Castro.

De acordo com o Sacramento Blake (1899), Pereira de Castro foi “tenente

reformado do estado-maior de 2º classe, bacharel em mathematicas e sciencias physicas

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121 e lente de mathematicas da escola militar, tendo antes do bacharelado, atuado como

adjunto ao curso preparatório, annexo a mesma escola, regendo a cadeira de historia e

geographia”. Era sócio do IHGB e dirigiu um Colégio destinado ao sexo masculino na

Corte. Escreveu, juntamente com o “Systema de Leitura”, um “Compendio de

metrologia”, em 1863, um “Explicador de arithmetica”, “Postillas de geographia

astronômica”, e, por último, um livro intitulado “Os herois brazileiros”, ambos em

1865.

O fato de ter estado na direção de uma escola, juntamente com outros autores

citados neste trabalho, como Antonio Maria Barker110, e como Abílio César Borges111,

nos alerta para a presença da classe patronal na condição de formuladora de métodos de

ensino. Outro ponto a se destacar, é a condição de sócio do IHGB, como foi Pereira de

Castro. De acordo com Bittencourt (2004), a presença do poder político no IHGB foi

constante durante todo o Império, e, portanto, os autores ligados a esta instituição

possuíam estritas ligações com o poder institucional responsável pela política

educacional do Estado, não apenas porque eram obrigados a seguir os programas

estabelecidos, mas porque estavam “no lugar” onde este mesmo saber era produzido.

Acredito que o alerta de Bittencourt possa ser estendido também aos professores

públicos e gestores de escolas, o que facilitou a aprovação de seus livros e métodos de

ensino pelo governo imperial.

Tais fatos também podem ajudar a entender o porquê dentre os métodos de

leitura que estavam sendo ensaiados na década de 50, os já mencionados “Bacadafá” e

“Escola brasileira”, o de Eduardo de Sá Pereira de Castro ter sido o que teve menos

dificuldades para sua adoção, já que, assim que começou seu ensaio, Euzébio de

Queiroz Coutinho Mattoso Câmara, então Inspetor Geral da Instrução, já anunciava sua

aprovação, em relatório apresentado em 1857:

Na mesma data submeti parecer da comissão dos professores que procedeu aos ensaios práticos dos trabalhos sobre leitura apresentados pelo Bacharel Eduardo de Sá Pereira de Castro, conformando-me também com o parecer do Conselho Director que propõe a admissão nas escolas dos quadros lithografhados ou estampilhados do syllabario composto pelo dito bacharel (...)

Um ano depois, em 1858, o Marques de Olinda, em ofício enviado ao Inspetor

Geral Interino da Instrução Pública, comunica que “em conformidade com o parecer do 110 Conferir item 4.6 deste trabalho. 111 Conferir item 3.5 deste trabalho.

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122 Conselho Diretor, propõe que nas escolas públicas do Município da Corte fossem

admitidos os quadros lithographados do syllabario composto pelo Bacharel Eduardo

Pereira de Castro”112. Neste mesmo ano, o referido autor é dispensado das provas

necessárias para abrir um Colégio, sendo mais um indício das “boas relações” existentes

entre o bacharel e as autoridades governamentais.113

Seu “Systema de Leitura114” caracteriza-se por ser um livro pequeno, também de

capa dura e verde, com 84 páginas. Publicado pela “Typographia do Commercio, de

Brito e Braga”. Já na primeira página traz a informação de que o mesmo foi dedicado ao

“Exmo. Sr. Conselheiro Euzébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara, com respeito,

consideração, estima e sincero agradecimento”, o mesmo que anunciou a aprovação de

sua obra. Este compêndio é dividido em dois quadros, e segundo seu autor:

Desde que os discípulos conhecerem perfeitamente todas as figuras contidas nestes dous quadros, para o que deverá o professor, além das repetidas corridas e salteados dos mesmos quadros, escrevê-las em uma pedra a fim de que os discipulos pela comparação se habituem a conhecer as mesmas figuras deslocadas, seguir-se-há também na pedra o exercício da combinação das vozes e diphthongos com aquellas consonancias que antipostas e pospostas constituem syllabas, ora sem accentos, e ora com accentos, do mesmo modo seguinte.

Depois dessa primeira observação, Pereira de Castro passa às explicações do seu

primeiro e segundo quadro, na qual o autor define, entre outros termos, o que seria a

“palavra, a voz simples (que seria dividida em três classes, absoluta, aspiraes e

diphtongos), voz composta, e a consonancia”.

Foi possível verificar que na época de sua aprovação, o “Systema de Leitura” do

“Dr. Sá”, obteve uma significativa repercussão nas escolas da Corte. Em ofícios

localizados no AGCRJ do ano de 1859, por exemplo, há pedidos de seus exemplares de

leitura, bem como solicitações de explicações para aplicação de seu método de

leitura.115 Porém, em documentos de anos posteriores, tais menções deixaram de

aparecer de forma recorrente, o que pode ser entendido em decorrência da ampla

alternância que havia no período, de métodos e livros utilizados/adotados, fruto da

112 Consultar Códice 15.3.20, p 137. 113 Verificar Códice, 15.3.20, p. 58. 114 A obra analisada foi a publicada em 1861. 115 Conferir, por exemplo, Códice 11.1.15 e 11.1.16.

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123 disputa de poder de idéias entre os sujeitos envolvidos no processo de

institucionalização e legitimação da escola.

3.9 – Livros de história e ensino da leitura

Pelas fontes analisadas relativas ao ensino da leitura, foi possível perceber que a

utilização de livros de história para o ensino da leitura era uma prática comum nas

escolas da Corte. Como nos informa a Comissão de professores públicos de 1873, entre

os livros de História aprovados para o ensino da leitura estavam os “Episódios da

Historia Pátria”, composto pelo Cônego Dr. Fernandes Pinheiro e “História do Brazil”,

do Dr. Joaquim Manuel de Macedo. Contudo, ainda de acordo com a Comissão, a

maioria dos professores eram contra a utilização desses dois compêndios, que seriam:

(...) os – Episódios – que o estylo é incorrecto, cheio de gallicismos e de erros de construção. Contra a – Historia do Brazil – que as edições acham-se eivadas de erros typographicos, que a phrase é pouco correcta, que as narrações são mui longas, e que o livro é volumoso a ponto de fatigar os meninos com a extensão da matéria.

A referida Comissão também registra que devido às insatisfações acerca desses

dois livros adotados pelo governo imperial, muitos professores acabavam utilizando

outros, como, por exemplo, o “História do Brasil” de Coruja.

A utilização de livros de história para o ensino da leitura pode ser entendido pela

própria legislação em vigor, já que desde a primeira lei geral de ensino promulgada

pelas nossas autoridades imperiais, em 15 de outubro de 1827, nas chamadas escolas de

primeiras letras dever-se-ia dar preferência à leitura da Constituição do Império e da

História do Brasil.

Apesar da produção de livros sobre esta disciplina e da recomendação de lei de

1827, de acordo com o regulamento de 1854, não havia referência ao ensino de história,

que só aparecia nas matérias destinada à instrução primária superior, ou seja, nas

escolas de segundo grau, tanto para meninos como para meninas. Escolas que, por sua

vez, não chegaram a funcionar na Corte.

De acordo com relatório de viagem apresentado por João Barbalho Uchoa

Cavalcanti, nas províncias por ele visitadas, quase não se dava o ensino de história, já

que ainda não era obrigatório nas escolas primárias oficiais, e quando este ensino

acontecia, era por espontâneo encargo do professor. Ainda assim, Uchoa Cavalcanti

criticou a maneira como a história era ensinada, já que para ele, esta se reduzia:

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124 (...) á simples leitura dos livros sobre historia nacional do Dr. Macedo, Cônego Fernandes Pinheiro, e Coruja, - queixando-se os mestres quanto ao primeiro (Historia do Brazil) por achar-se cheio de erros typographicos, ser pouco correcta a phase, mui longas as narrações e por demais volumoso o livro a ponto de fatigar os meninos com a extensão da materia; quanto ao do segundo (Episódios da historia pátria) por ter o estylo incorrecto, cheio de gallicismos e erros de construção. (p. 186)

O inspetor também criticou a utilização das obras de Macedo e de Pinheiro,

obras que, como é possível de se observar por documentos referentes à instrução no

ACGRJ116, foram significativamente solicitadas a partir de meados do século XIX na

Corte.

A inexistência do ensino da história no currículo oficial do ensino primário, de

acordo com a lei de 1854, como demonstrado na tabela IV, assim como de outras

disciplinas como, gramática da língua nacional, aritmética e noções de álgebra,

geometria elementar, história sagrada, elementos de geografia, desenho linear, música e

exercícios de canto – causava discussões. Como já citado, tais disciplinas tenderam a ser

incorporadas ao ensino primário. (Schueler, 2002).

Tal fato nos ajuda a compreender a existência de uma significativa quantidade

de livros destinados ao ensino de história neste período. De acordo com Bittencourt

(1993), para as crianças até 10 anos aproximadamente, a fórmula encontrada que

pareceu mais amena para se estudar a História da Pátria foi a de iniciar pela vida e feitos

dos heróis, figuras que possivelmente despertariam o interesse das crianças e por

narrações onde se relatava a curiosidade da vida de personagens famosos ou fictícios.

Ao analisarmos a tabela VI trazida neste relatório, é possível observar que do

total de onze livros que, provavelmente, eram utilizados pelos próprios alunos, quatro

eram destinados ao ensino da história. Sendo que dois destes livros117, “Episódios da

História Pátria” de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro e “Lições de História do

Brasil” de Joaquim Manuel de Macedo, eram criticados por uma parcela do

professorado, segundo informações da Comissão de professores públicos, e do relatório

do Inspetor Geral da Instrução Pública da Província de Pernambuco, João Barbalho

Uchoa Cavalcanti. Por meio destas informações, é possível perceber que a utilização de

uma obra não era um consenso, havendo opiniões contrárias ao seu uso, opiniões estas 116 Podemos encontrar exemplos da ampla requisição dessas obras, por exemplo, nos códices, 11.2.15 e 11.2.19 de 1866, 11.2.21 de 1857, 11.2.26 de 1867, entre outros. 117 Os outros livros mencionados na referida tabela são, “Epítome da História do Brasil” de José Pedro Xavier Pinheiro e “História Universal” de Pedro Parley.

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125 que, como já citado, perpassam interesses de professores, do Estado, de

proprietários, da escolarização de determinados saberes.... enfim, o ingresso do livro na

escola só pode ser compreendido no interior de feixes de relações de poder. Creio que

estudar melhor a emergência e os percursos destas obras nas escolas da Corte, pode

ajudar a compreender melhor tais interesses, relações de poder, e determinadas práticas

da sociedade.

3.9.1 - Os “Episódios da História Pátria” de Fernandes Pinheiro

Pela tabela VI, apresentada neste trabalho (p.68), é possível observar que

juntamente como os “Episódios da Historia Pátria”, Joaquim Caetano Fernandes

Pinheiro aparece com outra obra de ampla requisição para uso dos alunos nas escolas, o

seu “Cathecismo”, o qual analisaremos no próximo item. O fato de Fernandes Pinheiro

aparecer com dois de seus livros para uso nas escolas primárias da Corte aguça o

interesse em investigar as relações que permitiram tal acontecimento.

Segundo Galvão (2005), os estudos recentes têm buscado não apenas analisar o

conteúdo das lições dos livros, mas considerar aspectos como os processos técnicos e

materiais que envolvem a sua produção, as posições ocupadas pelos atores que o

elaboram e o “fabricam”, as estratégias de sua circulação em diversos espaços, os usos e

apropriações que dele são realizados por seus leitores e ouvintes. Dito isso, cabe

investigar as funções de Fernandes Pinheiro na sociedade oitocentista.

Segundo o Dicionário Sacramento Blake (1899), Fernandes Pinheiro foi “um dos

brazileiros que melhores serviços prestaram às lettras pátrias e ao magistério superior”,

descrição esta que já nos alerta para o tipo de prestígio conquistado pelo autor, ao

menos no campo educacional. De acordo com este mesmo dicionário, no ano de 1848,

este autor recebeu as ordens de presbítero, sendo, anos depois, nomeado Cônego de

Capela Imperial. Lecionou no Seminário Episcopal do Rio de Janeiro, e doutorou-se em

Teologia, em Roma. Exerceu também os cargos de Reitor e Capelão do Instituto de

Meninos Cegos, professor da cadeira de retórica e poética do Colégio Pedro II e de

teologia e moral do Seminário de São José.

Fernandes Pinheiro também foi comendador da Ordem de Christo; sócio e 1º

secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brazileiro, onde se acha colocado seu

busto como reconhecimento dos “importantes serviços que prestou a essa associação”;

membro do Instituto da França, da Academia das Sciencias de Madrid e Lisboa, e da

Sociedade de Geografia de Paris e Nova York, cargos estes que indicam sua ampla

circulação por diversos locais do mundo e que nos ajudam a entender o “prestígio”

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126 conquistado no Brasil, já que, na época, havia uma grande valorização das idéias

educacionais advindas do estrangeiro, principalmente de países europeus. Com tais

atuações e ocupações nesses espaços variados, podemos considerar Fernandes Pinheiro,

de acordo com a definição de Nunes (1995), como um típico intelectual do século

XIX. 118

O referido autor produziu um expressivo número de obras que se destinavam ao

uso escolar no século XIX119. No Setor de Obras Raras da Biblioteca Nacional (BN) foi

possível encontrar o “Cathecismo da Doutrina Christã”, “Episódios da História Pátria”,

“História do Brasil contada aos meninos por Estácio de Sá”, e “Apontamentos

Religiosos”.

Sua obra “Episódios da História Pátria” possuía aprovação do governo imperial

para uso nas escolas da Corte, fato que se torna ainda mais relevante quando

consideramos o rigoroso controle sobre o que poderia ou não ser utilizado nesses

espaços, controle expresso, por exemplo, por meio das leis que regulamentavam a

instrução no período. Nos materiais do arquivo, é possível encontrar, por exemplo, um

ofício da Livraria Universal de E & H Laemmert a Secretaria da Instrução Primária e

Secundária do Município da Corte, informando a dívida referente à compra de “100

exemplares do livro História do Brasil” do Cônego Pinheiro120. Tal acontecimento,

ajuda a perceber o prestígio da obra (e do seu autor) junto ao governo imperial.

Este livro possuía o formato in-oitavo, como o de vários outros livros da época.

Sobre a caracterização dos diferentes formatos das obras, El Far (2006), assinala que:

(...) o in-quarto era uma folha dobrada duas vezes, compondo então um caderno menor, de oito páginas e o in-oitavo constituía um caderno ainda menor, de 16 páginas, formado a partir de três dobras de uma mesma folha. (pág. 32)

Devido ao pequeno tamanho, tais obras poderiam ser facilmente carregadas por

quem desejasse, sendo, deste modo, de fácil manuseio. Este modelo de compêndio pode

118 Segundo Clarice Nunes (1995), ser um intelectual típico, no final do século XIX, é falar de um ponto de vista particular: da elite branca, proprietária e letrada, com uma atitude intelectual característica, iluminista. É também possuir uma atuação polivalente (...). É participar de um espaço de eleitos, escolhidos a partir de suas relações sociais que, sem vivenciar debates universitários – pois ainda se discutia a criação de uma universidade no Brasil -; faziam parte de instituições criadas nos moldes das academias ilustradas européias, ou viviam à sombra delas. 119 Entre os livros produzidos pelo Cônego Pinheiro destinados as escolas, encontra-se a “Grammatica da infância”, “Resumo da história contemporânea”, “Postillas de rhetorica e poetica”, “Lições elementares de geographia”, “História do Brasil contadas aos meninos”, “Grammatica theorica e practica da língua portugueza”, e “Cathecismo Constitucional”. 120 Conferir códice 11.2.12, p. 10.

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127 ser entendido como uma estratégia dos produtores dos livros e das autoridades

governamentais, para que tais obras pudessem ser mais facilmente difundidas e

consultadas pelos sujeitos que delas se apropriassem. Como alerta Lima (2008),

“Atentos à necessidade de ler em diferentes lugares, facilitar o manuseio dos livros e

diminuir os custos, os editores cuidavam de produzir livros em formatos menores, in-4º

e in-8, encadernados ou em brochuras”. (pág. 77).

A primeira edição da obra de Pinheiro deu-se no ano de 1859, tendo um total de

11 edições, sendo a última publicação do ano de 1892, o que demonstra sua longa

circulação. A edição analisada, do ano de 1860, contém um total de 173 páginas, sendo

publicada pela editora B. L. Garnier. Possui um total de 30 lições assim intituladas:

“Descobrimento do Brasil”, “O caramurú”, “Martim Affonso de Souza, fundação de

São Vicente”, “Estabelecimento de Villegaignon”, “Armisticio de Iperohy”, “Fundação

do Rio de Janeiro”, “Incêndio de São Vicente – Saque do Recife”, “Os francezes do

Maranhão”, “ Tomada e Restauração da Bahia”, “Invasão dos Hollandezes em

Pernambuco”, “Traição de Calabar – Vantagens dos Holandezes”, “Emigração

Pernambucana - Sorpreza de Porto-Calvo”, “Viagem de Pedro Teixeira pelo

Amazonas”, “O conde Maurício de Nassau – Gloria dos Hollandezes”, “Amador Bueno

ou a Fidelidade Paulistana”, “Insurreição Pernambucana”, “Batalha dos Guararapes –

Capitulação do Taborda”, “O Bequimão”, “Os Palmares”, “Os Paulistas e os

Emboabas”, “Expedições de Duclere e de Duguay Trouin”, “O Anhanguéra ou o

descobrimento de Goyaz”, “Sublevação das missões d’ Uruguay”, “Invasões

Hespanholas”, “Conspiração do Tiradentes”, “Chegada da Família Real”, “Guerra de

Artigas – incorporação de Montevidéo”, “Revolução de Pernambuco”, “Regresso de El-

Rei”, “Proclamação da Independência e do Império”.

