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SANDRA REGINA REZENDE GARCIA 

UM ESTUDO DO TERMO MEDIAÇÃO NA TEORIA DA

MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL DE FEUERSTEIN 

À LUZ DA ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY 

UNIVERSIDADE SÃO MARCOSSÃO PAULO

2004

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SANDRA REGINA REZENDE GARCIA 

UM ESTUDO DO TERMO MEDIAÇÃO NA TEORIA DA

MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL DE FEUERSTEIN 

À LUZ DA ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY 

Dissertação apresentada como exigência parcial para aobtenção do título de Mestre em Psicologia, à bancaexaminadora da Universidade São Marcos, sob aorientação do Prof. Dr. Arnaldo Antônio Penazzo.

UNIVERSIDADE SÃO MARCOSSÃO PAULO

2004

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UM ESTUDO DO TERMO MEDIAÇÃO NA TEORIA DA

MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL DE FEUERSTEIN 

À LUZ DA ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY 

Sandra ReginaRezende Garcia

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Profª. Drª. Marieta Lúcia Machado Nicolau

_________________________________________

Profa. Dra. Marisa Irene Siqueira Castanho

_________________________________________

Prof. Dr. Arnaldo Antônio Penazzo

Dissertação defendida e aprovada em: ___ / ___ / _____  

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“Toda pessoa sempre é a marca das lições diáriasDe outras tantas pessoas

É tão bonito quando a gente sente,Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá

É tão bonito quando a gente entendeQue nunca está sozinho por mais que pensa estar

É tão bonito quando a gente pisa firmeNessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos

É tão bonito quando a gente vai à vida

Nos caminhos onde bate mais forte o coração!Gonzaguinha

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 GR DE IMENTOS  

 Aos meus filhos, Rê e Kadu. Cada um a seu modo, é um constante incentivo para que eu siga sempre

em frente e aceite novos desafios.

 À Renata, minha filha, amiga de todas as horas, pela presença constante, pelos cuidados com tudo o

que me diz respeito. Uma grande demonstração de amor sereno, íntimo, comprometido.

 Ao Ricardo, meu filho, pela contínua inspiração... pela disponibilidade em me substituir nas

diversas tarefas do dia a dia. Seu amor é silencioso, profundo e comprometido.

 Ao professor Dr. Arnaldo Antonio Penazzo, pela dedicação, respeito e confiança em meu trabalho e

orientação segura deste estudo.

 Às professoras Drª Marieta Lúcia Machado Nicolau e Drª Marisa Irene Siqueira Castanho, pelo

carinho, estímulo e orientação criteriosa no exame de qualificação.

 Ao Ricardo Santos Chiquito, meu amigo, pela paciência, amizade e grande parceria nas inúmeras

discussões teóricas que tornaram mais ricos e densos os diversos momentos deste estudo.

 Ao Walmir Caio, grande incentivador do meu ingresso no mestrado. É muito bom olhar para trás e

 perceber que tudo deu certo. É uma pena que não continuemos a compartilhar nossos momentos.

 À Mônica Poyares, amiga e parceira, pelo apoio dado em todos os momentos, animando-me e

estando sempre presente.

 À Silvia Ianelli, funcionária do colégio, pela dedicação e permanente disponibilidade em todos

momentos.

 À Anita Abed, pelo companheirismo, carinho, constante interesse e incentivo na realização deste

estudo e pela revisão final do texto.

 Ao Alexandre, meu terapeuta, pela confiança e incentivo nos momentos difíceis.

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 À Amélia, minha amiga, pela disponibilidade nas horas e situações mais imprevistas.

 Ao Ir. Dávide Pedri, meu amigo, pelo interesse, torcida e autorização para que eu pudesse realizar

este estudo.

 Ao Ricardo Tescarolo, grande amigo e companheiro, de trabalho pela credibilidade e incentivo

 permanente.

 Ao Ir. Benê, amigo de todas as horas pelas mensagens de esperança, incentivo e força.

 À Ana Tereza, grande amiga e responsável por minha trajetória na Instituição, pela confiança nomeu trabalho.

 Ao Ir. Egídio, parceiro de ideal, pela amizade e pelo apoio traduzido em sua sabedoria e presença.

 À Instituição Marista, em especial ao Ir. Dario, pelo apoio financeiro e pela demonstração de

confiança e estímulo para a realização deste estudo.

 Às companheiras de trabalho, Ana Claudia, Regina, Renata, Maria Paula, pela amizade e pelas

incontáveis oportunidades de discussão que contribuíram para desvendar questões importantes deste estudo.

 À Elvira, Cleivan, Patrícia França, Eliane, Marisete, Antonia, Ana Paula, Eva, Alzira e André

 funcionários do colégio, pelo constante interesse e incentivo.

 Aos professores Maber, Tito, Andréa Coelho, Vanessa, Adriana, Telma, Marco, Luília, Débora,

Cláudia, Zilá, Eliza, José Roberto e Mirlene, companheiros de trabalho pela disponibilidade e interesse, e ao

 professor Arnaldo Camargo, pela versão do resumo em inglês.

 Aos demais professores e funcionários do Colégio Marista Nossa Senhora da Glória, pela força para

o êxito deste estudo.

 Aos amigos do mestrado, Rita, Marcos, Fátima, Eleni, Marielza e Betina, pelo companheirismo e

 pelo exemplo de união.

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  Aos professores do programa de pós graduação, Cleide, Marisa Todescan, Christian, Lucia, pela

relevante contribuição à minha formação.

 À minha mãe, pela compreensão e apoio na minha caminhada.

 Ao meu irmão Silvio, grande amigo, pelo impulso constante na minha trajetória profissional.

 À minha cunhada e amiga Dora, à Any e à Ludmila, pelo carinho, estímulo e incentivo nos

momentos difíceis.

 Aos meus sobrinhos, Silvinho, Marquinhos e Miriam, pela torcida e incentivo constantes.

Finalmente, à Deus, pela minha vida e pela possibilidade de ter encontrado pessoas tão

maravilhosas que contribuíram significativamente com o meu crescimento.

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GARCIA, Sandra Regina Rezende. Um estudo do termo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein à luz da Abordagem Sócio-Históricade Vygotsky: um estudo teórico. São Paulo: Universidade São Marcos. Programa de pós-graduação em Psicologia. Dissertação de Mestrado, 2004. 210p.

RESUMO

Este estudo investiga se o termo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva

Estrutural de Feuerstein tem o mesmo significado atribuído por Vygotsky. Apresenta a

abordagem sócio-histórica de Vygotsky em que se explora de maneira breve seu histórico de

vida, seu percurso profissional, o contexto histórico e geográfico e as características sociais

em que o autor está inserido. Explicita as bases teóricas e metodológicas e as correntes de pensamento que o influenciaram para identificar seus pressupostos epistemológicos,

ontológicos, gnoseológicos e sua concepção teórica. Reconhece-se, ainda, a necessidade de

fazer um resgate histórico do termo mediação e, assim, apresenta de maneira sucinta o

 percurso deste termo ao longo do tempo em Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx. Em

relação a Feuerstein, adota-se o mesmo procedimento e, a partir daí, busca-se o uso e

significado do termo mediação presente em sua teoria, nos instrumentos criados por ele – PEI

(Programa de Enriquecimento Instrumental) e o LPAD (Avaliação Dinâmica do Potencial de

Aprendizagem) –, no mediador e nos critérios de mediação. Com base nos escritos de

Vygotsky e de alguns estudiosos de sua teoria acerca do significado de mediação, realiza-se a

análise dos dados com o objetivo de elencar pontos de convergência e divergência nos dois

autores. Opta-se pelo método dialético, conforme estabelecido por Henri Lefébvre, por

acreditar que tal método auxilia na produção e análise dos dados, num movimento de

apreender o conjunto das conexões internas, os aspectos e momentos contraditórios da

realidade que circunda esses autores. Em relação ao objeto de estudo, infere-se que, enquanto

 para Vygotsky mediação é processo, é a própria relação que ocorre através de signos, da

 palavra, da semiótica e não o ato em que alguma coisa se interpõe, para Feuerstein a mediação

se dá por meio da Experiência de Aprendizagem Mediada, isto é, com a presença do mediador

que organiza, seleciona os estímulos para contribuir na aprendizagem, promovendo a

Modificabilidade Cognitiva Estrutural.

Palavras chave: mediação, abordagem sócio-histórica, Vygotsky, aprendizagem mediada,

Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, Feuerstein.

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GARCIA, Sandra Regina Rezende. A study about mediation on the Theory of StructuralCognitive Modificability by Feuerstein concerning the Social – Historical Approach byVygotsky: a theoretical study. São Paulo: São Marcos University. Postgraduation Programon Psycology. Dissertation for Master, 2004.  210p. 

Abstract

The purpose of this research is to study the meaning of mediation concerning on the

Theory of Structural Cognitive Modificability developed by Feuerstein, to identify if it’s the

same meaning concerning on the Vygotsky’s theory. Toward this intention, will be also

showed a social and historical point of view of Vygotsky based on his life and work, verifying

the historical, social and geographic characteristics to expose his epistemological, ontological

and gnoseological knowledge, relied on the method and theory created by Vygotsky. To

follow this intention, it’s also important to observe how some significant philosophers -

Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel and Marx - consider the term mediation. In Feuerstein

work, this conception of mediation will be seen in PEI – Instrumental Enrichment Program,

LPAD – Learning Pontencial Assessment Device, mediator and mediation criterious. Thus,

will also be possible to compare the common and divergent point of view of Vygotsky and

Feuerstein in the same aspects. The method adopted is the dialetic, as seen by Henri Lefébvre,

due to the fact that it makes possible to reach the goals of this work. Hence, it’s possible to

infer that mediation, as seen by Vygotsky, is a process, a relation given by the sign, word or

semiotics; it is not act interfered by someone, while in Feuerstein works the conception of

mediation is given through Mediated Learning Experiences with assistance of a mediator to

organize, select the stimulus that will contribute to the learning act, toward Structural

Cognitive Modificability.

Keywords: mediation, social – historical approach, Vygotsky, mediated learning, Theory of

Structural Cognitive Modificability, Feuerstein

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SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................................... 1

Capítulo 1 - A Abordagem Sócio-Histórica de Vygotsky ................................................. 9

1.1. Histórico de vida ..................................................................................... 9• A família ..................................................................................... 9• O percurso profissional ............................................................... 12• Os últimos anos ........................................................................... 14

1.2. Contexto histórico e geográfico .............................................................. 14

1.3. Bases teórico-metodológica e filosófica de Vygotsky ............................ 17

1.3.1. Base teórico-metodológica ......................................................... 171.3.2. Base filosófica ............................................................................. 20

1.4. A mediação ............................................................................................ 24

1.4.1. O percurso de um significado ..................................................... 25• Sócrates: atitude reflexiva e mediação ........................................ 26• Platão: a metáfora como recurso de mediação ........................... 28• Aristóteles: o termo médio .......................................................... 30• Hegel: a mediação, o si mesmo e o outro ................................... 33• Marx: a mediação na relação homem-natureza .......................... 36

1.4.2. A mediação em Vygotsky ........................................................... 38

Capítulo 2 - Método ............................................................................................................ 56

• Fundamentação Metodológica ................................................................. 56• Procedimento Metodológico .................................................................... 60• Categorias de Análise .............................................................................. 61

Capítulo 3 - A mediação em Reuven Feuerstein ............................................................... 63

3.1. Histórico de vida ..................................................................................... 63• A família ..................................................................................... 63• O percurso profissional ............................................................... 65•

Feuerstein nos dias atuais ........................................................... 673.2. Contexto histórico e geográfico .............................................................. 69

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 3.3. Bases teórico-metodológica e filosófica ................................................. 71

3.3.1. Base teórico-metodológica ............................................................ 71

3.3.1.1. Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) . 73• A Função Cognitiva ................................................. 80• O Mapa Cognitivo ................................................... 83

3.3.2. Base filosófica . ............................................................................. 86

3.4. A mediação em Feuerstein ...................................................................... 103

3.4.1. Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM) ......................... 103•

O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) ..................... 107• Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem (LPAD) .... 111• O mediador .................................................................................... 114• Critérios de mediação .................................................................... 118

Capítulo 4 - Análise e discussão dos dados ........................................................................ 126

4.1. Dados obtidos ........................................................................................... 127

4.1.1. Contexto histórico .......................................................................... 127A. Vida e família .............................................................................

127B. Percurso profissional .................................................................. 132C. Contextualização espaço temporal e aspectos sociais ................ 134

4.1.2. Filiação metodológica e filosófica – a partir da leitura das obrasde Vygotsky e Feuerstein ............................................................... 137A. Base Teórico-Metodológica ....................................................... 137B. Base Filosófica ............................................................................ 143

4.1.3. Pressupostos Ontológicos – a partir da leitura das obras de

Vygotsky e Feuerstein ................................................................... 149A. Concepção de Homem ................................................................ 149B. Concepção de Sociedade ............................................................ 151C. Concepção de Mundo ................................................................. 151D. Concepção de História ................................................................ 152

4.1.4. Pressupostos lógico-gnoseológicos – a partir da leitura das obras

de Vygotsky e Feuerstein .............................................................. 152A. Concepção de objeto: Aprendizagem, desenvolvimento einstrumentos ....................................................................................

152

4.1.5. Concepção teórica – a partir da leitura das obras de Vygotsky e

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  Feuerstein ....................................................................................... 154

4.2. Dados obtidos........................................................................................... 161A. A mediação segundo as diferentes leituras da obra de Vygotsky ....... 161

B. A mediação segundo as diferentes leituras da obra de Feuerstein ..... 166

4.3. Discussão dos dados ................................................................................ 170

A. Vida em família ................................................................................... 171B. O percurso dos pensadores no tempo e espaço ................................... 172C. A mediação sob o olhar de Vygotsky e Feuerstein ............................. 174

Considerações finais ........................................................................................................... 193

Referências Bibliográficas .................................................................................................. 199 Bibliografia consultada ....................................................................................................... 208 

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 INTRODUÇÃO

“Sim, sou eu mesmo, tal qual resultei de tudo...Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...

Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma...”

 Fernando Pessoa

O interesse pela temática do presente estudo, a mediação, é resultante de minha

trajetória profissional na área da Educação. Em 1973, iniciei minha carreira como docente

no segmento da Educação Infantil, no qual atuei por quatro anos. Em seguida, fui

designada para a docência na primeira série o que, para mim, constituiu-se em um novo

desafio: a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de meus alunos e observar, no

 processo de alfabetização, o resultado de minha mediação entre eles e o conhecimento,

estabelecida através de minha presença física entre tais alunos e os conteúdos

desenvolvidos.

A mediação era entendida por mim, naquele momento, tal como Houaiss (2001:1876)

a define. Para esse autor, a palavra mediação tem origem no latim “mediatio”  e a sua

etimologia sugere intercessão, interposição e intervenção. Mediador, por sua vez, segundo

Houaiss (op. cit.), é aquele que exerce papel de intermediário, que medeia, intermedeia,

enfim, que atua como um elo. Mediação era ainda por mim concebida como Japiassu e

Marcondes (2001) a definem, ou seja, em seu sentido genérico, como a ação de relacionar

duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou “ponte”, de permitir a passagem de umacoisa à outra. Portanto, percebia-me em minha prática pedagógica como um elemento

mediador do conhecimento, como a principal responsável pela aprendizagem do aluno,

evidenciando, assim, a minha responsabilidade neste processo.

Permaneci como docente na primeira série até 1984. Nos anos seguintes, lecionei nas

2ª, 3ª e 4ª séries, respectivamente. Cada designação significava um novo desafio, um convite a

me dedicar mais aos estudos, buscando subsídios para o meu fazer pedagógico. Ocorreu,

então, uma nova mudança: fui convidada para ser orientadora educacional e, para tanto, tinha

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que deixar a sala de aula. Neste período, eu já trabalhava no Colégio Marista Nossa Senhora

da Glória.

Como orientadora educacional, eu atuaria junto aos pais e professores de crianças e

adolescentes, o que me abriria novos horizontes. Essa nova atuação foi um trabalho

desafiante, pois vivenciei o papel de mediadora, desta vez, na relação com adultos. Em

inúmeras situações que envolviam questões acerca do desenvolvimento, da aprendizagem e

do relacionamento entre pais e filhos ou professores e alunos, eu era o elemento mediador

dessas relações.

Atuando como orientadora educacional, coordenava grupos de pais nos quaisdiscutíamos questões que nos preocupavam acerca de seus filhos, para que eles se sentissem

mais capacitados não para resolvê-las, mas, principalmente, para entendê-las. A organização

dos grupos de pais tinha por intenção criar momentos para reflexão, porque acreditava no fato

de ser a escola um importante núcleo de convivência e socialização do ser humano, o ponto de

referência na constituição de valores, normas e costumes estabelecidos pela sociedade. Por

este motivo, acreditava que a escola deveria proporcionar espaços de formação não só para os

filhos, mas também para aqueles que, de fato, são os primeiros responsáveis pela educaçãodeles, os primeiros mediadores, os pais.

Atualmente percebo que a minha concepção psicológica e pedagógica estava

embasada na concepção pedagógica do “aprender a aprender” em que, segundo Duarte

(2001), caberia à escola preparar os indivíduos para aprenderem o que deles seria exigido pelo

 processo de sua adaptação às relações sociais que presidem o capitalismo contemporâneo. O

autor tece uma crítica em relação a essa função da escola, dizendo que assim se formariamindivíduos alienados. Naquela época, eu não enxergava essa questão no meu papel como

docente.

Essa concepção do ‘aprender a aprender’ foi proposta no Documento da Unesco

(1998), no qual Delors explicita que a educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e

eficaz, cada vez mais saberes e saber fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois

são as bases das competências do futuro. À educação cabe fornecer, de algum modo, os

mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que

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 permita navegar através dele. Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a

aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.

 Na continuidade de minha trajetória como educadora, fui convidada para assumir o

cargo de coordenadora pedagógica. Entendi que, aceitando tal convite, estaria mais próxima

do professor e vivenciaria a mediação numa outra perspectiva, colaborando com este

 professor no seu processo de capacitação, atualização e planejamento de seu fazer

 pedagógico.

 Nesta época, repensamos a proposta pedagógica da escola. A qualidade do

 planejamento ganhou relevância e foi instituído no plano de trabalho do professor um campo

na estrutura do plano de ensino, nomeado de “mediação”, reservado para que ele pudesse

registrar seus procedimentos, selecionar as atividades a serem utilizadas considerando os

indicadores da consecução dos objetivos propostos, um espaço em que a sua prática era

explicitada no papel. Nesta oportunidade, também intensificamos nossas reflexões acerca da

concepção de Educação, de Escola, de Homem que pretendíamos formar, constatando que

caminhávamos no processo educacional numa perspectiva da psicologia sócio-histórica.

Sendo assim, estudos foram realizados e muitas reflexões acerca do desenvolvimento

acabaram por fazer parte do processo de formação do grupo de professores. Os seguintes

 pressupostos, pilares básicos do pensamento de Vygotsky, passaram a nortear nossos estudos

e discussões, do ponto de vista pedagógico e psicológico:

As funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividadecerebral;O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e

o mundo exterior, as quais desenvolvem-se em um processo histórico;A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos(Oliveira, 1993:23).

Embasados nestes pressupostos entendíamos que nós, educadores, deveríamos estar

sempre atentos ao processo de aprendizagem e desenvolvimento e à relação entre ambos,

dado que, segundo Vygotsky, conforme observa Oliveira (1998), aprendizagem tem um

significado abrangente, envolvendo a interação social. Nessa interação, o homem transforma-

se de ser biológico em ser sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte da

constituição da sua natureza.

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De acordo com Vygotsky, como definido por Oliveira (1998), o aprendizado constitui-

se num processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc

a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente, com as outras pessoas.

Cabe observar ainda que a palavra aprendizagem no idioma russo “obuchenie”,

segundo Oliveira (op. cit.), engloba tanto o conceito de ensino quanto o de aprendizagem,

incluindo assim aquele que aprende, aquele que ensina, bem como a relação entre ambos.

Este, portanto, passou a ser o nosso modo de compreender e utilizar o termo.

Alicerçados nos pressupostos de Vygotsky e nos princípios psicológicos derivados

destes pressupostos, assumimos a tarefa de acompanhar o aprendizado de nossos alunos,cientes de que deveríamos estar sempre atentos para o fato de que é o aprendizado que

 possibilita o despertar dos processos internos de desenvolvimento. Para o autor, a relação do

homem com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas

simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo. Nesse sentido, passamos a

considerar o aluno como um indivíduo concreto, mediado pelo social, determinado histórica e

socialmente, jamais podendo ser compreendido fora do contexto de suas relações e vínculos.

Interessada em buscar fundamentos para continuar pensando a questão da mediação,

conceito central da teoria de Vygotsky, e do papel do mediador, ingressei, em 1994, no curso

denominado “Programa de Enriquecimento Instrumental – PEI”.

Antes de prosseguir no relato sobre o meu percurso profissional e acadêmico,

considero necessário esclarecer o que é o PEI. Este programa fundamenta-se na Teoria da

Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Reuven Feuerstein

1

, segundo a qual a experiência deaprendizagem mediada  e o papel do mediador são determinantes no desenvolvimento do

indivíduo. De acordo com essa teoria, a modificabilidade diz respeito à capacidade que o

indivíduo tem de se adaptar de forma estrutural, abrangente e permanente aos novos estímulos

que se lhe apresentam. Essa adaptação possibilita às suas funções cognitivas um maior

desenvolvimento, gerando como conseqüência uma facilidade de aprender conteúdos novos. 

1 O terceiro capítulo apresenta os fundamentos dessa teoria.

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Para Feuerstein a experiência da aprendizagem mediada corresponde a: 

Uma cualidad de la interaccion ser humano-entorno que resulta de los cambiosintroducidos em esta interacion por um mediador humano que se interpone entre elorganismo receptor y las fuentes de estímulo. El mediador selecciona, organiza y planifica los estímulos, variando su amplitud, frecuencia e intensidad y lostransforma en poderosos determinantes de un comportamento... cambia de maneirasignificativa los tres componentes de la interacción mediada: el organismoreceptor, el estímulo y el próprio mediador 2 (Feuerstein, 1997: 38).

Cabe esclarecer que o PEI é um programa de intervenção constituído de 14 conjuntos

de tarefas (instrumentos) de lápis e papel, a serem realizadas pela criança com a mediação

de um profissional capacitado para tal. Para Feuerstein, as funções cognitivas deficientes

formam o que ele denomina de “síndrome de privação cultural”, que limitamcognitivamente o indivíduo no que se refere à consideração das informações tanto em sua

assimilação como na sua elaboração e devolução ou resposta. Os instrumentos buscam o

desenvolvimento das funções cognitivas deficientes que estão relacionadas com a baixa

compreensão do ambiente que cerca o sujeito e com a baixa performance escolar.

Em 1999, recebi a proposta para assumir o cargo de Diretora Educacional, que ocupo

até hoje, no qual uma das minhas funções é ser elemento de ligação entre os núcleosadministrativo, cultural, pastoral, tecnológico e psicopedagógico que compõem o corpo

diretivo da escola. Ser diretora educacional desta escola consiste em coordenar o

 planejamento global da unidade, administrar conflitos, orientar adultos em diferentes funções,

 professores e funcionários. Enfim, parece-me que uma de minhas principais funções consiste

em mediar relações.

Até esse momento de meu percurso na Educação, minha concepção sobre mediaçãonão havia sofrido alterações significativas e assim continuava buscando um melhor

entendimento sobre esse termo.

Dando continuidade ao processo de aperfeiçoamento profissional, ingressei no

Programa de Mestrado em Psicologia com o objetivo de aprofundar os estudos que me

2 Uma qualidade da interação do ser humano – entorno que resulta das mudanças introduzidas nesta interação

 por um mediador humano, que se interpõe entre o organismo receptor e as fontes de estímulo. O mediadorseleciona, organiza e planifica os estímulos, variando suas amplitude, freqüência e intensidade e os transformaem importantes determinantes do comportamento... muda de maneira significativa os três componentes dainteração mediada: o organismo receptor, o estímulo e o próprio mediador (tradução nossa).

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 possibilitassem um melhor entendimento acerca do significado do termo mediação e do papel

do mediador.

Ao cursar o programa acima citado, aprofundei-me no estudo da Teoria Sócio-

Histórica, na perspectiva de Vygotsky, mais especificamente no que este autor entende por

mediação. Com base nesses estudos comecei a fazer inúmeras indagações sobre a utilização

deste termo, dado que o mesmo, conceito central da Teoria de Vygotsky, é utilizado por

Feuerstein em sua Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural.

Dentre as muitas indagações, a que despertou maior interesse e me levou a realizar o

 presente estudo foi a seguinte: o significado do termo mediação, utilizado por Feuerstein nasua Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, tem o mesmo significado do termo

mediação proposto por Vygotsky?

Assim, percebo que objeto do meu estudo foi gestado ao longo da minha trajetória de

vida. O fato de estar implicada com a educação e trabalhar com processos mediadores

despertou o interesse em estudar a mediação. O sentido do termo mediação, para mim, foi

sendo então construído como um processo que foi integrando minhas vivências pessoaismarcadas por motivos e ações sempre em busca de melhores resultados. A forma como este

termo foi significado, em cada momento, desencadeou a necessidade de se debruçar sobre o

conceito e discernir o que, enfim, ele significa.

Mediação pressupõe uma ação, o próprio conceito trazido de Houaiss mostra isso.

Minha atuação como educadora agindo como mediadora em vários processos, envolvendo

várias pessoas em diversas situações, provocou muitos conflitos e necessidade de reflexãosobre o que é mediar. Como ação implica uma reflexão e vice e versa, a reflexão implica no

discernimento da ação.

Para buscar respostas a esta indagação, realizei uma revisão da literatura e nenhum

estudo que pudesse responder a minha indagação foi encontrado. Para tanto, elaborei o

 presente estudo, que tem por objetivo investigar se o termo mediação, utilizado por Feuerstein

em sua Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, tem o mesmo significado do termo

mediação, proposto por Vygotsky.

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 No transcorrer da pesquisa, fui buscar os significados do termo construídos

historicamente e nas várias formulações teóricas, mostrando uma abertura para o movimento

dialético ascendente e descendente na construção dos conceitos: dos cotidianos e vivenciais

 para os científicos que retornam ao cotidiano, transformando a prática em práxis. Estudar

mediação implica no reconhecimento dos princípios e pressupostos gnoseológicos e

epistemológicos que embasam, em cada teoria ou área do conhecimento, esse conceito.

Acreditamos que o desenvolvimento do presente estudo seja relevante na medida em

que poderá contribuir para as discussões educacionais contemporâneas acerca do significado

da “mediação” e de sua utilização.

Tendo em vista o objetivo proposto, a pesquisa em questão ficou assim constituída: no

 primeiro capítulo, apresentamos a abordagem sócio-histórica de Vygotsky em que exploramos

de maneira breve seu histórico de vida, seu percurso profissional, assim como o contexto

histórico e geográfico e as características sociais em que o autor está inserido. Apresentamos

ainda as bases teóricas e metodológicas e as correntes de pensamento que o influenciaram

 para identificar seus pressupostos epistemológicos, ontológicos, gnoseológicos e sua

concepção teórica. Reconhecemos a necessidade de se fazer um resgate histórico do termomediação e desta forma apresentamos de maneira sucinta o percurso deste termo ao longo do

tempo em alguns filósofos: Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx, assim como os

significados que foram atribuidos ao termo mediação nas diferentes áreas do conhecimento.

Apresentamos também o significado do termo mediação para Vygotsky bem como para os

leitores deste autor. O segundo capítulo tem por finalidade apresentar o método a ser

utilizado, a sua fundamentação metodológica, o procedimento metodológico, bem como as

categorias de análise a serem utilizadas para iluminar a interpretação dos dados. O capítulotrês apresenta, de maneira sucinta, o histórico de vida de Feuerstein, seu percurso profissional,

seu contexto histórico e geográfico, suas bases teóricas e metodológicas e as correntes de

 pensamento que o influenciaram. Apresenta a Teoria da Modificabilidade Cognitiva

Estrutural e os instrumentos criados por ele – PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental)

e LPAD (Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem) –, bem como o significado que

Feuesrtein atribui ao mediador e os critérios de mediação, buscando entender o uso do termo

mediação. O quarto e último capítulo tem por finalidade apresentar, discutir e analisar os

dados obtidos sobre Feuerstein à luz dos fundamentos teóricos de Vygotsky, buscando elencar

 pontos de convergências e divergências. As considerações finais trazem uma síntese das

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idéias dos autores sobre o objeto de nosso estudo, ou seja, a mediação; refletem sobre a

contribuição das pesquisas desses autores no campo educacional e apontam a necessidade de

aprofundamentos, já que tantas questões ficam em aberto dada a riqueza das obras dos

autores.

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CAPÍTULO 1 - A ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY

“...por isso, é preciso fazer:da interrupção um caminho novo,

da queda um passo de dança,do medo uma escada,do sonho uma ponte,

da procura um encontro.”

Fernando Sabino

Este capítulo tem três objetivos. O primeiro consiste em apresentar um breve histórico

da vida de Vygotsky, situando-o geográfica e historicamente, tendo em vista apresentar   o

cenário de sua formação pessoal entendida como a formação familiar, intelectual, cultural e

social. O outro é explicitar sua filiação teórico-metodológica, bem como a base filosófica dos

seus escritos. Um terceiro é explicitar o que Vygotsky entende por mediação recorrendo para

isso a seus escritos e de alguns dos estudiosos de suas obras.

Tendo em vista os objetivos propostos, o presente capítulo será constituído dos

seguintes itens: histórico de vida; contexto histórico e geográfico; as bases teórico-

metodológica e filosófica; a mediação – o percurso de um significado e a mediação em

Vygotsky.

1.1. HISTÓRICO DE VIDA

• A FAMÍLIA

Para este breve histórico recorro aos escritos de Molon (1995), que têm me inspirado

nos estudos que venho realizando sobre Vygotsky.

Molon (1995) relata que a data de nascimento de Lev Semyonovitch Vygotsky aparecena literatura de duas maneiras: em alguns textos 5 de novembro de 1896 e em outros 17 de

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novembro de 1896. Relata ainda que ele nasceu na cidade de Orsha, então capital da Bielo

Rússia, indo logo em seguida para Gomel, cidade em que viveu sua infância, adolescência e

os primeiros anos de sua atividade profissional. A autora nos conta que em Gomel, embora

sendo uma cidade configurada como um pequeno reduto judaico, imposto pela Rússia

czarista, sua família vivia uma situação financeira, social e intelectualmente privilegiada. Seu

 pai era chefe de departamento do banco central de Gomel e representante de uma companhia

de seguros: um homem inteligente, irônico e sério, sua preocupação com a cultura o levou a

influenciar a abertura da biblioteca pública de Gomel. Sua mãe, uma pessoa extremamente

culta, falava vários idiomas e era apaixonada por poesia, dedicada ao lar e à criação dos

filhos. Recorrendo à Wertsch (1988) e Rivière (1988), a referida autora afirma que com a sua

mãe, Vygotsky aprendeu o alemão e adquiriu amor pela poesia. Além do alemão, eraconhecedor de latim e grego, fazia leituras em hebraico, francês e inglês. Informa a citada

autora que seus pais tiveram oito filhos: ele era o segundo. Muitas pessoas referiam-se à sua

família como sendo uma das mais cultas da cidade. Devido a isso, Vygotsky teve a

oportunidade, desde muito cedo, de viver num clima intelectualizado, num ambiente

equilibrado e motivador do ponto de vista cultural e intelectual. Na educação proporcionada

 por essa família todos tinham acesso sistematizado a leituras individuais ou a discussões e

debates realizados na hora do chá e com o tutor.

Cabe assinalar que nessa época, na Rússia Czarista, o anti-semitismo era vigente,

negando assim o acesso de judeus aos sistemas educacionais formais. Nesse sentido, a

educação era garantida pela presença de um tutor, as crianças e adolescentes judeus

submetiam-se à educação por esta via. Vygotsky teve como tutor Salomon Ashpiz, que o

acompanhou e o influenciou por vários anos. Ashpiz tinha como princípio pedagógico o

desenvolvimento espontâneo do pensamento de seus alunos e por isso só lidava com alunos bem dotados, bem formados e com profunda capacidade para desenvolver seus potenciais

específicos.

Molon cita Rivière (1988), que apoiado em Dobkin afirma que Vygotsky ministrava

seminários sobre a História dos Judeus aos seus companheiros refletindo sobre os sérios

 problemas da Rússia czarista, como a questão da nacionalidade e das minorias étnicas: este

teria sido o fator desencadeante de seu interesse pelos problemas da História e da Filosofia,especialmente pela dialética hegeliana.

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A partir dos 15 anos, Vygotsky passou a dirigir os seminários e debates centrados

numa discussão mais filosófica, embora seu interesse principal naquele momento fosse o

teatro e a literatura. Segundo a citada autora, a orientação de seus estudos e interesses estava,

desde sempre, dirigida à literatura, lingüística, línguas clássicas, crítica e filosofia, e foi

 justamente essa herança que lhe permitiu enxergar criticamente a Psicologia. A autora

assinala que além de seu tutor, seu primo David Vigodski, que era alguns anos mais velho e

chegou a ser um importante lingüista, foi seu mentor intelectual. Eles compartilhavam de

interesses comuns como a semiologia, os problemas lingüísticos, a paixão pela poesia e pelo

teatro.

Molon nos dá conta de que Vygotsky freqüentou, em 1913, um colégio privado judeu

na cidade de Gomel, apenas nos dois últimos anos de seu bacharelado, graduando-se com

medalha de ouro. Mas nem a medalha de ouro e nem o destaque pela capacidade de analisar

os problemas e pensar de forma original pouparam-no do preconceito anti-semita. Molon

ressalta que a condição dos judeus na Rússia czarista naquela época era limitada, havendo

enorme dificuldade para o acesso à Universidade.

Wertsch (1998) relata que quando Vygotsky estava realizando os exames finais para

ingressar na universidade, o número de judeus nas Universidades de Moscou e São

Petesburgo era de 3%. Segundo ele, o Ministério da Educação decretou uma norma que

colocava ainda mais restrições à entrada dos judeus na Universidade. Antes desse decreto, a

seleção se dava pelo critério de qualidade do aluno, a qual não oferecia problema para

Vygotsky, visto que era considerado o melhor aluno e detentor de medalha de ouro. Naquele

momento a cota de 3% seria mantida, só que os alunos seriam selecionados por lotes, pelasuniversidades. Essa mudança visava diluir a qualidade dos estudantes judeus nas melhores

universidades. No ano do ingresso de Vygotsky à Universidade, o processo de ingresso foi

alterado para o sistema de sorteio e foi dessa maneira que Vygotsky entrou na Faculdade de

Medicina de Moscou, por influência dos pais. Essa insistência dos pais estava relacionada à

 possibilidade de trabalho ao judeu, pois apenas médicos e advogados poderiam exercer a vida

 profissional desvinculados do governo, já que no governo czarista era negado ao judeu o

direito de trabalhar. Sua permanência no curso de medicina não ultrapassou um mês, tempo

necessário para perceber a ausência de interesse pela área: transferiu sua matrícula,

ingressando na faculdade de direito.

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Molon (1995) ainda relata que paralelo à Faculdade de Direito, realizou estudos de

Filosofia e História na Universidade Popular de Shanyavskii, que era uma instituição livre

formada por destacados intelectuais expulsos por razões políticas da Universidade Imperial.

Esta instituição não oferecia títulos pois não era reconhecida pelas autoridades educativas da

Rússia czarista. Vygotsky identificava-se mais com esta atmosfera: encontrava espaço

estimulante para sua mente crítica e analítica.

• O PERCURSO PROFISSIONAL

Para Wertsch (1998) é difícil precisar sobre os impactos da Revolução de 1917 na

construção teórica de Vygotsky, mas seguramente ocorreram mudanças significativas em toda

a população russa e nas ciências em geral.

Em 1917, ano da Revolução Russa, graduou-se em Direito pela Universidade de

Moscou. Regressou então a Gomel, onde permaneceu por mais sete anos trabalhando junto

com o seu primo David Vigodsky como professor de Literatura e Psicologia na Escola de

Magistério. Molon fez esse relato citando Siguán (1987) para observar que o fato de ensinarPsicologia levou Vygotsky a se interessar pela ciência psicológica, tanto pelo aporte

 pedagógico quanto pelo corte teórico e ideológico. Vygotsky fundou, então, o Laboratório de

Psicologia da Escola de Magistério de Gomel, local em que ministrou as várias conferências

que compuseram sua obra de 1926 intitulada “Psicologia e Pedagogia”. No final de 1918,

realizou conferências de Literatura e Ciências, além de cursos de Estética e História da Arte,

em um conservatório.

Durante os sete anos que permaneceu em Gomel, sua atividade profissional

caracterizou-se pela diversidade e intensidade de seus trabalhos, dedicando-se a amplo

conjunto de projetos que envolviam Pedagogia, Estética, Literatura, Arte e Psicologia.

Molon, apoiada em Rivière (1988), assinala que Vygotsky realizou em Gomel seus

 primeiros trabalhos de Pedagogia e Didática. Suas publicações de artigos, comentários e

observações de caráter pedagógico foram constantes. Com relação à Literatura e à Arte,

fundou uma revista, denominada Veresk, especializada em crítica e literatura de vanguarda.

Foi diretor da seção de teatro da Instituição Pública da cidade, além de participar em reuniões

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na “Segunda Feira Literária” sobre obras de novelistas, ensaístas e poetas novos da Rússia.

Também realizou algumas publicações analisando obras importantes da literatura da época,

 junto com Dobkin e David Vygodsky, sendo as mais importantes a monografia sobre “A

tragédia de Hamlet”, em 1916, que desencadeou a obra “Psicologia da Arte”, em 1925.

Wertsch (1998) observa que além de todas essas atividades, Vygotsky dedicava-se à

leitura. Entre os poetas que lia estão Tjutchev, Blok, Mandelstam e Pushkin; os escritores,

Tolstoi, Dostoievski, Bely e Bunin; os filósofos, James e principalmente, Espinosa; o filólogo

e lingüista Potiebniá e as obras de Freud, Marx, Engels, Hegel e Pavlov.

Todo esse arcabouço teórico–prático adquirido, especialmente na Literatura e naFilosofia, propiciou a entrada de Vygotsky na Psicologia de forma crítica, passando a dedicar-

se intensamente a ela, o que inclusive marca uma data significativa na sua trajetória

 profissional e pessoal.

Segundo Molon, Vygotsky possuía uma capacidade de oratória espetacular, não

somente diagnosticada pelos seus futuros colegas e discípulos mas, também, por todos

aqueles que entravam em contato com ele através de aulas, conferências... Existia algoespecial, hipnotizador, que atraia muita gente. Era considerado ativo, produtivo,

comunicativo, disposto e uma pessoa que possuía a capacidade de escutar o outro.

A citada autora relata que em 1924 Vygotsky conheceu Alexandre R. Luria, membro

do Instituto de Psicologia de Moscou que, definitivamente, havia se deixado impressionar

 pelas idéias e propostas que Vygotsky acabara de expor. Por influência de Luria, Vygotsky foi

convidado para integrar o corpo de assistentes do referido instituto. Além de trabalhar comum grupo de talentosos colaboradores, tais como o próprio Luria, A.N. Leontiev, L.S.

Sakharov e outros, passou a atuar no Instituto de Estudos das Deficiências, por ele fundado.

 Nesta mesma época, dirigiu um departamento de educação especial para deficientes físicos e

mentais em Narcompros, além de ministrar cursos na Academia Krupskaya de Educação

Comunista, na Segunda Universidade Estadual de Moscou.

Segundo Palangana (1994), foi em decorrência dessa experiência com educação

especial que Vygotsky passou a se interessar, mais sistematicamente, pela psicologia. De

1925 a 1934, atuou como professor em Moscou e Leningrado. Neste período, liderou um

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grupo de jovens cientistas comprometidos em pesquisas nas diferentes áreas da psicologia,

orientadas para uma análise histórico-crítica da situação da psicologia na Rússia e no resto do

mundo. O objetivo último desses teóricos era propor, a partir das conclusões obtidas, uma

nova forma, um modelo mais abrangente para explicar os processos psicológicos humanos.

• OS ÚLTIMOS ANOS

Palangana (1994) relata que, a partir de 1920, Vygotsky começou a ter problemas de

saúde. A tuberculose já ameaçava sua vida e foi companhia constante durante os próximos

quatorze anos, fato que o obrigava a tratamentos permanentes, internações freqüentes e

repouso. Encarava o medo de uma morte anunciada e a impossibilidade de realizar seu

trabalho.

Em 1924, casou-se com Rosa Smekhova, com quem teve duas filhas. Sua esposa foi

uma presença importante pela sua capacidade de ajudá-lo a superar os momentos difíceis em

Moscou. Durante a década de 1924 a 1934, Vygotsky apresentava um ritmo de trabalho muito

intenso, atingindo quase 200 publicações e se envolvendo em inúmeros projetos de trabalhoem várias cidades. Mas toda essa vitalidade não superou uma nova hemorragia conseqüente

de seus ataques de tuberculose. Em 2 de junho de 1934 foi hospitalizado, falecendo em 11 de

 junho, aos 38 anos. Seu enterro ocorreu no cemitério de Novodevechii, em Moscou.

1.2. CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO

Lev Semyonovitch Vygotsky viveu um tempo de profundas transformações sociais,

culturais e políticas em seu país. Segundo Burns (1968), tais transformações entraram para a

História da Humanidade, pois constituíram-se na primeira experiência de organização social e

 política socialista, desencadeada pela Revolução de Outubro de 1917 – a Revolução Russa.

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  O momento histórico que antecede este cenário de transformações indica-nos uma

Rússia submetida a um poder centralizador e opressor em torno do Czar Nicolau II. Cumpre-

nos ressaltar que tal sistema de governo constituía-se num regime absolutista com exacerbada

concentração de poder personificado na figura do Czar, revelando sua dimensão autocrática e

autoritária.

Segundo Clark (1997), a sociedade apresentava-se organizada em camadas rígidas,

verdadeiros estamentos, indicando pouca (ou quase nenhuma) mobilidade social. As minorias

étnicas eram perseguidas e destituídas de direitos (como acontecia sobremaneira com os

 judeus). A maioria da população encontrava-se numa situação de pobreza.

Este é o cenário que irá constituir a base das reivindicações e lutas expressas pela

Revolução de Outubro de 1917. Salomoni (1997) relata que, nesta época, a Rússia achava-se

mergulhada numa grave crise econômica gerada pela I Guerra Mundial em curso. A

 população urbana estava empobrecida pelo forte desemprego gerado pelos gastos demasiados

e pelos poucos investimentos ocasionados pela guerra. A população rural, por sua vez, não

tinha terras para plantar. Os militares, cansados e desgastados pela guerra, exigiam melhores

condições de vida. Esses três grupos sociais – operários, camponeses e soldados –organizaram-se em torno dos ideais socialistas, constituindo os bolcheviques (“minoria”, em

russo) e lutaram contra os mencheviques (“maioria”, em russo) na disputa pelo poder. Em

março de 1917, os mencheviques assumiram o poder, mas, num levante verdadeiramente

 popular, os bolcheviques assumiram o poder em outubro.

A Revolução Russa de 1917 significou a chegada ao poder das idéias do socialismo

científico de Karl Marx e Friedrich Engels. A partir daí é criada a União das RepúblicasSocialistas Soviéticas, inicialmente sob a liderança de Lênin (até 1922) e posteriormente sob a

ditadura de Josef Stalin.

O governo de Stalin, uma época de terror para o povo soviético, significou também

uma forte centralização do poder em torno do Estado e a perda das garantias e liberdades

individuais. Esta fase ficou conhecida pelos expurgos e pelas condenações, sendo Trotski um

 bom exemplo (uma vez que foi exilado), assim como as obras de Vygotsky, que ficaram

 proibidas por revelarem a importância do social na constituição do indivíduo, atribuindo força

e poder às coletividades.

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Durante o governo de Stálin (1924-1953) foi totalmente suprimida a liberdade deexpressão e de organização dos trabalhadores. Cientistas, historiadores, artistas eescritores eram obrigados a seguir a linha oficial do partido. Quem discordasse era

 punido com dureza (Clark, 1997:27).

Essa situação histórica permite que entendamos a perspectiva e a dimensão da

 produção de Vygostky. Trabalhando numa sociedade onde a ciência, como instrumento a

serviço dos ideais revolucionários, era extremamente valorizada, ele, como tantos outros,

empenhou-se em construir uma psicologia que viesse ao encontro dos problemas sociais e

econômicos do povo soviético.

Apesar de ter vivido por um curto período de tempo, este autor escreveu uma vasta e

importante obra. A morte prematura interrompeu o trabalho de Vygotsky, mas suas idéias não

morreram. Graças a seus colaboradores, especialmente Luria e Leontiev, o laboratório para

estudos psicológicos de Kharkov, fundado por eles, continuou sendo reduto de pesquisas em

várias áreas, tanto básicas como aplicadas, relacionadas com os processos de desenvolvimento

cognitivo. Luria, adotando como princípio básico a idéia de que os processos psicológicos

superiores são mediados pela linguagem e estruturados em sistemas funcionais dinâmicos e

historicamente mutáveis, constrói uma obra científica de singular importância registrada em

dezenas de livros publicados. O trabalho de Leontiev não é menos significativo. Comungando

com os mesmos pressupostos filosóficos, ocupou-se com o estudo das relações entre o

desenvolvimento do psiquismo humano e a cultura. Muitos outros seguidores de Vygotsky

estão hoje integrados aos diversos institutos que compõem a Academia Soviética de Ciências

Pedagógicas e também em departamentos de psicologia, como o da Universidade de Moscou.

Desta forma, os princípios de Vygotsky permanecem como um aspecto vivo do pensamento

 psicológico soviético e vem recebendo destacada atenção por parte de estudiosos dos paísesocidentais.

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  17

 

1.3. BASES TEÓRICO–METODOLÓGICA E FILOSÓFICA 

1.3.1. BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA

Vygotsky empreendeu um estudo aprofundado das concepções teórico-metodológicas

com as quais a psicologia contava, na época, para explicar seus fenômenos, com o objetivo de

sistematizar uma abordagem fundamentalmente nova sobre o processo de desenvolvimento do

 pensamento, uma abordagem que desse conta das funções cognitivas complexas de um sujeito

contextualizado e histórico. Ele observou que boa parte dos métodos disponíveis apoiavam-se

no que ele chamou de “estrutura estímulo–resposta”.

Mas uma estrutura dessa natureza não serve de base para o estudo das funçõessuperiores do comportamento humano, podendo, quando muito, ser utilizada comoinstrumento para registro de experiências com formas subordinadas ou inferiores decomportamento, as quais não contêm a essência das formas superiores, típicas docomportamento humano (Vygotsky 1988:69).

Sendo assim, era preciso desenvolver um novo método que possibilitasse a

compreensão da natureza do comportamento humano como parte do desenvolvimento

histórico geral de nossa espécie. Para a construção desse método, Vygotsky buscou subsídios

na abordagem dialético-materialista, por acreditar que em seus princípios estava a solução

 para os paradoxos científicos com que se defrontavam seus contemporâneos. Para Engels:

... o naturalismo na análise histórica manifesta-se pela suposição de que somente anatureza afeta os seres humanos e de que somente as condições naturais são osdeterminantes do desenvolvimento histórico. A abordagem dialética, admitindo ainfluência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobrea natureza e cria, através das mudanças provocadas por ele na natureza, novascondições naturais para sua existência (Engels, apud Vygotsky, 1988:69).

Vygotsky comunga desta última posição, adotando-a como norte do desenvolvimentode seu método analítico experimental.

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  18

 

De acordo com o pensamento de Engels e Marx, as mudanças históricas na sociedade

e na vida material produzem modificações na “natureza humana”, ou seja, na consciência e no

comportamento dos homens. Ainda do pensamento marxista, Vygotsky herdou a

compreensão da realidade pelos princípios do materialismo histórico e dialético, conforme

explicitaremos mais adiante. Embora esta proposta já tivesse sido estudada por outros teóricos

da psicologia, Vygotsky foi o primeiro a correlacioná-la com o desenvolvimento das funções

 psicológicas superiores. Ao fazê-lo, interpretou de forma criativa as concepções de Engels

sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos enquanto meios pelos quais o homem,

transformando a natureza, transforma-se a si próprio.

Segundo Palangana (1994), Vygotsky apóia-se basicamente em três princípios para

 postular seu método analítico experimental. O primeiro diz respeito à distinção entre a análise

de um processo e a análise de um objeto. Os processos de desenvolvimento psicológico não

 podem ser tratados como eventos estáveis e fixos, isto é, como objetos; a tarefa do cientista

consiste em reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da

consciência. Isto não significa excluir o método experimental. Vygotsky demonstrou o

importante papel destinado ao experimento, considerando-o como um meio de desvelar os processos que comumente estão encobertos pelo comportamento habitual. Ele propõe,

 portanto, um método experimental pautado na história do desenvolvimento das funções

 psicológicas. Vygotsky inclui a história do pensamento da criança na história da cultura e da

sociedade, demonstrando as estreitas relações entre os estudos psicológicos, antropológicos e

sociológicos no entendimento do desenvolvimento da consciência humana.

