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1 CIS Centro de Investiga çã o em Inovaçã o Social e Organizacional 2014

GERONTOLOGIA SOCIAL · 2014-06-27 · 1 CIS C e n tro d e In ve stig a o mo e m In o va o mo So c ia l e O rg a n iza c io n a l G 2014 Coordena o: Helena Reis Amaro da Luz

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CIS Centro de Investigação em Inovação Social e Organizacional │ 2014

Coordenação:

Helena Reis Amaro da Luz

Isabel Cerca Miguel

GERONTOLOGIA SOCIAL PERSPETIVAS DE ANÁLISE E INTERVENÇÃO

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Título

Questões Jurídicas: Perspectivas Atuais

Título Gerontologia Social: Perspetivas de Análise e Intervenção Coordenação Helena Reis Amaro da Luz Isabel Cerca Miguel Edição Centro de Investigação em Inovação Social e Organizacional (CIS) do Instituto Superior Bissaya Barreto (ISBB) Campus do Conhecimento e da Cidadania Apartado 7049 3046-901 Coimbra Tel. +351 239 800 450 | Fax +351 239 800 495 Telm. 962 050 390 / 962 050 391 E-mail: [email protected] ISBN: 978-989-98952-0-1

ISBN: 978-989-98952-1-8

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Sumário

Nota prévia 4

Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa.

Ana Roso 6

A Juventude Criminalizada

Cristiane Reis 20

A "recente" criminalização da violência doméstica - Que rumo?

Sara Moreira 31

A aproximação da relação jurídica de emprego público às leis laborais

Góis Ramalho 48

Contrato de trabalho de muito curta duração

Sónia Preto 60

O comércio eletrónico

Mariana Sampayo 77

O empresário desportivo à luz do Direito português

Nuno Oliveira 83

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Nota prévia

A vertente ensino do Instituto Superior Bissaya Barreto (ISBB) não se confina

a uma mera atividade letiva, mas articula-se com realizações de outra natureza,

aliás em consonância com o espírito do “Processo de Bolonha” e o conceito de

ensino-aprendizagem que lhe está associado.

Entre essas realizações destacam-se os ciclos de conferências que o ISBB tem

realizado, com o apoio do seu Centro de Investigação em Inovação Social e

Organizacional (CIS).

É neste contexto que se insere o ciclo de conferências realizado em Abril-Maio

de 2012, sob o título “Questões Jurídicas: Perspectivas Atuais”.

Versou esse ciclo sobre assuntos muito diversos, mas que têm em comum um

propósito atualista, patente na contemporaneidade dos temas e até, de algum

modo, na sua dimensão prospectiva.

Nessa temática se inclui a responsabilidade política, com particular incidência

na responsabilidade política internacional e na reponsabilidade política difusa, bem

como a responsabilidade penal, no tocante à juventude criminalizada e à violência

doméstica. Igualmente se cuidou, no domínio do Direito do Trabalho, da

aproximação da relação jurídica do emprego público português às leis laborais e

do contrato de trabalho de muito curta duração. Também se tratou do comércio

eletrónico e, por último, do empresário desportivo à luz do Direito Português.

Os textos sobre os temas referenciados alicerçam-se nas intervenções feitas

pelos seus autores no mencionado ciclo de conferências, embora alguns desses

textos tenham sido valorizados com amplos desenvolvimentos, para efeito de

publicação.

Entendeu-se, na verdade, que seria conveniente levar essas contribuições a um

público mais vasto, dando assim testemunho da atividade do ISBB e do CIS na

matéria em causa.

A isso, precisamente, se destina a publicação online a que agora se procede.

A Comissão Organizadora.

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

Ana Roso1

Resumo

Propomo-nos fazer uma breve comunicação sobre o tema da “responsabilidade política” em Portugal. Com a

nossa apresentação procuramos evidenciar que a responsabilidade política entre nós é actualmente pouco eficaz –

mesmo aderindo à sistematização da doutrina italiana, mais alargada do que a defendida pela doutrina maioritária

francesa, sobre os diferentes tipos possíveis de responsabilidade política (responsabilidade política: institucional, difusa

e institucional-livre) – pelo que entendemos que a responsabilidade política em Portugal necessita de ser repensada e

revitalizada.

Começaremos por uma breve nota histórica no que concerne ao surgimento da responsabilidade política sob a

forma de responsabilidade penal, em Inglaterra, na Idade Média, com o conhecido impeachment.

Posteriormente, procuraremos dar conta da sistematização italiana dos diferentes tipos de responsabilidade

política.

Por último, tentaremos descortinar manifestações da responsabilidade política institucional e da responsabilidade

política difusa em Portugal.

Parece ser de concluir, que entre nós, por um lado, a responsabilidade política difusa não oferece garantias de

efectivação da responsabilidade política, por outro lado, a responsabilidade política continua a ser, essencialmente, uma

responsabilidade institucional, governamental e colectiva. Mas mesmo no que respeita a esta última, na prática poucas

vezes se recorre à moção de censura, o que acaba, no fundo, por contribuir para uma desresponsabilização dos actores

políticos.

Pelo que defendemos a necessidade de uma revitalização deste tipo de responsabilidade.

Palavras-chave: Responsabilidade – Política – Institucional – Difusa.

From Institutional Political Responsibility to Diffuse Political Responsability

Abstract

We intend to make a brief communication on “political responsibility” in Portugal. With our presentation we

seek to show that political responsibility among us is currently ineffective – even adopting the Italian systematization

doctrine, which is wider than the one advocated by the main French doctrine concerning the different possible types of

political responsibility (political responsibility: institutional, diffuse, and institutional-free) – so our understanding is

that political responsibility in Portugal needs to be rethought and revitalized.

We shall begin with a brief historical background concerning the emergence of political responsibility in the

form of criminal responsibility in England (Middle Ages), with the well-known impeachment.

Later, we will try to give a systematic account of the different types of Italian political responsibility.

Finally, we will try to show some signs of Institutional political responsibility and diffuse political responsability

in Portugal.

In conclusion, among us, on the one hand, diffuse political responsibility does not guarantee the achievement of

political responsibility; on the other hand, political responsibility remains, essentially, an institutional, governmental

1 A autora é Doutoranda em Direito Público, Mestre em Direito Administrativo e Bolseira de Investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – FCT.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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and collective responsibility. But even as regards the latter, the motion of censure is rarely used, which leads,

ultimately, to contribute to a disclaimer of political actors.

Taking this into account we advocate the need for a revitalization of this kind of responsibility.

Keywords: Politics – Institutional – Diffuse – Responsibility.

Introdução

A presente comunicação é o resultado de uma investigação por nós realizada no âmbito do seminário

especializado “Constituição, Política e Responsabilidade”, do curso de Doutoramento em Direito, do ano lectivo 2010-

2011, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Faremos nesta apresentação uma análise – ainda que não exaustiva – sobre o tema da “responsabilidade

política”. Mais concretamente pretendemos fazer uma, breve, incursão pelos diferentes tipos de responsabilidade

política, segundo uma sistematização da doutrina, em especial da italiana. Estamos a referir-nos à responsabilidade

política: institucional, difusa – e mais recentemente – institucional-livre. Partiremos, pois, da distinção entre estes

diferentes tipos de responsabilidade política, para depois tentar descortinar como se configura em Portugal a

responsabilidade política.

Iniciaremos com uma, muito breve, nota histórica no que concerne ao surgimento da responsabilidade política,

tentando, em seguida, esboçar, se possível, um conceito de responsabilidade política. Posteriormente, procuraremos dar

conta da distinção entre os diferentes tipos de responsabilidade política, segundo uma sistematização avançada pela

doutrina italiana.

Por último, partindo da forma de governo consagrada na Constituição da República Portuguesa de 1976,

tentaremos descortinar manifestações quer da responsabilidade política institucional quer da responsabilidade política

difusa.

1. O princípio da responsabilidade política – Esboço de um conceito

De um ponto de vista histórico a responsabilidade política surgiu sob a forma (de responsabilidade) penal, só

depois passou a ser responsabilidade política (Ségur, 1998, p. 21).

A passagem da responsabilidade penal para a responsabilidade política está relacionada com a “deslocação do

centro de poder político do Monarca para o Parlamento. Quando os ministros eram livremente nomeados pelo Monarca,

e só perante ele eram responsáveis, ao Parlamento não cabia outra forma de exigir responsabilidade a um ministro que

não fosse a acusação da prática de um ilícito penal” (García Morillo, 1998, pp. 85-86).

Este procedimento surgiu na Inglaterra, ainda durante Idade Média, e ficou conhecido por impeachment.

Consistia, este, numa acusação da Câmara dos Comuns aos ministros pela prática de um crime, sendo depois julgados

na Câmara dos Lordes. Inicialmente, o procedimento exigia a imputação de verdadeiros crimes ou delitos, mas

rapidamente acabou por assumir também uma finalidade política (Ségur, 1998, p. 21; Correia e Pinto, 2007, p. 790).

Desta forma, este procedimento começou por ter um carácter meramente individual (Correia e Pinto, 2007, p. 790;

Urbano, 2009, pp. 178-179).

Em 1782, também na Inglaterra, Lord North, que ocupava à data o cargo de Primeiro-Ministro, e o seu gabinete

não resistiram a uma moção de censura do parlamento. Costuma ser este o momento apontado, para o nascimento da

tradicional responsabilidade política: assim surge a obrigação do governo se demitir sempre que perde a confiança do

parlamento. Deste modo, a responsabilidade política começou por ser, e ainda é hoje em larga medida, uma

responsabilidade governamental. Desde este momento a responsabilidade passou a ter carácter colectivo (Urbano, 2009,

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

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pp. 179-181; Ségur, 1998, pp. 21-22).

Na tentativa de realizarmos uma aproximação ao conceito de responsabilidade política2, recorremos a Correia e a

Pinto (2007, p. 793) os quais referem que a “responsabilidade política assenta pois na ideia que os governantes devem

ser sancionados politicamente se governam mal”. Já nas palavras de Canotilho (2000, p. 530), “a responsabilidade

política é um mecanismo jurídico-constitucional que incide sobre o desvalor jurídico e político-constitucional dos actos

dos titulares do poder político”.

2. Os diferentes tipos de responsabilidade política

A doutrina, sobretudo a italiana, tem vindo a individualizar diversas formas de responsabilidade política: a

institucional, a difusa – tendo delineado, em estudos mais recentes, uma terceira forma de responsabilidade – e a

institucional-livre (Rescigno, 1988, pp. 1346-1348).3 Sendo que esta necessidade de sistematização decorre de na Itália

se ter verificado um alargamento do conceito da responsabilidade política (Urbano, 2009, p. 193).

Por sua vez, em França, a respectiva doutrina continua muito arraigada à ideia da responsabilidade política

exclusivamente governamental e sobretudo colegial. Reduzindo assim a responsabilidade política àquela que os

italianos designam de “institucional”, não conhecendo, pois, nenhum outro tipo (Ségur, 1998, pp. 12-14, 17, 55;

Urbano, 2009, pp. 181 e 193).

De seguida, tentaremos dar conta da distinção entre os vários tipos de responsabilidade, de acordo com a

sistematização avançada pelos autores italianos.

2.1. Responsabilidade política institucional

A responsabilidade política institucional é tipicamente uma responsabilidade governamental (única para alguns

autores franceses) e que tem como única finalidade a remoção dos sujeitos políticos (Urbano, 2009, p. 194).

Será pois, sobre a responsabilidade política institucional, sobretudo típica4, do governo que nos vamos ocupar.

I. Vamos começar por analisar os elementos que compõem uma relação “constitucional” (Lomba, 2008a, pp.

109-110) de responsabilidade política institucional5:

1.º Quem são os sujeitos passivos?

Os sujeitos passivos da relação de responsabilidade política são os responsáveis pela conduta condenável

politicamente. Na responsabilidade política institucional, o sujeito passivo (tal como o activo, como veremos infra)

encontra-se “institucionalmente (anteriormente e oficialmente) determinado” (Rescigno, 1988, p. 1346).

É importante, no que respeita a estes sujeitos, fazer algumas precisões:

a) É fundamental que estes sujeitos passivos estejam investidos de poder político;

b) Este poder político terá de ser temporário, pois o principal objectivo deste tipo de responsabilidade é a

remoção do sujeito passivo;

c) Os sujeitos passivos exercem o poder ao abrigo de “critérios discricionários de oportunidade política”;

d) A sua conduta não necessita de consubstanciar um ilícito, havendo pois separação entre responsabilidade

política e responsabilidade jurídica;

2 Tentamos avançar com um conceito de responsabilidade política embora saibamos, como referem vários autores,

que a “incerteza rodeia a noção de responsabilidade política”. Cfr. Nomeadamente, Urbano (2009, pp. 184-185) e Ségur

(1999, p. 1600). 3 Sendo que as mais conhecidas são as duas primeiras formas enunciadas. 4 A “responsabilidade política institucional típica” é a responsabilidade política do governo perante parlamento

(Urbano, 2009, p. 207). 5 Quanto à sistematização que vamos realizar de seguida, quer no que respeita a sujeitos (activos e passivos), objecto,

procedimento e sanções da responsabilidade política institucional, seguimos de perto Urbano (2009, pp. 195-208), e

Modona (1994, pp. 8-9).

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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e) Por último, pode o sujeito passivo ser responsabilizado politicamente por actos alheios (ver infra objecto da

responsabilidade política).

2.º Quem são os sujeitos activos?

O sujeito activo da relação de responsabilidade política é aquele perante o qual os sujeitos passivos respondem.

Na responsabilidade política institucional típica o sujeito activo é o Parlamento e o sujeito passivo é o Governo.

O sujeito activo (tal como o sujeito passivo, como vimos supra) encontra-se “institucionalmente” determinado,

gozando de um poder institucional de “crítica qualificada” e do “poder de remover por razões políticas o sujeito

passivo” (Rescigno, 1988, p. 1346).

Aquele sujeito activo deve exercer o referido poder de “crítica qualificada” sempre que no seu entender se

verifique a exigência política de contestar a actuação do sujeito passivo. Sendo assim, esta intervenção do sujeito activo

é guiada por “critérios de oportunidade política”.

O sujeito responsabilizador tem, deste modo, de ser um órgão político, com legitimidade constitucional para

poder impor obrigações e sanções ao sujeito responsável (Lomba, 2008a, p. 120).

3.º O objecto da responsabilidade política institucional

Já mais complexa se revela a delimitação do objecto deste tipo de responsabilidade.

Não estão pré-determinados e tipificados os factos que originam esta responsabilidade, ao contrário do que

acontece na responsabilidade jurídico-legal. No entanto, pode afirmar-se que esta assenta em actos ou omissões do

sujeito passivo considerados como censuráveis. Podendo estar em causa actos lícitos, mas que foram mal utilizados

pelos sujeitos políticos, ou até meras intenções, ao contrário do que acontece na responsabilidade penal.

Por outro lado, pode o sujeito passivo ser responsabilizado por factos alheios, ou seja, de terceiras pessoas a ele

ligadas por razões políticas.

A responsabilidade política institucional (sobretudo típica) apresenta-se, essencialmente, como uma

responsabilidade solidária (Canotilho, 1993, p. 26) ou colectiva, em contraste com o que acontece com responsabilidade

penal – nomeadamente, uma moção de censura leva à queda de todo o governo, porque é um órgão colegial e solidário

(Urbano, 2009, p. 199; Ségur, 1999, p. 1609).

4.º Procedimento da responsabilidade política institucional

Estão ainda delimitados os procedimentos através dos quais se efectiva a responsabilidade política institucional.

Assim, não se pode afirmar que não existem mecanismos específicos de apuramento da responsabilidade política

institucional.

Havendo, no entanto, autores, como Ségur, que sustentam que só a moção de censura constitui um procedimento

específico de apuramento deste tipo de responsabilidade. Esta opinião prende-se com a ideia de que é necessário

heteronomia para desencadear um procedimento de responsabilidade política, a qual representa uma característica

essencial desta mesma. Deste modo, defende Ségur que não pode o desencadeamento do procedimento de

responsabilidade política estar exclusivamente “nas mãos daqueles que nela incorrem”. Por esta razão, defende este

autor que a moção de confiança não pode ser considerada como um “verdadeiro mecanismo” de apuramento da

responsabilidade política – uma vez que cabe ao Governo a iniciativa de a apresentar ao Parlamento, ao que se junta o

seu carácter facultativo (Ségur, 1999, pp. 1618-1619).

5.º Sanções da responsabilidade política institucional

Finalmente, são ainda previsíveis as “consequências sancionatórias” deste tipo de responsabilidade política.

Para alguns autores, o objectivo último deste tipo de responsabilidade é a remoção do sujeito passivo, mas pode

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

10

acontecer que a sanção se limite a formas menos intensas de “censura”, como seja a diminuição da força política do

sujeito responsável (Modona, 1994, pp. 10-11).

Para quem admite que há outro tipo de sanções que não só a remoção directa dos sujeitos políticos responsáveis,

as interpelações parlamentares, a actividade e conclusões das comissões de inquérito (entre outras) podem ser usadas

como mecanismos de apuramento de responsabilidade política do governo perante o parlamento, podendo no caso de se

verificar uma situação de responsabilidade política levar a sanções menos intensas, como seja o enfraquecimento

progressivo da força política do governo – e até levar posteriormente a uma não reeleição.

Para alguns autores, a sanção tem de ter natureza jurídica e deste modo existe apenas um única sanção: a

remoção do sujeito responsável (Ségur, 1998, pp. 17 e 63).

Refere-nos Urbano que não terá de se verificar sempre essa remoção, sendo importante é que ela esteja prevista e

seja assim possível. Segundo esta autora autora para que se possa afirmar a existência de responsabilidade política não é

necessário a aprovação de uma moção de censura, existindo também responsabilização política quando aquela é

rejeitada. Do mesmo modo, pode falar-se em responsabilização política quando o próprio Governo apresenta uma

moção de confiança, seja esta aprovada ou rejeitada – posição com a qual concordarmos (Urbano, 2009, pp. 205-206).

II. Por último, refira-se que a responsabilidade política institucional típica tem vindo a perder importância, pois

tem sido cada vez mais raro o recurso ao mecanismo tradicional e principal da responsabilidade política – a moção de

censura.

Até porque a oposição entre poder legislativo e executivo tende a esbater-se, sobretudo quando o partido que

formou governo se apoia numa maioria absoluta dos assentos parlamentares da mesma cor. Neste caso, dificilmente, o

parlamento responsabilizará politicamente, “por acção”, o governo (Urbano, 2009, pp. 183 e 207).

2.2. Responsabilidade política difusa

Este tipo de responsabilidade consiste fundamentalmente numa forma de crítica que é dirigida a um sujeito que

exerce o poder político. Mais concretamente, a responsabilidade política difusa nasce “de um poder genérico de crítica

que sujeitos, mais ou menos determinados, têm no confronto com outros”, podendo, indirectamente, esta crítica

determinar “uma mudança no equilíbrio do poder político desfavorável para o sujeito responsável”, averiguada através

de um “mecanismo institucional” – as eleições (que têm um carácter intermitente ou periódico)6.

Relacionados com este tipo de responsabilidade estão a opinião pública e os meios de comunicação social. A

efectivação deste tipo de responsabilidade política depende quase sempre da pressão que é exercida pela opinião pública

sobre o sujeito político, podendo vir, se for muito intensa, a tornar insuportável para aquele a permanência no cargo que

ocupa (Nocilla, 1985, p. 567; Urbano, 2009, pp. 208 e ssg).

A efectivação de uma responsabilidade política difusa depende da existência de pressupostos como, por um lado,

a necessidade de estar garantida a liberdade de expressão dos cidadãos e a liberdade de imprensa e, por outro lado,

sendo necessário que exista uma vida política ordenada (maxime previsão de eleições livres e periódicas) (Rescigno,

1967, pp. 115-116; Urbano, 2009, p. 209).

Como o próprio nome indica, neste tipo de responsabilidade, ao contrário da institucional, tudo é difuso (García

Morillo, 1998, p. 88). Assim, o sujeito activo é indeterminado; não estão, também, pré-determinados os factos que

originam esta responsabilidade; a “crítica política” não está vinculada nem a exigências de forma, nem de tempo; e as

consequências são incertas, podendo nem ocorrer (Rescigno, 1967, pp. 121-122).

Afirma, também, Miranda que a responsabilidade política difusa pode realizar-se através da crítica dos

6 Citações de, respectivamente, Nocilla (1985, p. 567), e Rescigno (1967, pp. 117, 119, 123).

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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cidadãos; ou através das eleições, realizadas no final dos mandatos, maxime através da não reeleição7; ou através de

eleições para outros órgãos (por exemplo, de autarquias locais), com relevante significado político (Miranda, 2007, p.

79).8

Assim, pode referir-se que a não reeleição tem sido apontada como um mecanismo de responsabilização política

difusa. Mas a responsabilidade política difusa pode manifestar-se através de outros mecanismos, como é o caso da

“demissão voluntária” de um titular de um cargo político na sequência de pressões da opinião pública – incluindo da

comunicação social (Correia e Pinto, 2007, p. 799).

Uma responsabilidade política deste tipo, com o seu carácter vago e fluido não escapa à crítica que alguns

autores. Ségur, apesar de nunca se referir à categoria da responsabilidade política difusa, afirma que muitos analistas da

vida política e constitucional pretendiam ver consagradas como técnicas específicas da responsabilidade política a

“sanção eleitoral” e a “auto-sanção do executivo” – demissão voluntária na sequência de pressões políticas ou da

opinião pública9.

