Gazeta Da Fisica 32n04

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Sociedade PortugueSa de FSica / VOL. 32 - N 4 / 2009 / Publicao Trimestral / 5,00Para os fsicos e amigos da fsica.W W W. g a z e ta d e f i s i c a . s p f. p tNanotecnologia realidade, desafo e oportunidadeEspirais e hlices na celuloseLaboratrio Ibrico Internacional de NanotecnologiaaSociedadePortuguesadeFsicacriouumprojectode sensibilizao junto dos alunos de vrias escolas secundrias do pas, desafando-os a medir e a compreender o campo elctricoemagnticonomeioambiente.aelectricidade e o magnetismo so fenmenos naturais que resultam da prpriaestruturadamatria,encontrando-sepresentes emtodososseresvivos,assimcomonomeioambiente que nos rodeia. a prpria terra est rodeada de um campo magnticoquenosprotegedegrandepartedaradiao csmica. as actividades humanas, domsticas e industriais so tambm geradoras de campos elctricos e magnticos. Nonossoquotidiano,encontramo-nosempermanente exposio a estes campos.Mais informao em http://www.spf.pt/medea/ndice V O L . 3 2 - n . 4ndicePara os fsicos e amigos da fsica. WWW. g a z e ta d e f i s i c a . s p f. p tImagem da capa: cortesia do INL Publicao Trimestral19crnica: pensamentos qunticoso novo sucessorde NewtonJim Al-Khalili36sala de professoresViagem aSo TomJorge Dias de DeusPedro Brogueira40livrosdivulgao cientfca:os melhores livros do anoGonalo Figueira32vamos experimentarde XXS a XXL a fsica das escalasde vidaGonalo Figueira2artigo geralespirais e hlices do polmero mais abundante da naturezaM.H. godinhoJ.P. canejoP. BrogueiraP.i.c. teixeira7artigo geralNanotecnologia:realidade, desafo e oportunidadeSenentxu Lanceros-Mendez9fsica e sociedadeos paradogmasda cincia Teresa S e Melo17inovaoLaboratrio ibricoInternacional de NanotecnologiaSrgio Figueiras Gmez21NotciasPaulo MarquesJoo Nuno Torres Leonel AlegreAugusto BarrosoLusa CarvalhoTeresa PeaGonalo FigueiraAF REN INST A4.fh (Converted)-6 9/4/07 6:41 PM Page 1 CompositeC M Y CM MY CY CMY K20crnica: fsica divertidao culto da carga Carlos Fiolhais42onda e corpculoa propsito da cimeira de CopenhagaAugusto BarrosoEste o nmero da Gazeta de Fsica de algum ba-lano de 2009, e das tradicionais esperanas para 2010.Em Julho de 2009 o INL Laboratrio Internacional Ibrico de Nanotecnologia, foi formalmente inau-gurado. Trata-se de uma projecto a grande escala, remake do projecto Manhattan de Los Alamos, focado para a investigao das pequenas esca-las, as nanoescalas. A primeira pedra (um padro simblico como nos Descobrimentos foi a escolha do governo) no foi colocada no deserto do Novo Mxico. Mas em Braga, a cidade que assim vai fazer conseguir ver ainda mais alto (ou mais baixo?) que as escadinhas do Bom Jesus. A estreia foi mediaticamente um mega-evento, com a presena dos primeiros-ministros, Presidente da Repblica e Rei de Espanha. O nano entrou no lxico colorido do programa da TV pblica, o inesquecvel Gato Fedorento. E o recrutamento de jovens vai comear, numa verdadeira caa internacional ao potencial cientfco humano. A Gazeta foi saber da nano-histria desta institui-o emergente e dos mega-resultados esperados. Como que a nanotecnologia vai continuar a mudar a nossa viso do mundo e a nossa vida? Senentxu Lanceros-Mendez e Srgio Figueira Gmez esta-belecem nos seus artigos os grandes desafos e planos. Os nomes dos autores mostram bem como a prometida colaborao ibrica j est implantada.Pode a fsica manter-se inalterada numa mudan-a de escala? H respostas no artigo de Helena Godinho, Joo Canejo, Pedro Brogueira, Paulo Ivo Teixeira. Com base em observaes de microsco-pia electrnica e de fora atmica, concluem que o tamanho no importa. Isto , a escala dos milme-tros das gavinhas, que vemos a olho nu, reproduz o padro da escala do micrmetro das fbras da celulose, tornadas visveis pelo microscpio de fora atmica. uma velha ideia da fco cientfca, como nos conta Gonalo Figueira no seu artigo do Vamos experimentar, revestida num resultado da investiga-o cientfca.A fechar uma dcada de acelerada volatilidade nas comuni-caes, o prmio Nobel da Fsica foi dado a trabalhos sobre fbras pticas e CCDs. Talvez assim o mundo no esquea a cincia de base, a Fsica, por detrs de tecnologias de nosso dia-a-dia. E no ano em que dados da Eurostat She Figures mostram como violado o princpio da igualdade de oportunidades a lugares de topo na academia e na cin-cia, registmos as palavras de Ada Yonath, prmio Nobel da Qumica de 2009, ano em que se atingiu o record de cinco mulheres nobelizadas: a populao est a perder metade do poder cerebral, ao no encorajar mulheres a dedica-rem-se s cincias. E recordar Ldia Salgueiro, que 2009 levou, uma fsica pioneira em Portugal h sessenta anos e aprimeira editora da Gazeta inevitvel neste nmero. As mentalidades j so outras? Basta aguardar os resultados da frequncia feminina nas universidades de hoje? Dizia Voltaire que se a ideia de Deus no existisse teria de ser inventada. O mesmo se pode dizer da matria escura, inventada pelo fsico Fritz Zwicky em 1934, para explicar as velocidades observadas das galxias e salvar a teoria da gravitao de Einstein. O ano de 2009 fechou com duas no-tcias promissoras. De um lado, a colaborao CDMS pode ter obtido um sinal de matria escura, numa experincia no laboratrio subterrneo montado numa mina do Minnesota. Ainda cedo para dizer se o sinal obtido estatisticamente signifcativo. Mas mesmo assim foi uma boa notcia. Por ou-tro lado, no LHC no CERN, depois de uma paragem forada de um ano para controlo de uma avaria, o tnel voltou a ilu-minar-se, e os feixes de protes atingiram energia sufciente para que no novo ano a matria escura possa ser criada no laboratrio, tal como no Universo. Ser mais um mistrio a desaparecer? Que outro vir a seguir? A Fsica no acaba.Por fm, em 2009, a cimeira de Copenhaga foi uma desi-luso, como antecipou Augusto Barroso na seco Onda e Corpsculo. Melhores tempos e menos temporais para 2010? Teresa PeaEditorialeditorial V ' . 5 d - ` . z / 5editorial V ' . 5 z - ` . 4|Ficha TcnicaPropriedadeSociedade Portuguesa de FsicaAv. da Repblica, 45 3 Esq.1050-187 LisboaTelefone: 217 993 665EquipaTeresa Pea (Directora Editorial)Gonalo Figueira (Director Editorial Adjunto)Carlos Herdeiro (Editor)Filipe Moura (Editor)Tnia Rocha (Assistente Editorial) Adelino Paiva ( Assistente Editorial)Ana Sampaio (Tradutora)SecretariadoMaria Jos [email protected] Colunistas e Colaboradores regularesJim Al-KhaliliCarlos FiolhaisConstana ProvidnciaAna SimesColaboraram tambm neste nmero Pedro Brogueira, Augusto Barroso, Joo Paulo Canejo, Lusa Carvalho, Jorge Dias de Deus, Maria Helena Godinho, Srgio Figueiras Gmez, Paulo Marques, Teresa S e Melo, Senentxu Lanceros-Mendez, Paulo Ivo Teixeira, Joo Nuno Torres, Leonel Alegre Design / Produo GrfcaDossier, Comunicao e Imagemwww.dossier.com.ptNIPC 501094628Registo ICS 110856ISSN 0396-3561Depsito Legal 51419/91Tiragem 1.800 Ex.Publicao Trimestral SubsidiadaAs opinies dos autores no representam necessariamente posies da SPF.Preo N. Avulso 5,00 (inclui I.V.A.)Assinatura Anual 15,00 (inclui I.V.A.)Assinaturas Grtis aos Scios da SPF.Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Espirais e hlicesdo polmero mais abundante da naturezaM.H. Godinho1J.P. Canejo1P. Brogueira2P.I.C. Teixeira3,4artigo geralV ' . 5 z - ` . 4zNo algodo pode ser encontrada numa forma quase pura, enquanto na madeira encontramos celulose nativa num material compsito com lenhina e outros polissacardeos. A celulose pode ainda ser produzida por bactrias, algas e fungos. Este ltimo tipo de celulose organiza-se numa estrutura supramolecular especfca que tem vindo a ser es-tudada permitindo a obteno de novos biomateriais. Mais recentemente, em 2001, a sntese da celulose foi realizada in vitro a partir de uma reaco de polimeriza-o [1].Foi em 1838 que Anselme Payen [2] descre-veu, pela primeira vez, a extraco de uma fbra slida resistente a partir de tecidos de plantas. Determinou a sua frmula molecular C6H10O5 e estudou o seu isomerismo, considerando a estrutura do amido. O termo celulose foi introduzido em 1839 [3]. Em 1920, Hermann Staudinger concluiu que a estrutura da celulose no correspondia agregao de molculas de D-glucose, mas que estas deveriam estar ligadas por ns covalentes. Ficou, assim, estabelecido que a celulose um polmero [4]. Na Fig. 1 apresentamos a estrutura molecular da cadeia celulsica, na qual n o nmero de unidades anidroglucose (AGU). O valor de n depende da matria-pri-1Departamento de Cincia dos Materiais e I3N/CENIMATFaculdade de Cincias e Tecnologia, FCT, Universidade Nova de Lisboa,2829-516 Caparica2Departamento de Fsica e ICEMSInstituto Superior Tcnicom Avenida Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa3Instituto Superior de Engenharia de LisboaRua Conselheiro Emdio Navarro 1, 1950-062 Lisboa4Centro de Fsica Terica e Computacional da Universidade de LisboaAvenida Professor Gama Pinto 2, 1649-003 Lisboa ma e do processo qumico de extraco. No caso da pasta da madeira, n varia entre 300 e 1700, para o algodo e outras fbras obtidas a partir de plan-tas, assim como para a celulose bacteriana, n varia entre 800 e 10000. A degradao parcial da cadeia celulsica origina ps de celulose microcristalina, que podemos encontrar, por exemplo, em amostras Avicel, com n entre 150 e 300.O encanto que o biopolmero celulose provoca resulta da sua estrutura, a qual combina a qumica dos carbohidratos com a qumica dos polmeros. O grande nmero de reaces qumicas em que a ce-Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - A celulose o polmero renovvel mais abundante do mundo. o principal consti-tuinte das paredes celulares das plantas, as quais constituem a sua principal fonte. Fig. 1 Representao esquemtica da estrutura molecular da celulose. A escala refere-se foto das gavinhas que serve de fundo figura.Neste artigo, medies realizadas com microscopia electrnica e de fora atmica mostram que as fbras celulsicas escala do micrmetro reproduzem a morfologia das gavinhas, escala dos milmetros, numa planta. uma comprova-o da invarincia da escala do modelo fsico. (N.E.)lulose pode participar deve-se presena de grupos doadores hidroxilo nas unidades AGU. Ao contrrio dos carbohidratos de baixa massa molecular, as reaces e propriedades da celulose so determina-das pelas interaces intermoleculares, reticulao, comprimento das cadeias, grau de polidisperso e distribuio de grupos funcionais na unidade repetitiva. A celulose difere dos polmeros sintticos devido sua polifuncionalidade, sua semi fexibili-dade e reactividade em relao hidrlise, oxidao e formao de grupos acetato, que determinam a sua qumica e aplicaes. Actualmente, para alm da indstria do papel, que a que mais consome celulose (aproximadamente 2% da sua produo total), esta tambm utilizada na produo de fbras e flmes, assim como na sntese de derivados celu-lsicos [5]. Muitos compostos orgnicos podem formar fases lquidas cristalinas ou mesofases, nas quais as molculas, que tipicamente tm forma alongada, apresentam uma orientao preferencial. Em com-postos como a celulose, os polipeptdeos, e o ADN, essa direco preferencial de alinhamento no espacialmente uniforme: varia de