O segundo princípio refere-se à questão da “explicação versus descrição”. A psicologia não pode desconsiderar as manifestações externas de seu objeto de estudo, mas sua

função é muito mais profunda e abrangente. Estudar um problema sobre o ponto de vista do

desenvolvimento significa revelar sua gênese, o que implica em ir além das características

 perceptíveis, desvelando a dinâmica entre os estímulos ou fatores – externos e internos – que

causam o fenômeno.

O terceiro e último princípio trata do problema do “comportamento fossilizado”. De

acordo com Vygotsky, muitas formas de comportamento, tendo passado por um longo

 processo de desenvolvimento histórico, tornam-se fossilizadas. O caráter automático dessas

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manifestações cria dificuldades significativas para a análise psicológica: transforma a

aparência original dos comportamentos de modo que suas características externas quase nada

revelam sobre sua natureza interna.

Para equacionar esta problemática, o pesquisador deve procurar interferir na

mecanicidade desses comportamentos, fazendo com que, no decorrer do experimento,

remontem às suas origens. Portanto, estudar o comportamento historicamente significa

estudá-lo em sua dinâmica de transformação.

Palangana (1994) assinala que, em síntese, a proposta metodológica de Vygotsky,

denominada “método funcional da dupla estimulação”, é composta por duas variáveisfundamentais: processo e produto. Ele não despreza o resultado do comportamento, porém

 privilegia o estudo do processo por meio do qual se desenvolve o psiquismo humano. Uma

vez definido o método, a questão central consiste em explicar como a maturação física e a

aprendizagem sensório-motora interagem com o ambiente, que é histórico – e em essência

social –, de forma a produzir as funções complexas do pensamento humano.

Desta forma, a citada autora ainda pontua que, partindo da concepção de organismoativo, Vygotsky defende o princípio de contínua interação entre as mutáveis condições sociais

e a base biológica do comportamento humano. A partir das estruturas orgânicas elementares,

determinadas basicamente pela maturação, formam-se novas e mais complexas funções

mentais, dependendo da natureza das experiências sociais às quais as crianças se acham

expostas. Os fatores biológicos preponderam sobre os sociais apenas no início da vida. Aos

 poucos, o desenvolvimento do pensamento e o comportamento da criança passam a ser

orientados pelas interações que ela estabelece com pessoas mais experientes.

Logo, para Vygotsky a maturação por si só não é suficiente para explicar os

comportamentos especificamente humanos. Referindo-se ao processo de desenvolvimento

 psicológico, Vygotsky afirma:

... podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duaslinhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto a suaorigem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; deoutro, as funções psicológicas superiores, de origem sócio-cultural. A história docomportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. A história dodesenvolvimento das funções psicológicas superiores seria impossível sem um

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estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas e de seu arranjo orgânico. Asraízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, decomportamento, surgem durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana.Isso, por si só, coloca a infância no centro da pré-história do desenvolvimentocultural (1988:52).

1.3.2. BASE FILOSÓFICA

Podemos inferir a influência do pensamento de Hegel e Marx nas construções teóricas

de Vygotsky, pela opção que fez pelo método do materialismo histórico e dialético.

Segundo Palangana (1994), a compreensão do modelo epistemológico proposto por

Marx e Engels exige que se considere, por um lado, a estreita relação entre o referencial

teórico e a atuação política destes dois filósofos e, por outro lado, a influência que receberam

de outros pensadores.

A filosofia alemã é verdadeiramente o ponto de partida da reflexão de Marx e Engels.

É a partir de Hegel e Feuerbach que se deve procurar entendê-los. Hegel acreditava que o

 pensamento e a idéia criam a realidade, a existência do homem tem como centro o próprio

 pensamento, sendo sob a égide deste que se constrói a realidade.

De acordo com Palangana (1994), na dialética hegeliana a realidade é, em sua

essência, “negativa”, no sentido de que ela guarda em si uma contradição. Cada conceitocontém o seu contrário, cada afirmação a sua negação. O mundo não é um conjunto de coisas

 prontas e acabadas, mas o resultado do movimento gerado pelo choque desses antagonismos e

dessas contradições. A afirmação traz em seu bojo o germe de sua própria negação: depois de

se desenvolver, a negação entra em choque com a afirmação original, gerando um terceiro

elemento, mais evoluído, que Hegel chamou de “síntese” ou negação da negação. O espírito

(consciência) desenvolve-se através desse movimento triádico - espírito subjetivo, depois

objetivo e, por fim, espírito absoluto – atingindo assim o grau mais elevado que aracionalidade humana pode alcançar. Esse movimento da consciência (ou do espírito, como

quer Hegel) encerra, em si, as atividades que permitem as mais altas realizações espirituais.

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Da concepção hegeliana, Marx e Engels conservam o conceito de dialética como

movimento interno de produção da realidade, movimento este que tem, como motor, a

contradição, mas a contradição, na visão de Marx e Engels, estabelece-se entre homens reais

em condições históricas e socialmente determinadas.

 Na filosofia marxista, a dialética de Hegel, situada por este no plano das idéias, é

recriada no plano da evolução dos seres e das espécies. Partindo da hipótese de que o

conhecimento é determinado pela matéria, pela realidade objetiva que existe

independentemente do homem, Marx afirma:

Por sua fundamentação, meu método dialético não só difere do hegeliano, mas étambém sua antítese direta. Para Hegel o processo de pensamento, que ele, sob onome de idéia, transforma num sujeito autônomo, é o demiurgo do real, real queconstitui apenas sua manifestação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não énada mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem (1983:20).

Para Marx (1984), Feuerbach opõe-se a Hegel, afirmando que não são as idéias que

conduzem o mundo. As idéias não passam de produto da consciência humana e todas elas,

inclusive a idéia de Deus, explicam-se a partir do homem. A própria consciência humana nadamais é do que o produto do cérebro humano – da matéria – e o espírito é apenas o reflexo das

condições materiais que o produzem. Feuerbach defende a tese de que não foi Deus quem

criou o homem e sim o homem quem criou Deus, num processo antropomórfico onde projeta

sua própria imagem idealizada. Ao adorar este Deus forjado por ele mesmo, o homem

religioso se despersonaliza, não mais se pertence, se aliena. Assim, ele refaz o conceito de

alienação, mostrando que o homem se aliena na medida em que atribui a entidades, que são

criações suas, qualidades e poderes que, na verdade, não pertencem a essas entidades mas sim

ao próprio homem. Com esta crítica, ele se distancia da concepção idealista proposta por

Hegel, sugerindo uma concepção materialista e naturalista do homem. Neste sentido o

verdadeiro conhecimento não é possível senão como conhecimento das coisas materiais

sensíveis.

 Na opinião de Marx (op. cit.), Feuerbach peca ao desprezar a contribuição do método

dialético, o que o faz repetir, de certa forma, o materialismo mecanicista do século XVIII. Ao

compreender o homem como uma máquina, ele torna-se incapaz de perceber o mundo como

um processo, como uma realidade em vias de desenvolvimento histórico. Neste sentido, o

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sujeito é visto como uma abstração, desvinculado de sua realidade, que é o conjunto das

relações sociais.

Para Palangana (1994), embora Marx critique e supere as idéias de Feuerbach, é a

 partir do materialismo feuerbachiano que Marx empreende a retificação da filosofia de Hegel,

 buscando substituir o idealismo por um realismo materialista. Dessa forma, Marx reafirma a

necessidade de fazer passar da dialética da abstração à dialética da realidade; do mundo

fechado da consciência ao mundo aberto da natureza e da história. Marx e Engels operam a

superação do materialismo mecanicista de Feuerbach, propondo um materialismo histórico– 

dialético, em constante transformação.

Segundo a autora citada, em contato com o modelo teórico proposto por Vygotsky não

é difícil perceber que seus estudos foram profundamente influenciados pelo pensamento de

Marx e Engels. Vygotsky busca subsídios na dialética materialista para desenvolver seu

método e elaborar hipóteses sobre o desenvolvimento das funções superiores do

comportamento humano. O autor faz questão de reafirmar suas crenças filosóficas em várias

 passagens da sua obra, como bem atestam as inúmeras menções nele encontradas a respeito

desse fato.

A teoria materialista, em suas bases, traz uma concepção de natureza e da relação do

homem com esta natureza. Para Marx (1984), o homem é parte da natureza, mas não se

confunde com ela. Ele é um ser natural porque foi criado pela natureza, está submetido às

suas leis porque depende dela – da sua transformação – para sobreviver. Entretanto, o homem

diferencia-se da natureza por ser capaz de usá-la conscientemente, transformando-a de acordo

com suas necessidades. É nesse processo interativo, de transformações mútuas, que o homemse faz homem. Assim, Marx identifica e distingue, ao mesmo tempo, homem e natureza. Em

outras palavras, ele naturaliza e humaniza o homem e a natureza. A simples compreensão da

natureza não é sinônimo da compreensão do homem, muito embora a compreensão do homem

 passe, necessariamente, pelo entendimento de sua relação com a natureza. Daí que homem e

natureza constituem dois pólos de uma única totalidade, onde a existência e compreensão de

um pólo só se faz em função de outro.

Explicitando o caráter histórico da análise dialético–materialista, Marx e Engels

(1984) partem do seguinte princípio: para poder fazer história é preciso que, antes, os homens

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estejam em condições de viver, o que significa poder satisfazer suas necessidades básicas, tais

como comer, beber, ter um teto, vestir-se e outras mais. Produzindo os meios necessários para

suprir essas necessidades – trabalhando – os homens produzem sua história. O primeiro ato

histórico aparece quando o homem consegue romper com essa dinâmica circular, que se

mantém em função da satisfação das necessidades básicas: a ação empreendida e os

instrumentos utilizados na satisfação dessas necessidades geram outras que, para serem

supridas, requerem novos instrumentos e, conseqüentemente, novas relações de produção,

evidenciando, assim, o início do desenvolvimento histórico da sociedade.

O homem está constantemente transformando a natureza e a si próprio e, nesta

dinâmica, alteram-se também suas necessidades materiais. Do ponto de vista dialéticomaterialista, este contínuo processo de transformação das necessidades humanas não é linear

nem unidirecional, estando sua forma diretamente subordinada às condições objetivas de cada

momento histórico. Assim sendo, o movimento de criação e transformação das necessidades

 pode orientar-se em direções opostas em um mesmo momento histórico.

 Na perspectiva marxista, o desenvolvimento das faculdades humanas está diretamente

relacionado à evolução histórica das necessidades e dos interesses culturais. A atividade prática orientada para a satisfação das necessidades possibilita a formação dessas faculdades

com base nas predisposições hereditárias, criadas historicamente. Pelo trabalho, o homem

elabora situações, constrói os objetos materiais requeridos para a satisfação de suas

necessidades e, simultaneamente, aperfeiçoa sua inteligência.

Para se estudar o processo de desenvolvimento intelectual do homem não se deve

 partir de seu pensamento, mas sim da atividade de vida real deste homem. Segundo Marx eEngels, “... não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a

consciência”  (1987:37). Se a consciência é fruto da atividade prática dos homens e seu

desenvolvimento está condicionado ao desenvolvimento das relações sociais de produção,

então a consciência está, desde o início, “contaminada” pela realidade objetiva e se apresenta

sob a forma de linguagem. O desenvolvimento do pensamento é mediado pela linguagem e

esta nada mais é do que a própria consciência real prática. Graças à linguagem, a consciência

individual de cada homem não se limita à experiência pessoal. Através dela, o homem se

apropria do conhecimento historicamente construído, assimilando a experiência do gênero

humano socialmente disponível.

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Em 1925, ao publicar uma de suas conferências proferidas em Moscou, Vygotsky

incluiu uma citação de Marx que guarda em si um dos principais postulados da teoria

histórico–cultural por ele iniciada. Nesta passagem, Marx diz o seguinte:

A aranha executa operações que lembram a de um tecelão, e as caixas que asabelhas constroem no céu poderiam envergonhar o trabalho de muitos arquitetos.Mas mesmo o pior arquiteto difere da mais hábil abelha desde o início, pois antes deele construir uma caixa de tábuas, já a construiu na sua cabeça. No término do

 processo de trabalho, ele obtém um resultado que já existia em sua mente antes queele começasse a construir. O arquiteto não apenas muda a forma dada a ele pelanatureza, mas também leva a cabo um objetivo seu que define os meios e o caráterda atividade ao qual ele deve subordinar sua vontade (Marx, 1984:202).

Segundo Palangana (1994), deste postulado marxista não derivam todos os detalhados

 procedimentos adotados por Vygotsky na elaboração de sua teoria. No entanto, tal postulado

representa uma pista para se entender a base filosófica na qual Vygotsky fundamentou sua

teoria. Como Marx, ele também admite o papel ativo da consciência na realização da

atividade, tanto física quanto simbólica. Ambos salientam seu papel fundamental no

 planejamento, atuação e transformação da realidade humana por meio do trabalho. Como

Marx e Engels, Vygotsky acredita que o homem não é apenas um produto do seu meio, ele é

também um sujeito ativo num movimento que cria esse meio.

A partir do raciocínio marxista a respeito do caráter mediador dos instrumentos de

trabalho, através dos quais o homem interage com a realidade objetiva na busca de sua

sobrevivência, Vygotsky postula que essa mesma função é desempenhada pelos signos no

desenvolvimento do pensamento. Com base nessa postulação, Vygotsky propõe um conceito,

que se torna central na sua teoria, para fundamentar a sua hipótese de que as funções

 psicológicas superiores constituem-se através da mediação.

1.4. A MEDIAÇÃO

Como assinala Molon (1995), a mediação constitui-se num pressuposto norteador doarcabouço teórico-metodológico proposto por Vygotsky. A compreensão do significado desse

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 pressuposto e da sua filiação é de fundamental importância, uma vez que esse termo tem sido

empregado ao longo do tempo na filosofia, antropologia, astronomia e mesmo na linguagem

coloquial com significados diferentes. Nesse sentido, consideramos importante apresentar

 previamente o percurso do significado do termo mediação ao longo do tempo e dos

significados que lhe foram atribuídos nas diferentes áreas de conhecimento.

1.4.1. O PERCURSO DE UM SIGNIFICADO

Pesquisando o significado de mediação, constatamos que o vocábulo entrou para o

dicionário de língua portuguesa em 1670, sendo entendido como o ato ou efeito de mediar, ato

de servir de intermediário entre pessoas, grupos, partidos, a fim de dirimir divergências ou

disputas; é o processo pelo qual o pensamento generaliza os dados apreendidos pelos sentidos.

Segundo Houaiss (2001), a definição de mediação varia de acordo com a especificidade de

sua utilização, assumindo sentidos diversos. Assim, para a Filosofia, mediação é um processo

criativo, mediante o qual se passa de um termo inicial a um termo final, enquanto que, para a

Psicologia, na concepção de Houaiss (op.cit), mediação é uma seqüência de elos

intermediários (estímulos e respostas) numa cadeia de ações, entre estímulo inicial e a

resposta verbal no final do circuito.

Encontra-se o termo mediação na astronomia, que determina o momento deculminação de um astro. Já na religião, ele identifica a intercessão junto a um santo, a uma

divindade, para obter proteção. Numa perspectiva jurídica, mediação é um procedimento que

objetiva promover a aproximação de partes interessadas na consolidação de um contrato, um

negócio, um procedimento que visa à composição de um litígio, de forma não autoritária, pela

interposição de um intermediário entre as partes em conflito. Finalmente encontramos, ainda

segundo Houaiss, o termo mediação na música bíblica, que representa a divisão de cada

versículo de um salmo em duas partes, a primeira salmodiada por um coro e a segunda poroutro.

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Japiassu e Marcondes (2001), apresentam o termo mediação em seu sentido genérico

como a ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou “ponte”, de

 permitir a passagem de uma coisa à outra. Já na tradição filosófica clássica, a noção de

mediação liga-se ao problema da necessidade de explicar a relação entre duas coisas,

sobretudo entre duas naturezas distintas.

A contribuição da Filosofia, então, constitui, para o desenvolvimento desta pesquisa,

numa etapa necessária para que possamos delinear as noções de mediação presentes no

 pensamento de outros intelectuais que, de alguma forma, refletem-se no pensamento de

Vygotsky sobre tal questão. Sendo assim, recorremos a alguns destes pensadores, a saber:Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx.

• SÓCRATES: ATITUDE REFLEXIVA E MEDIAÇÃO

Em Sócrates, filósofo clássico, nascido em Atenas, em 470 ou 469 a.C., podemos

observar uma concepção de mediação presente na relação que ele estabelecia com as pessoas,ou seja, uma relação de conhecimento que permitia a passagem de uma coisa à outra num

diálogo. Ele acreditava que era necessário conhecer bem cada coisa em particular porque só

assim seria possível explicá-la aos outros. De acordo com Sócrates, a falta deste

conhecimento se constituiria em engano para si e para os outros.

... Sócrates procurava desde a juventude um outro tipo de causalidade para aexplicação das coisas. Rompendo com as teorias anteriores “fisicalistas” ou

“mecanicistas” , dirigiu-se assim para a procura de uma causalidade embasada nosvalores: o melhor, o belo, o bom e o justo. Os valores seriam a base para pensar oque cada coisa é em si e por si mesma, ou seja, o que cada coisa é na sua forma mais

 pura e perfeita, na sua forma melhor, na sua forma essencial. Essa seria, segundo odiálogo Fédon, a origem da célebre “teoria das idéias” (BENOIT, 1996: 40).

Segundo Pessanha (1999), Sócrates desenvolvia, junto aos atenienses, uma atividade

reflexiva, ao manifestar uma insistente investigação sobre o significado de palavras para as

quais ele não visava a definição de conceitos: sua meta seria não o assunto em discussão, mas

a própria alma do interlocutor que, por meio do debate, seria levada a tomar consciência de

sua real situação, depois que se reconhecesse povoada de conceitos mal formulados e

obscuros.

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Transcrevemos a seguir um trecho da coleção “Os Pensadores” (capítulo VI, p. 255 a

260) que exemplifica como Sócrates conduzia um diálogo com seus discípulos.

- Dize-me, Eutidemo, que pensas da devoção?- Por Zeus! É a mais bela das virtudes.- Poderias dizer-me que é um homem devoto?- Aquele, creio, que honra os deuses.- Pode cada um honrar os deuses à sua maneira?- Não, existem leis que regulam o culto.- Saberá quem essas leis conheça de como adorar os deuses?- Acredito que sim.- Julgará quem saiba honrar os deuses dever honrá-los de outro modo?- Não, com certeza. ...(...)

- Honraríamos os deuses diferentemente de como acreditamos deva ser?- Não.- Logo, cultuará os deuses legitimamente quem conhecer as leis do culto?- Sim.- Quem cultuar os deuses legitimamente os honrará como deve?- Certamente.- Quem honrar os deuses devidamente não será devoto?- Sem dúvida.- Logo, não podemos definir o devoto como sendo aquele que conhece o culto

legítimo?- Concordo plenamente.- Passemos aos homens. Poderá cada um tratar seus semelhantes a seu bel-

 prazer?

- Não. Só agirá legitimamente com seus semelhantes quem conhecer as leisreguladoras das relações entre os homens.

- Logo, os que se tratarem mutuamente conforme essas leis tratar-se-ão comose deve?

- Claro.- Não se tratarão bem os que se tratarem como se deve?- Claro.- Quem tratar bem seu semelhante não cumprirá seu dever de homem?- Sim. ...

Para Benoit (1996), Sócrates dialogava e forçava o interlocutor a expor suas opiniões

 para, com habilidade, emaranhá-lo na teia obscura de suas próprias afirmativas, acabando porreconhecer sua ignorância a respeito do que antes julgava ter certeza.

Essa ignorância não é geralmente assumida pelas pessoas, que se julgam na posse de

“verdades”. Torna-se necessário, portanto, levá-las, de início, a despojar-se dessas

 pseudoverdades – única forma de torná-las aptas a caminharem em direção ao conhecimento

de si mesmas. Ao afirmar ‘Só sei que nada sei’, Sócrates confirmava o sentido de que o

reencontro consigo mesmo só pode partir da consciência da própria ignorância.

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Com a demolição das falsas idéias que fundamentam a falsa imagem que as pessoas têm

delas próprias, o interlocutor transformado em discípulo é levado progressivamente, pela

habilidade das questões propostas, a tentar elaborar ele mesmo suas próprias idéias: forma de

se ir ao encontro de si mesmo e fazer-se ponto de partida.

Podemos observar que Sócrates tornava a verdade visível aos contestadores e quando

falava a respeito de um assunto, procedia pelos princípios em geral mais reconhecidos,

considerando infalível este método de raciocínio.

Com esse diálogo, ficavam evidenciadas em Sócrates as características do sujeito que

estabelece com as pessoas, as coisas e as idéias, relações que procuram desvelar sua essência.Esse é o sujeito mediador apresentado na prática filosófica socrática.

• PLATÃO: A METÁFORA COMO RECURSO DE MEDIAÇÃO

Conforme já citado anteriormente, para Houaiss (2001), mediador é aquele que

medeia, arbitra; que serve de intermediário, de elo. Pensando em mediação como elo, podemos observar este ponto de vista em Platão, que foi discípulo de Sócrates. Ele nasceu na

cidade de Atenas, na Grécia antiga, e acreditava que o processo de conhecimento representa a

 progressiva passagem das sombras e imagens turvas ao luminoso universo das idéias,

atravessando etapas intermediárias. Cada fase encontra sua fundamentação e resolução na fase

seguinte: o que não é visto claramente no plano sensível (e só pode ser objeto de conjectura)

transforma-se em objeto de crença quando não se tem condição de percepção nítida.

Watanabe (1995) e Corvisieri (1999) nos dão conta de que Platão fazia uso da alegoria

como recurso, ou seja, como um importante mecanismo de expressar a mediação entre as

 pessoas e as idéias. A construção do conhecimento constitui, no platonismo, uma conjugação

de intelecto e de emoção, de razão e de vontade; a episteme é fruto de inteligência e de amor,

como bem podemos observar na Alegoria da Caverna, parte da sua obra “A República”.

 Na Alegoria da Caverna, o objetivo é fazer compreender a diferença entre oconhecimento grosseiro, que vem de nossos sentidos e de nossas opiniões, e o conhecimento

verdadeiro, ou seja, aquele que sabe apreender, sob a aparência das coisas, a idéia das coisas.

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 Numa caverna, cuja entrada é aberta à luz, encontram-se alguns homens acorrentados

desde sua infância, com os olhos voltados para o fundo, não podendo locomover-se nem virar

as cabeças. Um fogo brilha no exterior, iluminando toda a caverna. Entre o fogo e a caverna

 passa uma estrada, ladeada por um muro da altura de um homem. Na estrada, por detrás do

muro vários homens passam conversando e levando nas cabeças figuras de homens e de

animais, projetados no fundo da caverna. Assim, tudo o que os acorrentados conhecem do

mundo são sombras de objetos fabricados. Mas como não sabem o que se passa atrás deles,

tomam essas sombras por seres vivos que se movem e falam, mostrando serem homens que

não atingiram o conhecimento verdadeiro.

Platão descreve o processo dialético através do qual o prisioneiro se liberta e, lutando

contra o hábito que tornava mais cômoda sua situação de prisioneiro, sai em busca do

conhecimento da verdade, passando por diversos e sucessivos graus de conversão de sua

alma, até chegar à visão da idéia de bem. Uma vez alcançado esse conhecimento, o

 prisioneiro, agora transformado em sábio, deve retornar à caverna para ensinar o caminho aos

outros prisioneiros, arriscando-se, inclusive, a ser rejeitado por eles.

Esta obra vem sendo analisada deste então e suscita diferentes pontos de vista. Para

Watanabe (1995), a Alegoria da Caverna dramatiza a ascese do conhecimento. Descreve um

 prisioneiro que contempla, no fundo de uma caverna, os reflexos de simulacros que, sem que

ele possa ver, são transportados à frente de um fogo artificial. Como somente viu essas

 projeções de artefatos, toma-os por realidade e permanece iludido.

Aos poucos, ele, que fora habituado à sombra, vai podendo olhar o mundo real: primeiro através de reflexos - como o do céu estrelado refletido na superfície das águas

tranqüilas -, até finalmente ter condições para olhar diretamente o Sol, fonte de toda luz e de

toda realidade.

Corvisieri (1999) defende que aquele que se liberta das ilusões e se eleva à visão da

realidade é o que pode e deve governar para libertar os outros prisioneiros das sombras: é o

filósofo-político, aquele que faz de sua sabedoria um instrumento de libertação de consciência

e de justiça social, aquele que faz da procura da verdade uma arte de desprestigiar, um

desilusionismo.

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Segundo Watanabe (1995), Platão ensinava, nos seus Diálogos e na Academia, que a

compreensão dos fenômenos que ocorrem no mundo físico depende de uma hipótese: a

sustância de um plano superior da realidade, atingido apenas pelo intelecto e constituído de

 formas ou idéias, arquétipos eternos dos quais a realidade concreta seria a cópia imperfeita e

 perecível. Através da dialética – feita de sucessivas oposições e superposições de teses – seria

 possível ascender do mundo físico, apreendido pelos sentidos e objeto apenas de opiniões

múltiplas e mutáveis, à contemplação dos modelos ideais, objetos da verdadeira ciência.

Abed (2002) relata que metáfora é uma palavra de origem grega que significa

transporte, que consiste na transferência de uma palavra para o âmbito semântico que não é o

do objeto que ela designa, fundamentando-se numa relação de semelhança subentendida entreo sentido próprio e o sentido figurado. No nosso entender, a metáfora era, pois, para Platão, o

recurso utilizado para mediar, nas pessoas, o movimento do conhecimento. Por meio da

metáfora, Platão estabelecia canais que permitiam que as pessoas compreendessem o sentido

da realidade.

• ARISTÓTELES: O TERMO MÉDIO

Refletindo sobre a obra de Platão, outro filósofo, Aristóteles, afirmou que a dialética

 platônica só se comprometia com a certeza em última instância – o que conferia ao

 platonismo sua inquietação permanente e sua flexibilidade, deixando-o, porém, sob a

constante ameaça do relativismo.

Segundo Abraão (1999), o projeto aristotélico torna-se, então, o de forjar uminstrumento mais seguro para a constituição da ciência: o Organon. Nele, a dialética é

reduzida à condição de exercício mental que, não lidando com as próprias coisas mas com as

opiniões dos homens sobre as coisas, não pode atingir a verdade, permanecendo no âmbito da

 probabilidade.

 No entender da autora, essa concepção da dialética como uma “ginástica de espírito” é

útil como fase preparatória para o conhecimento, mas é incapaz de chegar à certeza sobre ascoisas, o que justifica a concepção aristotélica da História e, em particular, da História da

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Filosofia: a História inserida no domínio da dialética é útil e indispensável na medida em que

conduz à sua própria superação, quando o provável se transforma em certeza, ou quando as

opiniões dos antecessores preparam e dão lugar à verdade que somente seria alcançada pelo

 pensamento aristotélico.

De acordo com Russell (1957), para se atingir a certeza científica e construir um

conjunto de conhecimentos seguros torna-se necessário, segundo Aristóteles, possuir normas

de pensamento que permitam demonstrações corretas e, portanto, irretorquíveis. O

estabelecimento dessas normas confere à Aristóteles o papel de criador da lógica formal,

entendida como parte da lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do conteúdo

dos pensamentos que esses raciocínios conjugam. Mas a lógica aristotélica nasce num meiode retóricos e de sutis argumentadores. Faz-se necessário, portanto, partir de uma análise da

linguagem corrente para identificar seus diferentes usos e, ao mesmo tempo, enumerar os

diversos sentidos atribuídos às palavras empregadas nas discussões. Eis porque as Categorias 

abrem o Organon  com pesquisas sobre as palavras que procuram, inclusive, evitar os

equívocos que resultam de designação de coisas diferentes através do mesmo nome

(homônimo) ou da mesma coisa por meio de diversas palavras (sinônimos).

Abraão (1999) afirma que a teoria das proposições de Aristóteles, apresentada no

Sobre a Interpretação, baseia-se numa tese de amplo alcance, pois realiza uma extraordinária

simplificação no universo da linguagem: toda proposição seria o enunciado de um juízo

através do qual um predicado é atribuído a determinado sujeito. As proposições podem, então,

ser classificadas em universais ou particulares, se o atributo é afirmado (ou negado) do sujeito

como um todo (por exemplo: “Todos os homens são mortais”), ou se é afirmado (ou negado)

de apenas parte do sujeito (“alguns homens são gregos”).

Segundo a autora, Aristóteles estabelece ainda a distinção entre cinco tipos possíveis

de atributos: o gênero, a espécie, a diferença, o próprio e o acidente. O gênero refere-se à

classe mais ampla a que o sujeito pode pertencer (“O homem é um animal”); a diferença é que

 permite situar o sujeito relativamente às subclasses em que se divide o gênero (“O homem é

animal racional”); já a espécie constitui a síntese do gênero e da diferença (“O homem é

racional”). O próprio e o acidente são atributos que não fazem parte da essência do sujeito,

 pois não dizem o que ele é; porém, o próprio guarda, em relação à essência, uma dependência

necessária (“Todo homem é racional”), enquanto que o acidente pode ou não pertencer ao

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sujeito, ligando-se a ele do modo contingente e podendo ser negado em outros tipos de

sujeitos (“Este homem é magro”).

Watanabe (1995) conta-nos que Platão, por meio do método da divisão, procurava

chegar a definições. Como exemplifica no diálogo Sofista, poder-se-ia obter a definição de

uma espécie por sucessivas divisões do gênero em que ela estiver contida. Em contrapartida,

Aristóteles considerava insuficiente esse procedimento platônico, pois as dicotomias

sucessivas colocam opções sem determinar necessariamente qual dos dois rumos deve ser

tomado. Assinala a autora que é assim, com sua doutrina do silogismo, que Aristóteles

 pretende resolver os impasses criados pela simples dicotomia, apresentando um encadeamento

que segue uma direção incoercível, rumo à conclusão. Para Watanabe, o silogismo seria umraciocínio no qual, a determinadas coisas afirmadas, segue-se inevitavelmente uma outra

afirmativa. Desta forma, partindo-se das premissas “Todos os homens são mortais” “ e

“Sócrates é homem” – conclui-se fatalmente que “Sócrates é mortal”. Assim, a conclusão

resultada da simples colocação das premissas, não deixando margem a qualquer opção, mas

impondo-se com absoluta necessidade.

Ainda sobre o silogismo, Abraão (1999) diz que todo mecanismo silogístico repousano papel desempenhado pelo termo médio (“homem”) que fornece a razão do que é afirmado

na conclusão: porque é homem, Sócrates é mortal. Esse mecanismo funciona com rigor,

independentemente do conteúdo das proposições em confronto. Para a autora, isso significa,

que se pode aplicar o silogismo a proposições falsas, sem prejuízo para perfeição formal do

raciocínio (“Todos os homens são imortais; Sócrates é homem; logo Sócrates é imortal”).

Para Aristóteles a ciência não pretende ser dotada apenas de coerência interna: ela precisa ser

construída pelo perfeito encadeamento lógico de verdades. Assim, o silogismo que equivale àdemonstração científica deverá ser um raciocínio formalmente rigoroso, mas que parta de

 premissas verdadeiras. Segundo a autora, se a demonstração de algum fato baseia-se em

 pressupostos que a própria demonstração não sustenta, o conhecimento demonstrativo passa a

 pressupor um conhecimento não demonstrativo, capaz de atingir, de modo não discursivo mas

imediato, as verdades que constituem os princípios da ciência.

Segundo Chauí (1997), para Aristóteles os conhecimentos anteriores à demonstração

seriam ou verdades indemonstráveis, os axiomas, que se impõem a qualquer sujeito pensante

e que se aplicam a qualquer objeto de conhecimento – em Aristóteles o princípio de

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contradição que afirma que toda proposição ou é verdadeira ou é falsa seria um exemplo de

axioma - ou, então, seriam definições nominais que explicitam o significado de determinado

termo (“triângulo”, por exemplo), e que são utilizados como teses, já que são simplesmente

 postas como pontos de partida para uma demonstração. Os axiomas seriam comuns a todas as

ciências, enquanto as definições nominais diriam respeito a setores particulares de

investigação científica.

Vimos então que Aristóteles considera que não basta a ciência ser internamente

coerente: ela deve também ser ciência sobre a realidade. Assim, em Aristóteles constatamos,

 pela dialética, a dimensão mediadora do conhecimento, aproximando as pessoas da realidade.

Então, na lógica aristotélica, segundo Japiassu (2001), o termo médio é aquele que realiza nosilogismo uma função de mediação entre os outros termos das premissas, permitindo que se

chegue à conclusão.

• HEGEL: A MEDIAÇÃO, O SI MESMO E O OUTRO 

Em Hegel (1999), vemos a mediação abordada numa dimensão mais explícita. Seu pensamento tem origem em outros pensadores, recebendo destaque Immanuel Kant, que

 partiu do princípio de que todo conhecimento humano tem início com a experiência, fonte da

matéria para os conceitos da razão. Nesse sentido, conhecimento estaria sempre voltado para

as impressões, coordenadas pelas formas a  priori da sensibilidade. Para Kant (1783), não é

 possível conhecer o fundamento daquelas impressões, isto é, não se conhece como são, ou o

que são as “coisas em si”, que produziram aquelas impressões.

Estabelecendo comparações, Arantes (1999) relata que Hegel considerava que esse

elemento cético da filosofia de Kant invalidava sua tentativa de defender a razão contra os

severos ataques empiristas. Para ele, enquanto as coisas em si estiverem fora do alcance da

razão, esta continuará a ser mero princípio subjetivo, privado de poder sobre a estrutura

objetiva da realidade e, em razão disso, o mundo separar-se-ia em duas partes: a subjetividade

e a objetividade, o pensamento e a existência. Se o homem não conseguisse reunir as partes

separadas de seu mundo e trazer a natureza e a sociedade para dentro do campo de sua razão,

estaria para sempre condenado à frustração.

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O papel da filosofia, nesse período de desintegração geral, deveria ser o de evidenciar

o princípio que restauraria a perdida unidade e totalidade. A necessidade da reflexão filosófica

emerge quando o poder da unificação desaparece da vida dos homens e quando as

contraposições perdem sua relação e sua interação vivas. Assim, a forma verdadeira da

realidade, para Hegel, é a razão, onde todas as contradições sujeito-objeto se integram

constituindo, desse modo, uma unidade, uma universalidade genuínas. Para Hegel, é a noção

de sistema que deve justificar que:

Tudo depende de aprender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas,exatamente na mesma medida, como sujeito. Deve-se igualmente notar que asubstancialidade contém em si tanto o universal ou a imediateidade do próprio saber,quanto o que é ser ou imediatalidade para o ser (Hegel, 1999: 375).

Arantes (1999) descreve que, para Hegel, se o conceber Deus como a substância3 una

indignou a época em que tal determinação foi enunciada, a razão dessa indignação residiu em

 parte no instinto de que, deste modo, a consciência de si, em lugar de ser conservada, havia

desaparecido. O pensamento une a si o ser da substância e apreende a imediateidade do

indivíduo como pensamento. É o caso ainda de se saber se esse intuir intelectual não recai

novamente na simplicidade inerte e não representa a própria realidade efetiva de uma maneira

inefetiva. Sendo assim, para Hegel (1999), a substância vivente é também o ser que naverdade é sujeito ou, o que dá no mesmo, é verdadeiramente efetivo somente na medida em

que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou é a mediação  consigo mesmo do tornar-se

outro.

Se digo todos os animais, essa expressão tem pouco valor para uma Zoologia. Domesmo modo as palavras do divino, do absoluto, do eterno, etc., não podemexprimir o que nelas está contido, e na realidade, tais palavras exprimem apenas aintuição como algo imediato. Aquilo que é mais do que uma palavra desse tipo, a

 passagem, mesmo que seja apenas uma proposição, contém um tornar-se outro quedeve ser retomado e é uma mediação. No entanto, é essa mediação que se constituiem objeto de horror como se, ao usá-la para algo mais do que afirmar que ela nada éde absoluto e não tem lugar no Absoluto, se abandonasse o conhecimento absoluto(Hegel, 1999: 279).

 Na verdade, porém, esse horror nasce da ignorância da natureza da mediação e do

 próprio conhecimento absoluto. Com efeito, a mediação nada mais é do que a igualdade

consigo mesmo que a si mesma se move, ou é a reflexão em si mesmo, o momento do Eu3 A palavra vem do latim substantia,ae e significa ser, essência; existência, realidade de uma coisa; aquilo quesubsiste por si, com autonomia e independência (Houaiss, 2001: 2628).

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sustente-para-si, a pura negatividade, ou seja, a negatividade reduzida à sua simples abstração,

o simples dever. O Eu ou o dever em geral, esse mediatizador, é justamente, em razão da sua

simplicidade, o dever da imediateidade e o próprio imediato. O sujeito é por conseguinte a

substância, o ser ou a imediateidade que não tem fora de si a mediação, mas é a própria

mediação. 

Arantes (1999), desta maneira, afirma que Hegel chega à idéia do elemento mediador

ao abordar a consciência de si próprio e o modo como o homem a adquire: é no interior de

todos os movimentos da alma, todas as variações de sentimento, representando-se a si próprio,

tal como se descobre pelo pensamento e reconhecendo-se na representação que a seus

 próprios olhos oferece. Segundo Arantes, para Hegel o homem está preso, também, àsrelações práticas com o exterior, relações que exigem transformar o mundo e também a ele

 próprio, uma vez que este mundo retrata sua imagem.

Para Hegel (1999), o homem procura reconhecer-se na forma das coisas. Descobre-se

 já esta tendência nos primeiros impulsos da criança que quer ver coisas de que seja autor: se

atira pedras à água, vê formarem-se os círculos como uma obra própria em que contempla um

reflexo seu. O mesmo se vai observando em múltiplas ocasiões e na graduação de formasdiversas até se chegar a essa espécie de reprodução da personalidade que é uma obra de arte.

Segundo Arantes (op.cit.), através dos objetos exteriores o homem procura encontrar-

se a si próprio. E não se contenta em permanecer tal como é: cobre-se de adornos. O bárbaro

tatua-se e abre incisões nos lábios e nas orelhas. Por bárbaras, absurdas, contrárias ao bom

gosto, por deformadoras e até perniciosas que sejam, como a do suplício infligido aos pés das

chinesas, todas essas aberrações têm, no entanto, um fim: o homem não quer ser o que anatureza o fez. Em outras palavras, o homem situa-se no contexto que se insere por meio das

 produções materiais e simbólicas, ou seja, existir corresponde a estabelecer uma relação

mediada pela condição humana do próprio homem.

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• MARX: A MEDIAÇÃO NA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA

Segundo Triviños (1987), embora Marx estivesse em desacordo com o idealismo de

Hegel, não deixou de ser envolvido e atraído por ele. Hegel havia morrido pouco antes e sua

filosofia se convertera numa espécie de ideologia oficial. O princípio hegeliano de que o

Estado encarna os ideais da Moral mais objetivos e manifesta a Razão no domínio da vida

social era tomado como apoio direto ao Estado Prussiano.

Estado, Religião, Filosofia constituem, para Hegel, supremas manifestações de Deus,

entendido como Absoluto. Desse ponto de vista, a religião cristã aparece como a maiscompleta revelação da Razão enquanto Espírito Universal. Nesse processo de manifestação,

Jesus desempenharia o papel mediador entre a generalidade abstrata de Deus Pai e a

individualidade concretíssima do Espírito Santo. Há que se considerar, dessa forma, uma

expressiva relação entre o pensamento de Marx e o de Hegel, conforme aponta-nos Triviños:

... sobre as bases da dialética hegeliana, mas rejeitando o conteúdo idealista dasmesmas, e colocando a concepção materialista do mundo, da História e do

 pensamento, e apoiando-se nas conclusões da ciência, Marx começou a ocupar-se

com problemas políticos e sociais, com a oportunidade de tratar questões materiais(Triviños, 1987: 53).

Assim, para se entender essa dimensão do social no homem, torna-se importante

reconhecer o homem como ser genérico e comunitário, que não poderia realizar-se

cabalmente sem ultrapassar a fragmentação das classes, das nações, enfim, de todos os

 particularismos que criam obstáculos ao desenvolvimento de seu ser.

De acordo com Triviños (op.cit.), do mesmo modo que Engels, Marx partiu da idéia de

Feuerbach do homem como um ser genérico, pensando, além do mais, a sociedade civil como

o lugar de sua alienação. O autor observa ainda que, para Marx, esta idéia nasce na forma de

trabalho a que o sistema de produção, orientado para a posse e para o mercado, submete o

trabalhador. O homem, no entender de Marx, produz apenas para ter o produto de seu trabalho

a fim de trocá-lo por um outro. Por mais que se veja fechado no circuito de ferro da

 propriedade privada, o homem não deixa de carecer humanamente de produtos que estão nas

mãos de outrem. Para Marx, estabelece-se, assim, uma tensão que o projeta além da

 propriedade privada e o leva à desalienação. Face ao que coloca o autor, entendemos que o

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trabalho do homem expressa a relação de apropriação e transformação da natureza e também

expressa as relações sociais (Homem-Homem). Então o trabalho aparece, em Marx, como

elemento de mediação entre Homem-Natureza e Homem-Homem.

Ainda segundo Triviños (1987), para Marx e Engels, considerar o homem em sua

essência genérica como ponto de partida da História, como o fizera Feurbach, seria aceitar

uma concepção muito particular do homem isolado. Tal essência genérica se resolveria no

conjunto das relações sociais em que cada pessoa se insere. No entender de Marx, essas

relações são mediadas pelas relações que o homem mantém com a natureza, posta assim

 basicamente como o lugar da prática humana.

Triviños ainda destaca que, para Marx e Engels, por desconhecer o caráter ativo dos

objetos naturais, mediados pela prática do homem, Feuerbach caiu numa concepção

especulativa sobre a naturalidade do homem, desligada da política e da história, do

desenvolvimento de si próprio a partir de suas condições reais de sustância. Assinala ainda

que o modo de produção capitalista, dependendo essencialmente de uma tecnologia,

desenvolve a ciência e a técnica e propicia um tremendo desenvolvimento das forças

 produtivas que liberta o homem do jugo da natureza. Este modo de produção cria em seu próprio seio as condições de mudança das próprias relações de produção que o definem e, por

outro aspecto, cria novas condições de mediação do Homem com o Mundo.

É com este método que Marx desvenda o mecanismo do capitalismo, permitindocompreender a natureza contraditória da afirmação do sujeito e do objeto e aimpossibilidade de superar tal contradição sem superar a base material que aengendrou. Por isso método dialético representa uma alternativa metodológica que,ao apontar a possibilidade de superação da dicotomia sujeito-objeto, aponta para anecessidade e a possibilidade da transformação da sociedade (Bock et alii, 2001:

122).

Dessa forma, tal situação de mediação seria responsável pela atribuição de sentido ao

Mundo, ao espaço das relações Homem-Natureza / Homem-Homem e ao próprio Homem. A

expressão da mediação é, pois, uma dimensão de interação entre Homem e Realidade.

Toda a crítica, portanto, que deixaria de se mover exclusivamente ao nível do discurso

 para visar ao concreto permanece inócua, diz Marx, se não atinge a raiz do próprio homem, a

ele mesmo enquanto ser concreto, e a sociedade no interior da qual ele vive e na qual se

manifesta.

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De acordo com Bock (2001), pode-se dizer que a proposta marxista de tomar o método

dialético em uma perspectiva materialista representa a superação da dicotomia subjetividade-

objetividade numa afirmação contraditória, mas de contrários em unidade do sujeito e do

objeto.

Dessa forma, pudemos identificar, no pensamento dos filósofos escolhidos, diferentes

 perspectivas do termo mediação, ou seja, em cada um desses pensadores encontramos

elementos que contribuem para compreender a mediação desde o seu significado (a palavra

em si) ao seu sentido: a atitude reflexiva de Sócrates, a metáfora de Platão, o termo médio de

Aristóteles, a consciência em Hegel e o trabalho mediador da relação Homem-Natureza eHomem-Homem em Marx.

1.4.2. A MEDIAÇÃO EM VYGOTSKY

Baseado nas teses do materialismo histórico, Vygotsky destacou que as origens das

formas superiores de comportamento consciente deveriam ser buscadas nas relações sociais

que o sujeito mantém com o mundo exterior, na atividade prática. Para descobrir as fontes dos

comportamentos especificamente humanos, era preciso libertar-se dos limites do organismo e

empreender estudos que pudessem explicar como os processos maturacionais entrelaçam-se

aos processos culturalmente determinados para produzir as funções psicológicas superiorestípicas do homem.

Dois aspectos da teoria marxista foram de extrema valia para Vygotsky no

encaminhamento desta questão: o cultural e o histórico. O primeiro compreende as formas

através das quais a sociedade organiza o conhecimento disponível veiculado pelos

instrumentos físicos e simbólicos, dos quais a criança deverá se apropriar a fim de que possa

dominar as tarefas que lhe são proporcionadas pelo meio. Dentre esses instrumentos,

Vygotsky (1998) atribuiu um especial destaque à linguagem, dado o papel que exerce na

organização e desenvolvimento dos processos de conhecimento. O segundo aspecto,

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estreitamente vinculado ao primeiro, refere-se ao caráter histórico desses instrumentos, uma

vez que eles foram criados e transformados ao longo da história social dos homens.

Estudando o pensamento marxista, Vygotsky postulou que, no campo psicológico, a

invenção e o uso de signos como meios auxiliares na solução de problemas é análoga à

invenção e ao uso de instrumentos no trabalho. Signo pode ser definido como “qualquer

objeto, forma ou fenômeno que remete para algo diferente de si mesmo e que é usado no

lugar deste numa série de situações (...) na lingüística, a união do significante e significado,

que se faz por uma relação de semelhança, pela qual o sentido é evocado pela própria forma

do signo” (Houaiss, 2001: 2569). O papel do signo na atividade psicológica é comparável ao

do instrumento na atividade material: ambos caracterizam-se pela função mediadora queexercem. Portanto, do ponto de vista psicológico, eles podem ser incluídos numa mesma

categoria.

Enquanto Marx (1999) chama a atenção para a função mediadora dos instrumentos de

trabalho definida no uso que os homens fazem desses instrumentos na luta pela subsistência,

Vygotsky, partindo do raciocínio marxista, postula que esta mesma função é desempenhada

 pelos signos no desenvolvimento do pensamento. A apropriação de formas culturais decomportamento implica na reconstrução interna da atividade social e a base que possibilita

essa reconstrução são as operações com signos. Dizer que as funções psíquicas do homem são

de caráter mediatizado significa admitir a presença de elementos (signos) capazes de

estabelecer ligações entre a realidade objetiva (externa) e o pensamento.

Palangana (1994) afirma que a influência de Marx e Engels sobre o pensamento de

Vygotsky vai muito além da analogia entre signos e instrumentos. O próprio Vygotsky (1998)afirma que o cerne da sua teoria e de sua proposta metodológica é decorrente da

epistemologia dialético materialista. Para Marx (1984), o desenvolvimento da consciência

social não tem história independente da existência material, sendo por esta determinado. Ao

analisar o desenvolvimento da consciência ou do pensamento individual, Vygotsky transpõe

integralmente a concepção marxista de consciência social. Isto se verifica quando ele postula

que é na atividade prática, nas interações que os homens estabelecem entre si e com a

natureza, que se originam e se desenvolvem as funções psíquicas especificamente humanas. É

 participando ativamente na coletividade, partilhando das relações de trabalho, que o sujeito

apropria-se da linguagem, dos instrumentos físicos produzidos historicamente e do

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conhecimento acumulado pelas gerações precedentes e culturalmente disponível. Assim como

os instrumentos de trabalho mudam no decorrer da história, na mesma medida transformam-se

também os instrumentos de pensamento. Assim como novos instrumentos de trabalho

ocasionam novas estruturas sociais, novos instrumentos do pensamento suscitam o

aparecimento de novas estruturas cognitivas.

Dessa forma, a passagem da consciência social para a individual só é possível graças

ao fato, psicologicamente fundamental, de que a estrutura da consciência humana está

intimamente ligada à estrutura da atividade humana. Não obstante é preciso considerar que a

estrutura da atividade humana, por sua vez, é determinada pelas condições histórico–sociais

concretas em que o homem se encontra. São precisamente essas condições objetivas que

devem ser tomadas como parâmetro quando se quer estudar o processo de formação do

 pensamento individual.

Referindo-se ao método de estudo psicológico elaborado por Vygotsky e seus

colaboradores, Leontiev escreve: “o nosso método consiste, portanto, em encontrar a

estrutura da atividade humana engendrada por condições históricas concretas, depois, a

 partir dessa estrutura, pôr em evidência as particularidades psicológicas das estruturas da

consciência dos homens” (1978:100).

