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8/12/2019 GARCIA, Sandra Regina R. Um Estudo Do Termo Mediação
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SANDRA REGINA REZENDE GARCIA
UM ESTUDO DO TERMO MEDIAÇÃO NA TEORIA DA
MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL DE FEUERSTEIN
À LUZ DA ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY
UNIVERSIDADE SÃO MARCOSSÃO PAULO
2004
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SANDRA REGINA REZENDE GARCIA
UM ESTUDO DO TERMO MEDIAÇÃO NA TEORIA DA
MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL DE FEUERSTEIN
À LUZ DA ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY
Dissertação apresentada como exigência parcial para aobtenção do título de Mestre em Psicologia, à bancaexaminadora da Universidade São Marcos, sob aorientação do Prof. Dr. Arnaldo Antônio Penazzo.
UNIVERSIDADE SÃO MARCOSSÃO PAULO
2004
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UM ESTUDO DO TERMO MEDIAÇÃO NA TEORIA DA
MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL DE FEUERSTEIN
À LUZ DA ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY
Sandra ReginaRezende Garcia
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profª. Drª. Marieta Lúcia Machado Nicolau
_________________________________________
Profa. Dra. Marisa Irene Siqueira Castanho
_________________________________________
Prof. Dr. Arnaldo Antônio Penazzo
Dissertação defendida e aprovada em: ___ / ___ / _____
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“Toda pessoa sempre é a marca das lições diáriasDe outras tantas pessoas
É tão bonito quando a gente sente,Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
É tão bonito quando a gente entendeQue nunca está sozinho por mais que pensa estar
É tão bonito quando a gente pisa firmeNessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate mais forte o coração!Gonzaguinha
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GR DE IMENTOS
Aos meus filhos, Rê e Kadu. Cada um a seu modo, é um constante incentivo para que eu siga sempre
em frente e aceite novos desafios.
À Renata, minha filha, amiga de todas as horas, pela presença constante, pelos cuidados com tudo o
que me diz respeito. Uma grande demonstração de amor sereno, íntimo, comprometido.
Ao Ricardo, meu filho, pela contínua inspiração... pela disponibilidade em me substituir nas
diversas tarefas do dia a dia. Seu amor é silencioso, profundo e comprometido.
Ao professor Dr. Arnaldo Antonio Penazzo, pela dedicação, respeito e confiança em meu trabalho e
orientação segura deste estudo.
Às professoras Drª Marieta Lúcia Machado Nicolau e Drª Marisa Irene Siqueira Castanho, pelo
carinho, estímulo e orientação criteriosa no exame de qualificação.
Ao Ricardo Santos Chiquito, meu amigo, pela paciência, amizade e grande parceria nas inúmeras
discussões teóricas que tornaram mais ricos e densos os diversos momentos deste estudo.
Ao Walmir Caio, grande incentivador do meu ingresso no mestrado. É muito bom olhar para trás e
perceber que tudo deu certo. É uma pena que não continuemos a compartilhar nossos momentos.
À Mônica Poyares, amiga e parceira, pelo apoio dado em todos os momentos, animando-me e
estando sempre presente.
À Silvia Ianelli, funcionária do colégio, pela dedicação e permanente disponibilidade em todos
momentos.
À Anita Abed, pelo companheirismo, carinho, constante interesse e incentivo na realização deste
estudo e pela revisão final do texto.
Ao Alexandre, meu terapeuta, pela confiança e incentivo nos momentos difíceis.
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À Amélia, minha amiga, pela disponibilidade nas horas e situações mais imprevistas.
Ao Ir. Dávide Pedri, meu amigo, pelo interesse, torcida e autorização para que eu pudesse realizar
este estudo.
Ao Ricardo Tescarolo, grande amigo e companheiro, de trabalho pela credibilidade e incentivo
permanente.
Ao Ir. Benê, amigo de todas as horas pelas mensagens de esperança, incentivo e força.
À Ana Tereza, grande amiga e responsável por minha trajetória na Instituição, pela confiança nomeu trabalho.
Ao Ir. Egídio, parceiro de ideal, pela amizade e pelo apoio traduzido em sua sabedoria e presença.
À Instituição Marista, em especial ao Ir. Dario, pelo apoio financeiro e pela demonstração de
confiança e estímulo para a realização deste estudo.
Às companheiras de trabalho, Ana Claudia, Regina, Renata, Maria Paula, pela amizade e pelas
incontáveis oportunidades de discussão que contribuíram para desvendar questões importantes deste estudo.
À Elvira, Cleivan, Patrícia França, Eliane, Marisete, Antonia, Ana Paula, Eva, Alzira e André
funcionários do colégio, pelo constante interesse e incentivo.
Aos professores Maber, Tito, Andréa Coelho, Vanessa, Adriana, Telma, Marco, Luília, Débora,
Cláudia, Zilá, Eliza, José Roberto e Mirlene, companheiros de trabalho pela disponibilidade e interesse, e ao
professor Arnaldo Camargo, pela versão do resumo em inglês.
Aos demais professores e funcionários do Colégio Marista Nossa Senhora da Glória, pela força para
o êxito deste estudo.
Aos amigos do mestrado, Rita, Marcos, Fátima, Eleni, Marielza e Betina, pelo companheirismo e
pelo exemplo de união.
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Aos professores do programa de pós graduação, Cleide, Marisa Todescan, Christian, Lucia, pela
relevante contribuição à minha formação.
À minha mãe, pela compreensão e apoio na minha caminhada.
Ao meu irmão Silvio, grande amigo, pelo impulso constante na minha trajetória profissional.
À minha cunhada e amiga Dora, à Any e à Ludmila, pelo carinho, estímulo e incentivo nos
momentos difíceis.
Aos meus sobrinhos, Silvinho, Marquinhos e Miriam, pela torcida e incentivo constantes.
Finalmente, à Deus, pela minha vida e pela possibilidade de ter encontrado pessoas tão
maravilhosas que contribuíram significativamente com o meu crescimento.
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GARCIA, Sandra Regina Rezende. Um estudo do termo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein à luz da Abordagem Sócio-Históricade Vygotsky: um estudo teórico. São Paulo: Universidade São Marcos. Programa de pós-graduação em Psicologia. Dissertação de Mestrado, 2004. 210p.
RESUMO
Este estudo investiga se o termo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural de Feuerstein tem o mesmo significado atribuído por Vygotsky. Apresenta a
abordagem sócio-histórica de Vygotsky em que se explora de maneira breve seu histórico de
vida, seu percurso profissional, o contexto histórico e geográfico e as características sociais
em que o autor está inserido. Explicita as bases teóricas e metodológicas e as correntes de pensamento que o influenciaram para identificar seus pressupostos epistemológicos,
ontológicos, gnoseológicos e sua concepção teórica. Reconhece-se, ainda, a necessidade de
fazer um resgate histórico do termo mediação e, assim, apresenta de maneira sucinta o
percurso deste termo ao longo do tempo em Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx. Em
relação a Feuerstein, adota-se o mesmo procedimento e, a partir daí, busca-se o uso e
significado do termo mediação presente em sua teoria, nos instrumentos criados por ele – PEI
(Programa de Enriquecimento Instrumental) e o LPAD (Avaliação Dinâmica do Potencial de
Aprendizagem) –, no mediador e nos critérios de mediação. Com base nos escritos de
Vygotsky e de alguns estudiosos de sua teoria acerca do significado de mediação, realiza-se a
análise dos dados com o objetivo de elencar pontos de convergência e divergência nos dois
autores. Opta-se pelo método dialético, conforme estabelecido por Henri Lefébvre, por
acreditar que tal método auxilia na produção e análise dos dados, num movimento de
apreender o conjunto das conexões internas, os aspectos e momentos contraditórios da
realidade que circunda esses autores. Em relação ao objeto de estudo, infere-se que, enquanto
para Vygotsky mediação é processo, é a própria relação que ocorre através de signos, da
palavra, da semiótica e não o ato em que alguma coisa se interpõe, para Feuerstein a mediação
se dá por meio da Experiência de Aprendizagem Mediada, isto é, com a presença do mediador
que organiza, seleciona os estímulos para contribuir na aprendizagem, promovendo a
Modificabilidade Cognitiva Estrutural.
Palavras chave: mediação, abordagem sócio-histórica, Vygotsky, aprendizagem mediada,
Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, Feuerstein.
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GARCIA, Sandra Regina Rezende. A study about mediation on the Theory of StructuralCognitive Modificability by Feuerstein concerning the Social – Historical Approach byVygotsky: a theoretical study. São Paulo: São Marcos University. Postgraduation Programon Psycology. Dissertation for Master, 2004. 210p.
Abstract
The purpose of this research is to study the meaning of mediation concerning on the
Theory of Structural Cognitive Modificability developed by Feuerstein, to identify if it’s the
same meaning concerning on the Vygotsky’s theory. Toward this intention, will be also
showed a social and historical point of view of Vygotsky based on his life and work, verifying
the historical, social and geographic characteristics to expose his epistemological, ontological
and gnoseological knowledge, relied on the method and theory created by Vygotsky. To
follow this intention, it’s also important to observe how some significant philosophers -
Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel and Marx - consider the term mediation. In Feuerstein
work, this conception of mediation will be seen in PEI – Instrumental Enrichment Program,
LPAD – Learning Pontencial Assessment Device, mediator and mediation criterious. Thus,
will also be possible to compare the common and divergent point of view of Vygotsky and
Feuerstein in the same aspects. The method adopted is the dialetic, as seen by Henri Lefébvre,
due to the fact that it makes possible to reach the goals of this work. Hence, it’s possible to
infer that mediation, as seen by Vygotsky, is a process, a relation given by the sign, word or
semiotics; it is not act interfered by someone, while in Feuerstein works the conception of
mediation is given through Mediated Learning Experiences with assistance of a mediator to
organize, select the stimulus that will contribute to the learning act, toward Structural
Cognitive Modificability.
Keywords: mediation, social – historical approach, Vygotsky, mediated learning, Theory of
Structural Cognitive Modificability, Feuerstein
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SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................................... 1
Capítulo 1 - A Abordagem Sócio-Histórica de Vygotsky ................................................. 9
1.1. Histórico de vida ..................................................................................... 9• A família ..................................................................................... 9• O percurso profissional ............................................................... 12• Os últimos anos ........................................................................... 14
1.2. Contexto histórico e geográfico .............................................................. 14
1.3. Bases teórico-metodológica e filosófica de Vygotsky ............................ 17
1.3.1. Base teórico-metodológica ......................................................... 171.3.2. Base filosófica ............................................................................. 20
1.4. A mediação ............................................................................................ 24
1.4.1. O percurso de um significado ..................................................... 25• Sócrates: atitude reflexiva e mediação ........................................ 26• Platão: a metáfora como recurso de mediação ........................... 28• Aristóteles: o termo médio .......................................................... 30• Hegel: a mediação, o si mesmo e o outro ................................... 33• Marx: a mediação na relação homem-natureza .......................... 36
1.4.2. A mediação em Vygotsky ........................................................... 38
Capítulo 2 - Método ............................................................................................................ 56
• Fundamentação Metodológica ................................................................. 56• Procedimento Metodológico .................................................................... 60• Categorias de Análise .............................................................................. 61
Capítulo 3 - A mediação em Reuven Feuerstein ............................................................... 63
3.1. Histórico de vida ..................................................................................... 63• A família ..................................................................................... 63• O percurso profissional ............................................................... 65•
Feuerstein nos dias atuais ........................................................... 673.2. Contexto histórico e geográfico .............................................................. 69
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3.3. Bases teórico-metodológica e filosófica ................................................. 71
3.3.1. Base teórico-metodológica ............................................................ 71
3.3.1.1. Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) . 73• A Função Cognitiva ................................................. 80• O Mapa Cognitivo ................................................... 83
3.3.2. Base filosófica . ............................................................................. 86
3.4. A mediação em Feuerstein ...................................................................... 103
3.4.1. Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM) ......................... 103•
O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) ..................... 107• Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem (LPAD) .... 111• O mediador .................................................................................... 114• Critérios de mediação .................................................................... 118
Capítulo 4 - Análise e discussão dos dados ........................................................................ 126
4.1. Dados obtidos ........................................................................................... 127
4.1.1. Contexto histórico .......................................................................... 127A. Vida e família .............................................................................
127B. Percurso profissional .................................................................. 132C. Contextualização espaço temporal e aspectos sociais ................ 134
4.1.2. Filiação metodológica e filosófica – a partir da leitura das obrasde Vygotsky e Feuerstein ............................................................... 137A. Base Teórico-Metodológica ....................................................... 137B. Base Filosófica ............................................................................ 143
4.1.3. Pressupostos Ontológicos – a partir da leitura das obras de
Vygotsky e Feuerstein ................................................................... 149A. Concepção de Homem ................................................................ 149B. Concepção de Sociedade ............................................................ 151C. Concepção de Mundo ................................................................. 151D. Concepção de História ................................................................ 152
4.1.4. Pressupostos lógico-gnoseológicos – a partir da leitura das obras
de Vygotsky e Feuerstein .............................................................. 152A. Concepção de objeto: Aprendizagem, desenvolvimento einstrumentos ....................................................................................
152
4.1.5. Concepção teórica – a partir da leitura das obras de Vygotsky e
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Feuerstein ....................................................................................... 154
4.2. Dados obtidos........................................................................................... 161A. A mediação segundo as diferentes leituras da obra de Vygotsky ....... 161
B. A mediação segundo as diferentes leituras da obra de Feuerstein ..... 166
4.3. Discussão dos dados ................................................................................ 170
A. Vida em família ................................................................................... 171B. O percurso dos pensadores no tempo e espaço ................................... 172C. A mediação sob o olhar de Vygotsky e Feuerstein ............................. 174
Considerações finais ........................................................................................................... 193
Referências Bibliográficas .................................................................................................. 199 Bibliografia consultada ....................................................................................................... 208
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INTRODUÇÃO
“Sim, sou eu mesmo, tal qual resultei de tudo...Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma...”
Fernando Pessoa
O interesse pela temática do presente estudo, a mediação, é resultante de minha
trajetória profissional na área da Educação. Em 1973, iniciei minha carreira como docente
no segmento da Educação Infantil, no qual atuei por quatro anos. Em seguida, fui
designada para a docência na primeira série o que, para mim, constituiu-se em um novo
desafio: a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de meus alunos e observar, no
processo de alfabetização, o resultado de minha mediação entre eles e o conhecimento,
estabelecida através de minha presença física entre tais alunos e os conteúdos
desenvolvidos.
A mediação era entendida por mim, naquele momento, tal como Houaiss (2001:1876)
a define. Para esse autor, a palavra mediação tem origem no latim “mediatio” e a sua
etimologia sugere intercessão, interposição e intervenção. Mediador, por sua vez, segundo
Houaiss (op. cit.), é aquele que exerce papel de intermediário, que medeia, intermedeia,
enfim, que atua como um elo. Mediação era ainda por mim concebida como Japiassu e
Marcondes (2001) a definem, ou seja, em seu sentido genérico, como a ação de relacionar
duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou “ponte”, de permitir a passagem de umacoisa à outra. Portanto, percebia-me em minha prática pedagógica como um elemento
mediador do conhecimento, como a principal responsável pela aprendizagem do aluno,
evidenciando, assim, a minha responsabilidade neste processo.
Permaneci como docente na primeira série até 1984. Nos anos seguintes, lecionei nas
2ª, 3ª e 4ª séries, respectivamente. Cada designação significava um novo desafio, um convite a
me dedicar mais aos estudos, buscando subsídios para o meu fazer pedagógico. Ocorreu,
então, uma nova mudança: fui convidada para ser orientadora educacional e, para tanto, tinha
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que deixar a sala de aula. Neste período, eu já trabalhava no Colégio Marista Nossa Senhora
da Glória.
Como orientadora educacional, eu atuaria junto aos pais e professores de crianças e
adolescentes, o que me abriria novos horizontes. Essa nova atuação foi um trabalho
desafiante, pois vivenciei o papel de mediadora, desta vez, na relação com adultos. Em
inúmeras situações que envolviam questões acerca do desenvolvimento, da aprendizagem e
do relacionamento entre pais e filhos ou professores e alunos, eu era o elemento mediador
dessas relações.
Atuando como orientadora educacional, coordenava grupos de pais nos quaisdiscutíamos questões que nos preocupavam acerca de seus filhos, para que eles se sentissem
mais capacitados não para resolvê-las, mas, principalmente, para entendê-las. A organização
dos grupos de pais tinha por intenção criar momentos para reflexão, porque acreditava no fato
de ser a escola um importante núcleo de convivência e socialização do ser humano, o ponto de
referência na constituição de valores, normas e costumes estabelecidos pela sociedade. Por
este motivo, acreditava que a escola deveria proporcionar espaços de formação não só para os
filhos, mas também para aqueles que, de fato, são os primeiros responsáveis pela educaçãodeles, os primeiros mediadores, os pais.
Atualmente percebo que a minha concepção psicológica e pedagógica estava
embasada na concepção pedagógica do “aprender a aprender” em que, segundo Duarte
(2001), caberia à escola preparar os indivíduos para aprenderem o que deles seria exigido pelo
processo de sua adaptação às relações sociais que presidem o capitalismo contemporâneo. O
autor tece uma crítica em relação a essa função da escola, dizendo que assim se formariamindivíduos alienados. Naquela época, eu não enxergava essa questão no meu papel como
docente.
Essa concepção do ‘aprender a aprender’ foi proposta no Documento da Unesco
(1998), no qual Delors explicita que a educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e
eficaz, cada vez mais saberes e saber fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois
são as bases das competências do futuro. À educação cabe fornecer, de algum modo, os
mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que
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permita navegar através dele. Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a
aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Na continuidade de minha trajetória como educadora, fui convidada para assumir o
cargo de coordenadora pedagógica. Entendi que, aceitando tal convite, estaria mais próxima
do professor e vivenciaria a mediação numa outra perspectiva, colaborando com este
professor no seu processo de capacitação, atualização e planejamento de seu fazer
pedagógico.
Nesta época, repensamos a proposta pedagógica da escola. A qualidade do
planejamento ganhou relevância e foi instituído no plano de trabalho do professor um campo
na estrutura do plano de ensino, nomeado de “mediação”, reservado para que ele pudesse
registrar seus procedimentos, selecionar as atividades a serem utilizadas considerando os
indicadores da consecução dos objetivos propostos, um espaço em que a sua prática era
explicitada no papel. Nesta oportunidade, também intensificamos nossas reflexões acerca da
concepção de Educação, de Escola, de Homem que pretendíamos formar, constatando que
caminhávamos no processo educacional numa perspectiva da psicologia sócio-histórica.
Sendo assim, estudos foram realizados e muitas reflexões acerca do desenvolvimento
acabaram por fazer parte do processo de formação do grupo de professores. Os seguintes
pressupostos, pilares básicos do pensamento de Vygotsky, passaram a nortear nossos estudos
e discussões, do ponto de vista pedagógico e psicológico:
As funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividadecerebral;O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e
o mundo exterior, as quais desenvolvem-se em um processo histórico;A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos(Oliveira, 1993:23).
Embasados nestes pressupostos entendíamos que nós, educadores, deveríamos estar
sempre atentos ao processo de aprendizagem e desenvolvimento e à relação entre ambos,
dado que, segundo Vygotsky, conforme observa Oliveira (1998), aprendizagem tem um
significado abrangente, envolvendo a interação social. Nessa interação, o homem transforma-
se de ser biológico em ser sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte da
constituição da sua natureza.
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De acordo com Vygotsky, como definido por Oliveira (1998), o aprendizado constitui-
se num processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc
a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente, com as outras pessoas.
Cabe observar ainda que a palavra aprendizagem no idioma russo “obuchenie”,
segundo Oliveira (op. cit.), engloba tanto o conceito de ensino quanto o de aprendizagem,
incluindo assim aquele que aprende, aquele que ensina, bem como a relação entre ambos.
Este, portanto, passou a ser o nosso modo de compreender e utilizar o termo.
Alicerçados nos pressupostos de Vygotsky e nos princípios psicológicos derivados
destes pressupostos, assumimos a tarefa de acompanhar o aprendizado de nossos alunos,cientes de que deveríamos estar sempre atentos para o fato de que é o aprendizado que
possibilita o despertar dos processos internos de desenvolvimento. Para o autor, a relação do
homem com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas
simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo. Nesse sentido, passamos a
considerar o aluno como um indivíduo concreto, mediado pelo social, determinado histórica e
socialmente, jamais podendo ser compreendido fora do contexto de suas relações e vínculos.
Interessada em buscar fundamentos para continuar pensando a questão da mediação,
conceito central da teoria de Vygotsky, e do papel do mediador, ingressei, em 1994, no curso
denominado “Programa de Enriquecimento Instrumental – PEI”.
Antes de prosseguir no relato sobre o meu percurso profissional e acadêmico,
considero necessário esclarecer o que é o PEI. Este programa fundamenta-se na Teoria da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Reuven Feuerstein
1
, segundo a qual a experiência deaprendizagem mediada e o papel do mediador são determinantes no desenvolvimento do
indivíduo. De acordo com essa teoria, a modificabilidade diz respeito à capacidade que o
indivíduo tem de se adaptar de forma estrutural, abrangente e permanente aos novos estímulos
que se lhe apresentam. Essa adaptação possibilita às suas funções cognitivas um maior
desenvolvimento, gerando como conseqüência uma facilidade de aprender conteúdos novos.
1 O terceiro capítulo apresenta os fundamentos dessa teoria.
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Para Feuerstein a experiência da aprendizagem mediada corresponde a:
Uma cualidad de la interaccion ser humano-entorno que resulta de los cambiosintroducidos em esta interacion por um mediador humano que se interpone entre elorganismo receptor y las fuentes de estímulo. El mediador selecciona, organiza y planifica los estímulos, variando su amplitud, frecuencia e intensidad y lostransforma en poderosos determinantes de un comportamento... cambia de maneirasignificativa los tres componentes de la interacción mediada: el organismoreceptor, el estímulo y el próprio mediador 2 (Feuerstein, 1997: 38).
Cabe esclarecer que o PEI é um programa de intervenção constituído de 14 conjuntos
de tarefas (instrumentos) de lápis e papel, a serem realizadas pela criança com a mediação
de um profissional capacitado para tal. Para Feuerstein, as funções cognitivas deficientes
formam o que ele denomina de “síndrome de privação cultural”, que limitamcognitivamente o indivíduo no que se refere à consideração das informações tanto em sua
assimilação como na sua elaboração e devolução ou resposta. Os instrumentos buscam o
desenvolvimento das funções cognitivas deficientes que estão relacionadas com a baixa
compreensão do ambiente que cerca o sujeito e com a baixa performance escolar.
Em 1999, recebi a proposta para assumir o cargo de Diretora Educacional, que ocupo
até hoje, no qual uma das minhas funções é ser elemento de ligação entre os núcleosadministrativo, cultural, pastoral, tecnológico e psicopedagógico que compõem o corpo
diretivo da escola. Ser diretora educacional desta escola consiste em coordenar o
planejamento global da unidade, administrar conflitos, orientar adultos em diferentes funções,
professores e funcionários. Enfim, parece-me que uma de minhas principais funções consiste
em mediar relações.
Até esse momento de meu percurso na Educação, minha concepção sobre mediaçãonão havia sofrido alterações significativas e assim continuava buscando um melhor
entendimento sobre esse termo.
Dando continuidade ao processo de aperfeiçoamento profissional, ingressei no
Programa de Mestrado em Psicologia com o objetivo de aprofundar os estudos que me
2 Uma qualidade da interação do ser humano – entorno que resulta das mudanças introduzidas nesta interação
por um mediador humano, que se interpõe entre o organismo receptor e as fontes de estímulo. O mediadorseleciona, organiza e planifica os estímulos, variando suas amplitude, freqüência e intensidade e os transformaem importantes determinantes do comportamento... muda de maneira significativa os três componentes dainteração mediada: o organismo receptor, o estímulo e o próprio mediador (tradução nossa).
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possibilitassem um melhor entendimento acerca do significado do termo mediação e do papel
do mediador.
Ao cursar o programa acima citado, aprofundei-me no estudo da Teoria Sócio-
Histórica, na perspectiva de Vygotsky, mais especificamente no que este autor entende por
mediação. Com base nesses estudos comecei a fazer inúmeras indagações sobre a utilização
deste termo, dado que o mesmo, conceito central da Teoria de Vygotsky, é utilizado por
Feuerstein em sua Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural.
Dentre as muitas indagações, a que despertou maior interesse e me levou a realizar o
presente estudo foi a seguinte: o significado do termo mediação, utilizado por Feuerstein nasua Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, tem o mesmo significado do termo
mediação proposto por Vygotsky?
Assim, percebo que objeto do meu estudo foi gestado ao longo da minha trajetória de
vida. O fato de estar implicada com a educação e trabalhar com processos mediadores
despertou o interesse em estudar a mediação. O sentido do termo mediação, para mim, foi
sendo então construído como um processo que foi integrando minhas vivências pessoaismarcadas por motivos e ações sempre em busca de melhores resultados. A forma como este
termo foi significado, em cada momento, desencadeou a necessidade de se debruçar sobre o
conceito e discernir o que, enfim, ele significa.
Mediação pressupõe uma ação, o próprio conceito trazido de Houaiss mostra isso.
Minha atuação como educadora agindo como mediadora em vários processos, envolvendo
várias pessoas em diversas situações, provocou muitos conflitos e necessidade de reflexãosobre o que é mediar. Como ação implica uma reflexão e vice e versa, a reflexão implica no
discernimento da ação.
Para buscar respostas a esta indagação, realizei uma revisão da literatura e nenhum
estudo que pudesse responder a minha indagação foi encontrado. Para tanto, elaborei o
presente estudo, que tem por objetivo investigar se o termo mediação, utilizado por Feuerstein
em sua Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, tem o mesmo significado do termo
mediação, proposto por Vygotsky.
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No transcorrer da pesquisa, fui buscar os significados do termo construídos
historicamente e nas várias formulações teóricas, mostrando uma abertura para o movimento
dialético ascendente e descendente na construção dos conceitos: dos cotidianos e vivenciais
para os científicos que retornam ao cotidiano, transformando a prática em práxis. Estudar
mediação implica no reconhecimento dos princípios e pressupostos gnoseológicos e
epistemológicos que embasam, em cada teoria ou área do conhecimento, esse conceito.
Acreditamos que o desenvolvimento do presente estudo seja relevante na medida em
que poderá contribuir para as discussões educacionais contemporâneas acerca do significado
da “mediação” e de sua utilização.
Tendo em vista o objetivo proposto, a pesquisa em questão ficou assim constituída: no
primeiro capítulo, apresentamos a abordagem sócio-histórica de Vygotsky em que exploramos
de maneira breve seu histórico de vida, seu percurso profissional, assim como o contexto
histórico e geográfico e as características sociais em que o autor está inserido. Apresentamos
ainda as bases teóricas e metodológicas e as correntes de pensamento que o influenciaram
para identificar seus pressupostos epistemológicos, ontológicos, gnoseológicos e sua
concepção teórica. Reconhecemos a necessidade de se fazer um resgate histórico do termomediação e desta forma apresentamos de maneira sucinta o percurso deste termo ao longo do
tempo em alguns filósofos: Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx, assim como os
significados que foram atribuidos ao termo mediação nas diferentes áreas do conhecimento.
Apresentamos também o significado do termo mediação para Vygotsky bem como para os
leitores deste autor. O segundo capítulo tem por finalidade apresentar o método a ser
utilizado, a sua fundamentação metodológica, o procedimento metodológico, bem como as
categorias de análise a serem utilizadas para iluminar a interpretação dos dados. O capítulotrês apresenta, de maneira sucinta, o histórico de vida de Feuerstein, seu percurso profissional,
seu contexto histórico e geográfico, suas bases teóricas e metodológicas e as correntes de
pensamento que o influenciaram. Apresenta a Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural e os instrumentos criados por ele – PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental)
e LPAD (Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem) –, bem como o significado que
Feuesrtein atribui ao mediador e os critérios de mediação, buscando entender o uso do termo
mediação. O quarto e último capítulo tem por finalidade apresentar, discutir e analisar os
dados obtidos sobre Feuerstein à luz dos fundamentos teóricos de Vygotsky, buscando elencar
pontos de convergências e divergências. As considerações finais trazem uma síntese das
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idéias dos autores sobre o objeto de nosso estudo, ou seja, a mediação; refletem sobre a
contribuição das pesquisas desses autores no campo educacional e apontam a necessidade de
aprofundamentos, já que tantas questões ficam em aberto dada a riqueza das obras dos
autores.
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CAPÍTULO 1 - A ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY
“...por isso, é preciso fazer:da interrupção um caminho novo,
da queda um passo de dança,do medo uma escada,do sonho uma ponte,
da procura um encontro.”
Fernando Sabino
Este capítulo tem três objetivos. O primeiro consiste em apresentar um breve histórico
da vida de Vygotsky, situando-o geográfica e historicamente, tendo em vista apresentar o
cenário de sua formação pessoal entendida como a formação familiar, intelectual, cultural e
social. O outro é explicitar sua filiação teórico-metodológica, bem como a base filosófica dos
seus escritos. Um terceiro é explicitar o que Vygotsky entende por mediação recorrendo para
isso a seus escritos e de alguns dos estudiosos de suas obras.
Tendo em vista os objetivos propostos, o presente capítulo será constituído dos
seguintes itens: histórico de vida; contexto histórico e geográfico; as bases teórico-
metodológica e filosófica; a mediação – o percurso de um significado e a mediação em
Vygotsky.
1.1. HISTÓRICO DE VIDA
• A FAMÍLIA
Para este breve histórico recorro aos escritos de Molon (1995), que têm me inspirado
nos estudos que venho realizando sobre Vygotsky.
Molon (1995) relata que a data de nascimento de Lev Semyonovitch Vygotsky aparecena literatura de duas maneiras: em alguns textos 5 de novembro de 1896 e em outros 17 de
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novembro de 1896. Relata ainda que ele nasceu na cidade de Orsha, então capital da Bielo
Rússia, indo logo em seguida para Gomel, cidade em que viveu sua infância, adolescência e
os primeiros anos de sua atividade profissional. A autora nos conta que em Gomel, embora
sendo uma cidade configurada como um pequeno reduto judaico, imposto pela Rússia
czarista, sua família vivia uma situação financeira, social e intelectualmente privilegiada. Seu
pai era chefe de departamento do banco central de Gomel e representante de uma companhia
de seguros: um homem inteligente, irônico e sério, sua preocupação com a cultura o levou a
influenciar a abertura da biblioteca pública de Gomel. Sua mãe, uma pessoa extremamente
culta, falava vários idiomas e era apaixonada por poesia, dedicada ao lar e à criação dos
filhos. Recorrendo à Wertsch (1988) e Rivière (1988), a referida autora afirma que com a sua
mãe, Vygotsky aprendeu o alemão e adquiriu amor pela poesia. Além do alemão, eraconhecedor de latim e grego, fazia leituras em hebraico, francês e inglês. Informa a citada
autora que seus pais tiveram oito filhos: ele era o segundo. Muitas pessoas referiam-se à sua
família como sendo uma das mais cultas da cidade. Devido a isso, Vygotsky teve a
oportunidade, desde muito cedo, de viver num clima intelectualizado, num ambiente
equilibrado e motivador do ponto de vista cultural e intelectual. Na educação proporcionada
por essa família todos tinham acesso sistematizado a leituras individuais ou a discussões e
debates realizados na hora do chá e com o tutor.
Cabe assinalar que nessa época, na Rússia Czarista, o anti-semitismo era vigente,
negando assim o acesso de judeus aos sistemas educacionais formais. Nesse sentido, a
educação era garantida pela presença de um tutor, as crianças e adolescentes judeus
submetiam-se à educação por esta via. Vygotsky teve como tutor Salomon Ashpiz, que o
acompanhou e o influenciou por vários anos. Ashpiz tinha como princípio pedagógico o
desenvolvimento espontâneo do pensamento de seus alunos e por isso só lidava com alunos bem dotados, bem formados e com profunda capacidade para desenvolver seus potenciais
específicos.
Molon cita Rivière (1988), que apoiado em Dobkin afirma que Vygotsky ministrava
seminários sobre a História dos Judeus aos seus companheiros refletindo sobre os sérios
problemas da Rússia czarista, como a questão da nacionalidade e das minorias étnicas: este
teria sido o fator desencadeante de seu interesse pelos problemas da História e da Filosofia,especialmente pela dialética hegeliana.
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A partir dos 15 anos, Vygotsky passou a dirigir os seminários e debates centrados
numa discussão mais filosófica, embora seu interesse principal naquele momento fosse o
teatro e a literatura. Segundo a citada autora, a orientação de seus estudos e interesses estava,
desde sempre, dirigida à literatura, lingüística, línguas clássicas, crítica e filosofia, e foi
justamente essa herança que lhe permitiu enxergar criticamente a Psicologia. A autora
assinala que além de seu tutor, seu primo David Vigodski, que era alguns anos mais velho e
chegou a ser um importante lingüista, foi seu mentor intelectual. Eles compartilhavam de
interesses comuns como a semiologia, os problemas lingüísticos, a paixão pela poesia e pelo
teatro.
Molon nos dá conta de que Vygotsky freqüentou, em 1913, um colégio privado judeu
na cidade de Gomel, apenas nos dois últimos anos de seu bacharelado, graduando-se com
medalha de ouro. Mas nem a medalha de ouro e nem o destaque pela capacidade de analisar
os problemas e pensar de forma original pouparam-no do preconceito anti-semita. Molon
ressalta que a condição dos judeus na Rússia czarista naquela época era limitada, havendo
enorme dificuldade para o acesso à Universidade.
Wertsch (1998) relata que quando Vygotsky estava realizando os exames finais para
ingressar na universidade, o número de judeus nas Universidades de Moscou e São
Petesburgo era de 3%. Segundo ele, o Ministério da Educação decretou uma norma que
colocava ainda mais restrições à entrada dos judeus na Universidade. Antes desse decreto, a
seleção se dava pelo critério de qualidade do aluno, a qual não oferecia problema para
Vygotsky, visto que era considerado o melhor aluno e detentor de medalha de ouro. Naquele
momento a cota de 3% seria mantida, só que os alunos seriam selecionados por lotes, pelasuniversidades. Essa mudança visava diluir a qualidade dos estudantes judeus nas melhores
universidades. No ano do ingresso de Vygotsky à Universidade, o processo de ingresso foi
alterado para o sistema de sorteio e foi dessa maneira que Vygotsky entrou na Faculdade de
Medicina de Moscou, por influência dos pais. Essa insistência dos pais estava relacionada à
possibilidade de trabalho ao judeu, pois apenas médicos e advogados poderiam exercer a vida
profissional desvinculados do governo, já que no governo czarista era negado ao judeu o
direito de trabalhar. Sua permanência no curso de medicina não ultrapassou um mês, tempo
necessário para perceber a ausência de interesse pela área: transferiu sua matrícula,
ingressando na faculdade de direito.
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Molon (1995) ainda relata que paralelo à Faculdade de Direito, realizou estudos de
Filosofia e História na Universidade Popular de Shanyavskii, que era uma instituição livre
formada por destacados intelectuais expulsos por razões políticas da Universidade Imperial.
Esta instituição não oferecia títulos pois não era reconhecida pelas autoridades educativas da
Rússia czarista. Vygotsky identificava-se mais com esta atmosfera: encontrava espaço
estimulante para sua mente crítica e analítica.
• O PERCURSO PROFISSIONAL
Para Wertsch (1998) é difícil precisar sobre os impactos da Revolução de 1917 na
construção teórica de Vygotsky, mas seguramente ocorreram mudanças significativas em toda
a população russa e nas ciências em geral.
Em 1917, ano da Revolução Russa, graduou-se em Direito pela Universidade de
Moscou. Regressou então a Gomel, onde permaneceu por mais sete anos trabalhando junto
com o seu primo David Vigodsky como professor de Literatura e Psicologia na Escola de
Magistério. Molon fez esse relato citando Siguán (1987) para observar que o fato de ensinarPsicologia levou Vygotsky a se interessar pela ciência psicológica, tanto pelo aporte
pedagógico quanto pelo corte teórico e ideológico. Vygotsky fundou, então, o Laboratório de
Psicologia da Escola de Magistério de Gomel, local em que ministrou as várias conferências
que compuseram sua obra de 1926 intitulada “Psicologia e Pedagogia”. No final de 1918,
realizou conferências de Literatura e Ciências, além de cursos de Estética e História da Arte,
em um conservatório.
Durante os sete anos que permaneceu em Gomel, sua atividade profissional
caracterizou-se pela diversidade e intensidade de seus trabalhos, dedicando-se a amplo
conjunto de projetos que envolviam Pedagogia, Estética, Literatura, Arte e Psicologia.
Molon, apoiada em Rivière (1988), assinala que Vygotsky realizou em Gomel seus
primeiros trabalhos de Pedagogia e Didática. Suas publicações de artigos, comentários e
observações de caráter pedagógico foram constantes. Com relação à Literatura e à Arte,
fundou uma revista, denominada Veresk, especializada em crítica e literatura de vanguarda.
Foi diretor da seção de teatro da Instituição Pública da cidade, além de participar em reuniões
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na “Segunda Feira Literária” sobre obras de novelistas, ensaístas e poetas novos da Rússia.
Também realizou algumas publicações analisando obras importantes da literatura da época,
junto com Dobkin e David Vygodsky, sendo as mais importantes a monografia sobre “A
tragédia de Hamlet”, em 1916, que desencadeou a obra “Psicologia da Arte”, em 1925.
Wertsch (1998) observa que além de todas essas atividades, Vygotsky dedicava-se à
leitura. Entre os poetas que lia estão Tjutchev, Blok, Mandelstam e Pushkin; os escritores,
Tolstoi, Dostoievski, Bely e Bunin; os filósofos, James e principalmente, Espinosa; o filólogo
e lingüista Potiebniá e as obras de Freud, Marx, Engels, Hegel e Pavlov.
Todo esse arcabouço teórico–prático adquirido, especialmente na Literatura e naFilosofia, propiciou a entrada de Vygotsky na Psicologia de forma crítica, passando a dedicar-
se intensamente a ela, o que inclusive marca uma data significativa na sua trajetória
profissional e pessoal.
Segundo Molon, Vygotsky possuía uma capacidade de oratória espetacular, não
somente diagnosticada pelos seus futuros colegas e discípulos mas, também, por todos
aqueles que entravam em contato com ele através de aulas, conferências... Existia algoespecial, hipnotizador, que atraia muita gente. Era considerado ativo, produtivo,
comunicativo, disposto e uma pessoa que possuía a capacidade de escutar o outro.
A citada autora relata que em 1924 Vygotsky conheceu Alexandre R. Luria, membro
do Instituto de Psicologia de Moscou que, definitivamente, havia se deixado impressionar
pelas idéias e propostas que Vygotsky acabara de expor. Por influência de Luria, Vygotsky foi
convidado para integrar o corpo de assistentes do referido instituto. Além de trabalhar comum grupo de talentosos colaboradores, tais como o próprio Luria, A.N. Leontiev, L.S.
Sakharov e outros, passou a atuar no Instituto de Estudos das Deficiências, por ele fundado.
Nesta mesma época, dirigiu um departamento de educação especial para deficientes físicos e
mentais em Narcompros, além de ministrar cursos na Academia Krupskaya de Educação
Comunista, na Segunda Universidade Estadual de Moscou.
Segundo Palangana (1994), foi em decorrência dessa experiência com educação
especial que Vygotsky passou a se interessar, mais sistematicamente, pela psicologia. De
1925 a 1934, atuou como professor em Moscou e Leningrado. Neste período, liderou um
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grupo de jovens cientistas comprometidos em pesquisas nas diferentes áreas da psicologia,
orientadas para uma análise histórico-crítica da situação da psicologia na Rússia e no resto do
mundo. O objetivo último desses teóricos era propor, a partir das conclusões obtidas, uma
nova forma, um modelo mais abrangente para explicar os processos psicológicos humanos.
• OS ÚLTIMOS ANOS
Palangana (1994) relata que, a partir de 1920, Vygotsky começou a ter problemas de
saúde. A tuberculose já ameaçava sua vida e foi companhia constante durante os próximos
quatorze anos, fato que o obrigava a tratamentos permanentes, internações freqüentes e
repouso. Encarava o medo de uma morte anunciada e a impossibilidade de realizar seu
trabalho.
Em 1924, casou-se com Rosa Smekhova, com quem teve duas filhas. Sua esposa foi
uma presença importante pela sua capacidade de ajudá-lo a superar os momentos difíceis em
Moscou. Durante a década de 1924 a 1934, Vygotsky apresentava um ritmo de trabalho muito
intenso, atingindo quase 200 publicações e se envolvendo em inúmeros projetos de trabalhoem várias cidades. Mas toda essa vitalidade não superou uma nova hemorragia conseqüente
de seus ataques de tuberculose. Em 2 de junho de 1934 foi hospitalizado, falecendo em 11 de
junho, aos 38 anos. Seu enterro ocorreu no cemitério de Novodevechii, em Moscou.
1.2. CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
Lev Semyonovitch Vygotsky viveu um tempo de profundas transformações sociais,
culturais e políticas em seu país. Segundo Burns (1968), tais transformações entraram para a
História da Humanidade, pois constituíram-se na primeira experiência de organização social e
política socialista, desencadeada pela Revolução de Outubro de 1917 – a Revolução Russa.
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O momento histórico que antecede este cenário de transformações indica-nos uma
Rússia submetida a um poder centralizador e opressor em torno do Czar Nicolau II. Cumpre-
nos ressaltar que tal sistema de governo constituía-se num regime absolutista com exacerbada
concentração de poder personificado na figura do Czar, revelando sua dimensão autocrática e
autoritária.
Segundo Clark (1997), a sociedade apresentava-se organizada em camadas rígidas,
verdadeiros estamentos, indicando pouca (ou quase nenhuma) mobilidade social. As minorias
étnicas eram perseguidas e destituídas de direitos (como acontecia sobremaneira com os
judeus). A maioria da população encontrava-se numa situação de pobreza.
Este é o cenário que irá constituir a base das reivindicações e lutas expressas pela
Revolução de Outubro de 1917. Salomoni (1997) relata que, nesta época, a Rússia achava-se
mergulhada numa grave crise econômica gerada pela I Guerra Mundial em curso. A
população urbana estava empobrecida pelo forte desemprego gerado pelos gastos demasiados
e pelos poucos investimentos ocasionados pela guerra. A população rural, por sua vez, não
tinha terras para plantar. Os militares, cansados e desgastados pela guerra, exigiam melhores
condições de vida. Esses três grupos sociais – operários, camponeses e soldados –organizaram-se em torno dos ideais socialistas, constituindo os bolcheviques (“minoria”, em
russo) e lutaram contra os mencheviques (“maioria”, em russo) na disputa pelo poder. Em
março de 1917, os mencheviques assumiram o poder, mas, num levante verdadeiramente
popular, os bolcheviques assumiram o poder em outubro.
A Revolução Russa de 1917 significou a chegada ao poder das idéias do socialismo
científico de Karl Marx e Friedrich Engels. A partir daí é criada a União das RepúblicasSocialistas Soviéticas, inicialmente sob a liderança de Lênin (até 1922) e posteriormente sob a
ditadura de Josef Stalin.
O governo de Stalin, uma época de terror para o povo soviético, significou também
uma forte centralização do poder em torno do Estado e a perda das garantias e liberdades
individuais. Esta fase ficou conhecida pelos expurgos e pelas condenações, sendo Trotski um
bom exemplo (uma vez que foi exilado), assim como as obras de Vygotsky, que ficaram
proibidas por revelarem a importância do social na constituição do indivíduo, atribuindo força
e poder às coletividades.
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Durante o governo de Stálin (1924-1953) foi totalmente suprimida a liberdade deexpressão e de organização dos trabalhadores. Cientistas, historiadores, artistas eescritores eram obrigados a seguir a linha oficial do partido. Quem discordasse era
punido com dureza (Clark, 1997:27).
Essa situação histórica permite que entendamos a perspectiva e a dimensão da
produção de Vygostky. Trabalhando numa sociedade onde a ciência, como instrumento a
serviço dos ideais revolucionários, era extremamente valorizada, ele, como tantos outros,
empenhou-se em construir uma psicologia que viesse ao encontro dos problemas sociais e
econômicos do povo soviético.
Apesar de ter vivido por um curto período de tempo, este autor escreveu uma vasta e
importante obra. A morte prematura interrompeu o trabalho de Vygotsky, mas suas idéias não
morreram. Graças a seus colaboradores, especialmente Luria e Leontiev, o laboratório para
estudos psicológicos de Kharkov, fundado por eles, continuou sendo reduto de pesquisas em
várias áreas, tanto básicas como aplicadas, relacionadas com os processos de desenvolvimento
cognitivo. Luria, adotando como princípio básico a idéia de que os processos psicológicos
superiores são mediados pela linguagem e estruturados em sistemas funcionais dinâmicos e
historicamente mutáveis, constrói uma obra científica de singular importância registrada em
dezenas de livros publicados. O trabalho de Leontiev não é menos significativo. Comungando
com os mesmos pressupostos filosóficos, ocupou-se com o estudo das relações entre o
desenvolvimento do psiquismo humano e a cultura. Muitos outros seguidores de Vygotsky
estão hoje integrados aos diversos institutos que compõem a Academia Soviética de Ciências
Pedagógicas e também em departamentos de psicologia, como o da Universidade de Moscou.
Desta forma, os princípios de Vygotsky permanecem como um aspecto vivo do pensamento
psicológico soviético e vem recebendo destacada atenção por parte de estudiosos dos paísesocidentais.
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1.3. BASES TEÓRICO–METODOLÓGICA E FILOSÓFICA
1.3.1. BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA
Vygotsky empreendeu um estudo aprofundado das concepções teórico-metodológicas
com as quais a psicologia contava, na época, para explicar seus fenômenos, com o objetivo de
sistematizar uma abordagem fundamentalmente nova sobre o processo de desenvolvimento do
pensamento, uma abordagem que desse conta das funções cognitivas complexas de um sujeito
contextualizado e histórico. Ele observou que boa parte dos métodos disponíveis apoiavam-se
no que ele chamou de “estrutura estímulo–resposta”.
Mas uma estrutura dessa natureza não serve de base para o estudo das funçõessuperiores do comportamento humano, podendo, quando muito, ser utilizada comoinstrumento para registro de experiências com formas subordinadas ou inferiores decomportamento, as quais não contêm a essência das formas superiores, típicas docomportamento humano (Vygotsky 1988:69).
Sendo assim, era preciso desenvolver um novo método que possibilitasse a
compreensão da natureza do comportamento humano como parte do desenvolvimento
histórico geral de nossa espécie. Para a construção desse método, Vygotsky buscou subsídios
na abordagem dialético-materialista, por acreditar que em seus princípios estava a solução
para os paradoxos científicos com que se defrontavam seus contemporâneos. Para Engels:
... o naturalismo na análise histórica manifesta-se pela suposição de que somente anatureza afeta os seres humanos e de que somente as condições naturais são osdeterminantes do desenvolvimento histórico. A abordagem dialética, admitindo ainfluência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobrea natureza e cria, através das mudanças provocadas por ele na natureza, novascondições naturais para sua existência (Engels, apud Vygotsky, 1988:69).
Vygotsky comunga desta última posição, adotando-a como norte do desenvolvimentode seu método analítico experimental.
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De acordo com o pensamento de Engels e Marx, as mudanças históricas na sociedade
e na vida material produzem modificações na “natureza humana”, ou seja, na consciência e no
comportamento dos homens. Ainda do pensamento marxista, Vygotsky herdou a
compreensão da realidade pelos princípios do materialismo histórico e dialético, conforme
explicitaremos mais adiante. Embora esta proposta já tivesse sido estudada por outros teóricos
da psicologia, Vygotsky foi o primeiro a correlacioná-la com o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Ao fazê-lo, interpretou de forma criativa as concepções de Engels
sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos enquanto meios pelos quais o homem,
transformando a natureza, transforma-se a si próprio.
Segundo Palangana (1994), Vygotsky apóia-se basicamente em três princípios para
postular seu método analítico experimental. O primeiro diz respeito à distinção entre a análise
de um processo e a análise de um objeto. Os processos de desenvolvimento psicológico não
podem ser tratados como eventos estáveis e fixos, isto é, como objetos; a tarefa do cientista
consiste em reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da
consciência. Isto não significa excluir o método experimental. Vygotsky demonstrou o
importante papel destinado ao experimento, considerando-o como um meio de desvelar os processos que comumente estão encobertos pelo comportamento habitual. Ele propõe,
portanto, um método experimental pautado na história do desenvolvimento das funções
psicológicas. Vygotsky inclui a história do pensamento da criança na história da cultura e da
sociedade, demonstrando as estreitas relações entre os estudos psicológicos, antropológicos e
sociológicos no entendimento do desenvolvimento da consciência humana.
