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GEOPOL ÍT ICA

DA B I OD I V ER S I DADE

Sarita Albagli

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Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia LegalGustavo Krause Gonçalves Sobrinho

Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenováveisEduardo Martins

Diretor de Incentivo à Pesquisa e DivulgaçãoCelso Martins Pinto

Coordenador do Programa de Divulgação Técnico-Científica e Educação AmbientalJosé Silva Quintas

Coordenadora do Projeto de Divulgação Técnico-CientíficaMaria Luiza Delgado Assad

EdiçãoIBAMA — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais RenováveisDiretoria de Incentivo à Pesquisa e DivulgaçãoPrograma de Divulgação Técnico-Científicae Educação AmbientalProjeto de Divulgação Técnico-CientíficaSAIN, Av. L4 Norte, s.n., Edifício SedeCEP 70.800-900, Brasília/DFTelefones: (061) 316-1191 e 316-1222FAX: (061) 226-5588

Brasília1998

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia LegalInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

GEOPOL ÍT ICA

DA B I OD I V ER S I DADE

Sarita Albagli

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Revisão e Edição de Texto

Norma Azeredo

Lia Dornelles

Capa

Fátima Feijó

Projeto Gráfico e Diagramação

Luiz Eduardo Nunes

A325 Albagli, SaritaGeopolítica da biodiversidade / Sarita Albagli. —

Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis, 1998.

276 p.ISBN: 85-7300-064-3

1. Política do meio ambiente. 2. Biodiversidade.I. Intituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis. II Título.

CDU 32:504

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A Amilcar O. Herrera,mestre e amigo.

In memoriam

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é resultado da pesquisa que desenvolvi junto ao Programa dePós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro para aelaboração de minha tese de doutorado. Expresso aqui meus agradecimentos:

ao WWF — Fundo Mundial para a Natureza; ao IBICT — Instituto Brasileirode Informação em Ciência e Tecnologia; ao LAGET — Laboratório de Gestãodo Território, pelos meios materiais e institucionais proporcionados à realizaçãodesta pesquisa;

Bertha K. Becker que, com seu vasto conhecimento e sua percepção apurada,foi meu norte nesta trajetória; a Braúlio F. de Souza Dias, Henri Acselrad,Cláudio A. G. Egler e Irene Garai, pelas observaçãoes pertinentes; aos que,generosamente, dispuseram-se a participar das entrevistas; a Marcel Bursztyn,pelo empenho nesta publicação;

a Pedro Leitão, leitor crítico-construtivo, mas sobretudo marido presente emtodas as horas; a Adriano e Leonardo, filhos queridos, e a Daniel e Antônio,entes amados, fontes inesgotáveis (e incansáveis) de alegrias; à minha “famíliarepinica”, que a cada dia me ensina, na prática, sobre a diversidade da vida e dosespíritos;

a todos aqueles, enfim, que de algum modo contribuíram para esta realização.

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PREFÁCIO

O trabalho de Sarita Albagli contribui para preencher uma lacuna noconhecimento sobre uma questão crucial e complexa da virada do milênio: aquestão da biodiversidade.

Palavra recente, surgida em meados da década de 1980, a biodiversidadelogo se tornou objeto de assinatura de uma Convenção na Cúpula da Terravisando sua proteção, e entrou no debate público e na prática, antes que aciência pudesse prover conhecimentos capazes de subsidiar as ações dosorganismos internacionais e as políticas nacionais.

Envolvendo múltiplas dimensões e percepções, situa-se no centro dosdebates mundiais. Debates fundados nos temores da sobrevivência humana etambém sobre os avanços da biotecnologia; na esperança de um novo padrãode desenvolvimento ou, pelo contrário, no risco da mercantilização da natureza;nas relações Norte-Sul, entre outros. Debates que se expressam em conflitos deuso e de escolha pelas sociedades.

Acresce que envolve o problema de lidar com a contradição de ummundo influenciado por uma forma global de pensar — proteger abiodiversidade mundial — num contexto que pretende valorizar formas locais ediversificadas de agir, que criam as práticas capazes de protegê-la. Talcontradição está contida na Convenção sobre Biodiversidade, que priorizou orisco e a necessidade de preservação da diversidade biológica mundial, mas quedeclarou os recursos biológicos como patrimônios nacionais, afirmando-se odireito soberano dos Estados de explorar seus próprios recursos.

Esse contexto indica a necessidade urgente não só de pesquisar abiodiversidade em si, como de promover a ampla difusão do conhecimento

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sobre a complexidade dessa problemática, na medida em que cabe àssociedades nacionais, regionais e locais definir formas diversificadas deproteção da diversidade biogenética, que contemplem a garantia de melhorescondições de vida.

A contribuição da autora vem ao encontro dessa necessidade urgente.Não por acaso ousou abordar a Geopolítica da Biodiversidade. Oconhecimento sobre o espaço geográfico é um poder em si, e a autora, aosistematizar informações dispersas sobre diferentes ângulos da questão esocializar esse conhecimento para a sociedade brasileira, contribui para oexercício de uma geopolítica positiva pelos atores situados nas diferentesescalas.

A dimensão geopolítica da biodiversidade é ainda analisada na revelaçãoda íntima e indissolúvel relação entre biodiversidade e ciência e tecnologia. Naraiz desse par, jaz a desigual distribuição dos estoques de diversidade biológica— localizados nos países periféricos — e da tecnologia avançada, privilégio dospaíses centrais, e esses elementos atuam por trás dos conflitos e alianças daConvenção, analisada em detalhe pela autora. Numa outra escala de análise, valeressaltar a importância por ela atribuída à questão do saber local, e oesclarecimento sobre o uso que dele se faz em escala global, sem que, em geral,as populações locais tenham sequer conhecimento desse processo.

Finalmente, mas não menos importante, foi a preocupação de SaritaAlbagli em exemplificar o processo em curso no caso da Amazônia e em ouvirdiferentes segmentos da sociedade brasileira, como base indispensável de suaanálise.

A Geopolítica da Biodiversidade é, pois, uma contribuição valiosa, aoabordar, corajosamente, tema de tal magnitude social, mas normalmentenegligenciado, e/ou conhecido de forma dispersa, em fragmentos. E, aoresgatá-lo e integrá-lo, informar as sociedades nacional, regional e local paraque possam melhor decidir sobre seus projetos de proteção da biodiversidade,de modo associado a suas estratégias mais gerais de desenvolvimento.

Bertha K. Becker

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APRESENTAÇÃO

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SUMÁRIO

PÁG.

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I:IMPERATIVO TECNOLÓGICO E POLITIZAÇÃO DA NATUREZA

1. O IMPERATIVO TECNOLÓGICO1.1. CIÊNCIA E TECNOLOGIA COMO INSTRUMENTOS DE PODER

1.2. PROPRIEDADE INTELECTUAL E PRIVATIZAÇÃO DO SABER

2. A POLITIZAÇÃO DA NATUREZA2.1. CONFLITOS GEOPOLÍTICOS SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL

2.2. MEIO AMBIENTE E GOVERNABILIDADE GLOBAL

3. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE NA GEOPOLÍTICACONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO II:BIODIVERSIDADE COMO QUESTÃO ESTRATÉGICA

1. EMERGÊNCIA DA QUESTÃO1.1. CONCEITO1.2. AMEAÇAS À BIODIVERSIDADE1.3.AS NOVAS BIOTECNOLOGIAS E O CARÁTER ESTRATÉGICO DABIODIVERSIDADE

2. POLÊMICAS E CONFLITOS2.1. CONSERVAR: PARA QUEM?

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2.2. SOBERANIA SOBRE A BIODIVERSIDADE: DO GLOBAL AO LOCAL

2.3. PROPRIEDADE INTELECTUAL SOBRE SERES VIVOS2.4. CONTROLE DO ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS2.5. PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS2.6. OS RISCOS DA BIOTECNOLOGIA2.7. QUEM PAGA?

CAPÍTULO III:REGULANDO OS CONFLITOS: A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADEBIOLÓGICA-CDB

1. ESTABELECIMENTO DE UM REGIME GLOBAL DABIODIVERSIDADE1.1. DEFININDO O ESCOPO1.2. SOLUÇÕES DE COMPROMISSO1.3. MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO2. TENTANDO GERIR OS CONFLITOS2.1.CONSERVAÇÃO X USO SUSTENTÁVEL: AMPLIAÇÃO DO ESCOPO

2.2.ENFOQUE GLOBAL X ENFOQUE NACIONAL: PREVALÊNCIA DOESTADO NACIONAL2.3. ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS: ESTABELECENDO OCONTROLE2.4. ACESSO À TECNOLOGIA: AVANÇOS E AMBIGÜIDADES2.5. RECONHECENDO O PAPEL DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS

2.6. BIOSSEGURANÇA: QUESTÃO EM ABERTO2.7. FINANCIAMENTO: SOLUÇÃO INTERINA

3. INTERFACES ENTRE A CDB E OUTRAS INSTÂNCIAS

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MULTILATERAIS

3.1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO - OMC3.2. ORGANIZAÇÃO PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA - FAO

3.3. COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ONU -CDS

4. BALANÇO DA CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA

CAPÍTULO IV:INSTITUCIONALIZANDO A BIODIVERSIDADE NO BRASIL

1. IMPLEMENTAÇÃO DA CDB NO BRASIL: AVANÇOS E LIMITES DAAÇÃO GOVERNAMENTAL

2. REGULAÇÕES EM CONFLITO2.1. UM NOVO MODELO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: OPROJETO DO SNUC2.2. TENTANDO PROTEGER OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:O ESTATUTO DAS SOCIEDADES INDÍGENAS

2.3. CEDENDO ÀS PRESSÕES EXTERNAS: LEI DE PROPRIEDADEINTELECTUAL2.4. ESTENDENDO O MONOPÓLIO ÀS VARIEDADES AGRÍCOLAS: LEIDE CULTIVARES

2.5. CONTRABALANÇANDO AS PERDAS: LEI DE ACESSO A RECURSOSGENÉTICOS

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2.6. NORMATIZANDO A BIOTECNOLOGIA NO PAÍS: LEI DEBIOSSEGURANÇA

3. BALANÇO DO TRATAMENTO DA PROBLEMÁTICA DABIODIVERSIDADE NO BRASIL

CAPÍTULO V:AMAZÔNIA: FRONTEIRA GEOPOLÍTICA DA BIODIVERSIDADE

1. DA PROTEÇÃO DAS FLORESTAS À PROTEÇÃO DABIODIVERSIDADE

2. CONFLITOS E CONVERGÊNCIAS2.1. DA PRESERVAÇÃO AO USO SUSTENTÁVEL2.1.1. CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE: NOVOS PARADIGMAS

2.1.2. AINDA UM PADRÃO PREDATÓRIO2.1.3. USO SUSTENTÁVEL: AINDA UMA INTERROGAÇÃO2.2. ACESSO À INFORMAÇÃO ASSOCIADA À BIODIVERSIDADE NAAMAZÔNIA2.2.1. CONTROLE DO ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS X LIVREACESSO2.2.2. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:CHAVES PARA O ACESSO E O CONTROLE DA BIODIVERSIDADEAMAZÔNICA

3. BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA: QUESTÃO ESTRATÉGICA OUMARGINAL?

CAPÍTULO VI:CONSIDERAÇÕES FINAIS

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INTRODUÇÃO

O século XX testemunhou uma exploração dos recursos naturaismundiais sem precedentes, o que repercutiu sobre a deterioração física dosgrandes componentes da biosfera, representando uma ameaça à existênciae à perpetuação das diferentes formas de vida do planeta. Não apenas onúmero e o escopo dos problemas ambientais “transfronteiras” cresceram,mas uma nova categoria de questões ambientais globais emergiu,destacando-se: a destruição da camada de ozônio, a mudança climática global(efeito estufa), a poluição dos ambientes marítimos, a devastação dasflorestas e a ameaça à biodiversidade.

Dentre essas, a perda de diversidade biológica e genética na velocidadee extensão atuais, em associação com a perda de florestas, que são osecossistemas mais ricos em biodiversidade, é a que guarda uma relaçãomais direta com os interesses e dificuldades dos países em desenvolvimento,detentores que são da maior parcela das reservas de biodiversidade aindadisponíveis, bem como das áreas remanescentes de florestas tropicais. Jáoutras questões ambientais, como a destruição da camada de ozônio ou oagravamento do efeito estufa, por exemplo, embora correlacionadas,associam-se mais diretamente com os padrões tecnológicos dos países deeconomia avançada e com seus estilos de vida e consumo.

A emergência recente da problemática da biodiversidade, por suavez, deve ser compreendida no contexto da passagem de um paradigmatécnico-econômico intensivo em recursos naturais para um outro baseadoem informação e no uso crescente de ciência e tecnologia no processo

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produtivo. Dessa perspectiva, é principalmente como matéria-prima dasbiotecnologias avançadas que a biodiversidade assume hoje um caráterestratégico, valorizando-se nem tanto a vida em si, mas a informação genéticanela contida. A biodiversidade investe-se, assim, de um duplo significado:elemento essencial de suporte à vida e reserva de valor futuro.

A conjugação entre crise ambiental e transformação da base técnico-científica mundial corresponde, por sua vez, a uma nova forma de“politização da natureza”, expressando a coexistência e o conflito dediferentes projetos e estratégias com respeito ao meio ambiente planetárioe à biodiversidade em particular. Impõe-se assim a necessidade de se“desnaturalizar o conceito de meio ambiente”, superando uma “noçãoexclusivamente biogeográfica do ambiente”, para tratá-lo como “resultadoda interação da lógica da natureza e da lógica da sociedade” (Becker, 1991;1997)1.

Dessa ótica, o ponto de vista central que se irá aqui explorar é o deque a temática da biodiversidade possui não apenas uma dimensão ecológica,nem tão somente uma dimensão técnico-científica, mas ela é hoje mais doque nunca uma questão geopolítica (Box 1). Ou seja, ela expressa e écondicionada por diferentes pontos de vista e interesses, os quais projetam-se e manifestam-se espacialmente, refletindo-se em formas de intervençãoigualmente distintas sobre o território, do mesmo modo que exerceinfluência sobre tais pontos de vista.

1 Relativamente ao uso que se faz, neste estudo, do conceito de natureza, torna-se necessárioreconhecer a existência de antiga e inacabada polêmica sobre seu sentido, o qual acolhe significadosque se estendem desde “a fatalidade das coisas, isto é, tudo que devesse aparecer num inventário douniverso” (Hepburn, 1967), até o noção mais restrita de natureza como “força produtiva” (Gorz,1987). Neste trabalho, focado para questões associadas à biodiversidade, quando se faz referênciaao conceito de natureza, entende-se: (a) num sentido mais amplo, a existência de um complexoplanetário de processos orgânicos e inorgânicos, que engloba todas as formas de vida em surgimento,evolução, interação, transformação e extinção, inclusive a vida humana; e (b) num sentido maisrestrito e antropocêntrico, os diversos processos biológicos humanos e não-humanos em interação,cuja conservação garante as condições de vida no planeta e cujo uso e aplicações ganham crescentevalor material e econômico.

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Supõe-se, dessa perspectiva, que os possíveis encaminhamentos comrespeito à problemática atual da conservação e do uso sustentável dadiversidade biológica serão fortemente determinados pelas estratégias dosatores, e pela forma — articulada ou conflituosa — como essas estratégiasestarão interagindo e ganhando concretude nas diferentes escalasgeográficas, do global ao local. Do mesmo modo, considera-se que asdiferenças e os conflitos entre tais projetos e estratégias refletem, em grande

Box 1

GEOPOLÍTICA

O termo geopolítica foi cunhado pelo sueco Rudolf Kjéllen, nos primeirosanos deste século. Muitos consideram, no entanto, que a obra do alemãoFriedrich Ratzel de 1987, batizada de Geografia Política, é tambémfundadora da geopolítica. A teoria geopolítica foi, até bem pouco tempo,rejeitada pelos meios acadêmicos e intelectuais em face dainstrumentalização da informação geográfica pela inteligência militar, oplanejamento e a administração estatais, motivando, inclusive, umisolamento intelectual da própria Geografia Política, enquanto campo dosaber. Hoje, no entanto, assiste-se ao resgate da geopolítica, como articulaçãoentre o político e o espacial, na medida em que se torna mais evidente queos fenômenos de dominação e de desigualdade se fundarão cada vez maissobre o domínio do espaço e dos fluxos, tanto quanto sobre o domínio dotempo.

De acordo com Wusten (1997:406), nas definições tradicionais degeopolítica “supunha-se que os Estados eram dependentes das suascaracterísticas físicas, e discutia-se como estas influenciavam sua políticaexterna e suas relações internacionais”. Mais recentemente, segundo omesmo autor, geopolítica, no discurso acadêmico, passa a ser objeto deestudo, significando “as percepções geográficas dos formuladores de políticaexterna” (idem). Sintetizando essas diferentes abordagens, Foucher (1991)sistematiza três usos ou significados atuais do conceito de geopolítica: (a)como representação, isto é, “como símbolo e slogan de um projeto políticoem princípio cartografável”; (b) como prática, ou seja, como “guia para aação”; e (c) como método “de análise geográfica de situações sociopolíticasconcretas vistas como sendo localizadas e representações habituais queelas descrevem.”. É, principalmente, nestas segunda e terceira acepçõesque o conceito é utilizado neste estudo.

Box 1○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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medida, desiguais disponibilidades espaciais de recursos biogenéticos e derecursos científico-tecnológicos.

Para o Brasil, a temática da biodiversidade é de suma importância, namedida em que o país é o primeiro em megadiversidade em escala mundial,além de dispor da maior faixa contínua de florestas tropicais. A Amazônia,em particular, é detentora da maior diversidade biológica e da maior riquezaflorestal do planeta, sendo nesse contexto percebida como símbolo dodesafio ecológico da humanidade, ao mesmo tempo em que é valorizadacomo capital-natureza, uma vez que suas riquezas naturais tornam-se objetode estudo e manipulação pela ciência e tecnologia modernas e, portanto,passíveis de chegarem ao mercado mundial com novo valor agregado(Becker, 1990; Hoyos, 1992).

Feitas essas considerações iniciais, expõe-se, a seguir, um conjuntode argumentos ou hipóteses centrais que serviram como fio condutor desteestudo.

Tem-se como suposto geral que a ciência & tecnologia e o meioambiente, em função de suas atuais características, evidenciam-se hoje comoum par, cujos nexos ganham importância na dinâmica geopolítica mundial.Como resultado dessas interações, poderão estar sendo introduzidasmodificações, mais ou menos significativas, nos termos que atualmenteregem as relações internacionais e na posição relativa dos atores nessecenário.

Por um lado, amplia-se a superioridade científico-tecnológica dospaíses do Norte. Paralelamente, acentua-se o caráter proprietário sobre osnovos conhecimentos científicos e tecnológicos, o que, por sua vez, induz,direta ou indiretamente, à privatização da natureza — e da própria vida —e de seus recursos, crescentemente submetidos à manipulação high tech. Poroutro lado, os países do Sul, ricos em natureza, passam a reivindicar umacesso preferencial à ciência e tecnologia desenvolvida no Norte, seja comocondição para se capacitarem a participar no esforço global de superaçãoda presente crise ambiental, seja como contrapartida pelo acesso às suasriquezas naturais.

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Partindo desse suposto geral, destaca-se a questão da biodiversidade,a qual, dentre os temas ambientais atuais, como já assinalado, vem assumindouma importância geopolítica crescente. A questão da biodiversidade, diantedo duplo desafio que representa — o da urgência de medidas para suaproteção e o do aproveitamento de seu potencial econômico e de seusbenefícios sociais — envolve uma variada gama de interesses e pressõesem torno de dois aspectos fundamentais: por um lado, o controle sobre oconhecimento necessário e adequado ao enfrentamento desse desafio, sejaesse conhecimento de caráter “tradicional” e oriundo de populações locais,seja ele resultado do avanço da ciência e tecnologia “de ponta”,particularmente a biotecnologia, o que se dá de modo desigual entre asnações; por outro lado, a disponibilidade das reservas de biodiversidadeexistentes no planeta e o acesso a elas, seja através da propriedade ou possedessas reservas, seja por meio do controle sobre sua gestão e exploração,seja ainda pela realização de atividades de “bioprospecção”.

É, portanto, na disputa sobre o controle das vias de acesso à

informação estratégica associada à biodiversidade que se estabelecem osprincipais pontos de conflito — e de barganha — entre os que detêmtecnologias avançadas e os que dispõem de ricas reservas de natureza. Osprimeiros, capazes de agregar valor à biodiversidade no mercado globalizado,almejam preservar e ter livre acesso aos recursos genéticos e biológicos.Os segundos, preocupados em garantir soberania sobre seus recursosnaturais e em beneficiar-se de seus possíveis usos, não contam comtecnologias adequadas, nem com recursos humanos e financeiros suficientespara sua conservação e uso sustentável.

Essas questões têm-se expressado sobretudo através da dimensãoinstitucional, a qual atua, simultaneamente, como produto e instrumentalda geopolítica contemporânea. Instrumentos e organismos normativos ereguladores, de âmbito internacional e nacional, orientados para estabelecerregras de conduta na área ambiental, bem como para reger as práticas e osfluxos financeiros, comerciais e científico-tecnológicos em escala, têmdesempenhado um papel extremamente relevante na definição das regras

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do jogo entre os atores e na negociação de seus interesses e pontos devista. Tais instrumentos não apenas refletem os conflitos ou cristalizam,no plano institucional, suas soluções possíveis em dado momento histórico,mas atuam também como verdadeiros catalisadores de mudanças nadadesprezíveis sobre as questões às quais se dirigem.

Dentre esses, a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) é hojeo principal instrumento internacional destinado a prover um quadro dereferência que oriente os esforços de conservação e uso sustentável dabiodiversidade, a partir da negociação entre o conjunto de atores envolvidos,instituindo-se, por seu intermédio, um novo regime global com respeitoaos recursos genéticos e biológicos. A implementação de seus dispositivosdepende, no entanto, fundamentalmente, da “internalização” de suasorientações nos países, ao mesmo tempo em que está fortementecondicionada por decisões e orientações de outras instâncias e instrumentosde regulação multilateral que também intervêm sobre assuntos relacionadosà biodiversidade.

Do ponto de vista nacional brasileiro, acredita-se que a biodiversidadeapresenta amplo potencial. Ela pode vir a tornar-se uma vantagemcomparativa do país no âmbito da geopolítica global, levando-se em contasua ampla disponibilidade de recursos biogenéticos, a tradição de sua ciênciana área biológica, além do acervo de conhecimentos tradicionais acumuladospelas populações locais e pertinentes para o acesso à natureza e às aplicaçõesdessa biodiversidade, o que faz com que a biotecnologia seja a fronteiratecnológica onde o Brasil tem talvez maiores chances de se firmar.

Revelador do tratamento que vem sendo dado ao tema dabiodiversidade no país é um conjunto de iniciativas recentes, no planojurídico-normativo, que por sua vez também reflete internamente osconflitos e contradições que permeiam o debate internacional sobre essaquestão, revelando também as pressões multiformes, internas e externas, aque o Estado nacional está submetido nesse campo.

Do ponto de vista amazônico, finalmente, a questão da biodiversidaderepresenta o grande desafio que é integrar proteção ambiental com projetode desenvolvimento regional e nacional.

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Por um lado, a floresta amazônica passa a constituir um verdadeiro“banco de informações” genéticas, químicas e ecológicas, representandoassim uma promissora fonte de exploração econômica para as indústriasde alta tecnologia, como a farmacêutica e de defensivos agrícolas, entreoutras. Por outro lado, são igualmente fortes os interesses em torno dasformas tradicionais e historicamente estabelecidas de exploração dosrecursos naturais da Amazônia — como a agropecuária, a exploraçãoenergética, a exploração mineral e a exploração madeireira — que, emborapraticadas de forma predatória ao meio ambiente, são geradoras de elevadovalor econômico e comercial a curto prazo.

No esforço de equacionamento das relações entre proteção dabiodiversidade, desenvolvimento social e exploração econômica daAmazônia, destacam-se estratégias de ordenamento territorial-econômicoda região, como forma de conciliar esses distintos interesses em conflito.

Com base nessas considerações de caráter geral, este trabalho procurademonstrar que a atual problemática da biodiversidade é uma questão aomesmo tempo “tecno(eco)lógica” e geopolítica, caracterizando seusprincipais desdobramentos e conflitos no plano internacional e analisandoalgumas de suas manifestações nos planos nacional brasileiro e regionalamazônico.

De acordo com essa abordagem, o estudo, além desta introdução,organiza-se em mais seis capítulos.

No Capítulo I, apresentam-se os grandes elementos de contorno doestudo — as dinâmicas científico-tecnológica e ambiental, atuando comoum par no âmbito da geopolítica mundial contemporânea — os quais, comojá assinalado, constituem o eixo de análise da geopolítica atual dabiodiversidade.

No Capítulo II, discute-se o atual significado estratégico dabiodiversidade, caracterizando os grandes contenciosos geopolíticos queestão hoje em pauta na agenda de negociações internacionais relativamentea essa questão.

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O Capítulo III avalia como essas grandes questões têm sido tratadasno âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, analisando ainda asinterfaces da Convenção com outras instâncias multilaterais de negociação.

O quarto capítulo discute a posição do Brasil nesse cenário comopaís ao mesmo tempo “megadiverso” e “megadependente” em recursosgenéticos e biológicos, verificando como as questões analisadas vêmexpressando-se no país, mais especificamente através do estabelecimentorecente de um aparato político-institucional e jurídico-normativo comincidência sobre a área.

O quinto capítulo é focado na Amazônia, enquanto cenário territorialconcreto de análise da questão e enquanto fronteira das grandes disputas ede suas possíveis soluções, tomando-se os temas estratégicos àbiodiversidade hoje. Esse capítulo apresenta basicamente os resultados deum levantamento e análise de percepções de segmentos associados a essatemática na região, identificando seus pontos consensuais e não-consensuais.

Finalmente, o sexto e último capítulo faz uma síntese das principaisconclusões alcançadas ao final da pesquisa e, principalmente, uma análise everificação sobre a pertinência das hipóteses originalmente propostas.

O trabalho de pesquisa envolveu, além de um levantamentobibliográfico e documental, a realização de um conjunto de entrevistas,tanto com especialistas e estudiosos que se vêm debruçando sobre asquestões analisadas, quanto com alguns dos atores considerados relevantespara a problemática da biodiversidade no país e na Amazônia em particular2.

2 Foram entrevistados: David Hathaway (AS-PTA); Marco van der Ree (ISPN); Eduardo Lleras(CENARGEN); Afonso Celso Valois (CENARGEN); Herbert O.R. Schubart (SAE - Secretaria deAssuntos Estratégicos); Bráulio F. de Souza Dias (Coordenação Geral de Diversidade Biológica doMinistério do Meio Ambiente); Vitor Sucupira (Coordenação do PP-G7 do Ministério do MeioAmbiente); Garo Batmanian (WWF/Brasil); Julia Feitosa (GTA - Grupo de Trabalho Amazônico);Cesar V. do Espírito Santo (FUNATURA); Gisela Alencar (Assessora Legislativa da Câmara dosDeputados); Jean Pierre Leroy (FASE); José Augusto Pádua (Greenpeace); Benjamin Gilbert (FIOCRUZ);Robert Schneider (Banco Mundial/Coordenação do PPG7); Maurício Mercadante (Assessor legislativoda Câmara dos Deputados); Paulo Kageyama (USP/ESALQ); Adalberto Veríssimo (IMAZON); BerthaK. Becker (UFRJ/IGEO); Maria Clara Soares (IBASE); Gilberto C. Gallopín; Spartarco Astolfi Fo.(Fundação Universidade do Amazônas, Instituto de Ciências Biológicas); Muriel Saragoussi (FundaçãoVitória Amazônica); Rogério Gribel (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA); FredericoArruda (Fundação Universidade do Amazonas); David Oren (Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG);José Márcio Ayres (Mamirauá).

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Seu principal objetivo foi o de mapear os diferentes pontos de vista, suasconvergências e divergências quanto à questão da biodiversidade e seusignificado no país e na Amazônia. No conjunto, as opiniões e informaçõeslevantadas através dessas entrevistas foram úteis para se construir um quadrocomparativo das diferentes opiniões e estratégias com respeito àbiodiversidade.

De modo geral, esse exercício empírico foi revelador de umacompreensão ainda pouco integrada, no país, com respeito aos nexos entreos três níveis de abordagem da problemática da biodiversidade — ointernacional, o nacional e o regional amazônico — e, portanto, de suadimensão geopolítica, ao mesmo tempo em que confirmou a pertinênciada pesquisa, tal como fora proposta.

Constatados, assim, o pouco acúmulo de conhecimentos e a dispersãode informações sobre a problemática da biodiversidade, sob a ótica proposta,e em face da multiplicidade de aspectos identificados como relevantes paraa sua compreensão, entende-se que a principal contribuição deste estudo éa de prover uma visão abrangente e integrada dos grandes temas em debatea esse respeito, sistematizando-os e interpretando-os, bem como verificandoalguns de seus desdobramentos em diferentes escalas geográficas.

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CAPÍTULO I

Imperativo Tecnológico e Politização da Natureza

Este capítulo apresenta o pano de fundo sobre o qual, do ponto devista deste estudo, inscreve-se a problemática atual da biodiversidade e osconflitos de interesse que se dão a sua volta. Supõe-se que tal problemática,para ser compreendida em sua extensão e complexidade, deve ser analisadacomo parte e expressão de um cenário mais amplo, em que as dinâmicascientífico-tecnológica e ambiental encontram-se entrelaçadas, atuando comoum par no âmbito da geopolítica mundial contemporânea.

De um lado, ciência e tecnologia tornam-se variáveis cada vez maisestratégicas em todos os níveis da vida econômica, política e social, fazendodo desenvolvimento científico-tecnológico a grande fronteira a serconquistada no século XXI. A propriedade intelectual constitui, por suavez, o instrumento que estabelece os limites entre os que detêmconhecimentos de ponta — e para isso investiram pesadamente, desejandoassim protegê-los e cobrar pelo seu acesso — e os que não detêm essesconhecimentos, mas reivindicam tratamento diferenciado, em face das suasricas reservas de natureza.

Por outro lado, vivencia-se uma crise ambiental sem precedentes nahistória da humanidade. Os desafios ambientais hoje colocados acentuama percepção sobre a interdependência das diversas partes do planeta,introduzindo novos ingredientes nas negociações internacionais em tornode uma estratégia mais “sustentável” de desenvolvimento, particularmente

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quanto à facilitação do acesso a recursos financeiros e a tecnologiasambientalmente saudáveis.

Dentro desse contexto, a desigual distribuição espacial entre reservasde natureza e de conhecimentos técnico-científicos vem implicandoacirradas disputas, ao mesmo tempo em que também estabelece condiçõesde barganha entre os atores. O imperativo tecnológico e a politizaçãoda natureza representam assim duas facetas de um mesmo processo, apartir do qual introduzem-se novos ingredientes no cenário geopolíticointernacional.

Há que se entender, portanto, cada uma dessas dinâmicas e suasmúltiplas interações, de modo a se construir um quadro de referência prévioa uma análise sobre a dimensão geopolítica da biodiversidade.

O Imperativo Tecnológico

A importância da ciência e da tecnologia no mundo contemporâneorecoloca em um novo patamar suas relações com as estruturas de podervigentes. Por um lado, o progresso científico-tecnológico incorpora-se aorol de questões que integram o domínio da esfera pública, sendo nelainstitucionalizado e financiado com recursos oriundos da própria sociedade,sob o suposto de que serve ao bem comum. Por outro lado, ciência etecnologia passam a constituir-se em bens mercantis e bens estratégicos, aomesmo tempo protegidos e restritivamente tornados disponíveis no mercadoglobal, privatizados e comercializados pelos grandes agentes econômicos.Esses dois aspectos são a seguir abordados.

Ciência e Tecnologia como Instrumentos de Poder

A crescente expressão social e econômica da ciência ocorreu a partirdas repercussões da Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, a qual,por sua vez, integra o conjunto de transformações que tinham curso na

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Europa, desde o século XIV, caracterizando o fim da Idade Média e oinício da Era Moderna. No plano cultural, o Humanismo e o Renascimentoabriram espaço para novas indagações sobre a natureza física. Dos pontosde vista político e econômico, assistiu-se então a uma verdadeira revoluçãocomercial e à ascensão das classes burguesas, dando-se também os primeirospassos para uma integração global, com a intensificação das trocasinternacionais promovida a partir das grandes navegações. Tudo isto iriaestimular o desenvolvimento das ciências e das técnicas, ao mesmo tempoem que se imprimiria um caráter crescentemente monetário às relaçõessociais.

Paralelamente, foi também aí, com a dissolução da estrutura políticafeudal e a criação de uma série de Estados na Europa Ocidental, que oEstado-Nação3 tendeu a tornar-se a forma política moderna dominante,bem como o sistema inter-Estados o modo de organização das relaçõesinternacionais. Os arranjos relacionados à formação dos Estados modernos— a separação de jurisdições, o estabelecimento de uma autoridade políticaem comunidades territoriais autônomas, a acomodação da diversidadecultural em fronteiras territorialmente soberanas e, por fim, a sua codificaçãoatravés da legislação — representaram o estabelecimento de um sistema deterritorialidade fundada na delimitação de Estados soberanos. Paralelamentelançaram-se os preceitos do direito internacional que iriam servir de basepara a estruturação das relações internacionais nos moldes modernos.

O desenvolvimento histórico subseqüente iria tornar realidade amáxima de Francis Bacon de que sciencia et potentia humana in idem coincidunt.O paradigma técnico-científico a partir daí dominante, calcado no métodoempírico-dedutivo como requisito de validação científica da “verdade”,impôs-se como forma de apreensão e de controle dos fenômenos naturais.

3 De acordo com Smith (1990:5), “o termo nação é usualmente aplicado para um grupo de população,ou um povo, com certas características unificadoras. Um estado é uma unidade política particular comdelimitação territorial, possuindo soberania no sentido de ser reconhecido por outros e sua autonomiadentro de certos limites geralmente respeitada. O território de um estado no sentido ‘nacional’ usualé algumas vezes referido como um país. (...) O conceito de estado-nação expressa identidade entreum povo e seu espaço geográfico soberano.”

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O caráter pretensamente nutro da ciência moderna e a centralidade doconhecimento científico no interior da nova cosmovisão que se fundaconstituiriam o fundamento ontológico para o abandono de uma atitudeético-normativa, em favor de um racionalismo meramente instrumentalcom respeito aos processos naturais e sociais.

Foram assim relegadas a segundo plano perguntas do tipo “por quê?”,privilegiando-se perguntas do tipo “como?”. É portanto "como técnica"que a ciência torna-se progressivamente elemento-chave dentro do sistemaprodutivo e do aparato ideológico, centrando-se na livre instrumentalizaçãode uma natureza já dessacralizada. A natureza perde, assim, a força prescritivaque até então exercera sobre a consciência ética e política dos homens,passando a ser concebida como algo uniforme e quantificável, um simplesfenômeno mecânico. Para muitos, aí está o cerne da presente crise, que nãoé apenas ambiental, mas possui dimensões muito mais amplas e profundas(Leiss, 1974; Bartholo, 1985).

Essa questão tem sido tratada a partir de dois enfoques principais.Um que considera ser intrínseco aos fundamentos da ciência moderna asua função dominadora da natureza4. Outro, que situa a questão não noconhecimento científico em si, mas no uso que dele se faz, isto é, em suasaplicações, condicionadas, por sua vez, pela dinâmica dos processos políticose sociais5.

Fato é que se estabelece uma progressiva simbiose entre ciência epoder — do Estado e do mercado — através de uma relação reciprocamenteinstrumental, onde expectativas com respeito às aplicações práticas da ciênciaserão mantidas em níveis nunca vistos; e, em contrapartida, os produtores

4 Há ainda os que identificam a existência de uma inequívoca co-determinação entre todo tipo deconhecimento (incluindo a estética, a religião e a metafísica) e o desejo de poder, tal como expressono pensamento de Nietzsche, para o qual: “o conhecimento atua como um instrumento de poder(...) uma espécie apossa-se de uma certa parcela da realidade visando tornar-se dela senhor, visandocolocá-la a seu serviço”. (Friedrich Nietzsche, edited and translated by W.Kaufmann, New York:Randon House, 1967, apud Leiss, 1974).5 Desse ponto de vista, Leiss (1974) argumenta: “O conceito de poder (ao menos em seu uso normal)é, além do mais, inapropriado neste contexto, exceto na medida em que o trabalho da ciência é o pre-requisito indispensável para todas as tecnologias avançadas (...). Em conjunto, elas podem ser encaradascomo instrumentos de dominação, mas o objeto real de dominação não é a natureza, mas os homens.”

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de ciência e de tecnologia irão reivindicar apoio material compatível aodesempenho do seu novo papel. Como ressaltado por Herrera (1981):

“A atividade científica converte-se cada vez mais em parte integrantedo fazer social, até que em nosso tempo alcança um grau tal deinstitucionalização que, pelo menos para os países desenvolvidos,constitui um dos mais poderosos instrumentos de poder, tantopolítico como econômico.”

Os resultados práticos da pesquisa científica começaram a se fazersentir de forma mais direta a partir das possibilidades abertas pela primeiraRevolução Industrial, em meados do século XVIII, e posteriormenteaprofundadas com a segunda Revolução Industrial, em fins do século XIX,provocando o alargamento do interesse nas potenciais aplicações doconhecimento científico para o progresso material.

Também a partir das últimas décadas do século passado até a PrimeiraGuerra Mundial, as então “potências mundiais” (França, Inglaterra,Alemanha e, posteriormente, os Estados Unidos) assumiramprogressivamente estratégias globais, caracterizando um novo tipo deimperialismo tipicamente capitalista, não mais simplesmente de conquistaterritorial, mas também de disputa e controle de mercados em escalamundial. Estabeleceu-se ainda uma crescente associação entre o capitalindustrial e o capital financeiro, acompanhada da concentração ecentralização desses capitais, bem como da sua desigual distribuiçãoterritorial (Costa, 1992).

Não obstante, ao mesmo tempo em que tomava forma um processode expansão das fronteiras econômicas, a segunda metade do século XIXcaracterizou-se também, nas palavras de Hobsbawn (1977), por uma“afirmação da nacionalidade, ou melhor, de nacionalidades rivais. (...) Aunidade do mundo implicava a sua divisão. O sistema mundial do capitalismoera uma estrutura de ‘economias nacionais’ rivais.”.

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No século XX, a ciência finalmente incorpora-se ao funcionamentocotidiano da sociedade e a cultura científica passa a dominar a matrizsimbólica do Ocidente. A ciência deixa de ser uma instituição socialheterodoxa para desempenhar um papel estratégico como força produtivae como mercadoria.

O novo grande marco histórico desse processo ocorre na SegundaGuerra Mundial, operando-se uma transformação radical nas relações entreciência, tecnologia e sociedade. As perspectivas de rápida aplicação doconhecimento científico propagaram-se da física para todos os campos dosaber: materiais sintéticos foram desenvolvidos para substituir matérias-primas escassas; novas drogas passaram a ser produzidas (como a penicilina);desenvolveram-se novas técnicas de defesa (por exemplo, o radar).Estabelecia-se uma vinculação cada vez mais estreita entre desenvolvimentocientífico e desenvolvimento tecnológico.

Também aí, consolidou-se plenamente o reconhecimento dos Estadossoberanos, transformados então em um “fenômeno universal inevitável”,do mesmo modo que se configurou uma “economia-mundo capitalista”,alcançado o seu caráter global (Wallerstein, 1991).

O sistema internacional passou a estar organizado em torno darivalidade/convivência de duas “superpotências” — os Estados Unidos ea URSS — de dois grandes sistemas econômicos — a economia de mercadoe a economia planificada — e de dois modelos de sociedade — o capitalismoe o socialismo — e suas respectivas “áreas de influência”. Até os anos 60,a supremacia econômica dessas duas superpotências manteve-seincontestável.

O progresso técnico-científico, incluído então formalmente dentreos objetivos dos Estados através de políticas especialmente dirigidas paraesse fim, passaria a ser orientado por objetivos militarmente estratégicos eeconomicamente quantificáveis. A corrida tecnológica, impulsionada iniciale primordialmente por imperativos bélicos, transformou-se, já na décadade 1960, em fator essencial de competitividade econômica, determinandoem grande medida a posição relativa dos países no cenário internacional.

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Tinha início a era da big science, exigindo um sofisticado aparatoinstitucional e instrumental, além de recursos financeiros de larga monta,para a realização de atividades de pesquisa cada vez mais complexas edispendiosas.

Na década de 1970, porém, um novo e instável quadro político-econômico começou a despontar, sinalizado pela crise do petróleo,contrastando com a rápida expansão econômica que se sucedeu à SegundaGrande Guerra. Não se tratava apenas do início de um longo período derecessão econômica, mas de uma mudança de caráter estrutural na economiamundial.

Os Estados Unidos tiveram seu peso político-econômicocontrabalançado com a ascensão do Japão e de outras economias asiáticas(só a China é hoje considerada o quarto pólo de poder mundial dedesenvolvimento), além da reestruturação da economia européia.Odesmantelamento do bloco soviético, em fins dos anos 80, finalmentecaracterizou a passagem de uma era bipolar para um mundo calcado namultipolaridade, ou em novos agrupamentos regionais.

Ao mesmo tempo, profundas alterações na base técnico-científicamundial estavam então em curso, a partir dos países centrais, dando lugarao surgimento de novas formas de produção e de sua gestão. Esgotava-seo paradigma tecno-econômico, gestado nos anos 20 e 30 com o fordismoe o taylorismo, mas consolidado apenas no pós-Segunda Guerra, cujosfatores-chave haviam sido o petróleo barato, o uso de materiais intensivosem energia e a produção em linha de montagem para a fabricação em escalade produtos idênticos.

O novo paradigma tecno-econômico emergente desde os anos 70orienta-se para a produção flexível de um conjunto variado e dinâmico debens e serviços intensivos em informação, impulsionando e impulsionadopor uma vasta rede de infra-estrutura de telecomunicações. Sua fórmulaideal é aumentar o conteúdo de informação dos produtos, em relação aoconteúdo energético e de materiais. Associado à emergência desse novoparadigma, desenvolve-se um novo conjunto de “tecnologias genéricas”,

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como a microeletrônica e informática, as modernas biotecnologias e osnovos materiais, caracterizando uma verdadeira revolução científico-tecnológica, também conhecida como Terceira Revolução Industrial.

Tal revolução científico-tecnológica compreende um conjunto deprocessos, tais como: (a) “cibernetização”, que alcança sua culminação comos centros de controle manejados por computadores; (b) “quimização”,onde a matéria-prima é transformada de maneira contínua; (c)desenvolvimento e uso crescente de processos biotecnológicos, queimplicam a transformação da própria matéria viva. As partículas elementaresdas matérias orgânicas e inorgânicas — com as biotecnologias modernas eos novos materiais — passam a ter utilidade diretamente no processoindustrial.

As repercussões desse processo são múltiplas: socioeconômicas,transformando os estilos de vida e padrões de consumo, a ética e a cultura,o processo produtivo e a organização do trabalho; geopolíticas, modificandoo equilíbrio de forças e os termos de intercâmbio internacional; e ambientais,alterando padrões de consumo de energia e de recursos naturais.

Nesse contexto, ainda, amplia-se o movimento de internacionalizaçãodas economias, com um mercado crescentemente globalizado sob ocomando do capital transnacional. No quadro de acirramento crescente dacompetição intra-capitalista, o progresso técnico-científico torna-se uminstrumento fundamental na disputa por novos mercados. As redesfinanceiras, mercantis e de informação assumem um caráter estratégico,sobre as quais os Estados exercem pouco ou nenhum controle, fazendocom que as fronteiras nacionais assumam novas funções. O acesso e ocontrole dessas redes passam a ser estratégicos na vantagem competitiva eno exercício do poder em todas as escalas geográficas (Becker, 1992).

Propriedade Intelectual e Privatização do Saber

Parte desse processo é o fortalecimento dos princípios de propriedadeintelectual e o endurecimento dos mecanismos de proteção patentária sobre

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os novos conhecimentos científico-tecnológicos, tendendo-se, desde os anosde 1980, à padronização das normas de proteção jurídica desses direitos noplano internacional.

O visto de entrada para a economia globalizada vem, cada vez mais,impondo o aceite a certos institutos normativos, particularmente umalegislação de patentes e outras formas de proteção da propriedade intelectual,que estejam de acordo com os padrões estabelecidos pelos grandes pólosdo poder mundial, geralmente atendendo às necessidades desses atoresglobais que, em última instância (embora nem sempre) determinam ostermos que devem reger as relações internacionais.

A estruturação de um sistema moderno de patentes de invenção temsuas raízes históricas na concessão de privilégios comerciais (individuais ecoletivos), praticada desde o século XII na Europa, aos que introduzissemnovos ramos comerciais ou manufatureiros, novas tecnologias ou novasmercadorias no território concedente. O sistema de patentes de invenção,propriamente dito, estabeleceu-se de modo mais estável apenas no séculoXV, de início em algumas cidades italianas, como Florença (1421) e Veneza(1474), antecipando o desenvolvimento de uma emergente economia debase industrial.

Inaugurava-se, então, uma nova categoria de direitos de propriedade sobrebens intangíveis, mais tarde batizada de “propriedade intelectual” (Box 2),instituindo-se novas formas de aquisição da propriedade imaterial, ou seja, direitosde propriedade sobre as idéias que permitissem a produção e a reprodução debens (Barbosa & Arruda, 1990; Cruz, 1996; Varella, 1996).

O Estatuto dos Monopólios, promulgado em 1623 na Inglaterra, éconsiderado a Carta Magna dos modernos sistemas de patentes. Desdeentão, diversas leis e regulamentações de patentes consideradas “modernas”foram elaboradas em diferentes países6: nos Estados Unidos (1790), naFrança (1791), na Alemanha (Baviera, 1825) e no Japão (1871).

6 Também a primeira iniciativa para proteger inventos e inventores no Brasil, ocorrida em 1808, foiinspirada no Estatuto dos Monopólios.

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Box 2

PROPRIEDADE INTELECTUAL

Propriedade intelectual, genericamente, “se refere a toda espécie depropriedade que se origine ou provenha de qualquer concepção ou produtoda inteligência, para exprimir um conjunto de direitos, que competem aointelectual (escritor, artista ou inventor) como autor da obra imaginada,elaborada ou inventada”. (De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol.III. Ed. Forense, p. 1244 apud Santos (1996) ).

Já o termo propriedade industrial costuma ser utilizado para designar: “osegmento da propriedade intelectual relacionado diretamente à indústriade transformação e ao comércio, como os direitos relativos a marcas epatentes” (Barbosa & Arruda, 1990:13)

A primeira Convenção Internacional de Proteção à PropriedadeIndustrial, a “Convenção de Paris”, promulgada em 1883 (sua última revisãodata de 1967), foi um dos pilares da institucionalização da proteçãointernacional da propriedade intelectual, seguida da Convenção de Bernapara a Proteção dos Trabalhos Artísticos e Literários de 1886 (sua últimarevisão data de 1971). Já na segunda metade do presente século, foiestabelecida a Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI, eminglês WIPO, 1967), sucessora dos Escritórios Internacionais Reunidos paraa Proteção da Propriedade Intelectual (sigla em francês BIRPI), a qual obteveestatuto de organismo especializado das Nações Unidas em 1974.

Uma das motivações para o atual revigoramento do princípio depropriedade intelectual, em âmbito mundial, é creditada a esforços unilateraisdos Estados Unidos nessa direção, ante sua perda de competitividadeinternacional vis-à-vis outras economias emergentes, particularmente asasiáticas, que teriam recorrido, em boa medida, à adaptação ou cópia detecnologias do exterior (incluindo a “engenharia reversa”), em especialaquelas desenvolvidas pelos norte-americanos. É claro que o sucessoeconômico dos países do Sudeste Asiático é devido a fatores mais amplos,

Box 2○

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historicamente construídos, tais como: o investimento acumulado emeducação, ciência e tecnologia; o alto nível das poupanças nacionais; aexistência de sistemas políticos fortes e promotores do crescimentoeconômico; além de políticas favorecedoras da exportação — não decommodities, mas de produtos de maior valor agregado.

Os crescentes déficits comerciais da economia norte-americana, a partirda década de 1970, levaram os Estados Unidos a buscarem reter sua posiçãode vantagem tecnológica e econômica no plano internacional. A partir daí,gerou-se, naquele país, um “surto patrimonialista” sobre as tecnologias alidesenvolvidas, o qual se fez impor ao ambiente internacional através desanções definidas interna e unilateralmente, bem como através de pressõessobre as negociações multilaterais (Barbosa & Arruda, 1990). Expressãodisso foi sua Lei Global de Comércio e de Competitividade de 1988,conhecida como Super 301, ampliando os dispositivos contidos na seção301 da já revista Lei de Comércio norte-americana de 1974, com base naqual seriam impostas sanções comerciais aos países que não dispusessemde legislação de proteção à propriedade intelectual, considerada compatívelcom os interesses econômicos dos norte-americanos.

Uma outra motivação para o fortalecimento dos mecanismos deproteção da propriedade intelectual vincula-se à já comentada importânciaestratégica que a variável tecnológica assume nos novos padrões decompetitividade econômica introduzidos pelo paradigma tecno-econômicoemergente a partir da Terceira Revolução Industrial, tornando assimimperativa uma maior proteção aos conhecimentos científico-tecnológicosincorporados aos novos produtos e processos a partir daí gerados.

Finalmente, cabe assinalar que esses fatores inserem-se em um quadrode crescente oligopolização da economia mundial, restringindo cada vezmais a cooperação técnico-científica a um intercâmbio de informações entreos grandes grupos líderes dos vários segmentos econômico-produtivos.

Nesse contexto inscreve-se o estabelecimento do Acordo sobreDireitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (mais

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conhecido pela sigla em inglês TRIPs7), no âmbito da Rodada Uruguai doAcordo Geral de Comércio e Tarifas (mais conhecido pela sigla em inglês,GATT8), hoje Organização Mundial do Comércio (OMC, sigla em inglêsWTO9) (Box 3), introduzindo-se também neste fórum o tema dapropriedade intelectual, a partir basicamente da pressão dos Estados Unidose com o apoio dos demais países desenvolvidos. O Acordo TRIPs adotacomo princípio geral o patenteamento de todo novo produto e processo,bem como seu reconhecimento indistintamente em qualquer dos paísessignatários.

Box 3

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

A Organização Mundial do Comércio foi estabelecida em 1º de janeiro de1995 como sucessora do GATT (1947), passando a constituir-se no principalorganismo regulador multilateral do sistema global de comércio. Elaincorpora os resultados da última rodada de negociações das partescontratantes do GATT (Rodada Uruguai), realizada entre 1986 e 1994 (oAto Final Preliminar da Rodada Uruguai do GATT foi concluído emdezembro de 1991, enquanto que o texto final dos Acordos estabelecendoa OMC foi adotado em abril de 1994). Em dezembro de 1996, 128 paíseseram membros da OMC, enquanto que 28 estavam em processo de ingresso.A autoridade mais elevada da OMC é a Conferência Ministerial que serealiza a cada dois anos, sendo o trabalho diário realizado por uma série deorganismos subsidiários, principalmente o Conselho Geral. O Acordo TRIPsfaz parte dos Acordos Estabelecendo a Organização Mundial do Comércio.

Ao deslocar o centro decisório sobre as regulações internacionaisrelativas à propriedade intelectual para o âmbito do GATT, pretendeu-secriar padrões minímos na regulamentação jurídica de proteção patentáriados diversos países, diferentemente da Convenção de Paris, que facultava

7 Trade-Related Intellectual Property Rights8 General Agreement on Tariffs and Trade.9 World Trade Organisation.

Box 3○

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aos países signatários adotar internamente suas orientações do modo quejulgassem mais apropriado.

Para os críticos do Acordo TRIPs, tratou-se, na verdade, decondicionar uma maior liberalização do comércio internacional aoestabelecimento de mecanismos de propriedade intelectual mais restritivosnos países em desenvolvimento, uniformizando-os em consonância comos padrões dos países tecnologicamente mais avançados. A intenção dospaíses desenvolvidos seria ainda relativizar o espaço obtido pelos paísesem desenvolvimento no âmbito da OMPI, bem como anular os possíveisreflexos, sobre o regime internacional de propriedade intelectual, dos debatestravados, na década anterior, na Conferência sobre Comércio eDesenvolvimento das Nações Unidas (sigla em inglês UNCTAD10), nosentido de estabelecer uma ordem internacional mais favorável aos paísesperiféricos.

Desse ponto de vista, a uniformização da jurisprudência sobrepropriedade intelectual, ao mesmo tempo em que padroniza as condiçõesde acesso à tecnologia, contribui também, nas palavras de Barbosa & Arruda(op. cit..) para “cristalizar e manter uma situação de absoluta desigualdadena divisão do patrimônio informacional agregado do mundo”.

Por outro lado, os próprios fundamentos conceituais do atual sistemade propriedade intelectual vêm sendo considerados inadequados em váriosaspectos, a seguir comentados.

Desde a sua origem, o sistema de propriedade sobre inovações einvenções teve como categorias normativas básicas, ou como requisitosobrigatórios para a concessão de proteção legal patentária (Cruz, 1996): (a)a novidade, ou seja, a invenção não deve fazer parte do “estado da técnica11”;(b) a aplicação industrial, isto é, o objeto da invenção deve ser produzido

10 United Nations Conference on Trade and Development.11 Em relação à propriedade industrial, o estado da técnica pode ser definido por: limites territoriais(a novidade é verificada apenas em relação ao território do país concedente); limites temporais(consideram-se apenas patentes publicadas após determinada data); tipo de informação (varia deacordo com cada legislação) (Cruz, 1996).

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para consumo ou utilizado no sistema produtivo; e (c) a descrição plena,quer dizer, deve ser feita uma descrição detalhada do objeto, dos métodose construção, bem como dos efeitos da invenção, permitindo assim sua“reprodutibilidade” e “repetitibilidade”. Este é um requisito importantedo regime de patentes, pois é ele que possibilita divulgar informações edifundir tecnologia, formando um estoque tecnológico disponível para asociedade, em contrapartida à concessão de monopólio temporário aoinventor sobre seu invento.

Aos poucos, um quarto requisito agregou-se aos demais, de modo anão deixar dúvidas sobre o aspecto da novidade: o da atividade inventiva,quer dizer, a não obviedade da invenção, considerando o estado da técnica.Buscou-se assim estabelecer um sistema de proteção claro (isto é, “patente”)à propriedade da invenção. A patente12 é concedida por um período limitado,geralmente entre 15 e 20 anos, supondo-se a difusão pública das informaçõessobre o invento.

Além de patentes, boa parte dos sistemas de propriedade intelectualabrange também: direitos dos melhoristas, segredos comerciais, copyrights emarcas. Outras categorias começam a surgir, como a proteção ao design decircuitos integrados. Todas essas categorias de proteção estão previstas noacordo TRIPs.

Esse arcabouço teórico-normativo do sistema tradicional de patentesvem sofrendo um conjunto de questionamentos13, diante das transformaçõescientíficas e tecnológicas ocorridas desde o século passado —particularmente na biologia, na química orgânica, na engenharia elétrica eeletrônica — que se estenderam e aprofundaram no presente século, coma microeletrônica, a química fina, a engenharia de sistemas e a engenhariagenética, dentre outras.

12 “Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seutitular a exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pelo acesso do públicoao conhecimento dos pontos essenciais do invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitadono tempo, no pressuposto de que em tais condições é socialmente mais produtiva a troca deexclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito.” (Barbosa& Arruda, 1990).13 Esses argumentos são extensa e eruditamente desenvolvidos por Cruz (1996).

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Desse ponto de vista, os princípios de novidade, inventividade,aplicação industrial e plena descrição vêm mostrando-se limitados ousuperados diante dos novos atributos — complexidade, interdependênciae justaposição, intangibilidade e imaterialidade — que caracterizam osobjetos técnico-científicos na atualidade (as chamadas “criações industriaisabstratas”), bem como diante da interpenetração e do carátersemiconservativo dos conhecimentos neles incorporados. A dificuldadecrescente de se aplicarem critérios de novidade e de inventividade aospedidos de patente, por exemplo, tende a dar lugar ao uso cada vez maisfreqüente do critério de originalidade. Do mesmo modo, tende a serreinterpretado o requisito da aplicação industrial, ante o papel estratégicodos bens intangíveis no âmbito de economias cada vez mais“desindustrializadas”.

Um outro conjunto de questionamentos, de caráter mais político,diz respeito ao papel do atual sistema de propriedade intelectual comopromotor do avanço do conhecimento técnico-científico, bem como deum maior fluxo de informações científicas e tecnológicas, em termosquantitativos e qualitativos. A noção de que o monopólio legal, através dapatente, contribui para aumentar a difusão de conhecimentos vem cedendolugar à antiga idéia do direito natural à proteção patentária, qual seja, a “deque o simples fato de investir em pesquisas e pôr à disposição do públicoos resultados justifica a patente” (Barbosa & Arruda, 1990:22). Isto temimplicado a crescente proteção de direitos proprietários sobre as tecnologias— ou seja, maior privatização e monopolização desses conhecimentos —e menos ênfase na sua difusão pública, restringindo o acesso a tecnologiasexternas, e mesmo a difusão da ciência básica.

A desestruturação do alicerce conceitual que informa o atual sistemade propriedade intelectual não tem levado, entretanto, a modificações noarcabouço institucional onde se determinam as regras para o seufuncionamento. Ao contrário, progressivamente ampliam-se a abrangênciae o escopo da proteção, além de multiplicarem-se os depósitos de patentes.