ponto para ponto, descrevendo uma hlice. A modulao peridica do ndice de refraco que da resulta est na origem das muitas propriedades pticas notveis deste tipo de materiais. Estas propriedades possibilitam a sua aplicao como fontes de luz polarizada, em siste-mas de informao e fotocopiadoras, e no fabrico de materiais decorativos.Flory previu pela primeira vez, em 1956, que uma soluo celulsica de concentrao sufcientemente elevada deveria ter propriedades lquido-cristalinas [6]. Flory relacionou a concentrao crtica *2, acima qual se entra no domnio mesomorfo, com o com-primento de Kuhn, k, e com o dimetro hidrodinmi-co, d, da cadeia celulsica, atravs da expressoem que o valor de x vem dado por x = k/d = 2q/d, representando q o comprimento de persistncia da cadeia celulsica em soluo. Alguns steres celulsicos podem mesmo apresentar compor-tamento termotrpico carcter lquido cristalino induzido por variao da temperatura, na ausncia de solvente o que parece indicar que a presena de longas cadeias laterais fexveis enxertadas na cadeia celulsica pode actuar como um solvente ou um plastifcante interno do polmero, facilitando a sua mobilidade. A primeira soluo mesomorfa de celulose microcristalina foi obtida pouco depois, em 1959, e em 1976 foi publicado o primeiro trabalho referindo a preparao de uma fase lquida cristalina a partir de um ter celulsico em soluo aquosa Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - 5[7]. Desde ento que se encontram na literatura referncias a variados sistemas lquidos cristalinos termotrpicos e liotrpicos celulsicos. O estudo das propriedades reolgicas das fases lquidas cristalinas destes sistemas tem despertado muito interesse. O comportamento reolgico observado ainda levanta muitas questes, como sejam a origem do aparecimento de ten-ses normais negativas para determinadas taxas de cisalha-mento, assim com a existncia de defeitos peridicos que aparecem sob a forma de bandas durante e aps paragem do cisalhamento. A partir das fases lquidas cristalinas celulsicas podem ser obtidas fbras e flmes. A topografa da superfcie dos flmes pode ser moldada fazendo variar os parmetros de fabrico [8] (ver Fig. 2).As fbras podem ser obtidas por diferentes tcnicas e verifcou-se que as que so produzidas a partir da fase lquida cristalina podem apresentar uma toro helicoidal espontnea. Observou-se que, medida que o dimetro das fbras aumenta, o passo tambm aumenta, e que as hlices, como regra, no rodam todas no mesmo sentido. Estas caractersticas foram estudadas por microscopia de fora atmica (AFM), tendo-se verifcado que a razo entre o valor do passo e o dimetro aproximadamente constante, variando entre quatro e seis [9].Fig. 2 Imagem AFM da topografia 3D (2020 m) da superfcie livre de um filme slido de um material celulsico obtido a partir de uma soluo lquida cristalina. Fig. 3 Imagem 3D (AFM) de uma fibra celulsica que apresenta toro helicoidal.,Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - 4Embora os mecanismos moleculares e as ordens de grandeza sejam distintos nos dois sistemas, pareceu-nos ser possvel descrev-los utilizando o mesmo modelo fsico [10]. Qualitativamente, a inverso do sentido da rotao de uma hlice pode ser compreendida com base na lei da conservao topolgica conhecida como teorema de Calugarea-nu: Lk = Wr + Tw, em que o nmero Lk metade do nmero de vezes que a fta ou corda se cruza com ela prpria e a toro Tw o nmero de vezes que a fta ou corda roda em torno do seu prprio eixo. Por ser um pouco mais difcil dar uma noo intuitiva do termo Wr limitamo-nos a dizer que igual diferen-a entre Lk e Tw. Destas trs grandezas apenas Lk um invariante topolgico. Numa fta ou tubo em que as extremidades estejam fxas tem-se Lk = 0. As gavinhas da Passifora edulis possuem curvatura intrnseca, logo as pontas que esto soltas enros-cam-se e tomam a forma de uma espiral; quando encontram um objecto que as pode suportar, enro-lam-se sua volta. Como Lk = 0 deve ser conserva-do, a gavinha deve enrolar-se metade para a direita e metade para a esquerda, encontrando-se as duas partes separadas por um segmento recto (denomi-nado perverso). Parece ser isto o que se observa no caso das fbras celulsicas, considerando que inicialmente possuam uma curvatura intrnseca. Se supusermos que as gavinhas se comportam como varas elsticas com uma dada curvatura e toro intrnsecas, podemos aplicar o modelo pro-posto por Goriely em 1998 [11]. Como os pressu-postos deste modelo parecem tambm verifcar-se nas fbras celulsicas, parece que o mecanismo que leva toro e enrolamento das fbras o mesmo que governa o das gavinhas das plantas trepadei-ras: ambos os sistemas possuem curvatura intrn-seca no nula e, se forem mantidos sob tenso, acumulam energia elstica; quando a tenso desce abaixo de um dado valor crtico, a confgurao dis-tendida torna-se instvel e enrola, libertando parte da energia acumulada. Para ilustrar melhor o que o modelo proposto por Goriely e Tabor prediz e o que, ao longo dos scu-A morfologia helicoidal encontrada semelhante que pode, por exemplo, ser observada em fbrilhas naturais ex-tradas de algumas algas e em flamentos do algodo. As fbras podem ser colectadas de modo a formar membra-nas no tecidas, com distribuies das direces mdias das fbras aleatrias ou orientadas. Quando as fbras so fabricadas de modo a fcarem suspensas sob tenso, entre dois suportes, observa-se a formao de hlices ou de espirais quando a tenso removida. As fbras que esto suportadas por ambas as extremidades originam hlices, e as suportadas apenas por uma das extremidades do espirais. As fbras em forma de hlice, por vezes, apresen-tam duas pores helicoidais, uma esquerda e outra direita, separadas por um segmento recto. Outras estruturas mais complicadas foram tambm observadas. As formas obtidas parecem imitar os enrolamentos tpicos das gavinhas das plantas trepadeiras. Estes rgos presentes nas plantas so estruturas fliformes que tm como funo agarrar ramos, galhos, folhas, ou qualquer outro objecto que sirva de apoio para o seu crescimento. As Figs. 4 a 6 ilustram o facto de as formas das fbras celulsicas, escala dos micrmetros, reproduzirem a morfologia apresentada pelas gavinhas da Passifora edulis (maracuj), escala dos milmetros. Fig. 4 As fotos superiores so de gavinhas da Passiflora edulis e as ima-gens inferiores foram obtidas por microscopia electrnica de varrimento (SEM) a partir de sistemas celulsicos.Fig. 5 Foto da esquerda, estrutura complexa de gavinhas da Passiflora edulis. Do lado direito mostram-se fotos (SEM) de fibras obtidas a partir de sistemas lquidos cristalinos celulsicos (a figura no canto superior direito representa um detalhe da estrutura com maior ampliao). Fig. 6 Espirais em fibras celulsicas (esquerda) e na Passiflo-ra edulis (direita).Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Olos, as gavinhas da Passifora edulis tm feito sem se preocuparem com a lei da conservao topol-gica ou com o princpio da minimizao de energia, consideremos uma fta de plstico colorida utilizada, por exemplo, para embrulhar prendas de anos ou de Natal. Estas ftas tm habitualmente uma peque-na curvatura intrnseca, a qual pode ser aumentada passando a fta sob presso entre o nosso dedo e a borda de uma tesoura ou faca: a curvatura intrnse-ca aumenta e a fta fca muito enrolada. Se a esticar-mos, tendo o cuidado de primeiro a desenrolar, re-movendo todas as tores, obtemos uma fta plana, sob tenso entre os nossos dedos. Neste estado, a fta acumula uma elevada energia elstica. Se ento aproximamos as pontas da fta devagar, de modo a deixar que esta se enrole, observaremos que a sua conformao sofre uma transio caracterizada pelo aparecimento de duas hlices que enrolam em sen-tidos opostos. A origem da curvatura intrnseca das fbras celulsicas poder porventura ser atribuda estrutura no homognea da sua seco recta, mas esta questo est ainda a ser investigada. O modelo quantitativo proposto por Goriely e Tabor permite calcular: a tenso crtica c, para a qual ocorre a transio entre conformaes, em funo do comprimento da fbra L, da sua curvatura intrn-seca K, do coefciente de Poisson do material, , e da tenso 2 a que a fbra est sujeita considerando o nmero de voltas Tw que uma das hlices forma-das possui. A equao que relaciona estes par-metros, considerando que o sistema possui toro inicial da hlice, T, dada porem que e kF = R/(R2+P2) a curvatura de Frenet e a toro da hlice de raio R e passo P. Como tambm se tem F = P/(R2+P2), a toro da mesma hlice, os valores de Tw, L, R e P, assim como kF e F , po-dem ser calculados a partir das imagens das fbras obtidas por microscopia electrnica de varrimento; K pode ser aproximado pelo inverso do raio de uma volta circular formada por uma fbra com o mesmo dimetro da hlice (ver Fig. 7); T foi calculado a partir do dimetro da fbra, considerando os resultados obtidos para a variao do passo com o dimetro da fbra. A partir do coefciente de Poisson para o derivado celulsico utilizado podemos calcular o valor de = 1/(1+), e chegar ao valor da tenso a que a fbra se encontra sujeita. Os valores cal-culados e medidos para Tw so da mesma ordem de grandeza, o que parece indicar que a teoria aplicada s gavinhas tambm pode ser aplicada s fbras celulsicas, partindo do pressuposto que estas so elsticas e possuem curvatura intrnseca.Entre as aplicaes possveis deste tipo de material contam-se nanoactuadores, andaimes inteligentes para engenharia de tecidos, libertao controlada de frmacos, aprisiona-mento e preservao de partculas coloidais, clulas ou reagentes qumicos. AGrAdECIMEnTos:Os autores agradecem a Peter Palffy-Muhoray as discus-ses e incentivos. A maior parcela do apoio fnanceiro ex-terno s Instituies tem vindo da Fundao para a Cincia e Tecnologia e do Tratado de Windsor e Fundao Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD).Fig. 7 Ilustrao de como os valores da curvatura intrnseca, K = 1/r e os valores de kF = R/(R2+P2) e de F = P/(R2+P2), curvatura de Frenet e a toro da hlice, podem ser determinados a partir de fotos de SEM de fibras, com os mesmos dimetros, que apresentem hlices e espirais.Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Referncias1.F.Nakatsubo,H.Kamitakahara,M.Hori,Cationicring-openingpolymerizationof3,6-di-O-benzyl-alpha-D-glucose 1,2,4-orthopivalate and the first chemical synthesis of cellulose Journal of the American Chemical Society 118, 1677 (1996).2. A. Payen, Mmoire sur la composition du tissu propre des plantes et du ligneux, Comptes Rendus Hebdomadaires des Sances de lAcadmie des Sciences 7, 1052 (1838).3.A.Brongniart,A.B.Pelouze,R.Dumas,RapportsurunMmoiredeM.Payen,relatiflacompositiondela matire ligneuse, Comptes Rendus Hebdomadaires des Sances de lAcadmie des Sciences 55, 51 (1839).4. H. Staudinger, ber Polymerisation, Ber. Deut. Chem. Ges. 53, 1073 (1920).5. D. Klemm, B. Heublein, H.