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gosto dos franceses pela gastronomia foi construído junto com o povo e sua cultura. Diz-se que tem origem nos hábitos dos gauleses, o povo que, entre 500 a.C. e 400 d.C., habitou a região correspondente hoje a parte de França, Bélgica, Suíça e Inglaterra e que fazia do ato de comer e beber um estilo de vida. Mais tarde, já no século XVII, a gastronomia ganhou um novo símbolo: o rei Luis XIV, conhecido por seu apetite voraz. Foi na- quela época que a cozinha do país ganhou ainda mais força, graças aos banquetes reais elaborados por François Vatel. No decorrer dos quatro séculos seguintes, não faltaram nomes para engrandecer e destacar a culinária francesa, usada como base técnica para cozinheiros de todo o mundo. Porém, foi nos anos 1990 que um movimento começou a chamar atenção, especialmente em Paris, a “bistronomia”. E para disseminar e consagrar a cozinha dos novos bistrôs, foram premiadas as 100 melhores casas da Cidade Luz. Uma forma de estimular as boas cozinhas e guiar moradores e turistas. Aqui cabe um adendo sobre as diferentes categorias de restau- rante encontradas por lá. Brasserie são estabelecimentos com muitas mesas, que funcionam do café da manhã ao jantar e oferecem pratos típicos, como o cassoulet. Bistrôs são os pequenos restaurantes que servem receitas tradicionais parisienses, mas têm mais cuidado com a execução dos pratos, com o uso de temperos e a qualidade dos pro- dutos, dando preferência ao que é local. A bistronomia, por sua vez, POR ISABEL RAIA, DE PARIS* FOTOS DIVULGAÇÃO PARIS/ 80 O Com clima despojado, cozinha criativa e preços acessíveis, a bistronomia parisiense se mostra cada vez mais com força, e continua com excelentes opções para comer bem na capital francesa GASTRONOMIA LUZ é o termo que une as palavras bistrô e gastronomia e faz referência a restaurantes pequenos, com oferta de pratos que destacam o ingre- diente e seu produtor. Para se enquadrar nessa categoria é preciso oferecer um clima descontraído e informal, além de preços convidativos e cozinha cria- tiva. Assim como a alta gastronomia francesa, nos neobistrôs o foco é a cozinha de autor, com valorização do produto, aproveitamento dos insumos da estação e domínio das técnicas. Apesar de não ser regra, essa cozinha é, na maioria, exercida por jovens chefs que têm ampla bagagem e experiência, e estreiam à frente do próprio restaurante. Com Alain Ducasse entre os mentores do projeto, o Paris Le Plus Grand Bistrot tem como objetivo premiar os chefs que são bons, destacam-se na cidade, mas que, por comandarem casas mais despojadas, acabam ficando de fora das estrelas do Guia Michelin. “A bistronomia é uma forma de defender a qualidade do produto servido. Não podemos esquecer que os bistrôs são para onde grande parte dos turistas vai”, afirmou Ducasse. A cerimônia que aconteceu no elegante Hôtel de Ville con- tou com o serviço de bufê de alguns vencedores do prêmio, além de receitas assinadas por Alain Ducasse. Confira a seguir as casas visitadas pela reportagem e, no QR Code, acesse a lista com- pleta com os 100 melhores bistrôs.

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gosto dos franceses pela gastronomia foi construído junto com o povo e sua cultura. Diz-se que tem origem nos hábitos dos gauleses, o povo que, entre 500 a.C.

e 400 d.C., habitou a região correspondente hoje a parte de França, Bélgica, Suíça e Inglaterra e que fazia do ato de comer e beber um estilo de vida. Mais tarde, já no século XVII, a gastronomia ganhou um novo símbolo: o rei Luis XIV, conhecido por seu apetite voraz. Foi na-quela época que a cozinha do país ganhou ainda mais força, graças aos banquetes reais elaborados por François Vatel. No decorrer dos quatro séculos seguintes, não faltaram nomes para engrandecer e destacar a culinária francesa, usada como base técnica para cozinheiros de todo o mundo. Porém, foi nos anos 1990 que um movimento começou a chamar atenção, especialmente em Paris, a “bistronomia”. E para disseminar e consagrar a cozinha dos novos bistrôs, foram premiadas as 100 melhores casas da Cidade Luz. Uma forma de estimular as boas cozinhas e guiar moradores e turistas.