Os impactos desse fortalecimento do regime de propriedadeintelectual sobre os países em desenvolvimento vêm sendo avaliados sob

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dois grandes ângulos: (a) o que considera que, deste modo, se irá estimulara inovação tecnológica localmente, bem como promover condições maisfavoráveis ao investimento externo e à transferência de tecnologias; e (b) oque, ao contrário, supõe que se imporão condições mais restritivas ao acessoà tecnologia por esses países, bem como se elevarão os preços dos produtose processos tecnológicos sob proteção. Na prática, esse quadro parece sernaturalmente desvantajoso para países em desenvolvimento que são clarosimportadores de tecnologia.

Paralelamente, começam a aflorar, ainda que de forma tênue,manifestações no sentido inverso à tendência até então prevalecente. Porum lado, pela mobilização de alguns segmentos e de alguns países em favorde uma ordem internacional mais eqüitativa, pressupondo aí novos termosde acesso e de intercâmbio científico-tecnológico. Por outro lado, pelascontradições engendradas a partir do padrão de desenvolvimento até entãohegemônico, no qual “o potencial produtivo e o potencial destrutivo sãoduas dimensões de uma mesma realidade” (Bartholo, 1987). Nos doisaspectos, a presente crise ambiental constitui um fator fundamental demudança, como se discutirá adiante.

A Politização da Natureza

A expansão econômica verificada após a Segunda Guerra Mundialacentuou consideravelmente a pressão sobre os recursos naturais mundiais,ao não se fazer acompanhar de preocupações e precauções quanto aosdesequilíbrios e impactos gerados nos sistemas naturais e sociais.

O reconhecimento desse processo fez com que a temática ambientalfosse paulatinamente introduzida na agenda política internacional,mobilizando distintos grupos de interesse, ao mesmo tempo que impunhaa necessidade de novas formas de “governabilidade global14” para lidar

14 O termo aqui é usado na acepção da constituição de um sistema institucional inter e transnacionaldestinado a “gerir os problemas da sociedade planetária” (Viola, 1997), tornando-a portanto mais“governável” ou estável. Este termo vem sendo diferenciado do de “governança”, que se relaciona comaspectos que “guardam uma relação mais direta com o bom ou o mau governo” (Leroy et al, 1997).

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com os desafios colocados por essa questão. Conflitos, negociações esoluções de compromisso constituem assim os ingredientes do atualprocesso de politização da natureza, como se verá a seguir.

Conflitos Geopolíticos sobre a Questão Ambiental

Desde meados do século passado, ocorreram iniciativas de âmbitointernacional, visando promover ações coordenadas e estabelecer umaparato legal para a proteção da natureza, caracterizando assim uma primeirafase de existência de uma agenda internacional (mínima) na área ambiental.Mas, apenas a partir da Segunda Guerra Mundial, passou a existir um esforçomais sistemático e abrangente nessa direção, expresso particularmenteatravés da ação de organismos estabelecidos sob o Sistema das NaçõesUnidas, e também através de iniciativas da União Internacional para aConservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN, em inglêsIUCN15), então criada.

A consciência a respeito da questão ambiental ampliou-se nos anos60, intensificando-se a partir da Conferência das Nações Unidas sobre oMeio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972), onde se reconheceu seu caráterglobal. A partir daí, aprofundou-se consideravelmente o conhecimentocientífico acerca dos problemas ambientais, bem como expandiu-se apercepção dos impactos socioeconômicos por eles causados e mesmo dapossibilidade de ameaça à perpetuação da vida no planeta.

A proteção de espécies selvagens ameaçadas e de seus habitats, dosoceanos, da atmosfera, dos ambiente polares e do espaço sideral, além demedidas preventivas e mitigadoras dos efeitos transfronteiriços da poluição

15 International Union for Conservation of Nature and Natural Resources. A UICN é um organismointernacional independente, fundado em 1948, com sede na Suíça, que coopera com as NaçõesUnidas e com outras agências internacionais. Tem como missão promover medidas de conservaçãoda natureza, a partir de uma base científica, sendo composta de organizações não-governamentais,agências governamentais e representações de 123 países, contando ainda com contribuições de maisde cinco mil voluntários.

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nuclear e industrial e do transporte de resíduos perigosos, foram, desdeentão, objeto de regulamentação internacional, proliferando diferentesinstrumentos internacionais para a proteção do meio ambiente planetário,especialmente através de uma série de tratados e convenções16. Expressava-se assim o esforço de garantir condições de governabilidade global sobreas questões relacionadas ao meio ambiente, consubstanciando-se umemergente direito internacional nessa área.

No entanto, as negociações internacionais na área ambientalpermaneceram por um longo tempo — e, pode-se dizer, mantêm-se aindahoje — relegadas à posição de low politics, ou seja, consideradas deimportância menor e dissociadas de temas vistos como estratégicos, comosegurança, comércio internacional e transferência de tecnologias (Porter &Brown, 1991).

Apenas na década de 1980 esse quadro começou a alterar-se,coincidindo com a emergência de uma nova categoria de questões

ambientais globais, definidas como questões cujas conseqüências sãoglobais, ou cujos atores transcendem uma única região (Porter & Brown,1991), dentre as quais destacam-se hoje: a perda da camada de ozônio, amudança climática e o efeito estufa, a destruição das florestas e a diminuiçãoda biodiversidade. Percebida como um problema transfronteiras, cujoenfrentamento definiria o próprio destino da Humanidade, oreconhecimento da extensão e intensidade da crise ambiental começou agestar uma nova mentalidade, “uma visão da biosfera como espaço comumpara todos os seus habitantes” (Viola e Leis, 1991).

A questão ambiental deixou de ser vista como problema restrito aomeio técnico-científico, abrindo espaço na agenda política dos países, tantointernamente, quanto nas negociações por eles travadas na arenainternacional. Os temas relativos ao meio ambiente passaram a ser objetode atenção e debate por parte da mídia, de empresas, governos, organizações

16 Citando dados de 1992, Alencar (1995) registra a formalização de cerca de 1.000 desses instrumentos,desde a década de 1970, incluindo 150 tratados de maior expressão.

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e organismos internacionais e multilaterais originalmente não dedicados àtemática ambiental (como o Banco Mundial, o Fundo MonetárioInternacional, o GATT, o Grupo dos Sete, a Organização para Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico — OCDE), de entidades da sociedadecivil organizada e da opinião pública em geral.

Lançou-se, nesse contexto, a proposição de um “novo” estilo dedesenvolvimento, denominado em Estocolmo de “ecodesenvolvimento17”,e posteriormente batizado de desenvolvimento sustentável. A tese dodesenvolvimento sustentável ganhou projeção sobretudo a partir doRelatório Brundtland (1987), sendo finalmente consagrada, em 1992, naConferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento(CNUMAD, em inglês UNCED, também conhecida no Brasil como Rio-92), que reuniu um dos maiores números de Chefes de Estado dos últimostempos e consolidou a incorporação da questão ambiental ao elenco detemas que compõem a agenda de negociações internacionais.

De Estocolmo ao Rio, o tratamento da questão ambiental sofreualgumas modificações significativas, tal como assinalado por Guimarães(1992). Ainda que em Estocolmo já estivessem em pauta as relações entredesenvolvimento e meio ambiente, foram ao final privilegiadas soluçõestécnicas para os problemas ambientais, atribuídos em grande parte à rápidaindustrialização e à explosão demográfica e urbana dos países emdesenvolvimento, de acordo com uma abordagem eminentemente“primeiro-mundista”. Apenas vinte anos após, na Conferência do Rio,afirmou-se o reconhecimento de que a superação da atual crise ambientalestaria intrinsecamente vinculada à revisão dos estilos de desenvolvimentosocioeconômico dominantes, abrindo-se algum espaço, ainda que sob fortesconflitos e difíceis negociações, aos pontos de vista dos países “periféricos”

17 O ecodesenvolvimento foi lançado em Founex, Suíça, em 1971, em reunião preparatória daConferência de Estocolmo. Muitos consideram que este conceito não é simples sinônimo dedesenvolvimento sustentável, mas dele distingue-se, na medida em que enfatiza a necessidade de um“teto de consumo material”, enquanto que o desenvolvimento sustentável prefere considerar um“piso de consumo material” (Layargues, 1997).

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ou do Sul com respeito à problemática ambiental. Note-se, por outro lado,que alguns dos próprios países em desenvolvimento, como o Brasil,modificaram sensivelmente, nesse período, suas posições internacionais arespeito da questão ambiental, antes taxativamente rejeitada como umentrave a suas pretensões desenvolvimentistas18.

Embora com uma definição pouco precisa, a proposição dodesenvolvimento sustentável colocou em discussão a necessidade de umanova racionalidade no processo de desenvolvimento, baseada em novosmodos de exploração dos recursos naturais, de novos critérios deinvestimento e de um outro padrão técnico-científico. O parâmetro centraldeveria ser o atendimento das necessidades das gerações presentes, semcomprometer as das gerações futuras. Além disso, estaria suposto oestabelecimento de uma “nova ordem internacional”.

No entanto, o desenvolvimento sustentável está longe de ser umconceito homogêneo ou uma estratégia consensual, identificando-se duasgrandes vertentes interpretativas a esse respeito. Na visão ainda dominante,desenvolvimento é visto como sinônimo de crescimento econômico,enquanto que sustentabilidade refere-se centralmente à sustentabilidadeecológica da atividade econômica, através de tecnologias de baixo impactoambiental. Em uma concepção alternativa, no entanto, desenvolvimentosupõe maior eqüidade social, com a diminuição da pobreza e a melhordistribuição da renda, enquanto que sustentabilidade não se reduz a umacategoria econômica ou ecológica, mas envolve a interdependência entreas dimensões ambiental, político-institucional e sociocultural, exigindo,portanto, transformações muito mais profundas nos padrões atuais.

Do mesmo modo, ainda que abrigada sob a tese do desenvolvimentosustentável — em torno da qual estariam definidos os termos para oestabelecimento de um compromisso político global, a questão ambientalpermanece um ponto de disputa entre diferentes atores, segmentos e países.

18 Viola (1995) ressalta que, no Brasil, essa modificação ocorreu apesar do Itamaraty, que se mantevearraigado à posição que opunha uma perspectiva nacionalista ao reconhecimento, junto à comunidadeinternacional, dos sérios problemas ambientais brasileiros.

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No centro dessa disputa está a polêmica sobre a atribuição deresponsabilidades pelos danos ao meio ambiente do planeta, bem comopelos ônus de sua proteção.

Enquanto os países desenvolvidos (tomando-se mais especificamenteos países da OCDE) detêm apenas 16% da população mundial e 24% doterritório do planeta, eles também representam 72% do Produto BrutoGlobal, 73% do comércio internacional e 50% do consumo energético domundo. O consumo per capita desses países é de 3 a 8 vezes maior emprodutos de primeira necessidade, e 20 vezes ou mais em itens maissofisticados, como produtos químicos e veículos. Ao mesmo tempo, elessão também responsáveis por cerca de 45% das emissões totais de carbono,40% das de enxofre, 50% das de nitrogênio e 60% dos rejeitos industriaisdo planeta.

Para os países “em desenvolvimento”, portanto, cabe às nações maisabastadas reverem seus atuais padrões de consumo e proporcionarem osmeios necessários à promoção de um desenvolvimento sustentável pelospaíses do Sul. Os países de desenvolvimento “avançado”, ao contrário,consideram que cabe aos demais limitarem suas estratégias de crescimentode forma a pouparem o meio ambiente global. Essa polarização ficoubastante explícita nas negociações que precederam os acordos firmados naRio-92 para a proteção da camada de ozônio, para o controle sobre amudança climática e para a proteção da biodiversidade.

Se não se caracterizam propriamente como dois blocos, esses doispólos, representados e delimitados espacialmente (ainda que de formaesquemática) pelo “Norte” e pelo “Sul”, hoje expressam dois conjuntos deforças que sustentam pontos de vista em sua maior parte divergentes noencaminhamento das grandes questões que ocupam a agenda internacional(Box 4). Sendo assim, a direção que se imprimirá às negociaçõesinternacionais em curso não apenas terá impactos importantes sobre essasrelações, como também tais negociações serão certamente por elasinfluenciadas.

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Box 4

OS VÁRIOS MUNDOS

A partir da criação de uma série de novos Estados nos continentes africano easiático, como resultado do processo de descolonização, e a consolidação deideários nacionalistas e desenvolvimentistas nos países latino-americanos, apartir dos anos 50, caracterizara-se a existência de um conjunto, ainda queheterogêneo, de países que passariam a perceberem-se e a serem percebidoscomo um novo pólo de interesses e de intervenção no cenário internacional.Um marco desse processo foi a Conferência de Bandung (Indonésia, 1955),que reuniu países afro-asiáticos recém-emancipados do domínio colonial.Em 1961, foi criado em Belgrado o Movimento dos Não-Alinhados,congregando 25 Estados, o qual progressivamente deixou de ter como focopolítico principal a liberação das colônias remanescentes, para centrar-se noproblema das desigualdades econômicas, originando-se assim, em 1963, o“Grupo dos 77”.

Desde a década de 1950, várias categorizações foram utilizadas para retrataras disparidades entre grupos de países. A partir de uma visão mais “etapista”,cunharam-se as expressões desenvolvidos e subdesenvolvidos, posteriormente“promovidos” a países “em desenvolvimento”; enquanto que uma abordagemmais preocupada com as nuances político-ideológicas, ao mesmo tempo quehierarquizando o peso relativo dos grupos de países no cenário internacional,optou pelas noções de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos. Formulada epopularizada na América Latina, a teoria de dependência (A.G.Frank, Falletoe F.H.Cardoso) trabalhou com a oposição binária entre “centro” e “periferia”,à qual Wallerstein (1979) agregou o conceito de “semiperiferia”, de modo aincorporar aqueles países onde coexistem elementos de economias centrais ede economias periféricas. Aí estaria implícita uma divisão espacial hierárquicado trabalho em escala internacional.

A partir da crise do petróleo (1973), desencadeou-se o que se iria caracterizarcomo um conflito Norte-Sul, que iria projetar-se somente nos anos 80,particularmente com as repercussões geradas pela publicação do relatório daComissão Brandt (North-South: A Programme for Survival, 1980). Há quemconsidere artificial a divisão entre o Norte mais desenvolvido e o Sul menosdesenvolvido. No entanto, a maior parte — embora não exclusivamente, nemunicamente — das populações economicamente desprovidas do mundo viveno hemisfério sul: na Ásia Meridional, onde se encontram 30% da populaçãodo “Terceiro Mundo”, que correspondem à metade dos pobres dos países“em desenvolvimento”; a América Latina e o Caribe que congregam 12% dapopulação do “Terceiro Mundo”, e 7% dos pobres desses países; a ÁfricaSub-saariana, que conta com 12% da população do “Terceiro Mundo” e 16%dos pobres desses países (Cordellier; Lapautre, 1993). Por outro lado, algunsautores chegam a identificar cinco tipos de países em desenvolvimento,distribuídos nos continentes asiático, africano e latino-americano.

Box 4

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A partir do tema ambiental, revitaliza-se o debate sobre o fluxo e adistribuição de riqueza, poder e tecnologias entre esses dois grandes blocosde países, ao mesmo tempo em que se impõem novas condicionalidades

nos termos que regem essas relações. Aí está o cerne das interações entreo imperativo tecnológico, a politização da natureza e a geopolíticacontemporânea.

De um lado, a partir de fins da década de 1980, a variável ambientalvem introduzindo novos termos e parâmetros no comércio internacional,por pressões seja do movimento ambientalista, seja de setores exportadoresdos países centrais, que viram seus interesses afetados ante o fato de que oaumento das restrições ambientais em seus países (e dos custos daíresultantes) não foi acompanhado do aumento de restrições similares emoutros países em desenvolvimento concorrentes com seus produtos.

Nesse contexto, os países centrais, onde o controle ambiental é maisrigoroso, passam a pressionar no sentido de inserir essa variável nos padrõesde competitividade internacional, considerando todo o ciclo do produto(produção, uso e descarte), por considerarem que os países emdesenvolvimento beneficiam-se do que consideram dumping ambiental.Tornam-se assim cada vez mais presentes restrições e barreiras de processoe de produto, como instrumentos para inibir ou restringir a penetração nomercado mundial de produtos cujo processo de fabricação ou cuja utilizaçãoe descarte sejam considerados de alto impacto ambiental pelo paísimportador. Paralelamente, estabelecem-se condicionantes cada vez maisrestritos nos empréstimos externos, novas imposições no comérciointernacional e o fechamento de mercados. Nessa direção atuam o pesoeconômico e a força política dos países centrais, cujos interesses encontram-se bastante bem representados nas agências de financiamento e nasinstituições que regulam as relações internacionais (Porter e Brown, 1991;Anderson e Blackhurst, 1992; Hoekman e Leidy, 1992; Motta, 1993).

Os países em desenvolvimento, por sua vez, reivindicam que os paísescentrais reduzam as barreiras comerciais ainda existentes para produtos

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com forte base de recursos naturais, que sofreram algum tipo debeneficiamento em seu país de origem (como no caso da madeira, cujaexportação em tora é incentivada, enquanto a exportação em pranchas ésobretaxada pelos importadores).

Desponta assim uma série de conflitos comerciais por motivosambientais19, fazendo com esse tema tenha sido levado à discussão no âmbitodo GATT. A Rodada Uruguai não chegou a uma conclusão a esse respeito,sendo a questão repassada para o Comitê de Comércio e Meio Ambiente(sigla em inglês, CTE20) da Organização Mundial do Comércio, cuja primeirareunião ocorreu em fevereiro de 1995, e onde se perpetuam os conflitos deinteresse Norte-Sul.

Por outro lado, acredita-se que a questão ambiental poderá contribuirpara evidenciar as desigualdades e fragilidades do sistema internacional(Viola e Leis, op. cit.) e até para abrir espaço para um crescente peso políticodo Sul (McNeill, 1992). A nova onda de preocupações ambientais poderiapossibilitar aos países periféricos exercer maior pressão pelo acesso, emtermos “preferenciais e não comerciais”, a tecnologias geradas nos paísescentrais, como condição não somente para proteger, mas também paraexplorar seus próprios recursos. Este seria um dos pontos decisivos debarganha política internacional (Gallopín, 1988).

Dessa ótica, a globalidade dos problemas ambientais, se passou aconstituir uma nova ameaça à soberania dos países econômica epoliticamente mais vulneráveis no que diz respeito à preservação e à gestãode seus ecossistemas, também lhes abriu novos espaços e oportunidadespara reivindicarem um tratamento diferenciado nas relações internacionais,particularmente no que diz respeito ao acesso a recursos financeiros e àtecnologia.

19 Um marco foi o contencioso estabelecido entre os Estados Unidos e o México, quando os primeirosembargaram a importação de atum proveniente do segundo, alegando que a pesca de atum mexicanaera realizada de forma predatória aos golfinhos, por sua vez protegidos por uma lei norte-americana.20 O organismo que antecedeu o CTE foi o Grupo de Medidas Ambientais e Comércio Internacional(sigla em inglês EMIT), criado em 1971, cuja existência foi efêmera.

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Meio Ambiente e Governabilidade Global

A fragmentação do sistema político internacional e a ausência deinstrumentos adequados à governabilidade global são por muitosconsideradas uns dos maiores entraves ao enfrentamento dos problemasrelacionados ao meio ambiente (Hurrel e Kingsbury, 1992). Através doestabelecimento de “regimes globais”, definidos por Porter e Brown(1991:20) como sistemas “de normas e regras que são especificadas porum instrumento multilateral legal entre Estados para regular ações nacionaisnuma dada questão”, vem-se buscando construir a governabilidade sobreo meio ambiente planetário. Ao mesmo tempo, a definição e aimplementação desses regimes ambientais globais vêm catalisando boa partedos conflitos internacionais em torno da questão ambiental.

Porter e Brown (op. cit.) visualizam três grandes cenários alternativospara a construção de um ordenamento político-institucional, em âmbitomundial, nesse campo:

a) a continuidade de mudanças incrementais na diplomacia global,tal como já vem ocorrendo nas duas últimas décadas, supondo-se serempossíveis avanços significativos nas questões relacionadas ao meio ambiente,dentro do quadro político-institucional e econômico hoje vigente.

b) a concretização de um novo padrão de parceria Norte-Sul, emtorno de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, a partir de uma“barganha global” envolvendo cooperação econômica e tecno-científica epreservação ambiental, o que suporia, no entanto, mudanças significativasno atual sistema político-econômico internacional.

c) a criação de novas instituições para uma administração ambientalglobal, superpondo-se ao poder dos Estados individuais, de modo a viabilizaro cumprimento de fato dos acordos ambientais internacionais.

Os autores concluem que a segunda alternativa (parceria global)poderia trazer avanços qualitativamente novos para a cooperação em meioambiente, mas consideram a sua concretização praticamente impossível,devido à ausência de vontade política para se enfrentarem os problemas

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estruturais das relações Norte-Sul. A terceira alternativa, de umaadministração ambiental global, encontra ainda menor receptividade emface da resistência nos dois blocos de países em abrir mão de suas soberanias.Desse modo, para eles, “a abordagem incremental, sem requerer nenhumamudança política dramática, é obviamente a que mais provavelmente serábuscada.” (Porter e Brown, 1991:156).

Nesse contexto, embora seja cada vez mais importante o papel deoutros atores, como as organizações não-governamentais (ONGs), asempresas e a opinião pública em geral, acredita-se que os Estados deverãodesempenhar papel proeminente, na área ambiental: (a) na definição deinstrumentos legais internacionais, (b) nas negociações multilaterais e (c )na influência que exercem através de seus programas de ajuda bilateral e dedoações para bancos multilaterais.

Por outro lado, no atual contexto de globalização e demaistransformações associadas, o papel do Estado-Nação vem sendo objeto dequestionamentos. A esse respeito, fazem-se alguns comentários de ordemgeral.

Duas principais visões têm-se confrontado quanto ao papel doEstado.Uma que considera que ele deixou de ser o principal protagonistadas arenas política e econômica (por exemplo, Attali, 1991). Outra quequestiona a existência de um real enfraquecimento do Estado, acreditandoque este esteja vivendo um processo de revisão de seu papel (por exemplo,Thomson e Krasner, 1990; Walker, 1990).

De acordo com o primeiro ponto de vista, a capacidade dos Estadosem exercer, ou ao menos manter a centralidade de sua autoridade, vemsendo posta em xeque ante a emergência de novas práticas políticas quenão passam necessariamente pelos aparatos estatais; e ante o fato de quemuitas de suas funções vêm sendo assumidas por atores que se superpõemaos Estados tomados individualmente, por exemplo, as organizaçõesmultilaterais e as corporações transnacionais. Paralelamente, como jáassinalado, despontam novos atores, especialmente as ONGs, que procuramatuar como porta-vozes dos interesses da sociedade civil em geral,

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articulando-se também internacionalmente. Estaríamos desse modotendendo para um mundo transnacional ou supranacional.

Argumenta-se, desse ponto de vista que, à medida que o mundotorna-se crescentemente internacionalizado, fortalece-se o papel dosaparatos multilaterais reguladores. Cabe-lhes administrar e normatizar asrelações internacionais, ora mediando conflitos, ora impondo-lhes soluções,freqüentemente porém em acordo com os interesses das partes de maiorpoder político e econômico, que, não por coincidência, são aqueles quemais contribuem material e financeiramente para a sua manutenção.

A criação da Organização das Nações Unidas, em 1946, é um marcodesse processo, representando, em um primeiro momento, o esforço demanutenção da paz e da segurança mundial diante do temor da extensão eda violência de novas guerras. Como já assinalado, foi no âmbito do sistemade organismos a ela vinculados, que ocorreram os esforços mais sistemáticose as iniciativas mais abrangentes de se constituir um aparato institucionalpara lidar com os problemas ambientais mundiais. A ONU vem, no entanto,vivenciando uma séria crise institucional, ante a inoperância ou a ineficáciacom que desempenha muitas de suas atribuições.

O palco privilegiado de definição das regras de convivênciainternacional desloca-se, progressivamente, para o âmbito da OrganizaçãoMundial do Comércio, frente ao maior poder de enforcement das sançõescomerciais para o cumprimento de acordos multilaterais. Nesse sentido, aagenda de questões abrangidas pela atual OMC alarga-se consideravelmente,como já anteriormente sinalizado no caso da propriedade intelectual etambém da área ambiental.

Desse modo, à desregulamentação devida à retirada do Estado devários campos da vida econômica e social, sob a justificativa de abrir espaçopara a ação das forças de mercado, seguem-se novas regulamentaçõesestabelecidas nos organismos multilaterais a partir dos interesses dos grandespólos de poder mundial. Permanece porém a dificuldade de dargovernabilidade às cada vez mais numerosas e complexas questões deabrangência global, em face da superposição — e a disputa — de mandatose competências entre essas diferentes instâncias multilaterais.

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Sob uma ótica distinta, argumenta-se que a importância do Estadodeverá ser preservada, considerando que:

1. as organizações multilaterais têm não tanto um carátersupranacional, mas, ao contrário, representam a consolidação e aformalização da soberania dos Estados como princípio constitutivo daordem política, bem como o fortalecimento de uma comunidade maispropriamente internacional.

2. o próprio Estado está modificando-se para responder aos novospadrões e exigências colocados pelo processo de globalização. Segundoessa abordagem, nunca houve uma “idade de ouro” do controle do Estado.Nos últimos dois séculos, o Estado tomou para si muitas das funções antesexercidas por atores privados, assistindo-se hoje, sim, à consolidação deuma autoridade última no interior do território nacional.

3. a sobrevivência dos atores não-estatais pressupõe e dependelargamente do próprio Estado, como assinalado por Thomson e Krasner(1990:198;215):

“A consolidação da soberania — isto é — o estabelecimento deum conjunto de instituições exercendo a autoridade final sobreum território definido — foi uma condição necessária para maistransações econômicas internacionais. (...) Se as macro-estruturas[Estados-Nações] desmoronassem, os micro-processos [atores nãoestatais] quase que certamente colapsariam também. A transiçãoda atual macro-estrutura para algo alternativo não ocorrerá sendocorroída por micro-processos.”

Essas duas visões convergem, por outro lado, para o reconhecimentode que o Estado passa por profundas mudanças, não sendo portanto umaentidade imutável, mas historicamente condicionada.

No que diz respeito especificamente à área ambiental, observa-se,desde os anos 70, um aumento significativo do número de organismos einstrumentos de governo orientados para normatizar, regular e implementar

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ações sobre o meio ambiente. Isto pode ser explicado pelo caráter públicoou coletivo dos problemas ambientais, em termos tanto de suas causas,como de seus efeitos, fazendo com que, como assinalado por Bursztin(1993:85), “até mesmo os mais radicais expoentes do pensamento neoliberalviriam a admitir que neste terreno caberia ao Estado o papel de definiçãodas regras do jogo econômico e de assegurar o seu cumprimento”. Aomesmo tempo, recentemente, houve um certo refluxo, dentro das agendaspolíticas nacionais (inclusive dos países centrais), em relação aos temasrelacionados ao meio ambiente, diante da gravidade de outros problemasdomésticos, como inflação e desemprego.

Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente

na Geopolítica Contemporânea

Ainda é cedo para se proceder a uma avaliação conclusiva a respeitodos rumos que irá tomar esse conjunto de vetores nas arenas científico-tecnológica e ambiental e, muito menos, para se vislumbrar com precisãosuas implicações no futuro perfil do cenário geopolítico. Muitos são osinteresses em jogo, bem como diversas são as questões (re)emergentes eseus reflexos nas diferentes escalas geográficas.

Pluralidade e complexidade são os termos que talvez melhordefinam o atual contexto internacional, em que convivem tendênciasdíspares e complementares: globalização/fragmentação;homogeneização/diferenciação; ordem/desordem; cooperação/competição; (neo)liberalismo / (neo)protecionismo.

Ainda hoje, no entanto, apesar das muitas novidades na geopolíticamundial, algumas velhas questões se põem: abrem-se novos espaços para aincorporação dos “excluídos” ou “não-hegemônicos”, sejam eles países,regiões, segmentos sociais, ou ainda crenças, etnias e culturas, segundo umanova ótica de desenvolvimento global/regional/nacional/local? Ou tendema aprofundarem-se as desigualdades e desequilíbrios sociais, econômicos eespaciais no seu conjunto? Posto de outra maneira: caminha-se para um

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aumento das desigualdades e excludências ou para um desenvolvimentomais eqüitativo e equilibrado?

A realidade hoje mostra que apenas cerca de 20% da populaçãomundial, concentrada em países da OCDE, tríade ou “Norte”, além dascorporações transnacionais e elites dos países da periferia, representam aparcela integrada e globalmente interativa; enquanto que os outros 80%são de pobres e excluídos, majoritariamente localizados em países emdesenvolvimento ou Sul (FAST, 1992). As atuais tendências nas relaçõesinternacionais não têm indicado uma maior integração ou benefício dessesegundo grupo. Ao contrário, esses parecem estar cada vez maismarginalizados, ou pelo menos desconsiderados, nos novos arranjosgeopolíticos.

A globalização tem no vetor científico-tecnológico um dos seus eixoscentrais. Mas o novo sistema técnico-científico mundializado mais contribuipara a unificação do que para a união do espaço planetário (Santos, 1996).Ao mesmo tempo em que novos meios técnicos, a partir das modernastecnologias de informação e comunicação, permitem um maior e mais ágilintercâmbio de informações, também impõem-se novas barreiras políticas,econômicas e institucionais, restringindo o fluxo internacional deinformações consideradas estratégicas.

A informação constitui, por outro lado, um instrumento fundamentalna busca de padrões mais sustentáveis de desenvolvimento, na medida emque assume:

(a) um caráter científico, atuando como instrumento e produto doavanço do conhecimento científico a respeito da natureza em si, sua lógicade funcionamento, seu estado atual e suas possíveis reações em face daintervenção humana;

(b) um caráter técnico-econômico, sendo simultaneamente meio eresultado do desenvolvimento de tecnologias orientadas para o melhoraproveitamento e proteção da natureza enquanto recurso;

(c) um caráter sociopolítico, servindo como ferramenta para osusuários no exercício consciente de seus papéis de tomadores de decisãonos diferentes níveis;

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(d) um caráter geopolítico, constituindo um elemento de barganhapolítica, nos novos termos que se impõem às relações Norte-Sul, no atualcontexto.

No entanto, enquanto globalizam-se os mercados e as transaçõesfinanceiras, também ampliam-se as diferenças entre os países mais e menosdesenvolvidos tecnologicamente. Nos termos em que tais transformaçõesse realizam, exigem-se elevados investimentos em pesquisa, em infra-estrutura e na formação de recursos humanos altamente qualificados,fazendo com que os países periféricos tendam a perder, ou a ver redefinidas,o que antes eram consideradas suas vantagens comparativas, tais como,recursos naturais abundantes e mão-de-obra barata.

Aqueles que já contarem com investimento acumulado no campo daeducação, da ciência e da tecnologia poderão tirar vantagens dastransformações no quadro mundial, enquanto que os que não conseguiremsuperar seus problemas estruturais de falta de capital, de escassez de mão-de-obra qualificada e de pouco dinamismo econômico e tecnológico deverãoficar cada vez mais alijados dessa nova dinâmica. Considerando a velocidadecom que as inovações tecnológicas vêm ocorrendo, a pouca prioridade queos países de maior atraso tecnológico ainda dão à ciência e tecnologia e oacesso mais restrito aos novos conhecimentos científicos e tecnológicos,parecem remotas as chances de esses países romperem com tal situação dedesvantagem21.

“Espaços hegemônicos” superpõem-se assim a “espaços subalternos”(Santos, 1996), em uma hierarquização ditada em grande parte pelo controlede informações estratégicas, particularmente aquelas que se constituemem produtos e insumos de novos conhecimentos científicos e tecnológicos.

Estabelece-se então um novo arranjo ou equilíbrio de forças que,ainda que competidoras entre si, tendem a constituir-se, no conjunto, em

21 Enquanto os Estados Unidos investiram, 1995, 2,4% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento,o Japão 2,7% em 1993 e a Alemanha 2,5%, o México investiu 0,32% em 1993 e o Brasil 0,42% em1994 (dados do Science & Engineering Indicators, 1996), lembrando-se ainda a diferença dos PIBs dessespaíses.

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um novo bloco de poder de indiscutível hegemonia no cenário mundial. Afeição da futura “nova ordem mundial” poderá assim expressar aconvergência e a supremacia dos interesses dos grandes blocos econômico-comerciais, representados pela tríade Estados Unidos, Europa e Japão, ouagrupados no G722 (hoje G8, com o ingresso da Rússia).

Por outro lado, é cada vez mais corrente a percepção de que o atual(des)equilíbrio de forças internacionais poderá encontrar seu ponto deinflexão justamente nas crescentes disparidades entre incluídos e excluídose no aprofundamento do conflito Norte-Sul. Nas disparidades e conflitosdaí decorrentes, as interfaces que se estabelecem entre as dinâmicascientífico-tecnológica e ambiental podem apresentar perspectivas demudanças significativas.

É, portanto, como parte e expressão desse conjunto de vetores evariáveis, que a questão da biodiversidade será a seguir analisada.

22 Formado pelos sete países mais ricos do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França,Itália, Japão e Reino Unido.

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CAPÍTULO II

Biodiversidade como Questão Estratégica

Os nexos que hoje se estabelecem entre ciência, tecnologia e meioambiente, como elementos da geopolítica, evidenciamdo-se particularmente,na questão da biodiversidade.

A biodiversidade desponta dentre os temas ambientais globais nosanos 80. Em linhas gerais, duas grandes motivações contribuíram para trazê-la à cena internacional e para determinar o seu caráter estratégico, desdeentão. Uma delas relaciona-se ao aumento da percepção, pelos cientistas epor crescentes segmentos da sociedade em geral, a respeito da premência eda importância de se tomarem medidas de maior alcance visandoresguardar a existência das diferentes formas de vida na Terra.

A motivação determinante para o recente alarde em torno daproblemática da biodiversidade, porém, foi a possibilidade, através do avançoda fronteira científico-tecnológica, de manipulação da vida do ponto devista genético, potencializando largamente seus usos e aplicações eampliando o interesse de importantes segmentos econômicos e industriaisna biodiversidade como capital natural de realização futura.

Nesse novo contexto, a temática da biodiversidade deixa de pertenceràs esferas científica e ambiental estritas, passando a estar no centro deacirradas disputas geopolíticas, particularmente em torno do acesso a

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recursos genéticos e do acesso à tecnologia, como vias de acesso àinformação estratégica associada à biodiversidade.

Neste capítulo, situam-se os elementos que caracterizam abiodiversidade como questão estratégica na geopolítica global,sistematizando-se os grandes temas em debate e os principais conflitos aseu respeito.

Emergência da Questão

A biodiversidade emerge como uma questão ao mesmo tempourgente, do ponto de vista ambiental, e estratégica, dos pontos de vistaeconômico, político e social, ganhando importância para um conjunto cadavez mais amplo e diverso de atores sociais.

A diversidade da vida é elemento essencial para o equilíbrio ambientalplanetário, capacitando os ecossistemas a melhor reagirem às alteraçõessobre o meio ambiente causadas por fatores naturais e sociais, considerandoque, sob a perspectiva ecológica, quanto maior a simplificação de umecossistema, maior a sua fragilidade. A biodiversidade oferece tambémcondições para que a própria humanidade adapte-se às mudanças operadasem seus meios físico e social e disponha de recursos que atendam a suasnovas demandas e necessidades.

Historicamente, as áreas de aproveitamento de recursos genéticos ebiológicos têm sido inúmeras, destacando-se a alimentação, a agricultura ea medicina, dentre outras aplicações. Estas aplicações vêm sendorecentemente redirecionadas e potencializadas pelo desenvolvimento dasbiotecnologias avançadas e da engenharia genética.

Os avanços científicos nesses campos motivam fortes esperanças deque possam contribuir para prevenir ou combater doenças e disfunções atéentão causadoras de grandes males à humanidade e para multiplicar a ofertade alimentos de modo geral, bem como prometem elevados ganhoseconômicos a partir dos novos produtos daí gerados. Ao mesmo tempo,

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porém, levantam-se sérias dúvidas e controvérsias quanto às implicaçõeséticas da aplicação desses novos conhecimentos e mesmo quanto aos seuspossíveis, mas ainda imprevisíveis, impactos sobre o meio ambiente e asaúde humana.

Este item dedica-se a explorar essas múltiplas dimensões associadasà emergência recente da questão da biodiversidade como questão ambientalglobal, começando pelo próprio conceito.

Conceito

O conceito de biodiversidade, com a abrangência do seu significadoatual, ganha expressão na década de 198023. Nele incluem-se todos osprodutos da evolução orgânica, ou seja, toda a vida biológica no planeta,em seus diferentes níveis — de genes até espécies e ecossistemas completos— bem como sua capacidade de reprodução. Corresponde à “variabilidadeviva”, ao próprio grau de complexidade da vida, abrangendo a diversidadeentre e no âmbito das espécies e de seus habitats (Wilson, 1988; Raven,1992).

Para efeito deste estudo, ainda que reconhecendo a existência de umamplo debate, nos meios científicos, a respeito do que seria uma definiçãomais precisa para o conceito de biodiversidade, assume-se a que é utilizadana Convenção sobre Diversidade Biológica, que, em seu Artigo 2º, definediversidade biológica como sendo:

“a variabilidade de organismos vivos de todas as origens,compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres,marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexosecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidadedentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.”.

23 De acordo com Alencar (1996), o conceito de biodiversidade projeta-se em 1986, com a publicaçãodo trabalho de Elliot Norse e outros sob o título Conserving Biological Diversity in our National Forests.The Wilderness Society: Washington, D.C.

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O conceito de biodiversidade, dessa forma definido, envolve,portanto, diferentes níveis de diversidade24 .

Do ponto de vista genético, significa a variação de genes no âmbitodas espécies, caracterizando a existência de diferentes populações (porexemplo, os diferentes tipos de arroz) ou a variação genética dentro deuma mesma população. Em outras palavras, consiste no material primário,ou na porção hereditária, que possibilita o desenvolvimento de diferentesorganismos a partir de uma mesma espécie ou população, no contexto dopróprio processo evolutivo.

Embora diversidade e variabilidade genética sejam freqüentementeutilizadas como sinônimos de variação genética, é possível fazer umadistinção entre os dois conceitos, segundo a qual diversidade genéticacorresponde ao “somatório da variação genética disponível ou conhecidamais a variação genética potencial ou ainda desconhecida”, e variabilidadegenética à “porção da diversidade genética disponível ou conhecida emnível de espécie.” (Morales e Valois, 1995).

Do ponto de vista de espécies, é definida pela variedade de espéciespresentes dentro de uma região, o que pode ser medido pela simplescontagem do número de espécies ou pela diversidade taxonômica,considerada mais precisa. Essa segunda abordagem é ilustrada através dedois exemplos. Uma ilha com duas espécies de pássaros e uma espécie delagarto apresenta uma maior diversidade taxonômica do que uma ilha comtrês espécies de pássaros, mas nenhum lagarto. Do mesmo modo, aindaque existam muito mais espécies vivendo em terra do que no mar, as espéciesterrestres são mais proximamente relacionadas do que as marinhas, fazendocom que a diversidade de espécies dos ecossistemas marinhos seja bemmaior do que a princípio poderia parecer.

Dois membros de uma mesma espécie nunca são geneticamenteiguais, implicando que, mesmo se uma espécie ameaçada é salva de extinção,ela terá provavelmente perdido muito da sua diversidade interna nesse

24 As definições e exemplos aqui citados baseiam-se principalmente WRI;UICN;PNUMA, 1992.

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processo. Ainda mais que, quando populações ameaçadas conseguemexpandir-se novamente, elas tornam-se geneticamente mais uniformes doque seus ancestrais.

Diversidade de ecossistemas é considerada a mais difícil de se medir(até pela dificuldade de delimitar os diferentes ambientes), embora suadiversidade de estruturas e funções seja um parâmetro de alta relevânciaem termos da diversidade biológica.

Também cada vez mais a diversidade cultural humana — incluindo adiversidade de línguas, crenças e religiões, práticas de manejo do solo,expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributoshumanos — é interpretada como sendo um componente significativo dabiodiversidade, considerando as recíprocas influências entre o ambiente eas culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendoampliado para o de sociobiodiversidade.

Já os termos recurso biológico e recurso genético supõem o seuatual ou potencial valor ou utilidade. A Convenção sobre DiversidadeBiológica define, em seu Artigo 2º, recursos biológicos comocompreendendo “recursos genéticos, organismos ou partes destes,populações, ou qualquer outro componente biótico de ecossistemas, dereal ou potencial utilidade ou valor para a humanidade”. E recursos

genéticos como significando “material genético de valor real ou potencial”.No mesmo artigo, a Convenção define ainda como material genético

“todo material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenhaunidades funcionais de hereditariedade.”. Ou seja, os recursos biológicosdizem respeito aos organismos em si, enquanto que os recursos genéticosreferem-se ao material genético presente nesses organismos.

A biodiversidade não consiste, portanto, tão-somente em um conjuntoou somatório de seres vivos, mas em um sistema cujos componentes mantêmrelações de interdependência e de complementaridade, e cujo equilíbriodas partes afeta o equilíbrio do todo e vice-versa.

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Ameaças à Biodiversidade

Ainda é pequeno o conhecimento que hoje se dispõe a respeito dadiversidade de vida na Terra, mas não há dúvidas sobre o fato de que muitasespécies de plantas e animais terão desaparecido antes mesmo de teremsido conhecidas, particularmente nos trópicos, onde se concentra a maiorparcela dos recursos biológicos e genéticos do mundo. Dentre os paísesque se afiguram como detentores de maior biodiversidade, destacam-se: oBrasil, a Colômbia, a Indonésia, o México, o Peru, Madagascar e a Austrália(desses, o único pertencente ao bloco dos chamados desenvolvidos), nãonecessariamente nessa ordem (os critérios e metodologias são vários).

Não se sabe o número exato de espécies existentes no planeta, nãose conhece a fundo sua distribuição geográfica, suas características biológicase sua vulnerabilidade às mudanças ambientais, nem se detêm informaçõesprecisas sobre as atuais taxas de redução da biodiversidade. O que há sãoestimativas: calcula-se entre 5 milhões e 30 milhões o atual número total deespécies de organismos vivos (alguns chegam a estimar de 7 milhões a 100milhões de espécies, considerando que alguns habitats25 permanecemrelativamente inexplorados, como as florestas tropicais, os recifes de coraise os leitos profundos dos oceanos), o que equivaleria a uma pequena parceladas possivelmente meio bilhão ou mais de espécies já existentes desde aaparição de seres vivos na Terra há cerca de 4 bilhões de anos (Wilson,1988; Myers, 1988; Agarwal & Narain, 1992).

No entanto, até o final da década de 1980, conseguiu-se descreverapenas 1,4 milhão de espécies em todo o mundo, incluindo,aproximadamente: 750.000 insetos; 41.000 vertebrados; 250.000 plantas e360.000 invertebrados, números esses que são ainda hoje os mais citados.Das espécies então catalogadas pela literatura científica, apenas cerca de500 mil são de regiões tropicais e subtropicais, o que revela o poucoconhecimento produzido sobre tais regiões, comparativamente ao

25 Define-se habitat como “o espaço usado por um organismo, junto com outros organismos com osquais coexiste, e os elementos climáticos e da paisagem que o afetam” (WRI/UICN/PNUMA, 1992).

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conhecimento já gerado sobre as áreas temperadas do Norte (Wilson, 1988;Raven, 1988).

Durante bilhões de anos, a extinção de espécies ocorreu como partede processos dinâmicos e naturais, dando lugar ao surgimento de novasvariedades. Fatores físicos abióticos (como clima, solo, água, processosgeológicos e geoquímicos); fatores bióticos diversos (como interações ecompetições entre organismos, mutações genéticas e outros); padrões ecomportamentos de espécies individuais (por exemplo de reprodução ealimentação), além das complexas interações entre esses diferentes fatores,vêm sendo determinantes para a manutenção e o desenvolvimento dadiversidade biológica.

Mas a atual destruição da biodiversidade, considerada a mais drásticajá ocorrida nos últimos 65 milhões de anos (quando houve odesaparecimento dos dinossauros), é causada principalmente por práticashumanas predatórias ao meio ambiente, as quais acentuaram-sesobremaneira desde o estabelecimento das modernas sociedades industriais.Calcula-se que a presente taxa de extinção de plantas e animais seja centenasde vezes — provavelmente até milhares de vezes (pelo menos 25.000 vezes,para Agarwal & Narain, op. cit.) — maior do que a que houve no passado.Segundo algumas estimativas, até o final do presente século, poderá haveruma perda de cerca de 10% das espécies atuais e, nas próximas duas décadas,essa perda poderá chegar a mais de 25%.

A devastação dos habitats naturais, particularmente das florestastropicais, é considerada o fator determinante das atuais e projetadas taxasde extinção da biodiversidade. A fragmentação e a conversão (principalmentepara uso agrícola) dos ecossistemas florestais vêm sendo causadas tantopelo impacto provocado por grandes empreendimentos econômicos, comopelo efeito cumulativo de pequenos empreendimentos individuais. Aprogressiva alteração desses ecossistemas está relacionada à extração deprodutos florestais em patamares insustentáveis, ao uso do fogo e a outrosprocessos impactantes sobre o meio ambiente. A atividade agrícola égrandemente responsabilizada pela introdução de pestes, patógenos e

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parasitas, além do deslocamento de espécies nativas a partir da introduçãode espécies exóticas, incluindo microrganismos, fungos, insetos, entre outros.

Outros fatores concorrem, ainda que indiretamente, para a existência,em grande escala, de práticas predatórias das florestas e para a conseqüenteperda da sua diversidade biológica, dentre os quais podem ser citados: anão contabilização do valor ecológico e econômico do capital natural; adesconsideração, pelas políticas públicas, da importância de se conservar adiversidade biológica nesses ecossistemas; a inadequação de políticas eprogramas de instituições financeiras internacionais e respectivos doadores;a adoção de padrões insustentáveis de consumo, produção e comércio; e aspressões demográficas.

Inversamente, é cada vez maior o reconhecimento do papel positivoque populações nativas e locais, particularmente populações ditas“tradicionais”, especialmente as indígenas, têm desempenhado naconservação e no uso sustentável da diversidade biológica das florestas,embora, desse reconhecimento, poucos benefícios tenham até entãoresultado para as mesmas.

Ao longo de décadas e séculos, essas populações vêm contribuindopara a conservação e o desenvolvimento in situ de muitas espécies florestaisimportantes, por meio de seu conhecimento empiricamente acumuladosobre os habitats naturais, bem como de suas práticas agrícolas e desubsistência adequadas ao meio ambiente local, atuando como verdadeiras“guardiãs” do patrimônio biogenético do planeta. No entanto, a conversãoe a degradação das florestas têm sido acompanhadas da desagregação dessascomunidades, de suas práticas e de seus conhecimentos. Ou seja, à perdade biodiversidade tem também correspondido uma significativa perda dediversidade sociocultural.

As Novas Biotecnologias e o CaráterEstratégico da Biodiversidade

Ao longo da história, vários usos têm sido dados à biodiversidadeenquanto recurso, especialmente na alimentação e agricultura e na saúde humana.

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Na agricultura, as plantas vêm sendo mais comumente utilizadas comofontes de novos cultivos, como material para reprodução de novas variedadesde espécies e como insumos de novos pesticidas biodegradáveis. No entanto,é cada vez menor o número de espécies vegetais aproveitadas para aprodução de alimentos, o que tem sido agravado pela padronização geradacom o movimento de globalização da economia. Das milhares de espéciesvegetais com potencial alimentício para os seres humanos (em torno de80.000, segundo alguns cálculos), apenas cerca de 150 chegaram a ter algumaimportância no comércio mundial, das quais menos de 20 são hojeresponsáveis pela maior parte da produção de alimentos. E, dentre essas,predominam quatro das maiores espécies de cultivos de carboidratos — afarinha, o milho, o arroz e a batata. A contínua perda de biodiversidadepode comprometer a capacidade de importantes cultivos agrícolas — cujasvariedades mais primitivas e selvagens praticamente desapareceram — deadaptarem-se a mudanças climáticas e de resistirem ou conviverem comnovos agentes patogênicos (Plotkin, 1988; Axt et al., 1993).

A biodiversidade é também essencial para a saúde humana. Quasetodos os remédios já produzidos no mundo têm sua origem associada aplantas, a animais ou a microrganismos. Ainda hoje, cerca de 80% dapopulação mundial recorre a medicamentos tradicionais, a maior parte deorigem vegetal (só na medicina chinesa tradicional, são usadas mais de5.100 espécies); e 50% ou mais dos remédios utilizados pelos outros 20%da população do planeta (a maior parte de países desenvolvidos) sãoderivados de produtos naturais (só nos Estados Unidos, um quarto de todasas receitas médicas têm componente vegetal) (Raven, 1992; Axt et al., 1993;Baker et al., 1995). Segundo Seidl (1994), só a França e a Alemanha vendemhoje mais de US$ 300 milhões/ano de produtos medicinais de origemvegetal, os chamados remédios “alternativos”.

O relativo predomínio da química sintética na produção de remédios,observado nas últimas décadas, vem dando lugar ao ressurgimento dointeresse pela pesquisa química médica e orgânica no uso terapêutico deplantas e outros organismos (o auge das pesquisas sobre fármacos baseadosem plantas, pelo menos nos Estados Unidos, ocorreu entre os anos de

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1950 e 1960, declinando desde a década de 1970, devido aos escassosresultados obtidos). Esse potencial foi ainda pouco explorado, considerandoque, das cerca de 250.000 espécies de plantas já conhecidas, apenas 90 jáserviram de base para a produção industrial dos remédios de origem vegetalatualmente mais utilizados no mundo. Menos ainda se sabe sobre oaproveitamento de insetos, microrganismos e espécies marinhas.

Um outro campo importante relacionado ao uso econômico dabiodiversidade é o do turismo e do lazer, já que as áreas ricas em diversidadede plantas, animais e ecossistemas são também atrativos cenários para ochamado turismo “ecológico”, que, já no início da década, movimentavaanualmente, no mundo, algo em torno de US$ 12 bilhões (dados citadospor WRI/UICN/PNUMA, 1992).

Mas é o aproveitamento dos recursos biológicos e genéticos comomatéria-prima para as modernas biotecnologias que atualmente confere àbiodiversidade um valor estratégico, no chamado novo paradigmatecnológico, potencializando seus tradicionais usos e aplicações.

De modo geral, o conceito de biotecnologia pode incluir “qualquertécnica que utilize organismos vivos (ou partes de organismos), com algumdos seguintes objetivos: produção ou modificação de produtos;aperfeiçoamento de plantas ou animais e descoberta de microrganismospara usos específicos.” (Ramalho et al., 1990). No início da década de 1970,a partir do desenvolvimento da técnica do DNA26 recombinante27, quepermitiu a transferência de material genético entre organismos vivos atravésde meios bioquímicos, passaram a existir dois conceitos de biotecnologia: abiotecnologia tradicional e a biotecnologia moderna.Esta última estáassociada à possibilidade de obtenção de produtos e substâncias a partirdas novas técnicas genéticas, e não só do cruzamento de espécies já existentesna natureza.

26 O DNA ou, em português, ADN - ácido desoxirribonucléico - é a substância responsável pelainformação hereditária contida nos gens.27 Outras duas rotas tecnológicas relevantes, do ponto de vista das biotecnologias modernas, são afusão nuclear (permite a fusão de características de células distintas em uma célula híbrida ouhibridoma) e os métodos de bioprocessamento (permite a produção em larga escala dos produtosobtidos por processos biológicos).

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Desse modo, a partir da convergência da biologia molecular, daquímica e da genética, abre-se a possibilidade de não só desvendar osmistérios da herança genética, como também de manipulá-la, o que fazcom que o século XXI seja desde já considerado a era do gen (Wilkie,1994), ou do paradigma biotecnocientífico (Schramm, 1996).

Há cada vez maiores indícios de que boa parte das doenças possuemforte componente genético, fortalecendo as expectativas com respeito àmedicina genética preventiva. O Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990com o objetivo de mapear e analisar todo o código genético humano, é omais ambicioso nesse sentido. Contando essencialmente com a participaçãode cientistas e laboratórios do mundo desenvolvido, e envolvendo umorçamento de mais de 3 bilhões de dólares, para um período de 15 anos,promete gerar, ao final da primeira década do próximo século, mais de 60bilhões de dólares em vendas de medicamentos, o que representa metade detodas as vendas da indústria internacional no ano de 1992 (Wilkie, op. cit.).

Pequenas empresas especializadas em biotecnologia (as entãochamadas NBF — new biotechnology firms) começaram a ser constituídas emmeados da década de 1970, geralmente por pesquisadores e principalmentenos Estados Unidos, baseadas na aplicação intensiva, na produção industrial,dos novos conhecimentos da biologia molecular. Mas o centro dinâmicodo setor foi sendo progressivamente deslocado dessas empresas emergentespara os grandes grupos, em especial dos segmentos químico e farmacêutico,motivados pela busca de renovação de seus mercados e de suas margens delucratividade, no quadro de transformação da base técnico-produtivamundial observada a partir dos anos 70. Os investimentos em biotecnologiamoderna, no plano internacional, representavam novas possibilidades deganhos econômicos para esses setores industriais, através da diversificaçãode produtos e aplicações, sendo a maior parte desses investimentos dirigidospara as áreas de saúde humana e animal, plantas e agricultura e especialidadesquímicas.

Em saúde humana, os principais alvos de aplicação de recursosfinanceiros em pesquisa são as chamadas doenças “incuráveis”, como o

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câncer, a AIDS e infecções associadas, que, segundo estimativas, podemrepresentar um mercado mundial de cerca de US$ 110 bilhões. Na área deplantas, sobressaem a engenharia genética e técnicas intermediárias, comoa cultura de tecidos, sendo seus principais produtos as sementes e mudas“engenheiradas”, com um mercado potencial calculado em US$ 150 bilhõesa US$ 180 bilhões (Ramalho et al., 1990). Nas especialidades químicas, asíntese química vem sendo substituída por processos biotecnológicos, emfunção das vantagens em termos de custos. A área de papel e celulosetambém é objeto de investimentos biotecnológicos, particularmente nodesenvolvimento de sua base florestal, no processamento de celulose e notratamento de efluentes.

O novo segmento industrial aí constituído, com a entrada dos grandesgrupos químicos e farmacêuticos, onde de início dominavam pequenasempresas intensivas em conhecimento, passou a ser formado por umconjunto de empresas de atuação diversificada, mas com uma base científicae tecnológica comum, nucleada em torno das chamadas “tecnologiasgenéricas”.

Essa transformação também modificou os termos de concorrênciaentre os agentes econômicos atuantes no setor, agora definidos a partir dasestratégias e interesses dos grandes grupos. Dados de 1995 sobre ofaturamento e a localização das 10 maiores empresas atuantes nos principaissegmentos em biotecnologia (agroquímica, sementes e farmacêutico), nomundo, revelam uma grande concentração espacial, em termos dequantidade de empresas e do valor de suas vendas, principalmente nosEstados Unidos, Alemanha, Suíça e Inglaterra (Quadro1).

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Quadro 1

Ranking de Países por Vendas das 10 Maiores Empresas nos Seg-mentos de Agroquímica, Sementes e Fármacos

País Vendas 1995 (Us$ Milhões) Percentual (em relação(Número de Empresas) as dez primeiras do setor)

Agroquímica

Estados Unidos (4) 8.860 37,1

Alemanha (3) 6.167 25,8

Suíça (1) 4.410 18,5

Reino Unido (1) 2.363 9,9

França (1) 2.068 8,7

Total (10) 23.868 100,0

Sementes

Estados Unidos (3) 2.070 37,5

Suíça (1) 900 16,3

Japão (2) 750 13,6

França (1) 525 9,5

México (1) 500 9,0

Holanda (1) 460 8,3

Alemanha (1) 315 5,7

Total (10) 5.520 100,0

Fármacos

Estados Unidos (4) 32.140 37,8

Suíça (2) 18.760 22,0

Reino Unido (2) 18.400 21,6

Alemanha (1) 9.420 11,0

Suécia (1) 6.260 7,3

Total (10) 84.980 100,0

Compilação de dados do Agrow, n.º 253, Kent Group Inc e Wall St. Journal

(07/03/96) citados pelo RAFI.

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Verifica-se, portanto, que as grandes empresas atuantes no setorbiotecnológico concentram-se basicamente no hemisfério norte (enquantoque as maiores reservas genéticas localizam-se nos trópicos), sendo essasempresas também as que muito provavelmente mais investem em pesquisae desenvolvimento na área.

Nos anos 90, porém, diminuem as certezas quanto ao retornofinanceiro dos investimentos realizados nos empreendimentosbiotecnológicos. Do mesmo modo, persistem dúvidas sobre o real valorcomercial dos recursos genéticos e bioquímicos. Sabe-se que o interessenesses recursos cresceu, nas últimas décadas, acompanhando o própriocrescimento do interesse nas biotecnologias avançadas. Estima-se que hojemais de 200 companhias e organizações de pesquisa estejam desenvolvendoatividades sistemáticas de investigação (screening) de amostras de plantas e,em menor medida, de animais, de modo a isolar e identificar componentesúteis na fabricação de produtos com propriedades medicinais (Axt et al.,1993). Mas, enquanto alguns acreditam que há ainda um grande potencial aser explorado no aproveitamento dos mesmos, outros são de opinião queesse potencial tem sido superdimensionado.

Polêmicas e Conflitos

Se a emergência da questão da biodiversidade partiu de umaconvergência de interesses com respeito à importância de sua conservação,ela é também hoje objeto de acirrados conflitos, ainda que nem todosclaramente explicitados. Nesses conflitos, a variável científico-tecnológica,cada vez mais, ganha um papel de destaque, do mesmo modo que se revelamais claramente a dimensão geopolítica da questão.

