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Gente de todas as cores: imagens do Brasil na obra de Gomes de Amorim

Autor(es): Ribeiro, Maria Aparecida

Publicado por: Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras

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MÁTHESIS 71998 117·164

GENTE DE TODAS AS CORES: IMAGENS DO BRASIL NA OBRA DE

GOMES DE AMORIM

MARIA APARECIDA RIBEIRO

1- PAISAGENS E LENTES

Quando em 1837, em Belém do Pará, havia há pouco chegado ao fim I um dos mais importantes movimentos contra os privilégios da aristocracia agrária - a Cabanagem - aportava na baía de Guajará um menino de dez anos, nascido em A veromar. "Depois de uma viagem a que não faltaram a fome, a sede, as calmas e as tormentas" (Amorim,1858: VI), os olhos da criança deviam ter-se deparado com uma paisagem grandiosa. Afinal, estava na Amazónia; e na Amazónia dos meados do século XIX, quando a actividade predatória e os interesses internacionais, apesar de já actuantes, ainda não haviam feito dela o espectro que é hoje. Mas a exuberância da Natureza parece não ter sido a primeira impressão do menino de Averomar. À paisagem natural de Belém sobrepôs-se a paisagem humana.

Levado para o cais da alfândega, viu-se ele (como o escritor afirmaria anos mais tarde) rodeado "de uma multidão de gente de todas as cores" (Amorim, 1858: VII), onde homens brancos, de branco vestidos, o avaliavam como mercadoria, em meio a brincadeiras de negros escravos. Recusado como refugo por uns, olhado com piedade por outros, o menino Francisco Gomes de Amorim encontrou finalmente quem o acariciasse e escolhesse para trabalhar consigo. Seguindo este patrão, um "excelente e honrado homem" (Amorim, 1858: XIII), ele iniciaria um percurso de que lhe ficariam na memória variadíssimas e ricas imagens do Brasil. Se algumas seriam registadas de forma autobiográfica já no prólogo do primeiro livro de poesias publicado - Cantos Matutinos (1858) - e nalgumas composições que esta obra reúne, outras apareceriam no

1 No Pará, tenninou em 1836, embora se prolongasse pelo Alto Amazonas até 1840, confonne será comentado mais adiante.

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texto ou em notas do seu teatro e do seu romance: Ódio de Raça (1854), O Cedro Vermelho (1856), Escravatura Branca, acabada por publicar com o título Aleijões Sociais (1870), Os Selvagens (1875), Remorso Vivo (1876).2

Um rápido exame desses títulos e das personagens dessas obras indicia, por um lado, que as retinas da criança de dez anos fixaram "a multidão de gente de várias cores" vista naquele seu primeiro contacto com o Brasil; por outro, deixa entrever uma certa face social, comum, aliás, à segunda geração romântica portuguesa.

Merecem esses textos um estudo, pois, para além de o Gomes de Amorim escritor ter sido obliterado pelo Gomes de Amorim biógrafo de Garrett, somente a peça Fígados de Tigre recebeu um olhar mais atento. Como diz Óscar Lopes (1997: 283), a sua obra aguarda um investigador que a tome "mais largamente legível". E é verdade. Apesar de vários estudiosos chamarem a atenção para o interesse da sua obra e até de o escritor ter sido considerado um dos raros exemplos da literatura exótica em Portugal (Cidade, 1927: 2), ele nunca recebeu um estudo mais acurado, quer de forma geral - que estabelecesse as relações entre a sua produção, incluindo os textos jornalísticos, e o Romantismo português - quer de forma particular - onde a recriação da sua experiência brasileira tivesse um tratamento crítico.3

O compulsar da obra de Gomes de Amorim revela nomes conhecidos. Na maioria das vezes, o de Garrett; mas também os de Ferdinand Denis, Gonçalves Dias, Pedro II, Araújo Porto Alegre, Varnhagen.

O mestre, protector e amigo é permanentemente lembrado -afinal, à leitura do Camões "se devem não só os Cantos Matutinos", como todos os outros "modestos opúsculos" (Amorim, 1858: XV). Ódio

2 Estas são as datas da representação das peças. As edições são posteriores: Ódio de Raça (1869); O Cedro Vermelho (1874). Aleij(jes Sociais, ao que parece, não foi encenada até à data da sua publicação.

3 Ao escrever sobre o exotismo em Portugal na época romântica, José-Augusto França, por exemplo, considera que Gomes de Amorim é, em Portugal, no século XIX, o único caso de experiência de emigração expressso literariamente, mas nem por isso se detém na sua obra, preferindo olhar com atenção a inacabada Helena de Garrett (cf. França, 1997: 180). Também no seu O Romantismo em PortuRal, França, apesar das muitas referências que faz a Gomes de Amorim, não lhe confere especial atenção. O Dicionário do Romantismo Literário PortuRuês (Buescu, 1997) cita o nome de Amorim em muitas de suas entradas, embora o verbete que lhe é dedicado trate apenas de um aspecto da sua obra.

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de Raça, segundo o próprio autor, nasceu do incentivo de Garrett, quando este mostrou ao discípulo um projecto de lei do Marquês de Sá da Bandeira para extinguir a escravidão dos domínios portugueses e Amorim contou-lhe como viviam os escravos no Brasil. Escrita em 1854, e representada no mesmo ano no Teatro de D. Maria II, a peça, ao ser publicada, ganhou uma epígrafe que talvez na própria génese da obra tivesse exercido o seu papel de "palavra autoritária" (Bakthine, 1979: 151): "lci, comme en bien d'autres endroits, une question de race devint une question de haine." (Amorim,1869: 4)4. A autoridade, no caso, é a de Ferdinand Denis5

, que comenta o facto de os europeus exigirem uma pureza de origem, mas, ao mesmo tempo, irem ajudando a aumentar o número de mulatos. Denis, por sua vez, vai buscar o testemunho de um outro viajante - Debret - que polariza a rivalidade entre "o orgulho americano do mulato" e o "brio português do brasileiro branco" (Denis, 1980:158).

O magistério de Gonçalves Dias, de quem foi amigo e com quem se correspondeu, é invocado inúmeras vezes por Gomes de Amorim nas notas e comentários que faz aos seus textos. São normalmente questões relativas à língua tupi e às lendas indígenas, para as quais ele busca o testemunho do poeta de "l-Juca-Pirama", manifestando às vezes a sua discordância. Varnhagen, embora com menos destaque e mais restrições, também é citado.

Há ainda que acrescentar uma dedicatória em Frutos de Vário Sabor ao Barão de Santo Ângelo (Araújo Porto Alegre) e outra em O Cedro Vermelho a Pedro II, cuja visita a Portugal em 1871 Gomes de Amorim apresenta sob a visão triunfante que Eça e Ramalh06 lhe

4 Embora Amorim não cite, estas palavras foram extraídas do livro Brasil e o "lei" refere-se a este país.

5 Nesse ponto G. de A. emparelha com os brasileiros. Vejam-se as palavras de Macedo: "Citar o nome de M. Ferdinand Denis é citar uma autoridade" (Macedo, J. M. & outros: 1851, 443). Diga-se também que a miscigenação racial era algo que horrorizava os franceses. O Conde de Gobineau, cônsul da França no Rio de Janeiro e amigo de Pedro II, ao escrever A Diversidade Moral e Intelectual das Raças (\856), previa a extinção do povo brasileiro, dentro de duzentos anos, em função da mistura racial. Agassiz, leitura que Amorim cita em suas notas, também fala da deterioração decorrente do amálgama de raças e vê no Brasil, mais que em qualquer outro lugar, a miscigenação produzindo um tipo "indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental".

6 Enquanto nas Farpas Pedro II aparece, figura romântica que era - da vestimenta aos gostos e preocupações culturais -, como objecto de sátira (cf.Ribeiro, 1995), Amorim diz que o Imperador tem "a virtude e o saber" (Amorim, 1876: 13).

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haviam negado. Penetramos num círculo que passa por Paris, Lisboa e Rio de

Janeiro e pelo qual trafegam as ideias que iriam impulsionar o Romantismo em Portugal e no Brasil. Mais precisamente pelo Institut Historique, pela Real Academia das Ciências, pelo Instituto Histórico e Geográfico7

Dialogando com figuras que estimularam e presidiram a fundação da literatura brasileira, participando do Romantismo português quando este já ia a meio e mantendo contactos com espaços culturais consagrados, como teria Gomes de Amorim pintado o Brasil? Que contornos deu a essas imagens de "gente de todas as cores" com quem lidou nos oito anos em que lá esteve? Como entreteceu a sua vivência amazónica e o seu referencial literário? Terá mantido o ponto de vista do viajante, o que leva alguns críticos a verem nele o iniciador da literatura exótica em Portugal? Ou por vezes falará o morador?

2- A NATUREZA

As primeiras composições poéticas de Gomes de Amorim incluem um poema canhestro sobre o rio Amazonas e outro sobre a floresta virgem, que, do tema aos motivos, das imagens à enumeração fastidiosa, não fogem ao lugar-comum. Além de Os Selvagens, que, por ser narrativa, enseja descrições pormenorizadas, somente num dos seus textos dramáticos que têm por cenário a Amazónia - O Cedro

7 Esta rede de relações pode ser assim exemplificada: em Paris, Porto Alegre pintou o retrato de Garrett (Cândido,51975: v. 2,.13 e 32). Também lá, Denis, esteve em tanta sintonia com Garrett (ou este com ele) que lhes ficou difícil explicar a génese dos dois Camões (Amorim, 1881: t. 1, 368-369). Garrett é o nome invocado por Gonçalves Dias, ex-estudante da Coimbra dos anos 40, quando fala da renovação da linguagem teatral (cf. o prólogo de L. de Mend., Dias, 1959 :690) e da necessidade de "dar um novo jeito à frase antiga", adequando às necessidades de expressão do Brasil a língua portuguesa (Dias, 1959: 824). Não fosse isso bastante, Garrett também é referido pelo poeta, juntamente com Herculano, como alguém que aposta na literatura brasileira, ao contrário da "canalha literária de Portugal" (Dias, 1959: 808). Denis correspondeu-se com Pedro II. Foi o imperador que proporcionou a estada de Porto Alegre em Paris, assim como, posteriormente, as viagens de Gonçalves Dias e as de Varnhagen à Europa. Varnhagen manteve relações com Denis, que iniciou uma biografia de Gonçalves Dias (Rouanet, 1991: 247). Este, por sua vez, busca respaldo etnográfico no seu quase biógrafo e se corresponde com Gomes de Amorim que conheceu em Portugal. Porto Alegre foi amigo de Gonçalves Dias, tendo fundado com ele e Gonçalves de Magalhães a revista Guanabara. E o circuito não pára aí.

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Vermelho - é que aparecem cuidados do autor quanto ao enquadramento da paisagem natural. Aí, toma-se verdadeira e exageradamente minucioso, querendo reproduzir a Natureza em todos os detalhes8

, para que o "espectador seja transportado sem violência, apenas levantado o pano do teatro, ao lugar onde se vai passar a acção" (Amorim, 1874: v.2, 19), mantendo-se, assim, a ilusão teatral. A exuberância das margens do lago Cumuru aparece em cena com as árvores mais variadas, sempre cobertas de flores e frutos, que a didascália indica ao pormenor e que, na apresentação da peça (1856), foi concretizada por Rambois e Cinatti. Até a iluminação foi cuidada por Amorim, para dar a ideia do sol na Amazónia e da sua dificuldade em penetrar na floresta (cf. Amorim, 1874: v.2, 177). Completando o Brasil que não cabe no palco, estão as notas, que mostram uma vocação para viajante-naturalista, também estimulada no leitor (cf. Amorim, 1874: v.l, 5-19), e incompatível com a do dramaturgo romântico.

Nessas notas, Amorim completa - imaginando que o seu teatro venha a ser lido - o que não pôde ser dito em cena9

• A variedade e a origem de cada espécie da flora e da fauna é exaustivamente descrita. O escritor faz questão de citar os diferentes nomes por que a planta ou o animal é conhecido, sua designação botânica ou zoológica, sua utilidade, o que sobre eles se escreveu, e de dar a sua opinião pessoal sobre o sabor desta ou daquela fruta, como o fizeram muitos dos nossos viajantes e cronistas. Discute com os brasileiros e os que estiveram no Brasil a sua experiência, fazendo questão de mostrar-se algumas vezes mais conhecedor da Amazónia que os nativos, como acontece, por exemplo, com relação ao Dicionário de Botânica Brasileira, coordenado e redigido em grande parte sobre os manuscritos do Dr. Arruda Câmara. Ele encarna o Cary Cuapára - o branco sabedor, como o chamaram os tapuias de Alenquer (Amorim, 1869: 301) - e corrige os da terra (como Varnhagen e Moraes), os portugueses e os estrangeiros.

Aliás, esta atitude exigente com relação às notícias dadas pelos viajantes em todos os seus relatos começa a ser cada vez mais comum à medida que o cientificismo ganha espaço no século XIX (cf.

8 É curioso notar nas indicações para o cenário e para os figurinos a preocupação já naturalista do autor, apesar de tennos dúvidas se os objectos mencionados (rede, cesto etc.) foram colocados no palco ou pintados à maneira romântica.

9Como ele próprio declara nas notas, "tentou-se dar uma ideia da paisagem", já que o drama não contempla a descrição (Amorim, 1874: v.2, 10).

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Rouanet, 1991: 100-101). Curiosa nesse contexto vem a ser a nota sobre a mangueira, pois,

também nela se pode observar o diálogo que o escritor manteve com Garrett. Em função do sucesso que esta árvore vinda da Índia obteve no Brasil, Amorim cita o verso de Camões - "melhor tomado em terreno alheio" (cf. Amorim, 1874: v.2, 38 e Lus., C. IX, est. 58). A mesma citação aparece em Helena, embora aqui não importe quem primeiro teve a ideia, mas a presença intertextual da Ilha dos Amores e a diferença com que os dois escritores a incitam em suas obras.

Já Garrett inscreve o verso de Os Lusíadas com relação à melancia, mas não sem antes o narrador dizer: "degenerou da Europa, curcubitando tortuosa e aleijada" (Garrett, 1984: 275). Assim, a apropriação das palavras de Camões injecta no texto garrettiano a ironia e instaura, juntamente com outras observações, uma tonalidade joco-séria na pintura da mesa onde é oferecido o jantar a De Brissac (cf. Ribeiro, 1997: 120-121), ao contrário do que acontece com a nota de Amorim que apenas reforça a visão edénica.

O recorte feito por ambos os escritores aponta, porém, para uma outra leitura: a do Caramuru de Santa Rita Durão (o qual também recolhe no seu poema a imagem da Ilha dos Amores - e de forma ainda mais plena e próxima da que figura n'Os Lusíadas, em função do seu orgulho da terra natal).

