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    Futebol, Nao e o Homem Brasileiro: o complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues

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    F UTEBOL , N AO E O H OMEM B RASILEIRO :O COMPLEXO DE VIRA -LATAS DE N ELSON

    R ODRIGUESJos Antonio Gomes de Pinho*

    Este artigo dedicado ao jogador ndio, autor de um dos dois gols dos jogos daseliminatrias de 1958, que levou o Brasil Copa da Sucia, e que nunca

    lembrado em qualquer homenagem aos vitoriosos daquela campanha!

    R ESUMO

    ste artigo objetiva discutir a contribuio que Nelson Rodrigues, normalmente maisconhecido como teatrlogo, deu compreenso do futebol brasileiro e do papel queeste desempenhava na sociedade brasileira. Suas crnicas futebolsticas consti-tuam-se em uma forma de ver o jogador brasileiro e, por extenso, o homem

    brasileiro e a prpria nao. Localizamos o estatuto terico que Rodrigues abraa, aindaque certamente no de forma consciente, no Romantismo, o que demandou uma breveincurso por essa corrente e seu desdobramento no Brasil. Antes de recorrer obrarodriguiana, o artigo voltou-se para mostrar a importncia do futebol no contexto brasi-leiro, desde o comeo do sculo XX. A contribuio mais decisiva de Rodrigues constitui-se no chamado Complexo de Vira-Latas que se tornou clebre. Estabelecemos umdilogo entre o autor e a corrente terica do Romantismo, mas, tambm, incorporamosoutros elementos do mundo hobbesiano, caros linha de pensamento do autor. Por fim,fizemos, ainda que brevemente, um cotejo de suas idias com as de Roberto DaMatta,um rodriguiano, mas que chama a ateno para pontos que negam o Romantismo, aindaque no totalmente.

    PALAVRAS-CHAVE: Romantismo. Futebol. Sociedade Brasileira

    A BSTRACT

    his article aims to discuss the outstanding contribution given by Nelson Rodrigues,usually known as theater writer, to understanding the Brazilian football and the role itplays in Brazilian society. His football chronicles turned into a particular way of seeingthe Brazilian football player and, as consequence, the Brazilian man and the Nation

    itself. Rodrigues has been seen as belonging to the Romantic theoretical field which lead usto analyzing the main aspects of this current as well as the form it assumed in Brazil.Before starting using Rodrigues chronicles, this article shows the importance of football inthe Brazilian context, since the beginning of the 20th century. The key Rodrigues contributionhas been the so-called Vira-Latas Complex, a complex of inferiority felt by Brazilians, inthe football scene as well as in the national life as a whole. Along the text a link between theauthor and Romantism was developed, including, as well, hobbesian elements which belongto Rodrigues hard thought. In the end, the article introduces, although in a short way,some ideas of Roberto DaMatta, a contemporary author also focusing in football, whoshares some Rodrigues ideas, but provokes a rupture with Romantism, searching for amore structural approach to understand football and Brazilian society and nation.

    KEY-WORDS: Romantic. Literature. Football. Brazilian Society

    * Prof. da Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia - EAUFBA

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    Jos Antonio Gomes de Pinho

    Apito Inicial

    Brasil tem sido considerado o pas do futebol. Nesse sentido, interessantereter a percepo do jornalista Mino Carta, estrangeiro (italiano) que veioainda menino para o Brasil e que cobriu a Copa de 50 ainda adolescente.A derrota naquele momento levou-o a entender o que significa torcer no

    Brasil e a considerar tal manifestao como uma coisa nica. Reconhece que, emoutros pases, o futebol importantssimo, mas quando se trata do Brasil torcer um estado de esprito muito tpico e muito caracterstico do brasileiro: a eternacrena no milagre, a crena no transcendente uma espcie de f levada s lti-mas conseqncias (MORAES NETO, 2000: 31). Essa afirmao ganha maior den-sidade quando se leva em conta a origem de Mino Carta, italiana, latina, portanto,no um anglo-saxo, considerado frio, que se chocaria com o comportamento dobrasileiro em relao ao futebol.

    Originrio da Inglaterra, o futebol penetrou a sociedade brasileira de ma-

    neira intensa j a partir do comeo do sculo XX. Recorrendo-se a Lima Barreto, oescritor, ao falar do Rio de Janeiro, em 1922, expe que a cidade no o parasodo jogo do bicho, a retorta monstruosa da politicagem, a terra dos despautriosmunicipais e de poetas, mas sim, um imenso campo de futebol. Chama a aten-o, o escritor, para o fato de que todos jogam o tal esporte breto (como erachamado poca), no h rico nem pobre, nem velho nem novo, nem branco nempreto, nem moleque nem almofadinha que no pertena virtualmente pelo menosa um clube destinado a aperfeioar os homens na arte de servir-se dos ps (BARRETO, 2008: 483). Identifica, assim, que toda a nossa populao anda apai-xonada pela eurritmia dos pontaps (Idem: 484)).

    Interessante notar a situao em So Paulo mesma poca (1931), naspalavras (com a ortografia da poca) de um importante jornalista de So Paulo, aofalar sobre a situao em 1931. Em So Paulo, joga-se o velho esporte bretosem descano: comea a temporada em primeiro de janeiro e acaba a 31 de de-zembro, no sendo respeitadas nem as frias. quela poca, segundo o jornalis-ta, acabara de se inventar o soccer nocturno para que os jogadores e osaffeioados deste esporte no fiquem longe dos gramados, no espao que me-deia entre um domingo e outro. Ressalta que a palavra descanar desconheci-da, pois os clubes alm dos jogos oficiais promovem festivaes, jogos amistosos.

    Os jogadores quando no defendem seus grmios adherem s caravanas filabia, e mettem-se pelo interior a dentro . Assim, So Paulo, como certamenteoutras cidades, respirava futebol. Mazzoni (1931) mostra que, insaciveis, os jo-gadores voltam a defender o time do bairro onde comearam ento garotostravessos, para desespero da mam e pap (Idem). O quadro indica que a ade-so ao futebol ocorre desde a tenra infncia, enquanto [o] pblico est sempre(...) disposto a abarrotar um campo onde se fira uma pugna que ponha frente afrente dois quadros seus favoritos (...) (MAZZONI, 1931: 71).

    O autor conclusivo: Metade de So Paulo se interessa pelo futebol. (...)Os paulistas, que nesta grande Chicago do Sul tm o seu tempo e energias absor-vidos pelo trabalho, s encontram no futebol as horas de recreao de que tmnecessidade. So Paulo sem futebol seria um inferno (....). Por isso, joga-se todoo anno (MAZZONI, 1931: 71). Por conta do forte calor do vero, sugere o jornalis-ta que se jogue dez meses por ano, mas ao mesmo tempo se questiona se serpossvel passar dois meses sem ter futebol. Essas reflexes mostram como o fute-bol era importante e cativante para a populao. Na mesma linha, Gilberto Freyre

    defendia que o futebol no Brasil se desenvolvia no igual aos outros esportes,mas como uma verdadeira instituio brasileira. A copa de 38 teria sido um divisorde guas ao fazer sentir o futebol e o Brasil, pela primeira vez, como se feitos umpara o outro (FREYRE, 2003 apud WISNIK, 2006: 228).

    Com a importncia inconteste e crescente que o futebol assume na socie-dade brasileira, este pode ser utilizado como metfora para explicar a sociedade

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    Futebol, Nao e o Homem Brasileiro: o complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues

    de uma maneira mais ampla e para caracterizar o esprito de um povo ou de umanao. O objetivo deste artigo revela-se em entender o papel que o futeboldesempenha na sociedade brasileira e como refora seus traos fundamentais.Quanto interpretao do papel do futebol na sociedade brasileira, um autorseminal Nelson Rodrigues (NR), de quem recolheremos o alimento para a cons-truo deste artigo. Ainda que sua obra no tenha o rigor da investigao e daproposio cientficas necessrias ao meio acadmico, torna-se um autor dignode anlise e referncia pelas contribuies relevantes e sistemticas sobre ofutebol brasileiro, articulando-as a uma viso poltica e crtica, ainda que de for-ma implcita. Vamos nos basear em crnicas publicadas pelas coletneas organi-zadas por Ruy Castro, tambm bigrafo do escritor. Por razes de espao, va-mos cobrir apenas at a Copa de 1966, tendo a oportunidade de apreender aviso do autor sobre a tragdia de 1950, as copas anteriores, a derrota de 1954e as duas grandes conquistas de 1958/1962, bem como a derrota de 1966, for-mando, assim, um rico e diferenciado mosaico. Iremos seguir, em geral, a se-qncia cronolgica de publicao.

    Vestirios (Bastidores) da Nao e do FutebolA cobertura temporal deste artigo inicia-se com a dcada de 30, quando se

    realiza o primeiro campeonato mundial; perodo em que o Brasil experimenta umprocesso de modernizao, no qual sai de uma sociedade tradicional para umasociedade moderna, industrial e urbana. Esse processo todo se derrama tantosobre os aspectos econmicos, sociais, polticos e culturais, como tambm sobre ofutebol. Vale a pena trazer alguns elementos seminais do passado para entendera trajetria poltica do pas.

    Apesar da Independncia de 1822, acabou prevalecendo a continuidadecolonial, o escravismo, o absolutismo, enfim, o lusitanismo (IANNI, 1994: 14);e, ao fim do sculo XIX, o Brasil ainda parecia viver no fim do sculo XVIII (Idem:19).A instaurao da Repblica tambm no avana muito, mas de qualquer formaprocessa-se uma singular revoluo pelo alto (Idem: 23), alterando vagarosa-mente a composio da sociedade. Porm, os setores populares, as reivindica-es de trabalhadores da cidade e do campo, as demandas de negros, mulatos,ndios e caboclos no encontravam lugar nas esferas de poder (idem). O ano de1922 uma data simblica, em que o Brasil comea a ingressar no sculo XX (Idem; 24), ou seja, esse sculo parece ter comeado para o Brasil naquele ano.

    De uma maneira bem sinttica, at porque so elementos demasiado co-nhecidos, podemos dizer que a explosiva dcada de 1920, a partir de 1922, comvrios movimentos (Tenentismo, criao do PCB, Semana de Arte Moderna, Revo-luo de 1924, Coluna Prestes), expressava um processo de modernizao dasociedade brasileira catapultado pela industrializao com base em So Paulo,surgindo, assim, novas classes e novos interesses. Esse processo culmina com aRevoluo de 30, que, com suas contradies, leva um novo arranjo de foras aopoder do Estado, ainda que com um equilbrio instvel, e que acaba assumindo umcarter autoritrio com o golpe de 1937, em que se instala o Estado Novo. Aindaque pela via autoritria, as condies da modernizao se afirmam nesse perodo,chegando aos anos 50, j na retomada da democracia, quando o pas sofre novoimpulso com o governo de Juscelino Kubitscheck. Mesmo que a industrializao e amodernizao, em geral, tenham se tornado dominantes, ainda que longe de ple-nos, esse processo todo foi muito tenso, disputado e contraditrio, expressandoo confronto entre uma sociedade tradicional e uma sociedade moderna, emergen-te e afluente, em busca da construo de uma ordem mais racional.Com a interrupo da trajetria democrtica em 1964, implanta-se, pelosmilitares, o que tem sido chamado de modernizao conservadora, expressandobem a ambigidade que marca a formao social brasileira (PINHO, 2001). Essefluxo modernizante, com suas ambigidades, quer seja dentro do regime demo-crtico, quer do autoritrio, tambm se alastrou pelo futebol. Este, de acordo com

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    o seu prprio processo, entranha, tambm, na trajetria de modernizao do pas;o que ser examinado a seguir.