A respeito desta ordenação, de acordo com Souza e Oliveira (2000), a

organização do livro em lições facilitaria e orientaria o trabalho do professor que, em

geral, utilizava uma lição por dia. Do ponto de vista do conteúdo, recobre grandes

acontecimentos, grandes sujeitos e batalhas, procurando construir uma memória da

nação. Neste esforço, o autor seleciona um conjunto de acontecimentos, entre o início e

o fim da colonização portuguesa, dramatizando assim, o nascimento do Brasil e do

regime monárquico.

No que se refere ao processo de legitimação do livro, ele também traz um “Juízo

do Sr. I. Norberto de S. S.”, com a informação de que o mesmo foi extraído da “Revista

Popular” de 5 de janeiro de 1860. Neste juízo, o mencionado autor afirma que a obra de

Pinheiro “(...) é a melhor que possuímos em seu gênero”, e ao finalizar seu parecer diz:

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128 “Seja bem vindo às escholas brazileiras o novo opúsculo do illustre escriptor!

Nacionalise-se tudo entre nós sem excepção da própria leitura (...)”. Tal opinião trazida

por Norberto expressa uma vez mais a idéia de um projeto existente de valorização e

construção de uma identidade nacional. Projeto no qual, segundo Schueler (2002):

(...) se passava à valorização e à construção de representações sobre a nacionalidade, através da produção e da divulgação de saberes sobre aspectos da natureza e da cultura, dos povos e das “raças”, suas origens étnicas, a miscigenação, além da produção de um conhecimento histórico reificante e heróico sobre a pátria, ressaltando-se a formação política e social do brasileiro – conhecimento que, aliás, vinha sendo, desde meados do século XIX, parte da produção oficial do Império, com o financiamento das pesquisas e das publicações do Imperial Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (pág. 118).

A esse respeito, em seu prólogo Pinheiro reconhece a necessidade de dar aos

meninos noções rudimentares da história nacional, iniciando-os nas glórias e também

nos revezes pátrios, mas de modo agradável, “apresentando-lh’os como uma grinalda

histórica, ou uma galeria de quadros em que vejão traçados os mais memorandos

sucessos. Creio que será esta a mais útil das leituras que se lhes possão offerecer”.

Como se pode perceber a aprendizagem da leitura encontra-se associada à construção de

uma determinada história para o Brasil. História narrada em forma de síntese que,

valendo-se de uma “galeria de quadros” ou de uma “grinalda histórica” faz aparecer

descobridores, invasores, compradores, conquistadores até o desfecho glorioso de

independência.

3.9.2 - As “Lições de História do Brasil” de Joaquim Manuel de Macedo

Entre outras funções ocupadas por Joaquim Manuel de Macedo em sua trajetória

profissional, encontra-se a de professor de “Corographia e História do Brazil” do

Imperial Colégio de Pedro II, e membro do Conselho Diretor que, como já mencionado,

era um dos órgãos responsáveis pela aprovação dos livros escolares.

As posições ocupadas por Macedo não podem ser desconsideradas quando se

observa que esse autor possuiu mais de uma obra aprovada para uso nas escolas da

Corte. Juntamente com as “Lições de História do Brasil” 121, o autor teve o livro

“Mulheres celebres” adotado pelo governo imperial para a leitura nas escolas da

instrução primária do sexo feminino no ano de 1878.

121 Para saber mais sobre Joaquim Manuel de Macedo e seus livros de história, cf. Mattos (1993).

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129 Segundo o Sacramento Blake (1899), Macedo foi:

(...) um dos brasileiros que mais enriqueceram as letras pátrias e como romancista, dramaturgo, poeta e historiographo, seu nome resoava e era applaudido em todo o império, no primeiro gênero principalmente, porque elle foi o fundador do romance brazileiro (...)

Em relação à obra analisada “Lições de história do Brazil”, cabe informar que

ela teve três publicações, sendo duas destinadas ao Imperial Collegio de Pedro II, e uma

outra destinada a escolas de instrução primária, sendo esta última a que foi focalizada

neste trabalho. Ainda de acordo com o Sacramento Blake (1899), essa obra teve seis

edições, sendo a segunda de 1865, a terceira de 1875, a quarta de 1877, e a quinta de

1880. O dicionário não traz o ano de sua primeira publicação, nem da sua última. Pude

localizar no Setor de obras raras da BN a edição do ano de 1865, bem como a de 1877.

É possível encontrar no AGCRJ122, no ano de 1866, o contrato feito entre Joaquim

Manoel de Macedo e a Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária do

Município da Corte para o fornecimento dos exemplares que “forem precisos de seu

compêndio da História do Brazil” para uso das escolas, como é possível observar pela

figura IX:

122 Códice 11.2.19, p. 23.

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Figura IX - Contrato entre Joaquim Manoel de Macedo e a IGIPSC

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131

Neste mesmo arquivo, encontramos também um exemplo da requisição desta

obra, em um ofício123 do ano de 1867 emitido pelo Secretário dos Negócios do Império

123 Códice 11.2.26, p. 131.

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132 Lopo Diniz Cordeiro ao Inspetor Geral da Instrução primária e secundária do

município da Corte, pedindo 100 compêndios de História do Brasil do Dr. Macedo para

uso das escolas públicas. Sinais de uma difusão expressiva, especialmente se

considerarmos que havia 44 escolas primárias na cidade neste ano.

A obra analisada se caracteriza por ser de tamanho in-4º, com um total de 413

páginas. Já na apresentação do livro, o autor justifica a extensão de sua obra, dizendo

que:

Uma obra escripta para servir ao estudo de meninos não deve ser longa, e o nosso compendio a primeira vista desagradará pela sua apparente extensão, tendo mais de quatrocentas paginas, affigura-se-nos porém que um rápido exame do livro demonstrará que este só avulta pelas explicações, pelos quadros synopticos e pelas perguntas que seguem às lições com o fim de facilital-as, e de graval-as na memoria dos discípulos.

A justificativa do autor já nas primeiras páginas de seu livro pode ser entendida

como uma resposta às críticas existentes, como, por exemplo, a já mencionada neste

trabalho do inspetor Uchoa Cavalcanti, que considerava a obra longa e volumosa.

As 39 lições do livro, assim se intitulavam: “Ideás Priliminares (1412 – 1499)”,

“Descobrimento do Brasil 1500”, “Primeiras explorações do Brasil 1501 – 1526”,

“Christovão Jacques e Martin Affonso de Souza 1521 – 1533”, “O Brasil em geral – O

gentio do Brasil”, “O gentio do Brasil (continuação) – o gentio do Brasil (Continuação)

– o gentio do Brasil em relação à família”, “Systema de colonisação empregado no

Brasil por D. João III – Primeiros donatários de capitanias hereditárias no Brasil 1534”,

“(continuação da precedente). Primeiros donatários de capitanias hereditárias no Brasil

1534”, “Estabelecimentos de um governo geral no Brasil – Thomé de Souza, primeiro

governador-geral 1549 – 1553”, “Duarte da Costa, segundo governador-geral do Brasil

1553-1558”, “Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil 1558 – 1573”, “Divisão

do Brasil em dous governos-geraes, e subseqüente reunião em um só – Domínio

hespanhol 1573 – 1581”, “Estado em que se achava o Brasil, quando passou o domínio

da Hespanha 1581”, “Governação-geral de Manoel Telles Barreto – Dous governos

provisorios, um precedente e outro succedendo áquella 1581-1591”, “D. Francisco de

Souza e Diogo Botelho, sétimo e oitavo governadores-geraes do Brasil 1581-1607”,

“Nova divisão do Brasil em dous governos, e subseqüente reunião em um só –

Francezes no Maranhão – Três novas capitanias e um novo Estado no norte do Brasil

1608 – 1622”, “Primeira invasão dos hollandezes – perda e restauração da cidade do

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133 Salvador 1624 – 1625”, ‘Segunda invasão dos hollandezes – Perdas de Olinda e do

Recife e subseqüente guerra até a retirada de Mathias de Albuquerque 1630 – 1635”,

“Guerra hollandeza: desde a retirada de Mathias de Albuquerque até á acclamação de D.

João IV no Brasil 1635-1641”, “O Estado do Maranhão e as diversas capitanias da

Bahia para o Sul, desde a primeira invasão dos hollandezes até a regeneração de

Portugal 1624 – 1641”, “Guerra hollandeza: desde a acclamação de D. João IV até o

rompimento da insurreição pernambucana 1641-1645”, “Guerra hollandeza: desde o

rompimento da insurreição pernambucana até a primeira batalha dos Gararapes 1645-

1648”, “Guerra hollandeza: desde a segunda batalha dos Gararapes até o tratado de paz

celebrado entre Portugal e a Hollanda 1648 – 1661”, “Reformas e desenvolvimento da

administração civil e religiosa no Brasil – Questões sobre os índios, campanhia de

commercio do Maranhão. Revolta de Beckman 1652-1685”, “Destruição dos Palmares

– Guerras civis dos Mascates em Pernambuco, e dos emboabas, em Minas 1687 –

1714”, “Fundação da colônia do Sacramento – Effeitos da guerra da Sucessão da

Hespanha no Brasil – Lutas com os hespanhões do Sul – Dous ataques do Rio de

Janeiro pelos francezes 1678-1750”, “Desenvolvimento e progresso do Brasil no

reinado de D. João V 1706-1750”, “Reinado de D. José I – Questões e lutas no Sul do

Brasil – Jesuítas e sua expulsão – O marquez de Pombal – Tratado de Santo II defonso

1750-1777”; “Primeiras idéas de independencia do Brasil – conspiração mallograda em

Minas Geraes – O Tira-dentes 1786 – 1792”, “Transmigração da familia real de

Bragança para o Brasil-séde da monarchia portugueza no Rio de Janeiro 1807-1815”,

“Guerra com os hespanhões ao sul, e como os francezes ao Norte do Brasil 1801-1821”,

“Revolução de Portugal em 1820: seus effeitos no Brasil – Regresso da corte

portugueza para Lisboa 1820-1821”, “Primeiros mezes da regência de D. Pedro no

Brasil 1821”, “Desde o dia do “Fico” até o dia do Ipiranga 1822”, “Acclamação e

coroação do primeiro imperador do Brasil Guerra da independência 1822-1825”,

“Indice chronologico da historia do Império do Brasil Reinado do Imperador D. Pedro

I”, “Índice chronologico da historia do Império do Brasil menoridade do Imperador o

Sr. D. Pedro II”, e por último, “Índice chronologico da historia do Império do Brasil –

Reinado de S. M. I. o Sr. D. Pedro II. Desde a declaração da maioridade do Senhor D.

Pedro II até o anno de 1852”. Como o próprio autor exemplifica, cada uma de suas 39

lições eram formadas por explicações referentes ao tema em questão, perguntas e

“quadros synopticos” nos quais as lições dadas apareciam de forma resumida.

Segundo Macedo, em trabalhos deste gênero, o método era de essencial

importância. Contudo, é possível fazer uma outra leitura deste “método”, a de que a

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134 existência desses resumos, perguntas e quadros, possuía um outro objetivo, que seria

o de se tentar obter o maior controle possível do professor, que encontraria no livro, um

guia “completo” para condução de suas aulas, já que, como explica o própria autor,

Um menino que tem decorado uma lição nem por isso sabe a lição. Para que a saiba é indispensável que comprehenda o que exprimem, o que significão que repetio de cor: por esta razão mesma annexamos no nosso compendio a cada lição algumas explicações, que o professor deve completar ajuntando a essas tantas outras quantas forem necessárias. Depois de bem comprehendida assim a lição, as perguntas destacadas põe em proveitoso tributo a attenção, e a reflexão dos meninos, e enfim o quadro synoptico que elles devem reproduzir de cor na pedra ou no papel grava na memória toda a matéria estudada.

Apesar de explicar como o livro deveria ser utilizado para que o aluno pudesse

aprender a lição, o autor não deixa de exaltar a figura do professor, que segundo o

mesmo, “é a alma do livro e não há methodo que aproveite, se o professor não lhe dá

vida, applicando-o com paciência e consciência no ensino”.

Por meio dessas informações é possível perceber que Joaquim Manuel de

Macedo procurava se relacionar bem tanto com os professores, quanto com as

autoridades governamentais, já que ao mesmo tempo fez um livro que buscava um

significativo controle das práticas docentes, o que seguramente agradou ao poder

público, sem deixar de reconhecer o papel dos professores que, neste caso, também

deveriam ser “conquistados” para que seu livro pudesse alcançar sucesso.

3.10 - “Grammatica da língua Nacional”, de Antonio Álvares Pereira Coruja

A análise da “Grammatica da língua nacional” neste estudo deveu-se,

principalmente, a própria autoria da obra, já que Antonio Álvares Coruja, pelos

documentos analisados no AGCRJ, aparece como um dos autores que mais livros

publicou para utilização das escolas da Corte. Na presente pesquisa, foi possível

catalogar cinco obras que, de diferentes maneiras, apareceram nos documentos

referentes à instrução encontrados no AGCRJ: um “compêndio de Aritmética”, “Lições

da História do Brasil”, “Ortografia da língua Nacional”, “Manual dos estudantes de

latin” e, o objeto desta análise, a “Grammática da língua Nacional”. Ao pesquisar

aspectos da vida de Coruja no Dicionário Sacramento Blake (1899), pude constatar que

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135 este autor produziu mais três obras, que se intitulam: “Coleção de Vocábulos usados

na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul”, um “Compêndio de Gramática

Latina do Padre Antonio Pereira de Figueiredo”, e um “Manual de Ortographia da

Língua Nacional”. O fato da obra estudada também ter sido aprovada para uso das

escolas primárias, indica que seu conteúdo estava de acordo com os interesses das

autoridades governamentais, e, neste sentido, cabe investigar as relações que permitiram

a aprovação da mesma.

De acordo com o Sacramento Blake (1899), Antonio Álvares Coruja foi

deputado na Assembléia Provincial do RS, comprometendo-se com movimentos

políticos em 1836, pelo qual sofreu perseguições políticas que o fizeram se mudar para

o Rio de Janeiro em 1837, onde passou a se dedicar ao magistério, estabelecendo um

Colégio de educação secundária para o sexo masculino chamado “Lyceu de Minerva”,

que dirigiu durante quinze anos. Durante o período de 1835 a 1845, houve a primeira

fase da Revolta da Farroupilha ocorrida no RS. Segundo Bastos (2006), “Coruja aliou-

se ao partido dos insurgentes, prestigiando o vice-presidente rebelde Marciano Ribeiro e

opondo-se à posse de José Araújo Ribeiro. Depois da tomada de Porto Alegre pelos

legalistas, foi preso de junho a novembro de 1836, primeiro num quartel, depois no

barco Presiganga e, posteriormente, no Rio de Janeiro. No início de 1837, fugindo à

reação dos “caramurus”, resolveu transferir-se com a família para o Rio de Janeiro,

residindo no Município da Corte até a sua morte, não retornando mais à sua cidade

natal.” (p. 167).

O fato de Coruja ter se colocado contra os revoltosos e a favor do governo do

qual fazia parte, possivelmente, trouxe benefícios para este autor. Como exemplo, temos

o fato de que assim que chegou a Corte, Coruja foi logo assumindo a direção de um

Colégio, bem como o fato de possuir, ao longo de sua vida, uma significativa

quantidade de obras, com uma extensa circulação nas escolas da Corte124, ocorrências

estas que permitem trabalhar com a hipótese das “boas” relações entre o referido autor e

o governo imperial. Outra pista pode ser verificada nas dedicatórias de suas obras. Seu

“Compendio da grammatica da língua nacional”, publicado ainda em 1835, antes dos

acontecimentos que precipitaram sua mudança, foi dedicado à mocidade rio-grandense.

Em contrapartida, em seus outros livros homenageou a mocidade brasileira e o

Imperador.

124 Para verificar a circulação dos livros de Coruja nas escolas da Corte, consultar, por exemplo, os códices, 11.1.5, 11.1.16, 11.2.30, 12.4.3, entre outros.

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136 Pelos títulos das obras de Coruja é possível perceber a grande atenção que

destinou a temas relacionados com a gramática portuguesa, o que pode ser explicado

pelo fato deste autor ter se dedicado ao magistério desta disciplina, juntamente com o

ensino da filosofia nacional e da moral, reforçando o argumento trabalhado neste

estudo, o de que a experiência profissional habilita e credencia os professores para

exercerem a autoria de livros relacionados aos saberes dos docentes. Daí a grande

ocorrência de professores que acabavam produzindo livros sobre métodos que

utilizavam ao exercerem o seu magistério.

Cabe ressaltar que seu livro de “História do Brasil”, também utilizado para o

ensino da leitura, do mesmo modo teve uma significativa circulação nas escolas da

Corte, sendo, inclusive, segundo informações da Comissão de professores públicos de

1873, preferido por parte do professorado.125. Como exemplo da demanda, é possível

encontrar no AGCRJ126 um ofício enviado por Antonio Álvares Coruja ao Conselheiro

da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte. Nele, declara que sendo dois

mil reis o preço estabelecido para cada exemplar encadernado do seu livro História do

Brasil, decidiu abater 20% para os estabelecimentos públicos de instrução, “visto terem

de gastar um número de exemplares mais subido”.

O “Compendio da grammatica da língua nacional” a qual tive acesso no Setor

de Obras Raras da BN, encontrava-se na quinta edição e segundo a mesma, “ampliada e

mais correcta”, tendo sido publicada no ano de 1847 pela Typographia Francesa no Rio

de Janeiro. Com um total de 80 páginas, o livro era dividido em quatro partes, as quais

eram as seguintes: etimologia, sintaxe, prosódia, ortografia, e por último, há uma parte

dedicada às erratas.

