3
Gênero e Raça: uma questão de identidade Profa. Dra. Terezinha Bazé de Lima* Dados estatísticos sobre o negro no Brasil e no Mato Grosso do Sul Ao longo de vários momentos da História do Brasil, os negros e as mulheres, entre outros grupos sociais, protestaram contra a discriminação racial e de gênero, uma luta permanente, enquanto muitos se apegavam à ideia de que, talvez, vivêssemos num país onde não existisse qualquer contradição ou desarmonia, que descarta os incidentes de discriminação por considerá-los insignificantes às vítimas, dedicadas a perturbar a paz social. Disfarçado, o racismo ainda é a forma mais clara de discriminação na sociedade brasileira, apesar de o brasileiro não admitir seu preconceito. “A emoção das pessoas, o sentimento inferior delas é que é racista. Quando racionalizam, elas não se reconhecem assim, não identificam em suas atitudes componentes de discriminação”, analisa Alcione Araújo, escritora e dramatista. O brasileiro tem dificuldade em assumir o seu racismo devido ao processo de convivência cordial que distorce o conflito. Devido a isso, por estar dissimulado, é difícil de ser combatido. A discriminação racial está espalhada pelo Brasil. Escola e mídia apresentam um modelo branco de valorização. O acesso aos espaços políticos, aos bens sociais, à produção de pensamento, à riqueza tem sido determinado pela lógica escravocrata. As práticas do racismo são diversas e se apresentam de diversas formas. Por meio das estatísticas sobre escolaridade, mercado de trabalho, criminalidade, presença nas artes e outros, pode-se perceber o problema na prática. A discriminação dá-se de duas formas: direta ou indireta. Diz-se discriminação direta a adoção de regras gerais que estabelecem distinções através de proibições. É o preconceito expressado de maneira clara como, por exemplo, dar tratamento desigual, ou mesmo negar direitos, a um indivíduo ou grupo determinado. A discriminação indireta está internamente relacionada com situações aparentemente neutras, mas que criam desigualdades em relação a outrem. Esta última maneira de preconceito é a mais comum no Brasil. É espantosa a naturalidade com que as pessoas — mesmo as públicas dotadas de cargos importantes da sociedade, e as pessoas mais esclarecidas — manifestam seus preconceitos. Elas parecem não perceber o que estão fazendo e como colaboram para a internalização do preconceito, já que suas falas são tidas como verdade. Discriminado e marginalizado, o negro perante a sociedade tem uma imagem de desqualificado, incapaz, impondo-se lhe a restrição do mercado de trabalho. Em posições aquém da merecida, sofre com maior intensidade a situação socioeconômica intensa do desemprego, marcado pelo estigma de ser preto ou pardo. Na sociedade capitalista, em que sobressaem as desigualdades sociais, a reprodução dessa situação impede a mobilidade social do negro, percebendo, estes, rendimentos de trabalho inferiores aos percebidos pelo branco e sendo associados a trabalhos menos qualificados, ocupando, principalmente, posições menores, em setores de menor status social. Através do preconceito, a mão-de-obra negra é direcionada para trabalhos domésticos e pesados. A sua cor é fator determinante, sobrepondo-se à sua competência ou formação. O quadro que ora traçamos é decorrente de um processo de ausência de conscientização entre as pessoas, e esse resultado é acusado no debate da discriminação racial, principalmente no âmbito das instituições públicas e sociais. Alguns chegaram a afirmar que era impossível, até mesmo, mencionar o tema e, muito menos, pensar em mudança. O tema Discriminação racial e de gênero aparece como assunto esquecido, que não precisa e não deve ser tratado. É temido porque significa mudança de status quo, uma ameaça aos direitos adquiridos por pessoas em seus locais de trabalho e até mesmo transtorno às normas e aos privilégios estabelecidos. Essas são algumas razões por que o tema é evitado ou, quando abordado, é minimizado. Milhões de seres humanos — negros, índios, mulheres, etc. — tiveram e ainda têm suas vidas afetadas negativamente pela discriminação racial e de gênero, mas o quadro, felizmente, está mudando e exige dos novos gerentes públicos, privados e administradores uma postura de mudança organizacional. É uma questão de tempo e de sobrevivência. Os esforços para a mudança organizacional também estão levando em conta a necessidade de abordar, discutir e ampliar a nossa reflexão sobre o tema. No enfoque sobre relações raciais, a maioria das pessoas trabalha com suas experiências de vida e com seu senso comum. Assim, a discriminação não é muito bem entendida, muito menos se sabe como se manifesta; daí o brasileiro afirmar que existem racismo e discriminação na sociedade, mas, individualmente, ter dificuldade de afirmar atitudes e práticas racistas. Portanto, há um preconceito em se reconhecer que há preconceitos — quem discrimina é sempre “o outro”. Além disso, todos discriminam ou são discriminados de alguma forma. As respostas têm de ser procuradas nos que discriminam, não nas vítimas ou nos discriminados, que sofrem muitas arbitrariedades, sob os mais mesquinhos pretextos. “Milhões de seres humanos — negros, índios, mulheres, etc. — tiveram e ainda têm suas vidas afetadas negativamente pela discriminação racial e de gênero”