    Pintaremos, aqui, um quadro bem sinttico do futebol no Brasil, com nfasepara o perodo ps-1930, quando comeam as copas mundiais. O futebol no Brasilpadecia de problemas estruturais que no eram propriedade exclusiva sua, masestavam presentes na sociedade como um todo. Originalmente, o futebol havianascido como um esporte de elite, mas rapidamente se disseminou pelas cama-das mais populares. Seu exerccio, como profisso, contudo, esbarrava no acessoaos clubes que, nas primeiras dcadas do sculo XX, vetavam, em geral, a presen-a de jogadores negros. Um fator que concorria para a desorganizao do futebolbrasileiro encontrava-se na profunda rivalidade e conflito entre os interesses dosdirigentes cariocas e paulistas.

    Comentando a Copa de 30, o j citado Thomaz Mazzoni (1931), jornalistapaulista, no esconde seus argumentos (mantendo novamente a ortografia dapoca). Infelizmente, e com grande magua de todos os esportistas do Brasil, avelha rivalidade entre cariocas e paulistas - rivalidade alimentada pela entidademxima do paiz, culpada de todas as infelicidades do futebol brasileiro o verda-

    deiro quadro de nossa terra no compareceu importante competio mundial,pois assim o quis a C.B.D. O autor se refere excluso dos jogadores paulistasnaquele certame, visto como fructo de capricho, precipitao e incompetncia dos dirigentes. o que, em sua viso, explicava o doloroso fracasso (MAZZONI,1931: 6). Se tal rivalidade j era antiga no comeo da dcada de 30, esta deve terse estabelecido bem ao incio da prtica do futebol no pas e, na verdade, podeser vista como expresso de uma rivalidade mais sistmica, em que o futebol seriaapenas a ponta mais visvel do iceberg: uma rivalidade entre uma potncia emer-gente e moderna (So Paulo), em busca de espao poltico, frente capital federalque representava uma sociedade tradicional. Vai alm o autor ao fazer uma pres-crio: Para o futuro, os homens que dirigirem os destinos do esporte brasileirodevem deixar de lado caprichos pessoaes, interesses regionalistas, bairrismos, siquizerem ver tremular, victorioso, l fora o pavilho auri-verde (Idem: 11).

    O pesquisador Tlio Velho Barreto examina as razes para o Brasil no tervencido nenhuma Copa at 1958: o profissionalismo s se estabeleceu no pas,pelo menos do ponto de vista legal, a partir de 1933. E mesmo assim no eraprtica generalizada, pois o debate sobre o tema ainda provocava enorme pol-mica entre os clubes e os estados. A esta juntam-se as j mencionadas disputaspolticas, econmicas e tambm esportivas entre So Paulo e o Rio, quando os

    jogadores paulistas ficaram fora das primeiras copas. Isto j no aconteceu em1938, quando os melhores jogadores foram convocados, independente de regi-onalismos e da raa, tendo os dirigentes superado um recorrente preconceito. Arespeito do preconceito racial, Barreto adiciona um artigo escrito por Gilberto Freyre,

    no Dirio de Pernambuco, intitulado Football mulato, durante a Copa de 1938 naFrana, em que destaca: o sucesso ento alcanado pela seleo brasileira (...)teria sido resultado da coragem de termos enviado Frana uma seleo multirracialformada pelos melhores jogadores do pas, quando imperava, at ento, umarecomendao ou determinao para que se evitasse incluir negros nas represen-taes esportivas brasileiras (BARRETO, 2008).

    A Copa de 1950 era a primeira a ser disputada aps um longo intervalo,devido 2.a Guerra Mundial, e justamente no Brasil. O desempenho animador nacopa anterior (1938) criava um nimo positivo para a nova copa. Ainda que j setivesse tido algum planejamento e tivessem sido superados, em parte, os proble-mas de rivalidade entre cariocas e paulistas, com a convocao de uma seleomais ecumnica, os deslumbrantes resultados alcanados nos primeiros jogos le-varam para a final do campeonato um clima de j ganhou que acabou resultan-do na derrota frente ao Uruguai em pleno Maracan. Na preparao para a copaseguinte (1954, na Sua), no jogo das eliminatrias Brasil 1 x Paraguai 0, ocorreuo terceiro recorde de pblico do Maracan com 174.599 torcedores (SANTANNA,2004) Tal fato nos leva a acreditar que a populao em geral continuava confiante

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    na seleo mesmo aps a tragdia de 50; o que corrobora com o quadro acimaexposto a respeito da importncia do futebol para o brasileiro, como expresso def e crena (ainda que a pesquisa tenha contemplado apenas a populao cario-ca). Uma pesquisa do Ibope, em junho de 1954 mostrava que 64% acreditavamna conquista, 20% no acreditavam e 16% no opinaram .

    Com efeito, homens e mulheres, de todas as categorias sociais, instrudos ousem instruo nenhuma, afirmam em sua imensa maioria (...) que o Brasil sero campeo de 1954. (...) No h, praticamente, nesse caso, vozes discordantes.Todos acreditam cegamente em que traremos a copa Jules Rimet da Sua,custe o que custar (SUGIMOTO, 2003).

    Construindo um Referencial TericoRedondo para o Tema

    Antes de mais nada, vale assinalar que a moldura terica a ser construdaser bastante enxuta, econmica, visando dar mais espao ao rico e pouco conhe-cido material emprico trazido por NR. Sendo o autor a referncia e foco principaldeste artigo, vamos procurar enquadrar sua obra teoricamente. Facina (2004)situa NR como um romntico e, assim sendo, vamos buscar a compreenso doromantismo do ponto de vista terico, recolhendo os elementos essenciais com-preenso do fenmeno.

    Um ponto de partida fundamental reside em entender que o romantismono um movimento poltico; no adquiriu tal status . So identificadas como influn-cias as obras de Shakespeare, bem como certos escritos de Rousseau. Valoriza oromantismo, o elementar, o primitivo, a fora incontrolada e possui uma profun-da venerao pela beleza grega. Baseia-se em uma atitude polmica em face doracionalismo que, com suas convenes e leis, ps ordem nos fenmenos do mun-

    do (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986: 1131). Entre outras, tem as seguin-tes inspiraes: o esprito do povo ou o carter nacional; o ntimo de uma perso-nalidade, coletiva e individual, capaz de estimular ainda aventuras de ao e sen-timento. Este conjunto de idias, no entanto, no resultou em nenhum partidoromntico; ao contrrio, o romantismo surge como uma das expresses peridi-cas do irracional contra a razo, possui um carter no poltico ou, ao mximo,meta-poltico (idem). O romantismo comporta vises diferenciadas e conflitantes;valoriza os elementos individualistico-demonacos, imoralistas e estetizantes (Idem: 1132).

    Ademais, frequentemente, tem sido o romantismo associado direita polti-ca, mas, vale lembrar que os fascismos europeus, em sua propaganda, evocaramantes o clssico dos grandes imprios (...) do que a pitoresca e vital desordemda vida pr-absolutista. Por outro lado, movimentos muito mais recentes, como omaio de1968, na Frana, um movimento de esquerda, tambm teve inspiraoromntica (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986: 1132). Tentando uma defini-o, pode-se dizer que [o]s romnticos no aceitam a distino, elaborada noperodo do absolutismo, mas em seguida retomada pelo liberalismo, entre pblicoe privado. Mais ainda, [u]m contexto social, onde o individuo se sinta satisfeito,exige um vnculo de amor que , ao mesmo tempo, sentimento de dependncia (Idem).

    Ao tomarmos como exemplo o romantismo em alguns pases da Europa, acomear pela Alemanha, verifica-se que ali ocorreu uma simpatia pela RevoluoFrancesa; mas, como as condies objetivas na Alemanha estavam distantes da-

    quela, d-se uma orientao mais no sentido de uma regenerao moral e cultu-ral do que diretamente poltica, objetivando uma renovao do gnero humano (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986: 1133). Mediante a desiluso com a Revo-luo Francesa, defende-se um estado em que a massa fosse animada pelo

    principio vital, isto , pelo monarca, enquanto outros clamam por um Estadobaseado no modelo medieval germnico, onde a autoridade do poder temporal

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    era limitada e guiada por uma autoridade espiritual, a da Igreja. O romantismoacusa o individualismo burgus pelas guerras e [d]as revolues que abalaram omundo. medida que suas expectativas no so atendidas, voltam-se os ro-mnticos para um tom cada vez mais apocalptico e da condenao inapelvel dopresente (Idem: 1134).

    Com relao Frana, a revoluo e o imprio tinham fortalecido enorme-mente aquele Estado centralizador e burocrtico que era, para os romnticos, aimagem do mal da poca moderna (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986: 1135).Partindo do principio de que cada governo sempre tendencialmente desptico,pregam uma organizao do povo, culminante numa confederao de comunas.Colocavam-se, os romnticos franceses, contra o capitalismo, contra a burguesiamoderna da indstria e das finanas, adotando o culto do povo. Cultivavam-se, tambm, os heris de povos que a civilizao ainda no nivelara, pois sestes pareciam capazes de paixes e de atos hericos. Assim, o instinto do povopode lhe assegurar uma imensa vantagem para agir e o induz a aceitar semdificuldades as desigualdades funcionais, colocadas pela prpria natureza, e noopressivas, se transfiguradas pelo amor e pelo servio - a famlia e o exrcito, por

    exemplo (Idem: 1136).Na Itlia, os pontos hegemnicos do pensamento romntico se expressampor uma desconfiana (...) em relao poltica, posicionando-se contra o Esta-do, mas, tambm, identificando no povo dificuldades em ser o sujeito da histria por conta das carncias na educao. Nesse cenrio, o romantismo italiano locali-za no amor a premissa bsica de um novo vinculo entre os homens dado o

    fracasso prtico do liberalismo, bem como do socialismo, ambos condenados(BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986: 1137).

    Ao se examinar a situao na Rssia, no sculo XIX, o romantismopolemizava tanto esquerda como direita: era-se contra os valores moderno-burgueses admirava-se o esplendor do passado e, por outro lado, conside-rava-se o sujeito principal da histria, no o Estado, mas o povo. Este no seria

    belicoso, exceto quando teve que salvar sua identidade (BOBBIO, MATTEUCCI,PASQUINO, 1986: 1137). As crticas eram implacveis contra as vulgaridades domundo burgus, a mentira do parlamentarismo, a despersonalizao induzidapela econmica capitalista, encontrando-se a redeno, conforme o iderio deTolstoi e Dostoieviski, nas almas simples, religiosas, na volta ao povo. Fechandoo verbete, afirma-se que no existiu um movimento romntico, existiu, e em gran-de parte ainda existe, uma democracia romntica, inspirada no povo, na solidari-edade e na fraternidade, bem distinta da contratualista, bem como um socialis-mo romntico, brotando do tronco da primeira e oposto ao economista e materia-lista; um nacionalismo romntico, distinto do de origem darwiniana (Idem: 1138).