Ao fazer análise da obra, não percebi nada que pudesse diferenciar o livro e

fazer com que tivesse um tratamento especial em relação a outros, como de fato parece

ter ocorrido. Para tanto basta lembrar que sua primeira edição deu-se no ano de 1835,

ainda no Rio Grande do Sul, o que evidencia que, com pouco mais de dez anos, já havia

sido publicada, pelo menos cinco vezes, já que a edição aqui analisada era do ano de

1847. O Dicionário Sacramento Blake (1899) indica ainda que suas reedições deram-se

até o ano de 1872, demonstrando sua extensa duração ao longo dos oitocentos, fato que

pode ser explicado pela formação, inserção social, da verdade do livro e de prováveis

“boas relações” deste autor com as instâncias do poder oficial.

125 Neste momento, não foi possível localizá-lo nos arquivos trabalhados. 126 Consultar códice 15.3.19, p. 13.

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137 3. 11 - As Fábulas e suas moralidades

Segundo o Aurélio (2001), fábulas são narrações alegóricas, na qual os

personagens são, via de regra, animais, e que encerram lições morais. Para Smolka

(1994), as fábulas possuem o intuito de “fazer com que os homens efetivamente reflitam

e se conscientizem da incoerência de sua conduta e de seu relacionamento social (...)”.

As mais famosas fábulas existentes são as de Esopo127, seguida das de La Fontaine128

que nele se inspirou. No Brasil do século XIX, Justiniano José da Rocha foi divulgador

dessas pequenas narrações, usadas nas diversas classes de leitura.

Dentre suas muitas funções129, Rocha foi membro do Conselho Diretor da

instrução pública da Corte, sendo possível afirmar, pela ocorrência em documentos

existentes, sua ampla participação nas questões que envolviam a instrução da época.

Relações estas que não podemos desconsiderar pelo fato deste autor possuir duas obras

solicitadas para uso nas escolas, sendo a outra delas denominada “História Universal”.

Em relação às “Fábulas”, como exemplo da sua ampla requisição, temos um ofício

datado de 1857, enviado pelo secretário da Instrução primária e secundária da Corte,

Theóphilo das Neves Leão, ao diretor da Casa de Correção Antonio Maria, no qual o

secretário acusa a recepção de um pedido feito, e comunica o envio de 496 exemplares

deste compêndio para serem encadernados e depois enviados à Casa de Correção. Este

documento evidencia que a solicitação desta obra ultrapassou os espaços escolares,

sendo utilizado em outros locais de ensino. Possivelmente, vários fatores contribuíram

para tão expressiva “aceitação”. Aqui tentaremos problematizar certas questões e

relações que ajudem a melhor compreender tal fenômeno.

De acordo com o Sacramento Blake (1899), a obra possuiu quatro edições,

sendo a primeira publicada em 1852 e a segunda em 1856, sendo esta a adotada para

leitura das aulas primárias do município da Corte. Já sua terceira e quarta edição se

deram em Paris em 1875 e 1895, respectivamente. Para o presente trabalho, localizei no

Setor de Obras Raras da Biblioteca Nacional, a edição de 1852 e outra de 1873, sendo a

data desta última publicação diferente da encontrada no dicionário biobibliográfico. Tal

127 Escravo contador de fábulas na Grécia Antiga, viveu no século VI A.C. 128 Jean La Fontaine (1621/1692) iniciou sua carreira de escritor na França, em 1650, escrevendo peças de teatro. Publicou também, madrigais, baladas, epístolas e elegias. No entanto, se imortalizou com uma forma literária popular, então considerada “menor”, a fábula. 129 Segundo o Dicionário Sacramento Blake Justiniano José da Rocha nasceu em 8 de novembro de 1812 e faleceu em 10 de junho de 1862. Em 1838 foi nomeado professor de História e Geografia do Colégio de Pedro II, tendo pedido a exoneração pouco depois. Além de membro do Conselho Diretor da Instrução Publica da Corte, foi também diretor das aulas de instrução primária, mas foi no jornalismo que se consagrou. Além das Coleções de Fábulas, produziu em 1838 um Compendio de Geografia Elementar que foi aprovado para uso dos alunos do Imperial Colégio de Pedro II, e um Compendio de História Universal.

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138 fato indica que esta obra pode ter sofrido outras edições ainda não cadastradas, o

que expandiria ainda mais seu raio de circulação.

Como já mencionado, a publicação de 1852130 não possuía ainda aprovação para

uso dos alunos das escolas primárias e provavelmente, por isso, traz em suas páginas

iniciais um prefácio do autor, o que não ocorre na edição de 1873. O prefácio justifica a

necessidade da utilização da obra, tentando convencer o leitor de sua importância para a

formação dos meninos. Segundo Rocha (1852), “as fábulas tem por certo grande

merecimento; captivão despertando a curiosidade, toda a attenção do menino,

encrustão-se-lhe na memória, e tanto no theor da vida voltão-lhe em multiplicadas

allusões”. No entanto, o autor critica a tão conhecida coleção elaborada por Esopo, por

possuir:

Uma linguagem confusa, insípida grammaticalmente, irregular; a moralidade que das fábulas deve sahir, sendo como o corollario deduzido pela própria intelligencia de quem a lê, é as mais das vezes tão diversa do apólogo, que o espírito perde-se em buscar-lhe a ligação; e nem sempre é esse o seu maior defeito: lêa-se a primeira dessas fábulas, e ver-se-á que forçoso foi recorrer a qualquer outro livro; outro qualquer era preferível.

Devido a este fato, se propôs dessa antiga coleção de fábulas escolher as

melhores, dar-lhes mais simplicidade, mais movimento na narração, mais justeza na

moralidade, já que se estava tão carente de bons livros. Já a edição de 1873 não possui o

mesmo prefácio, único fator que a diferencia da edição anterior. De formato in-8º,

contém um total de 104 páginas. O título já anuncia que estas fábulas são “imitadas de

Esopo e de La Fontaine”, contendo a dedicatória comum da época, oferecendo-a a

Vossa Majestade Imperial. Esta prática pode ser vista como uma estratégia dos autores

de livros que os ofereciam e faziam elogios a alguma autoridade, com a intenção

demonstra sua integração à política da época, evitar entraves e favorecer a aprovação.

Suas 120 fábulas contêm pequenas histórias de animais nas quais, como nos

alerta Coelho (1995):

O leão ainda é o monarca orgulhoso; a raposa é a astúcia; o rico é gordo; o pobre é magro: a garça é delicada; o coelho, um desmiolado sem experiência; a doninha uma astuta; o gato, um tartufo, gabola; o urso, um rústico cabeçudo e solitário; a cigarra

130 � Esta edição também se caracteriza por ser uma pequena obra, como um livro de bolso, contendo um total de 120 páginas e, 120 fábulas.

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139 vive pelo ideal da arte; a formiga, pelo trabalho incessante; o burro, um fanfarrão; o rato, a esperteza matreira; o corvo, a voracidade; etc., etc.

No final de cada uma dessas narrações, há a principal função da obra, que é a

divulgação da moralidade almejada, sendo esta escrita em letras diferenciadas. O

destaque dado às lições morais das fábulas já ocorria em outras épocas, pois, de acordo

com informações de Smolka (1994), os copistas da Idade Média costumavam escrevê-

las com letras vermelhas ou douradas, enquanto o texto era em preto.

Nos contos curtos, segundo Bittencourt (1993), a caridade, o consolo para com

os pobres, a honestidade, a obediência para com os mais velhos e superiores, o

companheirismo e, sobretudo, o amor a Deus deveria fazer parte da escrita. Estas

narrações eram repletas de situações sentimentais, maniqueístas, onde os bons eram

sempre beneficiados e os maus eram punidos, e os autores esforçavam-se na criação de

uma linguagem que cativasse os jovens leitores. Tais palavras descrevem bem como

eram as narrações de Rocha que, como as de todas as Fábulas, podem ser consideradas

como a representação de determinados comportamentos que se almejavam na formação

dos diferentes sujeitos, nas quais os animais eram usados para representarem as ações

humanas.

É importante destacar que o período estudado é anterior a reforma de Leôncio de

Carvalho ocorrida em 1878, pela qual teoricamente o ensino religioso passou a ser

facultativo nas escolas.

Nesta época, havia uma grande quantidade de livros aprovados que possuía forte

influência da igreja católica, fato que provavelmente colaborou para a ampla circulação

das “Fábulas” que, com sua grande ênfase nos valores morais, contribuíam para a

propagação dos princípios desta igreja. Outra particularidade que nos ajuda a

compreender sua ampla aceitação, é o fato de ser um livro baseado nas obras de La

Fontaine, que era um Francês, já que como nos alerta Bittencourt (1998), Brasil e

França possuíam interesses de ambos os lados para implantação de uma cultura francesa

em terras brasileiras, e a produção do livro didático constitui-se em mais um dos

elementos do quadro de relações culturais entre esses dois países. Motivo este que

também colaborou para uma significativa quantidade de livros traduzidos ou baseados

em obras francesas existentes no Brasil do Século XIX. Rocha cumpriu um papel

importante nessas relações já que, para Bittencourt (1993), o autor limitou-se a resumir

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140 os compêndios franceses, na tentativa de fazer com que os alunos decorassem mais

facilmente o conteúdo.

Temos então, um conjunto de ocorrências como o conteúdo, autor, a linguagem

escrita e mais uma série de relações já indicadas, que ajudam a compreender o porquê

deste compêndio, durante o período estudado, ser tão solicitado, e provavelmente,

dentro de determinadas limitações, utilizado nas escolas primárias da Corte Imperial.

***

Como foi possível observar ao longo deste item, a competência da leitura nas

escolas da Corte, encontrava-se articulada à difusão de outros saberes, como a história,

a gramática, a religião e a moral, por exemplo. Portanto, aprendia-se a ler por meio de

livros de leitura, mas também pelos de história, história sagrada, de gramáticas, de

fábulas, entre outros.

Outra constatação importante, é que a difusão da leitura comporta e recobre a

disseminação de determinados valores que são dados a ver por meio do exame das

matérias escolarizadas e dos livros autorizados. No entanto, ainda que sob este regime

ou devido a ele, também é possível observar uma organização do campo pedagógico,

com o aparecimento de autores e perspectivas distintas em relação ao funcionamento da

escola, seus métodos e saberes. As zonas de tensão evidenciadas no processo de entrada

do livro na escola indicam um caminho que tende a se complexificar ao longo do

tempo, complexidade que atualiza as reflexões acerca da função social da escola, das

competências docentes, e da ação do estado.

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141 IV- LIVROS DE MORAL E RELIGIÃO NA CORTE IMPERIAL

Ao analisar os livros destinados ao ensino da leitura no item anterior, foi

possível verificar que este ensino estava associado à difusão de outros saberes, entre

eles o da moral e religião. Como nos alerta Tambara (2003), nos textos utilizados para a

prática da leitura, dois elementos eram estimulados até meados do século XIX: a

submissão à fé católica e a obediência à ordem representada pelo Estado. (pág. 100).

Havia aqueles, como o inspetor pernambucano João Barbalho Uchoa Cavalcanti

(1879), que defendiam o lugar de destaque que deveria ter o ensino da moral e da

religião na formação dos sujeitos, e por isso, seu ensino deveria se processar por meio

de outras matérias, e entre elas, a leitura e a escrita.

Nesse sentido, como já verificado, o ensino da leitura também recobria,

juntamente com o ensino da técnica de ler, a disseminação de determinados valores

ligados a moral e religião. Com isto, neste estudo sobre o ensino da leitura e da escrita

nas escolas primárias da Corte, tornou-se necessário analisar os livros destinados ao

ensino da moral e da religião, buscando investigar o consórcio entre leitura, escrita e a

difusão de valores morais e religiosos aos quais a escola se vê associada no período

imperial.

4. 1 – O ensino da moral e da religião

Ao analisar os materiais referentes ao processo de circulação dos livros

escolares, foi possível perceber que o ensino da moral e da religião ocupava um lugar

central nas discussões referentes à instrução. De acordo com Garcia (2005), esta

centralidade pode ser entendida como parte do movimento de construção do Estado

Imperial, no qual era preciso garantir a unidade e integridade do país, e uma das formas

encontradas foi a catequização e evangelização da população, com o intuito de manter

sua religiosidade, “a fim de mais profundamente aproximar a imagem do monarca à de

Deus”. (pág. 56).

Segundo Tambara (2003), “a doutrina político-ideológica adotada pelo novo

império brasileiro não se distanciou das estratégias geo-políticas e, principalmente, dos

procedimentos político-administrativos secularmente adotados por Portugal. Neste

sentido, configurou-se a adoção do sistema de padroado131 com as conseqüentes atitudes

e sanções decorrentes da associação entre Igreja e Estado.” (pág. 99). Uma dessas

131 De acordo com Tambara (2003), esta concordata concedia ao Imperador o poder de aceitar ou vetar as orientações advindas de Roma. Entretanto, esta foi uma questão controversa em todo período imperial.

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142 conseqüências tem efeito nas legislações imperiais, nas quais o ensino da moral e da

religião aparecia como saberes necessários.

De acordo com o artigo 6º da lei geral de ensino de 1827, entre as matérias que

os professores deveriam ensinar, encontrava-se os “os princípios de moral cristã e da

doutrina da religião católica e apostólica romana”. Já de acordo com o regulamento da

instrução primária e secundária do Município da Corte de 1854, no ensino primário

previa-se, em primeiro lugar, a “instrucção moral e religiosa”, podendo compreender

também, “a leitura explicada nos Evangelhos e noticia da historia sagrada”. No

regulamento de 1879, também se previa o ensino da “instrucção moral” e a “instrucção

religiosa”. Contudo, nesta última lei, apesar da instrução religiosa fazer parte deste

currículo, a freqüência era facultativa aos alunos. Tal norma, segundo Schueler (2002),

“foi responsável pela grita generalizada dos setores políticos mais conservadores, até

então dominantes na direção da instrução pública na cidade” (pág. 154), o que fez com

que no ano de 1886 fosse criada uma Comissão para estudar e reformar o ensino

primário e secundário do Município Neutro, que resultou no projeto que ficou

conhecido como “Barão de Mamoré”.

Ainda de acordo com Schueler (2002), pela reforma do “Barão de Mamoré”, o

programa do ensino primário, inclusive em relação ao ensino da moral e da religião

deveria continuar o mesmo estabelecido há 30 anos, já que:

Unidas em uma única matéria de ensino, o desenvolvimento da moralidade pública e do sentimento religioso seria uma função da escola primária. A proposta de 1886, no tocante à liberdade religiosa, pretendia revogar os princípios liberais da reforma de 1879. Manter a religião como disciplina obrigatória nas escolas públicas primárias não significava unicamente a preservação de um privilégio da Igreja e dos clérigos no âmbito da educação pública. A difusão da instrução moral e religiosa buscava, sobretudo, evitar o naufrágio das melhores crenças. (pág. 64)

Por meio da disputa em relação aos saberes ensinados via escola, com

rebatimento na legislação que regia a instrução primária e secundária do Município da

Corte, podemos perceber um privilegiamento do ensino da moral e da religião, que

deveria ter uma forte presença no ensino elementar. Tal fato pode ser entendido pelos

próprios objetivos dos representantes do poder na época, já que, entre as finalidades da

escola primária constava não somente o ímpeto de alfabetizar a população, mas também

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143 o de, entre outras finalidades132, difundir a fé cristã, notadamente a religião do

Estado, ou seja, a católica. (Schueler, 2002).

Uma das formas encontradas para difundir os princípios e normas da igreja

católica via escola, se deu por meio da elaboração e uso de livros que acabou por se

constituir em um dos principais instrumentos para a escolarização dos saberes

religiosos. De acordo com Tambara (2003a), na tentativa de garantir um maior controle

sobre as lições dadas, os manuais escolares eram submetidos a um violento processo de

censura doutrinária, o que na Corte pode ser facilmente percebido pelas medidas de

avaliação das obras. No caso dos livros destinados ao ensino da religião, para serem

aprovadas para uso nas escolas, eles deveriam ser previamente aprovados pelos bispos

diocesanos133.

Ainda de acordo com Tambara (2003a), a legislação também prescrevia sanções

para aqueles que, eventualmente, violassem os preceitos da igreja católica. Como

exemplo, o autor nos apresenta o artigo 5° da carta de Lei de 2 de Outubro de 1823, na

qual o governo aponta as penalidades:

Todo aquelle que abusar da liberdade da Imprensa contra a Religião Catholica romana, negando a verdade de Catholica romana, negando a verdade de todos ou alguns dos seus dogmas falsos, estabelecendo e defendendo dogmas falsos, será condemnado em hum anno de prisão e 100$rs; e se o abuso consistir em blasphemar ou zombar de Deos, dos seus santos, ou do culto religioso, approvado pela Igreja Catholica, terá a pena de 6 mezes de prisão e 50$rs. (Legislação, 1846:136, In: Tambara, 2003a, pág. 100)

No período estudado, o apoio ao ensino da moral e da religião era algo regular

nos discursos dos sujeitos envolvidos com a instrução. No ano de 1839, no relatório do

Ministro do Império Francisco Ramiro D’Assis Coelho, é possível perceber como esse

“apoio”, se manifesta:

(...) finalmente a Lei incumbe aos Professores o ensino da Grammatica da Língua Nacional, e os princípios da Moral

132 Segundo esta autora, entre as outras finalidades da instrução primária, encontrava-se as sócio-políticas (integrar e socializar os indivíduos, formar cidadãos dóceis e patrióticos), as já mencionadas religiosas, além das funções propriamente escolares de instruir e educar as crianças, mediando-as e preparando-as para as regras da vida social. 133 Na hierarquia da igreja católica, primeiramente, há o Papa, seguido pelos Bispos, que podem ser, Arcebispos residentes e Metropolitanos (cabeças de arquidiocese), Bispos diocesanos (cabeças de dioceses), Vigários e Prefeitos Apostólicos (cabeças de pastorais apostólicas e prefeituras apostólicas), Prelados (cabeças de uma Prelatura) e Administradores Apostólicos (responsáveis temporais por uma jurisdição). Informação retirada do site: http://www.acidigital.com/igreja/index.html

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144 Christã, e da Doutrina da Religião Catholica, e apostólica Romana, e este simples enunciado da Lei basta para se conhecer que huma habilitação mui superior áquella, que se adquire nas Escolas, he indispensável para nellas se ensinar.

