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CONSEQUÊNCIAS DA INTERVENÇÃO ANTRÓPICA NA ZONA COSTEIRA: UM EXEMPLO DO LITORAL DO PARANÁ Gabriela M. Ignácio Karina B. Rebuli Lilian Anne Krug Liliane Kotler Maiara P. Tel Soraya M. Patchineelam [email protected] Universidade Federal do Paraná INTRODUÇÃO A região costeira é um ecossistema frágil devido a sua localização na interface continente-oceano-atmosfera, onde os processos físicos, químicos, biológicos e geológicos característicos desta zona de interação atuam de forma dinâmica. A estabilidade sedimentar e morfológica de uma região costeira é controlada, na escala mundial, pelas oscilações do nível relativo do mar e pela tectônica global e, na escala regional, pelo balanço entre os processos meteorológicos e oceanográficos e as descargas fluvial e sedimentar. Além desses fatores naturais, a região costeira abriga mais da metade da população mundial, configurando o impacto antrópico mais um fator determinante sobre o balanço sedimentar e a morfologia da linha de costa. A grande pressão antrópica sobre a zona costeira – que abriga cerca de 70% da população mundial – intensifica ou ameniza a perda de propriedade e terreno causada pelos processos naturais. O potencial econômico de regiões costeiras depende, dentre outros fatores, da sua estabilidade morfológica. Por exemplo, praias com potencial erosivo não comportam intensa urbanização e edificação, sendo, portanto, desfavoráveis para o investimento no turismo tradicional. Litorais sujeitos a intensa deriva litorânea são desfavoráveis à construção ou ao aprofundamento de canais de navegação. Muitas vezes, porém, as atividades antrópicas são iniciadas sem estudos prévios de impacto ambiental e os gastos com outras obras, realizadas a fim de minimizar esses efeitos, trazem prejuízo para as atividades, podendo mesmo inviabilizá- las economicamente. O litoral brasileiro, com extensão aproximada de 8.500 km, apresenta diversos estágios de erosão e, menos freqüentemente, acresção costeira. Além da grande pressão demográfica sobre esta área, o estágio atual de aumento do nível eustático do mar eleva o número de áreas sob efeito dos processos erosivos, podendo converter esta região em área de risco ou de difícil gestão em um futuro próximo. Portanto, o entendimento dos processos costeiros naturais e do impacto

Gabriela M. Ignácio, Karina B. Rebuli, Lilian Anne Krug, Liliane

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CONSEQUÊNCIAS DA INTERVENÇÃO ANTRÓPICA NA

ZONA COSTEIRA: UM EXEMPLO DO LITORAL DO PARANÁ

Gabriela M. Ignácio Karina B. Rebuli

Lilian Anne Krug Liliane Kotler Maiara P. Tel

Soraya M. Patchineelam [email protected]

Universidade Federal do Paraná

INTRODUÇÃO

A região costeira é um ecossistema frágil devido a sua localização na interface

continente-oceano-atmosfera, onde os processos físicos, químicos, biológicos e geológicos

característicos desta zona de interação atuam de forma dinâmica. A estabilidade sedimentar e

morfológica de uma região costeira é controlada, na escala mundial, pelas oscilações do nível

relativo do mar e pela tectônica global e, na escala regional, pelo balanço entre os processos

meteorológicos e oceanográficos e as descargas fluvial e sedimentar. Além desses fatores

naturais, a região costeira abriga mais da metade da população mundial, configurando o impacto

antrópico mais um fator determinante sobre o balanço sedimentar e a morfologia da linha de

costa.

A grande pressão antrópica sobre a zona costeira – que abriga cerca de 70% da população

mundial – intensifica ou ameniza a perda de propriedade e terreno causada pelos processos

naturais. O potencial econômico de regiões costeiras depende, dentre outros fatores, da sua

estabilidade morfológica. Por exemplo, praias com potencial erosivo não comportam intensa

urbanização e edificação, sendo, portanto, desfavoráveis para o investimento no turismo

tradicional. Litorais sujeitos a intensa deriva litorânea são desfavoráveis à construção ou ao

aprofundamento de canais de navegação. Muitas vezes, porém, as atividades antrópicas são

iniciadas sem estudos prévios de impacto ambiental e os gastos com outras obras, realizadas a

fim de minimizar esses efeitos, trazem prejuízo para as atividades, podendo mesmo inviabilizá-

las economicamente.