    Em sntese, o romantismo trabalhou, explorou as desiluses, intelectuais e

    sentimentais, da mentalidade ps-iluminista; defendeu valores de sociedadesmais antigas, decorrendo da a prtica de uma tenaz hostilidade romntica con-tra o mundo sem Deus, contra quem v e avalia a atividade somente em termosde produo e de resultados (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1986: 1139). Pode-se observar que os enfoques so muito diferenciados a depender das condiesexistentes em cada pas, no se configurando um nico modelo. O romantismosurgiu para recompor a vida nos moldes naturais, espontneos, comunais, con-tra os vcios e a esterilidade do racionalismo ilustrado (SANTOS, 2005), surgiu

    para libertar o homem de todas as amarras da opresso, inclusive aquelas vin-das do interior, da alma, do esprito, e no para endoss-las (Idem).

    Caractersticas do romantismo ainda podem ser vistas como centrais namente moderna, including interest in the psycological and the expressive, in thechildlike, the revolutionary, the nihilistic, the PLEASURE PRINCIPLE (BULLOCK & STAKKYBRASS, 1977: 548, grifo dos autores). No pensamento romntico, the organicrelation of man and nature, of the interior and the transcendent imagination, isproposed, mas pode levar a hallucinatory or fantastic as a mode of perceptualredemption (Idem: 549). Finalizando sobre o quadro originrio do romantismo,

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    Futebol, Nao e o Homem Brasileiro: o complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues

    ainda oportuno dizer que este punha em destaque o individualismo, a imagina-o, a livre expresso dos sentimentos; a comunho com a natureza e a idia doartista criador como gnio visionrio; o vocbulo provm do romance medieval,forma literria marcada por idealizaes fantasiosas. Um dos temas centrais erao culto ao gnio criativo, cuja obra era um ideal sublime que transcendia omundo real. Ocupa lugar de destaque a natureza, selvagem e virgem que assu-me a metfora desse ideal (ROHMANN, 2000: 352).

    E no Brasil? Verificando-se variaes apreciveis entre os romnticos dasdistintas situaes examinadas, resultado dos diferenciados estgios de desen-volvimento que haviam atingido, o Brasil se colocava em uma situao mais parti-cular pelo fato de ter sido colnia, marcado pela presena da escravido atmuito tardiamente, bem como pelo status de pas subdesenvolvido poca queNR lavrava suas crnicas. Em outras palavras, de se esperar que o romantismoassuma uma feio muito diferente e particular do que naqueles pases mais cen-trais.

    De qualquer forma, possvel enxergar um ncleo unificador do romantis-mo brasileiro em torno da busca pela singularizao fortemente presente noromantismo alemo - , favorecida pelas caractersticas particulares do pas. Entreoutros podem ser apontados os seguintes fatores constitutivos do romantismo noBrasil, ainda no sculo XIX: a natureza exuberante e extica, o canto ao ndio (...)a manuteno da unidade e do Imprio e a busca de uma historiografia nacional (SANTOS, 2005).

    Alguns problemas conceituais srios marcaram o romantismo no Brasilcomo, o conceito de nao - tambm caro aos romnticos -, e que s comeariaa existir, no pas depois da Independncia. Por outro lado, no havia um passa-do distante ou prximo a glorificar, ou este no existia, no tinha nada deglorificante. Assim, o romantismo do sculo XIX volta-se para a natureza exu-berante e para a glorificao ao ndio, at porque, tambm, no pontificavam

    os heris nacionais, por no existirem ou por no serem reconhecidos como tal.Quanto ao ndio, tambm, j est em processo de dizimao, e o negro, maiorparte da populao do pas, no pde ser includo devido sua condio deescravo e base fundamental da acumulao. Isto posto, o conceito de naofica bem prejudicado.

    Assim, no sculo XX, uma vez encerrada a escravido, no pensamento dosromnticos, o objeto de realizao passa a ser, de maneira mais genrica, o povo,o elemento do povo, simples, ainda que a incorporao do homem negro, centralno futebol, tivesse uma longa trajetria de luta pela frente, como veremos adian-te. Acreditamos que NR se encaixa nesse figurino, ao identificar, de forma radical,como os verdadeiros heris brasileiros os jogadores de futebol, os exmios joga-dores, em particular, os vindos do povo.

    Ao longo do texto vamos associar esses elementos tericos com os objetosempricos produzidos por NR sobre a realidade brasileira, bem como incorporaroutros elementos tericos, tambm dentro da moldura do romantismo, e que po-dem auxiliar no enquadramento terico especfico do autor.

    Trazendo Nelson Rodrigues para o Campo Terico

    Vamos nos valer, agora, da contribuio de Nelson Rodrigues (NR) como cro-nista esportivo no perodo sob anlise. Alguns traos bsicos da trajetria doautor ajudam a compor o entendimento de sua obra como o seu carter enftico,

    dramtico, trgico e passional, evidenciando a construo de uma viso sobre anatureza humana que oscila entre um profundo pessimismo e a busca de possibi-lidades de redeno. A viso de NR comporta, num mesmo ser humano, duasmetades representadas por santos e canalhas (FACINA, 2004: 15), sendo que,

    no mundo contemporneo, a maioria dos seres humanos tenderia mais para oscanalhas do que para os santos (Idem: 16).

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    NR tanto visto, no que se refere produo teatral, como um gnio revo-lucionrio, um autor maldito, o tarado que ameaava as famlias brasileiras,quanto o reacionrio que combatia as esquerdas nas dcadas de 1960/70 apoian-do o movimento militar de 1964 (FACINA, 2004: 25). Assume, assim, uma posiode antiintelectualismo, combate a cultura da esquerda tida como uma espciede establishment (Idem: 81). A obra de NR reascende todo o debate e conflitoentre uma sociedade tradicional e uma sociedade moderna, expressos, no casodo Rio de Janeiro, entre as zonas Sul e Norte, e no plano nacional, entre So Pauloe Rio, onde este seria uma espcie de subrbio em comparao com modernidadecapitalista de So Paulo, vista como cidade do trabalho e de interaes sociaisfrias, geradoras de um sentimento de solido (Idem: 25).

    Facina (2004) coloca com muita propriedade que a obra rodriguiana estinserida em uma matriz romntica que percebe o mundo moderno como um mo-mento histrico em que algo se rompeu, que v o conflito como expresso do dioe no como fruto da desigualdade. Localiza a presena de uma nostalgia, aindaque desencantada, de uma poca em que o senso de pertencimento e as relaessociais tradicionais ainda no eram ameaadas pela fragmentao e pela aliena-

    o (FACINA, 2004: 84). Se na sua obra teatral e nas suas posies polticas anti-esquerdas exala uma crtica pessimista e desesperanada, existe um contrapontoem suas crnicas futebolsticas agora nos aproximando do nosso objeto aover o escrete, a ptria em chuteiras como

    a nica possibilidade de redeno dos brasileiros. (...) As suas crnicas esportivastm um tom pico, em que os jogadores, pretos, mulatos e de origem humilde emsua maioria absoluta, so os heris que redimem a nao e se auto-redimem dashumilhaes que pesam em suas histrias de vida (FACINA, 2004: 89).

    Dessa forma, o futebol seria a anttese das passeatas e estas, as reali-zaes de gr-finos e de uma elite intelectualizada; assim, os jogos no Maracanseriam as verdadeiras manifestaes dos humilhados e ofendidos, daqueles ne-

    gros, pobres e desdentados que no estavam nas ruas a protestar. Pensava,assim, o autor, na possibilidade de um grande congraamento nacional atravsda catarse coletiva proporcionada pelo futebol (FACINA, 2004: 90). Em sntese,na avaliao de Facina, alguns dos elementos centrais do pensamento rodriguianoseriam: uma tica hobbesiana sobre a natureza humana, uma representao doser humano como irracional, um pessimismo radical aliado a um vislumbrar de pos-sibilidades de redeno do homem, realismo naturalista e romantismo conserva-dor, valores estes em constante confronto (Idem: 93).

    Facina (2004) ainda destaca aproximaes e distanciamentos da obra de NRcom o importante autor da historiografia brasileira, Gilberto Freyre, a quem admi-rava. Segundo a autora, se para Freyre, o Brasil construiu uma outra civilizao (luso-tropical), a posio de NR que a civilizao fraca em face da naturezahumana, uma superfcie de aparente tranqilidade que esconde sentimentos epaixes conturbados e violentos (FACINA, 2004:112). Aqui, NR introduz elemen-tos hobbesianos nas relaes humanos que no teriam sido domados por qual-quer contrato e, assim, poderiam estar prontos a explodir.

    Nesta sntese que estamos fazendo sobre NR, vale ainda considerar que ofocalizado toma o Rio de Janeiro como seu objeto de interesse e criao, sendoesta, no entanto, uma cidade muito diferente daquela da sua infncia, certamenteidealizada, base do romantismo.. Assim, a modernizao devastou as relaessociais, os valores e a prpria natureza da experincia urbana carioca, cidadevista agora como cenrio do vcio, da desintegrao, do individualismo egosta.Mas , tambm, a cidade da sociabilidade, das conversas jogadas fora (FACINA,

    2004: 154), em que a cidade do encontro se d especialmente no Maracan.Reconhece a autora, por outro lado, que essa transformao do mundo tradicio-nal para o mundo moderno no se completou no Rio de Janeiro, no sendo capaz,o carioca, de internalizar a disciplina do trabalho racionalizado e moderno, o quepoderia ser visto como um conflito interno entre os valores tradicionais e o impera-tivo de uma sociedade mais racional. Porm, no v a questo da ociosidade como

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    necessariamente negativa (Idem:155), entendendo que o brasileiro (excetuan-do o paulista) tem alma de feriado.

    Desse modo, a viso de NR sobre o brasileiro muito baseada no carioca, em que o cio permitia um tipo de interao social criadora de um sentimentode pertencimento a um coletivo (FACINA, 2004: 187). O Maracan assume umpapel central na construo rodriguiana, local de encontro entre gr-finos com os crioulos desdentados que viam no futebol o remdio para as suas santas e velhas humilhaes. Configura-se, assim, o futebol como uma es-pcie de utopia, em que todos os brasileiros poderiam sentir-se irmanados soba ptria em chuteiras, mas longe de ser uma utopia igualitria j que a hie-rarquia social era mantida entre as cadeiras e tribunas e a geral. Sua perspec-tiva era a de que a desigualdade no obstrui a interao social entre desi-guais e o compartilhar de valores comuns (Idem: 190), o que encontra guaridano referencial romntico.