O fundamento básico vygotskiano expressa-se, ainda segundo Palangana (1994), no

 princípio de que o reflexo psíquico consciente ou imagem psíquica (entendida enquanto

conteúdo da consciência formado a partir da apreensão do real) é algo vivo, produzido pela

atividade humana concreta, caracterizada pelo movimento dialético permanente por meio do

qual o objetivo se transforma em subjetivo. Através da atividade prática, a imagem psíquicaou conteúdo da consciência passa do sujeito ao objeto. O conteúdo objetivo da atividade

 prática dos homens cristaliza-se no seu produto, podendo assim ser transmitido pela

linguagem em toda a sua riqueza. Uma vez objetivado, o conteúdo da atividade torna-se

socialmente disponível e, ao ser internalizado pelos indivíduos, cria nestes a imagem psíquica

ou a representação viva da realidade. Neste movimento dialético, o sujeito do conhecimento

não tem um comportamento passivo frente ao meio externo. Ao ser estimulado pela realidade

objetiva ele se apropria dos estímulos provenientes da mesma, internalizando conceitos,valores, significados, enfim, o conhecimento construído pelos homens ao longo da história.

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 Neste sentido, a prática do sujeito está sempre relacionada à prática social acumulada

historicamente.

A importância desse componente histórico na constituição do homem e do pensamento

humano é apontada por diversos autores. Kozulin (1994), por exemplo, ressalta a influência

de Hegel e Marx no pensamento de Vygotsky, evidenciada pela concepção de historicidade

do homem, do papel dos instrumentos psicológicos na constituição do homem e

transformação da consciência humana e na questão da mediação.

(...) Além do mais, a ênfase de Hegel sobre a natureza histórica do ser humano,reforçado pela teoria marxista, alimento substancial da idéia vygotskyana de que a

 psicologia é a ciência do homem histórico, e não do homem abstrato e universal. Asanálises de Hegel e Marx sobre o papel do trabalho e da história do homem tambémencontraram em Vygotsky um leitor receptivo. A noção vygotskyana de“instrumentos psicológicos” encontra suas raízes na idéia hegeliana de que otrabalho, junto com a transformação do mundo, das coisas, provoca a transformaçãoda consciência humana (Kozulin, 1994: 30).

O referido autor considera que a influência da dialética hegeliana direcionou Vygotsky

 para o estudo da gênese e desenvolvimento dos processos psicológicos, isto é, orientou a

 busca da origem dos processos psicológicos superiores.

Molon (1995) reconheceu em Vygotsky a influência do sistema hegeliano em dois

sentidos. No primeiro, considerou que Vygotsky, ao modelar o desenvolvimento dos

 processos psicológicos superiores no desenvolvimento histórico, fundamentou-se no

 pressuposto hegeliano da identidade dos contrários, tal como analisado por Hegel na dialética

da relação senhor-escravo. No segundo, quando efetuou a análise dos instrumentos

 psicológicos, considerou que Hegel atribuía à mediação a característica fundamental da razão

humana.

Citando Kozulin, Molon (op.cit.) assinalou a dependência de Vygotsky ao sistema

hegeliano, em particular em relação à noção de mediação, colocando que Vygotsky utilizou a

noção de mediação de Hegel em três classes de mediadores: signos/instrumentos, atividades

individuais e relações interpessoais.

Dessa forma, a mediação é a grande contribuição de Vygotsky que o diferencia osdemais psicólogos de sua época e da psicologia tradicional, caracterizando sua importância na

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 perspectiva sócio-histórica. Vygotsky (1987), afirmando que o fato central da ciência

 psicológica é o fato da mediação, assinala que o objeto da psicologia e da psicologia social é o

fenômeno psicológico e que este só existe pelas mediações, isto é, o fenômeno psicológico é

mediado e não imediato.

Molon (1995) afirma que procurar a definição do conceito de mediação nas obras de

Vygotsky é uma tarefa bastante difícil, dado que não se trata de um conceito mas de um

 pressuposto norteador de todo o seu arcabouço teórico e metodológico. Para a autora, é um

 pressuposto que se objetiva nos conceitos de conversão, superação, relação constitutiva Eu-

Outro, intersubjetividade, subjetividade. Mediação não é ato em que alguma coisa se interpõe;

não está entre dois termos que estabelece uma relação. É processo, é a própria relação.

 No entender de Molon, a mediação, para Vygotsky, não é a presença física do outro,

ou seja, não é a corporiedade do outro que estabelece a relação mediatizada, mas a mediação

ocorre por meio dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação. A

 presença corpórea do outro não garante a mediação. Sem a mediação dos signos não há

contato com a cultura.

Para Vygotsky (1984), signos podem ser definidos como elementos que representam

ou expressam outros objetos, eventos ou situações. A mediação pelos signos, pelas diferentes

formas de semiotização, possibilita e sustenta a relação social, pois é um processo de

significação que permite a comunicação entre as pessoas e a passagem da totalidade às partes

e vice-versa.

Desta forma, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas passama predominar sobre as relações diretas. Segundo Bock (2001), essas relações sociais entre o

indivíduo e os outros homens dão origem às funções psicológicas superiores. Para Vygotsky,

o fundamento do funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto,

histórico.

Para Vygotsky, segundo Bock (op. cit.), as funções psicológicas superiores apresentam

uma estrutura tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramentas

auxiliares da atividade humana. Os elementos mediadores na relação entre o homem e o

mundo - instrumentos, signos e todos do ambiente humano carregados de significado cultural

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são fornecidos pelas relações entre os homens. Ao longo da história da espécie humana - onde

o surgimento do trabalho possibilitou o desenvolvimento da atividade coletiva, das relações

sociais e do uso de instrumentos – as representações da realidade têm se articulado em

sistemas simbólicos. Os sistemas simbólicos, particularmente a linguagem, exercem um papel

fundamental na comunicação entre os indivíduos e no estabelecimento de significados

compartilhados que permitem apropriações dos objetos, eventos e situações do mundo real.

Vygotsky (1987) ressalta, portanto, a importância da linguagem como instrumento de

formação do pensamento. Para ele, a função planejadora da fala introduz mudanças

qualitativas na forma de cognição da criança, reestruturando diversas funções psicológicas,

como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos etc.

A linguagem, no entender de Vygotsky (op. cit.), age decisivamente na estrutura do

 pensamento. Ela é ferramenta básica para a construção de conhecimentos e é considerada

como instrumento porque atua para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções

 psicológicas superiores, de modo similar a como os instrumentos criados pelos homens

modificam as formas humanas de vida.

Para Vygotsky (op. cit.), o conhecimento se constrói, num primeiro momento, de

forma intersubjetiva e, num segundo momento, de forma intrasubjetiva, como veremos a

seguir.

De acordo com Vygotsky (op. cit.), os adultos que cuidam de um bebê não lhe

 proporcionam apenas cuidados físicos, mas colocam sobre ele certas representações sociais

(imagens, idéias, expectativas) que o introduzem no mundo da cultura. Se o bebê nasce nummundo simbólico, em que os significados vão sendo usados pelos indivíduos para controlar

seu meio ambiente e a si próprios, é na interação com os outros membros da sua cultura e com

os meios de comunicação que ele, posteriormente, pode escolher entre diferentes modos de

comportamento, construindo novos modos de ação. Paulatinamente, a criança vai construindo

significados, conhecimentos, valores, num diálogo com ela mesma, com o outro e com o

mundo, levantando lentamente as várias posições (opiniões, concepções, perspectivas) sobre

determinado assunto. A partir de tais constatações, Vygotsky conclui que a linguagem é o

sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, constituindo-se na principal mediadora

entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É na situação de interação que o sujeito está em

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um momento de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas possibilidades de

interpretação do conteúdo que recebe da realidade exterior.

Para Vygotsky (1987), a organização do ato voluntário da criança possui um caráter

interpsíquico, na medida em que se unem a linguagem da mãe e a ação da criança. No

entanto, a ação voluntária só se inicia com a capacidade de subordinar a ação da criança à

instrução verbal do adulto. Esta função interpsíquica, ou seja, uma função compartilhada entre

duas pessoas, começa progressivamente a se transformar em um processo intrapsíquico. A

ação dividida entre duas pessoas (a mãe e a criança) muda de estrutura, se interioriza e se

transforma em intrapsíquica; a partir daí a linguagem da própria criança começa a regular sua

conduta. No início, a regulação da conduta pela linguagem própria exige da criança umalinguagem desdobrada externa e logo a linguagem progressivamente “dobra-se”,

transformando-se em linguagem interior. Este é o caminho pelo qual se forma o complexo

 processo de ação voluntária autônoma, que é em sua essência a subordinação da ação não

mais à linguagem do adulto mas sim à própria linguagem da criança.

Para atestar a importância fundamental da linguagem, Vygotsky (op. cit.) ressalta que

todos os processos mentais superiores têm início com o surgimento da linguagem. É ela quehabilita a criança a criar instrumentos auxiliares na solução de problemas, a superar a ação

impulsiva e a controlar seu próprio comportamento. Enfim, para Vygotsky, o

desenvolvimento não é mera acumulação lenta de mudanças lineares, mas um complexo

 processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das

diferentes funções, transformação qualitativa de uma forma ou de outra, entrelaçamento de

fatores externos e internos e processos adaptativos, mediados pela linguagem, fator decisivo

do desenvolvimento humano.

Segundo Oliveira (1993), a importância dos instrumentos, atribuída por Vygotsky, tem

clara ligação com sua filiação teórica aos postulados marxistas: o modo de produção de vida

material condiciona a vida social, política e espiritual do homem; o homem é um ser histórico,

que se constrói através de suas relações com o mundo natural e social; o processo de trabalho

(transformação da natureza) é o processo privilegiado nessas relações homem/mundo; a

sociedade humana é uma totalidade em constante transformação, é um sistema dinâmico e

contraditório, que precisa ser compreendido como processo em mudança, em

desenvolvimento; as transformações qualitativas ocorrem por meio da chamada síntese

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dialética onde, a partir de elementos presentes numa determinada situação, fenômenos novos

emergem.

Ainda de acordo com Oliveira (1993), Vygotsky busca compreender as características

do homem através do estudo da origem e desenvolvimento da espécie humana, tomando o

surgimento do trabalho e a formação da sociedade humana, com base no trabalho, como

sendo o processo básico que marcará o homem como espécie diferenciada. É o trabalho que,

 pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e

a história humanas. É no trabalho que se desenvolvem, por um lado, a atividade coletiva (e,

 portanto, as relações sociais) e, por outro, a criação e a utilização de instrumentos.

Para Vygotsky (1984, 1988), o instrumento é um elemento interposto entre o

trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da

natureza. O instrumento carrega consigo a função para a qual foi criado e o modo de

utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. Sendo assim, é um objeto

social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo.

O Homem tem utilizado, ao longo de sua história, signos como instrumentos psicológicos em diversas situações, como naquelas que exigem memória e atenção, em que os

signos são interpretáveis como representação da realidade e se referem a elementos do espaço

e do tempo presentes. Sabemos que existem inúmeras formas de utilizar os signos como

instrumentos que auxiliam no desempenho de atividades psicológicas, como: fazer uma lista

de compras por escrito, utilizar um mapa para encontrar um determinado local, fazer um

diagrama para orientar a construção de um objeto... Isso demonstra que constantemente

recorremos à mediação de vários tipos de signos para melhorar nossas possibilidades dearmazenamento de informações e de controle da ação psicológica.

O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao de

um instrumento no trabalho. Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo,

sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza, enquanto que

os signos, chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são orientados para o

 próprio sujeito. Os signos dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio

indivíduo, seja de outras pessoas, são ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e

não nas ações concretas, como os instrumentos.

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A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre oobjeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar amudanças nos objeto. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é

dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, nãomodifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividadeinterna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientadointernamente. Essas atividades são tão diferentes umas das outras, que a naturezados meios por eles utilizados não pode ser a mesma (Vygotsky, 1984:62). 

Vygotsky (1984) estabelece a analogia entre a signalização e o uso de instrumentos no

trabalho buscando o entendimento do papel comportamental do signo. A signalização, isto é,

a criação e utilização de signos e de sinais arbitrários, é uma característica específica do

homem; o princípio da signalização é fator determinante da espécie humana. O homem não sóse adapta à natureza, mas a transforma, e ao transformar a natureza, transforma a si mesmo. O

homem sente, pensa, age, imagina, deseja, planeja, tem a capacidade de criar o mundo da

cultura através dos instrumentos de trabalho e dos instrumentos psicológicos. Nessa analogia,

Vygotsky identifica a função mediadora de ambos, ou seja, tanto o uso de signos quanto o uso

de instrumentos de trabalho operam como uma atividade mediada. Mas os diferencia pela

operacionalização efetiva direcional assumida na atividade mediada: enquanto o instrumento

e o trabalho modificam o objeto da atividade e estão dirigidos externamente, o instrumento

 psicológico não altera o objeto da atividade psicológica e está orientado internamente. Este

último age sobre o controle e domínio do sujeito, enquanto que o instrumento de trabalho atua

sobre o controle e domínio da natureza.

Desta forma, de acordo com Oliveira (1993), as atividades mediadas por instrumentos

e por signos apresentam naturezas diferentes, mas estão reciprocamente vinculadas, pois a

alteração num nível provoca transformação no outro. A presença de elementos mediadores

introduz um ou mais elementos nas relações organismo/meio, tornando-as mais complexas.

Palangana (2001) relata que Vygotsky e seus colaboradores realizaram diversos

experimentos para estudar o papel dos signos na atividade psicológica e compreender como o

 processo de mediação, por meio de instrumentos e signos, é fundamental para o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, distinguindo o homem dos outros

animais. Concluíram que a mediação é um processo essencial para tornar possível atividades

 psicológicas voluntárias intencionais, controladas pelo próprio indivíduo.

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  Vygotsky (1984) considera como processos psicológicos superiores aqueles que

caracterizem o funcionamento psicológico tipicamente humano e como as ações

conscientemente controladas: a atenção voluntária, a memorização ativa, o pensamento

abstrato e o comportamento intencional. Esses processos sofrem modificações e vão sendo

construídos ao longo do desenvolvimento do indivíduo, constituindo-se em funções

 psicológicas mais sofisticadas. Os processos psicológicos superiores diferenciam-se de

mecanismo mais elementares, como reflexos, reações automáticas e associações simples.

Ainda segundo Vygotsky (op.cit.), ao longo do processo de desenvolvimento, o

indivíduo deixa de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é,

representações mentais que substituem os objetos do mundo real. Os signos internalizadosficam registrados como elementos que representam objetos, eventos ou situações.

Oliveira (1993) afirma que, para Vygotsky, a própria idéia de que o homem é capaz de

operar mentalmente sobre o mundo, isto é, fazer relações, planejar, comparar e lembrar, supõe

um processo de representação mental. Esta capacidade de lidar com representações que

substituem o próprio real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo

 presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter

intenções. É esta relação, mediada pelos signos internalizados que representam os elementos

do mundo, que liberta o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu

 pensamento.

Segundo a citada autora, as representações mentais da realidade exterior são, na

verdade, os principais mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo.

É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e

organizar o real, que vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre

o indivíduo e o mundo. Os signos não se mantêm como marcas externas isoladas, referentes a

objetos avulsos, nem como símbolos usados por indivíduos particulares, mas passam a ser

signos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo a

comunicação entre os indivíduos e o aprimoramento da interação social.

Ainda de acordo com Oliveira (op.cit.), Vygotsky considera que é a partir de sua

experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de

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organização do real e com os signos fornecidos pela cultura que os indivíduos vão construir

seu sistema de signos, que consistirá numa espécie de código para decifrar o mundo.

Para Oliveira (1993), quando Vygotsky trata da cultura não está se reportando apenas

a fatores abrangentes, como o país onde o indivíduo vive ou seu nível sócio-econômico. Ele

está se referindo também, e principalmente, ao grupo cultural, no seu entender fornecedor, ao

indivíduo, de um ambiente estruturado, onde todos os elementos são carregados de

significados.

Sendo a vida humana impregnada de significações, a influência social se dá por meio

de processos que ocorrem em diversos níveis. Portanto, a interação social, seja diretamentecom os outros membros da cultura seja através dos diversos elementos do ambiente

culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do

indivíduo.

Vygotsky (1984) não concebe a cultura (expressa na vida social) como algo pronto

mas como um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre

o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um. Nesse sentido, e reportando à sua filiaçãomarxista, Vygotsky postula a interação entre vários planos históricos: a história da espécie

(filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual da espécie

(ontogênese) e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo.

Palangana (2001) afirma que, para Vygotsky, o processo pelo qual o indivíduo

internaliza a cultura é um processo de transformação, de síntese. É importante destacar qual o

significado do termo síntese para Vygotsky. Segundo a autora, a síntese vygotskyana de doiselementos não é a simples soma por justaposição desses elementos, mas a emergência de algo

novo, anteriormente inexistente. Esse componente novo não estava presente nos elementos

iniciais: foi tornado possível pela interação entre esses elementos, num processo de

transformação que gera novos fenômenos. Assim, a abordagem que busca uma síntese para a

 psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem como corpo e mente, como ser

 biológico e ser social, participante de um processo histórico.

Palangana (op.cit.) considera que o processo de internalização é, para Vygotsky, um

dos principais mecanismos a serem compreendidos no estudo do ser humano. É como se ao

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longo de seu desenvolvimento o indivíduo “tomasse posse” das formas de comportamento

fornecidos pela cultura, num processo em que as atividades externas e as funções

interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.

Segundo Palangana (2001), o processo de desenvolvimento do ser humano, marcado

 por sua inserção em determinado grupo cultural, se dá “de fora para dentro”. Primeiramente, o

indivíduo realiza ações externas, que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo

com os significados culturalmente estabelecidos. A partir dessa interpretação, será possível

 para indivíduo atribuir significados às suas próprias ações e desenvolver processos

 psicológicos internos que podem ser interpretados por ele próprio a partir dos mecanismos

estabelecidos pelo grupo cultural e compreendidos por meio dos códigos compartilhados pelos membros desse grupo.

De acordo com Molon (1995), os vários comentadores e seguidores da teoria

vygotskyana realizaram diferentes leituras, configurando diferentes possibilidades de análise

do psiquismo humano, como veremos a seguir. Esses autores reconhecem e valorizam os

 pressupostos sócio-históricos no entendimento da natureza humana, ou seja, que o homem é

constituído a partir das relações sociais. Entretanto, a análise sobre a qualidade da participação da realidade social na constituição do Homem e sobre a gênese dos processos

 psicológicos gera controvérsias e explicações ambíguas, demarcando um debate entre os

especialistas que priorizam o funcionamento intrapsicológico, os especialistas que enfatizam o

funcionamento interpsicológico e outros que salientam a relação dialética entre a dimensão

inter e intrapsicológica. Alguns autores criticam Vygotsky, dizendo que ele centralizou sua

análise no pólo social, enquanto outros declaram que a questão do sujeito era a preocupação

 primeira e fundamental para Vygotsky.

Dentre os autores que analisam a obra de Vygotsky priorizando os aspectos

intrapsicológicos, destaca-se a presença significativa de Valsiner (1996).

Valsiner  (1996) identifica dois modelos de transmissão cultural, o uni-direcional e o

 bi-direcional, propondo um novo modelo: o co-construtivismo. O autor está preocupado com

a construção conjunta da pessoa e da sociedade, especialmente com a preservação e a

sobrevivência da pessoa. Para Valsiner (op.cit.), a pessoa em desenvolvimento constrói uma

“cultura pessoal” através de suas experiências prévias podendo estar “imune” às sugestões do

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meio social utilizando uma variedade de estratégias: ignorando, neutralizando, trivializando,

resistindo, rejeitando...

Valsiner (1996) traz a questão da cultura pessoal para o enfoque sócio-histórico e para

o modelo da sócio-gênese, que é construída na resistência às sugestões sociais. Essa

resistência garante a não dissolução do sujeito no social. Segundo o autor, o desenvolvimento

 pessoal é constantemente cercado pelas formas de sugestão social da cultura coletiva,

concebida como somatória de “culturas pessoais”. Valsiner centraliza sua análise nos termos

sugestão social, contágio e resistência pessoal. Para Molon (1995), o autor busca

contribuições dos teóricos organicistas, especialmente Baldwin, e tem como proposta fazer

uma síntese entre Vygotsky e Piaget, acreditando que o co-construtivismo deve considerar assemelhanças entre os dois autores. Neste sentido, não apresenta os mesmos pressupostos da

teoria vygotskyana. Segundo a autora o co-construtivismo é um outro mosaico, uma

 perspectiva mais desenvolvimentalista e menos dialética, que está centrado na preocupação da

formação intrapsicológica e na cultura pessoal.

Wertsch (1998), em sua leitura de Vygotsky, prioriza os processos interpsicológicos,

afirmando que ao se analisar o funcionamento interpsicológico, necessariamente analisa-se ofuncionamento intrapsicológico. Wertsch assinala que a transição entre esses dois planos se dá

através de mudanças quantitativas e qualitativas, defendendo a tese de que a origem dessa

transição está nos instrumentos semióticos4 usados na interação social. Destaca dois processos

fundamentais na análise do funcionamento interpsicológico: a definição da situação

compartilhada e os níveis de intersubjetividade.

De acordo com o autor, a comunicação deve basear-se num nível mínimo de definiçãoda situação compartilhada, ou seja, de intersubjetividade. Neste sentido, acontece a

comunicação pela constituição de uma realidade social temporalmente compartilhada através

da negociação mediada semioticamente entre as pessoas envolvidas na definição da situação.

Essa proposta restringe a intersubjetividade a uma interação face a face, à presença imediata

do outro e aos mecanismos de comunicação compartilhados na interação.

4 Semiótico: relativo a signos, lingüísticos ou não (Houaiss, 2001: 2543).

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  Dentro desta perspectiva, Wertsch (1998) afirma que é possível identificar pontos de

intersubjetividade na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, reconhecer níveis de

intersubjetividade na situação compartilhada entre o adulto e a criança. Vygotsky (1998)

define a zona desenvolvimento proximal como a distância entre o nível de desenvolvimento

real, determinado pela solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento

 potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou um

companheiro mais capaz. O nível de desenvolvimento real, portanto, refere-se às conquistas já

consolidadas na criança, correspondendo às funções que ela já aprendeu e às atividades que

consegue realizar sozinha. O nível de desenvolvimento potencial refere-se, por sua vez, ao

que a criança é capaz de fazer mediante a ajuda de outra pessoa. A distância entre o que a

criança é capaz de fazer sozinha e o que ela executa com a colaboração de outras pessoas é oque Vygotsky denomina zona de desenvolvimento proximal.

Desse modo, o aprendizado, que resulta em desenvolvimento mental, é um aspecto

necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções culturalmente organizadas

e especificamente humanas. Por outro lado é importante lembrar que durante o processo de

aprendizagem a criança parte de suas próprias generalizações e significados: ela reflete a

respeito das explicações recebidas e as transforma segundo seus esquemas lógicos econceituais. Segundo Wertsch (op. cit.), para o generalizar e o abstrair, que são propostos pelo

conceito estudado, ela necessita do auxílio dos adultos e de outras crianças. Ou seja, existe

uma mediação fundamental para a absorção e transformação do conteúdo proposto: auxiliada

 por outra pessoa, a criança pode fazer mais do que faria sozinha. Entretanto, o que hoje ela

apenas consegue fazer com o auxílio alheio, com o passar do tempo conseguirá fazer sozinha.

A coordenação e transferência de novos conceitos serão realizadas através da discussão e da

dialética originadas por diferentes pontos de vista. Neste sentido, o conhecimento não deveser transmitido pelo professor através da linguagem expressa só em aulas expositivas, os

conceitos devem ser discutidos e buscados por meio de pesquisas. É justamente no trabalho

em equipe que ocorre o desequilíbrio conceitual através do contraste de vários pontos de vista.

Esse processo leva à transformação da cognição e ao desenvolvimento das funções

intelectuais. Sob esta ótica, Vygotsky concebe a tarefa da escola como a transformação do

estado atual de desenvolvimento do educando para um patamar superior no processo de

desenvolvimento.

Como diz Tereza Cristina Rego:

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O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de extrema importância para as pesquisas do desenvolvimento infantil e para o plano educacional, justamente porque permite a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual.

Através da consideração da zona de desenvolvimento proximal, é possível verificarnão somente os ciclos já completados, como também os que estão em via deformação, o que permite o delineamento da competência da criança e de suasfuturas conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que oauxiliem nesse processo (Rego,1995:74). 

Discorrendo sobre a possibilidade de identificar pontos de intersubjetividade na zona

de desenvolvimento proximal, Wertsch (1998) elenca quatro níveis de intersubjetividade na

transição do funcionamento interpsicológico para o funcionamento intrapsicológico. No

 primeiro nível, a definição da situação pela criança é tão diferente da definição da situação do

adulto que a comunicação torna-se quase impossível, conseqüentemente a intersubjetividade

não acontece. No segundo nível, a criança não compreende a natureza da ação dirigida a um

objetivo, mas existe uma definição da situação minimamente compartilhada. No terceiro nível

de intersubjetividade, a criança faz inferências esclarecedoras interpretando as produções

diretivas do adulto, mesmo as não explícitas, mas que fazem parte da definição da situação.

Finalmente, no quarto nível, a criança e o adulto estabelecem uma intersubjetividade

completa, na qual a criança regula a responsabilidade da tarefa, dominando a definição da

situação colocada pelo adulto.

Para Wertsch (op.cit), tudo o que acontece no plano interpsicológico nestes diferentes

níveis de intersubjetividade realiza-se no plano intrapsicológico. Essa transição acontece

através de dois mecanismos semióticos: a perspectiva referencial e a abreviação.

Para Molon (1995) o modelo proposto por esse autor concebe a existência de

diferentes níveis de intersubjetividade, como se existisse um nível completamente harmônico,

 portanto ideal, na relação do adulto com a criança. Ele analisa a definição da situação e os

níveis de intersubjetividade exclusivamente na relação do adulto com a criança, na zona de

desenvolvimento proximal através desses mecanismos semióticos.

 No entender do autor, a perspectiva referencial implica num ato referencial, é um

mecanismo semiótico utilizado pelo falante para identificar um referente5, são algumas

5 Referente: o elemento do mundo extra lingüístico, real ou imaginário, ao qual remete um signo lingüístico, numdeterminado contexto sóciocultural e de discurso (Houaiss, 2001:2411). 

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expressões que minimizam e maximizam a informação: as expressões que minimizam são as

dêiticas (este, aquele) e as expressões comuns (nome mais comum de um objeto); as

expressões que maximizam a quantidade de informações são as expressões informativas do

contexto. O outro mecanismo semiótico é a abreviação6, que é a redução da representação

lingüística explícita.

Wertsch (1998) menciona que Vygotsky analisou este mecanismo na explicação da

fala interna, porém observa que Vygotsky utilizou a abreviação somente no funcionamento

intrapsicológico. Ele estende o emprego deste mecanismo semiótico no funcionamento

interpsicológico, reconhecendo a relação entre a representação lingüística e a definição da

situação, ou seja, os aspectos envolvidos na definição da situação aparecem representados nafala em diferentes graus: quanto menos aspectos representados, maior será o nível de

abreviação. Para o autor através deste mecanismo semiótico, estabelecem-se diferentes níveis

de intersubjetividade.

Smolka (1991), Góes (1991) e Pino (1993) têm se diferenciado ao apontar novas

 possibilidades para superar o dualismo entre o funcionamento interpsicológico e o

funcionamento intrapsicológico, acabando com a primazia de uma dimensão sobre a outra. As pesquisas realizadas por eles indicam que a construção do Homem acontece dialeticamente.

Esses autores deixam claro que a constituição do Homem não se esgota no privilégio de

aspectos intrapsicológicos ou interpsicológicos, mas no processo dialético de ambos, e ainda o

que é mais expressivo, a constituição do Homem acontece pelo outro e pela palavra numa

dimensão semiótica. Sendo a palavra e o signo polissêmicos7, a natureza e a gênese do

 processo de constituição do Homem implicam, necessariamente, o diferente e o semelhante.

Para os autores, o Homem constitui-se pelo outro e pela linguagem através dos

 processos de significação e dos processos dialógicos, rompendo com a dicotomia entre sujeito

e social, entre o eu e o outro.

A concepção de Homem numa dimensão semiótica não ignora a individualidade nem a

singularidade, segundo Góes (1991), mas atribui a esses constructos novos significados: a

6 Abreviação: redução do corpo fônico de uma palavra resultando em outra que passa a funcionar como sinônimoda palavra primitiva (Houaiss, 2001:27). 7 Polissêmico: relativo à polissemia; que tem mais que um significado (Houaiss, 2001:2253).

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individualidade como um processo socialmente construído; a singularidade como uma

conjugação que envolve convergências e divergências, semelhanças e diferenças,

aproximações e afastamentos em relação ao outro. O Homem passa a ser visto como uma

composição do movimento dialético, não necessariamente harmônico, entre tensões e sínteses.

Pino (1993) esboça o processo de significação em três momentos que são articulados

 pela gestualidade. No primeiro momento, acontece um processo de participação fusional do

eu no outro, no qual o eu perde-se no outro. No segundo momento, pelo processo dialético de

negação e reconhecimento, o eu constitui-se em sujeito. No terceiro momento, em

conseqüência da oposição e reconhecimento do outro como um “não eu”, surge a consciência

da própria subjetividade, jamais como eu isolado mas como eu da relação “Eu-Outro”.

Segundo Pino (op. cit.), neste processo de significação, o eu, ao se constituir sujeito,

torna-se para o sujeito o significante da própria subjetividade. A consciência da subjetividade

e a penetração no universo da significação somente acontecem no campo da

intersubjetividade, configurado como lugar de encontro e de confronto, como palco de

negociações dos mundos de significação privados e públicos.

Sendo assim, esta noção de intersubjetividade diferencia-se da noção de

intersubjetividade de Wertsch (1998) citada anteriormente. Aqui, a intersubjetividade propicia

o acontecimento que pode ser dos mais diversos modos. Para Wertsch existe um modelo ideal

de intersubjetividade a ser atingido na relação entre o adulto e a criança, na qual o adulto

estabelece o modelo da relação e o nível de intersubjetividade.

Segundo Góes (1991), a intersubjetividade não é o plano do outro e sim da relação dosujeito com o outro, é inter-relação, é interação. Neste sentido, o mundo é o lugar de

constituição da subjetividade.

Para Pino (op.cit.), sendo a ordem simbólica uma produção do imaginário social da

sociedade e também constituinte do homem como indivíduo social, as representações da

ordem imaginária são constitutivas da subjetividade. Desta forma, há representações do

sujeito e, principalmente, representações no sujeito, num mundo sócio-histórico, onde não se

 pode ignorar nem a ordem imaginária nem a ordem simbólica.

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  Explicitamos a análise de alguns autores que priorizam a dimensão interpsicológica da

constituição do sujeito, como é o caso de Valsiner, de outros que salientam a dimensão

intrapsicológica, como identificamos no pensamento de Werstch, além de outros que

ressaltam o movimento dialético entre as dimensões interpsicológica e intrapsicológica, como

 por exemplo Góes, Smolka e Pino. Sendo assim, analisando as idéias desses autores, no nosso

entender, não consideramos que em seus estudos demonstrem oposições de idéias, mas sim

um movimento de aprofundamento de suas pesquisas pelas diferentes escolhas realizadas, ou

seja, enquanto Valsiner aprofundou a dimensão interpsicológica, Werstch fez o mesmo em

relação à dimensão intrapsicológica e Góes, Smolka e Pino aprofundaram as inter-relações

entre estas dimensões. No nosso entender, não há, para estes três últimos autores, a negação

dos modelos apontados anteriormente – o interpsicológico e o intrapsicológico -, mas umainterpenetração desses contrários, ou seja, um movimento dialético, dotando de sentido a

constituição do sujeito como uma via de mão dupla. No presente estudo, identificamo-nos e

tomamos como referência, para a análise do dados obtidos, os autores Góes, Smolka e Pino,

 por constituir suas análises a partir da perspectiva da intersecção entre as duas dimensões, não

 priorizando nenhuma delas em detrimento da outra.

 Neste capítulo, apresentamos a base teórica que norteará a investigação do uso dotermo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein. Inspirados

nos princípios do materialismo histórico-dialético, que ressalta a importância da historicidade

dos fenômenos, percorremos a trajetória pessoal de Vygotsky, situando-o histórica e

geograficamente. Explicitamos o contexto social e político em que viveu e construiu sua obra,

apresentando também seus fundamentos teórico-metodológicos, sua base filosófica, o

 percurso do termo mediação na história do pensamento, afunilando para a discussão do termo

mediação em Vygotsky e em seus estudiosos.

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CAPÍTULO 2 – MÉTODO

“Se procurar bem, você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida,mas a poesia (inexplicável) da vida.”

Carlos Drummont de Andrade 

O presente capítulo tem por objetivo apresentar o método a ser utilizado no estudo em

questão, a sua fundamentação metodológica, o procedimento metodológico, bem como as

categorias de análise a serem utilizadas para iluminar a interpretação dos dados de nosso

estudo.

• FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA

Explicitaremos a seguir a fundamentação metodológica do método a ser utilizado,

tendo em vista o objetivo do presente estudo. O termo método está sendo aqui empregado

com o mesmo significado atribuído por Gamboa (1988:27), ou seja, como “um caminho em

direção ao conhecimento”.

Considerando nossa opção em fundamentar o estudo em questão no materialismo histórico

e dialético, recorremos ao método dialético como um caminho possível a ser percorrido em

direção ao que pretendemos investigar, ou seja, se o termo mediação utilizado por

Feuerstein tem o mesmo significado atribuído por Vygotsky.

Segundo Frigotto (1987), na perspectiva do materialismo histórico, o método vincula-

se a uma concepção de realidade, de mundo e de vida entendidas no seu conjunto. A questão

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deste posicionamento, de acordo com o autor, neste sentido, antecede ao método. No seu

entender, o método se constitui numa espécie de mediação no processo de apreender, revelar e

expor a estruturação, o desenvolvimento e a transformação dos fenômenos sociais.

De acordo com Houaiss (2001: 1030), dialética “em um sentido bastante genérico,

significa oposição, conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou

 fenômenos empíricos”.

Para Frigotto (op.cit.), etimologicamente, a palavra dialética vem do grego dia

(δια), que indica troca ou dualidade, e lektikós (λεκτικοσ) , que significa capaz de falar. Esta

também é a raiz de logos (palavra, razão), assemelhando-se ao conceito de diálogo. “No

diálogo, há mais de uma opinião, há dualidade de razões”.

O materialismo histórico remete-nos à historicidade das produções humanas. Assim, o

elemento histórico, consoante ao método dialético, diz respeito ao caráter sincrônico8  e

diacrônico9 dos fatos, à relação sujeito e objeto, em suma, ao caráter histórico dos objetos que

investigamos.

De acordo com Kosik (1976), um aspecto a ser considerado nesta compreensão de

método é que a dialética é um atributo da realidade e não do pensamento, trata da “coisa em

si”. Mas, a “coisa em si” não se manifesta imediatamente ao homem. Para chegar a sua

compreensão é necessário fazer não só um certo esforço, mas também um retorno. Este

retorno implica necessariamente em ter como ponto de partida os fatos empíricos que nos são

dados pela realidade e, em segundo lugar, em superar as impressões primeiras, as

representações fenomênicas destes fatos empíricos e ascender ao seu âmago, às suas leis

fundamentais. O ponto de chegada será não mais as representações primeiras do dado

empírico (imediato), mas o concreto pensado (mediato). Essa trajetória demanda do homem,

enquanto ser cognoscente, um esforço e um trabalho de apropriação, organização e exposição

dos fatos. Por isso mesmo, “o conhecimento da realidade histórica é um processo de

apropriação teórica – isto é, de crítica, interpretação e avaliação dos fatos – processo em

8 Sincrônico: relativo a um conjunto de fatos que coincidem no tempo, sem levar em conta o processo evolutivo;simultâneo9 Diacrônico: relativo ao estudo ou a compreensão de um fato ou de um conjunto de fatos em sua evolução notempo.

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que a atividade do homem, do cientista, é condição necessária ao conhecimento objetivo dos

 fatos” (Kosik, op. cit.: 45).

Para Kosik (1976), a dialética não é um método que pretenda ingenuamente conhecer

todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer um quadro “total” da realidade, na

infinidade dos seus aspectos e propriedades. A compreensão dialética da totalidade significa

não só que as partes se encontram em relação de intensa interação e conexão entre si e com o

todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das

 partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes. Assim, a compreensão da

dialética materialista histórica implica, ao mesmo tempo, em uma concepção de realidade, emum método de se investigar e se expor o real e em uma práxis transformadora que nos sinaliza

alguns pontos que merecem atenção.

Para Frigotto (1987), um aspecto que se pode observar no campo da pesquisa é que há

uma tendência de se tomar o “método”, ainda que dialético, como um conjunto de estratégias,

técnicas e instrumentos. Para a referida autora é necessário tomar cuidado para que as

categorias de análise não percam seu caráter de historicidade, tornando-se abstratas eespeculativas. No seu entender, a dialética, para ser materialista e histórica, não pode

constituir-se numa “doutrina” ou numa espécie de dogma, tem que dar conta do movimento

entre totalidade e especificidade. Isto implica em dizer que as categorias de análise não são

apriorísticas, mas são construídas historicamente no próprio decorrer do estudo. De acordo

com Mazzoti (1998) é necessário um mínimo de estruturação, conforme observamos na

citação abaixo:

... um mínimo de estruturação prévia, considerando que o foco da pesquisa, bemcomo as categorias teóricas e o próprio design só deverão ser definidos no decorrerdo processo de investigação. (...) o foco e o design do estudo não podem serdefinidos a priori, pois a realidade é múltipla, socialmente construída em uma dadasituação e, portanto, não se pode apreender seu significado se, de modo arbitrário e

 precoce, a aprisionarmos em dimensões e categorias (Mazzoti, 1998: 147).

De maneira geral, a dialética revela-se, segundo Lefèbvre (1975) a partir de leis ou

 princípios que norteiam a análise de uma dada realidade ou situação, a saber: lei da interação

universal (nada é isolado, tudo se inter-relaciona); lei do movimento universal (tudo se

transforma); lei da unidade dos contraditórios (interpenetração dos contrários, unidade e luta

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dos contrários); lei dos saltos (transformação da quantidade em qualidade – implica

simultaneamente a continuidade e a descontinuidade); lei da superação (desenvolvimento em

espiral).

Para atender a esses princípios gerais da dialética, Lefébvre (1975) sistematiza um

conjunto de regras organizadas de uma forma " didática"  (Gadotti, 1983), algumas das quais

consideramos importante destacar para orientar o posicionamento do pesquisador e os

cuidados que estarão presentes no olhar que será dirigido ao objeto de estudo desta pesquisa,

 para dar conta do rigor e da fecundidade propostos por Lefèbvre:

• dirigir-se à própria coisa, ou seja, realizar uma análise objetiva;

• apreender o conjunto das conexões internas; identificar e revelar o desenvolvimento e o

movimento;

• apreender os aspectos e momentos contraditórios, as transições, o constante movimento;

• não esquecer de que tudo está ligado a tudo, e que uma interação insignificante,

negligenciável porque não essencial em determinado momento, pode tornar-se essencial

num outro momento ou sob um outro aspecto;

• não esquecer de que o processo de aprofundamento do conhecimento é infinito. Jamais

estar satisfeito com o obtido. É olhar sempre para além do que se vê;

• em certas fases do próprio pensamento, este deverá se transformar, retomar seus

momentos superados, revê-los, repeti-los, mas apenas aparentemente, com o objetivo de

aprofundá-los mediante um passo atrás rumo às suas etapas anteriores e, por vezes, até

mesmo rumo ao seu ponto de partida.

A análise realizada sob esta perspectiva é entendida por nós como o melhor caminho a

seguir, não tendo a pretensão de se chegar a uma conclusão definitiva e acabada sobre o uso

do termo mediação em Feuerstein, uma vez que o conhecimento é concebido como algo

infinito, ou seja, em constante processo de construção. Entretanto, acreditamos ser relevante

 procurarmos entender com mais precisão o significado do termo mediação, uma vez que este

será norteador de todo o trabalho para que, assim, possamos abordar o referido termo nas

considerações de Feuerstein, bem como reconhecer os desdobramentos do termo mediação e

suas conexões com outras idéias, tanto em Vygotsky (a questão dos signos e dos

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instrumentos, entre outros) quanto em Feuerstein (a Experiência de Aprendizagem Mediada, o

Programa de Enriquecimento Instrumental, entre outros).

• PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Tendo em vista que o presente estudo tem por objetivo verificar se o termo mediação

utilizado por Feuerstein tem o mesmo significado atribuído por Vygotsky e considerando que

o objeto de estudo é a concepção de mediação em Feuerstein, o procedimento metodológico

será constituído das seguintes etapas:

• Etapa 1: Levantamento dos escritos de Vygotsky e Feuerstein e de comentaristas sobre

esses autores;

• Etapa 2: Elaboração de dois capítulos observando a contextualização histórica e

geográfica, as bases teóricas, metodológicas e filosóficas para compor o cenário da

formação familiar, intelectual, cultural e social em que estão inseridos os autores emquestão, assim como explicitar as correntes de pensamento para identificar os pressupostos

epistemológicos, ontológicos, gnoseológicos e a concepção teórica dos dois autores;

• Etapa 3: Explicitar o uso do termo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva

Estrutural de Feuerstein, como ele concebe a mediação e como os estudiosos de Feuerstein

a concebem, assim como explicitar a mediação nos escritos de Vygotsky e dos estudiosos

de Vygotsky;

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• Etapa 4: Análise e interpretação dos dados.

• CATEGORIAS DE ANÁLISE 

As categorias eleitas foram as propostas por Gamboa (1988). Este autor assinala que se

 pretendemos constituir nossos estudo numa vertente crítico-dialética, precisamos questionar

fundamentalmente a visão estática da realidade, desvendar mais que o “conflito das

interpretações”, o conflito dos interesses, e manifestar um “interesse transformador” das

situações ou fenômenos estudados, resgatando sua dimensão sempre histórica e desvendando

suas possibilidades de mudança. Segundo o referido autor, as categorias por ele propostas para análise das produções científicas qualquer que seja a vertente teórica na qual o estudo ou

 pesquisa se fundamenta estão edificadas sobre alguns elementos lógicos (nível técnico,

metodológico e teórico) e sobre alguns pressupostos (epistemológico, gnoseológico e

ontológico).

 Nesse sentido, as categorias que irão iluminar a análise e interpretação dos dados desse

estudo são as que se seguem:

a) Contexto histórico: contextualização espaço-temporal e as características sociais em que

os pensadores estão inseridos;

 b) Filiação metodológica e filosófica: bases de fundamentação dos autores; as correntes de

 pensamento nas quais os pensadores se filiam;

c) Pressupostos ontológicos: concepções de Homem, Sociedade, História e Mundo

expressos nas obras dos autores;

d) Pressupostos lógico-gnoseológicos: a concepção de objeto e de sujeito no processo

cognitivo; aprendizagem / desenvolvimento;

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e) Concepção teórica:  concepção teórica dos autores, especificamente a concepção de

mediação.

Cumpre-nos ressaltar a atenção necessária para que essas categorias não se

transformem em “camisas de força” especulativas, que enrijeçam o olhar, mas que se

configurem como diretrizes norteadoras para a nossa leitura, conforme nos recomenda

Frigotto (1987).

CAPÍTULO 3 – A MEDIAÇÃO EM REUVEN FEUERSTEIN

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 “... cada um de nós compõe a sua históriacada ser carrega em si o dom

de ser capaz de ser feliz...”

Almir Sater

Este capítulo tem como objetivos apresentar um breve histórico da vida de Feuerstein,

situando-o geográfica e historicamente, tendo em vista explicitar o cenário de sua formação

 pessoal entendida como a formação familiar, intelectual, cultural e social. Objetiva, também,

explicitar sua filiação teórico-metodológica, ou seja, a teoria da modificabilidade cognitiva

estrutural, bem como situar alguns conceitos, a saber: função cognitiva e mapa cognitivo.

Pretende, também, apresentar alguns fundamentos filosóficos nos quais podemos inferir que

Feuerstein tenha se inspirado. Por fim, explicitar a mediação em Feuerstein apresentando de

maneira sucinta a experiência de aprendizagem mediada bem como os instrumentos criados

 por ele, ou seja, o PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental) e o LPAD (Avaliação

Dinâmica do Potencial de Aprendizagem), assim como a concepção de mediador e os critérios

de mediação.

3.1. HISTÓRICO DE VIDA

A FAMÍLIA

Reuven Feuerstein nasceu na Romênia, no dia 21 de agosto de 1921. É o quinto de

oito filhos de uma família judia e reside em Israel desde 1944. Segundo Da Ros (2002), no

grupo particular e familiar de Feuerstein a mediação esteve sempre presente por intermédio de

conversas entre os irmãos e a mãe quando contavam, uns aos outros, o que aprenderam e

leram durante a semana, reconstruindo tais experiências mental e verbalmente. Ficavam todos

sentados à mesa da cozinha conversando, e essas conversas eram mediadas pela mãe, tal fato

lhes dava condições de acesso ao significado de suas experiências. Segundo a autora, da

mesma forma foram significativas em sua vida as mediações realizadas pela leitura de textos

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sacros e livros de preces permeadas por comentários e legendas, bem como pelo clima social

da comunidade onde nasceu, em que a atmosfera era rica de sentidos e significados. Contam,

ainda, as vivências com seu avô, religioso, mímico e pintor. 

Outra experiência importante, relata Da Ros (2002), aconteceu graças ao fato de ter

começado a ler muito cedo, com apenas três anos de idade. Era, por isso, freqüentemente

chamado para ajudar seus colegas na escola – os que tinham dificuldade para ler ou

compreender a língua escrita. A referida autora conta que Feuerstein relata, em uma entrevista

 publicada em 1996, que quando era pequeno, em sua casa, teve experiência com modelos de

mediação utilizados com crianças órfãs, que eram cuidadas por sua mãe. Tanto ele quanto

seus irmãos constituíram, nas interações familiares, referências importantes que criaram o

desejo de participar em interações em que pudessem compartilhar, com outras pessoas,

vivências que ultrapassassem as marcas de um mero encontro casual. Essa característica de

seu núcleo familiar, segundo Feuerstein (1996), fez com que uma de suas irmãs se tornasse

uma grande líder comunista, um de seus irmãos um grande especialista em didática e outro,

com quem ele recentemente escreveu um livro, praticasse a mediação em termos bíblicos.

Feuerstein diz ser o produto de uma realidade, de um pensamento, de uma modalidade de

relacionar-se com a cultura.

Reuven Feuerstein contou, nessa mesma entrevista, que aos sete anos foi encarregado

de ensinar um rapaz de quinze anos considerado na vila como “simplório”, que tinha muita

 pressa de aprender a ler para que seu pai morresse em paz. Essa, segundo Feuerstein, foi a

 primeira experiência em que ele pôde se dar conta de que modificar é possível. Relatou,

também, que aos nove anos ensinou um homem de sessenta a ler a Bíblia.

Em 1949, contraiu uma tuberculose e é enviado para tratar-se na Suíça. Permanece em

tratamento durante sete meses e aproveita para aprender francês, inglês e alemão.

Feuerstein estudou Psicologia e Pedagogia em Bucareste. Posteriormente, a partir de

1952 em Genebra, trabalhou com Jean Piaget e André Rey.

• O PERCURSO PROFISSIONAL

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Da Ros (2002) relata que em 1970 Feuerstein concluiu sua tese de doutorado na

Sorbonne/Paris, na área de Psicologia do Desenvolvimento, com o título:  Lês differences de

 fonctionnement cognitif dans les grupes sócio-ethniques differents. Leur nature, leur etiologie

et les pronostics de modifiabilité   (Diferenças do funcionamento cognitivo dos diferentes

grupos sociais e étnicos. Sua natureza, sua etiologia e os prognósticos de modificabilidade).

Autores como D.P. Ausubel, H. Aebli, A. Anastasy, J.T. Campbell, A. R. Luria e L. S.

Vygotsky constam da bibliografia de sua tese, podendo ser considerados, segundo Da Ros,

uma referência em relação ao caráter mais sociológico e pedagógico de sua construção

teórica.

Em 1965, tornou-se diretor do “Hadassah-Wizo-Canada Research Institute”. Hoje é

diretor do “International Center for the Enhancement of Learning Potencial”, fundado em

1993. É professor, desde 1970, na Escola de Educação da Universidade Bar Ilan, em Ramat

Gan, Israel, e na Escola de Educação da Universidade Vanderbilt, em Nashville, Estados

Unidos.

Desde o final dos anos quarenta e até a sua aposentadoria, em 1983, dirigiu o ServiçoPsicológico do Departamento de Youth Aliya’s, uma instituição dedicada à tarefa de receber e

integrar as crianças judias que chegavam a Israel. Inicialmente, no período pós-guerra de

1940, Youth Aliya’s esteve envolvida com o resgate de crianças ameaçadas pelo regime

nazista alemão e austríaco. Ao longo e depois da guerra, a “operação resgate” estendeu-se de

leste a oeste da Europa, num esforço de reunir as crianças órfãs que haviam sobrevivido ao

holocausto.