Embora o poema brasileiro não seja considerado literariamente dos melhores por Garrett no seu Bosquejo, a cena de Moema - a índia que desapareceu no mar quando perseguia a nado a embarcação de seu amado - impressionou-o a ponto de o escritor lamentar que Durão não tivesse explorado mais detidamente o episódio. Mas o que o autor das Viagens na Minha Terra retira do Caramuru é apenas o nome da selvagem desprezada, que lhe soa pitoresco: Moema. Vem ela a ser a índia feiticeira de Helena e a destinatária da carta de Jacarepaguá lO

, que recebe os epítetos "Caju da minha vida, banana da minha alma, beija-flor de meus pensamentos, ouro preto da minha saudade", em "O Brasileiro em Lisboa" (Garrett, 1984: v.2, 144-145t.

Os olhares de Garrett e de Amorim incidem sobre outros lugares do poema a respeito do descobrimento da Bahia: o tom ufanista e o

10 Outra personagem do poema de Durão.

11 Este gosto pelos nomes de origem tupi, que soam pitorescos aos ouvidos europeus, que até os tomam objecto de comicidade, pode ser visto em outros autores. As Farpas são um exemplo, mas há mais, inclusive entre os franceses.

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motivo da flor de maracujá, à qual são dedicadas quatro estrofes do . Caramuru (c. VII, est. XXXVII-XL). É verdade que em Durão a menção ao maracujá vem na esteira do ufanismo de Botelho de Oliveira e de Itaparica, que também se valem da enumeração da flora e da fauna para mostrarem a bondade da terra, numa leitura brasileira da Ilha dos Amores. Também é verdade que a muitos cronistas e poetas encantou a flor de maracujá. Mas é o conjunto desses elementos que nos levam a incluir o ex-agostiniano como o interlocutor de Amorim e de Garrett. O ufanismo é satirizado por Garrett na mencionada descrição da mesa de jantar de Brissac. Gomes de Amorim coloca-o (e aplaude-o) na boca das personagens brasileiras dos seus dramas, como se verá mais adiante. As quatro estrofes sobre a flor da paixão transformam-se em Garrett num capítulo inteiro ("A Passiflora"), onde De Brissac, botânico, identifica o H do pistilo com a inicial não da "impudica Helena que abrasou Tróia", mas da "virtuosa [ ... ] que nos revelou a cruz do Salvador" e que a personagem pretende seja o modelo da sua Helena, da sua filha adoptiva (Garrett, 1984: 230), cujo nome dá à flor. Em Gomes de Amorim os martírios são objecto de extensa nota na qual o escritor transcreve o que dela disseram o Padre Simão de Vasconcelos (que talvez tenha servido de base a Durão) e Mme Agassiz, na sua Voyage au Brésil. Acrescente-se que essa nota vem a ser um complemento da didascália do primeiro acto de O Cedro Vermelho, a qual, por sua vez, guarda alguma semelhança com a paisagem divisada pelo cavalo de De Brissac, no capítulo de abertura de Helena.

No olhar que os dois escritores lançam sobre a natureza do Brasil, apenas o de Gomes de Amorim entidade autoral que assina as "Notas" é marcado por deslumbramento semelhante ao dos cronistas e viajantes dos séculos XVI e XVII. Cores, formas, aromas, sabores, tudo o encanta:

[. .. ] o viajante, assombrado e como que preso de tudo que o cerca, sente vagos desejos de terminar ali as suas peregrinações. atar à rede à sombra do tejupar da índia. e esperar. tranquilo e feliz. que o sono o faça esquecer de que teve outra pátria. (Amorim. 1874: v. 2. 35)

E se assoma o medo, inspirado por este ou aquele animal, reage, tratando a questão com ironia ou contando um caso em que a valentia dos da terra sai vitoriosa. O balanço geral, no entanto, com relação à paisagem é mostrar os seus prós e contras, numa atitude realista. Já as personagens portuguesas de O Cedro Vermelho e de Ódio de Raça

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reafirmam a visão do paraíso pintada pelos cronistas, mas pela via irónica, como o narrador garrettiano de Helena, que, aliás, encontra pares em textos de Camilo Castelo Branco e de Pinheiro Chagas.

A mesma atitude de deslumbramento e ironia tomada pelo autor das "Notas", muitas vezes transformado em narrador de casos, pode ser vista no narrador das Viagens pelo Interior do Brasil, publicadas por Gomes de Amorim em Artes e Letras (Lisboa, 1872 e 1873). Aí dá ele ainda maior vazão ao seu pendor descritivo, ora divulgando alguns casos contados nas "Notas", ora colocando diante do leitor outros acontecimentos autobiográficos de paisagem amazónica, sem a preocupação de mostrar-se mais sabedor que outros estudiosos e viajantes.

3- A PAISAGEM SOCIAL

As ideias de Gomes de Amorim sobre teatro, as suas intenções ao escrever seus dramas, podem ser lidas também nas copiosas notas e nos prefácios. Em Ódio de Raça, movem-no ideias abolicionistas e em Aleijões Sociais a denúncia da escravatura branca que se mascarava de emigração, enquanto em O Cedro Vermelho as "recordações da mocidade" vivida no Brasil compõem "um quadro imperfeito" de costumes (Amorim, 1874: v. 1. 10).

Se é verdade que essa intenção motiva nessa última peça um acto inteiramente dedicado à festa de São Tomé, não se pode dizer que, nas outras obras dramáticas, as falas das personagens deixem de fornecer pistas sobre a paisagem social. Entre outros exemplos, os tratamentos "marinheiro" e "bicudinho" dados pela tapuia Marta ao caixeiro, o arremedo da pronúncia "Vraga" feito pelo mulato e algumas observações mais explícitas quanto à presença dos portugueses recém-chegados indiciam, em Ódio de Raça, um contencioso que ultrapassa a proposta de abordar o problema da escravidão dos africanos: o da rivalidade entre os da terra - de origem indígena, africana, ou portuguesa - e os acabados de vir da recente ex-metrópole. Cazuza chega mesmo a cantar uma melodia popular na época: "Marinheiro, pé de chumbo,! calcanhar de frigideira,! quem te deu a confiança! de casar com brasileira?" Revela essa cantiga a causa fundamental da tensão já referida entre os da

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, h d 12 . terra e OS recem-c ega OS portugueses: a economia ou, para usar uma expressão conhecida, a "árvore das patacas", que bem podia ser a mão de uma sinhá moça.

Embora de forma rápida, as falas e as atitudes das personagens dos dramas que têm por cenário a Amazónia registam procedimentos legais no século XIX brasileiro (como os pedidos de licença para dar açoites nos escravos); crenças populares (como no Curupira, na Mãe d'Água, em Jurupari); o costume de tomar café a qualquer hora do dia e o hábito do cachimbo de taquari para as senhoras, canções da época, romances, e uma melopeia cantada pelos pretos carregadores de Belém.

O mesmo não se poderá dizer de Aleijões Sociais, onde o tema principal é o problema da escravatura branca, e só em alguns actos há notações sobre a vida no Rio de Janeiro em meados do século XIX, assim mesmo algumas delas equivocadas. Gomes de Amorim retrata fielmente as actividades das pretas e mulatas que iam ao mercado vender os produtos das chácaras e das casas de seus senhores, mas "troca as tintas" ao mencionar o que era objecto de comércio: a vivência amazónica, que lhe valera contornos realistas e documentais em Ódio de Raças e n' O Cedro Vermelho, engana-o e o escritor romântico generaliza, inaugurando um c1ichê que vale para a sua obra como imagem do Brasil: transpõe peixes, frutas e comidas típicas do Norte, para a cena carioca. O mercado que ele pinta, com papagaios, macacos de diferentes espécies, cupuaçus, biribás, embora tenha por pano de fundo a baía de Guanabara, seus barcos e luzes, trapiches e guindastes, e a ilha das Cobras, não é no Rio de Janeiro, mas em Belém do Pará, com sua "gente de todas as cores", imagem à qual, aliás, ele volta a recorrer (cf. Amorim, 1870: 232), como que tendo necessidade de fixar permanentemente a sua primeira visão do Brasil.

Procurando suprir a voz de um narrador que o teatro romântico não contempla, as didascálias das peças amazónicas oferecem o maior número possível de indicações. Não escapam detalhes como o material das paredes e das coberturas das casas, a qualidade e as cores dos tecidos das roupas, os ornamentos das orelhas, braços e pés, e a própria cor da pele de cada uma das personagens. As "Notas" - que, no caso de O Cedro Vermelho, formam um grosso volume à parte -

12 Sobre as relações entre brasileiros e portugueses no século XIX, leia-se Ribeiro, 1994.

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alargam estas informações 13, constituindo-se num verdadeiro estudo etnográfico e sociológico. Por elas vai-se tendo noção dos modos de viagem pelos rios da Amazónia, da variedade e da utilidade de cada um dos objectos dos índios, das diferenças entre as várias tribos, de práticas agrícolas e de pesca - como a queimada e o timbó -, de como se fabricava o guaraná e se retirava o látex da seringueira, do auxílio que os urubus prestavam à limpeza urbana, das canções e das festas populares na região do Pará quando Gomes de Amorim lá residiu, das múltiplas utilidades da mandioca e maneiras de preparar o açaí (de acordo com a condição social de seu consumidor), dos diferentes usos da rede - que tanto servia para o sono como para meio de transporte das sinhás e sinhazinhas em suas visitas, como ainda para o enterro dos escravos. São ainda as "Notas" que o autor aproveita para fornecer elementos históricos e económicos - como por exemplo sobre o café, a cana-de-açúcar e a seringueira. Insatisfeito com o simples registo impessoal, o escritor volta e meia deixa vir à tona o biográfico que, algumas vezes, se transforma em interessantes e não curtas narrativas. Nestas, chamam a atenção o da caça ao gado e o da Viara, ambos protagonizados por Gomes de Amorim.

Neste último caso, além de mostrar a atenção às variações linguísticas e ao registo delas, firma a sua tendência indianista, pelo valor que atribui não só às qualidades físicas e psíquicas do selvagem, mas também à cultura indígena.

O mais interessante na obra de Gomes de Amorim sobre a paisagem social é o diálogo que se trava sobre o nome da Viara entre o narrador da narrativa contida na nota e o empregado da fazenda do drama: revela esse diálogo uma tensão entre o assimilar ou o rejeitar os hábitos da terra presente em toda a obra do escritor. Enquanto o narrador, porque de um caso que não se pretende ficcional, mostra um Gomes de Amorim abrasileirado, que assume a crença no mito indígena (cf. Amorim, 1869: 210-265), a personagem (que não deixa de guardar com o dramaturgo alguns traços biográficos) lança um olhar incrédulo às observações da tapuia, revelando um Gomes de Amorim que tenta manter a sua identidade portuguesa.

13 Alegando que a peça já é de si "demasiado pungente", Amorim absteve-se de colocar notas nas quais provaria as denúncias feitas em Aleijijes Sociais.

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3.1- O negro, o mulato e o abolicionismo

O contacto com a sociedade paraense logo revelou, ainda que de forma pouco nítida, ao então menino Gomes de Amorim as bases vigentes desde a colonização - o latifúndio e a escravatura -, mas também os novos dados que a extinção do tráfico negreiro (embora o Brasil dela fizesse letra morta) 14 introduzira: a imigração e o trabalho "assalariado", em função dos quais ele próprio fora levado ao Pará. A volta para Portugal, as leituras, as conversas com Garrett avivaram­lhe a experiência, fizeram-no repensá-la e estimularam-lhe a criação literária.

A leitura de Ódio de Raça mostrará o branco Roberto senhor de engenho e sua filha, ambos brasileiros; o branco português recém­chegado, caixeiro e sobrinho do senhor; três escravos - um negro e dois mulatos; uma tapuia, isto é, uma índia aculturada, que trabalha na fazenda (possivelmente sob um regime de escravidão). Mas não será essa divisão racial aliada à divisão de trabalho que irá corresponder ao antagonismo proposto no título: este irá desenvolver-se em tomo do mulato que odeia o negro, tão escravo quanto ele, e o branco, senhor. Baseia-se - e isto é muito importante - na mistura de raças condenada por Denis.

O negro, Pai Cazuza ou José, trabalhador e inteligente, odeia o mulato pelas regalias que este recebe de Roberto (motivadas por um afecto instintivo do branco com relação Domingos, que afinal é seu filho, embora ambos o ignorem). Cazuza diz que mulato não tem raça. E tão enquadrada no sistema escravocrata é a construção desta personagem que ela acaba por valorizar a si própria como mercadoria, da mesma maneira que o faz o seu senhor: o seu orgulho em ser cabinda vem da superioridade que os brancos dizem ter essa etnia sobre os outros negros, tomando mais caros os escravos a ela pertencentes. A alfabetização e o Cristianismo que a civilização lhe proporcionou não mudaram a condição de Cazuza; apenas foram

14 A Inglaterra fazia uma campanha abolicionista entre os restantes países do mundo, pois, como abolira em 1807 o tráfico e, em 1833, o trabalho escravo nas Antilhas, precisava concorrer no mercado açucareiro em pé de igualdade com os outros países e não lhe interessava que estes utilizadores da mão-de-obra escrava pudessem ter uma produção mais barata. No Brasil, a extinção oficial do tráfico data de 1831, mas só em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós é que foram adoptadas medidas rigorosas. Gomes de Amorim regista essas infrações em O Cedro Vermelho, cuja acção se passa no ano de 1837.

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usados para tomá-la mais "suave", embora este aspecto apareça quase apagado no drama, porque o Cristianismo é visto como um bem, um freio: a religião não lhe revelou a igualdade dos homens; serviu apenas para que Cazuza sublimasse a sua paixão (por um momento consciente) pela sinhazinha. A sós com a filha do patrão, ele contempla-a, mas é incapaz de tocá-la (exactamente por lembrar-se de que é cristão e escravo). Seu único momento de prazer foi trazê-la nos braços para salvá-la do incêndio ("tê-la" para depois morrer), transformando-se no herói da peça - o primeiro herói negro do teatro romântico de língua portuguesa 15. Completando este perfil, Gomes de Amorim associa à honestidade de Cazuza a coragem e a força (traço que não desenvolve). Embora de forma ténue o escravo tematiza uma ideia cara a Gomes de Amorim, fruto certamente de suas leituras de Chateaubriandl6

, à qual dará maior relevo em Os Selvagens e no Remorso Vivo - o Cristianismo como instrumento de civilização.