No entanto, o autor citado exclui tanto uma como outra do campo da responsabilidade política. A “sanção

eleitoral”, essencialmente, porque não permite descortinar “uma clara manifestação de vontade” – pois enquanto a

proposição de uma moção de censura é uma manifestação incontestável de desconfiança política, já as votações

populares (as eleições) não oferecem as mesmas garantias de clareza.10 Em termos jurídicos a não reeleição só se pode

analisar como uma “não recondução normal” nas funções. A “auto-sanção do executivo” porque lhe falta heteronomia

no desencadeamento do procedimento de responsabilidade política, a qual representa uma característica essencial desta

mesma. Ou seja, defende este autor que este procedimento deve ser provocado por uma entidade externa àquele que

incorre em responsabilidade política, e não ficar exclusivamente dependente daquele que nela incorre. Pelo que, a

“auto-sanção” não se pode enquadrar no âmbito da responsabilidade política (Ségur, 1998, pp. 74-85; 1999, pp. 1618-

1621).

2.3. Responsabilidade política institucional – livre

Este terceiro tipo de responsabilidade, dogmaticamente mais recente, surge de permeio entre o carácter mais

formal da responsabilidade política institucional, aproximando-se desta sobretudo no que respeita a uma maior

determinabilidade do sujeito activo, e os esquemas formalmente mais livres da responsabilidade política difusa,

aproximando-se desta sobretudo quanto ao procedimento.11

Esta consiste na formulação de um leque variado de críticas por parte de personalidades políticas influentes,

ampliadas pelos meios de comunicação de massa criando verdadeiras campanhas de deslegitimação política e nas

7 Referem-nos Correia e Pinto (2007, p. 799) que a derrota eleitoral poderia, aqui, ser entendida como uma sanção

pela má actuação política e, assim, uma consequência de responsabilidade política. 8 Correia e Pinto (2007, p. 800) fazem referência à chamada “sanção eleitoral indirecta”, que ocorre quando um titular

de um cargo político ao avaliar o resultado de uma eleição que não lhe diz directamente respeito – por exemplo,

eleições autárquicas – conclui, devido ao voto contrário dos eleitores, pela assunção de responsabilidades políticas e

demite-se.

Exemplificam, estes autores, com o caso em Portugal do Primeiro-Ministro António Guterres, quando após o desaire

eleitoral do Partido Socialista nas eleições autárquicas de 2001, apresenta a sua demissão, provocando a queda do

Governo, para evitar que o país caísse num “pântano democrático”. 9Acrescento nosso. 10 Citando Ségur (1999, p. 1620), “a escolha do corpo eleitoral não é claramente motivada e a afectação de valor

constitutivo da sanção política não pode ser conhecido de maneira incontestável”. 11 Quanto ao objecto consideramos que a responsabilidade política institucional-livre se aproxima tanto da

institucional como da difusa (pois em nenhuma delas se encontram pré-determinados os factos que originam a

responsabilidade política) quanto à sanção pensamos que nuns aspectos se aproxima mais da institucional e noutros da

difusa.

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

12

eventuais respostas políticas – que são dadas fora de um quadro constitucional oficial – que podem ser tidas como

sanções pelos partidos políticos (Urbano, 2009, p. 213; Modona, 1994, p. 14).

Parece-nos que este tipo de responsabilidade pode comportar perigos, pois ela fica dependente das motivações e

interesses da personalidade política, que poderá usar da sua influência para orquestrar uma campanha, porventura

infundada, contra um sujeito político, como por exemplo ser de um partido político diverso do que forma Governo e

pretender apenas a queda deste, independentemente de uma boa governação.

3. A responsabilidade política em Portugal

3.1. Forma de governo na CRP de 1976: “Regime misto parlamentar – presidencial”:

O “regime misto parlamentar-presidencial12” é a forma de governo13 adoptada pela Constituição da República

Portuguesa de 1976.

Sinteticamente os traços essenciais da forma de governo consagrada na CRP são os seguintes14:

Há uma eleição directa do Presidente da República através de sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos

(artigo 121.º da CRP), ao qual são atribuídos relevantes meios de intervenção política; a Constituição da República

Portuguesa estabelece a existência de um Governo, dirigido por um Primeiro-Ministro, como órgão de soberania

institucionalmente autónomo (artigo 110.º e 182.º CRP); e o Governo é responsável, simultaneamente, perante o

Presidente da República (que o nomeia e pode demitir) e perante o Parlamento (perante o qual tem de apresentar o seu

programa e que também o pode demitir) – artigo 190º da CRP. Este conceito de dupla responsabilidade política já foi

considerado o “verdadeiro ADN do sistema semipresidencialista” (Correia e Pinto, 2007, p. 848).

Deste modo, a nossa forma de governo não acolheu um puro sistema de governo presidencial e também se afasta

de um “sistema parlamentar puro”.15

3.2. Responsabilidade política institucional em Portugal16

Partimos, aqui, do pressuposto que também entre nós a responsabilidade política institucional continua a ser

tipicamente uma responsabilidade governamental e sobretudo colectiva. Tentaremos analisar, de seguida, além desta,

outras manifestações que podem ser – ou poderão vir a ser – consideradas de responsabilidade política institucional.

3.2.1. Responsabilidade política institucional do Governo perante o Parlamento

A Constituição Portuguesa, de 1976, prevê a responsabilidade do Governo perante o Parlamento (artigo 190.º e

artigo 191.º da CRP).

Neste âmbito, a nossa Constituição prevê o mecanismo tradicional e principal da responsabilidade política: a

moção de censura de iniciativa do Parlamento (artigo 194:º CRP). No mesmo texto constitucional prevê-se, também, a

moção de confiança de iniciativa do Governo (artigo 193.º da CRP) – para nós, embora não para todos, considerada

como um verdadeiro mecanismo de apuramento de responsabilidade política.17

12 Sobre os motivos da preferência para Canotilho e Moreira da fórmula “regime misto parlamentar – presidencial”,

em detrimento da fórmula “sistema de governo semi-presidencial”, para designar o sistema de governo previsto na

CRP, vide Canotilho e Moreira (1991, p. 12-18). 13 Citando Canotilho (2000, p. 557), “[d]efiniu-se já forma de governo como a posição jurídico-constitucional

recíproca dos vários órgãos de soberania e respectivas conexões e interdependências políticas, institucionais e

funcionais”. 14 Seguimos muito de perto a sistematização apresentada por Canotilho e Moreira (1991, pp. 9-11), e por Canotilho

(1993, pp. 23-24). 15 Para mais desenvolvimentos sobre a questão vide Canotilho e Moreira (1991, pp. 10-11), e Canotilho (1993, pp. 23-

24; 2000, pp. 567, 570, 585). 16 Neste ponto remetemos para a exposição que consta do ponto 2.1., a propósito da responsabilidade política

institucional, limitando-nos aqui a fazer uma referência ao enquadramento constitucional português da mesma. 17 Aqui remetemos para o ponto 2.1., onde já referimos que autores como Ségur (1999, pp. 1618-1619) porque lhes

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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Tanto a não aprovação de uma moção de confiança18 – por maioria simples dos deputados –, como a aprovação

de uma moção de censura – por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções – leva à demissão do

Governo (artigo 195.º, al. e) e f) da CRP). 19

Por outro lado, a aprovação de uma moção de rejeição do programa do Governo20, por maioria absoluta dos

Deputados em efectividade de funções, (artigo 192.º, n.º 4 e artigo 195.º, n.º 1, al. d) da CRP) determina a demissão do

Governo. Será possível descortinar aqui uma manifestação de responsabilidade política (institucional)?

Entendemos que a moção de rejeição tem por objecto, somente, o programa do Governo e não quaisquer actos

do Governo. Até porque, em rigor este ainda não iniciou, pelo menos de forma plena, a sua actuação. Pois, embora já

esteja em funções, até à “passagem” do programa tem poderes limitados aos “actos estritamente necessários à gestão

dos negócios públicos”, nos termos do artigo 186.º, n.º 5 da CRP. Assim, a aprovação de uma moção de rejeição de

programa representará uma manifestação de desacordo com o (conteúdo do) programa do Governo (Canotilho e

Moreira, 2010, p. 453).

Mas pensamos que já não será possível descortinar aqui uma manifestação de responsabilidade política do

Governo.21

3.2.2. Outras manifestações de responsabilidade política institucional

Pretendemos analisar de seguida, ainda que não exaustivamente, se é possível descortinar, ou equacionar para o

futuro, outras manifestações da responsabilidade política institucional (ou “institucionalizada”), entre nós, para além da

responsabilidade política institucional típica do Governo perante o Parlamento.

a) O Parlamento pode ser dissolvido antecipadamente pelo Presidente da República22 – nos termos do artigo

133.º, al. e) e artigo 172.º CRP. Este acto é da exclusiva competência do Presidente da República, gozando o Chefe de

Estado de uma grande margem de liberdade na dissolução da Assembleia da República, em comparação com o poder de

demitir o governo, sujeito a pressupostos muito exigentes. Este poder de dissolução da Assembleia da República é

considerado como o principal instrumento de intervenção institucional do Presidente da República (Canotilho e

Moreira, 2010, pp. 371-372).

A responsabilidade política dos parlamentares pode, deste modo, concretizar-se através da dissolução do

parlamento. Esta manifestação de responsabilidade política apresenta um carácter colectivo, sendo “institucionalizada”

quer em relação aos sujeitos, activos e passivos, quer em relação à sanção – remoção dos sujeitos responsabilizados

(Urbano, 2009, p. 221).

b) O Governo é, ainda, responsável perante o Presidente da República (artigo 190.º da CRP). Mas será esta

responsabilidade política do Governo uma responsabilidade política institucional?

Canotilho e Moreira defendem que a responsabilidade política do Governo perante o Presidente da República “é

uma responsabilidade imperfeita e difusa, pois não confere a este o poder de livremente demitir o Governo por razões

falta heteronomia no desencadeamento do procedimento de responsabilidade política não a consideram como um

“verdadeiro mecanismo” de apuramento da responsabilidade política. 18 Quando um Governo não disponha de maioria absoluta de apoio no Parlamento deve ponderar bem o uso deste

mecanismo, visto que o risco de insucesso e de consequente demissão é elevado (Correia e Pinto, 2007, p. 846). 19 Referindo Canotilho (1993, pp. 26-27, 29) que a responsabilidade do Governo perante a Assembleia é uma

responsabilidade solidária. 20 De frisar que o programa de Governo não é nunca votado e, portanto, nunca é aprovado pelo Parlamento. Pois, o

que pode ser eventualmente votado é a sua rejeição, isto é, uma moção de rejeição (Canotilho e Moreira, 2010, p. 452). 21 Em sentido diverso parece ir Miranda (2007, p. 81). 22 Este poder presidencial de dissolução do parlamento constitui um resquício do parlamentarismo dualista ou

orleanista.

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

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de desconfiança política”, tendo de respeitar os limites do n.º 2 do artigo 195.º da CRP – “[o] Presidente da República

só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições

democráticas”. Podendo, pois, o Presidente da República pedir contas ao Governo da sua actividade, “criticá-lo e

censurá-lo”, mas não podendo sancioná-lo com a demissão (Canotilho e Moreira, 1991, pp. 73-74; 2010, pp. 444 e 463).

De acordo com o estipulado no artigo 195.º, n.º 2 da CRP, concordamos que o poder do Presidente da República

demitir o Governo se apresenta como muito mais limitado do que aquele que tem quanto à dissolução do Parlamento,

afastando-se a hipótese de demissão por simples discordância política. O Chefe de Estado só pode promover a demissão

do Governo face à ocorrência de acontecimentos graves – com dimensão jurídica ou política – que se encontram ligados

ao comportamento do Governo. No entanto, é ao Presidente da República que compete, em exclusivo, avaliar se no caso

concreto a demissão é “necessária e constitucionalmente possível”.

Deste modo, quando essa demissão ocorra – admitindo, embora, que serão situações raras e de difícil verificação

– e fique a dever-se a acontecimentos políticos graves ligados a comportamentos do Governo, parece-nos que nessa

situação ainda será possível, salvo melhor opinião, descortinar uma manifestação de responsabilidade política

institucional do Governo perante o Presidente da República.

Desde logo, porque este poder – do Presidente da República poder demitir o Governo – está constitucionalmente

previsto e porque pelo menos os sujeitos, activos e passivos, encontram-se determinados e o mesmo se diga quanto à

sanção, que se apresenta na sua forma típica – demissão. Já quanto ao objecto este é mais difícil de determinar, não

estando, pois, pré-determinados os factos que originam a responsabilidade política, mas é isto que distingue este tipo de

responsabilidade da responsabilidade jurídico-penal.23

c) Já tivemos oportunidade de referir que a responsabilidade do governo face ao parlamento é em regra colegial e

solidária mas será que não devia estar consagrada a responsabilidade individual dos ministros perante o Parlamento?

Há, hoje, várias vozes, como a de Rossetto (2002, p. 167), que têm vindo a defender um “regresso” à

responsabilidade política individual dos ministros perante o Parlamento.24

Mencionamos, de seguida, uma experiência recente em Itália, demonstrativa da tendência individualizadora da

responsabilidade política dos ministros. Assim, em 19 de Outubro de 1995, o Senado italiano, aprovou uma moção de

censura individual contra Filippo Mancuso, Ministro da Justiça do Governo chefiado por Lamberto Dini, com base em

acusações de tentativa de constrangimentos à acção dos juízes responsáveis pela “Operação Mãos Limpas” (Correia e

Pinto, 2007, p. 826). O ministro em questão recusou demitir-se e recorreu ao Tribunal Constitucional italiano, defendo a

inexistência constitucional de moções de censura individuais. O Tribunal Constitucional veio a considerar tal prática

como constitucionalmente admissível. Tal caso provocou grande discussão na doutrina italiana. Em causa está a

interpretação do, dúbio, artigo 95.º, n.º 2 da Constituição Italiana, pois dele não resulta clara a expressa admissibilidade

da moção de censura individual (Correia e Pinto, 2007, p. 826; Lomba, 2008a, p. 115-119).

Em Portugal, não é constitucionalmente admitida a moção de censura individual, ou seja, dirigida a um só

ministro. No entanto, apesar da admissão desta figura poder vir suscitar alguns problemas (desde logo necessidade de

revisão constitucional) e da sua previsão expressa ser ainda pouco usual25, pensamos que a sua admissibilidade, entre

23 A este propósito, parecendo dar alguma sustentação à nossa posição, Miranda e Medeiros (2006, p. 383) referem

que a responsabilidade do Governo relativa ao Presidente da República é apenas institucional. Ainda, quanto à mesma

questão, Miranda (2007, p. 79) refere que a responsabilidade institucional é aquela que se verifica do Governo perante o

Parlamento ou perante o Presidente da República, conforme os diferentes sistemas políticos. 24 Disto mesmo nos dá conta Lomba (2008b, p. 642). 25 Segundo Correia e Pinto (2007, p. 826) podemos, no entanto, encontrar esta figura na Bélgica e na Dinamarca, para

além do caso recente (e controverso), já referido, ocorrido em Itália.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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nós, poderia vir revitalizar26 a própria responsabilidade política (institucional). Para além de que se a política do

Governo é prejudicada pela acção de um só ministro – “ministro dissidente” (Lomba, 2008a, pp. 118-119) – é este que

deve ser demitido e não todo o Governo (sendo até mais simples a demissão de um só ministro do que fazer cair um

Governo).

3.3. Responsabilidade política difusa em Portugal27

Na ausência de mecanismos que permitam a responsabilização política institucional de titulares dos cargos

políticos directamente eleitos, como o Presidente da República e os deputados – individualmente considerados,

excluindo assim a supra mencionada hipótese da dissolução do parlamento – (Canotilho e Moreira, 2010, p. 119;

Miranda, 2007, p. 79), tentaremos, de seguida, perceber se é possível descortinar mecanismos que permitam a sua

responsabilização política e individual, através de um modo difuso. Pela mesma razão, tentaremos, também, saber se é

possível responsabilizar politicamente, de modo difuso, os membros dos órgãos executivos, mais concretamente os

ministros.

a) Na ausência de mecanismos que permitam a responsabilidade política institucional do Presidente da República

resta o recurso à responsabilidade política difusa para tentar saber se é possível responsabilizá-lo politicamente. Este

tipo de responsabilidade pode, no limite, como já referimos supra28, manifestar-se através de dois mecanismos: a não

reeleição do Presidente da República ou a sua “demissão” por iniciativa própria na sequência de pressões da opinião

pública – incluindo os órgãos de comunicação social (Correia e Pinto, 2007, p. 857). 29

No primeiro caso, da não reeleição, a consequência negativa advirá para o Presidente da República da retirada

de confiança política por parte do eleitorado.

É verdade que se torna mais fácil operar com este mecanismo em relação ao Presidente da República do que com

o mesmo mecanismo em relação aos parlamentares (como veremos infra), devido ao facto de aquele ser eleito por um

sistema eleitoral maioritário – artigo 126.º da CRP.

No entanto, este mecanismo apresenta algumas limitações. Pois, ele só opera se o Presidente da República quiser

ou puder recandidatar-se (Correia e Pinto, 2007, p. 857). Por outro lado, refira-se que a mensagem eleitoral nunca se

apresenta muito explícita. A votação popular é demasiado ambígua para que se possa afirmar com toda a certeza que a

escolha eleitoral representa uma manifestação incontestável de desconfiança (responsabilização) política (Ségur, 1998,

pp. 79-80).

Já a renúncia do Presidente da República ao seu mandato – artigo 131.º da CRP – como reacção a pressões

populares, mais especificamente em relação ao descontentamento popular com a sua “performance” (Canotilho e

Moreira, 2010, p. 173), configura o segundo mecanismo enunciado.

A este mecanismo têm sido apontadas várias críticas. As “demissões voluntárias” podem levantar dúvidas

“insolúveis” de interpretação da vontade do titular (Lomba, 2008a, p. 131). Podendo a renúncia ao mandato ficar a

dever-se a razões extra-políticas, nomeadamente de ordem pessoal, onde não se vislumbra nenhuma assunção de

26 Refere-se Vandendriessche (2001, p. 64) à ideia de que a responsabilidade política individual dos ministros seria

uma forma de revalorizar (revitalizar) a função de controlo do parlamento. 27 Em Portugal, pelo menos desde 1976, não conhecemos nenhum episódio que se possamos enquadrar na figura da

responsabilidade política institucional-livre. 28 Ponto 2.2. deste ensaio. 29 Entendemos que o termo “demissão” – aqui utilizado por estes autores – quando respeita ao Presidente da

República não é juridicamente o mais correcto, sendo o mais correcto em nosso entender “renúncia ao mandato” –

artigo 131.º da CRP).

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

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responsabilidade política. Já para não dizer que para alguns autores, como já vimos30, a “auto-sanção” porque lhe falta

heteronomia do desencadeamento do procedimento de responsabilidade política não se enquadra no âmbito da

responsabilidade política (Ségur, 1999, pp. 1618-1619).31

Há apenas uma circunstância, para Correia e Pinto (2007, p. 857), em que dificilmente poderá o Presidente da

República evitar a exigência da sua “voluntária demissão”, porque é sua autoridade institucional que fica a partir daí

comprometida. Referem-se os autores à situação em que “o próprio Presidente da República empenha, expressa ou

tacitamente, a sua responsabilidade política a propósito de uma decisão ou de um acto concreto”, e depois o resultado

venha a verificar-se distinto do esperado por aquele. Apresentam os citados autores, como exemplo concreto, o caso

ocorrido em França, em 1969, com a demissão do Presidente Charles de Gaulle, logo após a rejeição em referendo da

sua proposta de reforma da organização territorial do Estado.32

b) Quanto aos parlamentares será possível responsabilizá-los individualmente e de modo difuso?

Pensamos que se houver mecanismos que permitam efectivar a responsabilidade política (difusa) do parlamentar

individual, serão também aqui a não reeleição ou a renúncia ao mandato33 motivada por pressões políticas.

Quanto à não reeleição – eventualmente o mais mediatizado, mas certamente o mais controverso quanto à sua

efectivação – refere-nos Urbano que são múltiplas as objecções à sua aceitação como mecanismo de responsabilidade

política dos parlamentares individuais.

Nomeadamente refere a autora que este mecanismo é muito difícil de operar num sistema eleitoral de

representação proporcional – artigo 149.º, n.º 1 da CRP –, não sendo muito provável que um eleitor penalize todo o seu

partido por causa de um parlamentar. Também refere a autora, na esteira de Ségur, que a mensagem eleitoral nunca é

muito explícita, não sendo possível descortinar “uma clara manifestação de vontade” (Urbano, 2009, pp. 213, 222-

224).34

Já quanto ao segundo mecanismo, a renúncia de um deputado ao mandato na sequência de pressões políticas

poderá configurar, pelo menos teoricamente, uma assunção de responsabilidade política individual (e, no caso, difusa).

Também aqui se podem apontar as críticas referidas supra (para as quais remetemos) para a renúncia do

Presidente da República ao mandato.35

c) Uma última e breve nota para referir que a apresentação da “demissão voluntária”36 por parte membros dos

30 Ponto 2.2. deste ensaio. 31 Embora Ségur (1999, pp. 1618-1619) se refira expressamente à “auto-sanção do executivo” consideramos

transponível para este plano. 32 Referem também Correia e Pinto (2007, p. 858) que em Portugal, quando em Dezembro de 2004, o Presidente

Jorge Sampaio decidiu dissolver antecipadamente a Assembleia da República (levando à queda do Governo), se

posteriormente nas eleições legislativas de 2005, os eleitores tivessem confirmado a maioria política então em funções,

em vez de ter dado lugar à alternativa política, como se verificou, a sua posição do Chefe de Estado teria ficado tão

fragilizada que, em princípio, levaria à sua própria “demissão”. 33 A figura da renúncia ao mandato está constitucionalmente prevista para os deputados – artigo 160.º, n.º 2 da CRP.