Aqui cabe um adendo sobre as diferentes categorias de restau-rante encontradas por lá. Brasserie são estabelecimentos com muitas mesas, que funcionam do café da manhã ao jantar e oferecem pratos típicos, como o cassoulet. Bistrôs são os pequenos restaurantes que servem receitas tradicionais parisienses, mas têm mais cuidado com a execução dos pratos, com o uso de temperos e a qualidade dos pro-dutos, dando preferência ao que é local. A bistronomia, por sua vez,

POR ISABEL RAIA, DE PARIS*FOTOS DIVULGAÇÃO

PARIS/

80

OCom clima despojado, cozinha criativa e preços acessíveis, a bistronomia parisiense se mostra cada

vez mais com força, e continua com excelentes opções para comer bem na capital francesa

GASTRONOMIA LUZé o termo que une as palavras bistrô e gastronomia e faz referência a restaurantes pequenos, com oferta de pratos que destacam o ingre-diente e seu produtor.

Para se enquadrar nessa categoria é preciso oferecer um clima descontraído e informal, além de preços convidativos e cozinha cria-tiva. Assim como a alta gastronomia francesa, nos neobistrôs o foco é a cozinha de autor, com valorização do produto, aproveitamento dos insumos da estação e domínio das técnicas. Apesar de não ser regra, essa cozinha é, na maioria, exercida por jovens chefs que têm ampla bagagem e experiência, e estreiam à frente do próprio restaurante.

Com Alain Ducasse entre os mentores do projeto, o Paris Le Plus Grand Bistrot tem como objetivo premiar os chefs que são bons, destacam-se na cidade, mas que, por comandarem casas mais despojadas, acabam ficando de fora das estrelas do Guia Michelin. “A bistronomia é uma forma de defender a qualidade do produto servido. Não podemos esquecer que os bistrôs são para onde grande parte dos turistas vai”, afirmou Ducasse. A cerimônia que aconteceu no elegante Hôtel de Ville con-tou com o serviço de bufê de alguns vencedores do prêmio, além de receitas assinadas por Alain Ducasse. Confira a seguir as casas visitadas pela reportagem e, no QR Code, acesse a lista com-pleta com os 100 melhores bistrôs.

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L’Epi DupinFrançois Pasteau é uma das exceções entre a “nova geração” no co-mando da própria cozinha. O chef do L’Epi Dupin tem 30 anos de experiência e, desde 1995, mantém o bistrô em Paris 11. O espaço tem o menu escrito com giz nas paredes e concorridas mesas. O preço do cardápio parte de 28 euros, mas o valor pode aumentar de acordo com o número de etapas escolhido pelo comensal – na data de nossa visita a opção mais cara era a de seis tempos e saía por 52 euros. Entre os pratos que mais bem traduzem a cozinha de produto exercida pelo chef está o creme de cenoura e gengibre com espuma feita com as folhas da mesma cenoura. Uma receita leve e refrescante. “Podemos fazer comida boa sem cobrar caro, é só mudar o modo de pensar e aproveitar o ingrediente por inteiro”, disse o cozinheiro.

Na cozinha de François, a ideia é aumentar cada vez mais o con-sumo de vegetais e reduzir o de carne. “É uma cozinha que preser-va o meio ambiente. Não existe chef sem bom produto, a qualidade do insumo é essencial”, afirmou. Seguindo essa linha, destacaram-se também o escabeche de vegetais orgânicos e o arenque defumado acompanhado de mousseline de batata-doce. L’Epi Dupin ocupa o 29o lugar na lista dos 100 melhores bistrôs. Rue Dupin, 11, Arrondissement 6, Paris; epidupin.com

Pierre Sang in OberkampfPierre-Sang Boyer nasceu em Seul, na Coreia do Sul, mas aos 7 anos se mudou com a família para a França e traduz sua história nos pratos que cria, mesclando clás-sicos coreanos e franceses. Com dois restaurantes na mesma rua – e um terceiro prestes a abrir –, o chef caiu no gosto do grande público depois de participar de pro-gramas de televisão, como o reality Top Chef em 2011. Um ano depois, ele abriu o primeiro restaurante, o Oberkampf, no qual oferece o “menu surpresa” e con-vida os comensais a sentir de fato o alimento e adivinhar quais foram os ingredientes usados na execução de cada um dos pratos. Assim, o garçom traz o preparo à mesa, faz a harmonização com um dos vinhos e deseja bom apetite, revelando a receita somente depois de limpos os pratos. E a brincadeira por ali é levada a sério. O chef desafia a acuidade do paladar, colocando na mesma receita peixe no kombu, aspargos e miso; em outra, une o pato – velho conhecido do paladar francês – com um molho feito com óleo de gergelim, miso e gochujang, uma pasta fermentada de pimenta malagueta, arroz, soja e sal, que é bastante consumida na culinária coreana. O ambiente é dividido em dois pisos, com o subsolo mais intimista e aconchegante, lembrando uma cava. Rue Oberkampf, 55, Arrondissement 11, Paris;