E já que o dramaturgo não tinha assento no Conselho Ultramarino, onde deveria ser apresentado pelo marquês de Sá da Bandeira o projecto abolicionista que Garrett tinha em mãos, Cazuza fala por ele no teatro, fazendo discursos anti-escravistas. Começando por condenar a escravidão dos pretos, uma "invenção dos brancos", ele acaba por exclamar "Liberdade, tu és uma mentira ... até para os brancos" (Amorim, 1869: 40). As suas palavras contemplam não propriamente os problemas da escravidão negra no Brasil, mas o facto de ser Portugal promotor dessa monstruosidade que, na sua versão mais recente, a escravização de portugueses, atingiu o próprio Gomes de Amorim. Acicatando os liberais seus contemporâneos, "gente que fala muito em liberdade, e negoceia em escravatura", o dramaturgo faz Cazuza lembrar que o comércio chegou a ponto de atingir homens brancos, enchendo-se o Brasil de "portugueses vendidos e comprados por seus irmãos" (Amorim, 1869: 87). O discurso assume sempre um tom que apela ao sentimento, e não à razão do público (não fosse a peça romântica). Algumas denúncias que poderiam causar terror nos

15 O negro fiel, amigo da senhora, e o negro patriota, de que é paradigmática a figura histórica de Henrique Dias, já haviam surgido em prosa e verso na literatura brasileira, mas a literatura dramática não o incorporara. Somente em 1858, Calabar, peça de Agrário de Meneses, faz do mulato um patriota contra portugueses e holandeses, e mostra a cor como motivadora da sua revolta (cf. Sayers, 1956).

16 É importante lembrar a divulgação que este autor teve em Portugal: O Génio do Cristianismo, por exemplo, foi traduzido por Filinto Elísio pouco depois de sua publicação.

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espectadores acabam por perder a força, devido à contextualização recebida. É o caso de o Governo brasileiro ter de obrigar a pedir licença para açoitar um escravo e limitar o número de açoites a ser dado, o que faz que o senhor peça sempre mais, e acabe aplicandb o castigo que deseja. Posta na boca de Roberto, a observação não chega a enfatizar a hediondez dessa prática, porque diluída pelo efeito cómico do exagero.

No discurso de Cazuza, pode ainda ser notado o cuidado do escritor em manter-se "amigo do Brasil", como o chamou Pedro II e concentrar atenções no projecto do Marquês de Sá da Bandeira: o negro considera maus os portugueses porque o escravizaram e porque estendem esta prática aos seus próprios compatriotas; dos senhores brasileiros só diz bem.

Se o negro, cativo submisso, é pintado como herói que conquista a alforria por suas qualidades 17

, o mulato, seu antagonista, é o cativo revoltado e aparece despido de quaisquer virtudes. Domingos rouba o patrão, deseja a sinhá branca, odeia os negros. E o seu ódio pelos brancos cresce ao saber que é filho do senhor. Associa-se, então, a outros mulatos igualmente bastardos para pôr em prática os seus planos. Os maus caracteres que lhe são atribuídos não se apagam, mesmo quando postas em relevo as causas da sua revolta e denunciados os males da escravidão (os senhores que usam as escravas, que tomam cativos os próprios filhos para aumentar o cabedal, que mandam açoitá-los, que os vendem a outros senhores I8

.)

Embora "desculpadas" por Cazuza, que vê nelas atitudes de quem é "filho do opróbrio e da ignomínia", as acções de Domingos reforçam junto dos espectadores o ponto de vista expresso pela tapuia Marta (sua segunda mãe), de que "os mulatos não são bons" - o que não deixa de ser um eco das palavras de Denis - apesar de ela atribuir o facto a um "castigo de Deus" e não às causas "científicas" dos autores franceses (Amorim, 1869: 148).

O abolicionismo em Ódio de Raça situa-se principalmente no discurso do negro e do mulato, no qual Gomes de Amorim concentra o desenho, embora "a medo", "das abjecções e torpezas" da

17 De notar que a alforria de nada lhe serve, como se pode ver pelas próprias palavras do negro: ele já não voltará à sua terra (porque já não tem mãe), preferindo continuar a servir os senhores brancos. Amorim não explora, no entanto, este filão da vida do negro pós-liberdade ao qual Gonçalves Dias dedicou um poema.

18 Este parece ser, para o autor, o pior problema do sistema, pois é dele que fala no prólogo, juntamente com o da separação da família.

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escravatura (Amorim, 1869: 15). O título da peça é, aliás, explicado dessa forma por Domingos:

[. .. ] A minha raça é única e por isso aborreço as outras todas. Eu sou a escória, o refugo dos homens, e sou escravo. Mas hei-de pagar-lhes em ódio e sangue tudo que lhes devo em de:,prezos. (Amorim, 1869: 32).

Na visão dos brancos, melhor dizendo na perspectiva de Roberto, o senhor e de sua filha, a liberdade deixa de ser uma questão de princípio, para ser um prémio, que, assim mesmo, se não pode dar com frequência.

Roberto, apesar de não tratar maIos escravos, considera-os objectos necessários, valorizando-os como instrumentos ou animais que sustentam a sua riqueza, isto é, como bens de que é proprietário. Quando vem a saber que é pai do mulato (facto que parece tentou obliterar, pois a negra Maria lhe falara nele) não se horroriza por ter escravizado o próprio filho; mostra-se arrependido, mas não pede perdão. Tão pouco o espectador fica chocado com a reacção de Roberto: as atitudes de Domingos, pintadas como o foram, já o tomaram perfeitamente abominável.

Emília, a sinhá moça, "anjo dos escravos", que encarna a doçura necessária às personagens românticas femininas, herdeira dos bons sentimentos de sua mãe, já possuidora da "mania" de alforriar, só pede a liberdade dos escravos bons. E não se casaria "com um mulato". O senhor branco que educou Cazuza e o alfabetizou (uma reminiscência de Gomes de Amorim?) vendeu-o a Roberto. O caixeiro Manuel, bom rapaz, faz coro com a prima nos seus pedidos de liberdade para Cazuza, mas em nada contraria o sistema vigente (e nada há por parte de Gomes de Amorim que se oponha a esta visão, o que mais uma vez parece apontar como problema principal a mistura de cores). Os brancos assumem, assim, diferentes graus de bondade. Vejamos os negros.

Em O Cedro Vermelho - peça com outros objectivos que não o abolicionismo e de que se falará pormenorizadamente mais adiante, mas onde se repetem as situações da fazenda paraense, com seus escravos e tapuias, com bons senhores brancos e com o caixeiro português recém-chegado nutrindo pai;~ão pela sinhá moça - o negro João reduplica a imagem do servo fiel, sem possuir no entanto as qualidades de inteligência e honradez de Cazuza. A ele são vinculados traços grotescos - como o uso do português de preto (embora esta seja também marca documental) - que em muito lembram o de

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Spiridião de Melo e Matos, que Garrett faria personagem da sua inacabada Helena. 19 Aliás esse traço surge também em Anastácia e nas outras escravas que aparecem em Aleijões Sociais. Todas elas falam português de preto e, curiosamente, acontece o que não ocorre nas peças "amazónicas": pela primeira vez, este registo é posto a ridículo, sem que se pintem qualidades que o atenuem.

Sobre a vida dos negros no cativeiro, as peças de Amorim, como, aliás, todas as outras obras abolicionistas (mesmo as brasileiras), mostram pouco mais que algumas das actividades por eles desenvolvidas nas fazendas. As próprias notas não são muito pródigas a este respeito. Por elas fica-se a saber que, como os índios, os negros também são conhecedores da natureza e de suas mezinhas; que a palavra mandinga [e a correspondente feitiçaria] e as formas de tratamento "parceiro" e "parente" eram comuns entre eles; que a maioria não tinha qualquer instrução religiosa, que esta só ocorria quando, nativos do Brasil, eram educados com a família do senhor, mas mesmo assim tomava-se-Ihes impossível - como já chamara a atenção, no século xvrn, Nuno Marques Pereira20

- cumprir o preceito do descanso dominical, uma vez que o patrão os obrigava a trabalhar.

a negro submisso e ao mesmo tempo herói que é Cazuza não tem antecedentes na literatura portuguesa, e a brasileira havia começado a dar-lhe espaço juntamente com o negro melancólico e sofredor. Dos interlocutores convocados por Gomes de Amorim ninguém lhe dera semelhante recorte. É verdade que Denis havia romanceado, a partir das informações de Rocha Pita, Aires do Casal, Beauchamp e outros, o episódio do Zumbi dos Palmares, que incluíra nas suas Scenes. Mas também é verdade que o escritor Denis costuma ser pouco referido, suplantado pela sua actividade como historiador, etnógrafo ou naturalista. Quando se lhe busca o nome é para que dê o seu aval à "natureza-quadro-a-ser-pintado" (Rouanet, 1991: 247) ou a um

19 O facto de Spiridião e Cazuza serem cabindas pode constituir mais um elemento do diálogo entre Garrett e Gomes de Amorim. A isso acresce o traje do negro barbeiro (Mestre António) descrito nas notas de O Cedro Vermelho, que guarda alguma semelhança com o de Spiridião e a comum educação "europeia" de Helena e de Matilde: se a uma não faltou a preceptora inglesa, a outra teve uma francesa por mestra de pintura. É verdade que o nome de Spiridião vem do de um brasileiro que fora colega de Garrett em Coimbra (Monteiro, 1971).

20 cf. Compêndio Narrativo do Peregrino da América

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costume mais exótic021•

Nas suas próprias criações, Gonçalves Dias abrandara a crueldade da face social da escravidão com as tintas da saudade e do exílio - caso do poema "A escrava" - ou a revelara com brevidade - caso de "Meditação". Mas traduzira e colocara em versos a canção espanhola do herói negro do romance de Vítor Hugo.22

• Terá sido a partir desta lembrança que o fiel Cazuza de Ódio de Raça, como o atlético Pierrot, guarda também um amor reverencial pela filha do patrão e salva-a das chamas para entregá-la ao primo? O ódio de Pierrot-Jargal pelos brancos e a falta de carácter dos mulatos Souci e Habibrah do romance de Hugo ficam com o mulato Domingos. Este possui também aquele "orgulho americano" identificado por Debret, a que se mesclam a esperteza e a preguiça. Um olhar atencioso sobre o recorte literário dado ao negro e ao mulato por Gomes de Amorim permite, pois, observar que a vivência brasileira do autor serviu apenas para particularizar as falas "pitorescas" dos negros, pois a dimensão heróica de Cazuza, assim como o ódio entranhado de Domingos obedecem ao paradigma francês que a palavra de Denis e a personagem de Hugo ajudam a modelar.

3.2- O INDIANISMO

3.2.1- Índios de papel e índios de verdade

Representados pelos tapuias em Ódio de Raça, onde exercem papel secundário, os índios protagonizam O Cedro Vermelho e Os Selvagens. Em ambos os textos, alguns deles aparecem em estado puro e vão perdendo a identidade, à medida que contactam com os brancos. Se os tapuias surgem nas suas cores naturais em todas as obras, haverá, na pintura dos índios em estado puro - nomeadamente de Cedro Vermelho e de Bracelete de Ferro -, e dos heróis de Os Selvagens um exagero de tintas, que tomará patente o Indianismo do

21 Não se pode esquecer, porém, que a narrativa "Os Maxacalis", inserida nas Scenes, teve alguma recepção entre autores franceses e brasileiros.

22 A canção de Bug-Jargal tem passado despercebida aos estudiosos das literaturas africanas de língua portuguesa. Sua temática - amor do negro pela branca, - foi glosada, entre outros, por Costa Alegre, nomeadamende no poema "?", cujo excipit é "Porém brilhante e pura,! Talvez seja a manhã! Irmã da noite escura!! Serás tu minha irmã? (Alegre, 1994: 67)

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autor. Repetindo a paisagem social de Ódio de Raça, os tapuios de O

Cedro Vermelho vivem à margem da fazenda, mas, desta vez, há entre eles um mura que vai ser o responsável pelo antagonismo mobilizador da acção. Representando a visão que sempre se construiu dos da sua tribo, ele será perverso. Os seus maus caracteres substituirão os do mulato nesta obra onde o heroísmo de Pai Cazuza ficará com o juruna Cedro Vermelho ou, se preferirmos, Acaiacá Piranga, nome não explorado pelo autor23

, afastado como é natural dos interesses nacionalistas dos escritores brasileiros que, como Gonçalves Dias, José de Alencar, Teixeira de Sousa, Joaquim Manuel de Macedo ou Lourenço da Silva Araújo e Amazonas, adoptaram o onomástico tupi para o baptismo das suas personagens.

Como foi referido anteriormente, para caracterizar fisicamente seu herói índio, Gomes de Amorim não poupou detalhes de indumentária, cor de pele e penteados, que traduziu, quando da impressão do texto, numa extensa didascália, onde buscou sempre o detalhe naturalista. Cedro Vermelho trará todos os contornos da excepcionalidade da sua raça (aqui restrita à tribo juruna) quando olhada sob o prisma romântico: conhecedor da natureza, sagaz, forte e destro como nenhum outro, possui ainda a honra e o cavalheirismo, além de ser ... sentimental!

Por detrás de algumas falas deste índio, ouve-se, como a de um ponto de teatro, a voz de Gonçalves Dias24

• A linguagem figurada que o selvagem utiliza, foi motivada por uma informação dada pelo poeta (cf. Amorim, 1874: v.2, 18). Como o prisioneiro de "I-Juca-Pirama", o juruna heróico descende também da tribo tupi e se orgulha disso. Filho de Bracelete de Ferro25

, Cedro Vermelho, como que por "amor

23 Embora Gomes de Amorim escolhesse nomes indígenas para os mundurucus de Os Selvagens - Woipaigupi (o Lagarto), Pangip-hu (Pau d'Água), Goataçara (Peregrino) - e dominasse a língua dos nativos, conforme declara nas suas notas, não se atreveu a baptizar com um nome tupi o seu índio de teatro.

24 São de notar já nos versos de "O Desterrado" (Amorim, 2 1866: 29) uma resposta à "Canção do Exílio", desde a sua epígrafe. O encontro com a terra das laranjeiras aludida nos versos de Heine glosados no poema de Gonçalves Dias faz que o poeta, contrariando as palavras do brasileiro, reverta para Portugal a superioridade dos perfumes, da beleza dos campos e das flores, das noites, dos astros, da propensão ao amor. Deve, no entanto, ter por base alguma experiência do autor. Aliás, glosa semelhante também aparece em "A Floresta Virgem" (Amorim, 21866: 297-302).

15 Como o autor esclarece, deve-se este nome a uma manilha de talco que o

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de um triste velho que ao termo fatal já chega", decide voltar ao Xingu e suceder o cacique. Antes, porém, luta com o mura traidor em campo aberto, com a mesma valentia e heroísmo, com que o tupi enfrentara os timbiras.