O que está basicamente em questão é a disputa pelo controle sobre abiodiversidade, particularmente sobre a informação contida nos recursosbiogenéticos. Essa disputa vem expressando-se através de um extenso

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debate sobre a propriedade e o status legal dos recursos genéticos, e tambémdos conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade, bem como sobre alegislação de patentes nessa área.

Esses e outros aspectos são a seguir abordados.

Conservar para quem?

Ninguém hoje levanta dúvidas quanto ao fato de que está em cursoum processo de acelerada erosão da biodiversidade. As divergênciasexpressam-se quando se considera a importância econômica dessa perda.E os pontos de vista aí se definem basicamente pelos interesses diretamenteafetados pela conservação, particularmente quando representando umaameaça a interesses econômicos locais.

No plano internacional, os conflitos a esse respeito são menosperceptíveis ou claramente expostos. Pode-se dizer que, potencialmente,existe uma divisão que atinge as próprias indústrias do Norte, colocando,de um lado, alguns segmentos que têm um interesse potencial naconservação dos recursos genéticos como matéria-prima para seusdesenvolvimentos futuros, particularmente as indústrias biotecnológicas,como a farmacêutica; e, de outro, segmentos, como as madeireiras emineradoras, que sobrevivem de um ganho econômico mais imediato daexploração de recursos naturais, com impactos negativos sobre abiodiversidade.

As primeiras estariam implicitamente coligadas com segmentosconservacionistas (do Norte e do Sul); enquanto que as últimas têm uminteresse mais associado a setores locais, também do Sul, que vivem daexploração predatória dos recursos naturais. Conforme expresso pelo FórumGlobal das ONGs, realizado paralelamente à reunião oficial da Rio-92,citando o exemplo da Amazônia:

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“Na floresta Amazônica, por exemplo, o que está em jogo,

simplificadamente, é o conflito entre muitos milhões de dólares em

exportação de madeiras nobres, minérios e energia elétrica (na forma de

alumínio) por indústrias tradicionais que vêm devastando os ecossistemas

há várias décadas, versus alguns (ainda incontáveis) bilhões de dólares

imobilizados nas infinitas combinações genéticas desconhecidas da mata.

A mata intacta, a Amazônia conservada, está sendo contabilizada hoje como

ativo fixo a ser conservado, valorizado e apropriado pelas indústrias de

ponta do século XXI.” (Fórum das ONGs, 1992:60).

A conservação da biodiversidade levanta também polêmicas quandose consideram as estratégias para implementá-la. Existem hoje duasprincipais estratégias de conservação da biodiversidade: a conservação insitu e a conservação ex situ. Além dessas, há medidas controladoras ereguladoras, algumas de caráter repressivo ou inibidor de atividadespredatórias — através, por exemplo, da exigência de realização de estudosde impacto ambiental de grandes projetos, da imposição de normas técnicasde caráter ambiental, do controle efetivo das fontes de poluição e darepressão ao comércio de espécies ameaçadas — e outras de caráterincentivador de atividades benéficas à conservação e ao uso sustentável dabiodiversidade — como a instituição de “selos verdes” e o estabelecimentode incentivos fiscais e creditícios a atividades ambientalmente saudáveis.

A conservação in situ é a que se dá no próprio ambiente onde estãolocalizadas as diferentes formas de vida. Geralmente envolve medidas dezoneamento territorial, de âmbito federal, estadual ou municipal, visando àdelimitação de áreas a serem protegidas do impacto ambiental de atividadeshumanas, áreas essas selecionadas por serem consideradas ecossistemasaltamente relevantes, seja pela biodiversidade ali existente e/ou pela presençade espécies endêmicas (presentes apenas ou quase somente naquele local)ou ameaçadas de extinção.

Há diferentes tipos de conservação in situ, abrangendo: áreas semqualquer intervenção humana (áreas de preservação total), áreas com manejopequeno a moderado, até áreas com manejo intensivo (geralmente para

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espécies domesticadas ou semidomesticadas). É variada a terminologiautilizada em diferentes países para designar essas áreas, sendo algumas dasdenominações utilizadas: unidade de conservação (termo mais utilizadono Brasil), área protegida, área silvestre e espaço protegido (Cases, 1995).

A conservação de habitats naturais passou a ser uma estratégia-chavepara a proteção da diversidade biológica em âmbito global, a partir da décadade 1950. Em meados dos anos 80, havia no mundo cerca de 3.500 grandesáreas de conservação dos mais variados tipos, ocupando aproximadamente4,25 milhões de km2 (Brady, 1988, citando dados de 1987 do U.S. Office of

Technology Assessment). Nessas áreas, estariam representadas cerca de 178das 193 províncias biogeográficas identificadas pela UICN como “umaprimeira aproximação da diversidade de tipos dos grandes habitats da Terra”(Brady, op. cit.). Por outro lado, esses mesmos dados indicavam que, dosnove países apontados como tendo mais de 10% de seu território“protegido” em áreas de conservação, oito eram países em desenvolvimento.Nesse cômputo, menos de 5% das florestas tropicais encontravam-sepreservadas na forma de parques e reservas, sendo apenas 4% das florestasda África, 2% da América Latina e 6% da Ásia (Myers, 1988). O Quadro 2mostra a distribuição, no início da década de 1990, das áreas protegidas emescala mundial.

Quadro 2

Distribuição Mundial das Áreas Protegidas

Regiões Númeo de Áreas Protegidas Área (ha)África 641 124.641.173 (16%)

América do Norte e Central 1.683 261.760.027 (34%)

América do Sul 580 114.373.119 (15%)

Ásia 2.172 101.423.311 (13%)

Europa 1.924 40.088.638 (5%)

União Soviética 213 24.374.326 (3%)

Austrália e Pacífico do Sul 937 84.353.874 (11%)

Antártida 13 257.349 ( 3%)

Total 8.163 751.271.817 (100%)

Fonte: UICN/CNPPA, 1000 World Conservation Monitoring Center apud WRI/UICN/PNUMA, 1992.

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O tradicional enfoque de “conservação da natureza” foi cedendolugar ao enfoque de “conservação da biodiversidade”, na medida em que oconceito ganhou expressão internacional, como atesta a definição de áreaprotegida recentemente adotada pela UICN:

“Uma superfície de terra e/ou mar especialmente consagrada àproteção e à manutenção da diversidade biológica, assim comodos recursos naturais e os recursos culturais associados e manejadaatravés de meios jurídicos ou outros meios eficazes.” (UICN,1994:185 apud Cases, 1995).

O estabelecimento de áreas protegidas como solução para o problemada destruição da biodiversidade é objeto de algumas controvérsias, de ordemtanto técnica como política, a seguir elencadas.

1. Um primeiro aspecto polêmico diz respeito a se o estabelecimentodessas áreas é condição suficiente para garantir a reprodução da variedadede espécies e ecossistemas. No caso da Amazônia, por exemplo, Myers(1992:31) chama atenção para o fato de que:

“se a cobertura de floresta da Amazônia fosse ao final reduzida aessas áreas agora transformadas em parques e reservas, poderíamosantecipar que 66% das espécies de plantas iriam eventualmentedesaparecer junto com quase 69% das espécies de aves e proporçõessimilares de todas as outras categorias de espécies.”

2. Um outro conjunto de dúvidas relaciona-se aos critérios a seremutilizados no estabelecimento de novas áreas de conservação. A esse respeito,Burley (1988:228) levanta a seguinte questão prática:

“deve um tipo particular de ecossistema já representado no sistemade áreas de conservação ser melhor representado, ou deve opróximo esforço de conservação ser orientado para conservaroutros ecossistemas que ainda não estão representados ou nãoadequadamente representados?”.

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3. Um aspecto não-consensual refere-se ainda ao tamanho mínimodos ecossistemas e das populações animais e vegetais através do qual abiota pode-se fazer perpetuar a longo prazo. Os estudos em biologia daconservação vêm constatando a necessidade de delimitar áreas de proteçãocada vez mais amplas, de modo a garantir não apenas a preservação deespécies, mas também a diversidade genética entre populações (Ayres etal.:1996). Além disso, amplia-se a consciência a respeito da importância deuma integração das áreas protegidas com as áreas e comunidades vizinhas,o chamado entorno.

4. Também objeto de grande discussão é o papel das populaçõeshumanas no âmbito dessas áreas reservadas à conservação. Essa questãovem sendo levantada desde a década de 1970, particularmente quando oPrograma Homem e Biosfera (MaB28) da UNESCO recomendouamplamente a criação de “reservas da biosfera”, em que se associamconservação, pesquisa e uso da biodiversidade. Esse programa foi precursorda defesa da associação entre a proteção da natureza e a presença e odesenvolvimento socioeconômico de populações locais (Alencar, 1995).Essa perspectiva permaneceu durante longo tempo incompreendida e atérejeitada pelos ambientalistas, sendo até hoje objeto de debate. A esserespeito, Norgaard (1990:207) lembra que:

“enquanto os historiadores naturais têm recorrentemente retratadoos seres humanos como destruidores dos sistemas naturais, estamosagora aprendendo como os povos tradicionais em baixas densidadespopulacionais foram menos destrutivos e sob algumascircunstâncias contribuíram para o crescimento da diversidadegenética.”.

Complementando esse ponto de vista, Ayres et al. (1996) ressaltam que:

28 Man and Biosphere Program, lançado em 1971 pela UNESCO.

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“a experiência mostrou que a participação dos grupos de interesseé vital para o sucesso das iniciativas de conservação. Qualquermedida de conservação, para ser efetiva, tem que ser socialmenteaceita.”

5. O próprio financiamento para manutenção das áreas destinadas àconservação é tema controvertido, particularmente em países emdesenvolvimento, onde isto é feito de forma bastante precária (no Brasil,por exemplo, estima-se que são aplicados em média US$ 0.02/ha de áreaprotegida), comprometendo os resultados esperados em matéria deconservação da biodiversidade.

6. Por fim, a pergunta “conservar para quem?” põe em chequequem são, ao final das contas, os reais beneficiários de se delimitarem áreasde conservação. Hathaway (1995:12) assim sintetiza as distintas perspectivasa esse respeito, tomando naturalmente partido de uma delas:

“Há uma postura de inspiração conservacionista que apresenta oque seria uma proposta de consenso ideal. (...) o importante éconservar a biodiversidade “para todos”. (...). A fórmula para asáreas de conservação se resume na demarcação de unidades e/ouno zoneamento para uso restrito, onde as comunidades locais (...)assumiriam boa parte da gestão (...) e poderiam tirar seu própriosustento através da exploração e comercialização sustentáveis dosrecursos biológicos da natureza (a exemplo das reservasextrativistas). (...) Os conhecimentos tradicionais seriam valorizadoscomo fonte importante para orientar a criação de novosmedicamentos e cosméticos. (...) O que aquela proposta‘politicamente correta’ normalmente deixa de mencionar é que elade fato contempla dois níveis bem distintos de desenvolvimentoeconômico e tecnológico: um para as comunidades e sociedadeslocais a partir da exploração bruta dos recursos biológicos e outropara as transnacionais e suas próprias economias com base nosrecursos genéticos a serem manipulados em nível molecular.”

Outra grande estratégia de proteção da biodiversidade é a conservaçãoex situ através, por exemplo, de jardins zoológicos e botânicos, de coleções

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de microrganismos (bactérias, fungos, protozoários e vírus) em instituiçõesde pesquisa e bancos de sementes ou germoplasma (material genético).Os jardins zoológicos e botânicos são importantes para a conservação deespécies de animais e plantas em extinção e para o estudo de espécies rarasou pouco conhecidas. Os bancos de germoplasma, além da conservaçãode espécies através do armazenamento das suas seqüências de DNA, têmatuado como fontes de matéria-prima para o melhoramento vegetal naagricultura e como entreposto para o intercâmbio internacional de sementesentre melhoristas.

Também a conservação ex situ de germoplasma é alvo de grandespolêmicas, seja pelas condições inadequadas que freqüentemente oferecemà conservação e à reprodução de espécies, seja pela pequenarepresentatividade das coleções em termos genéticos, ou ainda porque sãomantidas isoladas da dinâmica e evolução do mundo exterior, enquanto,como ressaltado por Hathaway (1995:10), “as populações presentes nocampo continuam evoluindo e se adaptando a mudanças ambientais,deixando estas coleções ultrapassadas.”

Um outro ponto polêmico diz respeito a quem detém o controlesobre essas coleções mantidas ex situ, geralmente centros de pesquisa,empresas privadas, instituições internacionais e governos de países que nãosão os fornecedores originais dessas matérias-primas.

Segundo algumas estimativas, mais de 90% das amostras degermoplasma armazenadas no mundo provêm de países emdesenvolvimento, mas apenas 15% desse material está sob controle de seusgovernos, calculando-se ainda que 55% do germoplasma coletado no mundoestá armazenado em países do Norte (os Estados Unidos sozinhosconcentram 22% desse material) (Agarwal & Narain, 1992). Outrasestimativas dão conta também de que mais de 95% da produção global das20 maiores safras alimentícias são baseadas em material genético de paísesem desenvolvimento (Svarstad, 1994), enquanto que a Europa e a Américado Norte, juntas, encontram menos de seis por cento de suas necessidadesde plantas e espécies animais em seus próprios territórios.

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A maioria dos centros de germoplasma existentes hoje no mundosituam-se, assim, em países desenvolvidos ou estão sob controle de grandesgrupos multinacionais. Em outros termos, boa parcela das amostras debiodiversidade do Sul está sob controle dos países centrais, que as utilizamespecialmente em seus sistemas agrícolas e indústrias farmacêutica ebiotecnológica.

A conservação in situ é, portanto, ainda majoritariamente consideradaa mais adequada dos pontos de vista biológico e político, a despeito dessevariado espectro de questões controvertidas. Na prática, porém, é distintaa ênfase que se dá à conservação in situ daquela que se atribui à conservaçãoex situ, particularmente no caso da biodiversidade agrícola.

Por um lado, cresce o discurso em favor da conservação in situ, ouseja, a biodiversidade das sementes cultivadas por agricultores, boa parteem países periféricos, nas áreas de origem, nas áreas de dispersão dessasvariedades e das espécies, através da pequena agricultura familiar, o que éconsiderado por muitos um processo biologicamente muito maisinteressante e muito mais combinado com uma estratégia dedesenvolvimento sustentável, em termos sociais, ecológicos e econômicos.

Por outro lado, argumenta-se que, concretamente, investe-se muitomais recursos nas coleções ex situ, induzindo deste modo as instituições depesquisa que trabalham na área a também darem maior ênfase a essaestratégia, até porque as grandes indústrias sementeiras e os grandesprogramas públicos e internacionais de melhoramento genético dependeme trabalham principalmente com coleções ex situ.

Soberania sobre a Biodiversidade: do Global ao Local

Um dos temas norteadores do debate em torno da temática dabiodiversidade hoje refere-se à questão da soberania do Estado-Nação (Box 5)sobre a gestão e exploração desses recursos, evidenciando mais uma vezsua dimensão geopolítica. De um lado, colocam-se os que consideram que

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a biodiversidade deveria ser tratada como um recurso global ou uma herançacomum da humanidade, e, portanto, não pertencente às naçõesindividualmente, mas ao mundo em geral. De outro, estão os que se opõemao livre acesso aos recursos genéticos sob jurisdição nacional, já que, apesarde reconhecerem a legitimidade das preocupações mantidas pela“comunidade internacional” quanto à conservação da biodiversidade,consideram que os países que a detêm possuem o direito de explorá-la emseu próprio benefício.

Box 5

Soberania do Estado-Nação

Walker (1990) sistematiza diferentes abordagens para interpretar osignificado de soberania do Estado-Nação:

(a) como “codificação do princípio da igualdade entre membros dacomunidade internacional”, isto é, enquanto instrumento para lidar-se comas situações de desigualdade e de dominação existentes;

(b) como “codificação entre universalidade e diversidade cultural”, visandogarantir a possibilidade de diversidade cultural na diversidade espacialmentelimitada dos Estados-Nações;

(c ) como “princípio legal”;

(d) como “princípio político”.

Já Thomsom e Krasner (1990:195) definem soberania do Estado-Naçãocomo “a habilidade do Estado para controlar atividades que sãonominalmente ou juridicamente assuntos para decisões de autoridade”" ou“o controle de um território definido por um governo estável que exercita aautoridade final.”.

Soberania adquire aqui um duplo significado. No plano das relaçõesinternacionais, representa a afirmação da alteridade entre distintas unidadespolítico-territoriais — os Estados-Nações —, cuja independência ouautonomia interna é reconhecida e respeitada pelas demais. No plano

Box 5○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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interno dos países, significa a afirmação de um poder político centralizadoe de uma autoridade superior — o Estado Nacional, atuando como forçade aglutinação da diversidade no interior do território nacional.

Mas os interesses representados no governo central nãonecessariamente correspondem aos das comunidades locais. Essascomunidades representam microunidades histórico-culturais e territoriaisno âmbito de macrounidades e estruturas que constituem os Estados-Nações.

Alguns segmentos vêm, por esse motivo, pressionando para que asoberania sobre a biodiversidade seja garantida não só ao Estado, emboraente fundamental nesse processo, mas também às populações locais,especialmente as tradicionais, cujas opiniões nas decisões relativas a essesrecursos deveriam ser consideradas, já que são elas que, em última instância,fazem uso direto e prestam significativa contribuição à conservação dosrecursos biogenéticos. Argumenta-se, a esse respeito, que “a nova soberanianacional sobre os recursos genéticos demandada pelos governos no Sulpode entrar em conflito com os interesses dos camponeses e grupos locais”(Svarstad, 1994:47).

A questão da soberania sobre os recursos biogenéticos remete aindaà discussão a respeito da propriedade sobre os mesmos. No caso dosrecursos mantidos in situ, na própria Convenção sobre Diversidade Biológica,levantam-se dúvidas entre os juristas sobre se o conceito de soberania, talcomo nela expresso, define ou não a propriedade estatal sobre esses recursos(Costa e Silva, 1997).

A propriedade sobre os materiais genéticos conservados ex situ temsido também objeto de controvérsia. Em 1987, a Organização paraAlimentação e Agricultura (sigla em inglês FAO29), vinculada à ONU,reconheceu que os materiais genéticos mantidos em bancos de genespúblicos ou governamentais pertenciam ao Estado hospedeiro,independentemente do seu local de origem. Já nos centros internacionais

29 Food and Agriculture Organization of the United Nations Organization.

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de germoplasma, como no caso daqueles associados ao Grupo Consultivosobre a Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), prevaleceu a concepçãodo acesso público ao material coletado, embora muitos considerem quetais centros são, em sua maioria, na prática, controlados por paísesdesenvolvidos, seus principais financiadores (Nijar, 1996).

A FAO vem recentemente promovendo uma rediscussão sobre oassunto, em face das novas orientações estabelecidas pela Convenção sobreDiversidade Biológica, sugerindo o estabelecimento de uma RedeInternacional de Bancos de Genes, a qual deverá cobrir cerca de 70% dosacessos realizados internacionalmente. Países e instituições participantesda Rede deverão comprometer-se a tornar o material genético disponívelpara fins de pesquisa e melhoramento vegetal, desde que respeitando osdireitos dos países provedores.

Propriedade Intelectual sobre Seres Vivos

Mas a disputa pelo controle sobre a biodiversidade vem expressando-se, cada vez mais, na disputa pelo controle da informação estratégica a elaassociada.

Conforme lembrado por Santos (1996:1), “a matéria viva pode sersubmetida à propriedade corpórea, pública ou privada [por exemplo, atravésdo resultado de uma colheita], e à propriedade intelectual”, sendo esta últimaexercida por um prazo determinado e de acordo com a legislaçãoestabelecida em dado território, a qual obedece princípios geraisinternacionalmente definidos. Desse modo, “patentes vêm sendo concedidaspara ‘inovações tecnológicas’ relacionadas com o todo ou parte de seresvivos, sejam estes microrganismos, plantas ou animais (transformados pelaengenharia genética ou não), assim como para genes ou parte destes”,abrangendo produtos, seus usos e processos de obtenção (idem).

Os direitos de propriedade intelectual sobre seres vivos ou materialbiológico dizem respeito à informação contida nos genes do organismo e

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não ao organismo em si, diferenciando-se da propriedade física ou corpóreade uma dada espécie de planta ou animal. Apesar dessa diferença, apropriedade intelectual sobre um ser vivo ou matéria biológica pode afetaro acesso ao mesmo (ou a alguma de suas partes) bem como o uso que delese faz, já que possibilita ao “inventor” o exercício de direitos de monopólio,ainda que temporário, sobre sua reprodução e comercialização, ou a cessãodesse direito em troca da cobrança de royalties.

Utilizam-se hoje diferentes formas de proteção legal à propriedadeintelectual relativamente à matéria viva, algumas das quais serão a seguirobjeto de breves comentários, tais como: patentes de seqüências de DNA;patentes de microrganismos; patentes de cultivares e de animais transgênicos;e proteção de cultivares e de direitos do melhorista30 .

Patentes de seqüências de DNA permitem o patenteamento de cadacaracterística de um dado ser vivo de maneira independente, fazendocom que o mesmo possa ser objeto de diferentes patentes. Os problemasrelacionados a esse tipo de proteção patentária vão desde aspectos práticos,como a viabilidade de fiscalização e controle do cumprimento dalegislação; passando por questões econômicas (por exemplo, no caso dasplantas, o acúmulo de patentes pode gerar um igual acúmulo de royalties,com significativo impacto no preço final do produto); até implicaçõeséticas relacionadas à apropriação e privatização do sequenciamentogenético de seres vivos. Apesar das resistências ao patenteamento deseqüências gênicas do ser humano, já ganha espaço a possibilidade depatenteamento de genes humanos a partir de seu uso em pesquisas comfins terapêuticos (Varella, 1996).

Patentes de microrganismos, de origem animal ou vegetal, podemser concedidas à sua seqüência de DNA ou ao microrganismo per se,geralmente — mas nem sempre — de modo associado a um processo de

30 Além desses, no caso das plantas, os chamados híbridos, surgidos na década de 1930, constituemhoje também uma forma de proteção natural de novas variedades, na medida em que sua produtividade,que é de início bastante elevada, decresce rapidamente ao longo de gerações, impedindo assim a suareutilização pelos agricultores que, a cada nova safra, devem adquirir novas sementes no mercado(Varella, 1996).

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geração de um produto determinado. Em 1988 a OMPI definiumicrorganismo, para fins de depósito patentário, como “algo que se pudessedepositar, que fosse autoduplicável ou estivesse incorporado ou contidoem organismos hóspedes e que fosse suscetível de reprodução peladuplicação do organismo hóspede”. Já a Associação Brasileira deBiotecnologia (ABRABI) adotou, em 1990, para efeitos de proteçãopatentária, a definição de que “microrganismos seriam os objetosunicelulares, não-embriogênicos e não diretamente organogenéticos”, sendoainda sujeitos à proteção “os objetos subcelulares, de moléculas a vírus,inclusive genes e vetores de expressão.”.

Patentes de cultivares não são concedidas a características isoladas,mas à nova variedade viva como um todo, obedecendo a todos os requisitosda concessão de patentes de modo geral. Não se permite aqui o replantio,pelo agricultor, das novas sementes naturalmente produzidas a partir daque continha material patenteado.

No caso das variedades de animais ou de animais transgênicos, oreconhecimento de patentes foi de início mais cauteloso devido às suasimplicações éticas, embora também aí já comecem a multiplicarem-se oscasos de proteção patentária, particularmente quando se tratam de pesquisasrelacionadas à prevenção, ao combate e ao tratamento de enfermidades.

Já a proteção não patentária dos direitos do melhorista ou de cultivaresdestina-se especificamente a “prover os melhoristas com o direito exclusivode vender comercialmente uma variedade que seja nova, uniforme e distinta”(UNEP/CDB/COP/3/22, 1996), e diz respeito aos direitos sobre o materialpropagativo de uma dada variedade, no caso a semente31.Vem sendo maisutilizada do que a forma anterior, já que, em princípio, procura atender àsespecificidades do setor de sementes, muito embora os requisitos de registroda nova cultivar sejam muito semelhantes aos do patenteamento32.

31Santos (1995:2)destaca aqui a distinção entre grão (“produto utilizado para consumo ouindustrialização”) e semente (“normalmente definida como qualquer estrutura biológica utilizadapara a propragação de uma dada variedade”).32 Os critérios normalmente utilizados para a concessão de registro da nova cultivar são: novidade,distinguibilidade, estabilidade e, mais recentemente, correta denominação.

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Nesse caso, a exemplo das patentes, o titular do registro é quem temo direito à comercialização da variedade, podendo cedê-lo a terceiros; masdiferentemente das patentes, e pelo menos segundo as regras queprevaleceram internacionalmente até então, o uso da semente por terceirospara fins de pesquisa não requer qualquer autorização do melhorista, bemcomo é permitido o replantio, pelo agricultor, dos melhores grãos obtidosa partir da semente originalmente protegida.

Ainda de acordo com o sistema de proteção de cultivares hojepredominante internacionalmente, o agricultor paga royalties apenas umavez, quando da aquisição no mercado das sementes melhoradas, ficandoisento de fazê-lo na sua reutilização ou comercialização em pequena escala.Os defensores desse sistema alegam que, desse modo, além do monopólioda exploração comercial do invento pelo inventor, a proteção de cultivaresgarante também o “privilégio do agricultor” (Varella, 1996). No entanto,como se verá adiante, as novas regras de proteção de cultivares que setentam impor internacionalmente tendem a reduzir os direitos do agricultore a ampliar os do melhorista.

O marco jurídico da concessão de patentes para organismos vivos,excluindo o homem, no plano internacional, ocorreu quando da decisãoda Suprema Corte Norte-Americana, em 1980, estabelecendo apatenteabilidade de microrganismos engenheirados per se como “fabricaçãoou composição da matéria”33. A partir daí, houve um crescimento vertiginosodos pedidos de patente na área de engenharia genética ao âmbito mundial(os marcos históricos a esse respeito podem ser encontrados em Cronologiaao final do Capítulo).

No que se refere a variedades de plantas, a partir de 1930 os EstadosUnidos passaram a conceder patentes, mas apenas no caso de novasvariedades de plantas reproduzidas por meios assexuais, excluindo-se aquelasreproduzidas por sementes. Na década de 1970, criou-se, naquele país, uma

33 Trata-se da caso Diamond vs. Chakrabarty, em que o Dr. Chakrabarty solicitou e obteve patente para abactéria Pseudomonas, contrariando decisão anterior do United States Patent and Trademark Office (USPTO),que não permitia o patenteamento de seres vivos. A decisão foi baseada no fato de que a bactériapatenteada fora produzida em laboratório, tendo como aplicação a degradação do óleo cru.

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proteção especial para variedades de plantas obtidas por meio sexual, sendoem 1985 admitida a patenteabilidade de plantas pela lei ordinária de patentes.

Na Europa, onde também desde a década de 1930 eram concedidaspatentes de processos na agricultura, a questão foi tratada através da criaçãoda União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV34),em 1961 em Paris, que estabeleceu um conjunto de normas de direitoexclusivo de reprodução de variedades melhoradas. A UPOV é uma entidadeinternacional independente com estreita ligação com a OMPI (OrganizaçãoMundial de Propriedade Intelectual), com sede em Genebra, integrada porrepresentantes de governos, sendo basicamente composta de paísesdesenvolvidos. Diferentemente da Convenção de Paris, na UPOV o principalnão é a atividade inventiva, mas a utilidade econômica da nova cultivar.

A UPOV já promoveu três revisões das suas normas — em 1972,1978 e 1991 — sendo que a versão ainda hoje majoritariamente adotadapelos países-membros é a de 197835, quando estendeu a participação parapaíses não europeus, passando a representar mais de 95% do mercado desementes dos países desenvolvidos de economia de mercado e mais de70% do mercado de sementes de todos os países de economia de mercado.

A versão de 1991 é, por muitos, considerada mais “conservadora” emais alinhada aos interesses das grandes empresas multinacionais desementes do que a anterior, já que nela:

(a) admite-se o duplo sistema de proteção (por proteção de cultivarese por patentes);

(b) estimula-se a proibição do replantio, restringindo assim apossibilidade de o agricultor produzir sua própria semente a partir de umavariedade melhorada;

(c) impõe-se a cobrança de royalties em diferentes etapas do processode produção e comercialização da semente melhorada e

34 Union Internationale pour la Protection des Obtentions Végétales.35 Os países já filiados à UPOV não estão obrigados a aderir às orientações da nova versão, masapenas aqueles que se tornem novos signatários, a partir de uma data estabelecida no início comodezembro de 1995 e ampliada, posteriormente em razão das poucas adesões obtidas na ocasião.

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(d) conferem-se novos poderes ao melhorista quanto à autorizaçãode comercialização do material protegido.

Desse modo, a UPOV 91 estabelece limites muito mais estritos doque a UPOV 78 para a realização de intercâmbio de sementes entre ospróprios agricultores tradicionais, ao permitir que o agricultor que selecionae faz uma pequena melhoria em uma semente, ainda que dentro das práticastradicionais da agricultura, possa registrá-la como uma nova variedadevegetal, investindo-o, desse modo, de maior poder econômico em relaçãoa outros agricultores que desenvolvem a mesma atividade. Fica assimimpedido o pequeno agricultor de selecionar a sua semente e desenvolvero seu cultivar, sem que tenha que pagar por isso, o que tende a beneficiar aagroindústria, que tem muito mais recursos para empreender inovaçõesdesse tipo.

Também dentre as deliberações da Rodada Uruguai do GATT afigura-se a obrigatoriedade de adoção, pelos países signatários daquele Acordo,de mecanismos de proteção de variedades vegetais, mesmo que para tantosejam utilizados “sistemas sui generis” de proteção, dada a inadequação dosinstrumentos de proteção patentária nesses casos.

Essa tendência ao estabelecimento de mecanismos de proteção àpropriedade intelectual sobre seres vivos ou seus componentes vem gerando,no entanto, fortes controvérsias. Os já mencionados problemas (CapítuloI) para aplicação dos princípios de novidade e inventividade, descrição plenado invento e possibilidade de aplicação industrial do produto ou processo,que regem o atual sistema de patentes, são ainda mais agravados na aplicaçãode leis de propriedade intelectual às áreas biológica e biotecnológica, ademaisdas questões de ordem ética, moral e religiosa envolvidas.

Uma primeira dificuldade reside na diferenciação entre um ser vivonatural e um produto biotecnológico, ou entre uma “descoberta” e uma“invenção”, quando se trata de um produto genético “novo”. Existe todauma linha argumentativa segundo a qual as pesquisas biológicas e daengenharia genética geram, na verdade, descobertas e não invenções, jáque nada mais fazem do que recombinar materiais genéticos preexistentes,ou isolar substâncias que ocorrem na natureza.

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Conforme assinalado por Cruz (1996:178):

“A engenharia biológica (...) propõe-se a trabalhar como ummodificador, um transformador (modifier) em estruturas pré-dadase preexistentes, cujas realidades são o dado primário. Estasestruturas não são nem inventadas e nem produzidas como “umnovo ente”. (...) Em engenharia biológica deparamo-nos com umfazer parcial e não um fazer total. O que encontramos são alteraçõesde desenhos, modificações de lay-outs biológicos, ao invés dedesenhos próprios, construídos; e o resultado final não é umartefato ou um produto, no sentido tradicional do termo, masapenas uma diminuta fração de uma transformação em corpospreexistentes.”

Vandana Shiva (1995) é ainda mais enfática quanto a essa questão:

“...realocar genes não equivale a produzir um organismo inteiro.Organismos produzem eles mesmos. Reivindicar que umorganismo e suas futuras gerações são produtos da mente de uminventor, tendo de ser protegido pelos direitos internacionais depropriedade como inovações biotecnológicas, equivale a negar aauto-organização, as estruturas auto-replicantes dos organismos.Colocado simplesmente, equivale a um furto da criatividade danatureza.”

Uma segunda dificuldade da aplicação das leis de propriedadeintelectual nas áreas biológica e biotecnológica consiste no atendimento aorequisito de plena descrição do objeto da patente, em particular quando setrata da descrição de todo ou de parte de um ser vivo (este problema émenor em relação a processos e produtos biotecnológicos36). Fica assimcomprometida a possibilidade de reprodução do “invento”.

36 O Tratado de Budapeste (1977) procurou solucionar essa questão, pelo menos no que se refereaos microrganismos, estabelecendo um sistema internacional de depósitos de microrganismos, sobadministração da OMPI. Não é cumprido, no entanto, o requisito da descrição do invento; e aindaque o acesso a esses microrganismos seja restrito a fins de pesquisa, permanece o problema dasegurança biológica.

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A esse respeito, Barbosa & Arruda (1990:129) opinam que, naconcessão de patentes nas áreas biológica e biotecnológica, o requisito dereprodutibilidade, ou seja, “a capacidade intelectual de reproduzir a idéiainventiva, por sua aplicação material” vem sendo desconsiderada em relaçãoao requisito de repetitibilidade, isto é, “a possibilidade material de obterexemplares do objeto inventado”. Para os autores:

“o sistema de patentes industriais clássico exige a reprodução —que expande o estado da arte — e não a simples repetição — queexpande a produção industrial, que no caso da área biológicageralmente equivale à capacidade de autoperpetuação emultiplicação do próprio objeto.”

Um terceiro aspecto problemático, associado ao anterior, refere-seao cada vez mais freqüente desrespeito ao requisito de aplicação industrialquando da solicitação de uma patente em biotecnologia, o que pode levarao exercício de monopólio sobre materiais genéticos essenciais ao avançoda pesquisa e do conhecimento científico nessa área. Este problema temsido recorrente no caso da solicitação de patenteamento de seqüênciasgênicas.

O escopo e a delimitação do objeto da patente são também pontoscontrovertidos nesses casos, por exemplo, quanto à definição de que partesda estrutura física do gen devem ser patenteadas e sobre qual a abrangênciada patente concedida (um mesmo processo biotecnológico poder gerardiferentes produtos, os quais podem ser, por sua vez, incorporados em outrostantos produtos). Além disso, é importante considerar que o fluxo de genesentre populações (por exemplo, entre variedades melhoradas e espéciessilvestres) freqüentemente ocorre de modo incontrolável (Santos, op. cit..).

Ademais dessas questões “técnicas”, a concessão de patentes nasáreas biológica e biotecnológica envolve outros aspectos de ordem política,social, econômica e ética, mobilizando e afetando diferentes grupos deinteresse, sobre os quais serão comentados apenas alguns.

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Do ponto de vista da transferência de tecnologias, dado o caráterestratégico que assumem as novas biotecnologias, o fluxo internacional deconhecimentos e de documentos de patente da área tende a estar, na opiniãode especialistas, sob o controle político dos países onde se originaram, alémde ocorrer de modo desfavorável aos países em desenvolvimento, comoassinalado por Barbosa & Arruda (1990:142):

“O fluxo tecnológico amparado por patentes não está direcionadopara as necessidades e peculiaridades dos mercados dos países emdesenvolvimento, que, no campo da biotecnologia, podem ter traçosmuito típicos. Ao contrário, tal tecnologia freqüentemente se destinaà substituição de produtos tropicais.”.

No que diz respeito à estrutura industrial, observa-se que ossegmentos que têm sido mais diretamente afetados pelos desenvolvimentosbiotecnológicos — em especial o farmacêutico, a indústria de alimentos ea indústria sementeira — são também aqueles onde o sistema de patentestende a ampliar a concentração de capitais e a favorecer os grandes gruposmultinacionais, que, além de garantir proteção legal aos seus novos produtose processos de elevado valor comercial, ficam possibilitados de exercermaior pressão sobre os preços finais desses produtos socialmenteestratégicos.

A patenteabilidade da matéria viva e de processos biotecnológicostem levantado também questionamentos a respeito de seus impactos sobrea biodiversidade. De um lado, argumenta-se que os sistemas de propriedadeintelectual podem criar incentivos indiretos para a conservação e o usosustentável da diversidade biológica, na medida em que encorajam erecompensam as pesquisas sobre recursos genéticos, desde que se garantaa partilha de benefícios com os que provêem esses recursos ouconhecimentos tradicionais a eles associados.

Por outro lado, teme-se que os atuais regimes de propriedadeintelectual e direitos de melhoristas contribuam para o declínio davariabilidade genética conservada in situ, em razão da concentração das

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pesquisas em poucas variedades mais lucrativas e pelo estímulo querepresentam ao desenvolvimento de novas variedades transgênicas, emdetrimento do uso de variedades tradicionais nos cultivos alimentares. Essaconstatação tem levado a que muitos ambientalistas comecem a reivindicarque os regimes de propriedade intelectual passem também a incluirincentivos à conservação, e não apenas à inovação, e que promovam ainovação também no plano das comunidades locais.

Há ainda a preocupação de que a apropriação privada (ainda queindireta) de recursos genéticos, promovida pela proteção patentária,contribua para restringir o acesso aos recursos biológicos e aos benefíciosadvindos de seu uso; bem como a diminuir o fluxo e intercâmbio de materialgenético, podendo afetar áreas estratégicas, como a de medicamentos e ade segurança alimentar, particularmente quando se trata do patenteamentode plantas.

As modificações mais recentes a esse respeito, a partir da Convençãosobre Diversidade Biológica e suas interfaces com o Acordo TRIPs, serãoabordadas no próximo capítulo.

Controle do Acesso aos Recursos Genéticos

Até recentemente, prevaleceu a concepção (e a prática) do livre acessoaos recursos genéticos, de acordo com a interpretação de que tais recursosconstituiriam uma herança comum da humanidade37. Essa percepçãocomeçou a alterar-se na década de 1970, ante a constatação, pelos paísesem desenvolvimento e ricos em biodiversidade, de que os materiais genéticos

37 “A expressão ‘herança comum da humanidade’ surgiu dos esforços das Nações Unidas para codificara lei internacional do mar e do espaço sideral no final dos anos 1960. O conceito inclui a idéia de quealguns territórios (como a Antártida) e alguns recursos são importantes para todos, e que ‘elesdevem ser preservados no interesse comum de todos os Estados, ou explorados e utilizados demodo a permitir a todos os Estados participarem e gozarem de seus benefícios.” (Rüdiger Wolfrum& Christiane Phillipp, United Nations: Laws, Policies and Practice, London:Martinus NijhoffPublishers (1995), v.1 apud Costa e Silva, 1996).

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originários de seus territórios vinham sendo crescentemente utilizados eapropriados através de mecanismos de proteção intelectual, pelas indústriasbiotecnológicas do Norte; e de que os países e comunidades provedoresdesses recursos não recebiam qualquer benefício como contrapartida aossubstantivos retornos financeiros obtidos através da comercialização dosprodutos daí derivados.

No início da década de 1960, pela primeira vez, uma resolução dasNações Unidas38 afirmou o princípio da soberania dos Estados sobre seusrecursos naturais. Tal concepção foi reafirmada no Princípio 21 daDeclaração do Ambiente Humano da Conferência de Estocolmo em 1972e, posteriormente, no Artigo 16 da Agenda 21 e no Artigo 3 da Convençãosobre Diversidade Biológica, ambas firmadas durante a Rio 92.

Também a preocupação com a conservação dos recursos genéticosganhou projeção internacional na Conferência de Estocolmo. Desde 1947,porém, a FAO vinha atuando como fórum de discussão sobre questõesrelacionadas à conservação e ao controle dos recursos genéticos agrícolase, nos anos 70, como espaço para o debate a respeito das desiguais relaçõesentre fornecedores de germoplasma e os beneficiários do seu uso.

Uma primeira Conferência Técnica Internacional sobre o assuntofoi organizada pela FAO em 1967, com desdobramentos em 1973 e 1981.Em 1983, firmou-se o Compromisso Internacional sobre RecursosFitogenéticos (sigla em inglês, I.U.39) da FAO, reconhecendo o livre acessotanto para o germoplasma básico ou bruto como para as variedadesmelhoradas e de elite. Por seu intermédio, foi explicitado e regulamentadoum sistema, até então não codificado, de livre acesso e de livre troca derecursos genéticos, principalmente para alimentação e agricultura.

Paralelamente, naquele mesmo ano, instituiu-se no âmbito da FAO aComissão sobre Recursos Genéticos Vegetais40, orientada para atuar como

38 Resolução 1803 (XVII) de 1962 (Costa e Silva, op.cit.).39 International Undertaking on Plant Genetic Resources40 O nome dessa Comissão foi modificado, em 1995, para Comissão sobre Recursos Genéticos paraAlimentação e Agricultura - CRGAA, sigla em inglês CGRFA (Commission on Genetic Resources for Foodand Agriculture).

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41 Ver item 2.3.1, deste mesmo Capítulo.

um fórum intergovernamental permanente sobre o assunto, inicialmentecobrindo as áreas de alimentação e agricultura e, posteriormente,estendendo-se para biodiversidade animal e pesqueira. Essa Comissãopassou também a coordenar um Sistema Global para a Conservação eUtilização de Recursos Genéticos Vegetais para Alimentação e Agricultura,do qual hoje participam mais de 170 países.

O Compromisso Internacional da FAO firmado em 1983 contrariouos signatários da UPOV41 , que, como já observado, reconhecia os direitosdos melhoristas sobre os lucros da comercialização de sementes por elesdesenvolvidas, exercendo portanto direitos proprietários sobre essasvariedades.

Em 1989, uma reinterpretação do Compromisso de 1983 da FAO,acordada em sua 25ª Conferência por pressão dos países desenvolvidos,reconheceu os direitos de os melhoristas praticarem restrições ao livre fluxodos materiais melhorados. Em contrapartida, foi também adotado o conceitode “direitos dos agricultores” (farmers’ rights) (Box 6), pelo qual se reconheciaformalmente o papel das comunidades agrícolas tradicionais, ao longo degerações, no desenvolvimento e na conservação da variabilidade de sementese dos recursos genéticos das espécies agrícolas.

Box 6

FARMER’S RIGHTS

De acordo com a Resolução 5/89 da FAO, farmer's rights significa “direitosresultantes de contribuições passadas, presentes e futuras dos agricultorespara a conservação, o desenvolvimento e a guarda de recursos genéticosvegetais, particularmente aqueles nos centros de origem/diversidade. Essesdireitos são outorgados pela Comunidade Internacional, como depositáriopara as gerações presentes e futuras de agricultores, com o propósito degarantir amplos benefícios aos agricultores, e apoiar a continuação de suascontribuições”.

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Não se tratava da concessão, aos agricultores tradicionais, de direitosde propriedade ou de autoridade sobre o acesso a esses recursos vegetais,ou mesmo de remuneração pelo seu uso. Tratava-se mais propriamente,como assinalado por Svarstad (1994), de um comprometimentointernacional para prover incentivos às práticas agrícolas tradicionais quecontribuíssem para conservar e desenvolver a diversidade genética ebiológica, propondo-se para isso a criação de um fundo, o qual entretantonunca chegou a operar plenamente. Ademais, pelo que ficou entãoestabelecido, não seriam os agricultores individualmente, ou seusdescendentes, os beneficiários diretos de um eventual apoio financeiro,mas o governo nacional correspondente, ao qual caberia gerir esses recursos.

Desde então, conforme já assinalado, proliferaram instrumentos deproteção à propriedade das sementes resultantes do melhoramento genéticode espécies vegetais, tendendo-se a valorizar as variedades melhoradas e adesvalorizar os materiais fonte ou de origem, como espécies nativas eselvagens. Em contrapartida, os países de origem de recursos biológicos egenéticos, geralmente países em desenvolvimento — e não apenas seusgovernos, mas também as populações locais envolvidas — passaram areivindicar, cada vez mais, o justo reconhecimento e compensação peloacesso a esses materiais.

Uma nova revisão do Compromisso Internacional da FAO impôs-se, à luz das modificações geradas a partir da revisão de 1991 da UPOV, doAcordo TRIPs e da Convenção sobre Diversidade Biológica, aspecto queserá abordado no próximo capítulo.

Aqui cabe assinalar uma dupla tendência. Por um lado, observa-se ofortalecimento da posição favorável ao controle soberano dos recursosgenéticos e biológicos, pelos países deles detentores, ao menos na retóricados acordos internacionais estabelecidos na área nos últimos anos, controleeste que, no entanto, ainda demonstra grande fragilidade de aplicação prática.

Por outro lado, identifica-se o crescimento das atividades deprospecção da biodiversidade, também apelidadas de “bioprospecção”, oude “garimpagem genética”, estimuladas pelo desenvolvimento das técnicas

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de screening, bem como da biotecnologia e da engenharia genética. A maiorparte dessas atividades de bioprospecção, porém, é realizada sem qualquercontrole, caracterizando o que hoje já se convencionou chamar de“biopirataria”. Através de instrumentos formais (por exemplo, acordos decooperação técnico-científica) ou de uma ação informal (como o“ecoturismo”), coletam-se livremente amostras de espécies e demicrorganismos em regiões ricas em biodiversidade, visando seuaproveitamento posterior em programas de desenvolvimento tecnológicoe industrial de outros países. Levantamentos indicam que a maior partedessas atividades de bioprospecção vem sendo realizada em países emdesenvolvimento42 .

Ainda que em pequeno número, vêm-se estabelecendo tambémacordos comerciais e de pesquisa entre empresas privadas (geralmente depaíses desenvolvidos) e governos, instituições ou comunidades locais depaíses detentores de recursos genéticos. Arnt (1994) cita alguns exemplosdesses acordos:

“A Glaxo, empresa farmacêutica inglesa, fechou um acordo deprospecção das florestas de Gana. A Novo, da Dinamarca, umadas maiores produtoras de enzimas do mundo, fez acordo depesquisa na Nigéria. Uma rede de empresas privadas e organizaçõesinglesas opera nos Camarões. Há acordos que merecem seracompanhados, como o dos Kuna, do Panamá, com o SmithsonianTropical Research Institute, desde 1983, ou o Projeto Etnobotânicode Belize, estabelecido em 1987 com o Jardim Botânico de NovaIorque, com o apoio do Instituto Nacional do Câncer dos EUA ea Usaid. Dentro desse contexto, merece ainda mais atenção oacordo da Costa Rica com a Merck.” (Arnt, 1994)

Dentre esses, um dos casos recentes mais citados e controvertidos éo acordo para prospeção de espécies medicinais, firmado em 1991 entre a

42 Relatório recente produzido pela organização não-governamental Rural Advancement FoundationInternacional (RAFI), citado por Nijar (1996), indica que 83% dos projetos de bioprospecção sãodesenvolvidos sobre a biodiversidade terrestre do Sul.

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Merck & Co., Inc., uma das maiores indústrias farmacêuticas do mundo, eo governo da Costa Rica, através de seu Instituto Nacional de Biodiversidade(INBIO), centro de pesquisa responsável pelo inventário da flora e da faunacostarriquenha. No acordo Merck-INBIO, a Merck compromete-se a pagarao governo costarriquenho, por 10 mil amostras de plantas, US$ 1,3 milhãomais um percentual de royalties sobre os produtos a partir daí desenvolvidos.

Muitos consideram esse acordo um avanço, na medida em quereconhece formalmente os direitos de soberania e comercialização de umpaís sobre seus recursos genéticos; mas outros o criticam por não remuneraradequadamente a Costa Rica pela exploração de sua biodiversidade, comoopina Cordeiro (1995:39):

“Considerando que a Merck costuma gastar até US$ 125 milhõespara desenvolvimento de nova droga, este tipo de contrato facilitae barateia bastante o custo de desenvolvimento de novos produtose deixa claro que o maior favorecido ou compensado é a própriaMerck. Portanto isto está muito longe de ser considerado umavalorização justa da biodiversidade costarriquenha ou umreconhecimento real dos direitos das comunidades locais sobre osrecursos biológicos presentes em seu território”.

Uma das principais controvérsias e dificuldades no estabelecimentode mecanismos de controle sobre o acesso a recursos genéticos reside nadefinição da autoridade competente, responsável não apenas pelaautorização do acesso e das condições nas quais ele irá se realizar, mastambém pela garantia, inclusive junto aos foros legais, do cumprimentodos termos acordados. Questionamentos são levantados a respeito dalegitimidade dos diferentes atores para assumirem compromissos e tomaremdecisões em nome de comunidades locais, bem como da legitimidade dessaspróprias comunidades em relação a outras comunidades potencialmentebeneficiárias dos acordos firmados.

É também cada vez mais relevante a questão da titularidade dedireitos patrimoniais sobre os recursos genéticos e biológicos, remetendo,

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mais uma vez, à questão da propriedade sobre esses recursos. Daí buscarem-se, na disciplina jurídica, artifícios para contornar a dupla condição — públicae privada — dos recursos biogenéticos, propondo-se para tanto a figura de“bem público de uso especial”, que é assim definido por Arcanjo (1996:15):

“Acata-se o princípio do interesse público para a tutela destes bens,permitindo-se ao poder público excepcionar, em bases legais econtratuais, a condição de impossibilidade de apropriação privada,que é exatamente a finalidade do acesso.”

Outras dificuldades dizem respeito à contabilização, monetária ounão, dos resultados, benefícios e efeitos multiplicadores advindos do acesso— sejam eles comerciais, intelectuais ou sociais —, bem como quanto aocontrole e à contrapartida sobre esses ganhos e benefícios. A partilha debenefícios, por sua vez, apesar de amplamente aceita no plano do discurso,não logrou ainda impor-se na prática, na medida em que significa reduzirou, melhor dizendo, distribuir ganhos até então exclusivamente apropriadospelos grandes agentes econômicos.

Proteção dos Conhecimentos Tradicionais

Uma outra questão que vem tendo destaque e sendo objeto decontrovérsias no atual debate político relativo à temática da biodiversidaderefere-se aos direitos das chamadas “populações indígenas” ou tradicionais(Box 7).

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Box 7

POPULAÇÕES INDÍGENAS OU TRADICIONAIS

Utilizam-se alternativamente os termos populações, povos, comunidadesou nações indígenas, com nuances de significado principalmente em relaçãoa direitos de autonomia e autodeterminação política desses grupos sociaisem relação ao Estado-Nação ao qual hoje pertencem. Alguns aspectos sãocomuns às definições normalmente utilizadas para esses grupos sociais:uma história contínua e comum, cujo desenvolvimento geralmente sofreuum duro golpe com a colonização européia; uma identidade étnica esociocultural; e a ocupação ancestral de dado território.

De acordo com definição do Conselho Mundial de Povos Indígenas, de1977 (apud Axt et al., 1993), “povos indígenas são grupos de populaçõescomo nós, os quais, desde os tempos remotos, têm habitado as terras ondemoramos; os quais são conscientes de possuir um caráter comum próprio,com tradições sociais e meios de expressão associados ao país herdado denossos ancestrais; com uma língua própria nossa e tendo certascaracterísticas essenciais e únicas que nos conferem uma forte convicçãode pertencer a um povo, que tem uma identidade nossa e deve assim servisto pelos outros.”.

Esses grupos sociais costumam reivindicar direitos geralmente de carátercoletivo, como o direito à terra, aos recursos naturais, à autodeterminaçãopolítica e à cultura própria.

No caso dos direitos relacionados à biodiversidade, alguns sugerem o termocomunidades locais como mais apropriado, referindo-se a “um grupo depessoas possuindo uma organização social estabelecida, que as mantenhaunidas seja em uma determinada área ou de alguma outra maneira...” (Nijar,1996). Outros ainda preferem o termo populações ou comunidadestradicionais, que abrangeria também, por exemplo, os agricultores quedesenvolvem práticas tradicionais na agricultura.

Três espécies de considerações gerais têm permeado a discussão aesse respeito:

Box 7

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1 - a importância de se resguardarem os conhecimentos e práticasdessas comunidades, em face do papel que estas têm historicamentedesempenhado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica;

2 - a crescente valorização dos conhecimentos tradicionais, dianteda constatação de sua relevância na indicação da localização e dos possíveisusos e aplicações comerciais dos recursos biogenéticos, fazendo com queo acesso a esses recursos esteja cada vez mais vinculado ao acesso a seu“componente intangível” (ou seja, o conhecimento tradicional associado);

3 - o compromisso moral de assegurar que essas populações usufruamdos ganhos e benefícios advindos do uso de seus conhecimentos eparticipem das decisões relativas a seu uso.

Esse conjunto de questões ganha expressão na medida em que osconhecimentos das comunidades locais tradicionais passam a despertar uminteresse crescente nas indústrias de alta tecnologia, em particular daquelasque atuam em áreas associadas à biotecnologia, ao servirem comoverdadeiros “atalhos” para as atividades de bioprospecção, fornecendoinformações relevantes para o desvendamento das propriedades e dospossíveis usos das diferentes formas de vida, em especial das plantas43.

O mercado de produtos farmacêuticos derivados de plantas utilizadaspela medicina praticada por populações tradicionais é hoje estimado emUS$ 43 bilhões anuais, mas, segundo cálculos de Darrel Posey44 (apud Costae Silva, 1996), menos de 0,001% dos lucros obtidos com esses fármacosretornaram para essas comunidades.

Não existem hoje mecanismos legais de proteção aos conhecimentose práticas das populações tradicionais. Ao contrário, aos atuais sistemas degarantia de direitos de propriedade intelectual reputam-se efeitos erosivos

43 Estudo publicado em 1985 pela Organização Mundial de Saúde (apud Axt et al, 1993) dava contade que 74% de 120 compostos ativos isolados de plantas superiores, com uso medicinal, evidenciamuma forte relação entre seus usos terapêuticos modernos e seus usos tradicionais, reforçando aimportância dos conhecimentos e práticas tradicionais como indicadores de novos usos de recursosbiogenéticos.44 Darrell Posey acredita que “minerar as riquezas do conhecimento nativo irá tornar-se a maisrecente forma neo-colonial de exploração das populações nativas.” (apud Agarwal & Narain, op.cit.).

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sobre esses conhecimentos e práticas, já que neles não se incluem as“inovações” geradas de forma coletiva e ao longo de gerações, através deuma estreita e contínua relação com o meio ambiente local. Ao mesmotempo, é cada vez mais freqüente o patenteamento, pela indústria, deprodutos derivados desses materiais genéticos, causando impedimentos aoseu uso pela sociedade em geral, particularmente pelas comunidadeslocalizadas nos territórios de onde se originaram.

Progressivamente, abre-se espaço, no plano internacional, para oreconhecimento de direitos das comunidades indígenas sobre seusconhecimentos e práticas, bem como para o debate sobre os meios deconceder-lhes estatuto jurídico apropriado. Parte-se do suposto de que osconhecimentos tradicionais devem ser reconhecidos “como uma criaçãointelectual das comunidades e não a ‘herança comum da humanidade’ ”(Laird, 1995:7), e que se deve outorgar às populações que os detêm o poderde decisão, controle e usufruto de sua apropriação e utilização. A forma defazê-lo suscita, no entanto, muitas dúvidas e controvérsias, como aliás nãopoderia deixar de ser, dado o caráter absolutamente novo da questão. Osprincipais pontos de vista em debate a esse respeito são sumariados a seguir45.

Alguns advogam que os conhecimentos dessas comunidades devemser considerados parte dos sistemas de inovação tecnológica formalmenteestabelecidos, e desse modo obter reconhecimento no regime de proteçãoà propriedade intelectual hoje vigente. Mas, do mesmo modo que se impõemrestrições ao reconhecimento de direitos de propriedade intelectual aconhecimentos científicos sobre fenômenos naturais, questiona-se aconcessão de direitos, a comunidades nativas ou locais, sobre informaçõesa respeito de como a natureza se comporta e reage. Ou seja, também aíseria necessário demonstrar a existência de uma invenção e nãosimplesmente de uma descoberta .

Por outro lado, existe a preocupação de que, na definição de umsistema de proteção aos conhecimentos e práticas tradicionais, e tendo em

45 A principal referência aqui foi UNEP/CBD/COP/3/22, 1996.

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vista seu caráter eminentemente coletivo, não se procure imprimir o sentidoindividualista e monopolista que caracteriza os atuais padrões de proteçãoà propriedade intelectual, “comodificando” (reduzindo a meras commodities)esses conhecimentos ou os recursos biogenéticos mantidos e desenvolvidospor essas culturas, e privatizando-os com fins estritamente comerciais.

Essa “comodificação” dos recursos genéticos é também objeto depreocupação, considerando seus possíveis impactos sobre: (a) os sistemastradicionais de intercâmbio local de espécies nativas e cultivares; (b) ospadrões culturalmente estabelecidos nas práticas das comunidadestradicionais com relação à biodiversidade; (c) o estímulo à competição entrepaíses ou comunidades vizinhas que compartilham de riquezas biogenéticascomuns e, ainda, (d) o incentivo à superexploração comercial de regiõesricas em recursos genéticos e biológicos (Laird, 1995).

Alternativamente, acredita-se que a proteção dos direitos intelectuaisdessas comunidades poderá contribuir, ao contrário, para impedir acomodificação de seus conhecimentos e recursos (Nijar, 1996).

Nesse sentido, algumas propostas sugerem a criação de sistemas sui

generis de proteção de direitos de propriedade intelectual que sejamapropriados ao modo particular como essas comunidades produzemconhecimento. Para tratar a matéria, cunharam-se termos ainda nãoreconhecidos na disciplina jurídica, como os de “direito intelectual coletivo”,“direito coletivo de propriedade intelectual”, “direito aos recursostradicionais” e ainda “direito à integridade cultural e intelectual”, estes doisúltimos menos marcados por um caráter monopolista ou proprietário.

Por fim, propõem-se ainda, ao invés de se promoverem modificaçõesnos sistemas de propriedade intelectual existentes, que simplesmente serestrinjam direitos de propriedade intelectual sobre invenções derivadas ouapoiadas em conhecimentos tradicionais. Outros acreditam, por outro lado,que bastaria obter o consentimento prévio informado das populaçõesindígenas para fazer uso das informações derivadas de suas práticas econhecimentos.