    Jogando com a Viso de Nelson Rodrigues

    sobre o Futebol BrasileiroNesta seo, vamos, finalmente, nos valer dos escritos de NR; e para falar

    de Nelson ningum melhor do que o prprio. Assim, recorreremos, laudatariamente,a seus escritos. Em uma crnica de 1955, percebe-se uma nostalgia ao defender ofutebol antigo, tratando-o como um fenmeno vital muito mais rico, complexo eintricado. Hoje, os jogadores, os juizes e os bandeirinhas se parecem entre sicomo soldadinhos de chumbo, no se impondo como um smbolo humano defini-tivo. O lado canalha se expressa quando pondera que se, antes, havia o juizladro, no presente [1955], os juzes so de uma chata, montona e alvar hones-tidade, pois a virtude pode ser muito bonita, mas exala um tdio homicida e,alm disso, causa as lceras imortais. A causa disso seria o profissionalismo que

    torna inexeqvel o juiz ladro. E pena. Porque seu desaparecimento umdesfalque lrico, um desfalque dramtico para os jogos modernos. Em sntese,

    as condies do futebol contemporneo tornam impraticvel a existncia do ca-nalha (RODRIGUES, 1993, 15), o que inclui os 29 homens em campo (jogadores,

    juiz, bandeiras e gandulas). Todos estariam debaixo da nova ordem, ou seja, oprofissionalismo, que pode ser visto como a afirmao de uma ordem mais impes-soal, em que no h espao para prticas e interesses personalistas e escusos,tirando o sabor do futebol. O autor critica, corajosamente, a perda do referencialhobbesiano, ou seja, elementos do mundo da natureza superados com a entradano mundo social, mas que, em seu entender, devem fazer parte da sociedade aoexpressar a verdadeira condio humana.

    Ao comentar a derrota e eliminao do Brasil na Copa de 54, na Sua, NRprega, avant la lettre, que o futebol brasileiro tem tudo, menos o seu psicanalista.Cuida-se da integridade das canelas, mas ningum se lembra de preservar a sa-de interior, o delicadssimo equilbrio emocional do jogador, pregando que o fute-bol no se traduz em termos tcnicos e tticos, mas puramente emocionais. Aderrota para a Hungria, em 1954, NR no a atribui superioridade tcnica dosadversrios, pois em tcnica, brilho, agilidade mental, somos imbatveis, j ten-do acontecido antes do jogo, pois estvamos derrotados emocionalmente e noera uma pane individual, mas um afogamento coletivo. Naufragaram, ali, os

    jogadores, os torcedores, o chefe da delegao, o tcnico, o massagista, pois quem ganha e perde as partidas a alma, foi esta que ruiu face Hungria

    como havia acontecido com o Uruguai, em 1950. Considerando que o tcnico noentende de alma, Freud seria mais eficaz que os tcnicos em 50 e 54, e s umFreud explicaria a derrota do Brasil frente Hungria, do Brasil frente ao Uruguai e,em suma, qualquer derrota do homem brasileiro no futebol ou fora dele (RODRIGUES, 1993:25). Aqui, NR extrapola sua viso do jogador derrotista para ohomem brasileiro.

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    Em uma crnica emblematicamente intitulada Abaixo a humildade, Rodriguesidentifica no brasileiro traos fortes de muita humildade, mormente no tcnico daseleo brasileira, o mesmo de 1950, Flvio Costa, que anunciava, a babar dehumildade, que a seleo iria para aprender em uma excurso Europa. NR recu-sa esta posio baseado no retrospecto positivo dos jogos internacionais da sele-o, contrapondo a necessidade de uma manifestao ereta e viril e no esseesgar de subservincia. Quando tambm o presidente da CBD manifesta nohaver nenhuma chance na copa vindoura (1958), observa o desfraldar da hu-mildade nacional, o que o leva a identificar uma instintiva, incontrolvel ten-dncia para a autonegao, associando-a ao servilismo colonial que estavatambm afetando o futebol. Situa, assim, o problema do futebol em uma raizhistrica que teria nascido com a colnia (RODRIGUES, 1993:18).

    Destila, tambm, o articulista sua ira contra alguns cronistas patrcios [que]entoaram um verdadeiro canto de autonegao, ao considerarem os jogadoreshngaros como divinos e os brasileiros uns pernas-de-pau, quando ao volta-rem da Sua com um deslumbramento, pois escorria-lhes da boca (...) a babagrossa e bovina da admirao, construo recorrentemente usada por ele. Ao

    afirmar que esses cronistas se pem de ccoras, que se agacham, que se pros-tram no culto abjeto do futebol hngaro (RODRIGUES, 1993; 19), identifica nelesuma atitude de humildade, uma tendncia a valorizar o que de fora, umaautonegao das condies locais; NR, aqui, exala um forte nacionalismo, ao mes-mo tempo que critica esses cronistas que acham que no prestamos! Ns novalemos nada! Ns somos uns pobres-diabos!, o que considera um aviltamentoprprio, que traduz uma deformao indiscutvel; exaltar os hngaros com his-trico exagero para rebaixar o futebol patrcio. Aprofunda a sua crtica a essescronistas por ocasio de um jogo realizado em 1957, no Maracan, entre oFlamengo e o Honved, time hngaro, onde o brasileiro venceu de goleada. Paraesses cronistas, o resultado se devia ao fato do time visitante estar gordo,

    desambientado, com saudades da famlia, no dando crdito e mritos ao timebrasileiro; o que o leva a uma percepo mais estrutural extrapolando o futebol.

    O brasileiro gosta muito de ignorar as prprias virtudes e exaltar as prpriasdeficincias, numa inverso do chamado ufanismo. Sim, amigos: - somos uns Nar-cisos s avessas, que cospem na prpria imagem (Idem:20).

    Um caminho para nos apropriarmos melhor do que seria esse homem brasi-leiro pode ser extrado pela comparao que NR faz com o homem sueco, com suainevitvel pitada de bom humor: Ora, o sueco representa o anti-brasileiro porexcelncia (...) sob o ponto de vista tcnico, ttico e humano (...) um inefvel doce-de-coco, um cndido arroz-doce. Nenhuma malcia, nenhuma maldade, nenhumaviolncia, comentrios feitos a propsito do jogo de um time sueco, AIK, noMaracan, em 1957, contra o Flamengo. Enquanto o futebol sueco caracteriza-sepor uma ingenuidade emocionante, o futebol brasileiro, uruguaio e argentino secaracteriza por uma mistura de molecagem e ferocidade, de virtuosismo e m-f,o que produz um show delicioso (RODRIGUES, 1994: 29).

    O autor apresenta uma sntese do que o futebol brasileiro (e do cone sul),o que lana luz percepo do que seria esse homem brasileiro, uma misturadaqueles componentes, alguns pouco ticos, mas vistos como qualidades, aproxi-mando-se do homem do estado de natureza. Em uma ordem racional, atributoscomo malcia, maldade, violncia, apenas para ficar nos esgrimados pelo autor,seriam condenados, ao passo que, em uma ordem tradicional, tornam-se elemen-tos de sobrevivncia. Ainda agrega outro aspecto que refora o seu perfil do ho-mem brasileiro: havia uma quase cmica superioridade do Flamengo, contudo, a

    equipe no sabia o que fazer de tanta superioridade e (...) se envergonhava demanifest-la (RODRIGUES, 1994:30). Em outras palavras, o sentimento de inferi-oridade tambm se expressa quando se superior, mas no consegue reconhe-cer este estado.

    Se, em determinadas passagens de sua obra, NR recorre Freud, se citaShakespeare em outras, chega um momento em que o autor recorre a uma viso,

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    digamos mais espiritualizada, base de uma sociedade mais tradicional. Nelsonafirma que no h um Deus geral (...) O que existe, sim, o Deus de cada um, umDeus para cada um. Tais ponderaes so introduzidas a respeito do jogo Botafogo6 x Fluminense 2, quando afirma que, com obtusidade de ateus, os torcedoresdo Fluminense pensando que Deus no se interessa por futebol! o excluram dasua torcida, no havendo naquele dia um clube to sem Deus como o Fluminense.A partir da, uma ilao feita, que o que mais nos interessa. Ora, nenhumbrasileiro consegue ser nada, no futebol ou fora dele , sem a sua medalhinha nopescoo, sem os seus santos, as suas promessas e, numa palavra, sem o seuDeus pessoal e intransfervel. esse mstico arsenal que explica as vitrias esma-gadoras (nfase acrescentada). A vitria do Botafogo ocorre porque esse Deusto cordial, ntimo, terno (..) se incorporou torcida botafoguense (...) (RODRIGUES,1993, p.37). Sem Deus, o time, o homem ficariam abandonados, e este homembrasileiro rodriguiano, ento, no s carrega um sentimento de baixa auto-esti-ma, de auto-depreciao como, tambm, uma religiosidade, fortemente elevada edecisiva, tpica de sociedades mais tradicionais que, ainda, no concluram o trn-sito para a sociedade moderna.

    Na derrota frente Inglaterra, em jogo amistoso, em Wembley, confessa oautor que estrebuchei de raiva cvica, sentiu dio do jogador ingls, Taylor, autorde dois gols, dio tambm sentido pelo resto do Brasil (RODRIGUES, 1993, p.37).Certamente h um exagero aqui trao caracterstico do autor , pois grandeparte do Brasil, ainda predominantemente rural e com pouco acesso informaonaquela poca, nem teve ter tido conhecimento do resultado, sequer do jogo! Eledeve estar se referindo a este Brasil urbano, Atlntico fundamentalmente, mas,afinal, formador de opinio. O que o autor, efetivamente, defende que o futebolpossui uma forte capacidade de mobilizar e que assume um primeiro plano naspreocupaes nacionais.

    Na primeira crnica de NR sobre Pel, j o chama de rei, identifica nele oque poderia ser visto como a negao desse homem brasileiro por ele descrito.Em primeiro lugar, em que pese sua baixa idade (17 anos), localiza neste uma

    vantagem considervel: a de se sentir rei, da cabea aos ps, exalando uma sensao de superioridade. Sada, Nelson, a falta de humildade do jogador aose considerar o melhor atacante do mundo, o que no causava qualquer

    desplante, pois o fabuloso craque pe, no que diz, uma tal carga de convico (RODRIGUES, 1993: 42) que acaba por convencer a todos. O jovem jogador seriao anti-brasileiro tpico, por excelncia. Esse deslumbramento se deu a partir deum jogo contra o Amrica, do Rio, em que Pel fez 4 gols, em jogadas sensacio-nais, e quase sempre pelo esforo pessoal; o que demonstra uma plenitude deconfiana, de certeza, de otimismo sendo sua virtude maior exatamente aimodstia absoluta. Pe-se acima de tudo e de todos. Ao valorizar o esforopessoal, ou seja, a capacidade e dedicao ao trabalho, NR se identifica com osparmetros de uma sociedade moderna, cuja tica do trabalho valorizada, comoapontado anteriormente. Alm do diagnstico, exara um prognstico: Na Sucia,ele no tremer de ningum. H de olhar os hngaros, os ingleses, os russos dealto a baixo. No se inferiorizar diante de ningum, ou seja, no praticar ne-nhum sentimento de inferioridade; e torna-se taxativo: dessa atitude viril emesmo insolente que precisamos (Idem: 43). Finaliza com uma previso (afinal,correta). Com Pel no time e outros como ele, ningum ir para a Sucia com aalma dos vira-latas. Os outros que tremero de ns (Idem: 44), reforando aperspectiva de que a inferioridade, agora, com Pel e outros, no se repetiriafrente a pases desenvolvidos, note-se, todos europeus.