Gomes de Amorim idealiza tanto o seu selvagem que ultrapassa o modelo gonçalvino do "filho das selvas" e antecipa "o cavaleiro português na pele de um selvagem" de Alencar26

, pois nele o Indianismo também aparece associado ao medievismo. O índio do teatro, apesar de haver recebido o baptismo (que aceita apenas por razões afectivas) e de amar a sinhá branca (sentimento que não revela), opta pela floresta e pela vida tribal: não quer levar para o Xingu a sua Ceci e chega ainda a informar ao caixeiro português, primo e pretendente de Matilde (à semelhança do que Peri faria com Álvaro), que ele é um homem digno dela27

• Desta vez não é a condição de escravo ou a cor da pele o factor impeditivo, mas o próprio sentimento "anti-civilizatório" de Lourenço que, preferindo manter-se selvagem, esconde seu amor por Matilde.

Numa atitude desconstrutora da idealização do índio (que adiante se verá mais pormenorizadamente), Gomes de Amorim usa, como contraponto ao idealismo, tiradas lromcas do administrador Francisc028 dirigidas à paixão da sinhazinha por Cedro Vermelho ou, então, uma forma mais objectiva - a autocrítica de Matilde, que

índio usava no braço. O nome é pomposo, mas a explicação prosaica deita por terra a idealização feita, mostrando o cacique mais próximo de Macunaíma que dos índios criados pelo Indianismo. Causa-nos estranheza esta situação, pois que Bracelete era índio em estado ainda praticamente puro. Resta-nos averiguar onde teria Gomes de Amorim ido buscar tal nome que ele parece atribuir a um índio real.

O velho pai foi criado para pôr em evidência uma sabedoria que o jovem índio ainda não podia possuir. O mesmo acontece em I-Juca-Pirama.

26 Embora a peça tenha sido revista para a impressão, a data em que foi levada ao palco é um ano anterior ao surgimento de O Guarani. Dificilmente Gomes de Amorim teria reestruturado o perfil de Cedro Vermelho, mas é possível que lhe tenha retocado esta ou aquela fala depois de conhecer o romance de Alencar e, com isso, tomado o seu juruna próximo do goitacá.

27 O amor do índio pela mulher branca já fora tematizado por Denis em "Os Maxacalis". Aí, no entanto, além do sentimento de dor pela imposssibilidade de união, aparece mais amplamente explorada a degradação a que o índio é submetiào no seu contacto com a civilização.

28 Tom irónico que se aproxima, mas ganha mais espaço e função diferente, como se verá adiante, do de Aires Gomes, com relação a Peri, no romance de Alencar. Enquanto, por exemplo, o escudeiro chama D. Cacique ao Guarani, Francisco nomeia Lourenço como "majestade augusta destes bosques" (Amorim, 1874: v. I, 172)

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reconhece o quanto de imaginação há na imagem que pintou de Lourenço. Assim, reiterando o pensamento de Ferdinand Denis que serve de epígrafe à sua primeira peça "amazónica", mas reafirmando o culto ao índio (Lourenço morre fiel à sua raça, forte, belo, leal e honrado, sem mesmo absorver o Cristianismo), Gomes de Amorim mais uma vez contraria a mistura de raças29 e encaminha o drama para a solução que lhe convém, que se relaciona com um pensamento dominante no Romantismo europeu e nas primeiras manifestações desta estética no Brasil: a acção civilizadora da Europa foi prejudicial ao Novo Mundo (fosse ela desenvolvida pelos espanhóis, "que assombraram com as suas crueldades o grande império dos incas" (Amorim, [1982]: 8), ou pelos franceses, como os pérfidos Alberto de Lacroix e Chambourg). Pela boca de Manuel Félix, o Pangip-Hu, pai de Goataçara, pode-se ouvir directamente a acusação deste crime.

Dessa forma, Gomes de Amorim fica mais próximo do pensamento de Gonçalves Dias (que mostra os prejuízos trazidos pelo contacto do branco com o selvagem30

, e distancia-se das ideias nacionalistas de Alencar (interessado em criar um romance de origem). Para ele o único bem trazido pela colonização é o Cristianismo. Este, quando vivido, quando assumido como programa de vida, toma o índio um homem quase perfeito, ideia exaustivamente desenvolvida em O Remorso Vivo, que continua Os Selvagens.

Como se disse anteriormente, nesta útima narrativa, a cobiça do civilizado destrói tribos inteiras, e mais uma vez é manifestado o culto do índio e da natureza. Enquanto desconheceram o homem branco e a sua ambição, enquanto ignoraram o valor do ouro e dos diamantes, os mundurucus viveram felizes e felizes continuariam, se Pangip-Hu tivesse conseguido manter o segredo de Arinos, isto é, se o seu filho Goataçara não o houvesse descoberto. Ao mesmo tempo, todas as qualidades atribuídas aos índios desde os cronistas, e reiteradas pelos poetas e romancistas - entre os quais o próprio Gomes de Amorim nas obras anteriores - são reafirmadas em Goataçara, que, mesmo em contacto com Paris, a capital da civilização (cf. O Remorso Vivo), é capaz de mantê-las, apoiado pelo Cristianismo que lhe foi incutido

29 Embora ache natural em função do clima, e justificável, à luz do Cristianismo, a paixão das brancas pelos negros e índios e vice-versa, Amorim não conseguiu libertar-se do modelo literário conhecido.

30 Cf. por exemplo a "Canção do Piaga" e o canto de morte do índio tupi em "1-luca-Pirama", que se referem a essa situação.

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pelo Padre Félix. Goataçara-Romualdo é belo, inteligente, corajoso, ágil, tem ouvido para a música (o que o toma apto a aprender línguas com facilidade), mas é também caridoso e dá "a outra face" a Lacroix, assassino de Porangaba31

, sua irmã. O início da narrativa de Os Selvagens de que Goataçara é o herói,

indicia a dupla temática da obra e prepara a gesta do índio cristianizado. O narrador comenta o facto de os tapajós terem aproveitado "a lição recebida dos conquistadores do Peru": "Expulsos, roubados e tratados cruelmente, expulsaram, roubaram e aniquilaram por sua vez os habitantes das regiões onde iam penetrando". Por outro lado, informa que, misturados com os tupis, os tapajós deram origem aos mundurucus, tribo de Goataçara, "de elevada estatura, bem conformados, de feições regulares, de ânimo valoroso" e a quem não se pode negar "uma grande superioridade intelectual sobre a quase totalidade dos seus vizinhos", sendo "dóceis e afectuosos quando se civilizam" (cf. Amorim, 1876: 8 e 9). Flor de Cajueiro e, principalmente, Goataçara comprovarão esta tese.

Este indianismo literário e aprendid032 de Gomes de Amorim terá na sua própria obra um contraponto realista, em duas vertentes: uma cómica e outra documental. A primeira pode ser vista nas notas, onde o autor ridiculariza alguns aspectos da vida indígena como, por exemplo, a antropofagia (cf. Amorim, 1874: v.2, 156), nas falas de personagens de O Cedro Vermelho (Francisco e Matide), como já foi observado, e em Fígados de Tigre. A segunda aparece, nas notas, onde regista as suas experiências e estudos, e na construção das personagens tapuias, isto é, dos índios aculturados, nas quais o escritor mescla ao seu olhar idealista elementos da sua vivência amazónica, colocando-se numa perspectiva mais neutra e realista.

Marta, por exemplo, personagem de Ódio de Raça, não tem a nitidez - e a simplificação - de contornos de Cedro Vermelho, do herói negro ou do mulato seu rival, mas é a única a possuir traços que documentam a situação dos índios aculturados das fazendas do Pará

31 Terá Gomes de Amorim ido buscar este nome em Iracema? É de lembrar que ele é o mesmo da lagoa onde a "virgem dos lábios de mel" costumava banhar-se e que, no ano da publicação de Os Selvagens, já haviam saído não só este romance de Alencar como a famosa crítica de Pinheiro Chagas sobre o escritor cearense.

32 Ressalte-se que, além dos traços de beleza e heroísmo, da linguagem figurada e do domínio da natureza, o selvagem de Amorim conta o tempo pelo cair das folhas ou pelo frutificar das plantas, como os de Chateaubriand e de outros autores franceses.

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do século XIX. É verdade que a tapuia fala a decantada linguagem figurada33 dos índios, mas é também quem veicula as suas superstições - o Curupira, a Mãe d'Água, Jurupari .... - ao mesmo tempo que apela para o Senhor São João, mostrando o seu contacto com o catolicismo e revelando um traço cultural do Brasil: o sincretismo religioso. Curiosamente, aquilo que é crença defendida pelo índio (embora Lourenço não fale de forças sobrenaturais menores, apenas de um poder maior) não merece comentários do autor, enquanto a fé dos tapuias e dos índios aculturados é encarada como superstição e detalhadamente examinada por Amorim num sem número de notas34

Marta é também o exemplo vivo de um dos males que a civilização introduziu entre os índios: a aguardente. À semelhança dos discursos abolicionistas postos na boca do negro e do mestiço, Gomes de Amorim faz que a própria tapuia denuncie o mal representado pelo contacto com a civilização. Marta ora fala de forma directa ("O mato era a cidade dos tapuios antes de vir a gente do reino com a sua água forte35

; agora os tapuios não podem passar sem a cidade dos brancos" - Amorim, 1869: 70), ora mescla denotação e linguagem metafórica ("nem o cipó, nem a jacitara podem estar seguros nas árvores depois que a gente branca aprendeu a andar no mato" - Amorim, 1869: 34), ora ainda utiliza exclusivamente a alusão para evidenciar o domínio dos brancos:

As áí?uas do rio preto misturam-se com as áí?uas brancas do Amazonas defronte de Santarém; e a minha senhora sabe que as áí?uas brancas não perdem a cor depois de se lhe juntarem as outras (Amorim, 1869: 72).

O uso do vocabulário tupi que proliferou nos indianistas

33 De notar que Amorim faz questão desse traço indígena que aprendeu com Gonçalves Dias, a ponto de colocar na boca de Duarte, o fazendeiro, protector de Lourenço, as seguintes palavras, que bem situadas estariam no prólogo de qualquer obra indianista: "- O meu selvagem, que se exprime quase sempre em estilo figurado, e por vezes com muita propriedade, julga-se descendente dos tupis, que tinham a faculdade da poesia e do canto" (Amorim, 1874: 1, 49). Observação semelhante pode ser vista em Alencar, como recomendação a Gonçalves de Magalhães nas Cartas sobre A Confederação dos Tamoios.

34 Excepção seja feita, conforme já referido, para a Uiara.

35 Aqui Amorim alude à acção perniciosa dos regatões (comerciantes fluviais), como ocorre em outros momentos de sua obra (cf. Amorim, 1,:41)

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brasileiros não encontrou abrigo gratuito nos textos de Gomes de Amorim. Ele só o emprega quando não há outro meio de falar das coisas da terra. Poder-se-ia dizer que tal acontece por serem obras destinadas ao teatro. Mas note-se: é justamente nelas que o escritor faz mais concessões, pois é aí que desenvolve um certo antagonismo entre nacionalismo e exotismo, estabelecido pelo revelar (falas dos da terra) e pelo estranhar (falas dos portugueses recém-chegados).

Assinale-se, no entanto, um facto: movida pelo álcool, Marta chega a expressar-se em língua indígena. mas afirma que só é capaz de fazê-lo quando a aguardente remove a barreira da censura (e aqui Amorim mais uma vez utiliza a índia para denunciar o apagamento da cultura autóctone pela dominação branca).

Os tapuias de O Cedro Vermelho não fogem muito aos contornos de Marta: supersticiosos, pouco trabalhadores e amigos da bebida. Mas nessa peça um dos seus costumes ganha relevo: aos festejos de São Tomé, santo popular entre os gentios e utilizado pelos padres na catequese por semelhança fónica entre o nome do apóstolo e o de uma entidade da mitologia indígena - Sumé36

-, é dedicada toda uma cena. Além do registo dos cânticos da festa, das danças, comidas e bebidas nela usuais, Amorim, oferece, na didascália e nas notas, inúmeros pormenores sobre o sairé (espécie de estandarte), sobre as pessoas que o seguram e as roupagens dos que desempenham papéis na comemoração. Tão importante é este documentário que estudiosos das tradições chegam a mencioná-lo como fonte (cf. Pereira, 1989: 17 e 73).

Com relação aos índios muras, também aculturados37 (e que em O Cedro Vermelho misturam-se aos tapuias que comemoram São Tomé), o dramaturgo assume uma posição diferente: trata-os como os "índios maus", não só obedecendo a uma dicotomia apropriada dos cronistas e típica do indianismo brasileiro (índios bons, aliados dos portugueses; índios maus, aqueles que não se deixam dominar), mas também seguindo uma informação histórica mais recente - a que os paraenses seus contemporâneos davam sobre a Cabanagem e na qual os muras participavam, facto que será tratado mais adiante. Mas é na boca de um mura, Brás - rival de Lourenço, o Cedro Vermelho -que o dramaturgo coloca a mais extensa fala contra a civilização que lhes rouba as riquezas, lhes devasta as florestas, os tiraniza com o seu

36 Esse facto já foi assinalado por Manuel da Nóbrega e por outros cronistas da época colonial.

37 A este respeito leia-se o poema Muhuraida.

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governo, os vicia, os escraviza. Curiosamente este mura tem atrás de si um modelo real que certamente não fazia discursos contra os brancos, que talvez nem fosse mura (veja-se aí a introdução das memórias da Cabanagem), mas procurava enganá-los (cf. Amorim, 1874: v.2, 81)

Lourenço e Brás - embora antagonistas - são usados, assim como Marta, para defender a pureza do estado natural contra os males da civilização, eixo temático central em O Cedro Vermelho, segundo o próprio autor.

Apesar dessa aproximação, os índios de Gomes de Amorim dividem-se praticamente em dois grupos: o índio idealizado segundo o paradigma romântico, de que Lourenço e Goataçara são exemplos, e os índios em estado semi-selvagem ou aculturados, com que o autor conviveu, para os quais não havia paradigma literário e que ele retrata de uma forma mais circunstanciada e a realista.

3.2.2 - O indigenismo

Há que assinalar ainda em Amorim o facto de documentar e tomar parte numa discussão onde dá mostras de um indianismo não literário ou, se preferirmos, de um indigenismo. Não é esta uma atitude sem fundamento, pois o escritor nutria pelos selvagens uma real simpatia. Os seus relatos mostram-nos que, além de um conhecedor da língua indígena, Amorim buscava compreendê-los para deles obter o melhor.

Nas notas, colocando-se contra os males que a civilização traz para o selvagem e dentro do pensamento liberal que o caracterizava, o escritor denuncia ao governo brasileiro a escravização dos índios pelos brancos - em tudo igual à dos brancos pelos brancos de que ele próprio (conforme, aliás, lembra) foi objecto. Dessa escravização, diz Gomes de Amorim, são instrumentos os próprios missionários que, "com raras excepções [ ... ] levam já ao sair de Roma o exemplo e a convicção de que o Cristo que amou a pobreza não é o que se adora actualmente"(cf. Amorim, 1874: v.2, 86-87 e 98-99).