O segundo princípio refere-se à questão da “explicação versus descrição”. A psicologia não pode desconsiderar as manifestações externas de seu objeto de estudo, mas sua
função é muito mais profunda e abrangente. Estudar um problema sobre o ponto de vista do
desenvolvimento significa revelar sua gênese, o que implica em ir além das características
perceptíveis, desvelando a dinâmica entre os estímulos ou fatores – externos e internos – que
causam o fenômeno.
O terceiro e último princípio trata do problema do “comportamento fossilizado”. De
acordo com Vygotsky, muitas formas de comportamento, tendo passado por um longo
processo de desenvolvimento histórico, tornam-se fossilizadas. O caráter automático dessas
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manifestações cria dificuldades significativas para a análise psicológica: transforma a
aparência original dos comportamentos de modo que suas características externas quase nada
revelam sobre sua natureza interna.
Para equacionar esta problemática, o pesquisador deve procurar interferir na
mecanicidade desses comportamentos, fazendo com que, no decorrer do experimento,
remontem às suas origens. Portanto, estudar o comportamento historicamente significa
estudá-lo em sua dinâmica de transformação.
Palangana (1994) assinala que, em síntese, a proposta metodológica de Vygotsky,
denominada “método funcional da dupla estimulação”, é composta por duas variáveisfundamentais: processo e produto. Ele não despreza o resultado do comportamento, porém
privilegia o estudo do processo por meio do qual se desenvolve o psiquismo humano. Uma
vez definido o método, a questão central consiste em explicar como a maturação física e a
aprendizagem sensório-motora interagem com o ambiente, que é histórico – e em essência
social –, de forma a produzir as funções complexas do pensamento humano.
Desta forma, a citada autora ainda pontua que, partindo da concepção de organismoativo, Vygotsky defende o princípio de contínua interação entre as mutáveis condições sociais
e a base biológica do comportamento humano. A partir das estruturas orgânicas elementares,
determinadas basicamente pela maturação, formam-se novas e mais complexas funções
mentais, dependendo da natureza das experiências sociais às quais as crianças se acham
expostas. Os fatores biológicos preponderam sobre os sociais apenas no início da vida. Aos
poucos, o desenvolvimento do pensamento e o comportamento da criança passam a ser
orientados pelas interações que ela estabelece com pessoas mais experientes.
Logo, para Vygotsky a maturação por si só não é suficiente para explicar os
comportamentos especificamente humanos. Referindo-se ao processo de desenvolvimento
psicológico, Vygotsky afirma:
... podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duaslinhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto a suaorigem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; deoutro, as funções psicológicas superiores, de origem sócio-cultural. A história docomportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. A história dodesenvolvimento das funções psicológicas superiores seria impossível sem um
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estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas e de seu arranjo orgânico. Asraízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, decomportamento, surgem durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana.Isso, por si só, coloca a infância no centro da pré-história do desenvolvimentocultural (1988:52).
1.3.2. BASE FILOSÓFICA
Podemos inferir a influência do pensamento de Hegel e Marx nas construções teóricas
de Vygotsky, pela opção que fez pelo método do materialismo histórico e dialético.
Segundo Palangana (1994), a compreensão do modelo epistemológico proposto por
Marx e Engels exige que se considere, por um lado, a estreita relação entre o referencial
teórico e a atuação política destes dois filósofos e, por outro lado, a influência que receberam
de outros pensadores.
A filosofia alemã é verdadeiramente o ponto de partida da reflexão de Marx e Engels.
É a partir de Hegel e Feuerbach que se deve procurar entendê-los. Hegel acreditava que o
pensamento e a idéia criam a realidade, a existência do homem tem como centro o próprio
pensamento, sendo sob a égide deste que se constrói a realidade.
De acordo com Palangana (1994), na dialética hegeliana a realidade é, em sua
essência, “negativa”, no sentido de que ela guarda em si uma contradição. Cada conceitocontém o seu contrário, cada afirmação a sua negação. O mundo não é um conjunto de coisas
prontas e acabadas, mas o resultado do movimento gerado pelo choque desses antagonismos e
dessas contradições. A afirmação traz em seu bojo o germe de sua própria negação: depois de
se desenvolver, a negação entra em choque com a afirmação original, gerando um terceiro
elemento, mais evoluído, que Hegel chamou de “síntese” ou negação da negação. O espírito
(consciência) desenvolve-se através desse movimento triádico - espírito subjetivo, depois
objetivo e, por fim, espírito absoluto – atingindo assim o grau mais elevado que aracionalidade humana pode alcançar. Esse movimento da consciência (ou do espírito, como
quer Hegel) encerra, em si, as atividades que permitem as mais altas realizações espirituais.
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Da concepção hegeliana, Marx e Engels conservam o conceito de dialética como
movimento interno de produção da realidade, movimento este que tem, como motor, a
contradição, mas a contradição, na visão de Marx e Engels, estabelece-se entre homens reais
em condições históricas e socialmente determinadas.
Na filosofia marxista, a dialética de Hegel, situada por este no plano das idéias, é
recriada no plano da evolução dos seres e das espécies. Partindo da hipótese de que o
conhecimento é determinado pela matéria, pela realidade objetiva que existe
independentemente do homem, Marx afirma:
Por sua fundamentação, meu método dialético não só difere do hegeliano, mas étambém sua antítese direta. Para Hegel o processo de pensamento, que ele, sob onome de idéia, transforma num sujeito autônomo, é o demiurgo do real, real queconstitui apenas sua manifestação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não énada mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem (1983:20).
Para Marx (1984), Feuerbach opõe-se a Hegel, afirmando que não são as idéias que
conduzem o mundo. As idéias não passam de produto da consciência humana e todas elas,
inclusive a idéia de Deus, explicam-se a partir do homem. A própria consciência humana nadamais é do que o produto do cérebro humano – da matéria – e o espírito é apenas o reflexo das
condições materiais que o produzem. Feuerbach defende a tese de que não foi Deus quem
criou o homem e sim o homem quem criou Deus, num processo antropomórfico onde projeta
sua própria imagem idealizada. Ao adorar este Deus forjado por ele mesmo, o homem
religioso se despersonaliza, não mais se pertence, se aliena. Assim, ele refaz o conceito de
alienação, mostrando que o homem se aliena na medida em que atribui a entidades, que são
criações suas, qualidades e poderes que, na verdade, não pertencem a essas entidades mas sim
ao próprio homem. Com esta crítica, ele se distancia da concepção idealista proposta por
Hegel, sugerindo uma concepção materialista e naturalista do homem. Neste sentido o
verdadeiro conhecimento não é possível senão como conhecimento das coisas materiais
sensíveis.
Na opinião de Marx (op. cit.), Feuerbach peca ao desprezar a contribuição do método
dialético, o que o faz repetir, de certa forma, o materialismo mecanicista do século XVIII. Ao
compreender o homem como uma máquina, ele torna-se incapaz de perceber o mundo como
um processo, como uma realidade em vias de desenvolvimento histórico. Neste sentido, o
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sujeito é visto como uma abstração, desvinculado de sua realidade, que é o conjunto das
relações sociais.
Para Palangana (1994), embora Marx critique e supere as idéias de Feuerbach, é a
partir do materialismo feuerbachiano que Marx empreende a retificação da filosofia de Hegel,
buscando substituir o idealismo por um realismo materialista. Dessa forma, Marx reafirma a
necessidade de fazer passar da dialética da abstração à dialética da realidade; do mundo
fechado da consciência ao mundo aberto da natureza e da história. Marx e Engels operam a
superação do materialismo mecanicista de Feuerbach, propondo um materialismo histórico–
dialético, em constante transformação.
Segundo a autora citada, em contato com o modelo teórico proposto por Vygotsky não
é difícil perceber que seus estudos foram profundamente influenciados pelo pensamento de
Marx e Engels. Vygotsky busca subsídios na dialética materialista para desenvolver seu
método e elaborar hipóteses sobre o desenvolvimento das funções superiores do
comportamento humano. O autor faz questão de reafirmar suas crenças filosóficas em várias
passagens da sua obra, como bem atestam as inúmeras menções nele encontradas a respeito
desse fato.
A teoria materialista, em suas bases, traz uma concepção de natureza e da relação do
homem com esta natureza. Para Marx (1984), o homem é parte da natureza, mas não se
confunde com ela. Ele é um ser natural porque foi criado pela natureza, está submetido às
suas leis porque depende dela – da sua transformação – para sobreviver. Entretanto, o homem
diferencia-se da natureza por ser capaz de usá-la conscientemente, transformando-a de acordo
com suas necessidades. É nesse processo interativo, de transformações mútuas, que o homemse faz homem. Assim, Marx identifica e distingue, ao mesmo tempo, homem e natureza. Em
outras palavras, ele naturaliza e humaniza o homem e a natureza. A simples compreensão da
natureza não é sinônimo da compreensão do homem, muito embora a compreensão do homem
passe, necessariamente, pelo entendimento de sua relação com a natureza. Daí que homem e
natureza constituem dois pólos de uma única totalidade, onde a existência e compreensão de
um pólo só se faz em função de outro.
Explicitando o caráter histórico da análise dialético–materialista, Marx e Engels
(1984) partem do seguinte princípio: para poder fazer história é preciso que, antes, os homens
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estejam em condições de viver, o que significa poder satisfazer suas necessidades básicas, tais
como comer, beber, ter um teto, vestir-se e outras mais. Produzindo os meios necessários para
suprir essas necessidades – trabalhando – os homens produzem sua história. O primeiro ato
histórico aparece quando o homem consegue romper com essa dinâmica circular, que se
mantém em função da satisfação das necessidades básicas: a ação empreendida e os
instrumentos utilizados na satisfação dessas necessidades geram outras que, para serem
supridas, requerem novos instrumentos e, conseqüentemente, novas relações de produção,
evidenciando, assim, o início do desenvolvimento histórico da sociedade.
O homem está constantemente transformando a natureza e a si próprio e, nesta
dinâmica, alteram-se também suas necessidades materiais. Do ponto de vista dialéticomaterialista, este contínuo processo de transformação das necessidades humanas não é linear
nem unidirecional, estando sua forma diretamente subordinada às condições objetivas de cada
momento histórico. Assim sendo, o movimento de criação e transformação das necessidades
pode orientar-se em direções opostas em um mesmo momento histórico.
Na perspectiva marxista, o desenvolvimento das faculdades humanas está diretamente
relacionado à evolução histórica das necessidades e dos interesses culturais. A atividade prática orientada para a satisfação das necessidades possibilita a formação dessas faculdades
com base nas predisposições hereditárias, criadas historicamente. Pelo trabalho, o homem
elabora situações, constrói os objetos materiais requeridos para a satisfação de suas
necessidades e, simultaneamente, aperfeiçoa sua inteligência.
Para se estudar o processo de desenvolvimento intelectual do homem não se deve
partir de seu pensamento, mas sim da atividade de vida real deste homem. Segundo Marx eEngels, “... não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência” (1987:37). Se a consciência é fruto da atividade prática dos homens e seu
desenvolvimento está condicionado ao desenvolvimento das relações sociais de produção,
então a consciência está, desde o início, “contaminada” pela realidade objetiva e se apresenta
sob a forma de linguagem. O desenvolvimento do pensamento é mediado pela linguagem e
esta nada mais é do que a própria consciência real prática. Graças à linguagem, a consciência
individual de cada homem não se limita à experiência pessoal. Através dela, o homem se
apropria do conhecimento historicamente construído, assimilando a experiência do gênero
humano socialmente disponível.
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Em 1925, ao publicar uma de suas conferências proferidas em Moscou, Vygotsky
incluiu uma citação de Marx que guarda em si um dos principais postulados da teoria
histórico–cultural por ele iniciada. Nesta passagem, Marx diz o seguinte:
A aranha executa operações que lembram a de um tecelão, e as caixas que asabelhas constroem no céu poderiam envergonhar o trabalho de muitos arquitetos.Mas mesmo o pior arquiteto difere da mais hábil abelha desde o início, pois antes deele construir uma caixa de tábuas, já a construiu na sua cabeça. No término do
processo de trabalho, ele obtém um resultado que já existia em sua mente antes queele começasse a construir. O arquiteto não apenas muda a forma dada a ele pelanatureza, mas também leva a cabo um objetivo seu que define os meios e o caráterda atividade ao qual ele deve subordinar sua vontade (Marx, 1984:202).
Segundo Palangana (1994), deste postulado marxista não derivam todos os detalhados
procedimentos adotados por Vygotsky na elaboração de sua teoria. No entanto, tal postulado
representa uma pista para se entender a base filosófica na qual Vygotsky fundamentou sua
teoria. Como Marx, ele também admite o papel ativo da consciência na realização da
atividade, tanto física quanto simbólica. Ambos salientam seu papel fundamental no
planejamento, atuação e transformação da realidade humana por meio do trabalho. Como
Marx e Engels, Vygotsky acredita que o homem não é apenas um produto do seu meio, ele é
também um sujeito ativo num movimento que cria esse meio.
A partir do raciocínio marxista a respeito do caráter mediador dos instrumentos de
trabalho, através dos quais o homem interage com a realidade objetiva na busca de sua
sobrevivência, Vygotsky postula que essa mesma função é desempenhada pelos signos no
desenvolvimento do pensamento. Com base nessa postulação, Vygotsky propõe um conceito,
que se torna central na sua teoria, para fundamentar a sua hipótese de que as funções
psicológicas superiores constituem-se através da mediação.
1.4. A MEDIAÇÃO
Como assinala Molon (1995), a mediação constitui-se num pressuposto norteador doarcabouço teórico-metodológico proposto por Vygotsky. A compreensão do significado desse
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pressuposto e da sua filiação é de fundamental importância, uma vez que esse termo tem sido
empregado ao longo do tempo na filosofia, antropologia, astronomia e mesmo na linguagem
coloquial com significados diferentes. Nesse sentido, consideramos importante apresentar
previamente o percurso do significado do termo mediação ao longo do tempo e dos
significados que lhe foram atribuídos nas diferentes áreas de conhecimento.
1.4.1. O PERCURSO DE UM SIGNIFICADO
Pesquisando o significado de mediação, constatamos que o vocábulo entrou para o
dicionário de língua portuguesa em 1670, sendo entendido como o ato ou efeito de mediar, ato
de servir de intermediário entre pessoas, grupos, partidos, a fim de dirimir divergências ou
disputas; é o processo pelo qual o pensamento generaliza os dados apreendidos pelos sentidos.
Segundo Houaiss (2001), a definição de mediação varia de acordo com a especificidade de
sua utilização, assumindo sentidos diversos. Assim, para a Filosofia, mediação é um processo
criativo, mediante o qual se passa de um termo inicial a um termo final, enquanto que, para a
Psicologia, na concepção de Houaiss (op.cit), mediação é uma seqüência de elos
intermediários (estímulos e respostas) numa cadeia de ações, entre estímulo inicial e a
resposta verbal no final do circuito.
Encontra-se o termo mediação na astronomia, que determina o momento deculminação de um astro. Já na religião, ele identifica a intercessão junto a um santo, a uma
divindade, para obter proteção. Numa perspectiva jurídica, mediação é um procedimento que
objetiva promover a aproximação de partes interessadas na consolidação de um contrato, um
negócio, um procedimento que visa à composição de um litígio, de forma não autoritária, pela
interposição de um intermediário entre as partes em conflito. Finalmente encontramos, ainda
segundo Houaiss, o termo mediação na música bíblica, que representa a divisão de cada
versículo de um salmo em duas partes, a primeira salmodiada por um coro e a segunda poroutro.
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Japiassu e Marcondes (2001), apresentam o termo mediação em seu sentido genérico
como a ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou “ponte”, de
permitir a passagem de uma coisa à outra. Já na tradição filosófica clássica, a noção de
mediação liga-se ao problema da necessidade de explicar a relação entre duas coisas,
sobretudo entre duas naturezas distintas.
A contribuição da Filosofia, então, constitui, para o desenvolvimento desta pesquisa,
numa etapa necessária para que possamos delinear as noções de mediação presentes no
pensamento de outros intelectuais que, de alguma forma, refletem-se no pensamento de
Vygotsky sobre tal questão. Sendo assim, recorremos a alguns destes pensadores, a saber:Sócrates, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx.
• SÓCRATES: ATITUDE REFLEXIVA E MEDIAÇÃO
Em Sócrates, filósofo clássico, nascido em Atenas, em 470 ou 469 a.C., podemos
observar uma concepção de mediação presente na relação que ele estabelecia com as pessoas,ou seja, uma relação de conhecimento que permitia a passagem de uma coisa à outra num
diálogo. Ele acreditava que era necessário conhecer bem cada coisa em particular porque só
assim seria possível explicá-la aos outros. De acordo com Sócrates, a falta deste
conhecimento se constituiria em engano para si e para os outros.
... Sócrates procurava desde a juventude um outro tipo de causalidade para aexplicação das coisas. Rompendo com as teorias anteriores “fisicalistas” ou
“mecanicistas” , dirigiu-se assim para a procura de uma causalidade embasada nosvalores: o melhor, o belo, o bom e o justo. Os valores seriam a base para pensar oque cada coisa é em si e por si mesma, ou seja, o que cada coisa é na sua forma mais
pura e perfeita, na sua forma melhor, na sua forma essencial. Essa seria, segundo odiálogo Fédon, a origem da célebre “teoria das idéias” (BENOIT, 1996: 40).
Segundo Pessanha (1999), Sócrates desenvolvia, junto aos atenienses, uma atividade
reflexiva, ao manifestar uma insistente investigação sobre o significado de palavras para as
quais ele não visava a definição de conceitos: sua meta seria não o assunto em discussão, mas
a própria alma do interlocutor que, por meio do debate, seria levada a tomar consciência de
sua real situação, depois que se reconhecesse povoada de conceitos mal formulados e
obscuros.
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Transcrevemos a seguir um trecho da coleção “Os Pensadores” (capítulo VI, p. 255 a
260) que exemplifica como Sócrates conduzia um diálogo com seus discípulos.
- Dize-me, Eutidemo, que pensas da devoção?- Por Zeus! É a mais bela das virtudes.- Poderias dizer-me que é um homem devoto?- Aquele, creio, que honra os deuses.- Pode cada um honrar os deuses à sua maneira?- Não, existem leis que regulam o culto.- Saberá quem essas leis conheça de como adorar os deuses?- Acredito que sim.- Julgará quem saiba honrar os deuses dever honrá-los de outro modo?- Não, com certeza. ...(...)
- Honraríamos os deuses diferentemente de como acreditamos deva ser?- Não.- Logo, cultuará os deuses legitimamente quem conhecer as leis do culto?- Sim.- Quem cultuar os deuses legitimamente os honrará como deve?- Certamente.- Quem honrar os deuses devidamente não será devoto?- Sem dúvida.- Logo, não podemos definir o devoto como sendo aquele que conhece o culto
legítimo?- Concordo plenamente.- Passemos aos homens. Poderá cada um tratar seus semelhantes a seu bel-
prazer?
- Não. Só agirá legitimamente com seus semelhantes quem conhecer as leisreguladoras das relações entre os homens.
- Logo, os que se tratarem mutuamente conforme essas leis tratar-se-ão comose deve?
- Claro.- Não se tratarão bem os que se tratarem como se deve?- Claro.- Quem tratar bem seu semelhante não cumprirá seu dever de homem?- Sim. ...
Para Benoit (1996), Sócrates dialogava e forçava o interlocutor a expor suas opiniões
para, com habilidade, emaranhá-lo na teia obscura de suas próprias afirmativas, acabando porreconhecer sua ignorância a respeito do que antes julgava ter certeza.
Essa ignorância não é geralmente assumida pelas pessoas, que se julgam na posse de
“verdades”. Torna-se necessário, portanto, levá-las, de início, a despojar-se dessas
pseudoverdades – única forma de torná-las aptas a caminharem em direção ao conhecimento
de si mesmas. Ao afirmar ‘Só sei que nada sei’, Sócrates confirmava o sentido de que o
reencontro consigo mesmo só pode partir da consciência da própria ignorância.
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Com a demolição das falsas idéias que fundamentam a falsa imagem que as pessoas têm
delas próprias, o interlocutor transformado em discípulo é levado progressivamente, pela
habilidade das questões propostas, a tentar elaborar ele mesmo suas próprias idéias: forma de
se ir ao encontro de si mesmo e fazer-se ponto de partida.
Podemos observar que Sócrates tornava a verdade visível aos contestadores e quando
falava a respeito de um assunto, procedia pelos princípios em geral mais reconhecidos,
considerando infalível este método de raciocínio.
Com esse diálogo, ficavam evidenciadas em Sócrates as características do sujeito que
estabelece com as pessoas, as coisas e as idéias, relações que procuram desvelar sua essência.Esse é o sujeito mediador apresentado na prática filosófica socrática.
• PLATÃO: A METÁFORA COMO RECURSO DE MEDIAÇÃO
Conforme já citado anteriormente, para Houaiss (2001), mediador é aquele que
medeia, arbitra; que serve de intermediário, de elo. Pensando em mediação como elo, podemos observar este ponto de vista em Platão, que foi discípulo de Sócrates. Ele nasceu na
cidade de Atenas, na Grécia antiga, e acreditava que o processo de conhecimento representa a
progressiva passagem das sombras e imagens turvas ao luminoso universo das idéias,
atravessando etapas intermediárias. Cada fase encontra sua fundamentação e resolução na fase
seguinte: o que não é visto claramente no plano sensível (e só pode ser objeto de conjectura)
transforma-se em objeto de crença quando não se tem condição de percepção nítida.
Watanabe (1995) e Corvisieri (1999) nos dão conta de que Platão fazia uso da alegoria
como recurso, ou seja, como um importante mecanismo de expressar a mediação entre as
pessoas e as idéias. A construção do conhecimento constitui, no platonismo, uma conjugação
de intelecto e de emoção, de razão e de vontade; a episteme é fruto de inteligência e de amor,
como bem podemos observar na Alegoria da Caverna, parte da sua obra “A República”.
Na Alegoria da Caverna, o objetivo é fazer compreender a diferença entre oconhecimento grosseiro, que vem de nossos sentidos e de nossas opiniões, e o conhecimento
verdadeiro, ou seja, aquele que sabe apreender, sob a aparência das coisas, a idéia das coisas.
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Numa caverna, cuja entrada é aberta à luz, encontram-se alguns homens acorrentados
desde sua infância, com os olhos voltados para o fundo, não podendo locomover-se nem virar
as cabeças. Um fogo brilha no exterior, iluminando toda a caverna. Entre o fogo e a caverna
passa uma estrada, ladeada por um muro da altura de um homem. Na estrada, por detrás do
muro vários homens passam conversando e levando nas cabeças figuras de homens e de
animais, projetados no fundo da caverna. Assim, tudo o que os acorrentados conhecem do
mundo são sombras de objetos fabricados. Mas como não sabem o que se passa atrás deles,
tomam essas sombras por seres vivos que se movem e falam, mostrando serem homens que
não atingiram o conhecimento verdadeiro.
Platão descreve o processo dialético através do qual o prisioneiro se liberta e, lutando
contra o hábito que tornava mais cômoda sua situação de prisioneiro, sai em busca do
conhecimento da verdade, passando por diversos e sucessivos graus de conversão de sua
alma, até chegar à visão da idéia de bem. Uma vez alcançado esse conhecimento, o
prisioneiro, agora transformado em sábio, deve retornar à caverna para ensinar o caminho aos
outros prisioneiros, arriscando-se, inclusive, a ser rejeitado por eles.
Esta obra vem sendo analisada deste então e suscita diferentes pontos de vista. Para
Watanabe (1995), a Alegoria da Caverna dramatiza a ascese do conhecimento. Descreve um
prisioneiro que contempla, no fundo de uma caverna, os reflexos de simulacros que, sem que
ele possa ver, são transportados à frente de um fogo artificial. Como somente viu essas
projeções de artefatos, toma-os por realidade e permanece iludido.
Aos poucos, ele, que fora habituado à sombra, vai podendo olhar o mundo real: primeiro através de reflexos - como o do céu estrelado refletido na superfície das águas
tranqüilas -, até finalmente ter condições para olhar diretamente o Sol, fonte de toda luz e de
toda realidade.
Corvisieri (1999) defende que aquele que se liberta das ilusões e se eleva à visão da
realidade é o que pode e deve governar para libertar os outros prisioneiros das sombras: é o
filósofo-político, aquele que faz de sua sabedoria um instrumento de libertação de consciência
e de justiça social, aquele que faz da procura da verdade uma arte de desprestigiar, um
desilusionismo.
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Segundo Watanabe (1995), Platão ensinava, nos seus Diálogos e na Academia, que a
compreensão dos fenômenos que ocorrem no mundo físico depende de uma hipótese: a
sustância de um plano superior da realidade, atingido apenas pelo intelecto e constituído de
formas ou idéias, arquétipos eternos dos quais a realidade concreta seria a cópia imperfeita e
perecível. Através da dialética – feita de sucessivas oposições e superposições de teses – seria
possível ascender do mundo físico, apreendido pelos sentidos e objeto apenas de opiniões
múltiplas e mutáveis, à contemplação dos modelos ideais, objetos da verdadeira ciência.
Abed (2002) relata que metáfora é uma palavra de origem grega que significa
transporte, que consiste na transferência de uma palavra para o âmbito semântico que não é o
do objeto que ela designa, fundamentando-se numa relação de semelhança subentendida entreo sentido próprio e o sentido figurado. No nosso entender, a metáfora era, pois, para Platão, o
recurso utilizado para mediar, nas pessoas, o movimento do conhecimento. Por meio da
metáfora, Platão estabelecia canais que permitiam que as pessoas compreendessem o sentido
da realidade.
• ARISTÓTELES: O TERMO MÉDIO
Refletindo sobre a obra de Platão, outro filósofo, Aristóteles, afirmou que a dialética
platônica só se comprometia com a certeza em última instância – o que conferia ao
platonismo sua inquietação permanente e sua flexibilidade, deixando-o, porém, sob a
constante ameaça do relativismo.
Segundo Abraão (1999), o projeto aristotélico torna-se, então, o de forjar uminstrumento mais seguro para a constituição da ciência: o Organon. Nele, a dialética é
reduzida à condição de exercício mental que, não lidando com as próprias coisas mas com as
opiniões dos homens sobre as coisas, não pode atingir a verdade, permanecendo no âmbito da
probabilidade.
No entender da autora, essa concepção da dialética como uma “ginástica de espírito” é
útil como fase preparatória para o conhecimento, mas é incapaz de chegar à certeza sobre ascoisas, o que justifica a concepção aristotélica da História e, em particular, da História da
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Filosofia: a História inserida no domínio da dialética é útil e indispensável na medida em que
conduz à sua própria superação, quando o provável se transforma em certeza, ou quando as
opiniões dos antecessores preparam e dão lugar à verdade que somente seria alcançada pelo
pensamento aristotélico.
De acordo com Russell (1957), para se atingir a certeza científica e construir um
conjunto de conhecimentos seguros torna-se necessário, segundo Aristóteles, possuir normas
de pensamento que permitam demonstrações corretas e, portanto, irretorquíveis. O
estabelecimento dessas normas confere à Aristóteles o papel de criador da lógica formal,
entendida como parte da lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do conteúdo
dos pensamentos que esses raciocínios conjugam. Mas a lógica aristotélica nasce num meiode retóricos e de sutis argumentadores. Faz-se necessário, portanto, partir de uma análise da
linguagem corrente para identificar seus diferentes usos e, ao mesmo tempo, enumerar os
diversos sentidos atribuídos às palavras empregadas nas discussões. Eis porque as Categorias
abrem o Organon com pesquisas sobre as palavras que procuram, inclusive, evitar os
equívocos que resultam de designação de coisas diferentes através do mesmo nome
(homônimo) ou da mesma coisa por meio de diversas palavras (sinônimos).
Abraão (1999) afirma que a teoria das proposições de Aristóteles, apresentada no
Sobre a Interpretação, baseia-se numa tese de amplo alcance, pois realiza uma extraordinária
simplificação no universo da linguagem: toda proposição seria o enunciado de um juízo
através do qual um predicado é atribuído a determinado sujeito. As proposições podem, então,
ser classificadas em universais ou particulares, se o atributo é afirmado (ou negado) do sujeito
como um todo (por exemplo: “Todos os homens são mortais”), ou se é afirmado (ou negado)
de apenas parte do sujeito (“alguns homens são gregos”).
Segundo a autora, Aristóteles estabelece ainda a distinção entre cinco tipos possíveis
de atributos: o gênero, a espécie, a diferença, o próprio e o acidente. O gênero refere-se à
classe mais ampla a que o sujeito pode pertencer (“O homem é um animal”); a diferença é que
permite situar o sujeito relativamente às subclasses em que se divide o gênero (“O homem é
animal racional”); já a espécie constitui a síntese do gênero e da diferença (“O homem é
racional”). O próprio e o acidente são atributos que não fazem parte da essência do sujeito,
pois não dizem o que ele é; porém, o próprio guarda, em relação à essência, uma dependência
necessária (“Todo homem é racional”), enquanto que o acidente pode ou não pertencer ao
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sujeito, ligando-se a ele do modo contingente e podendo ser negado em outros tipos de
sujeitos (“Este homem é magro”).
Watanabe (1995) conta-nos que Platão, por meio do método da divisão, procurava
chegar a definições. Como exemplifica no diálogo Sofista, poder-se-ia obter a definição de
uma espécie por sucessivas divisões do gênero em que ela estiver contida. Em contrapartida,
Aristóteles considerava insuficiente esse procedimento platônico, pois as dicotomias
sucessivas colocam opções sem determinar necessariamente qual dos dois rumos deve ser
tomado. Assinala a autora que é assim, com sua doutrina do silogismo, que Aristóteles
pretende resolver os impasses criados pela simples dicotomia, apresentando um encadeamento
que segue uma direção incoercível, rumo à conclusão. Para Watanabe, o silogismo seria umraciocínio no qual, a determinadas coisas afirmadas, segue-se inevitavelmente uma outra
afirmativa. Desta forma, partindo-se das premissas “Todos os homens são mortais” “ e
“Sócrates é homem” – conclui-se fatalmente que “Sócrates é mortal”. Assim, a conclusão
resultada da simples colocação das premissas, não deixando margem a qualquer opção, mas
impondo-se com absoluta necessidade.
Ainda sobre o silogismo, Abraão (1999) diz que todo mecanismo silogístico repousano papel desempenhado pelo termo médio (“homem”) que fornece a razão do que é afirmado
na conclusão: porque é homem, Sócrates é mortal. Esse mecanismo funciona com rigor,
independentemente do conteúdo das proposições em confronto. Para a autora, isso significa,
que se pode aplicar o silogismo a proposições falsas, sem prejuízo para perfeição formal do
raciocínio (“Todos os homens são imortais; Sócrates é homem; logo Sócrates é imortal”).
Para Aristóteles a ciência não pretende ser dotada apenas de coerência interna: ela precisa ser
construída pelo perfeito encadeamento lógico de verdades. Assim, o silogismo que equivale àdemonstração científica deverá ser um raciocínio formalmente rigoroso, mas que parta de
premissas verdadeiras. Segundo a autora, se a demonstração de algum fato baseia-se em
pressupostos que a própria demonstração não sustenta, o conhecimento demonstrativo passa a
pressupor um conhecimento não demonstrativo, capaz de atingir, de modo não discursivo mas
imediato, as verdades que constituem os princípios da ciência.
Segundo Chauí (1997), para Aristóteles os conhecimentos anteriores à demonstração
seriam ou verdades indemonstráveis, os axiomas, que se impõem a qualquer sujeito pensante
e que se aplicam a qualquer objeto de conhecimento – em Aristóteles o princípio de
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contradição que afirma que toda proposição ou é verdadeira ou é falsa seria um exemplo de
axioma - ou, então, seriam definições nominais que explicitam o significado de determinado
termo (“triângulo”, por exemplo), e que são utilizados como teses, já que são simplesmente
postas como pontos de partida para uma demonstração. Os axiomas seriam comuns a todas as
ciências, enquanto as definições nominais diriam respeito a setores particulares de
investigação científica.
Vimos então que Aristóteles considera que não basta a ciência ser internamente
coerente: ela deve também ser ciência sobre a realidade. Assim, em Aristóteles constatamos,
pela dialética, a dimensão mediadora do conhecimento, aproximando as pessoas da realidade.
Então, na lógica aristotélica, segundo Japiassu (2001), o termo médio é aquele que realiza nosilogismo uma função de mediação entre os outros termos das premissas, permitindo que se
chegue à conclusão.
• HEGEL: A MEDIAÇÃO, O SI MESMO E O OUTRO
Em Hegel (1999), vemos a mediação abordada numa dimensão mais explícita. Seu pensamento tem origem em outros pensadores, recebendo destaque Immanuel Kant, que
partiu do princípio de que todo conhecimento humano tem início com a experiência, fonte da
matéria para os conceitos da razão. Nesse sentido, conhecimento estaria sempre voltado para
as impressões, coordenadas pelas formas a priori da sensibilidade. Para Kant (1783), não é
possível conhecer o fundamento daquelas impressões, isto é, não se conhece como são, ou o
que são as “coisas em si”, que produziram aquelas impressões.
Estabelecendo comparações, Arantes (1999) relata que Hegel considerava que esse
elemento cético da filosofia de Kant invalidava sua tentativa de defender a razão contra os
severos ataques empiristas. Para ele, enquanto as coisas em si estiverem fora do alcance da
razão, esta continuará a ser mero princípio subjetivo, privado de poder sobre a estrutura
objetiva da realidade e, em razão disso, o mundo separar-se-ia em duas partes: a subjetividade
e a objetividade, o pensamento e a existência. Se o homem não conseguisse reunir as partes
separadas de seu mundo e trazer a natureza e a sociedade para dentro do campo de sua razão,
estaria para sempre condenado à frustração.
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O papel da filosofia, nesse período de desintegração geral, deveria ser o de evidenciar
o princípio que restauraria a perdida unidade e totalidade. A necessidade da reflexão filosófica
emerge quando o poder da unificação desaparece da vida dos homens e quando as
contraposições perdem sua relação e sua interação vivas. Assim, a forma verdadeira da
realidade, para Hegel, é a razão, onde todas as contradições sujeito-objeto se integram
constituindo, desse modo, uma unidade, uma universalidade genuínas. Para Hegel, é a noção
de sistema que deve justificar que:
Tudo depende de aprender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas,exatamente na mesma medida, como sujeito. Deve-se igualmente notar que asubstancialidade contém em si tanto o universal ou a imediateidade do próprio saber,quanto o que é ser ou imediatalidade para o ser (Hegel, 1999: 375).
Arantes (1999) descreve que, para Hegel, se o conceber Deus como a substância3 una
indignou a época em que tal determinação foi enunciada, a razão dessa indignação residiu em
parte no instinto de que, deste modo, a consciência de si, em lugar de ser conservada, havia
desaparecido. O pensamento une a si o ser da substância e apreende a imediateidade do
indivíduo como pensamento. É o caso ainda de se saber se esse intuir intelectual não recai
novamente na simplicidade inerte e não representa a própria realidade efetiva de uma maneira
inefetiva. Sendo assim, para Hegel (1999), a substância vivente é também o ser que naverdade é sujeito ou, o que dá no mesmo, é verdadeiramente efetivo somente na medida em
que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou é a mediação consigo mesmo do tornar-se
outro.
Se digo todos os animais, essa expressão tem pouco valor para uma Zoologia. Domesmo modo as palavras do divino, do absoluto, do eterno, etc., não podemexprimir o que nelas está contido, e na realidade, tais palavras exprimem apenas aintuição como algo imediato. Aquilo que é mais do que uma palavra desse tipo, a
passagem, mesmo que seja apenas uma proposição, contém um tornar-se outro quedeve ser retomado e é uma mediação. No entanto, é essa mediação que se constituiem objeto de horror como se, ao usá-la para algo mais do que afirmar que ela nada éde absoluto e não tem lugar no Absoluto, se abandonasse o conhecimento absoluto(Hegel, 1999: 279).
Na verdade, porém, esse horror nasce da ignorância da natureza da mediação e do
próprio conhecimento absoluto. Com efeito, a mediação nada mais é do que a igualdade
consigo mesmo que a si mesma se move, ou é a reflexão em si mesmo, o momento do Eu3 A palavra vem do latim substantia,ae e significa ser, essência; existência, realidade de uma coisa; aquilo quesubsiste por si, com autonomia e independência (Houaiss, 2001: 2628).
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sustente-para-si, a pura negatividade, ou seja, a negatividade reduzida à sua simples abstração,
o simples dever. O Eu ou o dever em geral, esse mediatizador, é justamente, em razão da sua
simplicidade, o dever da imediateidade e o próprio imediato. O sujeito é por conseguinte a
substância, o ser ou a imediateidade que não tem fora de si a mediação, mas é a própria
mediação.
Arantes (1999), desta maneira, afirma que Hegel chega à idéia do elemento mediador
ao abordar a consciência de si próprio e o modo como o homem a adquire: é no interior de
todos os movimentos da alma, todas as variações de sentimento, representando-se a si próprio,
tal como se descobre pelo pensamento e reconhecendo-se na representação que a seus
próprios olhos oferece. Segundo Arantes, para Hegel o homem está preso, também, àsrelações práticas com o exterior, relações que exigem transformar o mundo e também a ele
próprio, uma vez que este mundo retrata sua imagem.
Para Hegel (1999), o homem procura reconhecer-se na forma das coisas. Descobre-se
já esta tendência nos primeiros impulsos da criança que quer ver coisas de que seja autor: se
atira pedras à água, vê formarem-se os círculos como uma obra própria em que contempla um
reflexo seu. O mesmo se vai observando em múltiplas ocasiões e na graduação de formasdiversas até se chegar a essa espécie de reprodução da personalidade que é uma obra de arte.
Segundo Arantes (op.cit.), através dos objetos exteriores o homem procura encontrar-
se a si próprio. E não se contenta em permanecer tal como é: cobre-se de adornos. O bárbaro
tatua-se e abre incisões nos lábios e nas orelhas. Por bárbaras, absurdas, contrárias ao bom
gosto, por deformadoras e até perniciosas que sejam, como a do suplício infligido aos pés das
chinesas, todas essas aberrações têm, no entanto, um fim: o homem não quer ser o que anatureza o fez. Em outras palavras, o homem situa-se no contexto que se insere por meio das
produções materiais e simbólicas, ou seja, existir corresponde a estabelecer uma relação
mediada pela condição humana do próprio homem.
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• MARX: A MEDIAÇÃO NA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA
Segundo Triviños (1987), embora Marx estivesse em desacordo com o idealismo de
Hegel, não deixou de ser envolvido e atraído por ele. Hegel havia morrido pouco antes e sua
filosofia se convertera numa espécie de ideologia oficial. O princípio hegeliano de que o
Estado encarna os ideais da Moral mais objetivos e manifesta a Razão no domínio da vida
social era tomado como apoio direto ao Estado Prussiano.
Estado, Religião, Filosofia constituem, para Hegel, supremas manifestações de Deus,
entendido como Absoluto. Desse ponto de vista, a religião cristã aparece como a maiscompleta revelação da Razão enquanto Espírito Universal. Nesse processo de manifestação,
Jesus desempenharia o papel mediador entre a generalidade abstrata de Deus Pai e a
individualidade concretíssima do Espírito Santo. Há que se considerar, dessa forma, uma
expressiva relação entre o pensamento de Marx e o de Hegel, conforme aponta-nos Triviños:
... sobre as bases da dialética hegeliana, mas rejeitando o conteúdo idealista dasmesmas, e colocando a concepção materialista do mundo, da História e do
pensamento, e apoiando-se nas conclusões da ciência, Marx começou a ocupar-se
com problemas políticos e sociais, com a oportunidade de tratar questões materiais(Triviños, 1987: 53).
Assim, para se entender essa dimensão do social no homem, torna-se importante
reconhecer o homem como ser genérico e comunitário, que não poderia realizar-se
cabalmente sem ultrapassar a fragmentação das classes, das nações, enfim, de todos os
particularismos que criam obstáculos ao desenvolvimento de seu ser.
De acordo com Triviños (op.cit.), do mesmo modo que Engels, Marx partiu da idéia de
Feuerbach do homem como um ser genérico, pensando, além do mais, a sociedade civil como
o lugar de sua alienação. O autor observa ainda que, para Marx, esta idéia nasce na forma de
trabalho a que o sistema de produção, orientado para a posse e para o mercado, submete o
trabalhador. O homem, no entender de Marx, produz apenas para ter o produto de seu trabalho
a fim de trocá-lo por um outro. Por mais que se veja fechado no circuito de ferro da
propriedade privada, o homem não deixa de carecer humanamente de produtos que estão nas
mãos de outrem. Para Marx, estabelece-se, assim, uma tensão que o projeta além da
propriedade privada e o leva à desalienação. Face ao que coloca o autor, entendemos que o
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trabalho do homem expressa a relação de apropriação e transformação da natureza e também
expressa as relações sociais (Homem-Homem). Então o trabalho aparece, em Marx, como
elemento de mediação entre Homem-Natureza e Homem-Homem.
Ainda segundo Triviños (1987), para Marx e Engels, considerar o homem em sua
essência genérica como ponto de partida da História, como o fizera Feurbach, seria aceitar
uma concepção muito particular do homem isolado. Tal essência genérica se resolveria no
conjunto das relações sociais em que cada pessoa se insere. No entender de Marx, essas
relações são mediadas pelas relações que o homem mantém com a natureza, posta assim
basicamente como o lugar da prática humana.
Triviños ainda destaca que, para Marx e Engels, por desconhecer o caráter ativo dos
objetos naturais, mediados pela prática do homem, Feuerbach caiu numa concepção
especulativa sobre a naturalidade do homem, desligada da política e da história, do
desenvolvimento de si próprio a partir de suas condições reais de sustância. Assinala ainda
que o modo de produção capitalista, dependendo essencialmente de uma tecnologia,
desenvolve a ciência e a técnica e propicia um tremendo desenvolvimento das forças
produtivas que liberta o homem do jugo da natureza. Este modo de produção cria em seu próprio seio as condições de mudança das próprias relações de produção que o definem e, por
outro aspecto, cria novas condições de mediação do Homem com o Mundo.
É com este método que Marx desvenda o mecanismo do capitalismo, permitindocompreender a natureza contraditória da afirmação do sujeito e do objeto e aimpossibilidade de superar tal contradição sem superar a base material que aengendrou. Por isso método dialético representa uma alternativa metodológica que,ao apontar a possibilidade de superação da dicotomia sujeito-objeto, aponta para anecessidade e a possibilidade da transformação da sociedade (Bock et alii, 2001:
122).
Dessa forma, tal situação de mediação seria responsável pela atribuição de sentido ao
Mundo, ao espaço das relações Homem-Natureza / Homem-Homem e ao próprio Homem. A
expressão da mediação é, pois, uma dimensão de interação entre Homem e Realidade.
Toda a crítica, portanto, que deixaria de se mover exclusivamente ao nível do discurso
para visar ao concreto permanece inócua, diz Marx, se não atinge a raiz do próprio homem, a
ele mesmo enquanto ser concreto, e a sociedade no interior da qual ele vive e na qual se
manifesta.
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De acordo com Bock (2001), pode-se dizer que a proposta marxista de tomar o método
dialético em uma perspectiva materialista representa a superação da dicotomia subjetividade-
objetividade numa afirmação contraditória, mas de contrários em unidade do sujeito e do
objeto.
Dessa forma, pudemos identificar, no pensamento dos filósofos escolhidos, diferentes
perspectivas do termo mediação, ou seja, em cada um desses pensadores encontramos
elementos que contribuem para compreender a mediação desde o seu significado (a palavra
em si) ao seu sentido: a atitude reflexiva de Sócrates, a metáfora de Platão, o termo médio de
Aristóteles, a consciência em Hegel e o trabalho mediador da relação Homem-Natureza eHomem-Homem em Marx.
1.4.2. A MEDIAÇÃO EM VYGOTSKY
Baseado nas teses do materialismo histórico, Vygotsky destacou que as origens das
formas superiores de comportamento consciente deveriam ser buscadas nas relações sociais
que o sujeito mantém com o mundo exterior, na atividade prática. Para descobrir as fontes dos
comportamentos especificamente humanos, era preciso libertar-se dos limites do organismo e
empreender estudos que pudessem explicar como os processos maturacionais entrelaçam-se
aos processos culturalmente determinados para produzir as funções psicológicas superiorestípicas do homem.
Dois aspectos da teoria marxista foram de extrema valia para Vygotsky no
encaminhamento desta questão: o cultural e o histórico. O primeiro compreende as formas
através das quais a sociedade organiza o conhecimento disponível veiculado pelos
instrumentos físicos e simbólicos, dos quais a criança deverá se apropriar a fim de que possa
dominar as tarefas que lhe são proporcionadas pelo meio. Dentre esses instrumentos,
Vygotsky (1998) atribuiu um especial destaque à linguagem, dado o papel que exerce na
organização e desenvolvimento dos processos de conhecimento. O segundo aspecto,
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estreitamente vinculado ao primeiro, refere-se ao caráter histórico desses instrumentos, uma
vez que eles foram criados e transformados ao longo da história social dos homens.
Estudando o pensamento marxista, Vygotsky postulou que, no campo psicológico, a
invenção e o uso de signos como meios auxiliares na solução de problemas é análoga à
invenção e ao uso de instrumentos no trabalho. Signo pode ser definido como “qualquer
objeto, forma ou fenômeno que remete para algo diferente de si mesmo e que é usado no
lugar deste numa série de situações (...) na lingüística, a união do significante e significado,
que se faz por uma relação de semelhança, pela qual o sentido é evocado pela própria forma
do signo” (Houaiss, 2001: 2569). O papel do signo na atividade psicológica é comparável ao
do instrumento na atividade material: ambos caracterizam-se pela função mediadora queexercem. Portanto, do ponto de vista psicológico, eles podem ser incluídos numa mesma
categoria.
Enquanto Marx (1999) chama a atenção para a função mediadora dos instrumentos de
trabalho definida no uso que os homens fazem desses instrumentos na luta pela subsistência,
Vygotsky, partindo do raciocínio marxista, postula que esta mesma função é desempenhada
pelos signos no desenvolvimento do pensamento. A apropriação de formas culturais decomportamento implica na reconstrução interna da atividade social e a base que possibilita
essa reconstrução são as operações com signos. Dizer que as funções psíquicas do homem são
de caráter mediatizado significa admitir a presença de elementos (signos) capazes de
estabelecer ligações entre a realidade objetiva (externa) e o pensamento.
Palangana (1994) afirma que a influência de Marx e Engels sobre o pensamento de
Vygotsky vai muito além da analogia entre signos e instrumentos. O próprio Vygotsky (1998)afirma que o cerne da sua teoria e de sua proposta metodológica é decorrente da
epistemologia dialético materialista. Para Marx (1984), o desenvolvimento da consciência
social não tem história independente da existência material, sendo por esta determinado. Ao
analisar o desenvolvimento da consciência ou do pensamento individual, Vygotsky transpõe
integralmente a concepção marxista de consciência social. Isto se verifica quando ele postula
que é na atividade prática, nas interações que os homens estabelecem entre si e com a
natureza, que se originam e se desenvolvem as funções psíquicas especificamente humanas. É
participando ativamente na coletividade, partilhando das relações de trabalho, que o sujeito
apropria-se da linguagem, dos instrumentos físicos produzidos historicamente e do
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conhecimento acumulado pelas gerações precedentes e culturalmente disponível. Assim como
os instrumentos de trabalho mudam no decorrer da história, na mesma medida transformam-se
também os instrumentos de pensamento. Assim como novos instrumentos de trabalho
ocasionam novas estruturas sociais, novos instrumentos do pensamento suscitam o
aparecimento de novas estruturas cognitivas.
Dessa forma, a passagem da consciência social para a individual só é possível graças
ao fato, psicologicamente fundamental, de que a estrutura da consciência humana está
intimamente ligada à estrutura da atividade humana. Não obstante é preciso considerar que a
estrutura da atividade humana, por sua vez, é determinada pelas condições histórico–sociais
concretas em que o homem se encontra. São precisamente essas condições objetivas que
devem ser tomadas como parâmetro quando se quer estudar o processo de formação do
pensamento individual.
Referindo-se ao método de estudo psicológico elaborado por Vygotsky e seus
colaboradores, Leontiev escreve: “o nosso método consiste, portanto, em encontrar a
estrutura da atividade humana engendrada por condições históricas concretas, depois, a
partir dessa estrutura, pôr em evidência as particularidades psicológicas das estruturas da
consciência dos homens” (1978:100).