Três décadas após a opinião emitida por Coelho, a instrução moral e religiosa

continuava tendo destaque, já que para a Comissão de professores públicos de 1873,

esse seria o estudo mais importante da escola primária. Em 1865, no relatório do

Ministro José Liberato Barroso e do Inspetor Joaquim Caetano da Silva, ressaltava-se a

necessidade de organizar-se um sistema de ensino, “principalmente na parte moral e

religiosa”, para lhe dar “parte toda a importância que lhe pertence”, pois,

Não basta desenvolver a intelligencia do menino; é preciso formar-lhe o coração e o caracter. Nem por outro modo se póde esperar que melhorem e se firmem os costumes de um povo.

Para Liberato Barroso, em sua obra “A instrução Pública no Brasil” de 1867, “A

organisação da instrucção publica liga-se como a sua parte mais importante o ensino

religioso” (Pág. 16). Contudo, para o mesmo, esse ensino, “tem sido desgraçadamente

entre nós quase completamente abandonado”. (pág. 16). Com uma forma de

valorização e melhor formação dos membros dirigentes da igreja, Barroso propõe a

criação de faculdades para o clero que, assim, teriam uma melhor habilitação para

cumprir sua missão. O autor expunha que:

Chamo a attenção do nobre ministro do Império para o estado do Clero brasileiro. O que entende o nobre ministro, que deve fazer o governo para melhorar a condição do clero? Lembro-me de que o governo está autorisado para estabelecer no Império Faculdades ou Academias theologicas/; pretende o nobre ministro usar desta autorização? Não entende S. Ex. ª, que é tempo de dar ao clero brasileiro a instrucção superior, que o habilite á cumprir a sua alta missão? Não entende o nobre ministro, que é tempo de habilitar o clero brasileiro a servir bem ás Dioceses, aos Bispados, em que se acha dividido o Imperio, e que, no meo entender, devem ser augmentados? (1867, pág. 16)

Torna-se curioso na exposição de Barroso, a cobrança feita ao então Ministro

dos Negócios do Império, José Joaquim Fernando Torres, já que ele mesmo havia

ocupado este mesmo cargo dois anos antes da publicação desta obra, ou seja, 1865.

Algumas autoridades governamentais do XIX posicionavam-se em favor de mais

espaço para a religião nas escolas, defendendo que houvesse uma maior intervenção dos

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145 membros da igreja católica no ensino. O regulamento de 17 de fevereiro de 1854, ao

instituir a regra de que os livros destinados ao ensino religioso deveriam receber a

prévia aprovação do bispo diocesano, necessitava-se também impor “algum dever” ao

próprio Estado. Como exemplo, o Ministro do Império Sérgio Teixeira de Macedo, em

relatório produzido no ano de 1858, assinalava que:

Entretanto eu creio que seria conveniente impor-lhes a este respeito algum dever, para dar assim mais algum alento e unidade á parte religiosa da educação primária, que é a verdadeira base da moral social. Sem um bom pessoal a educação nunca será boa; e esse bom pessoal só apparecerá quando as vantagens do professorado fôrem reais e palpáveis.

A idéia trazida por Macedo em 1858 também era partilhada pelo colega de pasta,

o Ministro dos Negócios do Império, José Carlos Pereira de Almeida Torres que, em

relatório de 1841, alertava:

Com quanto seja muito útil a instrucção Religiosa dada aos meninos, e às meninas pelos Professores, e Professoras da Instrucção Primaria, comtudo nem estes funcionários tem os precisos conhecimentos para desempenharem plenamente tão importante missão, nem estão revestidos do caracter Sacerdotal, que dá a Doutrina certa autoridade, que poderosamente contribui para ser respeitada, e ficar gravada no coração dos meninos.

Como é possível de se perceber pelo relato de Torres, a incapacidade dos

professores era a justificativa utilizada como defesa da maior participação dos membros

clericais nas salas de aula, já que os mestres não teriam a formação necessária para tal

função. Este argumento também foi utilizado pelos que defendiam o inverso, ou seja, a

saída do ensino da religião das escolas, como veremos mais adiante, e que se utilizavam

da mesma justificativa como forma de sensibilizar as autoridades religiosas para que

tomassem as providências necessárias, pois, provavelmente, não gostariam que

houvesse uma má aplicação de suas doutrinas.

Cabe ressaltar que apesar das críticas referentes à falta de preparação dos

professores para conduzirem as aulas de religião, a igreja católica também interferia na

escolha destes professores, por meio dos exames de ingresso. Para Garcia (2005),

(...) é importante lembrar a relevância do aspecto religioso considerado no ingresso ao cargo de professor primário, o que dá sinais da disposição do Estado em divulgar a religião católica e da força da igreja que, deste modo, ocupa uma parte decisiva

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146 do funcionamento do equipamento escolar. Além das provas de Doutrina Cristã e História Sagrada, os / as candidatos ao magistério deveriam apresentar por ocasião da inscrição, um atestado da igreja e da polícia, confirmando a sua boa conduta moral. Esta última exigência, também é pré-requisito para a realização dos concursos para professores das escolas de ensino superior.134 (pág. 77)

Tal prática se constitui em um indício adicional do poder da igreja católica no

século XIX. Havia também os que defendiam uma maior participação dos membros da

igreja católica nas inspeções das escolas, como o Ministro Antonio da Costa Pinto, que

em seu relatório do ano de 1877 defendia a seguinte idéia:

Chamo também a attenção de V. Ex. para as idéas aventadas ácerca da associação dos parochos à inspecção das escolas e collegios, no intuito de dar mais algum alento e unidade á parte religiosa da educação primária, que, sendo a verdadeira base da moral social, merece sem dúvida toda a consideração daquelles que sinceramente desejão aproveitar de seus reconhecidos benefícios.

De acordo com Borges (2008), a idéia dos párocos participarem da inspeção das

escolas estava atrelada ao ideal de civilização e também à questão econômica, já que

consistia em uma opção barata para a época, diante dos parcos recursos destinados ao

funcionamento das escolas135. Assim, a igreja que também se pauta pelo aspecto

disciplinador, funcionaria como uma aliada na vigilância e controle das escolas e

professores e seus membros poderiam exercer voluntariamente a função de delegados.

Porém, nem todos compartilhavam plenamente da opinião de que o ensino da

moral e da religião deveria ser dado na escola, defendendo que acontecesse no “seio da

família”. Sobre esta questão, o Inspetor Geral Joaquim Caetano da Silva, no ano de

1864, defendia que:

A mãe de família e o sacerdote são os obreiros deste trabalho, eminentemente civilisador: é do concurso desses dous esforços, fracos e modestos em sua apparencia, mas fortes e sublimes em seus magníficos resultados, que se póde esperar a regeneração nas sociedades christãs.

Por meio da posição de Joaquim Caetano da Silva, podemos perceber que para

o Inspetor, juntamente com o sacerdote, representante da igreja, a mãe seria responsável

134 Para saber mais sobre os processos de seleção de professores no século XIX, cf. Garcia (2005). 135 De acordo com Carvalho (2007), os párocos recebiam na década de 1870 um salário equivalente ao do proletariado burocrático.

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147 pela educação moral e religiosa de sua família. Opinião compartilhada também por

Barroso (1867). Para ele:

O ensino religioso, dirigido pelo ministro do culto, depositário das singelas verdades da revelação, e os conselhos maternos, transmitidos nas ternas expansões do mais puro e mais acrisolado amor debaixo da inspecção zelosa e esclarecida da autoridade paterna, são as condições essenciaes de uma bóa organização da família. São o padre e a mãe de família os obreiros desse progresso moral, que se estende além dos limites naturaes do ensino. A Providencia enriqueceo a natureza da mulher de dotes, que, desenvolvidos no seio da família, lhe garantem uma autoridade, de que não é capaz o simples desenvolvimento do espírito. (pág. 33)

Tais opiniões faziam parte de um discurso difundido na época136 pelo qual se

atribuía a centralidade e a responsabilidade pela formação dos filhos às mães, seja pelos

conselhos e lições, seja pelos bons exemplos, já que aos pais caberia a função de

provedor da família. De acordo com Gouvêa (2003), o papel de formação das novas

gerações, tanto no interior do espaço doméstico, quanto nos espaços formais de

educação, foi sendo naturalizado como atribuição feminina, associado ao exercício da

maternidade. A mulher, portanto, deveria assumir o papel de agente civilizatório,

formando as novas gerações.

A defesa da educação moral e religiosa dada principalmente pelas mães de

família, partilhada por defensores da institucionalização escolar evidencia a proposta

existente de parceria entre escola e família, já que esta última poderia contribuir, desde

que bem instruída, com o projeto de controle dos diferentes sujeitos por meio de uma

educação moralizada. Na parceria Estado-família, a mulher-mãe, seria uma forte aliada

das autoridades governamentais na educação a ser desenvolvida no espaço da casa,

principalmente a das crianças, reiteradamente representadas como “o futuro da nação”.

Contudo, havia os que eram contrários a essa idéia, como os membros da

Comissão de professores públicos de 1873 que, apesar de se colocarem a favor da

educação moral e religiosa “no seio da família”, não considerava que a família estivesse

preparada para tal função:

136 Idéia divulgada também em livros escolares, como os de Francisco Alves da Silva Castilho, em sua obra “O principio da sabedoria é o temor de Deos”, como veremos no item 4.4 deste trabalho; e de Abílio César Borges, que em seu “Quarto livro de leitura”, tem um dos seus capítulos, intitulado “Família”. Para saber mais sobre este assunto, cf. Teixeira (2008).

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148 (...) é verdadeiramente no seio da família que o menino póde adquirir a sã moral e os princípios religiosos, que serão mais tarde o elemento principal da sua felicidade. A lição do bom exemplo, constantemente repetida e inoculada no animo infantil, os actos religiosos diurnamente aconselhados e praticados na família, aproveitam mais do que todos os conselhos, lições e exemplos, que, por ventura, o mestre lhe possa dar na escola. Infelizmente a quase generalidade das crianças que freqüentam a escola publica, pertencem á parte menos bem aquinhoada da população, quer pelo lado da fortuna quer pelo da educação. Entre nós, em regra geral, o rico paga a um mestre, que vem dar em casa o primeiro ensino a seu filho; o remediado manda os filhos para o collegio particular onde recebem a instrução primaria e secundaria, o pobre esse é que se utilisa da escola publica, e são justamente esses os meninos que não primam pela educação, e que poucas vezes encontram na família os elementos necessários para a formação de um bom caracter moral e religioso. Para esses, principalmente, a escola significa educação e instrucção; quanto a elles o mestre alem dos preceitos moraes e religiosos que lhes ensina, do bom exemplo que constantemente lhes deve dar, tem ainda de combater as perniciosas influencias da familia e lutar incessantemente contra a indifferença quando é contra as perigosas e deletérias lições bebidas no lar doméstico. O professor primário não só deve ensinar, com dedicação, os innocentes ignorantes que lhe são confiados, mas edificar com o seu procedimento de todos os dias, de todos os instantes, os jovens corações, que tanto precisam de bom sangue, de vivificante seiva. A comissão sente dizel-o: a educação moral e religiosa, propriamente dita, poucos elementos de desenvolvimento encontra nas nossas escolas: curando só da instrucção , em geral, o mestre cuida pouco desse importantíssimo dever do seu sacerdócio magistral.

Imputando um caráter pernicioso às famílias populares, a Comissão de

professores públicos considerou a educação doméstica prejudicial às crianças pobres,

para quem o ensinamento moral e religioso, ministrado pelos professores nas escolas

públicas, seria imprescindível. Portanto, para as classes pobres, as instituições de ensino

não se destinavam apenas a instruir, mas, sobretudo, a educar, incutindo normas de

comportamento, hábitos e determinados valores culturais em detrimento da cultura e

dos valores das próprias camadas populares. A intervenção do Estado nas famílias

populares – e, é evidente, através da nobre função do magistério - era referendada e

justificada pela comissão de professores. Desta forma, uma das motivações para a

interferência do governo na organização familiar da população pobre se justificava, na

visão dos relatores, pelas próprias “necessidades” sociais desses setores.

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149 A referida Comissão também criticava o modo como o ensino moral-

religioso acontecia nas escolas ao relatar que “(...) poucos elementos de

desenvolvimento encontra nas nossas escolas: curando só da instrucção, em geral, o

mestre cuida pouco desse importantíssimo dever do seu sacerdócio magistral”. Como é

possível perceber, na opinião da Comissão, novamente a responsabilidade pela

superação dos problemas com o ensino destes saberes recai sobre a figura do professor.

Outros representantes do poder também criticavam a maneira como o ensino da

religião era conduzido nas escolas, devido a pouca importância que lhe era dada, como

foi possível perceber pela análise dos relatórios dos ministros do Império e da

Inspetoria. O Ministro Paulino José Soares de Souza, por exemplo, achava que seria na

“primeira infância que se inoculão mais proficuamente os sentimentos religiosos que

acompanhão o homem até a morte (...)”. Para este ministro, o ensino religioso praticado

nas escolas deixava muito a desejar, pois,

Nas escolas quasi que não se lhe da a importância. Em um paiz catholico, como o nosso, a parte capital da educação publica deve ser o ensino da doutrina da igreja em cujo seio vivemos. Quanto mais viva brilhar no coração do povo a chamma da fé religiosa, mais segura será sua moralidade, maior o respeito às leis, menos a necessidade de repressão.

Na Conferência pedagógica de 1872, o primeiro ponto colocado para os

professores questionava-os sobre como se dava, entre outras matérias, o ensino da

“instrucção moral e religiosa”.

Thereza Leopoldina de Araújo e Augusto Candido Xavier Cony foram suscintos

em suas respostas. A primeira, lamentando a falta de compêndios de moral e, o

segundo, recomendando os livros que considerava apropriados para o ensino, sendo

estes, o “Pequeno Cathecismo do Dr. Toscano” e o “Cathecismo do Dr. Fernandes

Pinheiro”137. Já outros, como Carlos Augusto Soares Brazil e Francisco Alves da Silva

Castilho, estenderam-se um pouco mais nas respostas, opinando também acerca de

como este ensino deveria se dar.

Para o professor Brazil, neste ensino o professor deveria aproveitar os fatos da

vida humana e os assuntos da leitura para “inocular no espírito do menino os preceitos

moraes”. De acordo com o mesmo, o “methodo Midosi”, era o melhor que conhecia, e

por isto, propunha sua adoção nas aulas públicas, pois este seria o melhor “uma vez que

137 Livro analisado no item 4.3 deste trabalho.

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150 se lhe tirem certas lições que julga ociosas”. Para ele, a educação moral se daria pelo

bom exemplo, preceitos e livros, e, “não póde ser restricta a lições classificadas”.

O professor Castilho considerava que o estudo da instrução moral e religiosa,

deveria ser dividido em duas partes, uma que se dirige ao coração e a razão, e outra “á

memória do menino”, sendo a primeira

“ensinada e inoculada pelos paes, pelos mestres, pela leitura de obras apropriadas, de bons exemplos e, a segunda pelo estudo do cathecismo, não sendo o actualmente dados nas escolas o livro mais apropriado em razão de sua extensão”.

Cabe ressaltar que, como já visto, o professor Castilho escrevera, entre outras

obras publicadas, o livro “O principio da sabedoria é o temor de Deus”, de 1872, o qual

analisaremos no item 4.4. Assim, as críticas ao catecismo adotado nas escolas também

podem ser entendidas como uma tentativa de desmerecimento do que vinha se fazendo e

um mecanismo de divulgação da obra de sua autoria.

A respeito das opiniões dos professores, o inspetor geral da instrução de 1875,

Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello percebe que alguns entendiam que ela

não deveria figurar no quadro das matérias, pois o professor deveria aproveitar todos os

fatos que ocorriam nas aulas e as passagens adequadas para, a partir delas, ensinar os

preceitos morais aos meninos. Já outros entendiam que deveria haver livros especiais

dessa matéria e que ela deveria ser mantida na grade de saberes a serem escolarizados.

Devido às divergências, Homem de Mello se pronuncia a favor de uma combinação

desses dois expedientes, defendendo que:

(...) haja um livro apropriado (alguns propõem o livro do Sr. Professor Mesquita) mas aproveite o professor todos os meios para gravar na alma infantil o amor do bem e a pratica da virtude; para mim é esse um dos fins mais importantes da escola primaria porque forma o coração e contribue poderosamente para a felicidade do homem e da sociedade

No comentário de Homem de Mello, é possível perceber claramente sua

intenção de agradar ambos os lados, já que não se posiciona a favor de nenhum dos

grupos de professores, sugerindo, então, uma combinação das opiniões, um “acordo” na

maneira de se ensinar a moral e a religião. Tal atitude pode ser entendida como uma

forma de não criar atritos com os professores, mantendo-se assim, “imparcial” frente às

divergências.