O ponto mais importante, porém, de defesa dos índios nas notas que o escritor apõe a seus textos, diz respeito ao assunto que vem a ser fulcral em sua obra - a mistura de raças. Apesar de afirmar que esta constitui uma degeneração das espécies e de verificar que a decadência atinge mesmo os índios que vivem no interior das

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florestas, o escritor coloca-se frontalmente contra aqueles que pretendem exterminar os selvagens não susceptíveis de civilizar-se, entre os quais cita nominalmente o presidente dos Estados Unidos e insinua a figura de Varnhagen38. Apesar de criticar a falta de atenção do governo brasileiro para com os índios, Gomes de Amorim acaba por atenuar o seu texto com a publicação da imagem oficial: as palavras de Joaquim Manuel de Macedo, nas suas Notions de Chorographie du Brésil, e as informações de O Império do Brasil na Exposição Universal de 1873, que lhe foram enviadas por Araújo Porto Alegre e pelo Barão de Japurá, cônsul do Brasil em Portugal. Na realidade, entre a sua "vivência de tapuio" e as suas leituras francesas, Gomes de Amorim fica com estas últimas e com o pensamento dominante no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde as ideias de Denis e dos "amigos do Brasil" tinham acolhida e ajudavam a alimentar as conversas. A sua diferença com Varnhagen passa exactamente pelos que o Visconde de Porto Seguro chama "franchinotes" e pelas teorias que ele classifica "sediças" e "pseudofilantrópicas" (Varnhagen, 1851 :387).39

Preocupado com a civilização dos índios (por aqui vê~se, mais uma vez que o escritor não se coloca contra a civilização, mas contra a forma pela qual era levada), Amorim censura o governo brasileiro por não mandar para "as proximidades dos gentios senão autoridades que soubessem bem o idioma das diversas tribos com que estivessem em contacto", pois este "seria o meio mais fácil e profícuo de os civilizar" (Amorim,1858: 301).

38 As ideias do Visconde de Porto Seguro afinal passavam como ele próprio afirma "não pelo sentimentalismo, mas pelo patriotismo [ ... ] por considerações de estado, mais que de caridade e de economia política" e tematizam a substituição da mão de obra negra pela dos índios. No "Memorial Orgânico", publicado na revista Guanabara, assevera que melhor seria "prender à força os índios bravos para os desbravar e civilizar", pois tal medida resultaria num "aumento de braços menos perigosos que os dos negros" e que a mistura de "brancos e de índios - "em cor e em tudo" - formaria o povo, classe social que algumas províncias não possuíam"(Varnhagen, 1851: 357). Perguntando-se quem são os donos da terra, Varnhagen defende que "o Brasil pertence à civilização, pela mesma razão que a Inglaterra ficou pertencendo aos normandos quando a conquistaram" e Portugal a Afonso Henriques e a seus sucessores que o tomaram aos mouros.

39 Note-se que entre Denis e Varnhagen, apesar da amenidade das aparências, havia dissensões (cf. Rouanet, 1991). Note-se também que, numa outra vertente de pensamento, Manuel António de Almeida, então estudante de Medicina, logo de seguida à publicação do "Memorial Orgânico" colocou-se contra Varnhagen, escrevendo, no Correio Mercantil (13/12/1851), a "Civilização dos Indígenas".

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3.3- Os brancos

Dois fazendeiros, uma sinhazinha, um caixeiro, um oficial da armada portuguesa transformado em administrador de terras - assim estão divididos os brancos no teatro "amazónico" de Gomes de Amorim que, no romance Os Selvagens, de idêntico cenário, acrescenta ainda mais um fazendeiro, um padre e alguns estrangeiros.

Aleijões Sociais, porque dedicado à escravatura branca, e passado em Portugal e no Rio de Janeiro, multiplica as personagens dessa raça e distribui-lhes variados papéis sociais. Daí que eles não ganhem a marca da cor mas, antes, a de engajadores e engajados, ou, melhor dizendo, enganadores e enganados. Amorim denuncia a forma pela qual os camponeses do Minho eram aliciados, o que passavam na viagem e as mortes a bordo (desculpadas como epidemias), a ausência de passaportes e a falsificação de papéis, os maus tratos que recebiam no Brasil, o descaso das autoridades portuguesas, o jogo feito pelos malfeitores enriquecidos (que, comprando títulos e doando quantias a obras de benemerência, adquiriam também a sua tranquilidade), o casamento com brasileira como uma forma de enriquecimento. Embora não deixe de registar, ainda que de maneira ténue, o olhar lançado pelos brasileiros aos aldeões portugueses feitos ricos senhores a poder do dinheiro, a visão que o escritor tem sobre o Brasil é sempre a de terra de liberdade e de justiça.

3.3.1- Senhores

Os fazendeiros - bons - dos dois textos dramáticos são brasileiros, embora este termo pudesse não designar exactamente os nascidos no Brasil, mas aqueles que possuíam alguma forma de identidade com a terra, seja por amor à sua natureza e à sua gente ou seja com fundamento em interesses económicos40

• Roberto declara-se brasileiro a Manuel, filho de sua irmã, que, "por ter nascido em Portugal, não deixa de ser meu sobrinho". Se tal observação mostra uma migração populacional41

, indicia também que, apesar dos laços

40 A este respeito ler Ribeiro (1994).

41 Porque seria o sobrinho português? Pode ser que a innã fosse uma brasileira

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de sangue, há uma barreira entre os da terra e os antigos colonizadores. As palavras que se lhe seguem explicitam esta divisão: "não quero parecer-me com alguns dos seus patrícios que são uns tiranos para os seus, quando estes chegam de novo,,42 (Amorim, 1869: 26-27).

A teatralização dessa já referida antipatia entre os brancos da terra e os brancos portugueses "traduz" também e, mais uma vez, os fundamentos económicos da cantiga "Marinheiro pé-de-chumbo" entoada por Cazuza. Apesar de passadas em 1846, isto é, já no governo de Pedro II, nas cenas de Ódio de Raça ecoam problemas com que de forma viva se defrontaram Pedro I e as Regências (época em que Gomes de Amorim viveu no Brasil), mas que já estariam bem mais atenuados quando do governo do segundo imperador. Numa outra fala de Roberto, pode-se detectar a antipatia do fazendeiro pelo comerciante, o que corresponde de certa forma às tensões existentes entre o Partido Brasileiro (dominado por fazendeiros, embora divididos em "aristocratas e democratas") e o Partido Português (que representava os interesses dos militares, funcionários e comerciantes, na sua maioria portugueses, que pretendiam a reco Ionização) , e entre o homem do Norte brasileiro e o governo do Rio de Janeiro, no qual os portugueses - que iam "alagando tudo" e que, ao contrário dos "pobres brasileiros", recebiam "protecção e auxílio" - ainda ocupavam lugares de destaque no tempo de Pedro I e das Regências. Roberto reclama da penetração portuguesa "nas artes, na indústria de qualquer género, nos sertões ou nas cidades" (Amorim, 1869: 29), e do facto de até as brasileiras quererem casar com um português (embora ele próprio deseje o casamento da filha com Manuel).

Já Duarte, o fazendeiro de O Cedro Vermelho, que frequenta a casa do cônsul português e pertence à guarda nacional do Pará (cargo que, na altura, podia ser ocupado por portugueses), mas faz daqueles discursos que mostram a sua identidade com a terra além de, no seu quotidiano, estarem a rede e o açaí, o vinho de cacau e o de taperibá, não se declara brasileiro (embora o próprio autor, que revela ter-se baseado num coronel homónimo de existência real (Amorim, 1874:

nata casada com um português. Mas também poderia ser portuguesa e Roberto brasileiro nato, filhos do mesmo pai, mas de mães diferentes, ou de um pai que emigrou para o Brasil deixando mulher e filha em Portugal. Ou seria Roberto um brasileiro naturalizado e amante do Brasil?

42 Sobre os maus tratos dados aos caixeiros seus compatriotas pelos próprios portugueses vd. O Mulato de Aluísio de Azevedo.

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v.2. 75), deixe entender que é esta a sua nacionalidade). O desvanecimento com que Duarte fala da fauna e da flora da sua terra é uma espécie de eco da linguagem dos cronistas e do ufanismo dos primeiros escritores brasileiros, e uma forma de tradução às avessas do nacionalismo de Gomes de Amorim, que observa em nota: "Antes o patriotismo exagerado do que o cínico desapego e fria indiferença de tantos que conheço por cá e por lá!..." (Amorim, 1874: v.2, 63).

Uma variante desse ufanismo - embo.ra agora apresentado de forma um tanto irónica - pode ser visto nas falas da tapuia Marta que, para assustar o português recém-chegado, enumera os "bichos tão lindos" e os "quitutes" de sua terra. E também nas da negra Anastácia ao anunciar as numerosas delícias de que se compõe o jantar que Dionísio, feito Comendador, vai oferecer43

, embora neste caso haja mais comicidade - advinda da própra figura da negra - que ironia, e mais orgulho de cozinheira que ufanismo brasileiro. Esta notação de estranheza, advém não só do "português de preto" falado pela escrava, mas da própria forma pela qual o escritor, apreciador das belezas naturais e das frutas da terra, encarava a sua culinária44

O mesmo espírito de nacionalista de Gomes de Amorim anteriormente referido informa uma outra nota, na qual o escritor reclama dos maus tratos dados pelos portugueses naturalizados brasileiros aos seus caixeiros: "Que se há-de esperar de homens que, por interesse, renegaram a pátria?" (Amorim, 1869: v.2, 177). Talvez por isso, e porque não utilize os textos "amazónicos" para focar o problema dos caixeiros e da escravidão branca (o que só irá ocorrer em Aleijões Sociais), entre os senhores de terra das obras de Gomes de Amorim não apareçam personagens que se declarem brasileiros naturalizados. Romualdo Martins, de Os Selvagens, marcado pelos

43 Aqui, mais uma vez Gomes de Amorim "escorrega", transportando para o Rio de Janeiro pratos paraenses.

44 Apesar de apreciador da culinária paraense, Gomes de Amorim ainda tinha suas reservas: "O tucupi é o líquido obtido da mandioca ralada e comprimida num tubo elástico, feito de talas de guarumá, chamado tipiti. [ ... ], fervido ao lume, serve ele para misturar numa espécie de caldo gomoso (de tapioca?) denominado tacacá, que as pretas vendem pelas ruas, e que certos estômagos recebem sem rebentar como castanhas postas no braseiro! Deus me perdoe e me desconte tantos anos de castigo, pelos meus pecados como de vezes eu me emapanzinei desta estupenda combinação! [ ... ] O meu estômago, que é à prova de tacacá, guariba, caxiri, cobra, jacaré, lagarto ... finalmente de comidas e bebidas que meteriam mais medo ao diabo que uma cruz, resistiu sempre assanhado ao tucupi com formigas; não posso saber se a cousa é boa, mas parece-me selvagem. (Amorim, 1874: v.l, 241).

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mesmos traços utilizados pelo autor para desenhar os fazendeiros dos textos dramáticos - bom e amigo dos selvagens (além de apoiar o trabalho de seu irmão, o padre Félix) - mantém a sua nacionalidade portuguesa.

Os senhores da cidade, isto é, Dionísio e Matias, que vivem do comércio de colonos e do derrame de notas falsas, são portugueses, ou melhor, naturalizaram-se brasileiros, mas não é com essa nacionalidade que o escritor os vê. Pelo contrário: "homens que renegaram a pátria", ele coloca-os no rol dos maus portugueses. Dionísio e Matias levaram para o Brasil, com promessas enganadoras, Pedro e Domingos, que abandonaram pátria, família e amigos, para tentar a fortuna fácil que os dois lhes pintaram. Dionísio casou com uma brasileira rica, doente e viúva de um seu sócio. Além do tráfico de escravos brancos, administra os escravos e os bens (açúcar) de sua enteada, a quem acaba por deixar na miséria. Mais esperto e mais rico que Matias, fica impune, enquanto este é preso pelas autoridades brasileiras.

3.3.2- Empregados

O fazendeiro Duarte contrasta com o caixeiro Francisco, o ex­oficial da armada portuguesa que contempla o exótico com entusiasmo, reservas e ironia, acabando por render-se ante os encantos da terra e da sua gente.

Esta personagem merece uma especial atenção, e não só porque - embora Amorim o negue - possua traços biográficos do dramaturgo. Ela é um dos "caracteres fundamentais do drama", "a civilização requintada" dos climas europeus que antagoniza com Cedro Vermelho (Amorim, 1874: v.2, 10). O autor aproveita-a para registar a presença de navios negreiros no eixo Lisboa-Belém e as &rtimanhas do tráfic045 (o rapaz fora para Belém acreditando estar indo para a África num cruzeiro contra a escravatura), mas também para, como já foi anteriormente observado, travar os excessos de idealismo da peça, ao mesmo tempo que reafirma o Romantismo. Francisco critica a consequência das leituras românticas (a paixão de

45 Nessa personagem o escritor parece concentrar muitos dados da sua biografia: foi para o Brasil enganado pelos engajadores, pertence à Marinha Portuguesa (Amorim foi funcionário da Marinha), é poeta. Dela é que ele se vale muitas vezes para ironizar os excessos de idealismo que a peça vai ganhando.

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Matilde por Cedro Vennelho), mas é ele próprio um fruto dessas leituras (cf. a sua "veia poética", o seu discurso, as suas atitudes). Trata-se, em nosso entender, de um caso de ironia romântica.