Gênero e Raça

  • Upload
    leticia

  • View
    12

  • Download
    5

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Relações étnicos raciais no brasil, material para estudo, podera ser usados por varios cursos ( adm, psicologia, ngenharia, etc)

Citation preview

Gnero e Raa: uma questo de identidade Profa. Dra. Terezinha Baz de Lima*

Dados estatsticos sobre o negro no Brasil e no Mato Grosso do SulAo longo de vrios momentos da Histria do Brasil, os negros e as mulheres, entre outros grupos sociais, protestaram contra a discriminao racial e de gnero, uma luta permanente, enquanto muitos se apegavam ideia de que, talvez, vivssemos num pas onde no existisse qualquer contradio ou desarmonia, que descarta os incidentes de discriminao por consider-los insignificantes s vtimas, dedicadas a perturbar a paz social.Disfarado, o racismo ainda a forma mais clara de discriminao na sociedade brasileira, apesar de o brasileiro no admitir seu preconceito. A emoo das pessoas, o sentimento inferior delas que racista. Quando racionalizam, elas no se reconhecem assim, no identificam em suas atitudes componentes de discriminao, analisa Alcione Arajo, escritora e dramatista. O brasileiro tem dificuldade em assumir o seu racismo devido ao processo de convivncia cordial que distorce o conflito. Devido a isso, por estar dissimulado, difcil de ser combatido.A discriminao racial est espalhada pelo Brasil. Escola e mdia apresentam um modelo branco de valorizao. O acesso aos espaos polticos, aos bens sociais, produo de pensamento, riqueza tem sido determinado pela lgica escravocrata.As prticas do racismo so diversas e se apresentam de diversas formas. Por meio das estatsticas sobre escolaridade, mercado de trabalho, criminalidade, presena nas artes e outros, pode-se perceber o problema na prtica.A discriminao d-se de duas formas: direta ou indireta. Diz-sediscriminao diretaa adoo de regras gerais que estabelecem distines atravs de proibies. o preconceito expressado de maneira clara como, por exemplo, dar tratamento desigual, ou mesmo negar direitos, a um indivduo ou grupo determinado.Adiscriminao indiretaest internamente relacionada com situaes aparentemente neutras, mas que criam desigualdades em relao a outrem. Esta ltima maneira de preconceito a mais comum no Brasil. espantosa a naturalidade com que as pessoas mesmo as pblicas dotadas de cargos importantes da sociedade, e as pessoas mais esclarecidas manifestam seus preconceitos. Elas parecem no perceber o que esto fazendo e como colaboram para a internalizao do preconceito, j que suas falas so tidas como verdade.

Discriminado e marginalizado, o negro perante a sociedade tem uma imagem de desqualificado, incapaz, impondo-se lhe a restrio do mercado de trabalho. Em posies aqum da merecida, sofre com maior intensidade a situao socioeconmica intensa do desemprego, marcado pelo estigma de ser preto ou pardo.Milhes de seres humanos negros, ndios,mulheres, etc. tiveram e ainda tm suas vidas afetadasnegativamente pela discriminao racial e de gnero