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151 Homem de Mello registra ainda que, a maioria dos professores se

pronunciaram contra o catecismo adotado no período, por ser “demais extenso”. Diante

da queixa, sugere sua substituição pelo do “Reverendíssimo Cônego Fonseca Lima,

Bispo do Pará, cuja história sagrada poderia também ser adoptada com muita vantagem

nas escolas primarias, vantagem que cresceria de ponto seguindo-se o alvitre que

proponho (...)”. Sobre o livro de moral e de deveres de civilidade propõem o do Senhor

Mesquita, informando que, naquele momento, ele seria submetido ao Conselho Diretor

“para sobre elle interpor o seu parecer”. Relata ainda que,

Entendo que deve haver nas escolas um livro apropriado para o ensino em questão, o que não dispensa que o professor aproveite todos os incidentes para incutir no ensino dos alumnos os sãos preceitos da moral e da religião e o amor da virtude; no meu entender o professor primário deve primeiro que tudo ser educador, e nos factos quotidianos da escola elle encontra vasto campo para esse precioso ensino. Se o livro do professor Mesquita reunir, como é de esperar, todos os predicados necessários, deverá ser adoptado de preferência a outro qualquer não só por ser trabalho de um professor brazileiro, o merecedor de animação e apreço, como por ser proposto por outros membros do magistério primário.

No que se refere ao método de ensino de moral e religião, o ministro não

transige na defesa de sua necessidade, ao mesmo tempo em que defende o livro do autor

nacional, sobretudo, quando este era recomendado pelo pares.

O Inspetor pernambucano João Barbalho Uchoa Cavalcanti também elege o

ensino da moral e da religião como os primeiros saberes para integrar a segunda parte

de seu livro, na qual aborda os “Processos e Methodos” de ensino. Primeiramente,

Uchoa Cavalcanti elabora algumas críticas no que se refere à maneira como esta

disciplina é trabalhada nas instituições de ensino. Para ele, este ramo do saber escolar

apresenta-se, no geral, apenas como “um exercício de memória”, uma observação

“incabida”, visto que:

(...) é esse um deposito que não a memória só mas o coração principalmente há de recolher, si se quer produzir uma impressão salutar e duradoura. Do contrario o resultado será o dos exercícios puramente mnemônicos, que não só são em prejuízo do desenvolvimento harmônico das faculdades, como também apagam-se em pouco tempo, pousando o esquecimento sob as ruínas da memória. (pág. 79)

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152 De acordo com Uchoa Cavalcanti, por meio da memorização, o menino

entenderia esse ensino como simples matéria de estudo ou obrigação escolar e não uma

norma segura para suas ações futuras. A repetição poderia causar tédio, o que seria um

dos maiores inimigos da instrução. Juntamente a este fato, havia observado em suas

visitas que este ensino era dado ocasionalmente, de par com outros assuntos, e não uma

instrução propriamente moral.

Segundo o Inspetor, preleções, práticas, leituras bíblicas explicadas pelo

professor, exercícios de piedade e conferências seriam indispensáveis ao que ele chama

de ensino religioso verdadeiro. Para ele, o ensino da moral também poderia ser

desenvolvido por meio de outras matérias de ensino, principalmente pela leitura feita

em bons livros e comentadas pelo mestre, fábulas bem escolhidas, contos morais,

provérbios e episódios históricos. Seria necessário também provocar a ocasião para esse

ensino e não deixar passar sequer um dia sem essas lições.

Posterior a estas reflexões acerca dos saberes religiosos e morais, Uchoa

Cavalcanti recomendava três livros para utilização nas escolas. São: “O Caráter” e “O

poder da vontade” – ambos de Samuel Smiles, e “Os contos Moraes”, do Cônego C.

Schmid. Estes representavam, segundo análise do Inspetor Pernambucano, verdadeiros

códigos de moral, comentados com exemplos históricos, que possuem uma linguagem

simples e insinuante, e que inspirariam os mais belos sentimentos.

Por meio do relato de Uchoa Cavalcanti, da Comissão dos Professores Públicos,

dos Ministros do Império, dos Inspetores da instrução, bem como dos professores que se

manifestaram acerca do ensino da moral e da religião, é possível perceber a importância

atribuída a esta matéria. Não por acaso, as intensas discussões causadas sobre a melhor

maneira de se trabalhar com os princípios a ela associados, seja na escola, na igreja, ou

na família, seja utilizando-se da memória ou dos fatos do dia- a- dia, seja com um

momento específico, ou de par com outros assuntos. O que estava em pauta, era sempre

a melhor maneira de se aproveitar os benefícios por ela trazidos, o que se encontra

articulado e integrava um projeto civilizatório mais geral. Como acentua Borges (2008),

a religião católica e seu projeto de formação de fiéis não se limitou a uma ação junto a

professores e alunos, no interior das aulas. Os representantes da igreja católica também

participaram da maquinaria de inspeção da instrução da Corte, acentuando a força com

que procurou estar presente na organização e funcionamento da escola.

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153 Segundo Gondra e Schueler (2008)138, durante todo o século XIX houve uma

articulação generosa e continuada entre a Igreja Católica e o Estado, implicando no

pagamento dos ordenados de religiosos, sua contratação, construção de templos,

imposição do ensino religioso nas escolas, dentre outras medidas. Estes autores

assinalam que:

(...) a Igreja se organizou por dentro do aparelho do Estado, marcando uma relação de mútua cumplicidade que, deste então, vem sendo mantida. Não é gratuito, apenas a título de curiosidade, que a Constituição de 1824 tenha sido feita “em nome da Santíssima Trindade” e a última Constituição, de 1988, tenha sido promulgada “sob a proteção de Deus”. Este tipo de vínculo esteve ausente apenas na Constituição republicana de 1891 e na de 1937. No entanto, o Art 133 desta última prescrevia que o ensino religioso poderia ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias, sem que fosse constituído objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos. (pág. 7)

Apesar da aliança entre a Igreja Católica e o Estado, e de sua forte presença na

escola elementar do século XIX, nem todos eram a favor dessas relações. De acordo

com Tambara (2003a), “Em meados do século XIX, observou-se a consolidação de um

forte movimento anti-clerical que visava retirar o poder da igreja nas salas de aula.”

(pág. 102). No relatório dos ministros do Império e da Inspetoria do ano de 1841, por

exemplo, encontramos referência a essas discussões, como no relato de José Carlos

Pereira de Almeida Torres,

As ideias de illimitada liberdade Religiosa, que a tantas calamidades derão origem, vão felizmente desapparecendo, e o governo confia que os virtuosos, e illustrados Prelados Brasileiros não deixarão de aproveitar as felizes disposições, que começam a assomar nos povos, para firmarem nos corações delles a salutar doutrina do Evangelho, lembrando aos Parochos de suas Dioceses a obrigação, que a este respeito, lhes e imposta pelo Consilio Tridentino.

Apesar de Torres assinalar que as idéias de liberdade religiosa estavam

“felizmente” desaparecendo, neste estudo não foi possível comprovar tal constatação,

muito pelo contrário.

138 Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. SP: Cortez, 2008. (no prelo)

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154 Isto não significa que não tenha havido defesas voltadas para laicização do

ensino público. Barroso (1867), por exemplo, era um dos defensores da secularização da

escola. Segundo o autor,

Confiar ao mestre de eschola o ensino dogmático é excluir delle todos os meninos, que não pertencem á mesma seita: sugeitar a eschola á inspecção e direcção do clero é impossível; por que seria necessário, que fossem tantos os mestres, quantos as seitas, ou que muitos fossem excluídos do ensino. Secularisar a eschola é o único meio de resolver a difficuldade no seio da família e na Igreja, na eschola, se for conveniente, mas em horas distinctas dos trabalhos escholares, deve a mocidade receber o ensino religioso: e é o ministro do culto o competente para desempenhar este dever. Os grandes principios da moral christã podem, e devem ser ensinados nas escholas pela palavra e pelo exemplo. A eschola porem não deve ser sectária de um culto especial. O ensino dogmático, esse thesouro de crença, com que se deve enriquecer a natureza do menino, é obra da educação, cujos obreiros são o padre e a família. (pág. 14)

As divergências foram acirradas pelos republicanos, que defendiam a “liberdade

religiosa”. Republicanos como Antonio Almeida de Oliveira, que em seu livro “O

Ensino Público”, de 1873, fazia oposição ao ensino religioso nas escolas, e defendia

assim como Barroso, a idéia de que esta instituição deveria ser secular. Para Oliveira, a

escola secular seria aquela “que ensina a moral nos seus princípios gerais e

independentes de dogma” (pág. 103), e na qual não houvesse “uma dependência do

templo e o professor um auxiliar do sacerdote”. (pág. 104). Segundo o autor, “a escola

secular é uma conseqüência da desejada separação da Igreja e do Estado, e o único meio

de subtrair-se o ensino público à influência de um clero, como o católico, que tanto

hostiliza os princípios da civilização moderna.”. (pág. 104).

De acordo com Oliveira, o homem não deveria aceitar a religião que o Estado

queria lhe ensinar, nem mesmo estando na menoridade. Caberia ao pai de família iniciar

o filho na religião “que melhor lhe parecer, até que este pelo uso da razão possa adotar

definitivamente a que for mais conforme as suas idéias”. (pág. 104).

Segundo Oliveira, o Estado, como instituição política e não religiosa, não teria

condições de oferecê-la, já que, havia uma diversidade de cultos no Brasil. Deste modo,

o Estado excederia o seu poder, “visto que a ninguém se pode impor esta ou aquela

religião.” (pág. 110). Para Oliveira, seria do interesse da própria religião que ela fosse

ensinada na igreja e não na escola, pois,

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Dadas na igreja pelo sacerdote as lições de religião participam do caráter sagrado do lugar e do mestre, e se gravam no espírito do menino com toda a autoridade do culto, de que elas fazem parte. (pág. 108)

Deste modo, os sacerdotes é que deveriam se encarregar do dogma da igreja,

pois os professores nas escolas não teriam a mesma formação e capacidade, e o Estado,

que repousaria na razão, se ocuparia somente da moral, que deveria ser a base de todas

as religiões. Para o autor, “A moral fundada na natureza humana, na existência de Deus

e nas virtudes sociais e domésticas, que levam o homem a amar o trabalho, a honra, a

família, a liberdade, o próximo e a pátria (...)”. (pág. 109).

Oliveira propunha que o Estado fundasse escolas religiosas, ou seja, de diversas

religiões, pois assim cada um procuraria a que quisesse, evitando os inconvenientes da

falta de liberdade religiosa e dos problemas causados pela falta de formação específica

dos professores civis, reclamação esta constante, como foi possível de se observar pela

exposição nos relatórios analisados.

As idéias presentes no livro de Oliveira são condizentes com as propostas do

grupo que representava, os republicanos, fazendo, por isso, a todo o momento, ao longo

de sua obra, críticas a maneira como a instrução se encontrava. Tais críticas tinham o

intuito de denunciar a ineficácia do regime monárquico, e de produzir a idéia da

República como o único caminho para a transformação dos males encontrados na

educação brasileira. Contudo, como nos alerta Almeida (2005), “é possível pensar que,

no contexto de emergentes transformações sociais, políticas e jurídicas, o livro de

Oliveira estaria representando mais uma estratégia utilizada na conversão do Império do

Brasil em República brasileira, porém, nos moldes que convinham aos interesses da

aristocracia, impossibilitando que tais mudanças trouxessem verdadeiro ganho social

para a parcela da população que permaneceria excluída desse processo”. (pág. 53).

As disputas entre os diferentes grupos que se esforçavam para garantir o controle

do espaço e difusão de suas idéias, ditas opostas, também se refletiam na produção de

livros escolares, um dos efeitos desta divergência. Como assinala Tambara (2003a),

“(...) paulatinamente, no final do século XIX, se consolida um sistema dual em termos

de textos escolares infantis no qual as polaridades são as orientações religiosas católicas

e as seculares liberais. (pág. 109). De um ou de outro modo, este saber se encontrava

associado à difusão da leitura.

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156 4.2 – Os livros de moral e religião

Ao analisarmos os materiais do AGCRJ referentes à circulação dos livros nas

escolas da Corte, é possível perceber uma significativa quantidade de livros que se

destinava ao ensino da moral e da religião. Como nos alerta Tambara (2003a), o campo

da doutrina cristã, sem dúvida, era bastante disputado pelas editoras e eram muitas as

edições destinadas às aulas. Até o momento, pude catalogar 40 obras destinadas a este

ensino na Capital do Império, como se pode observar na lista de títulos e autores:

Tabela XII - Livros destinados ao ensino da moral e da religião – Séc. XIX

Livros do ensino da moral e da religião Autor Apontamentos religiosos Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro A creação do mundo, ou a explicação da obra dos seis dias

Francez Duques e Dasfeld – traduzida por Henrique Velloso d’ Oliveira

Cathecismo Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro Cathecismo Montpelier Cathecismo brazileiro Cypriano Antonio dos Santos e Silva Cathecismo christão Anastácio Diomedes Cyriaco,

traduzido por J. B. Gonçalves Campos Cathecismo christão Elisa Tarmer Cathecismo da associação católica ----------------- Cathecismos de Fleury Traduzido por Joaquim José da Silveira Compendio da doutrina cristã Antonio Maria Backer Compendio de civilidade christã Reverendo Bispo do Pará Compendio de doutrina christã José Dias da Cruz Lima Compendio de Doutrina Cristã na língua portugueza

Joam Phelippe Betendorff

Doutrina christã José João de Povoas Pinheiro Entretenimento sobre os deveres da civilidade

Guilhermina de Azambuja Neves

Epítome histoire sacré Traduzido por Antônio de Castro Lopes

Estudos moraes Luiz Francisco da Veiga Estudos moraes do amor... Ao amor de Deus

Francisco Ignácio Homem de Mello

Fábulas Justiniano José da Rocha Florilégio para infância João Rodrigues da Fonseca Jordão Grammatica do espírito Professor Peleisier Harmonias da criação Caetano Lopez de Moura História sagrada Antonio E. da Costa e Cunha Missão de christo Monsenhor Joaquim Pinto de Campos Historia sagrada Antonio Estevam da Costa e Cunha Historia sagrada Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro Historia sagrada Lisboa Historia sagrada J. J. Roquete Lições moraes e religiosas Jose Rodrigues Rufino

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157 Livro dos meninos Antonio Rego Reflexões moraes e religiosas ------------ Opúsculo de moral religiosa Joaquim Pires Machado Portela O Caracter Samuel Smiles – Traduzido por

Valentina Ljubtschenko O poder da vontade Samuel Smiles – Traduzido por M. J.

Fernandes dos Rios O principio da sabedoria e o temor de Deus

Francisco Alves da Silva Castilho

O produto da moral religiosa para a leitura nas escolas primarias

Traduzido por Joaquim Pires Machado

Os contos moraes Cônego C. Schmid Os deveres do homem Traduzido por Antonio de Castro

Lopes Thesouro da mocidade ------------- Thesouro de meninos -------------

Esse conjunto de títulos e autores foi constituído a partir de uma variedade de

documentos relativos à instrução. Ao analisar ofícios de professores com os pedidos de

obras específicas para utilização nas escolas da Corte, foi possível perceber que os

livros mais pedidos para utilização do ensino da moral e da religião foram os catecismos

de Fleury, Pinheiro, e Montpelier, bem como o “História Sagrada” de Roquete e o

“Harmonias da criação” do Padre Caetano Lopez de Moura139. Infelizmente, desses

cinco livros, provavelmente os mais usados, pude localizar apenas o catecismo de

Pinheiro, o qual analisarei no item 4.3.

De acordo com Tambara (2002), o catecismo de Fleury, manual de caráter

religioso, foi muito utilizado nas escolas primárias no Brasil, sendo publicado pela

primeira vez na França em 1679. Nos relatórios dos Ministros do Império e da

Inspetoria de 1841, há informações da aceitação desta obra nas escolas do Maranhão,

como nos informa José Carlos Pereira de Almeida Torres:

A traducção do Cathecismo de Fleury tem merecido grande acceitação: a pedido do Presidente da Província do Maranhão para alli se remetteo huma porção de exemplares, que tem de ser distribuídos pelas Escolas Publicas, e outra se liberalisou As ideias de illimitada liberdade Religiosa, que a tantas calamidades derão origem, vão felizmente desapparecendo, e o governo confia que os virtuosos, e illustrados Prelados Brasileiros não deixarão de aproveitar as felizes disposições, que começam a assomar nos povos, para firmarem nos corações delles a salutar doutrina do Evangelho, lembrando aos Parochos

139 Conferir códices listados na bibliografia.

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158 de suas Dioceses a obrigação, que a este respeito, lhes e imposta pelo Consilio Tridentino.

Ainda de acordo com Tambara (2002), rivalizando com o catecismo de Fleury o

“Catecismo da Diocese de Montpellier”, elabora do pelo bispo Charency, e traduzido

para o português ainda no século XVIII, “foi o instrumento de doutrinação religiosa que

com maior intensidade foi utilizado em sala de aula. Dificilmente encontra-se uma

escola no Brasil, no século XIX, que não tenha, em algum momento, se utilizado deste

compêndio no processo de ensino aprendizagem”. (pág. 40)

Nos documentos analisados sobre a instrução moral e religiosa encontrados no

AGCRJ, foi possível perceber, pelos pedidos de livros para utilização nas escolas que,

muitas vezes, os professores não solicitavam títulos e autores específicos para o ensino

da moral e da religião, como acontecia com os outros saberes, solicitando “todos

aqueles que contém doutrinas de moral e religião”140. Tal fato pode estar demonstrando

certa indiferença na escolha de uma obra específica, importando mais o acesso a um

suporte, um instrumento auxiliar e credenciado para funcionar como apoio à difusão

deste saber no espaço escolar.