    As caractersticas do jogador brasileiro, extrapolando para o homem brasi-leiro, podem ser melhor apreendidas ao comentar os defeitos atribudos ao jo-gador Almir, entre eles, a indisciplina. Argumenta que ningum disciplinado nopas, e vai alm: se vamos tirar do brasileiro a indisciplina, que uma das suasmais fidedignas caractersticas nacionais, ele perder muito do charme, do panache.Faz, assim, a defesa da indisciplina como uma qualidade nacional, o que confronta

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    com a disciplina como uma caracterstica bsica da sociedade moderna, capitalis-ta. Vai mais longe ainda, quando sustenta que no esporte brasileiro, a indisciplinacomea de cima, comea do alto, e exemplifica com o caso do vice-presidente daCBD que vive a desafiar a autoridade presidencial do Sr. Joo Havelange, presi-dente da entidade. E se um vice-presidente da CBD ignora os prprios limites,no admira que Almir faa o mesmo. A afirmao rica para entendermos osparmetros de uma sociedade moderna e uma sociedade tradicional, mais especi-ficamente pr-moderna, hobbesiana, em que a indisciplina, leia-se falta de ordem,poderia ser um trao decisivo. O autor assume uma posio de defesa do jogadorAlmir: apesar dos seus defeitos, ou por isso mesmo, eu o vejo como um exatosmbolo pessoal e humano do futebol brasileiro (RODRIGUES, 1994, p.42).

    Aproximando-se da Copa de 1958, a seleo brasileira fez dois jogos prepa-ratrios contra o Paraguai, ganhando o primeiro, no Maracan, por 5x1. Mesmoassim, Nelson detecta, que os torcedores brasileiros estariam amargos e depri-midos, o que interpreta como um smbolo exato e definitivo da torcida brasileira(RODRIGUES,1993, p.49), pois a primeira providencia do torcedor foi humilhar,desmoralizar o triunfo (...). Atribua-se a vitria no a um mrito nosso, mas a um

    fracasso paraguaio, o que o leva a afirmar que, por uma prodigiosa inverso devalores, sofremos com a vitria e nos exaltamos com a derrota. No segundo jogo,com empate de 0x0, no Pacaembu, s se viam caras incendiadas de satisfao,indicando que j tem torcedores apostando no fracasso na Sucia. Com esse qua-dro, o autor amplifica, uma vez mais, o seu pensamento defendendo que o escretebrasileiro implica todos ns e cada um de ns. Afinal, ele traduz uma projeo denossos defeitos e de nossas qualidades, voltando-se ao emblemtico e proble-mtico 1950: Em 50, houve mais que o revs de onze sujeitos, houve o fracassodo homem brasileiro. Assim, o torcedor que nega o escrete est, como o meuamigo, xingando-se a si mesmo (...), um Narciso s avessas (...) (Idem:50). Deforma grandiloqente e assertivo, Nelson toma o futebol como metfora para en-tender a Nao, associando os dois, em que o fracasso no futebol implica o fracas-so do homem nacional em geral.

    A decisiva contribuio do conceito de complexo de vira-latas

    Em sua ltima crnica antes da estria do Brasil na Copa de 58, chamada Complexo de Vira-latas, o focalizado atinge o pice de sua obra ao depositareste conceito. Identifica, desde a derrota na final de 1950, um pudor de acreditarem si mesmo (...). Foi uma humilhao nacional que nada, absolutamente nada,pode curar. A negao da seleo de 58 reside no pnico de uma nova e irreme-divel desiluso (RODRIGUES, 1993: 51). Caso algum leitor lesse esse texto, su-

    primindo-se a referncia ao futebol, poderia pensar que o autor estivesse a falarde alguma guerra travada pelo pas; o que no o caso, mas mostra a importn-cia atribuda ao futebol por ele e tantos outros.

    Embora admita no ver possibilidades concretas de vitria, expe sua idiacentral que, qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibiese se pe em estado de graa, algo de nico em matria de fantasia, de improvi-sao, de inveno . Aqui, o autor revela traos tpicos do romantismo assentadonas qualidades artsticas do indivduo, dado que temos dons em excesso, s nosatrapalhando o complexo de vira-latas, entendido como a inferioridade em que obrasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todosos setores e, sobretudo, no futebol. Arrefece seu mpeto ao ponderar que isto

    no quer dizer que nos julgamos os maiores, o que seria uma cnica inverdade (RODRIGUES, 1993: 52, nfase adicionada).No j mencionado amistoso com a Inglaterra, em Wembley, Nelson asseve-

    ra que a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi to evidente e, eudiria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. E relembrando, mais uma vez, aderrota de 50, o time brasileiro teria perdido, apesar de sua superioridade diz,

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    porque Obdlio [o famoso lder do time uruguaio] nos tratou a pontaps, comose vira-latas fssemos (Idem). Vale a pena observar que esse suposto comple-xo de inferioridade no ocorria apenas frente aos europeus, como o caso daderrota contra o Uruguai confirma, o que agrava, digamos assim, esse complexo,

    j que no seria apenas um sentimento cultivado frente a povos desenvolvidos.De forma taxativa, o problema do escrete no mais de futebol, nem de tcni-ca, nem de ttica, mas de f em si mesmo. Diagnostica que [o] brasileiroprecisa se convencer de que no um vira-latas e que tem futebol para dar evender l na Sucia ((RODRIGUES, 1993: 52).

    Iniciada a copa, enaltece Garrincha, tido como o jogador decisivo na vitriado Brasil contra Unio Sovitica por fazer a desintegrao da defesa russa, dei-xando os adversrios espantados com o que estavam vendo; por subverter to-das as concepes do futebol europeu. O prprio NR revela sua surpresa, dadoque jamais se viu, num jogo de tamanha responsabilidade, um time, ou melhor,um jogador comear a partida com um baile..., sim, baile! (RODRIGUES, 1993:53).Novamente, uma caracterstica que no tpica da sociedade moderna, racional,que no reconhece o baile como uma das caractersticas do processo de traba-

    lho (ainda que seja um jogo de futebol), mais coerente com o esprito do romantis-mo. Ao mesmo tempo, indiretamente, associa o baile irresponsabilidade. Ento,este seria o jogador brasileiro mais arquetpico, o homem brasileiro em sua essn-cia? Com tal performance, em toda a extenso do territrio nacional, comeva-mos a desconfiar que bom, que gostoso ser brasileiro (Idem: 54). Assim, oflorescimento do gnio criador, base do romantismo, despertaria o sentimento devalorizao da nacionalidade.

    Comentando a estratgica vitria, na Copa, contra o Pas de Gales, por 1x0,o autor revela o que seria nossa tragdia: - a pura e simples vitria no basta(...) E o triunfo sem show, sem apoteose, o triunfo enxuto deixa o brasileiro des-contente e desconfiado (RODRIGUES, 1993: 55). At o momento em que Pel fezo gol salvador, o Brasil inteiro, de ponta a ponta, do Presidente da Republica aoapanhador de guimba, o Brasil estava agonizando, morrendo ao p do rdio (Idem: 56). Ainda que possa parecer muito exagerado e passional, sua avaliao,talvez, no se afaste muito da realidade do pas. Ao colocar o futebol comoagregador, homogenizador da estrutura de classes, o autor revela, mais uma vez,o carter no poltico do romantismo.

    Na hora do gol, revela Nelson que soltou um urro, um uivo, um som jamaisouvido, desde que se inventou o homem. Algo de bestial, de pr-histrico,antediluviano, sei l; valoriza, aqui, elementos tpicos do estado de natureza,brutais, em sua manifestao. Diz nunca ter experimentado euforia assim bru-tal, o que se constituiu em um desses momentos em que cada um de ns deixade ter vergonha e passa a ter orgulho de sua condio nacional, ou seja, o queproporciona esse orgulho o futebol, talvez nada mais, o que afasta a vergonha!Ao elogiar Pel, esse menino que no se abala, nem se entrega, ao contrriodo brasileiro em geral, suscetvel de se apavorar em face dos ttulos do inimigo,ele no acredita em nada. Ningum melhor do que ele (RODRIGUES, 1993:56);sinaliza, implicitamente, que o homem brasileiro deveria mimetizar o jogador.

    Ao comentar o jogo da semi-final contra a Frana, o autor destila o seunacionalismo, trao constitutivo do romantismo - ainda mais em ex-colnias. Re-clama que, enquanto A Marselhesa foi cantada, o nosso hino foi apenas tocado.Registra que se diziam maravilhas frenticas do ataque francs, nos causando,assim, pavor; porm, os franceses, furiosos com o deslumbrante baile do Brasil,baixaram o sarrafo (RODRIGUES, 1994: 45). NR se refere, principalmente a Vav,autor de dois gols, o qual enaltecido por sua coragem de enfrentar os advers-

    rios. O desempenho da seleo, leva Nelson a denomin-la de escrete da cora-gem (Idem: 46). Novamente, o baile seria a valorizao de elementos estticosde uma sociedade perdida no tempo, dos clssicos, mas que ainda estaria pre-sente no futebol brasileiro.

    Na crnica referente conquista da Copa de 58, o articulista enaltece Didi,desacreditado por vrios jornalistas, afirmando que [n]o se podia desejar mais

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    de um homem, ou por outra: no se podia desejar mais de um brasileiro. Desta-ca, ainda, as virtudes do jogador: gana, garra, seriedade, calma lcida, asquais agrega as de um homem de bem, demonstrando constncia, fidelida-de, bravura, entusiasmo, o que basta para caracteriz-lo como um brasileirode altssima qualidade humana. Nota-se, aqui, que Nelson v uma coincidnciaentre o jogador e o homem brasileiro, indicando que tais caractersticas so asque definem o homem brasileiro de bem, deixando de lado, no caso, caractersti-cas do estado de natureza: expressa, assim, o lado santo do brasileiro. Melhorse expressa: nenhum escrete levanta um campeonato do mundo se o homemno presta, revelando a necessidade de qualidades morais para o homem. Esta-vam enganados os torcedores que o imaginavam incapaz de paixo, incapaz degana, incapaz de garra. Molhou a camisa, derramou at a ltima gota de suor,matou-se em campo (RODRIGUES, 1993: 59). Aqui, o autor mostra a necessidadeda convivncia, pelo menos no futebol, das caractersticas do trabalho rduo coma paixo, a gana, garra. Em outras palavras, so necessrias tanto caractersticasdo mundo mais racional, moderno, da valorizao do trabalho, como as do mundomais tradicional. NR, assim, se afasta de uma viso puramente romntica.

    A viso nelsonrodriguiana, meio pica, meio ingnua, se concretiza quandoassevera a existncia no Brasil de analfabetos demais, mas que a vitria final, naCopa da Sucia, operou o milagre. Se analfabetos existiam, sumiram-se na verti-gem do triunfo. A partir do momento em que o rei Gustavo da Sucia veio apertar asmos dos Pels, Didis, todo mundo aqui sofreu uma alfabetizao sbita (RODRIGUES, 1993: 59). Em sua percepo, aconteceu uma coisa sublime: analfa-betos natos e hereditrios devoravam vespertinos, matutinos, revistas e liam tudo(...), nunca se leu e, digo mais, nunca se releu tanto no Brasil (Idem: 60).

    Parece que a sada foi mgica, analfabetos foram subitamente ungidos pelacapacidade de ler, o que o aproxima de uma viso alucinatria e irreal da realida-de, mostrando a inexistente conexo entre o pensamento romntico e a polticareal. Atribui essa transformao ao escrete, aos jogadores que formaram o maiortime do mundo em todos os tempos e, assim, o Brasil descobriu-se a si mesmo.Amplia, Nelson, a dimenso da vitria: [o]s simples, os bobos, os tapados ho dequerer sufocar a vitria nos seus limites estritamente esportivos, mas a vitria lfora, contra tudo e contra todos representa um maravilhoso triunfo vital de to-dos ns e de cada um de ns. Do presidente da Republica ao apanhador de papel,do ministro do Supremo ao p-rapado, todos aqui percebemos o seguinte: cha-to ser brasileiro! (RODRIGUES, 1994: 60).