Na sociedade capitalista, em que sobressaem as desigualdades sociais, a reproduo dessa situao impede a mobilidade social do negro, percebendo, estes, rendimentos de trabalho inferiores aos percebidos pelo branco e sendo associados a trabalhos menos qualificados, ocupando, principalmente, posies menores, em setores de menor status social. Atravs do preconceito, a mo-de-obra negra direcionada para trabalhos domsticos e pesados. A sua cor fator determinante, sobrepondo-se sua competncia ou formao.O quadro que ora traamos decorrente de um processo de ausncia de conscientizao entre as pessoas, e esse resultado acusado no debate da discriminao racial, principalmente no mbito das instituies pblicas e sociais. Alguns chegaram a afirmar que era impossvel, at mesmo, mencionar o tema e, muito menos, pensar em mudana. O temaDiscriminao racialede gneroaparece como assunto esquecido, que no precisa e no deve ser tratado. temido porque significa mudana destatus quo, uma ameaa aos direitos adquiridos por pessoas em seus locais de trabalho e at mesmo transtorno s normas e aos privilgios estabelecidos. Essas so algumas razes por que o tema evitado ou, quando abordado, minimizado. Milhes de seres humanos negros, ndios, mulheres, etc. tiveram e ainda tm suas vidas afetadas negativamente pela discriminao racial e de gnero, mas o quadro, felizmente, est mudando e exige dos novos gerentes pblicos, privados e administradores uma postura de mudana organizacional. uma questo de tempo e de sobrevivncia.Os esforos para a mudana organizacional tambm esto levando em conta a necessidade de abordar, discutir e ampliar a nossa reflexo sobre o tema. No enfoque sobre relaes raciais, a maioria das pessoas trabalha com suas experincias de vida e com seu senso comum. Assim, a discriminao no muito bem entendida, muito menos se sabe como se manifesta; da o brasileiro afirmar que existem racismo e discriminao na sociedade, mas, individualmente, ter dificuldade de afirmar atitudes e prticas racistas.Portanto, h um preconceito em se reconhecer que h preconceitos quem discrimina sempre o outro. Alm disso, todos discriminam ou so discriminados de alguma forma. As respostas tm de ser procuradas nos que discriminam, no nas vtimas ou nos discriminados, que sofrem muitas arbitrariedades, sob os mais mesquinhos pretextos.Visando contribuir para o avano do nosso senso comum, vamos apresentar uma definio preliminar deetnia, raa e gnero.

O que , o que : Etnia/ RaaDurante muito tempo, fomos acostumados a classificar pessoas usando categorias baseadas na cor de pele, na textura do cabelo, nos traos fsicos, etc. Assim, criou-se o senso comum das trs raas distintas: amarela, negra e branca. O conceito de raa, segundo oDicionrio Aurlio(1986:1442), um conjunto de indivduos cujos caracteres somticos, tais como cor da pele, a conformao do crnio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., so semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivduo para indivduo.No mesmo dicionrio,etnia(1986:733) um grupo biolgico e culturalmente homogneo. Mas, como no somos homogneos, as culturas no esto condicionadas nossa aparncia fsica. Assim,etniatambm no pode ser usada isoladamente para classificar ou determinar os humanos, pois as culturas no so estticas nem puras, uma vez que as fronteiras no existem, possibilitando a inter-relao das tradies e dos costumes entre pessoas que partilham de uma mesma sociedade.Em nossa sociedade, houve a tentativa de imposio da cultura branca, mas isso no tem sido possvel, pois a resistncia dos negros e ndios fez produzir o que podemos chamar decultura brasileira. Portanto, importante afirmar que, no Brasil, esto presentes manifestaes culturais desses trs grupos tnico-raciais formadores dessa sociedade. Raciocinando dessa forma, no podemos supor a superioridade de um determinado grupo o branco em detrimento de um outro negro ou ndio , uma vez que vivemos numcaldeiro cultural.Inserida, ento, nesse mar de diversas culturas, resolvemos adotar a terminologia tnico-racial, uma vez que tais conceitos j fazem parte dacultura brasileira.