É verdade que, como observa Maria de Lourdes Ferraz (1997: 246-247), a ironia romântica é uma auto-ironia em que o enunciador questiona- a sua própria prática literária, e, como tal, encontrar-se-ia mais frequentemente na narrativa, embora também possa fazer-se presente na poesia. Ocorre que a ironia de Francisco recai sobre o seu próprio discurso, aqui entendido - por tratar-se de um texto dramático - não apenas como o que a personagem fala, mas também como o que ela faz. O rapaz entusiasma-se com Matilde, lembra-se de que foi "aprendiz de literato e poeta" na sua terra, que o seu "género pendia todo para o sentimental" e que na "Academia de Marinha, não havia Bemardim que me deitasse a mão"; mas, ao mesmo tempo, acanha-se diante do que classifica "epopeia da Natureza" e declara: "Não vos assanheis poéticos prodígios; não sou tão asno que vos insulte tocando bandurra na vossa augusta presença!. .. " (Amorim, 1874: v.l, 28). Num afirmar e desdizer próprio da ironia, no auge da exaltação amorosa, depois de declarar que lhe pareceu ter nascido poeta, isto é, "haver nascido predestinado para jungir sílabas em colunas, somando-as como algarismos", ele acaba por dizer, no melhor padrão romântico, que "a poesia não se traduz por palavras rimadas", que a sua "musa intimida-se" diante dos "cajueiros floridos", do "lago soberbo, do céu resplandescente que nos cobre, de ... de tudo, enfim", da Natureza. Esta "fala às almas, deleita-as, desvaira-as talvez e ... gera o amor, a paixão, o sentimento ardente que ... dá ímpetos divinos aos corações humanos". Prolongando esse convívio de dicções excludentes, Francisco, aborrecido com a indiferença de Matilde, lamenta, num aparte, ter com ela gasto o seu "estilo mais selecto". O seu despeito reafinna, no entanto, a atitude romântica de que se não liberta:

Sejam lá poetas com gente que vive empanzinada de poesia! Admirem-se das suas árvores enormes; façam o elogio dos seus lagos. da sua imensa bicharada, e esperem por um agradecimento! Fizeram a sua obrigação louvando tudo isto que realmente é belo! (Amorim. 1874: v.1, 78-79)

Numa atitude que parece o avesso do êxtase, Francisco acaba por resumir a sua aventura e, como todos os cronistas e viajantes, por exaltar a terra brasileira:

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As florestas virgens são admiráveis de magnificência... e de bicharia! Enquanto eu me extasiava à vista de um tronco de envireira, coberto de jbrmosíssimas orquídeas, mordiam-me dois mil bichos ao mesmo tempo! Carapanás, mossorocas, piuins, mucuins, mutucas, maruins ... o diabo! [. .. ] E as cobras?! Vi-as de todas as cores e tamanhos, feitios e cores! algumas assemelhavam-se a bichas de rabear correndo sobre os arbustos! ... [. .. ] aranhas, da grandeza de caranguejos; formigas brancas, pretas, vermelhas, azuis, verdes, roxas, amarelas, pequenas, grandes! ... e todas a morder como danadas! De lagartos nem falemos! Têm feitios impossíveis em história natural! Desconfio que são projectos de bichos de que Deus se esqueceu ali no princípio do mundo! De vez em quando uma onça para variar! (Amorim, 1874: v.l, 207-208)

A ironia da personagem - mas desta vez não só como auto­ironia - estará ainda ao serviço da afirmação do Indianismo, mostrando o afeiçoar-se do viajante à terra e à sua gente. Lourenço, por ele encarado a princípio como um "um homem da natureza", elemento do "luxo de história natural" que é a Amazónia, do "reino animal em todo o seu esplendor", numa dicção que contraria, enquanto afirma, a visão romântica da Natureza, acaba por ser declarado um "bárbaro heróico", para quem o poeta-marinheiro­administrador propõe, na cena final, em nome da nação "que produz tais filhos", "funerais condignos", amortalhando-o bandeira do país (cf. Amorim, 1874: v.l, 256-257). Na realidade, Francisco põe-se permanentemente contra Lourenço apenas quando este encarna o papel de Otelo em "cena de Shakespeare" (Amorim, 1874: v.l, 155), ou seja quando é seu rival no amor da branca46

Como Francisco, embora de forma muito mais amena porque sem encarar a terra de forma exótica e sem exaltá-la como poeta, Manuel, o sobrinho português de Roberto feito caixeiro, mostra ir-se integrando no meio.

O Domingos de Aleijões Sociais, o jovem português "caçado" no Minho, pelos engajadores, para ir ao Brasil, tem tratamento bastante diferente do dos empregados das fazendas. Nele fala o lado ferido do autor, aquele a que as belezas da terra brasileira não foram capazes de servir de bálsamo. Homónimo do mulato de Ódio de Raça e também escravo, embora branco, esse Domingos faz discursos abolicionistas como Cazuza. Personagem de um drama de actualidade, além da inteligência de que é dotado, revela, seja pelas situações em que é

46 A referência a Otelo é quase obsessiva em Amorim.

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colocado, seja pelas suas próprias falas, as condições sub-humanas em que viviam os portugueses que iam para o Brasil como imigrantes. Os destinatários das suas palavras são mais uma vez os portugueses, uma vez que Amorim, escrevendo a peça para ser representada nos palcos de sua pátria e sendo amigo de Pedro II, não pretendia afrontar o imperador brasileiro com essas questões.

3.3.3- Sinhazinhas

Sem encarnar propriamente um perfil de mulher brasileira, sem mesmo ter caracterizados os seus costumes - só muito rapidamente e em nota Gomes de Amorim fala do estreito convívio entre as donzelas e os escravos - Emília e Matilde tomam atitudes de pequenas senhoras, sendo embaladas na rede pelos seus escravos e tendo satisfeitas as suas menores vontades.

Emília tem um papel mais passivo e menos saliente que o de Matilde, construída como mais culta e dotada. Ambas, no entanto, convivem bem - numa demonstração da decantada cordialidade brasileira - com homens de outras raças, embora com eles não se casem. Emília, que nem imagina a paixão de Domingos, vê no negro apenas um escravo fiel e tem repulsa pelo mulato. Matilde apaixona­se por Lourenço, mas exerce sobre a sua paixão a autocrítica necessária para confirmar o tópico romântico do amor impossível (aqui não pela diferença de classes, mas de raças).

Como Francisco, Matilde merece uma especial atenção porque também ela serve de instrumento a Gomes de Amorim para travar os excessos de idealização romântica, sem deixar de ser uma personagem moldada por essa estética. O seu discurso, porém, nem sempre é marcado pela auto-ironia; às vezes informa-o a simples autocrítica, que, no entanto, se a liberta dos excessos, não a livra do romantismo. O exemplo que se segue é paradigmático.

Depois de traçar com os clichês românticos um quadro da Natureza - "os aromas inebriantes da floresta se espalhavam sobre as águas serenas do lago", que se assemelhava a um "imenso espelho, reflectindo os tons quentes das nuvens e as copas dos arvoredos, que pareciam inflamadas pelos últimos raios da luz solar", "os japins, às portas dos ninhos que cobriam as acácias vizinhas, calavam-se para ouvir as vozes dos tucanos ao longe", "os beija-flores, debatendo-se entre os festões do maracujá [ ... ] passavam com o mel recolhido"-,

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classifica-o de "composição ... poética", numa síntese auto-irónica. Em seguida, abandonando-a, retoma o tom romântico desafinado pelas reticências e pelo rótulo, para enquadrar o índio na paisagem, e iniciar a autocrítica: "A minha imaginação comprouve-se em exagerar-lhe as virtudes e os méritos e levantou-o à altura da criações poéticas!" (Amorim, 1874: v.l, 229-230). Matilde conclui que Lourenço é "um absurdo ideal", fruto das suas "teorias e exagerações românticas", das "novelas que infelizmente me vieram parar às mãos". Mas, outra vez, volta ao pensamento romântico (do qual aliás nunca se desprendeu), justificando a sua paixão pelo índio como motivada pelo "aspecto imponente das nossas florestas e dos nossos lagos"«Amorim, 1874: v.l, 214 e 227).

Eugénia, a enteada de Dionísio, em Aleijões Sociais, é uma brasileira educada, boa, inteligente e lida, que discursa contra as injustiças sociais, nomeadamente contra a escravatura branca. Quanto aos negros, no entanto, não se pronuncia, ou melhor, mostra que, apesar de todas as suas leituras, é racista, pois, em dado momento, reclama de Domingos (escravo branco por quem sente admiração) ser tratado como um preto.

3.3.4- O padre

O padre Manuel Félix - único representante do clero nos textos de Amorim47

- é o "bom velho" na voz do narrador e aquele que "tratou os índios como irmãos", no testemunho de Pangi-Hup (Amorim [1982]: 81). Demonstrando o sentido de obediência e o amor à causa da Evangelização, essa personagem é o instrumento do autor para mostrar o Cristianismo como veículo de civilização. Nesse sentido, é exemplar a cena em que toda a aldeia indígena trabalha, reza e prospera (Amorim [1982]: 48-49) sob o olhar do padre, que incutirá em Romualdo Goataçara os princípios que farão dele um "super-homem", isto é, alguém que soma todos os dotes físicos e psíquicos dos índios aos valores morais do cristão.

47 É verdade que aparece também um padre em Aleijlies Sociais, cujo comportamento é marcado pelo nacionalismo e pelo bom-senso, mas não está radicado no Brasil.

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3.3.5- Estrangeiros

As falas das personagens vão mostrando nas "peças amazónicas" como os portugueses são mal vistos pelos da terra [a ponto de o mulato Domingos se queixar ao senhor de receber um tratamento inferior ao do caixeiro, alegando "sou escravo, mas sou teu patrício" (Amorim, 1869: 31)]. Lamentando frequentemente a atitude dos brasileiros de qualquer cor e extrato social para com os seus conterrâneos, porque lhes disputam a terra, o dinheiro e as mulheres, Gomes de Amorim reforça essa ideia nas Notas.

A referência muda um pouco de figura em Aleijões Sociais, onde o que se regista é o desprezo devotado - a par das homenagens prestadas - aos portugueses abrasileirados; estes, embora ricos e beneméritos de algumas instituições, não perdem o seu ar labrego. No entanto, o português é português, não estrangeiro. Este será francês, espanhol, italiano, inglês ...

A prova mais cabal desta ideia - ainda hoje em vigor no Brasil - vêm a ser os pensamentos contemporâneos de Gomes de Amorim e de Eduardo Francisco Nogueira, o Angelim, um dos líderes da Cabanagem. Este, num discurso de 25 de Abril de 1837, guardado no Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), refere-se ao Corpo de Voluntários do Senhor D. Pedro II, dizendo-o formado de "portugueses adotivos, e estrangeiros" [o grifo é nosso] (Rodrigues [1935]: 140), enquanto em Os Selvagens difunde-se a ideia de que a Amazónia é explorada pelos estrangeiros (e pelos brasileiros "vendidos"), entre os quais não se incluem os portugueses: a perdição de Porangaba é o francês Alberto Lacroix, de passado pouco claro, que tinha vindo em busca de ouro; os ajudantes de Ambrósio Aires são Guilherme de Chambourg (cuja nacionalidade "oscila" entre inglesa e francesa) e Pedro Aires (também de origem duvidosa), oficial da Marinha dos Estados Unidos da América - ambos actuando paralelamente à luta contra os cabanos em missões não definidas.

Lacroix, que faz o discurso da civilização (aqui tomada como sinónimo da França) não se mostra cristão como declara (cf. Amorim, [1982]: 141,142 e 145); na perspicácia de Goataçara é um tupinaém, homem sem coração, e Ambrósio Aires não consegue penetrar nas suas intenções, o que o faz suspeitar do francês. Aliás a demonstração da falta de carácter de Lacroix e Chambourg terá continuidade em Remorso Vivo, romance no qual Amorim tomará o índio (bem) cristianizado vencedor da luta contra a civilização degradada.

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Lacroix, Chambourg - e o próprio Pedro Aires a serviço de uma nação que se não revela - resultam da presença estrangeira na Amazónia do século XIX, que Gomes de Amorim tão bem conheceu. Aliás, Chambourg e Pedro Aires tiveram existência histórica e foram actores das cenas ocorridas no tempo da Cabanagem, conforme atesta Lourenço da Silva Araújo e Amazonas, cujo Dicionário, do qual Amorim tomou conhecimento depois de ter escrito (mas não antes de ter publicado) O Cedro Vermelho, ajudou o autor de Os Selvagens a reavivar lembranças e criar o seu romance.

É de assinalar que essa presença estrangeira na Amazónia resultava sobretudo dos desejos de expansão da Inglaterra e da França, ambição atestada não só pelos inúmeros livros escritos por aqueles viajantes doublés de exploradores48

, mas também pelas intenções neles declaradas: "Os franceses na Amazónia, apoiados na velha colónia guianesa, refarão para nós [ ... ] uma França equinocial mais magnífica do que jamais a sonhamos [ ... ]" (Coudreau [1887]: s.n.).

Curiosamente, no diálogo França-Portugal-Brasil, de que são interlocutores Denis, Garrett, Araújo Porto Alegre e Gomes de Amorim, surge como personagem um viajante francês que vai crescendo de importância: nos Maxacalis, ele é apenas o ouvinte de um português confidente de Kumuraí; em Helena, um visitante com um passado de lutas pela liberdade, um naturalista interessado na flora brasileira, homem culto e cortês, cujo papel fica indefinido pela própria incompletude do texto; na Estátua Amazónica (1850), peça pouquíssimo conhecida como, aliás, todo o teatro de Porto Alegre, olhado como "miserável mentiroso,,49; no romance de Amorim, o sinónimo da ambição, antagonista do herói.

48 Só à guisa de exemplo: Louis Agassiz, A lourney in Brazi/, Boston, Ticknor and Fields, 1868 (este citado por Amorim); Henry Walter Bates, The Naturalist on the river Amazons [ ... ], London, John Murray, 1863, 2v; Alexandre de Belmar, Voyage aux provinces Brésiliénnes du Pará et des Amazones en 1860 [ ... ], Londres, Trezise Imprimeur, 1861; Carrey, Emile, L' Amazonie. Huit jours sous r Equafeur, Paris, Michel Levy freres, 1856; Alfred Russel Wallace, A narrative of traveis on the Amazon and Rio Negro [ ... ], London, Reeve and Co, 1853; Henri Coudreau, Les Français en Amazonie, Paris, Libr. Picard-Berheim, [1887].

49 A peça de Porto Alegre toma por mote um facto real que o autor explica na carta-dedicatória e que distingue Denis, Saint-Hilaire e Debret de OUIroS viajantes franceses que unem "a leviandade" e a "superficialidade" "a um desejo insaciável de levar ao seu país novidades" e que encontram no público "a crença de que tudo o que não é França está na última escala na humanidade" (porto Alegre, 1850: 3). Amorim, nas suas notas a O Cedro Vermelho, também se põe contra esses "miseráveis mentirosos" e conta alguns casos (cf. Amorim, 1874: 124,131-132)

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Repare-se que Porto Alegre abre excepção a alguns Viajantes franceses (os patrocinados pelo Império brasileiro) e representa o seu nacionalismo de forma original, enquanto Gomes de Amorim, ao singularizar Lacroix, tranforma-o, por sinédoque, na própria França, vista aqui como a civilização que ele oporá ao bom selvagem cristianizado, num enquadramento bem conhecido do Romantismo. Se tal atitude, porém, revela uma "antipatia" aos franceses por parte dos de língua portuguesa conhecedores do Brasil, traduz ao mesmo tempo uma necessidade de alimentar-se da França, que é geral5o•

3.4- A Cabanagem e a gente de todas as cores

Quando Gomes de Amorim chegou ao Brasil, a Cabanagem no Pará tinha há pouco sido dominada (1836), mas não propriamente extinta, uma vez que alguns dos seus participantes se refugiaram em Icuipiranga, no Alto Amazonas. É natural, portanto, que o escritor faça a ela referência em suas obras, até porque os últimos cabanos só se entregaram em 1840.