Segundo Da Ros (op.cit.), o trabalho realizado por Feuerstein nesta instituição

 possibilitou-lhe muitas reflexões. Feuerstein começou a dar forma à sua proposta educacional,

que tem por base as experiências de aprendizagem mediada e a avaliação de potencial de

desenvolvimento. A maioria dos adolescentes marroquinos, que nos anos de 1950 a 1954

emigraram para Israel, eram analfabetos e não conheciam as diferentes operações mentais da

aritmética. Apresentavam limitações à curiosidade, à interação e à exploração, bem como em

conceitualizar, abstrair, simbolizar e representar. Estes adolescentes mostravam nos testes

utilizados uma defasagem de três a seis anos em relação às suas idades, fato que chamou a

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atenção de Feuerstein e possibilitou a elaboração de suas novas hipóteses. A este quadro,

Feuerstein chamará mais tarde de Síndrome de Privação Cultural.

Da Ros (2002) assinala que foram aplicados testes psicológicos como o Bender, por

exemplo, com resultados que apontavam sinais de organicidade (existência de possíveis

 problemas neurológicos), sugerindo que a escola e suas atividades acadêmicas seriam

 praticamente inacessíveis a esses adolescentes. Outros testes de desenvolvimento com tarefas

de resolução prática e as provas operatórias de Piaget foram aplicados e seus resultados não

diferiam em sua significação dos resultados obtidos pelos testes convencionais. Estas

constatações, segundo a autora, impulsionaram Feuerstein a produzir uma forma dinâmica de

compreender o desenvolvimento humano. 

 Naquele momento, as condições sociais de vida em Israel e o grande afluxo de

crianças e adolescentes imigrando para este país impunham a criação de novos programas

 pedagógicos e também uma revisão nos conceitos de avaliação. A questão era distinguir entre

a manifestação de um nível pobre de funcionamento e a capacidade potencial para a

modificabilidade que poderia ser produzida nas novas relações interpessoais. O que seria

necessário fazer para verificar a possibilidade de aprender, uma vez que os testes aplicadostraziam como resultados só as incapacidades? Esta questão, segundo Da Ros, trouxe à tona

 para Feuerstein o rico processo de mediação por ele vivido em sua infância e adolescência e

isto o motivou a realizar algo fundamentado nessas vivências. O programa pedagógico

denominado Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) emergiu dessa reflexão e para

viabilizá-lo a iniciativa da criação do Learning Potential Assessement Device10  (LPAD),

ambos embasados na mesma filosofia e princípios, que serão explicitados mais adiante.

 No início da sua carreira profissional Feuerstein teve como grande interlocutor Jean

Piaget, mas algumas divergências teóricas marcaram a trajetória desses dois autores. Para Da

Ros (op.cit.), o diálogo teórico travado em torno da expressão “exposição direta aos

estímulos”, por exemplo, usada por Feuerstein, marca um ponto importante de sua ligação

com Piaget.

10 Avaliação do Potencial de Aprendizagem.

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Feuerstein começou a trabalhar, no final dos anos quarenta, com a hipótese da

aprendizagem mediada via interações e mediações humanas (S-H-O-H-R).

O esquema de Feuerstein (1997) resume-se desta forma: a letra H significa a presença humana, o mediador que ‘encaminha’ o indivíduo em sua interação com osobjetos de conhecimento. Os estímulos do ambiente (letra S) chegam ao indivíduo(letra O) por duas formas: diretamente ou através do filtro do mediador (...) o mesmoacontece com as ações (letra R) do indivíduo: podem ser ações diretas junto aoambiente ou canalizadas e mobilizadas pela ação do mediador (Gomes, 2002: 80).

 Na visão de Da Ros, isso já apontava para uma concepção de desenvolvimento e

aprendizagem que se dá pelo e no coletivo, contrariando, segundo a autora, a concepção

 piagetiana de desenvolvimento.

• FEUERSTEIN NOS DIAS ATUAIS

Consultando páginas e portais na internet1, recolhemos algumas notícias acerca do

trabalho que Feuerstein vem desenvolvendo, que revelam que ele sempre fez questão de não

cobrar de seus pacientes, bem como que o Centro Internacional de Desenvolvimento do

Potencial de Aprendizagem (ICELP), de Jerusalém, sobrevive em grande parte de doaçõesvoluntárias.

Cúria (2003) conta-nos que ao longo de sua carreira, Feuerstein publicou uma série de

livros e mais de 80 artigos em revistas especializadas e capítulos de livros e monografias.

Tem sido orientador de numerosas teses de doutorado. Está casado com Berta Guggenheim e

tem quatro filhos. Todos residem em Jerusalém.

Em relação ao seu método, o PEI, tivemos notícias, através do site abaixo citado, de que

uma das maiores empresas israelenses, a Israel Aircraft Industrie (IAI), recorreu a Feuerstein

 para aumentar a capacidade de aprendizado de seus funcionários. Depois de 60 horas de

treinamento, os técnicos da IAI podiam diagnosticar e resolver problemas nas aeronaves com

mais rapidez e precisão. Em escolas de todo o mundo, o método está ajudando alunos não

deficientes. No Brasil, por exemplo, o Estado da Bahia está introduzindo o programa de

Feuerstein no currículo das escolas do ensino médio. Ao ser concluído, dentro de menos de

1 Retirado do site: (www.ledorvador.com.br/cidpa.htm) dia 11/11/2003.

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três anos, o maior programa dessa natureza já lançado no Brasil terá sido ministrado a 600 mil

alunos, em 500 escolas.

Robert Sternberg (2000), professor de psicologia e educação da Universidade de Yale,

afirma que, apesar de ainda ser muitas vezes visto com desconfiança em alguns círculos

acadêmicos... “Feuerstein será lembrado como uma das grandes figuras do século XX no

movimento em favor das habilidades humanas. Ele tem contribuído de maneira notável para

a compreensão das habilidades e sua capacidade de modificação”.

O relato1 a seguir demonstra sua crença na possibilidade de modificabilidade, ou seja,

em transformar situações de desafios em resultado:

Às 8h15 de uma manhã de dezembro, em 1988, Reuven Feuerstein entrou em umasala de aula da Universidade Bar-Illan, próxima a Tel-Aviv. “Podem me dar os

 parabéns. Tenho o orgulho de anunciar que acabei de me tornar avô”, disse aosalunos. “Meu neto tem síndrome de Down.”

Hoje, Feuerstein afirma: “Eu sempre disse aos pais que o nascimento de uma criançacom síndrome de Down era motivo de alegria, não de tristeza. Quando meu netoElchanan nasceu, aconteceu comigo. Muitas vezes eu havia me perguntado qual seriaminha reação. Mas passei no teste. Elchanan é uma fonte de alegria para mim”.

Observei o homem que transformara a vida de milhares de crianças se afastar nocorredor. Levava pela mão um pequeno personagem – Elchanan, hoje com 13 anos.Feuerstein o ensinou quase desde o nascimento e o garoto está indo muito bem numaescola comum.

- Ele vai crescer, casar-se e ter um emprego normal, como qualquer outra pessoa –disse o avô.

- Que tipo de emprego? Perguntei.

O de professor, talvez.

1 Retirado do site: (www.ledorvador.com.br/cidpa.htm) dia 11/11/2003.

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3.2. CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO

Feuerstein chegou a Israel em 1944. Este momento trazia em seu conjunto toda a

dimensão de um mundo em guerra e barbárie, assinalado sobremaneira pelo Holocausto, o

massacre de judeus em território europeu, subjugado pela Alemanha de Adolf Hitler. A

Romênia não fugiu a esta regra.

O movimento migratório de Feuerstein, o avesso da Diáspora, o retorno à Terra Santa,

às suas origens, colocou-o entre os milhares de judeus que percorreram caminhos diferentes

que os levavam ao mesmo lugar: a Terra Prometida, Israel. Segundo Sachar (1989), a

Organização das Nações Unidas, criada em 1945, representante mundial da construção da paz,

encarregou-se de criar, em 1947, um território para uma nação espalhada pelos quatro cantos

do mundo, o estado de Israel.

Israel do pós II Guerra Mundial é marcado por um povo em reconstrução. Novas bases

seriam edificadas, sem perder contudo o valor das tradições judaicas. Ao contrário, agoraestas encontrariam um território legítimo para manifestarem-se. Porém, outros problemas

 passaram a existir. Para o autor era preciso fortalecer o povo judeu em Israel. A cidade de

Jerusalém expressava a situação que constituiria as relações sociais: judeus, cristãos e

muçulmanos convivendo num mesmo solo sagrado. Segundo Sachar (op. cit.), a difícil arte da

convivência exigiria das populações em Israel uma transformação na maneira de ver o mundo,

ou seja, uma aprendizagem seria necessária, aquela que contemplasse a aceitação do outro, a

coexistência pacífica.

Segundo Da Ros (2002), essas condições histórico-sociais de Israel, foram o elemento

desencadeador da produção intelectual de Feuerstein:

É certo, sem dúvida, que essa foi a situação desencadeadora de sua produçãointelectual, deve-se situar na qualidade das experiências vividas em diferentes

 passagens de sua vida o alicerce que lhe permitiu dar uma direção específica ao

fazer pedagógico de sua carreira de educador (2002: 21).

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Em 1970, Feuerstein relatou, em sua tese de doutorado, os estudos que realizou

acompanhando o desenvolvimento de um grupo de crianças por 18 anos seguidos. Essas

crianças tinham sido rotuladas de incapazes, quando submetidas a exames psicológicos

tradicionais, no momento de ingresso às instituições israelenses de imigração da juventude. O

 pesquisador postulava a hipótese contrária, afirmando que em situações psicológicas, sociais e

culturais desfavoráveis, as crianças não poderiam apropriar-se do saber, mas que isto não

significava incapacidade. Na introdução de sua tese, ele afirma que queria uma pedagogia que

estivesse voltada às potencialidades a serem criadas com e pelos sujeitos.

Da Ros (2002) ainda nos relata que Feuerstein buscava respostas para alguns

questionamentos em relação à aprendizagem e como os processos de transformação deconhecimento ocorriam de maneiras diferentes. Por que os etíopes, ao imigrarem a Israel,

apropriaram-se logo de questões culturais complexas e organizaram seus novos modos de

vida, mesmo tendo anteriormente vivido sob formas, segundo ele, mais primitivas de vida,

sem linguagem escrita? Por que determinadas crianças ricas, que viajavam pelo mundo todo,

não “sabiam” nada? Seria um retardo mental, com base na definição tradicional? Ou uma

criança, apesar da riqueza material, poderia estar culturalmente privada em função da

“pobreza” de oferecimento da cultura de experiências para o desenvolvimento dos processoscognitivos superiores?

Essas observações e indagações ajudaram Feuerstein a formular o conceito de

Experiência da Aprendizagem Mediada2. Da Ros (op. cit.) assinala que estas indagações

emergiram nos anos 1940/1950, quando começavam a germinar os constructos das teorias das

 privações culturais, que atribuíam as deficiências e os fracassos escolares às condições ligadas

às classes sociais e às minorias étnicas. Feuerstein reagiu a este movimento propondo amodificabilidade pelas “interações mediadoras do desenvolvimento humano”.

Feuerstein (1980) materializou esta proposta sob a forma de um programa

educacional, o PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental), que surgiu depois dos

estudos da avaliação do potencial das crianças imigradas, que traziam consigo perdas e

 privações de toda ordem, marcas da guerra e do holocausto. Para Feuerstein, ao termo

“potencial” deve ser dada a conotação de possibilidade, de modificabilidade a ser produzida

2  Os diferentes termos conceituais de Feuerstein aqui apresentados serão explicitados mais adiante.

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na interação com o mediador. Para avaliar este potencial, Feuerstein criou o LPAD

(Estratégias de Avaliação do Potencial de Aprendizagem).

Feuerstein (1980) afirma que a teoria de onde se origina seu programa teve sua base

 primeiramente numa profissão de fé, uma vez que sua gênese partiu de uma necessidade.

Sendo assim, Da Ros (2002) assinala que a teoria e o método de Feuerstein passaram por

diversas modificações e é por isso que se diz que esta teoria está em constante construção.

Diferentes estudos e experiências realizados por quase todos os países do mundo, desde o

início dos anos 50, estão sendo os agentes construtivos.

3.3. – BASES TEÓRICO-METODOLÓGICA E FILOSÓFICA

3.3.1. BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA

Para apresentar a base teórico-metodológica da obra de Reuven Feuerstein, além dos

escritos do próprio autor utilizaremos também escritos de alguns estudiosos de seu trabalho,

tais como: Beyer, Fonseca, Gomes, Goulart, Kozulin, entre outros.

Segundo Fonseca (1998), toda a obra de Feuerstein está alicerçada no seguinte

 postulado básico: todo o ser humano é modificável. Um verdadeiro sistema de crenças. Sem

esta concepção essencial, a compreensão da teoria, da avaliação e da intervenção naModificabilidade Cognitiva Estrutural não é possível. Segundo este postulado, todos os

indivíduos que se queiram envolver num processo de transmissão cultural (pais, educadores,

 professores, formadores ou mediatizadores) deverão submeter-se a esta crença, sem a qual

não se está preparado para assumir essa função.

Para Goulart (2000), apesar de ter sido discípulo e colaborador de Piaget, Feuerstein

acabou por afastar-se de alguns fundamentos piagetianos e procurou sistematizar uma teoria

 baseada nos resultados de seus estudos, denominando-a Modificabilidade Cognitiva

Estrutural. Para Feuerstein, Piaget superou a teoria do Estímulo-Resposta ao introduzir o

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“Organismo” entre o estímulo e a resposta, (EOR), mostrando um novo ponto de vista: o

interacionismo. Mas, ao mesmo tempo, Piaget defendeu a idéia de que o organismo é

definido por suas etapas de desenvolvimento, por processos de maturação e por mudanças

que nele ocorrem ao interagir com o estímulo.

Feuerstein e Bolívar (1983) denominam esse tipo de experiência de “aprendizagem

direta”, uma vez que o organismo está diretamente exposto aos estímulos. Argumentam

ainda que todas as interações que levam ao desenvolvimento estão divididas em dois grupos:

as diretas e as mediadas. Para esses autores, nem sempre a aprendizagem direta é suficiente

 para atingir alguns sujeitos; é a Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) que poderá

interferir de forma mais abrangente em seu desenvolvimento:

Do meu ponto de vista o que sugiro é que existe uma segunda modalidade dedesenvolvimento, não unicamente através da exposição direta ao estímulo.Consideremos o seguinte esquema: E–H–O–R.A letra H corresponde ao ser humano que se interpõe entre o E  (estímulos) e O(organismo). Há muitos caminhos e muitíssimas rotas do estímulo que se dirige aele diretamente. Porém uma porção, uma parte da experiência do organismo em suainteração com o mundo, conta com um mediador. Um mediador que não deixa queo estímulo passe diretamente ao organismo mas que sirva como mediador para oestímulo (...) ensina à criança algo sobre o estímulo, muda o estímulo nesse

 processo de mediação e modifica o objeto no processo da recepção do estímulo. (...)O mediador cria no sujeito certos processos que afetam não só os estímulos queforam mediados, como também os que prejudicam significativamente a capacidadedo indivíduo para aproveitar o estímulo que entrou diretamente no organismo(Feuerstein 1983:16).

Para os pesquisadores acima citados, nem todos os sujeitos conseguem beneficiar-se

da interação estabelecida diretamente com os estímulos. É a mediação, através de um ser

humano, que poderá proporcionar esse benefício em diferentes situações.

Também para Vygotsky (1998), o cérebro é o órgão civilizacional que possibilita um

 processo de mudança estrutural (bioquímico e neurofuncional) provocado pela mediatização

cultural onde se opera um fenômeno transgeracional em que participam dois sujeitos que

interatuam intencionalmente: o mediatizador e o mediatizado. Fonseca (1998) propõe que,

apesar de não usar estes termos, Vygotsky poderia ser entendido desta forma: o cérebro, o

órgão onde se operam as funções cognitivas deinput 

 (recepção-capacitação), de integração-elaboração (processamento, retenção e planificação) e de output  (expressão e regulação), seria

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um órgão dinâmico e produtor de modificabilidade e não um órgão estático ou um produto

final que não se pode mudar.

Segundo Fonseca (1998), para Feuerstein a mediatização é uma estratégia de

intervenção que subentende uma interferência humana, uma transformação, uma adaptação,

uma filtragem dos estímulos do mundo exterior para o organismo do indivíduo mediatizado.

O indivíduo mediatizado é modificado estruturalmente pelo efeito de certas condições de

atenção, de percepção, de focagem e de seleção que são decorrentes da intervenção do

mediatizador.

Para Feuerstein, segundo Fonseca (op.cit.), o mediatizador é muito mais do que um

intermediário ou mediador. Feuerstein acredita que a própria mãe interpõe-se e intervém

modificando as relações entre o estímulo e a criança, afetando a sua intensidade, o seu

contexto, freqüência, ordem, etc, ao mesmo tempo em que guia intencionalmente a vigilância,

o alerta e a sensibilidade do seu filho, levando-o a desenvolver uma disposição para atender

aos estímulos mediatizados, bem como expondo-o diretamente a fontes de estimulação de

forma mais humanizada.

3.3.1.1 TEORIA DA MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL

(MCE)

Para Goulart (2000), a teoria de Feuerstein vem colaborar na busca de respostas para

questões que há muito estão sendo debatidas e ainda não foram de todo resolvidas neste final

de século, ao mesmo tempo em que propõe inovações pedagógicas. Para a autora, esta

 proposta pedagógica tem sido adotada em vários países (Chile, Venezuela, Colômbia,

Argentina, França, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Canadá, Israel), sendo apontada

como uma das alternativas no trabalho de integração e educação de crianças com

necessidades educacionais especiais, ao mesmo tempo em que tenta preparar o professor

 para ser, antes de tudo, um profissional atento, observador, organizado e compromissadocom o desenvolvimento dos seus alunos.

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Goulart (2000) assinala que Feuerstein parte da premissa de que a aprendizagem deve

ter como ponto de partida o conhecimento da criança. Ao mesmo tempo, defende que o

 processo de aprendizagem não é individual, mas histórico-cultural, no qual o papel do

 professor assume uma importância fundamental.

Gomes (2002), outro estudioso de Feuerstein, destaca a importância da sua teoria da

modificabilidade cognitiva estrutural, focando seu caráter prático:

(...) o ímpeto básico para a criação da teoria da MCE não partiu de um interesseintelectual puro, mas de uma necessidade muito urgente e vital de encontrar meios

 para ajudar milhares de crianças, cujo futuro dependia em muito de uma mudançaradical nos pontos de vista dos psicólogos, professores, “tomadores de conta” eelaboradores de política educacional. É por isso que a história dessa teoria que estáligada em especial a uma realidade sócio-cultural e educacional difícil... (Gomes,2002:14).

De acordo com Beyer (1996), o trabalho de Feuerstein está dividido em duas áreas

fundamentais:

(...) uma delas teórico–conceitual e a outra pedagógico–instrumental, apresentando-se a teoria e a prática integralmente no seu trabalho. Pode-se melhor entender

 porque ele extrapola o mero campo teórico e elabora vários instrumentos psicopedagógicos, tendo-se em mente que ele é, primordialmente um psicólogo e pesquisador ocupado na recuperação de indivíduos que apresentam dificuldadesacentuadas de natureza cognitivo – intelectual (Beyer, 1996:66).

Para Beyer (op.cit.), Feuerstein dedicou-se à elaboração de instrumentos que

 propiciassem um suporte concreto de auxílio psicopedagógico. O autor assinala que na busca

de uma solução para a situação com que se deparou quando foi solicitado a auxiliar na

adaptação de jovens e adolescentes, Feuerstein empenhou-se em descobrir o que as crianças

 podiam aprender e não o que elas não haviam desenvolvido. Seus esforços o direcionaram

 para a organização de instrumentos que possibilitassem uma avaliação dinâmica do potencial

da criança: a Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem (LPAD). Ao mesmo tempo,

 preocupou-se em organizar instrumentos que oferecessem um suporte psicopedagógico para o

desenvolvimento desse potencial: o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI).

Segundo Beyer (op.cit.), ao propor a modificabilidade cognitiva, Feuerstein parece

também aproximar-se de Vygotsky, quando este afirma que “... o mais importante é que junto 

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com o defeito orgânico estão dadas as forças, as tendências e os desejos de vencê-las ou

equilibrá-las” (Vygotsky, 1995:7), e, ao mesmo tempo, ao argumentar que a criança precisa

ser inserida na cultura e que é através dela que se desenvolverá.

Ainda segundo Beyer (1996), Feuerstein vai utilizar o levantamento das funções

cognitivas que não estão atuando adequadamente (funções cognitivas deficientes) através do

que chama de mapa cognitivo, para identificar as limitações no campo atitudinal e

motivacional que refletem muito mais uma falta de hábitos de trabalho e aprendizagem do

que incapacidades ou déficits estruturais e de elaboração.

Beyer (op.cit) ainda assinala que para Feuerstein tais funções constituem-se tambémem pré-requisitos no processo de aprendizagem e, portanto, modificam-se com a experiência.

Em outras palavras, funções cognitivas são estruturas psicológicas e mentais interiorizadas

que possuem elementos estáticos (biológicos) e dinâmicos (necessidades, capacidades) que

nos permitem melhorar uma conduta.

Segundo Fonseca (1998), a modificabilidade cognitiva estrutural procura,

objetivamente, descrever a capacidade única, peculiar, singular e plural dos seres humanosmudarem ou modificarem a estrutura do seu funcionamento cognitivo, visando a adaptação às

exigências constantes e mutáveis das situações que caracterizam o mundo exterior envolvente.

 Não se trata, apenas, de respostas do indivíduo a estímulos externos ou de respostas a

mudanças das suas condições internas, mas sim de respostas como produtos de uma série de

atos volitivos e intencionais.

Para Fonseca (op.cit), a teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Feuersteinreforça a natureza do ser humano como um sistema aberto, disponível e flexível à mudança

durante toda a sua vida, embora se reconheçam, naturalmente, períodos ótimos e críticos de

desenvolvimento. O sistema aberto envolve um intercâmbio, recebe e emite informação

externa e interna, daí a importância da qualidade dos inputs (estímulos) e outputs (respostas),

 bem como da significação das interações entre o indivíduo e o seu meio envolvente.

A Modificabilidade Cognitiva Estrutural, segundo Fonseca (op.cit), é o conceito

central da teoria de Feuerstein. Na percepção de Fonseca, é um modelo teórico que aceita as

diferenças individuais no desenvolvimento cognitivo, dos superdotados aos deficientes, o que

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em si coloca em jogo o papel e a importância das interações indivíduo-meio, interações essas

que, por seu lado, são responsáveis pelo desenvolvimento diferencial do funcionamento

cognitivo e dos processos mentais superiores.

(...) Nós selecionamos o termo “modificabilidade cognitiva” para exprimir a idéia deum processo voltado à autonomia do sujeito (...) Há um produto específico deexperiências de aprendizagens superiores (...) para responder não a um ambienteconstante e estável, mas a situações e circunstâncias que estão em constantemodificação (Feuerstein, 1980:2).

Beltrán (1991), outro estudioso de Feuerstein, explicita assim seu conceito de

modificabilidade cognitiva:

A modificabilidade de um indivíduo se define como a capacidade de partir de um ponto de seu desenvolvimento em um sentido mais ou menos diferente daquele previsto até o momento, de acordo com o seu desenvolvimento mental (Beltrán,1991:8).

Recorrendo a outros estudiosos de Feuerstein, encontramos também em Sanchez

(1989) a explicitação do conceito de Modificabilidade Cognitiva Estrutural:

El modelo la modificabilidad estructural cognitiva se incluye dentro de la perspectiva cognitiva. Sin embargo, hay una serie de diferencias que podemosestablecer con respecto al cognitivismo y una serie de peculiaridades quesubrayamos en los puntos siguientes. (...) el objeto de la modificabilidad estructuralcognitiva es el studio de los procesos cognitvos superiores. Al igual que elcognitivismo, intenta superar el reduccionismo conductista, psicoanalítico y psicométrico. (...) En este sentido, la teoría de la modificabilidad estructuralcognitiva está en la línea de la psicología cognitiva, puesto que intenta estudiarcómo el  individuo obtiene la información y la usa más tarde, generalizándola aotras situaciones nuevas3 (Sanchez, 1989:20-21).

Fonseca (1998) salienta que a modificação não diz respeito a uma mudança que ocorre

como resultado de processos circunstanciais e acidentais de desenvolvimento e de maturação,

mas sim de modificação estrutural do funcionamento do indivíduo, produzindo-se nele uma

mudança no desenvolvimento qualitativa e substancialmente diferente da prevista pelos

tradicionais contextos genéticos, neurofisiológicos ou educacionais.

3 O modelo da modificabilidade cognitiva estrutural se inclui dentro da perspectiva cognitiva. Sem dúvida háuma série de diferenças que podemos estabelecer com respeito ao cognitivismo e uma série de peculiaridadesque sublinhamos nos seguintes pontos: (...) o objeto da modificabilidade estrutural cognitiva é o estudo dos

 processos cognitivos superiores. Igual ao cognitivismo, que pretende superar o reducionismo conducionista, psicoanalítico e psicométrico. (...) Neste sentido, a teoria da modificabilidade estrutural cognitiva está na linhada psicologia cognitiva, uma vez que pretende estudar como o indivíduo obtém a informação e a usa mais tarde,generalizando-as à outras situações novas. (Tradução nossa)

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De acordo com Feuerstein (1993), o processo da modificabilidade das estruturas

mentais de uma pessoa mantém em si três conceitos básicos:

• ao se trocar as relações entre uma parte das estruturas, todas as relações entre as partes

dentro da estrutura mudam;

• a essência de cada uma das partes se mantém, apesar da mudança das relações entre as

 partes;

• a modificabilidade cognitiva estrutural exige uma intervenção exterior, ou seja, para

modificar as estruturas é preciso intervir de fora do organismo. A partir daí haverá o que

ele chama de retroalimentação, isto é, a modificabilidade continua por si mesma.

Para Feuerstein (1993), cinco proposições devem ser interiorizadas para se apreciar e

compreender estes conceitos básicos da teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural:

• o ser humano é modificável – a modificabilidade é própria da espécie humana;

• o indivíduo a ser educado é modificável – para que a intervenção seja eficaz é necessário

que se ponha em prática uma intencionalidade positiva, por mais desviantes que sejam ascaracterísticas de comportamento do indivíduo;

• o mediatizador deve sentir-se competente e ativo para provocar a modificabilidade

cognitiva no indivíduo mediatizado;

• todo o processo de desenvolvimento exige do mediatizador um investimento pessoal

 prolongado, visando uma auto modificação permanente;

• toda a sociedade e toda a opinião pública são modificáveis e podem ser modificadas – o

mediatizador deve ter em conta que a modificação da sociedade, a modificação deatitudes, de práticas e de normas sociais é sempre um processo longo e demorado, no

sentido do qual deve orientar com persistência a sua ação.

Para Feuerstein, segundo Fonseca (1998), o enfoque na cognição justifica-se na

medida em que ela permite uma melhor flexibilidade e plasticidade adaptativa. A cognição

diz respeito aos processos pelos quais um indivíduo percebe (input ), elabora e comunica

(output ) informações para se adaptar. Tais processos constituem os componentes do ato

mental e compreendem sistemas funcionais cerebrais que explicam, em parte, a capacidade do

indivíduo para usar a experiência anterior na adaptação a situações novas e mais complexas.

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A aquisição de funções de processamento de informação joga com a sua interiorização,

representação e operação, cuja auto-regulação transforma-se no pilar básico da adaptabilidade

e da aprendizagem, e portanto, da inteligência.

De acordo com Fonseca (1998), Feuerstein nomeia de disfunções cognitivas ou

funções cognitivas deficitárias quando o ato mental não é efetuado adequadamente. Essas

disfunções afetam a performance e o rendimento cognitivo e constituem as raízes etiológicas

do insucesso da aprendizagem. Para Feuerstein, essas disfunções ocorrem por carência ou

insuficiência da Experiência de Aprendizagem Mediada, causadas por um funcionamento

cognoscitivo vulnerável e fragilizado, essencialmente determinado por situações de privação

cultural.

 Neste momento cabe esclarecer que Feuerstein (1979) usa a noção de privação cultural

de maneira diferente de outros autores. Ele rejeita, afirmativamente, a idéia de que as culturas

 possam ser, elas próprias, privadas ou deficientes. Para Feuerstein (1979, 1981), cultura

significa o processo pelo qual o conhecimento, os valores, as crenças e atitudes são

transmitidos de uma geração para outra, de modo que privação cultural implica em falta de

êxito na transmissão ou na mediatização cultural que um dado grupo realiza quando transferea sua cultura para as novas gerações.

Segundo Fonseca (op.cit), para Feuerstein as condições associadas a um

desenvolvimento cognitivo inadequado – e, portanto, a aprendizagens ineficazes e com

 possibilidades de resolução de problemas também ineficazes – dizem respeito à falta de

experiências de aprendizagem mediatizadas em número suficiente e não produto de possíveis

deficiências da criança.

Feuerstein (1997), ao falar de crianças com síndrome de privação cultural, aponta

 para crianças que não conseguiram beneficiar-se das interações estabelecidas em sua própria

cultura em função de um rompimento do processo no nível cultural e mediacional de

transmissão entre gerações no interior de seu meio imediato:

Algumas diferenças são explicáveis pela natureza das culturas das quais esses

indivíduos vieram. O que é mais interessante, nisso tudo, entretanto, são asdiferenças na predisposição para a aprendizagem entre indivíduos pertencentes àmesma cultura. Com relação a isso, as diferenças intragrupais observadas comfreqüência eram muito maiores do que as intergrupais. Indivíduos com baixo

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desempenho em grupos culturalmente diferentes eram capazes de se adaptar aosestímulos e exigências da nova cultura por meio da exposição direta. Outrosindivíduos, depois de definidos como “culturalmente desprovidos”, não foramcapazes de se beneficiar ou se beneficiavam muito pouco da exposição à novacultura. Conseguiam integrar-se apenas marginalmente (Feuerstein, 1997:9).

Segundo Goulart (2000), para Feuerstein, apesar de estar inserida em uma cultura, nem

sempre a criança beneficia-se dela. O problema é que por razões muito diferentes ou barreiras

internas ou condições de vida adversas, a criança naquele momento não está conseguindo

usufruir dessa cultura e deve sofrer a ação estimuladora e intencional de outro ser humano

 para poder apropriar-se dos instrumentos que a auxiliarão em seu desenvolvimento.

Ainda para a autora, diferentes pesquisas realizadas por Feuerstein com o intuito dedefinir a estrutura cognitiva de grupos culturalmente diferentes encontraram diferenças que

não puderam ser explicadas, de acordo com Feuerstein, em função da cultura de origem dos

imigrantes. Desta forma, a hipótese de que certas culturas “privam” seus membros

configurou-se como falsa.

Segundo Fonseca (1998), para Feuerstein a modificabilidade cognitiva deve ser

definida como estrutural e não esporádica ou acidental, ou seja, encerra uma mudança em um

componente mas que afeta o todo funcional da cognição. Trata-se de uma transformação do

 processo cognitivo em si mesmo, no seu ritmo, na sua amplitude e na sua natureza auto-

reguladora.

(...) Não a um evento isolado, mas a uma maneira de o sujeito interagir. Isto é,respondendo e atuando sobre as fontes de informações. Assim, uma transformaçãoestrutural, uma vez colocada em movimento, determinará a caminhada futura dodesenvolvimento individual (Feuerstein, 1980:9).

A estrutura mental, nessa abordagem, é concebida como um sistema total e integrado,

composto por elementos ou subsistemas interconectados e interdependentes que se

influenciam, combinam, coíbem e afetam mutuamente uns aos outros. Sendo assim, uma

disfunção cognitiva quer no input , quer na elaboração ou no output , pode produzir mudanças

no todo cognitivo que constitui as operações mentais da inteligência necessárias a qualquer

tipo de aprendizagem.

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Segundo Fonseca (1998), a evolução na aprendizagem para Feuerstein e a adaptação a

uma cultura tecnológica tornam-se possíveis quando as disfunções cognitivas são abordadas

 por três processos:

•  processo de avaliação: as disfunções cognitivas devem ser dinamicamente detectadas e

identificadas através do processo de avaliação dinâmica que Feuerstein desenvolveu e

denominou de modelo de avaliação dinâmica do potencial de aprendizagem (LPAD);

•  processo de intervenção: as disfunções cognitivas devem ser reorganizadas e otimizadas

através do programa de enriquecimento instrumental (PEI);•  processo de alteração: as disfunções cognitivas devem ser compensadas quando se

 produzem também estratégias e alterações de enriquecimento do contexto.

De acordo com Feuerstein (1980), usando estas três aplicações da sua teoria da

Modificabilidade Cognitiva Experimental as disfunções cognitivas são modificadas

estruturalmente produzindo-se no indivíduo a maximização do seu funcionamento cognitivo,

um novo desenvolvimento das suas capacidades mentais figurativas e operativas, bem como

outras mudanças positivas e assertivas nas características da sua personalidade.

A Função Cognitiva, segundo Fonseca (op.cit.), foi assim concebida como resultado

de associações e conexões entre estímulos controláveis, como únicas fontes de informação e

respostas observáveis e mensuráveis.

A função cognitiva possui, portanto, certas qualidades que definem o sistemacognitivo humano. Entre elas destacamos:

• a sua totalidade: um todo que consiste numa integração de componentes;

• a sua inter-dependência: a função cognitiva é uma gestalt, um conjunto ordenado e

harmonioso, em que as suas partes se inter-relacionam e se afetam mutuamente;

• a sua hierarquia pressupõe uma complexidade crescente de sistemas;

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• a sua auto-regulação e o controle da função cognitiva está orientada para certos fins e, por

isso, é governada pelos seus propósitos;

• o seu equilíbrio: a função cognitiva envolve uma homeostasia, uma cibernética, uma

arquitetura operacional e uma organização sistêmica desde a adaptação à integração da

informação, até a sua elaboração, programação, expressão, verificação e autocorreção;

• a sua adaptabilidade, porque o meio ambiente se encontra em constante mudança, o

sistema deve ser adaptável, equacionando uma sistematização progressiva e um

subsistema principal, assinalando a natureza realmente dinâmica da função cognitiva;

• a sua equifinalidade na execução, realização, meta e resultado do sistema, significando

que o produto final pode ser realizado de muitas maneiras e desde vários pontos de

 partida, consubstanciando um processo da informação complexo e aberto.

Gomes (2002), outro estudioso de Feuerstein, assinala que:

(...) o papel das funções cognitivas na ativação das funções mentais (memória,atenção, percepção) é uma visão revolucionária para os problemas da cognição deum modo geral. Além disso, abre uma possibilidade de diálogo entre asespecificidades da proposta da mediação com muitos campos científicos dasciências cognitivas. Há uma série de pesquisas que comprovam que odesenvolvimento das funções cognitivas de Feuerstein promovem regulação emudanças nas funções mentais superiores (Gomes, 2002:137).

De acordo com Fonseca (1998), Feuerstein propõe que certas funções cognitivas

deficientes ocorrem geralmente em crianças e adolescentes nos quais se detectam

clinicamente as seguintes condições:

•  percepção hesitante confusa;

• comportamento exploratório assistemático;

• orientação espacial e temporal diminuída;

• capacidade reduzida para considerar múltiplas fontes de informação;

• falta de comportamento comparativo espontâneo;

• comportamento somativo diminuído;

• diminuição do comportamento planificado;

• dificuldade em ver relações entre diferentes acontecimentos;

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• dificuldade em mobilizar imagens mentais.

Sendo assim, uma vez que as funções cognitivas básicas são indispensáveis para

aprender noções acadêmicas e sociais, as deficiências no desenvolvimento de tais funções

resultam em aprendizagens inadequadas. Desta forma, o sentido da modificabilidade

cognitiva estrutural não se resume a uma concepção de inteligência como mera acumuladora

de informações, conteúdos e saberes.

Para analisar as funções cognitivas deficientes, manifestadas pela criança numa

determinada tarefa, foi elaborado um instrumento, denominado Mapa Cognitivo, que auxiliana avaliação dinâmica da criança, que apresentaremos a seguir de forma sucinta.

• MAPA COGNITIVO

O mapa cognitivo é considerado por Feuerstein um instrumento bastante útil na análiseda conduta cognitiva do indivíduo. Sanchez (1989) afirma que Feuerstein elaborou o mapa

cognitivo como ferramenta de análise do ato mental do sujeito. Este mapa é um instrumento

que nos mostra como a criança aprende e, o que é mais importante, permite ensinar esta

criança a “aprender a aprender”.

Ato mental (ou operação mental), para Feuerstein (1998), é o resultado de uma ou

mais funções cognitivas visando um dado objetivo:

Corresponde a uma dimensão do mapa cognitivo. Toda conduta cognitiva é oresultado de atos mentais, que podem diferir nas várias dimensões. Atos mentaiseficientes requerem funções cognitivas adequadas e adaptadas e são o referencial demodificabilidade através da experiência de aprendizagem mediada (Feuerstein,1998:15).

Segundo Sánchez (1989), o mapa cognitivo corresponde a uma forma de conceituar

as características de uma tarefa e sua realização pelo sujeito, permitindo analisar, categorizar

e ordenar o ato mental efetuado. A autora assinala que para Feuerstein este modeloconceptual “não é um mapa no sentido topográfico, mas um instrumento auxiliar na

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localização de problemas específicos e na indicação de que mudanças seriam necessárias

 para melhorar as funções cognitivas consideradas ineficientes” (Feuerstein, 1993:6). Desta

forma, para a autora, é o mapa cognitivo que nos auxilia na análise do perfil cognitivo do

aluno. A tarefa realizada pela criança pode ser analisada sob sete parâmetros:

• conteúdo: o professor deve determinar o conteúdo em função do contexto cultural em

que se encontra o educando, preocupando-se sistematicamente em fornecer elementos

que auxiliem na análise da realidade da qual faz parte de forma crítica e criteriosa.

Assim, qualquer conteúdo que venha a ser desenvolvido deve ser relacionado com

conhecimentos prévios do educando;

• operação mental: consiste em um grupo de ações mentais interiorizadas, sistematizadas

e integradas entre si. Ao realizar determinadas operações mentais, a criança necessita

lançar mão de esquemas operativos que pode possuir ou não em sua memória. Por

exemplo, antes da criança classificar algo, ela já deve ter estabelecido comparações.

Desta forma, a ação mental materializa-se a partir das aplicações práticas de várias

funções e pode consistir desde atos complexos, como por exemplo o estabelecimento de

hipóteses, até uma simples identificação ou percepção de diferentes sons;

• modalidade de linguagem: é muito importante que seja levado em consideração o tipo

de modalidade de linguagem mais compatível com o sujeito a ser modificado, ou de sua

 preferência, uma vez que a eficácia da interação está relacionada não só ao nível de

funcionamento e suas características individuais como também ao contexto sócio cultural

ao qual pertence. De acordo com Sánchez (1989), é preciso considerar que os processos

mentais podem utilizar-se simultaneamente das mais variadas modalidades de expressão.Ao trabalhar-se com uma criança, por exemplo, a mesma pode manifestar dificuldades na

modalidade numérica e encontrar facilmente a resolução de um problema através da

modalidade verbal ou mesmo figurativa. Sendo assim, é necessário uma variedade de

modalidades de linguagem: motora, pictórica ou figurativa, musical, numérica, verbal,

gestual, simbólica, entre outras. Portanto, não se pode avaliar as capacidades de um

indivíduo apresentando somente uma modalidade;

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• fases: o ato mental pode se manifestar em três instâncias: no momento em que o sujeito se

depara com o problema a ser resolvido (entrada ou input ); quando coleta os dados e

informações sobre o mesmo e estabelece estratégias de ação (elaboração) e quando

finalmente emite a resposta ou solução (resposta ou output ). Embora as fases estejam

intrinsecamente relacionadas, o isolamento de uma delas pode auxiliar na localização das

origens das respostas incorretas e na escolha da natureza e extensão da mediação a ser

estabelecida;

• grau de complexidade: corresponde ao grau de familiaridade e/ou novidade que a

informação apresenta para o sujeito. O ato mental está baseado em um determinado

número de informações. Conforme o número de unidades de informações associado ao

conjunto de informações novas ou familiares, será considerado de maior ou menor

complexidade;

• grau de abstração: trata-se da distância entre o ato mental e os objetos sobre os quais ele

deve operar, ou seja, é a distância conceitual ou cognitiva que o separa do objeto ou de um

determinado fato. Ao ser motivada a estabelecer um princípio (generalização), a criançaestará sendo incentivada a se aproximar da abstração; 

• grau de eficácia: os critérios para avaliar objetivamente o ato mental são a rapidez e a

 precisão, e subjetivamente, a quantidade de esforço exigido para que a tarefa seja

executada. Para Feuerstein (1980), o grau de eficiência não deve ser confundido com a

 possível capacidade do sujeito, confusão muitas vezes ocorrida nos procedimentos de

avaliação normativa.

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3.3.2. BASE FILOSÓFICA

Feuerstein não apresenta de forma explícita, nos seus escritos, as suas bases filosóficas

nos seus escritos. Na busca de resgatar as bases filosóficas que inspiraram sua teoria,

encontramos, nos estudos que realizamos sobre a vida e o percurso profissional de Feuerstein,

uma possibilidade da influência da religião judaica como provável inspiração para sua

construção teórica. Desta forma, apresentaremos também elementos do judaísmo que, no

nosso entender, contribuíram nas suas formulações. A esse respeito, entramos em contato com

Feuerstein, que gentilmente nos enviou um e-mail (18/08/2004) respondendo que: “My

brother, Dr. Samuel Feuerstein, wrote a book on the Biblical and Judaic Antecedentes of

 MLE [MCE]. The theory has its basis in the search for cultural transmission and the search

 for continuation through spiritual mediation”. A resposta dada por Feuerstein nos aponta uma

aproximação com os fundamentos filosóficos da teoria de Vygotsky, já apresentados no

 primeiro capítulo.

Assim, ainda na busca de compreender as bases filosóficas sobre as quais assenta-se o

 pensamento de Feuerstein, fomos buscar também, em obras de alguns estudiosos que se

 preocuparam em apresentar os fundamentos filosóficos que nortearam o pensamento de

Piaget, uma vez que, segundo Goulart(2000), Feuerstein foi companheiro de estudos do

referido autor.

Inicialmente, recorremos a Palangana (2001) que, em seus estudos, aborda os

 pressupostos filosóficos que possivelmente segundo ela, nortearam Piaget:

“a filosofia kantiana, bem como algumas epistemologias contemporâneas,especialmente a Fenomenologia, o Evolucionismo bergsoniano e o Estruturalismoexerceram uma influência decisiva na elaboração dos princípios que compõem ateoria psicogenética (...) a postura filosófica de Piaget é algo que se encontraimplícito em suas concepções, mas por outro lado, afirma que tanto os postuladosquanto os modelos filosóficos nos quais estes se embasam guardam em si umaamplitude e complexidade difíceis de ser penetrada” (Palangana, 2001:31).

Segundo Palangana (op. cit.), o próprio Piaget admite ter herdado do pensamento de

Kant, Husserl, Bergson e, fundamentalmente, do Estruturalismo orientações básicas, inclusivemetodológicas, que permeiam toda sua teoria, como atestam alguns de seus escritos, tais

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como: Sabedoria e Ilusões da Filosofia (1965), O Estruturalismo (1968), Psicologia e

Epistemologia (1970), A Epistemologia Genética (1970) e outros.

A citada autora assinala que, na concepção de desenvolvimento cognitivo, Piaget adota

o método estruturalista construindo seu arcabouço teórico com base no conceito de a priori,

emprestado de Kant (1783). Para elaborar seu sistema filosófico, Kant toma do empirismo a

necessidade da experiência, acreditando que conhecimento é sempre de um fenômeno

constituído a partir de impressões sensíveis. Do racionalismo cartesiano, Kant resgata o

sujeito enquanto “eu”, enquanto estrutura subjetiva, capaz de atividade reflexiva, despojado,

no entanto, de toda densidade empírica, psíquica ou metafísica. Ele critica os idealistas

afirmando que não se pode passar diretamente da atividade do “eu” (intuições) à essência dascoisas e critica os empiristas porque acredita que, igualmente, não se pode concluir, a partir da

 precariedade da experiência sensível, a impossibilidade do conhecimento universal e

necessário. É, pois, a atividade do “eu”, do sujeito formal a priori, somada às intuições

empíricas, que possibilita a construção do fenômeno. A conjugação de ambas as perspectivas

 – razão e experiência – é a grande síntese que Kant faz. Para Palangana (2001), segundo Kant,

o homem não chega a conhecer a essência das coisas. A construção do fenômeno é o limite

máximo ao qual o sujeito pode ascender. Neste sentido, a metafísica, tal como existe, não temvalor epistemológico na medida em que não consegue explicar o fenômeno, ficando presa à

 busca de sua essência.

Para Kant (op.cit.), segundo Palangana (op.cit.), o processo de conhecimento implica,

de um lado, a existência de um objeto a ser conhecido, que suscita a ação do pensamento

humano e, de outro, a participação de um sujeito ativo capaz de pensar, de estabelecer

relações entre os conteúdos captados pelas impressões sensíveis, a partir das suas própriascondições para conhecer, ou seja, a partir da razão. Na perspectiva kantiana, o processo de

conhecimento tem início na experiência. É através dela que os objetos tocam os sentidos

humanos produzindo representações que põem em movimento a faculdade ou atividade do

entendimento. Entretanto, isso não significa que o conhecimento se origina da experiência. A

atividade do entendimento é, apenas, provocada por impressões sensíveis, pois a verdadeira

fonte do conhecimento consiste nos juízos a priori que se encontram na própria faculdade de

conhecimento, na razão. Kant (op.cit.) identifica e propõe a conjugação de duas formas para

se conhecer o real: a empírica proveniente da experiência prática, e a intuição lógica, pensada

 pela razão pura. De acordo com a filosofia kantiana, todos os juízos de experiência são de

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natureza empírica. Entretanto, os juízos que permanecem ao nível da percepção possuem uma

validade apenas subjetiva, quer dizer para o sujeito. Ao passo que os juízos intuídos

empiricamente e acrescidos de conceitos particulares, a priori,  que se originam no

entendimento puro, transformam-se em experiência, passando a ter validade objetiva, isto é,

reconhecimento universal.

Segundo Palangana (2001), na filosofia kantiana o processo de conhecimento guarda

em si uma peculiar complexidade. Em poucas palavras, para a citada autora, pode-se inferir

que ele ocorre da seguinte maneira: as percepções sensitivas captam os dados empíricos de

uma maneira caótica e desorganizada. A intuição organiza esses dados atribuindo-lhes uma

forma a priori, constituída em função das categorias de tempo e espaço. Já no nível doentendimento, este conteúdo, que era pura intuição, é flexionado quanto a sua qualidade,

quantidade, relações e modalidades, possibilitando assim a construção e unidade do

fenômeno. Além desta unidade dada pelo entendimento, que se baseia sempre nas intuições,

existe a unidade total e definitiva pretendida pela razão que, agindo sobre os conceitos do

entendimento, possibilita a unidade das leis empíricas. A razão não se refere, imediatamente,

à experiência, mas sim ao entendimento, dando aos seus múltiplos conhecimentos unidade a

 priori  mediante conceitos. Assim, a razão é a faculdade da unidade das regras doentendimento sobre princípios.

 Neste sentido, podemos inferir que Feuerstein tem estreita semelhança com o

raciocínio de Kant, quando admite a existência de condições inatas – próprias do sujeito – por

meio das quais tem início o processo de interação e, conseqüentemente, o desenvolvimento da

estrutura cognitiva. Na continuidade desta aproximação possível, poderíamos também

ressaltar a relevância que Feuerstein dá à necessidade da “experiência” quando postula aExperiência de Aprendizagem Mediada como sendo o ingrediente que determina a diferença

do desenvolvimento cognitivo, de modo que quanto maior e mais precocemente for efetivada,

maior será a capacidade do indivíduo para usar e ser afetado pela exposição direta às fontes de

estimulação.

Segundo Palangana (op. cit.), o próprio Piaget (1978) admite estar envolvido com

questões originárias da filosofia kantiana. Assim como Kant, ele também se preocupa com as

condições prévias que o ser humano deve dispor para construir seu conhecimento. Desta

forma, podemos inferir que Feuerstein (1980) também se preocupa com as condições prévias,

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quando propõe a Avaliação Dinâmica do Potencial (LPAD) como processo para observar o

comportamento do sujeito e como ele utiliza sua percepção ou experiências anteriores para

resolver uma situação problema proposta, a fim de, diagnosticar as funções deficientes e as

 possibilidades, ou seja, o potencial de modificação, expressos em seu desempenho.