O litoral brasileiro, com extensão aproximada de 8.500 km, apresenta diversos estágios de

erosão e, menos freqüentemente, acresção costeira. Além da grande pressão demográfica sobre

esta área, o estágio atual de aumento do nível eustático do mar eleva o número de áreas sob

efeito dos processos erosivos, podendo converter esta região em área de risco ou de difícil gestão

em um futuro próximo. Portanto, o entendimento dos processos costeiros naturais e do impacto

antrópico é essencial para o planejamento do uso, ocupação e conservação desse ambiente tão

importante.

Este trabalho tem como objetivo avaliar o atual estado morfológico do litoral paranaense

na região do Balneário de Pontal do Sul, localizado na desembocadura sul do Complexo

Estuarino de Paranaguá (CEP), em função dos processos naturais e das atividades antrópicas que,

cronologicamente, se intensificaram a partir da década de 50.

ÁREA DE ESTUDO

O litoral do Estado do Paraná localiza-se na costa cristalina que se estende do sul do

Espírito Santo até o Cabo de Santa Marta em Santa Catarina (Silveira, 1964). Neste segmento do

litoral brasileiro, a linha de costa descreve uma grande reentrância, formando um vastíssimo

“golfo”, cujo ponto mais profundo é o Complexo Estuarino de Paranaguá (Figura. 01). A

geologia regional apresenta de um lado as rochas pré-cambrianas da Serra do Mar e do outro a

planície costeira, constituída principalmente por sedimentos arenosos e areno-argilosos

quaternários (Angulo, 1996). A continuidade da planície costeira é interrompida por três

sistemas estuarino-lagunares denominados baías de Guaratuba, Paranaguá e Pinheiros (Angulo,

1993; Köhler, 1996).

A desembocadura sul do CEP, onde se localiza o Balneário de Pontal do Sul (25º 35’S,

48º21W - Figura 01), apresenta regime de micro-maré semi-diurna, com correntes de deriva

litorânea que predominam de Sul para Norte. Esse sentido de deriva reflete o predomínio da

energia das ondas provenientes de Sul-Sudeste, relacionadas com a passagem de frentes-frias

(Angulo, 1996). A influência das ondas na morfologia local é limitada pela presença dessa

desembocadura e bancos arenosos a ela associados, podendo ser diferenciados três setores nesta

região: (I) um interno dominado pela ação das correntes da desembocadura, (II) um

intermediário e (III) um externo mais exposto à ação das ondas (Figura 01). Segundo a

classificação da dinâmica da linha de costa proposta por Angulo (1993), o setor I é do tipo

moderadamente instável, o II é do tipo instável e o III, estável. Os dois primeiros localizam-se no

balneário Pontal do Sul e o terceiro no balneário Atami (25º 35’S, 48º 22’W).

A feição geomorfológica submersa da desembocadura do CEP é um delta de maré

vazante, onde atuam um canal central principal de vazante e canais marginais de enchente

(Angulo, 1992). Estas feições mostram grandes variações de suas configurações em curtos

espaços de tempo, causando importantes mudanças na área costeira adjacente, como intensos

processos de erosão e deposição nas praias, bem como modificações na posição da linha de costa

(Lamour et al., 2003). Observa-se em fotografias aéreas da década de 50, anteriores à construção

de canais artificiais, esporões arenosos que avançam para o interior da baía, evidenciando um

intenso transporte sedimentar nesta direção associado as correntes de maré enchente do delta

(Angulo, 1992).

CRONOLOGIA DE OCUPAÇÃO HUMANA

Não se tem registro das primeiras ocupações humanas no litoral paranaense, sendo os

indícios mais antigos de que tem conhecimento os sambaquis encontrados e datados por

arqueólogos ao longo do litoral do estado. No município de Pontal do Paraná, às margens do Rio

Guaraguaçu (Figura 02), foi localizado um sítio arqueológico de sambaqui datado de 4000 a

3500 anos a.p.. Este sítio foi tombado em 1982, e atualmente localiza-se a cerca de 4 km de

distância da linha de costa atual.