Do mesmo modo que na questão do acesso a recursos genéticos, aproteção da propriedade intelectual (ou como se venha a chamar) nesses

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casos, gera também controvérsias sobre a quem cabe a titularidade dessesdireitos — se às comunidades ou a seus representantes, se a organizaçõesgovernamentais ou a representações de outro tipo. Essa questão torna-seainda mais complexa, particularmente no caso das práticas em agricultura,ao se constatar que boa parte desses conhecimentos foi construída ou épartilhada por grupos sociais territorialmente dispersos. Sobre esse aspectoda questão Cordeiro (op. cit..) opina que:

“O conhecimento sobre a utilização dos recursos biológicos, emais especificamente o desenvolvimento da diversidade agrícola,é um produto coletivo ampliado temporal e geograficamente.Portanto, não é possível adotar mecanismos legais de proteçãoindividual para produtos biológicos como os que são adotadospara produtos industriais. Estes direitos também não podem serexclusivos ou monopolistas para um determinado grupo.”

Note-se que o próprio conceito de conhecimento tradicional édinâmico, sendo definido menos por sua antigüidade e mais pelo processosocial pelo qual é adquirido, compartilhado e utilizado, o que é específico acada cultura nativa ou tradicional (UNEP/CDB/COP/3/19, 1996). Comose vê, são problemas de fundo, que em geral relacionam-se aoreconhecimento de autonomia e autodeterminação política, bem como deidentidade cultural, às comunidades locais envolvidas, seja quanto aobenefício de direitos, seja em relação ao exercício da autoridade.

No plano internacional, algumas iniciativas vêm sendo reconhecidascomo relevantes no que se refere à proteção de direitos das populaçõestradicionais, particularmente no âmbito:

- da Organização Mundial do Trabalho (na sua Convenção 169,firmada em 1989, substituindo a Convenção 107, sobre Populações Tribaise Indígenas, adotada em 195746 );

46 Ao contrário da Convenção 107, cuja tônica era a da assimilação cultural, a Convenção 169orienta-se para a preservação cultural dessas comunidades. Mas, ainda que vista como um avançoem relação à anterior, é considerada por alguns setores aquém do desejável.

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- da Organização Mundial de Propriedade Intelectual;

- da Organização das Nações Unidas (em especial em suas Comissãode Direitos Humanos, Comissão de Prevenção da Discriminação e Proteçãodas Minorias e Comissão de Desenvolvimento Sustentável, além do PNUDe do seu Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas, este constituídoem 1982);

- de políticas dos Bancos de Desenvolvimento Multilateral e AgênciasInternacionais, como o Banco Mundial (em sua Diretriz Operacional 420,sobre “Povos Indígenas”), o Banco Interamericano de Desenvolvimento(estabeleceu em 1995 uma Unidade de Povos Indígenas e DesenvolvimentoComunitário);

- entre outras iniciativas47, particularmente a Convenção sobreDiversidade Biológica. A questão dos direitos de propriedade sobre osconhecimentos tradicionais, no entanto, não é tratada na maioria dessesfóruns e instrumentos.

Os Riscos da Biotecnologia

Na década de 1980, ao mesmo tempo em que se ampliaram asexpectativas quanto ao potencial econômico e social das biotecnologias,também despontaram preocupações, de caráter ambiental, social e ético, arespeito de seus impactos.

A discussão a esse respeito tem centrado-se principalmente na questãodos organismos geneticamente modificados pelas biotecnologias e no seudeslocamento “transfronteiras”, embora outros fatores estejam tambémenvolvidos, especialmente os impactos da introdução de organismosalienígenas. A ênfase nesse aspecto é devida a que a liberação no ambientede organismos transgênicos — ou seja, organismos que não existiam nanatureza, mas foram artificialmente produzidos pelo homem — vem sendo

47 Mais informações a esse respeito podem ser encontradas em UNEP/CBD/COP/3/19, 1996.

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considerada um perigo potencialmente exacerbado a mil, se comparadocom os impactos já comprovados da introdução de espécies exóticas noambiente.

Ainda que os genes estejam sendo, um a um, mapeados pela ciência,o que se sabe hoje, em termos de segurança ambiental, é muito pouco. Aose promover, de forma artificial, a troca de informações genéticas entreseres vivos, rompe-se com a fronteira natural entre as espécies, tornandoimprevisíveis os impactos que esses experimentos podem causar aoescaparem para o meio ambiente, ou ao trocarem genes com outras espécies.

Daí porque afirma-se cada vez mais, nas negociações internacionaisna área ambiental, o princípio da precaução ou cautela. Este vem sendoconsiderado o princípio ambiental mais importante do próximo século,motivando esforços para a institucionalização de instrumentos reguladoresdirigidos para garantir o que já se convencionou denominar de“biossegurança” e para o controle dos movimentos transfronteiriços deorganismos geneticamente modificados.

O tema da “biossegurança” vem gerando, porém, sérios conflitos,estabelecendo-se uma polarização basicamente entre dois grandes pontosde vista. De um lado, estão os partidários de um controle rígido sobre abiotecnologia, preocupados em evitar os riscos atuais e potenciais dessasatividades, já que, como anteriormente assinalado, o conhecimento sobreseus efeitos no meio ambiente e na saúde humana, mesmo os efeitos damanipulação genética em laboratórios, é ainda restrito. Essa posição temsido geralmente expressa por setores religiosos e ONGs ambientalistas,que afirmam a necessidade de que as atividades em biotecnologia sejamorientadas por uma “bioética”.

No outro extremo, estão os que desejam a maior liberdade possívelde atuação no desenvolvimento de biotecnologias, seja por motivosmeramente científicos, seja por interesses comerciais. Os cientistas nãodesejam ver restringidas suas experimentações nessa área, temendo que seimpeçam avanços considerados altamente relevantes no campo da ciência.Para importantes segmentos industriais, por sua vez, a imposição de normas

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e regulações para o desenvolvimento de seus produtos e processos poderepresentar grandes “perdas” econômicas, ou talvez, a impossibilidade deganhos adicionais. Alguns países também não desejam submeterem-se amecanismos internacionais de controle das condições de segurança em quedesenvolvem, ou que pretendem desenvolver, internamente suasbiotecnologias.

Algumas iniciativas vêm sendo tomadas, de modo a harmonizar aabordagem sobre as questões de biossegurança em âmbito internacional,tais como (UNEP/CBD/IC/2/12, 1994):

(a) adoção das Diretrizes do Conselho Europeu de 23 de abril de1990, quanto ao uso de microorganismos geneticamente modificados e aliberação deliberada de organismos geneticamente modificados no meioambiente;

(b) publicação, em 1991, pela OCDE, do relatório “Consideraçõesde Segurança para o Uso de Organismo Geneticamente Modificado:Elaboração de Critérios e Princípios para Boas Práticas Industriais de LargaEscala e Princípios de Bom Desenvolvimento, Orientação para o Designde Pesquisas de Campo de Pequena Escala com Microrganismos e PlantasGeneticamente Modificados”;

(c) publicação, em 1991, pelo Escritório Internacional de Episóticosda Organização dos Estados Americanos (OEA), das “Orientações paraLiberação no Ambiente de Organismos Geneticamente Modificados”, doInstituto Interamericano para Cooperação em Agricultura (IICA).

A discussão a esse respeito no âmbito da Convenção sobreDiversidade Biológica será abordada no próximo capítulo.

Quem Paga?

Por fim, mas não menos importante, coloca-se a questão dofinanciamento internacional das ações demandadas à conservação dabiodiversidade e a seu uso sustentável, aspecto revelador da existência ou

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não de uma real disposição em se implementarem ações concretas nessadireção. Aí estabelece-se um “cabo de guerra” entre os países doadores, ouseja, aqueles que dispõem de maiores recursos financeiros para viabilizarações nesse campo, e os países que necessitam desse apoio por seremsimultaneamente ricos em natureza carente de proteção, mas pobres emrecursos financeiros para fazê-lo.

A afirmação da soberania dos Estados-Nações sobre suabiodiversidade, por outro lado, se abre espaço para a decisão soberana dosgovernos e comunidades sobre o acesso e o uso dos seus recursos genéticos,pode também deixar frouxa a obrigação dos países desenvolvidos emcontribuir financeira e tecnologicamente para os esforços do Sul naconservação desses recursos.

São, portanto, esses os grandes eixos de conflito em torno da questãoda biodiversidade hoje.

Dentre a multiplicidade de temas hoje em discussão a esse respeito,o da conservação é o que talvez esteja mais avançado em termos do acúmuloe do amadurecimento do debate tanto político, quanto científico.

O tema da biossegurança coloca-se, também, em cada vez maiorevidência e sob acirrados conflitos, na exata medida em que a variáveltecnológica impõe-se e suscita novas questões dos pontos de vista ético, dasaúde humana e do meio ambiente.

Mas é o caráter estratégico da informação associada à diversidadebiogenética que representa o elemento novo dessa problemática e que hojea define como questão estratégica. Do mesmo modo, é a disputa pelocontrole das vias de acesso à essa informação — seja através do controledo acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados,seja por meio do controle do acesso a tecnologias de ponta — o que melhorcaracteriza a biodiversidade como questão ao mesmo tempotecno(eco)lógica e geopolítica.

Os recursos genéticos dos países do Sul encontram-se em geraldisponíveis sem encargos, enquanto que os produtos baseados nessesmesmos recursos, mas desenvolvidos no Norte, tornam-se progressivamente

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sujeitos ao controle de empresas privadas. Ao mesmo tempo, os paísescentrais utilizam-se de mecanismos de negociação multilateral para imporleis de patentes uniformes, que dificultam ou impedem a transferência debiotecnologias e outras tecnologias associadas aos países menosdesenvolvidos tecnologicamente, ainda que ricos em biodiversidade. Emcontrapartida, estruturam-se fortes movimentos de resistência à livreapropriação dos recursos genéticos e dos conhecimentos nativos etradicionais a eles associados.

No próximo capítulo são analisados os rebatimentos e oencaminhamento, no plano institucional, desse conjunto de questões.

Box 8MARCOS INSTITUCIONAIS DO PATENTEAMENTONAS ÁREAS BIOLÓGICA E BIOTECNOLOGIA

(extraído e adaptado de Cruz, 1996)

1871: FRANÇA. Pela primeira vez outorgou-se uma patente para umorganismo vivo (Patente de Louis Pasteur “aperfeiçoamento no processode fabricação da cerveja: levedura livre de germes patogênicos”).

1873 em diante. Os Estados Unidos passam a conceder patentes parafermentação de vacinas bacterianas. Uma sentença de 1908, entretanto,revogará esta orientação e irá declarar não patenteáveis estes objetos. Oproblema de patentes microbiológicas surgirá somente com a descobertada penicilina, cerca de 1930. O essencial do novo problema suscitado nãoera o processo de cultivo do microorganismos, mas sim a descrição dosorganismos per se. Para superar este problema, os Estados Unidos, em1949, começaram a exigir, além da descrição detalhada da invenção, odepósito do microorganismo em questão.

1914: ALEMANHA. O Escritório de Patentes Alemão declara que somentepodiam considerar-se invenções industriais aquelas que tivessem por objetouma atuação dos meios externos sobre matérias inorgânicas com umafinalidade prática, o que excluía a patenteabilidade das ações sobre seresvivos. Vários juristas e autores, como por exemplo, F.Damme e R.Lutter, jáem 1925, defenderão posições radicalmente opostas a essa decisão:“Excluindo-se o corpo humano, tudo, sem exceção, é matéria, com a qual atécnica trabalha.”

Box 7

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1920 em diante: Começa-se a admitir a proteção das invenções no campoda biologia.

1922: ALEMANHA. O Reichsgericht admitiu que pode ser industrial umainvenção em cuja execução tenha-se que empregar forças ou materiais daprópria natureza orgânica.

1930: EUA promulgam uma Lei sobre Patentes para Variedades de Plantas(The Plant Patent Act), referida somente para as novas variedades comreprodução assexuada.

1932: EUA. Caso Guaranty Trust Co. v Union Solvents Corp. declara apatenteabilidade de um processo de fermentação para a obtenção de acetae butil-alcool a partir da farinha de milho, empregando uma bactéria.

1932: ALEMANHA. Admite a patenteabilidade de processos agrícolas decultivo.

1934: ALEMANHA. Admite a patenteabilidade dos processos de produçãode vegetais caracterizados por ocasionar uma mutação da massa hereditáriada planta.

1949: EUA. Em decorrência dos problemas suscitados da descrição dosmicroorganismos per se, desde a descoberta da penicilina, em cerca de1930, os Estados Unidos iniciam a prática de incluir nos depósitos depatentes biológicas, a referência de depósitos do próprio microorganismoem coleções de cultivo internacionais, isto é, a exigência do depósito domicroorganismo como suplemento da descrição do invento.

1961: Aprovada, em Paris, a Union Internationale pour la Protection des

Obtentions Végétales - UPOV, e seu Tratado Multilateral.

1962: EUA. Caso LEGRICE sobre a patenteabilidade de variedades derosas: a simples descrição escrita publicada anteriormente não permitiaaos peritos e experts a reprodução da planta, posto que a descrição eraincapaz de colocar estas rosas em domínio público, à luz dos conhecimentosda época.

1963: EUROPA. A Convenção de Estrasburgo estabelecerá, entre outrasquestões, que os Estados “não estão obrigados a prever a concessão depatentes para as variedades vegetais ou para as raças animais, assim comopara os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou deanimais, não aplicando-se esta disposição aos processos microbiológicos eaos produtos obtidos por tais procedimentos.” (art.2.b). Esta mesma normavoltou a aparecer, reproduzida quase que literalmente, no artigo 53.b doConvênio de Munique sobre Patente Européia, de 5/out/1973: os processosmicrobiológicos poderiam ser protegidos no âmbito das legislações depatentes; as obtenções de novas variedades de vegetais e animais, não.

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1968: ALEMANHA. Promulga a Lei de Proteção das Variedades Vegetais.

1969: ALEMANHA. Famosa resolução da Corte Federal de Justiça (BGH),no caso da “Pomba Vermelha”, sobre a patenteabilidade de um processopara a criação de um pomba com plumagem vermelha. A Corte Federalconsiderou como invenções técnicas, e portanto não excluídas da proteçãopatentária, o aproveitamento planejado de forças naturais biológicas emprocesso de cultura de animais. Esta mesma doutrina foi reiterada na Cortede Justiça em 1975, no caso da levedura de panificação.

1970: Os Estados Unidos promulgam um Lei de Proteção das ObtençõesVegetais: títulos de proteção para plantas de reprodução sexual.

1974: Solicitada uma das primeiras patentes biotecnológicas que descrevea utilização de plasmídeos ou vírus para enxertar genes exógenos emmicroorganismos.

1975: ALEMANHA. Permitido o depósito de microorganismos e adisponibilidade do microorganismo depositado no Escritório de Patentes eao público foi reconhecida como revelação suficiente de um pedido deprivilégio de invenção.

1977: Firmado em Budapeste o Tratado sobre Reconhecimento Internacionalde Depósito de Microorganismos para a Finalidade de Processos de Patentes.Reconhece-se então o depósito de microorganismos efetuado ante umaautoridade nacional de depósito.

1980: EUA. A Corte Suprema dos Estados Unidos, por 5 votos a 4, concedeautorização para o registro de patente no campo das ciências biológicas,permitindo à General Electric a obtenção de uma patente para uma linhagemde bactéria do gênero Pseudomonas “criada” por Ananda Chakrabarty, emlaboratório. Os debates sobre esta descoberta vinham ocorrendo desde 1972.

1980: EUA. A Corte Suprema dos Estados Unidos concede uma patentepara o pedido de Cohen e Boyer, de 1974, para a técnica de seqüenciamentoquímico do DNA, a qual permitia sintetizar seqüências gênicas para posteriorinserção em células. É uma das patentes mais citadas e mais importantes naárea de biotecnologia.

1983: O Escritório Europeu de Patentes (no caso Ciba-Geigy) admite apatenteabilidade não de uma variedade de planta, mas do material dereprodução, tratado como agentes químicos para determinados gêneros deplantas.

1983: Pela primeira vez insulina humana produzida pela técnica rDNA(recombinação genética do DNA) é comercializada. A produção de insulinapor esta técnica é feita em 1978, por Gilbert e C.Weissman.

1984: OMPI. Primeira Reunião Internacional de Peritos sobre InvençõesBiotecnológicas e Propriedade Intelectual.

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1985: EUA. Caso Hibberd admite a patenteabilidade não só dos seres vivoscompletos, mas de matéria viva (no caso, o cultivo de tecidos de milho). OUSPO admite que plantas, sementes e cultivos celulares poderiam serprotegidos pela lei ordinária de patentes.

1987: ALEMANHA. O BGH especificou os pré-requisitos para se conseguirproteção específica para microorganismos.

1987: EUA. Diferentemente da quase maioria dos países, o USPO declarouque os “animais superiores” poderiam ser patenteados sempre e quandoestas invenções fossem resultado da intervenção do homem, e seu objetonão fosse o próprio homem.

1988: EUA. Concedida a primeira patente cujo objeto é um animal(mamífero), não humano, patente de um tipo de rato(s) clônico(s) que carregaem seu material genético uma predisposição para o desenvolvimento decâncer.

1988: UPOV. Revisão do Convênio UPOV, para estabelecer normasadaptadas aos rapidíssimos desenvolvimentos da biotecnologia.

1991: O Governo dos EUA registra a patente de mais de 300 genes comfunções ainda desconhecidas pela ciência. Posteriormente os Estados Unidosrecuam por pressão dos parceiros europeus no “Projeto Genoma Humano.”

1996: Concessão de patentes para processos de esfriamento metabólicopara a clonagem de adultos. (Dolly).

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CAPITÚLO III

Regulando os Conflitos:

A Convenção sobre Diversidade Biológica

Com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), estabelece-se um novo código de conduta, no plano internacional, relativamente àbiodiversidade. Pela primeira vez, em um instrumento internacional, abiodiversidade, considerando também o nível genético, é abordada de modoabrangente, tratando a conservação associadamente ao uso sustentável,condicionando o acesso a recursos genéticos à transferência de tecnologiase incorporando a preocupação com os interesses e direitos das populaçõestradicionais.

A CDB é hoje a principal referência internacional para o debate e asações relativas à área. A CDB não representa, portanto, apenas o desfecho,no plano institucional, de um longo e conflituoso processo de negociação,com respeito aos diversos aspectos envolvidos na temática da biodiversidade.Ela é parte e expressão de uma dinâmica ainda em curso de disputas ealianças entre os distintos atores, no que se refere a seus desdobramentospráticos nas diferentes escalas. A CDB vem buscando, simultaneamente,impor-se como pólo de influência em relação a outras instâncias de regulaçãomultilateral que têm implicações sobre o tema e servir, no campo dabiodiversidade, como instrumento indutor de novas iniciativas e posturasnos países e nas localidades.

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Neste capítulo, retomam-se os grandes temas abordados no capítuloprecedente, discutindo como estes vêm sendo tratados no âmbito e a partirda CDB48.

Estabelecimento de um Regime Global da Biodiversidade

Definindo o Escopo

Ainda que, desde os anos 70, fosse colocada a necessidade de uminstrumento internacional abrangente para garantir a proteção da natureza,as discussões em torno de uma Convenção sobre Diversidade Biológicainiciaram-se apenas na década de 1980, a partir de debates travados noâmbito da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN).

Esses debates, estando a princípio orientados basicamente pararesguardar os recursos genéticos globais, passaram em meados dos anos80, a trabalhar com o conceito mais amplo de diversidade biológica. Naverdade, já na Conferência de Estocolmo havia sido levantada, pelos paísesem desenvolvimento, a necessidade de uma Convenção Internacionalassegurando a transferência de biotecnologia de modo condicionado aoacesso, pelos países desenvolvidos, de espécies selvagens localizadas emseus territórios (Porter & Brown, 1991).

Em junho de 1987, em reunião do Conselho de Administração doPrograma das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, em inglêsUNEP49 ), foi dada a partida para a elaboração oficial da Convenção, sendoas negociações formais deflagradas entre novembro de 1988 e julho de1990, período no qual o PNUMA organizou três reuniões de um “Grupo

48 As principais fontes para a elaboração deste capítulo foram relatos e relatórios veiculadoseletronicamente, além das entrevistas.49 O PNUMA, em inglês UNEP- United Nations Environment Programme, é um programa integradodas Nações Unidas, criado após a Conferência de Estocolmo (1972), encarregado de coordenar asações intergovernamentais de proteção e monitoramento ambiental.

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de Trabalho ad hoc de Especialistas em Diversidade Biológica”, entãoconstituído.

No início de 1990, já haviam sido elaborados estudos sobre váriosaspectos relacionados à questão. Foi então estabelecido um novo “SubGrupode Trabalho sobre Biotecnologia”, o qual, além de tratar de aspectosrelacionados à transferência tecnológica, preparou termos de referênciasobre outros temas associados, como: conservação in situ e ex situ de espéciesselvagens e domesticadas; acesso a recursos genéticos e à tecnologia,incluindo biotecnologia; novos e adicionais apoios financeiros; e segurançana liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente.

Em meados de 1990, o PNUMA criou um “Grupo de Trabalho ad

hoc de Especialistas Técnicos e Legais”, transformado em 1991 em um“Comitê de Negociação Intergovernamental para uma Convenção sobreDiversidade Biológica”, de modo a elaborar um instrumento jurídico paradar suporte a políticas e ações de conservação e uso sustentável dabiodiversidade, com especial atenção para o estabelecimento de termos decompromisso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Umaprimeira versão formal do texto da Convenção foi elaborada e discutida, apartir de fevereiro de 1991, pelo Comitê Intergovernamental. A versãofinal do tratado foi aprovada em 22 de maio de 1992, em Nairóbi, Quênia.

A CDB foi aberta à adesão em 5 de junho de 1992, durante a Rio-92,tendo entrado em vigor em 29 de dezembro de 1993. Considerado o tratadomais controvertido daquela reunião internacional, a CDB foi assinada deinício por 157 países, tendo sido ratificada, até o presente, por mais de 160países.

Os Estados Unidos recusaram-se, à época, a assinar o documento,por discordarem principalmente dos pontos que dizem respeito àregulamentação do acesso a recursos genéticos (eles eram favoráveis àmanutenção do livre acesso) e à transferência de tecnologia para aconservação e o aproveitamento desses recursos, temendo que a CDBpudesse subverter o regime internacional de propriedade intelectual vigente.Apenas um ano depois, já no Governo Clinton, os Estados Unidos aderiram

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ao tratado, sem que, no entanto, até a presente data, o Congresso Norte-americano o tenha ratificado.

O balanço das adesões à Convenção é considerado positivo, emborasem a ratificação dos Estados Unidos, que, por outro lado, participamativamente e influem de fato nas deliberações da CDB, estando assim, decerta forma, tacitamente inseridos no regime global da biodiversidade.

Soluções de Compromisso

A CDB estabelece, em seu artigo 1º, três níveis de obrigações, a seremcumpridas por cada país participante — a conservação da diversidadebiológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa eeqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos —; edefine como meios para a realização desses objetivos: o acesso aos recursosgenéticos, a transferência de tecnologias pertinentes e o financiamentoadequado, levando em conta direitos anteriormente estabelecidos.

A CDB foi inicialmente planejada para ser uma convençãosistematizadora (umbrella convention), cujo objetivo seria consolidar uma sériede outras convenções de alcance global, já existentes, preocupadas com aconservação e a preservação de componentes da biodiversidade,particularmente: a Convenção sobre Zonas Úmidas de ImportânciaInternacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas (Ramsar, 1971);a Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Natural e Cultural Mundial(Paris, 1972); a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies daFlora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES (Washington, 1973)e a Convenção para a Conservação das Espécies Migratórias da Vida Selvagem(Bonn, 1979). Estas marcaram uma mudança de paradigma de proteção ànatureza, de espécies para ecossistemas (Alencar, 1996).

Ao longo do processo de negociação, a CDB foi transformada emuma convenção-quadro (framework convention), que estabelece princípios eregras gerais, mas não estipula prazos nem obrigações específicas. Suaimplementação exige detalhamentos, que podem acontecer na forma de

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decisões das Conferências das Partes, na forma de protocolos anexos àConvenção, ou ainda na forma de legislações internas aos países50.

As negociações para a elaboração da Convenção sobre DiversidadeBiológica foram descritas por Sánchez (1994:8) como um processo “difícile por vezes de confronto”. Sua inclusão na pauta da Rio-92 teria sido decisivapara garantir a conclusão desse processo de negociação, ao delimitar oprazo de finalização do texto do acordo.

Ao final, pode-se dizer que a CDB conseguiu equilibrar interesses,apesar dos esforços dos Estados Unidos em quebrar o consenso em umextremo, e da Malásia, em puxar por um consenso muito mais radical, nooutro extremo da divisa Norte-Sul. Para se chegar a essa solução decompromisso, foi preciso, no entanto, arcar-se com o ônus de um textoque não estabelece propriamente obrigações, mas sim princípios a seremrespeitados pelas partes. Princípios esses cheios de ambigüidades econtradições, refletindo uma acirrada disputa entre pontos de vista distintos,mas expressando também o reconhecimento geral sobre a necessidade doestabelecimento de um compromisso global sobre a matéria, cujos termosforam os possíveis naquele dado momento. Haja vista o número e arepresentatividade de adesões à Convenção, desde o início, com ainternacionalmente vexaminosa exceção dos Estados Unidos.

Ainda assim, muitos dos conservacionistas mais puros consideramque o texto final da Convenção não é adequado, na medida em que deu umtratamento bem mais amplo e complexo à questão da diversidade biológicado que inicialmente pretendiam. A CDB também não agradou aos que nãodesejavam de fato uma Convenção ou qualquer instrumento regulador doacesso a recursos genéticos.

50 “A Convenção da Biodiversidade é uma convenção-quadro em dois sentidos: (a) porque estabeleceprincípios, metas e compromissos globais, criando a moldura para as políticas de proteção dabiodiversidade global (...) ficando a decisão, na maior parte dos casos, para ser tomada no interiordos Estados-nacionais e mesmo no nível administrativo local e (b) porque, dentro do modelo deprocedimento desdobrado (double track), tem a função de iniciar o processo de estabelecimento denovos atos internacionais que tratarão de temas menos amplos em protocolos com regras detalhadase específicas, ficando estas tarefas sob a responsabilidade da Conferência das Partes.” (Alencar,1995:134).

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O texto final da Convenção também provocou descontentamentostanto de países em desenvolvimento quanto de países desenvolvidos. Algunspaíses em desenvolvimento e organizações não-governamentais ressentem-se do fato de que a CDB: (a) não contempla adequadamente a proteçãodos direitos e interesses das populações locais tradicionais; (b) não mencionaos padrões de consumo dos países centrais e das elites dos países emdesenvolvimento, como co-responsáveis pela perda de biodiversidade global;(c) não aprofunda devidamente as relações entre biodiversidade ebiotecnologia; (d) não tem validade retroativa com respeito à regulação doacesso a recursos genéticos retirados de seus países de origem anteriormenteà entrada em vigor da Convenção e (e) mostra-se vulnerável em relação aoutros fóruns internacionais, como a OMC. Já os países desenvolvidostemem as implicações da CDB sobre questões como direitos de propriedadeintelectual, transferência de biotecnologias e aporte de recursos financeiros(Sánchez, 1994).

Por ocasião da assinatura da CDB, vários pontos foram deixados emaberto, ficando para serem especificados no decorrer do processo deimplementação da Convenção, dentre os quais:

a) elaboração ou não de um protocolo de biossegurança;

b) regras para o acesso a recursos genéticos;

c) acesso a recursos genéticos ex situ, coletados antes da Convenção;

d) patenteamento de seres vivos;

e) formas de proteção legal aos conhecimentos tradicionais daspopulações locais;

f) recursos e mecanismos financeiros para dar suporte aocumprimento das obrigações determinadas na Convenção.

Alguns desses pontos já vêm sendo discutidos nas Conferências dasPartes até então realizadas, como se verá adiante.

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Mecanismos de Implementação

Os principais mecanismos de implementação da CDB são:

a) Conferência das Partes (COP), que se reúne periodicamente visandodiscutir e deliberar sobre os assuntos relacionados à implementação da CDB,congregando delegações de todos os países signatários, além deobservadores e de representações da sociedade civil;

b) Secretariado, ao qual cabe uma série de funções de caráter executivo,funcionando permanentemente;

c) Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico eTecnológico (mais conhecido, no Brasil, pela sigla em inglês SBSTTA51),que assessora a Conferência das Partes;

d) Mecanismo de Facilitação (mais conhecido, no Brasil, pelo termoem inglês Clearing-house mechanism - CHM), um mecanismo orientado parapromover e facilitar a cooperação técnico-científica;

e) Mecanismo Financeiro, interinamente exercido pelo Fundo para oMeio Ambiente Mundial (mais conhecido, no Brasil, pela sigla em inglêsGEF - Global Environmental Facility 52).

Até 1997, foram realizadas três reuniões das Conferências das Partes,além de várias reuniões de alguns de seus grupos assessores. Avaliações departicipantes e observadores desse processo convergem para oentendimento de que o principal resultado da Primeira Conferência dasPartes foi ter estabelecido os mecanismos básicos para o funcionamentointerno da Convenção, enquanto que a Segunda Conferência das Partesdefiniu o programa de implementação da CDB e a Terceira Conferência

51 Subsidiary Body on Scientific, Technical and Technological Advice.52 O GEF foi instituído em novembro de 1990, sob administração do Banco Mundial, visandoapoiar projetos em áreas estratégicas ao meio ambiente, através de decisão dos países doadores e porproposta da França e da Alemanha, como desdobramento das recomendações do Relatório Brundtland(1987). Foram definidas quatro áreas de atuação do Fundo: (a) conservação da biodiversidade; (b)aquecimento global; (c) proteção de águas continentais e (d) destruição da camada de ozônio. Alémdo Banco Mundial, constituem agências implementadoras do GEF o PNUD e o PNUMA.

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das Partes avançou em alguns temas mais específicos e concretos, como asrelações entre agricultura e biodiversidade.

Apresenta-se a seguir uma síntese dos pontos discutidos nas principaisreuniões internacionais ocorridas, até o momento, no processo deimplementação da CDB.

Primeira Conferência das Partes (COP - 1)

Em maio de 1993, o PNUMA estabeleceu um novo ComitêIntergovernamental da Convenção sobre Diversidade Biológica (CI/CDB53),visando preparar a primeira Conferência das Partes e garantir o efetivofuncionamento da Convenção a partir da sua entrada em vigor. A primeirasessão do CI/CDB realizou-se de 11 a 15 de outubro de 1993, em Genebra,e sua segunda sessão realizou-se de 20 junho a 1° de julho de 1994, emNairóbi. No período entre essas duas reuniões, foi realizado um Encontrode Cientistas Especialistas em Diversidade Biológica, visando prepararaspectos técnicos que seriam discutidos na Conferência das Partes.

A Primeira Conferência das Partes (COP-1) ocorreu em Nassau,nas Bahamas, de 28 de novembro a 9 de dezembro de 1994, com aparticipação de representantes de 133 países e de mais uma centena deorganizações não-governamentais. As principais decisões tomadas naCOP-1 foram:

— adoção de um programa de trabalho de médio prazo (três anos),contemplando questões permanentes (como mecanismo financeiro;aconselhamento técnico-científico; relatórios nacionais; mecanismo declearing-house; relações com a Comissão de Desenvolvimento Sustentável daONU e com outras instâncias internacionais relacionadas), além de preveruma agenda rotativa e flexível de temas;

53 Em inglês, Intergovernmental Committee on the Convention on Biological Diversity (ICCBD).

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— designação do Secretariado Permanente, o qual ficou sob aresponsabilidade do PNUMA, sendo interinamente estabelecido emGenebra;

— previsão de medidas iniciais para a estruturação do mecanismode clearing-house;

— definição de funções do Órgão Subsidiário de AssessoramentoCientífico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA);

— indicação do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), comomecanismo institucional interino de financiamento da Convenção, uma dasdecisões mais controvertidas da COP-1.

Algumas das questões que haviam ficado pendentes na segundareunião do CI/CDB não foram abordadas na COP-1, ainda que levantadaspor diversas delegações e por ONGs ali presentes. Esse foi o caso, porexemplo, da discussão sobre o protocolo de biossegurança54. Um outrotema pendente foi o dos direitos dos agricultores, indígenas e outrascomunidades locais, que nem chegou a ser incluído no programa de trabalhode médio prazo aprovado na COP-1, deixando muitas delegações e ONGsfrustradas, considerando a referência explícita aos direitos de tais gruposno texto da Convenção. Do mesmo modo, a discussão sobre florestas foipostergada até a realização da COP-3, embora estivesse prevista umacontribuição da COP-1 para a terceira sessão da Comissão deDesenvolvimento Sustentável (CDS) da ONU quanto a essa questão. Otema dos direitos de propriedade intelectual também ficou em suspenso.

SBSSTA-1

A primeira reunião do Órgão Subsidiário de AconselhamentoCientífico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA-1) realizou-se em Paris, França,

54 Logo de início, o Brasil sugeriu a inclusão na agenda da reunião das questões da biossegurança (oque também foi apoiado pela União Européia), acesso a recursos genéticos e conhecimento nativo.

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de 4 a 8 de setembro de 1995, com a presença de representantes de 81países partícipes da CDB, dez Estados observadores, sete organismos eagências especializadas das Nações Unidas e 50 organizações não-governamentais.

O SBSTTA-1 preparou recomendações quanto a: modos e meiosalternativos para tratar a questão da ameaça a componentes dabiodiversidade; modos e meios para promover o acesso e a transferênciade tecnologia; informações científicas e técnicas que deveriam constar dosrelatórios nacionais; subsídios para a preparação de um Panorama sobre aBiodiversidade Global pelo Secretariado da CDB; contribuições para asreuniões da FAO sobre recursos genéticos vegetais para alimentação eagricultura; e particularmente aspectos técnicos relacionados à conservaçãoe ao uso sustentável da biodiversidade marinha e costeira.

Segunda Conferência das Partes (COP-2)

A Segunda Conferência das Partes da CDB (COP-2) realizou-se de 6a 17 de novembro de 1995, em Jacarta, Indonésia. Durante a COP-2, foidesignada como sede permanente do Secretariado da CDB a cidade deMontreal, Canadá. Os principais resultados da COP-2 foram:

— aperfeiçoamento dos procedimentos operacionais dasConferências das Partes, particularmente em relação à dinâmica dos gruposde assessoramento;

— realização de uma primeira revisão de suas prioridades e programade trabalho;

— adoção do Mandato de Jacarta sobre Diversidade BiológicaMarinha e Costeira;

— estabelecimento de um Grupo de Trabalho ad hoc sobreBiossegurança;

— proposição de ações para o aprofundamento das relações entre aCDB e outros fóruns internacionais correlacionados, como o Painel

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Intergovernamental sobre Florestas da Comissão de DesenvolvimentoSustentável da ONU, o Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC, ea Comissão sobre Recursos Genéticos Vegetais da FAO, buscando assimafirmar os princípios e objetivos da Convenção junto a esses organismos.

Outro aspecto destacado foi a ampliação da participação derepresentações não oficiais na COP, particularmente de ONGs e desegmentos empresariais e industriais.

SBSTTA-2

A segunda reunião do SBSTTA realizou-se em Montreal, Canadá, de2 a 6 de setembro de 1996. A agenda de trabalho do SBSTTA-2 foi bastanteextensa, incluindo aspectos como: monitoramento e avaliação dabiodiversidade; taxonomia e valoração econômica da biodiversidade; acessoa recursos genéticos; biodiversidade agrícola; biossegurança e o mecanismode clearing house. Foi também bastante debatido o caráter dasrecomendações do SBSTTA, se eminentemente técnico-científico ou setambém político.

Terceira Conferência das Partes (COP-3)

A Terceira Conferência das Partes da Convenção sobre DiversidadeBiológica (COP-3) realizou-se em Buenos Aires, Argentina, de 4 a 15 denovembro de 1996.

Dentre as principais decisões da COP-3 incluem-se:

— elaboração de um programa de trabalho plurianual sobrebiodiversidade agrícola;

— solicitação ao Secretariado da CDB para preparar uma primeiraversão de um programa de trabalho sobre biodiversidade florestal;

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— adoção de um Memorando de Cooperação entre a COP e oConselho do GEF, segundo o qual o GEF permanece como mecanismofinanceiro da Convenção em caráter interino;

— previsão de realização de um workshop a respeito do Artigo 8(j),sobre conhecimentos tradicionais, inovações e práticas das comunidadeslocais e nativas, visando preparar um relatório para a COP-4 (o que foiagendado para novembro de 1997, em Montreal);

— solicitação, pela Secretaria Executiva, da condição de observadorado Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC;

— elaboração de uma declaração, dirigida à Sessão Especial daAssembléia Geral da ONU, para a revisão da implementação da Agenda 21.

A COP-4 foi agendada para maio de 1998, prevendo-se que, naquelaocasião, seria avaliada a implementação da CDB no âmbito dos países,bem como se procederia a uma revisão interna do programa de trabalho daprópria COP.

SBSTTA-3

A terceira reunião do Órgão Subsidiário de AconselhamentoCientífico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA-3), realizou-se em Montreal,Canadá, de 1 a 5 de setembro de 1997. Os principais temas abordadosforam: situação, tendências e alternativas de conservação e uso sustentávelda diversidade biológica em águas continentais; aspectos científicos etécnicos da conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha ecosteira; recomendações científicas e tecnológicas no campo dadiversidade biológica florestal; avaliação das iniciativas em agro-biodiversidade e indicadores de biodiversidade, além de se fazer umaavaliação a respeito da implementação do mecanismo de clearing house edo próprio SBSTTA.

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Tentando Gerir Conflitos

Os debates em torno da Convenção sobre Diversidade Biológicaconstituem a melhor expressão do atual estágio de negociação internacionalem torno dos grandes pontos de conflito sobre a problemática dabiodiversidade. Mas não apenas isto: como já assinalado, a partir da suaassinatura e agora em sua implementação, inicia-se um novo estágio desseprocesso, em torno do qual mobilizam-se os diferentes atores e renovam-se as pressões e contrapressões, tanto daqueles que buscam ampliar o quejá se conquistou com a Convenção, quanto dos que tentam reverter seusavanços.

A partir dos grandes temas em debate, abordados no Capítulo anterior,faz-se um balanço do que vem representando a Convenção até estemomento.

Conservação x Uso Sustentáve: Ampliação do Escopo

A princípio predominava a percepção mantida pelos paísesdesenvolvidos que limitava o foco da Convenção à conservação de espéciese ecossistemas, ou, nas palavras de Sánchez (op. cit.), a “uma Convenção deparques e reservas”. No entanto, logo no início das negociações, váriospaíses em desenvolvimento — com destaque para o Brasil —, mobilizaram-se no sentido de transformar a CDB em um instrumento cujo eixo fossenão só a conservação mas também o uso sustentável da biodiversidade e apartilha de seus benefícios. Pretendia-se que a conservação da biodiversidadeestivesse vinculada ao atendimento de demandas econômicas e sociais,especialmente das provenientes de áreas e populações provedoras derecursos biogenéticos.

Nessa discussão, que ocupou boa parte da fase preparatória da CDB,houve claramente um conflito de interesses Norte-Sul. A ênfaseconservacionista foi dada pelos países do Norte, interessados em assegurar

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a conservação dos recursos de biodiversidade para uso futuro em setoresque dependem de matéria-prima biológica, e alertados pelo fato de queboa parte desses recursos estão concentrados nos trópicos, basicamenteem países em desenvolvimento. Por sua vez, a temática do desenvolvimentofoi introduzida pelos países do Sul, preocupados em usufruir dos benefíciosadvindos da utilização dos recursos genéticos e biológicos, que atualmentevêm sendo patenteados e comercializados por empresas de países deeconomia avançada, sem qualquer contrapartida para os países ecomunidades de origem.

Ao final, a CDB deixou de ser um instrumento orientado meramentepara a conservação, passando a dar um tratamento mais abrangente àtemática da biodiversidade, incluindo temas associados ao uso, à partilhade benefícios e ao acesso à tecnologia, dentre outros aspectos.

Enfoque Global x Enfoque Nacional:

Prevalência do Estado Nacional

Um outro ponto polêmico da CDB deu-se em torno do esforço emprover estatuto jurídico, através de uma convenção internacional, aoprincípio de que os Estados nacionais são soberanos sobre seus recursosgenéticos e biológicos.

Desde os encontros preparatórios da Convenção, os países emdesenvolvimento, que até então vinham-se colocando favoravelmente aoconceito de herança ou patrimônio comum da humanidade, passarama rejeitá-lo. No texto final da CDB, esse termo acabou substituído pelo deobjeto de preocupação comum da humanidade, em que se afirma odireito de soberania interna dos países sobre as decisões relativas à suabiodiversidade. Além disso, de acordo com as orientações da Convenção,cabe aos Estados Nacionais definir, através de legislação interna, comoirão implementar os dispositivos desse acordo internacional. Segundo oartigo 3º da CDB:

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“Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas ecom os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberanode explorar seus próprios recursos segundo suas políticasambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sobsua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente deoutros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.”

Dispositivo análogo também consta da Agenda 21, na qual, em seucapítulo 15, que é inteiramente dedicado ao tema da conservação dadiversidade biológica, estabelece-se ainda como atribuições dos governosnacionais nesse campo:

a) política e gestão: desenvolvimento, integração e aplicação deestratégias, planos e programas de ação; desenvolvimento e promoção deestudos e pesquisas; implementação de incentivos econômicos e sociais.

b) dados e informação: coleta, avaliação e intercâmbio de informações;desenvolvimento de metodologias de amostragem e levantamento de dados;atualização, análise, interpretação e difusão de dados.

c) coordenação e cooperação internacional e regional, envolvendointercâmbio de informações e cooperação técnico-científica.

Ao mesmo tempo, a Agenda 21 reconhece que a proteção dabiodiversidade requer a cooperação internacional bem como a participaçãoe o apoio das comunidades locais, do mesmo modo que estabelece limitesà autonomia das decisões do Estado nesse campo, afirmando reiteradasvezes que as ações dos Governos com respeito à biodiversidade devemdar-se: de modo consistente com outras políticas e práticas nacionais erespeitando as normas em vigor na legislação internacional; com acooperação dos órgãos relevantes das Nações Unidas, organizações regionaise intergovernamentais; com o apoio das organizações não-governamentais,do setor privado e de instituições financeiras, da comunidade científica edas populações nativas; e levando em consideração aspectos sociais eeconômicos.

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Na fase de negociação da CDB, a polêmica em torno da soberanianacional expressou-se também na insistência por parte de alguns paíseseuropeus em incluir — no próprio texto da Convenção — listas de espéciese áreas prioritárias para conservação enquanto os países ricos embiodiversidade entenderam que, apesar de haver um interesse mundial nessetema, tais listas deveriam ser elaboradas em cada país, visão que, ao final,prevaleceu.

Acesso a Recursos Genéticos: Estabelecendo o Controle

O acesso a recursos genéticos relaciona-se diretamente à questão dasoberania, sendo um dos pontos centrais da CDB. No início das negociações,predominava o ponto de vista de que fossem mantidas as antigas regras delivre acesso a esses recursos. À medida que as negociações avançaram,coincidindo também com a inclusão da Convenção na pauta da Conferênciado Rio, essa abordagem mudou inteiramente, e os países ricos embiodiversidade passaram a reivindicar que o acesso a recursos genéticosdeveria se dar através de “termos mutuamente acordados” entre as partes.

A CDB inaugura assim um novo regime relativamente à questão doacesso a recursos genéticos e biológicos, ao reconhecer a autoridade doEstado-Nação sobre a coleta e o uso de material genético localizado emseu território. Ao mesmo tempo, a CDB recomenda que o acesso aosrecursos genéticos e biológicos seja facilitado, o que foi uma exigência dospaíses do Norte, ante o fato de que as economias nacionais dependem dointercâmbio desses recursos. Os países desenvolvidos, por outro lado,tiveram que concordar que esse acesso só poderia ser feito medianteautorização expressa dos países detentores de biodiversidade, aos quaiscaberia titular as condições para tanto.

A Convenção estabelece, desse modo, como orientação geral para apermissão da coleta de material genético, a aplicação do princípio do

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“consentimento prévio informado” (também conhecido por PIC55,abreviação do termo em inglês), ou seja, o consentimento dado pela parteprovedora dos recursos genéticos, previamente à concessão do acesso,baseado em informações detalhadas fornecidas pelo potencial coletor/usuário do material. Nesse caso, a função do consentimento prévioinformado difere daquela que motivou o surgimento do conceito, qual seja,o de servir como instrumento para os países controlarem a importação demateriais ou bens potencialmente perigosos.

Permanece em aberto, porém, a questão sobre como fazer cumprir adeterminação quanto ao consentimento prévio informado no caso do acessoa materiais genéticos localizados em propriedades privadas. Apenas atravésde legislação interna podem os Estados nacionais fazer uma tal exigênciaem nome da proteção de interesses públicos de mais alto valor.

O controle do acesso aplica-se tanto a recursos in situ quanto a recursosex situ; a CDB não tem, no entanto, validade retroativa em relação aosrecursos genéticos ex situ coletados antes da sua entrada em vigor. Esseponto foi, e ainda hoje é, objeto de inúmeras críticas, principalmente porparte de ONGs e de representantes de países em desenvolvimento. Deacordo com dados citados por Coradin (1996), antes de vigorar a CDBforam coletadas em torno de 75% das cerca de 6 milhões de amostras dematerial fitogenético de interesse para a agricultura, hoje mantidas ex situ,mais de 50% das quais estariam localizadas em países desenvolvidos e 12%sob a guarda de centros de germoplasma internacionais.

A discussão a respeito dessa questão foi deslocada para o âmbito daFAO. Há expectativas de que o Compromisso Internacional sobre RecursosFitogenéticos, atualmente sendo revisado no âmbito da FAO, harmonize-

55 Previous informed consent. De acordo com Hendrickx et al. (1994:140): “O princípio do consentimentoprévio informado (PIC) foi aplicado pela primeira vez, na área ambiental, nas Orientações de Londrespara o Intercâmbio de Informação sobre Produtos Químicos no Comércio Internacional, doPNUMA. Depois disso, ele foi incorporado na Convenção de Basiléia sobre Controle de MovimentosTransfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989, e no Código Internacional deConduta para a Distribuição e Uso de Pesticidas da FAO. (...) Ao fazer a importação ou o trânsito deprodutos químicos e resíduos perigosos dependentes de seu consentimento prévio, os Estadosenfatizaram sua soberania sobre seus territórios.”

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se com as orientações da CDB, e que nele se estabeleçam soluções para oproblema do acesso a coleções ex situ adquiridas anteriormente à entradaem vigor da Convenção.

Note-se ainda a distinção que é feita, no texto da Convenção (artigo 2º),entre país de origem de recursos genéticos, definido como “o país quepossui esses recursos genéticos em condições in situ”, e país provedor de

recursos genéticos, definido como “o país que provê recursos genéticoscoletados de fontes in situ, incluindo populações de espécies domesticadase silvestres, ou obtidas de fontes ex situ, que possam ou não ter sidooriginados nesse país”.

Com relação ao genoma humano, alguns países (como Indonésia,Suécia, Malásia, Índia e Síria) manifestaram-se na COP-2, em Jacarta,favoravelmente à sua não inclusão dentre os recursos genéticos abrangidospela CDB, enquanto outros países (como Ilhas Salomão e Papua NovaGuiné) defenderam o estabelecimento de um protocolo específico a esserespeito. Ao final da Conferência, decidiu-se pela interpretação de que osrecursos genéticos humanos não se enquadram dentre as questões cobertaspela CDB.

Um outro ponto em que a CDB inova é quanto à recomendação derepartição justa e eqüitativa dos benefícios gerados através do uso (comercialou de outra natureza) do material genético coletado. A partilha de benefíciospode dar-se através de: benefícios financeiros de várias formas, comopagamento antecipado, royalties e dividendos, permitindo a participação dospaíses provedores dos recursos genéticos nos ganhos econômicosalcançados com a exploração comercial desses recursos; transferência detecnologia e capacitação de recursos humanos para o país ou comunidadeque concedeu o acesso; ou ainda por outros meios mutuamente acordados.Mas a CDB não vai a detalhes a esse respeito, deixando essa definição acritério de cada país, de acordo com cada caso concreto.

Um dos pontos mais destacados na questão do acesso a recursosgenéticos é o da contrapartida tecnológica. A CDB estimula (ainda que

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não imponha) que as pesquisas científicas baseadas em recursos genéticossejam feitas no território do país provedor desses recursos, e que osresultados dessas pesquisas sejam compartilhados “de forma justa eeqüitativa” entre as partes. Mais adiante, em seu Artigo 16, a CDB determinaainda que os países que provêem recursos genéticos, particularmente

países em desenvolvimento, “tenham garantido o acesso à tecnologiaque utilize esses recursos e sua transferência, de comum acordo, incluindotecnologia protegida por patentes e outros direitos de propriedadeintelectual, quando necessário”.

Através da CDB, estabelece-se, assim, nas palavras de Laird (1995),uma “grande barganha”, ou uma solução negociada, entre os países emdesenvolvimento e os países desenvolvidos, em que o acesso aos recursosgenéticos é, de certa forma, condicionado ao acesso à tecnologia de pontae/ou ao material genético desenvolvido a partir do material original.

A implementação das obrigações estabelecidas na Convenção quantoao acesso a recursos genéticos vem avançando muito lentamente. NasConferências das Partes, algumas delegações solicitaram estudos a respeitoda questão e o Secretariado da CDB foi encarregado de elaborar relatóriosindicando avanços e modelos utilizados em diferentes países nessa área.No âmbito da FAO, vêm sendo também analisadas alternativas demecanismos multilaterais de acesso, embora ainda não haja consenso sobreesse modelo. O Brasil tem sido favorável, até o momento, à realização deentendimentos bilaterais, nos quais condições específicas para o acesso sejamestabelecidas conforme o parceiro. O entendimento predominante é o deque a regulamentação do acesso a recursos genéticos depende agora dasiniciativas nacionais.

A partir da assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica,diversos países (pelo menos 13 países, até a COP—3, em dezembro de1996) vêm buscando criar um aparato legal orientado para regular essaquestão. Quatro grandes tipos de estratégias estão sendo implementadasnessa direção (Laird, 1995; UNEP/CBD/COP/3/20, 1996):

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a) O estabelecimento de uma legislação específica sobre o assunto,por exemplo, nos países-membros do Pacto Andino56 e, ainda em versãopreliminar, na Índia e no Brasil (a iniciativa brasileira será abordada noCapítulo IV).

Os países do Pacto Andino estabeleceram, em abril de 1994,orientações comuns para o acesso a recursos genéticos, incluindo recursosgenéticos tanto in situ quanto ex situ. O Grupo de Trabalho ad hoc colombianoapresentou uma série de propostas para assegurar os direitos dascomunidades locais sobre os recursos genéticos e os conhecimentos einovações tradicionais, incluindo o estabelecimento de um regime sui generis

para o acesso a esses conhecimentos e inovações, o qual não contempla apropriedade individual ou privatização desses conhecimentos.

Também o governo das Filipinas adotou, em maio de 1995, a OrdemExecutiva nº. 47, contendo “Orientações e Estabelecendo um ArcabouçoRegulador para a Prospecção de Recursos Genéticos e Biológicos, seusSubprodutos e Derivados, para Propósitos Comerciais e Científicos e paraOutros Propósitos”, visando orientar medidas legislativas e administrativaspara atividades de bioprospecção.

b) O desenvolvimento de uma legislação de caráter mais abrangente,orientada para a implementação da CDB ou do desenvolvimento sustentávelde modo geral. Exemplos dessa estratégia podem ser encontrados em Fijie na Costa Rica, cuja Lei de Proteção da Vida Selvagem (1992) dá aoMinistério dos Recursos Naturais a autoridade sobre a concessão do acessoa amostras de material genético.

c) A adaptação de legislação ambiental nacional já existente,incorporando dispositivos relacionados ao acesso. A Austrália, por exemplo,introduziu emendas à sua Lei de Conservação e Gerenciamento Terrestre.O Camarão incluiu, em sua Lei sobre “Floresta, Vida Selvagem e Pesca”(1994), um capítulo sobre “Proteção da Natureza e Biodiversidade”, apóso interesse comercial despertado com a descoberta, pelo Instituto Nacional

56 O Pacto Andino (Acuerdo de Cartagena) é uma unidade econômica regional, abrangendo Bolívia,Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

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do Câncer dos Estados Unidos, do potencial anti-HIV de um determinadomicrorganismo florestal.

d) A inclusão, em atos legais orientados para outros fins, de aspectosrelacionados ao acesso e à partilha de benefícios. Por exemplo, oRegulamento sobre Gestão de Sementes Vegetais do Governo da Indonésia,que contém cláusulas relacionadas ao intercâmbio de sementes entre países.

Permanece, porém, a questão de estabelecer se a responsabilidadepelo estabelecimento de uma estrutura legal e política para o acesso arecursos genéticos cabe apenas aos países provedores desses recursos, ouse também é uma obrigação dos países coletores ou recebedores dessesrecursos assegurar que suas coleções de material genético tenham sidoadquiridas de acordo com os dispositivos da Convenção sobre DiversidadeBiológica.

Acesso à Tecnologia: Avanço e Ambigüidades

Na Convenção sobre Diversidade Biológica, uma grande barreira eárea de conflito refere-se ao acesso à tecnologia, particularmente, segundoo texto da CDB, biotecnologias e outras tecnologias relacionadas à proteção,ao estudo e ao uso dos recursos biológicos e genéticos.

A Convenção sobre Diversidade Biológica, em seu artigo 2º, refere-se à biotecnologia em sentido amplo, significando “qualquer aplicaçãotecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seusderivados para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilizaçãoespecífica.”. A Agenda 21, por sua vez, em seu Capítulo 16 que trataespecificamente do tema da biotecnologia, utiliza-se do termo em umsentido mais restrito, definindo biotecnologia como “um conjunto detécnicas para viabilizar mudanças específicas realizadas pelo homem noácido desoxirribonucleico (ADN), ou no material genético, em plantas,animais e sistemas microbiais, para a obtenção de produtos e tecnologiasúteis”. Nesta acepção, trata-se da engenharia genética e não dasbiotecnologias tradicionais.

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O acesso à tecnologia foi um tema bastante controvertido durante asnegociações da CDB. Até o final de 1991, os países do G7757 mantiveramuma posição uniforme de que a Convenção não deveria falar em patentesou ao menos deveria restringir os direitos de propriedade intelectual,temendo seus impactos negativos sobre a transferência tecnológica e adesconsideração aos conhecimentos gerados por agricultores e comunidadestradicionais. Ao mesmo tempo, porém, vários governos, inclusive o do Brasil,já haviam à época elaborado projetos de lei altamente abrangentes nessaárea. No início de 1992, alguns desses governos, particularmente os daÍndia, da Malásia e do próprio Brasil, convenceram-se de que era necessárioabrir concessões aos países desenvolvidos, no texto da Convenção, quantoà questão das patentes.

O Artigo 16 da Convenção é todo dedicado ao assunto. O resultadoporém foi um texto ambíguo, e mesmo contraditório, no que trata do acessoe transferência de tecnologias a países em desenvolvimento, levantandotambém dúvidas sobre a exeqüibilidade de implementação do ali dispostosobre o assunto:

a) a Convenção estabelece que o país que detém o recurso genéticodeve facilitar o acesso ao mesmo, mas uma das condições para isso seria atransferência de tecnologia;

b) determina que, no caso dos países em desenvolvimento(especialmente os que provêem recursos genéticos), esse acesso e essatransferência de tecnologia devem se dar “em condições justas e as maisfavoráveis, até mesmo em condições 'concessionais' e preferenciais quandode comum acordo”;

c) reconhece que o acesso à tecnologia, incluindo a biotecnologia, ea sua transferência entre países partícipes da Convenção são “elementosessenciais” à realização dos objetivos da mesma;

d) adiante, estabelece que, quando houver patente sobre essatecnologia, ela terá de ser devidamente respeitada. Mas, logo em seguida,

57 O G77, que agrupa países em desenvolvimento, hoje conta com mais de 125 membros, sendoliderado pelo Brasil, Índia, México e Indonésia, além da China.

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recomenda que as partes contratantes, respeitando a legislação nacional e odireito internacional, procurem garantir que os direitos de propriedadeintelectual “apóiem e não se oponham” aos objetivos da Convenção;

e) como um dos objetivos da Convenção é a transferência detecnologia de qualquer tipo para o uso e desenvolvimento da biodiversidade,está estabelecida a ambigüidade da versão final que resultou do processode negociação.

Desse modo, a implementação da Convenção quanto a esse aspectoirá depender da interpretação de cada país, bem como das negociaçõesinternacionais a respeito.

Por outro lado, a CDB é também percebida como um dos acordosinternacionais mais avançados nessa questão, na medida em que, como jáassinalado, estabelece a necessidade de um trade off entre o suprimento derecursos genéticos e o acesso à tecnologia; bem como indica possibilidadesde financiamento à transferência tecnológica, considerados os custosadicionais (incremental costs 58) aí envolvidos.

Além disso, a CDB reforça o entendimento de que a justa partilhados benefícios decorrentes do uso da biodiversidade requer a negociaçãoentre os que detêm o controle do acesso aos recursos genéticos, e os quedetêm o controle do acesso às modernas biotecnologias. Ou seja, supõeque a legislação de propriedade intelectual na área biológica deve seracompanhada de uma legislação que, do mesmo modo, regule o acesso arecursos genéticos. Colocada deste modo, esta é uma fórmula sutil detambém reverter um outro regime internacional importante que é o dapropriedade intelectual e, portanto, do controle sobre as tecnologias deponta.

Nas Conferências das Partes, a discussão a esse respeito estárelativamente estagnada, concentrando-se basicamente em torno do

58 Entende-se por incremental costs aqueles esforços realizados por governos e empresas que impliquemcustos adicionais àqueles associados ao cumprimento de suas obrigações legais frente ao meioambiente. Esses custos, desde que estejam associados a problemas ambientais globais, podem sercobertos com recursos do GEF.