-P. Fink, A. Bohn, Cellulose: Fascinating biopolymer and sustainable raw material, Angewandte Chemie-International Edition 44, 3359 (2005).6. P.J. Flory, Phase equilibria in solutions of rod-like particles, Proceedings of the Royal Society of London Series A-Mathematical and Physical Sciences 234, 1198 (1956).7. R.S. Werbowyj, D.G. Gray, Liquid-crystalline structure in aqueous hydroxypropyl cellulose solutions, Molecular Crystals and Liquid Crystals 34(4), 97 (1976).8.M.H.Godinho,J.G.Fonseca,A.C.Ribeiro,L.V.Melo,P.Brogueira,Atomicforcemicroscopystudyof hydroxypropylcellulose films prepared from liquid crystalline aqueous solutions, Macromolecules 35(15), 5932 (2002). 9. J.P. Canejo, J.P. Borges, M.H. Godinho, P. Brogueira, P.I.C. Teixeira, E.M. Terentjev, Helical twisting of electrospun liquid crystalline cellulose micro- and nanofibers, Advanced Materials 20(24), 4821 (2008).10. M.H. Godinho, J.P. Canejo, L.F.V. Pinto, J.P. Borges, P.I.C. Teixeira, How to mimic the shapes of plant tendrils on the nano and microscale: spirals and helices of electrospun liquid crystalline cellulose derivatives, Soft Matter 5, 2772 (2009).11. A. Goriely, M. Tabor, Spontaneous helix hand reversal and tendril perversion in climbing plants, Physical Review Letters 80(7), 1564 (1998).Joo PAulo CAnEJo aluno de Doutoramento, Bolseiro da Fundao para a Cincia e Tecnologia, na Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Tem Mestrado e Licenciatura em Cincia dos Materiais. Tem utilizado tcnicas como o electrospinning, imagem obtida por ressonncia magntica nuclear e tcnicas microscpicas (p. ex. AFM, SEM, POM) para a obteno e caracterizao de fbras e flmes celulsicos lquido-cristalinos.PEdro BroGuEIrA professor auxiliar de Fsica do Instituto Superior Tcnico. Com Doutoramento e Agregao em Engenharia Fsica Tecnolgica nas reas de Fsica de Estado Slido, Microelectrnica e Microscopia de Fora Atmica, colabora tambm em experincias de raios csmi-cos e do espao. co-autor de livros de ensino de Fsica, vdeos de divulgao, exposies de cincia e ainda do referencial de competncias para o ensino secundrio.PAulo TEIxEIrA Professor Adjunto com Agregao no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa e investigador do Centro de Fsica Terica e Computacional da Universidade de Lisboa. Faz teoria e modela-o de vrios sistemas do mbito da matria conden-sada mole (cristais lqui-dos, espumas, polmeros, elastmeros e colides). um dos primeiros Outstan-ding Referees da Sociedade Americana de Fsica (2008).MArIA HElEnAGodInHo Professora Auxiliar com Agre-gao na Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, investigadora e coordenadora actual do Grupo de Materiais Polimricos e Meso-morfos do CENIMAT que integra o Laboratrio Associado I3N. A sua actividade cientfca centra-se em aspectos relacionados com o comportamento molecular, mesoscpico (escala micro e nano) e macroscpico de materiais moles e fuidos complexos, nomea-damente, materiais celulsicos e elastmeros lquido-cristalinos.Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - dEsdE A FAMosA ConFErnCIA J ClssICA PronunCIAdA EM 1959, THErEs PlEnTy oF rooM AT THE BoTToM (H MuITo EsPAo l EM BAIxo), EM quE rICHArd FEynMAn nos ABrIu As MEnTEs Ao ConCEITo E PossIBIlIdAdEs dA nAnoTECnoloGIA, MuITos dEsEnvolvIMEnTos TM AJudAdo A quE, HoJE, A nossA CAPACIdAdE dE MAnIPulAr A MATrIA EsCAlA nAno sEJA uMA rEAlIdAdE. A nanotecnologia pode-se defnir como o estudo, desenho, sntese, manipulao e aplicao de mate-riais, dispositivos e sistemas funcionais atravs do controlo da matria nanoescala um nanmetro a milionsima parte de um milmetro. As dimenses dos sistemas escala nanomtrica oscilam entre 1 e 100 nm. Dois aspectos so especialmente atractivos na investigao em nanocincia e nanotecnologia: por um lado, muitas das propriedades fsicas, qumicas ou biolgicas so controladas a escalas dimensio-nais entre 1 e 100 nanmetros; por outro lado, apa-recem reas cientfcas interdisciplinares de grande impacto tanto cientfco com tecnolgico.A investigao e as aplicaes da nanotecnologia podem-se resumir em quatro grandes reas: pro-dutos nanoestruturados e nanomateriais; nanoelec-trnica, optoelectrnica e tecnologias da informa-o; aplicaes lab-on-a-chip e micro-processos; nanomedicina e nanobiotecnologia.A nanotecnologia est, de forma geral, na fase de melhorar e controlar os mtodos necessrios para a fabricao de nanoestruturas, mas o conhecimento cientfco comea a plasmar-se em algumas aplicaes nas reas da fotografa, revestimentos duros, auto-limpveis, farmcia, cosmtica, electrnica e sensores, entre outros. No entanto, ser nos prximos cinco a dez anos que se espera que apaream numerosos produtos a ser comercializados. Devido a estes factores, uma parte signifcativa da comu-nidade cientfca em todo o mundo tem sido atrada para o trabalho em reas relacionadas com a nanotecnologia. Grandes projectos estruturantes, fnanciamentos prioritrios, criao de novos departamentos e infraestruturas tm acon-tecido nos pases mais competitivos no mbito cientfco e tecnolgico mundial. O maior e mais relevante investimento em Portugal nesta rea foi a criao do Laboratrio Internacional Ibrico de Nanotecnologia, com sede em Braga. Existem muitos e bons exemplos de projectos de investi-gao em nanocincias e nanotecnologia em Portugal, de excelente qualidade e competitivos a nvel internacional. Re-lacionados com a criao do Laboratrio Ibrico de Nano-tecnologia foram aprovados dez projectos de investigao nesta rea [1]. O Centro de Fsica da Universidade do Minho participa, junto com vrios parceiros ibricos, em quatro destes projectos que podem servir de exemplo do que em nanotecnologia se faz em Portugal e do contributo que es-tas investigaes podem trazer sociedade e indstria [2]. IMPlAnTEs InTElIGEnTEs uTIlIzAndo nAnoBIoCoMPsITos Nanocompsitos e materiais nanoestruturados podem ser utilizados para fornecer aos materiais novas funcionalidades e/ou controlar outras j existentes e, deste modo, exercer certas funes especfcas para uma determinada aplicao. Em particular, nanocompsitos multifuncionais so produzi-nanotecnologia: realidade, desafo e oportunidadesenentxu lanceros-Mendezartigo geralV ' . 5 z - ` . 4/Micrografia de microscpio electrnico de alta resoluo, mostrando a textura de cristais autolimpantes de dixido de titnio (TiO2) deposita-dos sobre um polmero electroactivo (poli(fluoreto de vinilideno), PVDF). (Imagem cortesia de C. Tavares, CFUM).Referncias1. mais informao em: http://www.fct.mctes.pt/projectos/concursos/nano/2. mais informao em: http://www3.fisica.uminho.pt/df/docs/INL/Projectos%20INL.htmde embalagem fornecem basicamente proteco passiva, actuando como uma barreira fsica a, por exemplo, luz ultravioleta, gases, microorganismos e danos mecnicos, o que insufciente em muitos casos para garantir os nveis de qualidade neces-srios. Este projecto focaliza no desenvolvimento de estratgias de proteco alimentar baseadas na nanotecnologia. Deste modo so desenvolvi-dos sistemas de embalagem activa, atravs de nano-revestimentos comestveis e no comestveis que actuaro de forma pr-activa para manter ou aumentar a qualidade, a segurana e o impacto dos alimentos na sade, desde a produo at o consu-mo. As novas embalagens podero incluir funes tais como controlo da toxicidade e degradao, armazenamento de informao relacionada com as condies de exposio ambiental, etc.Estes e outros projectos similares so hoje uma rea-lidade e so esperadas importantes consequncias cientfcas e tecnolgicas. Em resumo, podemos dizer que a nanotecnologia se mostra como uma rea multidisciplinar, compe-titiva, de rpida transferncia tecnolgica e de forte impacto econmico e social. O futuro da nano-tecnologia em Portugal, como o resto das reas, depender essencialmente da sua competitividade a nvel internacional. Esta competitividade passa por uma forte planifcao, estruturao, empenhamen-to, objectividade e dedicao dos seus intervenien-tes. S deste modo os projectos passaro a realida-de e no fcaro, como nos lembra Shakespeare em Hamlet, em words, words, words.dos para serem utilizados como suportes celulares, senso-res e actuadores para aplicaes biomdicas. Neste sentido so desenvolvidos micro e nanocompsi-tos que promovam a compatibilizao entre a interface de prteses e o tecido biolgico, que possuam propriedades electroactivas, baseadas nos efeitos piezoelctricos e pie-zorresistivos, de tal forma que possam detectar variaes de foras/deformaes e transform-las em sinais elctricos para a monitorizao do estado e comportamento das pr-teses uma vez no interior no corpo humano. Finalmente, so desenvolvidos sistemas de actuadores que possam activar libertao controlada de frmacos, caso aconteam proble-mas de incompatibilidade/rejeio e/ou falhas mecnicas. dEsEnvolvIMEnTo dE nAnoMATErIAIs FoToCATAlTICos PArA ConTrolo dA PoluIoExistem vrios compostos orgnicos utilizados em apli-caes tecnolgicas com potenciais danos para a sade. Estes materiais devero receber ateno no que diz respeito ao controlo da qualidade do ar nos interiores e no trata-mento de efuentes industriais. A fotocatlise uma rea de investigao com relevncia para o controlo da poluio, baseada na activao de um catalisador oxido metlico semicondutor pela irradiao de luz. A efcincia fotocataltica destes materiais pode ser me-lhorada com a utilizao de confguraes apropriadas dos materiais na nanoescala: com menores tamanhos de partcula, a taxa de transferncia de portadores de carga superfcie aumenta, aumentando deste modo a efcincia fotocataltica. Materiais de dixido de titnio nanoestruturados, tais como nanopartculas, nanotubos, nanocamadas e nanofbras tm sido investigados nos ltimos tempos. Deste modo ser possvel obter materiais revestidos com dixido de titnio que, induzidos por luz, possuam caractersticas auto-limp-veis que destruam a sujidade e, mais importante, elementos patognicos das paredes, cho e janelas.PlATAForMAs nAnoBIoAnAlTICAs PArA o dIAGnsTICo dE InFECEs CAusAdAs Por MICroorGAnIsMos Focaliza no desenvolvimento de dispositivos multianalticos de baixo custo e elevado desempenho para a deteco de elementos patognicos em diferentes tipos de amostras. A parte activa desta plataforma biossensora realizada atra-vs de uma superfcie nanoestruturada e biofuncionalizada onde reaces especfcas de biomolculas sero detecta-das atravs de transduo elctrica ou ptica.sIsTEMAs dE EMBAlAGEM nAno -dEsEnHAdos PArA A MElHorIA dA quAlIdAdE E sEGurAnA AlIMEnTA-rEs esperado que a nanotecnologia desempenhe um papel importante na melhoria da segurana e qualidade na inds-tria alimentar. Em particular, a nanotecnologia poder esta-belecer novos caminhos no controlo da segurana alimentar desde a produo at o consumo. Actualmente os sistemas sEnEnTxu lAn-CEros-MEndEz licenciado em Fsica na Universidade do PasBasco, Leioa, Espanha em 1991. Obteve o doutora-mento em 1996 no Institutode Fsica da Julius-Maximi-lians-Universitat Wurzburg, Alemanha. Foi investigador na Universidade de Montana - Bozeman, MT, EUA de 1996 a 1998,A.F. Ioffe Physico-Technical Institute, S. Petersburgo, Rssia (1995), Pennsylvania State University, EUA (2007) e Universidade de Potsdam (2008). Desde Setembro de 1998 trabalha no Depar-tamento de Fsica da Universidade do Minho onde Prof. Associado e o actual Director do Centro de Fsica.oPara os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - 1 Os fsicos Prof. Michel Schott (CNRS, Paris) e Doutor Olivier Pelligrino fizeram a traduo para