Sítios arqueológicos ricos em artefatos de cerâmica característicos dos povos indígenas

da tribo dos Carijós foram encontrados e datados entre 1500 a 500 anos a.p.. No início da

colonização do Brasil, entre 1502-1503, expedições guiadas por Gonçalo Coelho chegaram à

Ilha de Superagüi. Em meados de 1550, uma expedição que buscava encontrar ouro, chegou à

Ilha da Cotinga, entrando em contato com os Carijós. As minas encontradas no trajeto percorrido

próximo aos rios Almeida, Correa e Guaraguaçu foram denominadas minas de Paranaguá.

As vilas de pesca caiçaras ocuparam a região até meados de 1945, quando se iniciou a

exploração turística do litoral brasileiro como um todo. Na década de 50, com a construção da

rodovia federal BR-277, que liga Curitiba a Paranaguá, e da rodovia estadual PR-407, que liga

Paranaguá a Praia de Leste (Figura 02), a especulação imobiliária e as grilagens de terra

cresceram. Em 1951, com a autorização do primeiro loteamento e a construção de casas de

veraneio na região praiana, os pescadores foram deslocados das suas vilas nas praias para a

região interna da planície costeira. A atual faixa de restinga foi loteada, mas através de ação legal

da Associação de Moradores, que não queriam outras residências entre as deles e o mar, o

loteamento foi proibido. Entretanto, esta faixa de restinga vem sendo impactada pela circulação

de pessoas, veículos, despejo de detritos sólidos, terraplanagens, construção de campos,

gramados e calçadões que alteram a vegetação e o regime hidrográfico natural e,

conseqüentemente, a deposição de sedimentos marinhos.

No início da ocupação do balneário de Pontal do Sul, o curso do rio Perequê foi desviado,

e a sua foz passou a desembocar pelo canal artificial DNOS aberto no ano de 1954 (Figura 02).

Segundo Soares et al. (1997), este canal foi construído com o objetivo de saneamento, que na

época significava acabar com as áreas de manguezais, considerados insalubres. A

desembocadura deste canal mostrou-se instável e, com o objetivo de estabilizá-la, foi construído

um molhe.

O crescimento comercial do Porto de Paranaguá gerou a necessidade de um canal de

acesso com maior calado. Como as formações geológicas impediam o aprofundamento do Canal

Sueste, até então usado, em 1975-1976 o Canal da Galheta (Figura. 01) foi dragado e se tornou o

principal canal de acesso ao porto, com profundidade de 12 m e extensão de 30 km.

Posteriormente, em 1980, a profundidade do canal foi ampliada para 13m. A dragagem deste

canal seccionou o banco arenoso da Galheta, o que desencadeou um intenso processo de

assoreamento (Lamour et al., 2003). Por isso, dragagens freqüentes são necessárias para a

manutenção de sua navegabilidade. Desde a sua inauguração, um volume de cerca de 1.111.706

m³ de sedimentos é dragado anualmente (Soares et al., 1997).

Na década de 1980, três empresas (FEM, TECHINTE e TENENGE) se instalaram em

Pontal do Sul para construir plataformas de exploração de petróleo. A TECHINTE construiu, a

cerca de 2 km do Canal do DNOS, um trapiche na Ponta do Poço, que apresentou o mesmo

efeito no transporte sedimentar.

Para resolver o problema de erosão nas margens do rio Perequê, foi construído mais um

canal artificial, o Canal do Vernalha em 1985-86, desviando o curso do rio, levando-o a desaguar

no canal do DNOS. Atualmente o canal do DNOS é ocupado por marinas, que freqüentemente

dragam o canal.

METODOLOGIA

O levantamento cronológico das atividades humanas na região do Balneário de Pontal do

Sul foi elaborado através de pesquisa bibliográfica e entrevistas com moradores locais.