O que já não está constitucionalmente previsto entre nós é a figura da auto-dissolução parlamentar. Quanto a esta

última afirmação, vide Urbano (2009, p. 225), e Canotilho e Moreira (2010, p. 370). 34 Quanto à última afirmação, embora Ségur não se refira especificamente às eleições parlamentares considera a

autora citada, e nós também, que pode aquela ser transposta para esta realidade. Vide Urbano (2009, pp. 223), e Ségur

(1998, pp. 79-80). 35 Urbano (2009, p. 225) na tentativa de procurar mecanismos que permitam a responsabilidade política dos

parlamentares (individuais) faz uma “visita”, ainda, a outros mecanismos como o recall (ou revocação popular) e o

referendo legislativo abrogativo, contudo não temos, entre nós, consagrado nenhum dos dois. Para mais

desenvolvimentos sobre estes institutos, vide Urbano (1998, pp. 79-83, 90, 357). 36 Naturalmente que não se coloca a hipótese da não reeleição como mecanismo de responsabilidade política difusa

em relação aos ministros pois estes são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro, não

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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órgãos executivos, mais concretamente dos ministros, pode consubstanciar uma assunção de responsabilidade política

individual, ainda que difusa, quando derivada de pressões da opinião pública (incluindo os órgãos de comunicação

social).37

Há, no entanto, que analisar se a demissão do ministro é mesmo voluntária, podendo haver na “retaguarda” uma

intervenção de outro sujeito político perante o qual aquele responde (Lomba, 2008a, p. 131).

De resto, podemos, também aqui, apontar as mesmas críticas que apontámos supra.38

Estas formas de responsabilidade política difusa têm vindo a suscitar muitas dúvidas quanto à efectivação da

responsabilidade política dos supra referidos titulares de cargos políticos, o que certamente se fica a dever ao carácter

fluido e difuso deste tipo de responsabilidade.

Terminamos, na esteira de Urbano (2009, pp. 220-221), dizendo que a tentativa de alargar a responsabilidade

política a outros órgãos que não o governo, a par da necessidade de individualizar essa mesma responsabilidade, levou a

um alargamento do seu conceito, passando a apresentar “contornos tão fluídos” que chegam a pôr em causa a

“operatividade” da responsabilidade política, pelo menos saindo do âmbito da responsabilidade política

“institucionalizada”.

Conclusões

I. A doutrina italiana tem vindo a individualizar diversos tipos de responsabilidade política: a institucional, a

difusa e a institucional-livre (categoria dogmática mais recente).

Já a doutrina francesa (pelo menos a maioritária) continua a cingir a responsabilidade política à responsabilidade

governamental e sobretudo a uma responsabilidade política colegial do governo. Reduzindo, deste modo, a

responsabilidade política à designada de “institucional” pela doutrina italiana.

II. Na responsabilidade política institucional os sujeitos, activo e passivo, encontram-se previamente

determinados, sendo, também, possível delimitar o procedimento e prever a sanção deste tipo de responsabilidade

política, já quanto ao objecto não se configura de fácil delimitação, pois não estão pré-determinados os factos que

originam este tipo de responsabilidade, ao contrário da responsabilidade penal.

Este tipo de responsabilidade supra referida distingue-se da responsabilidade política difusa, pois nela, como o

nome indica, tudo é difuso.

III. Também em Portugal se verifica que a responsabilidade política institucional continua a ser sobretudo uma

responsabilidade governamental e colectiva.

Podemos vislumbrar outras manifestações da responsabilidade política institucional, como o poder de dissolução

do Parlamento pelo Presidente da República e também o poder deste demitir o Governo – embora tal entendimento não

seja unânime.

IV. Na ausência de mecanismos que permitam a responsabilidade política institucional do Presidente da

República, dos parlamentares individuais (para além da hipótese da dissolução do Parlamento) e dos ministros, resta

tentar saber se é possível responsabilizá-los pelo menos de um modo difuso.

Alguns mecanismos que poderiam permitir esta responsabilização política, como o da não reeleição (não se

aplicando este no caso dos ministros) e a “demissão voluntária”, encontram várias objecções no que respeita aceitá-los

sendo, pois, eleitos pelo povo – artigo 187.º da CRP. 37 Parece ter sido o que aconteceu, em Janeiro de 2008, quando o Ministro da Saúde, António Correia de Campos,

apresentou o pedido de demissão por considerar que a sua substituição imediata seria “um elemento indispensável para

restaurar a relação de confiança” entre cidadãos e o Serviço Nacional de Saúde, instituição a seu cargo. 38 Ver, deste modo, críticas apontadas, neste mesmo ponto, quanto à renúncia do Presidente da República ao mandato.

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Da Responsabilidade Política Institucional à Responsabilidade Política Difusa

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como mecanismos de responsabilização política. Pelo que não podemos concluir, de modo incontestável, que estes

mecanismos permitem operacionalizar a responsabilidade política, ainda que difusa, destes titulares dos cargos

políticos.

V. Concluímos referindo que, por um lado, a responsabilidade política difusa, como vimos, não oferece garantias

de efectivação da responsabilidade política, por outro lado, a responsabilidade política continua a ser, essencialmente,

uma responsabilidade institucional, governamental e colectiva.

Verificando-se, na prática, que poucas vezes se recorre à moção de censura, o que acaba, no fundo, por

contribuir para uma desresponsabilização dos actores políticos. Pelo que defendemos a necessidade de uma

revitalização deste tipo de responsabilidade, nomeadamente através da consagração da responsabilidade política

individual dos ministros perante o parlamento – recurso à figura moção de censura individual.

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA – D.R. I Série, 86 (76-04-10) 738-775.

Nota editorial: O presente artigo não se encontra sob as normas do Acordo Ortográfico.

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A Juventude Criminalizada Cristiane de Souza Reis1

Resumo

As crianças e os adolescentes passaram, em tempo recente na história, à elevação de categoria

para sujeitos de direitos. Com este novo estatuto, não possuem mais meras expectativas de direitos.

No entanto, entre estes jovens não são todos cidadãos com o mesmo nível, com as mesmas

possibilidades. Há aqueles que nem sequer são considerados cidadãos. A estes, o estigma social dá-

se por meio do processo de criminalização, no qual são muitas das vezes considerados como em

condição de pré-delinquência. Àqueles que o Estado não se ocupa socialmente, resta a outra

vertente estatal e repressora, que é o Estado Penal.

Neste sentido, o presente artigo pretende apontar para a seletividade do sistema tutelar, na

medida em que seleciona jovens de classes sociais menos favorecidas para a aplicação preferencial

da medida tutelar de internamento, considerando-as, a priori, como perigosas à sociedade.

Palavras-chave: delinquência juvenil, criminalização, seletividade, sistema tutelar.

The Criminalized Youth

Abstract

Children and teenagers have had a breakthrough, in recent history, rising to the category of

legal subjects. With this new status, they no longer have mere expectations of rights.

However, these young people are not yet citizens with the same status, with the same

opportunities. There are those who are not even considered as citizens. To these, the social stigma

occurs by the means of the process of criminalization, in which they are often considered as being

in a pre-delinquency condition. With those whom the Stare is not socially concerned, remains the

other state and repressive strand, the Criminal State.

In this sense, this article intends to highlight the selectivity of the tutelary system, to the

extent that it selects young people from lower social classes for the implementation of the

preferential safeguard measure of internment, considering them, first hand, as dangerous to society.

Keywords: juvenile delinquency, criminalization, selectivity, tutelary system.

1 A autora é Professora Auxiliar no Instituto Superior Bissaya Barreto – ISBB, Pós-Doutoranda no Centro de Estudos

Sociais – CES/UC, Doutora em Direito, Justiça e Cidadania – FDUC/FEUC- CES/Universidade de Coimbra, Mestre em

Ciências Criminais, contatos: [email protected] e [email protected]

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1. Introdução

As crianças e os adolescentes são sujeitos de direito e, em especial pelo seu estatuto e em razão de seu

desenvolvimento, possuem legislações próprias que regulam seus direitos e deveres, protegendo seus interesses, em

respeito, nomeadamente, ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Esta conceção, no entanto, é recente, pois nem sempre esse grupo etário foi assim visto. Eram compreendidos

como indivíduos em desenvolvimento, uma etapa transitória para a vida adulta, sendo, apenas, objetos do direito e não

sujeitos de direito. Foi a partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral nas

Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990 que esta conceção

alterou-se e coincidiu com a assunção de direitos e deveres às crianças e aos jovens. A partir daí, saiu-se da esfera do

menorismo, abandonando-se esta teoria, que acabava por tratar este grupo social e etário como “menor em situação

irregular” e também como “algo” que tinha apenas expectativas de direitos, na medida em que era visto apenas como

objeto de direito.

Neste sentido, a teoria do menorismo deve ser rechaçada e posta definitivamente de lado, apesar de a legislação

portuguesa ainda assim os tratar 2, na medida em que a criança e o adolescente, na qualidade de sujeito do Direito,

devem ser vistos como tais, isto é, como criança e adolescente, possuidores de direitos e deveres. Não se deve mais vê-

los como cidadãos do futuro, pois eles já são.

Na qualidade de sujeitos de direitos, as crianças e jovens em perigo social, possuem, atualmente, três diplomas

legais em Portugal que versam sobre a matéria: a Lei nº 133/99, de 28 de agosto, que alterou o Decreto-Lei nº 314/78,

de 27 de outubro, relacionada aos processos tutelares cíveis; a Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, intitulada Lei De

Proteção De Crianças E Jovens Em Perigo (LPCJ) e a Lei 166/99, de 14 de setembro, denominada Lei Tutelar

Educativa (LTE), todos de aplicação imediata e a partir de 1999. Temos, ainda, e já de aplicação anterior, o Decreto-lei

nº 401/82, de 23 de setembro, que prevê um regime especial aplicado aos jovens com idades entre os 16 e os 21 anos

que pratiquem factos qualificados pela lei penal como crime.

Conforme aduz Neves (2008, p. 16), a criança é vista, desde a Antiguidade, como seres puros e inocentes,

“designadamente pela falta de experiência social”, afirmando o autor que é desta conceção que surge a ideia de criança

como “ser vulnerável, dependente dos adultos e deles distinta pelas fronteiras impostas por um marcador claro: a

idade”.

Estas legislações mencionadas, em tese, pretendem proteger a criança e o adolescente da vulnerabilidade e do

risco social. No entanto, compreende-se que esta intenção seja apenas teórica, pois abarca, na sua maioria, um dos

substratos das camadas sociais, nomeadamente as menos favorecidas economicamente, o que nos leva ao entendimento

de que não é a vulnerabilidade social e o risco aos quais as crianças e os adolescentes estão expostos que interessam e

preocupam ao Estado, mas sim a vulnerabilidade social e o risco que este grupo, em especial para este trabalho, os

jovens infratores, impõe à própria sociedade. Neste mesmo sentido, compreende-se como Neves (2008, p. 17), ao

afirmar que as intervenções sobre as crianças têm a intenção primordial de evitar que a criança em perigo se torne

perigosa.

A vulnerabilidade social e o risco aos quais as crianças e os adolescentes estão expostos, que não são apenas

sofridas e experimentadas pelas classes menos favorecidas, são, na verdade, problemas políticos e de cidadania, que não

foram vistos e resolvidos por meio de políticas públicas eficazes, cabendo, desde logo afirmar que se compreende as

2 Vide, por exemplo, o artigo 17º da Lei Tutelar Educativa, “visa proporcionar ao menor...”. No entanto, esta

discussão ficará para momento mais oportuno (grifos nossos).

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A Juventude Criminalizada

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próprias medidas civis e administrativas, propostas pelas Leis n.º 133/99 e n.º 147/99 como medidas emergenciais de

solução para problemas sociais não resolvidos anteriormente, tendo por alvo a infância e a juventude pobre e

estigmatizada, que reforçava a exclusão social e a criminalização da pobreza.

O entendimento dominante é que este grupo social e etário, proveniente, em regra, de classes menos abastadas,

está em condição de pré-delinquência, na qual o Estado deve atuar para evitar que a potencialidade não se torne

concreta, levando em conta, normalmente, valores e padrões de uma família burguesa, onde tudo que está fora destes

paradigmas é inserto em uma denominação de “família desestruturada”. Assim, como afirma Cruz e Guareschi (2008),

“evidencia-se, assim, que o fator determinante que permitia incluir (ou excluir) estes jovens em certas medidas de

ressocialização era a origem socioeconómica de suas famílias”.

Para aqueles aos quais as medidas emergenciais de “proteção” não resolveram ou nunca foram delas

beneficiários, a delinquência é, segundo visão dominante, o caminho certo de ocorrer e medidas repressivas, em nome

da segurança, vulnerabilidade social e risco da sociedade acabam sendo implementadas, com a exclusão e o

encarceramento do jovem infrator.

O que se pretende demonstrar, neste artigo, é que as crianças e os jovens, nomeadamente, os de baixa condição

económica, são preferencialmente selecionados pelo sistema tutelar, sendo, desde já, estigmatizados e rotulados como

criminosos em potencial, estando já fortemente contra eles apontada a espada da Justiça.

Partimos da hipótese que as medidas tutelares de internamento são normal e preferencialmente aplicadas às

crianças e aos jovens, membros da sociedade civil incivil3, enquanto aos demais, que porventura sofram quaisquer das

situações legais previstas como ato infracional, estão enquadrados na esfera da cifra negra, sendo a situação resolvida

por outras instâncias.

Para demonstrarmos nosso objetivo, que é teórico, iremos visitar a literatura mais autorizada, como Figueiredo

Dias, Loic Wacquant, Alessandro Baratta, Boaventura de Sousa Santos, entre outros, tendo por base a análise das

legislações pertinentes, passando ainda por dados estatísticos coletados pelos órgãos fidedignos, percorrendo os

caminhos que a seguir trilhados.

2. A inimputabilidade em razão da idade e a delinquência juvenil

O artigo 19.º, do Código Penal (CP) determina que os maiores de 16 anos são imputáveis para efeitos de direito

penal, diferindo da maioridade civil, que se dá aos 18 anos.

Apesar de a Convenção sobre os Direitos da Criança determinar, em seu artigo 1º, que “nos termos da presente

Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a

maioridade mais cedo”. Assim, verificamos que o próprio dispositivo exceciona os casos em que a Lei estipular de

forma diversa. Este é o caso de Portugal. Para efeitos penais, a criança deixa de o ser mais cedo.

O inimputável em razão da idade, isto é, o menor de 16 anos, que vem a praticar um fato previsto na lei como

crime, não responde por tal e portanto não lhe é aplicada quaisquer das sanções criminais impostas abstratamente ao

fato que seria um delito, posto, como nos afirma Dias (2007, p. 594-595), o indivíduo ainda não atingiu a sua

“maturidade psíquica e espiritual”, tratando-se de uma questão de humanidade que deve permear todo o direito penal

material.

No entanto, tal situação não reveste de irresponsabilidade à criança, posto que medidas tutelares educativas

poderão ser aplicadas, com o condão, segundo seus fundamentos de política criminal, educacional. Apesar de discordar-

3 A frente far-se-á a distinção das sociedades civis na sua relação com o Estado, conforme entendimento de Santos

(2003, 2007).

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se desta finalidade, pois não se exclui a efetiva punição da medida, nomeadamente a de internamento, que acaba por

traduzir-se em grande semelhança à pena privativa de liberdade imposta aos jovens/adultos, aqui não se versará, posto

exceder aos seus limites.

Neste sentido, o entendimento dominante é o de que aquele que desvia da ordem estabelecida encontra-se na

esfera do desvio social, sendo este conceito, segundo Abreu et. alli (2010, p. 116), transdisciplinar, na medida em que

convoca diversos ramos das ciências sociais e humanas. Afirmam os autores que “a delinquência é uma forma de

desvio4”, que varia no tempo e no espaço e que insere a juvenil.

De acordo com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de

Beijing), adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução n.º 40/33, de 29 de novembro de 1985,

ficou designado que delinquente juvenil seria “qualquer criança ou jovem acusado de ter cometido um delito ou

considerado culpado de ter cometido um delito”.

Interessante observar nesta norma que a própria conceituação de o que é delinquência juvenil viola a regra de

presunção de inocência, posto que basta ser acusado para já ser delinquente e também há uma outra grave contradição

nesta conceção que é considerar como efetivo delito. Daí faz-se brevemente a pergunta. Se é inimputável, comete

delito?

Importa para nosso artigo o conceito de deviance de Howard Saul Becker na obra Outsiders5. Segundo este autor

(1997, p. 1), há dois tipos de desviantes: a) aquele que quebra as regras impostas pela sociedade e é visto por ela como

outsider, e em cuja pessoa não se pode confiar; b) aquele que criou a regra é também um desviante para o próprio

desviante, pois criou, uma regra injusta.

Dentro deste conceito de deviance, é a própria sociedade quem cria o desviante pois é ela quem cria as regras,

sendo igualmente consequência da própria reação social. O desvio é então uma construção social e a partir do momento

que o indivíduo é identificado como desviante, é gerado sobre ele um grave processo de estigmatização, que vai

engendrar posteriormente e reforçar o processo de criminalização, aqui interessando o jovem, que passará a ser visto

como delinquente juvenil.

3. As medidas legislativas que pretendem educar.

O objeto da Lei n.º 147/99 é a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo,

garantindo seu bem-estar e desenvolvimento integral, sendo válido para todas as crianças e jovens, residentes ou que

apenas se encontrem em Portugal, sendo importante definir, inicialmente, que, para efeitos desta Lei, criança é a pessoa

com idade até 18 anos e jovem é desta até os 21 anos. Entretanto, tendo em vista que este diploma legal visa medidas

intervencionistas de natureza cível, com exceção do artigo 82º6, assim como a Lei nº 133/99, de 28 de agosto, ambas

4 Vale a pena anotar que Queloz (1992, p. 11) entende o desvio como um fato de cultura e portanto como fenômeno

inexistente por natureza. Para o autor, desvio é a infração a uma norma penal. 5 A primeira edição da obra data de 1963. 6 Este dispositivo apenas determina que quando contra um jovem correm simultaneamente processo penal e processo de

promoção e proteção, este último será informado no primeiro. In verbis: Artigo 82.º - Jovem arguido em processo penal

. 1 - Quando relativamente a um mesmo jovem correrem simultaneamente processo de promoção e proteção e processo penal, a comissão de proteção ou o tribunal de família e menores remete à autoridade judiciária competente para o processo penal cópia da respetiva decisão,

podendo acrescentar as informações sobre a inserção familiar e sócio-profissional do jovem que considere adequadas.

2 - Os elementos referidos no número anterior são remetidos após a notificação ao jovem do despacho que designa dia para a audiência de julgamento, sendo-lhes correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 369.º n.º 1, 370.º n.º 3, e 371.º n.º 2, do Código de Processo Penal.

3 - Quando o jovem seja preso preventivamente, os elementos constantes do n.º 1 podem ser remetidos a todo o tempo, a solicitação deste

ou do defensor, ou com o seu consentimento. 4 - As autoridades judiciárias participam às entidades competentes em matéria de promoção dos direitos e proteção as situações de

jovens arguidos em processo penal que se encontrem em perigo, remetendo-lhes os elementos de que disponham e que se mostrem relevantes para a

apreciação da situação, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º

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A Juventude Criminalizada

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não serão tratadas no presente artigo.

Interessa-nos, aqui, a Lei n.º 166/99, de 14 de setembro (Lei Tutelar Educativa - LTE), posto que regula a prática

de fato punível como crime por inimputável, com idade compreendida entre os 12 a 16 anos7, recebendo, em caso de

decisão judicial, medida tutelar educativa, que pode estender-se até o jovem completar 21 anos de idade, momento em

que cessa a obrigatoriedade punitiva.

A finalidade da medida tutelar educativa, de acordo com o artigo 2º, é a “educação do menor para o direito e a

sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade”. São, no processo tutelar, discutidas a ilicitude

e/ou a culpa, sendo ambas levadas em conta para avaliação da necessidade e da espécie de medida.

Interessante observar que quando a LTE foi publicada, a mesma foi amplamente criticada pelo seu

conservadorismo, tecnicismo e por ser fortemente repressora, conforme nos indica Duarte-Fonseca (2005, p. 384),

sendo depois considerada no sentido diametralmente inverso, cogitada como “muito permissiva relativamente à

agressividade da conduta de menores inimputáveis”8.

Mais interessante observar ainda é que entre um entendimento e outro, surgiu no ano de 2000 uma ampla

veiculação de notícias acerca de conflitos ocorridos na Grande Lisboa, envolvendo jovens delinquentes, entre os quais

menores. A vítima era uma figura pública. Assim, no seguimento “da crescente intolerância manifestada relativamente a

minorias étnicas e imigrantes, a opinião geral parecia convergir na urgência de medidas de combate contra a

delinquência juvenil” (Duarte-Fonseca, 2005, p. 386).