francs de O silncio dos cristais e tm aqui o meu reconhecimento. minha colega Ana Maria Botelho do Rego, na altura Editora do Boletim da SPQ, devo o termo para-dogma surgido no decorrer das nossas discusses sobre os paradigmas e os dogmas da Cincia e da Igreja.2 Agradeo actual Editora da Gazeta Portuguesa de Fsica, Prof Teresa Pea, a coragem e ousadia de ainda hoje considerar pertinente a publicao desta denncia acadmica.H muitos anos que o fsico francs Jean-Marc Lvy-Leblond vem denunciando a defCincia da Cincia e da sua actividade subordinada aos cons-trangimentos econmicos e aos interesses polticos [2]. A Cincia constitui um mundo parte, onde a ausncia de uma viso crtica externa que lhe d va-lor, sentido e limite, a afasta h muito do mundo da cultura [3]. Em consequncia, h uma falha na fonte de inspirao cultural que est na base de toda a refexo, criatividade e inovao [3]. E isto acontece desde a fundao da cincia moderna, institucio-nalizada nos fnais do sc. XVIII, at actual tecno-cincia.No domnio da Histria e da Filosofa das Cincias h muitos trabalhos que elucidam esse aspecto daactividade cientfca e sua divulgao que, tal como qualquer outra actividade humana, no nem neu-tra nem assexuada. Neste artigo pretendo apenas difundir o papel das mulheres em cincias exactas, sobretudo daquelas a quem devemos algumas das mais importantes descobertas cientfcas, como por exemplo, a da estrutura molecular do benzeno.Nunca compreendi e ainda hoje constitui para mim um mistrio a razo pela qual no fcil encontrar um qumico ou um fsico, que tenha conhecimento que uma descoberta to fundamental como a da estrutura plana e hexagonal da molcula de benzeno foi realizada por uma mulher em 1928 [4] e em 1929 [5], Kathleen Yardley Lonsdale (1903-1971).Esta histria faz parte de um estudo, com um notvel faro arquelgico, paradoxalmente realizado por americanas, e publicado no livro Women of Science, Righting the Record [6], em 1990. Tive dele conhecimento em 1990 em Paris, e a sua leitura incomodou-me duplamente. os paradogmas da Cinciafsica e sociedade V ' . 5 z - ` . 4vTeresa s e MeloCentro de Qumica-Fsica Molecular, Complexo I, Instituto Superior Tcnicoe-mail : [email protected]://web.ist.utl.pt/TeresaSaMeloA verso integral deste artigo encontra-se publicada online emhttp://www.gazetadefisica.spf.ptPrEMBuloUma parte deste texto foi publicada em 2000, no Boletim da Sociedade Portuguesa de Qumica [1], com o ttulo O silncio dos Cristais1. Coloca algumas objeces e interrogaes no de ordem flosfca mas humana, sobre como se constroem alguns smbolos cannicos em Cincia2. Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Foto na Sociedade de Geografia, Lisboa 1931, includa na capa do Boletim da Sociedade Portuguesa de Qumica n 78, 2000 [1].mais de metade da populao portuguesa (51.8%).No entanto, o seu peso estatstico como licenciadas ultrapassa largamente a percentagem feminina da populao portuguesa, o que demonstra a competi-tividade das mulheres a nvel acadmico [7]. Em 2000/2001 houve 69.9% de mulheres matricula-das no ensino superior, 61.2% de mulheres licen-ciadas e 49.2% de mulheres doutoradas. Em 2004 eram 67% de licenciadas e em 2008 j existiam 51% de mulheres doutoradas, em todas as reas cientfcas.No ano lectivo de 2001/2002, e s nas reas das cincias exactas, a percentagem de mulheres licen-ciadas era de 69.1% (C. da Vida), 60.8% (C. Fsi-cas), 67.3% (Matemtica) e 26.3% (Engenharias). Apesar deste peso maioritrio e competitivo como licenciadas (actualmente 65%), notria a exis-tncia de fltros de discriminao nas nossas Universidades, que travam tanto o ingresso como Assistentes (30%), como o seu avano para o topo da carreira acadmica, como Prof. Associadas e Catedrticas ( 10%) [7]. Esta realidade tanto mais relevante quanto ainda hoje se verifca uma capacidade de 100% para a realizao de doutoramentos em cincias exactas (30%), para todas aquelas que conseguem furar o fltro da entrada, e ingressar na carreira acadmica (30%) [7].Porque se de facto as mulheres portuguesas demonstram um elevado grau de competitividade acadmica a nvel da licenciatura (65%), como ex-plicar que de repente se tornem incompetentes para ingressar nas carreiras acadmicas (30%) e para a realizarem os seus doutoramentos (30%)? Porque apesar da minha formao acadmica e da minha cultura cientfca b-sica em fsica e em qumica, eu ignorava a existncia de algumas investigadoras geniais naqueles domnios. Mas a minha ignorncia sobre a existncia daquelas cientistas, incomodou-me ainda mais como mulher e como cidad, sendo femi-nista e frrea defensora da participao poltica e social das mulheres. De uma forma inconsciente e involuntria tambm eu estava a fazer parte do status quo da Acade-mia e a afastar as mulheres de terem tido, nem que fosse por mera hiptese acadmica, algum papel na elabora-o do saber cientfco. No h dvida de que o silncio, alm de acadmico, endmico.o GnEro dA CInCIAPara me aliviar a conscincia, elaborei um artigo em co-autoria com Helena Bastos, publicado na revista Vrtice em 1990 e intitulado O gnero da Cincia - Dinmica de um processo em Portugal [7]. Conseguamos provar pela primeira vez que as mulheres universitrias, tanto no acesso como no grau de licenciatura, eram (e ainda hoje o so) no s maioritrias como competitivas no nosso pas. Ser a maioria normal para o gnero feminino que constitui Kathleen Lonsdale (1960)|dPara os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Proporo de homens e mulheres numa carreira acadmica tpica, EU-27, 2002-2006 (fonte: She Figures 2009 Statistics and Indicators on Gender Equality in Science, EUR 23856 EN, European Commission, 2009 ) Figura adicionada durante a edio.3 Sem pretender colmatar tal ausncia, indico uma pgina web onde se podem encontrar as histrias de algumas astrnomas notveis: http://www.loc.gov/rr/scitech/womenastro/womenastro-all.htmlNesse trabalho [7] mostrvamos tambm que a sangria durante 13 anos de jovens mancebos (120 mil) que partiram para a guerra colonial em frica (1961-1974) foi a causa e o contexto favorvel para a entrada macia de mulheres nas nossas Universi-dades.Mostrmos ainda que a curva crescente de mu-lheres no acesso s nossas Universidades teve um decrscimo pontual, no ano de 1977, devido introduo pela primeira vez no nosso pas, de um numerus clausus no acesso universitrio [7]. Uma dcada depois j se verifcava um aumento exponencial de mulheres licenciadas e doutoradas (em particular em cincias exactas) nos anos 80, tornando-se Portugal, por isso, um caso de estudo na Europa.Gostaria que algum cientfco nos desse uma justi-fcao racional e objectiva para os nmeros acima descritos. Houve um colega que mostrou o seu incmodo perante estas cifras comentando visto assim a frio Tal como a Prof. Ana Rego con-testou, tambm ns no conseguimos vislumbrar como aquecer tais nmeros.o sIlnCIo dos CrIsTAIsO que despoletou a minha revolta e o artigo O si-lncio dos cristais [1] foi a publicao de Os qumi-cos favoritos da Europa no Boletim da Sociedade Portuguesa de Qumica [8], com os cem qumicos europeus mais votados pelos seus pares, numa lista elaborada pela Federao das Sociedades Qu-micas Europeias [8]. Os nomes das mais notveis mulheres de cincia no so nem lembrados nem votados [8] porque os nossos e as nossas colegas em toda a Europa vivem e trabalham num contexto de silncio endmico. O meu desejo era que esse texto servisse para diminuir o fosso de omisso a que foram votados os trabalhos pioneiros de algumas das grandes damas das cincias exactas. O silncio dos cristais [1] mereceu na altura algu-mas crticas e muitos silncios. Relevo, em particu-lar, a crtica do fsico Prof. Sydney Leach do Obser-vatoire de Paris-Meudon, que notou o meu erro e injusto silncio sobre as mulheres mais notveis no domnio da astronomia. Mais uma vez pude confr-mar que o silncio alm de acadmico endmico.3 uM CAso ExEMPlAr EM FoToBIo-loGIARecentemente, ao desenvolver um estudo sobre uma molcula altamente reactiva, oxignio singule-to [9], constatei outra injusta omisso na histrica descoberta desta espcie molecular.De facto, a investigadora Thrse Wilson descreveu, pela primeira vez, o mecanismo molecular das reaces de fotooxidao entre as molculas de oxignio singuleto, no seu estado electrnico 1Dg (1O2*), e os compostos orgnicos em soluo no artigo Excited singlet molecular oxygen in photooxidation [10], publicado em 1966. Em cinco pginas de um notvel trabalho experimental e terico esta autora conclua [10], The results are consistent with a singlet oxygen mechanism. All data presented here are entirely consistent with a mechanism via singlet oxygen, thus ruling out any signifcant role of the triplet excited state of these acceptors in the peroxide-forming step a Schen-ck-like interpretation by a moloxide-type reaction. Descre-veu a cintica da transferncia de energia entre o tripleto do sensibilizador e o tripleto do estado fundamental do oxignio molecular produzindo a espcie reactiva 1O2* como nica responsvel pela oxidao observada em soluo [10]. Concluiu ento [10], This result seems, except in case of a remarkable coincidence, uniquely consistent with excited singlet oxygen as the reactive species and inconsistent with a series of biradical-like moloxides which would be diffe-rent for each sensitizer. Dos trs trabalhos cronologicamente anteriores [11a-11d] de Christopher Foote (duas cartas ao editor de 1964 e um artigo de 1965), em nenhum deles este autor elucida qual dos dois passos propostos na altura para o mecanismo da reaco (moloxide e1O2*) o responsvel pela fotooxidao dos compostos orgnicos, observada em soluo. De facto, Christopher Foote [11,12], tal como outros dos seus colegas na poca [13], avana apenas com a hiptese que [11b] the weight of the evidence favors the interme-diacy of singlet oxygen. Further experiments are in pro-gress. Um ano mais tarde [11c], em 1965, afrma ainda We can-not rule out the possibility rigorously that a sensitizer-oxygen complex is the reactive intermediate, but our results require that sensitizer exert no steric infuencethere appears to be no convincing evidence which requires any participation of sensitizer in the transition state for oxygen transfer.Mas at hoje, o investigador C. Foote o nico autor que citado como o pai da importante descoberta da reaco de fotooxidao pelo oxignio singuleto [14]. uma injustia que propalada num processo mimtico (cita-se o cita-do), lacuna essa que ainda hoje se verifca nos simpsios internacionais sobre a matria. No ltimo simpsio sobre o oxignio singuleto de 2006, o artigo de introduo ao tema de Peter R. Ogilby tambm omite o trabalho pioneiro de Thrse Wilson [14].O proclamado inventor (Christopher Foote) o autor que, em 1968 [12], decidiu no incluir nenhuma referncia ao trabalho experimental e terico, publicado em 1966 pela sua colega Thrse Wilson, apesar de ela o ter largamente citado [10]. Esta omisso verifca-se naquele que ainda hoje o artigo mais citado sobre o oxignio singuleto [12].Na Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - ||Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - |z(1910-1994), quando ela recebeu o prmio Nobel da Qumica em 1964, pode