Para Palangana (2001), segundo Piaget (1978), a estrutura cognitiva possui uma lógica

de funcionamento que é necessariamente um a priori, na medida em que depende dela a

construção do conhecimento. Para Feuerstein (1980), segundo Beyer (1996), as funções

cognitivas – estruturas psicológicas e mentais interiorizadas que possuem elementos estáticos

(biológicos) e dinâmicos (necessidades e capacidades) que nos permitem melhorar uma

conduta – constituem-se também em pré-requisitos no processo de aprendizagem emodificam-se com a experiência. Posto isto, para a citada autora, é possível questionar o

 paralelo entre Kant e Piaget, argumentando que, para o primeiro, o a priori é absolutamente

transcendental, enquanto que para Piaget, o a priori adquire conotações biológicas, orgânicas.

Por outro lado, Palangana diz que ainda que tais argumentos sejam pertinentes, fica patente

que, em ambos, o a priori cumpre sempre a mesma função. Assim podemos inferir que tanto

 para Kant como para Piaget, bem como para Feuerstein, o a priori é condição, ou melhor,

 possibilitador da própria construção do conhecimento.

A epistemologia kantiana não é a única a que Piaget recorre para fundamentar alguns

de seus princípios. Segundo Palangana (op. cit.), Piaget (op. cit.) tece algumas considerações

sobre possíveis ligações entre sua teoria e a fenomenologia de Edmundo Husserl. Piaget

também reconhece que o grande mérito das intuições husserlianas é colocar-se, de uma vez,

em presença do fenômeno, isto é, das “coisas mesmas”, opondo-se a qualquer análise que

tome como ponto de partida o dualismo entre sujeito e objeto. Para a citada autora, Husserlnega o idealismo, enquanto filosofia que atribui tudo ao sujeito, bem como o empirismo que,

 por outro lado, privilegia o objeto. Segundo Palangana (op.cit.), para ele, a relação entre

sujeito e objeto, entre o pensamento e o ser, se estabelece pela intencionalidade, sendo,

 portanto, uma ligação indissociável da qual todo o pesquisador deve partir quando pretende

atingir o real. O fenômeno (a realidade) só se constitui como tal na consciência pois é ela que

lhe atribui significado. Em outras palavras, o mundo se apresenta à consciência e esta, por sua

vez, lhe dá sentido. Com isso podemos inferir que essas idéias de Husserl tenham contribuído

 para que Feuerstein estabelecesse como condições imprescindíveis, conforme afirma Da Ros

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(1997), a intencionalidade, a reciprocidade e a atribuição de significado pelo mediador para

que ocorra a aprendizagem ou uma interação com resultados mais duradouros.

Segundo Palangana (2001), o próprio Piaget (1978) chama a atenção para a

convergência que existe entre o que ele pretende sob o nome de “estruturas operatórias” e o

que a fenomenologia de Husserl deseja alcançar sob a superfície da consciência empírica ou

espaço-temporal. A noção de “estrutura” não se reduz à simples formalização elaborada pelo

espírito do observador: as expressões cognitivas guardam em si as propriedades constitutivas

do ser estruturado, que nem sempre são captadas. Assim, a “estrutura” desempenha, num

terreno aberto à verificação, o mesmo papel que Husserl pretende atribuir ao conhecimento

“eidético4”: se o “processo de ideação” é o caminho pelo qual se pode purificar o fenômeno echegar à sua essência, as operações cognitivas estruturadas permitem conhecer as

 propriedades constitutivas, portanto, a essência do ser estruturado. Desta forma, assim como

Husserl empreende esforços no sentido de desvendar as essências nos fenômenos (por

acreditar serem estas expressões de um conhecimento “puro” e atemporal, portanto válido

independentemente da época e contexto), podemos inferir que Feuerstein também pretende,

com sua teoria da modificabilidade cognitiva estrutural, oferecer uma possibilidade de se

conhecer o sujeito do conhecimento por meio do funcionamento das suas estruturascognitivas.

Palangana (op. cit.) também pontua em Bergson (1973) contribuições para

compreendermos as bases filosóficas da abordagem piagetiana. Bergson (op. cit) acredita que

a experiência interna, uma vez desvencilhada dos conceitos e construções por meio dos quais

se exprime, mostra-se em sua autenticidade como aquilo que verdadeiramente é, ou seja,

como pura realidade e não como quantidade. Nesse sentido, a experiência interna deixa de seruma justaposição de unidades homogêneas e quantificáveis para caracterizar-se como

realidade heterogênea e em contínua mutação.

Para Palangana (op.cit.), na perspectiva bergsoniana, para se penetrar além da tessitura

das abstrações, isto é, para vencer as limitações do simbolismo e atingir a intimidade do real

concreto, há que se utilizar uma forma de abordagem que conjugue a intimidade do sujeito – o

“eu” profundo – com a intimidade do objeto concreto e singular. Esta forma de contato ou

4 Relativo à essência das coisas. Eidética: conjunto de conhecimentos filosóficos relativos à forma ou à essênciade um objeto, que não se confunde com a sua dimensão estritamente empírica ou factual (Houaiss:1104).

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comunicação entre sujeito e objeto, diz Bergson (1973), só pode ser desempenhada pela

intuição entendida enquanto consciência imediata, visão que quase não se diferencia do objeto

visto, conhecimento que chega à coincidência. Em síntese, para a citada autora, Bergson

(1974) identifica conhecimento científico com inteligência e conhecimento filosófico com

intuição, demonstrando que este último compreende e supera o primeiro. O pensamento

científico, operando com conceitos e símbolos, pela análise e pela abstração, mostra-se

incapaz de penetrar a realidade, restringindo-se à superficialidade do fenômeno, enquanto o

 pensamento filosófico, procedendo por intuição e tendo como referência a ação consciente,

consegue captar o vital, a essência, o dinamismo implícito no real. Neste raciocínio, o

conhecimento filosófico utilizando-se da intuição, une a ciência e a metafísica, na medida em

que o pensamento intuitivo, tendo penetrado o fenômeno (ou realidade), efetua a análise dosvários elementos ou conceitos em torno do mesmo, não para reconstituí-lo – pois o pensador

 já se encontra no interior do fenômeno e, portanto, de posse da sua essência – mas para

explicá-lo da forma mais completa possível. O entendimento leva a cabo um exaustivo

trabalho de análise em torno da intuição inicial.

Segundo a autora, o modelo filosófico sistematizado por Bergson (op.cit.) é marcado

 por uma forte tendência metafísica: é através da intuição que o homem conhece a realidade.Defendendo uma nova concepção de metafísica, ele consegue conjugar – no método

introspectivo – intuição e ação, destacando esta última no plano da consciência. A ação (do

sujeito consciente) consiste na condição primeira para se conhecer. Assim para Bergson (op.

cit.), o “eu” profundo, que consegue captar a essência do objeto, não é um a priori 

transcendental, configurado de uma forma única, pronta e acabada desde o início. O “eu”

metafísico, tal como ele o descreve, refere-se exclusivamente à consciência do sujeito. Ocorre

que a consciência imediata (aquela que o sujeito tem ao agir sobre o ambiente) não é a mesma para todos os objetos ou fenômenos. Cada fenômeno suscita uma percepção e uma construção

 particular. Logo, o “eu” profundo – ou consciência intuitiva – caracteriza-se por um processo

indefinido de reconstruções, pautando-se não na abstração, mas na intuição ou consciência

vivenciada, instituída diretamente na ação. Com isto para Palangana (2001), Bergson resgata a

subjetividade do objeto da psicologia (a consciência), sem abandonar por completo os

 princípios da ciência positivista, uma vez que ele não despreza a ação. Ao contrário, recupera-

a em seu aspecto qualitativo, distanciando-se dos empiristas ortodoxos que vêm na ação o

meio através do qual os fenômenos psíquicos se objetivam, tornando-se observáveis e

quantificáveis. No entender da citada autora, é esta vinculação da ação com a evolução do

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conhecimento que aproxima Piaget de Bergson. Para ela, assim como Bergson, Piaget

também acredita que a essência do fenômeno (no caso o pensamento, a consciência) não é

algo estático. Ao contrário, trata-se de uma estrutura dinâmica, cujo movimento se caracteriza

 justamente por uma construção sucessiva e contínua de fases que, mesmo tendo suas origens

calcadas na experiência empírica, na ação, encaminham-se no sentido de atingirem formas de

 pensamento cada vez mais independentes deste referencial prático. Nesse sentido, podemos

inferir que Feuerstein também acredita que a essência do fenômeno (pensamento,

consciência) não é algo estático mas sim uma estrutura dinâmica em constante movimento

 buscando formas de pensamento cada vez mais desenvolvidas.

 Na continuidade da explicitação das bases filosóficas que possam permear a obra deFeuerstein, podemos inferir a influência do estruturalismo que, segundo Palangana (2001),

não é representado por uma única linha de pensamento: o que une e dá convergência às

diferentes formas de pensamento estruturalista é a noção primordial de estrutura, ou seja, a

idéia de que uma estrutura consiste em um conjunto de elementos relacionados, onde toda a

modificação ocorrida num elemento ou relação modifica os outros elementos ou relações.

Segundo a citada autora, o estruturalismo pretende chegar a um sistema ou modelo

explicativo que reúna não apenas as leis do pensamento humano, mas também as leis dosurgimento e desenvolvimento dos fenômenos culturais ou naturais. Para ela, os pensadores

desta corrente epistemológica, tais como Levis-Strauss, Foucalt, Barthes, Dimesil, Koffka,

Althusser, entre outros, ocupam-se com explicações formais utilizando-se de instrumentos

que, segundo eles, são capazes de resistir às variações históricas. Estes teóricos postulam a

necessidade de elaboração de um modelo que permita a explicação do maior número possível

de aspectos de um determinado fenômeno. Para tanto, o pesquisador deve partir,

necessariamente, do concreto, isto é, da riqueza das determinações imediatamente presentesno fato ou realidade. Tomando como base estas observações preliminares, ele constrói o

modelo (chega ao abstrato) através do qual irá explicar as relações que organizam esta

realidade penetrando, assim, na sua estrutura. O modelo ou sistema metodológico é fruto de

uma construção teórica hipotética que emerge da observação da realidade e a ela se volta,

 posteriormente, para ser concretizado. Nesta perspectiva, o sujeito do conhecimento adquire

 primazia sobre o objeto de estudo, pois é ele que pensa, é ele que elabora o sistema ou modelo

teórico por meio do qual irá explicar a realidade.

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Segundo Palangana (2001), a análise estruturalista privilegia o aspecto relacional, ou

seja, as relações entre os elementos que compõem a estrutura. Os estruturalistas estão

interessados no invariante, naquilo que pode ser transportado de um campo para outro e, para

eles, só as relações são constantes, o conteúdo pode variar. A intenção é ultrapassar a

 percepção sensível e chegar a uma episteme de fundo real.

De acordo com Palangana (op. cit.), o próprio Piaget declara-se como teórico da

racionalidade estrutural quando define estrutura como sendo “... um sistema de

transformações que comporta leis enquanto sistema... Em resumo, uma estrutura compreende

os caracteres de totalidade, de transformação e de auto-regulação” (Piaget, 1978:8). Destes

três elementos fundamentais que caracterizam uma estrutura, a totalidade é a única sobre aqual os estruturalistas concordam por unanimidade. Ela se constitui na medida em que as leis

de composição próprias do sistema como tal organizam os elementos que compõem a

estrutura, conferindo ao conjunto propriedades distintas daquelas apresentadas pelos

elementos em particular. Portanto, o todo é mais que a soma das partes e estas, por sua vez, só

se explicam em função do todo. A segunda característica – de transformação – confere à

estrutura uma forma dinâmica: toda modificação ocorrida num elemento ou relação modifica

os outros elementos ou relações. Uma estrutura é ao mesmo tempo estruturada e estruturante:é estruturada na medida em que contem leis próprias que a organizam e estruturante por

estarem seus elementos de composição constantemente submetidos às leis do próprio sistema.

A terceira característica que identifica uma estrutura é sua capacidade auto-reguladora ou de

conservação própria.

Segundo a autora, Piaget (1978), preocupado em explicar a origem ou a causalidade

das estruturas cognitivas, admite a existência de certos sistemas elementares constituídos, a priori, por mecanismos biológicos que, por assim dizer, colocam-se como ponto de partida na

formação de novas estruturas. Para ele o conceito de transformação implica o de formação e o

de auto-regulação sugere capacidade de auto-construção.

 Neste sentido, a ação sensório-motora é o instrumental da criança que desempenha um

 papel fundamental no processo de formação de novas estruturas, guardam em si os esquemas

elementares suficientes para desencadear as construções posteriores até à abstração reflexiva.

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Segundo Palangana (2001), de acordo com Chiarottino (1984), a abstração reflexiva

deve ser entendida em dois sentidos complementares: o primeiro evidencia-se quando essas

abstrações transpõem para um plano superior o que foi engendrado do plano anterior, fazendo

crer que a estrutura procedente é um reflexo daquela que a precedeu. Em segundo lugar, a

criança reconstrói sobre o plano das formas ou das representações os esquemas que são

retirados do plano das ações. A construção representacional é possível graças às relações entre

as representações ou formas novas e aquelas que já existiam com certa organização. Quando

esta reorganização (ou reflexão) ocorre em nível de representações mentais, pode-se falar em

 pensamento reflexivo.

Sendo assim, poderíamos inferir que Feuerstein (1993) tenha se inspirado nestas idéiasquando define, segundo Goulart (2000), que a modificabilidade cognitiva estrutural

corresponde a uma mudança geral nas estruturas mentais e não apenas parcial ou local.

Segundo a citada autora, a modificabilidade está direcionada aos esquemas mentais, que

 podem estar se manifestando como estruturas rígidas e que precisam ser modificadas.

Segundo a citada autora, Feuerstein mostra a necessidade de entender que um sujeito

 pode manifestar num determinado momento reações que indiquem deficiências oudificuldades que têm condições de ser superadas, portanto a ênfase não deve ser colocada

sobre o indivíduo, mas em sua ação, situada temporal e espacialmente. Nessa perspectiva,

Feuerstein (op. cit.) define a modificabilidade cognitiva como um processo de rompimento

com algo decorrente de um estado patológico, de uma seqüela, ou daquilo que seu

desenvolvimento mental representa em conseqüência dessa “condição” ou dessa “doença”.

Para Goulart (op.cit.), o termo estrutural, relacionado à modificabilidade cognitiva ,refere-se às estruturas mentais do indivíduo que têm possibilidade de modificar-se, alterando

o curso e a direção do desenvolvimento. Ao falar de transformação e movimento, segundo Da

Ros (1997), Feuerstein afasta-se dos posicionamentos teóricos que concebem a inteligência

como algo estático, imutável e quantificável, atrelado irreversivelmente às condições

maturacionais e ou hereditárias. Feuerstein (1994) propõe que não permitamos que os

cromossomos tenham a última palavra.

Os estudos que realizamos sobre as bases filosóficas de Piaget, como expusemos

acima, apontaram-nos vários pontos de convergência em relação ao pensamento de

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Feuerstein. Entretanto, acreditamos que Feuerstein tenha sido fortemente influenciado pela

cultura judaica, principalmente pela religião, uma vez que na tradição judaica religião,

filosofia e ciência são indissociáveis. Assim, fomos buscar no judaísmo, como já dissemos

anteriormente, elementos para a compreensão das bases da construção teórica de Feuerstein.

Reuven Feuerstein nasceu em Botosan, uma pequena cidade da Romênia. Seu pai era

um erudito em estudos judaicos, chefe de culto e rabino. Reuven conta que aos três anos

aprendeu a ler, nos textos sagrados, e passou a presidir as celebrações com seus irmãos. Ao

aprender a ler em hebraico, ajudou a oficiar as cerimônias religiosas. Seu avô materno era

escriba de pergaminhos da Torá5.

Advindo de uma família religiosa, podemos entender a afirmação de Feuerstein (1980)

de que sua teoria da modificabilidade fundamentalmente está baseada na crença, na fé. Ele crê

no fato de que toda pessoa está sujeita à possibilidade de modificação, assim, o ser humano

está em constante processo de aprendizagem e este processo está voltado à autonomia do

sujeito.

Desta forma, parece-nos que sua fundamentação filosófica está pautada na religião,

 pois a religião está intrinsecamente relacionada com sua construção teórica, ou seja, o

 pensamento de Feuerstein sobre o ser humano e a condição humana está vinculado com a

questão religiosa. Aliás, assim como no islamismo e no budismo, o pensamento oriental, de

forma geral, está alicerçado na religião. Com o judaísmo isto não é diferente. A concepção de

filosofia está posta, assim, como uma possibilidade de compreensão do mundo cujo sentido

encontra-se nos fundamentos religiosos e o significado está em Deus. Para ilustrar tal

consideração recorremos a Filo de Alexandria, importante filósofo que sistematizou os

 princípios do pensamento judaico em cinco ponto principais, a saber: “1. existe Deus; 2. existe

um só Deus; 3. Deus criou o mundo e o mundo não é eterno; 4. Deus criou o universo e existe

apenas um universo; 5. Deus zela pelo mundo” (Ozmon & Craver, 2003).

Para tratar do pensamento de Feuerstein, radicado no judaísmo, consideramos ser

relevante apresentar também algumas definições de religião que nortearão nossa abordagem.

5 Torá: livro que contêm as escrituras religiosas judaicas, conhecido como Pentateuco.

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Para Neusner 6  (2004), religião é experiência, imagem e história, sendo entendida como

fenômeno. De acordo com Küng (1997)

A religião não pode possibilitar tudo, mas ela pode abrir e proporcionar ‘mais’ emtermos de vida humana. A religião consegue transmitir uma dimensão mais

 profunda, um horizonte interpretativo mais abrangente face à dor, à injustiça, àculpa e à falta de sentido. Ela consegue também transmitir (...) um sentido de ondevem e para onde vai a existência humana. A religião consegue garantir os valoresmais elevados, as normas mais incondicionais, as motivações mais profundas e osideais mais elevados: o sentido (por quê) e o objetivo (para quê) de nossaresponsabilidade. Através de símbolos, rituais, experiências, objetivos comuns, areligião consegue criar uma pátria de confiança, de fé, de esperança: umacomunidade e uma pátria espiritual (K ÜNG, 1997:30).

Sendo assim, consideramos ser necessário fazer uma breve síntese de como as famílias

 judias vivenciam a religião, na tentativa de explicitar os vínculos entre filosofia e religião,

uma vez que esta dimensão foi importante na formação de Feuerstein, conforme pudemos

observar na biografia do referido autor.

Segundo Neusner (2004), para os judeus existe uma sabedoria que não é deste mundo

nem dos dominadores deste mundo. Eles acreditam numa sabedoria divina misteriosa, que

 permanece oculta, que Deus ordenou desde antes dos séculos para sua glória. Para eles, a

existência assim como é, em toda a situação humana, tem uma razão, tem um significado e

este significado último está em Deus.

Ser judeu praticamente é narrar a respeito de si mesmo e da própria família. A história

narrada pelo judaísmo traz o passado ao presente e impõe ao presente o padrão do passado. É

uma história sobre a eternidade no tempo, composta de narrativas que transmitem verdades

eternas.

Imagine um jantar formal em casa, servido para uma família amontoada em tornoda mesa – pais e mães, filhos e netos, tios e tias, primos, amigos e convidados, entreeles alguns desconhecidos, todos vestidos com suas melhores roupas ecomportando-se da melhor forma possível. A mesa resplandece com louça, prataria,velas de chama trêmula, flores no centro. Todos os presentes ficam de súbito emsilêncio e uma das crianças exclama: “esta não é a nossa maneira habitual de jantar,na cozinha, com a roupa da escola, esta noite é diferente de todas as outras noites!”O chefe da família responde: “Sim, mas fomos escravos e hoje somos livres, e estanoite nos lembra do que aconteceu! Agora, antes de comer, vamos contar essahistória”. E a narrativa do livro do Êxodo da Tora começa da jorrar (NEUSNER,2004:13).

6 Doutor em Programa da Religião no Instituto do Bard – EUA.

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Por mais que pareça estranho, é exatamente dessa forma que as casas e sinagogas

 judaicas celebram, a cada primavera, a ocasião da Páscoa (Pessach). Para eles, a libertação de

Israel da escravidão do Egito deu-se pelo poder de Deus por meio da liderança de Moisés.

Dessa maneira, o momento de celebração no jantar tornou-se não apenas uma história,

mas também uma experiência de compartilhar visões, lembranças, amor da conquista da

liberdade desse povo e os saberes da lei, da tradição, da permanência de um povo na história

 pela força da cultura.

Para Neusner (2004), a resposta ao questionamento da criança a respeito da diferençadaquele jantar está no fato de que no passado Deus chamou o povo a seu serviço e disse

“Desde tempos imemoriais seus antepassados, até mesmo Tare, pai de Abraão e Nacor,

viveram do outro lado do Rio Eufrates e adoraram ídolos. Então Eu trouxe seu pai Abraão do

outro lado do rio e guiei seus passos por toda a terra de Canaã. Multipliquei sua

descendência e dei-lhe Isaac, e a Isaac dei Jacó e Esaú. E separei o Monte Seir como

herança para Esaú, enquanto Jacó e seus filhos desceram ao Egito” (NEUSNER , 2004:25).

Toda essa história tem importância para todos os presentes no jantar, pois caracteriza

de fato quem é aquela família ali reunida. Essa família é a representante de Abraão, Isaac e

Jacó.

Segundo Neusner (op.cit.), toda a vez que judeus étnicos se declaram como

descendentes dos escravos do faraó no Egito, estão na verdade alterando as relações, pois na

realidade esse povo tem consciência de que jamais sentiu o açoite; dentro da fé, contudo, oque na realidade celebram é a libertação deles mesmos e não apenas as de seus antepassados.

O povo de Israel no Sinai constitui, acima de uma família, uma comunidade religiosa

caracterizada pelo compromisso comum diante de Deus e de seus preceitos.

Segundo o autor, a história judaica é bastante clara: o povo de Israel é escravo no

Egito; a comunidade de Israel está no Sinai e todos os seus membros são mutuamente

responsáveis como Israel. Porém, cada israelita é responsável não apenas pelo todo, mas

também por tudo aquilo que decide fazer como indivíduo, com deliberação e intenção.

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O judaísmo valoriza o indivíduo e afirma sua singularidade, revelando a dimensão da

religião radicada no indivíduo e desenvolvida no grupo social. Em termos teológicos, tal

questão é assim explicitada:

... Por que o homem foi criado sozinho e único? Para que retrataste a grandeza doEterno, abençoado seja. Porque um indivíduo cunha muitas moedas com a mesmamarca, e umas são iguais às outras, mas o Rei dos reis, o Eterno, abençoado seja,cunhou todos os seres humanos com a sua mesma marca, com a qual cunhou a

 primeira pessoa, e, contudo, nenhuma pessoa é igual a outra. Todos são obrigados aafirmar, pois: “Para mim o mundo foi criado” (ZACHARY apud NEUSNER,2002:36).

Toda a pessoa de origem israelita está sujeito à lei divina. Segundo o autor o único

 povo a formar uma entidade moral que transcende seus membros individuais é o povo deIsrael. Dessa forma, Israel torna-se uma espécie de gênero da humanidade. Como gênero,

 passa a ser a referência de ideal de humano. Como entidade social que atua moralmente; o

 povo santificado de Israel forma uma totalidade moral que se torna maior do que a soma de

suas partes. A comunidade de Israel é, então, responsável por todas as ações e atitudes de

todos os israelitas como indivíduos. A ênfase não está no indivíduo, mas na comunidade

israelita.

Se o fundamento do judaísmo diz que os indivíduos são concebidos como autômatos e

subordinados à sua comunidade, a resposta sobre o que é Israel definiria também quem é

Israel e seus indivíduos. As escrituras reiteram, portanto, que os israelitas são pessoalmente

responsáveis pelo que fazem e também que Israel com um todo é uma entidade moral sujeita a

 julgamento.

O Shabat dos Shabats é o mais importante dos dias de penitência (dia da Expiação, o

dia do Perdão, o ‘Yom Kippur’) e é marcado pelo jejum e oração contínua. Já o Ano Novo

(‘Rosh Hashaná’, traduzindo, a ‘cabeça do ano’), para a comunidade judaica, é um dia de

recordação, no qual se revêem os feitos de todas as criaturas. Uma vez mais a tradição

histórica se faz presente estabelecendo o sentido das relações sociais entre judeus. Aqui

recorda-se, por exemplo, entre outras passagens, a história de Adão e Eva no Éden como uma

introdução da história de Israel na Terra de Israel: a história da origem do povo de Israel com

Abraão e Sara, que criaram uma família devotada ao serviço de Deus receberam a promessa

de uma terra própria – ganhou a terra, mas a perdeu. É feita então uma comparação entre a

 presença de Israel na terra de Israel com a presença de Adão no Éden; é comparado o exílio

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de Israel na terra de Israel em 586 a.E.C.(antes da Era Cristã) à perda do Éden por Adão,

como resposta ao seu pecado. Ou seja, Adão perde o Éden assim como Israel perde a terra. A

resposta que buscam e narram é como Israel receberá de volta a terra que perdeu a fim de

mantê-la para sempre (Neusner, 2004).

Adão e Israel vivem a experiência de possuir e perder o paraíso. Adão deveria ter

 permanecido no Éden. Israel, o novo Adão, deveria ter permanecido na terra prometida, fora

do alcance do tempo e das mudanças e livre de qualquer turbulência da época. O pecado

arruinou Adão e Israel e deu início à história registrada na escritura: a história de Israel –

abrangendo sua entrada, perda e recuperação.

De acordo com Neusner (2004), a visão judaica de mundo apresenta suas regras

transcendentes de comprometimento com Deus em sua própria forma narrativa. A teologia do

 judaísmo se fundamenta no relato do que aconteceu para então generalizar e definir o que é.

Deve-se salientar que o judaísmo não é apenas uma história: os eruditos de todos os

tempos defendem a idéia de que o povo judeu realmente foi escravo no Egito e literalmente

liberto por Deus, pisando no monte Sinai e recebendo o texto do Pentateuco com a tradiçãoque o acompanha.

O texto da Torá se refere a eventos de um passado muito distante: muitos estudiosos

concordam que este texto tomou forma em conseqüência da destruição do Templo de

Jerusalém em 586 a.C. (700 anos após a revelação no Sinai). Foi então após a destruição do

 primeiro Templo e, mais tarde, da reintegração dos exilados à Terra Prometida, que pela

 primeira vez se contou a história completa do judaísmo.

O judaísmo, segundo Neusner (op.cit.), absorveu heranças de dois grupos distintos da

época do Segundo Templo: os fariseus, uma comunidade religiosa, e os escribas, uma

 profissão. Os fariseus desejavam para toda a comunidade o que os sacerdotes queriam apenas

 para o templo. E aqui vale lembrar que o avô de Feuerstein era escriba, ou seja, um erudito da

tradição religiosa judaica.

A visão de mundo, a substância do judaísmo, era a mensagem dos escribas, com

ênfase na Torá. Os fariseus davam ênfase à manutenção universal da lei, obrigando cada

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 judeu a cumprir o que habitualmente só se esperava da elite, dos sacerdotes. Já o ideal

 profissional dos escribas salientava o estudo da Tora e a centralidade dos letrados no sistema

religioso.

Segundo Neusner (2004), os sábios de Israel tinham respostas ao desafio cristão da

doação absoluta na crença religiosa: primeiro, eles insistiam no elevado status da Torá como

revelação oral e memorizada, incluindo a  Mishná e outros escritos rabínicos; segundo, a Torá

foi apresentada como o símbolo abrangente da salvação de Israel e terceiro, no fim do mundo

a Torá seria corporificada na pessoa do Messias, que seria um rabino.

A Torá não é o único elemento que rege a manutenção da tradição e da fé judaica. Àela junta-se o Talmude que, depois da Tora, ou Pentateuco, é o livro que estruturou a religião

 judaica nos moldes atuais. Trata-se de um imenso conjunto de textos que reúne os

compêndios da Lei Oral, em complemento à lei escrita, a Torá, e ao mesmo tempo discute

cada decisão legal–religiosa. O resultado é uma extraordinária enciclopédia sobre o

comportamento humano.

Durante muito tempo, o Talmude foi perseguido, mutilado, agredido, censurado,queimado pelas incontáveis inquisições, fechado nas academias rabínicas e aparente peça de

museu. Mas permanece vivo e em prática pelas ruas de Jerusalém. Dentro do judaísmo, o

Talmude teve papel deflagrador em âmbito mais amplo, apesar de um tanto discreto ou

camuflado. Não é como a Bíblia, apropriada com fervor por outras religiões, mas também se

irradiou. O intercâmbio se acentuou com o tempo, embora sem afetar a estrutura, através das

decisões rabínicas e das exigências ditadas pelas condições reais do momento. O Talmude

 pressupõe adequações às culturas locais por ocasião da Diáspora - movimento de migraçãodos judeus em direção a outros países e continentes. Assim, os judeus obedecem às leis civis

locais. Por exemplo, o Casamento em Israel só existe como casamento religioso, ou seja,

talmúdico; porém, em alguns países, os judeus além do casamento religioso submetem-se ao

casamento civil.

 No rádio, os rabinos falam constantemente sobre parábolas, ditados e outras lições

talmúdicas. Há inclusive consultas radiofônicas: em vez de o ouvinte ligar para dizer o nome

certo da música e ganhar um brinde, pergunta como deve agir numa determinada situação de

acordo com a halachah, o procedimento estabelecido pelo Talmude, a lei. Tudo isso, mais

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estudos em nível universitário, religioso e filosófico, formam um corpo gigantesco de

interpretações, teologia e jurisprudência.

Para Neusner (2004), muitas pessoas acreditam que o Talmude tenha alguma coisa

mágica, o que iria contra o próprio Judaísmo. Há narrativas de fatos maravilhosos, entretanto

se alguém procurar no Talmude alguma resposta para resolver os problemas da humanidade

ou do indivíduo, entrará por uma porta e sairá pela outra de mãos vazias. A característica

única do Talmude como livro religioso é que em vez de oferecer soluções, oferece, isto sim,

novas perguntas que permitem olhar para o problema de forma mais profunda e esclarecida. O

 princípio está na revelação, no esclarecimento. O que se segue, porém, é um infindável

 processo de raciocínio ao qual sempre se dará prosseguimento. O Talmude está aberto a todotipo de investigação e nunca é demais enfatizar esse aspecto diante da riqueza de temas e

originalidade dos enfoques, assim como pelo registro de costumes e parábolas.

 Numa entrevista ao Le Monde (publicada no Brasil em Idéias Contemporâneas, Ática,

1989), o rabino doutor Atlan comenta que para ele a tradição talmúdica é “uma tradição de

 pesquisa que visa a conhecer a estrutura do universo, as relações do homem com seu meio

ambiente”. Em seguida adverte para o perigo da mistura simplista, da tentativa de encontrarsoluções fáceis com fumaças de pseudo-síntese humanística. Nesta ocasião, o rabino Atlan

chega a dizer que não lhe agradaria identificar a tradição talmúdica com a vertente

espiritualista. Nela encontramos o que os textos talmúdicos chamam de divindade, mas com

uma função absolutamente precisa, diferente da que imagina a consciência religiosa habitual.

Segundo Atlan (1989), o método experimental científico define seus objetos

delimitando tudo o que não faz parte deles, de tal modo que possam ser objeto deexperimentação reproduzível em diferentes laboratórios do mundo, quaisquer que sejam as

circunstâncias políticas, ideológicas e sociais. Na tradição judaica, o objeto inicial de pesquisa

é o próprio texto bíblico, sobre o qual métodos de reflexão extremamente elaborados –

inclusive um sistema de renovação perpétua das leituras do texto – se acumularam durante

séculos, permitindo colocar e recolocar questões como a significação da estrutura do universo

em relação ao homem, à sua vida interior e à sua vida social, levando-se em conta novas

circunstâncias do não-previsível. Assim, na tradição judaica o modelo de ciência inclui a

subjetividade a e intervenção dos elementos não reproduzíveis.

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Para Neusner (2004), a abertura para a criatividade está na essência do Talmude, em

que o princípio básico se situa na crítica. As mais absurdas observações podem indicar o

caminho para a iluminação pretendida. Na prática, Neusner conclui que nessas milhares de

 páginas encontra-se o plano da sobrevivência judaica em condições incontáveis vezes

catastróficas. Além da capacidade de fantasiar dos judeus – afinal de contas não exclusiva

deles – estava sua força de refletir, reconsiderar, distanciar-se da realidade e rever sua

interpretação. Para Neusner (op. cit.), é o resultado final de uma sociedade que educou seus

 jovens no Talmude e recompensava seus homens maduros e velhos da mesma forma pela

devoção de toda uma vida ao estudo. Como reflexo da obsessiva interrogação diante dos mais

simples gestos cotidianos, teríamos a capacidade dos judeus, por tantos séculos, de se adaptar

a uma situação em que a força política estava além do seu alcance, porque eles sabiam queidéias podem ser poderosas; criticismo pode constituir uma grande força na sociedade; e, no

final a espada, uma vez embainhada, nada pode mudar, mas uma idéia, uma vez liberada,

 pode persistir a ponto de levar as pessoas a mover o mundo.

Segundo o autor, no Judaísmo o próprio movimento do homem em busca da

inteligência das coisas configura um ato religioso em que a precariedade animalesca se

transcende na direção do divino. Essa pedra de toque da existência e resistência dos judeusatravés dos séculos, como povo disperso, formado por raças diferentes e diversos costumes e

tradições locais às vezes conflitantes, centraliza-se no estudo e cumprimento da Tora, a Lei de

Moisés, escrita, acompanhada da Lei Oral, registrada e discutida à exaustão no Talmude.

Segundo estudiosos, o Talmude nunca chegou a ser completado. Mas talvez a palavra

“completado” seja inadequada, melhor dizer nunca foi “fechado”. Pois permanece obra aberta

num sentido muito especial: cada geração a completará, isto é, descobrirá novos rumos.Segundo Neusner (op. cit .), um monumento literário coletivo que só se efetiva no seu

exercício também coletivo, assim se espera que as próximas gerações captem essa voz

guardada nas entrelinhas, a alma do Talmude, por assim dizer.

A partir de tudo o que foi exposto, percebemos que há muito dos pressupostos

religiosos na produção intelectual de Feuerstein. Porém, o que mais chama a nossa atenção é o

caráter da constituição dos instrumentos do PEI como desafios à superação das dificuldades,

impulsionando sempre esse indivíduo pra frente, possibilitando que o mesmo lide com as suas

dificuldades conscientemente. A própria mensagem que aparece na capa dos instrumentos

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 para ilustrar o material - ‘Um momento... Deixe-me pensar’ – sugere o caráter reflexivo dos

instrumentos e do próprio processo de modificabilidade do pensamento.

O PEI é, então, elemento de libertação do indivíduo, ou seja, rompe com as amarras

das dificuldades de aprendizagem que estancam o desenvolvimento do mesmo. Assim são

também as leis judaicas. A lei é vista, no judaísmo, como instrumento de libertação, de

ressurreição, e não como fonte e garantia de opressão. O Talmude orienta o percurso de

salvação do indivíduo; a crença no Talmude viabiliza esse percurso.

Como no Talmude, a oralidade é também importante para Feuerstein, uma vez que é a

 partir dela que os instrumentos do PEI ganham sentido, ou seja, como elementos deintervenção o PEI se realiza na tradição oral da comunicação entre os pares. A oralidade é,

também, princípio de aproximação, conforme percebemos na tradição e nos rituais judaicos.

Assim é o PEI para Feuerstein, ou seja, assentado na crença de que o PEI promove a

modificabilidade cognitiva do indivíduo. Então, como nos apontou Filo de Alexandria, o

mundo criado por Deus, bem como as suas criaturas, não é eterno, está sempre sujeito a

mudanças.

3.4. A MEDIAÇÃO EM FEUERSTEIN

3.4.1. EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM MEDIADA

Para Fonseca (1998), em termos de teoria da aprendizagem, Feuerstein defende que

não basta estar interado ou envolvido com a tarefa para que a experiência de aprendizagem se

desenvolva. Segundo seus pressupostos, é necessário que se verifique a presença de ummediatizador afetivo, dirigente, conhecedor e competente para mediatizar esta interação, o

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que constitui um axioma da sua teoria, isto é, a Experiência de Aprendizagem Mediatizada

(EAM).

Para Beyer (1996), o elemento fundamental que permeia a aplicação dos instrumentos

elaborados por Feuerstein (1980) é a mediação, que se concretiza nas experiências de

aprendizagem mediada.

Por Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM), nós nos referimos ao caminhono qual os estímulos emitidos pelo ambiente são transformados por um agentemediador, normalmente os pais, irmão ou outros. Esse agente mediador guiado porsuas intenções, cultura e investimento emocional, seleciona e organiza o mundo deestímulos para a criança. O mediador seleciona os estímulos que são maisapropriados e então os molda, filtra, programa; ele determina a presença ou a

ausência de certos estímulos e ignora outros (Feuerstein, 1980:15).

Segundo Fonseca (1998), para Feuerstein a exposição direta aos estímulos é

fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a interação mediatizada, isto é, a própria

cultura, é que permite o acesso a funções cognitivas superiores. A pura presença dos

estímulos ou a sua interiorização em esquemas não pode explicar a modificabilidade cognitiva

nem a maturação do organismo do indivíduo. Desta forma, o fenômeno cultural, ou seja, a

Experiência de Aprendizagem Mediada, surge como fator explicativo da evolução humana.

Para Feuerstein, segundo Fonseca (op.cit.), a Modificabilidade Cognitiva Estrutural

não pode resultar da simples exposição a certas experiências, uma vez que não podemos ter a

noção da causa dos fenômenos só pela vivência de certas experiências. Não é por estarmos

expostos à chuva que podemos compreender os fenômenos de vaporização que a originam.

 Não é por vermos o Sol que compreendemos a sua função no nosso sistema cósmico.

Também não é só pela presença de estímulos que podemos explicar a aprendizagem e o

desenvolvimento cognitivo.

 Na Experiência de Aprendizagem Mediada, para Feuerstein, os estímulos não existem

só por si, eles são filtrados, modulados, mediados, intercedidos, repetidos, reforçados,

eliminados etc., consoante as necessidades introduzidas e reguladas pelo mediatizador. Os

estímulos estão relacionados com o tempo, o espaço e a qualidade dos outros estímulos que os

antecedem ou seguem. Eles estão repletos e imbuídos de significação.

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A Experiência de Aprendizagem Mediada, de certa forma, explica o papel das

experiências interativas no desenvolvimento cognitivo das gerações mais novas. Trata-se de

um ato de transmissão de cultura, de valores, de atitudes, de intenções etc., efetuado pelas

gerações mais velhas, que visam produzir os efeitos desejados. É com base nesta interação

intencional transgeracional que o ser humano desenvolveu aquisições extra biológicas.

Em interações típicas, como a de mãe–filho, abundam as situações de aprendizagemmediada. (...) Ela atribui significados específicos a eventos, relações temporais,espaciais, causais e outras não inerentes tanto ao objeto como às ações da criança.Estas são mediadas pela mãe ou por outras figuras envolvidas com os cuidados dacriança. Além de transmitir todos os tipos de informações específicas, quesimplesmente não estão disponíveis via exposição (...), o aprendizado mediado provêo tipo de experiência necessária para a formação da estrutura cognitiva que

 possibilita a apropriação da cultura (Feuerstein, 1980:270).

Dessa forma, assinala Fonseca (1998), a Experiência de Aprendizagem Mediada torna-

se o ingrediente que determina a diferença do desenvolvimento cognitivo, mesmo quando se

consideram condições similares de estimulação. Quanto maior e mais precocemente for

efetivada a Experiência de Aprendizagem Mediada, maior será também, por conseqüência, a

capacidade do indivíduo para usar e ser afetado pela exposição direta às fontes de

estimulação.

A Experiência de Aprendizagem Mediada para Feuerstein, segundo Fonseca (op.cit.),

encerra uma dialética entre dois tipos de causa da diferença de desenvolvimento cognitivo,

que podem explicar em parte o seu baixo ou alto desempenho:

• as causas proximais, que se prendem à presença ou carência de Experiência de

Aprendizagem Mediada;

• as causas distais, que se prendem aos aspectos endógenos (fatores hereditários ou

genéticos, fatores orgânicos e nível de maturidade), aspectos endoexógenos (nível de

maturidade, equilíbrio emocional da criança e dos pais e estimulação envolvimental) e

aspectos exógenos (estimulação envolvimental, status sócio econômico, nível de estudos e

diferenças culturais).

Segundo Fonseca (op.cit.), a Experiência de Aprendizagem Mediada para Feuerstein

dá relevo ao mediatizador, isto é, ao ser humano que se interpõe (e que intervém) entre os

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estímulos e os próprios indivíduos mediatizados, com a intenção de adequá-los às suas

necessidades específicas.

Deve ser preocupação fundamental do mediador dar-lhes condições para que possam

vir a utilizar-se com êxito da exposição direta aos estímulos, pois somente a partir daí terão

realmente alcançado autonomia em função dos instrumentos psicológicos que incorporou.

Feuerstein (1980) posiciona-se muito claramente a esse respeito:

Quanto mais a criança receber EAM e quanto mais eficaz for o processo demediação, maior será sua capacidade de se beneficiar e se tornar modificável pelaexposição direta ao estímulo (Feuerstein, 1980:16).

 Noutras palavras, assinala Fonseca:

(...) o desenvolvimento cognitivo humano de uma criança é inseparável dodesenvolvimento cognitivo dos seus mediatizadores, sejam eles os pais, os médicos,os psicólogos ou os professores (Fonseca 1998:40).

Gomes (2002) esclarece-nos que, segundo Feuerstein, a aprendizagem humana

ocorre, num contexto social, na base de multimediatizações humanas. A perda, a

irregularidade, a insuficiência ou a descontinuidade dessa mediatização provoca nos

indivíduos determinadas disfunções cognitivas, ou seja, funções cognitivas deficientemente

desenvolvidas. Como exemplo, cita as “crianças-lobos” ou “abandonadas” e também

crianças com baixo aproveitamento ou baixo rendimento escolar.

Quando a EAM se materializa, o desenvolvimento cognitivo é adequado e amodificabilidade acrescida. Porém, quando a EAM é carente, insuficiente ouvulnerável, emerge inevitavelmente a síndrome do desenvolvimento cognitivoinadequado e de modificabilidade reduzida, resultante de uma privação cultural(Feuerstein, 1997).

Fonseca (1998) afirma que Feuerstein foi mais além na elaboração das características

necessárias para que um desenvolvimento social proporcione um desenvolvimento cognitivo.

A sua teoria centra-se no enriquecimento interacional, na intencionalidade dos pais e

 professores para se reduzir a discrepância entre as performances típicas e as performances

 potenciais das crianças.

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  Para Fonseca (1998), Feuerstein (1979), atento às perspectivas abertas por Vygotsky

(1963, 1979), concretizou nesta ótica dois grandes processos de mediatização, processos estes

que constituem um verdadeiro sistema de intervenção e de modificabilidade cognitiva no

âmbito das crianças ou jovens que apresentem baixo rendimento ou fraco desempenho: o

LPAD (instrumento dinâmico de diagnóstico do potencial de aprendizagem) e o PEI

(instrumento de enriquecimento cognitivo).

• O PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL (PEI)

O PEI  foi organizado por Feuerstein (1980) para auxiliar no desenvolvimento das

funções psicológicas que podem, num dado momento, se encontrar deficientes no sujeito, ao

mesmo tempo em que permite a aquisição de pré-requisitos de aprendizagem. É composto

 por quatorze instrumentos, que correspondem a cadernos didáticos individuais, cujos

exercícios destinam-se a problematizar determinadas funções cognitivas. Esses cadernos

estão organizados em unidades nas quais as tarefas pedagógicas são apresentadas para

estimular as funções que estão se manifestando deficientemente.

Os objetivos específicos do PEI estão relacionados aos instrumentos que o compõem:

• correção das funções cognitivas deficientes;

• aquisição de conceitos básicos, vocabulário e operações mentais;

• estimulação da motivação intrínseca, ou seja, a motivação interior;

• desenvolvimento de processos reflexivos de pensamento e habilidades;

• desenvolvimento, pela criança, de uma auto-identidade dinâmica, ou seja, construção de

um autoconceito positivo, levando-a a perceber-se como sujeito ativo no processo de

aprendizagem.

Segundo Sanchez (1989):

O Programa de Enriquecimento Instrumental foi organizado para modificar asfunções cognitivas deficientes e desenvolver toda a capacidade operativa do sujeitocom necessidades educacionais especiais (...) O programa de enriquecimentocognitivo é um esforço de compensar as deficiências e carências da experiência deaprendizagem mediada através do mediador, oferecendo ao sujeito uma série deatividades, tarefas, situações e problemas construídos para modificar seufuncionamento cognitivo deficiente. Não há a intenção de ensinar unidades de

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informação específicas, mas sim de proporcionar uma série de pré-requisitos do pensamento que o auxiliem a beneficiar-se dos conteúdos do currículo formal deaula e de qualquer experiência que possa facilitar sua adaptação e integração social(Sanchez, 1989: 80).

Kozulin (1996) nos assinala que a Experiência de Aprendizagem Mediada contribui

 para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores:

As atividades escolares que o PEI pressupõe impulsionam o desenvolvimento noestudante das funções psicológicas superiores dependentes das ferramentas

 psicológicas. A organização sistemática dos materiais do PEI  corresponde aorganização sistemática das funções psicológicas superiores. Os princípios daaprendizagem mediada proporcionados pelo ensino do PEI  correspondem aocomplemento necessário ao aspecto instrumental-simbólico deste programa. Ainstrução baseada nas EAM torna-se o veículo que desenvolve as habilidades

simbólicas e dá forma às atividades que garantem a aquisição e interiorizam taishabilidades. A propósito disto as atividades que pressupõem o PEI  só podemcomparar com o paradigma da atividade e aprendizagem desenvolvida pela escolade Vygotsky (Kozulin, 1996:212). 

Sendo assim, para Kozulin (op.cit) quando a criança demonstra dificuldade em algum

 ponto, é possível trabalhar funções que ainda não estão consolidadas. As experiências de

aprendizagem compartilhadas permitem que se atue na zona de desenvolvimento proximal,

auxiliando as funções ainda não consolidadas a amadurecer.

Segundo Sanchez (1989), cada um dos instrumentos consiste em uma unidade

estruturada com ênfase em algumas funções cognitivas. É importante salientar que os

instrumentos não têm como finalidade o ensino de conteúdos, sendo assim é importante que

o professor tenha claro como selecionar e organizar o material específico para atender às

necessidades e deficiências de cada uma das crianças, como também utilizá-los como

veículos para a aquisição dos requisitos básicos de pensamento. Desta maneira, o sujeito élevado a refletir sobre os conhecimentos adquiridos, a forma como os conseguiu e relacioná-

los às situações de vida.

Os instrumentos a serem aplicados exigem apenas lápis, borracha e papel. São a

 preparação do mediador e a interação estabelecida com a criança ou adolescente que se

constituem no elemento principal desse programa. Os instrumentos podem ser aplicados tanto

individualmente como em grupo, em salas de aula ou clínicas, e serem utilizados, inclusive,

como um programa de caráter complementar ao currículo escolar, uma vez que se enquadra

no conjunto de programas de “ensinar a pensar”.

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 O entendimento e apreciação da meta básica do PEI, a qual é ensinar aos indivíduosa pensar mais eficientemente, determinar a qualidade do estímulo de interrogação do

 professor. Portanto, um professor de PEI se interessará e fará perguntas que acentueo processo de aprendizagem e não o seu produto (Feuerstein, 1993:20). 

Segundo Feuerstein (1993), as atividades propostas nos instrumentos deste programa

seguem uma ordem seqüencial e progressiva de complexidade, apoiando-se na motivação

intrínseca do indivíduo que é instigada a partir da afirmação do sentimento de competência

de todos os participantes. Nesse processo, deve ser uma preocupação constante do mediador

levar os alunos à compreensão de suas dificuldades e incentivá-los a dirigir os esforços para

a resolução e superação das mesmas.

Indicaremos de forma resumida algumas das funções que são priorizadas em cada um

dos instrumentos.

• Organização de Pontos: este instrumento é programado para estimular a capacidade de

organização do indivíduo, acionando funções cognitivas como percepção clara,

organização do espaço, conservação e constância, precisão, transporte visual e conduta

somativa.

• Percepção analítica: descrição e diferenciação do campo visual; capacidade de dividir o

todo em pares e de integrar as partes no todo; reestruturação de um determinado campo

visual.

Ilustrações: percepção de detalhes; reconhecimento e análise de situações-problema;estabelecimento de relações.

• Orientação Espacial (I, II e III): condutas exploratórias do espaço e representativa;

capacidade de estabelecer relações.

• Comparações: comportamento comparativo espontâneo.

• Relações Familiares: análise de categorias de relacionamento.

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• Progressões Numéricas: compreensão e estabelecimento de regras e leis.

• Silogismos: argumentação dedutiva e indutiva, pensamento lógico.

• Classificações: capacidade de categorização a partir da comparação.

• Relações Temporais: percepção da dimensão do tempo, capacidade de registrar,

 processar e ordenar relações temporais.

• Instruções: codificação verbal das informações gráficas; decodificação de informações

escritas e transferência para atividades viso-motoras.

