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Genius loci e o desastre: a importância do lugar Marilice Costi Perder a própria casa com nossos pertences e ver nossa cidade destruída afetam o nosso comportamento. Perder a casa é perder pele, roupa, proteção. A sensação é de abandono. São perdas profundas de identidade, de memórias, de registros, de afetos que se foram com as pessoas e as coisas. BIBLIOGRAFIA: BACHELARD,Gaston. A poética do espaço.São Paulo: Martins Fontes, 1996. COSTI, Marilice. A cidade e a alcova: o coletivo na intimidade. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.036/684>. Acesso em 20 jul. 2011. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CAMPOS, E. P.Grupos de suporte. Em: Julio de Mello Filho et al. Grupo e corpo: psicoterapia de grupo com pacientes somáticos.Porto Alegre: ARTMED, 2000. CEVS - CENTRO ESTADUAL DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE. RIO GRANDE DO SUL.Ações de vigilância em saúde no município de São Lourenço do Sul durante inundação de março de 2011.Relatório Preliminar em 14/03/2011. Porto Alegre. HILLMAN, James. Cidade & alma. São Paulo: Studio Nobel,1993. NOJI, Eric K.Impacto de los Desastres em La Salud pública. Bogotá, Colombia: Organización Panamericana de La Salud, OPS-OMS, 2000.in: OMS.Preparativos de salud para situaciones de desastres.Guía para el nivel local.Quito: OPAS, 2003. FREIRE, Paulo; QUIROGA, A.P. et al. (1989), O processo educativo segundo Paulo Freire e Pichon Rivière. Petrópolis: Vozes. Síndrome Pós-trauma. Disponível em<http://diagnosticoenfer.hdfree.com.br/DIAGNOSTICOS%20 DE%20ENFERMAGEM/Sindrome/SINDROME%20POS%20TRAUMA.htm> Acesso em 20 jul. 2011. TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo DIFEL, 1977. A VIGILÂNCIA EM SAÚDE Era fundamental cuidar as pessoas dando-lhes abrigo, cuidando de seus ambientes, da água, do alimento, dos abrigos, da vacinação, dos medicamentos e cuidados médicos. Tudo foi feito numa enorme de rede de cuidados que se articulou prontamente através do CEVS e do DAS, envolvendo os níveis: central, regional e municipal da Vigilância em Saúde ativando toda a rede estadual e também outras instituições: escola, hospital, universidade e OPAS. O DESASTRE A inundação em São Lourenço do Sul/RS vitimou quase 15 mil pessoas e atingiu 60% da área urbana em março de 2011, quando o arroio São Lourenço saiu de sua trajetória. O VALOR DO LUGAR A casa e a cidade são nossos lugares, os espaços no quais nos vinculamos devido às nossas vivências afetivas. Ali está o Genius loci. A cidade é o lugar coletivo onde nos construímos socialmente é parte de nós. (Hilmann, 1993). Afirma Gaston Bachelard (1996) que a casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. A vida começa bem, começa fechada, protegida, agasalhada no regaço da casa. A casa carrega em si um significado e cada parte dela tem um sentido. Metáfora do próprio dono, ela é abrigo, território, domínio, lar, referencial, pertença. Arroio São Lourenço SAÚDE MENTAL E WORKSHOP A atuação de equipes de SM foi feita através de visitas domiciliares, quando constataram que a taxa de prevalência era de 10%, resultando em 1.500 pessoas com sofrimento mental. Essa quantidade não poderia ser absorvida pela rede de SM existente. Portanto, elas seriam encaminhadas para atendimentos diferentes. Um desses atendimentos seria feito em grupos. E foi este um dos motivos de ter proposto um workshop para arteterapeutas. O workshop foi ministrado no IV Congresso do Mercosul de Arteterapia e I Congresso Lusobrasileiro de Arteterapia (Ouro Preto/MG, 2011), com o intuito de estimular profissionais para cuidar dessas pessoas com Arteterapia, utilizando recursos plásticos tais como: tintas, papel, lápis de cor, balões, tesoura e cola, e sucatas. Além de informá-los sobre o valor do lugar e a importância dos vínculos de afeto com os espaços construídos, estimular para o acolhimento às pessoas com síndrome pós-trauma, como é o caso das vítimas com sofrimento mental após um desastre climático. RESULTADOS Os participantes se sentiram mais informados e preparados para atuar após os desastres. Reconheceram a importância do lugar afetivo na saúde das pessoas. Reconheceram seu próprio genius loci. Demonstraram solidariedade na atuação em grupo ao reorganizarem sua cidade com apoio da Vigilância Ambiental, da Defesa Civil, da rede de Saúde Mental. Organizaram os ambientes urbanos e juntos construíram uma praça circular (equilíbrio/mandala) onde as pessoas resgatariam sua saúde mental em atividades coletivas. ARTETERAPIA A Arteterapia é um tipo de cuidado que envolve o processo criativo através de recursos plásticos sem que exista crítica quanto à estética. Ela vem se expandindo por todo o Brasil. Em novembro/2011, a disciplina Arteterapia passou a fazer parte da grade curricular da Faculdade de Ciências Médicas de Recife/PE. A proposta para o grupo era cuidar primeiro de si e depois das pessoas e da cidade. Foram utilizados textos de literatura. Praça Central da Cidade proposta pelo grupo. Casa destruída em desastre. MARILICE COSTI é urbanista, mestre em Arquitetura, especialista em Arteterapia e em Saúde no CEVS/DAS. [email protected]

Genius loci e o desastre: a importância do lugar · A atuação de equipes de SM foi feita através de visitas domiciliares, quando constataram que a taxa de ... em desastre. MARILICE

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Page 1: Genius loci e o desastre: a importância do lugar · A atuação de equipes de SM foi feita através de visitas domiciliares, quando constataram que a taxa de ... em desastre. MARILICE

Genius loci e o desastre: a importância do lugar

Marilice Costi

Perder a própria casa com nossos pertences e ver nossa cidade destruída afetam o nosso comportamento. Perder a casa é perder pele, roupa, proteção. A sensação é de abandono. São perdas profundas de

identidade, de memórias, de registros, de afetos que se foram com as pessoas e as coisas.