O fundamento básico vygotskiano expressa-se, ainda segundo Palangana (1994), no
princípio de que o reflexo psíquico consciente ou imagem psíquica (entendida enquanto
conteúdo da consciência formado a partir da apreensão do real) é algo vivo, produzido pela
atividade humana concreta, caracterizada pelo movimento dialético permanente por meio do
qual o objetivo se transforma em subjetivo. Através da atividade prática, a imagem psíquicaou conteúdo da consciência passa do sujeito ao objeto. O conteúdo objetivo da atividade
prática dos homens cristaliza-se no seu produto, podendo assim ser transmitido pela
linguagem em toda a sua riqueza. Uma vez objetivado, o conteúdo da atividade torna-se
socialmente disponível e, ao ser internalizado pelos indivíduos, cria nestes a imagem psíquica
ou a representação viva da realidade. Neste movimento dialético, o sujeito do conhecimento
não tem um comportamento passivo frente ao meio externo. Ao ser estimulado pela realidade
objetiva ele se apropria dos estímulos provenientes da mesma, internalizando conceitos,valores, significados, enfim, o conhecimento construído pelos homens ao longo da história.
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Neste sentido, a prática do sujeito está sempre relacionada à prática social acumulada
historicamente.
A importância desse componente histórico na constituição do homem e do pensamento
humano é apontada por diversos autores. Kozulin (1994), por exemplo, ressalta a influência
de Hegel e Marx no pensamento de Vygotsky, evidenciada pela concepção de historicidade
do homem, do papel dos instrumentos psicológicos na constituição do homem e
transformação da consciência humana e na questão da mediação.
(...) Além do mais, a ênfase de Hegel sobre a natureza histórica do ser humano,reforçado pela teoria marxista, alimento substancial da idéia vygotskyana de que a
psicologia é a ciência do homem histórico, e não do homem abstrato e universal. Asanálises de Hegel e Marx sobre o papel do trabalho e da história do homem tambémencontraram em Vygotsky um leitor receptivo. A noção vygotskyana de“instrumentos psicológicos” encontra suas raízes na idéia hegeliana de que otrabalho, junto com a transformação do mundo, das coisas, provoca a transformaçãoda consciência humana (Kozulin, 1994: 30).
O referido autor considera que a influência da dialética hegeliana direcionou Vygotsky
para o estudo da gênese e desenvolvimento dos processos psicológicos, isto é, orientou a
busca da origem dos processos psicológicos superiores.
Molon (1995) reconheceu em Vygotsky a influência do sistema hegeliano em dois
sentidos. No primeiro, considerou que Vygotsky, ao modelar o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores no desenvolvimento histórico, fundamentou-se no
pressuposto hegeliano da identidade dos contrários, tal como analisado por Hegel na dialética
da relação senhor-escravo. No segundo, quando efetuou a análise dos instrumentos
psicológicos, considerou que Hegel atribuía à mediação a característica fundamental da razão
humana.
Citando Kozulin, Molon (op.cit.) assinalou a dependência de Vygotsky ao sistema
hegeliano, em particular em relação à noção de mediação, colocando que Vygotsky utilizou a
noção de mediação de Hegel em três classes de mediadores: signos/instrumentos, atividades
individuais e relações interpessoais.
Dessa forma, a mediação é a grande contribuição de Vygotsky que o diferencia osdemais psicólogos de sua época e da psicologia tradicional, caracterizando sua importância na
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perspectiva sócio-histórica. Vygotsky (1987), afirmando que o fato central da ciência
psicológica é o fato da mediação, assinala que o objeto da psicologia e da psicologia social é o
fenômeno psicológico e que este só existe pelas mediações, isto é, o fenômeno psicológico é
mediado e não imediato.
Molon (1995) afirma que procurar a definição do conceito de mediação nas obras de
Vygotsky é uma tarefa bastante difícil, dado que não se trata de um conceito mas de um
pressuposto norteador de todo o seu arcabouço teórico e metodológico. Para a autora, é um
pressuposto que se objetiva nos conceitos de conversão, superação, relação constitutiva Eu-
Outro, intersubjetividade, subjetividade. Mediação não é ato em que alguma coisa se interpõe;
não está entre dois termos que estabelece uma relação. É processo, é a própria relação.
No entender de Molon, a mediação, para Vygotsky, não é a presença física do outro,
ou seja, não é a corporiedade do outro que estabelece a relação mediatizada, mas a mediação
ocorre por meio dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de mediação. A
presença corpórea do outro não garante a mediação. Sem a mediação dos signos não há
contato com a cultura.
Para Vygotsky (1984), signos podem ser definidos como elementos que representam
ou expressam outros objetos, eventos ou situações. A mediação pelos signos, pelas diferentes
formas de semiotização, possibilita e sustenta a relação social, pois é um processo de
significação que permite a comunicação entre as pessoas e a passagem da totalidade às partes
e vice-versa.
Desta forma, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas passama predominar sobre as relações diretas. Segundo Bock (2001), essas relações sociais entre o
indivíduo e os outros homens dão origem às funções psicológicas superiores. Para Vygotsky,
o fundamento do funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto,
histórico.
Para Vygotsky, segundo Bock (op. cit.), as funções psicológicas superiores apresentam
uma estrutura tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramentas
auxiliares da atividade humana. Os elementos mediadores na relação entre o homem e o
mundo - instrumentos, signos e todos do ambiente humano carregados de significado cultural
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são fornecidos pelas relações entre os homens. Ao longo da história da espécie humana - onde
o surgimento do trabalho possibilitou o desenvolvimento da atividade coletiva, das relações
sociais e do uso de instrumentos – as representações da realidade têm se articulado em
sistemas simbólicos. Os sistemas simbólicos, particularmente a linguagem, exercem um papel
fundamental na comunicação entre os indivíduos e no estabelecimento de significados
compartilhados que permitem apropriações dos objetos, eventos e situações do mundo real.
Vygotsky (1987) ressalta, portanto, a importância da linguagem como instrumento de
formação do pensamento. Para ele, a função planejadora da fala introduz mudanças
qualitativas na forma de cognição da criança, reestruturando diversas funções psicológicas,
como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos etc.
A linguagem, no entender de Vygotsky (op. cit.), age decisivamente na estrutura do
pensamento. Ela é ferramenta básica para a construção de conhecimentos e é considerada
como instrumento porque atua para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções
psicológicas superiores, de modo similar a como os instrumentos criados pelos homens
modificam as formas humanas de vida.
Para Vygotsky (op. cit.), o conhecimento se constrói, num primeiro momento, de
forma intersubjetiva e, num segundo momento, de forma intrasubjetiva, como veremos a
seguir.
De acordo com Vygotsky (op. cit.), os adultos que cuidam de um bebê não lhe
proporcionam apenas cuidados físicos, mas colocam sobre ele certas representações sociais
(imagens, idéias, expectativas) que o introduzem no mundo da cultura. Se o bebê nasce nummundo simbólico, em que os significados vão sendo usados pelos indivíduos para controlar
seu meio ambiente e a si próprios, é na interação com os outros membros da sua cultura e com
os meios de comunicação que ele, posteriormente, pode escolher entre diferentes modos de
comportamento, construindo novos modos de ação. Paulatinamente, a criança vai construindo
significados, conhecimentos, valores, num diálogo com ela mesma, com o outro e com o
mundo, levantando lentamente as várias posições (opiniões, concepções, perspectivas) sobre
determinado assunto. A partir de tais constatações, Vygotsky conclui que a linguagem é o
sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, constituindo-se na principal mediadora
entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É na situação de interação que o sujeito está em
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um momento de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas possibilidades de
interpretação do conteúdo que recebe da realidade exterior.
Para Vygotsky (1987), a organização do ato voluntário da criança possui um caráter
interpsíquico, na medida em que se unem a linguagem da mãe e a ação da criança. No
entanto, a ação voluntária só se inicia com a capacidade de subordinar a ação da criança à
instrução verbal do adulto. Esta função interpsíquica, ou seja, uma função compartilhada entre
duas pessoas, começa progressivamente a se transformar em um processo intrapsíquico. A
ação dividida entre duas pessoas (a mãe e a criança) muda de estrutura, se interioriza e se
transforma em intrapsíquica; a partir daí a linguagem da própria criança começa a regular sua
conduta. No início, a regulação da conduta pela linguagem própria exige da criança umalinguagem desdobrada externa e logo a linguagem progressivamente “dobra-se”,
transformando-se em linguagem interior. Este é o caminho pelo qual se forma o complexo
processo de ação voluntária autônoma, que é em sua essência a subordinação da ação não
mais à linguagem do adulto mas sim à própria linguagem da criança.
Para atestar a importância fundamental da linguagem, Vygotsky (op. cit.) ressalta que
todos os processos mentais superiores têm início com o surgimento da linguagem. É ela quehabilita a criança a criar instrumentos auxiliares na solução de problemas, a superar a ação
impulsiva e a controlar seu próprio comportamento. Enfim, para Vygotsky, o
desenvolvimento não é mera acumulação lenta de mudanças lineares, mas um complexo
processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das
diferentes funções, transformação qualitativa de uma forma ou de outra, entrelaçamento de
fatores externos e internos e processos adaptativos, mediados pela linguagem, fator decisivo
do desenvolvimento humano.
Segundo Oliveira (1993), a importância dos instrumentos, atribuída por Vygotsky, tem
clara ligação com sua filiação teórica aos postulados marxistas: o modo de produção de vida
material condiciona a vida social, política e espiritual do homem; o homem é um ser histórico,
que se constrói através de suas relações com o mundo natural e social; o processo de trabalho
(transformação da natureza) é o processo privilegiado nessas relações homem/mundo; a
sociedade humana é uma totalidade em constante transformação, é um sistema dinâmico e
contraditório, que precisa ser compreendido como processo em mudança, em
desenvolvimento; as transformações qualitativas ocorrem por meio da chamada síntese
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dialética onde, a partir de elementos presentes numa determinada situação, fenômenos novos
emergem.
Ainda de acordo com Oliveira (1993), Vygotsky busca compreender as características
do homem através do estudo da origem e desenvolvimento da espécie humana, tomando o
surgimento do trabalho e a formação da sociedade humana, com base no trabalho, como
sendo o processo básico que marcará o homem como espécie diferenciada. É o trabalho que,
pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e
a história humanas. É no trabalho que se desenvolvem, por um lado, a atividade coletiva (e,
portanto, as relações sociais) e, por outro, a criação e a utilização de instrumentos.
Para Vygotsky (1984, 1988), o instrumento é um elemento interposto entre o
trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da
natureza. O instrumento carrega consigo a função para a qual foi criado e o modo de
utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. Sendo assim, é um objeto
social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo.
O Homem tem utilizado, ao longo de sua história, signos como instrumentos psicológicos em diversas situações, como naquelas que exigem memória e atenção, em que os
signos são interpretáveis como representação da realidade e se referem a elementos do espaço
e do tempo presentes. Sabemos que existem inúmeras formas de utilizar os signos como
instrumentos que auxiliam no desempenho de atividades psicológicas, como: fazer uma lista
de compras por escrito, utilizar um mapa para encontrar um determinado local, fazer um
diagrama para orientar a construção de um objeto... Isso demonstra que constantemente
recorremos à mediação de vários tipos de signos para melhorar nossas possibilidades dearmazenamento de informações e de controle da ação psicológica.
O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao de
um instrumento no trabalho. Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo,
sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza, enquanto que
os signos, chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são orientados para o
próprio sujeito. Os signos dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio
indivíduo, seja de outras pessoas, são ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e
não nas ações concretas, como os instrumentos.
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A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre oobjeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar amudanças nos objeto. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é
dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, nãomodifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividadeinterna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientadointernamente. Essas atividades são tão diferentes umas das outras, que a naturezados meios por eles utilizados não pode ser a mesma (Vygotsky, 1984:62).
Vygotsky (1984) estabelece a analogia entre a signalização e o uso de instrumentos no
trabalho buscando o entendimento do papel comportamental do signo. A signalização, isto é,
a criação e utilização de signos e de sinais arbitrários, é uma característica específica do
homem; o princípio da signalização é fator determinante da espécie humana. O homem não sóse adapta à natureza, mas a transforma, e ao transformar a natureza, transforma a si mesmo. O
homem sente, pensa, age, imagina, deseja, planeja, tem a capacidade de criar o mundo da
cultura através dos instrumentos de trabalho e dos instrumentos psicológicos. Nessa analogia,
Vygotsky identifica a função mediadora de ambos, ou seja, tanto o uso de signos quanto o uso
de instrumentos de trabalho operam como uma atividade mediada. Mas os diferencia pela
operacionalização efetiva direcional assumida na atividade mediada: enquanto o instrumento
e o trabalho modificam o objeto da atividade e estão dirigidos externamente, o instrumento
psicológico não altera o objeto da atividade psicológica e está orientado internamente. Este
último age sobre o controle e domínio do sujeito, enquanto que o instrumento de trabalho atua
sobre o controle e domínio da natureza.
Desta forma, de acordo com Oliveira (1993), as atividades mediadas por instrumentos
e por signos apresentam naturezas diferentes, mas estão reciprocamente vinculadas, pois a
alteração num nível provoca transformação no outro. A presença de elementos mediadores
introduz um ou mais elementos nas relações organismo/meio, tornando-as mais complexas.
Palangana (2001) relata que Vygotsky e seus colaboradores realizaram diversos
experimentos para estudar o papel dos signos na atividade psicológica e compreender como o
processo de mediação, por meio de instrumentos e signos, é fundamental para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, distinguindo o homem dos outros
animais. Concluíram que a mediação é um processo essencial para tornar possível atividades
psicológicas voluntárias intencionais, controladas pelo próprio indivíduo.
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Vygotsky (1984) considera como processos psicológicos superiores aqueles que
caracterizem o funcionamento psicológico tipicamente humano e como as ações
conscientemente controladas: a atenção voluntária, a memorização ativa, o pensamento
abstrato e o comportamento intencional. Esses processos sofrem modificações e vão sendo
construídos ao longo do desenvolvimento do indivíduo, constituindo-se em funções
psicológicas mais sofisticadas. Os processos psicológicos superiores diferenciam-se de
mecanismo mais elementares, como reflexos, reações automáticas e associações simples.
Ainda segundo Vygotsky (op.cit.), ao longo do processo de desenvolvimento, o
indivíduo deixa de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é,
representações mentais que substituem os objetos do mundo real. Os signos internalizadosficam registrados como elementos que representam objetos, eventos ou situações.
Oliveira (1993) afirma que, para Vygotsky, a própria idéia de que o homem é capaz de
operar mentalmente sobre o mundo, isto é, fazer relações, planejar, comparar e lembrar, supõe
um processo de representação mental. Esta capacidade de lidar com representações que
substituem o próprio real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo
presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter
intenções. É esta relação, mediada pelos signos internalizados que representam os elementos
do mundo, que liberta o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu
pensamento.
Segundo a citada autora, as representações mentais da realidade exterior são, na
verdade, os principais mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo.
É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e
organizar o real, que vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre
o indivíduo e o mundo. Os signos não se mantêm como marcas externas isoladas, referentes a
objetos avulsos, nem como símbolos usados por indivíduos particulares, mas passam a ser
signos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo a
comunicação entre os indivíduos e o aprimoramento da interação social.
Ainda de acordo com Oliveira (op.cit.), Vygotsky considera que é a partir de sua
experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de
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organização do real e com os signos fornecidos pela cultura que os indivíduos vão construir
seu sistema de signos, que consistirá numa espécie de código para decifrar o mundo.
Para Oliveira (1993), quando Vygotsky trata da cultura não está se reportando apenas
a fatores abrangentes, como o país onde o indivíduo vive ou seu nível sócio-econômico. Ele
está se referindo também, e principalmente, ao grupo cultural, no seu entender fornecedor, ao
indivíduo, de um ambiente estruturado, onde todos os elementos são carregados de
significados.
Sendo a vida humana impregnada de significações, a influência social se dá por meio
de processos que ocorrem em diversos níveis. Portanto, a interação social, seja diretamentecom os outros membros da cultura seja através dos diversos elementos do ambiente
culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do
indivíduo.
Vygotsky (1984) não concebe a cultura (expressa na vida social) como algo pronto
mas como um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre
o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um. Nesse sentido, e reportando à sua filiaçãomarxista, Vygotsky postula a interação entre vários planos históricos: a história da espécie
(filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual da espécie
(ontogênese) e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo.
Palangana (2001) afirma que, para Vygotsky, o processo pelo qual o indivíduo
internaliza a cultura é um processo de transformação, de síntese. É importante destacar qual o
significado do termo síntese para Vygotsky. Segundo a autora, a síntese vygotskyana de doiselementos não é a simples soma por justaposição desses elementos, mas a emergência de algo
novo, anteriormente inexistente. Esse componente novo não estava presente nos elementos
iniciais: foi tornado possível pela interação entre esses elementos, num processo de
transformação que gera novos fenômenos. Assim, a abordagem que busca uma síntese para a
psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem como corpo e mente, como ser
biológico e ser social, participante de um processo histórico.
Palangana (op.cit.) considera que o processo de internalização é, para Vygotsky, um
dos principais mecanismos a serem compreendidos no estudo do ser humano. É como se ao
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longo de seu desenvolvimento o indivíduo “tomasse posse” das formas de comportamento
fornecidos pela cultura, num processo em que as atividades externas e as funções
interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.
Segundo Palangana (2001), o processo de desenvolvimento do ser humano, marcado
por sua inserção em determinado grupo cultural, se dá “de fora para dentro”. Primeiramente, o
indivíduo realiza ações externas, que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo
com os significados culturalmente estabelecidos. A partir dessa interpretação, será possível
para indivíduo atribuir significados às suas próprias ações e desenvolver processos
psicológicos internos que podem ser interpretados por ele próprio a partir dos mecanismos
estabelecidos pelo grupo cultural e compreendidos por meio dos códigos compartilhados pelos membros desse grupo.
De acordo com Molon (1995), os vários comentadores e seguidores da teoria
vygotskyana realizaram diferentes leituras, configurando diferentes possibilidades de análise
do psiquismo humano, como veremos a seguir. Esses autores reconhecem e valorizam os
pressupostos sócio-históricos no entendimento da natureza humana, ou seja, que o homem é
constituído a partir das relações sociais. Entretanto, a análise sobre a qualidade da participação da realidade social na constituição do Homem e sobre a gênese dos processos
psicológicos gera controvérsias e explicações ambíguas, demarcando um debate entre os
especialistas que priorizam o funcionamento intrapsicológico, os especialistas que enfatizam o
funcionamento interpsicológico e outros que salientam a relação dialética entre a dimensão
inter e intrapsicológica. Alguns autores criticam Vygotsky, dizendo que ele centralizou sua
análise no pólo social, enquanto outros declaram que a questão do sujeito era a preocupação
primeira e fundamental para Vygotsky.
Dentre os autores que analisam a obra de Vygotsky priorizando os aspectos
intrapsicológicos, destaca-se a presença significativa de Valsiner (1996).
Valsiner (1996) identifica dois modelos de transmissão cultural, o uni-direcional e o
bi-direcional, propondo um novo modelo: o co-construtivismo. O autor está preocupado com
a construção conjunta da pessoa e da sociedade, especialmente com a preservação e a
sobrevivência da pessoa. Para Valsiner (op.cit.), a pessoa em desenvolvimento constrói uma
“cultura pessoal” através de suas experiências prévias podendo estar “imune” às sugestões do
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meio social utilizando uma variedade de estratégias: ignorando, neutralizando, trivializando,
resistindo, rejeitando...
Valsiner (1996) traz a questão da cultura pessoal para o enfoque sócio-histórico e para
o modelo da sócio-gênese, que é construída na resistência às sugestões sociais. Essa
resistência garante a não dissolução do sujeito no social. Segundo o autor, o desenvolvimento
pessoal é constantemente cercado pelas formas de sugestão social da cultura coletiva,
concebida como somatória de “culturas pessoais”. Valsiner centraliza sua análise nos termos
sugestão social, contágio e resistência pessoal. Para Molon (1995), o autor busca
contribuições dos teóricos organicistas, especialmente Baldwin, e tem como proposta fazer
uma síntese entre Vygotsky e Piaget, acreditando que o co-construtivismo deve considerar assemelhanças entre os dois autores. Neste sentido, não apresenta os mesmos pressupostos da
teoria vygotskyana. Segundo a autora o co-construtivismo é um outro mosaico, uma
perspectiva mais desenvolvimentalista e menos dialética, que está centrado na preocupação da
formação intrapsicológica e na cultura pessoal.
Wertsch (1998), em sua leitura de Vygotsky, prioriza os processos interpsicológicos,
afirmando que ao se analisar o funcionamento interpsicológico, necessariamente analisa-se ofuncionamento intrapsicológico. Wertsch assinala que a transição entre esses dois planos se dá
através de mudanças quantitativas e qualitativas, defendendo a tese de que a origem dessa
transição está nos instrumentos semióticos4 usados na interação social. Destaca dois processos
fundamentais na análise do funcionamento interpsicológico: a definição da situação
compartilhada e os níveis de intersubjetividade.
De acordo com o autor, a comunicação deve basear-se num nível mínimo de definiçãoda situação compartilhada, ou seja, de intersubjetividade. Neste sentido, acontece a
comunicação pela constituição de uma realidade social temporalmente compartilhada através
da negociação mediada semioticamente entre as pessoas envolvidas na definição da situação.
Essa proposta restringe a intersubjetividade a uma interação face a face, à presença imediata
do outro e aos mecanismos de comunicação compartilhados na interação.
4 Semiótico: relativo a signos, lingüísticos ou não (Houaiss, 2001: 2543).
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Dentro desta perspectiva, Wertsch (1998) afirma que é possível identificar pontos de
intersubjetividade na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, reconhecer níveis de
intersubjetividade na situação compartilhada entre o adulto e a criança. Vygotsky (1998)
define a zona desenvolvimento proximal como a distância entre o nível de desenvolvimento
real, determinado pela solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou um
companheiro mais capaz. O nível de desenvolvimento real, portanto, refere-se às conquistas já
consolidadas na criança, correspondendo às funções que ela já aprendeu e às atividades que
consegue realizar sozinha. O nível de desenvolvimento potencial refere-se, por sua vez, ao
que a criança é capaz de fazer mediante a ajuda de outra pessoa. A distância entre o que a
criança é capaz de fazer sozinha e o que ela executa com a colaboração de outras pessoas é oque Vygotsky denomina zona de desenvolvimento proximal.
Desse modo, o aprendizado, que resulta em desenvolvimento mental, é um aspecto
necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções culturalmente organizadas
e especificamente humanas. Por outro lado é importante lembrar que durante o processo de
aprendizagem a criança parte de suas próprias generalizações e significados: ela reflete a
respeito das explicações recebidas e as transforma segundo seus esquemas lógicos econceituais. Segundo Wertsch (op. cit.), para o generalizar e o abstrair, que são propostos pelo
conceito estudado, ela necessita do auxílio dos adultos e de outras crianças. Ou seja, existe
uma mediação fundamental para a absorção e transformação do conteúdo proposto: auxiliada
por outra pessoa, a criança pode fazer mais do que faria sozinha. Entretanto, o que hoje ela
apenas consegue fazer com o auxílio alheio, com o passar do tempo conseguirá fazer sozinha.
A coordenação e transferência de novos conceitos serão realizadas através da discussão e da
dialética originadas por diferentes pontos de vista. Neste sentido, o conhecimento não deveser transmitido pelo professor através da linguagem expressa só em aulas expositivas, os
conceitos devem ser discutidos e buscados por meio de pesquisas. É justamente no trabalho
em equipe que ocorre o desequilíbrio conceitual através do contraste de vários pontos de vista.
Esse processo leva à transformação da cognição e ao desenvolvimento das funções
intelectuais. Sob esta ótica, Vygotsky concebe a tarefa da escola como a transformação do
estado atual de desenvolvimento do educando para um patamar superior no processo de
desenvolvimento.
Como diz Tereza Cristina Rego:
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O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de extrema importância para as pesquisas do desenvolvimento infantil e para o plano educacional, justamente porque permite a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual.
Através da consideração da zona de desenvolvimento proximal, é possível verificarnão somente os ciclos já completados, como também os que estão em via deformação, o que permite o delineamento da competência da criança e de suasfuturas conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que oauxiliem nesse processo (Rego,1995:74).
Discorrendo sobre a possibilidade de identificar pontos de intersubjetividade na zona
de desenvolvimento proximal, Wertsch (1998) elenca quatro níveis de intersubjetividade na
transição do funcionamento interpsicológico para o funcionamento intrapsicológico. No
primeiro nível, a definição da situação pela criança é tão diferente da definição da situação do
adulto que a comunicação torna-se quase impossível, conseqüentemente a intersubjetividade
não acontece. No segundo nível, a criança não compreende a natureza da ação dirigida a um
objetivo, mas existe uma definição da situação minimamente compartilhada. No terceiro nível
de intersubjetividade, a criança faz inferências esclarecedoras interpretando as produções
diretivas do adulto, mesmo as não explícitas, mas que fazem parte da definição da situação.
Finalmente, no quarto nível, a criança e o adulto estabelecem uma intersubjetividade
completa, na qual a criança regula a responsabilidade da tarefa, dominando a definição da
situação colocada pelo adulto.
Para Wertsch (op.cit), tudo o que acontece no plano interpsicológico nestes diferentes
níveis de intersubjetividade realiza-se no plano intrapsicológico. Essa transição acontece
através de dois mecanismos semióticos: a perspectiva referencial e a abreviação.
Para Molon (1995) o modelo proposto por esse autor concebe a existência de
diferentes níveis de intersubjetividade, como se existisse um nível completamente harmônico,
portanto ideal, na relação do adulto com a criança. Ele analisa a definição da situação e os
níveis de intersubjetividade exclusivamente na relação do adulto com a criança, na zona de
desenvolvimento proximal através desses mecanismos semióticos.
No entender do autor, a perspectiva referencial implica num ato referencial, é um
mecanismo semiótico utilizado pelo falante para identificar um referente5, são algumas
5 Referente: o elemento do mundo extra lingüístico, real ou imaginário, ao qual remete um signo lingüístico, numdeterminado contexto sóciocultural e de discurso (Houaiss, 2001:2411).
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expressões que minimizam e maximizam a informação: as expressões que minimizam são as
dêiticas (este, aquele) e as expressões comuns (nome mais comum de um objeto); as
expressões que maximizam a quantidade de informações são as expressões informativas do
contexto. O outro mecanismo semiótico é a abreviação6, que é a redução da representação
lingüística explícita.
Wertsch (1998) menciona que Vygotsky analisou este mecanismo na explicação da
fala interna, porém observa que Vygotsky utilizou a abreviação somente no funcionamento
intrapsicológico. Ele estende o emprego deste mecanismo semiótico no funcionamento
interpsicológico, reconhecendo a relação entre a representação lingüística e a definição da
situação, ou seja, os aspectos envolvidos na definição da situação aparecem representados nafala em diferentes graus: quanto menos aspectos representados, maior será o nível de
abreviação. Para o autor através deste mecanismo semiótico, estabelecem-se diferentes níveis
de intersubjetividade.
Smolka (1991), Góes (1991) e Pino (1993) têm se diferenciado ao apontar novas
possibilidades para superar o dualismo entre o funcionamento interpsicológico e o
funcionamento intrapsicológico, acabando com a primazia de uma dimensão sobre a outra. As pesquisas realizadas por eles indicam que a construção do Homem acontece dialeticamente.
Esses autores deixam claro que a constituição do Homem não se esgota no privilégio de
aspectos intrapsicológicos ou interpsicológicos, mas no processo dialético de ambos, e ainda o
que é mais expressivo, a constituição do Homem acontece pelo outro e pela palavra numa
dimensão semiótica. Sendo a palavra e o signo polissêmicos7, a natureza e a gênese do
processo de constituição do Homem implicam, necessariamente, o diferente e o semelhante.
Para os autores, o Homem constitui-se pelo outro e pela linguagem através dos
processos de significação e dos processos dialógicos, rompendo com a dicotomia entre sujeito
e social, entre o eu e o outro.
A concepção de Homem numa dimensão semiótica não ignora a individualidade nem a
singularidade, segundo Góes (1991), mas atribui a esses constructos novos significados: a
6 Abreviação: redução do corpo fônico de uma palavra resultando em outra que passa a funcionar como sinônimoda palavra primitiva (Houaiss, 2001:27). 7 Polissêmico: relativo à polissemia; que tem mais que um significado (Houaiss, 2001:2253).
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individualidade como um processo socialmente construído; a singularidade como uma
conjugação que envolve convergências e divergências, semelhanças e diferenças,
aproximações e afastamentos em relação ao outro. O Homem passa a ser visto como uma
composição do movimento dialético, não necessariamente harmônico, entre tensões e sínteses.
Pino (1993) esboça o processo de significação em três momentos que são articulados
pela gestualidade. No primeiro momento, acontece um processo de participação fusional do
eu no outro, no qual o eu perde-se no outro. No segundo momento, pelo processo dialético de
negação e reconhecimento, o eu constitui-se em sujeito. No terceiro momento, em
conseqüência da oposição e reconhecimento do outro como um “não eu”, surge a consciência
da própria subjetividade, jamais como eu isolado mas como eu da relação “Eu-Outro”.
Segundo Pino (op. cit.), neste processo de significação, o eu, ao se constituir sujeito,
torna-se para o sujeito o significante da própria subjetividade. A consciência da subjetividade
e a penetração no universo da significação somente acontecem no campo da
intersubjetividade, configurado como lugar de encontro e de confronto, como palco de
negociações dos mundos de significação privados e públicos.
Sendo assim, esta noção de intersubjetividade diferencia-se da noção de
intersubjetividade de Wertsch (1998) citada anteriormente. Aqui, a intersubjetividade propicia
o acontecimento que pode ser dos mais diversos modos. Para Wertsch existe um modelo ideal
de intersubjetividade a ser atingido na relação entre o adulto e a criança, na qual o adulto
estabelece o modelo da relação e o nível de intersubjetividade.
Segundo Góes (1991), a intersubjetividade não é o plano do outro e sim da relação dosujeito com o outro, é inter-relação, é interação. Neste sentido, o mundo é o lugar de
constituição da subjetividade.
Para Pino (op.cit.), sendo a ordem simbólica uma produção do imaginário social da
sociedade e também constituinte do homem como indivíduo social, as representações da
ordem imaginária são constitutivas da subjetividade. Desta forma, há representações do
sujeito e, principalmente, representações no sujeito, num mundo sócio-histórico, onde não se
pode ignorar nem a ordem imaginária nem a ordem simbólica.
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Explicitamos a análise de alguns autores que priorizam a dimensão interpsicológica da
constituição do sujeito, como é o caso de Valsiner, de outros que salientam a dimensão
intrapsicológica, como identificamos no pensamento de Werstch, além de outros que
ressaltam o movimento dialético entre as dimensões interpsicológica e intrapsicológica, como
por exemplo Góes, Smolka e Pino. Sendo assim, analisando as idéias desses autores, no nosso
entender, não consideramos que em seus estudos demonstrem oposições de idéias, mas sim
um movimento de aprofundamento de suas pesquisas pelas diferentes escolhas realizadas, ou
seja, enquanto Valsiner aprofundou a dimensão interpsicológica, Werstch fez o mesmo em
relação à dimensão intrapsicológica e Góes, Smolka e Pino aprofundaram as inter-relações
entre estas dimensões. No nosso entender, não há, para estes três últimos autores, a negação
dos modelos apontados anteriormente – o interpsicológico e o intrapsicológico -, mas umainterpenetração desses contrários, ou seja, um movimento dialético, dotando de sentido a
constituição do sujeito como uma via de mão dupla. No presente estudo, identificamo-nos e
tomamos como referência, para a análise do dados obtidos, os autores Góes, Smolka e Pino,
por constituir suas análises a partir da perspectiva da intersecção entre as duas dimensões, não
priorizando nenhuma delas em detrimento da outra.
Neste capítulo, apresentamos a base teórica que norteará a investigação do uso dotermo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein. Inspirados
nos princípios do materialismo histórico-dialético, que ressalta a importância da historicidade
dos fenômenos, percorremos a trajetória pessoal de Vygotsky, situando-o histórica e
geograficamente. Explicitamos o contexto social e político em que viveu e construiu sua obra,
apresentando também seus fundamentos teórico-metodológicos, sua base filosófica, o
percurso do termo mediação na história do pensamento, afunilando para a discussão do termo
mediação em Vygotsky e em seus estudiosos.
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CAPÍTULO 2 – MÉTODO
“Se procurar bem, você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida,mas a poesia (inexplicável) da vida.”
Carlos Drummont de Andrade
O presente capítulo tem por objetivo apresentar o método a ser utilizado no estudo em
questão, a sua fundamentação metodológica, o procedimento metodológico, bem como as
categorias de análise a serem utilizadas para iluminar a interpretação dos dados de nosso
estudo.
• FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA
Explicitaremos a seguir a fundamentação metodológica do método a ser utilizado,
tendo em vista o objetivo do presente estudo. O termo método está sendo aqui empregado
com o mesmo significado atribuído por Gamboa (1988:27), ou seja, como “um caminho em
direção ao conhecimento”.
Considerando nossa opção em fundamentar o estudo em questão no materialismo histórico
e dialético, recorremos ao método dialético como um caminho possível a ser percorrido em
direção ao que pretendemos investigar, ou seja, se o termo mediação utilizado por
Feuerstein tem o mesmo significado atribuído por Vygotsky.
Segundo Frigotto (1987), na perspectiva do materialismo histórico, o método vincula-
se a uma concepção de realidade, de mundo e de vida entendidas no seu conjunto. A questão
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deste posicionamento, de acordo com o autor, neste sentido, antecede ao método. No seu
entender, o método se constitui numa espécie de mediação no processo de apreender, revelar e
expor a estruturação, o desenvolvimento e a transformação dos fenômenos sociais.
De acordo com Houaiss (2001: 1030), dialética “em um sentido bastante genérico,
significa oposição, conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou
fenômenos empíricos”.
Para Frigotto (op.cit.), etimologicamente, a palavra dialética vem do grego dia
(δια), que indica troca ou dualidade, e lektikós (λεκτικοσ) , que significa capaz de falar. Esta
também é a raiz de logos (palavra, razão), assemelhando-se ao conceito de diálogo. “No
diálogo, há mais de uma opinião, há dualidade de razões”.
O materialismo histórico remete-nos à historicidade das produções humanas. Assim, o
elemento histórico, consoante ao método dialético, diz respeito ao caráter sincrônico8 e
diacrônico9 dos fatos, à relação sujeito e objeto, em suma, ao caráter histórico dos objetos que
investigamos.
De acordo com Kosik (1976), um aspecto a ser considerado nesta compreensão de
método é que a dialética é um atributo da realidade e não do pensamento, trata da “coisa em
si”. Mas, a “coisa em si” não se manifesta imediatamente ao homem. Para chegar a sua
compreensão é necessário fazer não só um certo esforço, mas também um retorno. Este
retorno implica necessariamente em ter como ponto de partida os fatos empíricos que nos são
dados pela realidade e, em segundo lugar, em superar as impressões primeiras, as
representações fenomênicas destes fatos empíricos e ascender ao seu âmago, às suas leis
fundamentais. O ponto de chegada será não mais as representações primeiras do dado
empírico (imediato), mas o concreto pensado (mediato). Essa trajetória demanda do homem,
enquanto ser cognoscente, um esforço e um trabalho de apropriação, organização e exposição
dos fatos. Por isso mesmo, “o conhecimento da realidade histórica é um processo de
apropriação teórica – isto é, de crítica, interpretação e avaliação dos fatos – processo em
8 Sincrônico: relativo a um conjunto de fatos que coincidem no tempo, sem levar em conta o processo evolutivo;simultâneo9 Diacrônico: relativo ao estudo ou a compreensão de um fato ou de um conjunto de fatos em sua evolução notempo.
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que a atividade do homem, do cientista, é condição necessária ao conhecimento objetivo dos
fatos” (Kosik, op. cit.: 45).
Para Kosik (1976), a dialética não é um método que pretenda ingenuamente conhecer
todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer um quadro “total” da realidade, na
infinidade dos seus aspectos e propriedades. A compreensão dialética da totalidade significa
não só que as partes se encontram em relação de intensa interação e conexão entre si e com o
todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das
partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes. Assim, a compreensão da
dialética materialista histórica implica, ao mesmo tempo, em uma concepção de realidade, emum método de se investigar e se expor o real e em uma práxis transformadora que nos sinaliza
alguns pontos que merecem atenção.
Para Frigotto (1987), um aspecto que se pode observar no campo da pesquisa é que há
uma tendência de se tomar o “método”, ainda que dialético, como um conjunto de estratégias,
técnicas e instrumentos. Para a referida autora é necessário tomar cuidado para que as
categorias de análise não percam seu caráter de historicidade, tornando-se abstratas eespeculativas. No seu entender, a dialética, para ser materialista e histórica, não pode
constituir-se numa “doutrina” ou numa espécie de dogma, tem que dar conta do movimento
entre totalidade e especificidade. Isto implica em dizer que as categorias de análise não são
apriorísticas, mas são construídas historicamente no próprio decorrer do estudo. De acordo
com Mazzoti (1998) é necessário um mínimo de estruturação, conforme observamos na
citação abaixo:
... um mínimo de estruturação prévia, considerando que o foco da pesquisa, bemcomo as categorias teóricas e o próprio design só deverão ser definidos no decorrerdo processo de investigação. (...) o foco e o design do estudo não podem serdefinidos a priori, pois a realidade é múltipla, socialmente construída em uma dadasituação e, portanto, não se pode apreender seu significado se, de modo arbitrário e
precoce, a aprisionarmos em dimensões e categorias (Mazzoti, 1998: 147).
De maneira geral, a dialética revela-se, segundo Lefèbvre (1975) a partir de leis ou
princípios que norteiam a análise de uma dada realidade ou situação, a saber: lei da interação
universal (nada é isolado, tudo se inter-relaciona); lei do movimento universal (tudo se
transforma); lei da unidade dos contraditórios (interpenetração dos contrários, unidade e luta
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dos contrários); lei dos saltos (transformação da quantidade em qualidade – implica
simultaneamente a continuidade e a descontinuidade); lei da superação (desenvolvimento em
espiral).
Para atender a esses princípios gerais da dialética, Lefébvre (1975) sistematiza um
conjunto de regras organizadas de uma forma " didática" (Gadotti, 1983), algumas das quais
consideramos importante destacar para orientar o posicionamento do pesquisador e os
cuidados que estarão presentes no olhar que será dirigido ao objeto de estudo desta pesquisa,
para dar conta do rigor e da fecundidade propostos por Lefèbvre:
• dirigir-se à própria coisa, ou seja, realizar uma análise objetiva;
• apreender o conjunto das conexões internas; identificar e revelar o desenvolvimento e o
movimento;
• apreender os aspectos e momentos contraditórios, as transições, o constante movimento;
• não esquecer de que tudo está ligado a tudo, e que uma interação insignificante,
negligenciável porque não essencial em determinado momento, pode tornar-se essencial
num outro momento ou sob um outro aspecto;
• não esquecer de que o processo de aprofundamento do conhecimento é infinito. Jamais
estar satisfeito com o obtido. É olhar sempre para além do que se vê;
• em certas fases do próprio pensamento, este deverá se transformar, retomar seus
momentos superados, revê-los, repeti-los, mas apenas aparentemente, com o objetivo de
aprofundá-los mediante um passo atrás rumo às suas etapas anteriores e, por vezes, até
mesmo rumo ao seu ponto de partida.
A análise realizada sob esta perspectiva é entendida por nós como o melhor caminho a
seguir, não tendo a pretensão de se chegar a uma conclusão definitiva e acabada sobre o uso
do termo mediação em Feuerstein, uma vez que o conhecimento é concebido como algo
infinito, ou seja, em constante processo de construção. Entretanto, acreditamos ser relevante
procurarmos entender com mais precisão o significado do termo mediação, uma vez que este
será norteador de todo o trabalho para que, assim, possamos abordar o referido termo nas
considerações de Feuerstein, bem como reconhecer os desdobramentos do termo mediação e
suas conexões com outras idéias, tanto em Vygotsky (a questão dos signos e dos
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instrumentos, entre outros) quanto em Feuerstein (a Experiência de Aprendizagem Mediada, o
Programa de Enriquecimento Instrumental, entre outros).
• PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Tendo em vista que o presente estudo tem por objetivo verificar se o termo mediação
utilizado por Feuerstein tem o mesmo significado atribuído por Vygotsky e considerando que
o objeto de estudo é a concepção de mediação em Feuerstein, o procedimento metodológico
será constituído das seguintes etapas:
• Etapa 1: Levantamento dos escritos de Vygotsky e Feuerstein e de comentaristas sobre
esses autores;
• Etapa 2: Elaboração de dois capítulos observando a contextualização histórica e
geográfica, as bases teóricas, metodológicas e filosóficas para compor o cenário da
formação familiar, intelectual, cultural e social em que estão inseridos os autores emquestão, assim como explicitar as correntes de pensamento para identificar os pressupostos
epistemológicos, ontológicos, gnoseológicos e a concepção teórica dos dois autores;
• Etapa 3: Explicitar o uso do termo mediação na Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural de Feuerstein, como ele concebe a mediação e como os estudiosos de Feuerstein
a concebem, assim como explicitar a mediação nos escritos de Vygotsky e dos estudiosos
de Vygotsky;
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• Etapa 4: Análise e interpretação dos dados.
• CATEGORIAS DE ANÁLISE
As categorias eleitas foram as propostas por Gamboa (1988). Este autor assinala que se
pretendemos constituir nossos estudo numa vertente crítico-dialética, precisamos questionar
fundamentalmente a visão estática da realidade, desvendar mais que o “conflito das
interpretações”, o conflito dos interesses, e manifestar um “interesse transformador” das
situações ou fenômenos estudados, resgatando sua dimensão sempre histórica e desvendando
suas possibilidades de mudança. Segundo o referido autor, as categorias por ele propostas para análise das produções científicas qualquer que seja a vertente teórica na qual o estudo ou
pesquisa se fundamenta estão edificadas sobre alguns elementos lógicos (nível técnico,
metodológico e teórico) e sobre alguns pressupostos (epistemológico, gnoseológico e
ontológico).
Nesse sentido, as categorias que irão iluminar a análise e interpretação dos dados desse
estudo são as que se seguem:
a) Contexto histórico: contextualização espaço-temporal e as características sociais em que
os pensadores estão inseridos;
b) Filiação metodológica e filosófica: bases de fundamentação dos autores; as correntes de
pensamento nas quais os pensadores se filiam;
c) Pressupostos ontológicos: concepções de Homem, Sociedade, História e Mundo
expressos nas obras dos autores;
d) Pressupostos lógico-gnoseológicos: a concepção de objeto e de sujeito no processo
cognitivo; aprendizagem / desenvolvimento;
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e) Concepção teórica: concepção teórica dos autores, especificamente a concepção de
mediação.
Cumpre-nos ressaltar a atenção necessária para que essas categorias não se
transformem em “camisas de força” especulativas, que enrijeçam o olhar, mas que se
configurem como diretrizes norteadoras para a nossa leitura, conforme nos recomenda
Frigotto (1987).
CAPÍTULO 3 – A MEDIAÇÃO EM REUVEN FEUERSTEIN
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“... cada um de nós compõe a sua históriacada ser carrega em si o dom
de ser capaz de ser feliz...”
Almir Sater
Este capítulo tem como objetivos apresentar um breve histórico da vida de Feuerstein,
situando-o geográfica e historicamente, tendo em vista explicitar o cenário de sua formação
pessoal entendida como a formação familiar, intelectual, cultural e social. Objetiva, também,
explicitar sua filiação teórico-metodológica, ou seja, a teoria da modificabilidade cognitiva
estrutural, bem como situar alguns conceitos, a saber: função cognitiva e mapa cognitivo.
Pretende, também, apresentar alguns fundamentos filosóficos nos quais podemos inferir que
Feuerstein tenha se inspirado. Por fim, explicitar a mediação em Feuerstein apresentando de
maneira sucinta a experiência de aprendizagem mediada bem como os instrumentos criados
por ele, ou seja, o PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental) e o LPAD (Avaliação
Dinâmica do Potencial de Aprendizagem), assim como a concepção de mediador e os critérios
de mediação.
3.1. HISTÓRICO DE VIDA
•
A FAMÍLIA
Reuven Feuerstein nasceu na Romênia, no dia 21 de agosto de 1921. É o quinto de
oito filhos de uma família judia e reside em Israel desde 1944. Segundo Da Ros (2002), no
grupo particular e familiar de Feuerstein a mediação esteve sempre presente por intermédio de
conversas entre os irmãos e a mãe quando contavam, uns aos outros, o que aprenderam e
leram durante a semana, reconstruindo tais experiências mental e verbalmente. Ficavam todos
sentados à mesa da cozinha conversando, e essas conversas eram mediadas pela mãe, tal fato
lhes dava condições de acesso ao significado de suas experiências. Segundo a autora, da
mesma forma foram significativas em sua vida as mediações realizadas pela leitura de textos
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sacros e livros de preces permeadas por comentários e legendas, bem como pelo clima social
da comunidade onde nasceu, em que a atmosfera era rica de sentidos e significados. Contam,
ainda, as vivências com seu avô, religioso, mímico e pintor.
Outra experiência importante, relata Da Ros (2002), aconteceu graças ao fato de ter
começado a ler muito cedo, com apenas três anos de idade. Era, por isso, freqüentemente
chamado para ajudar seus colegas na escola – os que tinham dificuldade para ler ou
compreender a língua escrita. A referida autora conta que Feuerstein relata, em uma entrevista
publicada em 1996, que quando era pequeno, em sua casa, teve experiência com modelos de
mediação utilizados com crianças órfãs, que eram cuidadas por sua mãe. Tanto ele quanto
seus irmãos constituíram, nas interações familiares, referências importantes que criaram o
desejo de participar em interações em que pudessem compartilhar, com outras pessoas,
vivências que ultrapassassem as marcas de um mero encontro casual. Essa característica de
seu núcleo familiar, segundo Feuerstein (1996), fez com que uma de suas irmãs se tornasse
uma grande líder comunista, um de seus irmãos um grande especialista em didática e outro,
com quem ele recentemente escreveu um livro, praticasse a mediação em termos bíblicos.
Feuerstein diz ser o produto de uma realidade, de um pensamento, de uma modalidade de
relacionar-se com a cultura.
Reuven Feuerstein contou, nessa mesma entrevista, que aos sete anos foi encarregado
de ensinar um rapaz de quinze anos considerado na vila como “simplório”, que tinha muita
pressa de aprender a ler para que seu pai morresse em paz. Essa, segundo Feuerstein, foi a
primeira experiência em que ele pôde se dar conta de que modificar é possível. Relatou,
também, que aos nove anos ensinou um homem de sessenta a ler a Bíblia.
Em 1949, contraiu uma tuberculose e é enviado para tratar-se na Suíça. Permanece em
tratamento durante sete meses e aproveita para aprender francês, inglês e alemão.
Feuerstein estudou Psicologia e Pedagogia em Bucareste. Posteriormente, a partir de
1952 em Genebra, trabalhou com Jean Piaget e André Rey.
• O PERCURSO PROFISSIONAL
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Da Ros (2002) relata que em 1970 Feuerstein concluiu sua tese de doutorado na
Sorbonne/Paris, na área de Psicologia do Desenvolvimento, com o título: Lês differences de
fonctionnement cognitif dans les grupes sócio-ethniques differents. Leur nature, leur etiologie
et les pronostics de modifiabilité (Diferenças do funcionamento cognitivo dos diferentes
grupos sociais e étnicos. Sua natureza, sua etiologia e os prognósticos de modificabilidade).
Autores como D.P. Ausubel, H. Aebli, A. Anastasy, J.T. Campbell, A. R. Luria e L. S.
Vygotsky constam da bibliografia de sua tese, podendo ser considerados, segundo Da Ros,
uma referência em relação ao caráter mais sociológico e pedagógico de sua construção
teórica.
Em 1965, tornou-se diretor do “Hadassah-Wizo-Canada Research Institute”. Hoje é
diretor do “International Center for the Enhancement of Learning Potencial”, fundado em
1993. É professor, desde 1970, na Escola de Educação da Universidade Bar Ilan, em Ramat
Gan, Israel, e na Escola de Educação da Universidade Vanderbilt, em Nashville, Estados
Unidos.
Desde o final dos anos quarenta e até a sua aposentadoria, em 1983, dirigiu o ServiçoPsicológico do Departamento de Youth Aliya’s, uma instituição dedicada à tarefa de receber e
integrar as crianças judias que chegavam a Israel. Inicialmente, no período pós-guerra de
1940, Youth Aliya’s esteve envolvida com o resgate de crianças ameaçadas pelo regime
nazista alemão e austríaco. Ao longo e depois da guerra, a “operação resgate” estendeu-se de
leste a oeste da Europa, num esforço de reunir as crianças órfãs que haviam sobrevivido ao
holocausto.