Podemos verificar a presença do chamado Direito Penal Simbólico, que vem a reforçar a finalidade preventiva

geral negativa da punição, na medida em que o Estado, para acalmar o clamor social, acaba por intensificar ainda mais

as normas punitivas, normas estas que sistematicamente recaem apenas sob certos setores sociais.

As medidas tutelares, com rol exaustivo, são classificadas em institucionais e não institucionais, sendo a primeira

o internamento em centro educativo, podendo ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto; e a segunda,

possui lista mais extensa, consistindo na a) admoestação; b) privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter

permissão para conduzir ciclomotores; c) reparação ao ofendido; d) realização de prestações económicas ou de tarefas a

favor da comunidade; e) imposição de regras de conduta; f) imposição de obrigações; g) frequência de programas

formativos, e; h) acompanhamento educativo (artigo 4º , da LTE).

O tribunal, para escolher uma das medidas a ser aplicada, levará em conta a mais adequada e suficiente, devendo

representar menor intervenção na vida da criança e do jovem e ainda ser suscetível de maior adesão dos representantes

legais, sendo sempre, de acordo com a lei, orientada pelo interesse daqueles.

No caso da medida de internamento, a mesma, segundo disposição legal prevista no artigo 17º da LTE, in verbis:

“visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de

programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conforme ao direito e a aquisição de recursos

que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável”.

Fica muito claro, por meio deste dispositivo, em especial nos dois últimos objetivos da medida, a conformação

com o discurso da “lei e ordem”, que reforça toda a violência da estrutura do sistema.

A medida de internamento em centros educacionais (artigos 143º e seguintes da LTE) pode ser determinada nas

7A razão de ser da tutela até, em regra, aos 16 anos, prende-se ao fato de o artigo 19.º, do Código Penal (CP) determinar

que está é a idade para alcançar a maioridade penal, que difere da maioridade civil, que ocorre aos 18 anos. 8 Segundo o autor, ambas versões acerca da popularidade da LTE foi publicada em jornal, sendo a primeira no

Público, nos dias 20 de maio de 1999, 16, 20 e 29 de junho de 1999, e a segunda no O Comércio do Porto, em 18 de

agosto de 2001.

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seguintes situações:

antes da audiência de julgamento na qual se averigua a autoria de fato praticado previsto como crime, tendo

sido aplicada medida cautelar de guarda e medida de detenção (artigo 146º, da LTE);

internamento para realização de perícia sobre a personalidade (artigo 147º, da LTE);

quando determinada por decisão judicial (artigo 4º, 17 e seguintes, da LTE);

quando haja incumprimento da medida não institucional, caso em que ocorre o internamento em fins de

semana (artigo 148º, da LTE).

A medida de internamento obedece a alguns princípios, estipulados nos artigos 159º e seguintes da LTE, tendo

em conta a: a) socialização, que se espera reduzir os efeitos perversos da vida interna, com possíveis danos ao jovem e

aos familiares; b) escolaridade, tendo a criança e o adolescente a obrigação de prosseguir ou regressar aos estudos, que

pode ser em estabelecimento externo ou interno, conforme o regime aplicado; c) orientação vocacional e formação

profissional e laboral, que pode ser em estabelecimento externo ou interno, conforme o regime aplicado.

Para cada interno é elaborado um Projeto de Intervenção Educativa (PIE), que compreende um documento no

qual se assenta em uma programação educativa, formativa, terapêutica e ocupacional a cada jovem, que se dá por fases

e de modo progressivo, num sistema de castigo e recompensas, para além da elaboração de um Projeto Educativo

Pessoal (PEP), que consiste num conjunto de atividades específicas voltadas à modificação do comportamento do

jovem, tido como delituoso, e sua “condução para um modo de vida social e juridicamente responsável9”. Para a

efetivação deste programa, cada Centro Educativo promove parcerias com diversas instituições e entidades da sociedade

como, por exemplo, com centros de saúde e hospitais, escolas e universidades, centro de emprego, associações

recreativas e culturais, órgãos policiais, Juntas de Freguesia e outras10.

Neves (2008, p. 24-26) traz-nos a diferenciação entre um modelo de proteção e um modelo de justiça, criticando

o primeiro, nomeadamente em três pontos: a) no processo, tendo o juiz um papel fortemente discricionário, tendo as

medidas duração ilimitada e não sendo asseguradas as devidas garantias aos jovens; b) o jovem é compreendido como

objeto a se proteger, mas também é visto como vítima da sociedade. Segundo Neves (2008, p. 25), “ é a aplicação

conjunta destas duas lógicas que legitima a não distinção entre os menores delinquentes e menores em risco e a

substituição das famílias pelo Estado”. E como terceiro ponto é a “ausência de incriminação da delinquência juvenil e à

criminalização da pobreza” (…), sendo, as medidas protetoras “insuficientes para a satisfação das exigências de

segurança da comunidade”. Dias (2007, p. 597) afirma que o modelo de proteção

“via o facto ilícito praticado pelo menor como uma patologia social, reveladora de um menor necessitado de

auxílio (…) por isso a situação do menor delinquente seria comparável a do menor em risco, devendo a

assistência prestada a ambos ser tendencialmente igual e visar a sua integração social”.

Em prol do modelo de justiça afirma-se que não é por meio da justiça que se resolve problemas sociais. Este

modelo, segundo Neves (2008, p. 26), aproxima-se do direito penal dos adultos, que tem, de acordo com o autor, o

prejuízo de ter o caráter retributivo e punitivo das medidas em detrimento do caráter ressocializador11, mas possui a

vantagem de ter as garantias processuais. Assim, os princípios orientadores da LTE, segundo Agra e Castro (citado em

Neves, 2008, p. 33), são o da intervenção mínima e o da tipicidade, garantindo ao jovem as garantias processuais.

9 Informação contida no site http://www.reinsercaosocial.mj.pt/web/rs/jovens/medidas/intervencao, com acesso em

09 de julho de 2010. 10 Informação retirada do site http://www.reinsercaosocial.mj.pt/web/rs/jovens/medidas/parcerias, com acesso em 09

de julho de 2010. 11 O aspeto das finalidades da punição não tem lugar aqui neste artigo.

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A Juventude Criminalizada

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Vamos, então, para outro extremo. Neste sentido, Dias (2007, p. 597) afirma que há uma clara distinção entre o

menor em perigo e o menor delinquente, optando-se pela submissão deste ao sistema penal. Neste sentido, entende o

autor que a LPCJP constitui um tercius genius, na medida em que não é mais um modelo de proteção e não se aproxima

de um modelo de justiça. A ideia é responsabilizar e educar.

Neves (2008, p. 32) cita Moura, aduzindo que a LTE é tutelar por garantir a proteção da criança e do jovem a

cargo do Estado e é também educativo, no sentido de que pretende adequar o jovem dentro dos parâmetros de respeito

às normas vigentes.

Após breve análise das medidas tutelares, devemos verificar a quem as mesmas são destinadas. Deste modo,

necessário se fará trazer à colação as noções basilares de cidadania para após relacioná-la com a Teoria do labelling

approach, preconizada pelo pensamento da Criminologia Crítica, para compreendermos os mecanismos de

criminalização, nomeadamente aqui em relação à juventude.

4. São todos os jovens considerados cidadãos?

Para analisarmos os mecanismos da criminalização, devemos pensar, em primeiro lugar, na relação entre o

Estado e a sociedade civil, posto que necessitamos determinar quem são os cidadãos efetivos.

Neste sentido, Santos (2003, p. 25) informa-nos acerca da existência de três tipos de sociedade civil, a saber:

sociedade civil íntima, sociedade civil estranha e sociedade civil incivil. A primeira é aquela onde são membros

possuem estreita relação com o Estado, encontrando-se plenamente incluídos, constituindo a esfera de “comunidade

dominante que mantém vínculos estreitos com o mercado e com as forças económicas que o governam”. A sociedade

civil estranha está num nível intermediário, havendo um misto de inclusão e exclusão social, sendo esta amenizada e

reversível. Já os membros da sociedade civil incivil são aqueles que se encontram mais afastados da esfera de

intimidade com o Estado, constituindo o grupo de excluídos e invisibilizados socialmente, sofrendo as formas de

fascismo social12, em quaisquer de suas esferas.

O Estado, ao não prover direitos básicos a todos os cidadãos, situação esta acirrada pelos ideais neoliberais,

fomentado por interesses transnacionais, reservou aos setores marginalizados, transformados em uma subclasse de

excluídos13 em razão do pré e pós-contratualismo, o seu braço forte: o Estado penal e repressor. Este grupo social de

excluídos passam a ser considerados como classe perigosa (Hobsbawm, 2002), advindo da própria incapacidade estatal

de absorver e garantir os direitos que os membros da sociedade possuem, como o direito ao emprego, ao trabalho, ao

lazer.

Neste sentido já nos afirma Loic Wacquant (2004, p. 4) ao aduzir que

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um "mais Estado" policial e

penitenciário o "menos Estado" econômico e social que é a propria causa da escalada generalizada da

insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo.

12 Nesta perspetiva, Santos (2003, p. 21-24) nos informa haver atualmente quatro formas de fascismo social, que o autor

denomina de fascismo do apartheid social; fascismo para-estatal (possui duas vertentes: fascismo contratual e fascismo

territorial); fascismo da insegurança; fascismo financeiro. Com base nesta identificação de fascismo social, é na

primeira forma de fascismo identificada que se encontram os jovens de classes desfavorecidas e que acabam sendo

rotulados como potenciais infratores, vindo a receber, conforme o caso, medidas de internação/internamento.

13 Para esta subclasse, o trabalho já não é opção de inclusão no status de cidadania, mas apenas de exploração. Santos

(2003, pp. 19-20) cita Wilson que define seis características principais que correspondem a esta subclasse e inclui

como um dos pontos a tendência criminosa. Concordamos com todos os cinco itens anteriores, mas discordamos deste,

posto que não há tendência ao cometimento de crime quando às vezes esta é a única solução que lhes resta, não

olvidando que não é apenas a subclasse, para utilizar a nomenclatura aqui trabalhada que ingressa na carreira criminosa.

Há outra que tem opção, que são totalmente ou parcialmente incluídos e que cometem crimes muito mais severos e

danosos à sociedade.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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O Estado atende às necessidades daqueles que são incluídos no contrato social, mas reservam o braço repressivo

àqueles que não são, devido à sua própria “incapacidade14” de inclusão, passando a causar, assim, ameaças à ordem, à

paz, chegando a ameaçar o próprio progresso (Neves, 2008, p. 16). Estas duas linhas se enfrentam. Uma para manter

seu status e a outra para sair da mesma, para ingressar na outra (Santos, 2007).

Neste sentido, a conceção dominante entende que os jovens provenientes da sociedade civil incivil e portanto

membros excluídos do contrato social hegemónico, devem ser ocupados para tornarem-se trabalhadores e úteis, sob

pena de engrossarem as fileiras prisionais, derivando este entendimento da lógica pós-colonialista e neoliberal de que a

pobreza assume um carácter de inutilidade social, devendo-os perfilar ao trabalho dentro do modelo capitalista, pois, em

contrário, somente resta a criminalização desta mesma pobreza.

Como o sistema neoliberal gira em torno das formas de produção, onde o trabalho constitui-se, assim, como

mercadoria e o indivíduo sofre um processo de coisificação, podemos compreender que aquele tem sua experiência

quase que coincidente com sua expectativa, no sentido de possuir condições inerentes à obtenção de um bom emprego e

boa posição social, é tido a priori como honesto e a ele é reconhecido o status de cidadão. Já aquele que onde a quase

coincidência entre experiências e expectativas o afastam desta condição são considerados mortos civis a quem o Estado

deve “salvar” da iminência de criminalidade, que lhes é quase consequência natural de sua condição social, que aqui

não se refere apenas a económica, mas como já afirmado, à sua posição política-ideológica, étnica, sexual, racial, de

género.

Devemos ter em conta que a própria violência praticada por jovens provenientes da sociedade civil íntima,

algumas vezes, da estranha, recaem em outras formas de solução, que não o internamento, o que vem a reforçar o

entendimento de uma situação social fortemente excludente.

Neste sentido, Baratta (1999, p. 165) aduz que

o direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes e a imunizar do processo de

criminalização comportamentos socialmente danosos típicos de indivíduos a elas pertencentes e ligados

funcionalmente à existência da acumulação capitalista e tende a dirigir o processo de criminalização,

principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas. (…) As maiores chances de ser

selecionado para fazer parte da “população criminosa” aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos

da escala social. A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta de qualificação

profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes

aos níveis mais baixos, e que na criminologia positivista e em boa parte da criminologia liberal contemporânea

são indicados como causas da criminalidade, revelam ser, antes, conotações sobre a base das quais o status de

criminoso é atribuído.

Assim, os jovens, membros da sociedade civil incivil, são considerados potencialmente perigosos, constituindo

a conduta delituosa uma condição e não um acontecimento, seguindo o raciocínio de Santos (2009) , não sendo

considerados, portanto, cidadãos.

Na medida em que não são considerados cidadãos, são também permitidas todas as formas de repressão, posto

que seu estereótipo de criminoso já se encontra delineado e demarcado. O jovem pobre que não é, provavelmente tem

tendência ao crime, segundo o entendimento dominante e portanto é perigoso à sociedade, que de antemão deve temê-lo

e tomar as medidas necessárias à manutenção do mesmo não só na classe social ao qual pertence como também já

selecioná-lo para as fileiras do sistema tutelar/prisional.

14 Afirma-se haver uma “incapacidade” estatal apenas de forma ilustrativa, posto compreende-se que o sistema age da

forma correta para sua manutenção de desequilíbrio social, que é inerente à própria perpetuação do sistema de

classes e da distribuição de riquezas, na forma como a mesma ocorre.

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A Juventude Criminalizada

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5. A seletividade do Direito Penal também alcança os jovens.

Na esteira do pensamento da teoria do labelling approach, surge a vertente da Criminologia Crítica, com clara

aspiração marxista, que aponta a criminalidade como sendo desigualmente distribuída “conforme a hierarquia dos

interesses fixada no sistema sócio-económico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos” (Baratta, 1999, p.

161), negando o autor a própria ideia de igualdade do direito penal, posto que o mesmo não defende os interesses de

toda a sociedade e nem todos os bens essenciais, e quando o faz, aplica-se de forma diferenciada e seletiva, sendo, na

verdade, “um direito desigual por excelência15” (Andrade, 1995, p. 32).

Não foi por acaso que a própria pena privativa de liberdade surgiu com a sociedade capitalista, por ocasião do

fim do sistema feudal que, com seu efeito seletivo e estigmatizador, acentua e fixa aquele setor social na posição em

que se encontram.

Os clientes do sistema penal são uma resultante do próprio processo de estigmatização social. Os pobres são

preferencialmente estes clientes “não porque tenham uma maior tendência para delinquir, mas precisamente porque tem

maiores chances de serem criminalizados e etiquetados como criminosos” (Andrade, 2003, p. 32).

Neste sentido, a pena privativa de liberdade, por não cumprir sua função preventiva, acaba por ser uma violência

estatal e institucional, mais grave ainda na medida em que, apesar de a igualdade perante a lei ser uma das garantias de

direito fundamental, ainda assim é clara a seletividade inerente ao próprio sistema penal.

As próprias instâncias estatais do Poder Judiciário e órgãos da administração e controle penal, acabam por

reforçar esta característica de seletividade, privilegiando-se grupos em detrimentos de outros.

Como acima já mencionamos, os jovens provenientes de classes desfavorecidas tendem a ser os clientes

preferenciais do sistema, aqui sendo os destinatários comuns das medidas tutelares de internamento, sendo claro que

estas medidas não servem e nem intencionam a ressocialização, antes pelo contrário. Apesar de Figueiredo Dias tratar

da pena de prisão no enxerto a seguir, aproveita-se o Ilustre entendimento em relação às medidas de internamento, na

medida em que privam a liberdade e que no mesmo sentido que as prisões, são seletivas e elegem os seus clientes.

Neves (2008, p. 33-34) afirma-nos que após a entrada em vigor das Leis n.º 147/99 e n.º 166/99, houve uma

diminuição para menos da metade do número de menores internados em instituições tutelares, mas, no entanto, houve

um aumento dos jovens internados em razão do cometimento de fatos puníveis como crimes, concluindo Agra e Castro

(citado em Neves, 2008, p. 34) que a

intervenção junto aos menores delinquentes parece estar a configurar-se de acordo com uma dupla tendência:

um tratamento célere dos casos menos graves, seja pelo arquivamento seja pela aplicação de admoestações, e

um endurecimento do tratamento dos casos mais graves.

Neste processo, a sociedade passa a temer os jovens que não se enquadram no sistema de “lei e ordem”, onde o

simples ser já potencializa o perigo e cria a insegurança na população, que passa a temer os jovens sem emprego, os

jovens que não possuem condições de ascensão social, na medida em que a própria sociedade, pelas condições que o

impõe, limita-os. Cria-se a cultura do medo. O medo de que estes jovens delinquentes ao menos em potencial pela

simples razão de pertencerem ao grupo que pertencem, rompam as barreiras à força, que cruzem as linhas abissais que

os separam.

Vivemos numa sociedade que sistematicamente encarcera seus jovens, que já não são mais crianças para o

sistema penal, jovens estes, em regra de origem pobre. As medidas tutelares de internamento acabam por reforçar a

exclusão social que estes já sofrem, passando mesmo a ser um problema cultural da própria sociedade. É a

15 Para saber mais acerca da desigualdade do Direito, ver Baratta (1999, pp. 162 e segs),.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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criminalização da juventude pobre de modo culturalmente enraizado.

6. Reflexões

Não se fará aqui uma conclusão e nem se quer chamar-se-á de reflexões finais, na medida em que o presente

artigo advém de ilações iniciais de investigação no âmbito do pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais da

Universidade de Coimbra (CES/UC).

No entanto, conseguiu-se demonstrar, ainda que de forma breve, como o conceito de desviante, decorrente da

conceção de estereotipação do outro, que se dá pelo processo de rotulagem e definição que a própria sociedade define

como sendo desviante.

Nesta medida o delinquente juvenil é o diferente, que é considerado como inimigo e contra o qual são impostas

as mais severas formas punitivas e que se distingue por pertencer a um grupo social que tendencialmente é selecionado

para as formas de medidas tutelares de internamento, caracterizando-se, segundo Laborinho Lúcio (2001, p. 17), pelo

seu “fim retributivo na linha do qual ao mal praticado pelo criminoso há de responder-se com um outro mal a sofrer por

ele”.

Na verdade, o que temos é um direito penal para um adulto em miniatura, onde, do mesmo modo em que os

adultos, pois a lógica é a mesma, posto que ambos, jovens e adultos pertencentes à esfera da sociedade civil incivil

sofrem com o processo da criminalização, que buscam encarcerar aqueles que podem por em risco os já poucos bens

circulantes, confirmando claramente haver uma criminalização da juventude pobre.

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A Juventude Criminalizada

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Nota editorial: O presente artigo encontra-se sob as normas do Acordo Ortográfico.

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A “Recente” Criminalização Da Violência Doméstica. Que Rumo? Sara Leitão Moreira1

Resumo

A violência doméstica é um flagelo societário que transcende quaisquer fronteiras, não escolhendo idades,

estratos sociais, nacionalidades ou géneros. Sabemos que este tipo de crime, que compreende qualquer tipo de violência

perpetrada no seio dito doméstico, não se confinando, no entanto, às quatro paredes da morada de família, pode

consubstanciar uma das formas mais atrozes de violência contra qualquer ser humano, uma vez que é levada a cabo por

alguém em quem supostamente foi depositada especial confiança. Os laços afectivos existentes deviam contribuir para a

edificação de uma estrutura inabalável e constitucionalmente consagrada, a Família. Contudo, tal como Strauss e Gelles

referem, “é mais provável que um indivíduo venha a ser fisicamente agredido, espancado e morto na sua própria casa e

pelas mãos de um ente querido, do que em qualquer outro lugar”2.

O legislador português nem sempre considerou a violência levada a cabo no seio familiar como algo passível de

ser criminalizado, pois outrora existia aquilo que era considerado como um direito de correcção, passível de ser

exercido pelo paterfamilias sobre todos aqueles que se encontravam sob a sua alçada. Felizmente o direito é permeável

às mudanças da sociedade, o que no caso da violência dita doméstica foi um enorme passo em frente, fazendo com que

o ius corrigendi outrora existente fosse postergado, e os maus-tratos no seio doméstico considerados como algo

inaceitável, passíveis de responsabilização criminal.

O que nos propomos a fazer ora é uma apreciação crítica do artigo 152.º do Código Penal que, não obstante

consubstanciar indubitavelmente um passo em frente, ainda padece de algumas enfermidades e curiosidades que

necessitam de esclarecimento. Para tanto, analisaremos a doutrina já produzida, olhando igualmente, mas de uma forma

muito sumária, para e as tendências repressivas em outros países, que ao invés de criminalizarem a violência doméstica,

criminalizam a violência de género, para tentarmos chegar à conclusão se o que hoje se encontra legalmente previsto, se

adequa à nossa realidade.

Palavras-chave: Violência doméstica; crime; sociedade; repressão; violência de género.

The Recent Criminalization of Domestic Violence – What Direction?

Abstract:

Domestic violence is a social menace that trespasses every border, which does not choose age, social class, nationality

nor gender. We are aware that this type of crime, which includes any type of violence undertaken within the domestic

hold, and which is not confined to the four walls of the household, may be considered as one of the worst types of

violence against any human being, due to the fact that it is practiced by someone in which the victim trust. The bonds

that exist should contribute to the constitutional provision of the Family, however, as Strauss and Gelles state “you are

more likely to be physically assaulted, beaten, and killed in your own home at the hands of a loved one than anyplace

else, or by anyone else in our society”3.