BIBLIOGRAFIA: BACHELARD,Gaston. A poética do espaço.São Paulo: Martins Fontes, 1996. COSTI, Marilice. A cidade e a alcova: o coletivo na intimidade. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.036/684>. Acesso em 20 jul. 2011. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CAMPOS, E. P.Grupos de suporte. Em: Julio de Mello Filho et al. Grupo e corpo: psicoterapia de grupo com pacientes somáticos.Porto Alegre: ARTMED, 2000. CEVS - CENTRO ESTADUAL DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. SECRETARIA ESTADUAL DA SAÚDE. RIO GRANDE DO SUL.Ações de vigilância em saúde no município de São Lourenço do Sul durante inundação de março de 2011.Relatório Preliminar em 14/03/2011. Porto Alegre. HILLMAN, James. Cidade & alma. São Paulo: Studio Nobel,1993. NOJI, Eric K.Impacto de los Desastres em La Salud pública. Bogotá, Colombia: Organización Panamericana de La Salud, OPS-OMS, 2000.in: OMS.Preparativos de salud para situaciones de desastres.Guía para el nivel local.Quito: OPAS, 2003. FREIRE, Paulo; QUIROGA, A.P. et al. (1989), O processo educativo segundo Paulo Freire e Pichon Rivière. Petrópolis: Vozes. Síndrome Pós-trauma. Disponível em<http://diagnosticoenfer.hdfree.com.br/DIAGNOSTICOS%20 DE%20ENFERMAGEM/Sindrome/SINDROME%20POS%20TRAUMA.htm> Acesso em 20 jul. 2011. TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo DIFEL, 1977.

A VIGILÂNCIA EM SAÚDE Era fundamental cuidar as pessoas dando-lhes abrigo, cuidando de seus ambientes, da água, do alimento, dos abrigos, da vacinação, dos medicamentos e cuidados médicos. Tudo foi feito numa enorme de rede de cuidados que se articulou prontamente através do CEVS e do DAS, envolvendo os níveis: central, regional e municipal da Vigilância em Saúde ativando toda a rede estadual e também outras instituições: escola, hospital, universidade e OPAS.

O DESASTRE A inundação em São Lourenço do Sul/RS vitimou

quase 15 mil pessoas e atingiu 60% da área urbana em março de 2011, quando o arroio São Lourenço saiu de

sua trajetória.

O VALOR DO LUGAR

A casa e a cidade são nossos lugares, os espaços no quais nos vinculamos devido às nossas vivências afetivas. Ali está o Genius loci. A cidade é o lugar coletivo onde nos construímos socialmente – é parte de nós. (Hilmann, 1993). Afirma Gaston Bachelard (1996) que a casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. A vida começa bem, começa fechada, protegida, agasalhada no regaço da casa. A casa carrega em si um significado e cada parte dela tem um sentido. Metáfora do próprio dono, ela é abrigo, território, domínio, lar, referencial, pertença.

Arroio São Lourenço

SAÚDE MENTAL E WORKSHOP A atuação de equipes de SM foi feita através de visitas domiciliares, quando constataram que a taxa de prevalência era de 10%, resultando em 1.500 pessoas com sofrimento mental. Essa quantidade não poderia ser absorvida pela rede de SM existente. Portanto, elas seriam encaminhadas para atendimentos diferentes. Um desses atendimentos seria feito em grupos. E foi este um dos motivos de ter proposto um workshop para arteterapeutas. O workshop foi ministrado no IV Congresso do Mercosul de Arteterapia e I Congresso Lusobrasileiro de Arteterapia (Ouro Preto/MG, 2011), com o intuito de estimular profissionais para cuidar dessas pessoas com Arteterapia, utilizando recursos plásticos tais como: tintas, papel, lápis de cor, balões, tesoura e cola, e sucatas. Além de informá-los sobre o valor do lugar e a importância dos vínculos de afeto com os espaços construídos, estimular para o acolhimento às pessoas com síndrome pós-trauma, como é o caso das vítimas com sofrimento mental após um desastre climático.

RESULTADOS Os participantes se sentiram mais informados e preparados para atuar após os desastres. Reconheceram a importância do lugar afetivo na saúde das pessoas. Reconheceram seu próprio genius loci. Demonstraram solidariedade na atuação em grupo ao reorganizarem sua cidade com apoio da Vigilância Ambiental, da Defesa Civil, da rede de Saúde Mental. Organizaram os ambientes urbanos e juntos construíram uma praça circular (equilíbrio/mandala) onde as pessoas resgatariam sua saúde mental em atividades coletivas.

ARTETERAPIA A Arteterapia é um tipo de cuidado que envolve o processo criativo através de recursos plásticos sem que exista crítica quanto à estética. Ela vem se expandindo por todo o Brasil. Em novembro/2011, a disciplina Arteterapia passou a fazer parte da grade curricular da Faculdade de Ciências Médicas de Recife/PE. A proposta para o grupo era cuidar primeiro de si e depois das pessoas e da cidade. Foram utilizados textos de literatura.

Praça Central da Cidade proposta pelo grupo.

Casa destruída em desastre.

MARILICE COSTI é urbanista, mestre em Arquitetura, especialista em Arteterapia e em Saúde no CEVS/DAS.

[email protected]