Segundo Da Ros (op.cit.), o trabalho realizado por Feuerstein nesta instituição
possibilitou-lhe muitas reflexões. Feuerstein começou a dar forma à sua proposta educacional,
que tem por base as experiências de aprendizagem mediada e a avaliação de potencial de
desenvolvimento. A maioria dos adolescentes marroquinos, que nos anos de 1950 a 1954
emigraram para Israel, eram analfabetos e não conheciam as diferentes operações mentais da
aritmética. Apresentavam limitações à curiosidade, à interação e à exploração, bem como em
conceitualizar, abstrair, simbolizar e representar. Estes adolescentes mostravam nos testes
utilizados uma defasagem de três a seis anos em relação às suas idades, fato que chamou a
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atenção de Feuerstein e possibilitou a elaboração de suas novas hipóteses. A este quadro,
Feuerstein chamará mais tarde de Síndrome de Privação Cultural.
Da Ros (2002) assinala que foram aplicados testes psicológicos como o Bender, por
exemplo, com resultados que apontavam sinais de organicidade (existência de possíveis
problemas neurológicos), sugerindo que a escola e suas atividades acadêmicas seriam
praticamente inacessíveis a esses adolescentes. Outros testes de desenvolvimento com tarefas
de resolução prática e as provas operatórias de Piaget foram aplicados e seus resultados não
diferiam em sua significação dos resultados obtidos pelos testes convencionais. Estas
constatações, segundo a autora, impulsionaram Feuerstein a produzir uma forma dinâmica de
compreender o desenvolvimento humano.
Naquele momento, as condições sociais de vida em Israel e o grande afluxo de
crianças e adolescentes imigrando para este país impunham a criação de novos programas
pedagógicos e também uma revisão nos conceitos de avaliação. A questão era distinguir entre
a manifestação de um nível pobre de funcionamento e a capacidade potencial para a
modificabilidade que poderia ser produzida nas novas relações interpessoais. O que seria
necessário fazer para verificar a possibilidade de aprender, uma vez que os testes aplicadostraziam como resultados só as incapacidades? Esta questão, segundo Da Ros, trouxe à tona
para Feuerstein o rico processo de mediação por ele vivido em sua infância e adolescência e
isto o motivou a realizar algo fundamentado nessas vivências. O programa pedagógico
denominado Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) emergiu dessa reflexão e para
viabilizá-lo a iniciativa da criação do Learning Potential Assessement Device10 (LPAD),
ambos embasados na mesma filosofia e princípios, que serão explicitados mais adiante.
No início da sua carreira profissional Feuerstein teve como grande interlocutor Jean
Piaget, mas algumas divergências teóricas marcaram a trajetória desses dois autores. Para Da
Ros (op.cit.), o diálogo teórico travado em torno da expressão “exposição direta aos
estímulos”, por exemplo, usada por Feuerstein, marca um ponto importante de sua ligação
com Piaget.
10 Avaliação do Potencial de Aprendizagem.
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Feuerstein começou a trabalhar, no final dos anos quarenta, com a hipótese da
aprendizagem mediada via interações e mediações humanas (S-H-O-H-R).
O esquema de Feuerstein (1997) resume-se desta forma: a letra H significa a presença humana, o mediador que ‘encaminha’ o indivíduo em sua interação com osobjetos de conhecimento. Os estímulos do ambiente (letra S) chegam ao indivíduo(letra O) por duas formas: diretamente ou através do filtro do mediador (...) o mesmoacontece com as ações (letra R) do indivíduo: podem ser ações diretas junto aoambiente ou canalizadas e mobilizadas pela ação do mediador (Gomes, 2002: 80).
Na visão de Da Ros, isso já apontava para uma concepção de desenvolvimento e
aprendizagem que se dá pelo e no coletivo, contrariando, segundo a autora, a concepção
piagetiana de desenvolvimento.
• FEUERSTEIN NOS DIAS ATUAIS
Consultando páginas e portais na internet1, recolhemos algumas notícias acerca do
trabalho que Feuerstein vem desenvolvendo, que revelam que ele sempre fez questão de não
cobrar de seus pacientes, bem como que o Centro Internacional de Desenvolvimento do
Potencial de Aprendizagem (ICELP), de Jerusalém, sobrevive em grande parte de doaçõesvoluntárias.
Cúria (2003) conta-nos que ao longo de sua carreira, Feuerstein publicou uma série de
livros e mais de 80 artigos em revistas especializadas e capítulos de livros e monografias.
Tem sido orientador de numerosas teses de doutorado. Está casado com Berta Guggenheim e
tem quatro filhos. Todos residem em Jerusalém.
Em relação ao seu método, o PEI, tivemos notícias, através do site abaixo citado, de que
uma das maiores empresas israelenses, a Israel Aircraft Industrie (IAI), recorreu a Feuerstein
para aumentar a capacidade de aprendizado de seus funcionários. Depois de 60 horas de
treinamento, os técnicos da IAI podiam diagnosticar e resolver problemas nas aeronaves com
mais rapidez e precisão. Em escolas de todo o mundo, o método está ajudando alunos não
deficientes. No Brasil, por exemplo, o Estado da Bahia está introduzindo o programa de
Feuerstein no currículo das escolas do ensino médio. Ao ser concluído, dentro de menos de
1 Retirado do site: (www.ledorvador.com.br/cidpa.htm) dia 11/11/2003.
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três anos, o maior programa dessa natureza já lançado no Brasil terá sido ministrado a 600 mil
alunos, em 500 escolas.
Robert Sternberg (2000), professor de psicologia e educação da Universidade de Yale,
afirma que, apesar de ainda ser muitas vezes visto com desconfiança em alguns círculos
acadêmicos... “Feuerstein será lembrado como uma das grandes figuras do século XX no
movimento em favor das habilidades humanas. Ele tem contribuído de maneira notável para
a compreensão das habilidades e sua capacidade de modificação”.
O relato1 a seguir demonstra sua crença na possibilidade de modificabilidade, ou seja,
em transformar situações de desafios em resultado:
Às 8h15 de uma manhã de dezembro, em 1988, Reuven Feuerstein entrou em umasala de aula da Universidade Bar-Illan, próxima a Tel-Aviv. “Podem me dar os
parabéns. Tenho o orgulho de anunciar que acabei de me tornar avô”, disse aosalunos. “Meu neto tem síndrome de Down.”
Hoje, Feuerstein afirma: “Eu sempre disse aos pais que o nascimento de uma criançacom síndrome de Down era motivo de alegria, não de tristeza. Quando meu netoElchanan nasceu, aconteceu comigo. Muitas vezes eu havia me perguntado qual seriaminha reação. Mas passei no teste. Elchanan é uma fonte de alegria para mim”.
Observei o homem que transformara a vida de milhares de crianças se afastar nocorredor. Levava pela mão um pequeno personagem – Elchanan, hoje com 13 anos.Feuerstein o ensinou quase desde o nascimento e o garoto está indo muito bem numaescola comum.
- Ele vai crescer, casar-se e ter um emprego normal, como qualquer outra pessoa –disse o avô.
- Que tipo de emprego? Perguntei.
O de professor, talvez.
1 Retirado do site: (www.ledorvador.com.br/cidpa.htm) dia 11/11/2003.
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3.2. CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
Feuerstein chegou a Israel em 1944. Este momento trazia em seu conjunto toda a
dimensão de um mundo em guerra e barbárie, assinalado sobremaneira pelo Holocausto, o
massacre de judeus em território europeu, subjugado pela Alemanha de Adolf Hitler. A
Romênia não fugiu a esta regra.
O movimento migratório de Feuerstein, o avesso da Diáspora, o retorno à Terra Santa,
às suas origens, colocou-o entre os milhares de judeus que percorreram caminhos diferentes
que os levavam ao mesmo lugar: a Terra Prometida, Israel. Segundo Sachar (1989), a
Organização das Nações Unidas, criada em 1945, representante mundial da construção da paz,
encarregou-se de criar, em 1947, um território para uma nação espalhada pelos quatro cantos
do mundo, o estado de Israel.
Israel do pós II Guerra Mundial é marcado por um povo em reconstrução. Novas bases
seriam edificadas, sem perder contudo o valor das tradições judaicas. Ao contrário, agoraestas encontrariam um território legítimo para manifestarem-se. Porém, outros problemas
passaram a existir. Para o autor era preciso fortalecer o povo judeu em Israel. A cidade de
Jerusalém expressava a situação que constituiria as relações sociais: judeus, cristãos e
muçulmanos convivendo num mesmo solo sagrado. Segundo Sachar (op. cit.), a difícil arte da
convivência exigiria das populações em Israel uma transformação na maneira de ver o mundo,
ou seja, uma aprendizagem seria necessária, aquela que contemplasse a aceitação do outro, a
coexistência pacífica.
Segundo Da Ros (2002), essas condições histórico-sociais de Israel, foram o elemento
desencadeador da produção intelectual de Feuerstein:
É certo, sem dúvida, que essa foi a situação desencadeadora de sua produçãointelectual, deve-se situar na qualidade das experiências vividas em diferentes
passagens de sua vida o alicerce que lhe permitiu dar uma direção específica ao
fazer pedagógico de sua carreira de educador (2002: 21).
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Em 1970, Feuerstein relatou, em sua tese de doutorado, os estudos que realizou
acompanhando o desenvolvimento de um grupo de crianças por 18 anos seguidos. Essas
crianças tinham sido rotuladas de incapazes, quando submetidas a exames psicológicos
tradicionais, no momento de ingresso às instituições israelenses de imigração da juventude. O
pesquisador postulava a hipótese contrária, afirmando que em situações psicológicas, sociais e
culturais desfavoráveis, as crianças não poderiam apropriar-se do saber, mas que isto não
significava incapacidade. Na introdução de sua tese, ele afirma que queria uma pedagogia que
estivesse voltada às potencialidades a serem criadas com e pelos sujeitos.
Da Ros (2002) ainda nos relata que Feuerstein buscava respostas para alguns
questionamentos em relação à aprendizagem e como os processos de transformação deconhecimento ocorriam de maneiras diferentes. Por que os etíopes, ao imigrarem a Israel,
apropriaram-se logo de questões culturais complexas e organizaram seus novos modos de
vida, mesmo tendo anteriormente vivido sob formas, segundo ele, mais primitivas de vida,
sem linguagem escrita? Por que determinadas crianças ricas, que viajavam pelo mundo todo,
não “sabiam” nada? Seria um retardo mental, com base na definição tradicional? Ou uma
criança, apesar da riqueza material, poderia estar culturalmente privada em função da
“pobreza” de oferecimento da cultura de experiências para o desenvolvimento dos processoscognitivos superiores?
Essas observações e indagações ajudaram Feuerstein a formular o conceito de
Experiência da Aprendizagem Mediada2. Da Ros (op. cit.) assinala que estas indagações
emergiram nos anos 1940/1950, quando começavam a germinar os constructos das teorias das
privações culturais, que atribuíam as deficiências e os fracassos escolares às condições ligadas
às classes sociais e às minorias étnicas. Feuerstein reagiu a este movimento propondo amodificabilidade pelas “interações mediadoras do desenvolvimento humano”.
Feuerstein (1980) materializou esta proposta sob a forma de um programa
educacional, o PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental), que surgiu depois dos
estudos da avaliação do potencial das crianças imigradas, que traziam consigo perdas e
privações de toda ordem, marcas da guerra e do holocausto. Para Feuerstein, ao termo
“potencial” deve ser dada a conotação de possibilidade, de modificabilidade a ser produzida
2 Os diferentes termos conceituais de Feuerstein aqui apresentados serão explicitados mais adiante.
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na interação com o mediador. Para avaliar este potencial, Feuerstein criou o LPAD
(Estratégias de Avaliação do Potencial de Aprendizagem).
Feuerstein (1980) afirma que a teoria de onde se origina seu programa teve sua base
primeiramente numa profissão de fé, uma vez que sua gênese partiu de uma necessidade.
Sendo assim, Da Ros (2002) assinala que a teoria e o método de Feuerstein passaram por
diversas modificações e é por isso que se diz que esta teoria está em constante construção.
Diferentes estudos e experiências realizados por quase todos os países do mundo, desde o
início dos anos 50, estão sendo os agentes construtivos.
3.3. – BASES TEÓRICO-METODOLÓGICA E FILOSÓFICA
3.3.1. BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA
Para apresentar a base teórico-metodológica da obra de Reuven Feuerstein, além dos
escritos do próprio autor utilizaremos também escritos de alguns estudiosos de seu trabalho,
tais como: Beyer, Fonseca, Gomes, Goulart, Kozulin, entre outros.
Segundo Fonseca (1998), toda a obra de Feuerstein está alicerçada no seguinte
postulado básico: todo o ser humano é modificável. Um verdadeiro sistema de crenças. Sem
esta concepção essencial, a compreensão da teoria, da avaliação e da intervenção naModificabilidade Cognitiva Estrutural não é possível. Segundo este postulado, todos os
indivíduos que se queiram envolver num processo de transmissão cultural (pais, educadores,
professores, formadores ou mediatizadores) deverão submeter-se a esta crença, sem a qual
não se está preparado para assumir essa função.
Para Goulart (2000), apesar de ter sido discípulo e colaborador de Piaget, Feuerstein
acabou por afastar-se de alguns fundamentos piagetianos e procurou sistematizar uma teoria
baseada nos resultados de seus estudos, denominando-a Modificabilidade Cognitiva
Estrutural. Para Feuerstein, Piaget superou a teoria do Estímulo-Resposta ao introduzir o
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“Organismo” entre o estímulo e a resposta, (EOR), mostrando um novo ponto de vista: o
interacionismo. Mas, ao mesmo tempo, Piaget defendeu a idéia de que o organismo é
definido por suas etapas de desenvolvimento, por processos de maturação e por mudanças
que nele ocorrem ao interagir com o estímulo.
Feuerstein e Bolívar (1983) denominam esse tipo de experiência de “aprendizagem
direta”, uma vez que o organismo está diretamente exposto aos estímulos. Argumentam
ainda que todas as interações que levam ao desenvolvimento estão divididas em dois grupos:
as diretas e as mediadas. Para esses autores, nem sempre a aprendizagem direta é suficiente
para atingir alguns sujeitos; é a Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) que poderá
interferir de forma mais abrangente em seu desenvolvimento:
Do meu ponto de vista o que sugiro é que existe uma segunda modalidade dedesenvolvimento, não unicamente através da exposição direta ao estímulo.Consideremos o seguinte esquema: E–H–O–R.A letra H corresponde ao ser humano que se interpõe entre o E (estímulos) e O(organismo). Há muitos caminhos e muitíssimas rotas do estímulo que se dirige aele diretamente. Porém uma porção, uma parte da experiência do organismo em suainteração com o mundo, conta com um mediador. Um mediador que não deixa queo estímulo passe diretamente ao organismo mas que sirva como mediador para oestímulo (...) ensina à criança algo sobre o estímulo, muda o estímulo nesse
processo de mediação e modifica o objeto no processo da recepção do estímulo. (...)O mediador cria no sujeito certos processos que afetam não só os estímulos queforam mediados, como também os que prejudicam significativamente a capacidadedo indivíduo para aproveitar o estímulo que entrou diretamente no organismo(Feuerstein 1983:16).
Para os pesquisadores acima citados, nem todos os sujeitos conseguem beneficiar-se
da interação estabelecida diretamente com os estímulos. É a mediação, através de um ser
humano, que poderá proporcionar esse benefício em diferentes situações.
Também para Vygotsky (1998), o cérebro é o órgão civilizacional que possibilita um
processo de mudança estrutural (bioquímico e neurofuncional) provocado pela mediatização
cultural onde se opera um fenômeno transgeracional em que participam dois sujeitos que
interatuam intencionalmente: o mediatizador e o mediatizado. Fonseca (1998) propõe que,
apesar de não usar estes termos, Vygotsky poderia ser entendido desta forma: o cérebro, o
órgão onde se operam as funções cognitivas deinput
(recepção-capacitação), de integração-elaboração (processamento, retenção e planificação) e de output (expressão e regulação), seria
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um órgão dinâmico e produtor de modificabilidade e não um órgão estático ou um produto
final que não se pode mudar.
Segundo Fonseca (1998), para Feuerstein a mediatização é uma estratégia de
intervenção que subentende uma interferência humana, uma transformação, uma adaptação,
uma filtragem dos estímulos do mundo exterior para o organismo do indivíduo mediatizado.
O indivíduo mediatizado é modificado estruturalmente pelo efeito de certas condições de
atenção, de percepção, de focagem e de seleção que são decorrentes da intervenção do
mediatizador.
Para Feuerstein, segundo Fonseca (op.cit.), o mediatizador é muito mais do que um
intermediário ou mediador. Feuerstein acredita que a própria mãe interpõe-se e intervém
modificando as relações entre o estímulo e a criança, afetando a sua intensidade, o seu
contexto, freqüência, ordem, etc, ao mesmo tempo em que guia intencionalmente a vigilância,
o alerta e a sensibilidade do seu filho, levando-o a desenvolver uma disposição para atender
aos estímulos mediatizados, bem como expondo-o diretamente a fontes de estimulação de
forma mais humanizada.
3.3.1.1 TEORIA DA MODIFICABILIDADE COGNITIVA ESTRUTURAL
(MCE)
Para Goulart (2000), a teoria de Feuerstein vem colaborar na busca de respostas para
questões que há muito estão sendo debatidas e ainda não foram de todo resolvidas neste final
de século, ao mesmo tempo em que propõe inovações pedagógicas. Para a autora, esta
proposta pedagógica tem sido adotada em vários países (Chile, Venezuela, Colômbia,
Argentina, França, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Canadá, Israel), sendo apontada
como uma das alternativas no trabalho de integração e educação de crianças com
necessidades educacionais especiais, ao mesmo tempo em que tenta preparar o professor
para ser, antes de tudo, um profissional atento, observador, organizado e compromissadocom o desenvolvimento dos seus alunos.
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Goulart (2000) assinala que Feuerstein parte da premissa de que a aprendizagem deve
ter como ponto de partida o conhecimento da criança. Ao mesmo tempo, defende que o
processo de aprendizagem não é individual, mas histórico-cultural, no qual o papel do
professor assume uma importância fundamental.
Gomes (2002), outro estudioso de Feuerstein, destaca a importância da sua teoria da
modificabilidade cognitiva estrutural, focando seu caráter prático:
(...) o ímpeto básico para a criação da teoria da MCE não partiu de um interesseintelectual puro, mas de uma necessidade muito urgente e vital de encontrar meios
para ajudar milhares de crianças, cujo futuro dependia em muito de uma mudançaradical nos pontos de vista dos psicólogos, professores, “tomadores de conta” eelaboradores de política educacional. É por isso que a história dessa teoria que estáligada em especial a uma realidade sócio-cultural e educacional difícil... (Gomes,2002:14).
De acordo com Beyer (1996), o trabalho de Feuerstein está dividido em duas áreas
fundamentais:
(...) uma delas teórico–conceitual e a outra pedagógico–instrumental, apresentando-se a teoria e a prática integralmente no seu trabalho. Pode-se melhor entender
porque ele extrapola o mero campo teórico e elabora vários instrumentos psicopedagógicos, tendo-se em mente que ele é, primordialmente um psicólogo e pesquisador ocupado na recuperação de indivíduos que apresentam dificuldadesacentuadas de natureza cognitivo – intelectual (Beyer, 1996:66).
Para Beyer (op.cit.), Feuerstein dedicou-se à elaboração de instrumentos que
propiciassem um suporte concreto de auxílio psicopedagógico. O autor assinala que na busca
de uma solução para a situação com que se deparou quando foi solicitado a auxiliar na
adaptação de jovens e adolescentes, Feuerstein empenhou-se em descobrir o que as crianças
podiam aprender e não o que elas não haviam desenvolvido. Seus esforços o direcionaram
para a organização de instrumentos que possibilitassem uma avaliação dinâmica do potencial
da criança: a Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem (LPAD). Ao mesmo tempo,
preocupou-se em organizar instrumentos que oferecessem um suporte psicopedagógico para o
desenvolvimento desse potencial: o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI).
Segundo Beyer (op.cit.), ao propor a modificabilidade cognitiva, Feuerstein parece
também aproximar-se de Vygotsky, quando este afirma que “... o mais importante é que junto
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com o defeito orgânico estão dadas as forças, as tendências e os desejos de vencê-las ou
equilibrá-las” (Vygotsky, 1995:7), e, ao mesmo tempo, ao argumentar que a criança precisa
ser inserida na cultura e que é através dela que se desenvolverá.
Ainda segundo Beyer (1996), Feuerstein vai utilizar o levantamento das funções
cognitivas que não estão atuando adequadamente (funções cognitivas deficientes) através do
que chama de mapa cognitivo, para identificar as limitações no campo atitudinal e
motivacional que refletem muito mais uma falta de hábitos de trabalho e aprendizagem do
que incapacidades ou déficits estruturais e de elaboração.
Beyer (op.cit) ainda assinala que para Feuerstein tais funções constituem-se tambémem pré-requisitos no processo de aprendizagem e, portanto, modificam-se com a experiência.
Em outras palavras, funções cognitivas são estruturas psicológicas e mentais interiorizadas
que possuem elementos estáticos (biológicos) e dinâmicos (necessidades, capacidades) que
nos permitem melhorar uma conduta.
Segundo Fonseca (1998), a modificabilidade cognitiva estrutural procura,
objetivamente, descrever a capacidade única, peculiar, singular e plural dos seres humanosmudarem ou modificarem a estrutura do seu funcionamento cognitivo, visando a adaptação às
exigências constantes e mutáveis das situações que caracterizam o mundo exterior envolvente.
Não se trata, apenas, de respostas do indivíduo a estímulos externos ou de respostas a
mudanças das suas condições internas, mas sim de respostas como produtos de uma série de
atos volitivos e intencionais.
Para Fonseca (op.cit), a teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Feuersteinreforça a natureza do ser humano como um sistema aberto, disponível e flexível à mudança
durante toda a sua vida, embora se reconheçam, naturalmente, períodos ótimos e críticos de
desenvolvimento. O sistema aberto envolve um intercâmbio, recebe e emite informação
externa e interna, daí a importância da qualidade dos inputs (estímulos) e outputs (respostas),
bem como da significação das interações entre o indivíduo e o seu meio envolvente.
A Modificabilidade Cognitiva Estrutural, segundo Fonseca (op.cit), é o conceito
central da teoria de Feuerstein. Na percepção de Fonseca, é um modelo teórico que aceita as
diferenças individuais no desenvolvimento cognitivo, dos superdotados aos deficientes, o que
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em si coloca em jogo o papel e a importância das interações indivíduo-meio, interações essas
que, por seu lado, são responsáveis pelo desenvolvimento diferencial do funcionamento
cognitivo e dos processos mentais superiores.
(...) Nós selecionamos o termo “modificabilidade cognitiva” para exprimir a idéia deum processo voltado à autonomia do sujeito (...) Há um produto específico deexperiências de aprendizagens superiores (...) para responder não a um ambienteconstante e estável, mas a situações e circunstâncias que estão em constantemodificação (Feuerstein, 1980:2).
Beltrán (1991), outro estudioso de Feuerstein, explicita assim seu conceito de
modificabilidade cognitiva:
A modificabilidade de um indivíduo se define como a capacidade de partir de um ponto de seu desenvolvimento em um sentido mais ou menos diferente daquele previsto até o momento, de acordo com o seu desenvolvimento mental (Beltrán,1991:8).
Recorrendo a outros estudiosos de Feuerstein, encontramos também em Sanchez
(1989) a explicitação do conceito de Modificabilidade Cognitiva Estrutural:
El modelo la modificabilidad estructural cognitiva se incluye dentro de la perspectiva cognitiva. Sin embargo, hay una serie de diferencias que podemosestablecer con respecto al cognitivismo y una serie de peculiaridades quesubrayamos en los puntos siguientes. (...) el objeto de la modificabilidad estructuralcognitiva es el studio de los procesos cognitvos superiores. Al igual que elcognitivismo, intenta superar el reduccionismo conductista, psicoanalítico y psicométrico. (...) En este sentido, la teoría de la modificabilidad estructuralcognitiva está en la línea de la psicología cognitiva, puesto que intenta estudiarcómo el individuo obtiene la información y la usa más tarde, generalizándola aotras situaciones nuevas3 (Sanchez, 1989:20-21).
Fonseca (1998) salienta que a modificação não diz respeito a uma mudança que ocorre
como resultado de processos circunstanciais e acidentais de desenvolvimento e de maturação,
mas sim de modificação estrutural do funcionamento do indivíduo, produzindo-se nele uma
mudança no desenvolvimento qualitativa e substancialmente diferente da prevista pelos
tradicionais contextos genéticos, neurofisiológicos ou educacionais.
3 O modelo da modificabilidade cognitiva estrutural se inclui dentro da perspectiva cognitiva. Sem dúvida háuma série de diferenças que podemos estabelecer com respeito ao cognitivismo e uma série de peculiaridadesque sublinhamos nos seguintes pontos: (...) o objeto da modificabilidade estrutural cognitiva é o estudo dos
processos cognitivos superiores. Igual ao cognitivismo, que pretende superar o reducionismo conducionista, psicoanalítico e psicométrico. (...) Neste sentido, a teoria da modificabilidade estrutural cognitiva está na linhada psicologia cognitiva, uma vez que pretende estudar como o indivíduo obtém a informação e a usa mais tarde,generalizando-as à outras situações novas. (Tradução nossa)
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De acordo com Feuerstein (1993), o processo da modificabilidade das estruturas
mentais de uma pessoa mantém em si três conceitos básicos:
• ao se trocar as relações entre uma parte das estruturas, todas as relações entre as partes
dentro da estrutura mudam;
• a essência de cada uma das partes se mantém, apesar da mudança das relações entre as
partes;
• a modificabilidade cognitiva estrutural exige uma intervenção exterior, ou seja, para
modificar as estruturas é preciso intervir de fora do organismo. A partir daí haverá o que
ele chama de retroalimentação, isto é, a modificabilidade continua por si mesma.
Para Feuerstein (1993), cinco proposições devem ser interiorizadas para se apreciar e
compreender estes conceitos básicos da teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural:
• o ser humano é modificável – a modificabilidade é própria da espécie humana;
• o indivíduo a ser educado é modificável – para que a intervenção seja eficaz é necessário
que se ponha em prática uma intencionalidade positiva, por mais desviantes que sejam ascaracterísticas de comportamento do indivíduo;
• o mediatizador deve sentir-se competente e ativo para provocar a modificabilidade
cognitiva no indivíduo mediatizado;
• todo o processo de desenvolvimento exige do mediatizador um investimento pessoal
prolongado, visando uma auto modificação permanente;
• toda a sociedade e toda a opinião pública são modificáveis e podem ser modificadas – o
mediatizador deve ter em conta que a modificação da sociedade, a modificação deatitudes, de práticas e de normas sociais é sempre um processo longo e demorado, no
sentido do qual deve orientar com persistência a sua ação.
Para Feuerstein, segundo Fonseca (1998), o enfoque na cognição justifica-se na
medida em que ela permite uma melhor flexibilidade e plasticidade adaptativa. A cognição
diz respeito aos processos pelos quais um indivíduo percebe (input ), elabora e comunica
(output ) informações para se adaptar. Tais processos constituem os componentes do ato
mental e compreendem sistemas funcionais cerebrais que explicam, em parte, a capacidade do
indivíduo para usar a experiência anterior na adaptação a situações novas e mais complexas.
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A aquisição de funções de processamento de informação joga com a sua interiorização,
representação e operação, cuja auto-regulação transforma-se no pilar básico da adaptabilidade
e da aprendizagem, e portanto, da inteligência.
De acordo com Fonseca (1998), Feuerstein nomeia de disfunções cognitivas ou
funções cognitivas deficitárias quando o ato mental não é efetuado adequadamente. Essas
disfunções afetam a performance e o rendimento cognitivo e constituem as raízes etiológicas
do insucesso da aprendizagem. Para Feuerstein, essas disfunções ocorrem por carência ou
insuficiência da Experiência de Aprendizagem Mediada, causadas por um funcionamento
cognoscitivo vulnerável e fragilizado, essencialmente determinado por situações de privação
cultural.
Neste momento cabe esclarecer que Feuerstein (1979) usa a noção de privação cultural
de maneira diferente de outros autores. Ele rejeita, afirmativamente, a idéia de que as culturas
possam ser, elas próprias, privadas ou deficientes. Para Feuerstein (1979, 1981), cultura
significa o processo pelo qual o conhecimento, os valores, as crenças e atitudes são
transmitidos de uma geração para outra, de modo que privação cultural implica em falta de
êxito na transmissão ou na mediatização cultural que um dado grupo realiza quando transferea sua cultura para as novas gerações.
Segundo Fonseca (op.cit), para Feuerstein as condições associadas a um
desenvolvimento cognitivo inadequado – e, portanto, a aprendizagens ineficazes e com
possibilidades de resolução de problemas também ineficazes – dizem respeito à falta de
experiências de aprendizagem mediatizadas em número suficiente e não produto de possíveis
deficiências da criança.
Feuerstein (1997), ao falar de crianças com síndrome de privação cultural, aponta
para crianças que não conseguiram beneficiar-se das interações estabelecidas em sua própria
cultura em função de um rompimento do processo no nível cultural e mediacional de
transmissão entre gerações no interior de seu meio imediato:
Algumas diferenças são explicáveis pela natureza das culturas das quais esses
indivíduos vieram. O que é mais interessante, nisso tudo, entretanto, são asdiferenças na predisposição para a aprendizagem entre indivíduos pertencentes àmesma cultura. Com relação a isso, as diferenças intragrupais observadas comfreqüência eram muito maiores do que as intergrupais. Indivíduos com baixo
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desempenho em grupos culturalmente diferentes eram capazes de se adaptar aosestímulos e exigências da nova cultura por meio da exposição direta. Outrosindivíduos, depois de definidos como “culturalmente desprovidos”, não foramcapazes de se beneficiar ou se beneficiavam muito pouco da exposição à novacultura. Conseguiam integrar-se apenas marginalmente (Feuerstein, 1997:9).
Segundo Goulart (2000), para Feuerstein, apesar de estar inserida em uma cultura, nem
sempre a criança beneficia-se dela. O problema é que por razões muito diferentes ou barreiras
internas ou condições de vida adversas, a criança naquele momento não está conseguindo
usufruir dessa cultura e deve sofrer a ação estimuladora e intencional de outro ser humano
para poder apropriar-se dos instrumentos que a auxiliarão em seu desenvolvimento.
Ainda para a autora, diferentes pesquisas realizadas por Feuerstein com o intuito dedefinir a estrutura cognitiva de grupos culturalmente diferentes encontraram diferenças que
não puderam ser explicadas, de acordo com Feuerstein, em função da cultura de origem dos
imigrantes. Desta forma, a hipótese de que certas culturas “privam” seus membros
configurou-se como falsa.
Segundo Fonseca (1998), para Feuerstein a modificabilidade cognitiva deve ser
definida como estrutural e não esporádica ou acidental, ou seja, encerra uma mudança em um
componente mas que afeta o todo funcional da cognição. Trata-se de uma transformação do
processo cognitivo em si mesmo, no seu ritmo, na sua amplitude e na sua natureza auto-
reguladora.
(...) Não a um evento isolado, mas a uma maneira de o sujeito interagir. Isto é,respondendo e atuando sobre as fontes de informações. Assim, uma transformaçãoestrutural, uma vez colocada em movimento, determinará a caminhada futura dodesenvolvimento individual (Feuerstein, 1980:9).
A estrutura mental, nessa abordagem, é concebida como um sistema total e integrado,
composto por elementos ou subsistemas interconectados e interdependentes que se
influenciam, combinam, coíbem e afetam mutuamente uns aos outros. Sendo assim, uma
disfunção cognitiva quer no input , quer na elaboração ou no output , pode produzir mudanças
no todo cognitivo que constitui as operações mentais da inteligência necessárias a qualquer
tipo de aprendizagem.
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Segundo Fonseca (1998), a evolução na aprendizagem para Feuerstein e a adaptação a
uma cultura tecnológica tornam-se possíveis quando as disfunções cognitivas são abordadas
por três processos:
• processo de avaliação: as disfunções cognitivas devem ser dinamicamente detectadas e
identificadas através do processo de avaliação dinâmica que Feuerstein desenvolveu e
denominou de modelo de avaliação dinâmica do potencial de aprendizagem (LPAD);
• processo de intervenção: as disfunções cognitivas devem ser reorganizadas e otimizadas
através do programa de enriquecimento instrumental (PEI);• processo de alteração: as disfunções cognitivas devem ser compensadas quando se
produzem também estratégias e alterações de enriquecimento do contexto.
De acordo com Feuerstein (1980), usando estas três aplicações da sua teoria da
Modificabilidade Cognitiva Experimental as disfunções cognitivas são modificadas
estruturalmente produzindo-se no indivíduo a maximização do seu funcionamento cognitivo,
um novo desenvolvimento das suas capacidades mentais figurativas e operativas, bem como
outras mudanças positivas e assertivas nas características da sua personalidade.
A Função Cognitiva, segundo Fonseca (op.cit.), foi assim concebida como resultado
de associações e conexões entre estímulos controláveis, como únicas fontes de informação e
respostas observáveis e mensuráveis.
A função cognitiva possui, portanto, certas qualidades que definem o sistemacognitivo humano. Entre elas destacamos:
• a sua totalidade: um todo que consiste numa integração de componentes;
• a sua inter-dependência: a função cognitiva é uma gestalt, um conjunto ordenado e
harmonioso, em que as suas partes se inter-relacionam e se afetam mutuamente;
• a sua hierarquia pressupõe uma complexidade crescente de sistemas;
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• a sua auto-regulação e o controle da função cognitiva está orientada para certos fins e, por
isso, é governada pelos seus propósitos;
• o seu equilíbrio: a função cognitiva envolve uma homeostasia, uma cibernética, uma
arquitetura operacional e uma organização sistêmica desde a adaptação à integração da
informação, até a sua elaboração, programação, expressão, verificação e autocorreção;
• a sua adaptabilidade, porque o meio ambiente se encontra em constante mudança, o
sistema deve ser adaptável, equacionando uma sistematização progressiva e um
subsistema principal, assinalando a natureza realmente dinâmica da função cognitiva;
• a sua equifinalidade na execução, realização, meta e resultado do sistema, significando
que o produto final pode ser realizado de muitas maneiras e desde vários pontos de
partida, consubstanciando um processo da informação complexo e aberto.
Gomes (2002), outro estudioso de Feuerstein, assinala que:
(...) o papel das funções cognitivas na ativação das funções mentais (memória,atenção, percepção) é uma visão revolucionária para os problemas da cognição deum modo geral. Além disso, abre uma possibilidade de diálogo entre asespecificidades da proposta da mediação com muitos campos científicos dasciências cognitivas. Há uma série de pesquisas que comprovam que odesenvolvimento das funções cognitivas de Feuerstein promovem regulação emudanças nas funções mentais superiores (Gomes, 2002:137).
De acordo com Fonseca (1998), Feuerstein propõe que certas funções cognitivas
deficientes ocorrem geralmente em crianças e adolescentes nos quais se detectam
clinicamente as seguintes condições:
• percepção hesitante confusa;
• comportamento exploratório assistemático;
• orientação espacial e temporal diminuída;
• capacidade reduzida para considerar múltiplas fontes de informação;
• falta de comportamento comparativo espontâneo;
• comportamento somativo diminuído;
• diminuição do comportamento planificado;
• dificuldade em ver relações entre diferentes acontecimentos;
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• dificuldade em mobilizar imagens mentais.
Sendo assim, uma vez que as funções cognitivas básicas são indispensáveis para
aprender noções acadêmicas e sociais, as deficiências no desenvolvimento de tais funções
resultam em aprendizagens inadequadas. Desta forma, o sentido da modificabilidade
cognitiva estrutural não se resume a uma concepção de inteligência como mera acumuladora
de informações, conteúdos e saberes.
Para analisar as funções cognitivas deficientes, manifestadas pela criança numa
determinada tarefa, foi elaborado um instrumento, denominado Mapa Cognitivo, que auxiliana avaliação dinâmica da criança, que apresentaremos a seguir de forma sucinta.
• MAPA COGNITIVO
O mapa cognitivo é considerado por Feuerstein um instrumento bastante útil na análiseda conduta cognitiva do indivíduo. Sanchez (1989) afirma que Feuerstein elaborou o mapa
cognitivo como ferramenta de análise do ato mental do sujeito. Este mapa é um instrumento
que nos mostra como a criança aprende e, o que é mais importante, permite ensinar esta
criança a “aprender a aprender”.
Ato mental (ou operação mental), para Feuerstein (1998), é o resultado de uma ou
mais funções cognitivas visando um dado objetivo:
Corresponde a uma dimensão do mapa cognitivo. Toda conduta cognitiva é oresultado de atos mentais, que podem diferir nas várias dimensões. Atos mentaiseficientes requerem funções cognitivas adequadas e adaptadas e são o referencial demodificabilidade através da experiência de aprendizagem mediada (Feuerstein,1998:15).
Segundo Sánchez (1989), o mapa cognitivo corresponde a uma forma de conceituar
as características de uma tarefa e sua realização pelo sujeito, permitindo analisar, categorizar
e ordenar o ato mental efetuado. A autora assinala que para Feuerstein este modeloconceptual “não é um mapa no sentido topográfico, mas um instrumento auxiliar na
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localização de problemas específicos e na indicação de que mudanças seriam necessárias
para melhorar as funções cognitivas consideradas ineficientes” (Feuerstein, 1993:6). Desta
forma, para a autora, é o mapa cognitivo que nos auxilia na análise do perfil cognitivo do
aluno. A tarefa realizada pela criança pode ser analisada sob sete parâmetros:
• conteúdo: o professor deve determinar o conteúdo em função do contexto cultural em
que se encontra o educando, preocupando-se sistematicamente em fornecer elementos
que auxiliem na análise da realidade da qual faz parte de forma crítica e criteriosa.
Assim, qualquer conteúdo que venha a ser desenvolvido deve ser relacionado com
conhecimentos prévios do educando;
• operação mental: consiste em um grupo de ações mentais interiorizadas, sistematizadas
e integradas entre si. Ao realizar determinadas operações mentais, a criança necessita
lançar mão de esquemas operativos que pode possuir ou não em sua memória. Por
exemplo, antes da criança classificar algo, ela já deve ter estabelecido comparações.
Desta forma, a ação mental materializa-se a partir das aplicações práticas de várias
funções e pode consistir desde atos complexos, como por exemplo o estabelecimento de
hipóteses, até uma simples identificação ou percepção de diferentes sons;
• modalidade de linguagem: é muito importante que seja levado em consideração o tipo
de modalidade de linguagem mais compatível com o sujeito a ser modificado, ou de sua
preferência, uma vez que a eficácia da interação está relacionada não só ao nível de
funcionamento e suas características individuais como também ao contexto sócio cultural
ao qual pertence. De acordo com Sánchez (1989), é preciso considerar que os processos
mentais podem utilizar-se simultaneamente das mais variadas modalidades de expressão.Ao trabalhar-se com uma criança, por exemplo, a mesma pode manifestar dificuldades na
modalidade numérica e encontrar facilmente a resolução de um problema através da
modalidade verbal ou mesmo figurativa. Sendo assim, é necessário uma variedade de
modalidades de linguagem: motora, pictórica ou figurativa, musical, numérica, verbal,
gestual, simbólica, entre outras. Portanto, não se pode avaliar as capacidades de um
indivíduo apresentando somente uma modalidade;
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• fases: o ato mental pode se manifestar em três instâncias: no momento em que o sujeito se
depara com o problema a ser resolvido (entrada ou input ); quando coleta os dados e
informações sobre o mesmo e estabelece estratégias de ação (elaboração) e quando
finalmente emite a resposta ou solução (resposta ou output ). Embora as fases estejam
intrinsecamente relacionadas, o isolamento de uma delas pode auxiliar na localização das
origens das respostas incorretas e na escolha da natureza e extensão da mediação a ser
estabelecida;
• grau de complexidade: corresponde ao grau de familiaridade e/ou novidade que a
informação apresenta para o sujeito. O ato mental está baseado em um determinado
número de informações. Conforme o número de unidades de informações associado ao
conjunto de informações novas ou familiares, será considerado de maior ou menor
complexidade;
• grau de abstração: trata-se da distância entre o ato mental e os objetos sobre os quais ele
deve operar, ou seja, é a distância conceitual ou cognitiva que o separa do objeto ou de um
determinado fato. Ao ser motivada a estabelecer um princípio (generalização), a criançaestará sendo incentivada a se aproximar da abstração;
• grau de eficácia: os critérios para avaliar objetivamente o ato mental são a rapidez e a
precisão, e subjetivamente, a quantidade de esforço exigido para que a tarefa seja
executada. Para Feuerstein (1980), o grau de eficiência não deve ser confundido com a
possível capacidade do sujeito, confusão muitas vezes ocorrida nos procedimentos de
avaliação normativa.
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3.3.2. BASE FILOSÓFICA
Feuerstein não apresenta de forma explícita, nos seus escritos, as suas bases filosóficas
nos seus escritos. Na busca de resgatar as bases filosóficas que inspiraram sua teoria,
encontramos, nos estudos que realizamos sobre a vida e o percurso profissional de Feuerstein,
uma possibilidade da influência da religião judaica como provável inspiração para sua
construção teórica. Desta forma, apresentaremos também elementos do judaísmo que, no
nosso entender, contribuíram nas suas formulações. A esse respeito, entramos em contato com
Feuerstein, que gentilmente nos enviou um e-mail (18/08/2004) respondendo que: “My
brother, Dr. Samuel Feuerstein, wrote a book on the Biblical and Judaic Antecedentes of
MLE [MCE]. The theory has its basis in the search for cultural transmission and the search
for continuation through spiritual mediation”. A resposta dada por Feuerstein nos aponta uma
aproximação com os fundamentos filosóficos da teoria de Vygotsky, já apresentados no
primeiro capítulo.
Assim, ainda na busca de compreender as bases filosóficas sobre as quais assenta-se o
pensamento de Feuerstein, fomos buscar também, em obras de alguns estudiosos que se
preocuparam em apresentar os fundamentos filosóficos que nortearam o pensamento de
Piaget, uma vez que, segundo Goulart(2000), Feuerstein foi companheiro de estudos do
referido autor.
Inicialmente, recorremos a Palangana (2001) que, em seus estudos, aborda os
pressupostos filosóficos que possivelmente segundo ela, nortearam Piaget:
“a filosofia kantiana, bem como algumas epistemologias contemporâneas,especialmente a Fenomenologia, o Evolucionismo bergsoniano e o Estruturalismoexerceram uma influência decisiva na elaboração dos princípios que compõem ateoria psicogenética (...) a postura filosófica de Piaget é algo que se encontraimplícito em suas concepções, mas por outro lado, afirma que tanto os postuladosquanto os modelos filosóficos nos quais estes se embasam guardam em si umaamplitude e complexidade difíceis de ser penetrada” (Palangana, 2001:31).
Segundo Palangana (op. cit.), o próprio Piaget admite ter herdado do pensamento de
Kant, Husserl, Bergson e, fundamentalmente, do Estruturalismo orientações básicas, inclusivemetodológicas, que permeiam toda sua teoria, como atestam alguns de seus escritos, tais
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como: Sabedoria e Ilusões da Filosofia (1965), O Estruturalismo (1968), Psicologia e
Epistemologia (1970), A Epistemologia Genética (1970) e outros.
A citada autora assinala que, na concepção de desenvolvimento cognitivo, Piaget adota
o método estruturalista construindo seu arcabouço teórico com base no conceito de a priori,
emprestado de Kant (1783). Para elaborar seu sistema filosófico, Kant toma do empirismo a
necessidade da experiência, acreditando que conhecimento é sempre de um fenômeno
constituído a partir de impressões sensíveis. Do racionalismo cartesiano, Kant resgata o
sujeito enquanto “eu”, enquanto estrutura subjetiva, capaz de atividade reflexiva, despojado,
no entanto, de toda densidade empírica, psíquica ou metafísica. Ele critica os idealistas
afirmando que não se pode passar diretamente da atividade do “eu” (intuições) à essência dascoisas e critica os empiristas porque acredita que, igualmente, não se pode concluir, a partir da
precariedade da experiência sensível, a impossibilidade do conhecimento universal e
necessário. É, pois, a atividade do “eu”, do sujeito formal a priori, somada às intuições
empíricas, que possibilita a construção do fenômeno. A conjugação de ambas as perspectivas
– razão e experiência – é a grande síntese que Kant faz. Para Palangana (2001), segundo Kant,
o homem não chega a conhecer a essência das coisas. A construção do fenômeno é o limite
máximo ao qual o sujeito pode ascender. Neste sentido, a metafísica, tal como existe, não temvalor epistemológico na medida em que não consegue explicar o fenômeno, ficando presa à
busca de sua essência.
Para Kant (op.cit.), segundo Palangana (op.cit.), o processo de conhecimento implica,
de um lado, a existência de um objeto a ser conhecido, que suscita a ação do pensamento
humano e, de outro, a participação de um sujeito ativo capaz de pensar, de estabelecer
relações entre os conteúdos captados pelas impressões sensíveis, a partir das suas própriascondições para conhecer, ou seja, a partir da razão. Na perspectiva kantiana, o processo de
conhecimento tem início na experiência. É através dela que os objetos tocam os sentidos
humanos produzindo representações que põem em movimento a faculdade ou atividade do
entendimento. Entretanto, isso não significa que o conhecimento se origina da experiência. A
atividade do entendimento é, apenas, provocada por impressões sensíveis, pois a verdadeira
fonte do conhecimento consiste nos juízos a priori que se encontram na própria faculdade de
conhecimento, na razão. Kant (op.cit.) identifica e propõe a conjugação de duas formas para
se conhecer o real: a empírica proveniente da experiência prática, e a intuição lógica, pensada
pela razão pura. De acordo com a filosofia kantiana, todos os juízos de experiência são de
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natureza empírica. Entretanto, os juízos que permanecem ao nível da percepção possuem uma
validade apenas subjetiva, quer dizer para o sujeito. Ao passo que os juízos intuídos
empiricamente e acrescidos de conceitos particulares, a priori, que se originam no
entendimento puro, transformam-se em experiência, passando a ter validade objetiva, isto é,
reconhecimento universal.
Segundo Palangana (2001), na filosofia kantiana o processo de conhecimento guarda
em si uma peculiar complexidade. Em poucas palavras, para a citada autora, pode-se inferir
que ele ocorre da seguinte maneira: as percepções sensitivas captam os dados empíricos de
uma maneira caótica e desorganizada. A intuição organiza esses dados atribuindo-lhes uma
forma a priori, constituída em função das categorias de tempo e espaço. Já no nível doentendimento, este conteúdo, que era pura intuição, é flexionado quanto a sua qualidade,
quantidade, relações e modalidades, possibilitando assim a construção e unidade do
fenômeno. Além desta unidade dada pelo entendimento, que se baseia sempre nas intuições,
existe a unidade total e definitiva pretendida pela razão que, agindo sobre os conceitos do
entendimento, possibilita a unidade das leis empíricas. A razão não se refere, imediatamente,
à experiência, mas sim ao entendimento, dando aos seus múltiplos conhecimentos unidade a
priori mediante conceitos. Assim, a razão é a faculdade da unidade das regras doentendimento sobre princípios.
Neste sentido, podemos inferir que Feuerstein tem estreita semelhança com o
raciocínio de Kant, quando admite a existência de condições inatas – próprias do sujeito – por
meio das quais tem início o processo de interação e, conseqüentemente, o desenvolvimento da
estrutura cognitiva. Na continuidade desta aproximação possível, poderíamos também
ressaltar a relevância que Feuerstein dá à necessidade da “experiência” quando postula aExperiência de Aprendizagem Mediada como sendo o ingrediente que determina a diferença
do desenvolvimento cognitivo, de modo que quanto maior e mais precocemente for efetivada,
maior será a capacidade do indivíduo para usar e ser afetado pela exposição direta às fontes de
estimulação.
Segundo Palangana (op. cit.), o próprio Piaget (1978) admite estar envolvido com
questões originárias da filosofia kantiana. Assim como Kant, ele também se preocupa com as
condições prévias que o ser humano deve dispor para construir seu conhecimento. Desta
forma, podemos inferir que Feuerstein (1980) também se preocupa com as condições prévias,
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quando propõe a Avaliação Dinâmica do Potencial (LPAD) como processo para observar o
comportamento do sujeito e como ele utiliza sua percepção ou experiências anteriores para
resolver uma situação problema proposta, a fim de, diagnosticar as funções deficientes e as
possibilidades, ou seja, o potencial de modificação, expressos em seu desempenho.