ler-se:...the crystals were grown under the watchful eyes of Kathleen Lonsda-le, who brought them to me from London [19].No entanto, na bibliografa deste seu artigo com 28 referncias [19], no consta nenhum artigo da famosa Dame Kathleen Lonsdale, Fellow da Royal Society de Londres desde 1945.Note-se que Kathleen Londsdale no era propria-mente a amiga mais velha que colaborava maternal-mente no trabalho de fazer crescer os cristais para as experincias da jovem Dorothy Hodgkin. Kathleen Londsdale trabalhou at morrer em 1971, crian-do novos cristais, alguns com o seu nome (Lonsdalite) e publicando os seus ltimos artigos em 1968 e 1971. Finalmente, Dorothy Hodgkin dedicou-lhe um artigo de me-mria biogrfco em 1975.nEM WATson E CrICkEsCAPArAM Ao PrEConCEIToNaturalmente que o caso gritante do inocente e nobilssimo silncio da Academia nos anos 50, sobre a qumica-fsica Rosalind Elsie Franklin (1920-1958) [21,22] conhecido de muitos.Apesar do seu papel pioneiro na descoberta da es-trutura em dupla hlice do ADN, o Nobel foi atribu-do em 1962, ao ambicioso triunvirato [6] consti-tudo pelos seus colegas, James Watson, Francis Crick [21b] e Mauri-ce Wilkins [21c].Rosalind Franklin morre em 1958 aos 37 anos, sem nunca ter sido citada nos trabalhos publica-dos por estes seus nobilssimos colegas [23]. Nas trs letters publicadas indepen-dentemente, por estes autores do literatura cientfca nunca li nada que conseguisse racionali-zar to cndida ausncia.Em conformidade com este silncio universal e neutro, de assinalar que historicamente a descoberta desta espcie reactiva, designada ento por oxignio activo, teve um parto difcil desde o incio, devido aos preconceitos de um restrito grupo de cientistas alemes, G.O. Schenk e K. Gollnick.A existncia do oxignio activo foi descrita pela 1 vez por Kaustsky [15] em 1931 (citado por C. Foote), mas foi igno-rado pelo seu patro Shenck, o qual propunha outro passo reaccional moloxide-type reaction (vide supra), fcando 30 anos no limbo das descobertas cientfcas. Parece haver um enorme fosso entre quem adquire o saber e quem o representa. Ser um vcio intelectual inerente ape-nas aos sculos passados?Ironicamente, a autora do presente texto foi confrontada com um bloqueio da comunidade cientfca internacional durante quatro anos, para publicar com duas colegas, a descoberta experimental de um novo passo cintico no mecanismo molecular da reaco do oxignio singuleto que envolve a gua

kATHlEEn lonsdAlEO ttulo do artigo O silncio dos cristais [1], alude in-vestigao fundamental de Kathleen Yardley (Lonsdale por casamento) que incidiu sobre a anlise estrutural de algu-mas centenas de compostos por cristalografa de raios-X [4,5].O seu trabalho X-ray evidence on the structure of the benzene nucleus notvel pela clareza pedaggica e pela sntese do estado dos conhecimentos da poca (anos vinte), no domnio da difraco dos raios-X [4].Coloca nove perguntas relativas molcula de benzeno, en-tre as quais is the ring hexagonal in shape? e is the ring plane...?, comprovando experimentalmente cada uma das respostas, ao longo das 14 pginas deste artigo. Os grupos de simetria e a estrutura de cada cristal foram compilados em tabelas publicadas em 1924 por Kathleen Lonsdale, em co-autoria com William Thomas Astbury [16]. A representao das respectivas orbitais moleculares, sigma e pi, foi publicada por esta autora, em 1937 e 1939 [17,18]. Para se ter uma ideia da importncia destes dados experi-mentais, basta dizer que as tabelas cristalogrfcas, conhe-cidas por Astbury-Yardley Tables [16], constituram durante largos anos a ferramenta indispensvel para os estudos desenvolvidos posteriormente em vrios domnios, especial-mente em biofsica. Foram vrias as descobertas realizadas com base em cristalografa dos raios-X, nomeadamente as de Dorothy Mary Crowfoot-(Hodgkin por casamento) sobre as estru-turas moleculares da penincilina, da vitamina B-12 e da insulina, obtendo o prmio Nobel da Qumica, em 1964 [19]. Mas silenciar o trabalho pioneiro e histrico dos pares femininos no apangio exclusivo dos fellows masculinos em Cincia: na lecture apresentada por Dorothy Hodgkin Dorothy HodgkinRosalind FranklinPara os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - |5Kings College no mesmo volume da revista Nature de 1953 [21] apenas o de Rosalind Franklin [21a] fornece a prova experimental para a descoberta da estrutura molecular em dupla hlice do ADN. Os outros autores basearam as suas concluses nos diagramas de raios-X de Rosalind Franklin, a qual tinha entretanto mudado de laboratrio, do Kings College para o Birkbeck College de Londres [23].De facto, interessante notar que na letter de Wi-lkins acima referida [21c], a proposta para a estru-tura molecular do ADN baseada nos resultados experimentais obtidos nesse ano de 1953 por Rosa-lind Franklin [21a] e nos resultados de 1938 obtidos por Astbury e Florence Bell [24]. A letter de Watson e Crick no contm nenhuma evidncia experimen-tal para o modelo de dupla hlice proposto [21b].Para se ter uma ideia da candura de pensamento de alguns (brilhantes) cientistas basta ler o comentrio de James Watson sobre os regulamentos da admi-nistrao Reagan no domnio da engenharia gen-tica, publicado na revista Science em 1985: One might have hoped that the Republicans would have been more sensible about regulations, but they were just as silly as the othersThe reason is that the White House receives its advice from people who know something about physics or chemistry. The person in charge of biology is either a woman or unimportant. They had to put a woman some place. They only had three or four opportunities, so they got someone in here. Its lunacy [25].uM PrMIo noBEl AdIAdoMenos conhecido o caso da biloga Barbara McClintock (1902-1992) [26], que elaborou em 1951 [27] a teoria sobre o transporte dinmico da informao gentica (transposes), da clula para o organismo, no milho.Esta teoria sobre os genes de regulao e do genoma como identidade dinmica, foi descoberta por Barbara McClintock dez anos antes do modelo do genoma proposto por Jacques Monod e Franois Jacob, no famoso artigo sobre Genetic regulatory mechanisms in the synthesis of proteins, publicado em 1961 [28].O trabalho de McClintock s foi reconhecido pela Academia, trinta anos depois, com a atribuio do prmio Nobel em Medicina e Fisiologia em 1983, a uma senhora j muito velhinha com 83 anos. Mais vale tarde que nunca! [26] Barbara McClintock acaba de ser justamente citada pela descoberta dos transposes no milho e sua importncia gentica, a propsito do papel da enzima telomerase, que esteve na base da atribuio do prmio Nobel da Medicina deste ano (2009) a trs cientistas, entre as quais duas mulheres. CAsos noTvEIs EM FsICA E MATEMTICAEm Fsica, o mais famoso caso diz respeito descoberta do processo da ciso nuclear realizado por Lise Meitner (1878-1968), no decorrer dos anos trinta [30].Apesar do seu trabalho pioneiro, o prmio Nobel da Qumica foi atribudo, em 1944, a Otto Hahn [31,32]. A Europa estava em guerra e Lise Meitner, por ser judia, desapareceu por uns anos dos laboratrios germnicos. Foi ela quem descobriu e classifcou dois novos emissores beta na srie do rdio. Estabeleceu a relao entre os raios beta e gama da desintegrao radioactiva e observou os primeiros positres a partir dos raios gama [6,33].O seu trabalho mais conhecido, intitulado Desintegration of ura-nium by neutrons; a new type of nuclear reactions, foi publi-cado na Nature em 1939 [30c].Deu o nome ao elemento transuraniano Meitnerium, descobrindo tambm o elemento 91, Protactinium, com Otto Hahn [6,33].O conceito de ciso (fssion) foi introduzido em analogia com o termo utilizado na diviso celular de uma bactria, por sugesto do bioqumico americano William A. Arnold [33]. Ironicamente, Lise Meitner foi agraciada pela Academia alem com o prmio Otto Hahn em 1954! Estamos a falar de uma grande dama da fsica que durante d-cadas foi a colega e com-panheira de discusses de Max Planck, Stefan Meyer, Albert Einstein, Niels Bohr, Walther Nernst, Heinrich Hertz e Erwin Schrdinger [34]. No podemos ignorar as di-fculdades que se apresenta-vam s mulheres em cincia e as mentalidades como as de um fsico to famoso como Max Planck (1858-1947), nobeliado em 1918 que afrmava: If a woman has a special gift for the tasks of theoretical physics... I do not think it right, both personally and imper-sonally, to refuse her the chance and means of studying for reasons of principle. On the other hand, I must keep to the fact that such a case must always be regarded just as an exception. Generally, it cannot be emphasized enough that nature herself prescribes to a woman her function as mo-ther and housewife [35]. O que fca patente neste discurso uma prtica cientfca instituda como um dogma natural. A saber, que a associao mulher-cientista contm em si dois conceitos antagnicos. Contava Lise Meitner na sua conferncia em 1959 sobre The status of women in the professions [33]: Era meu h-bito assinar os artigos apenas com o meu apelido. Um dia, Lise Meitner4 Em carta endereada a Hilbert, Einstein referia-se a Emmy Noether, filha do matemtico Max Noether, como a de uma pessoa com um profundo pensamento matemtico. O trabalho de Emmy Noether sobre a teoria das invariantes (Invariante Variationsprobleme, 1918) conduziu s formulaes conceptuais da teoria geral da relatividade de Einstein. O obiturio de Emily Noether foi publicado no jornal New York Times a 5 Maio de 1935, por Einstein.Os bons Espritos, os Eleitos pela Razo [39], inte-lectualmente recusaram sempre ter que admitir que a Cincia, tal como a Igreja, tambm tinha os seus dogmas, as suas regras de jogo, ditas objectivas e universais [39].Da a mudana conceptual de dogma para paradig-ma. E j agora, porque no paradogma? De facto, todos ns acreditamos que tendo a cin-cia um carcter universal por defnio, baseado na prova e independente do sujeito teorizante, ela se encontra forosamente isenta dos pecados profa-nos do comum dos mortais. No dizer de Thomas Kuhn, h factos cuja existncia serve, no para contradizer ou refutar o paradigma, mas para serem considerados como anomalias [38]. A inocente crena de que a universalidade um conceito rea-lista constitui o cone da Academia, o seu credo, o seu direito romano [39]. Mas constatao de que no prprio interior da comunidade cientfca que se encontram os maiores entraves difuso das novas ideias e conhecimentos foi largamente divulgada por Thomas Kuhn, Alexandre Koyr, Gaston Bachelard e recentemente Isabelle Stengers.No nosso pas, h uma excelente contribuio para esta anoma-lia, no livro de Sebastio Formosinho, sobre os entraves da Academia ao aparecimento de um novo modelo terico por ele inventado [40].Neste contexto, o saber cientfco de Kathleen Yar-dley Londsdale tido como uma provocao para a Razo dos Eleitos, um conhecimento no san-cionado pela Academia.Como foi brilhantemente descrito pela investigadora Gillian Rosemary Evans no seu livro Fifty key medieval thinkers [43], desde a Idade Mdia h pelo menos dez sculos que o pensamento cientfco (o saber) dos Fathers (patres) est identifcado e canonizado nos compndios de referncia, De viris