Fotografias aéreas (1953, 1980 e 2003 na escala 1:25000) foram georreferenciadas através

do aplicativo ER-MAPPER, tomando como referência vinte pontos de uma imagem de satélite

IKONOS-2002. Através de transposição e transparecimento de pares de fotografias, foram feitas

as interpretações da variação na linha de costa em Pontal do Sul. Linha de costa neste trabalho é

definida como o limite entre a área vegetada da restinga e a areia da praia. Além disso, foram

extraídas as linhas de 1953 e 1980, que puderam então ser exportadas para o aplicativo SPANS e

comparadas às de 1998, 2000 e 2003, oriundas de dados do Sistema de Informação Geográfica

do Laboratório de Oceanografia Costeira e Geoprocessamento do Centro de Estudos do Mar da

UFPR. Como a variação da linha de costa é irregular, as distâncias consideradas entre as

diferentes linhas foram aquelas correspondentes aos pontos onde foram realizados os perfis de

praia, denominados Atami, Peixitu’s e Richard (Figura 03). As linhas de costa de 2000 e 2003

não abrangem completamente a área de estudo e no Perfil Atami os valores que faltavam foram

estimados considerando-se que a linha de costa se estende na mesma direção precedente, pois a

configuração da linha de costa neste trecho tende a ser retilínea em direção ao sudeste. Não foi

feito o mesmo para o Perfil Richard, pois a partir das observações das fotografias aéreas não foi

possível supor uma direção para a continuidade da linha de costa.

Indicadores de Erosão Costeira, características biogeofísicas encontradas nos ambientes

costeiros, foram identificados e quantificados para a determinação do nível atual dos processos

erosivos no local estudado. Foram utilizadas as tabelas de indicadores de Souza & Suguio

(2003), sendo que a primeira descreve os índices e a segunda define o nível atual do processo

erosivo (Tabelas 01 e 02). Os indicadores de erosão costeira foram identificados numa faixa

litorânea com extensão de 5,7 km entre o canal DNOS e o Balneário Atami.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Variações na linha de costa

Como dito anteriormente, a morfologia dos esporões arenosos presentes na foz dos rios

Perequê e Penedo, evidenciados nas fotografias aéreas de 1953, indica um sentido de transporte

sedimentar do mar aberto para setores mais internos da Baía de Paranaguá. Na fotografia aérea

de 1994, foram observadas mudanças na morfologia destes esporões arenosos em função de

atividades antrópicas na região (Krueger et al. 1996). Estas atividades são detalhadas nos

próximos parágrafos.

A dragagem do Canal da Galheta, por exemplo, alterou todo o sistema de deriva litorânea

da região costeira adjacente, atingindo em especial o Balneário de Pontal do Sul. Através de uma

analise visual das fotografias aéreas mais recentes (décadas de 1990 e 2000), observa-se o grande

aumento dos bancos arenosos (evidentes na fotografia de 1953) após o aprofundamento do Canal

da Galheta em 1980.

O sedimento deslocado pela deriva longitudinal litorânea SW-NE é barrado naturalmente

na região da desembocadura do CEP. Soares et al. (1997) sugerem que este sedimento pode ter

sido depositado na praia de Pontal do Sul, pois apontam como possível causa da progradação de

700 m que houve na linha de costa desse balneário entre as décadas de 1950 a 1990, a

intensificação do bloqueio hidráulico provocada pelo aprofundamento do Canal da Galheta.

Estes mesmos autores citam também a possibilidade desse sedimento depositado ter sido oriundo

do material dragado e despejado nas proximidades da desembocadura do CEP.

Na porção litorânea correspondente à área anterior ao canal do DNOS até o Balneário

Atami, onde ocorreu progradação sedimentar, houve, portanto, um aumento de área que poderia,

a principio, ser loteada. Quando o primeiro loteamento imobiliário foi estabelecido, na década de

50, a praia localizava-se a cerca de 250 m de distância da Avenida Beira Mar. Atualmente esta

distância é de aproximadamente 1km, ou seja, houve um avanço de cerca de 750 m em 40 anos,

correspondendo a um avanço médio de 17,5 m por ano (Soares et al., 1997).