Para Palangana (2001), segundo Piaget (1978), a estrutura cognitiva possui uma lógica
de funcionamento que é necessariamente um a priori, na medida em que depende dela a
construção do conhecimento. Para Feuerstein (1980), segundo Beyer (1996), as funções
cognitivas – estruturas psicológicas e mentais interiorizadas que possuem elementos estáticos
(biológicos) e dinâmicos (necessidades e capacidades) que nos permitem melhorar uma
conduta – constituem-se também em pré-requisitos no processo de aprendizagem emodificam-se com a experiência. Posto isto, para a citada autora, é possível questionar o
paralelo entre Kant e Piaget, argumentando que, para o primeiro, o a priori é absolutamente
transcendental, enquanto que para Piaget, o a priori adquire conotações biológicas, orgânicas.
Por outro lado, Palangana diz que ainda que tais argumentos sejam pertinentes, fica patente
que, em ambos, o a priori cumpre sempre a mesma função. Assim podemos inferir que tanto
para Kant como para Piaget, bem como para Feuerstein, o a priori é condição, ou melhor,
possibilitador da própria construção do conhecimento.
A epistemologia kantiana não é a única a que Piaget recorre para fundamentar alguns
de seus princípios. Segundo Palangana (op. cit.), Piaget (op. cit.) tece algumas considerações
sobre possíveis ligações entre sua teoria e a fenomenologia de Edmundo Husserl. Piaget
também reconhece que o grande mérito das intuições husserlianas é colocar-se, de uma vez,
em presença do fenômeno, isto é, das “coisas mesmas”, opondo-se a qualquer análise que
tome como ponto de partida o dualismo entre sujeito e objeto. Para a citada autora, Husserlnega o idealismo, enquanto filosofia que atribui tudo ao sujeito, bem como o empirismo que,
por outro lado, privilegia o objeto. Segundo Palangana (op.cit.), para ele, a relação entre
sujeito e objeto, entre o pensamento e o ser, se estabelece pela intencionalidade, sendo,
portanto, uma ligação indissociável da qual todo o pesquisador deve partir quando pretende
atingir o real. O fenômeno (a realidade) só se constitui como tal na consciência pois é ela que
lhe atribui significado. Em outras palavras, o mundo se apresenta à consciência e esta, por sua
vez, lhe dá sentido. Com isso podemos inferir que essas idéias de Husserl tenham contribuído
para que Feuerstein estabelecesse como condições imprescindíveis, conforme afirma Da Ros
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(1997), a intencionalidade, a reciprocidade e a atribuição de significado pelo mediador para
que ocorra a aprendizagem ou uma interação com resultados mais duradouros.
Segundo Palangana (2001), o próprio Piaget (1978) chama a atenção para a
convergência que existe entre o que ele pretende sob o nome de “estruturas operatórias” e o
que a fenomenologia de Husserl deseja alcançar sob a superfície da consciência empírica ou
espaço-temporal. A noção de “estrutura” não se reduz à simples formalização elaborada pelo
espírito do observador: as expressões cognitivas guardam em si as propriedades constitutivas
do ser estruturado, que nem sempre são captadas. Assim, a “estrutura” desempenha, num
terreno aberto à verificação, o mesmo papel que Husserl pretende atribuir ao conhecimento
“eidético4”: se o “processo de ideação” é o caminho pelo qual se pode purificar o fenômeno echegar à sua essência, as operações cognitivas estruturadas permitem conhecer as
propriedades constitutivas, portanto, a essência do ser estruturado. Desta forma, assim como
Husserl empreende esforços no sentido de desvendar as essências nos fenômenos (por
acreditar serem estas expressões de um conhecimento “puro” e atemporal, portanto válido
independentemente da época e contexto), podemos inferir que Feuerstein também pretende,
com sua teoria da modificabilidade cognitiva estrutural, oferecer uma possibilidade de se
conhecer o sujeito do conhecimento por meio do funcionamento das suas estruturascognitivas.
Palangana (op. cit.) também pontua em Bergson (1973) contribuições para
compreendermos as bases filosóficas da abordagem piagetiana. Bergson (op. cit) acredita que
a experiência interna, uma vez desvencilhada dos conceitos e construções por meio dos quais
se exprime, mostra-se em sua autenticidade como aquilo que verdadeiramente é, ou seja,
como pura realidade e não como quantidade. Nesse sentido, a experiência interna deixa de seruma justaposição de unidades homogêneas e quantificáveis para caracterizar-se como
realidade heterogênea e em contínua mutação.
Para Palangana (op.cit.), na perspectiva bergsoniana, para se penetrar além da tessitura
das abstrações, isto é, para vencer as limitações do simbolismo e atingir a intimidade do real
concreto, há que se utilizar uma forma de abordagem que conjugue a intimidade do sujeito – o
“eu” profundo – com a intimidade do objeto concreto e singular. Esta forma de contato ou
4 Relativo à essência das coisas. Eidética: conjunto de conhecimentos filosóficos relativos à forma ou à essênciade um objeto, que não se confunde com a sua dimensão estritamente empírica ou factual (Houaiss:1104).
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comunicação entre sujeito e objeto, diz Bergson (1973), só pode ser desempenhada pela
intuição entendida enquanto consciência imediata, visão que quase não se diferencia do objeto
visto, conhecimento que chega à coincidência. Em síntese, para a citada autora, Bergson
(1974) identifica conhecimento científico com inteligência e conhecimento filosófico com
intuição, demonstrando que este último compreende e supera o primeiro. O pensamento
científico, operando com conceitos e símbolos, pela análise e pela abstração, mostra-se
incapaz de penetrar a realidade, restringindo-se à superficialidade do fenômeno, enquanto o
pensamento filosófico, procedendo por intuição e tendo como referência a ação consciente,
consegue captar o vital, a essência, o dinamismo implícito no real. Neste raciocínio, o
conhecimento filosófico utilizando-se da intuição, une a ciência e a metafísica, na medida em
que o pensamento intuitivo, tendo penetrado o fenômeno (ou realidade), efetua a análise dosvários elementos ou conceitos em torno do mesmo, não para reconstituí-lo – pois o pensador
já se encontra no interior do fenômeno e, portanto, de posse da sua essência – mas para
explicá-lo da forma mais completa possível. O entendimento leva a cabo um exaustivo
trabalho de análise em torno da intuição inicial.
Segundo a autora, o modelo filosófico sistematizado por Bergson (op.cit.) é marcado
por uma forte tendência metafísica: é através da intuição que o homem conhece a realidade.Defendendo uma nova concepção de metafísica, ele consegue conjugar – no método
introspectivo – intuição e ação, destacando esta última no plano da consciência. A ação (do
sujeito consciente) consiste na condição primeira para se conhecer. Assim para Bergson (op.
cit.), o “eu” profundo, que consegue captar a essência do objeto, não é um a priori
transcendental, configurado de uma forma única, pronta e acabada desde o início. O “eu”
metafísico, tal como ele o descreve, refere-se exclusivamente à consciência do sujeito. Ocorre
que a consciência imediata (aquela que o sujeito tem ao agir sobre o ambiente) não é a mesma para todos os objetos ou fenômenos. Cada fenômeno suscita uma percepção e uma construção
particular. Logo, o “eu” profundo – ou consciência intuitiva – caracteriza-se por um processo
indefinido de reconstruções, pautando-se não na abstração, mas na intuição ou consciência
vivenciada, instituída diretamente na ação. Com isto para Palangana (2001), Bergson resgata a
subjetividade do objeto da psicologia (a consciência), sem abandonar por completo os
princípios da ciência positivista, uma vez que ele não despreza a ação. Ao contrário, recupera-
a em seu aspecto qualitativo, distanciando-se dos empiristas ortodoxos que vêm na ação o
meio através do qual os fenômenos psíquicos se objetivam, tornando-se observáveis e
quantificáveis. No entender da citada autora, é esta vinculação da ação com a evolução do
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conhecimento que aproxima Piaget de Bergson. Para ela, assim como Bergson, Piaget
também acredita que a essência do fenômeno (no caso o pensamento, a consciência) não é
algo estático. Ao contrário, trata-se de uma estrutura dinâmica, cujo movimento se caracteriza
justamente por uma construção sucessiva e contínua de fases que, mesmo tendo suas origens
calcadas na experiência empírica, na ação, encaminham-se no sentido de atingirem formas de
pensamento cada vez mais independentes deste referencial prático. Nesse sentido, podemos
inferir que Feuerstein também acredita que a essência do fenômeno (pensamento,
consciência) não é algo estático mas sim uma estrutura dinâmica em constante movimento
buscando formas de pensamento cada vez mais desenvolvidas.
Na continuidade da explicitação das bases filosóficas que possam permear a obra deFeuerstein, podemos inferir a influência do estruturalismo que, segundo Palangana (2001),
não é representado por uma única linha de pensamento: o que une e dá convergência às
diferentes formas de pensamento estruturalista é a noção primordial de estrutura, ou seja, a
idéia de que uma estrutura consiste em um conjunto de elementos relacionados, onde toda a
modificação ocorrida num elemento ou relação modifica os outros elementos ou relações.
Segundo a citada autora, o estruturalismo pretende chegar a um sistema ou modelo
explicativo que reúna não apenas as leis do pensamento humano, mas também as leis dosurgimento e desenvolvimento dos fenômenos culturais ou naturais. Para ela, os pensadores
desta corrente epistemológica, tais como Levis-Strauss, Foucalt, Barthes, Dimesil, Koffka,
Althusser, entre outros, ocupam-se com explicações formais utilizando-se de instrumentos
que, segundo eles, são capazes de resistir às variações históricas. Estes teóricos postulam a
necessidade de elaboração de um modelo que permita a explicação do maior número possível
de aspectos de um determinado fenômeno. Para tanto, o pesquisador deve partir,
necessariamente, do concreto, isto é, da riqueza das determinações imediatamente presentesno fato ou realidade. Tomando como base estas observações preliminares, ele constrói o
modelo (chega ao abstrato) através do qual irá explicar as relações que organizam esta
realidade penetrando, assim, na sua estrutura. O modelo ou sistema metodológico é fruto de
uma construção teórica hipotética que emerge da observação da realidade e a ela se volta,
posteriormente, para ser concretizado. Nesta perspectiva, o sujeito do conhecimento adquire
primazia sobre o objeto de estudo, pois é ele que pensa, é ele que elabora o sistema ou modelo
teórico por meio do qual irá explicar a realidade.
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Segundo Palangana (2001), a análise estruturalista privilegia o aspecto relacional, ou
seja, as relações entre os elementos que compõem a estrutura. Os estruturalistas estão
interessados no invariante, naquilo que pode ser transportado de um campo para outro e, para
eles, só as relações são constantes, o conteúdo pode variar. A intenção é ultrapassar a
percepção sensível e chegar a uma episteme de fundo real.
De acordo com Palangana (op. cit.), o próprio Piaget declara-se como teórico da
racionalidade estrutural quando define estrutura como sendo “... um sistema de
transformações que comporta leis enquanto sistema... Em resumo, uma estrutura compreende
os caracteres de totalidade, de transformação e de auto-regulação” (Piaget, 1978:8). Destes
três elementos fundamentais que caracterizam uma estrutura, a totalidade é a única sobre aqual os estruturalistas concordam por unanimidade. Ela se constitui na medida em que as leis
de composição próprias do sistema como tal organizam os elementos que compõem a
estrutura, conferindo ao conjunto propriedades distintas daquelas apresentadas pelos
elementos em particular. Portanto, o todo é mais que a soma das partes e estas, por sua vez, só
se explicam em função do todo. A segunda característica – de transformação – confere à
estrutura uma forma dinâmica: toda modificação ocorrida num elemento ou relação modifica
os outros elementos ou relações. Uma estrutura é ao mesmo tempo estruturada e estruturante:é estruturada na medida em que contem leis próprias que a organizam e estruturante por
estarem seus elementos de composição constantemente submetidos às leis do próprio sistema.
A terceira característica que identifica uma estrutura é sua capacidade auto-reguladora ou de
conservação própria.
Segundo a autora, Piaget (1978), preocupado em explicar a origem ou a causalidade
das estruturas cognitivas, admite a existência de certos sistemas elementares constituídos, a priori, por mecanismos biológicos que, por assim dizer, colocam-se como ponto de partida na
formação de novas estruturas. Para ele o conceito de transformação implica o de formação e o
de auto-regulação sugere capacidade de auto-construção.
Neste sentido, a ação sensório-motora é o instrumental da criança que desempenha um
papel fundamental no processo de formação de novas estruturas, guardam em si os esquemas
elementares suficientes para desencadear as construções posteriores até à abstração reflexiva.
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Segundo Palangana (2001), de acordo com Chiarottino (1984), a abstração reflexiva
deve ser entendida em dois sentidos complementares: o primeiro evidencia-se quando essas
abstrações transpõem para um plano superior o que foi engendrado do plano anterior, fazendo
crer que a estrutura procedente é um reflexo daquela que a precedeu. Em segundo lugar, a
criança reconstrói sobre o plano das formas ou das representações os esquemas que são
retirados do plano das ações. A construção representacional é possível graças às relações entre
as representações ou formas novas e aquelas que já existiam com certa organização. Quando
esta reorganização (ou reflexão) ocorre em nível de representações mentais, pode-se falar em
pensamento reflexivo.
Sendo assim, poderíamos inferir que Feuerstein (1993) tenha se inspirado nestas idéiasquando define, segundo Goulart (2000), que a modificabilidade cognitiva estrutural
corresponde a uma mudança geral nas estruturas mentais e não apenas parcial ou local.
Segundo a citada autora, a modificabilidade está direcionada aos esquemas mentais, que
podem estar se manifestando como estruturas rígidas e que precisam ser modificadas.
Segundo a citada autora, Feuerstein mostra a necessidade de entender que um sujeito
pode manifestar num determinado momento reações que indiquem deficiências oudificuldades que têm condições de ser superadas, portanto a ênfase não deve ser colocada
sobre o indivíduo, mas em sua ação, situada temporal e espacialmente. Nessa perspectiva,
Feuerstein (op. cit.) define a modificabilidade cognitiva como um processo de rompimento
com algo decorrente de um estado patológico, de uma seqüela, ou daquilo que seu
desenvolvimento mental representa em conseqüência dessa “condição” ou dessa “doença”.
Para Goulart (op.cit.), o termo estrutural, relacionado à modificabilidade cognitiva ,refere-se às estruturas mentais do indivíduo que têm possibilidade de modificar-se, alterando
o curso e a direção do desenvolvimento. Ao falar de transformação e movimento, segundo Da
Ros (1997), Feuerstein afasta-se dos posicionamentos teóricos que concebem a inteligência
como algo estático, imutável e quantificável, atrelado irreversivelmente às condições
maturacionais e ou hereditárias. Feuerstein (1994) propõe que não permitamos que os
cromossomos tenham a última palavra.
Os estudos que realizamos sobre as bases filosóficas de Piaget, como expusemos
acima, apontaram-nos vários pontos de convergência em relação ao pensamento de
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Feuerstein. Entretanto, acreditamos que Feuerstein tenha sido fortemente influenciado pela
cultura judaica, principalmente pela religião, uma vez que na tradição judaica religião,
filosofia e ciência são indissociáveis. Assim, fomos buscar no judaísmo, como já dissemos
anteriormente, elementos para a compreensão das bases da construção teórica de Feuerstein.
Reuven Feuerstein nasceu em Botosan, uma pequena cidade da Romênia. Seu pai era
um erudito em estudos judaicos, chefe de culto e rabino. Reuven conta que aos três anos
aprendeu a ler, nos textos sagrados, e passou a presidir as celebrações com seus irmãos. Ao
aprender a ler em hebraico, ajudou a oficiar as cerimônias religiosas. Seu avô materno era
escriba de pergaminhos da Torá5.
Advindo de uma família religiosa, podemos entender a afirmação de Feuerstein (1980)
de que sua teoria da modificabilidade fundamentalmente está baseada na crença, na fé. Ele crê
no fato de que toda pessoa está sujeita à possibilidade de modificação, assim, o ser humano
está em constante processo de aprendizagem e este processo está voltado à autonomia do
sujeito.
Desta forma, parece-nos que sua fundamentação filosófica está pautada na religião,
pois a religião está intrinsecamente relacionada com sua construção teórica, ou seja, o
pensamento de Feuerstein sobre o ser humano e a condição humana está vinculado com a
questão religiosa. Aliás, assim como no islamismo e no budismo, o pensamento oriental, de
forma geral, está alicerçado na religião. Com o judaísmo isto não é diferente. A concepção de
filosofia está posta, assim, como uma possibilidade de compreensão do mundo cujo sentido
encontra-se nos fundamentos religiosos e o significado está em Deus. Para ilustrar tal
consideração recorremos a Filo de Alexandria, importante filósofo que sistematizou os
princípios do pensamento judaico em cinco ponto principais, a saber: “1. existe Deus; 2. existe
um só Deus; 3. Deus criou o mundo e o mundo não é eterno; 4. Deus criou o universo e existe
apenas um universo; 5. Deus zela pelo mundo” (Ozmon & Craver, 2003).
Para tratar do pensamento de Feuerstein, radicado no judaísmo, consideramos ser
relevante apresentar também algumas definições de religião que nortearão nossa abordagem.
5 Torá: livro que contêm as escrituras religiosas judaicas, conhecido como Pentateuco.
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Para Neusner 6 (2004), religião é experiência, imagem e história, sendo entendida como
fenômeno. De acordo com Küng (1997)
A religião não pode possibilitar tudo, mas ela pode abrir e proporcionar ‘mais’ emtermos de vida humana. A religião consegue transmitir uma dimensão mais
profunda, um horizonte interpretativo mais abrangente face à dor, à injustiça, àculpa e à falta de sentido. Ela consegue também transmitir (...) um sentido de ondevem e para onde vai a existência humana. A religião consegue garantir os valoresmais elevados, as normas mais incondicionais, as motivações mais profundas e osideais mais elevados: o sentido (por quê) e o objetivo (para quê) de nossaresponsabilidade. Através de símbolos, rituais, experiências, objetivos comuns, areligião consegue criar uma pátria de confiança, de fé, de esperança: umacomunidade e uma pátria espiritual (K ÜNG, 1997:30).
Sendo assim, consideramos ser necessário fazer uma breve síntese de como as famílias
judias vivenciam a religião, na tentativa de explicitar os vínculos entre filosofia e religião,
uma vez que esta dimensão foi importante na formação de Feuerstein, conforme pudemos
observar na biografia do referido autor.
Segundo Neusner (2004), para os judeus existe uma sabedoria que não é deste mundo
nem dos dominadores deste mundo. Eles acreditam numa sabedoria divina misteriosa, que
permanece oculta, que Deus ordenou desde antes dos séculos para sua glória. Para eles, a
existência assim como é, em toda a situação humana, tem uma razão, tem um significado e
este significado último está em Deus.
Ser judeu praticamente é narrar a respeito de si mesmo e da própria família. A história
narrada pelo judaísmo traz o passado ao presente e impõe ao presente o padrão do passado. É
uma história sobre a eternidade no tempo, composta de narrativas que transmitem verdades
eternas.
Imagine um jantar formal em casa, servido para uma família amontoada em tornoda mesa – pais e mães, filhos e netos, tios e tias, primos, amigos e convidados, entreeles alguns desconhecidos, todos vestidos com suas melhores roupas ecomportando-se da melhor forma possível. A mesa resplandece com louça, prataria,velas de chama trêmula, flores no centro. Todos os presentes ficam de súbito emsilêncio e uma das crianças exclama: “esta não é a nossa maneira habitual de jantar,na cozinha, com a roupa da escola, esta noite é diferente de todas as outras noites!”O chefe da família responde: “Sim, mas fomos escravos e hoje somos livres, e estanoite nos lembra do que aconteceu! Agora, antes de comer, vamos contar essahistória”. E a narrativa do livro do Êxodo da Tora começa da jorrar (NEUSNER,2004:13).
6 Doutor em Programa da Religião no Instituto do Bard – EUA.
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Por mais que pareça estranho, é exatamente dessa forma que as casas e sinagogas
judaicas celebram, a cada primavera, a ocasião da Páscoa (Pessach). Para eles, a libertação de
Israel da escravidão do Egito deu-se pelo poder de Deus por meio da liderança de Moisés.
Dessa maneira, o momento de celebração no jantar tornou-se não apenas uma história,
mas também uma experiência de compartilhar visões, lembranças, amor da conquista da
liberdade desse povo e os saberes da lei, da tradição, da permanência de um povo na história
pela força da cultura.
Para Neusner (2004), a resposta ao questionamento da criança a respeito da diferençadaquele jantar está no fato de que no passado Deus chamou o povo a seu serviço e disse
“Desde tempos imemoriais seus antepassados, até mesmo Tare, pai de Abraão e Nacor,
viveram do outro lado do Rio Eufrates e adoraram ídolos. Então Eu trouxe seu pai Abraão do
outro lado do rio e guiei seus passos por toda a terra de Canaã. Multipliquei sua
descendência e dei-lhe Isaac, e a Isaac dei Jacó e Esaú. E separei o Monte Seir como
herança para Esaú, enquanto Jacó e seus filhos desceram ao Egito” (NEUSNER , 2004:25).
Toda essa história tem importância para todos os presentes no jantar, pois caracteriza
de fato quem é aquela família ali reunida. Essa família é a representante de Abraão, Isaac e
Jacó.
Segundo Neusner (op.cit.), toda a vez que judeus étnicos se declaram como
descendentes dos escravos do faraó no Egito, estão na verdade alterando as relações, pois na
realidade esse povo tem consciência de que jamais sentiu o açoite; dentro da fé, contudo, oque na realidade celebram é a libertação deles mesmos e não apenas as de seus antepassados.
O povo de Israel no Sinai constitui, acima de uma família, uma comunidade religiosa
caracterizada pelo compromisso comum diante de Deus e de seus preceitos.
Segundo o autor, a história judaica é bastante clara: o povo de Israel é escravo no
Egito; a comunidade de Israel está no Sinai e todos os seus membros são mutuamente
responsáveis como Israel. Porém, cada israelita é responsável não apenas pelo todo, mas
também por tudo aquilo que decide fazer como indivíduo, com deliberação e intenção.
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O judaísmo valoriza o indivíduo e afirma sua singularidade, revelando a dimensão da
religião radicada no indivíduo e desenvolvida no grupo social. Em termos teológicos, tal
questão é assim explicitada:
... Por que o homem foi criado sozinho e único? Para que retrataste a grandeza doEterno, abençoado seja. Porque um indivíduo cunha muitas moedas com a mesmamarca, e umas são iguais às outras, mas o Rei dos reis, o Eterno, abençoado seja,cunhou todos os seres humanos com a sua mesma marca, com a qual cunhou a
primeira pessoa, e, contudo, nenhuma pessoa é igual a outra. Todos são obrigados aafirmar, pois: “Para mim o mundo foi criado” (ZACHARY apud NEUSNER,2002:36).
Toda a pessoa de origem israelita está sujeito à lei divina. Segundo o autor o único
povo a formar uma entidade moral que transcende seus membros individuais é o povo deIsrael. Dessa forma, Israel torna-se uma espécie de gênero da humanidade. Como gênero,
passa a ser a referência de ideal de humano. Como entidade social que atua moralmente; o
povo santificado de Israel forma uma totalidade moral que se torna maior do que a soma de
suas partes. A comunidade de Israel é, então, responsável por todas as ações e atitudes de
todos os israelitas como indivíduos. A ênfase não está no indivíduo, mas na comunidade
israelita.
Se o fundamento do judaísmo diz que os indivíduos são concebidos como autômatos e
subordinados à sua comunidade, a resposta sobre o que é Israel definiria também quem é
Israel e seus indivíduos. As escrituras reiteram, portanto, que os israelitas são pessoalmente
responsáveis pelo que fazem e também que Israel com um todo é uma entidade moral sujeita a
julgamento.
O Shabat dos Shabats é o mais importante dos dias de penitência (dia da Expiação, o
dia do Perdão, o ‘Yom Kippur’) e é marcado pelo jejum e oração contínua. Já o Ano Novo
(‘Rosh Hashaná’, traduzindo, a ‘cabeça do ano’), para a comunidade judaica, é um dia de
recordação, no qual se revêem os feitos de todas as criaturas. Uma vez mais a tradição
histórica se faz presente estabelecendo o sentido das relações sociais entre judeus. Aqui
recorda-se, por exemplo, entre outras passagens, a história de Adão e Eva no Éden como uma
introdução da história de Israel na Terra de Israel: a história da origem do povo de Israel com
Abraão e Sara, que criaram uma família devotada ao serviço de Deus receberam a promessa
de uma terra própria – ganhou a terra, mas a perdeu. É feita então uma comparação entre a
presença de Israel na terra de Israel com a presença de Adão no Éden; é comparado o exílio
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de Israel na terra de Israel em 586 a.E.C.(antes da Era Cristã) à perda do Éden por Adão,
como resposta ao seu pecado. Ou seja, Adão perde o Éden assim como Israel perde a terra. A
resposta que buscam e narram é como Israel receberá de volta a terra que perdeu a fim de
mantê-la para sempre (Neusner, 2004).
Adão e Israel vivem a experiência de possuir e perder o paraíso. Adão deveria ter
permanecido no Éden. Israel, o novo Adão, deveria ter permanecido na terra prometida, fora
do alcance do tempo e das mudanças e livre de qualquer turbulência da época. O pecado
arruinou Adão e Israel e deu início à história registrada na escritura: a história de Israel –
abrangendo sua entrada, perda e recuperação.
De acordo com Neusner (2004), a visão judaica de mundo apresenta suas regras
transcendentes de comprometimento com Deus em sua própria forma narrativa. A teologia do
judaísmo se fundamenta no relato do que aconteceu para então generalizar e definir o que é.
Deve-se salientar que o judaísmo não é apenas uma história: os eruditos de todos os
tempos defendem a idéia de que o povo judeu realmente foi escravo no Egito e literalmente
liberto por Deus, pisando no monte Sinai e recebendo o texto do Pentateuco com a tradiçãoque o acompanha.
O texto da Torá se refere a eventos de um passado muito distante: muitos estudiosos
concordam que este texto tomou forma em conseqüência da destruição do Templo de
Jerusalém em 586 a.C. (700 anos após a revelação no Sinai). Foi então após a destruição do
primeiro Templo e, mais tarde, da reintegração dos exilados à Terra Prometida, que pela
primeira vez se contou a história completa do judaísmo.
O judaísmo, segundo Neusner (op.cit.), absorveu heranças de dois grupos distintos da
época do Segundo Templo: os fariseus, uma comunidade religiosa, e os escribas, uma
profissão. Os fariseus desejavam para toda a comunidade o que os sacerdotes queriam apenas
para o templo. E aqui vale lembrar que o avô de Feuerstein era escriba, ou seja, um erudito da
tradição religiosa judaica.
A visão de mundo, a substância do judaísmo, era a mensagem dos escribas, com
ênfase na Torá. Os fariseus davam ênfase à manutenção universal da lei, obrigando cada
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judeu a cumprir o que habitualmente só se esperava da elite, dos sacerdotes. Já o ideal
profissional dos escribas salientava o estudo da Tora e a centralidade dos letrados no sistema
religioso.
Segundo Neusner (2004), os sábios de Israel tinham respostas ao desafio cristão da
doação absoluta na crença religiosa: primeiro, eles insistiam no elevado status da Torá como
revelação oral e memorizada, incluindo a Mishná e outros escritos rabínicos; segundo, a Torá
foi apresentada como o símbolo abrangente da salvação de Israel e terceiro, no fim do mundo
a Torá seria corporificada na pessoa do Messias, que seria um rabino.
A Torá não é o único elemento que rege a manutenção da tradição e da fé judaica. Àela junta-se o Talmude que, depois da Tora, ou Pentateuco, é o livro que estruturou a religião
judaica nos moldes atuais. Trata-se de um imenso conjunto de textos que reúne os
compêndios da Lei Oral, em complemento à lei escrita, a Torá, e ao mesmo tempo discute
cada decisão legal–religiosa. O resultado é uma extraordinária enciclopédia sobre o
comportamento humano.
Durante muito tempo, o Talmude foi perseguido, mutilado, agredido, censurado,queimado pelas incontáveis inquisições, fechado nas academias rabínicas e aparente peça de
museu. Mas permanece vivo e em prática pelas ruas de Jerusalém. Dentro do judaísmo, o
Talmude teve papel deflagrador em âmbito mais amplo, apesar de um tanto discreto ou
camuflado. Não é como a Bíblia, apropriada com fervor por outras religiões, mas também se
irradiou. O intercâmbio se acentuou com o tempo, embora sem afetar a estrutura, através das
decisões rabínicas e das exigências ditadas pelas condições reais do momento. O Talmude
pressupõe adequações às culturas locais por ocasião da Diáspora - movimento de migraçãodos judeus em direção a outros países e continentes. Assim, os judeus obedecem às leis civis
locais. Por exemplo, o Casamento em Israel só existe como casamento religioso, ou seja,
talmúdico; porém, em alguns países, os judeus além do casamento religioso submetem-se ao
casamento civil.
No rádio, os rabinos falam constantemente sobre parábolas, ditados e outras lições
talmúdicas. Há inclusive consultas radiofônicas: em vez de o ouvinte ligar para dizer o nome
certo da música e ganhar um brinde, pergunta como deve agir numa determinada situação de
acordo com a halachah, o procedimento estabelecido pelo Talmude, a lei. Tudo isso, mais
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estudos em nível universitário, religioso e filosófico, formam um corpo gigantesco de
interpretações, teologia e jurisprudência.
Para Neusner (2004), muitas pessoas acreditam que o Talmude tenha alguma coisa
mágica, o que iria contra o próprio Judaísmo. Há narrativas de fatos maravilhosos, entretanto
se alguém procurar no Talmude alguma resposta para resolver os problemas da humanidade
ou do indivíduo, entrará por uma porta e sairá pela outra de mãos vazias. A característica
única do Talmude como livro religioso é que em vez de oferecer soluções, oferece, isto sim,
novas perguntas que permitem olhar para o problema de forma mais profunda e esclarecida. O
princípio está na revelação, no esclarecimento. O que se segue, porém, é um infindável
processo de raciocínio ao qual sempre se dará prosseguimento. O Talmude está aberto a todotipo de investigação e nunca é demais enfatizar esse aspecto diante da riqueza de temas e
originalidade dos enfoques, assim como pelo registro de costumes e parábolas.
Numa entrevista ao Le Monde (publicada no Brasil em Idéias Contemporâneas, Ática,
1989), o rabino doutor Atlan comenta que para ele a tradição talmúdica é “uma tradição de
pesquisa que visa a conhecer a estrutura do universo, as relações do homem com seu meio
ambiente”. Em seguida adverte para o perigo da mistura simplista, da tentativa de encontrarsoluções fáceis com fumaças de pseudo-síntese humanística. Nesta ocasião, o rabino Atlan
chega a dizer que não lhe agradaria identificar a tradição talmúdica com a vertente
espiritualista. Nela encontramos o que os textos talmúdicos chamam de divindade, mas com
uma função absolutamente precisa, diferente da que imagina a consciência religiosa habitual.
Segundo Atlan (1989), o método experimental científico define seus objetos
delimitando tudo o que não faz parte deles, de tal modo que possam ser objeto deexperimentação reproduzível em diferentes laboratórios do mundo, quaisquer que sejam as
circunstâncias políticas, ideológicas e sociais. Na tradição judaica, o objeto inicial de pesquisa
é o próprio texto bíblico, sobre o qual métodos de reflexão extremamente elaborados –
inclusive um sistema de renovação perpétua das leituras do texto – se acumularam durante
séculos, permitindo colocar e recolocar questões como a significação da estrutura do universo
em relação ao homem, à sua vida interior e à sua vida social, levando-se em conta novas
circunstâncias do não-previsível. Assim, na tradição judaica o modelo de ciência inclui a
subjetividade a e intervenção dos elementos não reproduzíveis.
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Para Neusner (2004), a abertura para a criatividade está na essência do Talmude, em
que o princípio básico se situa na crítica. As mais absurdas observações podem indicar o
caminho para a iluminação pretendida. Na prática, Neusner conclui que nessas milhares de
páginas encontra-se o plano da sobrevivência judaica em condições incontáveis vezes
catastróficas. Além da capacidade de fantasiar dos judeus – afinal de contas não exclusiva
deles – estava sua força de refletir, reconsiderar, distanciar-se da realidade e rever sua
interpretação. Para Neusner (op. cit.), é o resultado final de uma sociedade que educou seus
jovens no Talmude e recompensava seus homens maduros e velhos da mesma forma pela
devoção de toda uma vida ao estudo. Como reflexo da obsessiva interrogação diante dos mais
simples gestos cotidianos, teríamos a capacidade dos judeus, por tantos séculos, de se adaptar
a uma situação em que a força política estava além do seu alcance, porque eles sabiam queidéias podem ser poderosas; criticismo pode constituir uma grande força na sociedade; e, no
final a espada, uma vez embainhada, nada pode mudar, mas uma idéia, uma vez liberada,
pode persistir a ponto de levar as pessoas a mover o mundo.
Segundo o autor, no Judaísmo o próprio movimento do homem em busca da
inteligência das coisas configura um ato religioso em que a precariedade animalesca se
transcende na direção do divino. Essa pedra de toque da existência e resistência dos judeusatravés dos séculos, como povo disperso, formado por raças diferentes e diversos costumes e
tradições locais às vezes conflitantes, centraliza-se no estudo e cumprimento da Tora, a Lei de
Moisés, escrita, acompanhada da Lei Oral, registrada e discutida à exaustão no Talmude.
Segundo estudiosos, o Talmude nunca chegou a ser completado. Mas talvez a palavra
“completado” seja inadequada, melhor dizer nunca foi “fechado”. Pois permanece obra aberta
num sentido muito especial: cada geração a completará, isto é, descobrirá novos rumos.Segundo Neusner (op. cit .), um monumento literário coletivo que só se efetiva no seu
exercício também coletivo, assim se espera que as próximas gerações captem essa voz
guardada nas entrelinhas, a alma do Talmude, por assim dizer.
A partir de tudo o que foi exposto, percebemos que há muito dos pressupostos
religiosos na produção intelectual de Feuerstein. Porém, o que mais chama a nossa atenção é o
caráter da constituição dos instrumentos do PEI como desafios à superação das dificuldades,
impulsionando sempre esse indivíduo pra frente, possibilitando que o mesmo lide com as suas
dificuldades conscientemente. A própria mensagem que aparece na capa dos instrumentos
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para ilustrar o material - ‘Um momento... Deixe-me pensar’ – sugere o caráter reflexivo dos
instrumentos e do próprio processo de modificabilidade do pensamento.
O PEI é, então, elemento de libertação do indivíduo, ou seja, rompe com as amarras
das dificuldades de aprendizagem que estancam o desenvolvimento do mesmo. Assim são
também as leis judaicas. A lei é vista, no judaísmo, como instrumento de libertação, de
ressurreição, e não como fonte e garantia de opressão. O Talmude orienta o percurso de
salvação do indivíduo; a crença no Talmude viabiliza esse percurso.
Como no Talmude, a oralidade é também importante para Feuerstein, uma vez que é a
partir dela que os instrumentos do PEI ganham sentido, ou seja, como elementos deintervenção o PEI se realiza na tradição oral da comunicação entre os pares. A oralidade é,
também, princípio de aproximação, conforme percebemos na tradição e nos rituais judaicos.
Assim é o PEI para Feuerstein, ou seja, assentado na crença de que o PEI promove a
modificabilidade cognitiva do indivíduo. Então, como nos apontou Filo de Alexandria, o
mundo criado por Deus, bem como as suas criaturas, não é eterno, está sempre sujeito a
mudanças.
3.4. A MEDIAÇÃO EM FEUERSTEIN
3.4.1. EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM MEDIADA
Para Fonseca (1998), em termos de teoria da aprendizagem, Feuerstein defende que
não basta estar interado ou envolvido com a tarefa para que a experiência de aprendizagem se
desenvolva. Segundo seus pressupostos, é necessário que se verifique a presença de ummediatizador afetivo, dirigente, conhecedor e competente para mediatizar esta interação, o
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que constitui um axioma da sua teoria, isto é, a Experiência de Aprendizagem Mediatizada
(EAM).
Para Beyer (1996), o elemento fundamental que permeia a aplicação dos instrumentos
elaborados por Feuerstein (1980) é a mediação, que se concretiza nas experiências de
aprendizagem mediada.
Por Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM), nós nos referimos ao caminhono qual os estímulos emitidos pelo ambiente são transformados por um agentemediador, normalmente os pais, irmão ou outros. Esse agente mediador guiado porsuas intenções, cultura e investimento emocional, seleciona e organiza o mundo deestímulos para a criança. O mediador seleciona os estímulos que são maisapropriados e então os molda, filtra, programa; ele determina a presença ou a
ausência de certos estímulos e ignora outros (Feuerstein, 1980:15).
Segundo Fonseca (1998), para Feuerstein a exposição direta aos estímulos é
fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a interação mediatizada, isto é, a própria
cultura, é que permite o acesso a funções cognitivas superiores. A pura presença dos
estímulos ou a sua interiorização em esquemas não pode explicar a modificabilidade cognitiva
nem a maturação do organismo do indivíduo. Desta forma, o fenômeno cultural, ou seja, a
Experiência de Aprendizagem Mediada, surge como fator explicativo da evolução humana.
Para Feuerstein, segundo Fonseca (op.cit.), a Modificabilidade Cognitiva Estrutural
não pode resultar da simples exposição a certas experiências, uma vez que não podemos ter a
noção da causa dos fenômenos só pela vivência de certas experiências. Não é por estarmos
expostos à chuva que podemos compreender os fenômenos de vaporização que a originam.
Não é por vermos o Sol que compreendemos a sua função no nosso sistema cósmico.
Também não é só pela presença de estímulos que podemos explicar a aprendizagem e o
desenvolvimento cognitivo.
Na Experiência de Aprendizagem Mediada, para Feuerstein, os estímulos não existem
só por si, eles são filtrados, modulados, mediados, intercedidos, repetidos, reforçados,
eliminados etc., consoante as necessidades introduzidas e reguladas pelo mediatizador. Os
estímulos estão relacionados com o tempo, o espaço e a qualidade dos outros estímulos que os
antecedem ou seguem. Eles estão repletos e imbuídos de significação.
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A Experiência de Aprendizagem Mediada, de certa forma, explica o papel das
experiências interativas no desenvolvimento cognitivo das gerações mais novas. Trata-se de
um ato de transmissão de cultura, de valores, de atitudes, de intenções etc., efetuado pelas
gerações mais velhas, que visam produzir os efeitos desejados. É com base nesta interação
intencional transgeracional que o ser humano desenvolveu aquisições extra biológicas.
Em interações típicas, como a de mãe–filho, abundam as situações de aprendizagemmediada. (...) Ela atribui significados específicos a eventos, relações temporais,espaciais, causais e outras não inerentes tanto ao objeto como às ações da criança.Estas são mediadas pela mãe ou por outras figuras envolvidas com os cuidados dacriança. Além de transmitir todos os tipos de informações específicas, quesimplesmente não estão disponíveis via exposição (...), o aprendizado mediado provêo tipo de experiência necessária para a formação da estrutura cognitiva que
possibilita a apropriação da cultura (Feuerstein, 1980:270).
Dessa forma, assinala Fonseca (1998), a Experiência de Aprendizagem Mediada torna-
se o ingrediente que determina a diferença do desenvolvimento cognitivo, mesmo quando se
consideram condições similares de estimulação. Quanto maior e mais precocemente for
efetivada a Experiência de Aprendizagem Mediada, maior será também, por conseqüência, a
capacidade do indivíduo para usar e ser afetado pela exposição direta às fontes de
estimulação.
A Experiência de Aprendizagem Mediada para Feuerstein, segundo Fonseca (op.cit.),
encerra uma dialética entre dois tipos de causa da diferença de desenvolvimento cognitivo,
que podem explicar em parte o seu baixo ou alto desempenho:
• as causas proximais, que se prendem à presença ou carência de Experiência de
Aprendizagem Mediada;
• as causas distais, que se prendem aos aspectos endógenos (fatores hereditários ou
genéticos, fatores orgânicos e nível de maturidade), aspectos endoexógenos (nível de
maturidade, equilíbrio emocional da criança e dos pais e estimulação envolvimental) e
aspectos exógenos (estimulação envolvimental, status sócio econômico, nível de estudos e
diferenças culturais).
Segundo Fonseca (op.cit.), a Experiência de Aprendizagem Mediada para Feuerstein
dá relevo ao mediatizador, isto é, ao ser humano que se interpõe (e que intervém) entre os
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estímulos e os próprios indivíduos mediatizados, com a intenção de adequá-los às suas
necessidades específicas.
Deve ser preocupação fundamental do mediador dar-lhes condições para que possam
vir a utilizar-se com êxito da exposição direta aos estímulos, pois somente a partir daí terão
realmente alcançado autonomia em função dos instrumentos psicológicos que incorporou.
Feuerstein (1980) posiciona-se muito claramente a esse respeito:
Quanto mais a criança receber EAM e quanto mais eficaz for o processo demediação, maior será sua capacidade de se beneficiar e se tornar modificável pelaexposição direta ao estímulo (Feuerstein, 1980:16).
Noutras palavras, assinala Fonseca:
(...) o desenvolvimento cognitivo humano de uma criança é inseparável dodesenvolvimento cognitivo dos seus mediatizadores, sejam eles os pais, os médicos,os psicólogos ou os professores (Fonseca 1998:40).
Gomes (2002) esclarece-nos que, segundo Feuerstein, a aprendizagem humana
ocorre, num contexto social, na base de multimediatizações humanas. A perda, a
irregularidade, a insuficiência ou a descontinuidade dessa mediatização provoca nos
indivíduos determinadas disfunções cognitivas, ou seja, funções cognitivas deficientemente
desenvolvidas. Como exemplo, cita as “crianças-lobos” ou “abandonadas” e também
crianças com baixo aproveitamento ou baixo rendimento escolar.
Quando a EAM se materializa, o desenvolvimento cognitivo é adequado e amodificabilidade acrescida. Porém, quando a EAM é carente, insuficiente ouvulnerável, emerge inevitavelmente a síndrome do desenvolvimento cognitivoinadequado e de modificabilidade reduzida, resultante de uma privação cultural(Feuerstein, 1997).
Fonseca (1998) afirma que Feuerstein foi mais além na elaboração das características
necessárias para que um desenvolvimento social proporcione um desenvolvimento cognitivo.
A sua teoria centra-se no enriquecimento interacional, na intencionalidade dos pais e
professores para se reduzir a discrepância entre as performances típicas e as performances
potenciais das crianças.
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Para Fonseca (1998), Feuerstein (1979), atento às perspectivas abertas por Vygotsky
(1963, 1979), concretizou nesta ótica dois grandes processos de mediatização, processos estes
que constituem um verdadeiro sistema de intervenção e de modificabilidade cognitiva no
âmbito das crianças ou jovens que apresentem baixo rendimento ou fraco desempenho: o
LPAD (instrumento dinâmico de diagnóstico do potencial de aprendizagem) e o PEI
(instrumento de enriquecimento cognitivo).
• O PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL (PEI)
O PEI foi organizado por Feuerstein (1980) para auxiliar no desenvolvimento das
funções psicológicas que podem, num dado momento, se encontrar deficientes no sujeito, ao
mesmo tempo em que permite a aquisição de pré-requisitos de aprendizagem. É composto
por quatorze instrumentos, que correspondem a cadernos didáticos individuais, cujos
exercícios destinam-se a problematizar determinadas funções cognitivas. Esses cadernos
estão organizados em unidades nas quais as tarefas pedagógicas são apresentadas para
estimular as funções que estão se manifestando deficientemente.
Os objetivos específicos do PEI estão relacionados aos instrumentos que o compõem:
• correção das funções cognitivas deficientes;
• aquisição de conceitos básicos, vocabulário e operações mentais;
• estimulação da motivação intrínseca, ou seja, a motivação interior;
• desenvolvimento de processos reflexivos de pensamento e habilidades;
• desenvolvimento, pela criança, de uma auto-identidade dinâmica, ou seja, construção de
um autoconceito positivo, levando-a a perceber-se como sujeito ativo no processo de
aprendizagem.
Segundo Sanchez (1989):
O Programa de Enriquecimento Instrumental foi organizado para modificar asfunções cognitivas deficientes e desenvolver toda a capacidade operativa do sujeitocom necessidades educacionais especiais (...) O programa de enriquecimentocognitivo é um esforço de compensar as deficiências e carências da experiência deaprendizagem mediada através do mediador, oferecendo ao sujeito uma série deatividades, tarefas, situações e problemas construídos para modificar seufuncionamento cognitivo deficiente. Não há a intenção de ensinar unidades de
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informação específicas, mas sim de proporcionar uma série de pré-requisitos do pensamento que o auxiliem a beneficiar-se dos conteúdos do currículo formal deaula e de qualquer experiência que possa facilitar sua adaptação e integração social(Sanchez, 1989: 80).
Kozulin (1996) nos assinala que a Experiência de Aprendizagem Mediada contribui
para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores:
As atividades escolares que o PEI pressupõe impulsionam o desenvolvimento noestudante das funções psicológicas superiores dependentes das ferramentas
psicológicas. A organização sistemática dos materiais do PEI corresponde aorganização sistemática das funções psicológicas superiores. Os princípios daaprendizagem mediada proporcionados pelo ensino do PEI correspondem aocomplemento necessário ao aspecto instrumental-simbólico deste programa. Ainstrução baseada nas EAM torna-se o veículo que desenvolve as habilidades
simbólicas e dá forma às atividades que garantem a aquisição e interiorizam taishabilidades. A propósito disto as atividades que pressupõem o PEI só podemcomparar com o paradigma da atividade e aprendizagem desenvolvida pela escolade Vygotsky (Kozulin, 1996:212).
Sendo assim, para Kozulin (op.cit) quando a criança demonstra dificuldade em algum
ponto, é possível trabalhar funções que ainda não estão consolidadas. As experiências de
aprendizagem compartilhadas permitem que se atue na zona de desenvolvimento proximal,
auxiliando as funções ainda não consolidadas a amadurecer.
Segundo Sanchez (1989), cada um dos instrumentos consiste em uma unidade
estruturada com ênfase em algumas funções cognitivas. É importante salientar que os
instrumentos não têm como finalidade o ensino de conteúdos, sendo assim é importante que
o professor tenha claro como selecionar e organizar o material específico para atender às
necessidades e deficiências de cada uma das crianças, como também utilizá-los como
veículos para a aquisição dos requisitos básicos de pensamento. Desta maneira, o sujeito élevado a refletir sobre os conhecimentos adquiridos, a forma como os conseguiu e relacioná-
los às situações de vida.
Os instrumentos a serem aplicados exigem apenas lápis, borracha e papel. São a
preparação do mediador e a interação estabelecida com a criança ou adolescente que se
constituem no elemento principal desse programa. Os instrumentos podem ser aplicados tanto
individualmente como em grupo, em salas de aula ou clínicas, e serem utilizados, inclusive,
como um programa de caráter complementar ao currículo escolar, uma vez que se enquadra
no conjunto de programas de “ensinar a pensar”.
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O entendimento e apreciação da meta básica do PEI, a qual é ensinar aos indivíduosa pensar mais eficientemente, determinar a qualidade do estímulo de interrogação do
professor. Portanto, um professor de PEI se interessará e fará perguntas que acentueo processo de aprendizagem e não o seu produto (Feuerstein, 1993:20).
Segundo Feuerstein (1993), as atividades propostas nos instrumentos deste programa
seguem uma ordem seqüencial e progressiva de complexidade, apoiando-se na motivação
intrínseca do indivíduo que é instigada a partir da afirmação do sentimento de competência
de todos os participantes. Nesse processo, deve ser uma preocupação constante do mediador
levar os alunos à compreensão de suas dificuldades e incentivá-los a dirigir os esforços para
a resolução e superação das mesmas.
Indicaremos de forma resumida algumas das funções que são priorizadas em cada um
dos instrumentos.
• Organização de Pontos: este instrumento é programado para estimular a capacidade de
organização do indivíduo, acionando funções cognitivas como percepção clara,
organização do espaço, conservação e constância, precisão, transporte visual e conduta
somativa.
• Percepção analítica: descrição e diferenciação do campo visual; capacidade de dividir o
todo em pares e de integrar as partes no todo; reestruturação de um determinado campo
visual.
•
Ilustrações: percepção de detalhes; reconhecimento e análise de situações-problema;estabelecimento de relações.
• Orientação Espacial (I, II e III): condutas exploratórias do espaço e representativa;
capacidade de estabelecer relações.
• Comparações: comportamento comparativo espontâneo.
• Relações Familiares: análise de categorias de relacionamento.
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• Progressões Numéricas: compreensão e estabelecimento de regras e leis.
• Silogismos: argumentação dedutiva e indutiva, pensamento lógico.
• Classificações: capacidade de categorização a partir da comparação.
• Relações Temporais: percepção da dimensão do tempo, capacidade de registrar,
processar e ordenar relações temporais.