    Dessa forma, Nelson extrapola a vitria do futebol para a nacionalidade emgeral; uma vitria do Brasil, no apenas do selecionado de futebol, em queocorre o nivelamento das diferenas sociais e de classes, tpico de um referencialcuja poltica no includa. Com a conquista da Copa ningum tem mais vergo-

    nha de sua condio nacional. (....) O povo j no se julga mais um vira-latas, tem o brasileiro (...) de si mesmo uma nova imagem , j percebe a totalidade desuas imensas virtudes pessoais e humanas. Agora, tudo mudou (...) [a] vitriapassar a influir em todas as nossas relaes com o mundo; defende que obrasileiro reage diante do mundo com um potente, um irresistvel lan vital (RODRIGUES, 1994:64).

    Nega, agora, a explicao do brasileiro a partir das trs raas tristes, poiscom o ttulo mundial a nossa tristeza uma piada fracassada, bem como deixa-mos de ser feios, dado que o triunfo embelezou-nos. Em sua construo, oautor ainda agrega um outro fator que, nesse caso, nos aproximaria do primeiromundo e da lgica mais racional: o brasileiro sempre se achou um cafajeste irre-medivel e invejava o ingls. Hoje, com a nossa impecabilssima linha disciplinarno Mundial (...) o verdadeiro ingls, o nico ingls, o brasileiro (RODRIGUES,1994: 64). Nesse ponto, agregado o fator da disciplina, exatamente uma carac-terstica do mundo anglo-saxo e racional, mas pode-se verificar, aparentemente,uma certa contradio do pensamento do autor, pois a cafajestice era, antes,louvada como uma caracterstica nacional positiva. O que, na verdade, acontece

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    tas. Nesse momento, a crioulinha, favelada e descala, tem um halo de JoanadArc. E o brasileiro mais p-rapado, mais borra-botas, enrola-se num manto comoum rei Lear. O Brasil venceu. Somos milhes de reis (RODRIGUES, 1994: 74). Oautor no poupa, no economiza adjetivos grandiloquentes para caracterizar asituao, percebendo-se a estreita relao entre a conquista no futebol e a reali-zao da nao, o despertar da potncia. Ainda que haja uma generalizao, poistodos so reis, os exemplos citados se referem exatamente aos mais carentes,necessitados, os excludos, mostrando como o povo, genericamente, torna-se oelemento foco do romantismo.

    Na seqncia da Copa, no jogo contra a seleo do Chile, a vitria de 4x2transforma-nos em uma nao de 75 milhes de almas eretas como lanas, ge-rando uma euforia nacional justificada pela possvel armao de um massacreemocional do nosso escrete atravs da intimidao, sarcasmo, apito (pos-svel ajuda do rbitro), com presso da imprensa local. interessante perceberque as foras inimigas no residem apenas nos pases desenvolvidos, incluindotambm o Chile, longe de s-lo. Alm disso, agrega Nelson, a seleo nacional noestava com sua mxima potencialidade, dada a contuso do deus Pel

    (RODRIGUES, 1994: 76). A esse respeito, diz que tal notcia parou todo um povo,o que gerou uma coisa indita para a experincia humana uma distenso cho-rada e velada por toda uma ptria (Idem: 77). Rodrigues mostra toda suapassionalidade ao encaixar a dor sentida pela ptria devido contuso de Pel auma experincia indita da humanidade, ou seja, dando um carter de importn-cia ao futebol para o pas comparvel a uma guerra, a perda de um heri nacional., assim, que ele v os grandes futebolistas, ainda mais Pel.

    Ainda que a perda fosse grave, o povo brasileiro to formidvel que, navaga de um gnio, ps outro gnio, Amarildo, realando a importncia do gniono romantismo. De Didi destaca a sua ginga maravilhosa de gafieira, revolta-se,ainda, com a expulso de Garrincha, comparando-o a um passarinho: no h nomundo, ningum to terno, ningum to passarinho como o Man (RODRIGUES,1994:78). Nessa quadra, a referncia a ser despertada Rousseau, que defendiao estado de natureza e seu habitante, o bom selvagem; este possui condies ehabilidades superiores ao homem civilizado (ROUSSEAU, 1988). Nunca demaisrelembrar que o filsofo genebrino foi uma das influncias fortes do romantismo.

    NR finaliza a crnica colocando um dilema:um mistrio (...). O time ou o pas que tem um Man imbatvel. Hoje, sabemosque o problema de cada um de ns ser ou no ser Garrincha. Deslumbrantepas seria este, maior que a Rssia, maior que os Estados Unidos, se fssemos75 milhes de Garrinchas (RODRIGUES, 1994:77).

    O cronista defende, praticamente, um pas no estado de natureza, no qualse manifestariam as foras mais vivas e autnticas do ser humano, no corrompi-das pela civilizao, conforme receita Rousseau. NR exagera quando acredita quese fssemos, todos, garrinchas seramos mais poderosos que as duas grandespotncias da poca, bastante prximo do pensamento alucinatrio! QuandoGarrincha est prestes a encerrar a carreira, brota do autor a observao de que

    [p]oucos homens serviram tanto o seu povo (RODRIGUES, 1993:138).O cronista se delicia ao comentar a partida final, contra a Tcheco-Esvolquia,

    com a vitria de 3x1 da seleo brasileira, a conseqente conquista do ttulo e,mais ainda, ao comentar a performance de Garrincha, marcada por seguidos driblesnos adversrios, o que causou gargalhadas em todo o estdio . Os tchecos emsua desesperadora impotncia no perseguiam mais a bola, ficando quietos.

    Garrincha tambm no se mexe. de arrepiar a cena. De um lado, uns quatro ou

    cinco europeus, de pele rsea como ndega de anjo, de outro lado, feio e torto, oMan. Fica clara a contraposio feita pelo observador entre os europeus bran-cos e o brasileiro de caractersticas fsicas inferiores; mas, este que domina eintimida os outros. o gozo para o cronista. A esse respeito, agrega o autor,assim se pronunciaria um grande poeta; o homem s verdadeiramente homem,quando brinca! Num simples lance isolado, est todo o Garrincha, est todo brasi-

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    leiro, est todo o Brasil. Ao imobilizar, pela magia pessoal, os onze latagestchecos, Garrincha revela um trao decisivo do carter brasileiro: a molecagem (RODRIGUES, 1994: 79). Ao trazer uma observao de Hlio Pellegrino, poeta epsicanalista, de que o brinquedo a liberdade (Idem: 80), o autor associaGarrincha ao brinquedo, molecagem, reforando os traos do homem no estadode natureza, esfera onde certamente o homem pode manifestar mais puramentesua ndole.Lembra o nosso autor que os times europeus vinham com alta expectativapara a Copa de 62, tendo estudado a nossa tcnica e toda a nossa ttica, come-tendo, porm, em seu olhar, um equivoco pequenino e fatal, qual seja, o fortedo Brasil no tanto o futebol, mas o homem. Jogado por outro homem, omesmssimo futebol seria o desastre (RODRIGUES, 1994: 80). A passagem permi-te conhecer melhor o pensamento nelsonrodriguiano: quando ele fala em homembrasileiro, em alguns momentos ele quer dizer, simplesmente, o jogador brasileiro,enquanto em outros, seria o homem mesmo, mas o homem a partir do jogador defutebol. Qualificando melhor, NR afirma que a Europa podia imitar o nosso jogo enunca a nossa qualidade humana; e para nos vencer, os europeus teriam que

    passar vrias encarnaes aqui, teriam que nascer no subrbio do Rio, precisa-riam ser camel no Largo da Carioca e de toda uma vivncia de boteco, degafieira, de cachaa, de malandragem geral (Idem, 80). Aqui, Nelson, aflora todasas virtudes, em seu entender, que fazem o brasileiro superior, todos os requisitosda brasilidade, talvez melhor, da carioquicidade.

    Esmerilhando seu argumento, NR avana no sentido de singularizar que obrasileiro no se parece com ningum, nem com os sul-americanos; constitui-seem uma nova experincia humana. Eleva a molecagem ao pedestal trazidopelo homem do Brasil como um elemento indito, revolucionrio e criador, atin-gindo um ponto alto do estado alucinatrio. O futebol brasileiro era delirante cheio de vidncia, iluminao, irresponsabilidade criadora, todas as caractersti-cas que se opem ao modelo racional da sociedade moderna. Ao Fazer um balan-o daquela Copa de 62, comenta que o ingls apenas joga futebol, ao passo queo brasileiro vive cada lance e sofre cada bola na carne e na alma (...) fora dofutebol, o europeu faz uma imitao da vida, enquanto que o brasileiro vive deverdade e ferozmente. Afirma o cronista que ningum compreender que ganha-mos a Copa devido nossa qualidade humana e ao mistrio de nossos botecos,alm da graa das nossas esquinas, e o soluo das nossas cachaas, e a euforiados nossos cafajestes (RODRIGUES, 1994: 81); mistura, assim, os dois lados,

    santo e canalha. Para entender esses delrios, para alm de sua filiao aoromantismo, deve-se levar em considerao o tipo de sociedade que havia noBrasil na poca, uma sociedade ainda em trnsito para a modernizao, assenta-da em valores mais tradicionais, com a especificidade prpria do caso brasileiro e,

    mais ainda, carioca.Ao posicionar-se de forma contundente, ainda que romntica, contra a ven-da do passe de Amarildo para a Itlia, logo aps a Copa de 62 (em uma poca emque essas transaes eram raras). O autor revela traos de sua conscincia socialmais ampla; afirma que a nica misria orgulhosa a brasileira. Utiliza-se doretirante retratado por Portinari para expressar sua viso do homem, nos seusfarrapos espectrais, lambendo a sua rapadura. Pois o pobre-diabo brasileiro con-serva, no meio da subnutrio mais hedionda, todas as suas potencialidadesintactas (RODRIGUES, 1994: 84). Nessa passagem, o autor reconhece o homembrasileiro, pelo menos o retirante (a maioria, por certo), como um pobre-diabo bem como critica de forma inequvoca a subnutrio da maioria do povo. Admite,porm, que suas potencialidades esto preservadas, dado que a resposta virdesde que algum provoque a sua honra, pois ressuscitar como um Lzaro damisria, sendo capaz de chupar a cartida de reis (Idem: 81). A prescrio feitaatinge os pncaros da idealizao, um estado alucinatrio, totalmente fora darealidade, ou acredita num potencial revolucionrio, desafiador da ordem existen-te, no pela via poltica, mas pela via romntica.