Das 40 obras, foi possível localizar sete141 no acervo da BN, e uma nos códices

do AGCRJ, das quais elegi seis para análise, sendo elas: “Apontamentos religiosos” e

“Cathecismo da Doutrina Cristã”, ambos de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro; “O

princípio da sabedoria é o temor de Deus”, de Francisco Alves da Silva Castilho;

“Compendio de Doutrina Cristã” de Jose Dias da Cruz; “Compendio da Doutrina

Christão” de Antonio Maria Backer; e “Lições moraes e religiosas” de José Rodrigues

Rufino. Passo a análise das obras.

4.3 - A “doutrina christan” do Cônego Pinheiro

Como já mencionado neste estudo142 o “Cathecismo da Doutrina Christan”

composto por Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro foi um dos livros mais solicitados

para uso nas escolas primárias da Corte. Como exemplo dessa requisição, trago a figura

X, com a relação de livros necessários para a 1ª Escola Pública de Instrução Primária do

140 Como exemplo, consultar códice 12.4.2. 141 As outras obras localizadas e não analisadas neste trabalho foram, “Cathecismo Christão” de Anastácio Diomedes Cyriaco, traduzido por J. B. Gonçalves Campos, e “Compendio de Doutrina Cristã na língua portugueza”, de Joam Phelippe Betendorff. 142 Ver tabela VI deste trabalho.

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159 sexo masculino para a freguezia do Sacramento, no qual há pedidos dos catecismos

de Pinheiro143:

143 Para conferir outros pedidos desta obra, conferir, por exemplo, códices: 11.2.9, 11.2.12 e 11.2.15.

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160 Figura X - Relação de livros necessários para a 1ª Escola Pública de

Instrução Primária do sexo masculino para a freguezia do Sacramento

Nesse sentido, uma pergunta se faz necessária: o que fez com que houvesse uma

ampla demanda deste compêndio? A primeira hipótese para tal questão encontra-se na

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161 própria autoria da obra. Como nos alerta Tambara (2002), é preciso levar em

consideração que Pinheiro tinha dois dos principais fatores para legitimação de uma

obra didática na época: a chancela da Igreja pela condição de cônego, e a do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, por ser seu conselheiro.

Esta obra possuiu doze edições, e antes de ser aprovada para uso das escolas

primárias da Corte, foi destinada aos alunos do Imperial Instituto dos Meninos Cegos,

do qual o autor era Reitor. A edição da qual tive acesso no Setor de Obras Raras da BN,

foi publicada no ano de 1857, e trás uma dedicatória ao então Ministro e Secretário dos

Negócios do Império Luiz Pedreira de Couto Ferraz. Juntamente a esta dedicatória, há

em suas páginas iniciais a publicação do parecer sobre o livro, que também era uma

prática recorrente entre os autores que queriam reafirmar o valor de sua obra. O parecer

publicado no catecismo de Pinheiro foi emitido pelo então Bispo do Rio de Janeiro, o

Conde de Irajá. Como se vê, ao lado da condição de cônego e de conselheiro do IHGB,

a direção do Instituto de Cegos, a dedicatória ao Ministro e a chancela do Bispo

fornecem elementos complementares para se compreender o circuito de produção do

livro e sua recepção ampliada e de longa duração.

Com um total de 141 páginas, o livro caracteriza-se por ser de capa dura e verde

com o símbolo do Império. Sua primeira edição ocorreu no ano de 1855, e apesar de

não ser possível localizar o ano de sua última publicação, foi possível verificar que em

1882 já se encontrava em sua oitava produção, sendo publicado pela Garnier, uma das

grandes editoras do período. Sabendo que este livro possuiu 12 edições, é possível supor

que sua circulação tenha ultrapassado o período imperial. Outra informação

significativa trazida pelo Dicionário Sacramento Blake (1899), refere-se ao fato de que

as últimas edições da obra foram corrigidas e aumentadas por Luiz Leopoldo Fernandes

Pinheiro Júnior, sendo este, pelo sobrenome, um possível parente do Cônego Pinheiro,

que veio a falecer quando sua obra ainda se encontrava na sétima publicação, no ano de

1876.

Por meio destes dados é possível perceber a ampla aceitação do “Cathecismo”

do Cônego Pinheiro, que não foi a única obra de sua autoria aprovada pelo governo para

uso nas escolas primárias da Corte, já que também receberam essa chancela os

“Episódios da História Pátria contados a infância” e “História Sagrada illustrada para

uso da infância”, ambos com repercussão no período estudado. Toda esta produção e

aceitação também lhe trouxe vantagens econômicas, já que como nos informa Tambara

(2002), “a remuneração obtida pelo cônego pode ser aquilatada pela remuneração de um

professor que, na época, recebia por seu trabalho, em torno de 600 mil réis anuais.

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162 Portanto, a remuneração deste autor representava, sem dúvida, uma renda

significativa”. (pág. 47). Pinheiro também conseguiu apoio para publicação de suas

obras, já que muitas delas foram publicadas pela renomada editora Garnier. De acordo

com Tambara (2002), esta editora, no século XIX, passou a estabelecer uma relação

mais profissional com autores mais “populares”, como é o caso de Fernandes Pinheiro.

A obra analisada dividia-se em quatro partes que se intitulavam respectivamente

de: “história”, com um total de 23 lições; “dogma”, com 6 lições; “moral”, com 4

lições; e “culto”, com 12 lições. As lições se intitulavam, respectivamente, de: “Da

creação”, “Do peccado ao primeiro homem”, “Caim e Abel – Primeiro Homicídio”,

“Corrupção Geral – Deluvio”, “Torre de Babel”, “Vocação D’ Abrahão. Ismael e

Isaac”, “Esau e Jacob”, “Joseph no Egipto”, “Moysés”, “Viagem pelo Deserto”,

“Entrada pra terra de chanaan”, “Governo dos anciões e dos juizes”, “Realiza em

Israel”, “Schisma Samaritano”, “Captiveiro de Babylonia”, “Os prophetas”, “Volta do

captiveiro”, “Os machabeos”, “Nascimento de Jesus-Christo”, “Baptismo e pregação de

Jesus Christo”, “Paixão e morte de Jesus Christo”, “Resurreição e ascenção de Jesus

Christo”, “Da tradição e da Escriptura”, “Da igreja”, “Da trindade”, “Da comunhão dos

Santos”, “Da Remissão dos Pecados”, “Da ressurreição da carne e da vida eterna”, “Dos

mandamentos da Lei de Deus”, “Dos mandamentos da Igreja”, “Das virtudes”, “Dos

conselhos Evangélicos e das Bem aventuranças”, “Do culto”, “Da graça”, “Da oração”,

“Dos Sacramentos”, “Do Baptismo”, “Da confirmação”, “Da Eucharistia”, “Da

Penitencia”, “Da Extrema – uncção”, “Da ordem”, “Do matrimonio”, “Das festas do

anno”.

Pela estrutura do livro, é possível perceber que, em linhas gerais, ele possui o

intuito de reforçar aspectos da história da igreja católica, popularizando a bíblia e

recuperando os sacramentos, rituais de inscrição, permanência e confirmação dos

vínculos dos indivíduos à igreja. Assim, supõe-se que por meio do aprendizado destas

lições, almejava-se que os sujeitos passassem a conhecer os preceitos da igreja católica,

fazendo também com que a respeitassem e cumprissem as regras por ela estabelecidas,

já que ela seria a mensageira de Deus. Desta maneira, a igreja contribuía com o projeto

de civilização e instrução da população.

Para o Bispo do Rio de Janeiro em parecer emitido, o Cônego Pinheiro:

(...) considerou a Religião Christan sob quatro aspectos da sua Historia, Dogma, Moral e Culto, e d’entre os variados objectos, que cada uma d’essas divisões abrange, V.S. escolheu para resumir os principaes e mais notáveis, que expõe com uma

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163 brevidade, clareza e precizão inimitáveis, e não menos lhe são próprias. V.S. não seguiu o methodo vulgar entre os escriptores de cathecismos de perguntas e respostas; estabeleceu breves theses, ou pontos necessários em um cathecismo, e deixar que os alumnos, depois d’ estudado esses pontos tão simples, elles mesmos por si, e exercitando-se, dessem as convenientes respostas, e para isto offereceu-lhes um questionário no fim de cada lição. Enfim eu não vejo no cathecismo senão motivos para a sua geral aceitação, ordem, estylo, sobretudo (e o que é mais apreciável) a estricta doutrina catholica.

Em seu parecer o referido Bispo critica o método comumente utilizado nos

catecismos do período, elaborado a partir de um sistema de perguntas e respostas,

considerado por ele “vulgar”, como por exemplo, os “Compêndios de Doutrina Christã”

utilizados por Antonio Maria Backer e José Dias da Cruz Lima, como veremos nos itens

4.6 e 4.5 deste trabalho. Exalta então, a organização do livro de Pinheiro, elaborado com

“breves theses”, que permitiria aos próprios alunos, a partir do estudo de seus pontos,

formularem as respostas. O parecer do Conde Irajá demonstra as divergências e disputas

dentro da própria igreja acerca da melhor maneira de divulgação de sua doutrina, sendo

este fato um indício da informação trazida por Borges (2008), de que a igreja com sua

preocupação em formar almas dentro dos preceitos da moralidade cristã, vivenciou

também conflitos internos à sua ordem bem como (impasses) relações complexas e

singulares com Estado e setores da sociedade brasileira oitocentista.

Pude localizar na BN um segundo livro de Pinheiro sobre a doutrina cristã,

intitulado “Apontamentos religiosos”. Segundo o autor, com esta obra tinha o objetivo

de “(...) contribuir com meu fraco contingente para as úteis e necessárias reformas, que

altamente reclama a igreja brasileira”. O que o levou a “(...) escrever este opusculo,

onde com rude franqueza esponho os remédios, que no meu fraco entender se poderiam

desde já applicar (...)”.

Tal compêndio foi produzido no ano de 1854, possuindo um total de 51 páginas,

as quais trazem uma introdução e uma dedicatória ao então Inspetor da Instrução

Pública Euzébio de Queiroz, bem como oito partes, que assim se intitulam, “Reacção

catholica”, “A concordata da Santa Fé”, “Faculdade de Theologia”, “Seminarios”,

“Nova circumscripção das dioceses”, “Parochias”, “Fabricas e policia interior dos

templos”.

Na introdução, Pinheiro informa que este livro foi fruto de viagens feitas a

países da Europa que o inspiraram a propor algumas medidas que julgava conveniente

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164 para melhorar o estado da igreja católica, mostrando o “que tem praticado paizes

mais adiantados do que nós na estrada da civilização”.

Pinheiro relata que a viagem realizada só foi possível devido à licença concedida

por “Sua Magestade Imperial”. Já na dedicatória feita a Euzébio de Queiroz, o agradece

por sua posição ocupada que o habilitou “(...) para ir examinar por mim mesmo as

fontes do saber humano, estudar o catholicismo em seu foco luminoso, interrogar as

instituições religiosas nas pessoas de seus mais exímios representantes (...)”. Tal

ocorrência torna-se mais um demonstrativo das íntimas ligações entre a Igreja Católica

e o governo imperial no período, já que, como o próprio autor informa, sua viagem só

foi possível devido aos “favores” concedidos pelos mencionados representantes do

poder, os quais, também tinham seus interesses em manter, cultivar e intensificar a

relação com a igreja católica.

Nos materiais analisados acerca da instrução do período, não foi possível

encontrar pedidos desta obra de Pinheiro para utilização nas escolas, bem diferente do

seu primeiro livro aqui analisado, o “Cathecismo da Doutrina Christan”, o que pode ser

entendido pelo fato do livro, pelo conteúdo e circunstâncias em que foi composto, ser

muito mais dedicado as próprias autoridades clericais do que propriamente aos alunos

em sala de aula. Tudo indica que este livro consolida observações feita na viagem de

estudos patrocinada pelo poder público e que se volta para os problemas da própria

ordem religiosa. Com as observações feitas acerca do funcionamento da igreja em

outros países, Pinheiro propunha mudanças e “melhorias” no funcionamento da igreja

católica, de acordo com seu ponto de vista, mas ao mesmo tempo respaldado pelo

modelo europeu, considerado um exemplo a ser seguido. Desta forma, Pinheiro,

intelectual do seu tempo, almejava intervir do funcionamento da igreja católica, bem

como nos rumos do recente “independente” país.

4. 4 – O catecismo de Castilho

Como parte de sua coleção “Escola Brasileira”, Francisco Alves da Silva

Castilho produziu o livro “O principio da sabedoria é o temor de Deos”, publicado pela

“Typographia Cinco de marco”, no ano de 1872. Com um total de 146 páginas, de

formato in-8º, tendo a capa verde e dura, sem o símbolo do Império. Apesar de não

trazer tal símbolo, Castilho dedica sua obra, juntamente com as mães de família, ao “S.

M. I. o Sr. D. Pedro II”, o Imperador do Brasil, oferecendo-o as primeiras páginas de

seu compêndio, com o intuito de apresentar sua “humilde offerenda”, certo de que:

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165 (...) não se de dedignará de acolher ao menos a boa vontade

de quem nada mais póde fazer do que manisfestar o desejo de ser útil, venho tambem por esta occasião apresentar-me com esta minha humilde offerenda que se V. M. I. a julgar capaz e digna do fim para que é destinado, poderei ter a satisfação de haver tomado parte de algum modo nesta contribuição. A minha offerta não é mais do que uma pequena serie de lições moraes para o ensino da mocidade dirigido pelas mães de famílias a quem a sabedoria de Deus proveu de todos os predicados de natura e verdadeira mestra da infância pelo império do amor e pela sensibilidades do coração juvenil. Ninguém melhor do que V. M. I. conhecerá a necessidade de

formar-se a educação popular sobre os preceitos da boa moral e de uma philosophia ao alcance de todas as intelligencias afim de que os homens se conheção a si, comprehendão os seus deveres, e a vaidade de uma instrucção fartua os não desatine e empeiore ainda mais do que a própria ignorância. Não tenho a pretensão, Senhor, de haver composto um livro capaz de satisfazer esta necessidade, nem mesmo supponho haver falta de obras sabiamente elaboradas para esse fim, porém cada qual tem o seu methodo e o seu systema; e essa mesma differença no methodo das minhas lições, quando mais não valha, é uma circunstancia que poderá talvez influir favoravelmente nos resultados do ensino. Este é o pensamento que me esperança neste trabalho emprehendido sem outro incentivo mais que desejo de concorrer com a minha pequena quota parte para a grande obra da educação popular. Possa esta offerta alcançar o benevolo acolhimento de V. M. I. afim de que com o poderoso influxo de seu Augusto Nome venha a ser o meu livro recebido favoravelmente no seio domestico, e com a cooperação das mães de famílias ahi se desenvolva e fructifique o germem da doutrina que nessas pequenas paginas se encerra; pois julgo que os bons desejos do coração de V. M. I. no tocante á educação popular só se cumprirão cabalmente quando debaixo de todos os tectos puder brilhar a luz do ensino como o candieiro do pobre e o lampadario do rico. Portanto, Senhor, se V. M. I. se dignar de pôr os seus olhos sobre estas humildes paginas e julgar minha obra digna de sua honrosa acceitação, desejo que seja ella recebida com um fraco contingente de minha contribuição, consentindo V. M. I. que eu ajunte ao meu livro esta pagina mais em signal do alto favor e honra que por amor da instrucção solicita.

Escritas como as de Castilho, revertidas de palavras de humildade, submissão e

exaltação da figura do destinatário, geralmente um superior e no caso dos livros,

candidato a mecenas, eram recorrentes nos documentos relativos à instrução no século

XIX. Tal prática pode ser entendida como uma estratégia de seus remetentes para uma

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166 mais fácil concessão de seus pedidos, na busca de um caminho mais curto para a

realização de seus projetos. O emprego regular desta estratégia demonstra que os

autores conheciam os dispositivos retóricos e os códigos de civilidade, recorrendo aos

mesmos em defesa de seus interesses.

Esse livro seria formado, segundo o autor, “(...) por trechos de leitura apropriada

para despertar a reflexão da mocidade e firmar no seu espirito a idéia de Deos como

base da moral e da religião”. Juntamente com a dedicatória ao Imperador, trás um

prólogo destinado aos “Paes, mães, educadores da mocidade”, no qual apresenta um

“extracto da carta quarta sobre a educação pelo sábio Visconde de Almeida Garret”144, e

segundo o qual, “não só se recomenda a todos os que tem a seu cargo a educação da

mocidade, mas a quantos se occupão de assumptos pedagogicos”. Castilho diz ter se

inspirado na obra deste autor para a organização de seu livro. Trás também, como

mesmo se justifica, antes de “fallar-vos com palavras minhas”, um tópico destinado

“Aos meninos”, no qual apresenta um trecho do livro dos provérbios, informando que,

“Porque o Senhor é o que dá a sabedoria, e da sua boca é que sai a prudência. Elle

reservará a salvação para os que são rectos, e protegerá aos que caminhão em

simplicidade. Sendo Elle mesmo o que guarda as veredas da justiça e o que está de vigia

sobre os caminhos dos Santos.”

A apresentação e apropriação de Castilho de outros textos, como os de Garret e

os dos provérbios antes de iniciar seus capítulos, ou seja, antes de “fallar-vos com

palavras minhas”, pode ser entendido como uma tentativa de afirmação e legitimação de

suas idéias, ao tentar mostrar ao leitor que elas são compatíveis com as de outros

autores, provavelmente, já reconhecidos e aceitos pelo público em geral.