illustribus. A concluso que a Academia, tradicionalmente, confa unicamente nos seus eleitos tradicionais, nos seus autorizados (authority/autor), os nicos cotados na Cincia de fonte seguras.Est fora do mbito do meu saber e deste trabalho, fazer a prova sobre o carcter no neutro das pr-ticas cientfcas. Limitei-me a recorrera exemplos para mostrar que mesmo em cincia, e na Aca-demia, a neutralidade uma iluso. E s porque, afnal, a cincia feita por seres humanos...o editor da revista recebeu uma carta em que um dos coor-denadores da prestigiada Enciclopdia Brockhaus pedia o meu endereo, dado que pretendia que eu escrevesse um artigo sobre radioactividade.Ao responder, o meu editor revelou que eu era mulher. O responsvel da Brockhaus ripostou, agora bastante irritado, que era impensvel incluir na sua enciclopdia um artigo escrito por uma mulher! (...) O grande qumico orgnico Emil Fischer foi relutante em dei-xar-me trabalhar no seu laboratrio com Otto Hahn. Proibiu-me mesmo de entrar nas salas onde Hahn e outros colegas masculinos realizavam as investigaes experimentais... Fui ento falar com Fischer e ele disse-me que a sua relutn-cia em aceitar mulheres nas suas aulas tinha por origem a preocupao de que o cabelo extico de uma aluna (russa) pegasse fogo quando estivesse a trabalhar com o bico de Bunsen!... Em consequncia desta proibio, no pude ini-ciar os meus estudos de radioqumica durante vrios anos.Lise Meitner conta ainda que o grande matemtico David Hilbert, ao tentar obter autorizao da Faculdade de Gttin-gen para que a sua assistente e cientista de talento, Emily Amalie Noether (1882-1935)4, pudesse candidatar-se a privatdozent para integrar os corpos da Faculdade, encon-trou tanta hostilidade que, indignado, exclamou: Mas meus senhores, uma Faculdade no propriamente uma piscina! [33]doGMA, PArAdIGMA E PArAdoGMAO recente livro com as cartas da flha de Galileu ao pai [36] rico em fornecer-nos o contexto dos homens de cincia daquela poca (1564-1642).A sua leitura fez-me refectir sobre o paralelismo entre os dogmas da Igreja Catlica e os paradigmas em Cincia, conceito introduzido em 1962 por Thomas Kuhn, no seu conhecido livro sobre A estrutura das revolues cientfcas[37]. o prprio Kuhn que nos explica a mudana conceptual do pensamento cientfco moderno, no prefcio da sua obra posterior publicada em 1977 A tenso essencial [38]: Logo depois de ter completado um primeiro esboo em 1961, de A estrutura (das revolues cientfcas), escrevi... um ensaio sob o ttulo A funo do dogma na investigao cientfca, publicado em 1963. Comparando-o com A ten-so essencial (de 1977), torna-se claro e imediato o alar-gamento da minha noo de paradigma. E acrescenta: De algum modo, uma reminiscncia da posio familiar (posio flosfca tradicional no sc. XVII) que considera a teoria ptolemaica,...(ou a teoria calrica) como meros erros, confuses ou dogmatismos que uma cincia mais liberal ou inteligente podia ter evitado, desde o incio [38].Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - |4Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - |OA InFlunCIA dAs MulHErEs ForA dA ACAdEMIASabemos que entre as mulheres consideradas sbias nos sculos XVII e XVIII existiam mais cientfcas que literrias. O facto de lhes ser ve-dada a entrada nas instituies acadmicas, e sendo versadas nas lnguas eruditas, o grego e o latim, permitia-lhes a leitura das mais relevan-tes publicaes cientfcas da sua poca [29]. Por exemplo, a obra cientfca mais notvel dos fnais do sc. XVII, o tratado Philosophiae Na-turalis Principia Mathematica de Isaac Newton, publicado em 1687, foi introduzida em Frana por uma mulher, milie de Breteuil (1706-1749), Marquise de Chatelt em 1759. Foi ela que traduziu e explicou esta obra aos leigos, consti-tuindo alis, at hoje, a nica traduo existen-te em Frana [29]. A propsito deste trabalho, Voltaire (1694-1778) comentou: On a deux prodiges: lun, que Newton ait fait cet Ouvrage; lautre quune Dame lait traduit et lait clairci [29].AlGuMAs quMICAs noTvEIsEm qumica, grande parte das tcnicas experi-mentais ainda hoje utilizadas foram descober-tas por mulheres [6]. Actualmente, a maioria dos nossos e das nossas colegas de cincias exactas no tm disso conhecimento, como por exemplo:Agnes Pockels (1862-1935) foi a fundadora da qumica das superfcies e inventou a method of extending or reducing the surface area of water by means of a wire or metal strip placed over it, publicado na Nature em 1891 e 1892 [20]. Marie Semenova Schraiber (1904- ?) inventou a cromatografa em camada fna TLC, em 1938.Maude Menten (1879-1960) co-autora com H vrias mulheres que elaboraram ou popularizaram os conhecimentos da fsica e astronomia nos sculos passados [44]. No sc. XIX temos o exemplo de Mary Sommerville (1780-1872), que publicou On the con-nexion of the Physical Sciences em 1834. citada por Thomas S. Kuhn na obra acima referida [38], por afrmar: O progresso da cincia moderna, especialmente nos ltimos cinco anos, foi notvel devido tendncia para unir ramos separados da cincia. Existe um tal elo de unio que no se pode atingir competncia em nenhum dos ramos, sem se ter conhecimentos dos outros [33].Tambm no sc. XIX, Jane Haldemond Marcet (1769-1858) popularizou a qumica no seu livro Conversa-tions on Chemistry, publicado em 1805. Este livro que teve 16 edies at 1853, revelou ao muito jovem Michael Faraday o princpio do conhecimento das coisas naturais, como o prprio afrmou [33].o seu colega Leonor Michaelis (1875-1940) na desco-berta, em 1913, da famosa equao Michaelis-Menten para a anlise da velocidade das reaces das enzimas com os substratos. Erika Cremer (1900- ?) a fundadora da cromatografa gasosa em 1945. Gertrude B. Ellion (1918- ?) sintetizou os frmacos e os protocolos clnicos ainda hoje utilizados para o tratamento da hiperuricmia e da leucemia, obtendo o prmio Nobel em Medicina, em 1988, juntamente com o seu colega George Hitching.Mary Osborn introduziu o uso do gel de SDS para medir o peso molecular das protenas. O seu artigo em conjunto com Klaus Weber publicado no J. Biol. Chem. 244, 4406 (1969) foi o 4 artigo mais citado durante largas dezenas de anos, at 1988.HIsTrIAs PorTuGuEsAsEm Portugal, das letras s cincias, salvo raras excepes, pouco se conhece sobre a actividade cientfca das mulheres, do sculo passado at hoje. No entanto, desde o sculo passado muitas foram as que frequentaram cursos em cincias exactas nas duas Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Referncias:[1] Teresa S e Melo, O silncio dos cristais, Boletim da Sociedade Portuguesa de Qumica, n78, 33-40 (2000)[2] Jean-Marc Lvy-Leblond, (Auto)critique de la science, ed. Seuil, Paris (1973)[3] Jean-Marc Lvy-Leblond, La pierre de touch. La science lpreuve, ed. Gallimard (1996).A listagem das restantes referncias bibliogrficas encontra-se publicada online em http://www.gazetadefisica.spf.ptUniversidades, de Coimbra e Lisboa, e que ob-tiveram os seus doutoramentos no incio deste sculo, publicando os trabalhos em revistas internacionais, pelo menos a partir de 1922.Era importante aceder aos originais dos artigos por elas publicados, atravs das instituies cientfcas portuguesas onde trabalharam. A seguir indico alguns casos, de mulheres portu-guesas notveis [45-51].No sc. XVI a primeira mulher na Universi-dade de Coimbra a ter o seu grau de Bacha-rel em Filosofa foi a alentejana Hortnsia de Castro (1548-1595), conhecida por Pblia [45]. A histria relatada como se se tratasse de uma lenda. Vestiu-se de rapaz sem que ningum o suspeitasse, debaixo da vigilncia e proteco de seu irmo mais velho que tam-bm estudava, frequentou os cursos de philo-sophia e theologia em Coimbra (e em vora). Pronuncia o discurso de graduao em latim em que era versada... apesar de nem todos o perceberem, conseguiu transmitir ao audit-rio,... pela agudeza de inteligncia, o verdadeiro signifcado das suas ideias [45,46].Dizia dela o douto Andr de Resende a Bartolomeu de Frias: A coisa mais para ver foi Pblia Hortn-sia, rapariga de dezassete anos, to versada nas mximas de Aristteles que, disputando em concluses pblicas com muitos sbios, no achou argumento por mais caviloso que no resolvesse com a maior prontido, e no menor graa [45,46]. Existiro documentos da autoria desta jovem sbia?Dos registos da Universidade de Coimbra [47] apenas consta o nome de Domitilia Hormezinda Miranda de Carvalho como sendo a primeira mulher inscrita no curso de Matemtica e no curso de Filosofa em 1891. Durante cinco anos foi a nica mulher na Universidade, terminando aquelas duas licenciaturas em 1895. Em 1899 matriculou-se ainda no curso de Medicina vindo a fnalizar a sua terceira licenciatura em 1903.Maria Virgnia Almeida matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1917, no curso de Fsico-Qumica, juntamente com Maria Guardiola e Maria Teresa Basto e ainda Maria Augusta S e Melo que se matriculou no curso de Matemtica na Universidade de Coimbra em 1923. Temos ainda o exemplo de duas farmacuticas, Esther Nogueira e Elvira Magro, Assistentes da Faculdade de Farmcia de Lisboa, autoras dos artigos Consi-deraes sobre alguns processos de depurao das guas destinadas alimentao e Aguamento dos leites mtodos gerais de pesquisa a determinao da densidade do sro, factor base para a apreciao, publicados nas Actas do 1 Congresso Nacional de Farmcia, pp.198-207 e pp. 208-211 de 1927, respec-tivamente [48]. de notar que as duas conferncias das referidas autoras foram lidas ao Congresso pelo Dr. Pinheiro Nunes! [48] Sara Benoliel, naturalizada portuguesa em 1928, licen-ciada em Medicina com uma tese de doutoramento em 1926 sobre Modifcaes do lquido cfalo-raqui-diano na meningite tuberculosa. autora de vrias publicaes em revistas mdicas sobre a luta contra a tuberculose, sobre a vacina preventiva contra a difteria e sobre pediatria e puericultura, pelo menos at 1935.Judite Belo, licenciada em Fsico-Qumicas, investi-gadora em Biologia no IPO, publicou vrios artigos entre eles Teoria e signifcado das medies do pH e Reaces elementares singulares em Biologia.Matilde Bensade, doutorada em Cincias Biolgicas em 1918 em Paris, investigadora do Instituto Bento da Rocha Cabral. autora de numerosas publicaes sobre ftopatologias nas culturas frutcolas em Portugal, entre 1918 e 1929.Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - |Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - o lABorATrIo IBrICo InTErnACIonAl dE nAnoTECnoloGIA (Inl) uMA novA orGAnIzAo CIEnTFICA CrIAdA PElos GovErnos dE EsPAnHA E PorTuGAl CoM o oBJECTIvo dE ProMovEr A InvEsTIGAo APlICAdA EM nAnoTECnoloGIA E nAnoCInCIA. o Inl TEM A suA sEdE nA CIdAdE dE BrAGA E dIrIGIdo PElos ProFEssorEs Jos rIvAs (dIrECTor GErAl) E PAulo FrEITAs (dIrECTor GErAl AdJunTo). TrATA-sE dE uM ProJECTo dE CooPErAo CIEnTFICA E TECnolGICA sInGulAr nA PEnnsulA IBrICA E nA unIo EuroPEIA.O laboratrio nasce com o objectivo de abordar os princi-pais desafos cientfcos escala nano numa perspectiva in-terdisciplinar. O quadro de pessoal cientfco previsto para o ano de 2014 ronda os 200 investigadores. O INL desenvol-ver a sua actividade de investigao em quatro reas espe-cfcas: duas aplicadas, a Nanomedicina e a Nanotecnologia aplicada ao controlo de qualidade alimentar e ambiental, e duas reas de suporte, o desenvolvimento de tcnicas de manipulao e caracterizao, escala nanomtrica, e a nanoelelectrnica. laboratrio Ibrico Internacional de Nanotecnologiasrgio Figueiras GmezINL International Iberian Nanotechnology LaboratoryAv. Central n 100, Edifcio dos Congregados, 4710-229 Braga inovao V ' . 