• Instruções: codificação verbal das informações gráficas; decodificação de informações
escritas e transferência para atividades viso-motoras.
• Relações Transitivas: desenvolvimento de inferências a partir das já existentes;
apreensão e aplicação de normas.
• Desenho de padrões: pensamento operatório, representação, abstração, projeção virtual.
Fonseca (1998) tece alguns comentários sobre o programa destacando aspectos positivos e elencando algumas restrições.
• o programa centra-se mais nos processos de pensamento do que no seu produto final;
• exige mais tempo de interação e de concentração nos processos do pensamento do que a
maioria das disciplinas escolares, na medida em que não pode ser reduzido a simples
fichas de exercícios;
• o estilo de ensino e de mediatização eleva o investimento motivacional dos alunos e
reforça a significação cultural e humana;
• a filosofia e a prática do PEI combatem as atitudes de classificação simplista dos alunos
em espertos, inteligentes e rápidos ou em burros, difíceis e lentos, uma vez que exige do
professor uma visão otimista e ativa do aluno em termos de potencial de modificabilidadee não uma visão sectária e passiva em termos de aproveitamento escolar corrente;
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• o Programa de Enriquecimento Instrumental pressupõe um aprofundamento teórico sobre
a avaliação dinâmica e a intervenção mediatizada na cognição e na aprendizagem. O
professor capacitado neste programa desenvolveria um olhar diagnóstico em relação ao
aluno.
Em síntese, para Fonseca (1998) “ao avaliar pela revisão da literatura, o Programa
de Enriquecimento Instrumental sugere em muitos dos resultados apresentados, ganhos
cognitivos claros, pondo em relevo uma nova e desafiante visão da inteligência e da
aprendizagem” (Fonseca, 1998: 49).
Segundo Feuerstein (1980), a hereditariedade não se opõe ao meio, os fatores
biológicos são condição vital e influenciam-se mutuamente com os fatores sociais. Ambos
interagem entre si. A evolução de alguns fatores é a evolução de outros, entre eles não há uma
relação de dependência; a inteligência lida com o biológico e com o social como se fossem
uma unidade da mesma dialética.
• A AVALIAÇÃO DINÂMICA DO POTENCIAL DE APRENDIZAGEM (LPAD)
O termo “potencial” é utilizado por Feuerstein tanto em relação à aprendizagem como
em relação à modificabilidade. Neste sentido, ele situa o potencial de aprendizagem na
capacidade do indivíduo de agir e refletir de uma maneira mais elaborada, que vai além de seu
comportamento manifesto.
Feuerstein (1980) acredita que um processo de avaliação deve ter como objetivo
revelar o potencial de aprendizagem do indivíduo e não apenas identificar os conhecimentos
que ele já possui naquele momento da avaliação. Sendo assim, Feuerstein destaca que o
processo de avaliação do potencial da modificabilidade cognitiva está distribuído em fases:
• o pré-teste: fornece uma base do funcionamento mental atual do indivíduo;
• a mediação: o mediador induz mudanças sobre o modo do indivíduo funcionar;
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• o pós-teste: permite verificar os efeitos da mediação, isto é, as mudanças induzidas pelo
examinador sobre a maneira do indivíduo funcionar, na resolução de novas tarefas.
Assim, neste processo de avaliação proposto por ele, existe uma preocupação com a
observação do comportamento do sujeito e como ele utiliza sua percepção ou experiências
anteriores para resolver uma situação problema proposta. O avaliador deve estar atento às
estratégias cognitivas utilizadas na solução da situação proposta: já neste momento da
avaliação, o avaliador deve interferir, observando e questionando sobre os processos
utilizados pelo sujeito, a fim de diagnosticar as funções deficientes e as possibilidades, ou
seja, o potencial de modificação, expressos em seu desempenho.
Citaremos algumas características da avaliação do potencial da modificabilidade
cognitiva:
• mudanças na relação examinador-examinado;
• mudanças na estrutura dos testes;
• mudanças no interesse do produto para o processo;
• mudanças no nível de interpretação dos resultados.
Será a partir desta avaliação que as tarefas do PEI serão enfatizadas, nas áreas que
apresentarem dificuldades. Para Beyer (1996), o LPAD e o PEI complementam-se numa
prática psicopedagógica integrada. O LPAD e o PEI só se efetivam através da EAM que se
constitui na ação compartilhada entre mediador e mediado, ou seja, na ação interativa.
Feuerstein (1979) infere que os indivíduos possuem estratégias e processos cognitivos
que não são utilizados, mas que são capazes de darem um resultado positivo em condições de
estimulação. Ele utiliza o termo “potencial” para referir-se à modificabilidade quando escreve
que o objetivo da avaliação deve ser “o potencial a ser modificado pela aprendizagem”
(1979:49). Desta maneira, destacaremos alguns objetivos da avaliação do potencial da
aprendizagem:
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• avaliar a extensão da modificabilidade do indivíduo no que se refere ao nível de
funcionamento que ele pode atingir pelo processo de modificação e seu lugar na hierarquia
das operações cognitivas;
• determinar a soma de trabalho necessária para provocar a mudança;
• determinar o alcance da modificação obtida sobre os outros domínios do funcionamento
cognitivo;
• situar as modalidades preferidas do indivíduo no seu comportamento manifesto a fim de
utilizá-las para induzir a modificação desejada.
Segundo Goulart (2000: 84), os instrumentos propostos por Feuerstein para avaliar o
potencial de aprendizagem das crianças e jovens são:
• Matrizes progressivas coloridas de Raven (séries A, AB, B)
• Matrizes progressivas clássicas de Raven (séries A, B, C, D, E)
• Grupo I de Variações do LPAD (Feuerstein)
• Grupo II de Variações do LPAD (Feuerstein)
• Teste de Desenho de Padrões (Grace Arthur, adaptado por Feuerstein)
• Progressões Numéricas (Feuerstein)
• Desenho da Figura Complexa (André Rey)
• Teste de Aprendizagem de Posições (André Rey)
• Memória Associativa Teste de Redução Funcional (Feuerstein)
• Memória Associativa Teste de Parte e do Todo (Feuerstein)
• Teste de Abstração Verbal (semelhanças) (TVA) (Haywood)
• Teste das Bandejas (André Rey)
• Teste de Memória de Palavras (Rey, adaptado por Rand)
• O Organizador (Feuerstein)
• Teste de Raciocínio Silogístico (Feuerstein)
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• O MEDIADOR
Para Feuerstein (1980), o mediador é aquele que não se prende ao nível de maturação
manifestado pela criança, antecipa-se ao desenvolvimento, isto é, o bom ensino é aquele que
está direcionado às funções psicológicas superiores que ainda estão por se completar.
Sendo assim, a mediação a ser estabelecida com o indivíduo, para Feuerstein, deve
estar baseada no entendimento dos diferentes ritmos, experiências e trajetórias pessoais,
contexto familiar, níveis de conhecimento, enfim, da heterogeneidade, traço comum a todos
os grupos formados por seres humanos.
Na continuidade destas reflexões, segundo Gomes (2002), para Feuerstein o que torna
alguém mediador formal é sua capacidade para conduzir estrategicamente o processo de
aprendizagem mediada, sua capacidade de interrogar o mediado, de modo a impulsionar
conflitos cognitivos e mobilizar as funções cognitivas, viabilizando, assim, uma intervenção
transformadora que garanta o aumento do nível de modificabilidade e flexibilidade mental do
indivíduo envolvido no processo de aprender a pensar.
Rego (1998) afirma que são as trocas onde o patrimônio material e simbólico,
formado por valores, conhecimentos, sistemas de representação, construtos materiais,
técnicas, formas de pensar e de agir, legado da humanidade, que constituem a mediação e
interferem positivamente no desenvolvimento do indivíduo.
... imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visãode mundo, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidadesindividuais (Rego, 1998:10).
Para Goulart (2000), nesse processo de interação é fundamental entender os indivíduos
alvos da mediação como ativos no seu processo de conhecimento. Mesmo sendo a atividade
espontânea e individual importante, ela é insuficiente para modificar o sujeito, deixando clara
a importância da intencionalidade da ação do mediador.
Para Fonseca (1998), considerando o desenvolvimento, a apropriação e a
interiorização de instrumentos proporcionados e fornecidos por agentes culturais de interação,
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a aprendizagem e conseqüentemente a zona de desenvolvimento proximal, dependem, em
parte, da qualidade e da estratégia de interação posta em prática pelo mediatizador.
Desta forma, salienta Fonseca (1998) que para Feuerstein:
... saber suscitar processos evolutivos, no espaço e no tempo, é uma dascaracterísticas essenciais da aprendizagem humana, processos esses, porém, que sósão ativos e conseqüentes nas situações de relação e interação entre as pessoas, entreo mediatizador e mediatizado, pois só dentro da sua dinâmica interativa emergem asfunções psíquicas superiores (Feuerstein, 1979:101).
Para Beyer (1996), quando nos referimos à mediação sabemos que é um termo que
adquire significados diferenciados, conforme a postura teórica de quem o utiliza. Para
Feuerstein (1980), no entender de Beyer, mediação significa um processo de interação entre o
organismo humano em desenvolvimento e um indivíduo com experiências e intenções que
para Feuerstein seleciona, enfoca, retroalimenta as experiências ambientais e os hábitos de
aprendizagem.
Segundo Beyer (op.cit.), para Feuerstein a mediação só é possível ao se acreditar na
criança. Essa “crença” é um fator energético que impulsiona a consecução dos trabalhos.
Feuerstein afirma que foi essa convicção nas possibilidades das crianças e o conseqüente
compromisso assumido com elas que concorreu para o sucesso alcançado em seu trabalho.
Sem esta crença, iniciar algo fica mais difícil. O trabalho proposto nessa teoria de Feuerstein
baseia-se, pois, em elementos cognitivos e afetivos.
Beyer (op.cit.) complementa:
... a particularidade do conceito da aprendizagem autônoma consiste em que aautonomia cognitiva correlaciona-se com a aprendizagem mediada, ou seja, quantomais uma criança usufruir da mediação na aprendizagem, tão mais rico será odesenvolvimento intelectual advindo da interação direta com o meio (Beyer,1996:90).
Para Fonseca (1998), a Modificabilidade Cognitiva Estrutural depende da qualidade de
intervenção do mediatizador da forma como cria certas estratégias de percepção, de busca, de
exploração e de isolamento de dados relevantes ou irrelevantes, de novos processos que
produzam efeitos no organismo do sujeito mediatizado, orientando-o na via de níveis mais
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elevados de sensibilidade e de cognitividade, do que resultará uma maior eficácia de
processamento de informação quando o indivíduo for exposto diretamente a novos estímulos.
Para o referido autor, não é porque os estímulos do entorno existem que podemos ter a
garantia de os perceber. Os estímulos, em si, podem não atingir o receptor, pois não explicam
as mudanças cognitivas nos seres humanos, uma vez que eles não possuem intenções. O
mediatizador atua no estímulo de forma que ele surja no tempo e na seqüência adequada para
que possa ser processado e integrado. É a exposição à mediatização, e não somente a pura
exposição aos estímulos diretos, que provoca alteração das estruturas que os processam e
modificam. Não basta estar mergulhado em contextos ricos de estímulos, é necessário que
entre os estímulos e os organismos dos indivíduos mediatizados surja um mediatizador queintencionalmente, e não arbitrária ou esporadicamente, atue nas estruturas cognitivas.
Não é raro ver crianças mergulhadas em meios enriquecidos de estímulos, masvazios de mediatizadores. Estão face a eles, mas não os exploram sistemática e
planificadamente, não extrapolam, nem relacionam, não transferem, nemgeneralizam e, conseqüentemente, exibem disfunções cognitivas e comportamentosepisódicos e acidentais, algo que reconhecemos como característico nas criançasculturalmente privadas ou nos portadores de deficiência mental e com intensidadediferente nas crianças com dificuldades de aprendizagem ou com insucesso escolar
(Fonseca, 1998:73).
Para Fonseca (1998), segundo Feuerstein, a melhoria cognitiva que o mediatizado
experimenta também atinge a personalidade do mediatizador. Há algo no eu do mediatizador
que se transforma quando o mediatizado atinge os objetivos da aprendizagem. Este fator
relacional é fundamental para a compreensão da filosofia da MCE e da EAM. A
modificabilidade, conseqüentemente, não se limita à cognição, mas supõe as múltiplas
condições do comportamento e, essencialmente, os pré-requisitos do pensamento.
Segundo Fonseca, Feuerstein (1979) salienta que este aspecto energético-motivacional
da MCE é crucial e nunca pode ser perdido de vista, razão pela qual a sua filosofia exige
mudanças de atitude e não apenas exibição de competências, quer da parte do mediatizador,
quer da parte do mediatizado. A modificabilidade, portanto, não se limita à cognição, mas
envolve também a emoção e a motivação, componentes essenciais da teoria da MCE.
Desta forma, para Fonseca (op.cit.), a EAM põe em prática o enriquecimento humano
mútuo tanto do mediatizado como do mediatizador. O mediatizado cresce quando cresce o
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mediatizador, isto é, consubstancia-se um processo de intencionalidade e reciprocidade. O
autor nos assinala que a modificabilidade cognitiva, é, em certa medida, diferente da noção de
desenvolvimento, uma vez que este subentende uma mudança esperada e previsível, mudança
na motricidade, na linguagem etc., enquanto aquela implica um desvio de desenvolvimento
inesperado, algo de diferente do que se podia esperar.
Sendo assim, a influência ativa do mediatizador (psicólogo ou professor, etc.),
segundo Fonseca (1998), para Feuerstein é determinante para a expansão do campo mental e
das funções cognitivas das crianças e dos jovens em geral, tanto no momento do diagnóstico
ou de avaliação, como nos da intervenção pedagógico-terapêutica.
Desta forma, segundo Gomes (2002), sob a ótica feuerstiana, a mediação do adulto no
processo educativo deve ser consciente e deliberada, com o propósito de desencadear no
aluno, através de situações de aprendizagem, o desenvolvimento de toda a sua potencialidade.
Para o autor, Feuerstein, ao discorrer sobre o que considera importante no processo
educativo, aponta elementos enfatizados pela concepção de desenvolvimento sócio-histórica
ao mesmo tempo em que defende alguns pontos apresentados por Piaget.
Para Da Ros (1999), Feuerstein mostra que a interação dos homens com a realidade
física e social deve ser mediada pela ação humana. Usa o exemplo da alimentação, onde a
comida passa a ser fator humanizante, uma vez que lavar as mãos, preparar o prato, sentar-se
à mesa com os demais, não significam apenas sobrevivência, mas a existência de um
elemento transcendente onde a realidade física e social é apreendida através das relações
sociais que engendram diferentes significações.
Segundo Goulart (2000), Feuerstein alerta que não é qualquer interação que resulta
numa experiência de aprendizagem mediada. Para que a experiência alcance seu objetivo é
preciso levar em conta algumas características básicas que devem permeá-las. Além da
intencionalidade, já contada como fundamental no estabelecimento das mediações,
Feuerstein indica outros critérios que podem auxiliar no processo de mediação.
Procuraremos apontar o papel de cada um desses critérios no interior do processo de
modificabilidade.
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• CRITÉRIOS DE MEDIAÇÃO
Intencionalidade e reciprocidade
Segundo Da Ros (1997), para Feuerstein, intencionalidade e reciprocidade são
condições imprescindíveis para que ocorra aprendizagem ou uma interação com resultados
mais duradouros. É necessário que o professor tenha a intenção de ensinar, clareza do que e a
quem pretende atingir. A ele compete o agir sistemático sobre os estímulos, filtrando-os,
moldando-os, repetindo-os, reforçando-os, caracterizando-os ou ainda eliminando-os
conforme as necessidades introduzidas ou desencadeadas uma vez que na aprendizagem
mediada os estímulos não existem por eles mesmos. Para Fonseca (1995), os estímulos
devem estar relacionados com o espaço, ou seja, a intensidade, a ordem, a freqüência, o
contexto e a qualidade dos outros estímulos que os antecedem ou os que seguem acima de
tudo, repletos de significação. Ao mesmo tempo, aquele que será mediado, precisa estar
motivado e desejar participar ativamente do processo. Os três elementos que devem estar
presentes e interagir na intencionalidade e reciprocidade são: mediador (que deve focalizaro estímulo através de diferentes linguagens), o mediado (que deve ter sua atenção, nível de
interesse e disponibilidade voltados para o objeto de aprendizagem) e o estímulo (que pode
variar na amplitude, repetição e modalidade).
A função do mediador não é apenas a de levar a criança a perceber e registrar os
estímulos, mas determinar certas mudanças na maneira de processar e utilizar a informação.
Ao deixar claros seus objetivos ao sujeito, o mediador o incita a compartilhar dos seus propósitos nesse processo mútuo que redunda em conhecimento e enriquecimento para
ambos. Focalizar e ampliar o objeto ou um determinado estímulo mobilizando a atenção do
sujeito é uma forma de manifestação da intencionalidade do mediador perante o processo de
aprendizagem. Neste sentido recorremos a Vygotsky (1984) que salienta também a
importância da atenção:
Dentre as grandes funções da estrutura psicológica que embasa o uso de
instrumentos, o primeiro lugar deve ser dado à atenção. Vários estudiosos acomeçar por Kohler, notaram que a capacidade ou incapacidade de focalizar a própria atenção é um determinante essencial do sucesso ou não de qualqueroperação prática (...) Com o auxílio da função indicativa das palavras a criança
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começa a dominar sua atenção, criando centros estruturais novos, dentro dasituação percebida... além de reorganizar o campo viso espacial, a criança com oauxílio da fala cria um campo temporal que lhe é tão perceptivo e real quanto ovisual. A criança que fala tem, dessa forma, a capacidade de dirigir sua atenção deuma maneira dinâmica (Vygotsky, 1984:40).
Em qualquer atividade é importante ter como objetivos mínimos: reconhecer os dados,
definir o objetivo ou o problema, estabelecer estratégias para atingir o objetivo ou solucionar
o problema, avaliar as melhores estratégias, verificar se o objetivo foi alcançado ou se o
problema foi solucionado.
Transcendência
Segundo Sanchez (1985), o mediador deve ter a preocupação em atender não apenas
a necessidades imediatas mas a metas mais amplas. A aprendizagem de uma série de
dispositivos verbais, por exemplo, devem auxiliar não só na resolução de uma situação
momentânea, mas servir para outras situações de aprendizagem e da vida cotidiana. Isto
significa que a criança deve ser levada a uma conduta de estruturação para que no futuro
possa utilizar os conhecimentos já adquiridos. Transcendência implica em que a criança
aprenda a buscar significados, para isto deverá relacionar uma série de atividades anteriores,construir estratégias a serem utilizadas em situações novas, descartar a informação supérflua
utilizando apenas o essencial e básico para a solução de um problema. Assim,
gradativamente, irá alcançando um certo nível de generalização das informações recebidas,
estabelecendo, portanto, regras e princípios. A aquisição de determinadas habilidades e
operações mentais através do PEI permitem ao indivíduo a aplicação e a generalização
dessas habilidades e pré-requisitos a outras áreas de conhecimento e situações de vida real.
Significação
É importante que as situações de aprendizagem sejam relevantes e interessantes para
os sujeitos. O significado cria uma nova dimensão para o ato de aprender, levando a um
envolvimento ativo e emocional no desenvolvimento da tarefa. Mais do que tudo é preciso
que a criança ou o adolescente aprenda a buscar significado naquilo que faz. Para isto são
necessários três requisitos:
• despertar o interesse pela tarefa em si;
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• discutir com o educando sobre a importância de tal tarefa;
• explicar a finalidade estabelecida para com as atividades propostas e com
aplicação das mesmas.
De acordo com Ausubel (1980), a aprendizagem significativa se distancia da
automática na medida em que esta se relaciona aos processos cognitivos de forma arbitrária,
não resultando da aquisição de novos significados. A essência do processo de aprendizagem
significativa corresponde à relação estabelecida entre as idéias expressas simbolicamente e
as informações previamente adquiridas pelo aluno. Esse tipo de aprendizagem, oposta à
aprendizagem mecânica, ocorre quando o ato de aprender implica em relacionar uma nova
informação a outras com as quais o educando já está familiarizado e utiliza uma estratégia
para alcançar esse objetivo. Nessa relação as idéias são interligadas a algum aspecto
relevante existente na estrutura cognitiva do aluno, seja uma imagem, em símbolo, um
conceito ou uma proposição. Para esse autor:
Uma vez que os significados iniciais são estabelecidos por signos ou símbolos deconceitos no processo de formação de conceito, uma nova aprendizagemsignificativa dará origem a significados adicionais aos signos ou símbolos e
permitirá a obtenção de novas relações entre os conceitos anteriores adquiridos(Ausubel, 1980:38-9).
Portanto, a aprendizagem significativa envolve a aquisição de novos significados que,
por sua vez, são decorrentes dessa aprendizagem. Esta mesma aprendizagem pressupõe que o
aluno apresente uma disposição para relacionar o novo material à sua estrutura cognitiva. Tal
material deve ser potencialmente significativo e possível de ser incorporado à sua estrutura de
conhecimento. Desta forma, Ausubel afirma que independentemente de ser ou não
potencialmente significativo um dado material, se o aluno preocupa-se apenas em memorizá-
lo de forma arbitrária e literal, tanto o processo de aprendizagem como o seu resultado serão
automáticos, isto é, mecânicos. Ao mesmo tempo, se a tarefa da aprendizagem não for
potencialmente significativa isto é, possível de ser incorporada à estrutura cognitiva do
educando através de uma relação não arbitrária e substantiva, nem o processo nem o produto
da aprendizagem serão significativos (op. cit. p.34). A memorização automatizada de
conceitos ou de uma poesia sem a compreensão do significado das palavras é um exemplo
desse tipo de aprendizagem.
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Como Ausubel (1980), Feuerstein atribui muita importância ao significado na
aprendizagem. Ao criar o instrumento de Organização de Pontos, por exemplo, as figuras
geométricas já conhecidas pelos alunos auxiliam na ampliação do repertório dos mesmos,
levando-os, através das experiências de aprendizagem mediadas, a estabelecer outros elos
com a realidade, proporcionando a ampliação de novas relações e informações, contribuindo
para a ampliação de seus conceitos e possibilitando a generalização: alguns princípios podem
ser levantados pelos alunos a partir da experiência de sala de aula. Por exemplo, da mesma
forma que para achar as figuras numa nuvem de pontos preciso planejar minha ação, para
realizar um passeio, se fizer o mesmo, não terei surpresas desagradáveis, ou ainda, o passeio
poderá ser melhor aproveitado.
Também Sanchez (1989) se posiciona sobre esta questão alertando que aprendizagem
significativa é uma meta-aprendizagem, uma vez que ajuda o indivíduo a entender e
representar o processo mediante o qual se produz o conhecimento, (aprender a aprender), e
cita Bruner (1972) para reforçar esse posicionamento:
... o domínio cognitivo é recompensador especialmente quando o aprendizreconhece o poder cumulativo e quando se apercebe de que aprender algo lhe
permite passar a um desempenho que estava fora de seu alcance e prosseguir atéconseguir uma perfeição possível (Bruner, apud Sanchez p.38).
Sentimento de competência
O sentimento de competência está diretamente relacionado à motivação, na medida em
que esta é fundamental para que ocorra aprendizagem. Muitas vezes a criança deixa de
aprender ou evidenciar sua potencialidade justamente por não acreditar em si mesma ou porque é subestimada. Geralmente os sujeitos que precisamente mostram uma falta de
competência (geralmente os privados culturais, deficientes mentais, crianças com problemas
de aprendizagem) possuem um baixo auto-conceito e se crêem incapazes de qualquer tarefa
que exija um certo esforço (Sanchez, 1989).
Em função do acima exposto, é preciso considerarmos a importância da atuação do
professor na organização de tarefas que estejam adequadas à capacidade do sujeito, possibilitando-lhe alcançar sucesso nos esforços empreendidos. No âmbito da sala de aula,
isto significa o cuidado do professor em preparar e selecionar atividades, assim como produzir
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materiais adequados ao interesse, à idade e à capacidade do educando. Da mesma forma,
observar a divisão de conteúdos em pequenas unidades didáticas, além da adição de pistas
relevantes e processos de ensino adequados. Em determinadas situações, uma tarefa que
garanta o sucesso da criança e traga em seguida alguns desafios que possam ser superados,
provavelmente auxiliará no fortalecimento do sentimento de competência do aprendiz. As
pistas contidas nas atividades ou algumas estratégias sugeridas pelo mediador podem
possibilitar ao sujeito enfrentar as dificuldades com maior segurança.
Regulação e controle do comportamento
Segundo Sanchez (1989), para Feuerstein a regulação do comportamento está
condicionada à habilidade do professor em mostrar ao aluno a necessidade de adequar seu
comportamento em função das dificuldades da relação que se estabeleça com o objeto, se o
deve fazer lenta ou rapidamente. Regulação e planificação são condutas opostas à
impulsividade, isto é, àquela atitude em que o indivíduo emite qualquer tipo de resposta sem
haver refletido antes. Nesse sentido, o que se espera alcançar através da aplicação dos
diferentes instrumentos é levar o educando ao pensamento reflexivo. Cabe ao mediador ter
sempre em mente seu compromisso em ensinar aos alunos o que fazer, quando, como eporque fazê-lo. Todos os processos metacognitivos ajudam o indivíduo a interar-se de seus
próprios conhecimentos uma vez que lhes possibilitam chegar à transcendência e ao
significado da aprendizagem. Ao mesmo tempo, é importante que o indivíduo entenda
também a necessidade de controlar suas emoções perante as diversas situações que enfrenta
no dia a dia.
Compartilhar comportamentos
Segundo Beyer (1996) compartilhar comportamentos, refere-se principalmente à
interação professor-aluno e aluno-aluno. A mediação proposta por Feuerstein estimula o
relacionamento e a socialização das crianças, possibilitando a oportunidade de criarem
experiências comuns, ao mesmo tempo em que constroem conhecimento, uma vez que
estabelecem relações entre sujeito e objeto de conhecimento.
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Planificação e sistematização de objetivos
Para Beyer (1996), essa conduta a ser cultivada nos alunos solicita, tanto quanto as
demais, os processos superiores do pensamento, que vão além das respostas imediatas. A
EAM (Experiência de Aprendizagem Mediada) é uma das alternativas para se levar os
indivíduos a direcionarem sua atenção na busca da efetivação de suas metas futuras, a curto e
a longo prazo. É papel do mediador estimular os educandos a estabelecer metas individuais e
a se empenhar em alcançá-las incentivando com isso a perseverança, paciência e empenho na
consecução de seus objetivos. Favorecer a formação de hábitos de estudo e auxiliar na
discriminação e diferenciação de metas reais e fictícias pode ser outra contribuição da
mediação, no sentido de levar à busca da planificação e sucesso dos objetivos estabelecidos,
exigindo processos e mecanismos de auto-regulação e auto correção da conduta.
Procura do novo e da complexidade
Segundo Beyer (1996) é muito importante que o professor conduza o educando a
buscar o que há de diferente na tarefa em relação às anteriores. A novidade muitas vezes pode
implicar num maior grau de complexidade. Nesse sentido, esse tipo de atividade estimula acuriosidade intelectual, a originalidade, a criatividade e o pensamento divergente. Cria-se a
necessidade de planejar suas próprias atividades e experiências e de submetê-las à discussão
com seus companheiros. O autor afirma que a novidade é algo que deve ser aprendido e a
complexidade é algo com que devemos aprender a lidar.
Conhecimento da modificabilidade e da mudança
Para Feuerstein (1980), através da auto-avaliação é possível auxiliar o aluno na
percepção de que é capaz de produzir e processar informações e tomar conhecimento de seu
potencial e de suas dificuldades, passando a ter consciência do que deve ser modificado. A
partir daí, a organização de seus processos cognitivos desencadeando mecanismos de
interiorização, autocontrole e regulação passarão a ser exercida por ele mesmo. Da Ros (1997)
aponta a eficácia da proposição de situações que levem a criança a identificar diferentes
possibilidades para resolver a mesma tarefa. A tarefa torna-se interessante e a criança ficamais motivada quando nas situações de aprendizagem conta com o auxílio de outro para
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descobrir pistas para a resolução do problema. O educando, dessa forma, além de controlar
sua impulsividade aprende a trabalhar com a organização e sistematização, assim como a
estabelecer relações não lineares com o objeto de conhecimento. Para Feuerstein, o ser
humano deve ser compreendido como um complexo dialético que, em função da plasticidade
funcional de sua capacidade mental e do processo de interação como outro, está em constante
busca do desenvolvimento das funções cognitivas.
Neste capítulo, inspirados nos princípios do materialismo histórico-dialético e
buscando atender às necessidades da opção metodológica, procuramos a historicidade dos
fenômenos, a interação bem como a transformação das idéias, assim como percorremos a
trajetória pessoal de Feuerstein, situando-o histórica e geograficamente. Explicitamos, ainda,os contextos social e político em que viveu e construiu a sua obra, apresentando também seus
fundamentos teórico-metodológicos, sua inspiração filosófica, assim como a mediação, o
entendimento de experiência de aprendizagem mediada, os pressupostos do PEI (Programa de
Enriquecimento Instrumental), a avaliação dinâmica do potencial (LPAD), o conceito de
mediador e os critérios estabelecidos por Feuerstein como sendo imprescindíveis na ação
mediadora. Vale ressaltar que os dados foram coletados procurando revelar o
desenvolvimento e o movimento do conceito de mediação e sua extensão, bem como procurando apreender as conexões internas da mediação na obra de Feuerstein e de seus
estudiosos.
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CAPÍTULO 4 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
“Estabelecer ligações entre novo e conhecido, umateia viva, nenhum conceito é para sempre.
Os fios que constroem um conceito num momento, nãoé o mesmo no outro, está sempre em evolução.”
Nilson José Machado
De acordo com Machado (2002), o processo de produção de conhecimento se dá a
partir de um movimento de verticalidade e profundidade dos elementos que constituem o
conhecimento. Assim, as etapas que precedem o ‘status’ de conhecimento propriamente dito
são: os dados e as informações. Esta noção torna-se importante por retratar a importância do
aspecto dinâmico que caracteriza a construção de conhecimento. O dado isolado e
fragmentado não adquire funcionalidade na construção de conhecimento, mas a partir da
intenção de associá-lo a outros dados, contextos e conceitos, os dados têm o seu mérito
reconhecido e a partir disso convertem-se em informações que, articuladas a outros contextos
e conceitos mais amplos, convertem-se em conhecimento.
Nesta parte do estudo, apresentaremos os dados obtidos e a sua conversão eminformações para o andamento e continuidade do presente trabalho. Importante ressaltar que
os parâmetros que nortearão tal conversão são os advindos da concepção de Lefèbvre (1975),
ou seja, a perspectiva dialética da abordagem do conhecimento, fazendo jus à dimensão
conceitual desta pesquisa, e as categorias de Gamboa (1987), que permitem abordar e
organizar os dados e as informações em categorias que procuram revelar a essência do objeto.
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4.1. DADOS OBTIDOS
Apresentamos abaixo os dados obtidos que na seqüência serão analisados. As
temáticas elencadas foram enumeradas a partir das referências teórico-metodológicas de
Lefèbvre e Gamboa, conforme já explicitamos.
De acordo com Gamboa as categorias para análise das produções estão dispostas em
cinco grupos, a saber: contexto histórico, filiação metodológica e filosófica, pressupostosontológicos, pressupostos lógico gnoseológicos e concepção teórica. Assim, em cada grupo
ressaltamos os elementos que organizarão os dados obtidos.
4.1.1. Contexto histórico
A- Vida e Família
Vygotsky
Nascimento
• Nasceu em 5 de novembro de 1896 na
cidade de Orsha (Bielo Rússia na época),
mudou-se para Gomel, reduto judaico. O
segundo de 8 filhos.
Pai
• Seu pai – chefe de departamento do Banco
Central de Gomel e representante de
Companhia de Seguros. Homem sério e
Feuerstein
• Nasceu em 21 de agosto de 1921 nacidade de Bucareste (Romênia), mudou-
se para Israel em 1944, terra judaica. O
quinto de 8 filhos.
• Seu pai – erudito em estudos judaicos,
chefe de culto e rabino. Avô paterno,religioso, músico e pintor. Avô materno,
escriba de er aminhos do Torá.
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inteligente, mas irônico. Influenciou a
abertura da Biblioteca Pública.
Mãe
• Sua mãe – muito culta (como o pai),
preocupada com a cultura e com a leitura.
Falava vários idiomas, apaixonada por
poesia, dedicada a ler e ao lar.
Ambiente familiar
• Cresceu num ambiente intelectualizado.Com a mãe aprendeu alemão e o gosto
pela poesia. Influência do primo e da irmã.
Conhecia latim, grego e lia hebraico,
francês e inglês.
Escolaridade
• Na Rússia Czarista, o anti-semitismo
negava aos judeus o acesso às escolas. A
solução era a contratação de um tutor pela
família. Os tutores lidavam somente com
alunos tidos como bem dotados e
escriba de pergaminhos do Torá.
• Sua mãe – com sua mãe e seus irmãos,
partilhava o que aprendiam e liam na
semana, reconstruindo experiências.
• Cresceu neste ambiente familiar de
cultura partilhada e mediada pela mãe
nas conversas ao redor da mesa da
cozinha. Aprendeu francês, inglês e
alemão.
•
Leituras de textos sacros e livros de preces com comentários e legendas por
influência do clima social onde nasceu.
• Uma de suas irmãs tornou-se líder
comunista e um de seus irmãos tornou-se
um grande didata. Escreveu com seu
outro irmão um livro, cuja prática se
compara à mediação ao nível bíblico.Feuerstein se diz fruto e produto de uma
realidade, pensamento e modalidade de
relacionar-se com a cultura.
• Teve oportunidade de freqüentar escola,
onde era chamado a ajudar os colegas
com dificuldades para ler e compreender
a língua escrita.
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formados, com possibilidades de
desenvolver seus potenciais.
• Em 1913, estudou por 2 anos num colégio
judeu privado, em Gomel, fez bacharelado
e graduou-se com medalha de ouro, mas
isso não o poupou do preconceito anti-
semita e ao acesso à universidade.
Primeiras experiências
• Aos 15 anos discutia a questão das
minorias étnicas e de nacionalidade com os
companheiros. Teve tutores e foi tutor.
Graduação
• Vygotsky estudou medicina por
influência dos pais, entrando por sorteio
na Universidade de Moscou. Após
estudar por apenas um mês transferiu-se
para o curso de direito. Médicos e
advogados eram as únicas profissões
permitidas aos judeus nos governos
czaristas.
• Paralelamente ao curso de direito,
estudou filosofia e história, cursos livres e
sem diploma, devido à não autorização e
reconhecimento da Universidade Popular
de Shanyavskii.
• Em 1917 Vygotsky graduou-se em
Direito.
Interesses
• Com 3 anos de idade começou a ler, aos
7 ensina um jovem de 15 anos a ler e aos
9 anos ensinou um homem de 60 anos a
ler a Bíblia. Foi tutor.
•
Estudou Psicologia e Pedagogia emBucareste e em 1952, em Genebra, tendo
trabalhado com Piaget e Rey.
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• Palestrava sobre História dos Judeus e,
por isso, estudou Filosofia e História.
• Sempre se interessou por teatro,
literatura, línguas, lingüística e filosofia,
além de história e, por fim, psicologia.
• Interessou-se por modelos de mediação
estimulado pelas experiências que teve
em sua família com irmãos e a mãe, que
cuidava de crianças órfãs.
Saúde
• A partir de 1920 começou a ter
problemas de saúde: tuberculose, que
durante os próximos 14 anos o obrigaram
a tratamentos, internações e repouso,
colocando em risco sua vida.
Casamento
• Em 1924 casou-se com Rosa Smekhova,
com ela teve 2 filhos. Rosa foi uma
presença importante e apoio na
dificuldade.
Publicações
• De 1924 a 1934 foram anos de produção
intensa, onde se envolveu em inúmeros
projetos e atingiu quase 200 publicações.
• O interesse por Literatura e Arte
provocou a fundação da revista Veresk.
Produziu sua obra “Psicologia da Arte”,
em 1925, a partir de outro trabalho
anterior, “A tragédia de Hamlet”, de
1916.
• Teve tuberculose em 1949 e por 7 meses
fez tratamentos na Suíça.
• Está casado com Berta Guggenheim, tem
4 filhos e todos residem em Jerusalém.
• Em dezembro de 1988 teve um neto com
síndrome de Down e ensinou-o.
• Em toda sua trajetória Feuerstein já
publicou uma série de livros, mais de 80
artigos em revistas e capítulos de livros e
monografias.
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Repercussões de suas obras
• Nas últimas décadas as obras de
Vygotsky influenciaram o processo pedagógico de muitas escolas no Brasil e
no mundo.
• O Ocidente passou a conhecer Vygotsky a
partir das traduções para as línguas
inglesa e espanhola, sobretudo nos anos
60 do século XX.
• A vertente européia da abordagem
vygotskiana nos processos educativos é
identificada em trabalhos como os do
Departamento de Didática da Língua da
Universidade de Genebra (Suíça),
destacando-se, entre outras, as pesquisas
de Schenewly e Dolsz. Na Espanha,
César Coll, Miguel Zaballa, Juan Ignácio
Pozo, Sacristán e Isabel Sollé são bons
exemplos dessa abordagem.
• No Brasil alguns pesquisadores de
fundamentação vygotskiana merecem
destaque, a saber: Tereza Cristina Rego;
Claudia Davis; Marta Kohl Oliveira;
Izilda Palangana; Angel Pino; Góes;
Smolka; Roxane Rojo; Molon; entre
outros. Os objetos de estudo desses
pesquisadores orbitam em questões
referentes à linguagem, ao papel do
professor, à constituição da identidade e
da subjetividade.
• Grandes empresas e muitos países já
adotaram seus cursos e programas para
aumentar a produção ou a aprendizagem
e o desenvolvimento.
• O PEI impulsionou alguns estudiosos
em Psicopedagogia a se debruçarem
sobre as questões referentes ao papel
mediador (bem como à qualidade damediação) do professor.
• Nesta perspectiva, citamos Hugo Otto
Beyer (Alemanha), Victor da Fonseca
(Portugal), Cristiano Gomes (Brasil),
além de inúmeros trabalhos acadêmicos
acerca de Feuerstein, como, porexemplo, Goulart (Brasil).
• Recentemente o pensamento de
Feuerstein passou a se tornar mais
conhecido por educadores brasileiros,
contribuindo em certa medida com o
processo pedagógico de muitas escolas
em várias partes do Brasil.
• Um exemplo disso é o fato da Bahia ter
adotado o programa de Feuerstein em
suas mais de 500 escolas, que em 3 anos
terá sido ensinado a mais de 600 mil
alunos (não deficientes).
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Morte
•
Em 2/6/1934 foi internado comhemorragia, vindo a falecer dia 11/6/1934
com 38 anos de idade. Foi enterrado em
Moscou.
alunos (não deficientes).
B - O Percurso Profissional
Vygotsky
Docência
• Por 7 anos trabalhou como professor de
Literatura e Psicologia na Escola de
Magistério, com seu ex-tutor David
Vigodsky.
• Ministrou várias conferências que em
1926 resultaram no livro “Psicologia e
Pedagogia”.
• Em 1918 realizou conferências de
Literatura e Ciências, além de cursos de
Estética e História da Arte num
conservatório.
• De 1925 a 1934 foi professor em Moscou
e Leningrado. Também liderou um grupo
de jovens cientistas cujo objetivo das
pesquisas em diferentes áreas da
psicologia orientadas para análisehistórico-crítico na Rússia e no mundo,
Feuerstein
• Desde 1970 é professor na Escola de
Educação em Israel e nos EUA.
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propondo um novo modelo para explicar
os processos psicológicos humanos.
Estudos e Pesquisas
• O interesse por Psicologia levou-o a
aproximar-se da pedagogia e seu aporte,
bem como pelo seu lado teórico e
ideológico.
• Realizou em Gomel os primeiros
trabalhos de Pedagogia e Didática, com publicações de artigos, comentários e
observações de caráter pedagógico.
Trabalho institucional
• Fundou o Laboratório de Psicologia da
Escola de Magistério de Gomel.
• Em 1924, por convite de Alexandre Luria
do Instituto de Psicologia de Moscou,
passou a atuar junto ao Instituto fundado
por Luria.
• Nesta época dirigiu o departamento de
educação especial para deficientes físicos
e mentais e passou a ministrar cursos na
Academia de Educação Comunista da
Universidade Estadual de Moscou.
Influências
• Os ideais da Revolução Russa de 1917
influenciaram Vygotsky bem como a
população e as ciências provocando
• Em 1970 concluiu a tese de doutorado na
Universidade de Sorboune / Paris em
Psicologia do Desenvolvimento sobre as
diferenças do funcionamento cognitivo
nos diferentes grupos sociais e étnicos,
sua natureza, etiologia e prognósticos de
modificabilidade.
• Desenvolve o LPAD e o PEI.
• Em 1965 tornou-se diretor do Hadassah-
Wiso-Canada Research Institute. Hoje é
diretor do Internacional Center for the
Enchancement of Learning Potencial,fundado em 1993.
• Do final dos anos 40 até 1983, quando se
aposentou, dirigiu o Serviço Psicológico
do Departamento de Youth Aliyás,
instituição dedicada acolher e integrar
crianças judias que chegam a Israel,
especialmente no pós-guerra e doholocausto.
• Ausubel, Aebli, Anastasy, Campbell,
Luria e Vygotsky constam da bibliografia
de sua tese que tem caráter sociológico e pedagógico.
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população e as ciências provocando
mudanças significativas.
• Suas idéias foram influenciadas, pelas
leituras de poetas, escritores e filósofos,
entre eles Espinosa, James, Freud, Marx,
Engels, Hegel e Pavlov.
Início da autoria
• Foi com a experiência com educação
especial que Vygotsky passou a seinteressar sistematicamente pela
psicologia.
• A partir da experiência no Serviço
Psicológico do Departamento de Youth
Aliyás, atuando com os marroquinosanalfabetos, que nos anos 50 emigraram
para Israel, que Feuerstein começou a dar
forma à sua proposta educacional de
EAM, PEI e LPAD.
C – Contextualização espaço-temporal e aspectos sociais
Vygotsky
Guerra
• Viveu o tempo da I Guerra Mundial, pós-guerra e da Revolução Russa. Um
período de transformações sociais,
culturais e políticas na história da
humanidade.
Organização sócio-política
• Antes da Revolução, o cenário da Rússia
Feuerstein
• Viveu o tempo do chamado período deEntre Guerras, a II Guerra Mundial e o
pós-guerra. Um período que trazia em seu
conjunto a dimensão de um mundo em
plena guerra e suas barbáries, como o
Holocausto, por exemplo.
• Em 1947, a ONU, organismo
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Política e Poder
• Constituição dos sovietes: classe social
representada pelos setores excluídos do poder político – militares, trabalhadores
rurais e urbanos.
• Operários, camponeses e militares
criaram os bolcheviques (minoria) que
em outubro de 1917, em luta com os
mencheviques (maioria) na disputa pelo
poder, vencem e assumem o governo.
• Criou-se então o URSS, a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, sob a
liderança de Lênin até 1922 e depois do
ditador Josef Stalin.
• Com Stalin houve a centralização do
poder em torno do Estado e a perda das
garantias e liberdades individuais, um
período de terror ao povo soviético. Foi
uma época de censura, expulsões,
condenações, proibições e mortes.
Ideologia oficial
• A Revolução Russa significou a chegada
ao poder, em 1917, das idéias de KarlMarx e de Friedrich Engels.
• O representante oficial que legitimava a
realização da ideologia era o Partido
Comunista, representante legítimo da
“Ditadura do Proletariado”, a que se
referiram Marx e Engels.
• O principal destaque político de Israel
refere-se à constituição do Estado
Nacional e a instalação do sistema
parlamentarista (em que há um primeiro-
ministro como representante do povo).
• Essa condição deflagrou sucessivos
confrontos seja de natureza étnico-
religiosa (árabes e palestinos), seja de
natureza territorial (Líbano, Jordânia,
Cisjordânia).
• Pelo fato de ter um território, o povo se
fortaleceu em Israel e as tradições tinhamagora um lugar legítimo para
manifestarem-se, ou seja, passaram a
configurar uma nação com território
(Estado-Nação), mesmo enfrentando
dificuldades de convivência.
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Ciências e Vygotsky nesta conjuntura
• As obras de Vygotsky foram proibidas
por darem importância social àconstituição do indivíduo, dando força e
poder à coletividade.
• Foi nesse contexto, em que a ciência
passou a ser instrumento a serviço dos
ideais revolucionários, que Vygotsky se
empenhou em construir uma Psicologia
que estivesse sintonizada com os ideais
do poder e atenta aos problemas sociais e
econômicos do povo soviético.
Ciências e Feuerstein nesta conjuntura
• Para as populações em Israel exigia-se
uma transformação na maneira de ver omundo, exigia uma aprendizagem que
contemplasse a aceitação do outro para
uma coexistência e sociedade pacífica.
• Etíopes que antes viviam pobres e em
situações primitivas de vida, ao
imigrarem para Israel logo se
organizavam no novo modo de vida
apropriando-se de questões culturais mais
complexas. Isso intrigava Feuerstein.
• Nesse contexto, Feuerstein buscou
resposta a questionamentos em relação à
aprendizagem e como ocorriam os
diferentes processos de transformação do
conhecimento sob as circunstâncias de
privação cultural dos sujeitos envolvidos
em seu trabalho.
4.1.2 Filiação metodológica e filosófica – a partir da leitura das obras de
Vygotsky e Feuerstein
A - Base Teórico-Metodológica
Vygotsky
Objeto de Estudo• Realizou estudos sobre as concepções
Feuerstein
• Estudou a possibilidade de
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teórico-metotológica da época que a
psicologia possuía como meio de explicar
os fenômenos.
• Estudou como se constituem as funções
psicológicas superiores.
Objetivos
• Buscava a sistematização de uma nova
abordagem do processo de
desenvolvimento que desse conta das
funções cognitivas complexas do sujeito
contextualizado e histórico.
•
Estudar o comportamento historicamente para investigar sua dinâmica de
transformação.
• O método analítico experimental era o
que norteava seu trabalho de estudos
sobre a influência da natureza sobre o
homem e da ação deste sobre ela, criando
novas condições de existência pelamudança.
Concepção de cérebro
• Concebeu o cérebro como órgão
civilizacional que possibilita um processo
de mudança estrutural (bioquímico e
modificabilidade do ser humano, partindo
de uma concepção calcada na fé.
• Estudou as defasagens das crianças
imigradas após a guerra.
• Estudou possíveis instrumentos para
avaliação e intervenção (LPAD e PEI).
• Estudou a formação do mediador que
aplicaria esses instrumentos.
• Buscava estudar a mediação do ser
humano e as interações com os estímulos
para favorecer-se delas.
• Propõe a modificabilidade pelas
interações mediadoras do
desenvolvimento humano, opondo-se aosque atribuíam deficiências e fracassos
escolares às condições de classes sociais e
minorias étnicas.
• Propõe que o processo de mudança
estrutural, provocado pela mediatização
cultural, opera o fenômeno
transgeracional onde atuam omediatizador e o mediatizado.
• Feuerstein não coloca o cérebro como
órgão estático ou produto final que não se
pode mudar, mas o cérebro como órgão
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neuro-funcional) provocado pela
mediação cultural onde se opera um
fenômeno transgeracional em que
participam dois sujeitos que interatuam
intencionalmente: o mediador e o
mediado.
Concepção de interação
• Interação significa ação partilhada e
conjunta que pressupõe a presença
imediata do outro, embora isso não dê
conta das relações constitutivas do sujeito,
uma vez que as relações sociais são
múltiplas e contraditórias.
• A interação é a ação de um e a ação de
outro, sujeito-sujeito, sujeito-objeto, mas o
ser humano não acontece somente na
ação em resposta à outra ação, não existe
só ação direta de um sobre o outro. Arelação do sujeito com o outro sujeito é
mediada por um terceiro elemento que é o
elemento semiótico.
• A linguagem destaca-se como uma
referência essencial, pois é entendida porVygotsky como um elemento central no
civilizacional onde se operam as funções
cognitivas de input (recepção-
capacitação); de integração–elaboração
(processamento, retenção e planificação) e
de output (expressão e regulação). Um
órgão dinâmico e produtor de
modificabilidade.
• O processo interativo em que as reações
naturais, herdadas biologicamente,
entrelaçam-se aos processos culturais
organizados, efetivando-se em modos de
pensar e agir caracteristicamente
humanos, uma vez que o ser humano nãonasce num mundo natural e sim num
mundo humano.