Os setenta capítulos de seu compêndio assim se intitulam, “Deos”, “O homem”,

“Attributos do homem”, “Sentir”, “A vista”, “O ouvido”, “O tacto”, “O olfacto”, “O

gesto ou paladar”, “Outros orgãos do sentimento”, “Abuso do prazer”, “Pensar”,

“Curiosidade”, “A natureza”, “Forças e phenomenos da natureza”, “O fogo e o calor”,

“A agoa”, “A agoa em seus diversos estados ou modos de existir”, “O ar”, “O vento”,

“O raio”, “A eletricidade”, “Electrisação dos corpos”, “Electricidade athmospherica”,

“Theoria do raio”, “Conductor ou para-raio”, “A tromba”, “O vulcão”, “Terremoto”,

“Reconsideração”, “Fallar”, “O dom da palavra”, “O gesto”, “A escripta”, “O ensino”,

“Os livros”, “A sciencia”, “Os deveres”, “O preceito”, “O mandamentos da lei de

144 João Baptista da Silva Leitão e mais tarde Visconde de Almeida Garret, nasceu em 1799, na cidade de Lisboa, Portugal. Faleceu em 9 de dezembro de 1854. Foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, Par do Reino, ministro e secretário de Estado honorário português.

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167 Deos”, e “Explicação dos mandamentos”. Há também uma parte intitulada

“Resumo”, com os seguintes tópicos, “Deos”, “Grandeza de Deos”, “Sabedoria de

Deos”, “Bondade de Deos”, “Attributos de Deos”, “O homem perante Deos”, “Fé em

Deos” e “Temor de Deos”. E por último, trás nas “Considerações Diversas”, os

seguintes temas, “Temor da morte”, “Immortalidade da alma”, “A velhice”,

“Padecimentos”, “Queixas”, “Consolação”, “Soberba e vaidade”, “Tudo é precário e

mal seguro”, “A virtude”, “Caridade”, “Próximo”, “Beneficencia”, “Beneficio por

caridade”, “Beneficio por vangloria”, “Calumnia”, “Deveres sociaes”, “Dever filial”,

“Deveres entre irmãos”, “Deveres para com a pátria e com o soberano”, “As mães de

famílias”, e “Deveres para com os filhos”.

Por meio destes capítulos é possível verificar que Castilho tratava de assuntos

variados. Contudo, demonstra preocupação de articulá-los ao tema da moral e da

religião, como no caso em que aborda os sentidos, pois de acordo com o autor, por

exemplo, com o ouvido, dever-se-ia ouvir e aprender a doutrina “dos que vos instruem”,

pois só assim, “fareis bom uso do vosso ouvido e agradareis a Deos”. Ainda segundo

Castilho, “Sentir, pensar e fallar são os mais sublimes dons que do nosso creador

recebemos e pelos quaes nos avantajamos a todas as mais creaturas da terra.”

Ao abordar temas referentes à natureza, que para ele “é o throno exterior da

magnificência divina; e aquelle que a contempla e a estuda, gradualmente se eleva ao

throno interior do onipotente”, o referido autor tenta convencer seu leitor das maravilhas

feitas por Deus, comprovando assim, sua bondade e mostrando “a gratidão que devemos

ter por ele.”

Sobre os capítulos abordados, Castilho assinala:

Reconsiderando tudo quanto vos tenho dicto nas lições precedentes, podereis deduzir, meus jovens leitores, que o mundo em si mesmo é uma grande escola onde a natureza é a mestra que a providencia do Senhor Deos instituiu para ensinar o homem a conhecer o seu criador. Os sentidos e o pensamento são os meios com que a Divina Sabedoria habilitou o homem para contemplar e refletir sobre toda essa variedade de scenas que a natureza nos offerece como lições, umas vezes, amenas e aprazíveis como as risonhas manhans da primavera, outras vezes, severas e terríveis como o aspecto pavoroso da tempestade. E tudo deve despertar o vosso pensamento e fazer-vos reflectir sobre a fraqueza do ser humano perante o alto e tremendo poder que n’um só “faça-se” seria capaz de transformar o mundo e precipita-lo em um abismo de horrores.

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168 Pelas palavras de Castilho, é possível perceber que uma das estratégias

utilizadas por esse autor para persuadir seu leitor a seguir as recomendações de

obediência a doutrina de Deus por ele divulgada, era a de convencê-lo do “poder

soberano” de Deus, almejando o temor de Deus. Não se constitui mera coincidência que

sua obra se intitula, “O principio da sabedoria é o temor de Deos”, evidência de sua

proposta de doutrinação.

Castilho também se pronuncia acerca da instrução que, para ele, era “uma

necessidade do espírito como a alimentação é necessária para o sustento do corpo, e

assim como o Senhor Deos deixou sobre a terra as sementes das plantas que cultivamos

para nossa nutrição, deixou as doutrinas que devem ser conservadas pelos homens,

passando de boca em boca a todas as gerações por meio do Ensino.” Contudo, esta

doutrina não poderia ser dada por qualquer um, mas sim “com o auxilio de um guia que

vos dirija na interpretação de sua doutrina”. Alerta ainda que,

Todo aquele que se julgar assas habilitado para entende-lo e desprezar a sabedoria dos interpretes da Igreja que nos pontos mais diffíceis nos auxilia com as luzes de suas notas, correrá o risco de transviar-se perdendo-se nos labyrintos do erro por não comprehender o genuino sentido do texto sagrado.

Para finalizar sua obra, Castilho se dirige à mãe de família que, para ele, seria a

“verdadeira mestra instituída pela providencia de Deos, e a única que pode levar o vosso

filho somente pelo amor”. Para o autor, sendo as mães as educadoras, “A vossa doutrina

será por elle bem acolhida, e os vossos conselhos ficarão gravados no seu coração com

uma memória indelével do vosso amor”. Porém, Castilho não deixa de alertar que

mesmo tendo esse compromisso, as mães não poderiam deixar de mandar seus filhos a

escola, para lá receberem a instrução do mestre, sua responsabilidade limitar-se-ia a

parte moral da educação, sendo a instrução tarefa do mestre da escola. Como forma de

convencê-las da importância de tal função, registra que sua parte, “em verdade é a mais

importante da sua educação por ser aquella que pode fazel-os bons e tornal-os felizes.”

As idéias de Castilho estavam condizentes com a proposta de instrução do

governo imperial e também da Igreja Católica, que buscavam controlar as práticas dos

sujeitos, tendo a instrução como uma medida estratégica. Castilho sabia que para que

seu livro fosse aprovado, deveria estar de acordo com as idéias dos representantes do

poder, não por acaso, a semelhança de opiniões, como por exemplo, o alerta a respeito

da necessidade de formação específica para o ensino da doutrina religiosa e a defesa da

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169 parceria entre escola e família, delegando às mães a função da educação moral e

religiosa.

4. 5 – A “Doutrina Christã” para os pequenos patrícios

No ano de 1875, José Dias da Cruz Lima republica145 seu livro “colligido e

augmentado”, intitulado “Compendio da Doutrina Christã” e, segundo palavras do

próprio autor, foi elaborado “Para uso de seus pequenos patricios”. Em seu prólogo,

Cruz Lima dirige-se aos mesmos, justificando a existência da obra:

Educado com os verdadeiros princípios da religião Catholica Apostólica Romana, entendi dever repartir com os meus pequenos patrícios, a instrucção religiosa que aprendi, e porque estou convencido, que, por esmerada que seja a educação do menino, se não for bazeada na religião, não o habilitará para um dia ser útil a si, e o seu paiz; digo a si, porque, se o menino não aprende na infância o que é a religião, não tem tempo depois, com os estudos maiores, para aprender a religião de seus pais; e com esse aleijão, não conseguirá, sem duvida, a vida eterna, única cousa a que devemos aspirar, e para o que viemos ao mundo. E ao seu paiz, porque, o cidadão sem religião, é inútil, é até perigoso ao Estado.

Como é possível perceber pelas palavras do autor, ele era um fervoroso defensor

dos princípios da religião católica, bem como do Estado, já que, como este último,

acreditava nos perigos causados pela falta de uma instrução moral e religiosa. Não foi

possível localizar muitas informações acerca de José Dias da Cruz, sabe-se que ele

nasceu por volta de 1806, no Rio de Janeiro, onde faleceu em 21de dezembro de

1880146. Entre os cargos ocupados, José Dias da Cruz Lima foi oficial do exército

brasileiro no primeiro reinado, sendo também encarregado dos Negócios do Brasil em

Montevidéu147, demonstrando que devido à função, provavelmente estabeleceu relações

com as autoridades governamentais.

Assim, como Francisco Alves da Silva Castilho, Cruz Lima dedica sua obra “A

sua alteza, O Príncipe regente”. Para Chartier (2003), esta prática de dedicar uma obra

ao príncipe,

(...) não deve ser compreendida somente como o instrumento de uma troca dissimétrica entre aquele que oferece uma obra e

145 Infelizmente, não foi possível localizar a data de sua primeira publicação. 146 Informação retirada do site: http://www.cbg.org.br/arquivos_genealogicos_m_04.html. 147 Informação retirada do sites: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0184z33.htm e http://www.paginadogaucho.com.br/bibli/anita-14.htm

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170 aquele que, em contrapartida diferida e liberal, dá-lhe seu apadrinhamento. Ela é também uma figura pela qual o príncipe que é apresentado- como se o escritor ou o sábio lhe oferecesse uma obra que, de fato, já fosse sua. Nessa figura extrema da soberania, o rei torna-se poeta ou sábio, e sua biblioteca não é mais, somente um tesouro que preserva riquezas ameaçadas, ou uma coleção útil ao público, ou ainda uma fonte de prazeres privados. Ela se metamorfoseia em um espelho onde está refletido seu poder absoluto. ( pág. 79)

Nas primeiras páginas de sua obra, Cruz Lima, como forma de validar seu

compêndio, faz publicar o parecer positivo acerca de sua aprovação, emitido pelo então

“D. Pedro Bispo de São Sebastião do Rio de Janeiro e Capellão Mor de S. M. I.”, com

as seguintes palavras:

O presente compendio de Doutrina Christã collegido e publicado por J. D. da C. L. para uso de seus pequenos patrícios foi por ordem Nossa lido e examinado por um piedoso Sacerdote e douto Theologo de Nossa Diocese, e como nada foi achado de contrario a Fé Catholica, neste sentido damos Nossa approvação, como Nos foi expedida por seu respeitável Autor. Permitta Deos que as piedosas intenções do Mestre venhão a ser realisadas, e que seus pequenos patrícios tirem muito proveito deste livro, escripto a bem dos mesmos, e que sendo pequeno no volume, é grandemente importante no elevado assumpto, que encerra.

Como é possível verificar pelo parecer, a obra de Cruz Lima estava de acordo

com os preceitos da igreja católica, condição para ser aprovado para uso nas escolas,

como previa a lei de instrução. Nesse sentido, interessa-nos saber quais os assuntos que

se pretendia divulgar junto aos pequenos fiéis.

Segundo o próprio autor, em dedicatória feita ao “Príncipe Regente”, seu livro

não possuía uma doutrina nova, pois

(...) nem eu podia, nem devia apregoal-a, é a da Religião dos Pais de Vossa Alteza, da religião que meus Pais me ensinarão e que eu desejo repartir com aqueles dos nossos pequenos Patrícios, que não recebem de seus pais, por falta de tempo, ou porque, infelizmente, não tem elles para repartir com seus filhos. Assim, pois, Senhor, colligindo dos melhores mestres de doutrina Christã, as lições que me parecerão de mais fácil comprehensão, eu espero, que o menino educando encontre no compendio de Doutrina Christã, principiando pela manifestação da Fé, todas as explicações necessárias a jovens intelligencias, para bem comprehenderem a Doutrina Christã. Assim como

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171 algumas práticas de piedade e orações, que podem fazer todos os dias.

O fato do livro não trazer nenhuma novidade, objetivando apenas divulgar os

preceitos já conhecidos e consagrados pela igreja católica, provavelmente se constituiu

em fator decisivo para sua aprovação, já que, naquele momento, o intuito da igreja no

Brasil, não parecia ser o de inovar, mas sim o de doutrinar sujeitos e conquistar fiéis a

partir de ensinamentos já estabelecidos.

O livro em questão, nas suas 59 páginas, é dividido em oito capítulos que

abordam os dez mandamentos da igreja católica, bem como os seus sete sacramentos. O

autor se utiliza de perguntas e respostas, para o desenvolvimento de seu conteúdo, e ao

final da obra, apresenta uma oração que deveria ser feita pela manhã, bem como uma

para a noite, planejando assim, delimitar cuidadosamente as ações dos seus “patrícios”,

de modo a prescrever a conduta do bom cristão, do despertar ao adormecer.

4.6 – O “Compêndio da Doutrina Christã” de Backer

Ao analisar os livros escolares que circularam na Corte, foi possível perceber

que Antonio Maria Backer era autor de alguns desses livros, o que despertou o interesse

em investigar as relações que permitiram tal ocorrência.

Recorrendo ao Sacramento Blake (1899), foi possível contabilizar, entre edições

e reedições, dezesseis obras do autor, tendo elas os seguintes títulos, lugar e ano de

publicação: “Dialogo orthographico da língua portugueza”, tendo sido publicado em

Coimbra no ano de 1834; “Orthographia ou primeira parte da grammatica portugueza

em fórma de dialogo com reflexões e notas”, Nova edição do anterior, Rio de Janeiro,

1855; “Dialogo grammatical da língua portugueza”, Bombaim, 1841; “Grammatica da

língua portugueza em forma de dialogo”, Oitava edição, 1860; “Sillabario portuguez e

arte completa de ensinar a ler”, Rio de Janeiro, 1860; “Sillabario portuguez. Segunda

parte”, Rio de Janeiro, 1861; “Resumo calligraphico ou methodo abreviado de escripta

ingleza, dividido em seis lições”, Quarta edição, Rio de Janeiro, 1854; “Recreio

escolástico”, Rio de Janeiro, 1849; “Compendio de civilidade christã”, Rio de Janeiro,

1858; “Directorio synthetico e analytico”, Rio de Janeiro, 1852; “Biblioteca Juvenil”,

Quarta edição, Rio de Janeiro, 1859; “Parnaso juvenil”, Quinta edição, Rio de Janeiro,

1860; “Compendio de Doutrina Christã”, Rio de Janeiro, 1862; “Rudimentos

arithmeticos”, Rio de Janeiro, 1862; “Breve direção para a educação dos meninos”,

(s/d); “Jogo do a b c”, (s/d).

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172 Pelos títulos das obras de Backer, é possível verificar que a maioria delas

relaciona-se ao ensino da gramática, o que pode ser entendido pelo fato deste autor ter

sido professor desta disciplina. Segundo o Sacramento Blake (1899), Antonio Maria

Barker nasceu na cidade do Porto em 1792, vindo para o Brasil em 1810. Já exercia a

profissão de mestre da língua portuguesa quando “acclamada a independência, foi

nomeado pelo governo para fazer parte de comissões tendentes ao aperfeiçoamento da

educação litteraria, e dos methodos de ensino mais convenientes – comissões que

desempenhou satisfactorimente, adquirindo a reputação de um distincto educador da

mocidade. Neste empenho trabalhou constantemente, já associando-se as corporações

de lettras que tinham por fim a propagação e melhoramento da instrucção, já escrevendo

uma serie de compêndios destinados ao professorado (...) ”. (pág. 255).

Como é possível perceber pelas informações do citado dicionário, Backer

possuía ligações com o governo imperial, já que foi um dos seus escolhidos para formar

um ambiente “litterario” para a família real que a partir de então se instalaria no Brasil.

Tais relações podem nos ajudar explicar o porquê da ampla quantidade de livros

produzidos pelo autor, já que, como mostrado, as proximidades com autoridades

governamentais facilitava o caminho da publicação de obras escolares. Outra

informação importante a se destacar, é que Barker também foi diretor de uma escola. De

acordo com informação retirada do trabalho de Limeira (2007)148, Barker também

dirigiu um Colégio de instrução primária de meninos internos e externos na Corte, o que

pode ser verificado por seu anúncio publicado no anuário Almanak Administrativo,

Mercantil e Industrial do ano de 1848, no qual o autor faz uma propaganda de sua

escola, bem como de suas obras:

148 De acordo com Limeira (2007), este anuário oitocentista, era utilizado pelos docentes como meio para registrar suas certificações. Conferir pág. 67.

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173 Como já mencionado, Barker não foi o único diretor de escola a possuir

livros publicados e aprovados para uso nesses estabelecimentos. Nesse sentido, trabalho

com a hipótese de que tais sujeitos, assim como os proprietários de escolas, eram bem

vistos e até incentivados pelo governo imperial na produção desses livros, já que,

juntamente com o fato de estarem no lugar onde este saber era produzido, como nos

alertou Bittencourt, poderiam também ser mais facilmente regulados pelas autoridades

governamentais. Essa regulação estava prevista na legislação em vigor, por meio do

“Titulo IV – Capítulo único”, do “Regulamento da instrucção primaria e secundaria do

Município da Côrte” de 1854, que tratava do ensino particular. De acordo com esta lei,

para a abertura de escolas, assim como para o exercício no magistério particular, deveria

haver a prévia aprovação do Governo Imperial, que também inspecionaria estes

estabelecimentos.

Sobre os livros de Barker, infelizmente, não foi possível localizar nenhuma de

suas obras destinadas ao ensino da gramática, intenção primeira deste trabalho, já que se

constitui em uma especialidade do autor. Contudo, na pesquisa feita, foi possível

encontrar um dos seus poucos livros destinados ao ensino da “Doutrina christã”149, o

que despertou igual interesse em pesquisar o que este autor, reconhecido autor de obras

de gramática, e ligado ao governo imperial, tinha a divulgar acerca da doutrina

religiosa.

A edição analisada foi localizada no Setor de Obras Gerais da BN150, sendo uma

reedição do ano de 1886, que não consta nas obras relacionadas pelo Sacramento Blake,

o que demonstra a existência de outras edições não catalogadas, ampliando assim, a

quantidade de obras do autor. Do mesmo modo, também é possível perceber uma

contradição acerca da tipografia responsável pela sua publicação, já que na primeira

folha, a informação trazida é de que a mesma foi publicada pela “Typografia da

Escola”, do editor Serafim José Alves. Já na segunda capa do livro consta a “Typografia

Esperança”, de J. d’ Aguiar e C.ª.