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    Em 1965, a seleo faria um jogo amistoso contra Blgica, no Maracan, jogo visto como a oportunidade de vingar a desfeita de uma derrota por golea-da em um amistoso anterior em Bruxelas, gerando uma humilhao [que] aindapingava sangue (RODRIGUES, 1994:81). Para o cronista, cada brasileiro presen-te [no estdio] era um patriota; levando-o a asseverar que o ressentimentofunda uma nao. Nunca fomos to brasileiros, to Brasil. Com a goleada devolvi-da, em que apenas interessava a vingana, o orgulho nacional foi restaurado. A vitria purificou e, mais, a vitria pacificou a ptria (Idem: 94). Percebe-se notexto de Nelson um trnsito constante entre o futebol e a ptria, os dois se mes-clando e, conforme j dito acima, detecta-se uma sensao da existncia de umaguerra que o pas acabara de travar, voltando com a alma lavada. Essa viso deptria associada ao futebol no exclusividade do teatrlogo cronista; pode, tam-bm, ser encontrada em outro literato de peso, Jos Lins do Rego. Assim como aptria, o clube de futebol parecia conter esta capacidade quase mgica de irmanarindivduos desgarrados e dispersos ao longo do vasto territrio nacional (BUARQUEDE HOLLANDA, 2004, 175). Por essa afirmao e as anteriores, poderamos dizerque parece que estamos condenados ao futebol!

    Voltando a NR, este atinge o xtase ao descrever um dos gols de Pel, emque o jogador, cercado por adversrios, lavou o terreno com fintas sublimes (RODRIGUES, 1994: 94), levando o cronista visionrio a afirmar que, com este gol,

    baixou no estdio a certeza de que vir do Brasil para o mundo a grande PalavraNova, o que leva ao nascimento de um novo fanatismo e de uma nova f: oescrete. Ao assumir sem rodeios o status do fanatismo, ocorre uma adernciaexplcita posio alucinatria. Na seqncia, qualifica melhor a seleo: aptria sem esporas e sem penacho, mostrando que seria uma nova ordem a servenerada, em que no cabem os militares e nem os bacharis em direito, em umpas de militares (j estvamos no perodo ps 64) e de bacharis. O argumentodo autor se situa, de novo, totalmente fora do plano da poltica; no entanto, oproponente no especifica como isto seria alcanado. Na mesma linha, ao se rego-zijar com a ressurreio de Garrincha, dado como morto e enterrado para ofutebol (Idem: 95), por ter este jogado uma grande partida, entende que [o]pblico exultou como se Man, com suas fintas deslumbrantes, estivesse que-brando o surto inflacionrio. Aqui, percebe-se o futebol funcionando como umacompensao para as massas, as fintas do jogador chegariam ao ponto de que-brar a inflao. Arredonda seu argumento pontuando que ao sair do estdio, opovo ia reabilitado de todas as suas frustraes. Cada um de ns era um rei Leara arrastar pelo cho o prpura do seu manto (Idem).

    O complexo de vira-latas: o retorno

    Prximo Copa de 66, o autor fez uma crnica sntese das copas anterio-res, batendo nas teclas costumeiras, ou seja, identifica na polidez, na extremadelicadeza (RODRIGUES,1993: 121), o maior defeito do futebol brasileiro. Ampliao seu olhar, abandonando o futebol, ao asseverar que [o] escrpulo prprio dosubdesenvolvimento. Certamente, aqui, NR absorve o jargo da poca (usadopelas esquerdas, as quais o autor abominava, lembre-se). Ao escrpulo, junta,Nelson, a humildade, a lealdade, o altrusmo e a vergonha de pisar na cara doadversrio cado. O europeu no. O europeu no recua diante de nada (Idem:122); a no incorporao de elementos do estado de natureza na ao contem-pornea, teria feito as grandes naes, e este seria o caminho para a nossa p-tria. Comparado ao ingls, qualquer favelado nosso, desdentado e negro, ummonstro de boas maneiras; defende, assim, a necessidade da recorrncia vio-lncia para um jogador se impor no futebol dos meados da dcada de 60, o quepode ser visto, com um olhar hobbesiano, como a realidade sendo formada deuma guerra de todos contra todos.

    Em um balano que fez de todas as copas para a revista Realidade, em junho de 1966, s vsperas da Copa na Inglaterra, NR mantm-se fiel s suas

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    Futebol, Nao e o Homem Brasileiro: o complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues

    idias. Ao se referir primeira Copa, ele reprisa a sua viso de que o brasileiroera um vira-lata entre os homens e o Brasil um vira-latas entre as naes (RODRIGUES,1994: 112); generaliza, assim, o conceito para a nao. Afirma quepraticvamos uma humildade abjeta, tnhamos a derrota encravada na alma,sendo que o brasileiro frente ao estrangeiro, tremia nos seus alicerces; e mais,que no havia nenhuma espcie de organizao. Todos esses elementos dodiagnstico rodriguiano se aplicariam nao tambm. Em 30, ningum espera-va a vitria. Tnhamos uma longa e terna convivncia com a derrota (Idem: 113),praticvamos um fatalismo bovino, pois s estvamos preparados para per-der. No campeonato de 1934, o autor aponta como problema a grande cisoentre a CBD e a Federao Brasileira de Futebol, causada pela implantao doprofissionalismo, o que desencadeou entre os clubes, um dio de guerra de se-cesso ou de guerra civil espanhola; mais uma vez, magnifica o que se relaciona esfera do futebol.

    Em 1938, NR enxerga uma chance real de vitria, dado que j se insinua-va uma dvida na nossa humildade, ou seja, a vitria s chegaria com a abolioda humildade que nos constitui. Nelson identifica o surgimento de um sentimento

    da superioridade do nosso futebol e destaca trs jogadores de alta qualidade.Romeu, devido ao tratamento quase lascivo bola, fazia com que cada lancefosse um momento de arte, pois sabia cultivar a bola como uma orqudea rara (RODRIGUES, 1994: 114). Quanto a Lenidas, o v como um jogador rigorosa-mente brasileiro por possuir a fantasia, a improvisao, a molecagem, a sensu-alidade do nosso craque tpico. Depois de um gol seu de bicicleta - o salto maislindo que j se viu - tornou-se leve, elstico, alado; l em cima, deitou-se e fez ummaravilhoso movimento de pernas. Alm do deslumbramento, da beleza, daplasticidade, houve o resultado concreto: o gol (Idem). Julgamos importantes osseguintes comentrios, pois, em passagens anteriores, NR parece se referir auma guerra e, agora, a um espetculo de arte. Por outro lado, no a arte pelaarte, mas arte combinada a resultado, o gol, ou seja, h produto, h eficincia.

    O terceiro destacado Tim, um estilista, o que teria praticado, talvez, o futebol mais plstico, mais bonito, j feito por um brasileiro (RODRIGUES, 1994:114). Novamente, o cronista aflora uma das caractersticas centrais do romantismo,qual seja, a valorizao do gnio criador; agora, trs gnios. Alm dos jogadores,NR destaca o torcedor que comeava a perceber nossas potencialidades, o quepode ser entendido, tambm, no s no plano do futebol, mas do povo em geral emrelao nao. Na vitria contra Polnia, o Brasil inteiro parou, e na vitria contraa Tcheco-Eslovaquia, houve um carnaval medonho por todo o Brasil (Idem: 115).Quando o time brasileiro foi derrotado pela Itlia, correu um boato que o jogo teriasido anulado: [o] Brasil inteiro se levantou. Nas esquinas, grupos cantavam o HinoNacional. Mocinhas choravam. Mas durou pouco a euforia cvica (Idem), a vitria

    dos italianos fora confirmada. Constata-se nessa passagem de Nelson, no s oestado alucinatrio, mas tambm o componente nacionalista exacerbado e a mani-festao de uma cultura cvica a partir do futebol, talvez s a partir do futebol, ou,fundamentalmente, a partir deste.

    A competio de 1950, a grande, a inesquecvel humilhao frente ao Uru-guai (RODRIGUES, 1994: 115), leva Nelson a considerar que [c]ada povo tem asua irremedivel catstrofe nacional, algo assim como uma Hiroshima. Ainda queevidentemente seja uma imagem, ou o autor desvaloriza Hiroshima ou valorizademasiadamente a perda da Copa de 1950. Na Copa de 54, ao enfrentar a pode-rosa seleo da Hungria, no pudemos ousar coisa alguma, pois pertencamos,psicologicamente, ao adversrio (Idem, 117), mostrando medo demais. Maisuma vez, NR recorre a fatores menos convencionais e mais sofisticados (a psicolo-gia) para explicar as derrotas. Na entrada em campo, consegue o autor perceberque a seleo est de cabea baixa e com a cara (...) de derrota prvia econsentida (Idem), com medo do adversrio.

    Chegara 1958, a ressurreio do futebol brasileiro que comea a se con-cretizar no jogo contra a Rssia, em que a entrada de Garrincha liberou os com-

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    panheiros de velhas e tremendas inibies. O Brasil passou, ento, a dar tudo desi (RODRIGUES, 1994:118). Consegue, tambm, Nelson perceber que, com a vit-ria em 1958, o brasileiro mudou at fisicamente, e aponta, como exemplo, umacrioulinha, que viu ao final do jogo, tpica favelada, transfigurada pela vitriabrasileira, andando, pela calada, com um charme de Joana dArc. E, tambm, oscrioules plsticos, lustrosos, ornamentais, pareciam fabulosos prncipes etopes.Pode-se perceber no s a referncia aos grupos mais marginalizados, excludos,como, tambm, a uma lder carismtica, ou seja, a sada para o Brasil passariapela liderana carismtica, posio a ser confirmada j nos estertores de sua vida.Arrematando, afirma que depois de 1958, o brasileiro deixou de ser um vira-lataentre os homens e o Brasil um vira-lata entre as naes. O que se pode observar,nessa sntese do autor, a persistncia de seu olhar compulsivo, obsessivo ealucinatrio sobre o futebol brasileiro e o papel deste na afirmao do homem eda nao brasileira, passando por cima de fatores polticos, estruturais, aderente moldura terica do romantismo.

    Na estria da seleo na Copa da Inglaterra, um dia santo (RODRIGUES,1993; 127), e com uma grande atuao de Pel, dissolveram-se as

    diferenas, ningum era credor, ningum era devedor, mas, apenas brasileiros,da cabea aos sapatos. O autor mostra um pensamento mgico, cujas diferenassociais se dissolvem abruptamente. Era, apenas, a primeira vitria. Mas a naointeira crispou-se de sonho, que durou pouco devido s derrotas nos dois jogosseguintes, os quais desclassificaram a seleo nacional, deixando 80 milhes numahumilhao feroz (RODRIGUES, 1993: 129). A culpa, atribui o cronista, ComissoTcnica que formou no um time, mas um bando de ciganos, sem qualquer planottico (Idem: 130). Isenta, assim, o jogador brasileiro, que continua o melhor domundo, nada se comparando graa, ao sortilgio, flama do nosso craque. Otime no foi derrotado pelos adversrios, mas pela burrice da Comisso Tcnica que, durante o perodo de quatro meses de preparao teve tudo, teve prest-gio, apoio, confiana, autoridade, o que pode ser compreendido como a defe-sa dos jogadores (povo) e a condenao dos dirigentes (Idem).