5 z - ` . 4|/Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - |oPlanck Institute for Biophysical Chemistry de Gt- tingen (Alemanha).- Nanopartculas magnticas para aplicaesbiomdicas com a Universidade de Santiago deCompostela (Espanha).- Sistema Lab-on-a-chip e bio-sensores com oINESC-MN, de Lisboa (Portugal).- Microscopia electrnica STEM com corrector desonda, com a Universidade de Texas San Anto- nio (EUA).- Ressonncia Magntica Nuclear (NMR) de baixo campo, com o iNano, em Aarhus (Dinamarca).- Microscopia de Transmisso de alta resoluo (HRTEM) com a Universidade de Glasgow (UK).- Microscopia de efeito Tnel (STM) com o MaxPlanck Institute for Microstructure Physics de Halle (Alemanha).Nos prximos meses, iniciar-se-o novos projectos em colaborao com o National Institute for Mate-rials Science, do Japo, o Max Planck Institute of Colloids and Interfaces, da Alemanha, a Universida-de de Texas-Austin, e o MIT dos EUA.O Laboratrio Ibrico Internacional de Nanotecnolo-gia conta com os ingredientes certos para se tornar num centro de referncia na rea emergente da Na-notecnologia. A chave para alcanar este objectivo estar sem dvida na qualidade do talento cientfco que esta a ser recrutado, bem como na gesto estratgica desta nova comunidade cientfca.Um dos aspectos que mais se destacam no projecto do INL prende-se com as suas infra-estruturas. As instalaes estendem-se por uma rea total de 47 000 m2, onde se destacam 22 000 m2 destinados a actividades cientfcas. A sala limpa sala limpa para micro e nanofabricao (classe 100 e 1000) apresenta uma rea til aproximada de 600 m2. No quadro das modernas infra-estruturas do laboratrio, salienta-se ainda um conjunto de laboratrios com caracte-rsticas especiais para microscopia electrnica com resolu-o atmica, microscopia de sonda local, espectroscopias e caracterizao de superfcies, e microfabricao por feixe inico. Estes laboratrios tm elevada estabilidade mec-nica s baixas frequncias, e encontram-se numa zona de campo magntico controlado, baixo rudo acstico, e temperatura controlada. O INL dispe ainda de laboratrios centrais de Biologia e Bioqumica, parte de um conjunto de cerca de 40 laboratrios individuais para os investigado-res que esto a ser contratados. ProJECTos EM Curso Durante a fase de instalao do INL, o laboratrio iniciou diferentes projectos em colaborao com universidades e centros de investigao de Europa e Amrica:- Nanotubos de carbono para a deteco de molculas qumicas, com a Universidade Tcnica da Dinamarca.- Preparao e estudo da auto-assemblagem de nano-sis- temas e nano-estructuras com potenciais aplicaes em Nanomedicina com o CFN-BNL (Centre for Functional Nanomaterials, Brookhaven National Laboratory) dos EUA. - Implementao de microscopia de fuorescncia comprocessamento de imagem de alta resoluo com o Maxextraordinariamente nas ltimas dcadas, em parte devido s famosas contribuies de outro americano, considerado o homem mais inteligente do mundo: Edward Witten.No h dvida de que Green um excelente fsico-ma-temtico e claramente merecedor da Ctedra Lucasiana. Tambm estou certo de que foi o seu perfl como co-fun-dador da teoria de cordas que levou a que esta posio lhe fosse atribuda. Mas muitos fsicos perguntar-se-o se isso motivo sufciente. Nos ltimos anos foram publica-dos vrios livros que criticam a teoria de cordas por no ter conduzido ao esperado sucesso na unifcao das quatro foras fundamentais da natureza. O primeiro foi Not Even Wrong, de Peter Woit1, e depois foi publicado The Trouble With Physics, de Lee Smolin. Ambos afrmam que a teoria de cordas j teve tempo sufciente para nos mostrar o que vale, mas nos trouxe muito poucos avanos. Muitas pes-soas interrogam-se at se deveria ser chamada uma teoria cientfca propriamente dita, dado que no produziu nenhum resultado que possa ser testado.Claro que no muito justo pensar assim, pois a teoria de cordas profundamente complexa e rica e provavelmen-te ainda s explormos a camada mais superfcial. Pode perfeitamente acontecer que algures neste sculo a teoria de cordas se comece a revelar como a verdadeira teoria de tudo. Entretanto, os fsicos de outras reas de estudo continuam a olhar com algum ressentimento compreensvel a forma como a teoria de cordas consegue atrair fnancia-mento, e levar os melhores crebros a escolherem esta rea para os seus doutoramentos, em detrimento das reas de investigao desses colegas2, sem dvida igualmente interessantes.A ctedra Lucasiana uma posio de grande visibilidade, mas a teoria de cordas tambm uma rea da cincia com grande visibilidade. Seja como for, Michael Green sucede a fguras de muito elevado gabarito.Fao-lhe votos de muito sucesso.crnica: pensamentos qunticos V ' . 5 z - ` . 4|vCortesia de Jim Al-Khalili famosa a frase que Isaac newton escreveu numa carta a Hooke: se vi mais longe que outros, foi porque subi aos ombros de gigantes. Com toda a razo, refere que nenhum dos gran-des pensadores da Histria chegou onde chegou isoladamente: ningum comea do nada. Mas os verdadeiros gnios como Isaac Newton e Stephen Hawking parecem olhar a Natureza e ver mais longe, e mais profundamente, que o comum dos mortais.Outra particularidade que estes dois cientistas tam-bm tm em comum, apesar de estarem separados por trs sculos, que ambos ocuparam a posi-o mais famosa no mundo da cincia: a Ctedra Lucasiana de Matemtica em Cambridge. Tendo Hawking atingido a idade de sessenta e cinco anos, idade de jubilao obrigatria deste posto, o mundo esperava que o seu sucessor fosse anunciado. Recentemente entrevistaram-me na BBC Radio para indagar quem me pareceria que poderia ser. O entrevistador at me perguntou se eu estaria in-teressado! Isto s mostra o pouco que ele sabia de cincia pois, como lhe respondi imediatamente, s candidatos que tenham um Prmio Nobel ou uma equao com o seu prprio nome que podem sequer pensar em ocupar essa ctedra.Foi recentemente anunciado o novo ocupante da ctedra. J ouvi falar muito nele,mas isso natural, porque eu sou um fsico terico. No creio que ele seja muito conhecido fora da comunidade acad-mica. Chama-se Michael Green e um dos funda-dores da teoria de cordas. Em 1981, Green e John Schwarz (este americano) publicaram o seu trabalho sobre teoria de supercordas de Tipo I, que deu origem a um pico de interesse neste tema. Ambos continuaram a liderar neste campo, que evoluiu o novo sucessorde newtonJim Al-khalili1 Ver, por exemplo Teoria de Cordas: Ata ou desata, in Gazeta de Fsica, vol 31, n3 (2008) pgina 45 e vol 32, n 1 (2009) pgina 55 (N:E)2IdemPara os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - o fsico richard Feynman, num discurso de incio do ano acadmico no California Institute of Technology (Caltech), em 1974, usou a expresso cargo cult (traduzido letra o culto da carga) para designar os rituais que alguns povos primitivos de ilhas do Pacfco comearam a praticar, durante a segunda Guerra Mundial. Eles imitavam, ainda que toscamente, os procedimentos dos militares americanos quando instalavam pistas para aterragem de avies de carga. Os indgenas chegavam no s a arranjar pistas rudimentares a ver se tambm recebiam a carga, mas tambm a fazer uma cabana de madeira para um homem se sentar l dentro, com dois bocados de madeira na cabea a imitar auscultadores e dois paus de bambu a imitar antenas o controlador. Esterelato feito no livro Est a brincar Mr. Feynman (Gradiva, 1988), um dos primeiros volumes da coleco Cincia Aberta e que vale sempre a pena reler. Feynman sugere uma analo-gia para a pseudo-cincia: seguem todos os preceitos e formas aparentes da investigao cientfca, mas falta-lhe qualquer coisa essencial porque os avies no aterram.De facto, os exemplos que podem ser dados de cincia do culto de carga so numerosos. Ospraticantes das vrias formas de pseudo-cincia, umas mais grosseiras e outras mais refnadas, proliferam no mundo de hoje. Porm, ao contrrio do que a caricatura indicada por Feynman d a entender, nem sempre fcil fazer a distino entre cin-cia e pseudo-cincia, entre cincia verdadeira e cincia da treta. decerto mais fcil nas chamadas cincias exactas como a fsica e a qumica, onde a eventual fraude acaba relativamente cedo por ser detectada acarretando a morte cientfca do respectivo autor, mas mais difcil em cincias humanas, como a psicologia e as cincias da educao, onde no raro acontece que a morte fsica do autor precede a respectiva morte cientfca. As chamadas cincias naturais, em particular as cincias biomdicas, onde hoje trabalha uma enorme comunidade de investiga-dores, constituem um vasto terreno intermdio (ver sobre medicina e farmcia o livro de Ben Goldrace Cincia da Treta, sado h pouco na Bizncio).O famoso caso da fuso fria, ocorrido h uma dcada quando os qumicos Martin Fleischmann e Stanley Pons anunciaram que tinham conseguido produzir fuso nuclear numa simples experincia de electrlise de gua pesada com um elctrodo de paldio, paradigmtico do destino impiedoso que tm, em cincias fsico-qumicas, as ideias que no so comprovadas por outros de uma forma clara, sistemtica e, por isso, conclusiva.Fleischmann e Pons esto hoje desaparecidos de cena. Feynman bem tinha avisado: Aprendemos com a experin-cia que a verdade acabar por aparecer. Outros experimentadores repetiro a nossa experincia para descobrir se estvamos certos ou errados. Os fenmenos naturais iro estar deacordo ou em de-sacordo com a nossa teoria. E, embora possamos ganhar alguma fama e excitao temporrias, no adquiriremos uma boa reputao como cientistas se no tentarmos ser muito cuidadosos.No campo das cincias humanas, a rea do ensino das cincias deve particularmente preocupar os cientistas. A o mtodo cientfco tem, sem dvida, uma aplicabilidade mais restrita. Os sistemas so mais complexos e a incerteza maior. Mas signif-cativo que o American Journal of Physics, com um sistema de peer review muito apertado, publique cada vez mais artigos sobre educao cientfca. E que haja em open access, com o rigor que apa-ngio da Physical Review, a revista Physical Review Special Topics - Physics Education Research. Quero ser optimista: a cincia do culto da carga est sob ameaa. crnica: fsica divertida V ' . 5 z - ` . 