No setor que vai de Pontal do Sul até a Ponta do Poço, as modificações da linha de costa

têm sido marcantes, com erosão de mais de 150 metros em alguns locais, como evidenciam as

fotografias aéreas a partir de 1980. As causas das mudanças verificadas no período estão

associadas à construção do Canal do DNOS e do trapiche da TECHINTE (Angulo, 1993;

Krueger et al., 1996; FUNPAR, 1999), os quais interromperam a deriva litorânea em direção ao

interior do CEP, provocando acresção na porção sul e erosão na porção norte (Soares et al.,

1997). Krueger et al. (1996) quantificaram uma perda de cerca de 373.427.896 m2 entre 1953 e

1996 nesta região, com acresção de cerca de 3.972 m2 apenas na margem direita do Trapiche da

TECHINTE. O recuo da linha de costa na porção posterior ao molhe não foi homogêneo em todo

o setor, tendo sido observado um máximo de 250 m na área adjacente ao canal DNOS, com taxa

média de 5,8 m/ano. Atualmente, essa área apresenta sinais de estabilidade, com o crescimento

de uma vegetação típica de manguezais e marismas.

A medição de taxas médias de variação da linha de costa (m/ano; tabela 03) está de

acordo com a classificação dos níveis de estabilidade da linha de costa feita por Ângulo (1993).

Entretanto, taxas médias têm uma validade restrita para ambientes instáveis e irregulares, como

as desembocaduras de grandes baías – o que fica evidenciado pela comparação das taxas médias

e os dados analisados ou discutidos no presente trabalho. Compare-se, por exemplo, a variação

na grandeza das taxas médias no Perfil Peixitu’s ao longo do período registrado (1953-2003):

entre 1998 e 2000 a taxa média de variação da linha de costa foi da ordem de centenas de metros

por ano, enquanto entre 1953 e 2003 foi de menos de dez metros por ano.

Com a análise da transposição das fotografias, percebe-se entre 1953 e 1980 (Figura 04),

período no qual foi desviada a foz do Rio Perequê e aberto o Canal do DNOS, um processo de

retificação da linha de costa na margem sul do canal. Além disso, o desvio desta desembocadura

também parece ter contribuído para a formação de uma faixa de areia contínua, com a

desconfiguração do esporão da foz do Rio Perequê, visível na foto de 1953. Junto a esta

retificação da linha de costa, em direção ao Balneário Atami, verifica-se a presença de um bolsão

de areia que decresce em direção ao Atami. É também verificada neste período a urbanização do

local, evidente pelo crescente loteamento. Extremamente interessante é o fato de que todo um

trecho da faixa de loteamento está construído exatamente em cima da faixa de areia exposta em

1953. Este setor, portanto, não é favorável a edificações, pois faz parte do sistema sedimentar da

desembocadura do CEP, sujeito a variações naturais em período de tempo relativamente curtos.

A comparação das fotos de 1980 e 2003 (Figura. 04) mostra que no trecho entre o canal

do DNOS e a antiga foz do Rio Perequê ocorreu sedimentação, sendo que em 2003 a vegetação

pioneira recobre praticamente toda a faixa que era de areia da praia em 1980. Houve também

sedimentação durante todo este período em direção ao Balneário Atami, com exceção de um

trecho próximo ao Perfil Peixitu’s, o qual mostrou progradação até 2000 e depois erosão. Além

disso, outro trecho que se mostrou mais instável, foi uma porção da linha de costa próxima ao

Balneário Atami, na qual também se verifica erosão. Ainda em direção ao Atami observa-se

novamente sedimentação e a vegetação pioneira cobre toda a areia da praia de 1980, ocupando

em certos trechos áreas que se encontravam submersas.

Lamour et al. (2003) constataram que entre 1998 e 2001 houve intensificação tanto dos

valores de volumes erodidos quanto das ocorrências de marés meteorológicas no litoral

paranaense. Estes mesmos autores, ao analisarem os processos erosivos ocorridos a partir de

1998, sugerem que os sedimentos trazidos pelas correntes de deriva litorânea são barrados pela

desembocadura do CEP e em parte responsáveis pelo assoreamento do canal. Assim, o canal da

Galheta estaria atuando como uma armadilha de sedimento. Estes autores verificaram uma

coincidência entre o volume de sedimento erodido em Pontal do Sul e o depositado no Canal da

Galheta.

Indicadores de erosão costeira

Entre o Balneário Atami e o canal do DNOS, foram identificados os seguintes aspectos

indicativos de erosão: I, II, III, V, VII, VIII, X, XI (Tabela 01). Estes indicadores caracterizam

uma erosão de 21-40% ao longo de toda a faixa litorânea analisada (5,7 Km), o que representa

risco erosivo de nível médio. Observa-se que, espacialmente, os indicadores concentram-se na

região anterior ao molhe do canal do DNOS (Figura. 03). Para analisar a influência de causas

naturais e antrópicas sobre o processo de erosão costeira foram identificados os efeitos e

processos associados a estas causas (Souza & Suguio, 2003). Observou-se uma predominância

de causas antrópicas sobre causas naturais na área em estudo.