Ao contrário das outras obras analisadas, não há dedicatória à autoridade

governamental com o pedido para que a obra fosse aprovada, nem mesmo um prólogo

explicando os percalços ara a produção da mesma. Há somente, após o título, uma frase,

“que, para se salvar, deve cada um saber, crer e entender”, com a especificação, “Para

uso dos seus discípulos”. Talvez para Backer não fosse necessário recorrer a estratégia

149 Supõe-se que sua obra “Compendio de civilidade christã” também fosse utilizada para este fim. 150 A mencionada edição encontra-se atualmente fora de uso, só sendo possível sua consulta com uma autorização específica da BN.

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174 comum entre os autores do período imperial, já que possuía, provavelmente, as

relações necessárias para a publicação de seus compêndios.

Com um total de 14 lições, a obra é caracterizada por um sistema de perguntas e

respostas, sinal de partilha do velho método que tenta reproduzir uma situação de

diálogo. Na primeira lição, as perguntas referem-se a “Deus”, como, “Quem é Deus?”,

“Há muitos Deuses?”, “Onde está Deus?”. Na segunda lição, o tema abordado é

“Christo”, “Quem é Christo?”, “Onde está Christo?”.Na terceira lição, o tema versa

sobre o bem e o mal, “Quem são os máos, que vão para o inferno?”, “Quem são os

bons, que vão para o céu?”. Na quarta e quinta lição, aborda-se a igreja católica, com

perguntas como, “Que cousa he a Igreja catholica?”, “Por que dizeis que a Igreja é

sancta?”, “Que quer dizer a palavra catholica?”, “Qual é a Igreja a quem convém estas

qualidades?”. Na sexta lição, trata-se dos pecados, com a questão, “Como creremos na

Remissão dos peccados?”. A sétima lição refere-se as “virtudes theologaes”, “Quantas

são as virtudes theologaes?”. Na oitava lição aborda-se a propagação da fé, com

perguntas como, “Como se faz a profissão exterior?”, “Como se faz a profissão de viva

voz?”. Na nona lição o tema é a oração, “Que cousa é oração?”, “Qual entre todas as

orações é a mais excellente?”. Na décima lição versa-se sobre os mandamentos da

igreja, questionando, por exemplo, “Quais são os mandamentos da Santa Madre

Igreja?”. Na décima primeira lição aborda-se os sacramentos da igreja, “Que cousa é

Sacramento?”, “Quais são os sacramentos da Santa Madre Igreja?”. Na décima segunda

e terceira lição, expõe-se, respectivamente sobre a confissão e “Extrema Uncção”. E,

por último, a décima quarta lição refere-se aos sete pecados, com questões como, “Qual

é o maior mal do mundo?”, “Que cousa é o pecado?”.

Juntamente às lições, Backer apresenta um pequeno tópico, no final da obra, no

qual disserta sobre o “Modo de ajudar á Missa”. Segundo o autor, duas coisas são

necessárias saber para se ajudar na missa com perfeição. A primeira, “é saber como se

hão de ministrar as cousas necessárias ao Sacerdote, e a segunda, “como se lhe há de

responder”. Sobre esta segunda questão, há no livro um trecho em latim, com a

resposta.

De acordo com Backer, os membros da igreja católica são “sanctos”, assim com

“a sua Doutrina, a sua moral e os seus Sacramentos são sanctos”, e ela seria a única

igreja “verdadeiramente de Jesus Christo”. Todo membro deveria “fazer profissão

exterior da nossa crença”, de “viva voz, ou por accção”, assim como, seguir os

mandamentos da “Santa madre Igreja”. Estes mandamentos seriam seis, “Ouvir missa

inteira nos domingos e Dias Santos”, “Confessar ao menos uma vez a cada ano”,

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175 “Commungar pela Paschoa da Resurreição”, “Jejuar quando manda a Santa Madre

Igreja”, “Pagar dizimos e primicias”, e por último, “Abster de carne nas sextas-feiras e

sabbados”. Os fiéis da igreja também deveriam cumprir os sacramentos da “Sancta

Madre Igreja” (“Baptismo”, “Confirmação”, “Communhão”, “Penitencia”, “Extrema-

Uncção”, “Ordem”, e “Matrimonio”), e não cometer os sete pecados: soberba, avareza,

luxúria, ira, gula, inveja e preguiça.

Como é possível perceber, as questões elaboradas por Antonio Maria Backer

tinham o intuito de divulgar a doutrina oficial do Estado, ou seja, da Igreja Católica,

buscando convencer seu leitor da necessidade de seguir tais preceitos para se ter uma

vida de acordo com a vontade de Deus.

4. 7 – As “Lições Morais e Religiosas” de José Rufino Rodrigues

“Lições Moraes e Religiosas” é o título de um livro, o qual encontrei uma parte

manuscrita no códice 11.1.16 da Série Instrução Pública no AGCRJ, do ano de 1858.

Produzido por José Rufino Rodrigues, de acordo com seu prefácio, foi elaborado em

dois volumes sendo um para uso dos meninos e o outro para meninas. No dicionário

Sacramento Blake, há a confirmação de sua publicação, todavia, não possui a data da

mesma.

No códice mencionado, encontrei o volume completo elaborado para uso dos

meninos, o qual é dividido em duas partes sendo a primeira indicada para alunos da 1ª

série e a segunda, para os da 2ª, contendo cada uma das divisões um total de 30 lições.

A primeira parte possuí as seguintes lições respectivamente, “Deveres do menino”,

“Docilidade”, “Respeito e obediência”, “Ira”, “Aceio – Inveja”, “Luxo”, “Lisonja”,

“Soberba”, “Avareza”, “Preguiça”, “Gula”, “Contradizer a verdade”, “Intriga”,

“Juramento”, “Escanecer”, “Jogo”, “Prudência”, “Amigos”, “Meninos travessos”,

“Máos costumes”, “Calumnia”, “Malícia”, “Honrar pai e mãe”, “Amar a um só Deus

verdadeiro”, “Vingança”, “Satisfação”, “Promessas”, “Estudo”, “Egoísmo”, “Gracejos”.

Já a segunda é composta por tais lições: “Hypocrisia”, “Orgulho”, “Maldade”,

“Intimidade”, “Traição”, “Não matarás”, “Teima”, “Ingratidão”, “Mentira”, “Luxuria”,

“Curiosidade”, “Impaciência”, “Fraude”, “Prazeres, devassidão”, “Caprichos”,

“Delator”, “Prevaricação, corrupção”, “O máo esposo”, “Adultério”, “Fortaleza”,

“Cúbica”, “Negligência”, “Presumpção”, “Affectação, vaidade”, “Ambição”,

“Discórdia”, “Desprezo”, “Conselhos”, “Murmuração” e “Remorso”.

Dentre as lições destinadas às crianças da primeira série estavam cinco dos Sete

Pecados Capitais – Ira, Inveja, Avareza, Preguiça e Gula – e outras como Deveres do

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176 Menino, Docilidade, Luxo, Jogo, Amigos, Meninos Travessos e, a última, Gracejos.

Os outros dois pecados capitais – Orgulho e Luxúria – faziam parte das lições

destinadas à segunda série, que também incluíam temas como Hipocrisia, Maldade,

Intimidade, Traição, Não Matarás, Curiosidade, Fraude, Prazeres/Prevaricação e

corrupção.

Em sua apresentação, o autor justifica sua produção com o intuito de que a obra

viesse a substituir as requeridas “Fábulas” de Rocha, intitulando-o como um livro feito

para quem estaria aprendendo a ler. Contudo, o seu mérito estaria em transmitir

princípios religiosos e a boa moral em frases que fossem conhecidas aos meninos, e não

por fábulas e historietas.

Dizia querer falar aos meninos a linguagem da verdade e, em nome de Deus, em

vez de mostrar os animais falando o que, para ele:

(...) nunca poderá comprehender a eloqüência dos animais, por mais que lhe digam, que lhes falla. A moral assim explicada esvaece-se, porque o menino acreditará tanto nella, como na linguagem dos quadrúpedes e das aves. Direi ao menino, que Deus falla pelo trovão, que ribomba pelo espaço, elle crê mas dizei-lhe, que o cão falla, quando ladra, elle ri, e pensa, com fundamento, que o enganam.

Por meio de sua escrita, fica explícita sua fervorosa crítica

às “Fábulas”, nas quais censurava o fato de não ensinarem corretamente a doutrina de

Deus ao menino, pois não lhe mostravam, nem apontavam as conseqüências das más

ações, simplesmente mandavam não praticar certos atos, tornando-se para o autor uma

maneira de ensinar ineficaz. Na defesa de seu livro, o descrevia como um compêndio no

qual os deveres, as obrigações, os princípios de moral e os religiosos eram explicados

de modo singelo e em nome de todo poderoso, o que seria mais profícuo do que contos

de fábulas e historietas.

Ao fazer o anúncio de seus volumes, afirmava que, possuía pequenas formas,

pois livros de formatos maiores e volumosos não eram convenientes em mãos de

crianças que os estragavam com facilidade e os aborreciam. Além disso, seu livro

possuía pequenas lições, pois as extensas fatigavam os meninos. Contudo, pela consulta

feita nas fontes manuscritas é possível observar que as lições pelas quais o volume é

dividido, não eram tão curtas como afirmava o autor, principalmente quando

comparadas com o livro de Rocha.

Ao finalizar o prefácio, ofereceu seu compêndio para adoção que, segundo ele:

“fez de própria lavra para ir afugentando das escolas traduções impuras, que tanto

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177 affectam a pureza e castidade da língua vernácula, já tão desnaturada, e que servem

apenas para attestar nossa incúria”. Neste sentido, vale o registro de que para

Bittencourt (1993), as críticas aos livros estrangeiros aumentaram nas décadas de 70 e

80, aparecendo, então, projetos de construção de obras didáticas “genuinamente

nacionais”, sendo que, propostas de nacionalização da obra didática representavam o

movimento de um grupo de educadores favoráveis ao domínio do Estado e sua

afirmação via escola. Este ideal também era defendido pelos republicanos que, segundo

Oliveira (1873), almejavam obras nacionais, morais e científicas, com princípios da

verdadeira religião, em detrimento da religião católica. Entretanto, na obra de

Rodrigues, pelo seu caráter religioso, torna-se difícil operar com a hipótese de

Bittencourt (1993), apontando para a hipótese de que menos que substituta de um

modelo de livro escolar religioso pelo laico, o que se evidencia é uma simultaneidade de

perspectivas distintas, apontando para um texto que também não ficou circunscrito ao

ambiente oitocentista.

O parecer emitido pelo Cônego Joaquim Fernandes da Silva no ano de 1858 ao

secretário da IGIPSC, afirma que o livro poderia ser adotado para leitura da quarta

classe, diferente do que sugere o autor, desde que a inspetoria entendesse que o mesmo

deveria ser um substituto do livro de Rocha. Porém, pelos documentos analisados, não

há nenhum indício de que este fato tenha realmente se concretizado, sendo necessário o

registro de que, pelo regulamento de 1854, os programas das escolas publicas primárias

deveriam possuir a disciplina instrução moral e religiosa, matéria que o livro se

propunha a subsidiar, contendo todo seu conteúdo voltado para tais questões, o que se

pode observar com as divisões das lições citadas anteriormente.

As idéias de Rufino aqui descritas podem ser entendidas como um exemplo de

reação a toda aceitação e solicitação das “Fábulas” usadas nas escolas primárias da

Corte Imperial. Havia opiniões contrárias a seu conteúdo e utilização, opiniões estas que

poderiam representar diferentes grupos de intelectuais que procuravam instituir outras

lógicas e afirmar novos núcleos de poder, e que intentavam, também por meio da

circulação deste objeto cultural, que é o livro, expor suas idéias e fazer com que estas se

propagassem e pudessem vigorar na sociedade brasileira.

***

Após a análise de obras destinadas ao ensino da moral e da religião, bem como o

exame de como se dava o ensino deste saber nas escolas da Corte, foi possível constatar

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178 a importância a ele atribuída e o privilegiamento dado a esta disciplina no período

estudado, que era considerada por muitos, como a mais necessária das existentes. Tais

ações estavam em consonância com o projeto do governo imperial, já que este buscava

a formação de sujeitos que obedecessem as regras estabelecidas. Sendo assim, com a

parceria existente entre governo e igreja, e os ensinamentos desta última de obediência e

resignação, acreditava-se que projeto educacional idealizado pelo Estado poderia ser

mais facilmente alcançado.

Tais relações nos ajudam a melhor compreender o porquê do livro da moral e da

religião ter sido utilizado como instrumento para aquisição do ensino da leitura, já que

com esta prática, juntamente com a obtenção da técnica da leitura, objetivava-se

também a inculcação de determinadas idéias e valores.

Trabalhando com este entendimento, tais evidências ajudam a pensar o livro de

leitura de modo mais alargado, e a problematizar uma suposta “inocência” dessa leitura.

Nesse caso, não haveria apenas uma percepção meramente técnica de prática da leitura,

de reconfiguração da tradição oral, via migração para a forma escrita de resíduos da

oralidade, como é a questão do diálogo, do método do questionário e etc., mas sim, um

entendimento dessa leitura como uma das tecnologias a serviço do projeto civilizatório

posto em curso nos oitocentos.

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189 ● Lições de Historia do Brasil para uso das Escolas de Instrução Primaria – Joaquim Manoel de Macedo 75, 6, 22 – 1865 96, 4, 23 -1875 ● Quarto livro de leitura de Abílio César Borges. IV-182, 1,33 – 1890 ● Quinto livro de leitura de Abílio César Borges III-26,7,29 - 1894 ● Systema de leitura – Eduardo de Sá Pereira de Castro 71, 1, 47 ou 71, 1, 74 – 1867 ● Terceiro livro de leitura de Abílio César Borges. 63, 1, 7 - 1870 ● Jornal “A escola”, Revista Brasileira de Educação e Ensino – RJ: 1877 – 1878 PR – SOR4161 microfilmado Fontes eletrônicas ● ACI Digital. O que todo católico necessita saber. In: www.acidigital.com/igreja/index.html. Acesso em junho de 2008. ● Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação. In: http://fae.ufpel.edu.br/asphe/. Acesso em maio de 2008 ● Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita. In: http://www.fae.ufmg.br/ceale/. Acesso em maio de 2008 ● Centro de Investigación Manes. In: http://www.uned.es/manesvirtual/portalmanes.html. Acesso em maio de 2008 ● Cultura letrada. In: http://groups.google.com/group/cultura-letrada. Acesso em maio de 2008 ● Intelectuais, impressos e sociabilidades. In: http://br.groups.yahoo.com/group/impressos_intelectuais_sociabilidades/. Acesso em maio de 2008 ● Jornal eletrônico Novo Milênio. http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0184z33.htm. Acesso em maio de 2008. ● Ler, escrever e contar. In: htpp://ler-e-escrever;blogspot.com . Acesso em maio de 2008. ● Memória de Leitura. In: http://www.unicamp.br/iel/memoria/. Acesso em maio de 2008 ● Núcleo Produção Editorial. In: http://groups.google.com/group/intercom-nucleo-producao-editorial. Acesso em maio de 2008 ● Página do Gaúcho. In: http://www.paginadogaucho.com.br/bibli/anita-14.htm. Acesso em maio de 2008. ● Revista Brasileira de Educação (RBE) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. In: http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm. Acesso em maio de 2008 ● Sociedade Brasileira de História da Educação. In: http://www.sbhe.org.br/. Acesso em maio de 2008 ● University of Chicago – Center for Research Libraries – Brazilian Government Document Digitization Project. Ministerial Reports - Império, 1832-1888. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/imperio.html. Acesso em dezembro de 2007. Fontes Manuscritas Setor de Documentação Escrita do AGCRJ: Série de Instrução Pública Códices: Livros e métodos de ensino

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190 10.4.8 – Ofícios diversos – 1871 10.4.18 – Ofícios diversos - 1852 à 1873 10.4.20 - Ofícios diversos - 1852 à 1890 11.1.2 – Provas, certidões, atestados, adoção de livros - 1856 11.1.11 – Aprovação de livros - 1858 11.1.16 – Adoção de livros - 1859 11.2. 9 – Programas, pontos, livros, métodos, contas, cartas, aluguéis, contratos – 1864 11.2.12 – Contas; Representações contra professores; Prédios; Aluguéis; Contratos e outros papéis; Inventários das Escolas; Livros e méthodos de ensino; Diplomas; Procurações e justificações; Ofícios. 1865 11.2.15- Ofícios diversos - 1866 11.2.19 – Conselho Superior de Instrução, materiais escolar; mapas de matrículas; contratos, queixas; cartas; contas – 1866 11.2.21 – Ofícios diversos - 1876 11.2.26 - Ofícios diversos - 1867 11.3.28 – Ofícios diversos - 1871 11.4.20 - Exames de escolas superiores, secundaria e primaria da Corte - 1874 a 1875 11.4.21 – Obras e publicações – 1874 a 1877 11.4.30 – Ofícios diversos - 1877 13.2.18 – Adoção de livros e métodos de ensino - 1857 15.3.5 - Castigos Corporaes, Esgrima e gynnastica nas escolas, Methodo Bacadafá, Systema Métrico Decimal (1870 a 1889). 15.3.20 - Ofícios diversos – 1858 Revistas: ● Revista Brasileira de Educação (RBE) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – Publicadas no período de 1995 a 2007 ● Revista Brasileira de História da Educação (RBHE) da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) – Publicadas no período de 2001 a 2004. ● Revista de História da Educação (RHE) da Associação Sulriograndense de Pesquisadores de História da Educação (ASPHE) - Publicadas no período 1997 a 2006.