• A interação dos homens com a realidade
física e social deve ser mediada pela ação
humana. A interação é, então, processo. A
criança inicia a sua vida num mundo
cercada por objetos e fenômenos criados pelos homens em suas diversas gerações
e, na medida em que se relaciona
socialmente e participa das atividades
culturais, vai se apropriando e dando
novos significados a estes elementos.
• A intervenção do mediatizador modifica
estruturalmente o mediatizado pelo efeitode condições de atenção, percepção,
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desenvolvimento do pensamento e
também na evolução histórica da
consciência como um todo.
• A concepção de organismo para
Vygotsky assenta-se na idéia da contínua
interação entre as condições sociais
mutáveis e a base biológica do
comportamento humano. A maturação
determina as estruturas orgânicas, das
quais formam-se novas e complexas
funções mentais, favorecendo o
desenvolvimento. Os fatores biológicos
sobressaem no início da vida. As
experiências sociais a que as crianças se
acham expostas, orientadas pelas
interações com outras pessoas mais
experientes, vão determinando o
desenvolvimento do pensamento e docomportamento da criança.
Instrumentos de mediação
• Na infância, o uso de instrumentos e afala humana são linguagens culturais de
desenvolvimento do comportamento
humano.
• Os instrumentos são entendidos como
elementos externos ao indivíduo cuja
função é provocar mudanças nos objetos e
controlar processos da natureza.• São instrumentos de mediação tanto os
focagem e seleção.
• Os estímulos do mundo exterior sofrem a
intervenção ou interferência humana,
transformando-os, adaptando-os ou
filtrando-os, que é a mediação.
• A linguagem se constitui como recurso
de estimulação e de investigação do
desenvolvimento cognitivo.
• A própria mãe, desde o início da vida,
age como mediatizadora em sua relação
com a criança. A mãe intervém
modificando as relações entre o estímuloe a criança, afetando a sensibilidade do
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elementos da cultura material quanto da
não-material, carregados de sentido e
significado e, por isso, medeiam a relação
do homem com o mundo pelo próprio
mundo do homem.
• Os signos, denominados por Vygotsky de
“instrumentos psicológicos”, são
orientados para o próprio sujeito,
dirigidos para o controle das suas ações
psicológicas, seja do próprio indivíduo,
seja de outras pessoas.
Método
• Desejava estruturar o método a partir da
abordagem dialético-materialista para a
compreensão do comportamento e
desenvolvimento histórico geral do ser
humano. A proposta metodológica ou
“método funcional da dupla estimulação”
possui o processo e o produto como
variáveis fundamentais.
filho, desenvolvendo nele disposições
para atender de forma mais humanizadora
aos estímulos a que está exposto. Ao
longo da vida, outras pessoas podem
assumir esta condição, desde que tenha a
intenção e esteja atenta aos critérios que
cabem ao papel de mediador, segundo
Feuerstein.
• O PEI, como elemento portador e
constituinte de linguagem, expressa um
recorte da realidade e configura uma
realidade paralela, simulando a realidade
objetiva.
• Apesar de seguidor e colaborador de
Piaget, afastou-se dele e de seus
fundamentos e buscou sistematizar sua
teoria de modificação inserindo o
mediador entre o sujeito e o objeto de
conhecimento.
• Ao método estímulo-organismo-resposta,
em que o organismo é exposto
diretamente aos estímulos, chamou de
experiência da aprendizagem direta; e
quando exposto às interações mediadas
de desenvolvimento, chamou de
experiência de aprendizagem mediada.
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• Vygotsky baseia-se em 3 princípios para
postular e defender o método analítico
experimental:
Distinção entre análise de um
processo e a análise de um objeto. O
método experimental baseado na
história do desenvolvimento das
funções psicológicas e da consciência
humana.
Refere-se à questão da explicação
versus descrição, onde estudar um
problema é revelar sua gênese,
desvelando a dinâmica entre estímulos
ou fatores que causam o fenômeno.
Trata do problema do comportamento
fossilizado, ou seja, combate as formas
de comportamento mecânicas,
transformando-as.
Bases
• Baseado em Marx e Engels, afirma que
as mudanças históricas e materiais nasociedade modificam a natureza humana.
• Do pensamento marxista, Vygotsky
utiliza a concepção da realidade pelo
materialismo histórico e dialético,
relacionando-a com o desenvolvimento
das funções psicológicas.
• Realiza suas pesquisas a partir da imersão
na realidade das crianças com defasagens;
criação de instrumentos de avaliação e
intervenção e de um programa de
formação de mediadores; retorno à
imersão na realidade, para pesquisar a
aplicabilidade de suas criações.
• Baseado em Piaget, que afirmava ser a
interação do organismo com o estímuloque proporcionava o desenvolvimento.
• Do pensamento piagetiano, Feuerstein
utiliza a concepção do interacionismo
entre o estímulo, o organismo e a
resposta, porém mediado pela experiência
de um ser humano.
• Base na tradição judaica em que religião,
ciência e lei estão integrados pelo Torá e
Talmude.
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Talmude.
• Baseia-se na crença de que o ser humano
é um ser modificável, sem a qual
ninguém poderia ser um mediador
cultural e seria impossível compreender
sua teoria, a avaliação e a intervenção na
modificabilidade cognitiva estrutural.
B - Base Filosófica
Vygotsky
Influências• Teve influência de Marx e Engels, bem
como Hegel e Feuerbach, no método do
materialismo histórico e dialético.
• Hegel: o pensamento e a idéia criam a
realidade. O homem como centro do
pensamento e do real.
Feuerstein
• Feuerstein não cita em seus trabalhos
filósofos que possam constituir-se em
fundamentação para a sua obra. Assim,
buscamos os filósofos que influenciaram
Piaget, uma vez que Feuerstein afirma ter
se inspirado nele, a saber: Kant, Husserl,
Bergson e o estruturalismo. Buscamostambém a tradição judaica, inferindo forte
influência da religião, suspeita
confirmada, por e-mail, pelo próprio
Feuerstein.
• Kant: o processo de conhecimento
implica a existência de um objeto a ser
conhecido que suscita a ação do pensamento humano e a participação de
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144
• Para Marx a consciência humana é o
produto do cérebro humano, da matéria, e
o espírito é o reflexo das condições
materiais que o produzem, criticando a
concepção de Feuerbach.
• Feuerbach afirma que o homem criou
Deus, é um antropomorfismo, onde o
homem se despersonaliza e projeta sua
imagem e atribui poderes a entidades fora
de si e criadas por ele.
• Do materialismo de Feuerbach, Marx
retifica Hegel, substituindo o idealismo pelo realismo materialista.
• Marx faz a passagem da dialética da
abstração à dialética da realidade. É a
superação do materialismo mecânico de
um sujeito ativo capaz de pensar, de
estabelecer relações entre os conteúdos
captados pelas impressões sensíveis, a
partir das suas próprias condições para
conhecer, ou seja, a partir da razão. Na
perspectiva kantiana, o processo de
conhecimento tem início na experiência.
• Kant identifica e propõe a conjugação de
duas formas para se conhecer o real: a
empírica proveniente da experiência
prática, e a intuição lógica, pensada pela
razão pura.
• Para Kant os juízos intuídos
empiricamente e acrescidos de conceitos
particulares, a priori, que se originam no
entendimento puro, transformam-se em
experiência, passando a ter validade
objetiva, isto é, reconhecimento
universal.
• Para Kant, a razão não se refere
imediatamente à experiência, mas sim aoentendimento dessa experiência, dando
aos múltiplos conhecimentos unidade a
priori.
• Husserl: colocar-se, de uma vez, em
presença do fenômeno, isto é, das “coisasmesmas”, opondo-se a qualquer análise
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Feuerbach, com a proposta de um
materialismo histórico-dialético.
• Tanto Vygotsky quanto Marx
reconhecem a importância da consciência
no planejamento, atuação e transformação
humana e social pelo trabalho. Toda ação
é uma ação intencional.
• Para Marx: o homem é natureza, é criado
por ela, é parte dela, submetido às suas
leis, depende dela mas não se confunde
com ela. É nesse processo interativo que
o homem se faz homem. Marx naturaliza
o homem e humaniza a natureza,
diferenciando-os.
• O processo de transformação das
necessidades está subordinado às
condições do momento histórico.
• Para Marx, o desenvolvimento das
faculdades humanas está relacionado ao
histórico evolutivo das necessidades e
interesses culturais, satisfeitos pela
atividade prática, como é o caso do
trabalho.
• Vygotksy: o desenvolvimento do
que tome como ponto de partida o
dualismo entre sujeito e objeto.
• Para Husserl a relação entre o sujeito e
objeto, entre o pensamento e o ser, se
estabelece pela intencionalidade, sendo,
portanto, uma ligação indissociável da
qual todo pesquisador deve partir quando
pretende atingir o real.
• Para Husserl: o fenômeno (a realidade) só
se constitui como tal na consciência, pois
é ela que lhe atribui significado. Em
outras palavras, o mundo se apresenta à
consciência e esta, por sua vez, lhe dá
sentido.
• Husserl: as operações cognitivas
estruturadas permitem conhecer as
propriedades constitutivas do sujeito,
portanto a essência do ser estruturado.
• Para Bergson, a experiência interna, uma
vez desvencilhada dos conceitos e
construções por meio dos quais se
exprime, mostra-se em sua autenticidade
como aquilo que verdadeiramente é, ou
seja, como pura realidade.
• Bergson: para se vencer as limitações do
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pensamento é mediado pela linguagem,
que é a consciência real prática, pois
graças à linguagem a consciência de cada
um não se limita à experiência pessoal,
mas assimila a experiência humana
construída e disponível socialmente.
• Vygotsky busca subsídios na dialética
materialista para seu método e teoria do
desenvolvimento das funções superiores
do comportamento humano.
• Vygotsky: apoiado na idéia de Marx de
que o que diferencia um arquiteto de uma
abelha, aranha ou formiga é que o homem
arquitetou primeiro a obra na cabeça;
fundamentou nisso a sua teoria.
• Como para Marx, os instrumentos de
trabalho são concebidos, por Vygostky,
como mediadores pelos quais o homem
interage com a realidade para a
sobrevivência. Vygotsky postula que ossignos desempenham a mesma função no
desenvolvimento do pensamento.
• Homem produto do meio e também
sujeito ativo num movimento que cria
esse meio.
simbolismo e atingir a intimidade do real
concreto, é necessário se utilizar uma
forma de abordagem que conjugue a
intimidade do sujeito – o “eu” profundo –
com a intimidade do objeto concreto e
singular.
• Bergson identifica conhecimento
científico com inteligência e
conhecimento filosófico com intuição,
acreditando que este último compreende e
supera o primeiro.
• Para Bergson é através da intuição que o
homem conhece a realidade. A ação (do
sujeito consciente) consiste na condição
primeira para se conhecer.
• Para Bergson o “eu” profundo, que
consegue captar a essência do objeto, não
é um a priori transcendental, configurado
de uma forma única, pronta e acabada
desde o início. O “eu” metafísico, refere-se exclusivamente à consciência do
sujeito.
• Bergson: a consciência imediata (aquela
que o sujeito tem ao agir sobre o
ambiente) não é a mesma para todos os
objetos ou fenômenos. Cada fenômeno
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• Marx: a realidade traz em si a
contradição, pois cada afirmação tem
inerente a negação. O mundo é o choque
destes antagonismos e contrários. A teoria
materialista traz uma concepção de
natureza e da relação do homem com ela.
Homem e natureza são dois pólos de uma
totalidade.
suscita uma percepção e uma construção
particular. Logo, o “eu” profundo – ou
consciência intuitiva – caracteriza-se por
um processo indefinido de reconstruções.
• Estruturalismo: uma estrutura consiste
em um conjunto de elementos
relacionados, onde toda a modificação
ocorrida num elemento ou relação
modifica os outros elementos ou relações.
• A análise estruturalista privilegia o
aspecto relacional, ou seja, as relações
entre os elementos que compõe a
estrutura. A intenção é ultrapassar a
percepção sensível e chegar a uma
episteme de fundo real. Uma estrutura
compreende os caracteres de totalidade,
de transformação e de auto-regulação.
• O pensamento de Feuerstein está
intimamente relacionado ao princípio
cultural em que está inscrito: a religião
judaica. A configuração do pensamento
de Feuerstein está vinculada à dimensão
religiosa da explicação do mundo.
• Talmude: leis orais; a oralidade como
elemento de mediação entre o homem e
Deus; essência; abertura para a
criatividade, obra aberta em que cada
geração encontrará novos rumos.
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• Talmude e Torá: a lei liberta o homem da
gentialidade. A lei é fonte de libertação e
não de opressão.
• Filo de Alexandria: Pressupostos do
Pensamento Judaico: Deus existe; existe
um só Deus, Deus criou o mundo e o
mundo não é eterno; Deus criou o
universo e existe um só universo; Deus
zela pelo mundo.
• A religião consegue garantir os valores
mais elevados, as normas mais
incondicionais, as motivações mais
profundas e os ideais mais elevados. A
religião como experiência de
transcendência.
• A religião consegue, através de símbolos,
rituais, experiências e objetivos comuns,
criar uma pátria de confiança, de fé, de
esperança: uma comunidade e uma pátria
espiritual. A religião como experiência e
imagem e história.
• O judaísmo valoriza o indivíduo e afirma
a sua singularidade, revelando a dimensão
da religião radicada no indivíduo e
desenvolvida no grupo social.
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149
• Com base nos postulados acima citados,
Vygotsky propõe o conceito hipótese de
que as mediações constituem as funções
psicológicas superiores, que fazem com
que o homem se constitua como tal.
• O próprio movimento do homem em
busca da inteligência das coisas configura
um ato religioso em que a precariedade
animalesca se transcende na direção do
divino.
• Feuerstein crê no fato de que toda pessoa
está sujeita à possibilidade de
modificação, mediado por outro ser
humano, e está em constante processo de
aprendizagem, processo este voltado à
autonomia do sujeito.
4.1.3 – Pressupostos Ontológicos – a partir da leitura das obras de Vygotsky e
Feuerstein
A – Concepção de Homem
Vygotsky
• O ser humano como organismo ativo;
contínua interação entre as mutáveis
condições sociais e a base biológica do
comportamento humano. A partir das
estruturas orgânicas e elementares,
determinadas basicamente pelamaturação, formam-se novas e mais
Feuerstein
• O ser humano como um sistema aberto,
disponível e flexível à mudança durante
toda a sua vida, embora se reconheçam
períodos ótimos e críticos de
desenvolvimento. O sistema aberto
envolve um intercâmbio, recebe e emiteinformação externa e interna, daí a
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complexas funções mentais, dependendo
da natureza das experiências sociais a que
as crianças se acham expostas. Os fatores
biológicos preponderam sobre os sociais
apenas no início da vida. Aos poucos, o
desenvolvimento do pensamento e o
comportamento da criança passam a ser
orientados pelas interações que ela
estabelece com pessoas mais experientes.
• O ser humano é constituído no meio e
também cria esse meio.
• O homem interage com a realidade
objetiva por meio dos instrumentos de
trabalho e pelos signos que contribuem para o desenvolvimento do pensamento.
• Para Vygotsky as funções psicológicas
superiores constituem-se através da
mediação.
importância da qualidade dos inputs
(estímulos) e outputs (respostas), bem
como da significação das interações entre
o indivíduo e seu meio ambiente.
• Todo ser humano é modificável, um ser
em potencial capaz de adaptar-se diante
dos estímulos do mundo externo.
• O desenvolvimento se dá pelas
“experiências de aprendizagem mediada”
por um mediador.
• Para Feuerstein as funções cognitivas
podem ser modificadas com a mediação.
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B – Concepção de Sociedade
Vygotsky
• Conjunto de experiências coletivas que
formam a consciência do indivíduo na
interação entre ambos através da
linguagem, dos signos e das relações
sociais. • Ambiente social onde o homem se
desenvolve, transforma e aprende.
Feuerstein
• Meio que envolve o indivíduo e dá
significação às interações entre estímulos
e respostas como intercâmbio de
informações.
• Toda a sociedade é modificável e
também modificadora do sujeito.
C – Concepção de Mundo
Vygotsky
• Concepção dialética de mundo: inter-
relações entre homem, sociedade e
natureza.
• O mundo é uma construção humana,mediada pelas relações de trabalho.
Feuerstein
• Concepção religiosa de mundo: o sentido
da compreensão de mundo encontra-se
nos fundamentos religiosos e o
significado está em Deus.• Espaço para experiências culturais.
• Local que proporciona estímulos para o
organismo do indivíduo mediatizado.
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D – Concepção de História
Vygotsky
• Herança do pensamento marxista: história
é a força motriz da humanidade, é
movimento e ação, representada pelas
lutas de classes.
•
História é muito mais do que a concepçãode tempo como medida, é a apropriação
do tempo pelas relações sociais, é atributo
das relações sociais e de poder.
• A constituição do indivíduo bem como o
seu processo de desenvolvimento é
histórico.
Feuerstein
• A história é parte integrante da
aprendizagem num processo de
construção e reconstrução.
• A história constrói o ser humano pelamodificação das suas condições pela e na
cultura em que o ser humano está inscrito.
• Processo do desenvolvimento do
indivíduo é histórico, fator determinante
para a aquisição ou privação cultural.
4.1.4 – Pressupostos lógico-gnoseológicos – a partir da leitura das obras de
Vygotsky e Feuerstein
A – Concepção de Objeto: aprendizagem, desenvolvimento e instrumentos
Aprendizagem
Vygotsky
• Processo de aquisição de informações,
habilidades, atitudes e valores no contato
Feuerstein
• Processo de aquisição de informações
mediada por um mediador. É um
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com a realidade, com o meio ambiente e
com outras pessoas.
• Maturação e interação.
• Mediada por signos e outros instrumentos
e na interação com pessoas mais
experientes.
• A aprendizagem, como processo
evolutivo, portanto histórico. Vygotsky
dá relevância à história da vida pessoal. É
o tempo das experiências.
processo sócio-cultural coletivo e
histórico, e não individual.
• Experiência da Aprendizagem Mediada.
• Programa de Enriquecimento
Instrumental.
• Interação com o mediador.
Desenvolvimento
Vygotsky
• Dá-se na coletividade histórica.
• Está relacionado ao desenvolvimento das
funções psicológicas superiores.
Feuerstein
• Dá-se na coletividade histórica.
• Movimento de modificabilidade
proporcionado pelas interações
mediadoras do desenvolvimento humano.
Instrumentos
Vygotsky
• Linguagem como mediadora
• Elaborou instrumentos visando observar
a formação de conceitos em crianças.
• Signos: considerados instrumentos
psicológicos.
Feuerstein
• Mediador humano.
• PEI – Programa de Enriquecimento
Instrumental e LPAD – Avaliação
Dinâmica do Potencial de Aprendizagem.
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4.1.5 - Concepção teórica – a partir da leitura das obras de Vygotsky e
Feuerstein
Vygotsky
• Influência de Hegel, Marx e Engels;
materialismo histórico e dialético.
Feuerstein
• Influência da teoria de Piaget e da
religião judaica (Torá e Talmude)
• Método que possibilitasse a compreensãoda natureza do comportamento humano
como parte do desenvolvimento histórico
geral da espécie (filogênese).
• Subsídios na abordagem dialético-
materialista. A abordagem dialética
admitindo a influência da natureza sobre
o homem, afirma que o homem, por sua
vez, age sobre a natureza e cria, através
das mudanças provocadas por ele na
natureza, novas condições naturais para
sua existência.
• Encontrar a estrutura da atividade
humana engendrada por condições
históricas concretas; depois, a partir dessa
estrutura, pôr em evidências as
particularidades psicológicas das
estruturas da consciência dos homens e os
processos psicológicos tipicamente
humanos.
• Olhar para o processo e não só para osresultados de testes.
• Subsídio na crença da modificabilidade
como uma profissão de fé.
• Preocupado em avaliar o potencial de
aprendizagem e modificabilidade no
desenvolvimento do ser humano e em
criar instrumentos de avaliação e intervir
neste potencial de modificabilidade.
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Teoria
Vygotsky
• Sócio-histórico interacionista.
• A historicidade das relações contribuindo
na constituição do sujeito (ontogênese). O
homem não é apenas um produto do
meio, ele também é um sujeito ativo num
movimento que cria esse meio. Ele está
constantemente transformando a natureza
e a si próprio.
• Estudo dos mecanismos psicológicos
mais sofisticados – as funções psíquicas
superiores – próprias da espécie humana:
o controle consciente do comportamento, a
atenção voluntária, o pensamento
abstrato, a capacidade de planejamento, a
memória lógica, a formação de conceitosetc.
• As funções psíquicas superiores têm uma
origem histórica e social; essas funções
devem ser abordadas a partir de uma
perspectiva genética, isto é, deve-se
recorrer às suas origens para compreendê-
las historicamente.
Feuerstein
• Interacionista.
• Modelo teórico que aceita as diferenças
individuais no desenvolvimento
cognitivo, dos superdotados aos
deficientes, o que em si coloca em jogo o
papel e a importância das interações
indivíduo-meio, interações essas que, por
seu lado, são responsáveis pelo
desenvolvimento diferencial do
funcionamento cognitivo e dos processos
mentais superiores.
• Pauta seus estudos a partir de cinco
proposições:
1º O ser humano é modificável.
2º O indivíduo a ser educado é
modificável.
3º O mediatizador deve sentir-se
competente e ativo para provocar a
modificabilidade.
4º Todo processo de desenvolvimento
exige do mediatizador um investimento
pessoal.
5º Toda a sociedade e toda a opinião
pública são modificáveis e podem sermodificadas.
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• O processo de formação das funções
psicológicas superiores, que caracteriza
os seres humanos, não pode ser visto
como um processo linear. Trata-se de um
movimento complexo de mútua
apropriação entre sujeito e cultura,
pautado nas operações com signos.
• O desenvolvimento psicológico deve ser
olhado de maneira prospectiva, ou seja, para além do que o sujeito já domina.
• A zona de desenvolvimento proximal
envolve dois níveis de desenvolvimento:
o nível real, correspondente ao que o ser
humano já se apropriou em termos de
conhecimento, e o nível potencial, que
diz respeito ao que ele ainda não domina,
necessitando para a efetivação dessa
apropriação da ajuda de um outro mais
experiente.
• A vida social cria a necessidade de
subordinar a conduta do indivíduo àsexigências sociais e, ao mesmo tempo,
• Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural (MCE). Modificabilidade deum indivíduo se define como a
capacidade de partir de um ponto do seu
desenvolvimento em um sentido mais ou
menos diferente daquele previsto até o
momento, de acordo com o seu
desenvolvimento mental. Modificação
não diz respeito a uma mudança queocorre como resultado de processos
circunstanciais e acidentais de
desenvolvimento e maturação, mas sim
de modificação estrutural de
funcionamento do indivíduo, produzindo
nele uma mudança no desenvolvimento
qualitativa e substancialmente diferenteda prevista pelos tradicionais contextos
genéticos, neurofisiológicos ou
educacionais.
• Síndrome de privação cultural – crianças
que não conseguiram beneficiar-se das
interações estabelecidas em sua própria
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forma complexos sistemas de sinalização
que permitem a formação de conexões no
cérebro de cada indivíduo.
Simultaneamente cria a possibilidade de
regular a conduta a partir de estímulos
externos.
• O ser humano introduz estímulos
artificiais, dá significado à sua conduta e
cria, com a ajuda dos signos, novas
conexões no cérebro e isto ocorre no
processo de interação entre os seres
humanos em sua luta pela sobrevivência
(princípio da significação).
• Os instrumentos de mediação
(ferramentas e signos) cumprem um papel
central na formação das funções psíquicas
superiores;
• A linguagem como sistema simbólico
básico de todos os grupos humanos,
fornece ao sujeito formas de perceber e
organizar o real; instrumento central de
mediação na interiorização dos processos
psíquicos.
• Aprendizado/ensino – unidade construída
na dinâmica da sociedade e da cultura e
permeada pela atividade simbólica que
exerce um papel primordial na
apropriação do real.
cultura em função de um rompimento do
processo no nível cultural e mediacional
de transmissão entre gerações no interior
de seu meio imediato.
• Privação cultural implica em falta de êxito
na transmissão ou na mediatização
cultural que um dado grupo realiza
quando transfere a sua cultura para as
novas gerações.
• O mediador e os instrumentos de
mediação cumprem papel de
organizadores dos estímulos que chegam
ao sujeito (EAM).
• Oralidade, diálogo que leva à reflexão.
Ênfase no questionamento; não em dar
respostas, mas em perguntas que
promovem a reflexão.
• Aprendizado/ensino – experiência
mediada por um mediador que seleciona e
organiza os estímulos a partir de critérios
estabelecidos: Intencionalidade,
Significado e Transcendência, entre
outros.
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sobrevivência, vale-se de ferramentas
mediadoras desse processo, a invenção e
o emprego de signos servem de meio
social de comunicação e interação e de
meios auxiliares para a solução de tarefas
psicológicas, tais como: memorizar,
comparar algo, etc.
• É só através das interações sociais, das
possibilidades de mediações, que a
criança se apropria do modo de ser
daqueles que a cercam, que ela ultrapassaas barreiras do biológico e se constitui
como ser social.
• O mediador é aquele que não se prende
ao nível de maturação manifestado pela
criança, antecipa-se ao desenvolvimento,
isto é, bom ensino é aquele que está
estímulo passe diretamente ao
organismo, mas que sirva como mediador
para o estímulo.
2º O mediador ensina à criança algo
sobre o estímulo, muda o estímulo nesse
processo, modifica o objeto no processo da
recepção do estímulo.
3º O mediador cria no sujeito certos
processos que afetam não só os estímulos
que foram mediados, mas também os que prejudicam significativamente a
capacidade do indivíduo para aproveitar
o estímulo.
• A necessidade da presença de uma
pessoa, mediador afetivo, dirigente,
conhecedor e competente para mediatizara interação. Mediação - elemento
fundamental que permeia aplicação dos
instrumentos elaborados por ele.
• Em interações típicas, como a de mãe e
filho, abundam situações de
aprendizagem mediada... O mediador
atribui significados específicos a eventos,relações temporais, espaciais, causais e
outras não inerentes tanto ao objeto como
às ações da criança.
• O mediador seleciona, organiza, molda,
filtra e programa estímulos para a
criança.
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direcionado às funções psicológicas
superiores que estão por se completar.
• Os processos de aprendizado
movimentam os processos de
desenvolvimento.
• O ensino deve estar à frente do
desenvolvimento, e o aprendizado deve
proporcionar desenvolvimento.
• Deve haver uma atuação dos outros
membros do grupo social na mediação
entre a cultura e o indivíduo e na
promoção dos processos
interpsicológicos que serão posteriormente internalizados.
• Todas as funções psicológicas superiores
estão inter-relacionadas, ou seja, emoção,
atenção, percepção, linguagem, memória
• O aprendizado mediado provê o tipo de
experiência necessária para a formação
da estrutura cognitiva que possibilita a
apropriação da cultura.
• Quanto mais a criança receber EAM e
quanto mais for o processo de mediação
maior será sua capacidade de se beneficiar e de se tornar modificável pela
exposição direta ao estímulo.
• O desenvolvimento cognitivo humano de
uma criança é inseparável do
desenvolvimento cognitivo de seus
mediatizadores, sejam eles os pais, osmédicos, os psicólogos ou os professores.
• A mediação a ser estabelecida com o
indivíduo deve estar baseada no
entendimento dos diferentes ritmos,
experiências e trajetórias pessoais,contexto familiar, níveis de
conhecimento, enfim, da
heterogeneidade, traço comum a todos os
grupos formados por seres humanos.
• A modificabilidade não se limita à
cognição, mas envolve também a emoção
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estão imbricadas. e a motivação, componentes essenciais da
Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural.
4.2 – DADOS OBTIDOS
A – A mediação segundo as diferentes leituras da obra de Vygotsky
Os autores, estudiosos da obra de Vygotsky, que estarão subsidiando esta pesquisa são:
Bock, Molon, Oliveira, Palangana, Valsiner, Wertsch, Smolka, Góes e Pino, que serão
apresentados em ordem alfabética.
Bock (2001)
• Relações sociais entre o indivíduo e os outros homens dão origem às funções psicológicas
superiores.
• Funcionamento psicológico é social e histórico.
• Os elementos mediadores na relação entre o homem e o mundo–instrumentos, signos e todo
o ambiente humano carregados de significado cultural–são fornecidos pelas relações entre
os homens.
• Os sistemas simbólicos, particularmente a linguagem, exercem um papel fundamental nacomunicação entre os indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados que
permitem apropriações dos objetos, eventos e situações do mundo real.
Molon (1995)
• Desenvolvimento dos processos psicológicos superiores no desenvolvimento histórico.
• Hegel atribuía à mediação a característica fundamental da razão humana.• Fenômeno psicológico é mediado e não imediato.
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• Mediação: pressuposto que se objetiva nos conceitos de conversão, superação, relação
constitutiva Eu-Outro, intersubjetividade, subjetividade.
• Mediação não é a presença física do outro, ou seja, não é a corporiedade do outro, mas a
mediação ocorre por meio dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de
mediação.
• Sem a mediação dos signos não há contato com a cultura.
Oliveira (1993)
• É o trabalho que pela ação transformadora do homem sobre a natureza une homem enatureza e cria a cultura e a história humanas.
• É no trabalho que se estabelecem as relações sociais, criação e utilização de instrumentos.
• O homem sente, pensa, age, imagina, deseja, planeja, tem a capacidade de criar o mundo da
cultura através dos instrumentos de trabalho e dos instrumentos psicológicos.
• Os instrumentos, elementos externos ao indivíduo, provocam mudanças nos objetos,
controlam os processos da natureza; os signos – instrumentos psicológicos – são orientados
para o próprio sujeito, controlam ações psicológicas.• Função mediadora de ambos; tanto o uso de signos quanto o uso de instrumentos de
trabalho operam como uma atividade mediada.
Palangana (2001)
•
O reflexo psíquico consciente ou imagem psíquica (conteúdo da consciência formado a partir da apreensão do real) é algo vivo, produzido pela atividade humana concreta,
caracterizada pelo movimento dialético permanente por meio do qual o objetivo se
transforma em subjetivo.
• Através da atividade prática, a imagem psíquica ou o conteúdo da consciência passa do
sujeito ao objeto.
• O conteúdo objetivo da atividade prática dos homens cristaliza-se no seu produto, podendo
assim ser transmitido pela linguagem em toda sua riqueza.
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• Uma vez objetivado, o conteúdo da atividade torna-se socialmente disponível e, ao ser
internalizado pelos indivíduos, cria nestes a imagem psíquica ou a representação viva da
realidade.
• Movimento dialético, o sujeito do conhecimento não tem um comportamento passivo frente
ao meio externo e ao ser estimulado pela realidade objetiva ele se apropria dos estímulos
provenientes da mesma, internalizando conceitos, valores, significados, enfim, o
conhecimento construído pelos homens ao longo da história.
• A prática do sujeito sempre relacionada à prática social acumulada.
• As representações mentais da realidade exterior são os principais mediadores. É o grupo
cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o
real, que vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduoe o mundo.
• A interação social, seja diretamente com os outros membros da cultura, seja através dos
diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria prima para o
desenvolvimento psicológico do indivíduo.
• A cultura como processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo, onde acontece a interação
entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um.
• A internalização da cultura é um processo de transformação, de síntese. Síntese não é asimples soma, mas a emergência de algo novo.
• Internalização: ao longo do desenvolvimento o indivíduo “toma posse” das formas de
comportamento fornecidos pela cultura, num processo em que as atividades externas e
interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas.
• Processo de desenvolvimento – de fora para dentro. O indivíduo realiza ações externas que
são interpretadas pelas pessoas ao seu redor, de acordo com os seus significados
culturalmente estabelecidos. A partir da interpretação, será possível para o indivíduo atribuirsignificados às suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos internos que
podem ser interpretados por ele próprio, a partir dos mecanismos estabelecidos pelo grupo
cultural e compreendidos por meio dos códigos compartilhados.
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Valsiner (1996)
• Foco no aspecto intrapsicológico. • A pessoa em desenvolvimento constrói uma “cultura pessoal” através de suas experiências
prévias podendo estar imune às sugestões do meio social utilizando uma variedade de
estratégias: ignorando, neutralizando, resistindo, rejeitando...
• A cultura pessoal construída na resistência às sugestões sociais. Essa resistência garante a
não dissolução do sujeito no social. O desenvolvimento pessoal é cercado pelas formas de
sugestão social da cultura coletiva, concebida como somatória de “culturas pessoais”.
Wertsch (1998)
• Prioriza os processos interpsicológicos, afirmando que, ao se analisar o funcionamento
interpsicológico, necessariamente analisa-se o funcionamento intrapsicológico.
• A transição entre os dois planos está nos instrumentos semióticos usados na interação social.
•
Dois processos fundamentais: a definição da situação compartilhada e os níveis desubjetividade.
• A comunicação deve basear-se num nível mínimo de definição da situação compartilhada, ou
seja, de intersubjetividade.
• A comunicação acontece pela constituição de uma realidade social temporalmente
compartilhada através da negociação mediada semioticamente entre as pessoas envolvidas
na definição da situação.
• Supõe uma intersubjetividade – interação face a face, à presença imediata do outro e aos
mecanismos de comunicação compartilhados na interação.
• É possível identificar pontos de intersubjetividade na zona de desenvolvimento proximal,
reconhecer níveis de intersubjetividade na situação compartilhada entre o adulto e a criança.
• Quatro níveis de intersubjetividade:
1º Definição da situação pela criança é tão diferente da do adulto que a comunicação é
impossível.
2º A criança não compreende a natureza da ação dirigida a um objetivo, mas existe uma
definição da situação minimamente compartilhada.
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3º A criança faz inferências esclarecedoras interpretando as produções diretivas do adulto,
mesmo as não explícitas.
4º A criança e o adulto estabelecem uma intersubjetividade completa, a criança regula a
responsabilidade da tarefa, dominando a definição da situação colocada pelo adulto.
• Tudo que acontece no plano interpsicológico, nestes diferentes níveis de intersubjetividade,
realiza-se no plano intrapsicológico.
• Analisa a definição da situação e os níveis de intersubjetividade exclusivamente na relação
do adulto com a criança, na zona de desenvolvimento proximal, através de mecanismos
semióticos: a perspectiva referencial (expressões que minimizam e maximizam a informação)
e a abreviação (redução da representação lingüística explícita).• Os aspectos envolvidos na definição da situação aparecem representados na fala em
diferentes graus; quanto menos aspectos representados, maior será o nível de abreviação.
• Modelo de intersubjetividade a ser atingido na relação entre o adulto e a criança, na qual o
adulto estabelece o modelo da relação e o nível de intersubjetividade.
Smolka (1991), Góes (1991) e Pino (1993)
• Constituição do homem acontece dialeticamente, no funcionamento interpsicológico e não
apenas em situações de intersubjetividade.
• No processo dialético de aspectos intrapsicológicos e interpsicológicos, acontece pelo outro e
pela palavra numa dimensão semiótica;
• A palavra e o signo são polissêmicos, a natureza e a gênese do processo de constituição do
Homem implicam, necessariamente, o diferente e o semelhante.
• O Homem constitui-se pelo outro e pela linguagem através dos processos de significação e
dos processos dialógicos, rompendo com a dicotomia entre sujeito e social, entre o eu e o
outro.
• O Homem é visto como uma composição do movimento dialético, não necessariamente
harmônico, entre tensões e sínteses.
• Três momentos:
1º Processo de participação fusional do eu no outro, no qual o eu perde-se no outro.
2º Processo dialético de negação e reconhecimento, o eu constitui-se em sujeito.
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3º Em conseqüência da oposição e reconhecimento do outro como um “não eu” surge a
consciência da própria subjetividade, jamais como um eu isolado, mas como o eu da relação
“Eu-Outro”.
• A consciência da subjetividade e a penetração no universo da significação somente acontece
no campo da intersubjetividade, configurado como lugar de encontro e de confronto, como
palco de negociação dos mundos de significação privados e públicos.
• A intersubjetividade não é o plano do outro e sim da relação com o outro, é a inter-relação,
interação. O mundo é o lugar da constituição da subjetividade.
• A ordem simbólica é produção do imaginário social da sociedade e também constituinte do
homem como indivíduo social.
• Existem representações do sujeito e, principalmente, representações no sujeito, num mundo
sócio histórico, onde não se pode ignorar nem a ordem imaginária nem a ordem simbólica.
B – A mediação segundo diferentes leituras da obra de Feuerstein
Os autores, estudiosos da obra de Feuerstein, que estarão subsidiando esta pesquisa são:
Beyer, Fonseca, Gomes, Goulart e Kozulin, que serão apresentados em ordem alfabética.
Beyer ( 1996)
• O trabalho de Feuerstein está dividido em duas áreas: teórico conceitual e pedagógico
instrumental.
• Extrapola o campo teórico e elabora vários instrumentos psicopedagógicos, uma vez que está
preocupado com a recuperação de indivíduos que apresentam dificuldades cognitivo-
intelectual.
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• Mediação significa um processo de interação entre o organismo humano em
desenvolvimento e um indivíduo com experiências e intenções que seleciona, enfoca,
retroalimenta as experiências ambientais e os hábitos de aprendizagem.
• A mediação só é possível ao se acreditar na criança. Essa crença é um fator energético que
impulsiona a consecução dos trabalhos.
• Quanto mais uma criança usufruir da mediação na aprendizagem, mais rico será o
desenvolvimento intelectual advindo da interação direta com o meio.
Fonseca (1998)
• A mediatização é uma estratégia de intervenção que subentende uma interferência humana,
uma transformação, uma adaptação, uma filtragem dos estímulos do mundo exterior para o
organismo do indivíduo mediatizado.
• O indivíduo mediatizado é modificado estruturalmente pelo efeito de certas condições de
atenção, de percepção, de focagem e de seleção que são decorrentes da intervenção do
mediatizador.
• O mediatizador é concebido como muito mais que um intermediário. A própria mãeinterpõe-se e intervém modificando as relações entre o estímulo e a criança, afetando a sua
intensidade, o seu contexto, freqüência, ordem, etc, ao mesmo tempo em que guia
intencionalmente a vigilância, o alerta e a sensibilidade do seu filho, levando-o a
desenvolver uma disposição para atender aos estímulos mediatizados, bem como expondo-o
diretamente a fontes de estimulação de forma mais humanizada.
• A exposição direta aos estímulos é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a
interação mediatizada, isto é, a própria cultura, é que permite o acesso às funções cognitivassuperiores.
• A modificabilidade cognitiva estrutural não pode resultar da simples exposição a certas
experiências, uma vez que não podemos ter a noção da causa dos fenômenos só pela
vivência de certas experiências.
• Experiência de aprendizagem mediada – ato de transmissão de cultura, de valores, de
atitudes, de intenção, efetuado pelas gerações mais velhas, que visam produzir os efeitos
desejados.
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• A EAM dá relevo ao mediatizador, ao ser humano que se interpõe (e que intervém) entre os
estímulos e os próprios indivíduos mediatizados, com a intenção de adequar os estímulos às
suas necessidades específicas.
• A aprendizagem humana ocorre, num contexto social, na base de multimediatizações
humanas.
• A perda, a irregularidade, a insuficiência, ou a descontinuidade dessa mediação provoca
nos indivíduos determinadas disfunções cognitivas, ou seja, funções cognitivas
deficientemente desenvolvidas.
• Processos de mediação: sistema de intervenção e de modificabilidade cognitiva – LPAD,
PEI.
• PEI – correção das funções cognitivas deficientes; aquisição de conceitos básicos,vocabulário, operações mentais; estimulação da motivação interior; desenvolvimento de
processos reflexivos de pensamento e habilidades; desenvolvimento de uma auto identidade
dinâmica levando-se a perceber como sujeito ativo no processo de aprendizagem.
Gomes (2002)
• O mediador formal é aquele que tem capacidade para conduzir estrategicamente o processo
de aprendizagem mediada, interrogando, de modo a impulsionar conflitos cognitivos e
mobilizar as funções cognitivas, viabilizando, assim, uma intervenção transformadora que
garanta o aumento do nível de modificabilidade e flexibilidade mental do indivíduo
envolvido no processo de aprender a pensar.
Goulart (2000)
• A aprendizagem deve ter como ponto de partida o conhecimento da criança. O processo não
é individual, mas histórico-cultural, onde o papel do professor assume uma importância
fundamental.
• No processo de interação é fundamental entender os indivíduos alvo da mediação como
ativos no seu processo de conhecimento e destaca a importância da intencionalidade da ação
do mediador.
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• A função do mediador não é apenas a de levar a criança a perceber e registrar os estímulos,
mas determinar certas mudanças na maneira de processar e utilizar a informação.
• Ter intencionalidade de ensinar e reciprocamente enquanto ensina o mediador aprende.
• Em qualquer atividade o objetivo é reconhecer dados, definir objetivos ou o problema,
estabelecer estratégias e ver a melhor solução.
• Transcendência: proporcionar que a criança aprenda a buscar sentidos e significados e a
generalizar para aplicar em outras áreas e situações da vida.
• O significado cria uma nova dimensão ao ato de aprender, com envolvimento ativo e
emocional no desenvolvimento das ações.
• O sentimento de competência está ligado e relacionado à motivação.
• Crianças com baixa auto-estima e motivação deixam de aprender por sentimento deincompetência.
• Regulação e controle evitam respostas impensadas e contribuem para respostas refletidas.
• Ressalta a importância da ação cooperativa, do respeito às diferenças, da planificação e
sistematização com metas claras para proporcionar aos alunos oportunidades de desafios.
Kozulin (1996)
• As atividades escolares que o PEI pressupõe impulsionam o desenvolvimento no estudante
das funções psicológicas superiores dependentes das ferramentas psicológicas.
• A organização sistemática dos materiais do PEI corresponde a organização sistemática das
funções psicológicas superiores.
• Os princípios da aprendizagem mediada proporcionados pelo ensino do PEI correspondem
ao complemento necessário ao aspecto instrumental–simbólico do programa.• Cada um dos instrumentos consiste em uma unidade estruturada com ênfase em algumas
funções cognitivas; o sujeito é levado a refletir sobre os conhecimentos adquiridos, a forma
como os conseguiu e relacioná-los às situações de vida.
• A instrução baseada nas EAM torna-se um veículo que desenvolve as habilidades
simbólicas e dá forma às atividades que garantem a aquisição e a interiorização de tais
habilidades.
• As atividades que pressupõe o PEI só podem comparar com o paradigma da atividade e
aprendizagem desenvolvida pela escola de Vygotsky.
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• As experiências de aprendizagem compartilhadas permitem que se atue na zona de
desenvolvimento proximal auxiliando as funções ainda não consolidadas a amadurecer.
• O termo potencial é utilizado tanto em relação à aprendizagem como em relação à
modificabilidade.
• Potencial de aprendizagem como capacidade de agir e refletir de forma elaborada além de
seu comportamento.
• O processo de avaliação deve avaliar e revelar o potencial da aprendizagem e não o que o
sujeito já sabe. A avaliação objetiva ver o potencial a ser modificado pela aprendizagem.
• O mediador observa e interfere para a modificação.
• Os indivíduos possuem estratégias e processos cognitivos que não são utilizados, mas que
são capazes de utilizá-los em condições de estimulação.
4.3. DISCUSSÃO DOS DADOS
As considerações que se seguirão como análise e discussão dos dados obtidos serão
apenas uma parcela de todo o conhecimento a respeito de Vygotsky e Feuerstein, uma vez que
muito se tem estudado a respeito de suas proposições em relação aos processos educacionais,
sobremaneira ao se tratar da aprendizagem e do desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Considerando que tanto para Vygotsky quanto para Feuerstein o desenvolvimento do
sujeito não pode ser compreendido apenas através do sujeito, mas também do contexto em que
está inserido, é que fomos buscar dados dos dois autores desde o início de suas vidas.
Sabemos que precisamos analisar o contexto com bastante cuidado, pois isto implica na
apreensão de inúmeras relações históricas, materiais, incluindo o seu movimento e as
contradições inerentes às situações.
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Para tanto, estaremos atentos ao método que nos propusemos, ou seja, o método
dialético, e assim, segundo Lefébvre (1975), nosso olhar será dirigido ao objeto de estudo desta
pesquisa atentando para algumas questões, principalmente tentando apreender o conjunto das
conexões internas, identificando e revelando o desenvolvimento e o movimento. Estaremos
também atentos ao fato de que tudo está ligado a tudo; estaremos sempre buscando mais, uma
vez que o processo de aprofundamento do conhecimento é infinito. Conforme nos aponta
Lefébvre (1975), em certos momentos nosso pensamento deverá se transformar, retomar outros
momentos, revê-los com o objetivo de aprofundá-los mediante um passo atrás, rumo às etapas
anteriores e, por vezes, até mesmo voltando ao ponto de partida.
Sendo assim, neste momento, buscaremos nos dados obtidos pontos de convergência e
divergência nos dois autores para que esses dados sirvam de subsídio para entendermos o
conceito de mediação, tanto no pensamento de um quanto no do outro.
A – Vida em família
Vygotsky e Feuerstein apresentam contextos familiares próximos, o que pode ser
percebido pela confluência cultural dos dois estudiosos: a estrutura familiar constituída nas
bases culturais e religiosas do judaísmo do leste europeu. Podemos dizer então que ambos
viveram em uma comunidade rica em sentidos e significados.
Conforme pudemos perceber, a presença da família revelou-se importante para
Vygotsky e para Feuerstein. Podemos dizer que para Feuerstein a mãe era presença forte. As
refeições eram um momento de aproximação dos membros familiares e, nesta perspectiva, as
refeições tornavam-se situações concretas de medeiar as relações entre os membros familiares.
Assim, segundo afirmação do próprio Feuerstein, muito se aprendia nessas ocasiões, sobretudo
sobre a história familiar, a cultura religiosa judaica, seus rituais e significados. Para Feuerstein
eram momentos de mediação quando contavam e partilhavam o que aprenderam nas leituras
sacras, reconstruindo, assim, experiências. Da mesma forma observamos que Vygotsky cresce
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num ambiente intelectualizado tendo na mãe uma pessoa muito preocupada com a cultura e
com a leitura.
Podemos perceber que a irmã e o primo de Vygotsky foram figuras marcantes no
processo de desenvolvimento de seus estudos assim como a irmã de Feuerstein e o seu irmão
também contribuíram no desenvolvimento de seus trabalhos.
Percebemos que tanto para Vygotsky como para Feuerstein a presença do outro foi um
fator significativo. Vygotsky teve a presença de um tutor que contribuiu significativamente para
inseri-lo no mundo das letras; Feuerstein igualmente destaca a presença de seus pais e de seus
avós. O fato de seu avô materno ser rabino e escriba de pergaminhos da Torá faz-nos inferir que
sua educação foi sempre pautada por uma crença religiosa fundamentada na tradição judaica.
Constataremos que os dois pesquisadores, na continuidade da suas trajetórias,
aprofundam seus estudos considerando a relevância da linguagem. Feuerstein elabora
instrumentos pautados na oralidade e Vygotsky estuda a linguagem como instrumento de
mediação dos processos, funções e sistemas psicológicos quando atua como função psicológica
superior.
Sendo assim, podemos dizer que a fala era para ambos, um elemento de mediação que
agregava. Entendemos que isto era decorrente da dimensão cultural da mesma, seus conteúdos e
sentido social, expresso e representado pelos símbolos.
B – O percurso dos pensadores no tempo e espaço
Ampliando a discussão acima aportamos no contexto histórico e geográfico em que se
situam os dois pensadores. Em ambos percebemos a preocupação com a dimensão social nos
seus postulados. Vygotsky, inserido num tempo e espaço marcados por profundas
transformações sociais e políticas, busca uma psicologia que viesse ao encontro dos problemas
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sociais e econômicos do povo soviético. Feuerstein, por sua vez, face às condições histórico-
sociais de Israel que se constitui como elemento desencadeador de sua produção intelectual,
busca uma pedagogia que estivesse voltada ao desenvolvimento das potencialidades já
existentes nos sujeitos; o desafio era avaliar a possibilidade e a capacidade de aprender e não as
incapacidades ou limitações.
Nesta perspectiva, cumpre-nos ressaltar o momento histórico em que suas produções
intelectuais se dão: Vygotsky na Rússia da Revolução de 1917 e Feuerstein no tempo da II
Guerra Mundial e pós-guerra, época em que emergem no cenário educacional os movimentos
de resistência aos processos de dominação cultural e subjulgamento de determinados grupossociais em todas as partes do mundo. Para ilustrar tal abordagem destacamos o trabalho de
doutorado de Feuerstein que tinha como objeto de estudo as diferenças do funcionamento
cognitivo em diferentes grupos sociais e étnicos, mais especificamente, os grupos sociais
etíopes que viviam em Israel.