Causas Naturais

i) Morfodinâmica praial: dissipativa de baixa energia, sendo mais suscetível a

erosão, exibindo uma baixa variabilidade temporal e espacial (Figura 05).

ii) Elevação do nível do mar em curto período de tempo, devido a efeitos

combinados de fenômenos astronômicos, meteorológicos e oceanográficos quando da passagem

de frentes frias.

Durante o período em que os indicadores de erosão costeira foram identificados (03-

05/02/2004), as condições meteorológicas indicavam o predomínio de uma massa de ar tropical

continental sobre a região (DHN). A partir do dia 04 de fevereiro, uma massa de ar polar

avançou sobre a região sul da América do Sul. A frente formada pelo encontro do anticiclone

migratório polar com a massa tropical marítima, que estava atuando no Oceano Atlântico, atingiu

a área estudada na noite do dia 05 (Figura 06),

Dados de vento do mesmo período indicam que um pouco antes da passagem da frente, a

direção do vento NW de fraca intensidade muda para o quadrante sudeste (Figura 07). Logo após

a passagem do sistema frontal, o vento passa a ser do quadrante sul, com velocidades superiores

a 9ms-1. Este padrão de ventos permaneceu atuando por todo o dia 06 de fevereiro, favorecendo a

agitação marítima que combinada com a maré de sizígia provocou um episódio de maré

meteorológica no litoral paranaense.

iii) Bloqueio hidráulico à deriva litorânea devido a presença da desembocadura do

CEP (Figura 01).

Causas Antrópicas

i) Implantação de estruturas rígidas ou flexíveis, paralelas ou transversais à linha

de costa. Estas estruturas interferem no padrão de circulação de correntes costeiras, pois

modificam o angulo de incidência das ondas, alterando o perfil praial e o equilíbrio sedimentar,

em geral intensificando os processos erosivos (Figura 03).

ii) Dragagem constante em virtude da presença do canal de navegação da Galheta.

Estas atividades de dragagem alteram o balanço sedimentar regional, desencadeando processos

erosivos ou aumentando o aporte de sedimentos no sistema costeiro, pelo menos

momentaneamente.

A operação de dragagem do Canal da Galheta é constante ao longo do ano, uma vez que a

taxa de assoreamento chega a 10 cm por mês. Já as dragagens realizadas no canal do DNOS e no

Canal do Vernalha retiram sedimentos provenientes do Rio Perequê que, naturalmente, estariam

contribuindo para o balanço sedimentar do sistema.

iii) Armadilhas de sedimentos associados à implantação de estruturas artificiais.

As estruturas não paralelas à linha de costa são efetivas armadilhas de sedimentos, pois

interrompem as correntes de deriva litorânea, causando a deposição de sedimentos na área

anterior a estrutura (Figura 03).

iv) Transformação de áreas de manguezais, planícies fluviais e lagunares,

pântanos e áreas inundáveis em terrenos para urbanização e atividades antrópicas; mudanças do

padrão de drenagem. Estes fatores causam desequilíbrio no balanço sedimentar regional, porque

a fonte de sedimentos diminui, conseqüentemente elevando os processos erosivos no litoral.

CONCLUSÕES

A região da desembocadura sul do Complexo Estuarino de Paranaguá apresenta uma

morfodinâmica intensa em resposta a processos naturais. Porém, as atividades humanas, que vêm

aumentando na região desde a década de 50, são responsáveis pela intensificação e predomínio

de processos erosivos em locais com grande interferência antrópica, como demonstrado pela

preponderância de causas antrópicas em relação às naturais dos indicadores de erosão. A

interferência humana se caracteriza pela presença de estruturas fixas artificiais na linha de costa,

o que ocorreu sem um planejamento prévio e análise de impacto ambiental. Estas estruturas

artificiais configuram um obstáculo ao transporte litorâneo, atuando como armadilha de

sedimentos, ou seja, promove sua deposição em locais onde não se depositariam naturalmente e

erosão da área situada posteriormente a estas estruturas. Apesar do ganho de terreno observado

nos últimos 40 anos, a erosão é um processo atuante na região do Balneário de Pontal do Sul,

sendo que pontualmente estes processos erosivos são intensificados pelo impacto antrópico que

provoca alterações no equilíbrio hidráulico e sedimentar.