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estabelecimento do mecanismo de facilitação, ou clearing house mechanism

(CHM), cuja atribuição inicialmente definida foi a de promover ointercâmbio de informações, mas progressivamente ampliada para promovera transferência de tecnologias, estimular a realização de joint ventures e facilitariniciativas de cooperação científico-tecnológica no campo da biodiversidade.A fase piloto de implementação do mecanismo de clearing house, inicialmenteprevista para o período de 1996-97, foi estendida na COP-3 até 1998.Também na COP-3, reafirmou-se que as informações tornadas disponíveisatravés do CHM são de propriedade daqueles que as provêem.

Ao mesmo tempo, expressaram-se divergências sobre se o mecanismode facilitação deve funcionar como um broker centralizado, agenciando ecoordenando a realização de parcerias e negócios; ou se, posição defendidapelo Brasil e outras delegações, o clearing house deve funcionardescentralizadamente, não como um coordenador, mas apenas como umpromotor de parcerias internacionais em ações na área de biodiversidade.Essas divergências refletem a existência de um conflito de fundo entre oponto de vista dos países centrais, aos quais, de modo geral, interessadeterminar o leque de tecnologias a serem transferidas, ou seja, que atransferência de tecnologias seja orientada pela oferta; e o dos países emdesenvolvimento, que reivindicam a prerrogativa de definirem quais as suasnecessidades em matéria tecnológica, isto é, que a transferência detecnologias oriente-se pela demanda. Na COP—3, enfatizou-se a naturezadescentralizada do CHM e sua orientação para atender às necessidadesnacionais.

Outros aspectos relacionados à operacionalização do mecanismo declearing house vêm sendo levantados, tais como: o estabelecimento de meiosde comunicação alternativos para países que não dispõem de acesso àInternet ou de serviços telefônicos modernos; a capacitação de países emdesenvolvimento para beneficiarem-se dos recentes desenvolvimentos nacomunicação eletrônica, de modo a melhor participarem do CHM; oestabelecimento de padrões de intercâmbio de informações e deinstrumentos adequados para a busca e a filtragem de informaçõesconfiáveis.

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Os países em desenvolvimento buscam, portanto, ampliar, atravésda CDB, seu acesso a tecnologias geradas nos países desenvolvidos, muitasdas quais protegidas por patentes. Há, é claro, fortes resistências dos paísestecnologicamente mais avançados, pressionados por suas indústriasbiotecnológicas, sobretudo dos Estados Unidos, os quais, no início de 1993,tentaram impor, como condição prévia à sua adesão à Convenção, uma“interpretação” própria ao que ficara estabelecido na área tecnológica,segundo a qual59:

“Os Estados Unidos afirmam seu entendimento de que o acesso àtecnologia e a sua transferência estão sujeitos aos direitos depropriedade intelectual respaldados por essa Convenção, exigindo oreconhecimento de adequada e efetiva proteção dos direitos depropriedade intelectual e a consistência destes aspectos. Assim, nãohá uma base para a utilização de leis de licenciamento compulsórioque forcem as empresas privadas a transferir tecnologia nos termosdesse Acordo.Os Estados Unidos afirmam seu entendimento sobre o artigo 16(2)no sentido de que a expressão ‘termos justos e mais favoráveis’significa termos determinados por um mercado livre, sem restriçõescomerciais ou coerção governamental.”

Essa atitude de resistência é considerada, por muitos, exagerada.Primeiro, porque os dispositivos da Convenção restringem-se a situaçõesbastante específicas, em que a transferência de tecnologias ocorre a partirdo acesso a determinado material genético. A Convenção refere-sefundamentalmente a tecnologias que sejam relevantes para a conservaçãoe o uso sustentável da biodiversidade e àquelas que façam uso de recursosgenéticos sem causar prejuízos significativos para o meio ambiente.

Segundo, porque esse intercâmbio só ocorre a partir de termosmutuamente acordados entre as partes e a Convenção não tem meios deobrigar qualquer empresa a transferir tecnologia patenteada. Aliás, umadas grandes dificuldades para a implementação da Convenção com respeitoao acesso e à transferência de tecnologia é justamente derivada do fato de

59 Esta é parte do Interpretative Statement do governo Bill Clinton, em relação à CDB.

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que os maiores detentores de tecnologias são empresas privadas e nãogovernos. E, na medida em que a Convenção é um acordo entre governose não entre empresas, só através de legislação interna que obrigue ou queestimule o setor privado a repassar tecnologia é possível fazer cumprir oque a Convenção determina.

Por fim, porque a maioria dos países em desenvolvimento já adotouregimes de patentes nos moldes, ou até além (como no caso do Brasil), dasorientações estabelecidas no Acordo TRIPS do GATT (ver Capítulos I e IV).

De modo geral, porém, como já assinalado, no que trata da questãotecnológica, apesar das suas ambigüidades e contradições, a CDB émajoritariamente considerada um avanço e um espaço favorável aosinteresses dos países em desenvolvimento, inclusive quanto à propriedadeintelectual, se comparada, por exemplo, com o Acordo TRIPs do GATT,onde se reconhece a concessão de patentes para todas as tecnologias(incluindo as biotecnologias) e onde os países vêm sendo pressionados aacatarem regras cada vez mais rígidas de proteção patentária.

Reconhecendo o Papel das Comunidades Tradicionais

Um dos aspectos não claramente resolvidos, no texto da Convençãosobre Diversidade Biológica, refere-se ao papel e aos direitos dascomunidades locais e populações tradicionais no controle do acesso aosrecursos genéticos e na partilha de benefícios advindos do seu uso. Mas,ainda que abordando essa questão de forma vaga e genérica, a CDB temsido interpretada como um estímulo à proteção dos conhecimentos epráticas dessas comunidades.

A Convenção toca, explícita ou implicitamente, em alguns aspectosfundamentais a esse respeito. Em seu preâmbulo, afirma a importância deconhecimentos e práticas tradicionais para a conservação e o uso sustentávelda biodiversidade, recomendando que os benefícios resultantes da utilizaçãodesses conhecimentos sejam compartilhados de modo justo e eqüitativo.

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O artigo 8º (j) da CDB é o mais abrangente a esse respeito e tem sidointerpretado como uma abertura ou, ao menos, um estímulo aoenvolvimento das comunidades locais e tradicionais nos procedimentosrelacionados ao acesso a recursos genéticos, ao reconhecer o direito dessascomunidades de decidirem sobre o uso desses conhecimentos e departiciparem dos benefícios daí advindos. Segundo o artigo 8º ( j ) daConvenção sobre Diversidade Biológica, cada Parte Contratante deve:

“em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservare manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidadeslocais e populações indígenas com estilo de vida tradicionaisrelevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidadebiológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação ea participação dos detentores desse conhecimento, inovações epráticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundosda utilização desse conhecimento, inovações e práticas.”

Também o artigo 10 (c) afirma que cada Parte Contratante deve buscar“proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos deacordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigênciasde conservação ou utilização sustentável”, enquanto que o artigo 17.2 incluio conhecimento tradicional dentre as categorias de informação a seremtrocadas entre as Partes. E o artigo 18.4 compromete os países a “elaborare estimular modalidades de cooperação para o desenvolvimento detecnologias, inclusive tecnologias indígenas e tradicionais”.

Por outro lado, segundo o artigo 15 da CDB, a autoridade paradeterminar o acesso a recursos genéticos é o governo nacional do paísprovedor desse material, o qual é também reconhecido como o beneficiário,enquanto Parte Contratante da Convenção, dos ganhos comerciais ou deoutra natureza advindos do seu uso, não se fazendo qualquer menção àscomunidades tradicionais nesse caso.

Do mesmo modo em que não há, no texto da Convenção,determinações claras a respeito da participação das comunidades locais

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tradicionais no acesso a recursos genéticos, também os países ricos emrecursos genéticos e biológicos não dispõem, de modo geral, de umarcabouço legal e institucional onde estejam garantidos os direitos dessaspopulações, que, ao contrário, sofrem historicamente com a exclusão políticae social e com a marginalização cultural. Fato é que as discussões em tornoda implementação da CDB têm, ao menos, contribuído para levantar aquestão tanto no plano internacional quanto dentro dos próprios países.

Biossegurança: Questão em Aberto

As discussões no âmbito da CDB sobre biossegurança ocorreram,num primeiro momento, em torno da elaboração ou não de um Protocolopara tratar desse tema e, posteriormente, quanto ao escopo e abrangênciade um tal Protocolo. A Convenção sobre Diversidade Biológica, em seusartigos 8º (g) e 19 (parágrafos 3 e 4) recomenda a cada Parte Contratanteque garanta meios de regular ou controlar os riscos associados com o uso eliberação de organismos vivos modificados pela biotecnologia e, maisparticularmente, que se examinem:

“a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleçaprocedimentos adequados, inclusive, em especial, a concordânciaprévia fundamentada, no que respeita a transferência, manipulaçãoe utilização seguras de todo organismo vivo modificado pelabiotecnologia que possa ter efeito negativo sobre a conservação eo uso sustentável da diversidade biológica.”

No início do processo de implementação da CDB, havia consensosobre a necessidade de se ampliarem as capacitações nacionais para tratarquestões relacionadas à biossegurança, mas não de que se deveria estabelecerum protocolo internacional sobre o assunto.

Alguns países, como os Estados Unidos e o Japão, manifestaram-se,a princípio, contrários a qualquer protocolo que os submetesse a uma

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regulação internacional nessa área, já que são eles os grandes detentores debiotecnologias, no mundo, e contam com legislação interna específica sobreo assunto. No outro extremo estão os países menos desenvolvidos, dentreaqueles que estão em desenvolvimento, que detêm pouca biotecnologia enão possuem qualquer legislação a respeito, desejando assim um protocolobastante abrangente para regular a questão. Há ainda uma posiçãointermediária, como a do Brasil, da Comunidade Européia e de alguns outrospaíses, que defendem a existência de um protocolo internacional debiossegurança, o qual regule tão somente os movimentos transfronteiriçosde organismos geneticamente modificados, deixando às legislações nacionaiso controle sobre outros aspectos relacionados ao desenvolvimento e usode biotecnologias.

O que parece estar em jogo na discussão sobre um protocolo debiossegurança é se, com esse mecanismo, se quer garantir que as atividadesem biotecnologia sejam de fato seguras; ou, o que é muito diferente, sequer simplesmente estabelecer padrões mínimos de segurança para essasatividades, de modo a conferir legitimidade e credibilidade ao comérciointernacional de organismos transgênicos e outros produtos desenvolvidosatravés de biotecnologias. A preocupação, nesse segundo caso, não seriatanto garantir segurança para a sociedade em geral, mas estabelecer barreirase controles adicionais à entrada de novos produtos no mercadointernacional, exigindo-se requisitos que só os grandes empreendimentossão capazes de cumprir.

Realizaram-se duas reuniões técnicas internacionais sobre o assuntodurante o ano de 1995, primeiro em Madri e depois no Cairo. Já naquelaocasião, houve divergências, basicamente entre os países desenvolvidos eos do G77 e China, quanto à inclusão, no protocolo, de três grandes questões:considerações a respeito dos impactos socioeconômicos da biotecnologia;responsabilidade e compensação por seus impactos negativos; eestabelecimento de um mecanismo financeiro para a implementação doprotocolo.

Na COP-2 em Jacarta (1995), após muita negociação, decidiu-se iniciaro processo de elaboração do protocolo de biossegurança, priorizando a

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questão dos movimentos transfronteiriços, ainda que contrariando o pontode vista de boa parcela dos países em desenvolvimento partícipes daConvenção.

Em julho de 1996 ocorreu em Ahrus, na Dinamarca, a primeirareunião do Grupo de Trabalho ad hoc sobre Biossegurança. Nessa ocasião,o Brasil e outros países latino-americanos, o chamado GRULAC — Grupode Países Latino-americanos e do Caribe na Convenção — romperam coma posição majoritária do G77 e de alguns países escandinavos, que defendiama inclusão, no protocolo, de considerações socioeconômicas e do termoliability, isto é, responsabilidade civil, segundo o qual os causadores de danostransfronteiriços gerados a partir do manejo e do despejo de organismostransgênicos devem arcar com indenizações às partes afetadas.

A posição então expressa pelo Brasil foi por alguns interpretada comorefletindo a pretensão do país em fazer parte do chamado “clube debiotecnologias”, tendo recebido algumas críticas, principalmente diante dopapel de liderança que o país desempenha no regime global dabiodiversidade, e em face da afirmação mundial do princípio de precaução.O Brasil, por outro lado, que já aprovou sua própria Lei de Biossegurança(cf. Capítulo IV), desejava evitar ingerências externas sobre as atividadesbiotecnológicas realizadas em seu próprio território.

Em 1997, nos meses de maio e outubro, foram realizados mais doisencontros do Grupo de Trabalho ad hoc sobre Biossegurança, ambos emMontreal, observando-se um avanço em relação a um consenso com respeitoao estabelecimento de um Protocolo de Biossegurança.Boa parte dasdivergências quanto a seu conteúdo, no entanto, ainda permanecem. Noano de 1998, deverão ser realizados mais três encontros do Grupo deTrabalho, nos meses de fevereiro, agosto e dezembro, quando então seespera concluir e aprovar o texto do Protocolo.

Financiamento: Solução Interna

O financiamento das ações de conservação e uso sustentável dabiodiversidade tem sido também uma área de atrito nas negociações da

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CDB, na medida em que os países ricos em recursos genéticos, pressionadosa ampliarem seus esforços em conservação, exigiram uma contrapartidaadequada de recursos financeiros novos e adicionais, por parte dos paísesdesenvolvidos.

A CDB contém uma orientação explícita a esse respeito, em seu artigo20 (2), segundo o qual os países desenvolvidos devem “prover recursosfinanceiros novos e adicionais para possibilitar aos países emdesenvolvimento arcarem com os custos adicionais” (cf. nota 11 desteCapítulo) necessários à implementação da Convenção. Os países centraisresistem a essa determinação e procuram controlar e restringir os recursosfinanceiros tornados disponíveis para a Convenção; enquanto que os paísesem desenvolvimento entendem que esses recursos devem estar disponíveisde acordo com as tarefas a serem realizadas e as obrigações a seremcumpridas no âmbito da CDB.

Um outro ponto polêmico, e que tem ocupado boa parte dasdiscussões das Conferências das Partes, refere-se ao papel do GEF comomecanismo financeiro da CDB. A CDB prevê um mecanismo financeiroque atue sob a autoridade da Conferência das Partes, enquanto o GEF atuasob a autoridade do seu próprio Conselho. Além disso, o GEF é ummecanismo gerido por três organismos internacionais — o PNUD, oPNUMA e o Banco Mundial —, que dividem, assim, com a Conferênciadas Partes, as decisões relativas à “operacionalização” do mecanismofinanceiro da CDB.

Expressaram-se três tipos de posição a esse respeito: os favoráveis àdesignação do GEF como mecanismo financeiro da Convenção em caráterpermanente; os partidários da sua designação em caráter interino; e, porfim, os que sequer concordam com a atribuição desse papel ao GEF, mesmoque interinamente, defendendo a criação de um fundo específico debiodiversidade aberto a outras fontes de financiamento além dasgovernamentais, e sendo gerido por um mecanismo financeiroindependente, mas sob a autoridade da Conferência das Partes.

A designação do GEF como estrutura institucional permanente definanciamento da Convenção é defendida principalmente por delegações

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de países desenvolvidos60, sob o argumento de que a recente restruturaçãodo Fundo61 habilita-o a cumprir com as obrigações estabelecidas na CDB.O Conselho do GEF, antes totalmente controlado pelos países doadores,tem hoje sua composição dividida entre países desenvolvidos e países emdesenvolvimento.

Para a maior parte dos países do G77, porém, essa restruturação doGEF não foi suficiente para garantir a autoridade da COP sobre as decisõesdo Fundo relativamente ao financiamento de projetos na área debiodiversidade. Até porque, além dos votos do conjunto dos membros doConselho, qualquer decisão final do GEF depende de uma segunda votaçãoque é realizada entre os países doadores de modo proporcional àcontribuição de cada um, o que, ao final, assegura aos grandes doadores ocontrole sobre o GEF.

Apesar dos conflitos quanto a esse tema, decidiu-se, na COP-1realizada em Nassau (1994), que o GEF seria utilizado como mecanismofinanceiro interino da CDB, decisão que foi confirmada na COP-2 e naCOP-3, tendo esta última aprovado um Memorando de Entendimento(MoU) entre a COP e o Conselho do GEF.

Interfaces entre a CDB e Outras Instâncias Multilaterais

É cada vez mais premente, e ao mesmo tempo mais complexo, tornarcompatíveis as orientações e os instrumentos normativos e reguladores,que incidem sobre a temática da biodiversidade, definidos e adotados pordiferentes instâncias multilaterais, bilaterais e nacionais. Até porque essatemática, como se procurou demonstrar, desdobra-se em um conjunto

60 Esta foi a posição, dentre outros, da União Européia, representada pela Alemanha, da Austrália,dos Estados Unidos, da Noruega e do Japão, além de países do leste europeu representados pelaEslováquia.61 Um acordo para a reestruturação do GEF foi alcançado em março de 1994, ocasião na qualtambém os países doadores acordaram em repassar ao GEF US$ 2 bilhões por um período de trêsanos, soma que, no entanto, representava a metade do que fora prometido durante a Rio-92.

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diverso e polêmico de questões, tais como, biodiversidade na agricultura,biodiversidade florestal e, particularmente, o acesso a recursos genéticos ea proteção de direitos de propriedade intelectual, incluindo direitos demelhoristas, de agricultores e de comunidades locais e tradicionais. Dessemodo, impõem-se entendimentos entre a Conferência das Partes da CDBe outros organismos e instâncias internacionais que mais intensa ediretamente vêm intervindo sobre essas questões.

A CDB tem buscado afirmar-se como o fórum global sobrebiodiversidade e temáticas associadas, visando assim influenciar as discussõese deliberações desses outros fóruns internacionais no que tange abiodiversidade. Tal esforço vem sendo interpretado como refletindo odescontentamento de algumas delegações partícipes das Conferências dasPartes e de organizações não-governamentais, em relação às orientaçõesque têm prevalecido nessas outras instâncias multilaterais, considerandoseus impactos potencialmente adversos do ponto de vista dos objetivos daCDB.

Por outro lado, o fato de que, na Convenção sobre DiversidadeBiológica, tenham sido deixadas em aberto muitas questões para discussãoposterior tem sido também percebido como um espaço de manobra paraque essas outras instâncias internacionais estabeleçam orientações contráriasà CDB, sem que haja uma instância jurídica superior para definir qual dasorientações deve ser adotada internacionalmente.

São a seguir analisadas as interfaces da CDB com orientações einiciativas recentes no âmbito da FAO, da Organização Mundial doComércio e, ainda, da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONUem relação à biodiversidade florestal, as quais têm sido alvos privilegiadosde discussões das Conferências das Partes da Convenção.

Organização Mundial do Comércio — OMC

Existe a preocupação, por parte de alguns governos e ONGs, de quea Organização Mundial do Comércio estabeleça uma jurisprudência sobre

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questões de comércio e de patentes, particularmente através do AcordoTRIPs instituído durante a Rodada Uruguai do GATT, cuja orientação sejadistinta ou contrária às determinações da CDB.

Embora um considerável número de países seja tanto parte da CDBcomo membro da OMC62, isto não tem significado uma maior coerênciaentre as posições por eles expressas nessas duas instâncias, já que os setoresgovernamentais que delas participam freqüentemente representam distintosinteresses existentes no interior dos próprios governos. Particularmenteconsiderando que, nos aparatos governamentais, os setores responsáveispela área econômica geralmente detêm maior poder do que os setoresresponsáveis pela área ambiental, havendo quase sempre divergências entreeles.

Na COP-3, houve um extenso debate, mas pouco progresso, arespeito da relação entre a CDB e o acordo TRIPs, em que alguns países,dentre os quais a Malásia, a Índia, as Filipinas e o Brasil, externarampreocupação quanto aos impactos negativos dos atuais sistemas de proteçãoaos direitos de propriedade intelectual sobre os objetivos de conservação euso sustentável da biodiversidade e sobre o aumento da pirataria dosconhecimentos das comunidades tradicionais (Kothari, 1996).Manifestaram-se também restrições à forma como o Acordo TRIPs conduza questão dos regimes de patentes na área de biotecnologia e produtosderivados. Além disso, o Acordo TRIPs é interpretado como tendo ampliadoos direitos dos melhoristas e “inventores” sobre as variedades vegetais, emdetrimento dos direitos dos agricultores sobre as variedades por elesselecionadas e conservadas ao longo do tempo.

Na fase de negociação do Acordo TRIPs, por sua vez, houve grandecontrovérsia quanto a assuntos de interesse da CDB, tais como: a obrigatoriedadede patenteamento de organismos vivos, especialmente de plantas e animais,bem como a possibilidade de exclusão genérica de patenteabilidade de setoressocialmente estratégicos, como o farmacêutico, o agrícola e o alimentar. OArtigo 27 do Acordo TRIPs é o que apresenta maiores interfaces (e conflitos)com relação aos dispositivos da CDB (Box 9).

62 Em dezembro de 1996 havia 156 Partes da CDB e, em outubro de 1996, 125 membros da OMC.

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Box 9

ARTIGO 27 DO ACORDO TRIPS DO GATT

“1. Sujeito aos dispositivos dos parágrafos 2 e 3, patentes devem serconcedidas para quaisquer invenções, sejam produtos ou processos, emtodos os campos da tecnologia, desde que sejam novas, envolvam um passoinventivo e sejam capazes de aplicação industrial. Sujeito ao parágrafo 4do Artigo 65, parágrafo 8 do Artigo 70 e parágrafo 3 deste Artigo, patentesdevem ser concedidas e direitos de patentes exercidos sem discriminação,seja do local da invenção, o campo da tecnologia e se os produtos sãoimportados ou produzidos localmente.

2. Os membros podem excluir de patenteabilidade invenções, a prevençãodentro de seus territórios da exploração comercial da qual seja necessáriapara proteger a ordem pública ou a moralidade, incluindo proteger a vidahumana, de animais ou plantas ou evitar sérios danos ao meio ambiente,garantindo que tal exclusão não seja feita simplesmente porque a exploraçãoé proibida por suas leis.

3. Os membros podem excluir de patenteabilidade:

(a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento dehumanos ou animais;

(b) plantas e animais outros que microrganismos, e processos essencialmentebiológicos para a produção de plantas e animais outros que processos não-biológicos e microbiológicos. Entretanto, os membros devem proverproteção para variedades de plantas, seja por patentes ou por um sistemasui generis efetivo e por sua combinação. Os dispositivos deste parágrafoserão revistos quatro anos após a data de entrada em vigor do Acordo OMC.”

Como se vê, no texto final do Acordo TRIPs, ficou estabelecido oreconhecimento de patentes, pelos países signatários, da maior parte dosprodutos e processos, incluindo os farmacêuticos, microrganismosmodificados e processos microbiológicos, além da proteção de variedadesvegetais.

Alguns países e organizações têm envidado esforços para que asConferências das Partes da CDB estabeleçam procedimentos e canais dediálogo mais sistemáticos entre a OMC e a CDB. O Comitê de Comércio

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Box 9

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e Meio Ambiente da OMC (cf. Capítulo I) vem-se apresentando como ofórum privilegiado para a discussão das relações entre essas duas instâncias.Dentre os principais aspectos levantados sobre essa questão nas reuniõesdo CTE até então realizadas, destacam-se: a proteção dos direitos sobre osrecursos biológicos e a partilha de benefícios provenientes do patenteamentode produtos derivados desses recursos, aí incluída a questão dos direitosdas populações nativas; além dos efeitos dos direitos de propriedadeintelectual, se positivos ou negativos, sobre o desenvolvimento, o acesso ea transferência de tecnologias ambientalmente adequadas (UNEP, 1996).

Não existem ainda resultados conclusivos dessa busca de diálogo enegociação, mas verifica-se que a Convenção sobre Diversidade Biológicatem servido como uma referência significativa para se repensarem asorientações da OMC relativamente à temática ambiental e dodesenvolvimento sustentável, e à questão da biodiversidade em particular.No entanto, não está claro como e em que instância se procederá à resoluçãode conflitos que possam ocorrer quando da implementação de orientaçõesdivergentes entre a CDB e a OMC.

Organização para Alimentação e Agricultura — FAO

A FAO é uma outra agência internacional com grande interface comas questões tratadas na CDB. A FAO vem buscando manter o controlesobre o eixo da troca de recursos genéticos para alimentação e agriculturae sobre temáticas associadas à biodiversidade agrícola, temendo que a CDBavance, sem sua participação, sobre temas que tradicionalmente estiveramsob sua responsabilidade, o que implicaria perda de espaço político noplano internacional63.

Essa preocupação, por parte da FAO, pode também ser analisadacomo expressando a existência de uma disputa entre agências internacionais

63 A FAO já perdeu atribuições, por exemplo, no que diz respeito à proteção das florestas tropicais,ante a avaliação de que sua atuação nessa área teria contribuído mais para a exploração comercial dasflorestas tropicais do que para a sua conservação.

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para dominar certos assuntos e assim manter seu status; que é, na verdade,uma disputa por atenção e recursos financeiros dos governos, ou seja, porsobrevivência institucional, ante a tendência atual de enxugamento da ONU.Por outro lado, cabe à CDB estabelecer orientações, mas não lhe cabeimplementá-las; ela pode valer-se de diferentes organismos internacionaise nacionais para concretizar suas decisões, incluindo a própria FAO, que étipicamente uma agência implementadora.

Outro tipo de conflito deriva do fato de que, para os países emdesenvolvimento, a CDB representa um fórum muito mais neutro efavorável do que a FAO, que é mais fortemente dominada por interesses depaíses desenvolvidos, principalmente países europeus, o que faz com queseus próprios técnicos muitas vezes defendam posições consideradas mais“primeiro mundistas”. Por exemplo, a FAO vem tentando, desde o início,manter a antiga regra do livre acesso para recursos genéticos na área deagricultura e alimentação, buscando dominar os trabalhos da Convençãonessa área.

Além disso, existem discrepâncias filosóficas importantes entre essasduas instâncias internacionais, já que a FAO foi o agente propulsor daRevolução Verde, colocada à época como uma alternativa aos sombriosdiagnósticos do Clube de Roma sobre o crescimento exponencial dapopulação. A Revolução Verde representou o pólo oposto dasustentabilidade e da conservação da biodiversidade, associando-se à lógicada agricultura da mecânica pesada e da indústria agroalimentar e de sementes,lógica esta que também marcou profundamente as orientações da FAO.

No momento, duas questões principais, que estão sendo tratadas noâmbito da FAO, guardam grande relação com a implementação da CDB.Uma, como já assinalado, diz respeito à situação das coleções ex situ

existentes antes da entrada em vigor da CDB, particularmente em relaçãoaos direitos dos países de origem desses recursos genéticos. A outra refere-se a um tema mais antigo, mas que ganha nova dimensão no momentoatual, particularmente a partir da CDB, que é o da implementação de fatodo direito dos agricultores (cf. Capítulo II).

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Nesse contexto, destacam-se:

a) A adoção, durante a Quarta Conferência Técnica Internacionalsobre Recursos Genéticos Vegetais, realizada em Leipzig, Alemanha, de 17a 23 de junho de 1996, do “Plano Global de Ação para a Conservação e oUso Sustentável dos Recursos Genéticos Vegetais para Alimentação eAgricultura” e da “Declaração de Leipzig”, que constitui um documentopolítico, onde é reafirmado o comprometimento da FAO com as orientaçõesda Convenção sobre Diversidade Biológica, no que diz respeitoespecificamente aos recursos genéticos vegetais para alimentação eagricultura.

Tanto a Declaração de Leipzig quanto o Plano Global de Ação daFAO foram concluídos a partir de um longo e difícil processo de negociação,que resultou em um frágil consenso, gerando dúvidas sobre a viabilidadede esses documentos tornarem-se de fato instrumentos de implementaçãoda CDB. O principal ponto de conflito deu-se entre países doadores epaíses em desenvolvimento, em torno das fontes de financiamento, não setendo firmado um claro compromisso a respeito dessa questão. Outrosaspectos controvertidos foram: a inclusão ou não de pontos específicos arespeito de florestas e seus recursos genéticos, o que foi rejeitado por váriospaíses em desenvolvimento; o acesso a recursos genéticos e a partilha debenefícios; e os direitos dos agricultores.

b) Uma nova revisão do Compromisso Internacional sobre RecursosGenéticos Vegetais da FAO64, destinada a adequá-lo às orientações daAgenda 21 e da CDB, processo que no entanto vem-se alongando desde1993. Duas rodadas de negociações especificamente direcionadas paratratar da revisão do Compromisso Internacional ocorreram: a PrimeiraSessão Extraordinária da Comissão de Recursos Genéticos para Alimentaçãoe Agricultura, em novembro de 1994; e a Terceira Sessão Extraordinária daComissão sobre Recursos Genéticos para Alimentação e Agricultura,realizada em dezembro de 1996, na sede da FAO em Roma.

64 Em dezembro de 1996, contabilizavam-se 111 países aderentes ao Compromisso Internacional da FAO,com as notáveis exceções do Brasil, Canadá, China, Japão, Malásia e Estados Unidos (Chasek, 1996).

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A atual revisão do Compromisso Internacional da FAO vem tambémexpressando sérios conflitos de interesse, especialmente em torno de doispontos fundamentais. Um deles refere-se, mais uma vez, à discussão sobrea implementação do conceito de farmer’s rights, quanto aos seguintes pontos:(1) suas implicações práticas; (2) os limites entre as responsabilidades dacomunidade internacional e dos Estados nacionais sobre a questão, emespecial seus desdobramentos no âmbito das legislações internas dos países;(3) a viabilidade e as formas de proteção de direitos coletivos, na medidaem que o padrão internacionalmente predominante é a proteção de direitosindividuais, bem como o papel das comunidades e dos Estados nesse caso;e, ainda, (4) se a FAO seria o organismo multilateral mais apropriado parareger tais direitos (alternativamente foram propostos a UPOV, a OMC emesmo a OMPI).

O outro ponto de grande controvérsia dá-se em torno da regulaçãodo acesso a recursos genéticos, diante da variedade de regimes de acessoadotados pelos países e, desse modo, a dificuldade de se estabelecer umsistema internacional único de intercâmbio de recursos genéticos vegetais.

Observadores consideram que, mais uma vez, na discussão sobre oCompromisso Internacional da FAO, trava-se uma disputa entre o pontode vista dos países em desenvolvimento, que buscam fazer com que esseprocesso contribua para reforçar e “operacionalizar” as orientações da CDB,em especial, através do conceito de farmer’s rights e suas implicações para apartilha de benefícios; e a perspectiva dos países desenvolvidos, como osEstados Unidos, que, ao contrário, procuram, através da FAO, reverter algunsdos dispositivos da CDB, ou mesmo da própria FAO, por exemplo, relutandoem aceitar o conceito de farmer's rights.

A Sétima Sessão da Comissão sobre Recursos Genéticos paraAlimentação e Agricultura, também realizada em Roma, de 15 a 23 demaio de 1997, foi considerada um marco nas negociações para revisão doCompromisso Internacional, embora com poucos avanços em relação aosdireitos dos agricultores.

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Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU — CDS

Em 1995, por recomendação da Comissão de DesenvolvimentoSustentável (CDS) da ONU, foi estabelecido um Painel Intergovernamentalde Florestas (PIF, sigla em inglês IPF), com objetivos de propor açõesvisando o manejo, a conservação e o uso sustentável dos recursos florestais,em consonância com os compromissos assumidos durante a Rio-92,particularmente o Capítulo 11 da Agenda 21 (“Combate aoDesflorestamento”) e a Declaração de Princípios sobre Florestas65 entãofirmada.

A Conferência das Partes da CDB manifestou interesse em que oPainel de Florestas da CDS enfatizasse a questão da biodiversidade florestal,afirmando a importância de complementaridade entre a CDB, o Painel deFlorestas e outros fóruns relacionados ao tema.

O primeiro encontro do Painel de Florestas realizou-se em NovaYork, de 11 a 15 de setembro de 1995; o segundo encontro foi em Genebra,de 11 a 22 de março de 1996; o terceiro, também em Genebra, de 9 a 20 desetembro de 1996; e o quarto e último, mais uma vez em Nova York, de 11a 14 de fevereiro de 1997.

No documento conclusivo do Painel de Florestas66, é reconhecida aautoridade da CDB quanto à temática da biodiversidade florestal,mencionando-se a questão da biodiversidade em vários trechos, emboranão lhe seja dada uma ênfase especial.

É no âmbito das recomendações sobre conhecimentos tradicionaisrelacionados a florestas que mais referências são feitas, naquele documento,

65 Uma Convenção sobre Florestas foi proposta, durante a Conferência do Rio (1992), o que, naquelaoportunidade, não chegou a se concretizar, em razão de não se terem superado os conflitos deinteresses entre os países do G77, liderados pela Malásia, contrários a uma tal Convenção, e os paísesdo G7, liderados pelos Estados Unidos, que lhe eram francamente favoráveis. Alternativamente foientão firmada uma Declaração de Princípios sobre Florestas, cujo título completo em inglês é “Non-legally binding authorative statement of principles for a global consensus on the management, conservation andsustainable development of all types of forests”.66 Parágrafo 15 do Documento D/CN.17/1997/12 da Comissão de Desenvolvimento Sustentávelda ONU.

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aos dispositivos da CDB, em especial, a seus artigos 8º (j) e 10 (c), eparticularmente quanto à importância da obtenção de consentimento prévioinformado67 junto às populações envolvidas para a utilização de seusconhecimentos; e quanto à partilha justa e eqüitativa de benefícios derivadosda pesquisa e desenvolvimento e do uso comercial desses conhecimentostradicionais.

No que se refere a esse último aspecto, foi formalmente explicitada,no documento final do Painel de Florestas, uma divergência de posiçõesentre os governos de diferentes países: algumas delegações (como as doG77 e China) colocaram-se favoravelmente a que a partilha de benefíciosimplicasse pagamento apropriado aos povos nativos e comunidades locaisrelevantes, com base em seus direitos de “propriedade intelectual”; enquantooutras (sobretudo dos Estados Unidos e União Européia) preferiam umtratamento mais abrangente da questão, nos termos em que é tratada pelaCDB (várias possibilidades de partilha de benefícios, não necessariamenteatravés do pagamento de royalties).

O documento conclusivo do Painel de Florestas, dentre outrasrecomendações, chama ainda a atenção para a relevância da transferênciade tecnologias dos países do Norte para os do Sul em termos favoráveis eaté preferenciais a esses últimos, especialmente as tecnologias de conservaçãoe uso sustentável da diversidade biológica florestal.

Além desses pontos, o Painel de Florestas enfrentou vários outrostemas polêmicos, destacando-se: (a) a questão da soberania nacional sobreassuntos florestais, expressando-se a tensão entre haver um controlenacional68 sobre os recursos florestais e haver uma regulação internacionalsobre esses recursos (as maiores divergências deram-se em torno de seestabelecer um controle nacional68 ou um controle internacional comrespeito ao comércio ilegal de produtos florestais); (b) fontes de financiamentopara um manejo sustentável das florestas; (c ) transferência de tecnologias;(d) aspectos relacionados ao comércio, e principalmente (e) o estabelecimento

67 Esse assunto é tratado no Capítulo II.68 Posição do Brasil, Índia, China e demais países do G77.

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ou não de uma Convenção sobre Florestas69, o que acabou mais uma vezrejeitado.

Ainda que o Painel tivesse sido motivado pela necessidade de seestabelecer um diálogo político continuado sobre florestas no planointergovernamental, não se chegou a um consenso a respeito de algumasquestões fundamentais. Isto ficou refletido no documento final do Painel,onde os pontos mais controvertidos não foram solucionados, deixando-seassim ao encargo da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONUo encaminhamento das opções levantadas no Painel. Considerando osmúltiplos focos de atenção e de atuação da CDS, dentre os quais a temáticadas florestas é apenas mais um, levantam-se dúvidas sobre se os diversosaspectos relacionados à questão das florestas, inclusive o da biodiversidade,serão adequadamente tratados no contexto internacional.

Algumas ONGs criticam, ainda, o fato de que a CDB deixou a maioriados temas mais relacionados à biodiversidade florestal para o PainelIntergovernamental da CDS, não incorporando para si as questõesrelacionadas a esses ecossistemas, onde justamente se localiza a parcelamais significativa da biodiversidade mundial. Além disso, avalia-se que algunsaspectos de fundo relacionados à perda de biodiversidade florestal, e quehá algum tempo vêm sendo levantados por ONGs e certos governos, nãotêm sido adequadamente tratados nem nas COPs, nem o foram no PainelIntergovernamental de Florestas da CDS. Em especial, as chamadas causasfundamentais do desflorestamento, tais como: o padrão de consumoinsustentável dos países ricos e das elites dos países em desenvolvimento;as desiguais relações comerciais que pressionam os países ricos em florestasa exportarem enormes quantidades de madeira; e políticas e legislaçõesfundiárias que levam populações pobres a estabelecerem-se em áreas defloresta (Kothari, 1996).

69 De acordo com o Earth Negotiation Bulletin, 13 (34), essa proposta foi retomada pela UniãoEuropéia e países do leste europeu, sendo rejeitada, pelo menos naquele momento, por vários paísesem desenvolvimento, inclusive o Brasil, e ONGs, embora a Malásia e a Indonésia tenham-seposicionado favoravelmente a tal acordo. A esse mesmo respeito, ver nota 13.

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Balanço da Convenção sobre Diversidade Biológica

A partir da Convenção sobre Diversidade Biológica, novos elementosde barganha foram introduzidos na negociação internacional com respeitoà questão da biodiversidade. A CDB conduziu a um novo patamar o debateinternacional sobre essa temática, fortalecendo o que já se convencionouchamar de “biopolítica” e “biodiplomacia”, termos que bem atestam adimensão geopolítica da biodiversidade hoje.

No plano internacional, a CDB respondeu, em grande medida, aosinteresses e posições dos países em desenvolvimento ou G77, sendo tambémpermeável à influência do chamado “terceiro setor” (as organizações não-governamentais) e das representações das populações tradicionais. A própriaestrutura tripartite da CDB — envolvendo conservação, uso sustentável epartilha de benefícios, além de recomendar o acesso a tecnologias efinanciamento adequado — pode ser vista como tendo sido resultado doavanço das negociações Norte-Sul.

Pode-se dizer ainda que a CDB representa um espaço de resistênciaou de contracorrente em relação à tendência predominante em boa partedos fóruns de negociação internacional, particularmente no que diz respeitoà propriedade intelectual e transferência de tecnologias. Ao mesmo tempo,através de suas Conferências das Partes, busca exercer influência sobre otratamento da questão da biodiversidade e do meio ambiente, de modogeral, em outras instâncias multilaterais.

Do ponto de vista da consolidação institucional da Convenção, háconsenso de que progressos vêm ocorrendo, embora para muitos isto estejase dando de forma lenta e pouco concreta. No âmbito dos países, oabandono do princípio da “herança comum” e a afirmação do princípio da“soberania” dos Estados representam, para aqueles comprometidos com aimplementação da CDB, complexos desafios. Em boa parte dos países ricosem biodiversidade, não existe um arcabouço jurídico-normativo que dêsuporte às orientações da Convenção, do mesmo modo que é precário oaparato institucional disponível para implementar as ações e diretrizes

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estabelecidas pela CDB. Nesse aspecto, é possível observar a estruturação,ainda que gradual, no contexto nacional, de uma infra-estrutura orientadapara esses objetivos, em particular quanto à regulação do acesso a recursosgenéticos em seus territórios. A partir da CDB, foram também criadas, emvários países, comissões nacionais de biodiversidade, bem como iniciada aelaboração de estratégias e planos nacionais para a área.

Por outro lado, embora a CDB tenha força de lei nos países que aratificaram, não está totalmente assegurada sua capacidade de fazer valer,concretamente, suas determinações, existindo sérios obstáculos a seremenfrentados nesse sentido. É talvez na escala do local que se colocam osmais sérios desafios à implementação da CDB, do mesmo modo que é, emgrande medida, na prática concreta dos atores, que se irão trilhar os caminhospara se superarem, ou ao menos para se enfrentarem, os conflitos que hojepermeiam a questão da biodiversidade.

Nos próximos capítulos, são discutidos alguns reflexos desse processono âmbito nacional brasileiro e regional amazônico.

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Box 10

CRONOLOGIA DA CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA

Década de 1980 - Iniciadas discussões sobre o tema da diversidade biológica,pela Comissão de Legislação Ambiental e pelo Centro de LegislaçãoAmbiental da IUCN.

Junho de 1987 - Estabelecido pela UNEP um Grupo de Trabalho ad hoc deEspecialistas em Diversidade Biológica.

Novembro de 1988 a Julho de 1990 - Realizadas três reuniões do Grupo deTrabalho ad hoc de Especialistas em Diversidade Biológica da UNEP.

Início de 1990 - Estabelecido um “Subgrupo de Trabalho sobreBiotecnologia”.

Meados de 1990 - Criado pelo Conselho Diretor da UNEP um “Grupo deTrabalho ad hoc de Especialistas Técnicos e Legais”.

Fevereiro de 1991 - Realizada a primeira de cinco reuniões do “Comitê deNegociação Intergovernamental” (INC), para discutir uma primeira versãoformal da Convenção.

22 de maio de 1992 - Adotado o texto final do tratado, em reunião emNairobi, Quênia.

5 de julho de 1992 - Convenção da Biodiversidade é aberta à adesão durantea realização da Rio 92.

Maio de 1993 - Estabelecido, pelo Conselho Diretor da UNEP, um ComitêIntergovernamental sobre a Convenção sobre Diversidade Biológica(CI/CDB) para preparar a Conferência das Partes.

24-28 de maio de 1993 - Realizada em Trondheim, Noruega, pelo Governoda Noruega e pela UNEP, uma Conferência de Especialistas sobreBiodiversidade, para dar subsídios ao CI/CDB.

11-15 de outubro de 1993 - Realizada, em Genebra, a primeira sessão doCI/CDB.

29 de dezembro de 1993 - Convenção da Biodiversidade entra em vigor.

20 de junho - 1º de julho de 1994 - Realizada, em Nairóbi, a segunda sessãodo CI/CDB.

28 de novembro - 9 de dezembro de 1994 - Realizada em Nassau, nasBahamas, a Primeira Conferência das Partes (COP-1) da Convenção daBiodiversidade.

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4-8 de setembro de 1995 - Realizada, em Paris, na sede da UNESCO, aprimeira reunião do Corpo Subsidiário de Aconselhamento Científico,Técnico e Tecnológico (SBSTTA) para a Conferência das Partes (COP) daConvenção sobre Diversidade Biológica.

6-17 de novembro de 1995 - Realizada, em Jacarta, Indonésia, a SegundaConferência das Partes (COP-2) para a Convenção sobre DiversidadeBiológica.

17-23 de junho de 1996 - Realizada, em Leipzig, Alemanha, a QuartaConferência Técnica Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantaspara a Alimentação e a Agricultura da FAO.

22-26 de julho de 1996 - Realizado, em Aarhus, Dinamarca, o primeiroencontro do Grupo de Trabalho ad hoc sobre Biossegurança (BSWG-1).

2-6 de setembro de 1996 - Realizada, em Montreal, Canadá, a segundasessão do Corpo Subsidiário de Aconselhamento Científico, Técnico eTecnológico (SBSTTA-2).

4-5 de novembro de 1996 - Realizada, em Buenos Aires, Argentina, aTerceira Conferência das Partes (COP-3) da Convenção sobre DiversidadeBiológica.

12-16 de maio de 1997 - Segunda Reunião do Grupo de Trabalho ad hoc

sobre Biossegurança, realizada em Montreal, Canadá.

17-18 de maio de 1997 - Sétima Sessão da Comissão sobre RecursosGenéticos para Alimentação e Agricultura da FAO, em Roma, Itália.

1-5 de setembro de 1997 - Terceira Reunião do SBSTTA, Montreal, Canadá.

13-17 de outubro de 1997 - Terceira Reunião do Grupo de Trabalho ad hoc

sobre Biossegurança, Montreal, Canadá.

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CAPÍTULO IV

Institucionalizando a Biodiversidade no Brasil

O Brasil é considerado o primeiro país em “megadiversidade” — asestimativas sobre o percentual de espécies aqui existentes variam de 10% a30% do número total mundial — possuindo a mais diversa flora do mundo,cerca de 10% das espécies de anfíbios e mamíferos, 17% das aves e a maiordiversidade de primatas do planeta. O número de espécies de plantas, animaise microorganismos localizados em território nacional é calculado em maisde 2 milhões, o que também indica a existência de uma rica diversidadegenética70 (Dias, 1996).

O Brasil possui uma razoável infra-estrutura para o desenvolvimentode atividades de conservação e uso sustentável da biodiversidade, contandocom um dos maiores sistemas de conservação de recursos biológicos egenéticos tropicais in situ, na forma de unidades de conservação.

A biodiversidade brasileira é de grande importância para a economiado país. Segundo dados citados por Dias (op. cit.): 31% das exportaçõesbrasileiras correspondem a “produtos da biodiversidade”, aí destacando-seo café, a soja e a laranja; cerca de 40% do Produto Interno Bruto brasileiro

70 Segundo Dias (op.cit.), são 55.000 espécies de plantas superiores; 3.010 espécies de vertebradosterrestres; 3.000 espécies de peixes de água doce; 10 a 15 milhões de insetos; 394 espécies demamíferos; 1.573 espécies de aves; 468 espécies de répteis; 502 espécies de anfíbios; 55 espéciesde primatas.

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é formado por atividades relacionadas à agroindústria, sendo o setor florestale o setor pesqueiro responsáveis, respectivamente, por 4% e 1% do PIB; ea biomassa vegetal (incluindo o álcool, a lenha e o carvão vegetal) respondepor cerca de 26% da matriz energética nacional.

Por outro lado, nossa economia é fortemente baseada em espéciesexóticas e, embora daqui se originem muitas espécies economicamenterelevantes, como o abacaxi, o amendoim, a castanha-do-pará e a mandioca,o país não se destaca dentre os mais importantes fornecedores de espéciessilvestres para as principais culturas alimentares mundiais. Desse modo, oBrasil é considerado altamente dependente de recursos genéticos paraalimentação e agricultura, com 64% das colheitas brasileiras constituídasde materiais genéticos exóticos.

A situação do Brasil como país megadiverso e megadependente em recursosbiológicos e genéticos coloca-o em posição, ao mesmo tempo de granderesponsabilidade no regime global da biodiversidade e de relativa fragilidadenesse cenário. Fragilidade esta que é ainda mais acentuada pela baixaprioridade que é conferida à proteção do meio ambiente, bem como aodesenvolvimento científico-tecnológico nacional.

Este capítulo objetiva fazer um balanço e uma análise de iniciativasrecentes que, no conjunto, expressam o tratamento que vem sendo dadono Brasil, no plano político-institucional, às grandes questões debatidasinternacionalmente em relação à problemática da biodiversidade hoje,especialmente aquelas que guardam maior relação com a implementaçãoda Convenção sobre Diversidade Biológica. Traça-se, em primeiro lugar,um panorama das principais medidas tomadas recentemente pelo governobrasileiro com o objetivo de atender aos compromissos assumidos emrelação à CDB. A maior parte do capítulo é, no entanto, dedicada a umaseleção comentada de projetos de lei em discussão e de leis recentementeaprovadas, que abordam aspectos relevantes à temática da biodiversidadeidentificados em capítulos anteriores.

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Implementação da CDB no Brasil: Avanços e

Limites da Ação Governamental

Apesar da crescente institucionalização da intervenção do governobrasileiro na área ambiental desde a década de 1970 (Box 11), não se haviamformalizado, até recentemente, instrumentos e estratégias específicas paratratar a questão da biodiversidade no país.

Box 11

ESTADO E MEIO AMBIENTE NO BRASIL

Na década de 1970, a partir da criação da Secretaria Especial do MeioAmbiente (SEMA, 1973), vinculada ao Ministério do Interior, o governobrasileiro iniciou o estabelecimento de um aparato institucional específicopara a área ambiental, ao mesmo tempo em que se expandiaconsideravelmente a legislação nacional incidente sobre essa questão. Essainiciativa respondia, indiretamente, às questões suscitadas na Conferênciade Estocolmo (1972), ainda que a posição do Brasil naquele fóruminternacional tenha sido refratária ao enfrentamento da problemáticaambiental. Predominou, ao final, durante toda a década, o descaso, emrelação ao meio ambiente, do projeto “Brasil Potência” então hegemônico.Essa postura, aliás, associada à disponibilidade de riquezas naturais no país,constituiu fator de atração para investimentos externos em áreas que jáenfrentavam restrições ambientais nos países desenvolvidos, comomineração, química e construção naval. Paralelamente, a política deocupação do território nacional, então implementada, favoreceu a expansãode pólos de crescimento em áreas virgens, em especial na Amazônia.

Nas décadas de 80 e 90, acompanhando uma tendência observadamundialmente, a questão ambiental impôs-se de forma definitiva. Já noinício dos 80, instituíra-se uma Política Nacional do Meio Ambiente (Leinº 6.938, de 31/08/81, posteriormente alterada pelas Leis nº 7.804, de 18/07/89 e nº 8.028, de 12/04/90), bem como um Sistema Nacional de MeioAmbiente (SISNAMA). Em 1985, criou-se um Ministério com atribuiçõesespecíficas na área ambiental. A Constituição de 1988 incluiu toda umaseção sobre meio ambiente. No ano seguinte foram criados o Fundo Nacional

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do Meio Ambiente (FNMA, 1989), com especial ênfase no apoio a projetosdesenvolvidos por ONGs, por comunidades e por governos locais; e oInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis(IBAMA, 1989), como órgão executor da política de meio ambiente.

Ao mesmo tempo, as alterações institucionais sucessivas no setor levarama área ambiental a sofrer de grande instabilidade, bem como à dificuldadede se implementarem políticas e ações continuadas nesse campo. A áreaambiental não se iria constituir em um pólo de poder importante dentro doaparato de governo, ao mesmo tempo em que se expressava um fortedescompasso entre o aparato institucional formal e a concretização deresultados no setor ambiental. Transformado em Secretaria vinculada àPresidência da República, desde 1990, o Ministério do Meio Ambiente iriareconstituir-se em 1992, até que em 1995 seria batizado de Ministério deMeio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA).

O Brasil, primeiro país a assinar oficialmente a CDB durante a Rio-92, em junho de 1992, somente no início de 1994 ratificou-a através doCongresso Nacional. Foi também em junho daquele mesmo ano que secriou, através de decreto presidencial, uma Comissão Interministerial parao Desenvolvimento Sustentável — CIDES, constituída por ministros esecretários-executivos, com a função de assessorar o governo no mais altonível com relação a políticas a serem adotadas ou alteradas visandoimplementar os compromissos da Rio 92, tais como: Agenda 21, Convençãosobre Diversidade Biológica, Convenção sobre Mudança Climática,Declaração de Florestas e Declaração do Rio. No entanto, a CIDES nãochegou a operar formalmente, sendo substituída pela Comissão de Políticasde Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Brasileira, instalada emjunho de 1997. A nova Comissão tem caráter multissetorial e é subordinadaà Câmara de Recursos Naturais, no âmbito da Presidência da República.

Em dezembro de 1994, foi criado o Programa Nacional da DiversidadeBiológica (PRONABIO), visando apoiar a implementação de projetos ematendimento às ações recomendadas pela CDB. De acordo com o artigo 2ºdo Decreto que o criou (Decreto nº. 1.354, de 29/12/94), o PRONABIO:

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“Objetiva, em consonância com as diretrizes e estratégias daComissão Interministerial para o Desenvolvimento Sustentável –CIDES, promover parceria entre o Poder Público e a sociedadecivil na conservação da diversidade biológica, utilização sustentávelde seus componentes e repartição justa e eqüitativa dos benefíciosdela decorrentes, mediante a realização das seguintes atividades:

I. Definição de metodologias, instrumentos e processos.

II. Estímulo à cooperação internacional.

III. Promoção de pesquisas e estudos.

IV. Produção e disseminação de informações.

V. Capacitação de recursos humanos, aprimoramentoinstitucional e conscientização pública.

VI. Desenvolvimento de ações demonstrativas para a conservaçãoda diversidade biológica e utilização sustentável de seuscomponentes.”

Constituiu-se, ainda, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente,Recursos Hídricos e Amazônia Legal (MMA), a Comissão Coordenadorado PRONABIO, presidida pelo Ministro do Meio Ambiente e compostade: seis representantes de governo (ministérios do Meio Ambiente, Saúde,Ciência e Tecnologia, Agricultura e Abastecimento e Reforma Agrária,Relações Exteriores e Seplan), dois representantes da comunidade científica,dois da sociedade civil (de ONGs) e dois do setor produtivo. A primeirareunião da Comissão Coordenadora do PRONABIO ocorreu somente emagosto de 1996.

Atendendo a uma das recomendações da CDB, decidiu-se tambémpela elaboração de uma Estratégia Nacional para a Conservação e UtilizaçãoSustentável da Diversidade Biológica, sob responsabilidade do MMA, naqual seriam sintetizados os grandes gargalos e oportunidades, bem comoidentificadas as áreas em biodiversidade que necessitam de maior

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investimento no país71. O MMA tratou de criar ainda, no âmbito de suaSecretaria de Coordenação de Assuntos do Meio Ambiente, umaCoordenação Geral de Diversidade Biológica (COBIO, 1994), visandopromover e articular suas ações na área.

Paralelamente, o MMA apoiou ou promoveu, juntamente com outrasinstituições, a realização de vários workshops, discutindo temas diversosassociados à questão da biodiversidade, além de contratar alguns estudossobre a temática. Essas iniciativas tiveram maior impulso sobretudo a partirda criação da COBIO.

Foram ainda concluídas negociações com o Banco Mundial (maisespecificamente através do Fundo para o Meio Ambiente Mundial — GEF)para o financiamento a mecanismos específicos de apoio a iniciativas naárea de biodiversidade no país, sendo criados: o Fundo Brasileiro paraBiodiversidade (FUNBIO) e o Projeto de Conservação e UtilizaçãoSustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO)72.

O PROBIO é um projeto de governo, cuja implementação écoordenada pelo MMA, com o suporte da COBIO, sendo resultado de umacordo entre o Governo Brasileiro e o Banco Mundial, concluído em junhode 1996. Foi criado com os objetivos de: auxiliar o governo a iniciar umprograma para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade,identificando ações prioritárias; estimular o desenvolvimento de subprojetosdemonstrativos; e disseminar informações sobre biodiversidade.

Através do PROBIO estão em curso algumas iniciativas, como: arealização de avaliações regionais sobre a situação da biodiversidade nopaís; a organização de workshops para identificar prioridades nos biomas ea estruturação de uma Rede de Informação em Biodiversidade, que se apoiana Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Estão previstos US$ 20 milhões para

71 Foram negociados, em 1997, US$ 950,000.00 do GEF, a serem administrados pelo PNUD para aelaboração da Estratégia Nacional.72 Conforme levantamento realizado por Pagnoccheschi et al. (1996), através de Convênio entre oMMA e o ISPN, até então, ainda que várias instituições, do país e do exterior, concedam apoio aodesenvolvimento de projetos em biodiversidade no país, nenhuma delas caracteriza-se como fonteespecificamente orientada para o financiamento dessa área.

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o PROBIO (US$ 10 milhões do GEF e US$ 10 milhões do governobrasileiro), durante um período de cinco anos, quando se prevê a conclusãodo Projeto. O agente administrativo desses recursos é o Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado aoMinistério da Ciência e Tecnologia. Já na fase de negociação, o PROBIOselecionou onze subprojetos para financiamento e, em dezembro de 1997,lançou um edital público para o apoio financeiro a projetos orientadospara lidar com a problemática da fragmentação ecológica.

O FUNBIO tem como objetivo principal estabelecer-se comomecanismo financeiro de longo prazo para o apoio a projetos de conservaçãoe uso sustentável da diversidade biológica no Brasil73. Foi constituído comoum fundo privado vinculado à Fundação Getúlio Vargas (embora comautonomia administrativa, financeira e institucional), de modo a garantirflexibilidade à sua atuação e a facilitar a participação e o aporte de recursosdo setor empresarial, ainda que mantendo o caráter público de seusobjetivos74. O Fundo conta inicialmente com recursos “concessionais” doGEF no valor de US$ 20 milhões (a primeira parcela de US$ 10 milhões jáfoi depositada; a liberação da segunda parcela de US$ 10 milhões estácondicionada à captação de recursos pelo próprio FUNBIO no valor deUS$ 5 milhões), a serem aplicados no mercado financeiro em um horizontede 15 anos. Seu Conselho Deliberativo é composto de quatro representantesdo setor privado, quatro do setor acadêmico, quatro de ONGs, dois dogoverno e dois da Fundação Getúlio Vargas. O FUNBIO lançou, em janeirode 1997, seu primeiro edital de chamada de projetos em biodiversidade,composto de cinco chamadas: manejo sustentável de florestas naturais;

73 De acordo com seu Regimento Interno (art.5º), o FUNBIO tem como objetivos: financiar eangariar recursos para programas e projetos relativos à conservação, utilização sustentável,levantamento e disseminação de informações, intercâmbio técnico e outros relacionados combiodiversidade, em consonância com o disposto na CDB e no PRONABIO, bem como de acordocom as diretrizes estabelecidas pelos órgãos governamentais competentes.74 Descartada a primeira possibilidade de se alocarem recursos no próprio Fundo Nacional doMeio Ambiente, foram consideradas três alternativas para o FUNBIO: (a) criar uma novafundação específica; (b) utilizar uma fundação existente; (c ) criar um consórcio de fundaçõesexistentes. A decisão coube ao Ministro do Meio Ambiente, que optou pela segunda alternativa,escolhendo-se no caso, a FGV.