    Desclassificado o Brasil, NR afirma que a Inglaterra se prepara para ga-nhar no apito, e extrapola alm do futebol essa explicao, indicando que s ossubdesenvolvidos ainda se ruborizam, enquanto o grande povo , antes de tudo,um cnico (RODRIGUES, 1993:132). Nesse processo, no h disfarce, ou escr-pulo, ou mistrio, tudo sendo feito de forma premeditada e aberta ao seremescalados juzes ingleses para apitar os jogos contra o Brasil e os outros pasessulamericanos. Arrola, ainda, o cronista, outro fato: a violncia dos adversrioscontra nossos jogadores sem qualquer conteno pelos juzes, e o Brasil apa-nhou sem revidar (Idem: 133). Mais ainda, sendo aquela Copa uma selva, o

    jogador brasileiro aparece com um jogo leve, afetuoso, reverente, cerimonioso,

    o que o leva a configurar dois tipos de futebol: o brasileiro, um futebol difano,incorpreo, de slfides, e o europeu, centauros truculentos, escouceando emtodas as direes. Por fim, clama a necessidade de o jogador brasileiro ser ree-ducado no sentido de virilizar o seu jogo, dado que o Brasil sabia apanhar eno sabia reagir (Idem).

    Com esses elementos, Nelson no hesita em proclamar: Voltamos aser vira-latas, possumos uma humildade feroz de subdesenvolvidos (RODRIGUES,1994, 120). A trama para assegurar a vitria da Inglaterra no lhecausa espanto, dado que foi assim, sempre. O grande povo no pode ruborizar-se como os subdesenvolvidos. No. Tem de ser cnico para crescer e repito: - aHistria prefere os cnicos. NR atesta uma aceitao velada da pirataria, j que

    sem o cinismo assim monumental, nunca se fez um imprio. Nesse tecido queenvolve o retorno do complexo de vira-latas e do subdesenvolvimento, Nelsonamplia o escopo deste ltimo, ao detectar em seus colegas jornalistas a babaelstica e bovina do subdesenvolvimento. Identifica em um deles o desejo de

    fazer do futebol brasileiro uma miservel colnia do futebol ingls. Em sua viso,no tnhamos nada a aprender com o ingls no futebol, a no ser como ganhar

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    Futebol, Nao e o Homem Brasileiro: o complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues

    no apito. A lio aprendida naquela Copa, segundo Nelson, alm do cinismo dosingleses, foi o seguinte lema: um imprio se faz pulando o muro e saqueando ovizinho (Idem, 124). Combate, o nosso autor, o citado jornalista, por assumir naInglaterra todo o comportamento do subdesenvolvido, de vrias encarnaes,no momento em que exalta o futebol ingls, alemo e russo, de uma clara, taxativa,ululante mediocridade(...) [um] retrocesso evidentssimo, pois a grossura, adeslealdade ou, numa palavra, o coice nunca foi moderno. Para Nelson, o jorna-lista pretendia transformar o jogador brasileiro em um centauro. Assim, segundoNR, o escopo do subdesenvolvimento no reside, apenas, nos dirigentes (do fute-bol), mas tambm nos jornalistas que assumem posies de subalternidade fren-te ao futebol europeu; mostra como os pases desenvolvidos alcanaram essestatus , como que a indicar o mesmo caminho para o nosso.

    Ainda, quanto questo do subdesenvolvimento, NR afirma que se podeesperar do subdesenvolvido o protesto, sua dignidade depende de sua indig-nao, pois nada mais abjeto do que o subdesenvolvimento consentido, confes-so e at radiante (RODRIGUES, 1994: 126). Na sua compreenso sobre o nossosubdesenvolvimento, seria normal que ns, paus-de-arara, estivssemos voci-

    ferando contra a iniqidade. Um subdesenvolvido no pode manter a sua dignida-de sem o protesto (idem; 127), este que o salva, que o redime, mas em umareunio de colegas, ao invs dos protestos contra o roubo dos rbitros na Coparecm finda, assistiu-se uma desenfreada adulao da Inglaterra, de sua medio-cridade futebolstica e da torpeza de sua arbitragem. Aprofunda-se o cronista naquesto em tela de uma maneira mais dura e inequvoca ao entender que atragdia do subdesenvolvimento no s a misria ou a fome, ou as criancinhasapodrecendo, mas, talvez, um certo comportamento espiritual que faz com que

    [o] sujeito roubado, ofendido, humilhado e no se reconhece nem o direito deser vtima. Nesse diagnstico, no remete Nelson a nenhuma categoria de car-ter poltico, de dominao, de poder, de lgica do sistema capitalista. Ao recorrer auma interpretao dita espiritual do subdesenvolvimento brasileiro, refora opensamento romntico.

    Ao se deter no comentrio feito por um jornalista, em que este deplora ahisteria do brasileiro, que s sabe ganhar e no sabe perder, NR reage comindignao: [o]h meu Deus do cu! Virgem Santssima! Ns j somos um povoque no faz outra coisa seno perder! (...) nossa cara a cara da derrota, eapresenta uma definio de subdesenvolvimento: Afinal de contas, o que osubdesenvolvimento se no a derrota continua, a humilhao de cada dia e decada hora? Entende como ignomnia que venha algum dizer a esse povo deses-perado: - V perdendo! Continue perdendo! Aprenda a perder! (RODRIGUES,1994: 127). Aqui, o autor extrapola o futebol, se refere Nao; faz a confisso, aadmisso, sua maneira, sem qualquer referncia fatores polticos, de que so-mos persistente e historicamente subdesenvolvidos.A derrota na Copa de 1966 acabou suscitando reaes e novas vises so-bre o futebol em geral, e o brasileiro, em particular, como o tcnico do Botafogo,Admildo Chirol, pregando no ser mais possvel o personalismo, sendo desejado ocoletivismo. NR reage entendendo que o treinador est pleiteando que todos os

    jogadores sejam iguais entre si como soldadinhos de chumbo, o que seria aexpresso mxima da sociedade racionalizada. Em sua perspectiva, o futebol bra-sileiro no esteve naquela Copa, mas sim a inpcia, a incompetncia e a burriceda nossa Comisso Tcnica (RODRIGUES, 1994: 129). Para Nelson, o citado tcni-co est defendendo o fim do homem-chave, do homem-estrela, do craque quase-divino. Nesse sentido, questiona se ele ter meios e modos de apagar as

    dessemelhanas individuais que fazem o charme dos homens, povos, religies etimes; ressalta, novamente, a nfase na presena do gnio que, na realidadebrasileira, seria prdiga. Adiciona, ainda, que em todas as reas da atividade hu-mana esto presentes as grandes individualidades (Idem: 130) e, assim, no

    futebol, como em tudo o mais, o craque decisivo. Concede que os onze so indispensveis, mas que no time de Pel, s ele existe e o resto paisagem,

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    Jos Antonio Gomes de Pinho

    enquanto na Inglaterra, na Alemanha e em toda a Europa o tal coletivismo maisplausvel devido misria de talentos individuais, gerando-se um futebol em

    correrias delirantes de obtusas, ao contrrio do Brasil onde abundam os talen-tos individuais. Condena a teoria de Chirol por dois defeitos: inexeqvel e

    indesejvel. No plano do futebol diz que:[n]o dia em que desaparecerem ospels, os garrinchas, as estrelas, enfim, ser a morte do futebol brasileiro, en-quanto, no plano do ser humano, pleiteia que no dia em que desaparecerem asdessemelhanas individuais ser a morte do homem (Idem).

    Assenta, assim, o autor o seu edifcio terico nas fundaes da presena dognio criador, diferenciado para comandar os demais. Entende que, para isto acon-tecer, teria que ocorrer duas coisas: mudar o brasileiro por dentro e por fora.(...) Um ingls, um alemo, pode fazer um futebol cavalar, porque come bem h milanos. E o brasileiro, que come mal h mil anos, no tem massa fsica para ascorrerias delirantes (RODRIGUES, 1994: 132). Por outro lado, temos tudo o queos outros no tm: a fantasia, o lan criador, a molecagem, a malandragem, apaixo (Idem). Novamente, apresenta outra faceta do subdesenvolvimento, afome, a carncia alimentar, compensada por valores outros caractersticos dasociedade brasileira; talvez, mais da carioca.

    Acrscimos

    Ficou claro pelas exposies feitas, tanto com base em NR, como em outrosautores, a importncia do futebol na sociedade brasileira. Essa realidade superdimensionada quando se trata de Nelson Rodrigues. Ao longo do texto, procura-mos associar as posies defendidas pelo autor com o quadro terico do roman-tismo, detectando-se na exposio a valorizao de uma sociedade tradicionalque est sendo substituda na realidade brasileira pelas condies da moderniza-o. Alm dessa valorizao, o autor vai alm defendendo elementos tpicos doestado de natureza, em que Garrincha surge como exemplar tpico. Mas, se afas-tando do romantismo e forjando um rodriguismo ou um hobbesianismo, incorporaem sua viso sobre o homem elementos tpicos do estado de natureza, pois, emsua perspectiva, convivem os santos e os canalhas. Mostra que com ocontingenciamento destes a vida se tornaria menos agradvel e encantada. Deacordo com o romantismo, o papel do gnio, em que Pel o arqutipo, extre-mamente valorizado.

    A tese central do pensamento de NR est assentada no diagnstico da sub-servincia, da humildade, tanto do jogador como do homem brasileiro. Essa humil-dade se expressava por meio de um sentimento de autonegao, por exemplo,como na valorizao do que vem de fora, do exterior; mesmo quando h um dife-rencial explcito de superioridade nacional, esta no consegue ser manifestadaapropriadamente, havendo uma certa vergonha em exprimi-la. Ocorre, no caso, oaflorar da condio do nacionalismo como um dos pilares do romantismo. A condi-o de inferioridade comea a poder ser superada com a chegada de Pel, posiodefendida pelo articulista. Mas o sentimento de inferioridade ainda se refora apartir da prpria torcida que no valoriza as vitrias da seleo, enquanto exerceum severo juzo critico com as derrotas. Tais reflexes acabam culminando na cri-ao do conceito de vira-latas, em que o brasileiro se coloca, voluntariamente,em posio subalterna e de humildade frente a outros povos e em todos os seto-res, no apenas no futebol. A conquista do ttulo na Sucia, confirmada no Chile,superou essa condio, extrapolando-a do campo do futebol para o da nao, oque foi enquadrado como expresso do componente alucinatrio do romantismo.

    Um outro componente da constituio do homem rodriguiano, brasileiro,assenta-se na valorizao da religio, ou mais genericamente da f, o que repre-senta a manuteno de traos decisivos de uma sociedade tradicional. Por outrolado, em vrias passagens dos seus escritos, NR valoriza o trabalho (camisa sua-da, correu o jogo todo), o que tpico de uma sociedade moderna, baseada nomrito. Assim, comeamos a formar um juzo mais redondo do pensamento

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    Futebol, Nao e o Homem Brasileiro: o complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues

    rodriguiano, qual seja, ao tempo que valoriza o trabalho (tpico de uma sociedademoderna), no deixa de lamentar a possvel e provvel perda de elementos dasociedade tradicional; mais que isso, elementos da essncia do ser humano, tpi-cos do estado de natureza, caso da defesa que faz da indisciplina como um traopositivo do jogador brasileiro e do homem brasileiro, alm da malandragem ouesperteza.

    No h a menor dvida que o autor tinha conhecimento e conscincia denossas mazelas sociais, citando a misria e o subdesenvolvimento, mas no fazqualquer referncia a como teriam sido produzidas, geradas, no as situa em umcontexto scio-econmico-poltico, de base histrica; posio esta conforme com oromantismo. interessante notar que sua fama de reacionrio se estabelece apsa assuno do regime de maro de 1964, mas, antes disso, pelo menos n