• Relações Transitivas: desenvolvimento de inferências a partir das já existentes;

apreensão e aplicação de normas.

• Desenho de padrões: pensamento operatório, representação, abstração, projeção virtual.

Fonseca (1998) tece alguns comentários sobre o programa destacando aspectos positivos e elencando algumas restrições.

• o programa centra-se mais nos processos de pensamento do que no seu produto final;

• exige mais tempo de interação e de concentração nos processos do pensamento do que a

maioria das disciplinas escolares, na medida em que não pode ser reduzido a simples

fichas de exercícios;

• o estilo de ensino e de mediatização eleva o investimento motivacional dos alunos e

reforça a significação cultural e humana;

• a filosofia e a prática do PEI combatem as atitudes de classificação simplista dos alunos

em espertos, inteligentes e rápidos ou em burros, difíceis e lentos, uma vez que exige do

 professor uma visão otimista e ativa do aluno em termos de potencial de modificabilidadee não uma visão sectária e passiva em termos de aproveitamento escolar corrente;

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• o Programa de Enriquecimento Instrumental pressupõe um aprofundamento teórico sobre

a avaliação dinâmica e a intervenção mediatizada na cognição e na aprendizagem. O

 professor capacitado neste programa desenvolveria um olhar diagnóstico em relação ao

aluno. 

Em síntese, para Fonseca (1998) “ao avaliar pela revisão da literatura, o Programa

de Enriquecimento Instrumental sugere em muitos dos resultados apresentados, ganhos

cognitivos claros, pondo em relevo uma nova e desafiante visão da inteligência e da

aprendizagem” (Fonseca, 1998: 49).

Segundo Feuerstein (1980), a hereditariedade não se opõe ao meio, os fatores

 biológicos são condição vital e influenciam-se mutuamente com os fatores sociais. Ambos

interagem entre si. A evolução de alguns fatores é a evolução de outros, entre eles não há uma

relação de dependência; a inteligência lida com o biológico e com o social como se fossem

uma unidade da mesma dialética.

• A AVALIAÇÃO DINÂMICA DO POTENCIAL DE APRENDIZAGEM (LPAD)

O termo “potencial” é utilizado por Feuerstein tanto em relação à aprendizagem como

em relação à modificabilidade. Neste sentido, ele situa o potencial de aprendizagem na

capacidade do indivíduo de agir e refletir de uma maneira mais elaborada, que vai além de seu

comportamento manifesto.

Feuerstein (1980) acredita que um processo de avaliação deve ter como objetivo

revelar o potencial de aprendizagem do indivíduo e não apenas identificar os conhecimentos

que ele já possui naquele momento da avaliação. Sendo assim, Feuerstein destaca que o

 processo de avaliação do potencial da modificabilidade cognitiva está distribuído em fases:

• o pré-teste: fornece uma base do funcionamento mental atual do indivíduo;

• a mediação: o mediador induz mudanças sobre o modo do indivíduo funcionar;

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• o pós-teste: permite verificar os efeitos da mediação, isto é, as mudanças induzidas pelo

examinador sobre a maneira do indivíduo funcionar, na resolução de novas tarefas.

Assim, neste processo de avaliação proposto por ele, existe uma preocupação com a

observação do comportamento do sujeito e como ele utiliza sua percepção ou experiências

anteriores para resolver uma situação problema proposta. O avaliador deve estar atento às

estratégias cognitivas utilizadas na solução da situação proposta: já neste momento da

avaliação, o avaliador deve interferir, observando e questionando sobre os processos

utilizados pelo sujeito, a fim de diagnosticar as funções deficientes e as possibilidades, ou

seja, o potencial de modificação, expressos em seu desempenho.

Citaremos algumas características da avaliação do potencial da modificabilidade

cognitiva:

• mudanças na relação examinador-examinado;

• mudanças na estrutura dos testes;

• mudanças no interesse do produto para o processo;

• mudanças no nível de interpretação dos resultados.

Será a partir desta avaliação que as tarefas do PEI serão enfatizadas, nas áreas que

apresentarem dificuldades. Para Beyer (1996), o LPAD e o PEI complementam-se numa

 prática psicopedagógica integrada. O LPAD e o PEI só se efetivam através da EAM que se

constitui na ação compartilhada entre mediador e mediado, ou seja, na ação interativa.

Feuerstein (1979) infere que os indivíduos possuem estratégias e processos cognitivos

que não são utilizados, mas que são capazes de darem um resultado positivo em condições de

estimulação. Ele utiliza o termo “potencial” para referir-se à modificabilidade quando escreve

que o objetivo da avaliação deve ser “o potencial a ser modificado pela aprendizagem”

(1979:49). Desta maneira, destacaremos alguns objetivos da avaliação do potencial da

aprendizagem:

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• avaliar a extensão da modificabilidade do indivíduo no que se refere ao nível de

funcionamento que ele pode atingir pelo processo de modificação e seu lugar na hierarquia

das operações cognitivas;

• determinar a soma de trabalho necessária para provocar a mudança;

• determinar o alcance da modificação obtida sobre os outros domínios do funcionamento

cognitivo;

• situar as modalidades preferidas do indivíduo no seu comportamento manifesto a fim de

utilizá-las para induzir a modificação desejada.

Segundo Goulart (2000: 84), os instrumentos propostos por Feuerstein para avaliar o

 potencial de aprendizagem das crianças e jovens são:

• Matrizes progressivas coloridas de Raven (séries A, AB, B)

• Matrizes progressivas clássicas de Raven (séries A, B, C, D, E)

• Grupo I de Variações do LPAD (Feuerstein)

• Grupo II de Variações do LPAD (Feuerstein)

• Teste de Desenho de Padrões (Grace Arthur, adaptado por Feuerstein)

• Progressões Numéricas (Feuerstein)

• Desenho da Figura Complexa (André Rey)

• Teste de Aprendizagem de Posições (André Rey)

• Memória Associativa Teste de Redução Funcional (Feuerstein)

• Memória Associativa Teste de Parte e do Todo (Feuerstein)

• Teste de Abstração Verbal (semelhanças) (TVA) (Haywood)

• Teste das Bandejas (André Rey)

• Teste de Memória de Palavras (Rey, adaptado por Rand)

• O Organizador (Feuerstein)

• Teste de Raciocínio Silogístico (Feuerstein)

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• O MEDIADOR

Para Feuerstein (1980), o mediador é aquele que não se prende ao nível de maturação

manifestado pela criança, antecipa-se ao desenvolvimento, isto é, o bom ensino é aquele que

está direcionado às funções psicológicas superiores que ainda estão por se completar.

Sendo assim, a mediação a ser estabelecida com o indivíduo, para Feuerstein, deve

estar baseada no entendimento dos diferentes ritmos, experiências e trajetórias pessoais,

contexto familiar, níveis de conhecimento, enfim, da heterogeneidade, traço comum a todos

os grupos formados por seres humanos.

 Na continuidade destas reflexões, segundo Gomes (2002), para Feuerstein o que torna

alguém mediador formal é sua capacidade para conduzir estrategicamente o processo de

aprendizagem mediada, sua capacidade de interrogar o mediado, de modo a impulsionar

conflitos cognitivos e mobilizar as funções cognitivas, viabilizando, assim, uma intervenção

transformadora que garanta o aumento do nível de modificabilidade e flexibilidade mental do

indivíduo envolvido no processo de aprender a pensar.

Rego (1998) afirma que são as trocas onde o patrimônio material e simbólico,

formado por valores, conhecimentos, sistemas de representação, construtos materiais,

técnicas, formas de pensar e de agir, legado da humanidade, que constituem a mediação e

interferem positivamente no desenvolvimento do indivíduo.

... imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visãode mundo, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidadesindividuais (Rego, 1998:10).

Para Goulart (2000), nesse processo de interação é fundamental entender os indivíduos

alvos da mediação como ativos no seu processo de conhecimento. Mesmo sendo a atividade

espontânea e individual importante, ela é insuficiente para modificar o sujeito, deixando clara

a importância da intencionalidade da ação do mediador.

Para Fonseca (1998), considerando o desenvolvimento, a apropriação e a

interiorização de instrumentos proporcionados e fornecidos por agentes culturais de interação,

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a aprendizagem e conseqüentemente a zona de desenvolvimento proximal, dependem, em

 parte, da qualidade e da estratégia de interação posta em prática pelo mediatizador.

Desta forma, salienta Fonseca (1998) que para Feuerstein:

... saber suscitar processos evolutivos, no espaço e no tempo, é uma dascaracterísticas essenciais da aprendizagem humana, processos esses, porém, que sósão ativos e conseqüentes nas situações de relação e interação entre as pessoas, entreo mediatizador e mediatizado, pois só dentro da sua dinâmica interativa emergem asfunções psíquicas superiores (Feuerstein, 1979:101).

Para Beyer (1996), quando nos referimos à mediação sabemos que é um termo que

adquire significados diferenciados, conforme a postura teórica de quem o utiliza. Para

Feuerstein (1980), no entender de Beyer, mediação significa um processo de interação entre o

organismo humano em desenvolvimento e um indivíduo com experiências e intenções que

 para Feuerstein seleciona, enfoca, retroalimenta as experiências ambientais e os hábitos de

aprendizagem.

Segundo Beyer (op.cit.), para Feuerstein a mediação só é possível ao se acreditar na

criança. Essa “crença” é um fator energético que impulsiona a consecução dos trabalhos.

Feuerstein afirma que foi essa convicção nas possibilidades das crianças e o conseqüente

compromisso assumido com elas que concorreu para o sucesso alcançado em seu trabalho.

Sem esta crença, iniciar algo fica mais difícil. O trabalho proposto nessa teoria de Feuerstein

 baseia-se, pois, em elementos cognitivos e afetivos.

Beyer (op.cit.) complementa:

... a particularidade do conceito da aprendizagem autônoma consiste em que aautonomia cognitiva correlaciona-se com a aprendizagem mediada, ou seja, quantomais uma criança usufruir da mediação na aprendizagem, tão mais rico será odesenvolvimento intelectual advindo da interação direta com o meio (Beyer,1996:90).

Para Fonseca (1998), a Modificabilidade Cognitiva Estrutural depende da qualidade de

intervenção do mediatizador da forma como cria certas estratégias de percepção, de busca, de

exploração e de isolamento de dados relevantes ou irrelevantes, de novos processos que

 produzam efeitos no organismo do sujeito mediatizado, orientando-o na via de níveis mais

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elevados de sensibilidade e de cognitividade, do que resultará uma maior eficácia de

 processamento de informação quando o indivíduo for exposto diretamente a novos estímulos.

Para o referido autor, não é porque os estímulos do entorno existem que podemos ter a

garantia de os perceber. Os estímulos, em si, podem não atingir o receptor, pois não explicam

as mudanças cognitivas nos seres humanos, uma vez que eles não possuem intenções. O

mediatizador atua no estímulo de forma que ele surja no tempo e na seqüência adequada para

que possa ser processado e integrado. É a exposição à mediatização, e não somente a pura

exposição aos estímulos diretos, que provoca alteração das estruturas que os processam e

modificam. Não basta estar mergulhado em contextos ricos de estímulos, é necessário que

entre os estímulos e os organismos dos indivíduos mediatizados surja um mediatizador queintencionalmente, e não arbitrária ou esporadicamente, atue nas estruturas cognitivas.

 Não é raro ver crianças mergulhadas em meios enriquecidos de estímulos, masvazios de mediatizadores. Estão face a eles, mas não os exploram sistemática e

 planificadamente, não extrapolam, nem relacionam, não transferem, nemgeneralizam e, conseqüentemente, exibem disfunções cognitivas e comportamentosepisódicos e acidentais, algo que reconhecemos como característico nas criançasculturalmente privadas ou nos portadores de deficiência mental e com intensidadediferente nas crianças com dificuldades de aprendizagem ou com insucesso escolar

(Fonseca, 1998:73).

Para Fonseca (1998), segundo Feuerstein, a melhoria cognitiva que o mediatizado

experimenta também atinge a personalidade do mediatizador. Há algo no eu do mediatizador

que se transforma quando o mediatizado atinge os objetivos da aprendizagem. Este fator

relacional é fundamental para a compreensão da filosofia da MCE e da EAM. A

modificabilidade, conseqüentemente, não se limita à cognição, mas supõe as múltiplas

condições do comportamento e, essencialmente, os pré-requisitos do pensamento.

Segundo Fonseca, Feuerstein (1979) salienta que este aspecto energético-motivacional

da MCE é crucial e nunca pode ser perdido de vista, razão pela qual a sua filosofia exige

mudanças de atitude e não apenas exibição de competências, quer da parte do mediatizador,

quer da parte do mediatizado. A modificabilidade, portanto, não se limita à cognição, mas

envolve também a emoção e a motivação, componentes essenciais da teoria da MCE.

Desta forma, para Fonseca (op.cit.), a EAM põe em prática o enriquecimento humano

mútuo tanto do mediatizado como do mediatizador. O mediatizado cresce quando cresce o

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mediatizador, isto é, consubstancia-se um processo de intencionalidade e reciprocidade. O

autor nos assinala que a modificabilidade cognitiva, é, em certa medida, diferente da noção de

desenvolvimento, uma vez que este subentende uma mudança esperada e previsível, mudança

na motricidade, na linguagem etc., enquanto aquela implica um desvio de desenvolvimento

inesperado, algo de diferente do que se podia esperar.

Sendo assim, a influência ativa do mediatizador (psicólogo ou professor, etc.),

segundo Fonseca (1998), para Feuerstein é determinante para a expansão do campo mental e

das funções cognitivas das crianças e dos jovens em geral, tanto no momento do diagnóstico

ou de avaliação, como nos da intervenção pedagógico-terapêutica.

Desta forma, segundo Gomes (2002), sob a ótica feuerstiana, a mediação do adulto no

 processo educativo deve ser consciente e deliberada, com o propósito de desencadear no

aluno, através de situações de aprendizagem, o desenvolvimento de toda a sua potencialidade.

Para o autor, Feuerstein, ao discorrer sobre o que considera importante no processo

educativo, aponta elementos enfatizados pela concepção de desenvolvimento sócio-histórica

ao mesmo tempo em que defende alguns pontos apresentados por Piaget.

Para Da Ros (1999), Feuerstein mostra que a interação dos homens com a realidade

física e social deve ser mediada pela ação humana. Usa o exemplo da alimentação, onde a

comida passa a ser fator humanizante, uma vez que lavar as mãos, preparar o prato, sentar-se

à mesa com os demais, não significam apenas sobrevivência, mas a existência de um

elemento transcendente onde a realidade física e social é apreendida através das relações

sociais que engendram diferentes significações.

Segundo Goulart (2000), Feuerstein alerta que não é qualquer interação que resulta

numa experiência de aprendizagem mediada. Para que a experiência alcance seu objetivo é

 preciso levar em conta algumas características básicas que devem permeá-las. Além da

intencionalidade, já contada como fundamental no estabelecimento das mediações,

Feuerstein indica outros critérios que podem auxiliar no processo de mediação.

Procuraremos apontar o papel de cada um desses critérios no interior do processo de

modificabilidade.

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• CRITÉRIOS DE MEDIAÇÃO 

Intencionalidade e reciprocidade

Segundo Da Ros (1997), para Feuerstein, intencionalidade e reciprocidade são

condições imprescindíveis para que ocorra aprendizagem ou uma interação com resultados

mais duradouros. É necessário que o professor tenha a intenção de ensinar, clareza do que e a

quem pretende atingir. A ele compete o agir sistemático sobre os estímulos, filtrando-os,

moldando-os, repetindo-os, reforçando-os, caracterizando-os ou ainda eliminando-os

conforme as necessidades introduzidas ou desencadeadas uma vez que na aprendizagem

mediada os estímulos não existem por eles mesmos. Para Fonseca (1995), os estímulos

devem estar relacionados com o espaço, ou seja, a intensidade, a ordem, a freqüência, o

contexto e a qualidade dos outros estímulos que os antecedem ou os que seguem acima de

tudo, repletos de significação. Ao mesmo tempo, aquele que será mediado, precisa estar

motivado e desejar participar ativamente do processo. Os três elementos que devem estar

 presentes e interagir na intencionalidade e reciprocidade são: mediador (que deve focalizaro estímulo através de diferentes linguagens), o mediado (que deve ter sua atenção, nível de

interesse e disponibilidade voltados para o objeto de aprendizagem) e o estímulo (que pode

variar na amplitude, repetição e modalidade).

A função do mediador não é apenas a de levar a criança a perceber e registrar os

estímulos, mas determinar certas mudanças na maneira de processar e utilizar a informação.

Ao deixar claros seus objetivos ao sujeito, o mediador o incita a compartilhar dos seus propósitos nesse processo mútuo que redunda em conhecimento e enriquecimento para

ambos. Focalizar e ampliar o objeto ou um determinado estímulo mobilizando a atenção do

sujeito é uma forma de manifestação da intencionalidade do mediador perante o processo de

aprendizagem. Neste sentido recorremos a Vygotsky (1984) que salienta também a

importância da atenção:

Dentre as grandes funções da estrutura psicológica que embasa o uso de

instrumentos, o primeiro lugar deve ser dado à atenção. Vários estudiosos acomeçar por Kohler, notaram que a capacidade ou incapacidade de focalizar a própria atenção é um determinante essencial do sucesso ou não de qualqueroperação prática (...) Com o auxílio da função indicativa das palavras a criança

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começa a dominar sua atenção, criando centros estruturais novos, dentro dasituação percebida... além de reorganizar o campo viso espacial, a criança com oauxílio da fala cria um campo temporal que lhe é tão perceptivo e real quanto ovisual. A criança que fala tem, dessa forma, a capacidade de dirigir sua atenção deuma maneira dinâmica (Vygotsky, 1984:40). 

Em qualquer atividade é importante ter como objetivos mínimos: reconhecer os dados,

definir o objetivo ou o problema, estabelecer estratégias para atingir o objetivo ou solucionar

o problema, avaliar as melhores estratégias, verificar se o objetivo foi alcançado ou se o

 problema foi solucionado.

Transcendência

Segundo Sanchez (1985), o mediador deve ter a preocupação em atender não apenas

a necessidades imediatas mas a metas mais amplas. A aprendizagem de uma série de

dispositivos verbais, por exemplo, devem auxiliar não só na resolução de uma situação

momentânea, mas servir para outras situações de aprendizagem e da vida cotidiana. Isto

significa que a criança deve ser levada a uma conduta de estruturação para que no futuro

 possa utilizar os conhecimentos já adquiridos. Transcendência implica em que a criança

aprenda a buscar significados, para isto deverá relacionar uma série de atividades anteriores,construir estratégias a serem utilizadas em situações novas, descartar a informação supérflua

utilizando apenas o essencial e básico para a solução de um problema. Assim,

gradativamente, irá alcançando um certo nível de generalização das informações recebidas,

estabelecendo, portanto, regras e princípios. A aquisição de determinadas habilidades e

operações mentais através do PEI permitem ao indivíduo a aplicação e a generalização

dessas habilidades e pré-requisitos a outras áreas de conhecimento e situações de vida real.

Significação

É importante que as situações de aprendizagem sejam relevantes e interessantes para

os sujeitos. O significado cria uma nova dimensão para o ato de aprender, levando a um

envolvimento ativo e emocional no desenvolvimento da tarefa. Mais do que tudo é preciso

que a criança ou o adolescente aprenda a buscar significado naquilo que faz. Para isto são

necessários três requisitos:

• despertar o interesse pela tarefa em si;

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• discutir com o educando sobre a importância de tal tarefa;

• explicar a finalidade estabelecida para com as atividades propostas e com

aplicação das mesmas.

De acordo com Ausubel (1980), a aprendizagem significativa se distancia da

automática na medida em que esta se relaciona aos processos cognitivos de forma arbitrária,

não resultando da aquisição de novos significados. A essência do processo de aprendizagem

significativa corresponde à relação estabelecida entre as idéias expressas simbolicamente e

as informações previamente adquiridas pelo aluno. Esse tipo de aprendizagem, oposta à

aprendizagem mecânica, ocorre quando o ato de aprender implica em relacionar uma nova

informação a outras com as quais o educando já está familiarizado e utiliza uma estratégia

 para alcançar esse objetivo. Nessa relação as idéias são interligadas a algum aspecto

relevante existente na estrutura cognitiva do aluno, seja uma imagem, em símbolo, um

conceito ou uma proposição. Para esse autor:

Uma vez que os significados iniciais são estabelecidos por signos ou símbolos deconceitos no processo de formação de conceito, uma nova aprendizagemsignificativa dará origem a significados adicionais aos signos ou símbolos e

 permitirá a obtenção de novas relações entre os conceitos anteriores adquiridos(Ausubel, 1980:38-9).

Portanto, a aprendizagem significativa envolve a aquisição de novos significados que,

 por sua vez, são decorrentes dessa aprendizagem. Esta mesma aprendizagem pressupõe que o

aluno apresente uma disposição para relacionar o novo material à sua estrutura cognitiva. Tal

material deve ser potencialmente significativo e possível de ser incorporado à sua estrutura de

conhecimento. Desta forma, Ausubel afirma que independentemente de ser ou não

 potencialmente significativo um dado material, se o aluno preocupa-se apenas em memorizá-

lo de forma arbitrária e literal, tanto o processo de aprendizagem como o seu resultado serão

automáticos, isto é, mecânicos. Ao mesmo tempo, se a tarefa da aprendizagem não for

 potencialmente significativa isto é, possível de ser incorporada à estrutura cognitiva do

educando através de uma relação não arbitrária e substantiva, nem o processo nem o produto

da aprendizagem serão significativos (op. cit. p.34). A memorização automatizada de

conceitos ou de uma poesia sem a compreensão do significado das palavras é um exemplo

desse tipo de aprendizagem.

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  Como Ausubel (1980), Feuerstein atribui muita importância ao significado na

aprendizagem. Ao criar o instrumento de Organização de Pontos, por exemplo, as figuras

geométricas já conhecidas pelos alunos auxiliam na ampliação do repertório dos mesmos,

levando-os, através das experiências de aprendizagem mediadas, a estabelecer outros elos

com a realidade, proporcionando a ampliação de novas relações e informações, contribuindo

 para a ampliação de seus conceitos e possibilitando a generalização: alguns princípios podem

ser levantados pelos alunos a partir da experiência de sala de aula. Por exemplo, da mesma

forma que para achar as figuras numa nuvem de pontos preciso planejar minha ação, para

realizar um passeio, se fizer o mesmo, não terei surpresas desagradáveis, ou ainda, o passeio

 poderá ser melhor aproveitado.

Também Sanchez (1989) se posiciona sobre esta questão alertando que aprendizagem

significativa é uma meta-aprendizagem, uma vez que ajuda o indivíduo a entender e

representar o processo mediante o qual se produz o conhecimento, (aprender a aprender), e

cita Bruner (1972) para reforçar esse posicionamento:

... o domínio cognitivo é recompensador especialmente quando o aprendizreconhece o poder cumulativo e quando se apercebe de que aprender algo lhe

 permite passar a um desempenho que estava fora de seu alcance e prosseguir atéconseguir uma perfeição possível (Bruner, apud Sanchez p.38).

Sentimento de competência

O sentimento de competência está diretamente relacionado à motivação, na medida em

que esta é fundamental para que ocorra aprendizagem. Muitas vezes a criança deixa de

aprender ou evidenciar sua potencialidade justamente por não acreditar em si mesma ou porque é subestimada. Geralmente os sujeitos que precisamente mostram uma falta de

competência (geralmente os privados culturais, deficientes mentais, crianças com problemas

de aprendizagem) possuem um baixo auto-conceito e se crêem incapazes de qualquer tarefa

que exija um certo esforço (Sanchez, 1989).

Em função do acima exposto, é preciso considerarmos a importância da atuação do

 professor na organização de tarefas que estejam adequadas à capacidade do sujeito, possibilitando-lhe alcançar sucesso nos esforços empreendidos. No âmbito da sala de aula,

isto significa o cuidado do professor em preparar e selecionar atividades, assim como produzir

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materiais adequados ao interesse, à idade e à capacidade do educando. Da mesma forma,

observar a divisão de conteúdos em pequenas unidades didáticas, além da adição de pistas

relevantes e processos de ensino adequados. Em determinadas situações, uma tarefa que

garanta o sucesso da criança e traga em seguida alguns desafios que possam ser superados,

 provavelmente auxiliará no fortalecimento do sentimento de competência do aprendiz. As

 pistas contidas nas atividades ou algumas estratégias sugeridas pelo mediador podem

 possibilitar ao sujeito enfrentar as dificuldades com maior segurança.

Regulação e controle do comportamento

Segundo Sanchez (1989), para Feuerstein a regulação do comportamento está

condicionada à habilidade do professor em mostrar ao aluno a necessidade de adequar seu

comportamento em função das dificuldades da relação que se estabeleça com o objeto, se o

deve fazer lenta ou rapidamente. Regulação e planificação são condutas opostas à

impulsividade, isto é, àquela atitude em que o indivíduo emite qualquer tipo de resposta sem

haver refletido antes. Nesse sentido, o que se espera alcançar através da aplicação dos

diferentes instrumentos é levar o educando ao pensamento reflexivo. Cabe ao mediador ter

sempre em mente seu compromisso em ensinar aos alunos o que  fazer, quando, como  eporque fazê-lo. Todos os processos metacognitivos ajudam o indivíduo a interar-se de seus

 próprios conhecimentos uma vez que lhes possibilitam chegar à transcendência e ao

significado da aprendizagem. Ao mesmo tempo, é importante que o indivíduo entenda

também a necessidade de controlar suas emoções perante as diversas situações que enfrenta

no dia a dia.

Compartilhar comportamentos

Segundo Beyer (1996) compartilhar comportamentos, refere-se principalmente à

interação professor-aluno e aluno-aluno. A mediação proposta por Feuerstein estimula o

relacionamento e a socialização das crianças, possibilitando a oportunidade de criarem

experiências comuns, ao mesmo tempo em que constroem conhecimento, uma vez que

estabelecem relações entre sujeito e objeto de conhecimento.

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  Planificação e sistematização de objetivos

Para Beyer (1996), essa conduta a ser cultivada nos alunos solicita, tanto quanto as

demais, os processos superiores do pensamento, que vão além das respostas imediatas. A

EAM (Experiência de Aprendizagem Mediada) é uma das alternativas para se levar os

indivíduos a direcionarem sua atenção na busca da efetivação de suas metas futuras, a curto e

a longo prazo. É papel do mediador estimular os educandos a estabelecer metas individuais e

a se empenhar em alcançá-las incentivando com isso a perseverança, paciência e empenho na

consecução de seus objetivos. Favorecer a formação de hábitos de estudo e auxiliar na

discriminação e diferenciação de metas reais e fictícias pode ser outra contribuição da

mediação, no sentido de levar à busca da planificação e sucesso dos objetivos estabelecidos,

exigindo processos e mecanismos de auto-regulação e auto correção da conduta.

Procura do novo e da complexidade

Segundo Beyer (1996) é muito importante que o professor conduza o educando a

 buscar o que há de diferente na tarefa em relação às anteriores. A novidade muitas vezes pode

implicar num maior grau de complexidade. Nesse sentido, esse tipo de atividade estimula acuriosidade intelectual, a originalidade, a criatividade e o pensamento divergente. Cria-se a

necessidade de planejar suas próprias atividades e experiências e de submetê-las à discussão

com seus companheiros. O autor afirma que a novidade é algo que deve ser aprendido e a

complexidade é algo com que devemos aprender a lidar.

Conhecimento da modificabilidade e da mudança

Para Feuerstein (1980), através da auto-avaliação é possível auxiliar o aluno na

 percepção de que é capaz de produzir e processar informações e tomar conhecimento de seu

 potencial e de suas dificuldades, passando a ter consciência do que deve ser modificado. A

 partir daí, a organização de seus processos cognitivos desencadeando mecanismos de

interiorização, autocontrole e regulação passarão a ser exercida por ele mesmo. Da Ros (1997)

aponta a eficácia da proposição de situações que levem a criança a identificar diferentes

 possibilidades para resolver a mesma tarefa. A tarefa torna-se interessante e a criança ficamais motivada quando nas situações de aprendizagem conta com o auxílio de outro para

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descobrir pistas para a resolução do problema. O educando, dessa forma, além de controlar

sua impulsividade aprende a trabalhar com a organização e sistematização, assim como a

estabelecer relações não lineares com o objeto de conhecimento. Para Feuerstein, o ser

humano deve ser compreendido como um complexo dialético que, em função da plasticidade

funcional de sua capacidade mental e do processo de interação como outro, está em constante

 busca do desenvolvimento das funções cognitivas.

 Neste capítulo, inspirados nos princípios do materialismo histórico-dialético e

 buscando atender às necessidades da opção metodológica, procuramos a historicidade dos

fenômenos, a interação bem como a transformação das idéias, assim como percorremos a

trajetória pessoal de Feuerstein, situando-o histórica e geograficamente. Explicitamos, ainda,os contextos social e político em que viveu e construiu a sua obra, apresentando também seus

fundamentos teórico-metodológicos, sua inspiração filosófica, assim como a mediação, o

entendimento de experiência de aprendizagem mediada, os pressupostos do PEI (Programa de

Enriquecimento Instrumental), a avaliação dinâmica do potencial (LPAD), o conceito de

mediador e os critérios estabelecidos por Feuerstein como sendo imprescindíveis na ação

mediadora. Vale ressaltar que os dados foram coletados procurando revelar o

desenvolvimento e o movimento do conceito de mediação e sua extensão, bem como procurando apreender as conexões internas da mediação na obra de Feuerstein e de seus

estudiosos.

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CAPÍTULO 4 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

“Estabelecer ligações entre novo e conhecido, umateia viva, nenhum conceito é para sempre.

Os fios que constroem um conceito num momento, nãoé o mesmo no outro, está sempre em evolução.”

 Nilson José Machado

De acordo com Machado (2002), o processo de produção de conhecimento se dá a

 partir de um movimento de verticalidade e profundidade dos elementos que constituem o

conhecimento. Assim, as etapas que precedem o ‘status’ de conhecimento propriamente dito

são: os dados e as informações. Esta noção torna-se importante por retratar a importância do

aspecto dinâmico que caracteriza a construção de conhecimento. O dado isolado e

fragmentado não adquire funcionalidade na construção de conhecimento, mas a partir da

intenção de associá-lo a outros dados, contextos e conceitos, os dados têm o seu mérito

reconhecido e a partir disso convertem-se em informações que, articuladas a outros contextos

e conceitos mais amplos, convertem-se em conhecimento.

 Nesta parte do estudo, apresentaremos os dados obtidos e a sua conversão eminformações para o andamento e continuidade do presente trabalho. Importante ressaltar que

os parâmetros que nortearão tal conversão são os advindos da concepção de Lefèbvre (1975),

ou seja, a perspectiva dialética da abordagem do conhecimento, fazendo jus à dimensão

conceitual desta pesquisa, e as categorias de Gamboa (1987), que permitem abordar e

organizar os dados e as informações em categorias que procuram revelar a essência do objeto.

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4.1. DADOS OBTIDOS

Apresentamos abaixo os dados obtidos que na seqüência serão analisados. As

temáticas elencadas foram enumeradas a partir das referências teórico-metodológicas de

Lefèbvre e Gamboa, conforme já explicitamos.

De acordo com Gamboa as categorias para análise das produções estão dispostas em

cinco grupos, a saber: contexto histórico, filiação metodológica e filosófica, pressupostosontológicos, pressupostos lógico gnoseológicos e concepção teórica. Assim, em cada grupo

ressaltamos os elementos que organizarão os dados obtidos.

4.1.1. Contexto histórico

A- Vida e Família

Vygotsky 

Nascimento

•  Nasceu em 5 de novembro de 1896 na

cidade de Orsha (Bielo Rússia na época),

mudou-se para Gomel, reduto judaico. O

segundo de 8 filhos.

Pai

• Seu pai – chefe de departamento do Banco

Central de Gomel e representante de

Companhia de Seguros. Homem sério e

Feuerstein

•  Nasceu em 21 de agosto de 1921 nacidade de Bucareste (Romênia), mudou-

se para Israel em 1944, terra judaica. O

quinto de 8 filhos.

• Seu pai – erudito em estudos judaicos,

chefe de culto e rabino. Avô paterno,religioso, músico e pintor. Avô materno,

escriba de er aminhos do Torá.

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inteligente, mas irônico. Influenciou a

abertura da Biblioteca Pública.

Mãe

• Sua mãe – muito culta (como o pai),

 preocupada com a cultura e com a leitura.

Falava vários idiomas, apaixonada por

 poesia, dedicada a ler e ao lar.

Ambiente familiar

• Cresceu num ambiente intelectualizado.Com a mãe aprendeu alemão e o gosto

 pela poesia. Influência do primo e da irmã.

Conhecia latim, grego e lia hebraico,

francês e inglês.

Escolaridade

•  Na Rússia Czarista, o anti-semitismo

negava aos judeus o acesso às escolas. A

solução era a contratação de um tutor pela

família. Os tutores lidavam somente com

alunos tidos como bem dotados e

escriba de pergaminhos do Torá.

• Sua mãe – com sua mãe e seus irmãos,

 partilhava o que aprendiam e liam na

semana, reconstruindo experiências.

• Cresceu neste ambiente familiar de

cultura partilhada e mediada pela mãe

nas conversas ao redor da mesa da

cozinha. Aprendeu francês, inglês e

alemão.

Leituras de textos sacros e livros de preces com comentários e legendas por

influência do clima social onde nasceu.

• Uma de suas irmãs tornou-se líder

comunista e um de seus irmãos tornou-se

um grande didata. Escreveu com seu

outro irmão um livro, cuja prática se

compara à mediação ao nível bíblico.Feuerstein se diz fruto e produto de uma

realidade, pensamento e modalidade de

relacionar-se com a cultura.

• Teve oportunidade de freqüentar escola,

onde era chamado a ajudar os colegas

com dificuldades para ler e compreender

a língua escrita.

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formados, com possibilidades de

desenvolver seus potenciais.

• Em 1913, estudou por 2 anos num colégio

 judeu privado, em Gomel, fez bacharelado

e graduou-se com medalha de ouro, mas

isso não o poupou do preconceito anti-

semita e ao acesso à universidade.

Primeiras experiências

• Aos 15 anos discutia a questão das

minorias étnicas e de nacionalidade com os

companheiros. Teve tutores e foi tutor.

Graduação

• Vygotsky estudou medicina por

influência dos pais, entrando por sorteio

na Universidade de Moscou. Após

estudar por apenas um mês transferiu-se

 para o curso de direito. Médicos e

advogados eram as únicas profissões

 permitidas aos judeus nos governos

czaristas.

• Paralelamente ao curso de direito,

estudou filosofia e história, cursos livres e

sem diploma, devido à não autorização e

reconhecimento da Universidade Popular

de Shanyavskii. 

• Em 1917 Vygotsky graduou-se em

Direito.

Interesses

• Com 3 anos de idade começou a ler, aos

7 ensina um jovem de 15 anos a ler e aos

9 anos ensinou um homem de 60 anos a

ler a Bíblia. Foi tutor.

Estudou Psicologia e Pedagogia emBucareste e em 1952, em Genebra, tendo

trabalhado com Piaget e Rey.

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• Palestrava sobre História dos Judeus e,

 por isso, estudou Filosofia e História.

• Sempre se interessou por teatro,

literatura, línguas, lingüística e filosofia,

além de história e, por fim, psicologia. 

• Interessou-se por modelos de mediação

estimulado pelas experiências que teve

em sua família com irmãos e a mãe, que

cuidava de crianças órfãs.

Saúde

• A partir de 1920 começou a ter

 problemas de saúde: tuberculose, que

durante os próximos 14 anos o obrigaram

a tratamentos, internações e repouso,

colocando em risco sua vida. 

Casamento

• Em 1924 casou-se com Rosa Smekhova,

com ela teve 2 filhos. Rosa foi uma

 presença importante e apoio na

dificuldade. 

Publicações

• De 1924 a 1934 foram anos de produção

intensa, onde se envolveu em inúmeros

 projetos e atingiu quase 200 publicações. 

• O interesse por Literatura e Arte

 provocou a fundação da revista Veresk.

Produziu sua obra “Psicologia da Arte”,

em 1925, a partir de outro trabalho

anterior, “A tragédia de Hamlet”, de

1916.

• Teve tuberculose em 1949 e por 7 meses

fez tratamentos na Suíça.

• Está casado com Berta Guggenheim, tem

4 filhos e todos residem em Jerusalém.

• Em dezembro de 1988 teve um neto com

síndrome de Down e ensinou-o.

• Em toda sua trajetória Feuerstein já

 publicou uma série de livros, mais de 80

artigos em revistas e capítulos de livros e

monografias.

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Repercussões de suas obras

•  Nas últimas décadas as obras de

Vygotsky influenciaram o processo pedagógico de muitas escolas no Brasil e

no mundo.

• O Ocidente passou a conhecer Vygotsky a

 partir das traduções para as línguas

inglesa e espanhola, sobretudo nos anos

60 do século XX.

• A vertente européia da abordagem

vygotskiana nos processos educativos é

identificada em trabalhos como os do

Departamento de Didática da Língua da

Universidade de Genebra (Suíça),

destacando-se, entre outras, as pesquisas

de Schenewly e Dolsz. Na Espanha,

César Coll, Miguel Zaballa, Juan Ignácio

Pozo, Sacristán e Isabel Sollé são bons

exemplos dessa abordagem.

•  No Brasil alguns pesquisadores de

fundamentação vygotskiana merecem

destaque, a saber: Tereza Cristina Rego;

Claudia Davis; Marta Kohl Oliveira;

Izilda Palangana; Angel Pino; Góes;

Smolka; Roxane Rojo; Molon; entre

outros. Os objetos de estudo desses

 pesquisadores orbitam em questões

referentes à linguagem, ao papel do

 professor, à constituição da identidade e

da subjetividade.

• Grandes empresas e muitos países já

adotaram seus cursos e programas para

aumentar a produção ou a aprendizagem

e o desenvolvimento.

• O PEI impulsionou alguns estudiosos

em Psicopedagogia a se debruçarem

sobre as questões referentes ao papel

mediador (bem como à qualidade damediação) do professor.

•  Nesta perspectiva, citamos Hugo Otto

Beyer (Alemanha), Victor da Fonseca

(Portugal), Cristiano Gomes (Brasil),

além de inúmeros trabalhos acadêmicos

acerca de Feuerstein, como, porexemplo, Goulart (Brasil).

• Recentemente o pensamento de

Feuerstein passou a se tornar mais

conhecido por educadores brasileiros,

contribuindo em certa medida com o

 processo pedagógico de muitas escolas

em várias partes do Brasil.

• Um exemplo disso é o fato da Bahia ter

adotado o programa de Feuerstein em

suas mais de 500 escolas, que em 3 anos

terá sido ensinado a mais de 600 mil

alunos (não deficientes).

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Morte

Em 2/6/1934 foi internado comhemorragia, vindo a falecer dia 11/6/1934

com 38 anos de idade. Foi enterrado em

Moscou. 

alunos (não deficientes).

B - O Percurso Profissional

Vygotsky 

Docência

• Por 7 anos trabalhou como professor de

Literatura e Psicologia na Escola de

Magistério, com seu ex-tutor David

Vigodsky.

• Ministrou várias conferências que em

1926 resultaram no livro “Psicologia e

Pedagogia”.

• Em 1918 realizou conferências de

Literatura e Ciências, além de cursos de

Estética e História da Arte num

conservatório.

• De 1925 a 1934 foi professor em Moscou

e Leningrado. Também liderou um grupo

de jovens cientistas cujo objetivo das

 pesquisas em diferentes áreas da

 psicologia orientadas para análisehistórico-crítico na Rússia e no mundo,

Feuerstein

• Desde 1970 é professor na Escola de

Educação em Israel e nos EUA.

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 propondo um novo modelo para explicar

os processos psicológicos humanos.

Estudos e Pesquisas

• O interesse por Psicologia levou-o a

aproximar-se da pedagogia e seu aporte,

 bem como pelo seu lado teórico e

ideológico.

• Realizou em Gomel os primeiros

trabalhos de Pedagogia e Didática, com publicações de artigos, comentários e

observações de caráter pedagógico.

Trabalho institucional

• Fundou o Laboratório de Psicologia da

Escola de Magistério de Gomel.

• Em 1924, por convite de Alexandre Luria

do Instituto de Psicologia de Moscou,

 passou a atuar junto ao Instituto fundado

 por Luria.

•  Nesta época dirigiu o departamento de

educação especial para deficientes físicos

e mentais e passou a ministrar cursos na

Academia de Educação Comunista da

Universidade Estadual de Moscou.

Influências

• Os ideais da Revolução Russa de 1917

influenciaram Vygotsky bem como a

 população e as ciências provocando

• Em 1970 concluiu a tese de doutorado na

Universidade de Sorboune / Paris em

Psicologia do Desenvolvimento sobre as

diferenças do funcionamento cognitivo

nos diferentes grupos sociais e étnicos,

sua natureza, etiologia e prognósticos de

modificabilidade.

• Desenvolve o LPAD e o PEI.

• Em 1965 tornou-se diretor do Hadassah-

Wiso-Canada Research Institute. Hoje é

diretor do Internacional Center for the

Enchancement of Learning Potencial,fundado em 1993.

• Do final dos anos 40 até 1983, quando se

aposentou, dirigiu o Serviço Psicológico

do Departamento de Youth Aliyás,

instituição dedicada acolher e integrar

crianças judias que chegam a Israel,

especialmente no pós-guerra e doholocausto.

• Ausubel, Aebli, Anastasy, Campbell,

Luria e Vygotsky constam da bibliografia

de sua tese que tem caráter sociológico e pedagógico.

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 população e as ciências provocando

mudanças significativas.

• Suas idéias foram influenciadas, pelas

leituras de poetas, escritores e filósofos,

entre eles Espinosa, James, Freud, Marx,

Engels, Hegel e Pavlov.

Início da autoria

• Foi com a experiência com educação

especial que Vygotsky passou a seinteressar sistematicamente pela

 psicologia.

• A partir da experiência no Serviço

Psicológico do Departamento de Youth

Aliyás, atuando com os marroquinosanalfabetos, que nos anos 50 emigraram

 para Israel, que Feuerstein começou a dar

forma à sua proposta educacional de

EAM, PEI e LPAD.

C – Contextualização espaço-temporal e aspectos sociais

Vygotsky 

Guerra

• Viveu o tempo da I Guerra Mundial, pós-guerra e da Revolução Russa. Um

 período de transformações sociais,

culturais e políticas na história da

humanidade. 

Organização sócio-política

• Antes da Revolução, o cenário da Rússia

Feuerstein

• Viveu o tempo do chamado período deEntre Guerras, a II Guerra Mundial e o

 pós-guerra. Um período que trazia em seu

conjunto a dimensão de um mundo em

 plena guerra e suas barbáries, como o

Holocausto, por exemplo.

• Em 1947, a ONU, organismo

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Política e Poder

• Constituição dos sovietes: classe social

representada pelos setores excluídos do poder político – militares, trabalhadores

rurais e urbanos.

• Operários, camponeses e militares

criaram os bolcheviques (minoria) que

em outubro de 1917, em luta com os

mencheviques (maioria) na disputa pelo

 poder, vencem e assumem o governo. 

• Criou-se então o URSS, a União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas, sob a

liderança de Lênin até 1922 e depois do

ditador Josef Stalin. 

• Com Stalin houve a centralização do

 poder em torno do Estado e a perda das

garantias e liberdades individuais, um

 período de terror ao povo soviético. Foi

uma época de censura, expulsões,

condenações, proibições e mortes. 

Ideologia oficial

• A Revolução Russa significou a chegada

ao poder, em 1917, das idéias de KarlMarx e de Friedrich Engels. 

• O representante oficial que legitimava a

realização da ideologia era o Partido

Comunista, representante legítimo da

“Ditadura do Proletariado”, a que se

referiram Marx e Engels. 

• O principal destaque político de Israel

refere-se à constituição do Estado

 Nacional e a instalação do sistema

 parlamentarista (em que há um primeiro-

ministro como representante do povo).

• Essa condição deflagrou sucessivos

confrontos seja de natureza étnico-

religiosa (árabes e palestinos), seja de

natureza territorial (Líbano, Jordânia,

Cisjordânia).

• Pelo fato de ter um território, o povo se

fortaleceu em Israel e as tradições tinhamagora um lugar legítimo para

manifestarem-se, ou seja, passaram a

configurar uma nação com território

(Estado-Nação), mesmo enfrentando

dificuldades de convivência.

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Ciências e Vygotsky nesta conjuntura

• As obras de Vygotsky foram proibidas

 por darem importância social àconstituição do indivíduo, dando força e

 poder à coletividade. 

• Foi nesse contexto, em que a ciência

 passou a ser instrumento a serviço dos

ideais revolucionários, que Vygotsky se

empenhou em construir uma Psicologia

que estivesse sintonizada com os ideais

do poder e atenta aos problemas sociais e

econômicos do povo soviético. 

Ciências e Feuerstein nesta conjuntura

• Para as populações em Israel exigia-se

uma transformação na maneira de ver omundo, exigia uma aprendizagem que

contemplasse a aceitação do outro para

uma coexistência e sociedade pacífica.

• Etíopes que antes viviam pobres e em

situações primitivas de vida, ao

imigrarem para Israel logo se

organizavam no novo modo de vida

apropriando-se de questões culturais mais

complexas. Isso intrigava Feuerstein.

•  Nesse contexto, Feuerstein buscou

resposta a questionamentos em relação à

aprendizagem e como ocorriam os

diferentes processos de transformação do

conhecimento sob as circunstâncias de

 privação cultural dos sujeitos envolvidos

em seu trabalho.

4.1.2 Filiação metodológica e filosófica – a partir da leitura das obras de

Vygotsky e Feuerstein

A - Base Teórico-Metodológica

Vygotsky 

Objeto de Estudo• Realizou estudos sobre as concepções

Feuerstein

• Estudou a possibilidade de

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teórico-metotológica da época que a

 psicologia possuía como meio de explicar

os fenômenos.

• Estudou como se constituem as funções

 psicológicas superiores.

Objetivos

• Buscava a sistematização de uma nova

abordagem do processo de

desenvolvimento que desse conta das

funções cognitivas complexas do sujeito

contextualizado e histórico.

Estudar o comportamento historicamente para investigar sua dinâmica de

transformação.

• O método analítico experimental era o

que norteava seu trabalho de estudos

sobre a influência da natureza sobre o

homem e da ação deste sobre ela, criando

novas condições de existência pelamudança.

Concepção de cérebro

• Concebeu o cérebro como órgão

civilizacional que possibilita um processo

de mudança estrutural (bioquímico e

modificabilidade do ser humano, partindo

de uma concepção calcada na fé.

• Estudou as defasagens das crianças

imigradas após a guerra.

• Estudou possíveis instrumentos para

avaliação e intervenção (LPAD e PEI).

• Estudou a formação do mediador que

aplicaria esses instrumentos.

• Buscava estudar a mediação do ser

humano e as interações com os estímulos

 para favorecer-se delas.

• Propõe a modificabilidade pelas

interações mediadoras do

desenvolvimento humano, opondo-se aosque atribuíam deficiências e fracassos

escolares às condições de classes sociais e

minorias étnicas.

• Propõe que o processo de mudança

estrutural, provocado pela mediatização

cultural, opera o fenômeno

transgeracional onde atuam omediatizador e o mediatizado.

• Feuerstein não coloca o cérebro como

órgão estático ou produto final que não se

 pode mudar, mas o cérebro como órgão

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  139

neuro-funcional) provocado pela

mediação cultural onde se opera um

fenômeno transgeracional em que

 participam dois sujeitos que interatuam

intencionalmente: o mediador e o

mediado.

Concepção de interação

• Interação significa ação partilhada e

conjunta que pressupõe a presença

imediata do outro, embora isso não dê

conta das relações constitutivas do sujeito,

uma vez que as relações sociais são

múltiplas e contraditórias.

• A interação é a ação de um e a ação de

outro, sujeito-sujeito, sujeito-objeto, mas o

ser humano não acontece somente na

ação em resposta à outra ação, não existe

só ação direta de um sobre o outro. Arelação do sujeito com o outro sujeito é

mediada por um terceiro elemento que é o

elemento semiótico.

• A linguagem destaca-se como uma

referência essencial, pois é entendida porVygotsky como um elemento central no

civilizacional onde se operam as funções

cognitivas de input (recepção-

capacitação); de integração–elaboração

(processamento, retenção e planificação) e

de output (expressão e regulação). Um

órgão dinâmico e produtor de

modificabilidade.

• O processo interativo em que as reações

naturais, herdadas biologicamente,

entrelaçam-se aos processos culturais

organizados, efetivando-se em modos de

 pensar e agir caracteristicamente

humanos, uma vez que o ser humano nãonasce num mundo natural e sim num

mundo humano.

• A interação dos homens com a realidade

física e social deve ser mediada pela ação

humana. A interação é, então, processo. A

criança inicia a sua vida num mundo

cercada por objetos e fenômenos criados pelos homens em suas diversas gerações

e, na medida em que se relaciona

socialmente e participa das atividades

culturais, vai se apropriando e dando

novos significados a estes elementos.