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conservação de ecossistemas naturais em propriedades privadas; manejosustentável de recursos pesqueiros; agricultura e biodiversidade; e gestãode unidades de conservação. A esse edital responderam 1.083 propostas,sendo ao final aprovados para financiamento, nessa primeira rodada defomento, apenas dez projetos, em razão dos limites de recursos disponíveis(US$ 2,4 milhões para o primeiro edital de projetos).

Todo esse processo de construção de um aparato institucional degoverno e de mecanismos de fomento a ações específicas para abiodiversidade, envolvendo essas e outras iniciativas75, não vem ocorrendosem “idas e vindas”, sobre as quais não cabe aqui entrar em detalhes76.Não se pretende tampouco proceder a uma avaliação sobre cada uma dessasações, o que fugiria aos objetivos pretendidos, fazendo-se tão somente algunscomentários gerais a seu respeito, tomadas no seu conjunto.

Não há dúvida de que esses mecanismos recém-criados representamum avanço do ponto de vista da política explícita77 do governo brasileiroquanto à questão da biodiversidade, sobretudo se considerarmos que, atérecentemente, sua ação nesse campo limitava-se ao estabelecimento de árease unidades de conservação, bem como ao estímulo à realização de inventáriosda flora e da fauna brasileiras, iniciativas essas realizadas ainda hoje de formaprecária.

Por outro lado, como é amplamente reconhecido, os recursos alocadosao FUNBIO e ao PROBIO, como também a dois outros importantesprogramas na área ambiental — o Programa Nacional do Meio Ambiente(PNMA) e o Programa-Piloto para a Conservação das Florestas TropicaisBrasileiras (PP-G7), além do próprio Fundo Nacional do Meio Ambiente

75 Outras iniciativas são descritas no Primeiro Relatório Nacional para a Convenção sobre DiversidadeBiológica - Brasil, elaborado pelo MMA/COBIO (1998).76 Um relato detalhado sobre esse processo pode ser encontrado em depoimento do ambientalistaJ.P. Capobianco (Instituto Sócio-Ambiental) em reunião de avaliação dos cinco anos após a realizaçãoda Rio 92 (Cordani et al, 1997).77 Políticas explícitas são aquelas formalmente estabelecidas ou declaradas pelo governo, enquantoque as políticas implícitas são aquelas de fato executadas. Freqüentemente há contradições entre asmesmas.

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(FNMA, 1989), têm majoritariamente origem externa, não expressandoum real comprometimento em termos financeiros do governo brasileirocom a implementação da CDB no país78. Esses programas, por outro lado,não constituem propriamente desdobramentos da Rio-92 ou da CDB, jáque haviam sido previstos antes da realização daquela reunião internacionale da assinatura da Convenção.

Uma das principais novidades dessas iniciativas vem sendo a adoçãode mecanismos participativos em sua gestão e a busca de parceria entrediferentes segmentos sociais, com destaque para a intervenção ativa das ONGse, no caso do FUNBIO, para a tentativa de atrair o setor empresarial paraações na área. Aliás, a abertura à participação de outros setores(governamentais e não-governamentais), em organismos colegiados, vemcaracterizando a intervenção do Estado brasileiro na área ambiental. Asopiniões convergem, no entanto, para a avaliação de que essa série de medidasnão alcançou, ainda, maiores conseqüências práticas, fazendo com que aimplementação da CDB no Brasil venha-se dando de forma lenta.

Ao mesmo tempo, um conjunto de iniciativas recentes, agora nocampo da legislação, apesar de diversas entre si, representam inovações notratamento jurídico nacional de temas relevantes à problemática dabiodiversidade e que são importantes do ponto de vista da implementaçãoda CDB no país. Essas iniciativas expressam os desdobramentos no país dealguns dos temas tratados naquele compromisso internacional, ainda quede forma não coordenada e muitas vezes até contraditória, como se discutea seguir.

Regulações em Conflito

A partir de um conjunto de atos legislativos em debate ourecentemente aprovados, vem-se construindo uma nova estrutura normativa

78 Levantamento feito por Pagnocheschi et al., citado anteriormente, revela que cerca de 70% domontante de recursos concedidos a projetos em biodiversidade são de fontes externas que, noentanto, concentram-se em apenas 2% do número total de projetos apoiados.

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e reguladora para o tratamento nacional da problemática da biodiversidadee de temas associados, embora com divergências entre as suas orientações,e apesar de que se possa questionar a respeito da sua consistência internaou da sua aplicabilidade prática.

Foram selecionadas aquelas iniciativas que trazem alguma novidadedo ponto de vista dos seguintes temas: (1) a conservação da diversidadebiológica; (2) a temática da biossegurança e (3) o controle das vias de acessoà informação estratégica associada à biodiversidade, englobando, nesseúltimo caso, quatro atos legislativos, dois deles já aprovados, relacionadosa: acesso a recursos genéticos, direitos de propriedade intelectual nas áreasbiotecnológica e de cultivos agrícolas e proteção dos conhecimentostradicionais. No conjunto, eles refletem os antagonismos a respeito dedistintos aspectos relacionados à implementação da CDB no país, revelandopor outro lado o balanço de forças hoje existente entre as distintas posições.

O Projeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos é, sem dúvida, oque se propõe mais diretamente a responder aos compromissos daConvenção e que melhor sintetiza as grandes questões, bem como osprincipais conflitos e dificuldades que hoje permeiam a implementação daCDB no país, sendo, portanto, dado a ele um destaque especial.

Um Novo Modelo de Conservação da Natureza: O Projeto do SNUC

O Projeto de Lei n° 2.892/92, instituindo o Sistema Nacional deUnidades de Conservação (SNUC), foi apresentado pelo Poder Executivo(Mensagem n° 176/92)79, objetivando ordenar o processo de criação das

79 Em seu Relatório sobre o Projeto de Lei (1996), o Deputado Fernando Gabeira lembra que: “aoprojeto 2.892/92 foram anexados dois novos projetos: o primeiro, de número 3.475/92, de autoriado Deputado Aroldo Cedraz, estabelece que, da área total de cada município, pelo menos 10% sejaprotegida na forma de unidades de conservação, e define as categorias de unidades que podem sercriadas pelo Poder Público municipal. O segundo, de número 1.768/96, proposto pelo DeputadoJoão Maia obriga o governo federal, quando da criação de unidades de conservação, a consultar osgovernos estaduais e municipais, bem como as populações locais.”

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unidades de conservação da natureza no país, bem como “estabelecermedidas de preservação da diversidade biológica”. Em sua essência, elecorresponde a um primeiro anteprojeto de lei elaborado em 1988 sobre oassunto pela organização não-governamental Fundação Pró-Natureza(FUNATURA), por encomenda do Instituto Brasileiro de Defesa Florestal(IBDF), hoje extinto, no qual, desde fins da década de 1970, já se discutia anecessidade de organização de um sistema dessa natureza. Tambémorganizações ambientalistas já há muito almejavam melhor estruturar ecoordenar as unidades de conservação (UCs) até então estabelecidas no país.

A principal justificativa apresentada para a criação do SNUC foijustamente a da necessidade do estabelecimento de uma rede de áreasnaturais protegidas, como alternativa para melhor enfrentar o problema daperda acelerada de biodiversidade. O projeto original, que chegou a seraprovado na XXIV Reunião Ordinária do Conselho Nacional do MeioAmbiente (CONAMA), tinha como propósito básico instituir dez categoriasde unidades de conservação: Reserva Biológica, Estação Ecológica, ParqueNacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Reserva deRecursos Naturais, Reserva de Fauna, Floresta Nacional, Área de ProteçãoAmbiental e Reserva Extrativista. Uma das inovações do SNUC é oreconhecimento oficial das Reservas Privadas do Patrimônio Natural(RPPNs) como parte do Sistema, para permitir que o proprietário privadode áreas naturais possa torná-las reconhecidas pelo poder público comoáreas a serem protegidas (Box 12).

Box 12

RPPNS

As Reservas Privadas do Patrimônio Natural (RPPNs) foram instituídasatravés do Decreto nº 98.914, de 31/01/90, posteriormente substituído peloDecreto nº 1.922 de 05/06/96, onde se estabelecem regras para oreconhecimento dessas reservas. Correspondem, em certa medida, a umdesdobramento das Reservas Particulares de Flora e Fauna, modalidadecriada em 1988 como uma ampliação dos Refúgios de Animais Nativos, de1977. O reconhecimento das RPPNs, pelo governo federal — mais

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especificamente, mediante portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambientee dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), vinculado ao MMA —ocorre a pedido do proprietário da área, baseando-se nos seguintes critérios:sua importância para a proteção da biodiversidade, valores de paisagem,ou outras características ambientais que requerem proteção ou restauraçãode ecossistemas frágeis ou ameaçados. As áreas reconhecidas como RPPNssão objeto de incentivos fiscais e creditícios.

De acordo com dados divulgados pelo IBAMA (através de sua home page),foram criadas no país, de 1990 a 1997, cerca de 149 dessas reservas,correspondendo a uma área total de 337.432,77 ha. Os biomas que hojeconcentram a maior parcela de RPPNs, em termos de área ocupada, são:Pantanal (37,38%), Amazônia (31,26%), Caatinga (12,96%) e Cerrado(10,50%), embora o maior número de reservas localize-se no Cerrado e naMata Atlântica. O ano de 1997 registrou um aumento considerável da criaçãode RPPNs, mas é ainda moroso o processo de reconhecimento dessas áreaspelo governo.

O modelo de áreas protegidas começou a ser adotado no Brasil nadécada de 1930 (ainda que desde o século XIX registrem-se iniciativasesparsas nessa direção), quando foi criado o primeiro parque nacional nopaís, surgindo a partir daí diversas unidades de conservação, com um visívelcrescimento na década de 1980, particularmente na Amazônia80.Inicialmente as UCs foram constituídas, em boa parte, sem uma discussãocom os segmentos sociais envolvidos e afetados por sua criação. Apreocupação inicial que motivou a criação de áreas protegidas no país,seguindo uma tendência mundial, relacionava-se à preservação da naturezaem si, e para tanto acreditava-se necessário mantê-las livres de qualquerinterferência humana. Nos últimos anos, porém, acompanhando mais umavez a experiência internacional, manifestou-se uma maior preocupação comrespeito às populações habitantes nessas áreas ou localizadas no seu entorno.

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80 Estima-se que hoje cerca de 4% do território nacional esta protegido na forma de unidades deconservação federais, que, somadas às áreas protegidas por unidades de conservação estaduais e porRPPNs correspondem a cerca de 8,6% do território nacional, enquanto que as áreas indígenasformalmente reconhecidas cobrem cerca de 7,3% do nosso território (na prática, elas podem chegara 10% do território brasileiro).

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Em 1996, um substitutivo ao PL 2892/92 foi elaborado, de modo aincorporar novos pontos de vista ao projeto original.

A presença ou não de populações nas unidades de conservação, emais ainda a sua participação na gestão dessas áreas, vem constituindo ofoco das discussões em torno do atual projeto de lei do SNUC, dividindoopiniões no seio do próprio movimento ambientalista nacional. Segundoparecer elaborado em 1996 pelo relator do Projeto, deputado FernandoGabeira,

“constata-se hoje que mais de 80% das unidades já criadas sãohabitadas por populações tradicionais. Entretanto, de acordo coma legislação vigente, essas áreas, na sua grande maioria, não admitema presença dessas pessoas dentro dos seus limites.”.

No substitutivo elaborado em 199681, destacam-se, dentre outras, asseguintes propostas de alterações no projeto original do SNUC82:

a) a ampliação do escopo dos objetivos da lei (Box 13), especialmenteno que se refere ao: o papel das comunidades tradicionais na conservaçãoda diversidade biológica, seu direito de acesso aos recursos necessários àsua subsistência e ainda a sua participação, juntamente com outrossegmentos da sociedade, na criação e gestão dessas áreas;

b) a exclusão da categoria Reserva Biológica (considerando suasemelhança com a definição da categoria de Estação Ecológica) e a inclusãodas categorias de: Reserva Produtora de Água (protege fontes de águapotável), Reserva Ecológico-Cultural (protege áreas onde se realizam práticastradicionais relevantes para a conservação da diversidade biológica) e ReservaEcológica-Integrada (protege áreas onde se objetivam diferentes práticasde manejo);

81 Pelo menos, de acordo com a última redação dada ao substitutivo até a finalização deste trabalho.82 Relatório apresentado à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias daCâmara dos Deputados, em 1996.

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c) a inclusão de um artigo tratando especificamente das Reservas daBiosfera, definidas como “um modelo, adotado internacionalmente, degestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com osobjetivos básicos de preservação dos recursos genéticos, das espécies e dosecossistemas, desenvolvimento de atividades de pesquisa, monitoramentoe educação ambiental, e melhoria da qualidade de vida das populações”,podendo ser integrada por unidades de conservação já criadas pelo poderpúblico (as Reservas da Biosfera são mundialmente reconhecidas atravésdo Programa “O Homem e a Biosfera” (sigla em inglês MAB), estabelecidopela UNESCO)83;

d) a admissão da presença de populações tradicionais tanto emFlorestas Nacionais, quando nas Reservas de Recursos Naturais; adeterminação da realização de estudos técnicos e de consultas às populaçõesdiretamente afetadas antes da criação de uma nova unidade de conservação,bem como a garantia de condições adequadas para o deslocamento depopulações tradicionais quando sua presença nas áreas de conservação forinadmissível;

e) a criminalização de condutas que causarem danos significativos àsunidades de conservação.

Um outro aspecto também inovador é a incorporação no Substitutivoao Projeto do SNUC do conceito de corredores ecológicos, definidos como“faixas de vegetação natural ou seminatural, ligando unidades deconservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimentoda biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreasdegradadas, bem como a manutenção de populações que demandam parasua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidadesindividuais” (art.2º).

A nova versão do SNUC é, portanto, muito mais abrangente do quea proposta original, e também bem mais dentro do espírito da CDB,procurando associar conservação da biodiversidade com seu uso sustentável,e, ao mesmo tempo, valorizando o papel das comunidades locais etradicionais nesse processo.

83 Esse assunto é comentado no Capítulo II.

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Box 13

OBJETIVOS DO SNUC*

“I - manter a diversidade biológica e os recursos genéticos no territórionacional e nas águas jurisdicionais;

II - proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional enacional;

III - preservar e restaurar a diversidade de ecossistemas naturais;

IV - promover a sustentabilidade do uso dos recursos naturais;

V - promover a utilização dos princípios e práticas da conservação danatureza no processo de desenvolvimento regional;

VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;

VII - proteger as características excepcionais de natureza geológica,geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;

VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;

IX - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;

X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica,estudos e monitoramento ambiental;

XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;

XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental,a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;

XIII - proteger as fontes de alimento, os locais de moradia e outras condiçõesmateriais de subsistência de populações tradicionais, respeitando sua culturae promovendo-as social e economicamente;

XIV - proteger e valorizar o conhecimento das populações tradicionais,especialmente sobre formas de manejo dos ecossistemas e uso sustentáveldos recursos naturais;

XV - preservar ecossistemas naturais pouco conhecidos até que estudosfuturos indiquem sua adequada destinação.”

* De acordo com o Substitutivo ao PL 2.892/92, apresentado pelo Relatordeputado Fernando Gabeira, em 1996.

Box 13○

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Tentando Proteger os Conhecimentos Tradicionais: O Estatutodas Sociedades Indígenas

O Projeto de Lei n° 2.057/91, instituindo o Estatuto das SociedadesIndígenas, foi apresentado à Câmara dos Deputados em 1991, com oobjetivo de regulamentar a Constituição de 1988 nos aspectos relativos aosdireitos indígenas, que, em seu artigo 231, estabelece que “a organizaçãosocial, os costumes, línguas, credos e tradições dos índios são reconhecidos,tanto quanto seus direitos originais à terra que eles ocupamtradicionalmente.”. Estabelece ainda que as terras que as comunidadesindígenas têm ocupado tradicionalmente “...são destinadas à sua possessãopermanente, e elas devem ser intituladas para o exclusivo usufruto dasriquezas do solo, rios e lagos lá existentes”.

Em sua versão de junho de 199484, e já buscando antecipar-se ao queiria estabelecer a nova Lei de Propriedade Industrial naquela época emdiscussão, o Projeto de Lei aborda explicitamente a questão do acesso, usoe proteção legal aos conhecimentos e práticas tradicionais indígenas. Osartigos 18-29 da versão de 1994 estabelecem:

a) o direito à confidência, ou seja, o direito de manter segredo sobreo conhecimento tradicional;

b) o direito de recusar o acesso ao conhecimento tradicional;

c) o direito de consentimento prévio informado (a ser dado porescrito) para o acesso, o uso e a aplicação de conhecimento tradicional;

d) o direito de essas comunidades ou de seus membros requererempatente e outras formas de proteção à propriedade intelectual sobre seusconhecimentos tradicionais e coletivos, o que seria concedido no nome dacomunidade ou sociedade;

84 O substitutivo, elaborado pelo relator, deputado Luciano Pizzato, incorporou elementos das trêspropostas apresentadas à Comissão Especial sobre o assunto: a do Poder Executivo, sob coordenaçãoda FUNAI; a do deputado Tuga Angerami (PSDB-SP) com a assessoria do CIMI (ConselhoIndigenista Missionário) e a de um conjunto de parlamentares, dentre os quais, Aloísio Mercadante(PT-SP) e Fábio Feldman (PSDB-SP), com a assessoria do Núcleo de Direitos Indígenas de Brasília(Arnt, 1995).

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e) o direito de co-titularidade, entre comunidades indígenas e terceiros,de dados de pesquisa, patentes e produtos derivados desses conhecimentos;

f) o direito de as comunidades anularem patentes baseadas em seusconhecimentos;

g) a extensão desses direitos, em especial sobre os conhecimentosrelativos a ecossistemas naturais, a processos biológicos e genéticos e aseres vivos de modo geral (plantas, animais e microorganismos);

O Projeto enfatiza ainda a necessidade de salvaguardarem-se aquelesconhecimentos e práticas que não sejam passíveis de proteção por patente,embora não se especifiquem os instrumentos legais para tanto. Sãoreconhecidos tanto os direitos morais quanto os direitos econômicos dascomunidades indígenas sobre suas produções intelectuais e “criaçõesespirituais”85.

É preciso, no entanto, atentar para as implicações mais amplas daforma como esse aparato legal vem sendo proposto, como chama a atençãoCordeiro (1995:43), para quem, “na intenção de proteger os interesses destaspopulações, acaba-se legitimando o sistema patentário sobre formas devida.”.

Ademais, através de acordos comerciais com comunidades indígenas,freqüentemente sob condições não tão favoráveis a essas populações,empresas atuantes, por exemplo, na área de fármacos e cosméticos, podemver protegidos a seu favor os conhecimentos de populações tradicionais, apartir das condições de sigilo e co-titularidade de patente, tal como propostanessa nova legislação.

Expressa-se aí uma contradição relativa, não só do Estatuto dasSociedades Indígenas, mas de todo o arcabouço jurídico hoje em discussão

85 De acordo com Costa e Silva (1996), “Direitos econômicos são aqueles que intitulam o autor aautorizar a reprodução, tradução ou adaptação de seu trabalho, assim como seu desempenho público,através do pagamento apropriado de royalties.” Já “Direitos morais [de acordo com a Convenção deBerna], são aqueles que intitulam o autor a reivindicar autoria de seu trabalho e objetar a modificaçõesou mutilações de seu trabalho que sejam prejudiciais à sua honra ou reputação. Direitos moraiscontinuam a existir mesmo após o autor ter transferido os direitos econômicos.” Esses direitos nãosão reconhecidos no Acordo TRIPS do GATT.

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para proteger os direitos intelectuais das comunidades tradicionais, comojá se chamou à atenção no Capítulo II. Sob a justificativa de se criaremmecanismos que sirvam não apenas para salvaguardarem-se osconhecimentos e as práticas dessas comunidades, mas também para garantirseu direito de usufruir dos benefícios econômicos derivados doaproveitamento comercial e industrial de suas práticas e conhecimentos,corre-se o risco de se obterem resultados inversos aos pretendidos,promovendo-se a apropriação privada do que até então eram consideradoslegados culturais dos povos e comunidades.

A questão é: será possível ser de outra maneira? Ou seja, aalternativa, caso não se estabeleçam instrumentos de proteção de direitosintelectuais ou semelhantes a essas populações, pode ser a privatização desseslegados por grandes corporações, sem contrapartida de qualquer espéciepara as populações que lhes deram origem.Como já analisado anteriormente,o debate internacional a respeito apenas se inicia.

Cedendo às Pressões Externas: Lei de Propriedade Intelectual

Em abril de 1991, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projetode Lei n° 824, visando substituir e ampliar o até então vigente Código dePropriedade Industrial (Lei n° 5.772, de 21/12/71). O PL 824/91 foiaprovado na Câmara dos Deputados em junho de 1993 e em seguidaencaminhado ao Senado Federal. Em abril de 1996, o Congresso Nacionalaprovou a Lei n° 9.279, regulando direitos e obrigações relativos àpropriedade industrial no Brasil, a qual foi sancionada pelo Presidente daRepública em 14 de maio daquele mesmo ano.

A aprovação da lei deu-se antes de tudo sob o argumento de seevitarem novas represálias comerciais86 (sobretudo dos Estados Unidos)

86 As pressões norte-americanas para a modificação da legislação nacional de propriedade intelectualvinham-se acirrando desde a Lei de Informática, até que, em 1988, com base na já mencionadaSuper 301 dos Estados Unidos, e também em razão do não reconhecimento de patentes para produtosfarmacêuticos, foram aplicadas sanções comerciais (unicamente) ao Brasil, particularmente sobre asexportações brasileiras de calçados, papel e celulose, químicos e eletroeletrônicos, acarretando emprejuízos para o país superiores a US$ 250 milhões.

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contra as exportações brasileiras, ao que era considerada prática de“pirataria” principalmente da indústria farmacêutica nacional (mas tambémdas áreas biotecnológica e de informática) em razão do não reconhecimentode patentes no Brasil, desde 1945, para produtos e, desde 1969, paraprocessos farmacêuticos87. Apesar desse fato, o mercado brasileiro defármacos é o oitavo hoje no mundo, e o setor farmacêutico no país éaltamente concentrado e internacionalizado, processo que se aprofundoua partir justamente das décadas de 1960 e 70.

Um dos principais pontos polêmicos nas discussões sobre o Projetode Lei de Propriedade Intelectual ocorreu em torno do patenteamento debiotecnologias. Os favoráveis à concessão de patentes nessa áreavislumbravam um melhor relacionamento do país com a “comunidadeinternacional” e, deste modo, um mais fácil acesso a tecnologias de ponta88.Na posição oposta, argumentavam os que temiam que o reconhecimentode patentes nessa área poderia tornar ainda mais difícil a penetração deempresas nacionais nos mercados biotecnológicos, já hoje monopolizadospelas grandes empresas transnacionais, bem como prejudicar o setor agrícolano país, em face do maior domínio, por empresas estrangeiras, dastecnologias de melhoramento genético89 de animais e plantas.

No texto final aprovado, prevaleceu não apenas a possibilidade deconcessão de patentes para biotecnologias, como também o reconhecimentoretroativo desses direitos (pipeline90), este último aspecto não sendo sequeruma exigência do GATT. Além das biotecnologias modernas e

87 Originalmente, a legislação brasileira não vedava direitos de proteção em nenhum setor da tecnologia.Foi com o Código de Propriedade Industrial de 1945 que se introduziram pela primeira vez restriçõesao patenteamento nas áreas química e farmacêutica, o que também ocorreu, das décadas de 30 a 70,em vários países como o Japão, a Suíça e a Itália.88 De acordo com Hathaway, nessa posição estavam representantes da indústria multinacional e dogoverno (inclusive o próprio INPI e o MCT), além da Associação Brasileira de Empresas deBiotecnologia (ABRABI), dentre outros.89 Segundo Hathaway, esse ponto de vista foi defendido por entidades científicas (inclusive da áreaagronômica, incluindo a EMBRAPA e seu Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia-CENARGEN), religiosas, ambientais e industriais (como a Associação de Indústrias da QuímicaFina - Abifina; e a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais - Alanac).90 O o pipeline consiste “na permissibilidade da concessão de patentes para produtos já patenteadosno exterior ou em fases de laboratório, desde que respeitado o critério da novidade absoluta, ou seja,não tenha sido colocado à venda tanto no Brasil, como no exterior.” (Varella, 1996:152).

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‘microrganismos transgênicos’, todos os remédios e alimentos declaradoscomo invenções tornaram-se passíveis de patenteamento. Por outro lado,incorporou-se à nova lei dispositivo que obriga a fabricação, em territóriobrasileiro, do produto patenteado, o que é naturalmente favorável aosinteresses do país, embora, segundo algumas interpretações, isto sejaconflitante com o disposto no Acordo TRIPs da OMC.

Um outro ponto polêmico, associado ao anterior, foi o dopatenteamento de seres vivos. No projeto inicial, abria-se a possibilidadepara o patenteamento de seres vivos de modo geral, especialmente aquelesmanipulados pela engenharia genética. Na lei aprovada, dadas as pressõesde diversos segmentos da sociedade e as implicações éticas da questão, nãose considerou como invenção nem como modelo de utilidade (não sendoportanto passível de patenteamento) “todo ou parte de seres vivos naturaise materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados,inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e osprocessos biológicos naturais” (art.10).

Por outro lado, foi permitida a concessão de patentes paramicrorganismos transgênicos91, através da interpretação de que eles fazemparte do processo de fabricação, desde que atendendo aos critérios denovidade, inventividade e aplicação industrial (art.18). A Lei n° 9.279/96,em seu artigo 18, define como microorganismos transgênicos “organismos,exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, medianteintervenção humana direta em sua composição genética, uma característicanormalmente não-alcançável pela espécie em condições naturais.”. Nãoficaram, no entanto, suficientemente claros os limites entre o que éconsiderado um ser vivo natural e o que é considerada uma “invenção”passível de patenteamento.

Desse modo, segundo algumas interpretações, a nova lei abre brechaspara o patenteamento ou o monopólio “virtual” sobre animais e plantas,na medida em que estes tenham sido originados de um processobiotecnológico patenteado, ou ainda que, para o seu genoma, tenha sidotransferido, através da engenharia genética, um microrganismo transgênico

91 A definição de microrganismo tomou boa parte das discussões. Um detalhamento a esse respeitopode ser encontrado em Varella (op.cit.).

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sobre o qual são exercidos direitos de patentes. Acredita-se ainda, desseponto de vista, que passa a ser assim conferido status legal à apropriação oumesmo privatização da biodiversidade nacional, através do patenteamentode processos ou mesmo produtos — no caso dos microorganismostransgênicos, colocando em cheque o exercício da soberania nacional sobrenossos recursos genéticos e biológicos.

Estendendo o Monopólio às Variedades Agrícolas:Lei de Cultivares

A aprovação de uma Lei de Proteção de Cultivares (Lei n° 9.456 de25 de abril de 1997) teve por objetivo assegurar direitos de monopóliotemporário (quinze a dezoito anos) sobre variedades melhoradas desementes agrícolas. Foi proposta pelo governo brasileiro, interessado emadequar a legislação interna para a adesão do país à UPOV 78, permitindo-lhe assim participar do regime internacional de proteção a variedadesvegetais92, ainda nos moldes da versão menos recente daquele acordointernacional (este assunto é tratado no Capítulo II).

A discussão a esse respeito iniciou-se em 1991, quando o governobrasileiro criou uma comissão de trabalho sobre Lei de Cultivares, em razãode ter sido então aprovada uma nova versão da UPOV muito mais rigorosa.No início de 1995, haviam sido já apresentados dois projetos a esse mesmorespeito: o Projeto de Lei do Senado n°. 199/95, do senador Odacir Soares;e o PL n°. 1.325 apresentado pelo executivo. Mas a versão que vingou foi ado Projeto de Lei n° 1.457/96, apresentado à Câmara dos Deputados emjaneiro de 1996.

O Brasil não havia até então assinado a UPOV 78 e aparentementenão tinha como prioridade estabelecer qualquer regime de proteção decultivares. Mas dada a iminência da UPOV 91, considerada mais rígida e

92 Anteriormente, já se tinha tentado incluir na Lei de Propriedade Intelectual o patenteamento deplantas, o que ao final não vingou, pelas resistências encontradas em diversos setores.

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mais desinteressante para o Brasil, o governo brasileiro viu-se pressionadoa preparar um documento legal que o qualificasse a ingressar na UPOVainda na vigência da versão de 1978. Contraditoriamente, no entanto, certosaspectos da nova Lei de Cultivares brasileira são considerados, por algunsobservadores, mais próximos às normas da UPOV 91.

A lei estende a proteção para as cultivares caracterizadas como“essencialmente derivadas” de uma cultivar protegida (conceito que surgena versão de 1991 da UPOV), condicionando sua exploração comercial àautorização do titular da cultivar original (art.10) (Box 14). Além disso,ainda que, na lei, o melhorista seja caracterizado como pessoa física, éconcedida proteção de direitos de propriedade tanto à pessoa física quantoà pessoa jurídica que obtiver a nova cultivar ou a cultivar essencialmentederivada (art.5º).

Box 14

LEI DE CULTIVARES: ALGUMAS DEFINIÇÕES (ART.3º)

Melhorista - “a pessoa física que obtiver cultivar e estabelecer descritoresque a diferenciem das demais.”

Cultivar - “a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superiorque seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margemmínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogêneae estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja deespécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicaçãoespecializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagemcomponente de híbridos.”

Nova cultivar - “cultivar que não tenha sido oferecida à venda no Brasil hámais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que,observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecidaà venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais deseis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos paraas demais espécies.”

Box 14○

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Cultivar essencialmente derivada - “A essencialmente derivada de outracultivar se, cumulativamente for:

a) predominantemente derivada da cultivar inicial ou de outra cultivaressencialmente derivada, sem perder a expressão das característicasessenciais que resultem do genótipo ou da combinação de genótipos dacultivar da qual derivou, exceto no que diz respeito a diferenças resultantesda derivação;

b) claramente distinta da cultivar da qual derivou, por margem mínima dedescritores, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão competente;

c) não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses emrelação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo decomercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outrospaíses, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espéciesde árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies.”

A nova Lei de Cultivares se autocaracteriza como um instrumentode proteção da propriedade intelectual sobre o desenvolvimento de novascultivares, propondo para isto a instituição de um Certificado de Proteçãode Cultivar como “única forma de proteção de cultivares e de direito quepoderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reproduçãoou de multiplicação vegetativa, no país” (art.2º), ou seja, rejeitando a duplaproteção (por patente e por proteção à cultivar). No caso, a proteção recaibasicamente sobre a semente, definida na própria lei como “toda e qualquerestrutura vegetal utilizada na propagação de uma cultivar”.

A lei exime de respeitar o direito de propriedade sobre cultivarprotegida os que: (a) reservam e plantam sementes para uso próprio; (b)usam ou vendem como alimento ou matéria-prima o produto obtido doseu plantio, desde que não o façam para fins reprodutivos; (c ) utilizam-nacomo fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científicae, (d) sendo pequenos produtores rurais, multiplicam sementes, para doaçãoou troca, para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programasgovernamentais ou autorizados pelo governo.

A lei determina também a criação do Serviço Nacional de Proteçãode Cultivares (SNPC), no âmbito do Ministério da Agricultura e doAbastecimento, competindo-lhe a proteção de cultivares.

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Diversos argumentos foram colocados favoravelmente àregulamentação nacional nessa área, nos moldes da UPOV, dentre os quaisdestacam-se93: o aumento da receita dos centros de pesquisa nacionais,através do pagamento de royalties pelo uso, na agricultura, de cultivaresdesenvolvidas por essas instituições, contribuindo assim para o seufortalecimento; o mais fácil acesso de pesquisadores brasileiros a inovaçõesbiotecnológicas na agricultura realizadas no exterior, as quais, do contrário,sem proteção e ressarcimento financeiro garantidos, não se lhes fariadisponível (argumento também utilizado quando da discussão sobre a Leide Propriedade Industrial).

Por outro lado, esses argumentos foram contestados pelos queobservaram que, nos últimos anos, justamente nos países da OCDE queaderiram ao modelo UPOV, houve um processo de privatização da pesquisaem biotecnologia agrícola. A pesquisa nessa área, que até os anos 60 eracapitaneada por centros governamentais de pesquisa de sementes, vemsendo hoje cada vez mais dominada por empresas privadas dos EstadosUnidos. Do mesmo modo, considerando a estrutura altamente oligopolistada indústria sementeira mundial e a ampla diversificação de produtos comofator de diferenciação concorrencial, acredita-se ser pouco provável que asimples proteção às sementes melhoradas promova uma inserção maiscompetitiva das empresas nacionais nesse mercado.

A proposição da Lei de Cultivares não foi uma iniciativa bem-vistapor organizações da sociedade civil, sendo percebida por esses segmentoscomo um instrumento de defesa dos direitos dos melhoristas sobrevariedades comerciais de sementes na agricultura, o que interessariasobretudo às grandes transnacionais da indústria sementeira, do mesmomodo que a UPOV é caracterizada como um espaço favorável aos interessesdos países desenvolvidos.

Desse mesmo ponto de vista, a Lei de Cultivares foi recebida comouma tentativa de estender os dispositivos da Lei de Patentes para as espécies

93 Castro, L.A.B. (1990). Propriedade intelectual e patentes industriais: implicações para a agropecuáriabrasileira, citado por Barbosa & Arruda (1990).

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agrícolas. E, tanto como a Lei de Patentes foi interpretada como umaimposição externa, também a proteção de cultivares é percebida por algunssegmentos como resultado de pressões do comércio global, já que não háqualquer obrigação internacional que determine que o Brasil deva estabelecerum tal instrumento jurídico, a não ser pelo fato de que o GATT estipulouque, no ano 2005, os países signatários devem apresentar algumaregulamentação a respeito, embora não necessariamente nos termos emque foi aprovada a lei brasileira.

Por outro lado, algumas das reivindicações dos setores contrários auma Lei de Cultivares no Brasil acabaram por ser contempladas no textofinal da lei, especialmente as exceções feitas a associações de pequenosagricultores e as restrições à dupla proteção (por patentes e por proteção àscultivares).

Na América Latina, além do Brasil, foram já aprovadas legislaçõessobre direitos de melhoristas na Argentina (1973), no Chile (1977) e noUruguai (1981); também a Colômbia está discutindo uma regulamentaçãoa respeito.

Contrabalançando as Perdas:

Lei de Acesso a Recursos Genéticos

O Projeto de Lei n° 306/95 dispõe sobre os instrumentos de controledo acesso a recursos genéticos no País e recebe a denominação de “Lei deAcesso à Biodiversidade Brasileira”. Foi apresentado ao Senado Federalem outubro de 1995, pela senadora Marina Silva, do Acre, tendo comoRelator o senador Osmar Dias, do Paraná.

Até que ocorra a transformação do projeto em lei, as atividades decoleta de material biológico, dados e outros materiais científicos em territórionacional, permanecem sob a regulamentação do Decreto n° 98.830 (de

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15/01/90)94 e da Portaria n° 55 (de 14/03/90) do Ministério da Ciência eTecnologia. Estes versam sobre as chamadas expedições científicas,entendidas como atividades de campo exercidas por estrangeiros (pessoafísica ou jurídica), não englobando atividades de coleta de material realizadaspor pessoa física ou jurídica nacional. Ao menos no que se refere àsexpedições científicas para coleta de recursos genéticos e biológicos, oDecreto n° 98.830 e a Portaria 55 deverão ser superados pela nova Lei deAcesso, quando (e se) aprovada.

O projeto da senadora Marina Silva foi apresentado sob a justificativade atender ao artigo 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, quetrata especificamente dos direitos e obrigações dos Estados-Nações comrespeito ao acesso a recursos genéticos. Na verdade, porém, o Projeto deLei procurou abranger outros aspectos contidos na CDB, particularmenteaqueles tratados nos artigos 8º (j), 10 (c), 16 e 19, além, evidentemente, dopróprio artigo 15. A proposta original divide-se em sete capítulos. Além decapítulos contendo, respectivamente, princípios gerais, atribuiçõesinstitucionais, sanções administrativas e disposições gerais, há capítulosespecíficos sobre: acesso a recursos genéticos (Cap. III); proteção doconhecimento, particularmente das comunidades tradicionais (Cap. IV) edesenvolvimento e transferência de tecnologia (Cap. V).

Dentro desse espírito, o PL n° 306/95 tem como princípios gerais:

a) a afirmação da soberania nacional sobre os recursos genéticos;

b) o reconhecimento da importância das práticas e conhecimentostradicionais das comunidades indígenas e locais, incentivando a participaçãodessas comunidades nas decisões relacionados ao acesso;

c) a participação nacional nos benefícios econômicos e sociaisresultantes do uso dos recursos genéticos;

d) a prioridade do acesso a recursos genéticos aos que desenvolverempesquisa e tecnologia em território nacional;

94 O Decreto nº. 98.830, por sua vez, revogou o Decreto nº 65.057, de 26 de agosto de 1969, bemcomo o Decreto nº. 93.180, de 27 de agosto de 1986, que até então normatizavam a fiscalização dasexpedições científicas no país.

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e) o respeito aos princípios de biossegurança e de segurança alimentaradotados no país; e

f) a garantia de proteção e remuneração dos direitos individuais ecoletivos sobre os conhecimentos associados à biodiversidade.

Participantes da discussão sobre o Projeto de Lei identificam, nesseprocesso, três grupos de atores. O grupo menor, mas de liderança, seria orepresentado pela senadora Marina Silva e sua equipe, cujo principal interesseé o de acelerar a criação da Lei de Acesso no Brasil, como passo importantepara a implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica no país,e que, para isso, vem promovendo amplas consultas a diferentes segmentosda sociedade, através da organização de audiências públicas.

O segundo grupo seria o do governo brasileiro (o Executivo e seusMinistérios, destacando-se o Itamarati, o Ministério do Meio Ambiente, oMinistério da Agricultura e o Ministério da Ciência e Tecnologia) que vêesse tema de uma forma mais complexa, porque ele tem interfaces comuma série de outros temas estratégicos — particularmente o acesso arecursos genéticos utilizados na alimentação e na agricultura e o uso derecursos genéticos para pesquisas biotecnológicas — que, por sua vez, jávêm sendo, de algum modo, objeto de negociação brasileira no planointernacional, seja bilateral ou multilateralmente, sobretudo na OMC, naFAO e no Banco Mundial. Esses aspectos pesam na posição do governobrasileiro, colocando-o em uma situação no mínimo desconfortável nanegociação sobre a regulamentação do acesso aos recursos genéticos.

Um terceiro grupo de atores relevantes são os chamados grupos deinteresse ou stakeholders, no âmbito da sociedade civil, incluindo asinstituições de pesquisa que trabalham na área, as comunidades tradicionaise as ONGs. As instituições de pesquisa estão fazendo um lobby à partepara relativizar o poder da autoridade competente e, desse modo, usufruirde bastante autonomia, aumentando o poder das suas próprias instituiçõesna definição de como se dará o acesso aos recursos genéticos e biológicos.Na área acadêmica, a tradição é considerar que a biodiversidade épatrimônio da humanidade e há o desejo de se continuar trabalhando

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com o livre acesso a esse material. Mas, pelo que a CDB prevê, mesmo acomunidade científica vai estar sujeita a algum tipo de controle. Restadefinir que nível de controle vai ser necessário, sem que se burocratizeexcessivamente a atividade científica.

Um ator importante nesse caso é a Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (EMBRAPA), que, historicamente, sempre atuou com muitaliberdade nesse campo. A EMBRAPA será o primeiro ator a sofrerretaliações no caso de uma lei de acesso muito restritiva, no momento emque for acessar recursos genéticos de outros países.

As ONGs vêm participando e apoiando amplamente a elaboraçãodo texto da Lei de Acesso. As comunidades tradicionais, por sua vez,consideram que estão sendo pouco ouvidas na discussão sobre esse projeto,o que vem sendo justificado pelos que estão à frente desse processo pelapequena infra-estrutura disponível para viabilizar uma participação adequadadessas comunidades nessa discussão. A atitude do governo, não tendo estadoà frente dessa discussão (ao menos em sua fase inicial), é interpretada poralguns como uma demonstração de desinteresse em regulamentar o acessoa recursos genéticos no país.

As forças da continuidade representam também, inegavelmente, umlobby muito importante, fazendo-se presentes nos diferentes grupos, ebuscam transformar a Lei de Acesso em um instrumento de pouco impactonas práticas de acesso até então dominantes. É possível que aí estejamincluídos os interesses dos grupos empresariais instalados no Brasil que,até o momento, não têm participado, ao menos abertamente, nesse debate.Observadores acreditam que, muito provavelmente, esses segmentosmantêm a expectativa de continuar tendo acesso irrestrito à biodiversidadenacional, diferenciando-se, portanto, das regras de acesso a serem aplicadaspara indivíduos e empresas estabelecidas fora do país.

Mas, diferentemente dos debates que antecederam a aprovação daLei de Propriedade Industrial, onde os pontos polêmicos e interessesdivergentes expressaram-se de forma clara, na Lei de Acesso os conflitosapenas começam a aflorar e boa parte das discussões têm-se dado, até o

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momento, em torno do esforço de elaboração de uma nova fórmula legalque aborde adequadamente temas ainda pouco tratados pelos juristas,mesmo no âmbito do direito internacional. É possível já notar e anteciparalguns pontos controvertidos de maior substância em torno do Projeto deLei, que envolvem algumas definições técnicas, mas que de fato têmimplicações políticas significativas.

Não se irá abordar aqui o conjunto das questões hoje em debatesobre o Projeto de Lei de Acesso, nem se discutir todos os detalhes a seurespeito, sendo apenas comentados os aspectos de maior relevância paraos objetivos deste trabalho95.

Titularidade

A questão da titularidade sobre os recursos biológicos é um pontoconsiderado problemático. Por exemplo, os componentes da floracontinental são regidos pelo direito de propriedade privada, enquanto queos recursos vivos da Zona Econômica Exclusiva96 são considerados bensda União. São buscadas brechas para interpretações alternativas na legislaçãoatual, além de se considerar a possibilidade de modificação de algunsaspectos do atual arcabouço jurídico-normativo que rege a questão. Foramapresentadas propostas de se condicionar a propriedade e o acesso aos

95 Baseamo-nos aqui nas discussões das três audiências públicas realizadas para discutir o Projeto deLei (em Manaus, São Paulo e Brasília), cujos resultados foram sintetizados por Arcanjo (1996), alémdas recomendações do workshop “Acesso a Recursos Biológicos: Subsídios para sua Normatização”,em Brasília em outubro de 1996, organizado por um conjunto de instituições de governo e não-governamentais, que reuniu diversos especialistas da área. Até a conclusão deste trabalho, não setinha dado uma redação definitiva ao Substitutivo que, provavelmente, deverá ser apresentado ao PL306/95. A própria posição oficial do governo a esse respeito não fora ainda divulgada.96 Zona Econômica Exclusiva constitui um novo conceito de espaço marítimo introduzido pelaConvenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, correspondendo a uma área que se estendedesde o limite exterior do Mar Territorial, de 12 milhas de largura, até 200 milhas náuticas da costa,no caso do Brasil. O Brasil tem direitos de soberania sobre essa área, para fins de exploração,conservação e gestão dos recursos naturais (vivos ou não) do leito do mar, águas sobrejacentes e seusubsolo, tendo, por outro lado, uma série de obrigações com respeito à proteção dessas áreas.

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recursos genéticos e biológicos ao cumprimento da função social dapropriedade, recorrendo-se a dispositivo contido na própria ConstituiçãoFederal. Há ainda a sugestão de se enquadrarem todos os recursos genéticosencontrados em território nacional como “bens públicos de uso especial”.

Alcance e objeto

Há dúvidas quanto à própria definição de acesso e de seu objeto: sea recursos biológicos e/ou genéticos, se apenas in situ ou também ex situ, sea regulamentação do acesso recai ou não sobre cultivos agrícolasdomesticados, entre outras questões97. A tendência dominante vem sendoa de considerar que a lei deve normatizar o acesso a recursos genéticos eprodutos derivados, abrangendo ainda, possivelmente, os conhecimentosa eles associados. Discute-se também a respeito do estabelecimento demecanismos de acesso distintos para os recursos mantidos em condiçõesex situ; por exemplo, através da adoção de um Acordo de Transferência deMaterial, que regularia o envio de amostras tanto para o exterior quantopara outras coleções nacionais.

Um outro ponto refere-se ao acesso a recursos genéticos estratégicospara a alimentação e a agricultura, os quais, segundo algumas opiniões,exigiriam um regime de acesso mais flexível, dada a já comentadadependência, no cardápio alimentar brasileiro, de espécies trazidas de outrasregiões ou de espécies nativas melhoradas alhures.

Há ainda a questão sobre a aplicação da lei aos seres humanos,discutindo-se as possibilidades de: (a) deixar o texto tal como está no Projetooriginal98; (b) modificá-la para regular também o acesso a genes humanosou (c) deixar esse assunto para legislação específica, criando uma nova

97 A CDB faz menção apenas a recursos genéticos (material genético de valor real ou potencial), oque, segundo algumas opiniões, não contempla os recursos biológicos ainda sem valoração.98 O art. 4º do PL dispõe que a lei proposta “não se aplica ao todo, a suas partes e aos componentesgenéticos dos seres humanos”.

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legislação a respeito ou modificando a legislação já existente (por exemplo,a própria Lei de Biossegurança). Mesmo nessa última alternativa, existe apreocupação de que a nova lei não deixe o acesso ao genoma humanototalmente “à deriva” enquanto ela não está regulamentada, propondo-seque na própria Lei de Acesso seja proibido o acesso ao genoma humano“com fins comerciais”, ou simplesmente que o proíba de todo, considerandoa dificuldade hoje de se delimitarem os objetivos puramente científicos dosde caráter econômico-comercial.

Autoridade competente

Discute-se sobre a quem atribuir a autoridade para conceder o acesso:se à comunidade que detém o material ou se a uma autoridade nacional,setorial ou estadual. Sugere-se utilizar estruturas institucionais já existentes,além de uma rede descentralizada de instituições credenciadas. Procura-seainda fazer uma distinção entre a autoridade competente para conceder oacesso, de um lado, e o proprietário dos recursos ou as comunidades locaisque contribuem para conservá-los, de outro, cabendo a esses últimos dar adecisão final sobre a coleta ou não do material.

Proteção aos conhecimentos tradicionais

Embora, nas discussões sobre o projeto de lei, haja claramente umapreocupação em reconhecer, proteger e retribuir os conhecimentostradicionais sobre os recursos genéticos e biológicos, supondo-se quenormalmente não se “acessa” apenas o recurso genético, mas a informaçãoa ele associada (o chamado “componente intangível do recurso”), não setem ainda muito claro como fazê-lo, já que não existem ainda instrumentoslegais com esse fim. É dominante o ponto de vista de que conceitostradicionais de propriedade intelectual são inaplicáveis nesses casos, mashá divergências sobre se daí infere-se uma proteção mais difusa desses

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conhecimentos; ou se, ao contrário, como defendem algumas organizaçõesnão-governamentais e instituições de pesquisa do país, são necessáriosinstrumentos bastante precisos para salvaguardar não só os direitosintelectuais dessas comunidades, mas também as suas tradicionais práticasde conservação e uso da diversidade biológica99.

Reconhecimento de direitos de propriedade intelectual

O Projeto de Lei de Acesso vem sendo percebido, por algunssegmentos, como um artifício para se contrabalançarem as perdas sentidasna Lei de Propriedade Industrial e na Lei de Cultivares, na medida em que:

a) não reconhece “direitos de propriedade intelectual, registradosdentro ou fora do país, relativos a recursos biológicos ou genéticos, derivadosdeles ou a processos respectivos quando: (I) utilizem o conhecimentocoletivo de comunidades locais; ou (II) tenham sido adquiridos sem ocertificado de acesso e a licença de saída do país.” (art. 21);

b) determina que “o poder público revisará as patentes e outrosdireitos de propriedade intelectual registrados fora do país, que tenhampor base recursos genéticos nacionais, com a finalidade de reivindicar acompensação correspondente ou declarar sua nulidade.” (art. 22);

c) condiciona o uso de biotecnologias estrangeiras ao respeito à Leide Acesso e demais normas de biossegurança e a que “a empresa pretendenteassuma integralmente a responsabilidade por qualquer dano que possamacarretar à saúde, ao meio ambiente ou às culturas locais, no presente e nofuturo.” (art. 25);

d) reconhece direitos de proteção dos conhecimentos dascomunidades tradicionais, o que não está previsto na lei de patentes.

99 Arcanjo sugere ainda, alternativamente ao conceito de “propriedade intelectual”, nesse caso, usaro conceito de integridade intelectual, por ser mais apropriado, na medida em que expressaria umapreocupação mais ampla com a valorização integral da comunidade.

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Ao mesmo tempo, ao prever a criação de mecanismos que asseguremaos pesquisadores brasileiros o acesso e a transferência de tecnologiaspertinentes à conservação e uso sustentável da biodiversidade, o próprioprojeto de lei afirma que “em caso de tecnologias sujeitas a patentes eoutros direitos de propriedade intelectual, será garantido que o acesso e atransferência se façam em condições que garantam a proteção adequadaaos direitos de propriedade intelectual.” (art. 26), reforçando assim a Lei dePropriedade Industrial.

Essas questões não vêm sendo objeto de grande debate, mas comcerteza sobre elas existem significativos conflitos de interesse, a se julgarpelas disputas observadas na discussão sobre a Lei de Propriedade Industriale, já com menos vigor, sobre a Lei de Cultivares.

Partilha de benefícios

A garantia e a exeqüibilidade da partilha de benefícios gerados pelautilização dos recursos genéticos “acessados”, particularmente quando setratar de comunidades indígenas e tradicionais, é também um elementocomplexo. Imagine-se a dificuldade, por exemplo, do controle, por essascomunidades, sobre o pagamento de royalties cobrados pela comercializaçãodos produtos derivados de recursos genéticos localizados nas áreas porelas ocupadas, considerando que são necessários de 13 a 15 anos para umanova droga entrar no mercado, o que faz com que esse ressarcimentofinanceiro possa levar cerca de 20 anos ou mais.

Ademais, além das comunidades locais, outros setores podem reivindicaro reconhecimento de direitos de participação nesses benefícios, como a própriaUnião, governos estaduais ou municipais e os proprietários privados.

Fundo

No Projeto de Lei, propõe-se que os recursos arrecadados através dacobrança pelo acesso aos recursos genéticos sejam destinados ao Fundo

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Nacional do Meio Ambiente, proposta que foi, de modo geral, rejeitada.Aceita-se a possibilidade de se trabalhar com um fundo já existente, decaráter público ou privado, desde que ele tenha finalidade pública. Procura-se associar ainda a discussão sobre o funcionamento de um tal fundo coma questão da partilha de benefícios, através da garantia de que os diferentesgrupos e comunidades interessados na utilização dos recursos arrecadadosfaçam-se representar nas decisões a respeito do uso de seus recursos.

Sanções

Discute-se a possibilidade de endurecer o sistema de sanções adotadopela nova lei, em alguns casos até criminalizando o seu descumprimento,havendo no entanto, também a preocupação de não fazer desse sistemaum mecanismo inibidor do acesso.

Detalhamento

O grau de detalhamento da lei também está em debate. A posiçãoaté o momento expressa pelo Governo, interessado em garantir o máximode flexibilidade ao regime de acesso a ser aprovado, é a de que o texto deveter uma abordagem bem genérica, deixando para a fase de regulamentaçãoas definições de caráter mais operacionais. A opinião de representações dasociedade civil, por outro lado, é a de que o texto deve ser detalhado obastante para que nele fiquem desde já estabelecidos os procedimentospara a sua implementação, ante a preocupação de que seus dispositivosacabem não tendo aplicação prática, ou que se desperdicem os avançosconceituais alcançados nas discussões preparatórias.

Como se vê, são inúmeras as questões sobre as quais há dúvidas epolêmicas, não se podendo ainda prever com certeza o desfecho final desseprocesso.

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Normatizando a Biotecnologia no País: Lei de Biossegurança

Em 5 de janeiro de 1995, foi aprovada a Lei nº. 8.974100, apelidadaLei de Biossegurança, regulamentando os incisos II e V do Parágrafo 1º.do art. 225 da Constituição Federal e normatizando as atividades queenvolvem a aplicação de técnicas de engenharia genética e a liberação noambiente de organismos geneticamente modificados, com os objetivos deproteger a saúde humana, os animais, as plantas e o meio ambiente101. Anova lei representa uma inovação com respeito à legislação até entãoexistente relacionada à questão. Antes, havia apenas atos normativos ereguladores, estabelecidos desde a década de 1930, com o intuito de controlara entrada de organismos exóticos em território nacional102. Não sãoenfocados pela Lei nº. 8.974, no entanto, aspectos sociais e éticosrelacionados ao uso de biotecnologias, exceto em casos de manipulação dogenoma humano ou de animais in vitro.

A Lei determina o estabelecimento de uma Comissão TécnicaNacional de Biossegurança (CTNBio) que, além de estar encarregada dedetalhar aspectos operacionais para a sua aplicação, é responsável porautorizar ou não a realização de atividades cobertas por essa legislação. Asentidades que se utilizam de técnicas e métodos de engenharia genéticadevem também criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio). Anova lei exige que as empresas, públicas ou privadas, que possuamlaboratórios de desenvolvimento biotecnológico, respeitem certas regrasde segurança e estabeleçam comitês locais de biossegurança. Fica tambémproibido o desenvolvimento de organismos geneticamente modificadospor pessoas físicas, bem como a sua comercialização ou transporte.

100 O Projeto de Lei que lhe deu origem foi o PL n° 114 de 1991 (n° 2.560/92 na Câmara dosDeputados).101 Essa lei foi complementada ainda pelo Decreto nº. 1.520, de 12 de junho de 1995, e regulamentadapelo Decreto nº. 1.752, de 20 de dezembro de 1995.102 Tais como: Decreto nº. 24.114, de 12 de abril de 1934; Decreto nº. 24.548, de 3 de julho de 1934;Decreto-Lei nº. 221, de 28 de fevereiro de 1967; Decreto nº. 76.623, de 17 de novembro de 1975,regulamentando no país as normas estabelecidas pela Convenção sobre Comércio Internacional dasEspécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES).

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Não houve participação da sociedade civil organizada na discussãosobre a Lei de Biossegurança, que, de acordo com Hathaway (1995), ficourestrita aos dirigentes das instituições governamentais, particularmente dasáreas agrícola e de saúde (especialmente a Fiocruz). Segundo algumasopiniões, a nova lei representou, uma solução de compromisso: ela éclaramente uma legislação que procura garantir um certo grau de liberdadepara a realização de atividades em biotecnologia no país, ao mesmo tempoem que tenta estabelecer regras e salvaguardas para minimizar o riscoadvindo dessas atividades.

Balanço do Tratamento da Problemática da

Biodiversidade no Brasil

Embora não se tenha estabelecido, até o momento, uma estratégiasólida ou congruente para a implementação da Convenção sobreDiversidade Biológica no Brasil, e, pensando mais amplamente, para aconservação e o uso sustentável de nossos recursos biológicos e genéticos,houve avanços que não podem ser desconsiderados.Talvez o maisimportante em todo esse processo seja a consolidação progressiva datemática da biodiversidade, em toda a sua complexidade e abrangência, naagenda ambiental e política brasileira. Nunca é demais lembrar que, hábem pouco tempo, esse assunto era quase desconhecido, inclusive porsegmentos mais envolvidos e informados sobre os temas relativos ao meioambiente.

As ambigüidades verificadas na intervenção do governo brasileirono campo da biodiversidade, ainda que acentuadas pela dupla condição depaís megadiverso e megadependente, não podem ser, por outro lado, reputadastão somente ou primordialmente a essa dualidade. Devem ser buscadas,sobretudo, pela forma como historicamente constituiu-se, desenvolveu-see inseriu-se no contexto internacional o Estado nacional brasileiro; e, emespecial, pelas implicações dessas dinâmicas sobre suas intervenções nasarenas científico-tecnológica e ambiental.

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No que diz respeito mais especificamente aos atos legislativosanalisados, e tomando-se por base o que se discutiu em capítulos anteriores,é fácil perceber que algumas dessas iniciativas respondem de forma diretaa diretrizes estabelecidas em certos organismos internacionais, sobretudoos que se propõem a regular o comércio multilateral, diretrizes essas àsquais procura-se impor a adesão do Brasil como condição a seu ingressono mercado globalizado, em sua “via para a modernidade”.

Evidenciam-se, igualmente, quando se analisam as interfaces econtradições entre essas diferentes iniciativas, os reflexos no país das disputasexistentes no plano internacional em torno da problemática dabiodiversidade, em particular as observadas entre as orientações da CDB eas de outras instâncias reguladoras das relações internacionais.

Nesse contexto, dentre os recentes instrumentos legais comentadosneste capítulo, alguns deles, em especial a Lei de Propriedade Industrial e aLei de Cultivares, refletem internamente as já comentadas pressões dosgrandes grupos econômicos e dos governos que os representam para quese reforcem os mecanismos de proteção de direitos de propriedadeintelectual, preocupados em manter suas margens de lucratividade sobreprodutos e processos onde estão incorporados elevados investimentos empesquisa e desenvolvimento. Elas atendem assim mais diretamente àsdiretrizes estabelecidas no âmbito da Organização Mundial do Comércio eàs determinações da UPOV.