Mas o que se esconde sob a designação Cabanagem? Como em todos os movimentos haverá a óptica dos vencedores e a óptica dos vencidos, com muitos outros olhares de permeio.

A maior parte dos livros de História não lhe conferem muito espaço, mas registam-na como movimento independentista regional ou local, reacção contra o presidente imposto pela Regência. Outros, no entanto, observam que a independência ocorrida em 1822 fizera imaginar aos que não eram senhores de terras - geralmente caboclos e índios aculturados - que estas deixariam as mãos dos portugueses ou de seus descendentes, nas quais estavam desde os tempos iniciais da colonização. A Cabanagem seria, assim, uma revolta contra a estrutura sócio-económica vigente, a luta dos que não tinham contra os que tinham, como disse Handelman. (cf. Holanda (1991): t. 4, 116).

Haverá quem, sem ter sido testemunha ocular dos acontecimentos, os tenha ouvido da boca de contemporâneos e amigos de alguns dos principais líderes da Cabanagem e, recorrendo ainda a documentos da época, haja tentado recuperar um dos outros lados da

50 Basta lembrar no caso brasileiro, o Alencar de Senhora. Ele segue de perto o modelo romanesco de Feuillet, mas quer mostrar a vitória sobre os modismos franceses da natureza tropical e da antiga educação brasileira (que é afinal portuguesa) encarnadas por Aurélia.

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História. Estes observarão que - "a legalidade fez em menos tempo mais crimes que todos os desastres com que se devam penitenciar, no longo período da Cabanagem, os cabanas" (Rodrigues, s.d.:174) - e procurarão distinguir os verdadeiros rebeldes daqueles que se associaram ao movimento, mas que, sem possuírem um fundamento sócio-política-filosófico, se deixaram dominar pelo ódio e espalharam o terror. Para estes historiadores, os cabanas tinham um programa que contemplava as principais preocupações dos paraenses: o extermínio do ódio dos maçons contra os católicos, a abolição da escravatura, a colocação de um homem capaz no governo do Pará (Rodrigues [1935]: 45)51. Distinguiam-se, assim, dos "homens inferiores, de rudeza extrema, ansiando apenas pela liberdade", que alguns autores menos meticulosos incluem entre os lutadores de 1835. Aliás, segundo estes estudiosos, escravos e mulheres não eram admitidos entre os cabanas (embora os escravos libertos, como o negro Patriota, devam estar entre estes citados "homens inferiores")

Num ponto de vista mais neutro e mais completo, os factos poderiam ser assim contextualizados.

Desde os tempos de Pedro I, havia na região da Amazónia lutas entre "caramurus" e "nativistas", que foram sendo acrescidas pelas tensões entre a maçonaria e a Igreja, entre o comércio português e os senhores rurais, entre os defensores do poder centralizado no Rio de Janeiro e os partidários de que até à maioridade de Pedro II houvesse governos locais autónomos, e entre os da terra e os estrangeiros. Neste clima eclodiu a Cabanagem, "movimento autonomista, anti-regencial, apoiado no seu início por quase toda a população e componentes da Marinha brasileira, contra os governantes remetidos pela regência, os Portugueses e parte da oficialidade da Marinha com um ligeiro ranço antimaçónico representado pela destruição da loja existente em Belém" (Loureiro, 1984: 8).

Logo a seguir às primeiras vitórias, os cabanos dividiram-se num grupo moderado, composto pelos senhores rurais e oficiais de marinha, e num grupo radical, formado por pequenos proprietários, negros, índios e mestiços, cuja forma de luta fez que o grupo moderado acabasse por aderir às forças legalistas enviadas pela

51 Veja-se este trecho do discurso de Angelim: "[ ... ] os paraenses querem ser súbditos, não escravos, principalmente dos portugueses; os paraenses querem ser governados por um patrício paraense que olhe com amor para as suas calamidades, não por um português aventureiro como o Marechal Manuel Jorge Rodrigues" (Rodrigues [1935]: 143).

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Regência. Iniciado em Belém do Pará e estendendo-se por Marajó, Xingu, Baixo Amazonas e Santarém, o movimento chegou até ao Alto Amazonas52

, o que possibilita ver, nos seus seis anos de duração, dois ciclos: um belenense (1833-1836) e outro amazonense (até 1840).

As referências que o teatro de Gomes de Amorim nas falas das suas personagens faz à Cabanagem, marca os seus participantes como gente má. Os cabanos não entram em cena, a não ser por meio do índio mura opositor do juruna herói Cedro Vermelho (importa dizer que os muras, outrora subjugados pela força, foram aliados dos cabanos). Mas, nas "Notas e Esclarecimentos", o autor não deixa de registar que os cabanos eram "facínoras" e "assassinos". Em Ódio de Raça, por exemplo, chama-os mesmo canibais e reduz a "ódio aos portugueses" o que de político poderia ter o movimento (Amorim, 1869: 291).

Algumas dessas ideias devem ter vindo por informação das pessoas com quem conviveu - fazendeiros, caixeiros e escravos - e que temiam os cabanos. Outras dos restos da Cabanagem que Amorim pôde observar na cidade de Belém e no interior das florestas da Amazónia. O caso que o escritor narra largamente numa das "Notas" de O Cedro Vermelho e do qual participou deixa entrever até que ponto o medo podia confundir: o cadáver encontrado, o de um mulato, vestia a "fardeta de soldado de um dos regimentos que das outras províncias tinham ido em auxílio do Pará lo sublinhado é nosso]" (Amorim, 1874: v .. 2, 162-174). Mas quem pode afirmar que o homem era cabano? É verdade que houve elementos da guarda nacional que aderiram à Cabanagem, mas em tempos de fome e confusão, as fronteiras tomam-se por vezes subtis; não seria de espantar que um soldado das forças legalistas agisse como se da outra parte fosse? No entanto, Gomes de Amorim, apesar de não ter visto os assaltantes, afirma que eram muitos e que eram cabanos.

Mas o escritor conheceu pessoalmente pelo menos um cabano: o negro Diamante, de quem ele conta um caso pitoresco e de cuja irreverência dá conta nas "Notas"de O Cedro Vermelho.53

52 Desde 1832, a província do Grão Pará ficara dividida em três comarcas: a do Grão Pará, a do Baixo Amazonas e a do Alto Amazonas. Esta última compreendia as terras da antiga Capitania de São José do Rio Negro (que, não tendo sido considerada província depois da Independência, foi governada por juntas até 1825, quando ficou subordinada à Província do Grão Pará), recuados os seus limites do outeiro de Maracá Açu para a Serra de Parintins.

53 Este homem, cujo nome era João do Espírito Santo, liderou um movimento contra Angelim (um dos líderes da Cabanagem) intentando assassiná-lo, pois este não

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A esses fragmentos de memória, Amorim soma informações provenientes de Lourenço da Silva Araújo e Amazonas, que capitão­tenente da Armada viajou pela Amazónia, mas Comandante Militar da Comarca do Alto Amazonas (1840-1841) era certamente um leitor do movimento sob o prisma govemamental.

Daí que o General Andréa, visto por Eduardo Francisco Nogueira Angelim como pélfido e covarde (Rodrigues [1935]: 165-166) e que Gomes de Amorim, nos seus onze anos, conheceu pessoalmente porque lhe quebrara a cara de um escravo, ganhe louvores do escritor.

N'Os Selvagens, Gomes de Amorim reservou um papel especial para aquela 11gente de todas as cores" que, afinal, os cabanos representavam, e falou mais pormenorizadamente daquele Brasil que não coube no palco.

Desenvolvendo o tema da superioridade da barbárie sobre a civilização já ensaiado no Cedro Vermelho, ele voltaria à Cabanagem, agora não mais como apenas como referência, mas como intertexto. O nalTador do romance concentra-se naquela gente tão estranha quanto a que o menino Gomes de Amorim vira na sua chegada a Belém. A identificação entre os dois gmpos (os cabanos e a "gente de todas as cores") fica implícita quando os índios mundurucus, ao saberem do ataque a Santarém, da mOIte do Padre Félix e de seu irmão, verificam que as suas "tradições e memórias" "não dizem o nome dos índios cabanas" e que os IIbrancos não matavam aqueles dois santos", concluindo que são "tapuios e homens de outras cores" que destróem cidades e vilas para "matar e roubar a gente de além-mar". (Amorim [1982]: 77) Sem descer às causas sociais e económicas da cabanagem, Gomes de Amorim faz o seus índios explicarem o movimento como uma contaminação da maldade branca, como uma degeneração pelo contacto das raças (veja-se aí ainda presente a "palavra autoritária" de Denis que serve de epígrafe a Ódio de Raças):

Os rapajós s!!lI1iam-se feli:es. como as almas do paraíso do padre Félix! Vieram os brancos de além do mar. em procura de oiro !! prata. e roubaram 1/OSS0S pais: expu/saram-nos da sua terra. illlerllUl1do-o.\· pelas j10restas I'ir~em a/é a dis/(lnôa de tantos dias que /lunca nill~l/ém os p/ide c01llar; e se mi mundurucus são hoje selva~en.l· illfeli:!!s. como di:ia o padre . foram os homel1s de que ele descende qllem 0,1' redu:iu a esta condição porque os (apajás eram IIO.\·SO.\· pais.. f ... ) os brancos ~lierreiall1-.I"e uns aO.I· outros nas sI/as cidade.l' e Iii/as; 0.1' tapuim'

pudera abolir a escravatura, COnfOl1l1e prometera. Preso, foi mandado matar pelo Governador Soares de Andrea, que fora enviado pelo Govemo Regenc ial.

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associam-se com eles, depois revoltam-se e matam-nos, com razão ou sem ela [ ... J (Amorim [1982J: 186-87)

Por seu turno, o narrador foca uma a uma as cores nomeáveis dessa gente anónima - "tapuios, mulatos, mamelucos, cafuzes e pretos" - a que o realismo romântico de Gomes de Amorim leva a acrescentar "entre todas estas cores havia ainda tantas meias tintas provenientes de cruzamentos que dariam uma escala de cinquenta ou mais tons diversos". Não lhe escapam também nessa descrição a mistura de trajes, próprios e de segunda mão, nem as feições terríveis desses "ancestrais" dos sem terra:

Nos trajos, havia a mesma confusão e variedade: casacas, chambres, jaquetas,fraques, camisas de riscado, calças pelo meio das pernas, chapéus de palha, de feltro, de seda ou de castor, altos, armados, de abas largas e sem abas, barretinas de todos osfeitios, bonés, lenços de cores! E tudo isto sobre cabeças medonhas, encarapinhadas, revoltas, cerdosas, hirsutas, guedelhudas, como jubas de leão! (Amorim [1982J: 187).

Mas o momento mais significativo do olhar do narrador é aquele em que a sua ironia se dirige à luta armada. Mais próximo do socialismo utópico de Fourier e até dos socialismos reformistas, o "poeta operário" Gomes de Amorim dos anos 5054

, que, em 1889, sob o nome de João Fernandes, explica ao Rei a sua condição de "simples operário", dizendo que trabalha "por precisão dia e noite", e que se considera "progressista, regenerador, constituinte, socialista" - uma "mayonnaise política" enfim -, (Fernandes, 1889: 8-10), aponta as suas baterias contra o socialismo científico e a sua ideologia de acção:

Alguns homens vinham vestidos de pano avermelhado, tinto em muruxi, aspiração embrioruíria dos comunistas vermelhos do tempo. Outros usavam fardas bordadas sobre a pele. Muitos traziam as camisas sem mangas e as calças sem pernas. Os que não estavam inteiramente nus, vinham rotos, esfrangalhados, grotescos; lembravam bandos de macacos em trajos de carnaval, ou doidos desengaiolados, que tivessem saqueado os velhos guarda-roupas de dez teatros de província! Unicamente num ponto havia igualdade entre eles: andavam todos descalços.

As caras eram indescritíveis, estúpidas, ferozes, audaciosas, covardes, espantadas, humildes, idiotas, selvagens, insensatas, incríveis de imprevisto, estupendas de brutalidade! Vendo-se tão extraordiruíria acumulação de criaturas diferentes, tão injustificável promiscuidade de

54 O poeta assina dessa forma o poema ''Liberdade'', onde reclama da falta de liberdade entre o povo português (Eco dos Operários, n° 6, Lisboa, 4/6/1856)

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fisionomias, de colorido, de raças, em que até havia brancos mais sujos do que os próprios pretos poderia jul~ar-se que o diabo, desejoso de pôr o inferno em harmonia com os pro~ressos da ciência e da hi~iene

moderna, o lavara com as á~uas do Caiari, que de.\pe~aram de lá aquele amontoamento de imundícies hediondas, farrapos de pano e de carne, escória e lixo humano! (Amorim, [1982J: 158-159)

Impossível deixar de visualizar, ao ler este trecho de Os Selvagens, o quadro A Liberdade Conduzindo o Povo de Eugene Delacroix55

• Além do dinamismo, de que o pintor foi apologista, o texto reproduz a situação de mistura, variedade e fragmento, nas tonalidades, nas roupagens, nas fisionomias. No entanto, o texto escrito relê a cena de maneira dessacralizadora. Enquanto a pintura francesa propõe uma interpretação dos fatos de 1830 como uma afirmação de fé nos valores então veiculados - a feminina alegoria seminua da Liberdade como ideia a ser seguida -, o texto do romance pOltuguês retira da cena a personificação do ideal, deixando apenas a confusão e a luta. Os que lutam, sem uma figura central orientadora, perdem, então, a configuração de povo: passam à condição de "amontoamento", "farrapos de pano e de carne", "escória e lixo". Deixam de perseguir um ideal, de serem sujeitos da História que se vai fazendo Mito, para serem objectos reunidos de forma injustificável, despejo do Inferno, rejeições do diabo.