• A intervenção do mediatizador modifica

estruturalmente o mediatizado pelo efeitode condições de atenção, percepção,

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desenvolvimento do pensamento e

também na evolução histórica da

consciência como um todo.

• A concepção de organismo para

Vygotsky assenta-se na idéia da contínua

interação entre as condições sociais

mutáveis e a base biológica do

comportamento humano. A maturação

determina as estruturas orgânicas, das

quais formam-se novas e complexas

funções mentais, favorecendo o

desenvolvimento. Os fatores biológicos

sobressaem no início da vida. As

experiências sociais a que as crianças se

acham expostas, orientadas pelas

interações com outras pessoas mais

experientes, vão determinando o

desenvolvimento do pensamento e docomportamento da criança.

Instrumentos de mediação

•  Na infância, o uso de instrumentos e afala humana são linguagens culturais de

desenvolvimento do comportamento

humano.

• Os instrumentos são entendidos como

elementos externos ao indivíduo cuja

função é provocar mudanças nos objetos e

controlar processos da natureza.• São instrumentos de mediação tanto os

focagem e seleção.

• Os estímulos do mundo exterior sofrem a

intervenção ou interferência humana,

transformando-os, adaptando-os ou

filtrando-os, que é a mediação.

• A linguagem se constitui como recurso

de estimulação e de investigação do

desenvolvimento cognitivo.

• A própria mãe, desde o início da vida,

age como mediatizadora em sua relação

com a criança. A mãe intervém

modificando as relações entre o estímuloe a criança, afetando a sensibilidade do

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elementos da cultura material quanto da

não-material, carregados de sentido e

significado e, por isso, medeiam a relação

do homem com o mundo pelo próprio

mundo do homem.

• Os signos, denominados por Vygotsky de

“instrumentos psicológicos”, são

orientados para o próprio sujeito,

dirigidos para o controle das suas ações

 psicológicas, seja do próprio indivíduo,

seja de outras pessoas.

Método

• Desejava estruturar o método a partir da

abordagem dialético-materialista para a

compreensão do comportamento e

desenvolvimento histórico geral do ser

humano. A proposta metodológica ou

“método funcional da dupla estimulação”

 possui o processo e o produto como

variáveis fundamentais.

filho, desenvolvendo nele disposições

 para atender de forma mais humanizadora

aos estímulos a que está exposto. Ao

longo da vida, outras pessoas podem

assumir esta condição, desde que tenha a

intenção e esteja atenta aos critérios que

cabem ao papel de mediador, segundo

Feuerstein.

• O PEI, como elemento portador e

constituinte de linguagem, expressa um

recorte da realidade e configura uma

realidade paralela, simulando a realidade

objetiva.

• Apesar de seguidor e colaborador de

Piaget, afastou-se dele e de seus

fundamentos e buscou sistematizar sua

teoria de modificação inserindo o

mediador entre o sujeito e o objeto de

conhecimento.

• Ao método estímulo-organismo-resposta,

em que o organismo é exposto

diretamente aos estímulos, chamou de

experiência da aprendizagem direta; e

quando exposto às interações mediadas

de desenvolvimento, chamou de

experiência de aprendizagem mediada.

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• Vygotsky baseia-se em 3 princípios para

 postular e defender o método analítico

experimental:

Distinção entre análise de um

 processo e a análise de um objeto. O

método experimental baseado na

história do desenvolvimento das

funções psicológicas e da consciência

humana.

Refere-se à questão da explicação

versus descrição, onde estudar um

 problema é revelar sua gênese,

desvelando a dinâmica entre estímulos

ou fatores que causam o fenômeno.

Trata do problema do comportamento

fossilizado, ou seja, combate as formas

de comportamento mecânicas,

transformando-as.

Bases

• Baseado em Marx e Engels, afirma que

as mudanças históricas e materiais nasociedade modificam a natureza humana.

• Do pensamento marxista, Vygotsky

utiliza a concepção da realidade pelo

materialismo histórico e dialético,

relacionando-a com o desenvolvimento

das funções psicológicas.

• Realiza suas pesquisas a partir da imersão

na realidade das crianças com defasagens;

criação de instrumentos de avaliação e

intervenção e de um programa de

formação de mediadores; retorno à

imersão na realidade, para pesquisar a

aplicabilidade de suas criações.

• Baseado em Piaget, que afirmava ser a

interação do organismo com o estímuloque proporcionava o desenvolvimento.

• Do pensamento piagetiano, Feuerstein

utiliza a concepção do interacionismo

entre o estímulo, o organismo e a

resposta, porém mediado pela experiência

de um ser humano.

• Base na tradição judaica em que religião,

ciência e lei estão integrados pelo Torá e

Talmude.

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  143

  Talmude.

• Baseia-se na crença de que o ser humano

é um ser modificável, sem a qual

ninguém poderia ser um mediador

cultural e seria impossível compreender

sua teoria, a avaliação e a intervenção na

modificabilidade cognitiva estrutural.

B - Base Filosófica

Vygotsky 

Influências• Teve influência de Marx e Engels, bem

como Hegel e Feuerbach, no método do

materialismo histórico e dialético.

• Hegel: o pensamento e a idéia criam a

realidade. O homem como centro do

 pensamento e do real.

Feuerstein

• Feuerstein não cita em seus trabalhos

filósofos que possam constituir-se em

fundamentação para a sua obra. Assim,

 buscamos os filósofos que influenciaram

Piaget, uma vez que Feuerstein afirma ter

se inspirado nele, a saber: Kant, Husserl,

Bergson e o estruturalismo. Buscamostambém a tradição judaica, inferindo forte

influência da religião, suspeita

confirmada, por e-mail, pelo próprio

Feuerstein.

• Kant: o processo de conhecimento

implica a existência de um objeto a ser

conhecido que suscita a ação do pensamento humano e a participação de

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• Para Marx a consciência humana é o

 produto do cérebro humano, da matéria, e

o espírito é o reflexo das condições

materiais que o produzem, criticando a

concepção de Feuerbach. 

• Feuerbach afirma que o homem criou

Deus, é um antropomorfismo, onde o

homem se despersonaliza e projeta sua

imagem e atribui poderes a entidades fora

de si e criadas por ele. 

• Do materialismo de Feuerbach, Marx

retifica Hegel, substituindo o idealismo pelo realismo materialista. 

• Marx faz a passagem da dialética da

abstração à dialética da realidade. É a

superação do materialismo mecânico de

um sujeito ativo capaz de pensar, de

estabelecer relações entre os conteúdos

captados pelas impressões sensíveis, a

 partir das suas próprias condições para

conhecer, ou seja, a partir da razão. Na

 perspectiva kantiana, o processo de

conhecimento tem início na experiência.

• Kant identifica e propõe a conjugação de

duas formas para se conhecer o real: a

empírica proveniente da experiência

 prática, e a intuição lógica, pensada pela

razão pura.

• Para Kant os juízos intuídos

empiricamente e acrescidos de conceitos

 particulares, a priori, que se originam no

entendimento puro, transformam-se em

experiência, passando a ter validade

objetiva, isto é, reconhecimento

universal.

• Para Kant, a razão não se refere

imediatamente à experiência, mas sim aoentendimento dessa experiência, dando

aos múltiplos conhecimentos unidade a

 priori.

• Husserl: colocar-se, de uma vez, em

 presença do fenômeno, isto é, das “coisasmesmas”, opondo-se a qualquer análise

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  145

Feuerbach, com a proposta de um

materialismo histórico-dialético. 

• Tanto Vygotsky quanto Marx

reconhecem a importância da consciência

no planejamento, atuação e transformação

humana e social pelo trabalho. Toda ação

é uma ação intencional. 

• Para Marx: o homem é natureza, é criado

 por ela, é parte dela, submetido às suas

leis, depende dela mas não se confunde

com ela. É nesse processo interativo que

o homem se faz homem. Marx naturaliza

o homem e humaniza a natureza,

diferenciando-os. 

• O processo de transformação das

necessidades está subordinado às

condições do momento histórico. 

• Para Marx, o desenvolvimento das

faculdades humanas está relacionado ao

histórico evolutivo das necessidades e

interesses culturais, satisfeitos pela

atividade prática, como é o caso do

trabalho. 

• Vygotksy: o desenvolvimento do

que tome como ponto de partida o

dualismo entre sujeito e objeto.

• Para Husserl a relação entre o sujeito e

objeto, entre o pensamento e o ser, se

estabelece pela intencionalidade, sendo,

 portanto, uma ligação indissociável da

qual todo pesquisador deve partir quando

 pretende atingir o real.

• Para Husserl: o fenômeno (a realidade) só

se constitui como tal na consciência, pois

é ela que lhe atribui significado. Em

outras palavras, o mundo se apresenta à

consciência e esta, por sua vez, lhe dá

sentido.

• Husserl: as operações cognitivas

estruturadas permitem conhecer as

 propriedades constitutivas do sujeito,

 portanto a essência do ser estruturado.

• Para Bergson, a experiência interna, uma

vez desvencilhada dos conceitos e

construções por meio dos quais se

exprime, mostra-se em sua autenticidade

como aquilo que verdadeiramente é, ou

seja, como pura realidade.

• Bergson: para se vencer as limitações do

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 pensamento é mediado pela linguagem,

que é a consciência real prática, pois

graças à linguagem a consciência de cada

um não se limita à experiência pessoal,

mas assimila a experiência humana

construída e disponível socialmente. 

• Vygotsky busca subsídios na dialética

materialista para seu método e teoria do

desenvolvimento das funções superiores

do comportamento humano. 

• Vygotsky: apoiado na idéia de Marx de

que o que diferencia um arquiteto de uma

abelha, aranha ou formiga é que o homem

arquitetou primeiro a obra na cabeça;

fundamentou nisso a sua teoria. 

• Como para Marx, os instrumentos de

trabalho são concebidos, por Vygostky,

como mediadores pelos quais o homem

interage com a realidade para a

sobrevivência. Vygotsky postula que ossignos desempenham a mesma função no

desenvolvimento do pensamento. 

• Homem produto do meio e também

sujeito ativo num movimento que cria

esse meio.

simbolismo e atingir a intimidade do real

concreto, é necessário se utilizar uma

forma de abordagem que conjugue a

intimidade do sujeito – o “eu” profundo –

com a intimidade do objeto concreto e

singular.

• Bergson identifica conhecimento

científico com inteligência e

conhecimento filosófico com intuição,

acreditando que este último compreende e

supera o primeiro.

• Para Bergson é através da intuição que o

homem conhece a realidade. A ação (do

sujeito consciente) consiste na condição

 primeira para se conhecer.

• Para Bergson o “eu” profundo, que

consegue captar a essência do objeto, não

é um a priori transcendental, configurado

de uma forma única, pronta e acabada

desde o início. O “eu” metafísico, refere-se exclusivamente à consciência do

sujeito.

• Bergson: a consciência imediata (aquela

que o sujeito tem ao agir sobre o

ambiente) não é a mesma para todos os

objetos ou fenômenos. Cada fenômeno

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• Marx: a realidade traz em si a

contradição, pois cada afirmação tem

inerente a negação. O mundo é o choque

destes antagonismos e contrários. A teoria

materialista traz uma concepção de

natureza e da relação do homem com ela.

Homem e natureza são dois pólos de uma

totalidade. 

suscita uma percepção e uma construção

 particular. Logo, o “eu” profundo – ou

consciência intuitiva – caracteriza-se por

um processo indefinido de reconstruções.

• Estruturalismo: uma estrutura consiste

em um conjunto de elementos

relacionados, onde toda a modificação

ocorrida num elemento ou relação

modifica os outros elementos ou relações.

• A análise estruturalista privilegia o

aspecto relacional, ou seja, as relações

entre os elementos que compõe a

estrutura. A intenção é ultrapassar a

 percepção sensível e chegar a uma

episteme de fundo real. Uma estrutura

compreende os caracteres de totalidade,

de transformação e de auto-regulação.

• O pensamento de Feuerstein está

intimamente relacionado ao princípio

cultural em que está inscrito: a religião

 judaica. A configuração do pensamento

de Feuerstein está vinculada à dimensão

religiosa da explicação do mundo.

• Talmude: leis orais; a oralidade como

elemento de mediação entre o homem e

Deus; essência; abertura para a

criatividade, obra aberta em que cada

geração encontrará novos rumos.

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  • Talmude e Torá: a lei liberta o homem da

gentialidade. A lei é fonte de libertação e

não de opressão.

• Filo de Alexandria: Pressupostos do

Pensamento Judaico: Deus existe; existe

um só Deus, Deus criou o mundo e o

mundo não é eterno; Deus criou o

universo e existe um só universo; Deus

zela pelo mundo.

• A religião consegue garantir os valores

mais elevados, as normas mais

incondicionais, as motivações mais

 profundas e os ideais mais elevados. A

religião como experiência de

transcendência.

• A religião consegue, através de símbolos,

rituais, experiências e objetivos comuns,

criar uma pátria de confiança, de fé, de

esperança: uma comunidade e uma pátria

espiritual. A religião como experiência e

imagem e história.

• O judaísmo valoriza o indivíduo e afirma

a sua singularidade, revelando a dimensão

da religião radicada no indivíduo e

desenvolvida no grupo social.

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• Com base nos postulados acima citados,

Vygotsky propõe o conceito hipótese de

que as mediações constituem as funções

 psicológicas superiores, que fazem com

que o homem se constitua como tal. 

• O próprio movimento do homem em

 busca da inteligência das coisas configura

um ato religioso em que a precariedade

animalesca se transcende na direção do

divino.

• Feuerstein crê no fato de que toda pessoa

está sujeita à possibilidade de

modificação, mediado por outro ser

humano, e está em constante processo de

aprendizagem, processo este voltado à

autonomia do sujeito.

4.1.3 – Pressupostos Ontológicos – a partir da leitura das obras de Vygotsky e

Feuerstein

A – Concepção de Homem

Vygotsky 

• O ser humano como organismo ativo;

contínua interação entre as mutáveis

condições sociais e a base biológica do

comportamento humano. A partir das

estruturas orgânicas e elementares,

determinadas basicamente pelamaturação, formam-se novas e mais

Feuerstein

• O ser humano como um sistema aberto,

disponível e flexível à mudança durante

toda a sua vida, embora se reconheçam

 períodos ótimos e críticos de

desenvolvimento. O sistema aberto

envolve um intercâmbio, recebe e emiteinformação externa e interna, daí a

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complexas funções mentais, dependendo

da natureza das experiências sociais a que

as crianças se acham expostas. Os fatores

 biológicos preponderam sobre os sociais

apenas no início da vida. Aos poucos, o

desenvolvimento do pensamento e o

comportamento da criança passam a ser

orientados pelas interações que ela

estabelece com pessoas mais experientes.

• O ser humano é constituído no meio e

também cria esse meio.

• O homem interage com a realidade

objetiva por meio dos instrumentos de

trabalho e pelos signos que contribuem para o desenvolvimento do pensamento.

• Para Vygotsky as funções psicológicas

superiores constituem-se através da

mediação.

importância da qualidade dos inputs

(estímulos) e outputs (respostas), bem

como da significação das interações entre

o indivíduo e seu meio ambiente.

• Todo ser humano é modificável, um ser

em potencial capaz de adaptar-se diante

dos estímulos do mundo externo.

• O desenvolvimento se dá pelas

“experiências de aprendizagem mediada”

 por um mediador.

• Para Feuerstein as funções cognitivas

 podem ser modificadas com a mediação.

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B – Concepção de Sociedade

Vygotsky 

• Conjunto de experiências coletivas que

formam a consciência do indivíduo na

interação entre ambos através da

linguagem, dos signos e das relações

sociais. • Ambiente social onde o homem se

desenvolve, transforma e aprende. 

Feuerstein

• Meio que envolve o indivíduo e dá

significação às interações entre estímulos

e respostas como intercâmbio de

informações.

• Toda a sociedade é modificável e

também modificadora do sujeito.

C – Concepção de Mundo

Vygotsky 

• Concepção dialética de mundo: inter-

relações entre homem, sociedade e

natureza. 

• O mundo é uma construção humana,mediada pelas relações de trabalho. 

Feuerstein

• Concepção religiosa de mundo: o sentido

da compreensão de mundo encontra-se

nos fundamentos religiosos e o

significado está em Deus.• Espaço para experiências culturais.

• Local que proporciona estímulos para o

organismo do indivíduo mediatizado.

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D – Concepção de História

Vygotsky

• Herança do pensamento marxista: história

é a força motriz da humanidade, é

movimento e ação, representada pelas

lutas de classes.

História é muito mais do que a concepçãode tempo como medida, é a apropriação

do tempo pelas relações sociais, é atributo

das relações sociais e de poder.

• A constituição do indivíduo bem como o

seu processo de desenvolvimento é

histórico.

Feuerstein

• A história é parte integrante da

aprendizagem num processo de

construção e reconstrução.

• A história constrói o ser humano pelamodificação das suas condições pela e na

cultura em que o ser humano está inscrito.

 

• Processo do desenvolvimento do

indivíduo é histórico, fator determinante

 para a aquisição ou privação cultural.

4.1.4 – Pressupostos lógico-gnoseológicos – a partir da leitura das obras de

Vygotsky e Feuerstein

A – Concepção de Objeto: aprendizagem, desenvolvimento e instrumentos

Aprendizagem

Vygotsky 

• Processo de aquisição de informações,

habilidades, atitudes e valores no contato

Feuerstein

• Processo de aquisição de informações

mediada por um mediador. É um

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com a realidade, com o meio ambiente e

com outras pessoas.

• Maturação e interação. 

• Mediada por signos e outros instrumentos

e na interação com pessoas mais

experientes. 

• A aprendizagem, como processo

evolutivo, portanto histórico. Vygotsky

dá relevância à história da vida pessoal. É

o tempo das experiências. 

 processo sócio-cultural coletivo e

histórico, e não individual.

• Experiência da Aprendizagem Mediada.

• Programa de Enriquecimento

Instrumental.

• Interação com o mediador.

Desenvolvimento

Vygotsky 

• Dá-se na coletividade histórica. 

• Está relacionado ao desenvolvimento das

funções psicológicas superiores. 

Feuerstein

• Dá-se na coletividade histórica.

• Movimento de modificabilidade

 proporcionado pelas interações

mediadoras do desenvolvimento humano.

Instrumentos

Vygotsky 

• Linguagem como mediadora 

• Elaborou instrumentos visando observar

a formação de conceitos em crianças. 

• Signos: considerados instrumentos

 psicológicos. 

Feuerstein

• Mediador humano.

• PEI – Programa de Enriquecimento

Instrumental e LPAD – Avaliação

Dinâmica do Potencial de Aprendizagem.

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4.1.5 - Concepção teórica – a partir da leitura das obras de Vygotsky e

Feuerstein

Vygotsky

• Influência de Hegel, Marx e Engels;

materialismo histórico e dialético. 

Feuerstein

• Influência da teoria de Piaget e da

religião judaica (Torá e Talmude)

• Método que possibilitasse a compreensãoda natureza do comportamento humano

como parte do desenvolvimento histórico

geral da espécie (filogênese).

• Subsídios na abordagem dialético-

materialista. A abordagem dialética

admitindo a influência da natureza sobre

o homem, afirma que o homem, por sua

vez, age sobre a natureza e cria, através

das mudanças provocadas por ele na

natureza, novas condições naturais para

sua existência.

• Encontrar a estrutura da atividade

humana engendrada por condições

históricas concretas; depois, a partir dessa

estrutura, pôr em evidências as

 particularidades psicológicas das

estruturas da consciência dos homens e os

 processos psicológicos tipicamente

humanos. 

• Olhar para o processo e não só para osresultados de testes.

• Subsídio na crença da modificabilidade

como uma profissão de fé.

• Preocupado em avaliar o potencial de

aprendizagem e modificabilidade no

desenvolvimento do ser humano e em

criar instrumentos de avaliação e intervir

neste potencial de modificabilidade.

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Teoria

Vygotsky 

• Sócio-histórico interacionista.

• A historicidade das relações contribuindo

na constituição do sujeito (ontogênese). O

homem não é apenas um produto do

meio, ele também é um sujeito ativo num

movimento que cria esse meio. Ele está

constantemente transformando a natureza

e a si próprio. 

• Estudo dos mecanismos psicológicos

mais sofisticados – as funções psíquicas

superiores – próprias da espécie humana:

o controle consciente do comportamento, a

atenção voluntária, o pensamento

abstrato, a capacidade de planejamento, a

memória lógica, a formação de conceitosetc.

• As funções psíquicas superiores têm uma

origem histórica e social; essas funções

devem ser abordadas a partir de uma

 perspectiva genética, isto é, deve-se

recorrer às suas origens para compreendê-

las historicamente.

Feuerstein

• Interacionista.

• Modelo teórico que aceita as diferenças

individuais no desenvolvimento

cognitivo, dos superdotados aos

deficientes, o que em si coloca em jogo o

 papel e a importância das interações

indivíduo-meio, interações essas que, por

seu lado, são responsáveis pelo

desenvolvimento diferencial do

funcionamento cognitivo e dos processos

mentais superiores.

• Pauta seus estudos a partir de cinco

 proposições:

1º O ser humano é modificável.

2º   O indivíduo a ser educado é

modificável.

3º   O mediatizador deve sentir-se

competente e ativo para provocar a

modificabilidade.

4º   Todo processo de desenvolvimento

exige do mediatizador um investimento

 pessoal.

5º   Toda a sociedade e toda a opinião

 pública são modificáveis e podem sermodificadas.

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• O processo de formação das funções

 psicológicas superiores, que caracteriza

os seres humanos, não pode ser visto

como um processo linear. Trata-se de um

movimento complexo de mútua

apropriação entre sujeito e cultura,

 pautado nas operações com signos.

• O desenvolvimento psicológico deve ser

olhado de maneira prospectiva, ou seja, para além do que o sujeito já domina.

• A zona de desenvolvimento proximal

envolve dois níveis de desenvolvimento:

o nível real, correspondente ao que o ser

humano já se apropriou em termos de

conhecimento, e o nível potencial, que

diz respeito ao que ele ainda não domina,

necessitando para a efetivação dessa

apropriação da ajuda de um outro mais

experiente.

• A vida social cria a necessidade de

subordinar a conduta do indivíduo àsexigências sociais e, ao mesmo tempo,

• Teoria da Modificabilidade Cognitiva

Estrutural (MCE). Modificabilidade deum indivíduo se define como a

capacidade de partir de um ponto do seu

desenvolvimento em um sentido mais ou

menos diferente daquele previsto até o

momento, de acordo com o seu

desenvolvimento mental. Modificação

não diz respeito a uma mudança queocorre como resultado de processos

circunstanciais e acidentais de

desenvolvimento e maturação, mas sim

de modificação estrutural de

funcionamento do indivíduo, produzindo

nele uma mudança no desenvolvimento

qualitativa e substancialmente diferenteda prevista pelos tradicionais contextos

genéticos, neurofisiológicos ou

educacionais.

• Síndrome de privação cultural – crianças

que não conseguiram beneficiar-se das

interações estabelecidas em sua própria

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forma complexos sistemas de sinalização

que permitem a formação de conexões no

cérebro de cada indivíduo.

Simultaneamente cria a possibilidade de

regular a conduta a partir de estímulos

externos.

• O ser humano introduz estímulos

artificiais, dá significado à sua conduta e

cria, com a ajuda dos signos, novas

conexões no cérebro e isto ocorre no

 processo de interação entre os seres

humanos em sua luta pela sobrevivência

(princípio da significação).

• Os instrumentos de mediação

(ferramentas e signos) cumprem um papel

central na formação das funções psíquicas

superiores;

• A linguagem como sistema simbólico

 básico de todos os grupos humanos,

fornece ao sujeito formas de perceber e

organizar o real; instrumento central de

mediação na interiorização dos processos

 psíquicos.

• Aprendizado/ensino – unidade construída

na dinâmica da sociedade e da cultura e

 permeada pela atividade simbólica que

exerce um papel primordial na

apropriação do real. 

cultura em função de um rompimento do

 processo no nível cultural e mediacional

de transmissão entre gerações no interior

de seu meio imediato.

• Privação cultural implica em falta de êxito

na transmissão ou na mediatização

cultural que um dado grupo realiza

quando transfere a sua cultura para as

novas gerações.

• O mediador e os instrumentos de

mediação cumprem papel de

organizadores dos estímulos que chegam

ao sujeito (EAM).

• Oralidade, diálogo que leva à reflexão.

Ênfase no questionamento; não em dar

respostas, mas em perguntas que

 promovem a reflexão.

• Aprendizado/ensino – experiência

mediada por um mediador que seleciona e

organiza os estímulos a partir de critérios

estabelecidos: Intencionalidade,

Significado e Transcendência, entre

outros.

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sobrevivência, vale-se de ferramentas

mediadoras desse processo, a invenção e

o emprego de signos servem de meio

social de comunicação e interação e de

meios auxiliares para a solução de tarefas

 psicológicas, tais como: memorizar,

comparar algo, etc.

• É só através das interações sociais, das

 possibilidades de mediações, que a

criança se apropria do modo de ser

daqueles que a cercam, que ela ultrapassaas barreiras do biológico e se constitui

como ser social.

• O mediador é aquele que não se prende

ao nível de maturação manifestado pela

criança, antecipa-se ao desenvolvimento,

isto é, bom ensino é aquele que está

estímulo passe diretamente ao

organismo, mas que sirva como mediador

 para o estímulo.

2º   O mediador ensina à criança algo

sobre o estímulo, muda o estímulo nesse

 processo, modifica o objeto no processo da

recepção do estímulo.

3º   O mediador cria no sujeito certos

 processos que afetam não só os estímulos

que foram mediados, mas também os que prejudicam significativamente a

capacidade do indivíduo para aproveitar

o estímulo.

• A necessidade da presença de uma

 pessoa, mediador afetivo, dirigente,

conhecedor e competente para mediatizara interação. Mediação - elemento

fundamental que permeia aplicação dos

instrumentos elaborados por ele.

• Em interações típicas, como a de mãe e

filho, abundam situações de

aprendizagem mediada... O mediador

atribui significados específicos a eventos,relações temporais, espaciais, causais e

outras não inerentes tanto ao objeto como

às ações da criança.

• O mediador seleciona, organiza, molda,

filtra e programa estímulos para a

criança.

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direcionado às funções psicológicas

superiores que estão por se completar.

• Os processos de aprendizado

movimentam os processos de

desenvolvimento.

• O ensino deve estar à frente do

desenvolvimento, e o aprendizado deve

 proporcionar desenvolvimento.

• Deve haver uma atuação dos outros

membros do grupo social na mediação

entre a cultura e o indivíduo e na

 promoção dos processos

interpsicológicos que serão posteriormente internalizados.

• Todas as funções psicológicas superiores

estão inter-relacionadas, ou seja, emoção,

atenção, percepção, linguagem, memória

• O aprendizado mediado provê o tipo de

experiência necessária para a formação

da estrutura cognitiva que possibilita a

apropriação da cultura.

• Quanto mais a criança receber EAM e

quanto mais for o processo de mediação

maior será sua capacidade de se beneficiar e de se tornar modificável pela

exposição direta ao estímulo.

• O desenvolvimento cognitivo humano de

uma criança é inseparável do

desenvolvimento cognitivo de seus

mediatizadores, sejam eles os pais, osmédicos, os psicólogos ou os professores.

• A mediação a ser estabelecida com o

indivíduo deve estar baseada no

entendimento dos diferentes ritmos,

experiências e trajetórias pessoais,contexto familiar, níveis de

conhecimento, enfim, da

heterogeneidade, traço comum a todos os

grupos formados por seres humanos.

• A modificabilidade não se limita à

cognição, mas envolve também a emoção

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estão imbricadas. e a motivação, componentes essenciais da

Teoria da Modificabilidade Cognitiva

Estrutural.

4.2 – DADOS OBTIDOS

A – A mediação segundo as diferentes leituras da obra de Vygotsky

Os autores, estudiosos da obra de Vygotsky, que estarão subsidiando esta pesquisa são:

Bock, Molon, Oliveira, Palangana, Valsiner, Wertsch, Smolka, Góes e Pino, que serão

apresentados em ordem alfabética.

Bock (2001)

• Relações sociais entre o indivíduo e os outros homens dão origem às funções psicológicas

superiores.

• Funcionamento psicológico é social e histórico.

• Os elementos mediadores na relação entre o homem e o mundo–instrumentos, signos e todo

o ambiente humano carregados de significado cultural–são fornecidos pelas relações entre

os homens.

• Os sistemas simbólicos, particularmente a linguagem, exercem um papel fundamental nacomunicação entre os indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados que

 permitem apropriações dos objetos, eventos e situações do mundo real.

Molon (1995)

• Desenvolvimento dos processos psicológicos superiores no desenvolvimento histórico.

• Hegel atribuía à mediação a característica fundamental da razão humana.• Fenômeno psicológico é mediado e não imediato.

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• Mediação: pressuposto que se objetiva nos conceitos de conversão, superação, relação

constitutiva Eu-Outro, intersubjetividade, subjetividade.

• Mediação não é a presença física do outro, ou seja, não é a corporiedade do outro, mas a

mediação ocorre por meio dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de

mediação.

• Sem a mediação dos signos não há contato com a cultura.

Oliveira (1993)

• É o trabalho que pela ação transformadora do homem sobre a natureza une homem enatureza e cria a cultura e a história humanas.

• É no trabalho que se estabelecem as relações sociais, criação e utilização de instrumentos.

• O homem sente, pensa, age, imagina, deseja, planeja, tem a capacidade de criar o mundo da

cultura através dos instrumentos de trabalho e dos instrumentos psicológicos.

• Os instrumentos, elementos externos ao indivíduo, provocam mudanças nos objetos,

controlam os processos da natureza; os signos – instrumentos psicológicos – são orientados

 para o próprio sujeito, controlam ações psicológicas.• Função mediadora de ambos; tanto o uso de signos quanto o uso de instrumentos de

trabalho operam como uma atividade mediada.

Palangana (2001)

O reflexo psíquico consciente ou imagem psíquica (conteúdo da consciência formado a partir da apreensão do real) é algo vivo, produzido pela atividade humana concreta,

caracterizada pelo movimento dialético permanente por meio do qual o objetivo se

transforma em subjetivo. 

• Através da atividade prática, a imagem psíquica ou o conteúdo da consciência passa do

sujeito ao objeto. 

• O conteúdo objetivo da atividade prática dos homens cristaliza-se no seu produto, podendo

assim ser transmitido pela linguagem em toda sua riqueza. 

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• Uma vez objetivado, o conteúdo da atividade torna-se socialmente disponível e, ao ser

internalizado pelos indivíduos, cria nestes a imagem psíquica ou a representação viva da

realidade. 

• Movimento dialético, o sujeito do conhecimento não tem um comportamento passivo frente

ao meio externo e ao ser estimulado pela realidade objetiva ele se apropria dos estímulos

 provenientes da mesma, internalizando conceitos, valores, significados, enfim, o

conhecimento construído pelos homens ao longo da história. 

• A prática do sujeito sempre relacionada à prática social acumulada. 

• As representações mentais da realidade exterior são os principais mediadores. É o grupo

cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o

real, que vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduoe o mundo.

• A interação social, seja diretamente com os outros membros da cultura, seja através dos

diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria prima para o

desenvolvimento psicológico do indivíduo.

• A cultura como processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo, onde acontece a interação

entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um.

• A internalização da cultura é um processo de transformação, de síntese. Síntese não é asimples soma, mas a emergência de algo novo.

• Internalização: ao longo do desenvolvimento o indivíduo “toma posse” das formas de

comportamento fornecidos pela cultura, num processo em que as atividades externas e

interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.

• Processo de desenvolvimento – de fora para dentro. O indivíduo realiza ações externas que

são interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo com os seus significados

culturalmente estabelecidos. A partir da interpretação, será possível para o indivíduo atribuirsignificados às suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos internos que

 podem ser interpretados por ele próprio, a partir dos mecanismos estabelecidos pelo grupo

cultural e compreendidos por meio dos códigos compartilhados.

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Valsiner (1996)

• Foco no aspecto intrapsicológico. • A pessoa em desenvolvimento constrói uma “cultura pessoal” através de suas experiências

 prévias podendo estar imune às sugestões do meio social utilizando uma variedade de

estratégias: ignorando, neutralizando, resistindo, rejeitando...

• A cultura pessoal construída na resistência às sugestões sociais. Essa resistência garante a

não dissolução do sujeito no social. O desenvolvimento pessoal é cercado pelas formas de

sugestão social da cultura coletiva, concebida como somatória de “culturas pessoais”.

Wertsch (1998)

• Prioriza os processos interpsicológicos, afirmando que, ao se analisar o funcionamento

interpsicológico, necessariamente analisa-se o funcionamento intrapsicológico.

• A transição entre os dois planos está nos instrumentos semióticos usados na interação social.

Dois processos fundamentais: a definição da situação compartilhada e os níveis desubjetividade.

• A comunicação deve basear-se num nível mínimo de definição da situação compartilhada, ou

seja, de intersubjetividade.

• A comunicação acontece pela constituição de uma realidade social temporalmente

compartilhada através da negociação mediada semioticamente entre as pessoas envolvidas

na definição da situação.

• Supõe uma intersubjetividade – interação face a face, à presença imediata do outro e aos

mecanismos de comunicação compartilhados na interação.

• É possível identificar pontos de intersubjetividade na zona de desenvolvimento proximal,

reconhecer níveis de intersubjetividade na situação compartilhada entre o adulto e a criança.

• Quatro níveis de intersubjetividade:

1º  Definição da situação pela criança é tão diferente da do adulto que a comunicação é

impossível.

2º  A criança não compreende a natureza da ação dirigida a um objetivo, mas existe uma

definição da situação minimamente compartilhada.

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3º  A criança faz inferências esclarecedoras interpretando as produções diretivas do adulto,

mesmo as não explícitas.

4º  A criança e o adulto estabelecem uma intersubjetividade completa, a criança regula a

responsabilidade da tarefa, dominando a definição da situação colocada pelo adulto.

• Tudo que acontece no plano interpsicológico, nestes diferentes níveis de intersubjetividade,

realiza-se no plano intrapsicológico.

• Analisa a definição da situação e os níveis de intersubjetividade exclusivamente na relação

do adulto com a criança, na zona de desenvolvimento proximal, através de mecanismos

semióticos: a perspectiva referencial (expressões que minimizam e maximizam a informação)

e a abreviação (redução da representação lingüística explícita).• Os aspectos envolvidos na definição da situação aparecem representados na fala em

diferentes graus; quanto menos aspectos representados, maior será o nível de abreviação.

• Modelo de intersubjetividade a ser atingido na relação entre o adulto e a criança, na qual o

adulto estabelece o modelo da relação e o nível de intersubjetividade.

Smolka (1991), Góes (1991) e Pino (1993)

• Constituição do homem acontece dialeticamente, no funcionamento interpsicológico e não

apenas em situações de intersubjetividade.

•  No processo dialético de aspectos intrapsicológicos e interpsicológicos, acontece pelo outro e

 pela palavra numa dimensão semiótica;

• A palavra e o signo são polissêmicos, a natureza e a gênese do processo de constituição do

Homem implicam, necessariamente, o diferente e o semelhante.

• O Homem constitui-se pelo outro e pela linguagem através dos processos de significação e

dos processos dialógicos, rompendo com a dicotomia entre sujeito e social, entre o eu e o

outro.

• O Homem é visto como uma composição do movimento dialético, não necessariamente

harmônico, entre tensões e sínteses.

• Três momentos:

1º Processo de participação fusional do eu no outro, no qual o eu perde-se no outro.

2º Processo dialético de negação e reconhecimento, o eu constitui-se em sujeito.

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3º  Em conseqüência da oposição e reconhecimento do outro como um “não eu” surge a

consciência da própria subjetividade, jamais como um eu isolado, mas como o eu da relação

“Eu-Outro”.

• A consciência da subjetividade e a penetração no universo da significação somente acontece

no campo da intersubjetividade, configurado como lugar de encontro e de confronto, como

 palco de negociação dos mundos de significação privados e públicos.

• A intersubjetividade não é o plano do outro e sim da relação com o outro, é a inter-relação,

interação. O mundo é o lugar da constituição da subjetividade.

• A ordem simbólica é produção do imaginário social da sociedade e também constituinte do

homem como indivíduo social.

• Existem representações do sujeito e, principalmente, representações no sujeito, num mundo

sócio histórico, onde não se pode ignorar nem a ordem imaginária nem a ordem simbólica.

B – A mediação segundo diferentes leituras da obra de Feuerstein

Os autores, estudiosos da obra de Feuerstein, que estarão subsidiando esta pesquisa são:

Beyer, Fonseca, Gomes, Goulart e Kozulin, que serão apresentados em ordem alfabética.

Beyer ( 1996)

• O trabalho de Feuerstein está dividido em duas áreas: teórico conceitual e pedagógico

instrumental.

• Extrapola o campo teórico e elabora vários instrumentos psicopedagógicos, uma vez que está

 preocupado com a recuperação de indivíduos que apresentam dificuldades cognitivo-

intelectual.

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• Mediação significa um processo de interação entre o organismo humano em

desenvolvimento e um indivíduo com experiências e intenções que seleciona, enfoca,

retroalimenta as experiências ambientais e os hábitos de aprendizagem.

• A mediação só é possível ao se acreditar na criança. Essa crença é um fator energético que

impulsiona a consecução dos trabalhos.

• Quanto mais uma criança usufruir da mediação na aprendizagem, mais rico será o

desenvolvimento intelectual advindo da interação direta com o meio.

Fonseca (1998)

• A mediatização é uma estratégia de intervenção que subentende uma interferência humana,

uma transformação, uma adaptação, uma filtragem dos estímulos do mundo exterior para o

organismo do indivíduo mediatizado.

• O indivíduo mediatizado é modificado estruturalmente pelo efeito de certas condições de

atenção, de percepção, de focagem e de seleção que são decorrentes da intervenção do

mediatizador.

• O mediatizador é concebido como muito mais que um intermediário. A própria mãeinterpõe-se e intervém modificando as relações entre o estímulo e a criança, afetando a sua

intensidade, o seu contexto, freqüência, ordem, etc, ao mesmo tempo em que guia

intencionalmente a vigilância, o alerta e a sensibilidade do seu filho, levando-o a

desenvolver uma disposição para atender aos estímulos mediatizados, bem como expondo-o

diretamente a fontes de estimulação de forma mais humanizada.

• A exposição direta aos estímulos é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a

interação mediatizada, isto é, a própria cultura, é que permite o acesso às funções cognitivassuperiores.

• A modificabilidade cognitiva estrutural não pode resultar da simples exposição a certas

experiências, uma vez que não podemos ter a noção da causa dos fenômenos só pela

vivência de certas experiências.

• Experiência de aprendizagem mediada – ato de transmissão de cultura, de valores, de

atitudes, de intenção, efetuado pelas gerações mais velhas, que visam produzir os efeitos

desejados.

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• A EAM dá relevo ao mediatizador, ao ser humano que se interpõe (e que intervém) entre os

estímulos e os próprios indivíduos mediatizados, com a intenção de adequar os estímulos às

suas necessidades específicas.

• A aprendizagem humana ocorre, num contexto social, na base de multimediatizações

humanas.

• A perda, a irregularidade, a insuficiência, ou a descontinuidade dessa mediação provoca

nos indivíduos determinadas disfunções cognitivas, ou seja, funções cognitivas

deficientemente desenvolvidas.

• Processos de mediação: sistema de intervenção e de modificabilidade cognitiva – LPAD,

PEI.

• PEI – correção das funções cognitivas deficientes; aquisição de conceitos básicos,vocabulário, operações mentais; estimulação da motivação interior; desenvolvimento de

 processos reflexivos de pensamento e habilidades; desenvolvimento de uma auto identidade

dinâmica levando-se a perceber como sujeito ativo no processo de aprendizagem.

Gomes (2002)

• O mediador formal é aquele que tem capacidade para conduzir estrategicamente o processo

de aprendizagem mediada, interrogando, de modo a impulsionar conflitos cognitivos e

mobilizar as funções cognitivas, viabilizando, assim, uma intervenção transformadora que

garanta o aumento do nível de modificabilidade e flexibilidade mental do indivíduo

envolvido no processo de aprender a pensar.

Goulart (2000)

• A aprendizagem deve ter como ponto de partida o conhecimento da criança. O processo não

é individual, mas histórico-cultural, onde o papel do professor assume uma importância

fundamental.

•  No processo de interação é fundamental entender os indivíduos alvo da mediação como

ativos no seu processo de conhecimento e destaca a importância da intencionalidade da ação

do mediador.

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• A função do mediador não é apenas a de levar a criança a perceber e registrar os estímulos,

mas determinar certas mudanças na maneira de processar e utilizar a informação.

• Ter intencionalidade de ensinar e reciprocamente enquanto ensina o mediador aprende.

• Em qualquer atividade o objetivo é reconhecer dados, definir objetivos ou o problema,

estabelecer estratégias e ver a melhor solução.

• Transcendência: proporcionar que a criança aprenda a buscar sentidos e significados e a

generalizar para aplicar em outras áreas e situações da vida.

• O significado cria uma nova dimensão ao ato de aprender, com envolvimento ativo e

emocional no desenvolvimento das ações.

• O sentimento de competência está ligado e relacionado à motivação.

• Crianças com baixa auto-estima e motivação deixam de aprender por sentimento deincompetência.

• Regulação e controle evitam respostas impensadas e contribuem para respostas refletidas.

• Ressalta a importância da ação cooperativa, do respeito às diferenças, da planificação e

sistematização com metas claras para proporcionar aos alunos oportunidades de desafios.

Kozulin (1996)

• As atividades escolares que o PEI pressupõe impulsionam o desenvolvimento no estudante

das funções psicológicas superiores dependentes das ferramentas psicológicas.

• A organização sistemática dos materiais do PEI corresponde a organização sistemática das

funções psicológicas superiores.

• Os princípios da aprendizagem mediada proporcionados pelo ensino do PEI correspondem

ao complemento necessário ao aspecto instrumental–simbólico do programa.• Cada um dos instrumentos consiste em uma unidade estruturada com ênfase em algumas

funções cognitivas; o sujeito é levado a refletir sobre os conhecimentos adquiridos, a forma

como os conseguiu e relacioná-los às situações de vida.

• A instrução baseada nas EAM torna-se um veículo que desenvolve as habilidades

simbólicas e dá forma às atividades que garantem a aquisição e a interiorização de tais

habilidades.

• As atividades que pressupõe o PEI só podem comparar com o paradigma da atividade e

aprendizagem desenvolvida pela escola de Vygotsky.

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• As experiências de aprendizagem compartilhadas permitem que se atue na zona de

desenvolvimento proximal auxiliando as funções ainda não consolidadas a amadurecer.

• O termo potencial é utilizado tanto em relação à aprendizagem como em relação à

modificabilidade.

• Potencial de aprendizagem como capacidade de agir e refletir de forma elaborada além de

seu comportamento.

• O processo de avaliação deve avaliar e revelar o potencial da aprendizagem e não o que o

sujeito já sabe. A avaliação objetiva ver o potencial a ser modificado pela aprendizagem.

• O mediador observa e interfere para a modificação.

• Os indivíduos possuem estratégias e processos cognitivos que não são utilizados, mas que

são capazes de utilizá-los em condições de estimulação.

4.3. DISCUSSÃO DOS DADOS

As considerações que se seguirão como análise e discussão dos dados obtidos serão

apenas uma parcela de todo o conhecimento a respeito de Vygotsky e Feuerstein, uma vez que

muito se tem estudado a respeito de suas proposições em relação aos processos educacionais,

sobremaneira ao se tratar da aprendizagem e do desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Considerando que tanto para Vygotsky quanto para Feuerstein o desenvolvimento do

sujeito não pode ser compreendido apenas através do sujeito, mas também do contexto em que

está inserido, é que fomos buscar dados dos dois autores desde o início de suas vidas.

Sabemos que precisamos analisar o contexto com bastante cuidado, pois isto implica na

apreensão de inúmeras relações históricas, materiais, incluindo o seu movimento e as

contradições inerentes às situações.

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Para tanto, estaremos atentos ao método que nos propusemos, ou seja, o método

dialético, e assim, segundo Lefébvre (1975), nosso olhar será dirigido ao objeto de estudo desta

 pesquisa atentando para algumas questões, principalmente tentando apreender o conjunto das

conexões internas, identificando e revelando o desenvolvimento e o movimento. Estaremos

também atentos ao fato de que tudo está ligado a tudo; estaremos sempre buscando mais, uma

vez que o processo de aprofundamento do conhecimento é infinito. Conforme nos aponta

Lefébvre (1975), em certos momentos nosso pensamento deverá se transformar, retomar outros

momentos, revê-los com o objetivo de aprofundá-los mediante um passo atrás, rumo às etapas

anteriores e, por vezes, até mesmo voltando ao ponto de partida.

Sendo assim, neste momento, buscaremos nos dados obtidos pontos de convergência e

divergência nos dois autores para que esses dados sirvam de subsídio para entendermos o

conceito de mediação, tanto no pensamento de um quanto no do outro.

A – Vida em família

Vygotsky e Feuerstein apresentam contextos familiares próximos, o que pode ser

 percebido pela confluência cultural dos dois estudiosos: a estrutura familiar constituída nas

 bases culturais e religiosas do judaísmo do leste europeu. Podemos dizer então que ambos

viveram em uma comunidade rica em sentidos e significados.

Conforme pudemos perceber, a presença da família revelou-se importante para

Vygotsky e para Feuerstein. Podemos dizer que para Feuerstein a mãe era presença forte. As

refeições eram um momento de aproximação dos membros familiares e, nesta perspectiva, as

refeições tornavam-se situações concretas de medeiar as relações entre os membros familiares.

Assim, segundo afirmação do próprio Feuerstein, muito se aprendia nessas ocasiões, sobretudo

sobre a história familiar, a cultura religiosa judaica, seus rituais e significados. Para Feuerstein

eram momentos de mediação quando contavam e partilhavam o que aprenderam nas leituras

sacras, reconstruindo, assim, experiências. Da mesma forma observamos que Vygotsky cresce

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num ambiente intelectualizado tendo na mãe uma pessoa muito preocupada com a cultura e

com a leitura.

Podemos perceber que a irmã e o primo de Vygotsky foram figuras marcantes no

 processo de desenvolvimento de seus estudos assim como a irmã de Feuerstein e o seu irmão

também contribuíram no desenvolvimento de seus trabalhos.

Percebemos que tanto para Vygotsky como para Feuerstein a presença do outro foi um

fator significativo. Vygotsky teve a presença de um tutor que contribuiu significativamente para

inseri-lo no mundo das letras; Feuerstein igualmente destaca a presença de seus pais e de seus

avós. O fato de seu avô materno ser rabino e escriba de pergaminhos da Torá faz-nos inferir que

sua educação foi sempre pautada por uma crença religiosa fundamentada na tradição judaica.

Constataremos que os dois pesquisadores, na continuidade da suas trajetórias,

aprofundam seus estudos considerando a relevância da linguagem. Feuerstein elabora

instrumentos pautados na oralidade e Vygotsky estuda a linguagem como instrumento de

mediação dos processos, funções e sistemas psicológicos quando atua como função psicológica

superior.

Sendo assim, podemos dizer que a fala era para ambos, um elemento de mediação que

agregava. Entendemos que isto era decorrente da dimensão cultural da mesma, seus conteúdos e

sentido social, expresso e representado pelos símbolos.

B – O percurso dos pensadores no tempo e espaço

Ampliando a discussão acima aportamos no contexto histórico e geográfico em que se

situam os dois pensadores. Em ambos percebemos a preocupação com a dimensão social nos

seus postulados. Vygotsky, inserido num tempo e espaço marcados por profundas

transformações sociais e políticas, busca uma psicologia que viesse ao encontro dos problemas

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sociais e econômicos do povo soviético. Feuerstein, por sua vez, face às condições histórico-

sociais de Israel que se constitui como elemento desencadeador de sua produção intelectual,

 busca uma pedagogia que estivesse voltada ao desenvolvimento das potencialidades já

existentes nos sujeitos; o desafio era avaliar a possibilidade e a capacidade de aprender e não as

incapacidades ou limitações.

 Nesta perspectiva, cumpre-nos ressaltar o momento histórico em que suas produções

intelectuais se dão: Vygotsky na Rússia da Revolução de 1917 e Feuerstein no tempo da II

Guerra Mundial e pós-guerra, época em que emergem no cenário educacional os movimentos

de resistência aos processos de dominação cultural e subjulgamento de determinados grupossociais em todas as partes do mundo. Para ilustrar tal abordagem destacamos o trabalho de

doutorado de Feuerstein que tinha como objeto de estudo as diferenças do funcionamento

cognitivo em diferentes grupos sociais e étnicos, mais especificamente, os grupos sociais

etíopes que viviam em Israel.