Este trabalho, diferente dos anteriores, verifica a inversão do processo de progradação da

linha de costa, inclusive em taxas muito maiores do que as médias anuais constatadas para

sedimentação. Isso amplifica a importância do monitoramento das variações da linha de costa,

uma vez que a área adjacente pode tornar-se de risco à segurança pública.

Agradecimentos - os autores agradecem aos colegas Allan Krelling, Milena Kim, Flavia Guebert, Henrique F. Santos, Henrique Dezinho, Denis Domingues, Joaquim Pereira Junior, Rangel Angelotti, Clecio Quadros, Luis Augusto Dietrich da Silva, Marcelo Lamour, Bruno Moreira, Paloma Gusso, Paulo Antonio do Vale Jr. pela ajuda no trabalho de campo e analise de parte dos dados.

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Figura 01 – Mapa de localização da área de estudo.

25° 28'

25° 29'

25° 30'

25° 31'

25° 32'

25° 33'

25° 34'

25° 35'

25° 36'

25° 37'48° 15'48° 18'48° 21'48° 24'48° 27'

Pontal do Sul

Canal da Galheta

Banco da Galheta

Canal DNOS

Ponta do Poço

AtamiSetor III

Setor II

Setor I

Oceano Atlântico

2 0 2 km

Ilha do Mel

Ilha das Peças

C

Figura 02 – Mapa indicando o sentido da ocupação humana no litoral paranaense.

25° 15'

25° 20'

25° 25'

25° 30'

25° 35'

25° 40'

25° 45'48° 10'48° 20'48° 30'48° 40'48° 50'49° 00'

1 0 10 km

25° 33' 45"

25° 34' 00"

25° 34' 15"

25° 34' 30"

25° 34' 45"

25° 35' 00"

25° 35' 15"

25° 35' 30"

48° 20' 30"48° 21' 00"48° 21' 30"48° 22' 00"48° 22' 30"48° 23' 00"48° 23' 30"

Pontal do Sul

Perfil Atami

Perfil Peixitus

PerfilRichard

Oceano Atlântico

Canal DNOS

100 0 500 m

Índicadores de erosãoIIIIIIVVIIVIIIXXI

Rio Perequê

Foto1

Foto 2

Foto 3

Foto

Foto 5

Foto 6

Figura 03 – Mapa de localização dos indicadores de erosão costeira identificados na área de estudo.

25° 34' 00"

25° 34' 15"

25° 34' 30"

25° 34' 45"

25° 35' 00"

25° 35' 15"

25° 35' 30"

25° 35' 45"

25° 36' 00"48° 20' 30"48° 21' 00"48° 21' 30"48° 22' 00"48° 22' 30"48° 23' 00"48° 23' 30"

N

100 0 500 m

19531980199820002003Perfil

Legenda

Oceano Atlântico

Figura 04 – Variações da linha de costa na porção sul do balneário Pontal do Sul.

20 40 60 80 100

-2

-1.5

-1

-0.5

Atami

Peixitu's

Richard

Distância (m)

Des

níve

l (m

)

Figura 05 – Perfis de praia nos pontos Atami, Peixitu’s e Richard.

Figura 06 – Gráfico de uma série temporal de dados de precipitação (mm) e pressão atmosférica (mbar)

Figura 07 – Gráfico de uma série temporal de dados de intensidade (cm/s) e direção (graus) do vento.

INDICADORES DE EROSÃO COSTEIRA

I Pós-praia muito estreita ou inexistente devido à inundação pelas preamares de sizígia

(praias urbanizadas ou não).

II Retrogradação geral da linha de costa nas últimas décadas, com franca diminuição da

largura da praia, em toda a sua extensão ou mais acentuadamente em determinados

locais dela (praias urbanizadas ou não).