1 Pós-graduada em Direito Penal Económico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre

em Direito Penal pela Universidade de Coimbra; Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de

Coimbra; Assistente Convidada no Instituto Superior Bissaya Barreto; Assistente Convidada no Instituto Superior de

Contabilidade e Administração de Coimbra. 2 Gelles, Richard and Straus, Murray A.. Intimate Violence. The Causes and Consequences of Abuse in the American

Family. Simon & Schuster Inc., 1988, p. 18 (tradução livre pela autora)

3 Gelles, Richard and Straus, Murray A.. ob cit idem, p. 18

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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The Portuguese legislator did not always consider that the violence perpetrated within the domestic household was

something that was to be considered as criminal material, for once upon a time there was the right to correct those who

were under the wing of the paterfamilias. Gladly, Law is sensitive to the shifts in our society, and in the specific case of

domestic violence, it was a huge step forward, demoting the once existing ius corrigendi, being the maltreatment

undertaken within the household considered as something unacceptable and the perpetrators of that type of behaviour

criminally liable.

What we propose now is a critical assessment of Article 152.º of the Penal Code which, nonetheless being a

undoubtable step forward, still has some details that need to be cleared. To do so we will analyze Portuguese doctrine,

looking as well, although in a very summarized way, at the repressive tendencies in other countries who instead of

criminalizing domestic violence, chose the path of gender violence, in order to try to come to the conclusion if what we

have inscribed in our legislation is appropriate for our reality.

Keywords: Domestic violence; crime; society; repression; gender violence.

1. Introdução

A sociedade em que vivemos hoje é considerável e diametralmente diferente daquela com que Portugal se

deparava há umas não tão longínquas décadas atrás. As constantes mudanças a que a sociedade está sujeita são fruto da

natureza constituenda do homem. O homem é um ser insatisfeito, que ao passo que caminha para a socialização, tende a

afastar-se dessa mesma socialização. Digamos que nos é intrínseca uma insociável sociabilidade4. Tal é,

necessariamente, uma das dimensões humanas mais importantes e com inegável importância para a evolução da

sociedade em que vivemos. É-nos, assim, evidente que a sociedade está inteiramente dependente da história, do carácter

não finito do homem e da realidade em que o mesmo se insere. O homem e, por conseguinte, a sociedade, encontram-se

num eterno estado de devir.

Precisamente devido às constantes mudanças da sociedade, o legislador, de um modo geral, tem de adaptar o

produto legiferante à realidade que lhe é quotidiana. No seio do direito penal assistimos constantemente a esta

permeabilidade, designadamente através da descriminalização, da despenalização, ou mesmo no sentido inverso, através

da criminalização de certos comportamentos. Isto é, o que outrora era considerado como jurídico-penalmente relevante

pode deixar de o ser, bem como o contrário, tanto devido a incapacidade de previsão diacrónica, como sincrónica, do

legislador, não resistindo a actividade deste aos imensos testes do tempo5. No entanto, nem sempre o legislador

consegue obter a solução óptima almejada, pois a evolução legislativa nem sempre se revela como sendo de facto

“evolutiva”. Tal pode revelar-se, nomeadamente, na inoperabilidade de certas previsões legais ou pela sua parca

aplicabilidade prática.

Ora, o que vamos tentar descortinar com o presente trabalho é precisamente se a “evolução” do legislador, no

sentido de autonomizar a violência doméstica face ao espólio criminal já existente aquando da sua entrada em vigor, foi

de facto necessária, ou se outro caminho poderia ter-se revelado mais harmónico. Não nos arrogamos detentores de uma

verdade incontestável, mas de qualquer modo, consideramos pertinente uma análise minimamente minuciosa do artigo

152.º do Código Penal (doravante CP) para aferirmos se esta inclusão, na nossa singela opinião, foi a mais conveniente,

ou se poderíamos, por exemplo, ter seguido o exemplo espanhol ou brasileiro, no sentido da criminalização da violência

4 Bronze, José Fernando, Lições de introdução ao Direito., 2.ª Edição, 2010, p. 201. 5 Sobre a aplicação da lei penal no tempo vide Dias, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I,

Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 198 e ss.

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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de género6.

2. Mudança de paradigma?

A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro que consubstanciou a vigésima terceira alteração ao Código Penal aprovado

pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, presenteou-nos com o actual artigo 152º, cuja epígrafe é precisamente

violência doméstica. Ora, o que é isto de violência doméstica? Será que conseguimos definir sem mais do que é que

efectivamente se trata? A Comissão de Peritos para o Acompanhamento da Execução do I Plano Nacional Contra a

Violência Doméstica em 20007 configurou a violência doméstica8 como sendo “qualquer acto, omissão ou conduta que

serve para infligir danos físicos, sexuais e/ou psicológicos, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças,

coacções ou qualquer outra estratégia. Tem como objectivo intimidar a vítima, puni-la, humilhá-la ou mantê-la nos

papéis estereotipados ligados ao seu género sexual ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a

integridade física mental e moral ou abalar a sua segurança pessoal, auto-estima ou a sua personalidade ou diminuir as

suas capacidades físicas e/ou intelectuais”. De qualquer modo, na tentativa de vermos como este flagelo humano

evoluiu na nossa sociedade e que não escolhe idades, estratos sociais9, raças, nem géneros, vamos recuar um pouco e

tentar desconstruir este conceito e sua repercussão legislativa nas últimas décadas.

Há não muito tempo atrás (convenhamos que temos de considerar a história em que nos inserimos como um

continuum, com milhões de anos de existência), a violência no seio familiar, seja entre cônjuges ou entre pais e filhos,

era tida como correlativamente inerente ao mesmo. Numa sociedade onde reinava um poder eminemente patriarcal, a

subserviência dos membros da família ao pater familias e a aceitação de uma sua respectiva “mão pesada”, era algo

tido, quase na sua plenitude, como justificado tanto no direito, como na política. A Família era um feudo sagrado e seu

defensor o pater familias a quem era atribuído um direito de correcção, que se se podia desdobrar ora em pequenos, ora

em grandes actos de terror, pois aquele podia descarregar a sua ira indiscriminadamente sobre os que lhe eram mais

próximos. Podemos concluir sem grandes riscos que a violência doméstica não era considerada como um crime, mas

sim como uma condição natural, aceite e correlativa ao seio familiar. Este “ius corrigendi” foi transversalmente aceite,

tendo havido em tempos, segundo consta em textos históricos, e conforme nos relembra Féria “uma regra não escrita,

denominada “a regra do dedo polegar” segundo a qual ao marido assistia o direito de punir a sua mulher com uma

vergasta de espessura não superior à do seu dedo polegar”10.

Aliás, não é necessário sequer recorrer a direito não escrito para corroborar que ao marido assistia esta

6 O presente texto serviu de base para a comunicação no Ciclo de Conferências “Questões Jurídicas – Perspectivas

Actuais”, no dia 22 de Maio de 2012, tendo sido elaborado de acordo com a redacção que lhe era quotidiana do CP,

antes da entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, que introduziu na alínea f) do artigo 132.º do CP a

referência à qualificação do homicídio, e por conseguinte das ofensas à integridade física, determinado pelo género

da vítima. 7 Apud Matos e Machado, Violência Doméstica: Intervenção em Grupo Com Mulheres Vítimas, Manual para

Profissionais, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2011, p. 15. 8 Foram avançadas várias definições de violência doméstica, pelo que não se revela profícua a reprodução

desenfreada de todas elas. De qualquer modo, temos como referente as definições que nos são dadas por órgãos

ditos oficiais, complementadas por outras de foro puramente doutrinal, como por exemplo a de Ferreira Antunes,

para quem a violência doméstica consubstancia uma “agressão (em sentido amplo) ao cônjuge, ex-cônjuge, ou a

uma pessoa que viva ou tenha vivido com o agressor, ou uma pessoa com quem o agressor tenha tido, em comum,

um filho”, “Violência e Vítimas em contexto doméstico”, in Violência e Vítimas de Crimes, Vol. I – Adultos,

Quarteto, 2002, Coimbra, AA. VV., p. 66, apud Bravo, Jorge dos Reis, Violência Doméstica, in Revista do

Ministério Público, n.º 102, Abril/Junho, 2005, p. 49. 9 Neste sentido vide Gelles e Straus, ob cit idem., pp. 88 e ss. 10 Féria, Teresa, Capítulo sobre o crime de maus-tratos conjugais, consultado a 22.12.2012

http://www.apmj.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=62:capitulo-i-sobre-o-crime-de-maus-tratos-

conjugais&catid=46:manual-ousar-vencer&Itemid=12

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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prerrogativa no que tange à correção da sua esposa, pois recuando até ao século XIV, num texto de direito, vigente na

Flandres, em Aardenburg (Costume de Namur, 1558, art. 18), podia ler-se o seguinte “O marido pode bater na mulher,

cortá-la de alto a baixo e aquecer os pés no seu sangue desde que a torne a coser e ela sobreviva”. Isto é, o marido

poderia infligir maus tratos sobre a mulher, indiscriminadamente, desde que desses não resultasse a sua morte11. Menos

chocantes eram as normas nacionais, não obstante igualmente flagrantes em termos de ablação de direitos, que

permitiam castigos, o cárcere e até a morte no caso do adultério. Convenhamos que por mor do casamento e dos

respetivos deveres conjugais a relação de supra/infra ordenação entre o Homem e a Mulher acentuava-se, pois ao

marido estava cometido o dever de “dirigir a mulher” e a esta o correlativo dever natural de obedecer ao seu marido.

Tais disposições entraram em vigor há pouco menos de 150 anos atrás, na vigência do Código Civil de 1867, e

vigoraram quase em termos inalteráveis até 1977. No seio do direito penal não havia quaisquer considerações no que

tange à punibilidade de violência no seio familiar, designadamente contra as mulheres, antes legitimando o exercício da

força por parte do marido em determinadas situações, excluindo a sua culpa ou mesmo a ilicitude. Tal claramente

evidencia a tradição de desigualdade em termos jurídicos do homem e da mulher, mormente no seio familiar. Não

obstante nos cingirmos ora à realidade portuguesa, a diferença de estatuto social entre homens e mulheres e, por

conseguinte, a aceitação da violência contra as mulheres por parte dos maridos, não nos é exclusiva. Abane fala-nos

precisamente sobre esta questão, tanto em termos genéricos, como específicos no que concerne ao Gana, seguindo o

entendimento de Connors12 “violence against wives is an outcome of the belief, fostered in cultures that men are

superior and that women with whom they live are their possessions to be treated as they consider appropriate”.

Exemplo paradigmático do que ora se expôs, no que tange à realidade nacional, é precisamente o facto de

quando o crime de ofensas à integridade física ao outro cônjuge fosse determinado por uma situação de flagrante

adultério13 haveria o que se considerava como uma “causa de exclusão da culpabilidade”, pois “a ira causada pelo

adultério é um estado emotivo, e por isso, também as ofensas corporais devem ser praticadas in continenti ou enquanto

subsista o estado de ira, para que exista uma causa justa, devendo haver uma certa proporção da ofensa à ira”14. Como

refere Teresa Beleza, em sentido coincidente ao que se escorreu, “a aceitação da legal da violência como parte do poder

marital ia de par com outras normas desiguais e indignas, como as que estatuíam a quase impunidade do homicídio da

mulher pelo marido em flagrante adultério15, a legitimidade da violação da correspondência daquela por este ou ainda a

circunstância de o crime de violação pressupor legalmente a inexistência de casamento16 (isto é, o marido que violasse a

11 Costa, Ricardo da e Coutinho, Priscilla Lauret. “Entre a Pintura e a Poesia: o nascimento do Amor e a elevação da

Condição Feminina na Idade Média”. In: Guglielmi, Nilda (dir.). Apuntes sobre familia, matrimonio y sexualidad en la

Edad Media. Colección Fuentes y Estudios Medievales 12. Mar del Plata: GIEM (Grupo de Investigaciones y Estudios

Medievales), Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP), diciembre de 2003, p.10. 12 Abane, Henrietta, Towards research into wife battering in Ghana: Some Methodological Issues, in Men,

Women and Violence, edited by Felicia Oyekanmi, Codesria, Oxford, UK, p.1. 13 Sobre a questão dos deveres conjugais consideramos interessante a consulta do texto de Fernando Veríssimo, Do

Problema de Saber , Se São Aplicáveis, em Matéira de Violação Recíproca dos Deveres dos Cônjuges, os Princípios

Gerais Sobre a Responsabilidade Civil, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, disponível em

http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/PiresV.pdf. 14 Salgueiro, Gabriela, Situação Jurídica da Mulher Casada, Direitos e Deveres Recíprocos dos Cônjuges, Revista da

Ordem dos Advogados, disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/GabrielaS.pdf, consultado a

15.10.2012, p. 223. 15 Neste sentido vide Andrade, Amélia; Teixeira, Teresa; Magalhães, Olga, Subsídios para o Estudo do Adultério em

Portugal no Século XV, disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6511.pdf, consultado a 02.01.2013, p.

98-99. 16 Na lei americana, até ao século XIX, encontrava-se instalada a ideia de que o crime de violação não poderia ser

cometido no seio do matrimónio. Tal “excepção” foi suscitada no seio de um caso ocorrido a 26 de Abril de 1857,

de violação de uma criança de dez anos, Agnes O’Connor, por um grupo de homens. Foi argumentado pelo

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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mulher não cometia17, até ao Código Penal de 1982 entrar em vigor, qualquer crime)”18.

Considerando o que se expendeu imediatamente acima, fica assente que as mudanças axiológicas imanentes à

sociedade em que vivemos reflectem-se igualmente no direito e na forma como conduzimos a nossa política criminal.

Hoje será generalizadamente inconcebível considerar como passível de exclusão de culpa ou de ilicitude qualquer

situação relacionada com a dita violência doméstica. Salvo nos casos expressamente previstos na lei é que uma situação

formalmente ilícita, será materialmente lícita. Não é razoável justificar, ou melhor, considerar como tipo justificador

para o homicídio ou para a violação o facto de os agentes implicados se encontrarem imbuídos numa relação conjugal

ou análoga, pois tais crimes consubstanciam uma concreta e efectiva ofensa à dignidade da pessoa humana, à vida, à

integridade física e à honra da vítima, não susceptíveis de serem tão levianamente justificados. Assim sendo, não

podemos ainda sufragar a ideia de que a situação de violência doméstica esteja ablada do âmbito de aplicação da

legítima defesa enquanto causa de justificação da ilicitude. Tal foi defendido por Taipa de Carvalho19, considerando que

existe um dever de solidariedade entre os cônjuges, devido à proximidade entre vítima e agressor, melhor dizendo, no

que tange ao requisito da necessidade de defesa20, quando existirem situações de considerável proximidade, criadoras de

“especiais laços de solidariedade juridicamente relevantes”21, colocando-as no mesmo patamar jurídico-dogmático que

os das agressões provocadas. Por conseguinte, face a este entendimento a legítima defesa não pode operar

automaticamente no seio da violência doméstica, devendo ser levados a cabo todos os esforços para que não haja

retribuição de violência. Não podemos sufragar tal entendimento, pois estaríamos a ser condescendentes com algum

tipo de violência no seio familiar, o que hoje em dia é completamente inconcebível.

Chegados a este ponto, consideramos conveniente concluir que a violência doméstica já conheceu outras

realidades, tendo passado por vários estádios, desde o fomento22, à aceitação, à limitação23 e completa repulsa.

Felizmente estamos perante o eclodir do último estádio, pois não conseguimos entender, face aos valores hoje

propugnados e à criminalização de qualquer tipo de violência contra seres humanos, qualquer complacência com

indiscriminadas formas de violência levadas a cabo no seio doméstico, sendo tal inaceitável.

advogado de defesa que não tinha ficado provado na acusação que o alegado, Patrick Fogerty, não era marido de

Agnes, constituindo tal uma excepção à possibilidade de ser acusado do crime de violação. Ou seja, neste caso

concreto, tal excepção era completamente despicienda, mas certo é que ela existia. Hoje em dia existe a consciência

generalizada de que pode haver violação no seio do matrimónio, não podendo haver tal excepção, pois é considerada

como uma forma de violência contra o cônjuge. Para mais desenvolvimentos sobre este caso vide Frost-Knappman,

Elizabeth e Cullen DuPont, Kathryn, Women’s Rights on Trial, 101 Historical Trials from Anne Hutchinson to the

Virginia Military Institute Cadets, Gale Research, Detroit. .1997, pp. 53 e ss. 17 Neste sentido Gelles e Straus, ob cit idem. pp. 65 e ss. 18 Beleza, Teresa Pizarro, Violência Doméstica, in Revista do CEJ, 1.º Semestre 2008, 8 (Especial), 2008, p. 286. 19 Américo Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, Da Fundamentação Teorético-Normativa e Preventivo-Geral e

Especial à Redefinição Dogmática, Porto, 1994, mais propriamente sobre a necessidade da acção de legítima defesa

vide as pp. 311 e ss. 20 Vide Dias, Jorge de Figueiredo Dias, ob cit idem, pp. 405-437; para uma posição diferente sobre a necessidade de

defesa, equiparada à necessidade do meio, vide a obra de Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral,

Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, pp. 367 e ss.; vide igualmente

Ferreira, Manuel Cavaleiro de, Lições de Direito Penal, Parte Geral I, A lei Penal e a Teoria do Crime no CP de

1982, Editorial Verbo, 4.ª Edição, 1997, pp. 185 e ss. 21 Dias, Jorge de Figueiredo Dias, ob cit idem, pp. 430-431. 22 Em sentido coincidente ao que expendemos supra, sobre o direito de o homem poder corrigir os seus filhos e esposa,

vide Gelles, Richard J. e Straus, Murray, ob cit idem. p. 31. 23 Silva, Luísa Ferreira, «O direito de bater na mulher» - Violência interconjugal na sociedade portuguesa, in Análise

Social, vol. xxvi (111), 1991 (2.°), p. 388.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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3. Evolução Legislativa

3.1. Nota prévia

Antes de a violência doméstica, na sua verdadeira acepção, ou melhor, na acepção que hoje em dia lhe é

atribuída, ser positivada, houve várias tentativas para acautelar este tipo de violência. Para atender à evolução legislativa

sobre este fenómeno criminógeno, apenas nos debruçaremos sobre a análise de diplomas pós-revolucionários e

consonantes com o texto constitucional de 1976.

3.2. Código Penal de 1982 – Um passo em frente, um e meio atrás

Eduardo Correia, na esteira do Código Penal suíço, introduziu no Anteprojecto do CP de 1966 de sua autoria, o

crime de maus-tratos a crianças. Originariamente os artigos que versavam sobre esta problemática eram os artigos 166.º

e 167.º, mas após passar pelo crivo da Comissão Revisora de 1979, aquele ilícito convolou-se em maus tratos ou

sobrecarga de menores e de subordinados ou entre cônjuges, mais propriamente o artigo 153.º do CP de 198224. Não

obstante ter sido um passo em frente, no que concerne à consciencialização de que a violência no seio familiar é

reprovável, os seus contornos continuaram um tanto ou quanto duvidosos.

O que resultava da redacção do artigo, era que seria necessário um “dolo específico” para que efectivamente

perante um acto ilícito, isto é, ficou assente nesta redacção que o cônjuge que, devido a malvadez ou egoísmo, infligisse

maus-tratos no outro, poderia ser punido com pena de prisão ou com multa. Tal previsão legal encontrava-se

efectivamente desajustada, desfasada da realidade e das necessidades jurídico-penais imanentes, sendo imprescindível

um acautelamento mais pormenorizado do fenómeno em causa. Como podemos ler nas anotações referentes ao presente

artigo nas Actas da supra referida Comissão Revisora, Jorge de Figueiredo Dias alertou, embora sem acolhimento na

versão final do artigo, para o facto de que a referência a malvadez e egoísmo era desnecessária, porque o artigo

desprovido de tal especificação já tinha “carga ética suficiente”25. Isto é, segundo a maioria da doutrina era requerido

um certo dolo específico26, não obstante autores, designadamente Teresa Beleza, considerarem que se tratava não de um

dolo dito especifico, mas sim de elementos subjectivos especiais da ilicitude27.

Ainda assim, o artigo 153.º do CP vigorou durante cerca de treze anos, até à Reforma Penal de 1995. Entretanto

foram tecidos desenvolvimentos, doutrinais e jurisprudenciais, tanto quanto ao elemento da personalidade que Eduardo

Correia incluiu no artigo, a exigência de malvadez e egoísmo, como quanto à natureza do crime. Felizmente, tais

preocupações foram tidas em consideração pelo legislador e devidamente acauteladas pela jurisprudência28.

Considera-se assim pertinente tecer algumas considerações sobre a versão vertida na Reforma de 1995 e suas

subsequentes revisões.

3.3. A Reforma de 1995 (da redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março à Lei n.º 7/2000 de 27 de Maio)

- O esboço de um auto-retrato

A jurisprudência e a doutrina relevaram a questão da exigência de malvadez ou egoísmo, pelo que, com a

Reforma de 1995, desapareceu tal requisito, sendo então possível rumar num sentido mais próximo do retrato da

sociedade portuguesa e suas determinações criminógenas.

O Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março trouxe-nos algumas inovações. Começou pela alteração em termos de

24 Actas das Sessões da Comissão Revisora do CP: Parte Especial. Lisboa: Associação -Académica da Faculdade de

Direito de Lisboa, 1979, p. 77. 25 Ob cit idem, p. 77. 26 Ob cit idem p. 78. 27 Para mais desenvolvimentos vide Beleza, Teresa, Maus tratos conjugais: o art. 153.º, n.º 3 do CP, Materiais para o

estudo da parte especial do Direito Penal, Estudos Monográficos: 2, A.A.F.D.L., 1989, pp. 25 e ss. 28 Beleza, Teresa, Violência Doméstica, in Revista do CEJ, 1.º Semestre 2008, 8 (Especial), 2008, pp. 287-288.

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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nomenclatura, passando a denominar-se “maus tratos ou sobrecarga de menores, incapazes ou cônjuges”, havendo uma

alteração quanto à caracterização das vítimas; foi eliminado o requisito de um eventual dolo específico29; a previsão de

maus tratos psíquicos; alargamento da protecção aos que vivessem em condições análogas às dos cônjuges30; foi

igualmente eliminada a possibilidade de aplicação do artigo 152.º uma vez que as ofensas consubstanciassem ofensas à

integridade física qualificadas31. Com esta revisão, foi igualmente alterada a natureza jurídica do crime, ficando assente

que estaríamos perante um crime de natureza semi-pública.

A redacção do ilícito não permaneceu inalterada por muito tempo, sofrendo alterações com a Lei n.º 65/98, de 2

de Setembro, mais uma vez começando pela sua nomenclatura, sendo a mesma alterada para “crime de maus tratos e

infracção das regras de segurança”. Das alterações mais visíveis, e com largos reflexos na acção penal, foi precisamente

a que se encontra disposta no n.º 2 do artigo, no que concerne à natureza do crime. Isto é, o crime é independente de

queixa, deixando de ter natureza semi-pública, se o Ministério Público aferir que o interesse da vítima se sobrepõe à

vontade da mesma em apresentar queixa. Esta alteração legislativa foi essencialmente motivada pelo facto de haver a

percepção generalizada que as vítimas deste tipo de crime encontram-se numa situação de supra/infra ordenação em

relação ao agressor, tanto por motivos afectivos, como económicos32. Convenhamos que existe a consciencialização de

que as vítimas, não raras vezes, não apresentam queixa nas autoridades por terem receio das consequências daí

advenientes para si e para aqueles que também de si dependem, nomeadamente os filhos33, para além de não quererem

que os companheiros sofram medidas penais, designadamente por justificarem ou desculparem o seu comportamento.

De qualquer modo, não existe aqui uma natureza pública na sua verdadeira acepção, uma vez que existe a possibilidade

de a vítima/ofendido se opor à prossecução da acção penal até ser proferido o despacho de acusação.

Com a redacção aposta ao artigo pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, não houve qualquer alteração de

nomenclatura, de qualquer modo houve alterações deveras significativas. Daqui adveio a introdução consciente de

penas acessórias específicas para este tipo de crime, isto é, a proibição de contacto com a vítima e o afastamento da

residência da mesma pelo período máximo de dois anos. Foi uma medida deveras conveniente para a vítima, pois

consciencializou a sociedade de que existia a necessidade premente de acautelar os direitos da vítima, bem como o seu

estatuto enquanto tal. Não obstante ainda houvesse um longo caminho a percorrer, nomeadamente quanto às medidas de

controlo de cumprimento de tais penas acessórias, certo é que ditou um novo rumo para a protecção da vítima/ofendido,

no seio deste tipo de crime. Esta versão do artigo manteve-se em vigor até à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007,

de 4 de Setembro, sobre a qual nos debruçaremos imediatamente infra.

3.4. A Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro – Uma Lei virada para o futuro de ontem

3.4.1. Deambular exíguo sobre uma realidade complexa

O artigo 152.º do CP prevê a violência doméstica como um tipo de violência de escopo alargado, isto é, as suas

fronteiras tornaram-se mais abrangentes, trespassando as barreiras da conjugalidade e das quatro paredes domiciliares.

Assim sendo, o CP acolheu um tipo de ilícito com um contorno diametralmente diferente do precedente. Para além de

autonomizar a violência doméstica, o legislador decidiu continuar a prever as situações de maus tratos e infracção de

29 Vide Gomes, Catarina Sá, O Crime de Maus Tratos Físicos e Psíquicos Infligidos ao Cônjuge ou ao Convivente em

Condições Análogas às dos Cônjuges, A.A.F.D.L., Lisboa, 2002, pp. 19 e ss. 30 Em torno das alterações legislativas vide Nunes, Carlos, Mota, Maria, O crime de violência doméstica: a al. b), do

n.º 1 do art. 152.º do CP, Revista do Ministério Público, n.º 122, Abril/Junho, 2010, pp.133 ss. 31 Assemelhando-se ao regime que hoje temos quando se fixa no n.º1 do artigo 152.º que dita:“se pena mais grave lhe

não couber por força de outra disposição legal”. 32 Neste sentido vide Gelles e Straus, ob cit idem. pp. 82 e ss. 33 Neste sentido Gomes, Catarina Sá, ob cit idem. p. 23.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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regras de segurança, direccionando-se em sentido coincidente com o que havia sido considerado pelo legislador de

1982. Por conseguinte, o nosso CP continuou a acautelar os maus tratos stricto sensu de pessoas que estejam sob a

guarda, responsabilidade, direcção ou educação ou a trabalhar ao serviço de outrem, existindo aqui um verdadeiro dever

de garante por parte desta última. Não nos debruçaremos sobre esta opção legislativa por se distanciar do nosso

propósito inicial, mas convenhamos que temos de saudá-la pois revelou-se de facto profícua, nomeadamente enquanto

reflexo do princípio da igualdade no seu exponencial máximo “trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o

que é diferente, na exacta medida da diferença”34.

Por conseguinte, face à opção legiferante quanto à violência dita doméstica, hoje temos uma disposição legal

com especificidades que ainda não haviam sido observadas, nomeadamente uma enumeração de sujeitos de ordem

passiva e activa, admitindo, assim, no seu escopo, não apenas a violência de foro conjugal, pois tal já se encontrava

desfasado da nossa realidade.

Antes de mais felicitamos o facto de as agressões não terem de ser reiteradas para consubstanciar o presente

ilícito, não obstante tal ainda não ser pacífico no seio da jurisprudência, pois, alegadamente, nem todas as agressões

terão dignidade bastante para serem subsumíveis ao crime do artigo 152.º do CP35. Da presente redacção do artigo36,

podemos retirar que o legislador, ao enumerar as possíveis vítimas do presente crime, reforçou a ideia de que este tipo

de crime pode evidenciar-se nos mais variados panoramas societários, em relações de cariz familiar ou afectivo de vasta

ordem, bem como em vários locais. Ou seja, não podemos considerar que a violência dita doméstica seja aquela que

sucede única e exclusivamente no seio estritamente familiar, no domicílio, nem que apenas abrangerá situações ditas

tradicionais. Podemos, assim afirmar, sem demasiada cautela, que essa percepção está felizmente ultrapassada e que o

legislador se revelou mais sensível às mutações de que a sociedade tem sido objecto nas últimas décadas.

Para além do alargamento das vítimas e, correlativamente, do possível autor do crime, porquanto nos

debruçamos sobre um crime específico37, não podemos deixar de constatar a sensibilidade diacrónica do legislador no

que concerne ao local onde este tipo de crime pode ter lugar, ou seja, chegou-se efectivamente à conclusão que a

violência doméstica não é exclusivamente levada a cabo entre as quatro paredes do domicílio dos cônjuges. Contudo, tal

não significou que o legislador ficasse indiferente ao facto de que este tipo de crime pode tomar proporções mais

drásticas num cenário que se encontre longe dos olhos das “gentes”, especialmente porque existe uma tendência para o

34 Garcia, Maria da Glória, Estudos sobre o Princípio da Igualdade, Almedina, Coimbra, 2005, p. 19; e Miranda,

Jorge e Medeiros, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2010;

Miranda, Jorge, Direitos Fundamentais E Ordem Social (Na Constituição De 1933), Título V da parte II (Direito

Constitucional Actual) de Ciência Política e Direito Constitucional, sumários policopiados, Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa, 1973, págs. 181e segs., disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Miranda1933.pdf,

consultado a 15 de Janeiro de 2013. 35 Com interesse vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 901/11.0PAPVZ.P1, cujo relator fora

Ernesto Nascimento, que exarou o seguinte que “não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o

crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade

do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa

situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua

dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal” 36 Tal como ficou referido supra, na nota 6, a comunicação foi proferida antes da entrada em vigor da Lei n.º 19/2013,

de 21 de Fevereiro, onde presentemente já se encontra claramente positivada a abrangência das relações de namoro,

sendo actualmente a redacção da alínea b), do n.º 1 do artigo 152.º a seguinte: “b) A pessoa de outro ou do mesmo

sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos

cônjuges, ainda que sem coabitação”. 37 Relativamente à qualificação do tipo objectivo quanto ao autor, vide Dias, Jorge de Figueiredo, ob. cit idem. pp.

303-305. Com interesse vide igualmente, Carvalho, Américo Taipa de, Maus Tratos e infracção de regras de

segurança, in Comentário Conimbricense do CP, Parte Especial, Tomo I, Artigos 131-º a 201.º, Coimbra Editora,

1999, pp. 332 – 333.

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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silêncio e para um certo não imiscuir em assuntos alheios, quando estes ocorram em casa. Por conseguinte, a moldura

penal tomou contornos mais graves, aumentando o seu mínimo em um ano (n.º2), quando os factos ocorram no

domicílio comum, ou no domicílio da vítima.

Situação que nos causa alguma perplexidade, não invalidando, obviamente a intenção do legislador, é o facto de

estarmos perante um crime com tanto relevo social, com tanta campanha em torno do mesmo, nomeadamente com

Planos contra a Violência Doméstica, estando presentemente na vigência do IV, e a pena aplicável ao mesmo ser

consideravelmente baixa, quando comparada com outros ilícitos. Tal verifica-se não apenas quanto ao ilícito

fundamental do n.º 1 do artigo 152.º, mas também no que concerne à agravação pelo resultado. Vejamos esta

problemática com um pouco mais de cuidado, incursando primeiramente sobre a questão, de alguma forma controversa,

do bem jurídico38 presente neste ilícito.

3.4.1.1. Brevíssimo excurso sobre o bem jurídico acautelado

Quando falamos em violência doméstica, estamos a falar de um crime complexo39 e não de um crime simples, ou

seja, de um crime que viola vários bens jurídicos. Se assim não fosse, dificilmente conseguiríamos destrinçar da

redacção do n.º1 do artigo 152.º qual aquele que efectivamente preponderaria, salvo melhor opinião, claro. Ora, em

muito nos perplexa enveredar pelo trilho fácil, de concretização do bem jurídico, perfilhado pela maioria, o da

dignidade da pessoa humana40. O que é isso de dignidade da pessoa humana? Olhemos para esta percepção de um

ângulo inverso, isto é, ao invés de a definirmos em termos positivos, configura-se mais perceptível dizer o que

transcende as barreiras da dignidade humana. A dignidade humana, e o respeito pela mesma, serão violados quando a

pessoa é reduzida a um estado sub-humano, sendo-lhe negadas todas as condições básicas que permitem o livre

desenvolvimento da sua pessoa41. Por conseguinte, será que o melhor trilho é efectivamente este o da desumanização da

pessoa objecto das condutas referenciadas no enunciado do artigo 152.º? Somos de parecer negativo, pois caso contrário

poderíamos subsumir essencialmente todos os crimes a este bem jurídico de escopo alargado, sem qualquer necessidade

de o concretizar, o que é de todo impensável. Apenas referimos que é impensável face à necessidade de respeitar o

princípio da legalidade criminal em toda a sua extensão, nomeadamente quanto à necessidade de o bem jurídico ter de

ser certo e estrito42.

Será que podemos então considerar que o bem jurídico violado é a Família43, considerando que a mesma está

constitucionalmente consagrada, no artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa, e, por conseguinte, mereceria

38 Sobre o conceito de bem jurídico com dignidade penal vide Dias, Jorge de Figueiredo Dias, ob cit idem. pp. 113 e

ss., bem como Costa, José de Faria, Direito Penal Especial, Contributos a uma sistematização dos problemas

“especiais” da Parte Especial, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 27 e ss. 39 Neste sentido vide o disposto no Acórdão n.º 258/08.7GDLRA.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra, cujo

relator fora Orlando Gonçalves, onde ficou assente que “O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é

complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de

coabitação conjugal ou análoga e mesmo após cessar aquela coabitação”. Acórdão disponível em www.dgsi.pt. 40 Neste sentido vide o disposto no Acórdão n.º 486/08.5GAPMS.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra de

16/01/2013, cujo Relator fora Maria Pilar Oliveira, disponível em www.dgsi.pt. 41 Em sentido coincidente, Brandão, Nuno, Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, in Julgar, n.º 12

(especial), 2010, pp. 14 e ss. 42 Faria Costa considera igualmente que “é absolutamente impensável tentar proteger, penalmente e qua tale, a

dignidade da pessoa humana”, ob cit idem pp. 49. 43 Em termos doutrinários, existem vários conceitos de Família, apenas faremos referência a alguns autores que nos

influenciaram na nossa concepção. “A família constitui, efectivamente, uma instituição, no sentido vulgar e mais

lato do termo, que o identifica com o grupo social, devidamente organizado, portador de interesses globais distintos

dos fins próprios de cada um dos membros que o integram”, Varela, Antunes, Direito da Família, 1.º Volume, 5.ª

Edição, Revista, actualizada e completada, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1999, p. 74

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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um acautelamento penal específico44 no âmbito do crime de violência doméstica? Não nos parece45, independentemente

do mérito de tal concepção, numa sociedade cada vez mais desprovida dos seus valores fundamentais e a violência

doméstica ser uma manifestação dessa tendente ausência de valores. Aliás, talvez assim o fosse se não tivéssemos

outros tipos de relações inseridas no tipo objectivo. Ou vendo as coisas por outro prisma, mesmo considerando que o

conceito de Família se encontra hoje apartado do que era tido como tradicional46, não nos parece prudente enveredar por

essa concepção. Para além da sistematização inerente ao CP, que decidiu não inserir o presente crime no seio do seu

Título IV, onde podemos encontrar crimes contra a família, se nos permitem a expressão, em sentido próprio, na Secção

I do respectivo Capítulo I, tais como a bigamia, a falsificação do estado civil, a subtracção de menor e a violação da

obrigação de alimentos47. Tal prende-se pelo facto de estarmos a alargar demasiado os laços familiares, uma vez que as

vítimas enumeradas no n.º1 do artigo 152.º não têm necessariamente de ter uma relação familiar48 com o agressor,

nomeadamente o ex-cônjuge ou as pessoas particularmente indefesas previstas na alínea d), exigindo-se apenas neste

caso a coabitação. Ora, coabitação não é sinónimo de relação familiar49. Se tivéssemos uma tipificação idêntica á que

sucede no seio de determinados ordenamentos jurídicos da América Latina, que criminalizam a violência intrafamiliar

44 Sobre a correspondência entre os ordenamentos jurídico-constitucional e jurídico-penal, ver Costa, José de Faria,

ob. cit idem, pp. 33 e ss. 45 Neste sentido Brandão, Nuno, ob cit idem, p. 13, que passamos a citar “Completamente arredada está a

possibilidade de o bem jurídico em apreço estar ligado à tutela da família ou das relações familiares. Apesar de ser

neste âmbito que se situa o comportamento típico, os interesses protegidos dizem directamente respeito à pessoa

ofendida e não à instituição família”. 46 Não existe um conceito unívoco de família na nossa legislação civil, mais propriamente no Livro IV do Código

Civil (doravante CC), onde se discutem as relações familiares, no entanto, o legislador deu-nos uma noção jurídica

de Família, ao fazer constar no artigo 1576.º do CC que as fontes das relações jurídicas familiares são o casamento,

o parentesco, a afinidade e a adopção. E hoje podemos considerar que a percepção que temos da Família é

diametralmente diversa daquela que uma vez existira, considerando a transição de uma concepção de “grande

família” para a alegada “pequena família”. Tal como referem Francisco Pereira Coelho e Guilherme Oliveira,

hodiernamente é mais comum termos um conceito de pequena família, composta pelos cônjuges e pelos

descendentes menores, do que um conceito alargado, com a integração dos avós, dos tios, dos primos. Aliás,

deparamo-nos não raras vezes com o conceito de família desintegrada ou incompleta, face às vicissitudes da vida,

nomeadamente morte, divórcio ou separação. Para mais desenvolvimentos vide Coelho, Francisco Pereira e

Oliveira, Guilherme de, Curso de Direito da Família, Volume I, Introdução, Direito Matrimonial, 4,.ª Edição,

Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 99-101..

47 Respectivamente, artigos 247.º a 250.º do CP. 48 Entendemos como relação familiar, aquela que se encontra designada enquanto tal no nosso Código Civil,

nomeadamente, as relações advenientes do casamento, da filiação, da adopção, não obstante estarmos cientes que,

tal como qualquer outro instituto jurídico, a Família não se pode furtar aos testes do tempo, encontrando-se também

ela num certo estado de devir. Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “a composição e organização

jurídica da família, bem como o seu papel dentro do Estado, têm evoluído muito com os tempos e variam ainda de

povo para povo, dentro de cada época, consoante as suas tradições, costume e grau de cultura”, in Código Civil

Anotado, Volume IV, Artigos 1576.º a 1795.º, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p.

12. Neste sentido, vide igualmente Pinheiro, Jorge Duarte, O Direito da Família Contemporâneo, Reimpressão

(revista), 3.ª Edição, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2011, p. 35. Nesta esteira,

não estaríamos também a excluir de um possível bem jurídico “família”, acautelado pelo tipo violência doméstica,

um outro tipo de “família”, por exemplo, a união de facto e a vida em economia comum, uma vez que é considerada

não como uma verdadeira relação familiar, mas parafamiliar, pela doutrina? Neste sentido, vide Pinheiro, Jorge

Duarte, ob cit idem. 36 e ss. e Coelho, Francisco Pereira e Oliveira, Guilherme de, ob cit idem. pp.31 e ss. e 51 e ss. 49 Vejamos por exemplo o que se encontra previsto na Lei 11.340/2006, onde se fala precisamente em relações com

vínculo ou sem vínculo familiar, aí já se podendo falar em um acautelamento específico do bem jurídico Família.

Para mais desenvolvimentos a respeito da previsão da violência doméstica no Brasil, vide Albuquerque, Leda Mara

Nascimento, A violência doméstica contra a mulher: avanços e entraves da Lei Maria da Penha em Manaus, in

Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 11, n.º 2, 2010, pp. 31 a 62.

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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em termos específicos, então talvez pudéssemos considerar que o bem jurídico em causa fosse a Família50.

Também não podemos sufragar o entendimento de que o bem jurídico em causa seja a integridade física, pois

não é o único bem jurídico que se encontra no limbo. Assim sendo, não temos por embargada a concepção de que o

caminho a seguir, será o de consideração de que estamos perante um crime complexo, com as inerentes consequências

daí advenientes, nomeadamente a necessidade de uma regulamentação cuidada e especial face às restantes. O que

queremos dizer, essencialmente, é que, a violência doméstica põe em causa, não só a integridade física e psíquica, mas

também a liberdade pessoal e sexual.

Embora estejamos cientes que a presente problemática carecia de mais desenvolvimentos, certo é que o presente

trabalho é apenas um resumo do que se poderá dizer relativamente a este ilícito.

3.4.1.2. As molduras penais – desajustamento infame?

Considerando o que acabámos de referir relativamente aos bens jurídicos que se encontram escrutinados no seio

deste crime, ficamos abismados com a insensibilidade do legislador face a esta realidade tão complexa. A moldura

penal aposta à alegada violência doméstica simples é de facto superior à que se encontra para, por exemplo, um crime

de ofensa à integridade física simples. Mas então e nos restantes casos? Nos casos de violação, de coacção sexual, de

sequestro ou mesmo escravidão51? Consideramos assim que a moldura penal que se encontra aposta ao tipo em análise é

incongruente, nomeadamente porque a maioria dos crimes que se encontram em concurso aparente com a “violência

doméstica” estão acautelados com uma moldura penal superior à desta, tanto, como já referimos supra, no quer diz

respeito ao tipo fundamental, como ao tipo agravado pelo resultado.

Este nosso entendimento advém unicamente da comparação do tipo que ora analisamos com outros crimes na

sua forma dita simples, nomeadamente as ofensas à integridade física qualificadas, o sequestro, a violação, a coacção

sexual, o abuso sexual de crianças, o abuso sexual de menores dependentes, bem como destas agravadas pelo resultado

e qualificadas. Olhando para estes ilícitos, chegamos à conclusão que o crime de violência doméstica não beneficia do

regime especial que lhe deveria estar intrínseco, precisamente devido à sua particularidade. Os comportamentos que

estão consubstanciados no tipo gozam de uma gravidade tal, considerando a particularidade da relação existente entre o

agressor e a vítima, que não deviam ter sido relegados a uma previsão simplista como a presente.