Tanto Vygotsky quanto Feuerstein, a seu modo e a seu tempo, combatem as relações de

 poder estabelecidas a partir da construção do conhecimento, do processo de aprendizagem e dodesenvolvimento cognitivo de crianças. O pensamento de Vygotsky inclui a história do

 pensamento da criança na história da cultura e da sociedade, demonstrando as estreitas relações

entre os estudos psicológicos, antropológicos e sociológicos no entendimento do

desenvolvimento da consciência. Feuerstein considera que os processos de transformação do

conhecimento ocorrem de maneiras diferentes e que todo ser humano tem possibilidade de

modificar. Decide então, segundo Beyer (1996), produzir uma forma mais dinâmica de

compreender o desenvolvimento humano e a aprendizagem mediada. Assim, cria o PEI, numareação ao movimento que atribuía as deficiências e aos fracassos escolares às classes sociais,

 propondo a modificabilidade pelas interações mediadoras do desenvolvimento humano.

Para ambos, a criança aparece nitidamente como sujeito histórico e social, portador de

história e representante legítimo da cultura.

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C – A mediação sob o olhar de Vygotsky e Feuerstein

A partir do que já foi considerado, chegamos ao momento em que se faz necessário

resgatar a dimensão teórica e metodológica da construção intelectual dos dois pensadores.

Vygotsky, a princípio, revela em sua proposição teórica e metodológica a contribuição

da filosofia na organização das suas idéias e, sendo assim, a dimensão ideológica é também

mais visível. Podemos inferir que os pensadores que Vygotsky estudou, Espinosa, James,Freud, Marx, Engels, Hegel, Pavlov, deram-lhe grande cabedal de conhecimento em Literatura

e Filosofia, favorecendo sua entrada na Psicologia de forma crítica, marcando de forma

significativa sua trajetória pessoal e profissional. A influência mais proeminente vem de Marx

ao considerar o conhecimento veiculado por instrumentos físicos e simbólicos, aceitando o

 princípio de que o posicionamento do ser humano no mundo é sempre mediado (pelo trabalho,

sobretudo), o que permite considerar que o desenvolvimento da consciência social não tem

história independente da história material. Na atividade prática, nas interações homem-homem

e homem-natureza que se originam e se desenvolvem as funções psíquicas tipicamente

humanas.

Aqui o pensamento de Vygotsky adquire outro nível ao avançar as idéias de mediação

 para o campo da linguagem, que por sua vez atua no âmbito da organização e desenvolvimento

dos processos de conhecimento e desenvolvimento cognitivo. Nesta perspectiva, o signo como

constituinte da linguagem passa a ser visto também como atividade psicológica por contribuircom o desenvolvimento do pensamento (realidade externa x pensamento), e o instrumento

como atividade material na relação sujeito-mundo, também com função mediadora, pois

contribui para a apreensão da realidade exterior.

Vygotsky, apoiado em Marx, considera que nas relações de trabalho (como princípio da

mediação homem-homem e homem-natureza) concretizam-se a apropriação da linguagem, dos

instrumentos físicos produzidos historicamente e do conhecimento acumulado pelas gerações

 precedentes. Sendo assim, novos instrumentos originam novas estruturas de conhecimento. A

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 prática do sujeito, sua relação com o objeto, está sempre relacionada à prática social acumulada

historicamente.

Feuerstein, após realizar alguns testes psicológicos disponíveis na época para avaliar o

 potencial de adolescentes com dificuldades nas atividades escolares cujos resultados mostravam

 problemas de ordem neurológica, aplica outros testes operatórios com base em Piaget. Ainda

insatisfeito com o resultado, decide produzir uma forma segundo ele mais dinâmica de avaliar o

 potencial dos sujeitos e cria o LPAD. Elabora então o PEI, programa constituído por

instrumentos nos quais a linguagem oral do mediador é considerada como recurso de mediação

que possibilita a modificabilidade nesta interação com o mediador. Sendo assim, elaboratambém um programa para formar o mediador.

O fato de não termos encontrado referências filosóficas explícitas em suas obras e

termos buscado os filósofos que inspiraram Piaget, uma vez que Feuerstein inicia seus trabalhos

 baseado no referido autor, possibilitou que fizéssemos algumas inferências das relações entre o

 pensamento desses filósofos com o pensamento de Feuerstein. Em Kant encontramos

aproximações na medida em que, para o referido autor, o processo de conhecimento implica na

existência de um objeto a ser conhecido que suscita a ação do pensamento e a participação de

um sujeito ativo capaz de pensar, de estabelecer relações a partir das suas próprias condições

 para aprender, ou seja, o processo de conhecimento tem início na experiência. Em Feuerstein,

 parece-nos que a experiência é igualmente considerada assim como é considerado o sujeito

ativo, deixando isso claro e explícito quando dá o nome de Experiência de Aprendizagem

Mediada ao processo de interação mediada por um mediador humano.

Ainda buscando outras aproximações, citamos Husserl que afirma que a relação entre o

sujeito e objeto, entre pensamento e o ser, se estabelece pela intencionalidade, sendo para ele

esta uma ligação indissociável da qual todo o pesquisador deve partir quando pretende atingir o

real. Para Feuerstein, a intencionalidade é considerada um dos critérios necessários para que a

aprendizagem mediada seja possível; sendo assim, podemos inferir que os dois se aproximam.

 Na continuidade dessas possíveis aproximações, podemos inferir ainda que, assim como paraHusserl as operações cognitivas estruturadas permitem conhecer as propriedades constitutivas,

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ou seja, a essência do ser estruturado, para Feuerstein a avaliação dinâmica do potencial de

aprendizagem permite conhecer as funções cognitivas deficientes, dando a conhecer a essência

desse ser estruturado.

Em Bergson, encontramos possíveis aproximações quando o referido autor afirma que a

ação do sujeito consciente consiste na condição primeira para conhecer, que a consciência

imediata, aquela que o sujeito tem ao agir sobre o ambiente, não é a mesma para todos os

objetos e fenômenos, de modo que a consciência intuitiva se caracteriza por um processo

indefinido de reconstruções. Podemos inferir que, assim como Bergson, Feuerstein propõe a

modificabilidade como possibilidade de reconstrução. No aprofundamento de buscaraproximações nas bases que inspiraram Piaget, assinalamos ainda o estruturalismo que afirma

que uma estrutura consiste em um conjunto de elementos relacionados, em que toda

modificação ocorrida em um elemento ou relação modifica os outros elementos ou relações.

Encontramos este pressuposto como um dos conceitos básicos da Teoria da Modificabilidade

Cognitiva Estrutural de Feuerstein.

Conforme já dito anteriormente, em nossa pesquisa não encontramos nas obras deFeuerstein nenhum filósofo como referência, diferente de Vygotsky que explicita seus

fundamentos a partir de Marx e de Engels, bem como de Hegel. No entanto, podemos inferir na

obra de Feuerstein a presença dos princípios religiosos que norteiam o pensamento judaico.

Destacamos aquele formulado por Filo de Alexandria, segundo Chauí (2000), que apresenta a

noção de Deus como criador do mundo e afirma que o mesmo está sujeito a mudanças. Neste

momento, ressaltamos que o princípio da modificabilidade como pressuposto do

desenvolvimento de estruturas do pensamento é central na produção intelectual de Feuerstein,que afirma que sua teoria está embasada na crença de que o ser humano é um ser modificável,

sem a qual ninguém poderia ser um mediador cultural e seria impossível compreender a

avaliação e a intervenção na modificabilidade cognitiva estrutural.

Um outro aspecto relevante que destacamos é a oralidade que está presente fortemente

no pensamento judaico representada pelo Talmude, ocupando um lugar de destaque no PEI. A

oralidade está presente em todos os instrumentos sendo considerada como elemento mediador.

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  Vale lembrar que a oralidade, presente nos instrumentos do PEI e também nos

encaminhamentos dados pelo mediador, nos lembra a atitude de Sócrates na relação que

estabelecia com as pessoas, ou seja, uma relação de conhecimento que permitia a passagem de

uma coisa a outra num diálogo. Segundo Pessanha (1999), Sócrates desenvolvia uma atividade

reflexiva, dialogava e forçava o interlocutor a expor suas opiniões. Sendo assim, podemos dizer

que o mediador para Feuerstein tem a mesma característica da prática socrática, quando

interroga e busca, por meio de outras perguntas, fazer com que o mediado desenvolva seu

 pensamento. Da mesma forma, podemos dizer que o mediador para Feuerstein também reúne

características próprias da tradição judaica; no Talmude não se encontram respostas e sim

outras perguntas. Isso nos faz pensar que a mediação para Feuerstein está colocada como

“ponte”, assim como Japiassu e Marcondes (2001) a definem em seu sentido genérico como aação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário.

Será que podemos dizer que neste aspecto Vygotsky e Feuerstein se aproximam, uma

vez que para ambos a linguagem é central na atividade mediada? É a linguagem que atribui

significado a esta atividade? Para Feuerstein, a atribuição de significado a qualquer atividade

constitui-se num dos critérios universais para o mediador, então fomos buscar em Vygotsky o

seu entendimento a respeito da linguagem, do significado e da significação na constituição e no

desenvolvimento do ser humano. Vygotsky rompe com a dicotomia entre o indivíduo e o social.

Ele articula pensamento/sentimento, cognição/emoção, conhecimento/experiência

apresentando-os como passagens do social ao psicológico e vice-versa, que estão sempre se

fazendo e se constituindo em relação ao outro, portanto na intersubjetividade. O autor, ao lidar

com a consciência, com as funções, estruturas lógicas e processos psicológicos superiores, no

entender de Molon (1995), está definindo claramente uma concepção de sujeito e de

subjetividade que não está explícita em sua obra. Desta forma, para Molon (op.cit.),

subjetividade significa uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e

do eu. Toda a construção teórico-metodológica de Vygotsky visa a constituição do projeto de

uma nova sociedade e de um novo homem. Ao afirmar que as relações sociais são constitutivas

do sujeito, não está apontando o determinismo sócio-cultural, nem juntando-se àqueles que

anulam o psicológico e o colocam como meio reflexo.

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  Sendo assim, afirmando a constituição sócio-histórica dos processos psicológicos,

Vygotsky não perde o sujeito e nem a subjetividade, pois os fenômenos psicológicos são

relações sociais convertidas no sujeito pela mediação semiótica. Os fenômenos psicológicos são

mediados e não imediatos, são constituídos nas e pelas relações sociais, porém não são

simplesmente produtos destas. Para ele, através da mediação semiótica o sujeito se constitui,

mas essa constituição acontece no confronto Eu-Outro das relações sociais, esse Eu-Outro são

sempre expressões sociais dos sujeitos, considerando que viver a realidade social não é um

evento circunstancial e nem um episódio ocasional, mas é o modo de ser do sujeito nas relações

sociais, expresso nas relações sociais, pois são essas relações que atribuem o significado dos

sujeitos. A relação social é, então, uma relação dialética entre o eu e o outro. Assim, toda a

relação implica um terceiro elemento – aquele que atribui o sentido da própria relação.Falamos, pois, do elemento semiótico, que é constituinte e constituído da relação, é, portanto,

mediação.

O conceito de interação, que significa ação partilhada, conjunta, recíproca e pressupõe a

 presença imediata do outro, não dá conta das relações constitutivas do sujeito, pois as relações

sociais são múltiplas, contraditórias e abrangem uma infinidade de possibilidades de

objetivações. A interação é ação de um e ação de outro, sujeito–sujeito, sujeito-objeto, ação em

resposta a ações que modificam os organismos, mas o ser humano não somente acontece na

ação em resposta à outra ação, não existe só ação direta de um sobre o outro.

Desta forma, o sujeito é constituído pelas significações culturais, porém, a significação é

a própria ação, ela não existe em si, mas a partir do momento em que os sujeitos entram em

relação e passam a significar, ou seja, só existe significação quando significa para o sujeito e osujeito penetra num mundo das significações quando é reconhecido pelo outro. A relação do

sujeito com o outro sujeito é mediada; dois sujeitos só entram em relação por um terceiro

elemento, que é o elemento semiótico.

Assim, a linguagem é a referência essencial a partir da qual todas as formas de

atividades inseridas numa sociedade determinada pelo trabalho, pelo modo de produção, são

explicativas da cultura. A cultura é compreendida pelas significações, porém num mundo

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demarcado pelo trabalho, onde a linguagem e o pensamento refletem uma determinada

realidade social, a linguagem possibilita resgatar o desenvolvimento histórico da consciência.

... as palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um microcosmo da consciência humana (Vigotsky, 1993:132).

Vygotsky ressalta a função e o papel essencial da linguagem na consciência humana,

através da mediação da linguagem e da instrumentalidade semiótica, pois tanto a linguagem faz

a mediação dos processos, funções e sistemas psicológicos quanto atua como função

 psicológica superior. A objetivação da consciência através do trabalho é um pressuposto

defendido por Vygotsky, no entanto Vygotsky apreendeu a determinação do trabalho através da

significação, considerando que a técnica e o instrumento de trabalho acontecem na cultura, no

campo das significações compartilhadas. As objetivações da consciência ocorrem através da

linguagem e do trabalho.

Para Vygotsky, o significado é o aspecto que torna possível a relação social, e essesignificado é produzido nas relações sociais, em determinadas condições históricas. O

significado não se restringe ao objeto, nem ao signo, nem à palavra e nem ao pensamento, mas

o significado pertence à consciência; não é o significado que determina a configuração da

consciência e nem o sentido, mas a presença do significado e do sentido impulsiona novas

conexões e novas atividades da consciência, numa dimensão semiótica.

Desta forma, o sentido de uma palavra modifica-se tanto dependendo das situações e das

 pessoas que o atribuem que é considerado quase ilimitado; desta maneira, as palavras e os

sentidos apresentam um grau elevado de independência entre si, fato que não ocorre entre

 palavra e significado. Assim, o sujeito estabelece a relação pela significação, já que a

significação transita nas diferentes dimensões do sujeito, ela atravessa o pensar, o falar, o sentir,

o criar, o desejar, o agir.

Segundo Vygotsky, a significação é um processo que tem como suporte o signo

enquanto materialidade e visibilidade. Mas na significação a relação acontece entre sujeitos,

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sujeitos em intersubjetividade pelas mediações semióticas num mundo dos sujeitos, sujeitos não

individuais e nem abstratos, mas sujeitos constituídos histórica e socialmente. O significado

aparece como sendo próprio do signo, enquanto que o sentido é produto e resultado do

significado, porém não é fixado pelo signo, sendo mais amplo que o significado.

Para Vygotsky, no processo de desenvolvimento, inicialmente a palavra é um atributo

do objeto, a criança tem que fazer a diferenciação entre palavra e objeto e entre significado da

 palavra e significado do objeto. A comunicação entre a criança e o adulto acontece pelos

referentes comuns mas não por significados compartilhados. O significado possibilita a

linguagem e o pensamento, porém está no sujeito, mas não num sujeito individual e sim numsujeito em relação, em intersubjetividade.

Vygotsky considera que é na relação entre o pensamento e a palavra que o significado

está situado, ou seja, faz o elo entre os dois, dá vida aos dois através de um processo

 permanente de transformações, no qual um depende do outro. A função do significado das

 palavras reside precisamente na realização da comunicação humana e na efetivação do

 pensamento generalizante.

Sendo a palavra uma generalização, isso quer dizer que a realidade é generalizada e

refletida em uma palavra. Sendo o significado da palavra uma generalização e a generalização

um ato verbal do pensamento, podemos dizer que o significado da palavra é um fenômeno tanto

de pensamento quanto da linguagem. Desta forma o pensamento e a linguagem unem-se

formando o pensamento verbal através do significado da palavra.

Então, podemos considerar que a palavra aparece como o principal elemento mediador

 justamente ao tornar possível o processo comunicacional – oral e escrito – situando o sujeito no

mundo, na realidade.

Assim, para Vygotsky, mediação não é um conceito, é um pressuposto que se objetiva

nos conceitos de conversão, superação, relação constitutiva Eu-Outro, intersubjetividade,

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subjetividade. É um processo, não é um ato em que alguma coisa se interpõe; mediação não está

entre dois termos que estabelecem uma relação. É a própria relação.

Segundo Vygotsky, a mediação pelos signos, as diferentes formas de semiotização,

 possibilita e sustenta a relação social, pois é o processo de significação que permite a

comunicação entre as pessoas e a passagem da totalidade às partes e vice-versa. A mediação

não é a presença física do outro, não é a corporiedade do outro que estabelece a relação

mediatizada, mas a mediação ocorre através dos signos, da palavra, da semiótica, dos

instrumentos de mediação.

Este papel de relevância da linguagem na mediação também aparece com destaque no

 pensamento de Feuerstein. Para ele, a linguagem parece ser elemento que possibilita a

concretização da aprendizagem mediada, sendo considerada elemento de mediação. Nos

instrumentos do PEI observamos a presença da linguagem como possibilitadora da atribuição

de significados. Desta forma podemos dizer que a linguagem atua, portanto, no campo das

intervenções, das interferências das relações entre os indivíduos e os instrumentos,

 possibilitando que a modificabilidade cognitiva aconteça.

Ao discutir as causas das diferenças e incapacidades dos indivíduos, Feuerstein levanta a

 possibilidade de interferir nesses elementos através do que denomina Experiência de

Aprendizagem Mediada. Mostra como os elementos cognitivos e afetivos engendram, de forma

integrada, o processo de ensino-aprendizagem no interior do contexto cultural em que se situam

os aprendizes. Desta forma, a busca da compreensão do desenvolvimento cognitivo precisa ser

acionada a partir das interações sociais nas quais os indivíduos se constituem.

Feuerstein entende o desenvolvimento como um processo interativo em que as reações

naturais, herdadas biologicamente, entrelaçam-se aos processos culturais organizados,

efetivando-se em modos de pensar e agir caracteristicamente humanos, uma vez que o ser

humano não nasce num “mundo natural” e sim num “mundo humano”. Começa a sua vida

cercada por objetos e fenômenos criados pelos homens em suas diversas gerações e na medida

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em que se relaciona socialmente e participa das atividades culturais vai se apropriando e dando

novos significados a estes elementos.

 Nesse momento podemos entender que ele se aproxima de Vygotsky, pois ambos

consideram o desenvolvimento como um processo de interação, de trocas de um indivíduo

menos experiente com outro mais experiente, num movimento dialético em que um se apresenta

disposto a aprender com o outro, cada um a seu modo ensina o outro, promove o

desenvolvimento pela aprendizagem do outro. É neste momento que tanto Vygotsky quanto

Feuerstein explicitam a importância do professor no processo de mediação e,

conseqüentemente, na aprendizagem. Para ambos, a ação educativa é uma expressão damediação. 

Em Feuerstein, inclui-se, no plano da ação educativa, a ação deliberada de sujeitos

mediadores que se interpõem e rompem com a relação até então estabelecida do indivíduo com

seu meio. Esta mediação coloca à disposição da pessoa que apreende o mundo as interpretações

e sentidos culturais que se aderem ao chamado estímulo. A ação educativa, então, faz uso

deliberado de certos elementos mediadores que dão significado à relação do aprendiz com seumeio e consigo mesmo. A atribuição de um significado, a motivação para aprendizagem, o

estabelecimento da intersubjetividade são fundamentais para que a apropriação dos conteúdos

ocorra. A apropriação e a re-significação por parte da criança dos elementos encontrados na

cultura têm como elemento mediador o signo, em especial a linguagem.

 Neste momento, podemos inferir que ele se diferencia de Vygotsky uma vez que

Feuerstein propõe a ação deliberada do mediador. Em Vygotsky parece-nos que o que fica mais

forte é a imersão deste sujeito num contexto semiótico e cultural, e não uma ação programada

 para isso.

Para Feuerstein, o aprendizado deve ser planejado, não deixando que os ‘insights’ e as

descobertas ocorram naturalmente. Se as situações de aprendizagem não forem programadas

 para provocar situações de desequilíbrios e conflitos cognitivos, acabamos por deixar ao acasoo surgimento de situações desequilibradoras ou talvez as mesmas não venham sequer a ocorrer.

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faça com a ajuda do mais experiente o que mais adiante vai realizar sozinho, constituindo assim

sua autonomia. Podemos dizer que os dois pautam seus estudos na busca de um ser humano

autônomo e capaz. Feuerstein aproxima-se também de Vygotsky no que se refere à importância

da ação planejada do professor:

... o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriamimpossíveis de acontecer (Vygotsky, 1987:101).

Para Sanchez (1989), o professor ou o psicólogo podem planejar programas de

intervenção psicopedagógica para atuarem na zona de desenvolvimento proximal, apontando

Feuerstein como uma das pessoas que fez isso.

Indudablemente, la zona de desarollo próximo es una noción muy útil para el psicólogo de la educación en la medida en que permite conocer el curso interno deldesarrollo, facilitando, por tanto, la planificación y diseño de los currícula escolares yde los programas de intervención psicopedagógica tendentes a fomentar la evolucióndinámica del sujeto (Sánchez, 1989:15).

Fonseca (1998) assinala que os exercícios apresentados nos instrumentos do PEI abrem

uma série de possibilidades para exploração de novos conceitos, uma vez que não estabelecem

conteúdos específicos, o que permite ampla variação de temas. O professor, para agir com

eficiência e segurança, necessita ter um bom domínio a respeito dos conceitos do programa e

dos conceitos que deverão fazer parte do repertório dos indivíduos para que possa criar

diferentes situações para explorá-los e facilitar as relações com a vida cotidiana.

Um outro fator destacado por estudiosos da teoria de Feuerstein é a instrumentação dos

 professores com o objetivo de levar os indivíduos a aplicarem seus conhecimentos além da sala

de aula, em situações do dia-a-dia, o que Feuerstein denomina princípios.

Góes (1984, 1991) pondera que o conhecimento do processo realizado mentalmente pela

criança é fundamental para que haja um avanço metodológico, uma vez que o desempenho

correto nem sempre significa uma operação mental bem realizada. O acerto pode significarapenas uma resposta mecânica. Justifica-se, portanto, a necessidade do professor conhecer o

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 processo que a criança utiliza para chegar às respostas. Para Góes, uma boa aprendizagem

consolida e cria zonas de desenvolvimento pessoal.

Desta maneira, quando a criança demonstra dificuldade em algum ponto é possível

trabalhar funções que ainda não estão consolidadas. As experiências de aprendizagem

compartilhadas permitem que se atue na zona de desenvolvimento proximal, auxiliando as

funções ainda não consolidadas a amadurecer. Kozulin (1996) pontua que as EAM contribuem

 para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Para Feuerstein, a avaliação, ao contrário de ser uma cobrança de informações

memorizadas, passa a indicar o que o aluno compreendeu e o que lhe falta compreender,

levando sempre em consideração o grupo em que se encontra inserido. O desenvolvimento

ocorre definido por metas culturalmente estabelecidas, em que os membros dos grupos sociais

aos quais pertence a criança é que auxiliarão na definição dessa direção. Neste sentido,

 podemos dizer que os dois se aproximam novamente quando entendemos a extensão das

colocações de Vygotsky (1995) que alertam sobre a importância de estimular as crianças com

diferentes deficiências a interagir amplamente com todas as demais.

Feuerstein, com a sua proposta, traz a possibilidade de auxiliar a modificabilidade dos

indivíduos, garantindo-lhes um espaço pedagógico onde possam usufruir as oportunidades de

experiências de aprendizagem mediada. Para Feuerstein, como para Vygotsky, o

desenvolvimento da criança não pode ser compreendido apenas através de um estudo do sujeito,

mas do contexto em que está inserido.

Para Feuerstein, a síndrome de privação cultural encontrada em muitas crianças refere-

se a um estado de incapacidade temporário (mas que pode tornar-se permanente) daquelas que,

apesar de estarem inseridas em um determinado grupo social, não conseguem se beneficiar das

mediações estabelecidas pelo meio. Apresentam necessidade de estimulação específica.

Feuerstein (1980) desenvolveu uma sistematização de instrumentos que auxilia o

 professor e a criança a reorganizarem os processos cognitivos a partir da ação sobre as

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diferentes funções cognitivas, cujo funcionamento pode estar diminuído devido à falta de

mediação adequada. Ele acredita que muitas vezes a mediação estabelecida com a criança não

chega a atingi-la, sendo necessária uma intervenção para estimular as funções cognitivas que

não foram desenvolvidas. De acordo com Vygotsky (1995), as habilidades para utilizar de

forma conveniente os instrumentos desempenharam e se constituíram em um papel decisivo na

 passagem do macaco para o homem, sendo a primeira premissa do trabalho e da cultura.

Assim, em essência podemos considerar que a função social dos instrumentos está

 preservada tanto em Vygotsky quanto em Feuerstein. A diferença repousa, na expressão desses

instrumentos. Vygotsky, por sua vez, considera que os elementos da cultura material e não-material, carregados de sentido e significado, constituem-se em instrumentos de mediação, ou

seja, medeiam a relação do homem com o mundo a partir do próprio mundo do homem. Tais

instrumentos, ao mesmo tempo em que medeiam a relação do homem com a realidade, são

transformados por esta mediação a partir de re-significações. Feuerstein, por sua vez, irá fazer

um recorte dessa realidade e produzirá uma realidade paralela ao compor os instrumentos do

PEI que simulam a realidade objetiva. Além disso, tais instrumentos constituem também o

 próprio programa de formação de mediadores que, por sua vez, utilizarão esse instrumento, ou

seja, para ser mediador, a partir do PEI, é necessário ter sido formado para isso. Em outra

instância, tanto em Vygotsky quanto em Feuerstein, a mediação gera modificabilidade à medida

que proporciona aprendizagem.

Assim, para reforçar nossa abordagem recorremos a um dos pontos centrais do

 pensamento de Feuerstein: a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural. O referido autor

a compreende como a possibilidade que cada pessoa carrega em se transformar podendoalcançar, portanto, os meios necessários para sua adaptação (entendida pelo autor como

capacidade de solucionar os problemas encontrados) ao ambiente e melhorar seu padrão de

desenvolvimento.

Ainda nesta linha de raciocínio, Feuerstein (1994) refere-se à inteligência como a

tendência ou propensão do organismo a ser modificado em sua própria estrutura, como resposta

à necessidade de se adaptar a novos estímulos, seja de origem externa ou interna. Sua teoria

 parece que se constitui num processo flexível e dinâmico que possibilita a compreensão dos

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mecanismos utilizados pelo sujeito para perceber, identificar, comparar, atribuir significados,

internalizar, armazenar as informações relacionando-as a diferentes contextos. Com tais dados,

a ação pedagógica planejada e sistematizada terá mais chances na estimulação das áreas que

estão funcionando de forma deficitária.

As experiências de aprendizagem mediada parecem ser um instrumento bastante eficaz

 para promover o desenvolvimento dos indivíduos, em especial aqueles que não conseguem se

 beneficiar das experiências diretas com os objetos. A mediação é passível de ser exercida pelos

 pais, por amigos ou adultos que por ventura venham a interagir com a criança. O que a

diferencia dos outros tipos de interação é o fato de ser desencadeada pela ação intencional deum ser humano, de forma deliberada, isto é, planejada. A função do mediador não é apenas a de

levar a criança a perceber e registrar os estímulos, mas determinar certas mudanças na maneira

de processar e utilizar a informação.

Gomes (2000) reflete que a regulação e o controle das funções mentais já era

 preconizado por Vygotsky, tal como aponta Kozulin (2000). Vygotsky define que há dois tipos

de funções psicológicas: as funções “naturais” e as funções “culturais”. Segundo Gomes, paraVygotsky as funções naturais, como a memória, a atenção, a percepção, entre outras, são

reguladas pelas funções culturais, definidas através dos instrumentos psicológicos. Por

exemplo, o uso de símbolos (instrumento psicológico) de notação modifica a maneira como o

indivíduo memoriza os dados, alterando sua função “natural”. Para o autor acima citado, é

importante destacar que as funções “culturais” se caracterizam justamente pela construção de

um novo padrão de raciocínio determinado pela apropriação dos instrumentos psicológicos.

Para Kozulin (op.cit.), as funções cognitivas de Feuerstein podem ser pensadas como as

funções culturais de Vygotsky que são mediadas de geração em geração por meio da

aprendizagem mediada, canalizando as funções naturais da mente humana. A esse respeito,

Leontiev (1978) demonstra em seus estudos que existe uma distinção entre o processo de

desenvolvimento das funções e faculdades específicas do homem e aqueles processos que são

responsáveis pelo desenvolvimento do comportamento transmitido pela herança biológica e de

aquisição da experiência individual. A formação das funções psíquicas características do ser

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humano como ser social produzem-se sob uma forma bastante específica através de “um

 processo de apropriação, de aquisição”.

Segundo Fonseca (1998), o conceito de mediação em Vygotsky, em certa medida,

consiste no pressuposto de que mudar a inteligência de um indivíduo é atuar na sua “zona de

desenvolvimento proximal”.

Desta forma, Vygotsky forneceu outros modelos para descrever a capacidade de umacriança se beneficiar da interação com adultos ou com os seus companheiros maiseficazes nos processos de resolução de problemas. Esta área de desenvolvimento

 proximal é essencialmente um conceito social que descreve a capacidade de a criançainteriorizar as estratégias de resolução de problemas que se encontram disponíveis deuma forma aberta no contexto social. Segundo este autor, para que esta interiorização

signifique é necessário observar-se duas condições: primeiro um ambiente socialadequado que inclua a instrução dirigida para a resolução de problemas e segundo umaelevada qualidade interativa entre o desenvolvimento social e a criança (Fonseca1998:277).

Sendo assim, inicialmente as crianças experimentam desafios cognitivos e problemas na

 presença dos adultos. Na sua essência os adultos modelam e mediatizam a resolução de

 problemas para as crianças. Em estágios mais tardios, as crianças tentam resolver os problemas

sozinhas, ao mesmo tempo em que os adultos as guiam, as corrigem e as recompensam nessas

tentativas. Finalmente, as crianças tornam-se mais capazes de resolver os problemas sozinhas erequerem cada vez menos ajuda ou suporte por parte dos adultos.

Segundo Fonseca (op.cit.), esse processo de mudança do indivíduo só é possível por

mediatização de outro ser humano mais experiente. Para este autor, o enfoque vygotskyano é

atuar nos processos simbólicos do indivíduo por meio da mediatização intencional de outro

indivíduo portador de estratégias de interação e de reflexão, que provocam naquele novos

modos de pensamento e de ação mais eficazes e mais flexíveis. Ainda segundo Fonseca

(op.cit.), em Vygotsky o mediatizador pretende transmitir informação de forma transcendente e

significativa, visando transformar os pré-requisitos cognitivos do mediatizado, proporcionando-

lhe experiências que requerem o uso de ferramentas psicológicas que permitam lidar com a

informação de forma mais integrada e plástica.

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Essa leitura de Vygotsky aproxima-o de Feuerstein, pois foca a importância do

mediador humano capaz de organizar a experiência mediada.

Sanchez (1989), por outro lado, assinala que a proposta de Feuerstein parece apresentar

 pontos comuns tanto em relação aos estudos realizados por Piaget como por Vygotsky.

Aproxima-o de Piaget ao salientar a importância da criança encontrar significado naquilo que

está aprendendo, a necessidade do desafio e da desequilibração; e de Vygotsky ao afirmar que a

aprendizagem se faz a partir da inserção da criança na cultura e ao focar o papel fundamental da

linguagem como produto histórico na organização do pensamento e na formação de conceitos

científicos. A autora faz algumas observações em relação à teoria de Feuerstein, comparando-acom a psicologia de Piaget:

(...) la psicología piagetiana se limita al método clínico a través de la entrevista paraintentar entender el pensamiento del niño, causa por la cual los resultados están confrecuencia poco estructurados. Feuerstein, a pesar de utilizar el método clínico comoinstrumento de trabajo para averiguar cómo ha llegado el sujeto a la solución del

 problema, también emplea la analogía del ordenador y el mapa cognitivo con el objetode tener una mayor información del proceso que sigue el niño en la resolución de

 problemas (Sanchez, 1989:20).

Um outro autor, Gomes (2002), afirma que se Piaget descreveu brilhantemente as fases

da estrutura e os níveis de desenvolvimento, Feuerstein buscou explicar porque uma fase

superava a outra justamente através da aprendizagem mediada e não através de uma maturação

linear e estática como se pode constatar na citação que se segue:

É nesse ponto que Feuerstein diverge de Piaget, que enfoca o caráter maturacional e biológico da estrutura, preconizando que a operação surge basicamente da maturação biológica (Kozulin, 2000). O ambiente é importante, mas a maturação é fundamental.Feuerstein, por sua vez, concebe que a operação mental reversível e lógica, surge a

 partir da aprendizagem mediada, de forma semelhante a Vygotsky, que pregonizavaque a operação mental defini-se pela apropriação de instrumentos psicológicos peloindivíduo. Piaget canaliza o poder da maturação, ao passo que Feuerstein e Vygotskycentram-se no poder da interação social na regulação e no desenvolvimento dasfunções naturais (Gomes, 2002:139).

Outro estudioso de Feuerstein, Beyer (1996), assinala que alguns consideram a teoria da

modificabilidade cognitiva estrutural como a mais nova vertente do “neo-behaviorismo”.

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Outros, como uma a mais no conjunto dos inúmeros métodos e técnicas utilizados na tentativa

de resolver o fracasso e a evasão escolares.

Beyer (1996), cuja tese de doutoramento realizada na Alemanha baseou-se na teoria deFeuerstein, argumenta, que embora alguns termos utilizados por este autor, como, por exemplo,

Programa de Enriquecimento Instrumental, estímulo-resposta, input, output, possam sugerir

alguma conotação behaviorista, isto não se confirma ao analisarmos sua proposta teórica.

Sendo assim, podemos considerar que há diferentes leituras de Vygotsky e de

Feuerstein. Parece-nos que cada leitor “produz” sob sua ótica novos ‘Vygotskys’ e novos

‘Feuersteins’. As produções nos apontam para as ênfases manipuladas em função das crenças e

das intenções desses pesquisadores. A busca de encontrar o significado de mediação para

Vygotsky e fazer um recorte em torno da mediação exigiram-nos que trouxéssemos outras

reflexões associadas, uma vez que se trata de um dos conceitos mais complexos no pensamento

deste referido autor.

Conforme já citado, Valsiner (1996) prioriza os aspectos intrapsicológicos, isto é, a

 pessoa constrói uma cultura pessoal através de suas experiências prévias podendo estar imuneàs sugestões do meio social. Com esta leitura, poderíamos dizer que Vygotsky e Feuerstein

estariam bastante distantes, uma vez que Feuerstein acredita na modificabilidade do indivíduo a

 partir da intervenção do mediador. Wertsch (1998), por sua vez, em sua leitura, prioriza os

 processos interpsicológicos afirmando que ao se analisar o funcionamento interpsicológico,

necessariamente se analisa o funcionamento intrapsicológico. O autor assinala que a transição

entre estes dois planos se dá através de mudanças quantitativas e qualitativas, defendendo a tese

de que a origem desta transição está nos instrumentos semióticos usados na interação social.

Wertsch destaca a definição da situação compartilhada e os níveis de intersubjetividade como

sendo os dois processos fundamentais na análise do funcionamento psicológico.

Desta forma, para o citado autor a comunicação deve se basear num nível mínimo de

definição da situação compartilhada, ou seja, de intersubjetividade. Neste sentido, acontece a

comunicação pela constituição de uma realidade social temporalmente compartilhada através da

negociação mediada semioticamente entre as pessoas envolvidas na definição da situação. Esta proposta restringe a intersubjetividade a uma interação face a face, à presença imediata do outro

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e aos mecanismos de comunicação compartilhados na interação. Para Molon (1995), o modelo

 proposto por Wertsch concebe a existência de diferentes níveis de intersubjetividade como se

existisse um nível completamente harmônico, portanto ideal na relação do adulto com a criança.

Com esta leitura poderíamos dizer que Vygotsky e Feuerstein se aproximam, uma vez que para

Feuerstein a presença do mediador é fundamental para que a aprendizagem ocorra.

 Neste momento, podemos dizer que a leitura que mais nos agrada é a leitura de Smolka

(1991), Góes (1991) e Pino (1993) que apontam novas possibilidades para superar o dualismo

entre o funcionamento interpsicológico e o funcionamento intrapsicológico, acabando com a

 primazia de uma dimensão sobre a outra. As pesquisas realizadas por esses autores indicam quea construção do homem acontece dialeticamente. O homem constitui-se pelo outro e pela

linguagem através dos processos de significação e dos processos dialógicos, rompendo com a

dicotomia entre sujeito e social, entre o eu e o outro. Sendo assim, parece que podemos afirmar

que dependendo do olhar do leitor de Vygotsky aproximaremos ou distanciaremos mais um do

outro.

Tendo em vista que o foco do nosso trabalho é a mediação e, por acreditarmos que a

constituição do homem não se esgota no privilégio de aspectos interpsicológicos ou

intrapsicológicos, mas acontece no processo dialético de ambos, consideramos a leitura

dialética como sendo a mais apropriada para revelar a extensão deste conceito em Vygotsky.

 Nesse sentido entendemos que, para Vygotsky, a mediação é um pressuposto e não a presença

física do outro, enquanto que Feuerstein considera a presença do mediador essencial para que a

mediação aconteça. Para Vygotsky, a mediação é a própria relação, e na relação encontra-se

 presente um terceiro elemento, ou seja, o elemento semiótico, considerado como a própria

mediação, como aquele que atribui significado e sentido aos sujeitos da relação e à relação em

si. Feuerstein, por seu turno, considera que o outro, manifestado fisicamente, é elemento

essencial e condição para que a mediação seja estabelecida. Ampliando essa reflexão,

entendemos que no pensamento de Feuerstein o outro, presente fisicamente na relação, não está

dotado a priori de significado, pois propõe um programa para formar o mediador. Será este

 programa, ao nosso ver, o elemento constitutivo da dimensão mediadora do mediador, uma vez

que ele considera a intencionalidade, o significado e a transcendência como elementos

universais ou critérios universais para que uma mediação aconteça. Podemos inferir, ainda, que

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o significado de transcendência para Feuerstein encontra correspondência à idéia de sentido no

 pensamento de Vygotsky, uma vez que Feurstein ressalta, nesta relação entre mediador e

mediado, a importância da busca de ressonâncias, por parte do mediado, dos significados

atribuídos com situações vivenciais e pessoais.

Outro campo importante a ser mapeado é a reflexão acerca dos processos de

aprendizagem e desenvolvimento para esses dois autores. Numa primeira aproximação,

 podemos dizer que tanto para Vygotsky quanto para Feuerstein, a experiência da mediação é

geradora de modificações. Em Vygotsky, essa noção de modificação está expressa pela situação

do indivíduo no processo de aprendizagem e desenvolvimento revelado, por exemplo, pelaautonomia do indivíduo, pela capacidade que um indivíduo adquire com o outro mais

experiente de conseguir realizar com independência (autonomia) uma certa atividade ou tarefa.

Aqui podemos dizer, portanto, que de acordo com o pensamento de Vygotsky a mediação

delineia e atua sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal sendo, então, as situações de

aprendizagem desencadeadoras do desenvolvimento do indivíduo manifestado pela autonomia

do mesmo diante de uma determinada situação ou desafio. Para Feuerstein, entretanto,

aprendizagem e desenvolvimento acham-se comprometidos um com o outro, tal como notamos

no pensamento de Vygotsky. Sua proposição consiste em considerar a modificabilidade

cognitiva como revelação do desenvolvimento do sujeito que se dá necessariamente pela

experiência da aprendizagem mediada.

A análise de todos estes dados possibilita-nos afirmar que a obra tão vasta e tão

intensa de Vygotsky, produzida num curto tempo de vida, permitiria outras tantas reflexões

sobre os pontos de aproximação e divergências com Feuerstein. O método proposto para esta pesquisa, ou seja, o método dialético, nos levaria também a realizar outros tantos movimentos

de ir e vir que possibilitariam ainda mais essa nossa análise. Entretanto, parece-nos que

chegamos a um momento em que o fechamento - que não é um “ponto final”, mas um “ponto e

vírgula” - deve acontecer, esperando que em outros momentos possamos, talvez, retomá-la e

que outros pesquisadores possam igualmente fazê-lo.

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As leituras dos textos foram realizadas e recapituladas considerando que a compreensão

de algo implica uma rede conceitual imbricada, atravessada e sustentada por pressupostos

 básicos, ou seja, uma rede de relações e conexões. Sendo assim, tivemos que considerar a

complexidade do pensamento de Vygotsky e a rede de relações dos problemas abordados pelo

autor procurando, sempre, entender como usou diferentes interlocutores na composição de sua

construção teórico-metodológica e como foi esboçando sua teoria a partir da constatação de que

as análises psicológicas realizadas pelos sistemas de Psicologia de sua época eram limitadas.

 Notamos que ele reconstitui o campo da ciência psicológica no diálogo com inúmeros autores,

tanto criticando quanto concordando.

Percebemos que o pressuposto básico da teoria vygotskyana é o trabalho possibilitando

a humanização do homem, isto é, o homem se constituindo como tal pela atividade de

trabalho. O autor acredita que as relações sociais impõem novas formas de mediação,

dependentes da cultura em que estão inseridas, implicando na necessidade da compreensão

dos mecanismos e processos diferentes que constituem o sujeito num momento determinado e

numa determinada cultura.

Para Vygotsky, todas as funções psicológicas superiores originam-se das relações reais

entre indivíduos humanos e não existem independentemente das experiências. São funções que

apresentam natureza histórica e são de origem sócio-cultural. São mediadas.

Sendo o nosso objeto de estudo a mediação, garimpar na obra de Vygotsky a concepção

de mediação foi uma tarefa bastante difícil, assim como afirma Molon,  porque não é um

conceito, é um pressuposto norteador de todo o seu arcabouço teórico-metodológico. A

mediação é processo, não é o ato em que alguma coisa se interpõe, não está entre dois termosque estabelece uma relação. É a própria relação. A mediação ocorre através dos signos, da

 palavra, da semiótica.

Vygotsky não usou a expressão de mediação semiótica, mas se referiu à expressão

semiótica. Nesse sentido, ele parte da definição de que toda palavra tem significado, de que para

analisar o significado é preciso analisar a linguagem diferenciando seus aspectos semióticos

concebendo a unidade desses aspectos. Sendo assim, deparamo-nos com muitos estudiosos quecontinuam investigando sua significativa contribuição para as discussões pedagógicas em torno

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da linguagem como parte constitutiva do processo de humanização, considerada como

reorganizadora dos processos de percepção, memória e imaginação, além de influir sobre o

 pensamento e organizá-lo, complexificando os processos psíquicos em níveis superiores.

Vygotsky também sinaliza a relevância da significação como uma característica do ser

social e ressalta o papel de uma intervenção pedagógica intencional. Nesse sentido, podemos

considerar que essas idéias apontaram rumos para discussões no campo educacional que podem

mexer com posições já sedimentadas e permite-nos rever muitas questões como, por exemplo, o

 papel da linguagem no desenvolvimento como produção de signos e sentidos.

Autores atuais como Smolka, Pino, Góes, entre outros, reconhecem seu valor no campo

educacional e avançam para discussões admitindo algumas lacunas, impulsionando-nos para

querer saber mais, ajudando a desvelar nossos próprios avanços e também a reconhecer nossas

 próprias limitações.

Sentimos que sua obra foi interrompida precocemente, e embora sua leitura não seja

tarefa fácil, reconhecemos como estas discussões são produtivas para o campo educacional.

 Nesta trajetória muitas questões despertaram curiosidade e necessidade de serem

entendidas com mais profundidade, principalmente a concepção de linguagem não só como

função comunicativa, instrumental, mas também do seu caráter constitutivo, de sua dimensão

significativa.

 Nesta busca pela compreensão da mediação não podemos desconsiderar que, nos

constituímos como seres humanos, para Vygotsky, nas relações que estabelecemos com outros

seres humanos no processo de trabalho, nas relações com a natureza, enfim, neste campo de

mediações. Assim, a teia de relações em que cada ser está imerso será constitutivo desse ser.

 No nosso entender, também para Feuerstein o humano se constitui nas suas redes de

relações mediadas. É na aprendizagem mediada que Feuerstein deposita toda a sua ação.

Através da mediação são aplicados os instrumentos do LPAD (Avaliação Dinâmica do

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Potencial de Aprendizagem) ou do PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental). Podemos

afirmar que as EAM, o PEI e o LPAD constituem o tripé em que se baseia a Modificabilidade

Cognitiva. Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM) são situações vivenciadas pelos

indivíduos, em que existe a ação intencional de um ser humano que filtra, direciona, enriquece

ou focaliza os estímulos, de acordo com a necessidade de quem está sendo mediado. São estas

experiências, segundo Feuerstein, que podem promover essa “modificabilidade e flexibilidade”,

dotando a pessoa com habilidades.

Feuerstein, ao propor a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural acreditando que

toda pessoa tem a possibilidade de se transformar, ao nosso ver, também contribuiu no processoeducacional em relação à ação pedagógica, mudando, assim, o enfoque educacional

 principalmente para nortear os educadores que se encontram sob um conformismo estático e

 poderiam contribuir igualmente para um outro posicionamento em relação à Educação Especial,

não negando a deficiência mas rompendo com o imobilismo.

Encontramos muitos estudiosos de sua teoria que pontuam algumas lacunas, mas que

reconhecem que a partir das EAM – Experiências de Aprendizagem Mediada – assim como daaplicação dos instrumentos do PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental – podem

observar a ampliação da capacidade dos envolvidos, inclusive daqueles que inicialmente

apresentavam dificuldades para identificar posições, formas, diferenças entre objetos, entre

outros.

Alguns estudiosos, entre eles Kozulin (1997), mostraram em suas pesquisas a

 possibilidade de associar as EAM às ferramentas psicológicas, uma das idéias fundamentais da

teoria de Vygotsky. Outros estudiosos, entre eles Goulart (2000), demonstram em seus estudos

a relevância da mediação, em especial através dos critérios de intencionalidade, significação e

transcendência, na mudança apresentada pelos participantes em relação à ampliação do

repertório cognitivo, do desenvolvimento do auto-conceito, da auto-estima e da auto-regulação

da conduta.

 Não podemos deixar de considerar que Feuerstein também colabora no campo

educacional quando destaca a importância do mediador como sendo aquele que organiza e

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seleciona os estímulos para facilitar a aprendizagem e salienta que esta intervenção deve estar

 pautada na intencionalidade, no significado e na transcendência. Com isso, alerta o professor

 para a necessidade de rever determinados procedimentos usados em sala de aula que poderiam

impedir os alunos de construírem conceitos de forma significativa. É importante que o professor

tenha consciência da necessidade de uma direção e orientação seguras e competentes no

 processo ensino-aprendizagem.

Podemos pensar também que o autor contribui para a exploração da linguagem em suas

diversas formas como modo de ampliar a possibilidade de comunicação e de expressão,

contribuindo assim para a interação social. Pensamos que os instrumentos do PEI podem servirde inspiração ao professor para que ele possa criar estratégias pedagógicas que contribuam, na

sua ação pedagógica, para despertar o prazer no processo ensino-aprendizagem, uma vez que

esses instrumentos possuem uma riqueza na variedade de estímulos tanto verbais como

imagéticos. Podem servir de modelo, também, para a criação de estratégias que encaminhem

 para o pensamento reflexivo, pois cabe ao mediador ter sempre em mente seu compromisso em

ensinar aos aluno o que fazer, quando, como e por que fazer.

Quando Feuerstein afirma que a mediação só é possível ao se acreditar na criança,

ressalta a importância da dimensão afetiva no processo ensino aprendizagem, da força

mobilizadora do impulso energético que o mediador dirige ao mediado, da sua certeza em

relação à capacidade e à potencialidade do outro. Traz, nos seus critérios de mediação, a ênfase

na interação, no relacionamento interpessoal, nas experiências compartilhadas entre professor e

aluno. Traz também, no critério de individuação e diferenciação psicológica, o reconhecimento

e o respeito à individualidade de cada um, ressaltando a diversidade do ser humano.

Enfim, no propósito de encontrar pontos de convergências e divergências entre Vygotsky

e Feuerstein, concluímos esta pesquisa com um desejo imenso de termos tido a possibilidade de

conhecer pessoalmente os dois pesquisadores. O fato de ter entrado em contato com a história

de cada um, desvelar seus desejos, fez com que eu me encantasse com ambos. Vygotsky não

concluiu sua obra e Feuerstein ainda hoje continua aprofundando seus estudos. Olhando a fotodos dois, hoje, admiro-os profundamente! Um que, no auge de seus tempos, interrompe um

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trabalho tão bonito e o outro, emoldurado pelos cabelos brancos, que continua empenhado em

aprofundar suas descobertas. Cada um, a seu modo, dedicou seus estudos ao ser humano

objetivando o melhor.

Em meio a tudo isso, finalizo esta pesquisa com um sentimento e um desejo de continuar

 buscando sempre perguntas e respostas e recorremos, neste momento, ao grande escritor

Fernando Sabino.

“De tudo ficam três coisas:

a certeza de que estamos sempre começando,a certeza de que é preciso continuar,e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar.Por isso, é preciso fazer:da interrupção um caminho novo,da queda um passo de dança,do medo uma escada,do sonho uma ponte,da procura um encontro”.

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