Em outro grupo de iniciativas na área legislativa, é perceptível a buscade incorporar ao arcabouço jurídico emergente no país, novas abordagensque se vêm impondo mundialmente ao tratamento da questão ambiental.Esse é o caso, particularmente, das novas versões em discussão dos Projetosde Lei do Estatuto das Sociedades Indígenas e do SNUC, assim como doProjeto de Lei de Acesso. A principal novidade dessas propostas está embuscar resgatar, como elemento intrínseco à dívida ambiental contraída apartir de padrões de desenvolvimento nacional predatórios ao meioambiente, uma dívida social histórica da nação brasileira com parcelas dapopulação que foram cultural e economicamente marginalizadas a partirdesses mesmos padrões. A referência internacional básica, nesse caso, é a

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própria CDB, ainda que apenas a Lei de Acesso mencione explicitamente aintenção de atender aos compromissos assumidos com a Convenção, poissão notáveis as congruências entre as novas versões propostas para oEstatuto das Sociedades Indígenas e para o SNUC e o espírito que norteiaa CDB.

Mas é justamente esse segundo grupo de instrumentos legais quenão logrou sair, pelo menos até o momento, da condição de Projetos, nãose podendo prever com certeza qual será o teor final dos textos aprovados,ou mesmo garantir que sua aprovação na forma de Lei irá de fato ocorrer.Tais propostas, além da oposição que enfrentam, seja porque contrariaminteresses dominantes, seja porque geram resistências de segmentos maistradicionais em razão da novidade de que se investem, provocam também,mesmo entre os atores que lhes dão suporte, grandes dúvidas e divergênciasquanto a conceitos e abordagens de que se utilizam, bem como sobre amelhor maneira de dar viabilidade prática a seus objetivos.

A despeito do resultado que se irá alcançar com todo esse processo,ele tem com certeza, desde já, um valor político-pedagógico inestimável,tanto como exercício da prática democrática e da construção da cidadania,quanto pelo acúmulo que está gerando no debate sobre caminhosalternativos para se lidar, no Brasil, com a questão socioambiental e com osmúltiplos aspectos da problemática da biodiversidade hoje.

Não se pode deixar de concluir, no entanto, que, apesar dos ganhosjá obtidos, o saldo está longe de ser animador. Falta-nos, fundamentalmente,uma estratégia nacional de mais longo alcance, que seja menos reativa auma dinâmica externa à sociedade nacional; que tenha como referência asustentabilidade do desenvolvimento em suas múltiplas dimensões; e quecontemple a biodiversidade como elemento estratégico, não só do pontode vista econômico, mas também ambiental, social e cultural.

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ALGUNS MARCOS INSTITUCIONAIS DA CONVENÇÃO SOBREDIVERSIDADE BIOLÓGICA NO BRASIL

Junho de 1992 - Brasil subscreve, juntamente com mais 156 países, aConvenção sobre Diversidade Biológica, durante a Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, no Rio deJaneiro.

1994 - Criada no MMA, a Coordenação Geral de Diversidade Biológica,vinculada à Secretaria de Coordenação dos Assuntos do Meio Ambiente,no Departamento de Formulação de Políticas e Programas Ambientais.

3 de fevereiro de 1994 - Brasil ratifica Convenção sobre Biodiversidade(Decreto n.º 2).

17 Junho de 1994 - realizado, no Rio de Janeiro, por iniciativa do MMA,da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e doFundo Mundial para a Natureza (WWF/Brasil) o Workshop “ParceriaGoverno e Sociedade Civil pela Biodiversidade”, no qual Governo elideranças da sociedade civil (empresarial, acadêmico e ambientalista)assinaram uma Declaração de Intenções de mútua cooperação naimplementação da CDB no país.

21 de Junho de 1994 - Governo Federal estabeleceu a ComissãoInterministerial para o Desenvolvimento Sustentável (CIDES) (Decreto n.º1.160), substituída pela Comissão de Políticas de DesenvolvimentoSustentável e da Agenda 21 Brasileira, instalada em junho de 1997.

22 de Julho de 1994 - Estabelecido, pelo Governo, através da PortariaInterministerial n.º 3, um Grupo de Trabalho paritário Governo-SociedadeCivil, para a definição das bases para o Programa Nacional da DiversidadeBiológica (PRONABIO).

29 de dezembro de 1994 - Através do Decreto nº. 1.354, cria-se o ProgramaNacional da Diversidade Biológica (PRONABIO), para apoiar aimplementação de projetos em atendimento às ações recomendadas pelaCDB. Cria ainda a Comissão Coordenadora do PRONABIO.

28 de abril de 1995 - Estabelecido, através de Portaria MMA nº.115, umGrupo Consultivo para indicar opções para o estabelecimento de um fundoprivado de biodiversidade, que receberia recursos concessionais do GEF.

28 de setembro de 1995 - Criado na Fundação Getúlio Vargas o FUNBIOe aprovado seu regimento interno através de Portaria FGV nº. 14.

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24 de maio de 1996 - Designados, através de Portaria MMA nº. 105, osmembros da Comissão Coordenadora do PRONABIO.

Junho de 1996 - Conclusão de negociação pelo MMA, junto ao BancoMundial, do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da DiversidadeBiológica Brasileira (PROBIO).

1997 - Lançados os primeiros editais de projetos do FUNBIO e do PROBIO.

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CAPÍTULO V

Amazônia: Fronteira Geopolítica da Biodiversidade

As florestas são consideradas os ecossistemas terrestres de maiordiversidade biológica. Dentre os vários tipos de florestas existentes, asflorestas tropicais úmidas103 — distribuídas pela América do Sul e Central,a África e a Ásia, correspondendo a cerca da metade da área total cobertapor florestas no mundo — apresentam maior complexidade e maior riquezade espécies, populações e microorganismos. Os cálculos variam de 25% a90% das espécies ao nível global. Dados citados por Fatheuer (1994), deacordo com Relatório sobre as Florestas Tropicais do Governo Alemão,dão conta ainda de que 70% a 80% de todas as espécies de plantas e animaisdo mundo encontram nos trópicos o seu habitat; e 25% a 40% habitam asflorestas tropicais. Já Erwin (1988) menciona a existência nas florestastropicais de pelo menos 70%, podendo chegar a 90%, de todas as espécies.

Entre 30% e 40% das florestas tropicais do mundo localizam-se noBrasil, a maior parte na Amazônia, que abriga uma das últimas extensõescontínuas de florestas tropicais úmidas da Terra. A Amazônia é assimconsiderada o maior “banco genético” natural do planeta, detendo cercade 1/3 do estoque genético global. Embora não haja dados conclusivos,

103 “As florestas tropicais úmidas, ou mais precisamente florestas tropicais fechadas, são definidascomo habitats com um topo relativamente fechado e uma maioria de árvores sempre verdes e defolhas largas, que são sustentadas por um índice pluviométrico anual de 100 centímetros ou mais.”(Wilson, 1988:8)

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estima-se que existam na Amazônia cerca de 60.000 espécies de plantas(das quais 30.000 de plantas superiores, sendo mais de 2.500 espécies deárvores), 2,5 milhões de espécies de artrópodes (insetos, aranhas, centopéiasetc.), 2.000 espécies de peixes e 300 de mamíferos104. A diversidade deespécies por hectare na floresta amazônica é também bastante elevada,podendo existir de 100 a 300 espécies de árvores por hectare, o mesmoverificando-se em relação aos animais.

A Amazônia constitui portanto um cenário territorial de sumaimportância, no que se refere aos desdobramentos práticos dos desafios eimpasses que hoje se colocam internacionalmente em torno da conservaçãoe do uso sustentável da biodiversidade. Nesse cenário, ainda, a estreitavinculação entre meio ambiente, ciência e tecnologia — em particular nocaso da biodiversidade — expressa-se de modo evidente, assumindocontornos críticos para o enfrentamento de questões ecológicas, econômicase sociais de amplas repercussões nas várias escalas geográficas.

Ao mesmo tempo, demonstra-se claramente o peso da variávelgeopolítica, como fator determinante do curso que se irá imprimir,regionalmente, à problemática da biodiversidade, em suas múltiplasdimensões, sendo perceptível a existência de diferentes visões e, também,de fortes conflitos de interesse, embora nem sempre explicitados, sobrecomo tratá-las. A Amazônia pode ser vista, deste modo, como um campode ação “avançada” desses conflitos e de suas possíveis soluções, onde semesclam e se articulam os diferentes níveis — do global ao local.

Neste capítulo, buscam-se os rebatimentos, no contexto amazônico,dos grandes temas e questões anteriormente identificados como ocupandoo centro do debate político internacional sobre biodiversidade, sendosistematizados e confrontados os principais pontos de convergência e dedivergência que sobre eles se expressam, na região. Essa análise é resultadode um levantamento da percepção de segmentos que se acham maisdiretamente envolvidos com a questão, em particular do governo, deorganizações não-governamentais e da comunidade técnico-científica, oqual baseou-se principalmente na realização de um conjunto de entrevistas105.

104 Dados citados pelo Fórum das ONGs..., 1992; e por Morales & Valois, 1995.105 Relação nominal dos entrevistados consta em nota da Introdução.

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Da Proteção das Florestas à Proteção da Biodiversidade

Apenas recentemente, quando o conceito de biodiversidade ganhouexpressão na agenda ambiental global, o debate e a mobilização em tornoda proteção dos ecossistemas florestais incorporaram a questão da perdade diversidade biológica, em toda a sua extensão. A partir daí, o tema dabiodiversidade vem acoplando-se e, muitas vezes, superpondo-se à discussãosobre florestas.

Princípios de conservação e uso sustentável dos recursos naturais jáestavam presentes nas políticas florestais desde que estas começaram a serexplícita e formalmente estabelecidas, a partir do século XVIII, na Europae depois na Índia, porém expressos em um relativamente limitado conjuntode produtos de valor comercial imediato.

Mas, somente na segunda metade do século XX, especialmente apartir da década de 1970, a destruição florestal passou a ser percebida comoum problema planetário, de início pelos mesmos motivos em razão dosquais, até então, já se defendia a conservação das florestas, como seu papelpara o equilíbrio climático e a regulação dos sistemas hídricos, e suaimportância como fornecedora de matérias-primas utilizadas em váriasaplicações. Posteriormente o problema da perda de florestas passou a serabordado no contexto dos problemas ambientais globais, ou seja, com foconas suas conseqüências para o conjunto da biosfera, como sua contribuiçãopara o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e a mudança climática.

Como já assinalado, é nos trópicos que o processo de degradaçãoambiental ocorre hoje de forma mais acentuada, embora as florestas tropicaisnão sejam as únicas ameaçadas, nem os países em desenvolvimento os únicosresponsáveis pelo problema do desflorestamento em escala mundial. Deacordo com dados bioclimáticos, as florestas tropicais, que já chegaram aocupar cerca de 15 milhões de km2, foram reduzidas à metade, cobrindoatualmente em torno de 8,5 milhões de km2 (o que corresponde a cerca de6% da superfície terrestre) (Myers, 1992).

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Estimativas baseadas em dados dos anos 70 indicavam que, a cadaano, entre 76.000 e 92.000km2 dessas florestas estavam sendocompletamente eliminadas; e que, anualmente, pelo menos 100.000km2

eram fortemente degradadas. Acredita-se que as taxas projetadas a partirdesses dados aumentaram significativamente desde então; Myers calculaque o desflorestamento tenha-se elevado para 120.800km2 anuais em finsde 1990, sendo desflorestado, a cada ano, cerca de 1% do bioma, enquantoque outro 1% estaria sendo fortemente degradado. Estima-se ainda que,em se mantendo a intensidade do desflorestamento nas regiões tropicais,suas florestas poderão ter uma redução, nos próximos anos, de 15% a 50%da sua área atual, ainda que esse desflorestamento não se dê de formahomogênea106.

Do ponto de vista da diversidade biológica, as repercussões desseprocesso são ainda mais agravadas pelo fato de que, apesar de sua vastariqueza natural, as florestas tropicais úmidas constituem um dos habitatsnaturais mais frágeis107. Sua regeneração é dificultada pela fragilidade dassementes de suas espécies vegetais, podendo sua recuperação levar séculospara se processar ou, dependendo do nível de destruição e de esterilidadedo ecossistema, ser impossível de ocorrer por meios naturais (Wilson, 1988).Desse modo, calcula-se que, nas florestas tropicais, caso se mantenha esseritmo de destruição, a extinção de espécies chegará a uma taxa de 5% a10% ao ano (Agarwal & Narain, op. cit.).

A emergência da biodiversidade como questão ambiental globalcoincide — e para alguns associa-se — com o alarde em torno dodesmatamento tropical e, em particular, da Amazônia brasileira, na década

106 De acordo com Myers (op.cit.) e com Raven (1990), ainda restariam dois grandes blocosremanescentes de florestas: na bacia central do Zaire e na Amazônia brasileira ocidental, além deáreas menores na Papua Nova Guiné e no interior das Guianas.107 Mais uma vez citando Myers (1992:209): “May (1973) levantou a hipótese de que a diversidadebiológica é maior nos trópicos do que no ártico porque a constância climática facilitou a evolução demaior especialização de nichos. (...) Inversamente, em um ecossistema de floresta tropical úmida,uma pequena mudança nas condições em que as espécies co-evoluíram é mais provável levar àextinção do que uma mudança de magnitude comparável em um sistema de tundra no ártico. Istoexplica porque as florestas tropicais úmidas, com maior diversidade de espécies e suas complexasinterações mostraram-se tão vulneráveis a mudanças trazidas por tecnologias modernas.”

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de 1980, marcando a associação entre a defesa das florestas e a proteção dadiversidade biológica. Laymert G. dos Santos (1994:135) considera que opróprio conceito de biodiversidade, nos moldes atuais, ganha expressão apartir da preocupação mundial com o desflorestamento em larga escala,observando que:

“A Amazônia brasileira atraiu a atenção porque o desmatamentoparecia interligar, num cenário catastrófico, três grandes tendênciascontemporâneas que podem conduzir a um desastre ambientalglobal: o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e a perdada biodiversidade. Na verdade, foi o desmatamento tropical queforjou o próprio conceito de biodiversidade e engendrou uma novaquestão.”

Nesse contexto, a Amazônia, que já desfrutava da condição de áreageopoliticamente estratégica, em razão de suas dimensões continentais108

e de suas vastas riquezas naturais, ganha nova projeção internacional: comohabitat natural cujo processo de degradação estaria comprometendo oequilíbrio ecológico do planeta, e como reserva de valor futuro, ante asperspectivas de novos usos dos ricos recursos genéticos ali existentes, porémsob ameaça de extinção.

Na Amazônia, a questão da biodiversidade traz inovações tanto emtermos conceituais, por exemplo, chamando a atenção para a importânciade se perpetuar a diversidade genética da floresta, quanto em termospolíticos, introduzindo novos elementos à proposição de estratégiasalternativas de desenvolvimento para a Amazônia. Isto não ocorre,entretanto, sem um intenso processo de disputas e conflitos.

108 A Amazônia sul-americana, ou Grande Amazônia, ocupa cerca de 7.800.000 km2, distribuídospelo Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.Equivale a 1/20 da superfície terrestre, a cerca da metade da superfície da Europa e a 2/5 daAmérica do Sul. A Amazônia Legal brasileira corresponde a quase 60% do território nacional, comuma superfície de aproximadamente 5 milhões de km2, representando 78% da cobertura vegetal dopaís e abrangendo oito estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima,Tocantins e a maior parte do Maranhão.

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Conflitos e Convergências

A inserção da temática da biodiversidade no contexto amazônicoocorre em meio a diferentes interesses.

Corporações transnacionais, especialmente nos setores de fármacose de defensivos agrícolas, desejam preservar o patrimônio genético parasuas explorações biotecnológicas. Grupos ecologistas, nacionais eestrangeiros, atuam motivados pela proteção ao meio ambiente pelo seuvalor intrínseco. Bancos multilaterais, pressionados pela questão ambiental,passam progressivamente a incorporá-la como critério e requisito para ofinanciamento de projetos na Amazônia, aí incluindo-se a conservação dabiodiversidade. O governo brasileiro começa a assumir, ao menos no planodo discurso, a importância da biodiversidade para um desenvolvimento embases sustentáveis da região. Comunidades extrativistas vão-se apercebendodo fato de que conservar o ecossistema amazônico é condição para suaprópria sobrevivência, na medida em que dependem de uma exploraçãosustentável dos recursos biológicos locais como meio de subsistência;enquanto que as chamadas populações “tradicionais” pouco a poucoconscientizam-se da importância dos seus conhecimentos empiricamenteacumulados a respeito dos recursos biogenéticos da região, para o melhoraproveitamento econômico desses recursos.

À medida que a biodiversidade vai tornando-se um tema estratégicopara a Amazônia, verificam-se alguns reflexos na região, ainda que de formatênue, do debate que hoje se trava internacionalmente a esse respeito.

A diferença de abordagens que se irá desenvolver com respeito àbiodiversidade amazônica deve ser, por sua vez, compreendida numcontexto mais amplo em que se confrontam igualmente distintasperspectivas sobre o que seria um padrão desejável de desenvolvimentopara a região, sob as diferentes óticas dos atores que nela intervêm. Umavisão abrangente, apesar de esquemática, a esse respeito é dada por Viola(1995), o qual identifica um amplo expectro de posições, nos âmbitos dogoverno e da sociedade, sobre o que deveria constituir uma política para a

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Amazônia. Esse expectro inclui desde aqueles que se colocamfavoravelmente à continuidade dos padrões desenvolvimentistashegemônicos a partir dos anos 60, até os que se alinham a uma orientaçãoeminentemente preservacionista, tal como sintetizado no quadro abaixo.

Quadro 3

Diferentes posições com relação a uma política para a Amazônia

de acordo com Viola (1995)

Nacionalistas-conservadores

Favoráveis à continuidade da política desenvolvimentista estabelecida naAmazônia na década de 1960 (migrações, grandes projetos, exploração generalizadados recursos naturais).

Minoritários nas Forças Armadas e na burocracia civil. Fortes no setor menoseficiente e internacionalizado do empresariado e nas elites urbanas da Amazônia.

Nacionalistas-progressistas-sustentabilistas

Favoráveis à contenção das atividades econômicas em larga escala e apoio aatividades extrativistas em pequena escala, promovidas pelos “povos da floresta”,com preservação de substancial parcela da natureza. Forte intervenção do Estado.

Minoritários na burocracia civil e militar e nos partidos de esquerda. Fortesnos segmentos ambientalistas.

Globalistas-conservadores

Favoráveis a um estímulo indiscriminado a investimentos estrangeiros naexploração dos recursos naturais amazônicos (incluindo o uso direito dabiodiversidade), com alguma preocupação ambiental. Moderada intervenção doEstado.

Minoritários na burocracia civil e militar. Fortes nos setores maisinternacionalizados do empresariado e nos segmentos mais modernos de partidospolíticos conservadores.

Globalistas-progressistas

Favoráveis à rápida exploração dos recursos naturais amazônicos, mas comforte intervenção do Estado Nacional.

Fortes na burocracia civil e crescentes nas Forças Armadas, nas camadasmédias urbanas do Sul-Sudeste e em partidos políticos progressistas.

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Globalistas-conservadores-sustentabilistas

Favoráveis à preservação total de vasta parcela da Amazônia, através deunidades de conservação e do controle populacional na região.

Pouco expressivos de modo geral. Fortes em setor internacionalizado domovimento ambientalista.

Globalistas-progressistas-sustentabilistas

Favoráveis a uma combinação de preservação e desenvolvimento sustentável,com alta tecnologia para a Amazônia. Intervenção estratégica do Estado Nacional,complementada com setores sustentabilistas no mercado mundial: na proteção domeio ambiente e uso sustentável dos recursos naturais amazônicos; nodesenvolvimento científico-tecnológico regional e associação a setores produtivosintensivos em informação; e no desenvolvimento social.

Expressivos nas áreas de ciência e tecnologia, meio ambiente e assuntosestratégicos do aparato estatal, no setor ambientalizado do empresariado, no setormais profissionalizado das ONGs e com alguma expressão em partidos progressistas.

Apesar de procurar identificar os segmentos que melhor expressamessas posições, Viola alerta para o fato de que, na verdade, tais correntes deopinião “cortam as instituições de um modo muito complexo”, estandovárias delas simultaneamente representadas em um mesmo segmento ouinstituição.

O debate sobre biodiversidade na Amazônia guarda algumas interfacescom esse quadro mais geral, como se verificará adiante, ainda que não sepossa, nem se deva, proceder a uma simples transposição desses pontos devista gerais para o caso específico da biodiversidade.

Na pesquisa realizada, verificou-se que a discussão a respeito dabiodiversidade na Amazônia vem ocorrendo em torno de dois grandeseixos: (1) os conflitos e alternativas em torno da conservação e do usosustentável da biodiversidade e (2) o controle sobre o acesso à informaçãoestratégica associada à biodiversidade amazônica. As diferentes perspectivasidentificadas a esse respeito perpassam os vários grupos sociais/políticos/econômicos atuantes ou com interesses na região, não se podendo associá-las unicamente a determinados atores específicos.

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Da Preservação ao uso Sustentável

Conservação da Biodiversidade: Novos Paradigmas

O tema da conservação ocupa ainda o centro das atenções daquelesque se debruçam sobre a problemática da biodiversidade na Amazônia,diante das pressões e ameaças advindas do predomínio de formasambientalmente predatórias de exploração dos recursos naturais da região.

No planejamento em conservação, mantém-se dominante oparadigma da conservação in situ das espécies florestais, principalmente asarbóreas (que, além de serem as mais características desses ecossistemas,geralmente apresentam maior diversidade genética), através doestabelecimento de áreas protegidas.

Ao mesmo tempo, há consenso também quanto à importância daconservação ex situ de amostras da biodiversidade da região, indicando-sea necessidade de estratégias mais eficazes com esse objetivo. A conservaçãoex situ enfrenta no país, de modo geral, problemas como: a sub-representaçãode espécies e variedades nativas; a descontinuidade das coleções por faltade recursos; e a não utilização do material conservado ex situ (FUNBIO,1996). No caso das espécies florestais, são poucas as atualmente conservadasex situ em condições consideradas adequadas, sendo a maior parte de árvorescultivadas em sistemas de produção florestal ou agrícola, devido inclusive alimitações técnicas e aos elevados custos envolvidos no armazenamento exsitu de sementes.

Duas questões, hoje em pauta, constituem de certa forma novidadesdo ponto de vista das tradicionais abordagens de conservação florestal: apreocupação com a conservação da diversidade genética e a incorporaçãodo uso sustentável no âmbito das estratégias de conservação.

A preocupação com respeito a uma ampla representação de espéciesno contexto genético torna ainda mais complexo o delineamento de umsistema ótimo de unidades de conservação, em especial no que se refere à

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delimitação dessas áreas, de modo a viabilizar a perpetuação e a diversidadeinterna de populações de plantas e animais. Estimativas indicam que, paramanter a variabilidade genética dentro de e entre populações, são requeridasáreas de conservação in situ cerca de dez vezes maiores do que as necessáriaspara a simples conservação de espécies e ecossistemas (Pérez, 1996).

Respondendo a esse novo enfoque, sugere-se o estabelecimento defaixas amplas e contínuas de áreas protegidas, onde estejam representadosdiferentes níveis de organização genética e que permitam o fluxo de genes,tal como hoje proposto na forma dos “corredores ecológicos”, de iníciobatizados de corredores biológicos (Box 16).

Box 16

CORREDORES ECOLÓGICOS

No Brasil, a idéia de corredores ecológicos começou a ser discutida emfins da década de 1970, então sob a proposta de “cinturões verdes”, mas iráprojetar-se apenas na segunda metade da década de 1990, em face doreconhecimento da importância de conservação da diversidade genética.Com essa proposta, busca-se superar a concepção de ilhas de conservação,através do estabelecimento de faixas contínuas, definidas a partir da suaimportância do ponto de vista da biodiversidade, de modo a possibilitartrocas gênicas entre populações. Só na Amazônia, já foram identificadoscinco corredores ecológicos que, junto aos dois corredores tambémidentificados na Mata Atlântica, representam cerca de 25% das florestastropicais úmidas do Brasil e, estima-se, poderão proteger pelo menos 75%de espécies animais e vegetais nelas existentes (Ayres et al., 1996).

Existe hoje uma disputa política sobre a quem caberá o gerenciamento dessasáreas, tendendo-se para a idéia do estabelecimento de parcerias entre osdiferentes atores envolvidos: governos estaduais, ONGs, governo federalatravés do IBAMA e proprietários privados (através do estímulo a RPPNs).Há também divergências de caráter mais científico, por exemplo, sobre sea localização desses corredores. No caso da Amazônia, deve ser no sentidooeste-leste, tal como na proposta atual, ou no sentido norte-sul, devido àsvariações climáticas.

Box 16○

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Por outro lado, a ótica da conservação stricto sensu vem cedendo espaçoou demonstrando-se indissociável da questão do uso sustentável dosrecursos genéticos e biológicos amazônicos. Esse relativo deslocamentodo eixo da abordagem da problemática da biodiversidade na Amazônia, dealgum modo acompanhando uma tendência verificada internacionalmentee expressa na Convenção sobre Diversidade Biológica, vem, no entanto,dividindo opiniões.

Para alguns, é visto positivamente, como uma sinalização dapossibilidade de alternativas de conservação da diversidade biológica noâmbito de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento sustentável paraa Amazônia. Sob essa ótica, ainda, considera-se que associar conservaçãoao uso sustentável constitui a forma mais eficaz de garantir proteção àbiodiversidade em áreas que, do contrário, tornam-se mais vulneráveis apráticas predatórias de exploração econômica de seus recursos naturais.

Outros vêem com maior reserva essa tendência a privilegiar o usosustentável, por dois grandes motivos: diante do desconhecimento dospossíveis impactos de longo prazo, sobre a biodiversidade amazônica,causados pelo uso intensivo de determinadas espécies; e, ainda, ante a crençana importância de se resguardarem certos espaços relativamente“intocados”, excetuando-se, em alguns casos, práticas de subsistência debaixo impacto desenvolvidas por populações locais.

De modo geral, persistem sérias dúvidas sobre como determinar oequilíbrio entre conservação e conversão dos ecossistemas florestais, ouentre reserva e produção, ou ainda entre práticas de manejo florestal eagrícola, a partir de princípios e critérios ecológicos e genéticos. As opiniõesconvergem cada vez mais para o reconhecimento da necessidade dearticulação entre a criação de espaços de conservação e o incentivo a práticassustentáveis, incluindo a agricultura familiar e sustentável, ao mesmo tempoem que promovendo a investigação sobre as novas possibilidades abertaspelas tecnologias avançadas.

Torna-se, também, cada vez mais evidente a necessidade de umaabordagem abrangente e integrada da conservação da biodiversidade

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florestal, que contemple: (a) a complementaridade de ações de conservaçãono interior e fora dos sistemas de unidades de conservação, particularmenteno seu entorno (buffer zones); (b) a presença e a participação de populaçõesnessas áreas (embora não-consensual, esse ponto de vista é cada vez maisdominante) e (c) a parceria entre os diferentes agentes —- públicos, privadose não-governamentais.

A questão do uso sustentável da biodiversidade será retomada maisadiante. Antes, porém, discutem-se as opiniões existentes sobre aspossibilidades e as estratégias de convivência entre conservação dabiodiversidade amazônica e atividades de exploração econômica de recursosnaturais da região, que são hoje realizadas de forma predatória ao meioambiente.

Ainda um Padrão Predatório

Além de rica fauna e flora, a Amazônia possui também ampladiversidade de substrato geológico, solos, climas e a maior bacia hidrográficado mundo. No entanto, é amplamente reconhecido o fato de que o padrãoaté hoje dominante de exploração econômica dos recursos naturais daAmazônia constitui uma forte ameaça ao equilíbrio do meio ambiente e àconservação da biodiversidade, além de desfavorável ao desenvolvimentosocioeconômico regional. Esse padrão tem implicado ainda oaprofundamento do processo de extermínio e marginalização daspopulações indígenas remanescentes, a aceleração da urbanizaçãodesordenada (hoje mais da metade da população amazônica vive em cidades)e a concentração fundiária naquela área.

Vale lembrar que, nas décadas de 1960-70, a Amazônia foitransformada em território para os chamados “grandes projetos”: projetosde mineração em larga escala, particularmente de ferro, cassiterita e bauxita;implantação de grandes usinas hidrelétricas; realização de grandes obras deinfra-estrutura e construção de rodovias; exploração do carvão vegetal ecelulose; expansão da exploração madeireira; projetos agropecuários e pólo

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de indústrias eletro-eletrônicas (Zona Franca de Manaus). Esse processofoi parte integrante de uma dinâmica mais ampla de acumulação e expansãode capitais e de integração do país à economia mundial, inserindo-se aindaem uma estratégia geopolítica e militar de ocupação do território brasileiro.

Fato é que houve então uma mudança no eixo de apropriação dosrecursos naturais amazônicos, que até então baseava-se essencialmente ematividades extrativistas e mercantis: a partir daí, como ressaltado por Fatheuer(1994:30), o que contaria para todos os principais envolvidos não seriam asárvores, “mas a terra — e esta sem árvores”, valendo mais a florestaqueimada ou derrubada do que a floresta em pé — e, dentro desse espírito,foram concedidos pelo governo brasileiro, somente para a expansão dafronteira agropecuária, cerca de US$ 2,5 bilhões em subsídios, até o finaldos anos 80109. Nesse contexto, como bem observou Laymert G. dos Santos(1994:138), “...o próprio ato de queimar tornou-se uma operação derealização de valor!”.

O baixo preço da terra, a abundância de recursos naturais e osincentivos governamentais atraíram para a região não só investidoresestrangeiros, mas também colonos de todas as partes do país: pecuaristasdo Centro-Oeste, madeireiros do Sul, sem-terra do Nordeste e garimpeirosde origens diversas.

A cobertura vegetal e os solos foram os componentes dosecossistemas amazônicos mais agredidos por esse modelo dedesenvolvimento, sendo um dos impactos ambientais de maior visibilidade,inclusive no plano internacional, as altas taxas de desmatamento e suasrepercussões sobre o declínio da biodiversidade110. Há divergências quantoà extensão atual do desmatamento na Amazônia, variando as estimativasentre 8% e 20% da área total da região (a maior parte converge para um

109 A concessão de incentivos fiscais para a pecuária regional foi suspensa em junho de 1991.110 Dentre as principais causas do desmatamento na Amazônia apontam-se: a implantação de pastagens,a construção de barragens, a exploração madeireira, as plantações de florestas homogêneas, os grandesprojetos agrícolas e industriais, além de outras mais indiretas, como a abertura de estradas, incentivosfiscais, estrutura de mercados etc.

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cálculo de 12%-13% de desmatamento); há no entanto concordância quantoao ritmo acelerado com que esse processo ainda vem ocorrendo111.

Agropecuária, geração de energia, mineração e exploração madeireira,apoiadas na abertura de rodovias, estão dentre as atividades consideradasde maior impacto ambiental. Foram levantadas opiniões relativamente aosimpactos de algumas dessas atividades, do ponto de vista da conservaçãoda biodiversidade amazônica.

Mineração

A mineração já foi muito mais visada e responsabilizada peladegradação ambiental da Amazônia do que é hoje. Atualmente, considera-se que o impacto direto da atividade mineral, pelo menos aquela que érealizada por empresas de mineração formalmente estabelecidas, ainda quedevastador, é restrito e pontual em termos de área explorada.

Acredita-se que os empreendimentos minerais estejam sendo também,cada vez mais, compelidos a absorverem a variável ambiental, devido aosseguintes fatores: (a) boa parte da sua produção é orientada para o mercadoexterno, que é mais sensível a preocupações com o meio ambiente; (b) umaparcela significativa de seus recursos financeiros provém de empréstimosexternos de bancos bilaterais ou multilaterais, cujas exigências de caráterambiental são crescentes; (c ) existe uma legislação nacional cada vez maisrigorosa para o controle sobre essas atividades (por exemplo, a determinaçãolegal de que se promova a reconstituição da cobertura florestal nas áreassubmetidas à exploração mineral), embora haja dúvidas sobre a qualidade ea eficácia desses instrumentos e medidas.

Muitos ambientalistas já consideram a mineração uma exploraçãoaceitável, ou pelo menos inevitável, na Amazônia, considerando a renda

111 Dados do governo indicaram um crescimento da taxa de desmatamento anual da floresta amazônicade 0,3% para 0,4% no período de 1992-1994. Atualmente, uma das áreas mais críticas é o sul daAmazônia, passando por Rondônia, Mato Grosso, sul do Pará, até o Maranhão, submetida a umairrefreável pressão do avanço da fronteira agropecuária.

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por ela gerada; e menos maléfica para o meio ambiente amazônico do que,por exemplo, a pecuária e a indústria madeireira da forma como são hojepraticadas.

A Amazônia detém uma extraordinária riqueza mineral, respondendopela terceira maior produção mineral do país. Possui reservas significativasde ferro, bauxita, ouro, cassiterita, caulim e manganês, além de outrosminerais metálicos, como cobre, cromo, níquel, titânio, terras-raras; de não-metálicos, como cristal de rocha, salgema, potássio; e também de diamantes,ametistas e outras pedras semipreciosas. Alguns desses, como o titânio, atantalita, o ítrio, o zircônio e o tungstênio, são de grande importância naprodução dos chamados “novos materiais”, cada vez mais estratégicos noatual paradigma técnico-produtivo (Fernandes & Portela, 1991).

Isso não significa, no entanto, que não haja restrições em relação àatividade mineral na Amazônia: persistem fortes críticas sobre o pequenoretorno socioeconômico gerado por essa atividade para a região, bem comoem relação aos impactos diretos e indiretos da mineração sobre o meioambiente, ao servir de atrativo para novos migrantes, provocando queimadas,promovendo a intensificação da pecuária, demandando grandes obras deinfra-estrutura, entre outros. A relação entre exploração mineral e questãoindígena na Amazônia é também considerada problemática, já que muitasáreas indígenas contêm grandes riquezas minerais, tornando-se alvos decobiça e disputa por suas jazidas de minérios.

Por esses motivos, alguns continuam avaliando que os ganhoseconômicos obtidos a partir da mineração, do ponto de vista dos interessesda região e mesmo do país, não justificam os impactos ambientais causadospor essa atividade, sendo preferível manter as reservas minerais inexploradase apostar em outros recursos naturais, especialmente a própriabiodiversidade.

A atividade garimpeira, por sua vez, que envolve de forma diretacerca de 350.000 pessoas e indireta de 600.000 a 1.000.000 de pessoas, éamplamente rejeitada, por ser considerada bastante nociva ao meio ambienteamazônico e à sua biodiversidade, ainda que não tenha sido mensurada de

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maneira científica a real extensão de seus impactos. Um dos grandesproblemas ambientais causados pelo garimpo é o uso do mercúrio naconcentração de ouro através da amalgamação, estimando-se que cerca de300 toneladas dessa substância são anualmente lançadas na região amazônicapor essa atividade. E, diferentemente dos ecossistemas temperados, ondeo mercúrio é imobilizado nos solos, na Amazônia o principal destino domercúrio é a atmosfera e, em segundo lugar, os ambientes aquáticos (Lacerda& Salomons, 1992). Desse modo o garimpo é considerado uma séria ameaçaà biodiversidade aquática da região.

Exploração madeireira

A atividade madeireira, ao mesmo tempo que promete ser uma dasatividades economicamente mais dinâmicas da Amazônia (Box 17), é hojeapontada como a mais grave ameaça aos ecossistemas da região e à suabiodiversidade em particular, nos próximos anos, tanto em termos de áreaafetada — nas palavras de Leroy e Fatheuer (1996:5), “a fronteira madeireiraestá ocupando o lugar da fronteira agrícola” — quanto pela padrãopredatório que se está imprimindo a essa atividade.

Box 17

EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NA AMAZÔNIA

Calcula-se que existam na Amazônia pelo menos 60 bilhões de metroscúbicos de madeira em tora de valor comercial, que podem chegar a R$ 4trilhões de madeira serrada. Iniciada comercialmente há três séculos, massem grande expressão até fins da década de 1960, a recente e rápida expansãoda exploração madeireira na região é atribuída a um conjunto diverso defatores, tais como: a abertura de novas vias de acesso na Amazônia nosanos 60 e 70; o esgotamento dos estoques madeireiros do sul do país; aexpansão econômica verificada no período e ainda o baixo custo da madeiraamazônica.

Box 17○

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Já no início dos anos 90, a Amazônia passou à liderança da produção nopaís, respondendo hoje por cerca de 80% da madeira por nós consumidainternamente (o Brasil é um dos maiores consumidores de madeira tropicaldo mundo). E pode tornar-se a liderança mundial, já que sua participaçãono comércio global de madeiras tropicais, que hoje é de apenas 4% dessemercado, tende a crescer diante da exaustão dos estoques madeireirosasiáticos e do conseqüente aumento da demanda internacional sobre a regiãoamazônica. Caso estejam corretas projeções que apontam para umcrescimento do setor madeireiro em mais de 10% anuais, essa atividadepoderá tornar-se a principal forma de exploração econômica da terra naAmazônia. E a maior parte produzida no Estado do Pará, onde a rendabruta gerada pelo setor madeireiro (0,8 bilhão de dólares em 1993) perdeapenas para a mineração (1,3 bilhão de dólares), e só de empregos diretosgera cerca de 50 mil. (Barros & Veríssimo, 1996; Uhl et al., 1996).

Como ressaltado por Barros & Veríssimo (1996), a exploraçãomadeireira na Amazônia é geralmente intensiva e não seletiva, não havendoqualquer preocupação com o tempo de reposição do que foi retirado, oque poderá levar à drástica redução dos estoques madeireiros da floresta eà diminuição da sua variabilidade genética. O setor madeireiro tem tambémimpactos indiretos significativos sobre o avanço do desflorestamento,facilitando a entrada de outros agentes predatórios, a invasão de terrasindígenas, a extração ilegal em unidades de conservação e a maiorvulnerabilidade a incêndios. Estimativas do IMAZON indicam que cercade dez mil quilômetros quadrados são anualmente afetados pela exploraçãomadeireira na Amazônia, calculando-se que, para cada árvore cortada, outras30 são danificadas112. Ainda que as alterações daí causadas sejam parciais,acredita-se que elas afetam a biodiversidade de toda a floresta. Seus impactossão ainda mais significativos sobre aquelas espécies mais intensivamenteextraídas, como é o caso do mogno, que sofrem assim acentuada erosãogenética.

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112 Esses números são naturalmente contestados por madeireiros, como Gasparetto (1996), o qualsustenta que usualmente apenas 8 a 10 árvores são abatidas por hectare, ou seja, 2 a 2,5% de suapopulação, sendo mais 2 a 3% sacrificadas pela abertura de estradas de acesso temporário, mas que,segundo seus cálculos, são regeneradas naturalmente após seis a oito meses.

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Uma alternativa que vem cada vez mais ganhando espaço é a detornar a exploração madeireira mais sustentável, garantindo que todas asáreas exploradas sejam mantidas na forma de florestas, de modo a possibilitarsua regeneração, ainda que com mudanças em sua composição. Sugerem-se como principais medidas nesse sentido: a adoção de práticas adequadasde manejo; o estabelecimento de um sistema de certificação da origem damadeira, induzindo uma mudança a partir do próprio mercado, que passariaa exigir que os produtos florestais fossem originários de um manejosustentável; o zoneamento florestal; a simplificação da legislação113 e omonitoramento e controle do setor madeireiro. Avalia-se que o manejosustentável da madeira teria condições de ser implementado em um prazode dez anos, através da introdução gradual de técnicas de exploração debaixo impacto, que reduziriam à metade os danos ambientais sem seremeconomicamente proibitivas (IMAZON, 1996).

Acredita-se, ainda, que esse conjunto de medidas promoveria tambémuma elevação do preço da matéria-prima extraída através de práticaspredatórias, contribuindo assim para desestimulá-las e para tornar aexploração de madeira manejada mais atraente do que o desmatamento.

Outros consideram, no entanto, que essas medidas só se justificamsob um ponto de vista pragmático, dada a impossibilidade de simplesmenteproibir-se a exploração madeireira na Amazônia, sendo portanto necessáriosesforços para minimizar seus impactos ambientais, sem com isso significarque se deva incorporar ou incentivar o setor madeireiro em uma estratégiade desenvolvimento sustentável para a região.

Por outro lado, no quadro atual, o manejo sustentável das florestasnaturais está longe de tornar-se uma realidade (calcula-se que hoje é praticadoem menos de 3% da madeira explorada), em razão de sua baixa lucratividadecomparativamente à exploração predatória, a qual vale-se dos baixos custosda madeira de origem clandestina. A expectativa predominante é portanto

113 Veríssimo e Amaral (1996:12) sugerem uma lei “5/30/5”: “O ‘5’ inicial refere-se ao número deárvores que poderiam ser extraídas por hectare; o ‘30’ ao tempo mínimo em anos para os ciclos decorte; e o último ‘5’ se refere à largura do aceiro, que deve ser mantido em volta das áreas exploradas,durante a primeira década após a exploração, para evitar incêndios no sub-bosque”.

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a de que a exploração predatória da madeira na Amazônia será intensificadanos próximos anos, especialmente com a globalização do uso direto damadeira da floresta e com a vinda das madeireiras asiáticas, as quais detêmum volume muito maior de capital e uma atitude empresarial mais agressivado que as similares nacionais.

Agropecuária

A agropecuária foi, e ainda é, muito responsabilizada pelos altosíndices de desmatamento da Amazônia, em razão do usopredominantemente extensivo da terra, com pouca produtividade e altoimpacto ambiental, além de ser criticada por estar ligada à especulação deterras na região. Apresentada como alternativa para o desenvolvimentoeconômico e a ocupação territorial da Amazônia nos anos 70 e 80, aagropecuária beneficiou-se de elevados subsídios creditícios e incentivosfiscais. Estimativas de 1985 assinalaram que os empreendimentosagropecuários em unidades produtivas de pequeno porte foram responsáveispor cerca de 30% do desmatamento da Amazônia nos últimos anos,demonstrando assim que o desmatamento não é provocado apenas pelosgrandes empreendimentos agropecuários (GTA, 1996).

No caso específico da agricultura, e apesar da baixa fertilidade dossolos amazônicos, sugere-se que um modelo mais sustentável para seudesenvolvimento na região poderia ser construído através de cultivos perenesde elevado valor comercial (IMAZON, 1996).

Já a pecuária é majoritariamente rejeitada pelos que se preocupamcom a questão ambiental como uma alternativa econômica a ser consideradapara a região, embora alguns considerem que, mesmo sem os incentivosgovernamentais, essa atividade estabeleceu-se definitivamente na Amazônia,sugerindo-se a pecuária intensiva (reduzida a áreas restritas e já devastadas),como alternativa para um modelo menos predatório para a realização dessasatividades (GTA, 1996; IMAZON, 1996).

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Energia

A Amazônia detém 45% do potencial de geração de energiahidrelétrica do país (a energia de origem hidráulica, por sua vez, é responsávelpela quase totalidade da geração de eletricidade, respondendo por cerca de35% da matriz energética brasileira). O potencial hidrelétrico brasileirocoloca o país em posição de vantagem seja em termos de fornecimentoenergético, seja quanto aos impactos sobre o efeito estufa114. No entanto, omodelo de aproveitamento da energia hidráulica da região por meio degrandes barragens é fortemente criticado por seus impactos socioambientais,inundando grandes áreas e deslocando populações locais, além de ter-secomprovado tecnicamente desastroso.

A energia da biomassa, por sua vez, vem sendo apontada como umadas mais promissoras fontes energéticas do futuro. Estima-se que a florestaamazônica produza uma biomassa total entre 400 e 500 toneladas porhectare, a qual, por sua vez, é a principal depositária dos nutrientes doecossistema florestal, representando portanto uma alternativapotencialmente harmônica com a conservação da biodiversidade, desdeque explorada em bases sustentáveis.

Apesar dos evidentes impactos ambientais desse conjunto deempreendimentos econômicos, observa-se que é ainda predominante einfluente o discurso — no âmbito das elites regionais — de que a políticaconservacionista, especialmente o estabelecimento de unidades deconservação e de reservas indígenas, é contrária ao desenvolvimento daAmazônia e ao aproveitamento econômico de seus recursos naturais (dentreos quais hoje se inclui o aproveitamento da própria biodiversidade!).Estabelece-se assim um ponto de conflito entre esses segmentos e os setoresque se preocupam com a conservação da biodiversidade da região.

Por outro lado, mesmo entre os ambientalistas, impõe-se cada vezmais o reconhecimento de que não se pode simplesmente descartar essas

114 Enquanto que, no mundo, 60% a 70% das emissões de carbono para a atmosfera se devem àprodução de energia, no Brasil, esse índice é de cerca de 20%, e, graças ao peso da hidreletricidade,apenas 5% da geração elétrica emitem CO

2 no Brasil (nos Estados Unidos, essa participação chega

a 75%) (Benjamin, 1993).

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atividades, seja pelo seu elevado potencial econômico, seja porque já seconsolidaram como formas de uso e ocupação do território na região.Caberia então buscar a melhor maneira de inseri-las em uma estratégia dedesenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Existem, por outro lado, diferentes avaliações sobre as possibilidadese os meios de torná-las compatíveis com a proteção e o aproveitamentonão-predatório da biodiversidade. Alguns acreditam que muitas dessasatividades podem ser ao mesmo tempo lucrativas e ambientalmentesustentáveis, desde que praticadas em sistemas de uso intensivo e de manejosustentável, de modo a preservar a cobertura florestal. Nem todos estão deacordo, no entanto, que o manejo sustentável seja condição suficiente paraimpedir a perda de importantes variedades de espécies e de genes presentesnos ecossistemas florestais.

Em face das atuais e potenciais implicações negativas, do ponto devista do meio ambiente amazônico, das atividades econômicas acimaelencadas, muitos acreditam que a alternativa mais adequada para a regiãoé apostar no uso sustentável de seus recursos biológicos e genéticos.

Uso Sustentável: Ainda uma Interrogação

O debate em torno do uso sustentável da biodiversidade florestalencontra-se ainda em uma etapa bastante embrionária. Na Amazônia,persistem grandes dúvidas e controvérsias a esse respeito, seja pelodesconhecimento de seus impactos sobre a conservação da biodiversidade,seja pelas dificuldades até então enfrentadas para tornar esse usoeconomicamente viável.

Três grandes conjuntos de opiniões sobre esse tema foramidentificados. Alguns consideram que, sob a ótica capitalista convencional,o retorno econômico que os recursos associados à biodiversidade podemhoje proporcionar, se comparado com os ganhos advindos de outrasatividades, como por exemplo a exploração mineral, é ainda baixo, incluindoa própria exploração madeireira. Outros acreditam que o aproveitamentoeconômico da biodiversidade amazônica pode gerar igual ou maior valor

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do que formas mais predatórias de exploração dos recursos naturaisamazônicos, com a vantagem de não causar desmatamento. Um terceirogrupo de opiniões teme pelos impactos sobre a biodiversidade, causadospela utilização de recursos biológicos e genéticos com fins comerciais, aomenos no atual estágio técnico-científico, pautado pelo amplodesconhecimento das condições ambientais regionais.

Há consenso, entretanto, de que tanto os atores públicos quanto osprivados demonstram ainda pouca disposição para arcar com os riscos eincertezas de se investir em uma área ainda pouco conhecida e explorada,como a do aproveitamento econômico, em bases sustentáveis, dos recursosbiológicos e genéticos. Os custos e investimentos aí envolvidos não sãonada desprezíveis, particularmente diante das exigências hoje colocadaspara se abrirem espaços em mercados cada vez mais restritos e globalizados.

Por outro lado, as possibilidades de um aproveitamento econômicodos recursos da biodiversidade vêm-se ampliando. Enquanto que asilvicultura “científica”, hegemônica desde o século XVIII, privilegioubasicamente a exploração de produtos madeireiros, a chamada “novasilvicultura” tende a revalorizar uma abordagem mais integrada ediversificada do manejo dos ecossistemas florestais e do uso de seus recursos,tal como nos regimes de manejo mais tradicionais, que estiveram orientadospara um amplo e diversificado leque de produtos primários.

Estão hoje em pauta três grandes alternativas de uso sustentável dabiodiversidade amazônica:

1. o extrativismo vegetal e a pesca (de subsistência ou com finscomerciais);

2. a transformação industrial local de recursos biológicos; e

3. o aproveitamento de recursos biogenéticos por meio debiotecnologias avançadas e da engenharia genética.

Essas alternativas, por sua vez, podem ser implementadas de modotanto a representar uma consolidação da biodiversidade como meio desustentação econômica da região, quanto a promover sua apropriação poragentes econômicos externos.

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O extrativismo vegetal não-madeireiro115 com fins comerciais enfrentagrandes dificuldades para garantir sua sobrevivência econômica, além delevantar dúvidas, entre os ambientalistas mais puros, quanto a seus impactossobre o meio ambiente, ou sobre as espécies exploradas.

Em contrapartida, seus partidários apresentam alguns argumentosem seu favor, tendo como principal referência a experiência das reservasextrativistas (Box 18).

Box 18

RESERVAS EXTRATIVISTAS

O conceito de reservas extrativistas surge nos anos 80, a partir de ummovimento de seringueiros no Acre, visando garantir o direito à terra depopulações locais que sobrevivem da exploração de recursos florestais, aprincípio não-madeireiros, dentre os quais destacam-se a borracha e acastanha-do-pará. Em julho de 1987, através de portaria do Incra, cria-se afigura de “assentamento extrativista”. Em 1989, as reservas extrativistas(resex) passam a ser consideradas unidades especiais de conservação, comoáreas públicas sob administração do IBAMA, mas com usufruto por tempoindeterminado dos ocupantes da área, que devem apresentar um plano demanejo para sua exploração sustentável. Até 1996, 2,5 milhões de hectareshaviam sido designados, pelo governo brasileiro, reservas extrativistas naAmazônia, passando a ser por muitos consideradas como um novoparadigma de desenvolvimento para a região.

Muitos pontos polêmicos permanecem, no entanto, a respeito dessasexperiências, particularmente quanto a: sua viabilidade econômica (faltade competitividade e forte dependência de subsídios); difícil situaçãosocioeconômica dos moradores dessas áreas e sua sustentabilidade ecológica(impactos sobre o recurso explorado, devido à coleta excessiva de frutos esementes).

Box 18

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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115 Anderson (1995) lembra a distinção entre o extrativismo vegetal “por aniquilamento ou depredação”da planta, como no caso da extração madeireira e do palmito; e o extrativismo “de coleta” deprodutos não madeireiros, como os frutos da castanha-do-Pará e o látex da seringueira.

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Um argumento é o de que não se pode esperar que essas práticasirão gerar a mesma quantidade de renda que, por exemplo, a mineração;mas, por outro lado, elas estão associadas à lógica de manter a floresta empé, de viver dos seus frutos e de esses frutos serem distribuídos de umaforma comunitária, sendo capazes de gerar renda suficiente para elevar aqualidade de vida da população local, com o benefício, incalculável sob aótica estritamente econômica, de preservar a floresta. Por outro lado, outrasatividades econômicas de uso da terra, como a pecuária extensiva e aagricultura itinerante, ainda que se apoiando fortemente em um conjuntode políticas governamentais (de crédito, preços e infra-estrutura), não têmapresentado retornos econômicos satisfatórios.

Outro argumento é o de que as práticas extrativistas podem sereconomicamente viáveis, desde que mantidas em intensidade e em escalaadequadas, de modo a permitir a reprodução do produto explorado.Acredita-se ainda que é necessário e que há espaço para se promover umamodernização do extrativismo, seja como fornecedor de matérias-primaspara a indústria de cosméticos, seja na ocupação de fatias de mercado, que,apesar de seu potencial, vêm sendo ainda pouco exploradas, como é o casoda própria castanha-do-pará. A diversificação das atividades econômicasdas reservas extrativistas — com agropecuária em pequena escala, sistemasagroflorestais e até exploração madeireira através de manejo sustentável —é também apontada como uma estratégia relevante para garantir asustentabilidade econômica dessas áreas, diminuindo sua dependência doextrativismo.

O processamento industrial de produtos obtidos a partir dabiodiversidade amazônica e a sua comercialização em forma final para varejovêm sendo apontados como a maneira mais apropriada, a curto e médioprazos, de lhes garantir sustentabilidade econômica.

Dentre os possíveis mercados para produtos industrializados,baseados na diversidade biológica amazônica, Gilbert (1996) analisa trêscom potencial a curto e médio prazos, excluindo-se aqueles compossibilidades comerciais de mais longo prazo, que demandam pesquisas

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científico-tecnológicas mais sofisticadas, envolvendo o uso de biotecnologiasde ponta e da engenharia genética.

Estimando o mercado mundial de cosméticos em algo superior aUS$ 30 bilhões, e o de matérias-primas para esse mercado em cerca de umadécima parte desse valor, Gilbert aponta como oportunidades amazônicasno mercado cosmético-farmacêutico: fórmula de óleo de castanha-do-pará;óleos das polpas de frutos diversos; sabonetes finos, a partir da produçãode óleos vegetais; óleos essenciais e perfumes; pilocarpina, que, segundoGilbert, é talvez o único medicamento de uso aloterápico mundial que aAmazônia oriental oferece atualmente .

O mercado de inseticidas, insetífugas e assemelhados volta acrescer no exterior, a partir da pressão por substituição de agentes químicospor agentes naturais, sendo seus principais fornecedores o Peru e a CostaRica. Dentre os produtos amazônicos que poderiam valer-se desse mercado,Gilbert aponta: Derris, um inseticida derivado da raiz de timbó; Quassia,um inseticida ou antifágico derivado da madeira de quina; Andiroba, umantifágico derivado das sementes de andiroba; e Safrol, derivado das folhasde pimenta longa.

O mercado alimentício abrange uma diversidade de classes e depossibilidades, a maioria não explorada fora da região e não desenvolvidaindustrialmente. Com potencialidade imediata, Gilbert aponta: óleos vegetais(buriti, tucumã e pupunha); aromas e sabores, particularmente de frutas daregião ou que crescem na região; corantes, cujo mercado cresce devido àproibição da maioria dos produtos sintéticos para uso em alimentos; chiclés;nutrientes especiais, como o açaí; e peixe.

Por fim, a importância econômica dos recursos genéticos amazônicos,a partir de seus usos pelas novas biotecnologias, embora seja uma questãoemergente, é ainda pouco compreendida, mensurada e principalmenteincorporada às políticas governamentais e às estratégias empresariaisdirecionadas para a região. O aproveitamento da riqueza biogenéticaamazônica é diretamente proporcional ao seu desconhecimento, comodemonstra a disparidade entre as estimativas a esse respeito: os cálculos

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sobre o número de espécies de plantas amazônicas com possíveis usosmedicinais variam de 2.000 a 25.000 espécies (Aragón, 1995, apud Pérez)116.

O baixo uso da biodiversidade florestal pelas tecnologias avançadasé creditado a um conjunto de fatores, tais como: (a) as ainda limitadasperspectivas de retorno financeiro a curto prazo; (b) a exigência depopulações altamente domesticadas, o que geralmente não é o caso dasflorestas; (c ) a existência de coleções em pequeno número e com baixarepresentatividade em termos da diversidade genética da região; (d) aescassez de recursos humanos e financeiros e de informações apropriadase (e) os baixos níveis de utilização de tecnologias modernas (Morales &Valois, 1995).

Sugere-se que uma estratégia orientada para o desenvolvimento dabiotecnologia na Amazônia teria de contemplar, dentre outras medidas, aconstrução de uma infra-estrutura adequada e a implementação de umapolítica de fixação de recursos humanos qualificados na região, de modo aconter a forte evasão de pessoal qualificado, seja pelos baixos salários, sejapelas precárias condições regionais para a pesquisa científica e tecnológica.

Por outro lado, embora a riqueza biogenética amazônica seja aindapouco reconhecida e valorizada como recurso estratégico, no país e naregião, verifica-se uma crescente demanda externa por germoplasmaamazônico, considerando que as estimativas indicam que um em cada quatroprodutos farmacêuticos já comercializados no mundo foram produzidos apartir de espécies vegetais de florestas tropicais, ainda que menos de umpor cento das plantas tropicais tenham tido seus possíveis usos investigados(Myers). Esse assunto será abordado a seguir.

116 Segundo Pérez (op.cit.), apenas cinco espécies da flora amazônica teriam penetrado no mercadomundial, enquanto que, atualmente, no mundo, são utilizadas cerca de 1.100 plantas medicinais. Oautor relativiza o potencial farmacológico da flora amazônica, considerando os cálculos da indústriafarmacêutica de que a produção de substâncias com valor medicinal dá-se na proporção de 1/10.000 sínteses e 1/125 extratos vegetais.

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Vias de Acesso à Informação Associada à Biodiversidade

Controle do Acesso a Recursos Genéticos x Livre Acesso

Um outro tema que vem sendo objeto de crescente atenção epolêmica, na Amazônia, refere-se ao controle sobre o acesso aos recursosgenéticos locais, embora esse assunto ainda restrinja-se aos círculos maisbem informados, especialmente aqueles localizados em universidades,centros de pesquisa e organizações não-governamentais. O tema começatambém a ocupar algum espaço na mídia local e nacional, motivandoiniciativas pontuais, pelos poderes públicos da região, no sentido de investigardenúncias de retiradas “ilegais”, para o exterior, de material genético daAmazônia, especialmente as motivadas por fins comerciais.

É corrente o reconhecimento da existência de práticas de“biopirataria” na Amazônia em uma escala ascendente, mas não há dadosconcretos a esse respeito. Identificam-se como principais “vias de saída”de material genético da região:

a) expedições promovidas por grupos científicos ou empresariais doexterior, diretamente orientadas para atividades de bioprospecção, dada adificuldade de controle sobre tais atividades;

b) o ecoturismo, onde freqüentemente se observa a presença depesquisadores estrangeiros em atividades de coleta de amostras de plantas,solos etc.;

c) atividades de organizações não-governamentais que, em contatodireto com comunidades locais e tradicionais, e sob o pretexto de lhesprestar auxílio técnico ou financeiro, muitas vezes utilizam essas populaçõespara a identificação e coleta de material genético; e

d) instituições nacionais de pesquisa localizadas na Amazônia, sejapela ausência de controle sobre o que se pratica no âmbito de acordos decooperação internacional, seja pelo suporte fornecido por alguns de seus

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pesquisadores individualmente a atividades de retirada de material biológicopara fora do país, dadas as suas escassas condições de pesquisa locais.