Para além de a moldura penal ser inferior à que seria de esperar atendendo ao que até ora procurámos explanar, a

intencionalidade específica do legislador acaba por ficar frustrada, quando este introduziu no n.º1, in fine, o seguinte: se

pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. Ora, tal desvirtua por completo o crime em

questão, pois as penas previstas para os crimes que referimos acima são superiores à da violência doméstica, o que

significa que tal poderá ter outras consequências, malogrando, nomeadamente, a possibilidade de a vítima usufruir do

estatuto previsto na Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro uma vez que a subsunção seja feita ab initio aquando da

denúncia da conduta anti-jurídica. O mesmo poderá ser referido no que tange ao que se encontra previsto no artigo 195.º

do Código do Trabalho, quanto à transferência de trabalhador vítima de violência doméstica. Não havendo a devida

informação das vítimas, vários direitos poderão ser-lhes negados por mor de imprecisões ou incongruências legislativas.

Estamos cientes de que a nossa posição, relativa à relação do tipo de ilícito de violência doméstica face aos

crimes que com ele concorrem, não é transversalmente aceite, mormente devido à especial relação existente entre os

agentes penhorados no tipo de crime52. De qualquer modo, convenhamos que estamos perante um crime público, que

50 Tal como sucede, por exemplo, na Bolívia ou no Chile. 51 Respectivamente Artigo 164.º, n.º 2; Artigo 163.º, n.º 2; Artigo 158.º e Artigo 159.º, todos do CP. 52 Olhemos por exemplo para o que já referimos a respeito da posição de Américo Taipa de Carvalho, no que tange à

legítima defesa quando estamos perante um crime de violência doméstica, desconsiderando tal tipo justificador na

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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mereceu especial atenção por parte do legislador, precisamente porque as vítimas necessitavam de um acautelamento

mais garantístico do que aquele que até então lhes era apresentado.

O que podemos concluir deste nosso breve excurso, por algumas das particulares do crime previsto no artigo

152.º53 é que o legislador não foi tão preciso quanto poderia ser, face ao flagelo social que a violência doméstica

continua a ser, especialmente na comunidade portuguesa.

4. Entrelaçando o conceito de violência contra as mulheres e a violência dita doméstica

4.1. Um conceito unívoco?

O conceito de violência doméstica tem sido objecto de vastíssimos desenvolvimentos, considerando,

nomeadamente os inúmeros instrumentos legislativos vigentes e que não vinculam apenas o Estado Português. Em

torno da violência doméstica surgem igualmente outros instrumentos que se concentram na violência contra as

mulheres. Olhemos por exemplo para a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres que nos dá um

amplo conceito de violência contra as mulheres, isto é “qualquer acto de violência dirigido contra as mulheres que

produz ou é passível de produzir danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos ou sofrimento para as mulheres,

incluindo ameaças desses actos, coacção ou privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como na vida

privada”.

A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a

Violência Doméstica54 é outro exemplo de instrumento jurídico que tem como objectivo primordial a erradicação de

qualquer forma de violência contra mulheres, nomeadamente a violência doméstica. Teve por base vários diplomas de

cariz internacional, todos eles instrumentos jurídicos basilares para o desenvolvimento de uma sociedade livre de

descriminação e sem formas de violência injustificada55.

Esta Convenção também nos presenteou com algumas definições no seu artigo 3.º, considerando, assim, que

violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e é uma forma de discriminação contra as

mulheres, abrangendo todos os actos de violência de género que resultem, ou possam resultar, em danos ou sofrimentos

físicos, sexuais, psicológicos ou económicos para as mulheres, incluindo a ameaça de tais actos, a coação ou a privação

arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como na vida privada; violência doméstica abrange todos os actos de

violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges

ou ex -cônjuges, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a

vítima; violência de género exercida contra as mulheres abrange toda a violência dirigida contra a mulher por ser

mulher ou que afecta desproporcionalmente as mulheres. Uma vez que um Estado que seja Parte se depare com

qualquer uma destas situações terá necessariamente de reagir contra as mesmas, pois são consideradas desumanas e

injustificadas numa sociedade alegadamente civilizada como a nossa.

Atendendo ao caminho que a legislação internacional está a seguir, será que seria profícuo enveredarmos de

facto por uma violência de género e não tanto uma violência dita doméstica? É justificação bastante que a vítima mais

visível seja a mulher para tomarmos esta posição? Face aos desenvolvimentos da doutrina nacional e à ainda curta

vigência de certos instrumentos legais, não sendo bastante para ver a sua efectividade, não conseguimos ainda chegar a

sua plenitude, devido a um alegado especial laço de solidariedade existente entre a vítima e o agressor. Vide nota 18. 53 Deixaremos para outra oportunidade a análise das penas acessórias; da questão específica das vítimas menos

visíveis neste tipo de crime, quer sejam vítimas directas, quer indirectas; das questões processuais, por economia de

discurso e carência de relação com o nosso objectivo inicial. 54 Apesar de ter sido elaborada em Istambul a 11 de Maio de 2011, foi apenas publicada em Diário da República a 21

de Janeiro de 2013. 55 Ver exposição de motivos da Convenção em apreço.

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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uma conclusão de entono dogmático.

4.2. Vítimas cegamente visíveis? Reflexões no trilho de uma conclusão intermédia.

A enumeração de vítimas do n.º 1 do artigo 152.º do CP tem especial importância para a sociedade hodierna e

para a reeducação da mesma, como já tivemos oportunidade de referir supra. Mas o que efectivamente é “isto” de

vítima? E as fontes podemos acorrer para saber quem pode ser esse sujeito, para além das definições com que nos

presenteiam os instrumentos legais já existentes56?

Ora, o estatuto da vítima de crime de violência doméstica, está previsto na Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro,

diploma que quase que reproduziu a Decisão-Quadro do ora Conselho relativa ao Estatuto da Vítima em Processo

Penal. Esta lei veio clarificar e intensificar o combate a este tipo de criminalidade que na maioria das vezes se reclama e

intitula de violência de género. Este Estatuto trouxe a positivação há muito esperada para ver ser reforçada a tutela das

vítimas do crime que ora estamos a analisar. A clarificação relativa a casas de abrigo, casas de acolhimento, a centros de

atendimento, aos apoios jurídicos, médicos e financeiros, medidas de coacção aplicáveis ao agente/arguido, foi de facto

um verdadeiro turning point para a tentativa de erradicação e de tranquilização das vítimas deste tipo de crime. No

entanto, os meios existentes nem sempre são do conhecimento das vítimas e nem sempre existe abertura para estas

serem sujeitas a um programa específico para a sua situação “doméstica”.

Estamos felizmente num bom caminho no que concerne ao acautelamento do direito das vítimas, garantindo a

estas uma posição no seio do processo penal, mas de qualquer modo, temos consciência que ainda existem algumas

arestas a limar para que a vítima de violência doméstica seja protegida sem grandes desvios de percurso.

5. Conclusão - que mais se assemelha a uma introdução

A percepção da existência de relações abusivas nem sempre é clara, nem mesmo para aqueles que se encontram

imbuídos nela57. A perda de respeito e a banalização de determinados valores, considerando-os como despiciendos, tem

efectivamente uma enorme importância para o aumento da violência dita conjugal, nomeadamente no que concerne a

relações fugidias, ou não, de namoro, onde a linha da permissão e da legitimidade, por vezes não se encontra claramente

delineada. O mesmo se poderá dizer relativamente à crescente consciencialização de que a criminalidade contra os

idosos e contra crianças58 existe e que estes, por se encontrarem muitas vezes em situações de total dependência, não

reportam as situações desumanas em que são colocados, ficando silentes com receio de consequências de monta59.

Será que o texto da norma e o seu enfoque não poderia ter seguido um trilho idêntico ao dos nossos vizinhos

espanhóis, que constatando que a violência dita doméstica era um flagelo nacional e que atingia, na sua larga maioria,

mulheres, decidiu pela previsão da violência de género e pelo combate de todas as formas de violência contra mulheres,

56 A ciência que hoje denominamos de vitimologia e que entre nós já fora sufragada por Costa Andrade, há mais de

duas décadas, na esteira de Schneider e Mendelson, está largamente difundida na ciência criminológica, sendo

oportunamente chamada à colação para a violência dita doméstica. Andrade, Manuel da Costa. A Vítima e o Problema

Criminal. Coimbra: Coimbra Editora, 1980. 57 A propósito vide Santos, Anita, Cruz, Olga, Vítimas de violência conjugal: Uma proposta de intervenção cognitivo-

comportamental in Sani, Ana e Caridade Sónia (Coordenação), Violência, Agressão e Vitimação: Práticas para a

Intervenção, Almedina, 2013, pp. 83-104. 58 A propósito da violência sobre crianças e crianças expostas à violência vide Sani, Ana, Intervenção terapêutica em

grupo com crianças expostas à violência doméstica, in Sani, Ana e Caridade Sónia (Coordenação), Violência,

Agressão e Vitimação: Práticas para a Intervenção, Almedina, 2013, pp. 35-57. 59 Sobre a intervenção do INMLCF, I.P. no seio da avaliação do dano, nomeadamente de vítimas de agressões sexuais

vide Magalhães, Teresa, Jardim, Patrícia, Rodrigues, Fernanda, Agressões Sexuais: a intervenção médica-legais e

forense in Sani, Ana e Caridade Sónia (Coordenação), Violência, Agressão e Vitimação: Práticas para a Intervenção,

Almedina, 2013, pp. 251-272.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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precisamente para encontrar a igualdade60? E relativamente à Lei Maria da Penha61 Brasileira? Lei inspirada na vida e

nos flagelos violentos sofridos por Maria da Penha ao longo da sua vida, especialmente conjugal, direccionando-se para

o combate firme e erradicação da violência doméstica e familiar contra mulheres. Será que o ordenamento jurídico-

penal português, tendo como fim a igualdade entre todos os seres humanos, não poderia ter previsto um tratamento

desigual para as mulheres, quem a final é a vítima mais recorrente no seio da criminalidade dita doméstica62? A

violência de género está presente em todos os foros da nossa sociedade, seja no seio familiar, seja no seio laboral, seja

no seio recreacional e infelizmente os seus contornos têm-se tornado cada vez mais evidentes. Esperemos que a

Convenção de Istambul tenha ajudado a que os nossos operadores judiciários se consciencializem de que existe aqui

uma realidade que necessita de ser diferenciada, mas muito ainda necessita de ser empiricamente verificado.

Sabemos que a mulher tem lutado ao longo de várias décadas para adquirir um estatuto social igualitário face ao

homem63, no entanto, os obstáculos existem e a automaticidade de estatuto de pessoa humana igual para homens e

mulheres também não existe. Podíamos dissertar sobre inúmeras situações que poderiam consubstanciar este tipo de

violência e aquilo que poderia consubstanciar violência de género, tendo como pano de fundo, ad exemplum, a

Convenção de Istambul, contudo, somos obrigados a desconstruir paredes já fortemente cimentadas, solidamente

edificadas, mormente no que tange ao conceito de bem jurídico e preocupações constitucionais quanto à proibição da

descriminação. Será que é possível discriminar positivamente esta realidade? Sinceramente, temos algumas dúvidas,

pois, apesar de o regime legal que hoje temos não ser perfeito, é o que melhor se adequa à comunidade que hoje se

encontra enformada em Portugal.

Para combater uma situação de violência doméstica, quer seja recorrente, levada a cabo de forma reiterada ou

não, conceito que por vezes é descurado como pudemos observar, é imperioso que a vítima não se sinta desprotegida,

que possa efectivamente sentir-se segura e não estigmatizada pelo crime de que foi alvo. Para tanto deveriam ser

adoptadas medidas mais eficazes e céleres aos agressores num primeiro momento, precisamente para os dissuadir de

comportamentos da mesma índole em termos futuros, nomeadamente com a aplicação eficaz de medidas de coação que

impliquem o afastamento do agressor da vítima, devidamente monitorizados, quiçá na esteira da restraining order

Americana e Canadiana64.

60 Vide a Ley Orgánica 1/2004, de 29 de Dezembro de 2004. 61 Nome vulgarmente atribuído à Lei n.º 11.340 de 7 de Agosto de 2006 que, tal como nos diz no diploma, “cria

mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição

Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o CP e a Lei de Execução Penal; e

dá outras providências”. 62 Chamamos novamente à colação as estatísticas que referimos supra de vários organismos, com especial enfoque

para as pesquisas levadas a cabo pela APAV. 63 Com total pertinência sobre o estudo do direito das mulheres, vide Beleza, Teresa Pizarro, Direito das Mulheres e

da Igualdade Social, A Construção Jurídica das Relações de Género, Uma Proposta de Estudo e de Ensino,

Almedina, Coimbra, 2010. 64 Aliás, não é necessário que haja positivações estritas sobre violência doméstica, para haver um combate efectivo a

este tipo de crime. Tomemos como exemplo o paradigma existente na Lei Canadiana. O CP Canadiano não tipifcou

um crime de violência doméstica, domestic violence, no entanto, tal não significa que não actue de forma extremosa

contra este tipo de criminalidade (existem no entanto determinações especificas sobre a violência doméstica, de que

é exemplo o Domestic Violence and Stalking Act em vigor na província de Manitoba). O agressor é imediatamente

detido e trazido a tribunal no dia útil seguinte para se aferir se está em condições para prestar fiança, no seio desse

julgamento, por assim dizer, o agressor terá de garantir que tem outro domicilio, ou que poderá ficar em casa de

amigos ou de familiares, para ser garantido que não entrará em contacto com a vítima, seja no sei domicílio, seja no

seu trabalho. Ambas as partes são submetidas a programas de ajuda para superar o sucedido. Quem sabe se este

método não seria o mais adequado para a nossa sociedade?

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A “Recente” Criminalização Da Violência Domestica. Que Rumo?

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Sabemos que muito foi dito, muito foi “denunciado”, considerado como desajustado e injustificado,

designadamente quando tivemos oportunidade de discorrer sobre as molduras penais e a forma como a positivação do

crime se encontra, mas não podemos concluir, colocar um ponto final nesta problemática, pois consideramos que ainda

está na altura de ser analisada ao mais ínfimo pormenor, havendo actualmente vários pormenores que não têm todos os

seus contornos definidos.

Ora, será que não estaríamos perante situações em que devia ser permitida uma certa desigualdade no seio do

direito? Aliás, é precisamente isso que sucede, no entanto, não num melhor sentido. É através do cumprimento de

planos, mormente em fases preventivas deste tipo de criminalidade que será possível chamar a atenção para a

necessidade de minorar fossos de desigualdades e tentar rumar face à igualdade através precisamente da desigualdade.

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Nota editorial: O presente artigo não se encontra sob as normas do Acordo Ortográfico.

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A Aproximação Da Relação Jurídica De Emprego Público Português Às Leis Laborais

João Gois Ramalho1

Resumo

A negociação coletiva na Administração Pública Portuguesa após a entrada em vigor da Constituição da

República Portuguesa de 1976, processava-se sob a Lei nº 23/98 de 26 de maio. Com a entrada em vigor da Lei nº 12-

A/2012 de 27 de fevereiro, que aprovou a Lei de Vínculos, Carreiras e Retribuições, a LVCR, e subsequente aprovação

da Lei nº 59/2008 de 11 de setembro, que aprovou o Regime de Contrato de Trabalho para Funções Públicas, o RCTFP,

os trabalhadores sob este regime, viram as suas condições de trabalho, sujeitas à negociação coletiva prevista na Lei nº

59/2008, ficando fora do âmbito da negociação coletiva prevista na Lei nº 23/98, no que concerne às condições de

trabalho. Apesar da Lei nº 59/2008, ter caminhado no sentido da convergência da relação jurídica de emprego público

dos trabalhadores contratados das normas do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro,

continuamos a assistir no que concerne à negociação coletiva das condições de trabalho dos trabalhadores que exercem

funções públicas, a negociação coletiva ser regulamentada por diferentes diplomas legais, e o espaço de negociação

coletiva no âmbito do Código do Trabalho ser mais amplo que o da Administração Pública, o que significará estarmos

perante uma violação do Artigo 13º da CRP.

Palavras chave - Administração pública, emprego público, contrato de trabalho, negociação coletiva

The approach of the legal relationship of public job Portuguese labour laws

Abstract

Collective bargaining in the public administration of Portugal after the entry into force of the Portuguese

Constitution of 1976, processed under law n. 23/98 of 26 May. With the entry into force of Law 12/2012 of 27

February, which approved the Law Links, Careers and Compensation, the LVCR, and subsequent approval of law n..

59/2008 of 11 September, which adopted the Regime of employment contract for Public Functions, the RCTFP,

workers under this scheme, have seen their working conditions, subject to collective bargaining provided for in Law

59/2008, falling outside the scope of collective bargaining under Law 23/98, with regard to working conditions. In spite

of law No. 59/2008, have walked towards the convergence of the legal relationship of public employment of workers

engaged in the standards of the Labour Code adopted by Law 7/2009 of 12 February, we continue to watch with regard

to collective bargaining of the working conditions of workers who exercise public functions, collective bargaining is

regulated by different legislation, and the space of collective bargaining within the framework of the labour code be

broader than the public administration, which means we are dealing with an infringement of article 13 of the CRP.

Key-words- Public administration, public employment, employment contract, collective bargaining

1

O autor é Professor Auxiliar do Instituto Superior Bissaya Barreto e Doutor em Direito. Contato:

[email protected]

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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A negociação coletiva na Administração Pública Portuguesa, com a entrada em vigor da Constituição da

República Portuguesa de 1976, após a implantação do Estado de Direito Democrático, III República, passou a ser

efetuada no âmbito da Lei nº 23/98 de 26 de maio, tendo sido retirados do âmbito da negociação coletiva deste diploma

legal, a negociação coletiva das condições de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública Portuguesa em

regime de contrato de trabalho para funções públicas, com a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008 de 27 de fevereiro,

que aprovou a Lei de Vínculos Carreiras e Retribuições, a LVCR, diploma que efetuou uma profunda reforma na

Administração Pública Portuguesa. Em consequência da entrada em vigor da LVCR, foi publicada a Lei nº 59/2008 de

11 de setembro, lei que aprovou o Regime de Contrato de Trabalho para Funções Públicas, o RCTFP, que entrou em

vigor no dia 1 de janeiro de 2009, originando-se por esta via a entrada em pleno da LVCR igualmente na mesma data, 1

de janeiro de 2009.

Portanto, deparamo-nos atualmente na Administração Pública Portuguesa com duas situações a destacar:

A primeira, motivada pela referida LVCR, que veio a extinguir o conceito jurídico de funcionário público na

Administração Pública Portuguesa, e a segunda, na constituição da relação jurídica de emprego público, que passa a ser

estabelecida por duas modalidades de relação jurídica de emprego público, a partir de 1 de Janeiro de 2009, pela

nomeação para os trabalhadores nomeados, trabalhadores que se encontram previstos nos artigos 9º e 10º da LVCR e

pelo contrato de trabalho para o exercício de funções públicas, para os trabalhadores contratados, que se encontram

previstos nos artigos 9º e 20º desta Lei.

De seguida efetuaremos uma análise retrospetiva sobre os processos de negociação coletiva que se

desenvolveram na Administração Pública Portuguesa, para além da negociação coletiva prevista na Lei nº 23/98,

nomeadamente a negociação coletiva das condições de trabalho, efetuadas no âmbito da Lei nº 23/2004 de 22 de maio e

na Lei nº 59/2008 de 11 de Setembro.

A Negociação Coletiva no âmbito da Lei nº 23/2004, de 22 de Maio, que aprovou o Contrato Individual

de Trabalho na Administração Pública Portuguesa

Com a entrada em vigor do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n 99/2003 de 27 de agosto, adiante

designado por CT, a Administração Pública Portuguesa, viu-se confrontada com o determinado no artº 6º da citada Lei,

sendo obrigada a adaptar as suas normas, quanto à celebração de contratos de trabalho por pessoas coletivas públicas,

com as constantes no novo CT, e nesse desiderato, a Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, Lei que aprovou o Regime

Jurídico do Contrato Individual de Trabalho da Administração Pública Portuguesa, cumpriu a citada orientação

normativa do artº 6º do CT, que veio a interferir com o artº 165º.1.t) da CRP, norma que determina as bases do regime e

âmbito da função pública.

A Lei nº 23/2004, veio permitir que o trabalho subordinado na Administração Pública passasse a ser

enquadrado em paralelo com o regime de direito público. Subjacente a esta Lei, passam a existir dois quadros de

trabalhadores no seio das pessoas coletivas públicas, um quadro de funcionários e um quadro de trabalhadores em

regime de contrato individual de trabalho, não sendo estes quadros de pessoal, comunicantes entre si, de acordo com o

estatuído no artº 2º desta Lei nº 23/2004.

Constatamos que até à entrada em vigor desta Lei, existia uma proibição genérica das pessoas coletivas

públicas de celebrarem contratos de trabalho, salvo as exceções previstas nas leis orgânicas de alguns Institutos

Públicos,2 nos termos do artº 41º.4 do DL 427/89, de 7 de Dezembro, como sucedeu nomeadamente aquando da criação

2 RAMALHO, M. R. P., Contrato de Trabalho na Administração ……, ob. cit., pág. 10.

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A Aproximação Da Relação Jurídica De Emprego Público Português Às Leis Laborais

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do Instituto do Emprego e Formação Profissional – IEFP, nos termos do DL 247/85, de 12 de Julho, ao estabelecer que

o pessoal do Instituto se rege pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho, e do Instituto Nacional de

Estatística – INE, nos termos do DL nº 280/89, de 23 de Agosto, diploma que veio complementar a Lei 6/89, de 15 de

Abril, DL que veio permitir que a gestão do INE adopte um modelo de gestão tipo empresarial, ficando o seu pessoal

submetido nos termos do seu artº 30º.1, ao regime do contrato individual de trabalho3.