pierresangboyer.com

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Outras apostas

Le 153Localizado próximo ao Centro Georges Pompidou, esse bar descolado, com sofás em vez das formais mesas e ca-deiras, abriga exposições de arte que mudam mensalmen-te, seguindo sempre a temática de exaltar a sexualidade. Assim como as obras, a carta de drinques também varia de acordo com a época do ano e a sazonalidade dos ingre-dientes. A proximidade com o bartender permite pedidos personalizados. Rue Saint-Martin, 153, Arrondissement 3, Paris; le153.com

La MeringaieUma loja especializada em pavlovas e suas inúmeras variações. Essa é La Merin-gaie. Inaugurada há cerca de um ano, a casa oferece tanto o doce pronto para ser saboreado quanto a opção personalizada, que é finalizada em 3 ou 4 minutos. Além das frutas que podem ser escolhidas pelo comensal, sobre o merengue, o wipphed cream é ofertado nos sabores baunilha, chocolate ou combava – um fruto cítrico com sabor entre o limão e a citronela. A pavlova da casa ganha mais charme graças ao formato, que lembra o de uma flor, e se destaca pela textura do suspiro, assado ao fogo baixo por aproximadamente 1h30 e conservado em ambiente a 25 ºC e 55% de umidade. O resultado é um suspiro crocante por fora e cremoso por dentro. “A receita é da família de minha mulher e foi aprimorada durante oito anos até chegar ao ponto que desejamos, com menos açúcar e mais cremosidade”, afirma o proprietário da casa, Benoît Bardon. Rue Lévis, 21, Arrondissement 17, Paris; lameringaie.com

Rungis MarketA cerca de 7 quilômetros de Paris, o Rungis Market é o par-que de diversões para qualquer apaixonado por cozinhar. São 234 hectares de mercado divididos em grandes galpões, cada um deles direcionado a uma categoria de produtos: 69% da área é destinada a frutas e legumes, 16% a carnes e seus derivados, 9% a queijos e laticínios, e 6% para pescados e frutos do mar. É dali que sai grande parte dos insumos frescos utilizados nos restaurantes da capital francesa, visto que não é permitido ter mercados com mais de 1.000 metros quadrados na região de Paris, uma forma de preservar os serviços tradicionais, como açougueiro, hortifrúti, peixaria. Reconhecido como um dos maiores mercados de produtos frescos do mundo, o Rungis parece uma cidade. Para se lo-comover por lá, é preciso carro ou ônibus. Além disso, o auge do funcionamento do local é por volta das 2 ou 3 da manhã e, às 6 horas, muitos setores já estão fechados, como é o caso das carnes vermelhas e brancas e das hortaliças. Embora não seja aberto ao público em geral, é possível agendar uma visita ao local no site cultival.fr. rungisinternational.com

Maison Bremond 1830Loja que vende principalmente azeites, mas oferece também vinagres, antepas-tos e utensílios relacionados aos produtos, como azeiteiras, a Maison Bremond trabalha com a matéria-prima fornecida por pequenos produtores da região de Aux de Provence. Tem desde rótulos frescos, feitos com azeitonas verdes e não filtrados, até outros maturados e produzidos com azeitonas pretas. Diversos endereços; maison-bremond-1830.com

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Le CacaotierEspecializada em chocolates finos, a marca tem três lojas em Paris e quatro em cidades vizinhas. Os produtos são elaborados, na maioria, com cacau vindo de Madagáscar, pela preferência da acidez que o fruto daquele país traz, mas há também bombons feitos com cacau da Jamaica e do Brasil. Tem bonitas e delicadas opções para presentear. Diversos endereços; lecacaotier.com

* A reportagem viajou a convite da agência Atout France

Confiserie Du le Roy René Uma das lojas tradicionais de Paris, desde 1920, Le Roy René produz os calissons seguindo a receita do século XIV. O docinho é feito com melão, banhado em uma calda de açúcar e licor de amêndoas e ganha, de um lado uma fina bolacha da espessura de uma folha de papel, e, do outro, uma camada de glacê de açúcar. Na vitrine da loja são inúmeros os sabores, que vão desde os clássicos como laranja e framboesa até flor de cerejeira e matchá. Rue Lévis, 8, Arrondissement 17, Paris, e lojas em outras cidades; calisson.com