O que Gnero?Gnero o conceito que se refere a um sistema de papis e relaes entre mulheres e homens, determinado pelos contextos social, cultural, poltico e econmico.O sexo de uma pessoa determinado pela natureza biolgica; o gnero construdo, difere de uma sociedade para outra e pode ser alterado de acordo com a poca.Mulheres e homens possuem diferenas sexuais e biolgicas que so arbitrariamente utilizadas pela cultura para, baseado na ideia do sexo fraco (mulheres) e do sexo forte (homens), limitar a autonomia feminina, seu potencial e acesso ao poder poltico econmico.As caractersticas sexuais so determinadas no tero, no momento da concepo. A construo dos papis e das relaes de gnero um processo permanente. Essas relaes sociais, que dividem os sexos, propiciam diferentes oportunidades para homens e mulheres.As diferenas biolgicas entre o corpo feminino e o corpo masculino foram se traduzindo em desigualdades inaceitveis, provocando reaes por parte das mulheres, que, ao no aceitarem essa condio de subordinao, lanaram-se em movimentos pela emancipao feminina.Comearam com a luta pelo voto e o direito a decidir sobre o prprio corpo.Foram to hbeis e corajosas que, em apenas cinquenta anos, mudaram muita coisa em quase todas as culturas. Atualmente, temos mulheres atuantes em quase todas as reas e, sobretudo, naquelas que podem mudar o perfil do nosso sistema social injusto: movimentos pacifistas, pela preservao do meio ambiente, pela sade integral, por uma educao no discriminatria acessvel a todas as pessoas.Para finalizar, importante destacar que fundamental que se faa uma avaliao profunda, que se v alm de uma anlise limitada e intuitiva da realidade, para prever as formas que a resistncia pode assumir e conscientizar os responsveis pela mudana das razes mais comuns que levam as pessoas resistncia.A deciso de mudar exige de ns sacrifcios, pois, para construir uma sociedade livre de preconceitos, no basta s constarem, na Constituio Brasileira, instrumentos que probam a discriminao. preciso reconhecer que o preconceito tambm fruto de motivao do inconsciente e que as nossas aes para combat-lo encontram forte resistncia. O silncio e a falta de solidariedade para com os discriminados, sejam negros, ndios ou mulheres, no podem ficar s na constatao. preciso valorizar o debate e enfrentar o tema das relaes raciais e das relaes de gnero com novos paradigmas, principalmente como da promoo da igualdade.Portanto, a presena viva e ativa dos movimentos sociais dos negros atravs de suas entidades e mesmo a criao de alguns rgos de governo evidenciaram que, para diminuir os efeitos da discriminao, no bastava instituio de um estatuto legal proibindo-a, pois ela se apresenta de maneira muito difusa.Para superar o processo de discriminao social, econmica, cultural e estabelecer uma equidade de gnero e raa so necessrias polticas pblicas e especficas para tal fim. O desafio que se coloca, ento, : como garantir a participao de todos sem discriminao? Pode uma sociedade multirracial e multicultural reconhecer a igualdade de seus cidados? Sem que as instituies reconheam as particularidades e a discriminao a que esto sujeitos determinados segmentos da sociedade?As esferas governamentais tero, portanto, um desafio maior, que o de continuar a propagar as ideias de no discriminao e, ao mesmo tempo, difundir os ideais de tolerncia e de respeito aos direitos humanos. Enfim, a construo de uma sociedade que no discrimine passa por mudanas de atitudes bem radicais, a comear pelo reconhecimento de que a discriminao existe at mesmo no cotidiano das pessoas.BIBLIOGRAFIABRASIL. Ministrio da Educao e do Desporto. Cidadania: Por uma educao no discriminatria. Etnia e Raa. Braslia: MEC/SEF, 1998.Governo Popular/SED Secretaria Estadual de Educao Mato Grosso do Sul. Projeto Preliminar de Combate Discriminao Racial no Estado de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: 2001.LIMA, Terezinha Baz de.O Comportamento do Negro no Mato Grosso do Sul Frente Conjuntura Atual. Campo Grande: 2000.Material pesquisado na internet. Projeto de PesquisaRacismo no Brasil: As dificuldades do negro no Mercado de Trabalho. Braslia, DF: 1999.SANTOS, Ivair Augusto Alves dos.Discriminao:Uma Questo de Direitos Humanos. In50 Anos Depois:Relaes Raciais e Grupos Socialmente Segregados. Braslia: Movimento Nacional de Direitos Humanos, 1999.* Professora Doutora em Educao pela Unicamp, aposentada da UFMS, Presidenta do Instituto Casa da Cultura Afro-brasileira, Coordenadora de Cursos do Instituto de Ensino Superior da Funlec/Campo Grande e Diretora Pedaggica da Associao Escola de Governo de Mato Grosso do Sul