Pode-se ver nessa atitude do escritor uma certa relutância em aceitar aquela "gente de todas as cores". Explico-me. Nota-se, no último fragmento citado de Os Selvagens, uma coincidência de pontos de vista entre os que narram a história da Cabanagem sob a óptica dos

55 Esta lembrança ganha mais fundamento se pensarmos que Delacroix começou a tomar-se conhecido desde que, no Salão de 1824, expusera O Massacre de Scio, gravando na tela este episódio da guerra travada entre gregos e turcos, quando da luta pela independência da Grécia, assunto que teve a adesão dos europeus progressistas. O quadro, que mereceu elogios e também recebeu críticas como o de representar "massacre da pintura" (Gros), foi uma revolução na arte francesa. Esta a época do exílio de Garrett que, não podemos esquecer, aflora o tema da independência da Grécia em Helena. Por outro lado, "A Liberdade Conduzindo o Povo", onde o pintor figura no uniforme da Guarda Nacional (de que fez parte), apareceu no Salão de 1831, sendo adquirida por Luís Filipe. Depois de posteriores mudanças, esteve presente na Exposição Universal de 1855, indo para o Louvre em 1874. É natural que Gomes de Amorim tenha conhecido o quadro pela sua divulgação na imprensa (a Revue de Deux Mondes, por exemplo, onde estão vários comentários sobre o pintor, tinha boa circulação em Portugal) que não só lhe noticiou os itinerários, como publicou as críticas e elogios que em tomo dele foram tecidos, incluindo o que vê no rapaz com a pistola o modelo do Gavroche d'Os Miseráveis de Vítor Hugo.

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seus líderes e Gomes de Amorim, embora este não distinga dois grupos nos cabanas: ambos falam dos que lutavam de forma mais rude e dura como "esfera inculta", cheia de ódios e vinganças. Mas enquanto o "ódio de raças" é estendido a toda a Cabangem pelo escritor (que, repise-se a ideia, nela não vê dois grupos), é entendido pelos líderes do movimento como degeneração [o grifo é nosso]. Não se deveria essa visão de Gomes de Amorim à estranheza que sempre lhe causou aquela "gente de todas as cores"? Se não, como entender essas palavras na pena de quem tomou parte na Patuleia56 e de quem sabia - embora o rejeitasse - que a Cabanagem tinha raízes liberais57? Seria essa forma de olhar uma das razões de o autor se considerar uma "mayonnaise política"?

Mas também não seria possível ver na atitude irónica assumida pelo narrador de Os Selvagens para com os cabanas, uma forma equivalente à decepção do próprio Delacroix com o rumo da situação francesa em 1848, e que o pintor traduz numa carta a Soulier, em 8 de Maio deste ano?58

O narrador de Os Selvagens não se fica pela descrição dos cabanas. Retrocede no tempo e conta a origem do movimento. Mais uma vez sem analisar as causas da Cabanagem, diz que esta teve origem "numa noite de matança" e retira do movimento o seu carácter político, vendo nesta classificação apenas uma forma de "lavar a ignomínia de que se cobriram os brancos" associados "aos homens de cor e sem educação nem posição social" (Amorim [1982]: 163) A aliança entre os "homens de todas as cores" é explicada pelo "ódio aos pOltugueses, o ciúme, a inveja, a cobiça, o despeito, o desprezo das leis sociais, as tendências ferozes de pessoas que a civilização não conseguira levantar moralmente ao nível social em que as colocara", enfim, por "todas as paixões más [ ... ] que revolvem as almas dos entes

56 Essa participação é mencionada por Gomes de Amorim nos dados autobiográficos que regista ao explicar o seu conhecimento com Garrett: "Chegado ao Minho no mês de Maio, por ocasião dos acontecimentos políticos que nesse ano agitaram aquela província e em seguida todo o país, não pude resistir ao desejo de molhar também a minha sopa revolucionária na caldeira dos patriotas"(Amorim, 1881: t.1, 6)

57 Observa o escritor, rejeitando aos cabanos a ideia que ele próprio abraçava: "Estes assassinos chamam-se a si liberais!" (Amorim, 1869: 293)

58 Sepultei o homem de um tempo, com sua esperança e seu sonho de futuro; e agora, com uma certa calma aparente, como se se tratassse de um outro, passo e repasso sobre a tumba onde enterrei tudo isso ... (Delacroix, 1972: 87)

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depravados pela avidez do gozo, ou embrutecidos pels vícios" (Amorim [1982]: 163) Mais uma vez o tema dos da terra contra os antigos senhores.

O combate dado aos cabanos merece um entrecho que, muito provavelmente, é também fruto da leitura do já citado Dicionário Topográfico, Histórico e Descritivo de Lourenço da Silva Araújo e Amazonas que, curiosamente também nega à Cabanagem (pelo menos na sua fase amazonense) um cariz político (cf. Amazonas, 1984: 159). Dele retira Gomes de Amorim, além dos já mencionados Pedro Aires e Chambourg, o degredado Ambrósio Aires (que passou a ser, em função da sua luta contra os cabanos, o Comandante Militar da Comarca do Alto Amazonas59

). E a partir da lacuna sobre as intenções deste Comandante que "levou ao lago Autazes toda a população de Manaus" (Amazonas, 1984: 162), constrói o encontro de Goaçatara e os cabanos. É nesse momento que passam para o texto narrativo de forma explícita as ideias do autor sobre a barbárie e civilização, insinuadas nos textos teatrais e desenvolvidas nas notas: a civilização é a morte do selvagem, mas só ela é capaz de o levantar moralmente, pois "não há feras iguais às feras humanas quando descem o último degrau da escala social" (Amorim [1982]: 161)

O nome de nenhum dos líderes brancos da Cabanagem - de Angelim a Vinagre - é mencionado por Amorim. Até mesmo nas notas, onde diz que alguns homens notáveis do Pará agregaram-se aos cabanos, o que ele só pode explicar pelo medo que tinham de morrer nas mãos dos facínoras, Amorim apaga os nomes desses chefes. Só o de Bararoá, que lutou contra o movimento fica registado. Consideraria o escritor que o branco cabano era "mais preto que os próprios pretos"? Não deixa de ser notável a forma pela qual um chefe cabano branco é descrito na cena da margem do Ariupaná: "branco desbotado para mestiço, que parecia ser o chefe daquele povo de maltrapilhos", falando "uma meia língua de preto que quadrava perfeitamente aos que o ouviam" (é verdade que há inúmeros documentos da época recolhidos por Raiol (1970) e até por Amorim (cf. 1869: 294), que atestam o semi­analfabetismo dos revolucionários que os escreveram). Enquanto isso, o índio, associado às forças legais de Bararoá, usa das mais elaboradas construções da língua portuguesa unida ao emprego da terceira pessoa para referir-se a si próprio (como quer o código romântico) (cf. Amorim

59 A ele sucedeu o capitão da Guarda Nacional José Antônio de Oliveira e Horta, que foi substituído por Lourenço Amazonas.

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[1972]: 157). Enfatiza, mais uma vez, esta situação a igualdade em que Amorim coloca todos os cabanos (como nas versões oficiais) e a sobrevalorização que confere ao índio (bem) cristianizado que é Goataçara, assim como a sua posição de defensor da ordem.

4 - A "CENSURA" AOS EXCESSOS

Embora não sendo uma peça "amazónica" ou de cenário carioca, Fígados de Tigre merece ser aqui comentada, pois o idealismo que informa o indianismo e o abolicionismo de O Cedro Vermelho e Ódio de Raça são nela dessacralizados.

Construída como paródia do melodrama, Fígados de Tigre evidencia a puerilidade das motivações do género e incorpora algumas personagens recortadas de outros textos literários ou mitológicos e outras de existência real, como Otelo, Golias, Pai Tomás, Macbeth, Cervantes, D. Quixote, Prometeu, Eurídice. Por vezes a paisagem e os hábitos brasileiros, louvados nas peças "amazónicas" de Gomes de Amorim, servem na construção do grotesco: Tântalo aparece à sombra da bananeira e não pode comer as bananas; Sísifo canta um lundu; Orfeu bebe cachaça e a didascália identifica o cenário brasileiro no seu dolce farniente com os Campos Elísios, o que não deixa de ser mais uma paródia à Ilha dos Amores.

Com as personagens de outros dramas contracenam algumas personagens saídas das peças do próprio Gomes de Amorim: António Ferraggio (do drama Gighi), Cedro Vermelho, o mulato Domingos. Este perde a sua aura de antagonista à altura do herói negro (pai Cazuza), desconstrói a relação que em Ódio de Raça conduzia ao clímax e banaliza a catástrofe: Domingos afirma-se "um tratante que esfaqueou Pai Cazuza", diz que, por sua vez, foi esfaqueado por um "bicudo pé de chumbo", oferecendo uma facada ao seu interlocutor, para, logo depois, propor-lhe ... comer bananas. Na voz do mulato, Cedro Vermelho é "um selvagem muito honrado que negoceia com flechas" e filho da mesma terra que ele (repare-se que a sátira à idealização não retirou do texto a marca documental da tensão entre os da terra e os portugueses, que Gomes de Amorim insiste em registar nas outras obras).

Por sua vez, o índio, que nos dramas e no romance do autor utilizava a linguagem figurada dos selvagens idealizados por Chateaubriand, Denis e Alencar, desfaz o encanto das suas falas

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anteriores, nelas imiscuindo o vulgar e classificando como "embrulhada de todos os demónios" a peça de que foi personagem. Reiterando a deseroicização de Cedro Vermelho, este perde o seu nome simbólico para ser apenas Lourenço; e as visões guerreiras do seu delírio apoteótico no drama de 1857 são substituídas por imagens de "um céu cor de papagaio", de comida e de bebedeira.

A situação de corrosão a que Fígados de Tigre expõe o consagrado não significa uma ruptura com ele, pois não só aparecem na peça versos do mestre Garrett, como também Gomes de Amorim volta ao melodrama, ao indianismo e ao louvor da natureza brasileira. Na sua ambiguidade, a paródia acaba por revitalizar o seu objecto, por despi-lo do excesso. Aliás, como observou Pinheiro Chagas, "a paródia nada prova contra a obra parodiada", pois as paródias feitas à Eneida e a Os Lusíadas não os desacreditaram e o próprio D. Quixote não tirou de cena o Amadis de Gaula e o Palmeirim de Inglaterra, mas as "pífias imitações destes dois modelos" (Chagas, 1876: 5).

5- ENTRE O EXÓTICO E O NACIONAL

Se, no primeiro contacto com o Brasil, o menino de Averomar se sentiu estrangeiro, se o intimidou aquela "gente de todas as cores", se a paisagem lhe pareceu exageradamente grandiosa, se sentiu estranho o sabor das frutas e da comida, com o tempo, o sentimento negativo cedeu lugar ao deslumbramento pela natureza, ao interesse pelos homens de várias cores, ao gosto pelos hábitos locais. A Amazónia impregnou Gomes de Amorim a ponto de, apesar de se lembrar sempre (e ser permanentemente lembrado) da sua condição de português, ele ter sido, naquele Brasil em formação, um quase nacional.

Este quase sustenta um diálogo que perpassa sua obra, fazendo que o morador se oponha ao viajante, que o documento complemente ou contradiga a ficção. Responsável pelo olhar ainda receptivo ao clichê da terra ubérrima, do formoso país, do homem natural que os viajantes (e, com base neles, vários escritores) usaram para enquadrar o Brasil, o lado visita deste quase tem como contraponto o aspecto morador, que motiva a minúcia, o documental, o ufanismo de muitas "Notas"e de algumas personagens, a crítica aos que escreveram apressadamente ou sem ver, isto é, cria dicções que vão apagando os limites do lugar-comum.

Do clichê nasceram os poemas dedicados ao Amazonas, à floresta virgem; nasceram Cedro Vermelho, o índio super-herói que fala por metáforas; Cazuza, o negro submisso; Domingos, o mulato revoltado.

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Do desejo de ultrapassar esses paradigmas surgiram a paródia e a ironia romântica, que acabam por reafirmá-los. A minúcia realista originou as cenas dos tapuias, as suas festas, determinou os cenários e a iluminação das peças, deu testemhnho das actividades das fazendas e dos fazendeiros paraenses, impôs aos textos a enumeração da flora e da fauna, convocou a História para o texto ficcional, procurou explicá-la, redigiu inúmeras notas e esclarecimentos.

Se o uso do código romântico é resultado do diálogo de Gomes de Amorim com o seu tempo e o torna participante de um círculo, a sua vivência afectiva e cultural da Amazónia, porém, distancia o seu ponto de vista do dos escritores portugueses (e também do dos franceses) e aproxima-o do dos autores brasileiros, tornando-o um caso único nas literaturas de língua portuguesa do século XIX. A "palavra autoritária" de Denis sobre a mistura de raças, a fixação na figura de Otelo, o modelo romântico do amor impossível entre classes diferentes (no caso substituído pelas diferenças raciais), a ausência de um figurino para o mameluco, para o caboclo, para o cafuzo, enfim para as tonaiidades de pele não consagradas, impedem o escritor de animar cada elemento daquela "gente de todas as cores". Mas a impressão que essa massa lhe deixou não permite que Gomes de Amorim a ignore. Antecipando a literatura brasileira dos finais do Romantismo que a incorporou de forma heróica (vejam-se os exemplos de Alencar, com O Sertanejo e O Gaúcho, e Guimarães, com O Índio Afonso e O Garimpeiro), o escritor, apesar de lhe conferir um papel secundário, anota a sua existência e fá-la entrar na cena literária.

Somente dois autores românticos brasileiros falaram da Amazónia com conhecimento de causa: Gonçalves Dias, que por ela viajou, embora não lhe tenha dedicado nenhuma obra ficcional, e Lourenço da Silva Araújo e Amazonas, que escreveu Simá, tomando a floresta por cenário e por personagens índios e regatões.

Na literatura portuguesa, a obra de Gomes de Amorim vem a ser inaugural - a primeira a contemplar o indianismo romântico, a primeira a focar aquela "gente de todas as cores" de que o Brasil é formado, a primeira a ser escrita por um autor que viveu na Amazónia do século XIX. Original vem a ser também o seu drama de actualidade, já que, deslocando para o Brasil o problema da escravatura dos negros, ele concilia o problema da sociedade portuguesa sua contemporânea e o exotismo. Além disso, se não se pode deixar de assinalar que se Garrett lhe serve de modelo, é ele quem, certamente a par de outros interlocutores, fornece ao autor de Helena, o colorido do Brasil.

Aberto às aquisições linguísticas, sem o preconceito de autores portugueses seus contemporâneos, que viam nas palavras de origem

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africana ou tupi motivos de comicidade, Gomes de Amorim lhes confere foros de cidadania. E não fora o cuidado em afirmar a sua nacionalidade e o seu nacionalismo, a sua obra passaria como brasileira, coincidente que é o seu ponto de vista com de tantos escritores românticos do Brasil.

Se o sabor de algumas frutas foi, como ele próprio afirma, com o tempo e a distância, começando a parecer-lhe exótico, o afecto pela terra e pela gente não diminuiu. Tendo continuado sempre "amigo do Brasil" (título que lhe deu Pedro II e ele fez questão de usar ao longo da vida), Gomes de Amorim ultrapassou esse rótulo "oficial" e provou, como disse Vitorino Nemésio, no "Romance de Água di Meninos", que "isto de ser brasileiro/ é questão de começar".

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