Nesse sentido, indica-se a necessidade de que seja exercido umcontrole efetivo sobre o acesso aos recursos genéticos amazônicos. Avalia-se que os recursos financeiros arrecadados como compensação pelo usode material genético da região não serão elevados; acredita-se, no entanto,que a existência, no país, de um instrumento regulador do acesso a essematerial propiciará um espírito de maior compromisso com os interessesamazônicos, daqueles que pretendem coletar e utilizar amostras da suabiodiversidade. Além disso, espera-se que a existência de um fundo paragerir esses recursos contribua para motivar uma discussão de políticas eprioridades para sua aplicação na Amazônia.

Ao mesmo tempo, existe, por parte de alguns segmentos, apreocupação de que não se estabeleçam procedimentos excessivamenteburocráticos na regulação do acesso a esses recursos, manifestando-setambém opiniões favoráveis a um tratamento diferenciado para atividadesde bioprospecção com finalidades puramente científicas, daquelas com finscomerciais.

Na prática, começam a se estabelecer negociações entre empresasestrangeiras, atuantes em biotecnologia e áreas afins, e populações indígenasna Amazônia, visando ao aproveitamento econômico de plantas,especialmente nas áreas de fármacos e cosméticos. Essas experiências, noentanto, ainda que em alguns casos sejam consideradas um avanço, estãolonge de serem avaliadas como um saldo de fato positivo, do ponto de vistados interesses das comunidades tradicionais e mesmo do país (Box 19).

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Box 19

ACORDOS COMERCIAIS SOBRE BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA

a) O acordo entre a empresa de cosméticos norte-americana AvedaCorporation e os índios Yawanawá e Katukin, no vale do rio Juruá, Acre,iniciado em 1992, que, segundo os antropólogos que acompanharam oprojeto, foi favorável às comunidades indígenas envolvidas, sendo assimdescrito por Arnt (1994:14 in Anais...):

“A empresa financiou a plantação de mudas e compra do grão de urucumque, processado por uma empresa de São Paulo, fornece um pigmento — abixina — usado para fabricação do batom Uruku Lipcolor — de boaaceitação no mercado norte-americano. Nos EUA, a publicidade“ecologista” do produto, vendido por US$ 11,00 cada, anuncia-o como um“batom totalmente natural da floresta tropical brasileira, livre de tingimentosintético, fragrâncias, preservantes e produtos petroquímicos encontradosna maioria dos batons.”.

De acordo com informações recentes (Folha de São Paulo, 01/06/97), osíndios teriam recebido US$ 150 mil para fornecer e processar o urucum.

Em 1994, a Aveda Corporation firmou também um acordo com acomunidade Guarani Kaiowá, de Dourados, Mato Grosso do Sul, sobre oacesso e confidência de informações sobre o processamento de uma tinturaextraída do araxixu (= jenipapo?), planta comum na região. Informaçõesrecentemente divulgadas na imprensa (F.S.P., 01/06/97) davam conta deque essa tribo teria já recebido cerca de US$ 50 mil na forma de “benefícios”,como construção de barracos para os índios, além da plantação de 100 milárvores na reserva.

b) O acordo entre a empresa de cosméticos inglesa Body Shop e acomunidade de Kayapós de Aukre, no Pará, para venda de óleo de castanha,para o preparo de xampus e condicionadores. Através desse acordo, osKayapós, ao mesmo tempo que comercializam óleo de castanha, têm acessoa equipamentos, infra-estrutura e capacitação para essa comercialização. Ovalor anual do contrato para o fornecimento da matéria-prima pelos caiapósé de US$ 160 mil. Ainda que levantando dúvidas sobre os reais beneficiáriosdas relações aí estabelecidas, o acordo ainda é visto positivamente, conformeassinalado por Arnt (1994:14):

Box 19

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“A empresa compra toda a produção da aldeia e paga pelo óleo quase cincovezes mais que o preço de mercado. Também financiou a construção deuma pequena “fábrica” de extração e processamento, com chão de cimentoe teto de folhas de palmeira. Para a Body Shop o mais importante é omarketing ‘politicamente correto’ que acompanha a comercialização dosseus produtos.” (Arnt, 1994:14).

Os exemplos desse tipo de acordo são, em sua maioria, no entanto,considerados negativos. Arnt cita dois.

c) Um deles é o dos Uru-Eu-Wau-Wau, de Rondônia, que extraem do troncoda árvore tike-úba um líquido que aparentemente possui propriedadesanticoagulantes de importância nos tratamentos cardiovasculares. AHoescht, seguida posteriormente da Merck e possivelmente também daMonsanto, fez incursões (não se sabe ao certo se com êxito) para apropriar-se das técnicas de processamento desse material, sem gerar qualquerbenefício para aquela população e para as instituições de pesquisa locais.

d) Um outro caso é o da exploração, pela Merck, do jaborandi, planta apartir da qual se produz pilocarpina, utilizada em medicamentos. O comérciogerado a partir daí, só nos Estados Unidos, foi estimado, no ano de 1989,em US$ 28 milhões. Existem evidências da superexploração da mão-de-obra dos índios Guajajara e da exploração predatória da planta, levandoquase à extinção do jaborandi na região.

É, por outro lado, unânime a opinião de que, em associação aoestabelecimento de normas reguladoras do acesso aos recursos genéticos,através de instrumentos legais, a estratégia mais eficaz para o exercíciosoberano do controle sobre a biodiversidade nacional consiste: (a) em investirem ciência e tecnologia voltada para ampliar a base de conhecimentos sobreos recursos genéticos e biológicos da região e sobre suas possibilidades deaproveitamento econômico e social e (b) em investir em melhorias naqualidade de vida das populações locais, tornando-as parceiras da proteçãoe valorização dos recursos naturais que as cercam117.

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117 Vale citar Frederico Arruda, em entrevista: “o maior dreno, por onde estão escapando os nossosmais importantes interesses nacionais nessa área da biodiversidade, é exatamente nossa ferida social”.

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Do mesmo modo, é dominante o ponto de vista, seja dos que secolocam favoravelmente a um controle amplo e rigoroso do acesso, sejados que preferem uma certa “flexibilização” desses procedimentos, de quenão se trata simplesmente de restringir a retirada de amostras debiodiversidade do território nacional. As opiniões convergem para oreconhecimento de que o Brasil deve, em contrapartida a um maior controlesobre o acesso a seus recursos genéticos, garantir e promover oaproveitamento desses recursos em prol não somente do desenvolvimentonacional, mas também em benefício do conjunto da humanidade. Para isso,reivindica-se a implementação de fato de políticas de ciência e tecnologia,de âmbito nacional e regional amazônico, orientadas para o conhecimentoe o uso da biodiversidade, e reconhece-se a importância da associação comempreendimentos científicos ou mesmo comerciais externos, desde queem bases justas para o país e para as comunidades locais.

Ciência, Tecnologia e Conhecimento Tradicionais:

Chaves para o Acesso e o Controle da Biodiversidade Amazônica

Se há, portanto, um elemento de grande convergência entre aquelespreocupados ou mais diretamente envolvidos com a questão dabiodiversidade na Amazônia, trata-se da importância da ciência e tecnologia,em relação tanto à conservação, quanto ao uso sustentável dos recursosgenéticos e biológicos. Ciência e tecnologia são igualmente apontadas comoos meios mais eficazes de garantir soberania sobre a biodiversidade nacionale amazônica.

Há um leque de temas que se incluem no que seria uma agenda depesquisa ideal para lidar com os diversos aspectos associados à problemáticada biodiversidade na Amazônia (FUNBIO, 1996), existindo consenso emtorno de alguns pontos fundamentais.

Um primeiro ponto refere-se à importância de se promover pesquisabásica orientada para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidadeamazônica, tanto no que diz respeito a seus diferentes componentes, quanto

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à sua distribuição territorial, especialmente no plano genético. Isto éconsiderado de suma importância para se traçar um sistema de áreasprotegidas cientificamente embasado, além de se constituir em fatorindispensável para garantir formas de uso dos recursos genéticos e biológicosde fato sustentáveis, respeitando princípios de conservação dabiodiversidade. O próprio manejo sustentável dos recursos florestais,incluindo a exploração madeireira, deveria, desse ponto de vista, partir deum maior conhecimento sobre a biologia básica das espéciesindividualmente.

Um segundo ponto relaciona-se ao investimento em tecnologia deponta: não foram encontradas vozes dissonantes, mesmo entre osambientalistas (pelo menos aqueles diretamente atuantes na regiãoamazônica), no que se refere ao papel da biotecnologia avançada e tradicionalcomo chave para a valorização da biodiversidade em âmbito nacional eregional. Note-se que a temática da biossegurança não está ainda na pautade temas em debate ou em conflito na região.

Sugere-se que, em um primeiro momento, a agenda de pesquisasnessa área deve estar orientada, principalmente, para a solução de problemasconcretos relacionados ao aproveitamento dos recursos biogenéticos daAmazônia, dentro de uma perspectiva de conservação desses recursos, taiscomo o controle de doenças, a aqüicultura e o melhoramento genéticoanimal e vegetal orientado para uma exploração comercial menos predatóriadesses recursos. O uso de novas abordagens da engenharia genética, comoos marcadores moleculares para o mapeamento da biodiversidade regionalno plano genético é visto também como estratégico.

A capacidade científico-tecnológica instalada no país em biotecnologiaé avaliada como bastante razoável, sugerindo-se que seu desenvolvimentona região poderia ser potencializado através de redes de cooperaçãointerinstitucional com instituições locais118 e de outras regiões do país.

Duas iniciativas merecem destaque, nesse contexto: a proposta decriação de um Centro de Biotecnologia da Amazônia, dentro do Programa

118 As instituições mais mencionadas como representativas dessa capacidade científico-tecnológicainstalada na região são: as universidades, o INPA, o Museu Goeldi e a EMBRAPA.

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Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidadeda Amazônia (PROBEM), do Ministério do Meio Ambiente119; e a criaçãode uma Rede para Conservação e Uso dos Recursos Genéticos Amazônicos(GENAMAZ), proposta pela Superintendência de Desenvolvimento daAmazônia — SUDAM, com o apoio técnico de pesquisadores do CentroNacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia(CENARGEN, 1974), órgão da EMBRAPA120. Ambas as iniciativasencontram-se em fase de estruturação, não sendo possível, portanto, avaliarseus desdobramentos concretos.

Um outro ponto considerado estratégico, e reiteradamente sugerido,foi o de que as pesquisas em biotecnologia na Amazônia devem privilegiar

a associação com as populações tradicionais locais, em especial as indígenas,ao mesmo tempo recorrendo aos seus conhecimentos sobre a biodiversidadee abrindo novas possibilidades para suas aplicações. O estímulo àsetnociências é, portanto, considerado de suma importância e parte de umaestratégia alternativa para o país obter alguma vantagem comparativa embiotecnologia, considerando as dificuldades de se acompanhar o progressotécnico-científico no ritmo com que hoje se realiza nas economias avançadas.Uma política de utilização da biodiversidade deve, assim, envolver oreconhecimento, a sistematização e a compensação justa dos conhecimentostradicionais associados à biodiversidade.

Biodiversidade na Amazônia: Questão Estratégica ou Marginal?

Na prática, porém, poucos resultados foram alcançados no sentidode mitigar o processo de destruição e degradação florestal e de incorporarconcretamente a problemática da biodiversidade ao que se propõe e ao que

119 O Centro de Biotecnologia da Amazônia pretende desenvolver pesquisas para o aproveitamentoindustrial de recursos biogenéticos pouco ou nada explorados na região amazônica.120 O GENAMAZ tem como objetivo geral “constituir-se em mecanismo técnico-institucional assessore executor das políticas nacionais e regionais para conservação e uso dos recursos genéticos daAmazônia, de maneira a permitir seu aproveitamento socioeconômico e transformar seu potencialnatural em riqueza, fonte de renda e de emprego para a sociedade da região.”.

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se pratica na Amazônia. Para alguns dos atores anteriormente mencionados,como os bancos multilaterais e o próprio governo brasileiro (além dosgovernos estaduais e locais), a conservação da biodiversidade ainda estálonge de dar a tônica à forma como intervêm sobre a região. Outros, comocomunidades extrativistas e populações tradicionais, quando de fatoconscientes sobre essa questão, enfrentam barreiras de ordem econômica,política ou técnico-científica para dar viabilidade e continuidade a práticasvistas como positivas do ponto de vista da biodiversidade. Naturalmente,não se pode deixar de considerar também a força dos interesses associadosàs já citadas formas ambientalmente predatórias de exploração econômicados recursos naturais amazônicos, que permanecem ainda hegemônicassobre as demais.

Por outro lado, é perceptível a existência de um sentimento geral deque bastaria vontade política para se alcançarem resultados significativosna conservação e no uso sustentável da biodiversidade amazônica,considerando: sua riqueza em recursos biogenéticos, o conhecimentotradicional existente e a capacidade científico-tecnológica nacional jáestabelecida. Do mesmo modo, porém, é evidente e generalizado o ceticismoquanto à existência de uma real disposição, por parte das elites políticas eeconômicas nacionais e regionais, para tratar a biodiversidade e abiotecnologia como áreas estratégicas para o país e para os estadosamazônicos.

Mais especificamente em relação ao poder público, é majoritário oponto de vista de que sua intervenção, seja pelo governo federal, seja pelosestados e municípios, não apresentou, até o momento, impactos positivossignificativos em relação à proteção da biodiversidade na região, ou aodesenvolvimento da ciência e tecnologia como instrumentos deconhecimento e de aproveitamento econômico dessa biodiversidade121.

Por outro lado, fazendo-se uma breve retrospectiva histórica, nãopodem deixar de ser notadas certas modificações recentes na posturagovernamental com respeito à região. Na década de 1970, o governo detinha

121 Note-se que menos de 2% dos cursos de pós-graduação do país localizam-se na Região Norte.

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capitais, dispunha de recursos internacionais a baixo custo e estava imbuídoda disposição de investir na ocupação da Amazônia, fazendo-o entretantode forma desastrosa do ponto de vista do meio ambiente e dodesenvolvimento regional, como anteriormente assinalado. Nos anos 80, ogoverno federal, já desprovido de recursos financeiros de larga monta, eem meio a uma profunda crise fiscal, sai parcialmente de cena, abrindoespaço para outros atores, como ONGs e segmentos empresariais.

Nos anos 90, o Estado Nacional busca reassumir um papel de maiordestaque na região, especialmente através do estabelecimento deinstrumentos de coordenação, planejamento e política regional. Essa atitudedo governo brasileiro responde, por sua vez, a um novo contexto de pressõese iniciativas, nos planos interno e externo, em relação à temática ambiental,tal como já assinalado.

Dentre essas iniciativas, destaca-se o conjunto de intervenções geradasa partir do Programa-Piloto para as Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), cujos diversos subprogramas guardam, direta ou indiretamente,interfaces com a biodiversidade amazônica. (Box 20). De início com umaótica estritamente preservacionista, o PP-G7 acabou por incorporar aabordagem do desenvolvimento sustentável.

Box 20

PROGRAMA-PILOTO (PP-G7)

Em fins da década de 1980 e início da de 1990, o discurso ambiental impôs-se aos organismos multilaterais de financiamento, diante das críticas edenúncias a respeito dos impactos socioambientais dos projetos por elesapoiados, particularmente no caso das florestas tropicais. Do mesmo modo,os países de economia avançada passaram a ser mais pressionados pelaopinião pública a darem demonstrações de comprometimento com açõesde proteção ambiental em escala global.

Foi nesse contexto que se propôs a implementação de um Programa-Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), durante aReunião de Cúpula dos países-membros do Grupo dos Sete, realizada em

Box 20○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Houston, no Texas, em julho de 1990. Este seria um primeiro passo paraações similares em outras regiões de florestas tropicais. O governo brasileiroacolheu a idéia, ainda que com reservas de alguns de seus setores(particularmente do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério daAgricultura). A transferência de fundos externos para subsidiar a intervençãodas autoridades públicas brasileiras sobre nossos ecossistemas florestaisfoi justificada internamente pela necessidade de cobrir custos com questõesambientais de abrangência global, em especial os impactos da destruiçãodas florestas tropicais sobre as condições da atmosfera terrestre, o clima ea diversidade biológica.

O Programa-Piloto é estruturado em dois conjuntos subprogramas: (I)Subprogramas estruturais, incluindo (i) Recursos Naturais (ZoneamentoEcológico-Econômico; Monitoramento e Vigilância; Fiscalização eControle; Fortalecimento Institucional de Órgãos de Meio Ambiente;Educação Ambiental); (ii) Unidades de Conservação e Manejo de RecursosNaturais (Implantação de Parques e Reservas, Florestas Nacionais, ReservasExtrativistas, Reservas Indígenas; Manejo de Recursos Naturais eRecuperação de Áreas Degradadas) e (iii) Ciência e Tecnologia (PesquisaDirigida ao Desenvolvimento Sustentável; Estabelecimento de Centros deExcelência Científica); (II) Subprogramas demonstrativos (Projetos A,destinados a comunidades locais e suas organizações e Projetos B, aindanão definidos).

Apesar de incluir também a Mata Atlântica, a maior parte dos recursos estáorientada para projetos na Amazônia.

Os recursos destinados ao PP-G7 são relativamente modestos —cerca de US$ 250 milhões122, quando inicialmente haviam sido anunciadosUS$ 1,6 bilhão —, se comparados com outros montantes já investidos ouprevistos para a região, e o seu desembolso enfrenta a morosidade e aburocracia ditadas pelas regras do Banco Mundial, gestor dos recursos.Talvez o seu maior mérito seja atuar como indutor de iniciativas, muitasdas quais inovadoras, e como catalisador da articulação entre diferentessetores na região. Desse ponto de vista, o PP-G7 pode ser visto como uma

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122 Novos recursos estão sendo negociados para uma nova fase do Programa Piloto.

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exceção, ou uma inovação, dentre outras experiências de cooperaçãointernacional na área de florestas.

O envolvimento da sociedade civil no Programa-Piloto, a partir depressões internacionais, é visto como uma de suas maiores inovações. OGrupo de Trabalho Amazônico (GTA), constituído em julho de 1991, eque hoje congrega mais de 300 organizações não-governamentais emovimentos associativos da Amazônia, é responsável pela articulação dos“Projetos Demonstrativos Categoria A” na região123, considerados o grandeespaço de participação da sociedade civil no PP-G7.

Também o governo brasileiro tratou de organizar-se para ampliarseu poder de influência no Programa-Piloto, estabelecendo uma estruturaespecífica, no Ministério do Meio Ambiente, para coordenar a participaçãobrasileira no programa, e buscando assumir a dianteira do processo.

Uma das iniciativas revigoradas a partir do PP-G7, sobre a qual hágrandes expectativas e controvérsias, mas também um amplodesconhecimento, é o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE).Estabelecido pelo Governo Federal em setembro de 1990124, a princípiopara a Amazônia Legal, e, a partir de 1992, com uma abrangência nacional,o ZEE enfrentou, desde o início, grande dificuldade para sua implementação,devido a: falta de clareza quanto ao seu significado e metodologia;incompatibilidades entre as diferentes políticas setoriais do governo federalenvolvidas e, principalmente, fortes resistências políticas de interessescontrários a um tal ordenamento territorial das atividades econômicas naAmazônia.

O zoneamento é agora retomado nos Estados, com recursos do PP-G7 e a partir de uma nova proposta metodológica, que o define como“instrumento capaz de romper as posições polarizadas” entre preservaçãoambiental e crescimento econômico, e como “instrumento técnico e políticodo planejamento das diferenças, segundo critérios de sustentabilidade, de

123 A Rede Mata Atlântica faz o mesmo em sua área de abrangência.124 Decreto n. 99.540, de 21/9/90, alterado pelo Decreto n. 707, de 22/12/92.

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absorção de conflitos e de temporalidade...”, de modo a “regular o uso doespaço e otimizar as políticas públicas” (MMA/SAE, 1997).

Através do ZEE, pretende-se, então, não apenas ordenar e delimitarterritorialmente as distintas formas de proteção e exploração dos recursosnaturais da Amazônia, aí incluída a biodiversidade, mas sobretudo contribuirpara gerar informação pertinente sobre o território amazônico e para criarum ambiente favorável à negociação e à parceria entre os diferentes atorescom respeito ao uso desse território. O ZEE passa a ser visto não comoum fim em si, mas principalmente como processo. Persistem, no entanto,fortes dúvidas sobre que resultados práticos irá de fato alcançar.

Ainda nesse contexto, foi elaborada uma Política Nacional Integradapara a Amazônia Legal (1995) e proposta uma Agenda Amazônia 21 (1997),como um desdobramento da Agenda 21 firmada durante a Rio-92. Deve-se mencionar também a criação do CONAMAZ — Conselho Nacional daAmazônia Legal (1995), reunindo representantes dos governos federal eestaduais amazônicos.

Também o “Pacote Amazônico”125, decretado em julho de 1996 peloPresidente da República, embora recebido por muitos ambientalistas comouma medida meramente reativa ao então anunciado aumento dodesmatamento na região , não deixa de ser uma medida positiva, apesar dedifícil implementação, principalmente por falta de infra-estrutura do governopara controle e fiscalização.

Nesse contexto, o governo brasileiro, que manteve por um longotempo um discurso para a região focado, por um lado, na ocupação doterritório amazônico, e, por outro, na defesa da soberania nacional e de nãoingerência externa nos assuntos amazônicos, hoje já começa a mostrar maior

125 O Pacote Amazônico: (a) estabelece uma moratória de dois anos para novas autorizações econcessões para o corte de mogno e virola; (b) determina a revisão, com prazo determinado, dasautorizações e concessões para a exploração do mogno e virola em vigor, com o cancelamento dasque se encontrarem em situação irregular; (c ) condiciona as novas autorizações de corte ao usoefetivo e adequado das áreas já convertidas em terras agrícolas; (d) amplia a figura da reserva legal de50% para 80% nos casos das áreas com fitofisionomia florestal.126 De acordo com dados compilados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), no período de1992-94 o desmatamento da Amazônia aumentou em 34% em relação ao período de 1990-91.

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disposição — ao menos em alguns de seus segmentos — para absorver alógica da integração entre desenvolvimento socioeconômico e conservaçãoda natureza. Paralelamente, a partir da Constituição de 1988, saemfortalecidos os governos estaduais e municipais que, seguindo uma tendêncianacional, vêm estabelecendo secretarias especificamente responsáveis pelaárea ambiental127, embora com uma influência política marginal em relaçãoàs outras áreas.

Por outro lado, ainda que a maioria desses instrumentos mais recentesde política e planejamento mencione a importância da diversidade biológicaamazônica, e embora seja genuína em certos setores de governo uma novapostura a esse respeito, não há uma estratégia especificamente focada sobreessa temática na região, e muito menos mecanismos de implementação, emescala regional, dos dispositivos contidos na Convenção sobre DiversidadeBiológica. No próprio Ministério do Meio Ambiente, não se observa aexistência de um diálogo sistemático entre a Coordenação de DiversidadeBiológica e a Coordenação da Amazônia.

É corrente, portanto, a opinião de que, se a biodiversidade vem sendo,ainda que lentamente, incorporada ao discurso, muito pouco tem sido feitona prática. Até porque a biodiversidade em si não é solução; é preciso terconhecimento associado, seja conhecimento tradicional, seja conhecimentocientífico moderno, o que envolve medidas de diferentes tipos e requerrecursos para atender prioridades em distintos níveis.

Elevar o nível de consciência geral — da sociedade e do poder público— sobre a importância da biodiversidade é apontado como fundamentalpara reverter o presente quadro que, na prática, trata a biodiversidade e osrecursos que dela advêm como algo marginal em relação às prioridadesnacionais e regionais.

Essa questão associa-se a uma outra, qual seja, a de que inexiste umaestratégia ou projeto de longo prazo de desenvolvimento nacional, e muito

127 O tipo de intervenção desses governos na área ambiental mereceria um estudo à parte, nãosendo, no entanto, o foco deste trabalho.

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menos de desenvolvimento sustentável, onde a questão da biodiversidadeesteja contemplada e onde a Amazônia insira-se de modo positivo.

Observa-se, sim, a presença de uma forte contradição entre umavisão de curto prazo e uma perspectiva de longo prazo com respeito aodesenvolvimento da Amazônia — e, pode-se dizer, do país — e ao uso deseus recursos naturais, o que, inegavelmente, reflete-se na forma como étratada a problemática da biodiversidade. Aí se estabelece uma tensão entrea tentação da exploração imediata da floresta por alguns setores, queconseguem alta lucratividade com as formas predatórias; e setoreseconômicos que apostam nas possibilidades de uma exploração de maislongo prazo dos recursos naturais da Amazônia e até na possibilidade deobtenção de ganhos muito maiores, através do uso da biodiversidade pelabiotecnologia.

Como bem observou Schubart (1991:20), “a Amazônia representauma fronteira sui generis, paradigmática do período de transição tecnológicaque atravessa a sociedade humana”, qual seja, a passagem para um padrãocada vez menos intensivo em matéria-prima e energia e mais intensivo eminformação, ciência e tecnologia. E, dadas as suas características naturais,econômicas e sociais, ela constitui a expressão territorial mais completa —e complexa — de como convivem e colidem os interesses representantesdo velho e desse novo paradigma (este gestado nos países cêntricos); bemcomo das contradições em que tal transição ocorre nos países emdesenvolvimento, que são ao mesmo tempo: ricos em reservas de natureza,destituídos de capacitação técnico-científica suficiente e adequada e crivadosde problemas econômicos e sociais.

Promover esforços de conservação da natureza, em um contexto emque são tão gritantes as pressões por desenvolvimento social, e em que sãotão exuberantes os atrativos para os que estão ávidos por ganhos econômicosde curto prazo, sem qualquer ou conseqüente compromisso com objetivosde sustentabilidade ambiental, não é, desse modo, nada trivial ou consensual.

A Amazônia representa, assim, uma verdadeira fronteira geopolíticada biodiversidade, e, quem sabe, da busca de solução para os conflitos quehoje se colocam ao seu redor.

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CAPÍTULO VI

Considerações Finais

Ao longo deste livro, procurei demonstrar que a biodiversidade, aomesmo tempo que é hoje uma questão ecológica (fator relevante aoequilíbrio ambiental e à reprodução da vida) e técnico-científica (fonte deinformação para a biotecnologia e a engenharia genética), caracteriza-setambém como questão geopolítica (objeto de estratégias e conflitos que seprojetam sobre o território).

1. Observadas essas relações de um plano mais geral, sugi que aquestão da biodiversidade é parte de uma dinâmica mais ampla, em queciência, tecnologia e meio ambiente adquirem a condição de variáveisestratégicas no jogo de forças internacionais deste final de século.Argumentei, a esse respeito, em primeiro lugar, que um dos elementosexplicativos desse fato associa-se ao papel que a ciência e a tecnologia passamprogressivamente a desempenhar como instrumentos precípuos das novasformas de acumulação do capital contemporâneas, em um processo queencontra suas raízes históricas associadas aos novos modos de pensar eproduzir que emergiram desde a passagem para a modernidade, o qualacentuou-se a partir do esgotamento do modelo fordista que prevaleceuno pós-guerra.

Sendo assim, no atual cenário globalizado, tornam-se cada vez maisrígidas as fronteiras entre os que desenvolvem e, crescentemente,monopolizam ciência e tecnologia de ponta e os que, quando muito,

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consomem os artefatos de elevado teor técnico-científico, oferecidos nomercado internacional aos que disponham de recursos financeiros paraadquiri-los. E que, ao fazê-lo, “adquirem” também um pacote de padrõesculturais e de estilos de vida e consumo, nem sempre desejáveis, sob váriospontos de vista.

Um segundo elemento explicativo dessa relação associa-se à crescenteexploração e manipulação da natureza e de seus recursos, de início comosimples matéria-prima utilizada na construção de uma base material paraas sociedades industrializadas, mas hoje também como fonte para asexperimentações da ciência e tecnologia avançadas, dando origem àfabricação de produtos de alta sofisticação e de elevado valor agregado nomercado mundial, como assim sintetizado por Becker (1997:421):

“O novo modo de produzir redefine a natureza e as relaçõessociedade-natureza. Por um lado, tende a se tornar independenteda base de recursos naturais, utilizando menor volume de matérias-primas e de energia mas, por outro, valoriza os elementos danatureza num outro patamar mediante o uso de novas tecnologias,sobretudo a biodiversidade — fonte de informação crucial para abiotecnologia — e a água, como possível matriz energética. Emoutras palavras, valoriza a natureza como capital de realização atualou futura.”

Considerando o fato de que, como parte desse cenário global, acentua-se a tendência à apropriação privada de informações e de conhecimentos,através de instrumentos legais cada vez mais rigorosos de proteção àpropriedade intelectual, a natureza — e, pode-se dizer, a própria vida — éassim “virtualizada” em fragmentos microscópicos patenteáveis, tornando-se passível de privatização pelos grandes agentes econômicos.

Por outro lado, ressaltei que o reconhecimento dos limites ambientaisdo modelo de desenvolvimento até então hegemônico tratou de inserir,paulatinamente, essa temática nas agendas políticas dos países e dasinstâncias de negociação internacionais, projetando a proposta de

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desenvolvimento sustentável como meio de conciliar metas de crescimentoeconômico e de sustentabilidade ecológica, ao mesmo tempo em queestabelece termos para um compromisso político entre os atores globais.

No entanto, apesar de avanços no trato da questão ambiental,introduzindo-se algumas alterações nas práticas econômicas e sociais demodo a torná-las mais compatíveis com a conservação da natureza, oscenários traçados para o meio ambiente global, cinco anos após a realizaçãoda Rio-92, são ainda mais sombrios (Gallopín et al., 1996) e a construção deuma nova ordem mundial mais eqüitativa parece ainda mais distante. Aoque tudo indica, a variável ambiental pouco interferiu, até o momento, emalterações no quadro geopolítico internacional, enquanto que o crescentegap científico-tecnológico entre países centrais e periféricos temrepresentado um fator de agravamento de suas desigualdades.

O desenvolvimento sustentável, do mesmo modo, está longe de seruma estratégia hegemônica ou consensual. Hoje convivem e,freqüentemente, colidem formas tradicionais de exploração dos recursosnaturais e de produção de bens e formas características do que se apresentacomo um novo paradigma técnico-produtivo menos intensivo em recursosnaturais, o qual, entretanto, introduz-se de modo diferenciado e desigualnos vários segmentos econômicos e nas diversas realidades nacionais eregionais.

Esses distintos padrões expressam, por sua vez, diferentes projetos eestratégias de intervenção sobre o meio ambiente e o território,caracterizando igualmente distintas formas de apropriação da natureza, taiscomo:

- exploração predatória, pelos segmentos do capital baseados no velhoparadigma intensivo em matérias-primas e energia;

- preservação como reserva de valor futuro, promovida pelossegmentos do capital de alta tecnologia, baseados no novo paradigmaintensivo em conhecimento e informação;

- preservação sob motivações estritamente ecológicas, pelos quedesejam conservar a natureza motivados por seu valor intrínseco;

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- conservação associada ao uso sustentável, pelos que valorizam omeio ambiente e dele dependem para a sua sobrevivência imediata; e

- exploração, predatória ou sustentável, dos recursos naturais comobase para o desenvolvimento dos países periféricos.

Na prática, tende a haver uma verdadeira divisão territorial do trabalho,que comporta tanto vetores orientados para o aprofundamento dadegradação e da devastação ambiental, quanto vetores que apontam para aproteção do meio ambiente e para o uso sustentável dos recursos naturais,ainda que, neste segundo caso, sob motivações diversas. O próprio conceitode desenvolvimento sustentável pode ser visto, assim, como “uma noçãoinerentemente geográfica” (Wüsten, 1997), não apenas porque supõe echama a atenção para a necessidade de um padrão alternativo nas relaçõesentre o Homem e seu meio físico, mas também porque expressa “um novomodo de regulação do uso do território à escala global” (Becker, 1997).

2. Interpretada como parte e expressão dessa dinâmica mais ampla,busquei, então, identificar e caracterizar os grandes contenciososgeopolíticos hoje existentes em torno da problemática da biodiversidade,mapeando os principais conflitos e os diferentes pontos de vista a seurespeito. Supus que um dos principais focos de tensão nesse campo vem-sedando entre os esforços para o estabelecimento de mecanismos de controlesobre o acesso a recursos genéticos e a conhecimentos tradicionais, de umlado, e as pressões para se restringir o acesso a tecnologias de ponta, deoutro.

A ausculta junto a observadores e partícipes do debate e daimplementação de ações no campo da biodiversidade no Brasil reveloudiferentes leituras sobre o que melhor caracteriza e distingue as váriasperspectivas hoje em choque, no plano internacional, no contexto dedefinição de um regime global da biodiversidade:

- A maior parte converge para a visualização da existência de umconflito Norte-Sul, ou entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,embora com ambigüidades e gradações, como atestam as negociações emtorno da Convenção sobre Diversidade Biológica, onde se tem observado,

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na maior parte das vezes, uma polarização e um comportamento de “bloco”nas posições defendidas pelo G77 e nas posições do G7 e de outros paísesdo grupo desenvolvido, liderados pelos Estados Unidos.

Desse ponto de vista, acredita-se que, no regime da biodiversidade,o conflito Norte-Sul ocorre de uma maneira muito mais clara do que, porexemplo, nos regimes do ozônio e do clima. Se o regime do clima traz, emalguns momentos, essa dicotomia Norte-Sul, ela já não é tão óbvia quandose consideram as alianças entre os membros do chamado Clube do Carbono,como são conhecidos os grandes produtores de petróleo — os países árabes,a Venezuela e até o Brasil — e os grandes consumidores globais desserecurso, como os Estados Unidos. O mesmo se observa no regime doozônio que, apesar de um regime global, é basicamente um regime detecnologias do Norte, no qual os países do Sul exercem pouca influência.A exceção é a China, um país do Sul que desempenha um papel decisivopara a preservação ou não da camada de ozônio, considerando o seu elevadopotencial de consumo e, desse modo, o peso que pode ter sua opção emutilizar ou não, em grande escala, tecnologias antigas ou não “ozônio friendly”.

Uma segunda leitura enfatiza a existência de uma polarizaçãoprincipalmente entre os que detêm e os que não detêm grandes reservas debiodiversidade, ou entre provedores e consumidores de recursos genéticose biológicos, diante da sua desigual distribuição nas diferentes regiões domundo.

Essa interpretação não foge totalmente à da polarização Norte-Sul(ainda que considerando que tal dicotomia não é o fator determinante paraa delimitação de perspectivas divergentes na definição de um regime globalda biodiversidade), já que são as áreas mais quentes e úmidas as que contêmmaior diversidade de formas de vida — seja na forma de espéciesdomesticadas ou na forma de germoplasma em condições naturais, o queas faz coincidir com os territórios dos países em desenvolvimento, onde aofinal se concentram os maiores estoques de recursos biogenéticos do planeta.

Uma outra maneira de abordar essa mesma dicotomia é analisando-a como expressaão da existência de uma desigual distribuição, entre países

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e regiões, de reservas de natureza e de reservas de tecnologia. Ou, dito deoutra maneira, como uma contradição entre os países que são osdepositários, por obra da natureza, da maior parte da biodiversidade domundo, mas que são pobres em tecnologia; e aqueles que, como resultadodo padrão de acumulação capitalista, detêm as tecnologias que agregamvalor à biodiversidade.

Daí estabelecem-se as divergências e as condições de barganha, oupressão, entre, de um lado, os países que possuem escassa diversidadebiológica, mas têm interesse em conservar esse patrimônio consideradoextremamente valioso pelos motivos já analisados; e, de outro, os paísesque são depositários ou guardiões desses recursos naturais, mas quepercebem a proteção ao meio ambiente como algo conflitante com seusesforços de desenvolvimento econômico. Estes últimos, submetidos acrescentes pressões por conservação ambiental, e progressivamente (emboralentamente) conscientes do valor estratégico de seus recursos genéticos,começam a sair de uma posição apenas defensiva no que tange ao debateinternacional nessa área, para exigir que se estabeleça uma negociação globala respeito.

Há também os que consideram a dicotomia Norte-Sul e leiturassimilares um mero “jogo de cena”, preferindo interpretações alternativaspara analisar os conflitos que hoje permeiam a questão da biodiversidade.

Alguns entendem que a principal polarização se dá entre os que sealinham, ou se submetem, às exigências e regras do mercado global; e aquelesque relativizam ou opõem-se à supremacia dessas regras, privilegiando umaperspectiva de desenvolvimento centrada em interesses endógenos. Desseponto de vista, tanto no Norte quanto no Sul, convivem setores que desejampromover mudanças expressivas nas regras do jogo internacional com outrosque não têm qualquer interesse em transformações estruturais. Aí, e nãono corte Norte-Sul, estaria a explicação central para as contradiçõesexistentes no regime da biodiversidade.

Exempliquei com o caso do Brasil, que assinou logo de início aConvenção sobre Diversidade Biológica, mas toma decisões que muitos

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consideram contraditórias com as orientações da Convenção — comoquando da promulgação de sua Lei de Patentes, em que fez muito maisconcessões às orientações estabelecidas no âmbito do GATT — indoinclusive além do que é estipulado nesse acordo internacional, do que opróprio parlamento europeu, que se recusou a avançar na questão dopatenteamento, preferindo assumir as recomendações da Rio-92. Aexplicação para isso estaria no fato de que, no caso brasileiro, teriampredominado as forças políticas mais alinhadas com interesses dos grandesgrupos econômicos.

Por fim, uma leitura que foge à lógica de todas as demais, é a quesitua as divergências principalmente entre os que percebem a natureza comomero recurso a ser explorado, ou seja, como uma questão de interesse apenaseconômico, estando portanto submetida de maneira total às regras domercado; e os que enfatizam o valor intrínseco da vida, sem reduzi-la a umproduto comercializável.

Estabelece-se, é verdade, uma convergência de interesses entre a lutados ambientalistas pela conservação da biodiversidade mundial e certossegmentos do capital, não tão novos, mas certamente renovados pelosrecentes desenvolvimentos científico-tecnológicos, em resguardar osrecursos genéticos mundiais para uso futuro, ante as perspectivas econômicasabertas pelas novas biotecnologias e a engenharia genética. Mas asconvergências terminam aí, já que, enquanto para os primeiros, o queimporta é o valor intrínseco da vida, para os últimos, sob uma óticaestritamente econômica, importam menos os seres vivos enquanto tais emais a informação codificada em sua estrutura genética.

Opõe-se, assim, uma perspectiva economicista a outraambientalista, oposição esta que permeia tanto o Norte quanto o Sul eque se expressa em todas as escalas. Dela derivam outras, particularmentea dos limites ditados pela bioética e pela biossegurança, como a incorporaçãoou não do princípio de prudência e de precaução.

Essa gama de interpretações revela a possibilidade de múltiplasabordagens ou olhares não excludentes sobre a problemática da

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biodiversidade, evidenciando-se o caráter político-espacial das diferenças econflitos ao seu entorno.

É curioso notar aqui como uma antiga premissa da teoria geopolítica,já hoje ultrapassada, qual seja, a da sobredeterminação das característicasfísicas do território sobre as estratégias de poder, ganha novo significadona questão da biodiversidade. Mas são outros atributos do território,particularmente a desigualdade espacial de estoques de informações hojevalorizadas no emergente paradigma técnico-produtivo — sejam aquelascodificadas na natureza, sejam aquelas produzidas a partir de ciência etecnologia “de ponta”, sejam ainda as geradas a partir do saber tradicional— que estabelecem distinções e conflitos entre as óticas e os projetos dosvários atores.

É, portanto, na disputa pelas vias de acesso a essas informações, hojeconsideradas estratégicas, que atualmente se encontra o cerne dabiodiversidade como questão geopolítica. Do mesmo modo, é comocontinente de informações estratégicas que o território ganha novosignificado como alvo de disputas no que tange a biodiversidade.

A análise dos temas em debate, no plano internacional, a respeito dabiodiversidade agrega novos elementos a essa abordagem.

Um primeiro aspecto que esse conjunto de temas traz à reflexão aesse respeito refere-se à dimensão territorial, ao papel dos Estados e àssinérgicas relações entre os atores intervenientes nas diferentes escalas.

No conflito em torno da soberania nacional sobre os recursosgenéticos — ponto central de negociação na Convenção sobre DiversidadeBiológica — os países ricos em biodiversidade, como observado por Arcanjo(1996), “exigiram que a concepção territorial fosse acolhida para a disciplinada matéria”, reputando aos Estados nacionais direitos de soberania sobreseus próprios recursos biológicos. Ao mesmo tempo, a CDB afirma aresponsabilidade e o dever desses mesmos Estados, perante a comunidadeinternacional, em garantirem e promoverem a conservação e o usosustentável da diversidade biológica, de certa forma assim impondo-lhescertos padrões com respeito ao tratamento de seus recursos naturais, o

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que, em última instância, coloca certos limites no exercício de soberaniasobre seus recursos.

Do mesmo modo, o Estado é instado a assegurar que as regras de“convivência” internacional, impostas pelos atores de maior poder no(des)equilíbrio de forças internacionais, sejam respeitadas e implementadasinternamente, ainda que, pelo menos no caso dos países periféricos, taisregras e padrões sejam com frequência contrários aos seus própriosinteresses. Cabe, portanto, ao Estado estabelecer condições e oferecergarantias para a realização de uma sociedade espacialmente globalizada.

Ao mesmo tempo, é também dos Estados que hoje se espera e secobra a proteção dos interesses das comunidades tradicionais, oferecendo-lhes condições de sobrevivência física e cultural e, no caso específico dabiodiversidade, estabelecendo um aparato institucional que contemple agarantia de seus direitos, inclusive, como vem sendo reivindicado por váriossetores, direitos de proteção à propriedade intelectual ou similar.

Essas populações tradicionais, por sua vez, por terem exercidocontinuamente, muitas vezes teimosamente, sua territorialidade128, criandoraízes e exercitando uma intimidade com a natureza ao seu entorno adespeito do rolo compressor das imposições universalizantes, acumularamuma sabedoria que só a permanência no lugar, ao longo de gerações, poderiapropiciar. Como já havia observado Maffesoli (1984:54), “essa resistênciatradicional que engendra a solidariedade deve-se, sobretudo, à pregnânciade uma memória espacial. (....) É nesse sentido que podemos falar de‘encarnação’ da socialidade que necessita de um solo para se enraizar.”.

Por outro lado, a própria territorialidade é virtualizada, na medidaem que, como amplamente argumentado, são as partículas genéticas, ou ainformação nelas contidas, o que tem valor estratégico para as biotecnologias

128 O conceito de territorialidade, de acordo com Sénécal (1992), “visa justamente englobar o conjuntode formas sociais e das relações com a exterioridade, tendo em conta o meio.”. Na perspectiva deRaffestin (1993:158), a territorialidade “reflete a multidimensionalidade do ‘vivivo’ territorial. (...)Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédiode um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas.” E acrescenta: “todas são relações depoder”.

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avançadas. Através do mapeamento da informação codificada em genes edas novas tecnologias de clonagem e engenharia genética, possibilitam-seo desenvolvimento e a fabricação de produtos independentemente de seuterritório de origem.

É também no âmbito do controle sobre o uso do território que secolocam as mais fortes disputas sobre como (ou mesmo se) assimilar aconservação e o uso sustentável da biodiversidade às estratégias dedesenvolvimento nacionais/ regionais/ locais. Como já assinalado, aspróprias pressões para se delimitarem espaços relativamente intocadosdestinados à preservação ambiental, até então expressando a mobilizaçãode segmentos do movimento ambientalista, representam hoje tambéminteresses de segmentos mais preocupados em resguardar reservas genéticaspara ganhos econômicos futuros, do que com o equilíbrio ambiental oucom as populações locais. Representam, assim, de um modo indireto, umatentativa de limitar (ou controlar) o uso da biodiversidade em dado território.

Do mesmo modo, são políticas e medidas de ordenamento territorial,como a demarcação de áreas de conservação (in situ) e o zoneamento sócio-ecológico-econômico, as que se vêm destacando como alternativas para,simultaneamente, garantir proteção a áreas vistas como relevantes do pontode vista da diversidade biológica e genética, e delimitar espaços para arealização de distintos interesses de exploração econômica dos recursosnaturais, como bem ilustra o caso amazônico. Na conservação ex situ, poroutro lado, retiram-se amostras da biodiversidade de seu habitat natural,geralmente mantendo-as fora (do controle) de seus territórios de origem.

Por fim, no tema da biossegurança, expressa-se a tensão quanto aoalcance territorial das regulações internacionais: se limitadas ao controledos movimentos transfronteiriços de organismos transgênicospotencialmente perigosos ou se intervindo sobre os padrões praticadosnos países no campo das biotecnologias.

Um segundo aspecto, que se associa ao anterior, refere-se ao carátersimultaneamente público e privado da biodiversidade.

O novo regime instituído, a partir da CDB, define a biodiversidadecomo objeto de preocupação comum, mas não mais um bem comum da

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humanidade. O abandono do princípio de herança comum e oestabelecimento de regras para o seu acesso institucionalizaram o exercíciode direitos proprietários sobre os recursos genéticos, transformando-osem bens comercializáveis, como assim interpretou Svarstad (1994:49):

“Um regime de soberania nacional foi visto como necessário demodo a obter dinheiro e tecnologia como pagamento pelo uso derecursos genéticos do Sul. (...) Essa abordagem tomou como umponto de partida a seguinte definição de direitos de propriedadepara os recursos genéticos. Primeiro supõe que um ator tem odireito de decidir sobre o acesso e o uso de recursos genéticosespecíficos realizado por outros atores. Segundo, o possuidor temo direito a pagamento do ator que ganha acesso ou utiliza essesrecursos genéticos.”

Recorre-se à própria lógica do mercado para buscar algumacontrapartida ao concedente dos recursos biogenéticos (seja país oucomunidade) por uma apropriação que já vinha ocorrendo, na prática, semqualquer retribuição ou regulação a respeito.

Mas, embora sujeitos à apropriação privada, os recursos biogenéticos,na qualidade componentes do meio ambiente — reconhecidamente um“macrobem público de uso comum” —, são também bens de interesse

público (Arcanjo, 1996). Idealmente, caberá ao Estado, mais uma vez, comoa autoridade sobre a biodiversidade de um país, garantir que seu uso privadotenha em consideração esse interesse público.

4. Buscando os rebatimentos desse debate geral em torno dabiodiversidade no plano institucional internacional, demonstrei que asinstâncias reguladoras e os aparatos jurídico-normativos têm-se mostradoum espaço privilegiado para o debate e a negociação dessas questões,evidentemente sob a ação e a pressão dos diferentes atores e interesses,confirmando-se, assim, a importância da dimensão institucional comoproduto e instrumento da geopolítica nas várias escalas. Maisespecificamente na Convenção sobre Diversidade Biológica, verificam-se

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os reflexos dos grandes conflitos quanto à problemática da biodiversidade,enquanto que, a partir da CDB, introduzem-se novos elementos ao processode negociação entre os atores.

Ao mesmo tempo, porém, evidenciaram-se os limites da açãoinstitucional. Quer dizer, de que não basta estabelecer um arcabouçojurídico-normativo, seja de âmbito internacional ou nacional. Sãonecessários, também, mecanismos mais concretos, seja de estímulo e apoioa iniciativas de conservação e uso sustentável da biodiversidade, seja parainibir ações degradantes do meio ambiente e da diversidade biológica egenética.

O próprio mercado é sem dúvida um fator estratégico, em sentidopositivo ou negativo. Por exemplo, o preço da borracha no mercadointernacional inegavelmente afeta a sustentabilidade dos seringueiros naAmazônia, do mesmo modo que o tipo de demanda internacional sobreprodutos madeireiros é determinante para a viabilidade de manejossustentáveis da floresta. Pelo outro lado, a certificação da origem dogermoplasma de produtos baseados em matéria-prima biológica, que é umaproposição que começa a ganhar espaço, pode envolver os própriosconsumidores no controle do acesso a recursos genéticos.

Mas, sobretudo, é mister o grande envolvimento e ocomprometimento, não apenas dos atores mais diretamente interessados eafetados pela temática da biodiversidade, mas de toda a sociedade, fazendo-a consciente e sensível a seu respeito. Ou seja, a dinâmica institucional,para ser levada a termo, deve estar respaldada em uma dinâmica política esocial muito mais ampla.

5. Olhando essa questão do ponto de vista do Brasil, concluí que aimportância ecológica e econômica das reservas biogenéticas existentesem nosso território só farão da biodiversidade uma questão de fatoestratégica para nós, caso o país capacite-se para tomar a dianteira nessaárea, não apenas como pré-requisito para inserir-se dentre os que somamesforços para a construção de uma via sustentável de desenvolvimento emescala global, mas também como condição para o exercício soberano dasua territorialidade e para um posicionamento vantajoso no cenário mundial.

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Verifiquei, no entanto, que estamos longe de construir estratégiasque viabilizem o aproveitamento do amplo potencial apresentado por nossabiodiversidade.

A condição de “semiperiferia” e “potência regional” (Becker & Egler,1993) confere ao país uma situação bastante ambígua no novo cenáriomundial. Por um lado, o país apresenta todas as potencialidades paracapitalizar em seu favor os novos espaços que se abrem nesse período detransformações, bem como para exercer um papel de liderança entre ospaíses em desenvolvimento. Por outro, o país ainda enfrenta os seus velhosproblemas estruturais que fazem daquelas mesmas potencialidades umpesado obstáculo a se superar nesses momentos de crise e restruturaçãoem escala global.

O país não demonstra sinais de superação das dificuldades econtradições no tratamento de seus problemas ambientais, ao mesmo tempoem que se apressa em aderir aos padrões de comércio e propriedadeintelectual ditados internacionalmente, na expectativa de que assim garantaseu ingresso no mercado globalizado.

Dentro de uma perspectiva histórica, são por outro lado perceptíveisalguns avanços, ainda que pontuais, na área ambiental, em termos doacúmulo de experiências e de conhecimentos, bem como da construção deum aparato institucional e de uma capacitação do governo e da sociedadepara melhor lidar com as questões relativas ao meio ambiente. Pode-semesmo dizer que já se estabeleceu no Brasil um campo ambiental

(parafraseando Pierre Bourdieu), delimitando-se um espaço próprio dedebate, conflitos e intervenção nessa área. E, ainda que de forma nãohegemônica, afirma-se, pouco a pouco, no interior desse campo, a temáticada biodiversidade.

Como irá o Brasil se comportar está por ser visto: se conseguindomobilizar-se para sacudir esse velhos problemas e articulando suas forçasem torno de um projeto nacional que contemple estratégica e positivamenteos desafios internacionais; se sucumbindo ante a incapacidade de mudarsua história política, marcada pelo imediatismo dos seus dilemas internos.

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6. O levantamento de percepções sobre essa problemática naAmazônia confirmou que, até o momento, prevalece uma visão de curtoprazo com respeito à exploração dos recursos naturais e à biodiversidade,que é ainda tratada como um ônus e não como uma oportunidade para aregião e para o país. Paralelamente, indicou que emergem novos atores,estruturam-se novas parcerias e propõem-se novos projetos alternativos deuso da terra e dos recursos naturais da região, de geração e distribuição derenda, de aplicação de tecnologias novas e tradicionais, o que pode serinterpretado como uma sinalização de importantes mudanças.

A Amazônia representa, assim, um campo avançado deexperimentação de novas alternativas para se lidar com a questão dabiodiversidade. Através do aproveitamento adequado de suas reservasbiogenéticas e da socialização dos benefícios daí advindos, a biodiversidadepode contribuir na geração de riqueza para o conjunto da sociedade nacional.Para isso, no entanto, o Estado brasileiro tem como desafio tratar de formaintegrada a questão nacional brasileira, a questão regional amazônica e aquestão das populações tradicionais.

7. Finalmente, devo assinalar que a temática da biodiversidade podevir a ser não apenas expressão ou resultado de uma dinâmica geopolíticamais geral, mas também um elemento de mudança no desenvolvimentofuturo desse quadro mais amplo, a partir do processo político que seestabelece ao seu redor.

Ela pode estar contribuindo no sentido de reverter práticas milenaresde saqueio e exploração de riquezas naturais, contemporaneamenterenovadas com a chamada biopirataria internacional; de garantir soberaniaaos Estados-Nações sobre suas reservas de natureza, subvertendoavassaladoras pressões globalizantes; de fazer com que esses mesmosEstados, por sua vez, honrem, de fato, compromissos internacionalmenteassumidos em relação ao meio ambiente; de promover a incorporação, naprática, pelos diferentes agentes econômicos, da variável socioambiental.De elevar à condição de atores, cujos direitos, opiniões e modos de vidasejam respeitados e garantidos, populações historicamente marginalizadas

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e submetidas ainda hoje à ameaça de genocídio - não só cultural, mas defato. E, por fim, poderá estar contribuindo no sentido de reverter a tendênciaà hegemonia do mercado, recuperando a ética e resgatando o valor intrínsecoda natureza e da vida.

Este é um processo que está em curso, sendo seu desfechoimprevisível, mas acredito que ele pode vir a estabelecer novos vínculosentre a questão ambiental e uma geopolítica pautada na democracia políticae social.

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Sobre a autora

Sarita Albagli é socióloga e D.Sc. em Geografia, pela Universidade Federaldo Rio de Janeiro. Atualmente é pesquisadora do Instituto Brasileiro deInformação em Ciência e Tecnologia (IBICT), vinculado ao CNPq, eprofessora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação(Convênio UFRJ - IBICT). Vem desenvolvendo, há vários anos, projetosde pesquisa sobre temas associados à ciência, tecnologia e meio ambiente,sob uma perspectiva sociopolítica. Dentre suas publicações mais recentes,destacam-se os livros: La popularización de la ciencia y la tecnologia: unarevisión de la literatura, organizado pela UNESCO; e SustainableDevelopment and Advanced Materials: Strategies for Brazil, resultado deprojeto de pesquisa apoiado pelo International Development ResearchCenter (IDRC, Canadá).

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Sumário

Imperativo Tecnológico e Politização da Natureza........... 27............................................................................................................28

O Imperativo Tecnológico ..................................................................28

Ciência e Tecnologia como Instrumentos de Poder ............................28

Propriedade Intelectual e Privatização do Saber ................................34

............................................................................................................34

A Politização da Natureza ..................................................................42

Conflitos Geopolíticos sobre a Questão Ambiental ...........................43

............................................................................................................43

Meio Ambiente e Governabilidade Global .........................................51

Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente ...............................................55

na Geopolítica Contemporânea ..........................................................55

Biodiversidade como Questão Estratégica ........................ 59Emergência da Questão ......................................................................60

Conceito ..............................................................................................61

Ameaças à Biodiversidade ..................................................................64

As Novas Biotecnologias e o Caráter .................................................66

Estratégico da Biodiversidade ............................................................66

............................................................................................................66

Polêmicas e Conflitos .........................................................................72

Conservar para quem? ........................................................................73

Soberania sobre a Biodiversidade: do Global ao Local ......................80

Propriedade Intelectual sobre Seres Vivos .........................................83

Controle do Acesso aos Recursos Genéticos ......................................92

Proteção dos Conhecimentos Tradicionais .........................................98

Os Riscos da Biotecnologia ..............................................................104

Quem Paga? ......................................................................................106

Regulando os Conflitos: .................................................. 113

A Convenção sobre Diversidade Biológica .................... 113Estabelecimento de um Regime Global da Biodiversidade .............. 114

Definindo o Escopo .......................................................................... 114

Soluções de Compromisso ............................................................... 116

Mecanismos de Implementação ........................................................ 119

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.......................................................................................................... 119

Tentando Gerir Conflitos ..................................................................125

Conservação x Uso Sustentáve: Ampliação do Escopo ..................125

Enfoque Global x Enfoque Nacional: ...............................................126

Prevalência do Estado Nacional .......................................................126

Acesso a Recursos Genéticos: Estabelecendo o Controle ................128

Acesso à Tecnologia: Avanço e Ambigüidades ................................133

Reconhecendo o Papel das Comunidades Tradicionais ....................138

Biossegurança: Questão em Aberto ..................................................140

Financiamento: Solução Interna .......................................................142

Interfaces entre a CDB e Outras Instâncias Multilaterais .................144

Organização Mundial do Comércio — OMC...................................145

Organização para Alimentação e Agricultura — FAO .....................148

Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU — CDS .........152

Balanço da Convenção sobre Diversidade Biológica .......................155

Institucionalizando a Biodiversidade no Brasil .............. 159Implementação da CDB no Brasil: Avanços e ..................................161

Limites da Ação Governamental ......................................................161

Regulações em Conflito....................................................................167

Um Novo Modelo de Conservação da Natureza: O Projeto do SNUC

168

Tentando Proteger os Conhecimentos Tradicionais: O Estatuto das

Sociedades Indígenas ...................................................................174

Cedendo às Pressões Externas: Lei de Propriedade Intelectual ........176

Estendendo o Monopólio às Variedades Agrícolas: .........................179

Lei de Cultivares ...............................................................................179

Contrabalançando as Perdas: ............................................................183

Lei de Acesso a Recursos Genéticos ................................................183

Normatizando a Biotecnologia no País: Lei de Biossegurança ........193

Balanço do Tratamento da Problemática da .....................................194

Biodiversidade no Brasil ..................................................................194

Amazônia: Fronteira Geopolítica da Biodiversidade ...... 199Da Proteção das Florestas à Proteção da Biodiversidade .................201

Conflitos e Convergências ................................................................204

Da Preservação ao uso Sustentável ..................................................207

Vias de Acesso à Informação Associada à Biodiversidade ..............225

Biodiversidade na Amazônia: Questão Estratégica ou Marginal? ...231

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Considerações Finais ....................................................... 239

Bibliografia ...................................................................... 255

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