Tanto Vygotsky quanto Feuerstein, a seu modo e a seu tempo, combatem as relações de
poder estabelecidas a partir da construção do conhecimento, do processo de aprendizagem e dodesenvolvimento cognitivo de crianças. O pensamento de Vygotsky inclui a história do
pensamento da criança na história da cultura e da sociedade, demonstrando as estreitas relações
entre os estudos psicológicos, antropológicos e sociológicos no entendimento do
desenvolvimento da consciência. Feuerstein considera que os processos de transformação do
conhecimento ocorrem de maneiras diferentes e que todo ser humano tem possibilidade de
modificar. Decide então, segundo Beyer (1996), produzir uma forma mais dinâmica de
compreender o desenvolvimento humano e a aprendizagem mediada. Assim, cria o PEI, numareação ao movimento que atribuía as deficiências e aos fracassos escolares às classes sociais,
propondo a modificabilidade pelas interações mediadoras do desenvolvimento humano.
Para ambos, a criança aparece nitidamente como sujeito histórico e social, portador de
história e representante legítimo da cultura.
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C – A mediação sob o olhar de Vygotsky e Feuerstein
A partir do que já foi considerado, chegamos ao momento em que se faz necessário
resgatar a dimensão teórica e metodológica da construção intelectual dos dois pensadores.
Vygotsky, a princípio, revela em sua proposição teórica e metodológica a contribuição
da filosofia na organização das suas idéias e, sendo assim, a dimensão ideológica é também
mais visível. Podemos inferir que os pensadores que Vygotsky estudou, Espinosa, James,Freud, Marx, Engels, Hegel, Pavlov, deram-lhe grande cabedal de conhecimento em Literatura
e Filosofia, favorecendo sua entrada na Psicologia de forma crítica, marcando de forma
significativa sua trajetória pessoal e profissional. A influência mais proeminente vem de Marx
ao considerar o conhecimento veiculado por instrumentos físicos e simbólicos, aceitando o
princípio de que o posicionamento do ser humano no mundo é sempre mediado (pelo trabalho,
sobretudo), o que permite considerar que o desenvolvimento da consciência social não tem
história independente da história material. Na atividade prática, nas interações homem-homem
e homem-natureza que se originam e se desenvolvem as funções psíquicas tipicamente
humanas.
Aqui o pensamento de Vygotsky adquire outro nível ao avançar as idéias de mediação
para o campo da linguagem, que por sua vez atua no âmbito da organização e desenvolvimento
dos processos de conhecimento e desenvolvimento cognitivo. Nesta perspectiva, o signo como
constituinte da linguagem passa a ser visto também como atividade psicológica por contribuircom o desenvolvimento do pensamento (realidade externa x pensamento), e o instrumento
como atividade material na relação sujeito-mundo, também com função mediadora, pois
contribui para a apreensão da realidade exterior.
Vygotsky, apoiado em Marx, considera que nas relações de trabalho (como princípio da
mediação homem-homem e homem-natureza) concretizam-se a apropriação da linguagem, dos
instrumentos físicos produzidos historicamente e do conhecimento acumulado pelas gerações
precedentes. Sendo assim, novos instrumentos originam novas estruturas de conhecimento. A
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prática do sujeito, sua relação com o objeto, está sempre relacionada à prática social acumulada
historicamente.
Feuerstein, após realizar alguns testes psicológicos disponíveis na época para avaliar o
potencial de adolescentes com dificuldades nas atividades escolares cujos resultados mostravam
problemas de ordem neurológica, aplica outros testes operatórios com base em Piaget. Ainda
insatisfeito com o resultado, decide produzir uma forma segundo ele mais dinâmica de avaliar o
potencial dos sujeitos e cria o LPAD. Elabora então o PEI, programa constituído por
instrumentos nos quais a linguagem oral do mediador é considerada como recurso de mediação
que possibilita a modificabilidade nesta interação com o mediador. Sendo assim, elaboratambém um programa para formar o mediador.
O fato de não termos encontrado referências filosóficas explícitas em suas obras e
termos buscado os filósofos que inspiraram Piaget, uma vez que Feuerstein inicia seus trabalhos
baseado no referido autor, possibilitou que fizéssemos algumas inferências das relações entre o
pensamento desses filósofos com o pensamento de Feuerstein. Em Kant encontramos
aproximações na medida em que, para o referido autor, o processo de conhecimento implica na
existência de um objeto a ser conhecido que suscita a ação do pensamento e a participação de
um sujeito ativo capaz de pensar, de estabelecer relações a partir das suas próprias condições
para aprender, ou seja, o processo de conhecimento tem início na experiência. Em Feuerstein,
parece-nos que a experiência é igualmente considerada assim como é considerado o sujeito
ativo, deixando isso claro e explícito quando dá o nome de Experiência de Aprendizagem
Mediada ao processo de interação mediada por um mediador humano.
Ainda buscando outras aproximações, citamos Husserl que afirma que a relação entre o
sujeito e objeto, entre pensamento e o ser, se estabelece pela intencionalidade, sendo para ele
esta uma ligação indissociável da qual todo o pesquisador deve partir quando pretende atingir o
real. Para Feuerstein, a intencionalidade é considerada um dos critérios necessários para que a
aprendizagem mediada seja possível; sendo assim, podemos inferir que os dois se aproximam.
Na continuidade dessas possíveis aproximações, podemos inferir ainda que, assim como paraHusserl as operações cognitivas estruturadas permitem conhecer as propriedades constitutivas,
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ou seja, a essência do ser estruturado, para Feuerstein a avaliação dinâmica do potencial de
aprendizagem permite conhecer as funções cognitivas deficientes, dando a conhecer a essência
desse ser estruturado.
Em Bergson, encontramos possíveis aproximações quando o referido autor afirma que a
ação do sujeito consciente consiste na condição primeira para conhecer, que a consciência
imediata, aquela que o sujeito tem ao agir sobre o ambiente, não é a mesma para todos os
objetos e fenômenos, de modo que a consciência intuitiva se caracteriza por um processo
indefinido de reconstruções. Podemos inferir que, assim como Bergson, Feuerstein propõe a
modificabilidade como possibilidade de reconstrução. No aprofundamento de buscaraproximações nas bases que inspiraram Piaget, assinalamos ainda o estruturalismo que afirma
que uma estrutura consiste em um conjunto de elementos relacionados, em que toda
modificação ocorrida em um elemento ou relação modifica os outros elementos ou relações.
Encontramos este pressuposto como um dos conceitos básicos da Teoria da Modificabilidade
Cognitiva Estrutural de Feuerstein.
Conforme já dito anteriormente, em nossa pesquisa não encontramos nas obras deFeuerstein nenhum filósofo como referência, diferente de Vygotsky que explicita seus
fundamentos a partir de Marx e de Engels, bem como de Hegel. No entanto, podemos inferir na
obra de Feuerstein a presença dos princípios religiosos que norteiam o pensamento judaico.
Destacamos aquele formulado por Filo de Alexandria, segundo Chauí (2000), que apresenta a
noção de Deus como criador do mundo e afirma que o mesmo está sujeito a mudanças. Neste
momento, ressaltamos que o princípio da modificabilidade como pressuposto do
desenvolvimento de estruturas do pensamento é central na produção intelectual de Feuerstein,que afirma que sua teoria está embasada na crença de que o ser humano é um ser modificável,
sem a qual ninguém poderia ser um mediador cultural e seria impossível compreender a
avaliação e a intervenção na modificabilidade cognitiva estrutural.
Um outro aspecto relevante que destacamos é a oralidade que está presente fortemente
no pensamento judaico representada pelo Talmude, ocupando um lugar de destaque no PEI. A
oralidade está presente em todos os instrumentos sendo considerada como elemento mediador.
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Vale lembrar que a oralidade, presente nos instrumentos do PEI e também nos
encaminhamentos dados pelo mediador, nos lembra a atitude de Sócrates na relação que
estabelecia com as pessoas, ou seja, uma relação de conhecimento que permitia a passagem de
uma coisa a outra num diálogo. Segundo Pessanha (1999), Sócrates desenvolvia uma atividade
reflexiva, dialogava e forçava o interlocutor a expor suas opiniões. Sendo assim, podemos dizer
que o mediador para Feuerstein tem a mesma característica da prática socrática, quando
interroga e busca, por meio de outras perguntas, fazer com que o mediado desenvolva seu
pensamento. Da mesma forma, podemos dizer que o mediador para Feuerstein também reúne
características próprias da tradição judaica; no Talmude não se encontram respostas e sim
outras perguntas. Isso nos faz pensar que a mediação para Feuerstein está colocada como
“ponte”, assim como Japiassu e Marcondes (2001) a definem em seu sentido genérico como aação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário.
Será que podemos dizer que neste aspecto Vygotsky e Feuerstein se aproximam, uma
vez que para ambos a linguagem é central na atividade mediada? É a linguagem que atribui
significado a esta atividade? Para Feuerstein, a atribuição de significado a qualquer atividade
constitui-se num dos critérios universais para o mediador, então fomos buscar em Vygotsky o
seu entendimento a respeito da linguagem, do significado e da significação na constituição e no
desenvolvimento do ser humano. Vygotsky rompe com a dicotomia entre o indivíduo e o social.
Ele articula pensamento/sentimento, cognição/emoção, conhecimento/experiência
apresentando-os como passagens do social ao psicológico e vice-versa, que estão sempre se
fazendo e se constituindo em relação ao outro, portanto na intersubjetividade. O autor, ao lidar
com a consciência, com as funções, estruturas lógicas e processos psicológicos superiores, no
entender de Molon (1995), está definindo claramente uma concepção de sujeito e de
subjetividade que não está explícita em sua obra. Desta forma, para Molon (op.cit.),
subjetividade significa uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e
do eu. Toda a construção teórico-metodológica de Vygotsky visa a constituição do projeto de
uma nova sociedade e de um novo homem. Ao afirmar que as relações sociais são constitutivas
do sujeito, não está apontando o determinismo sócio-cultural, nem juntando-se àqueles que
anulam o psicológico e o colocam como meio reflexo.
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Sendo assim, afirmando a constituição sócio-histórica dos processos psicológicos,
Vygotsky não perde o sujeito e nem a subjetividade, pois os fenômenos psicológicos são
relações sociais convertidas no sujeito pela mediação semiótica. Os fenômenos psicológicos são
mediados e não imediatos, são constituídos nas e pelas relações sociais, porém não são
simplesmente produtos destas. Para ele, através da mediação semiótica o sujeito se constitui,
mas essa constituição acontece no confronto Eu-Outro das relações sociais, esse Eu-Outro são
sempre expressões sociais dos sujeitos, considerando que viver a realidade social não é um
evento circunstancial e nem um episódio ocasional, mas é o modo de ser do sujeito nas relações
sociais, expresso nas relações sociais, pois são essas relações que atribuem o significado dos
sujeitos. A relação social é, então, uma relação dialética entre o eu e o outro. Assim, toda a
relação implica um terceiro elemento – aquele que atribui o sentido da própria relação.Falamos, pois, do elemento semiótico, que é constituinte e constituído da relação, é, portanto,
mediação.
O conceito de interação, que significa ação partilhada, conjunta, recíproca e pressupõe a
presença imediata do outro, não dá conta das relações constitutivas do sujeito, pois as relações
sociais são múltiplas, contraditórias e abrangem uma infinidade de possibilidades de
objetivações. A interação é ação de um e ação de outro, sujeito–sujeito, sujeito-objeto, ação em
resposta a ações que modificam os organismos, mas o ser humano não somente acontece na
ação em resposta à outra ação, não existe só ação direta de um sobre o outro.
Desta forma, o sujeito é constituído pelas significações culturais, porém, a significação é
a própria ação, ela não existe em si, mas a partir do momento em que os sujeitos entram em
relação e passam a significar, ou seja, só existe significação quando significa para o sujeito e osujeito penetra num mundo das significações quando é reconhecido pelo outro. A relação do
sujeito com o outro sujeito é mediada; dois sujeitos só entram em relação por um terceiro
elemento, que é o elemento semiótico.
Assim, a linguagem é a referência essencial a partir da qual todas as formas de
atividades inseridas numa sociedade determinada pelo trabalho, pelo modo de produção, são
explicativas da cultura. A cultura é compreendida pelas significações, porém num mundo
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demarcado pelo trabalho, onde a linguagem e o pensamento refletem uma determinada
realidade social, a linguagem possibilita resgatar o desenvolvimento histórico da consciência.
... as palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um microcosmo da consciência humana (Vigotsky, 1993:132).
Vygotsky ressalta a função e o papel essencial da linguagem na consciência humana,
através da mediação da linguagem e da instrumentalidade semiótica, pois tanto a linguagem faz
a mediação dos processos, funções e sistemas psicológicos quanto atua como função
psicológica superior. A objetivação da consciência através do trabalho é um pressuposto
defendido por Vygotsky, no entanto Vygotsky apreendeu a determinação do trabalho através da
significação, considerando que a técnica e o instrumento de trabalho acontecem na cultura, no
campo das significações compartilhadas. As objetivações da consciência ocorrem através da
linguagem e do trabalho.
Para Vygotsky, o significado é o aspecto que torna possível a relação social, e essesignificado é produzido nas relações sociais, em determinadas condições históricas. O
significado não se restringe ao objeto, nem ao signo, nem à palavra e nem ao pensamento, mas
o significado pertence à consciência; não é o significado que determina a configuração da
consciência e nem o sentido, mas a presença do significado e do sentido impulsiona novas
conexões e novas atividades da consciência, numa dimensão semiótica.
Desta forma, o sentido de uma palavra modifica-se tanto dependendo das situações e das
pessoas que o atribuem que é considerado quase ilimitado; desta maneira, as palavras e os
sentidos apresentam um grau elevado de independência entre si, fato que não ocorre entre
palavra e significado. Assim, o sujeito estabelece a relação pela significação, já que a
significação transita nas diferentes dimensões do sujeito, ela atravessa o pensar, o falar, o sentir,
o criar, o desejar, o agir.
Segundo Vygotsky, a significação é um processo que tem como suporte o signo
enquanto materialidade e visibilidade. Mas na significação a relação acontece entre sujeitos,
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sujeitos em intersubjetividade pelas mediações semióticas num mundo dos sujeitos, sujeitos não
individuais e nem abstratos, mas sujeitos constituídos histórica e socialmente. O significado
aparece como sendo próprio do signo, enquanto que o sentido é produto e resultado do
significado, porém não é fixado pelo signo, sendo mais amplo que o significado.
Para Vygotsky, no processo de desenvolvimento, inicialmente a palavra é um atributo
do objeto, a criança tem que fazer a diferenciação entre palavra e objeto e entre significado da
palavra e significado do objeto. A comunicação entre a criança e o adulto acontece pelos
referentes comuns mas não por significados compartilhados. O significado possibilita a
linguagem e o pensamento, porém está no sujeito, mas não num sujeito individual e sim numsujeito em relação, em intersubjetividade.
Vygotsky considera que é na relação entre o pensamento e a palavra que o significado
está situado, ou seja, faz o elo entre os dois, dá vida aos dois através de um processo
permanente de transformações, no qual um depende do outro. A função do significado das
palavras reside precisamente na realização da comunicação humana e na efetivação do
pensamento generalizante.
Sendo a palavra uma generalização, isso quer dizer que a realidade é generalizada e
refletida em uma palavra. Sendo o significado da palavra uma generalização e a generalização
um ato verbal do pensamento, podemos dizer que o significado da palavra é um fenômeno tanto
de pensamento quanto da linguagem. Desta forma o pensamento e a linguagem unem-se
formando o pensamento verbal através do significado da palavra.
Então, podemos considerar que a palavra aparece como o principal elemento mediador
justamente ao tornar possível o processo comunicacional – oral e escrito – situando o sujeito no
mundo, na realidade.
Assim, para Vygotsky, mediação não é um conceito, é um pressuposto que se objetiva
nos conceitos de conversão, superação, relação constitutiva Eu-Outro, intersubjetividade,
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subjetividade. É um processo, não é um ato em que alguma coisa se interpõe; mediação não está
entre dois termos que estabelecem uma relação. É a própria relação.
Segundo Vygotsky, a mediação pelos signos, as diferentes formas de semiotização,
possibilita e sustenta a relação social, pois é o processo de significação que permite a
comunicação entre as pessoas e a passagem da totalidade às partes e vice-versa. A mediação
não é a presença física do outro, não é a corporiedade do outro que estabelece a relação
mediatizada, mas a mediação ocorre através dos signos, da palavra, da semiótica, dos
instrumentos de mediação.
Este papel de relevância da linguagem na mediação também aparece com destaque no
pensamento de Feuerstein. Para ele, a linguagem parece ser elemento que possibilita a
concretização da aprendizagem mediada, sendo considerada elemento de mediação. Nos
instrumentos do PEI observamos a presença da linguagem como possibilitadora da atribuição
de significados. Desta forma podemos dizer que a linguagem atua, portanto, no campo das
intervenções, das interferências das relações entre os indivíduos e os instrumentos,
possibilitando que a modificabilidade cognitiva aconteça.
Ao discutir as causas das diferenças e incapacidades dos indivíduos, Feuerstein levanta a
possibilidade de interferir nesses elementos através do que denomina Experiência de
Aprendizagem Mediada. Mostra como os elementos cognitivos e afetivos engendram, de forma
integrada, o processo de ensino-aprendizagem no interior do contexto cultural em que se situam
os aprendizes. Desta forma, a busca da compreensão do desenvolvimento cognitivo precisa ser
acionada a partir das interações sociais nas quais os indivíduos se constituem.
Feuerstein entende o desenvolvimento como um processo interativo em que as reações
naturais, herdadas biologicamente, entrelaçam-se aos processos culturais organizados,
efetivando-se em modos de pensar e agir caracteristicamente humanos, uma vez que o ser
humano não nasce num “mundo natural” e sim num “mundo humano”. Começa a sua vida
cercada por objetos e fenômenos criados pelos homens em suas diversas gerações e na medida
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em que se relaciona socialmente e participa das atividades culturais vai se apropriando e dando
novos significados a estes elementos.
Nesse momento podemos entender que ele se aproxima de Vygotsky, pois ambos
consideram o desenvolvimento como um processo de interação, de trocas de um indivíduo
menos experiente com outro mais experiente, num movimento dialético em que um se apresenta
disposto a aprender com o outro, cada um a seu modo ensina o outro, promove o
desenvolvimento pela aprendizagem do outro. É neste momento que tanto Vygotsky quanto
Feuerstein explicitam a importância do professor no processo de mediação e,
conseqüentemente, na aprendizagem. Para ambos, a ação educativa é uma expressão damediação.
Em Feuerstein, inclui-se, no plano da ação educativa, a ação deliberada de sujeitos
mediadores que se interpõem e rompem com a relação até então estabelecida do indivíduo com
seu meio. Esta mediação coloca à disposição da pessoa que apreende o mundo as interpretações
e sentidos culturais que se aderem ao chamado estímulo. A ação educativa, então, faz uso
deliberado de certos elementos mediadores que dão significado à relação do aprendiz com seumeio e consigo mesmo. A atribuição de um significado, a motivação para aprendizagem, o
estabelecimento da intersubjetividade são fundamentais para que a apropriação dos conteúdos
ocorra. A apropriação e a re-significação por parte da criança dos elementos encontrados na
cultura têm como elemento mediador o signo, em especial a linguagem.
Neste momento, podemos inferir que ele se diferencia de Vygotsky uma vez que
Feuerstein propõe a ação deliberada do mediador. Em Vygotsky parece-nos que o que fica mais
forte é a imersão deste sujeito num contexto semiótico e cultural, e não uma ação programada
para isso.
Para Feuerstein, o aprendizado deve ser planejado, não deixando que os ‘insights’ e as
descobertas ocorram naturalmente. Se as situações de aprendizagem não forem programadas
para provocar situações de desequilíbrios e conflitos cognitivos, acabamos por deixar ao acasoo surgimento de situações desequilibradoras ou talvez as mesmas não venham sequer a ocorrer.
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faça com a ajuda do mais experiente o que mais adiante vai realizar sozinho, constituindo assim
sua autonomia. Podemos dizer que os dois pautam seus estudos na busca de um ser humano
autônomo e capaz. Feuerstein aproxima-se também de Vygotsky no que se refere à importância
da ação planejada do professor:
... o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriamimpossíveis de acontecer (Vygotsky, 1987:101).
Para Sanchez (1989), o professor ou o psicólogo podem planejar programas de
intervenção psicopedagógica para atuarem na zona de desenvolvimento proximal, apontando
Feuerstein como uma das pessoas que fez isso.
Indudablemente, la zona de desarollo próximo es una noción muy útil para el psicólogo de la educación en la medida en que permite conocer el curso interno deldesarrollo, facilitando, por tanto, la planificación y diseño de los currícula escolares yde los programas de intervención psicopedagógica tendentes a fomentar la evolucióndinámica del sujeto (Sánchez, 1989:15).
Fonseca (1998) assinala que os exercícios apresentados nos instrumentos do PEI abrem
uma série de possibilidades para exploração de novos conceitos, uma vez que não estabelecem
conteúdos específicos, o que permite ampla variação de temas. O professor, para agir com
eficiência e segurança, necessita ter um bom domínio a respeito dos conceitos do programa e
dos conceitos que deverão fazer parte do repertório dos indivíduos para que possa criar
diferentes situações para explorá-los e facilitar as relações com a vida cotidiana.
Um outro fator destacado por estudiosos da teoria de Feuerstein é a instrumentação dos
professores com o objetivo de levar os indivíduos a aplicarem seus conhecimentos além da sala
de aula, em situações do dia-a-dia, o que Feuerstein denomina princípios.
Góes (1984, 1991) pondera que o conhecimento do processo realizado mentalmente pela
criança é fundamental para que haja um avanço metodológico, uma vez que o desempenho
correto nem sempre significa uma operação mental bem realizada. O acerto pode significarapenas uma resposta mecânica. Justifica-se, portanto, a necessidade do professor conhecer o
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processo que a criança utiliza para chegar às respostas. Para Góes, uma boa aprendizagem
consolida e cria zonas de desenvolvimento pessoal.
Desta maneira, quando a criança demonstra dificuldade em algum ponto é possível
trabalhar funções que ainda não estão consolidadas. As experiências de aprendizagem
compartilhadas permitem que se atue na zona de desenvolvimento proximal, auxiliando as
funções ainda não consolidadas a amadurecer. Kozulin (1996) pontua que as EAM contribuem
para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Para Feuerstein, a avaliação, ao contrário de ser uma cobrança de informações
memorizadas, passa a indicar o que o aluno compreendeu e o que lhe falta compreender,
levando sempre em consideração o grupo em que se encontra inserido. O desenvolvimento
ocorre definido por metas culturalmente estabelecidas, em que os membros dos grupos sociais
aos quais pertence a criança é que auxiliarão na definição dessa direção. Neste sentido,
podemos dizer que os dois se aproximam novamente quando entendemos a extensão das
colocações de Vygotsky (1995) que alertam sobre a importância de estimular as crianças com
diferentes deficiências a interagir amplamente com todas as demais.
Feuerstein, com a sua proposta, traz a possibilidade de auxiliar a modificabilidade dos
indivíduos, garantindo-lhes um espaço pedagógico onde possam usufruir as oportunidades de
experiências de aprendizagem mediada. Para Feuerstein, como para Vygotsky, o
desenvolvimento da criança não pode ser compreendido apenas através de um estudo do sujeito,
mas do contexto em que está inserido.
Para Feuerstein, a síndrome de privação cultural encontrada em muitas crianças refere-
se a um estado de incapacidade temporário (mas que pode tornar-se permanente) daquelas que,
apesar de estarem inseridas em um determinado grupo social, não conseguem se beneficiar das
mediações estabelecidas pelo meio. Apresentam necessidade de estimulação específica.
Feuerstein (1980) desenvolveu uma sistematização de instrumentos que auxilia o
professor e a criança a reorganizarem os processos cognitivos a partir da ação sobre as
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diferentes funções cognitivas, cujo funcionamento pode estar diminuído devido à falta de
mediação adequada. Ele acredita que muitas vezes a mediação estabelecida com a criança não
chega a atingi-la, sendo necessária uma intervenção para estimular as funções cognitivas que
não foram desenvolvidas. De acordo com Vygotsky (1995), as habilidades para utilizar de
forma conveniente os instrumentos desempenharam e se constituíram em um papel decisivo na
passagem do macaco para o homem, sendo a primeira premissa do trabalho e da cultura.
Assim, em essência podemos considerar que a função social dos instrumentos está
preservada tanto em Vygotsky quanto em Feuerstein. A diferença repousa, na expressão desses
instrumentos. Vygotsky, por sua vez, considera que os elementos da cultura material e não-material, carregados de sentido e significado, constituem-se em instrumentos de mediação, ou
seja, medeiam a relação do homem com o mundo a partir do próprio mundo do homem. Tais
instrumentos, ao mesmo tempo em que medeiam a relação do homem com a realidade, são
transformados por esta mediação a partir de re-significações. Feuerstein, por sua vez, irá fazer
um recorte dessa realidade e produzirá uma realidade paralela ao compor os instrumentos do
PEI que simulam a realidade objetiva. Além disso, tais instrumentos constituem também o
próprio programa de formação de mediadores que, por sua vez, utilizarão esse instrumento, ou
seja, para ser mediador, a partir do PEI, é necessário ter sido formado para isso. Em outra
instância, tanto em Vygotsky quanto em Feuerstein, a mediação gera modificabilidade à medida
que proporciona aprendizagem.
Assim, para reforçar nossa abordagem recorremos a um dos pontos centrais do
pensamento de Feuerstein: a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural. O referido autor
a compreende como a possibilidade que cada pessoa carrega em se transformar podendoalcançar, portanto, os meios necessários para sua adaptação (entendida pelo autor como
capacidade de solucionar os problemas encontrados) ao ambiente e melhorar seu padrão de
desenvolvimento.
Ainda nesta linha de raciocínio, Feuerstein (1994) refere-se à inteligência como a
tendência ou propensão do organismo a ser modificado em sua própria estrutura, como resposta
à necessidade de se adaptar a novos estímulos, seja de origem externa ou interna. Sua teoria
parece que se constitui num processo flexível e dinâmico que possibilita a compreensão dos
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mecanismos utilizados pelo sujeito para perceber, identificar, comparar, atribuir significados,
internalizar, armazenar as informações relacionando-as a diferentes contextos. Com tais dados,
a ação pedagógica planejada e sistematizada terá mais chances na estimulação das áreas que
estão funcionando de forma deficitária.
As experiências de aprendizagem mediada parecem ser um instrumento bastante eficaz
para promover o desenvolvimento dos indivíduos, em especial aqueles que não conseguem se
beneficiar das experiências diretas com os objetos. A mediação é passível de ser exercida pelos
pais, por amigos ou adultos que por ventura venham a interagir com a criança. O que a
diferencia dos outros tipos de interação é o fato de ser desencadeada pela ação intencional deum ser humano, de forma deliberada, isto é, planejada. A função do mediador não é apenas a de
levar a criança a perceber e registrar os estímulos, mas determinar certas mudanças na maneira
de processar e utilizar a informação.
Gomes (2000) reflete que a regulação e o controle das funções mentais já era
preconizado por Vygotsky, tal como aponta Kozulin (2000). Vygotsky define que há dois tipos
de funções psicológicas: as funções “naturais” e as funções “culturais”. Segundo Gomes, paraVygotsky as funções naturais, como a memória, a atenção, a percepção, entre outras, são
reguladas pelas funções culturais, definidas através dos instrumentos psicológicos. Por
exemplo, o uso de símbolos (instrumento psicológico) de notação modifica a maneira como o
indivíduo memoriza os dados, alterando sua função “natural”. Para o autor acima citado, é
importante destacar que as funções “culturais” se caracterizam justamente pela construção de
um novo padrão de raciocínio determinado pela apropriação dos instrumentos psicológicos.
Para Kozulin (op.cit.), as funções cognitivas de Feuerstein podem ser pensadas como as
funções culturais de Vygotsky que são mediadas de geração em geração por meio da
aprendizagem mediada, canalizando as funções naturais da mente humana. A esse respeito,
Leontiev (1978) demonstra em seus estudos que existe uma distinção entre o processo de
desenvolvimento das funções e faculdades específicas do homem e aqueles processos que são
responsáveis pelo desenvolvimento do comportamento transmitido pela herança biológica e de
aquisição da experiência individual. A formação das funções psíquicas características do ser
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humano como ser social produzem-se sob uma forma bastante específica através de “um
processo de apropriação, de aquisição”.
Segundo Fonseca (1998), o conceito de mediação em Vygotsky, em certa medida,
consiste no pressuposto de que mudar a inteligência de um indivíduo é atuar na sua “zona de
desenvolvimento proximal”.
Desta forma, Vygotsky forneceu outros modelos para descrever a capacidade de umacriança se beneficiar da interação com adultos ou com os seus companheiros maiseficazes nos processos de resolução de problemas. Esta área de desenvolvimento
proximal é essencialmente um conceito social que descreve a capacidade de a criançainteriorizar as estratégias de resolução de problemas que se encontram disponíveis deuma forma aberta no contexto social. Segundo este autor, para que esta interiorização
signifique é necessário observar-se duas condições: primeiro um ambiente socialadequado que inclua a instrução dirigida para a resolução de problemas e segundo umaelevada qualidade interativa entre o desenvolvimento social e a criança (Fonseca1998:277).
Sendo assim, inicialmente as crianças experimentam desafios cognitivos e problemas na
presença dos adultos. Na sua essência os adultos modelam e mediatizam a resolução de
problemas para as crianças. Em estágios mais tardios, as crianças tentam resolver os problemas
sozinhas, ao mesmo tempo em que os adultos as guiam, as corrigem e as recompensam nessas
tentativas. Finalmente, as crianças tornam-se mais capazes de resolver os problemas sozinhas erequerem cada vez menos ajuda ou suporte por parte dos adultos.
Segundo Fonseca (op.cit.), esse processo de mudança do indivíduo só é possível por
mediatização de outro ser humano mais experiente. Para este autor, o enfoque vygotskyano é
atuar nos processos simbólicos do indivíduo por meio da mediatização intencional de outro
indivíduo portador de estratégias de interação e de reflexão, que provocam naquele novos
modos de pensamento e de ação mais eficazes e mais flexíveis. Ainda segundo Fonseca
(op.cit.), em Vygotsky o mediatizador pretende transmitir informação de forma transcendente e
significativa, visando transformar os pré-requisitos cognitivos do mediatizado, proporcionando-
lhe experiências que requerem o uso de ferramentas psicológicas que permitam lidar com a
informação de forma mais integrada e plástica.
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Essa leitura de Vygotsky aproxima-o de Feuerstein, pois foca a importância do
mediador humano capaz de organizar a experiência mediada.
Sanchez (1989), por outro lado, assinala que a proposta de Feuerstein parece apresentar
pontos comuns tanto em relação aos estudos realizados por Piaget como por Vygotsky.
Aproxima-o de Piaget ao salientar a importância da criança encontrar significado naquilo que
está aprendendo, a necessidade do desafio e da desequilibração; e de Vygotsky ao afirmar que a
aprendizagem se faz a partir da inserção da criança na cultura e ao focar o papel fundamental da
linguagem como produto histórico na organização do pensamento e na formação de conceitos
científicos. A autora faz algumas observações em relação à teoria de Feuerstein, comparando-acom a psicologia de Piaget:
(...) la psicología piagetiana se limita al método clínico a través de la entrevista paraintentar entender el pensamiento del niño, causa por la cual los resultados están confrecuencia poco estructurados. Feuerstein, a pesar de utilizar el método clínico comoinstrumento de trabajo para averiguar cómo ha llegado el sujeto a la solución del
problema, también emplea la analogía del ordenador y el mapa cognitivo con el objetode tener una mayor información del proceso que sigue el niño en la resolución de
problemas (Sanchez, 1989:20).
Um outro autor, Gomes (2002), afirma que se Piaget descreveu brilhantemente as fases
da estrutura e os níveis de desenvolvimento, Feuerstein buscou explicar porque uma fase
superava a outra justamente através da aprendizagem mediada e não através de uma maturação
linear e estática como se pode constatar na citação que se segue:
É nesse ponto que Feuerstein diverge de Piaget, que enfoca o caráter maturacional e biológico da estrutura, preconizando que a operação surge basicamente da maturação biológica (Kozulin, 2000). O ambiente é importante, mas a maturação é fundamental.Feuerstein, por sua vez, concebe que a operação mental reversível e lógica, surge a
partir da aprendizagem mediada, de forma semelhante a Vygotsky, que pregonizavaque a operação mental defini-se pela apropriação de instrumentos psicológicos peloindivíduo. Piaget canaliza o poder da maturação, ao passo que Feuerstein e Vygotskycentram-se no poder da interação social na regulação e no desenvolvimento dasfunções naturais (Gomes, 2002:139).
Outro estudioso de Feuerstein, Beyer (1996), assinala que alguns consideram a teoria da
modificabilidade cognitiva estrutural como a mais nova vertente do “neo-behaviorismo”.
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Outros, como uma a mais no conjunto dos inúmeros métodos e técnicas utilizados na tentativa
de resolver o fracasso e a evasão escolares.
Beyer (1996), cuja tese de doutoramento realizada na Alemanha baseou-se na teoria deFeuerstein, argumenta, que embora alguns termos utilizados por este autor, como, por exemplo,
Programa de Enriquecimento Instrumental, estímulo-resposta, input, output, possam sugerir
alguma conotação behaviorista, isto não se confirma ao analisarmos sua proposta teórica.
Sendo assim, podemos considerar que há diferentes leituras de Vygotsky e de
Feuerstein. Parece-nos que cada leitor “produz” sob sua ótica novos ‘Vygotskys’ e novos
‘Feuersteins’. As produções nos apontam para as ênfases manipuladas em função das crenças e
das intenções desses pesquisadores. A busca de encontrar o significado de mediação para
Vygotsky e fazer um recorte em torno da mediação exigiram-nos que trouxéssemos outras
reflexões associadas, uma vez que se trata de um dos conceitos mais complexos no pensamento
deste referido autor.
Conforme já citado, Valsiner (1996) prioriza os aspectos intrapsicológicos, isto é, a
pessoa constrói uma cultura pessoal através de suas experiências prévias podendo estar imuneàs sugestões do meio social. Com esta leitura, poderíamos dizer que Vygotsky e Feuerstein
estariam bastante distantes, uma vez que Feuerstein acredita na modificabilidade do indivíduo a
partir da intervenção do mediador. Wertsch (1998), por sua vez, em sua leitura, prioriza os
processos interpsicológicos afirmando que ao se analisar o funcionamento interpsicológico,
necessariamente se analisa o funcionamento intrapsicológico. O autor assinala que a transição
entre estes dois planos se dá através de mudanças quantitativas e qualitativas, defendendo a tese
de que a origem desta transição está nos instrumentos semióticos usados na interação social.
Wertsch destaca a definição da situação compartilhada e os níveis de intersubjetividade como
sendo os dois processos fundamentais na análise do funcionamento psicológico.
Desta forma, para o citado autor a comunicação deve se basear num nível mínimo de
definição da situação compartilhada, ou seja, de intersubjetividade. Neste sentido, acontece a
comunicação pela constituição de uma realidade social temporalmente compartilhada através da
negociação mediada semioticamente entre as pessoas envolvidas na definição da situação. Esta proposta restringe a intersubjetividade a uma interação face a face, à presença imediata do outro
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e aos mecanismos de comunicação compartilhados na interação. Para Molon (1995), o modelo
proposto por Wertsch concebe a existência de diferentes níveis de intersubjetividade como se
existisse um nível completamente harmônico, portanto ideal na relação do adulto com a criança.
Com esta leitura poderíamos dizer que Vygotsky e Feuerstein se aproximam, uma vez que para
Feuerstein a presença do mediador é fundamental para que a aprendizagem ocorra.
Neste momento, podemos dizer que a leitura que mais nos agrada é a leitura de Smolka
(1991), Góes (1991) e Pino (1993) que apontam novas possibilidades para superar o dualismo
entre o funcionamento interpsicológico e o funcionamento intrapsicológico, acabando com a
primazia de uma dimensão sobre a outra. As pesquisas realizadas por esses autores indicam quea construção do homem acontece dialeticamente. O homem constitui-se pelo outro e pela
linguagem através dos processos de significação e dos processos dialógicos, rompendo com a
dicotomia entre sujeito e social, entre o eu e o outro. Sendo assim, parece que podemos afirmar
que dependendo do olhar do leitor de Vygotsky aproximaremos ou distanciaremos mais um do
outro.
Tendo em vista que o foco do nosso trabalho é a mediação e, por acreditarmos que a
constituição do homem não se esgota no privilégio de aspectos interpsicológicos ou
intrapsicológicos, mas acontece no processo dialético de ambos, consideramos a leitura
dialética como sendo a mais apropriada para revelar a extensão deste conceito em Vygotsky.
Nesse sentido entendemos que, para Vygotsky, a mediação é um pressuposto e não a presença
física do outro, enquanto que Feuerstein considera a presença do mediador essencial para que a
mediação aconteça. Para Vygotsky, a mediação é a própria relação, e na relação encontra-se
presente um terceiro elemento, ou seja, o elemento semiótico, considerado como a própria
mediação, como aquele que atribui significado e sentido aos sujeitos da relação e à relação em
si. Feuerstein, por seu turno, considera que o outro, manifestado fisicamente, é elemento
essencial e condição para que a mediação seja estabelecida. Ampliando essa reflexão,
entendemos que no pensamento de Feuerstein o outro, presente fisicamente na relação, não está
dotado a priori de significado, pois propõe um programa para formar o mediador. Será este
programa, ao nosso ver, o elemento constitutivo da dimensão mediadora do mediador, uma vez
que ele considera a intencionalidade, o significado e a transcendência como elementos
universais ou critérios universais para que uma mediação aconteça. Podemos inferir, ainda, que
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o significado de transcendência para Feuerstein encontra correspondência à idéia de sentido no
pensamento de Vygotsky, uma vez que Feurstein ressalta, nesta relação entre mediador e
mediado, a importância da busca de ressonâncias, por parte do mediado, dos significados
atribuídos com situações vivenciais e pessoais.
Outro campo importante a ser mapeado é a reflexão acerca dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento para esses dois autores. Numa primeira aproximação,
podemos dizer que tanto para Vygotsky quanto para Feuerstein, a experiência da mediação é
geradora de modificações. Em Vygotsky, essa noção de modificação está expressa pela situação
do indivíduo no processo de aprendizagem e desenvolvimento revelado, por exemplo, pelaautonomia do indivíduo, pela capacidade que um indivíduo adquire com o outro mais
experiente de conseguir realizar com independência (autonomia) uma certa atividade ou tarefa.
Aqui podemos dizer, portanto, que de acordo com o pensamento de Vygotsky a mediação
delineia e atua sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal sendo, então, as situações de
aprendizagem desencadeadoras do desenvolvimento do indivíduo manifestado pela autonomia
do mesmo diante de uma determinada situação ou desafio. Para Feuerstein, entretanto,
aprendizagem e desenvolvimento acham-se comprometidos um com o outro, tal como notamos
no pensamento de Vygotsky. Sua proposição consiste em considerar a modificabilidade
cognitiva como revelação do desenvolvimento do sujeito que se dá necessariamente pela
experiência da aprendizagem mediada.
A análise de todos estes dados possibilita-nos afirmar que a obra tão vasta e tão
intensa de Vygotsky, produzida num curto tempo de vida, permitiria outras tantas reflexões
sobre os pontos de aproximação e divergências com Feuerstein. O método proposto para esta pesquisa, ou seja, o método dialético, nos levaria também a realizar outros tantos movimentos
de ir e vir que possibilitariam ainda mais essa nossa análise. Entretanto, parece-nos que
chegamos a um momento em que o fechamento - que não é um “ponto final”, mas um “ponto e
vírgula” - deve acontecer, esperando que em outros momentos possamos, talvez, retomá-la e
que outros pesquisadores possam igualmente fazê-lo.
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As leituras dos textos foram realizadas e recapituladas considerando que a compreensão
de algo implica uma rede conceitual imbricada, atravessada e sustentada por pressupostos
básicos, ou seja, uma rede de relações e conexões. Sendo assim, tivemos que considerar a
complexidade do pensamento de Vygotsky e a rede de relações dos problemas abordados pelo
autor procurando, sempre, entender como usou diferentes interlocutores na composição de sua
construção teórico-metodológica e como foi esboçando sua teoria a partir da constatação de que
as análises psicológicas realizadas pelos sistemas de Psicologia de sua época eram limitadas.
Notamos que ele reconstitui o campo da ciência psicológica no diálogo com inúmeros autores,
tanto criticando quanto concordando.
Percebemos que o pressuposto básico da teoria vygotskyana é o trabalho possibilitando
a humanização do homem, isto é, o homem se constituindo como tal pela atividade de
trabalho. O autor acredita que as relações sociais impõem novas formas de mediação,
dependentes da cultura em que estão inseridas, implicando na necessidade da compreensão
dos mecanismos e processos diferentes que constituem o sujeito num momento determinado e
numa determinada cultura.
Para Vygotsky, todas as funções psicológicas superiores originam-se das relações reais
entre indivíduos humanos e não existem independentemente das experiências. São funções que
apresentam natureza histórica e são de origem sócio-cultural. São mediadas.
Sendo o nosso objeto de estudo a mediação, garimpar na obra de Vygotsky a concepção
de mediação foi uma tarefa bastante difícil, assim como afirma Molon, porque não é um
conceito, é um pressuposto norteador de todo o seu arcabouço teórico-metodológico. A
mediação é processo, não é o ato em que alguma coisa se interpõe, não está entre dois termosque estabelece uma relação. É a própria relação. A mediação ocorre através dos signos, da
palavra, da semiótica.
Vygotsky não usou a expressão de mediação semiótica, mas se referiu à expressão
semiótica. Nesse sentido, ele parte da definição de que toda palavra tem significado, de que para
analisar o significado é preciso analisar a linguagem diferenciando seus aspectos semióticos
concebendo a unidade desses aspectos. Sendo assim, deparamo-nos com muitos estudiosos quecontinuam investigando sua significativa contribuição para as discussões pedagógicas em torno
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da linguagem como parte constitutiva do processo de humanização, considerada como
reorganizadora dos processos de percepção, memória e imaginação, além de influir sobre o
pensamento e organizá-lo, complexificando os processos psíquicos em níveis superiores.
Vygotsky também sinaliza a relevância da significação como uma característica do ser
social e ressalta o papel de uma intervenção pedagógica intencional. Nesse sentido, podemos
considerar que essas idéias apontaram rumos para discussões no campo educacional que podem
mexer com posições já sedimentadas e permite-nos rever muitas questões como, por exemplo, o
papel da linguagem no desenvolvimento como produção de signos e sentidos.
Autores atuais como Smolka, Pino, Góes, entre outros, reconhecem seu valor no campo
educacional e avançam para discussões admitindo algumas lacunas, impulsionando-nos para
querer saber mais, ajudando a desvelar nossos próprios avanços e também a reconhecer nossas
próprias limitações.
Sentimos que sua obra foi interrompida precocemente, e embora sua leitura não seja
tarefa fácil, reconhecemos como estas discussões são produtivas para o campo educacional.
Nesta trajetória muitas questões despertaram curiosidade e necessidade de serem
entendidas com mais profundidade, principalmente a concepção de linguagem não só como
função comunicativa, instrumental, mas também do seu caráter constitutivo, de sua dimensão
significativa.
Nesta busca pela compreensão da mediação não podemos desconsiderar que, nos
constituímos como seres humanos, para Vygotsky, nas relações que estabelecemos com outros
seres humanos no processo de trabalho, nas relações com a natureza, enfim, neste campo de
mediações. Assim, a teia de relações em que cada ser está imerso será constitutivo desse ser.
No nosso entender, também para Feuerstein o humano se constitui nas suas redes de
relações mediadas. É na aprendizagem mediada que Feuerstein deposita toda a sua ação.
Através da mediação são aplicados os instrumentos do LPAD (Avaliação Dinâmica do
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Potencial de Aprendizagem) ou do PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental). Podemos
afirmar que as EAM, o PEI e o LPAD constituem o tripé em que se baseia a Modificabilidade
Cognitiva. Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM) são situações vivenciadas pelos
indivíduos, em que existe a ação intencional de um ser humano que filtra, direciona, enriquece
ou focaliza os estímulos, de acordo com a necessidade de quem está sendo mediado. São estas
experiências, segundo Feuerstein, que podem promover essa “modificabilidade e flexibilidade”,
dotando a pessoa com habilidades.
Feuerstein, ao propor a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural acreditando que
toda pessoa tem a possibilidade de se transformar, ao nosso ver, também contribuiu no processoeducacional em relação à ação pedagógica, mudando, assim, o enfoque educacional
principalmente para nortear os educadores que se encontram sob um conformismo estático e
poderiam contribuir igualmente para um outro posicionamento em relação à Educação Especial,
não negando a deficiência mas rompendo com o imobilismo.
Encontramos muitos estudiosos de sua teoria que pontuam algumas lacunas, mas que
reconhecem que a partir das EAM – Experiências de Aprendizagem Mediada – assim como daaplicação dos instrumentos do PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental – podem
observar a ampliação da capacidade dos envolvidos, inclusive daqueles que inicialmente
apresentavam dificuldades para identificar posições, formas, diferenças entre objetos, entre
outros.
Alguns estudiosos, entre eles Kozulin (1997), mostraram em suas pesquisas a
possibilidade de associar as EAM às ferramentas psicológicas, uma das idéias fundamentais da
teoria de Vygotsky. Outros estudiosos, entre eles Goulart (2000), demonstram em seus estudos
a relevância da mediação, em especial através dos critérios de intencionalidade, significação e
transcendência, na mudança apresentada pelos participantes em relação à ampliação do
repertório cognitivo, do desenvolvimento do auto-conceito, da auto-estima e da auto-regulação
da conduta.
Não podemos deixar de considerar que Feuerstein também colabora no campo
educacional quando destaca a importância do mediador como sendo aquele que organiza e
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seleciona os estímulos para facilitar a aprendizagem e salienta que esta intervenção deve estar
pautada na intencionalidade, no significado e na transcendência. Com isso, alerta o professor
para a necessidade de rever determinados procedimentos usados em sala de aula que poderiam
impedir os alunos de construírem conceitos de forma significativa. É importante que o professor
tenha consciência da necessidade de uma direção e orientação seguras e competentes no
processo ensino-aprendizagem.
Podemos pensar também que o autor contribui para a exploração da linguagem em suas
diversas formas como modo de ampliar a possibilidade de comunicação e de expressão,
contribuindo assim para a interação social. Pensamos que os instrumentos do PEI podem servirde inspiração ao professor para que ele possa criar estratégias pedagógicas que contribuam, na
sua ação pedagógica, para despertar o prazer no processo ensino-aprendizagem, uma vez que
esses instrumentos possuem uma riqueza na variedade de estímulos tanto verbais como
imagéticos. Podem servir de modelo, também, para a criação de estratégias que encaminhem
para o pensamento reflexivo, pois cabe ao mediador ter sempre em mente seu compromisso em
ensinar aos aluno o que fazer, quando, como e por que fazer.
Quando Feuerstein afirma que a mediação só é possível ao se acreditar na criança,
ressalta a importância da dimensão afetiva no processo ensino aprendizagem, da força
mobilizadora do impulso energético que o mediador dirige ao mediado, da sua certeza em
relação à capacidade e à potencialidade do outro. Traz, nos seus critérios de mediação, a ênfase
na interação, no relacionamento interpessoal, nas experiências compartilhadas entre professor e
aluno. Traz também, no critério de individuação e diferenciação psicológica, o reconhecimento
e o respeito à individualidade de cada um, ressaltando a diversidade do ser humano.
Enfim, no propósito de encontrar pontos de convergências e divergências entre Vygotsky
e Feuerstein, concluímos esta pesquisa com um desejo imenso de termos tido a possibilidade de
conhecer pessoalmente os dois pesquisadores. O fato de ter entrado em contato com a história
de cada um, desvelar seus desejos, fez com que eu me encantasse com ambos. Vygotsky não
concluiu sua obra e Feuerstein ainda hoje continua aprofundando seus estudos. Olhando a fotodos dois, hoje, admiro-os profundamente! Um que, no auge de seus tempos, interrompe um
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trabalho tão bonito e o outro, emoldurado pelos cabelos brancos, que continua empenhado em
aprofundar suas descobertas. Cada um, a seu modo, dedicou seus estudos ao ser humano
objetivando o melhor.
Em meio a tudo isso, finalizo esta pesquisa com um sentimento e um desejo de continuar
buscando sempre perguntas e respostas e recorremos, neste momento, ao grande escritor
Fernando Sabino.
“De tudo ficam três coisas:
a certeza de que estamos sempre começando,a certeza de que é preciso continuar,e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar.Por isso, é preciso fazer:da interrupção um caminho novo,da queda um passo de dança,do medo uma escada,do sonho uma ponte,da procura um encontro”.
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