4zdo CulTo dA CArGA Carlos FiolhaisPara os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - O Prmio Nobel deste ano contemplou Charles Kao, Willard Boyle e George Smith, premiando os desenvolvimentos tecnolgicos registados durante os anos sessenta e que permitiram os incrveis avanos que se registam actualmente no domnio das comunicaes por fbra ptica e na inveno dos CCD, que to fortemente penetraram no nosso quotidiano.No caso de Charles Kao, este prmio distingue os seus esforos na identifcao das causas funda-mentais das perdas registadas nos sinais pticos que se propagavam nas fbras pticas produzidas at ento. Uma fbra ptica consiste num pequeno capilar de vidro ultra-puro (tipicamente com 125 mi-crmetros de dimetro), que possui no seu interior uma regio mais densa (com dimetro inferior a 10 micrmetros e um ndice de refraco superior ao do meio envolvente). As pequenas alteraes de ndice de refraco so obtidas atravs da dopa-gem da slica com xidos de germnio ou fsforo, por exemplo. A radiao propagada a grandes distncias por um processo de refexo total interna na interface entre o meio mais denso (ncleo) e o meio menos denso que o rodeia (bainha). As perdas de propagao so afectadas por no-homogenei-dades estruturais ou devido a perdas de absoro devido presena de contaminantes.No fm dos anos 60, os estudos de Charles Kao permitiram concluirque as altas perdas registadas at ento eram uma consequncia da presena de impurezas no vidro utilizado na produo de fbras pticas, e previu consequentemente a produo de fbras pticas com perdas de propagao abaixo dos 20 dB/km. A partir desse instante, os esforos concentraram-se no desenvolvimento de tcnicas de sntese de vidros com um elevado grau de pureza. Nos anos seguintes, os laboratrios da Corning (EUA) tiveram um papel fundamental ao desenvolverem tcnicas de sntese de vidros silicatos de elevada pureza a partir de tcnicas que utilizam mtodos a entrega de reagentes no estado gasoso. Estes progressos, registados no incio dos anos setenta, permitiram a reduo das perdas de propagao para valores inferiores a 1dB/km. Adicionalmente, foram desenvolvidos outros tipos de fbras onde, para alm das perdas de propagao, foi tambm optimizada a disperso (este parmetro importante na me-dida em que limita a taxa mxima ou a distncia mxima de transmisso de sinais pticos). Actualmente, as perdas de propagao so da ordem de 0.18dB/km a 1550nm (fbra SMF-28 ULL da Corning).A principal aplicao das fbras pticas regista-se no dom-nio das comunicaes pticas, quer ao nvel da propagao de sinal a grandes distncias (ligaes intercontinentais), quer ao nvel do desenvolvimento das redes locais de aces-so; esta tecnologia permite a transmisso com uma elevada largura de banda, permitindo a proliferao da oferta de servios de voz, televiso e internet em consequncia dos altos dbitos permitidos. Para alm disso, as fbras pticas no esgotam as suas aplicaes no domnio das comuni-caes pticas. O desenvolvimento de fbras especiais e de dispositivos em fbra ptica permitiu o desenvolvimento de lasers e amplifcadores pticos e tambm o desenvolvimen-to de sensores pticos, sendo que as fbras so incorpora-das de forma pouco intrusiva nos meios que se pretendem monitorar. Felizmente, e para alm da investigao registada no meio acadmico, Portugal regista exemplos da explo-notciasPrMIo noBEl dA FsICA 2009Paulo MarquesDep. Fsica e Astronomia,Fac. Cincias da Univ. Porto e INESC Portonotcias V ' . 5 z - ` . 4z|Charles Kao, Willard Boyle e George Smith, vencedores do Prmio Nobel da Fsica de 2009 (fonte: nobelprize.org)Para os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - zzratrios Bell (New Jersey, USA) centrou-se no de-senvolvimento do sensor e nos mtodos de interro-gao do sinal elctrico proveniente de cada um dos sensores individuais (pixel) que constituem o sensor completo e que proporcional ao sinal ptico inci-dente incidente no respectivo pixel. O CCD (Charge Coupled Device) actua portanto como uma memria electrnica que pode ser carregada por exposio a um sinal ptico. O desenvolvimento destes sensores de alta sensibilidade em silcio veio revolucionar a fo-tografa moderna, para alm de aplicaes em reas como a medicina e a astronomia.rao industrial das potencialidades das fbras pticas nas vrias vertentes acima descritas: esse o caso da Nokia Siemens Networks no domnio das comunicaes pticas, da FiberSensing no caso do desenvolvimento de sensores em fbra e da Multiwave Photonics no desenvolvimento de fontes pticas.No caso de Willard Boyle e George Smith o prmio distingue a qualidade do seu trabalho no desenvolvimento de senso-res pticos baseados no efeito fotoelctrico. A descoberta deste efeito valeu a Albert Einstein a atribuio do prmio Nobel em 1921. O trabalho destes investigadores dos labo-AconteceunAnodIA PEnsE PEquEno!Joo nuno Torres e leonel Alegre Todos os anos, durante a Semana da Cincia e Tecnologia, entre 21 e 27 de Novembro, instituies cientfcas, universi-dades, escolas, associaes e museus abrem as portas ao grande pblico, dando a conhecer as suas actividades.No Dia Nacional da Cultura Cientfca, 24 de Novembro, o Pavilho do Conhecimento Cincia Viva organizou o even-to Nanodia Pense Pequeno!, primeiro de uma srie de dias dedicados divulgao das nanocincias e nanotecno-logias, integrados no projecto europeu TIME for NANO [1]. Este projecto conta com a participao de diversas institui-es de nove pases europeus e fnanciado pela Comisso Europeia. TIME for NANO signifca, em ingls, tempo para as nanotecnologias e um acrnimo de Tools to In-crease Mass Engagement for Nanotechnology (Ferramentas para Aumentar o Interesse Pblico pelas Nanotecnologias). O principal objectivo deste projecto promover o interes-se do grande pblico, em especial dos jovens estudantes, pelos potenciais benefcios e riscos relacionados com a in-vestigao, engenharia e tecnologia nanoescala e recolher as suas opinies.Neste primeiro nanodia, o Pavilho do Conhecimento mos-trou imagens surpreendentes do nanomundo. Na exposio Zoom in, Zoom out, compararam-se imagens de nanobjec-tos, obtidas em laboratrios nacionais (CENIMAT/I3N, FCT-UNL, INESC Porto e CICECO-UA), com fotografas nossa escala que procuram reproduzir a luz, a textura e o ambiente daquelas imagens. Em alguns aspectos, o nanomundo parece-nos inesperadamente familiar. No ateli nanoCOISAS, crianas dos 8 aos 13 anos de idade construram objectos inspirados em imagens de na-noestruturas reais. Nanorobs, nanocidades e nanofbricas foram algumas das criaes mais originais.Os visitantes tiveram ainda a oportunidade de criar um modelo gigante de um nanotubo de carbono, feito com bales de modelar, e de explorar as diver-sas actividades prticas que compem o nanokit. Este kit pedaggico est a ser desenvolvido pelos parceiros do projecto TIME for NANO e ser breve-mente distribudo por diversas escolas e centros de cincia de toda a Europa.Durante a tarde, decorreu ainda um workshop de apoio aos professores participantes no projecto n&ns nanocincias e nanotecnologias [2], que contou com a presena de investigadores portugue-ses e de professores do ensino bsico e secundrio. O desafo deste projecto consiste na criao de um conto de fco cientfca por parte dos alunos em que sejam abordados desenvolvimentos cientf-cos na rea das nanotecnologias, dando especial ateno s suas potenciais aplicaes e impacto na sociedade. A Cincia Viva pretende assim contribuir para promover a cooperao entre escolas e labo-ratrios de investigao nacionais que desenvolvem actividade nesta rea.Para mais informaes contactar:n&[email protected] [email protected]. 1. http://timefornano.eu/timefornanoeu/2. http://www.cienciaviva.pt/projectos/n&n/ Crditos: Leonel Alegre Pavilho do ConhecimentoPara os fsicos e amigos da fsica. W W W. l / c l c ' > ' ' l . > - . - z5PrMIo FErnAndo BrAGAnA GIlAugusto BarrosoO Prmio Fernando Bragana Gil atribudo bia-nualmente pela Sociedade Portuguesa de Fsica melhor tese de doutoramento em fsica, defendida numa universidade portuguesa. Na sua primeira edio, o prmio de 2010 foi atribudo ao Doutor Eduardo Castro, pela sua tese intitulada Corre-lations and disorder in electronic systems: from manganites to graphene, defendida em 2008, na Faculdade de Cincias da Universidade do Porto. A tese foi orientada pelos professores Doutor Joo Lopes dos Santos e Doutor Nuno Peres.Eduardo Castro licenciou-se em Fsica na Universi-dade do Porto, durante o ano de 2001, com a clas-sifcao fnal de 17 valores. Tendo sido, nesse ano, o aluno da Faculdade de Cincias dessa Universida-de a terminar a licenciatura com a mais alta clas-sifcao, foi-lhe atribudo o prmio de mrito Eng. Antnio de Almeida, pela Fundao com o mesmo nome. Actualmente, Eduardo Castro investigador de ps-doutoramento no Instituto de Cincias de Materiais de Madrid.O trabalho de doutoramento de Eduardo Castro, agora distinguido, permitiu elucidar muitos aspectos da fsica fundamental do grafeno. Esta investigao est publicada em quatro artigos na revista Physical Review Letters, uma das mais prestigiadas revistas de Fsica.O slido que d pelo nome de grafeno foi desco-berto apenas em 2004, pelo fsico Andr K. Geim, professor na Universidade de Manchester, no Reino Unido. O grafeno a folha mais fna que jamais ser possvel fabricar, dado que a sua espessura de apenas um tomo. Um dos aspectos mais extraordinrios no contacto com este material que, tendo apenas um tomo de espessu-ra, pode, contudo, ser visto a olho nu, pois hoje possvel produzir folhas de grafeno com a dimenso de um milmetro quadrado, tal como se pode ver na imagem anexa,na qual o grafeno est depositado em cima de um vidro. A imagem foi ampliada com ajuda de um simples microscpico ptico, semelhante ao usado no estudo de clulas em tecidos biolgicos.O grafeno composto exclusivamente de tomos de carbono (tal como o o diamante) com os tomos orga-nizando-se numa rede da mesma geometria (hexagonal) das usadas nas vedaes de galinheiros. Neste sistema os electres comportam-se como se no tivessem massa e movimentam-se com uma velocidade 300 vezes menor que a velocidade da luz no vazio.As potenciais aplicaes do grafeno abrangem reas to vastas como a nano-electrnica, sistemas de radio-frequn-cia (cuja compreenso terica decorreu directamente dos trabalhos de doutoramento de Eduardo Castro), deteco de molculas individuais (com impacto em sensores molecu-lares ultra-sensveis e aplicaes bio-tecnologia), elctro-dos transparentes (em LCDs e clulas solares), e sensores de tenso de dimenso nanoscpica, entre outras. Por tudo isto, o grafeno um dos mais promissores materiais em nano-tecnologia.Para saber mais: ver artigo Grafeno: a base de uma nova electrnica? de Carlos Herdeiro, na Gazeta de Fsica 31(1/2) de 2008.1 Nesta evocao no poderia deixar de referir a contribuio de Jos Gomes Ferreira, seu pupilo, antes de ser seu marido e colaborador, donde esta dupla materno/filial na devoo de Ldia Salgueiro para com o marido. Era difcil dizer quem assessorava quem. Completavam-semutuamente.Apesardemaisnovo,partiudestemundo17anosantesdela,oquelheprovocouumadorintensa,eainvestigao cientfica teve um papel fundamental para a fazer reviver. Era impossvel no se ficar profundamente influenciado por este casal. A ternura, a perspiccia para a Cincia, a tenacidade, a personalidade forte e as qualidades humanas eram as suas caractersticas. Impuseram-se pelo exemplo, pela disponibilidade para com os alunos e pela vontade de promover os jovens investigadores, de modo a que todos pudessem ocupar um lugar de destaque na investigao cientfica a nvel mundial. A sua vida e obra foram marcantes na vida cientfica do nosso pas. -me dada a honra de escrever a homenagem que a gazeta de Fsica pretende dedicar Figura de Ldia saLgueiro. Foi a 24 de JuLho passado que eLa nos deixou, aos 91 anos.