III Erosão progressiva de depósitos marinhos e/ou eólicos pleistocênicos a atuais que

bordejam as praias, sem o desenvolvimento de falésias (praias urbanizadas ou não).

IV Intensa erosão de rochas sedimentares mesozóicas e sedimentos terciários (Grupo

Barreiras), de arenitos de praia holocênicos e de depósitos marinhos e/ou eólicos

pleistocênicos a atuais que bordejam as praias, provocando o desenvolvimento de

falésias com alturas de até dezenas de metros (praias urbanizadas ou não).

V Destruição de faixas frontais de vegetação de restinga ou de manguezal, presença de

raízes e troncos em posição de vida soterrados na praia, devidas à erosão e/ou ao

soterramento causado pela retrogradação/migração da linha de costa.

VI Exumação e erosão de depósitos paleolagunares, turfeiras, arenitos de praia ou

terraços marinhos holocênicos e plesistocênicos, sobre a antepraia e/ou a face

litorânea atuais, devido à remoção das areias praiais por erosão costeira e déficit

sedimentar extremamente negativo (praias urbanizadas ou não).

VII Desenvolvimento de “falésias ou terraços artificiais” expondo pacotes de espessura

até métrica formados por camadas de aterros alternados por camadas de areias praiais

na porção superior da praia (praias urbanizadas).

VIII Destruição de estruturas artificiais construídas sobre os depósitos marinhos ou

dunares holocênicos, a pós-praia, a antepraia, a face praial e/ou a zona de surfe.

IX Retomada erosiva de antigas plataformas de abrasão marinha, elevadas de +2 a +6 m,

formadas sobre rochas do embasamento ígneo-metamórfico pré-cambriano a

mesozóico, rochas sedimentares mesozóicas, sedimentos terciários (Grupo Barreiras)

ou arenitos praiais pleistocênicos, em épocas em que o nível do mar encontrava-se

acima do atual, durante o Holoceno e o final do Pleistoceno (praias urbanizadas ou

não).

X Presença de concentrações de minerais pesados em determinados trechos da praia,

em associação com outras evidências erosivas (praias urbanizadas ou não).

XI Desenvolvimento de embaíamentos formados pela presença de correntes de retorno

concentradas e de zona de barlamar ou centros de divergência de células de deriva

litorânea localizados em local(is) mais ou menos fixo(s) da linha de costa.

Tabela I. Indicadores de erosão costeira (Souza & Suguio, 2003).

RELAÇÃO ENTRE O NÚMERO DE INDICADORES E O RISCO DE

EROSÃO

Número Total

de Indicadores

de

Distribuição Espacial na Praia

Erosão Costeira > 60% 41 – 60% 21 – 40% ≤ 20 %

10 a 11 Risco muito alto Risco muito alto Risco alto Risco alto

7 a 9 Risco muito alto Risco alto Risco médio Risco médio

4 a 6 Risco alto Risco médio Risco médio Risco baixo

1 a 3 Risco médio Risco médio Risco baixo Risco baixo

0 Risco muito baixo

Tabela II. Relação entre a quantidade de indicadores e o risco de erosão (Souza e Suguio, 2003)

Intervalo de

tempo

Perfil Atami Perfil Peixitu’s Perfil Richard

1953 - 1980 + 140 m (+5m/a) + 390 m (+14,4m/a) + 80 m (+3m/a)

1980 – 1998 + 160 m (+8m/a) + 350 m (+19,4m/a) + 34 m (+2m/a)

1998 – 2000 +10 m * (+5m/a) - 226 m (-113m/a) ------

2000 – 2003 – 40 m * (-13m/a) - 150 m (-50m/a) ------

1998 – 2003 – 20 m * (-4m/a) - 383 m (-76,6m/a) - 5 m (-1m/a)

1953 - 2003 + 274 m * (+5,4m/a) aprox. + 360 m

(+7,2m/a)

aprox. + 110 m

(+2,2m/a)

Tabela 03 – Variação em distância (m) da posição da linha de costa ao longo do tempo.

Valores positivos representam acresção; valores negativos representam erosão. Valores com *

foram estimados a partir de prolongamento da linha de costa. Valores não especificados não

puderam ser medidos (---). Valores entre os parênteses correspondem à inferência de taxas

médias por em metros por ano.