Nesse desiderato, o artº 2º da Lei nº 23/2004 veio determinar, que «aos contratos de trabalho celebrados por

pessoas coletivas públicas é aplicável o regime do CT e respetiva legislação especial com as especificidades constantes

desta lei», especificidade fundamentada na entidade patronal em causa, o Estado Português, com a necessidade de

acautelar o interesse público que as normas do CT poderão não fazer, sendo portanto em tudo que não conflitue com

especificidade da atuação da Administração Pública, o CT atuará como direito subsidiário a esta Lei nº 23/2004, dado

que a definição constitucional de conceito de função pública, suscita alguns problemas devido aos vários sentidos que a

lei ordinária utiliza.

Mas o que se verifica é que estes dois vínculos de relação jurídica de emprego público, apesar de

regulamentados por normativos distintos, «evidenciam tantas semelhanças e pontos de contacto que faz cada vez mais

sentido falar em tendências recíprocas de intersecção», tutelando estes regimes jurídicos dois vínculos que se fundam

em valores idênticos, mas no caso dos funcionários e agentes, o próprio Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes

aprovado pelo DL nº 24/84, atual Lei 58/2008 de 9 de setembro, procede a uma descrição minuciosa dos deveres dos

funcionários, o que o CT não faz, ficando-se por uma enunciação dos deveres dos trabalhadores em regime laboral4.

Os trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho outorgado nos termos desta Lei, ficavam

portanto ligados a um conjunto de deveres especiais consignados no seu artº 4º nomeadamente, «o dever de prossecução

do interesse público, o dever de agir com imparcialidade e isenção perante os cidadãos», interesse público que o artº

269º da CRP determina como objetivo da atividade da Administração Pública5.

A Lei nº 23/2004, veio no entanto, através do seu artº 1º.2, a habilitar as pessoas coletivas públicas, incluindo o

Estado, a celebrar contratos de trabalho, levando a uma alteração profunda no enquadramento do trabalho subordinado

na Administração Pública, dado existir até à entrada em vigor desta Lei, uma proibição genérica das pessoas coletivas

públicas de celebrarem contratos de trabalho, salvaguardando as disposições especiais previstas em diplomas orgânicos

de Institutos Públicos6, como referido supra.

Com a entrada em vigor da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, na Administração Pública Portuguesa, veio

permitir-se contratar trabalho subordinado, para a prossecução do serviço público, através do contrato de trabalho,

relação jurídica de trabalho que passou a ser regulamentado por esta Lei e pelo CT. O legislador através deste diploma,

3NEVES, A. F., Relação jurídica de.….., ob. cit. pág. 43, e Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/2004 – Processo

nº 471/01, DR I série, nº 49, de 27 de Fevereiro, pág, 1045.

4 RAMALHO, M. R. P., Intersecção, entre o regime da função ………, ob. cit. pág. 83, e RAMALHO, M. R. P.,

Estudos de Direito do Trabalho, Vol I, Editora Almedina, Coimbra, 2003, pág. 72.

5 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nº 61/2004 – Processo nº 471/01, DR I série, nº 49, de 27 de

Fevereiro, pág, 1044.

6 O DL Nº 247/85, de 12/07, diploma que estabelece a estrutura orgânica e estatutos de pessoal do Instituto do Emprego

e Formação Profissional, o DL Nº 280/89, de 23/08, que conjuntamente com a LEI Nº 6/89, de 15/04, veio determinar

as linhas de orientação e a estruturar a sua linha de gestão, com um modelo de gestão tipo empresarial do Instituto

Nacional de Estatística, e ainda o DL Nº 283/89, de 23/08 que veio criar o regime jurídico do Instituto das

Comunicações de Portugal, onde o seu pessoal se rege pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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efetuou uma adaptação das normas do Código do Trabalho ao contrato de trabalho na Administração Pública, com um

regime totalmente novo, aplicado à generalidade das Administrações Públicas, conseguindo conciliar através deste

diploma, princípios fundamentais da atividade do Estado e da função pública, não tendo no entanto o legislador com

este diploma, assumido um regime unitário na Administração Pública Portuguesa.

Como se processa a regulamentação das condições de trabalho destes trabalhadores laborais na Administração

Pública Portuguesa?

O artº 19º da Lei nº 23/2004, sob o título «Convenções coletivas de trabalho», veio determinar, que níveis de

convenções coletivas de trabalho podiam ser aplicadas aos contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas

públicas, verificando-se aqui ao nível das fontes do Direito do Trabalho, a sua natureza publicista, através da convenção

coletiva de trabalho, que se traduz num acordo de vontades outorgado por entidades privadas, as associações sindicais e

as entidades patronais, regulamentação coletiva complementada com as portarias de extensão, estendendo-se através de

um regulamento administrativo o âmbito de aplicação destas convenções coletivas aos trabalhadores e empregadores do

mesmo sector profissional, verificando-se por esta via a influência pública na prossecução dos interesses de

uniformização do estatuto dos trabalhadores subordinados e da igualdade de tratamento de todos os trabalhadores do

sector, o que se pretende efetivamente com a regulamentação colectiva de trabalho7.

Constatamos de acordo com o estipulado no normativo em questão, e por via do artº 1º.3 da Lei nº 23/98, que

estabeleceu o regime de negociação coletiva e de participação dos trabalhadores da Administração Pública Portuguesa

em regime de direito público, «os direitos de negociação coletiva e de participação dos trabalhadores da Administração

Pública, em regime de direito privado, regem-se pela legislação geral referente à regulamentação coletiva das relações

de trabalho», o Código do Trabalho.

A Lei nº 23/2004, remetia-nos para as disposições gerais previstas no CT em conjugação com o previsto no artº

2º.1, do DL nº 84/99, diploma que assegurava a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e

regulava o seu exercício, com as disposições da Lei nº 23/2004, nomeadamente os seus artigos 19º a 21º. Já a Lei nº

99/2003, de 27/08 que aprovou o CT, e agora revogado pela Lei nº 7/2009, determinava no seu artº 6º, no que concerne

aos «trabalhadores de pessoas coletivas públicas» que não seja funcionário ou agente da Administração Pública,

«aplica-se o disposto no Código de Trabalho, nos termos previstos em legislação especial e sem prejuízo dos princípios

gerais em matéria de empregabilidade».

Mas os trabalhadores em regime laboral da Administração Pública Portuguesa, encontravam-se como

verificámos anteriormente, obrigados a um conjunto de princípios que a sua atividade pública na prossecução do

interesse público, a isso obriga, o que não obsta, a que estes trabalhadores não tenham o direito à contratação coletiva

nas mesmas condições que os trabalhadores das empresas privadas, nos termos da Lei nº 23/98, artº 1º.3.

A Lei nº 23/2004 nos seus artigos 19º a 21º, veio garantir uma verdadeira negociação coletiva a estes

trabalhadores em regime de contrato de trabalho, salvaguardando-se o interesse público inerente à atividade de estes

trabalhadores da Administração Pública em regime laboral, nos termos do artº 269º.1 da CRP, e o respeito do princípio

constitucional da autonomia coletiva previsto no artº 56º.3 da CRP que consagra o direito à contratação coletiva, direito

integrante da liberdade sindical reconhecida no artº 55º.1 da CRP aos trabalhadores da Administração Pública8.

7 RAMALHO, M. R. P., Estudos de Direito do ……, ob. cit. pág. 77. 8 FERNANDES, F. L., «O direito de negociação colectiva na Administração Pública», Questões Laborais, Ano V-

1998, nº 12, Coimbra Editora, pág. 221, FERNANDES, A. L. M., Direito do …….., ob. cit. pág. 704, e RAMALHO, M.

R. P., «O Contrato de Trabalho na Reforma da Administração Pública», Questões Laborais, Ano XI - 2004, nº 24,

Coimbra Editora, pág. 129.

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A Aproximação Da Relação Jurídica De Emprego Público Português Às Leis Laborais

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Verificamos assim que o sistema de negociação coletiva, instituído nos artigos 19º a 21º da Lei nº 23/2004 para os

trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho, veio criar um regime inovador de negociação coletiva,

relativamente à negociação coletiva prevista no artº 536º.2 do CT, artº 485º do atual CT aprovado pela Lei nº 7/2009, ao

estabelecer um elenco de convenções coletivas diferentes das previstas nos artigos 2º do atual CT, nomeadamente os

instrumentos de regulamentação coletiva de via negocial, os contratos coletivos, acordos coletivos, acordos de empresa,

e os instrumentos de regulamentação coletiva não negociais, o regulamento de extensão, o regulamento de condições

mínimas e a decisão de arbitragem obrigatória.

Previa ainda a Lei nº 23/2004 no seu artº 22º.4, competência do Ministro das Finanças e do Ministro

responsável pela área laboral para a «emissão de regulamentos de extensão para as pessoas coletivas públicas», no

seguimento do artº 15º da Lei Preambular do Código do Trabalho, a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, mas com regras

distintas das aplicadas à empresas, no caso da emissão de regulamentos de extensão nos termos do citado nº 4 do artº

22º da Lei nº 23/2004, ao afastar na Administração Pública, o disposto nos artigos 574º e 575º do CT, que vinha

cometer a competência de emitir regulamentos de extensão no âmbito das pessoas coletivas públicas, para o Ministro

das Finanças e do Ministro responsável pela área laboral, de convenções coletivas em cuja negociação intervieram os

representantes dos Ministérios com tutela sobre o setor em questão nos termos do artº 19º.1.c) da Lei nº 23/20049.

Portanto, a negociação coletiva efetuada e acordada nos termos da Lei nº 23/2004, as associações sindicais

podiam negociar e celebrar instrumentos de regulamentação coletiva que regulamentariam diretamente o conteúdo dos

contratos de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública em regime de contrato de trabalho, conseguindo-se

com esta negociação coletiva o respeito do princípio constitucional da autonomia coletiva prevista no artº 53º.3 da CRP,

onde o direito à contratação coletiva era suscetível de se desdobrar em três vias de regulamentação das condições de

trabalho dos trabalhadores, através do direito das entidades patronais não se recusarem à negociação coletiva e a não

sujeição dos acordos obtidos em sede de negociação coletiva a autorização ou homologação administrativa, apesar da

existência legal das portarias de regulamentação que o CT previa no seu artigo 553º, e o atual CT prevê no seu artº 514º

e seguintes.

Como verificámos, a intenção do legislador com a entrada em vigor da Lei nº 23/2004 que veio definir o

regime jurídico do contrato individual de trabalho nas pessoas coletivas públicas, teve como objetivo principal, alcançar

uma Administração Pública moderna, eficaz e eficiente, e com um serviço de qualidade, mas o diploma em questão, por

si só não foi suficiente, como referiu Veiga e Moura. Para que se consigam alcançar os desideratos em questão, ter-se-ia

que ir mais longe que a publicação da Lei em causa, devendo-se optar entre outras opções, pela elaboração de um

Código da Função Pública, «onde se agrupe toda a legislação essencial em matéria de emprego público, onde se

enunciem os conceitos e princípios fundamentais da relação de emprego, se defina o seu âmbito e se tracem os

elementos essenciais e caracterizadores do regime jurídico»10.

Esse desiderato ocorreu, com a publicação da Lei nº 12-A/2008, de 27/02, Lei que veio estabelecer os regimes

de vinculação, de carreiras e de retribuições dos trabalhadores que exercem funções públicas, e que reforma o regime

jurídico da Função Pública. Este diploma entrou em vigor na sua totalidade, com a entrada em vigor, entre outros

diplomas legais, do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 59/2008, de

11 de Setembro, Lei que veio aprovar o regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, o RCTFP.

9RAMALHO, M. R. P., e BRITO, P. M., Contrato de Trabalho na Administração………., ob. cit. págs. 91 a 106. 10MOURA, P. V., A Privatização da Função……., ob. cit. pág. 409.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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A Lei nº 12-A/2008, veio definir que o regime de carreiras na Administração Pública, é restrito a quem seja

titular de uma relação jurídica de emprego público que se pode estabelecer na modalidade de nomeação ou em contrato

de trabalho em funções públicas nos termos do seu artº 9º.1, sendo os trabalhadores com uma relação jurídica de

emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, integrados nas

carreiras previstas nos artigos 41º e 42º desta Lei, as carreiras gerais e carreiras especiais. Prevê ainda esta Lei, a

constituição de relação jurídica de emprego público em comissão de serviço, nos termos do seu artº. 9º.411.

Considerando que a Lei nº 12-A/2008, determina que a partir de 1 de Março de 2008 a modalidade para a

constituição de todas as relações de emprego público, que não se constituam por nomeação, nos termos do artº.10º desta

Lei ou por comissão de serviço nos termos do seu artº. 9º.4, se passam a efetuar por contrato de trabalho em funções

públicas, encontramo-nos perante uma generalização do uso do contrato individual de trabalho como veículo jurídico

normal para a constituição das relações de emprego público, contrato que não é um contrato administrativo nem é

disciplinado pelo Direito Administrativo, havendo portanto uma inversão da regra de vinculação existente, passando a

contratação a ser regra geral e a nomeação com esta Lei uma exceção nos termos do seu artº. 10º, limitada a um

conjunto de carreiras.

Outro grande passo que esta Lei vem a estabelecer na relação jurídica de emprego na Administração Pública

Portuguesa, consiste na cessação da qualidade de funcionário dos trabalhadores da Administração Pública, com uma

relação jurídica de emprego público por nomeação, conceito de funcionário público que é completamente eliminado da

terminologia do emprego público, artº 80º.1.d), da LVCR, passando a nomeação a ser restrita às carreiras que envolvem

o exercício de funções predominantemente não técnicas que contendem com o exercício de soberania por parte do

Estado.

Quanto às fontes normativas do regime jurídico funcional aplicável aos trabalhadores que se encontram

sujeitos a uma relação jurídica de emprego público diferente da comissão de serviço e das condições previstas no artº.

10º da Lei nº 12-A/2008, as modalidades de contrato de pessoal, nomeadamente os contratos por tempo indeterminado e

os contrato a termo resolutivo, certo ou incerto, o artº 81º.1 desta Lei enumera a sua prioridade como instrumento

disciplinador da relação emergente de um contrato, continuando o Estado com este normativo, como fonte normativa

prioritária disciplinadora das relações de trabalho, com a possibilidade de determinar unilateralmente a regulamentação

das condições de trabalho dos seus trabalhadores públicos em regime de contrato.

Somente passa para a negociação coletiva as matérias que esta Lei lhes deixa, continuando-se a assistir a uma

negociação coletiva das condições de trabalho dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho na Administração

Pública, com um pendor marcadamente unilateral12, matéria que iremos analisar de seguida.

A Contratação Coletiva na Administração Pública Portuguesa nos termos da Lei nº 12-A/2008 de 27 de

Fevereiro, a LVCR, e da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime de Contrato de Trabalho em

Funções Públicas

O Direito de Contratação Coletiva na Administração Pública Portuguesa nos termos da Lei nº 12-A/2008 de 27

de Fevereiro, a LVCR, e da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime de Contrato de Trabalho em

Funções Públicas, o RCTFP, veio impor na Administração Pública Portuguesa, a partir do ano de 2008, como referimos

anteriormente, o inicio de um processo de reformas na gestão dos seus recursos humanos, constituídos por funcionários,

11PIMENTEL, F., Consequências da Reforma……….., ob. cit. págs. 19 e 20. 12 MOURA, P. V., e ARRIMAR, C., Os novos regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos

Trabalhadores da Administração Pública - comentário à Lei nº 12-A/2008, de 29 de Fevereiro, Coimbra Editora, 2008,

pág.s 166 e 167.

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A Aproximação Da Relação Jurídica De Emprego Público Português Às Leis Laborais

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agentes e contratados, sendo a relação jurídica de emprego dos contratados, efetuada em regime de contrato de trabalho

por tempo indeterminado e a termo resolutivo.

A revogação da Lei nº 23/2004, bem como os demais diplomas legislativos, que a Lei nº 12-A/2008 revogou

expressamente no seu artigo 116º, levou à transformação do regime jurídico de vinculação à Administração Pública, dos

trabalhadores contratados, passados quatro anos após a entrada em vigor da citada Lei nº 23/2004, que veio estabelecer

uma nova regulamentação jurídica na Administração Pública Portuguesa do contrato individual de trabalho13.

Com a Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, estabeleceu-se um novo Regime de Vinculação, de Carreiras e de

Remunerações, com que se deu início a uma das grandes reformas na Administração Pública Portuguesa no que

concerne à gestão dos trabalhadores da Administração Pública. A LVCR no seu artº 9º determina quais as modalidades

de relação jurídica de emprego público, que se podem estabelecer em regime de trabalho subordinado, nomeadamente,

por nomeação, contrato de trabalho em funções públicas e comissão de serviço, sendo a nomeação uma relação jurídica

constituída por ato unilateral da entidade empregadora pública, e o contrato de trabalho, um ato bilateral celebrado entre

uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, que age em nome e em representação do

Estado, e um particular, através da qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa.

Com o novo vínculo da relação jurídica de emprego público baseado no contrato de trabalho em funções

públicas, passou a ser a regra de constituição da relação jurídica de emprego público a partir de 1 de Março de 2008, na

Administração Pública Portuguesa, verifica-se a introdução por esta via, da generalização do contrato laboral de

trabalho como meio normal de constituição das relações de emprego público,14 passando a relação jurídica de emprego

público da nomeação a ser aplicada unicamente nas situações previstas no artº 10º da LVCR, a carreiras que envolvam

áreas onde o exercício de funções públicas são predominantemente não técnicas, e o Estado exerce o seu poder estadual.

A LVCR veio ainda criar outra situação inovatória na Administração Pública Portuguesa, ao eliminar o

conceito de funcionário público do universo de qualquer das relações jurídicas de emprego que esta lei prevê, ao referir-

se no seu artº 80º nº 1.d), «subsidiariamente, as leis gerais cujo âmbito de aplicação subjetivo se circunscreva aos então

designados funcionários e agentes», conceito que tem suporte constitucional, pelo que não entendemos como pode ser

retirado do universo jurídico através de via legislativa. Deparamos portanto, com a entrada em vigor da LVCR,

nomeadamente através do seu artº 20º, com a obrigatoriedade de contratação dos trabalhadores da Administração

Pública Portuguesa, que não devam ser nomeados e cuja relação jurídica de emprego público não deva ser constituída

por comissão de serviço, ser efectuada por contrato de trabalho em funções públicas.

Mas outra situação decorrente da entrada em vigor da LVCR, consiste na obrigatoriedade de os atuais

trabalhadores da Administração Pública nomeados, transitarem para a modalidade do contrato de trabalho, sem

qualquer oportunidade de fazerem uma opção e manterem o vínculo da nomeação definitiva, como decorre do artº 88º

da LVCR, já que a lei exclui a possibilidade de opção, que permitiria pelo menos respeitar a livre vontade dos

trabalhadores15. Com a regra de transição, consagrada no artº 88º.4, da LVCR, apesar do legislador ter ressalvado os

regimes de cessação da relação jurídica de emprego público, de reorganização de serviços e de mobilidade especial

próprios da nomeação definitiva, não deixou assegurada aos interessados uma opção pelo regime anterior ou pelo novo

regime, como acontece noutros casos de sucessão de regimes legais, o que vem contrariar como referimos já

13 PIMENTEL, F., Consequências da Reforma………….», ob. cit. pág. 19. 14VEIGA E MOURA, considera a generalização do contrato de trabalho laboral para funções públicas inconstitucional,

dado reconhecer-se no diploma que o contrato tem natureza de contrato administrativo, quando na verdade, o que se

generaliza a partir de 1 de Março de 2008 é o contrato laboral de trabalho.

15PIMENTEL, F., Consequências da Reforma………..», ob. cit. págs. 19 e 20.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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anteriormente, os princípios da segurança jurídica e da confiança ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático,

consagrada no art.º 2º da CRP. Este novo normativo, viola ainda os artigos 53º e 58º Constituição, que garantem o

direito à função pública e o respetivo direito ao lugar do quadro e desenvolvimento da respetiva carreira.

O contrato de trabalho para funções públicas, nos termos do artº 21º da LVCR, pode revestir as modalidades de

contrato por tempo indeterminado e de contrato a termo resolutivo, certo ou incerto, conferindo o contrato por tempo

indeterminado o direito a aceder a uma das carreiras que a LVCR prevê no seu artº 49º, a de Técnico Superior, que

passa a ser uma carreira unicategorial, a de Assistente Técnico, que passa a ser uma carreira bicategorial, e a de

Assistente Operacional, que passa a ser constituída por três categorias, extinguindo-se por esta via da LVCR conjugada

com o DL nº 121/2008, de 11 de Julho, que no âmbito de um programa de reformas da Administração Pública

Portuguesa, que passa pela redução e extinção de quase 1716 carreiras e categorias que existiam na Administração

Pública Portuguesa.

Nos termos do nº 7 do artº 117º conjugado com o artº 5º, ambos da LVCR, os atuais quadros de pessoal onde

se encontravam integrados os funcionários públicos, em regime de nomeação definitiva, de acordo com o determinado

Decreto Lei nº 41/84 de 3 de Fevereiro, nomeadamente o seu artigo 7º, que regulamenta a estrutura dos quadros de

pessoal, no DL nº 427/89, e artº 6º do DL nº 184/89, de 2 de Junho, deixam de existir, passando a existir os mapas de

pessoal, com a durabilidade de um ano, com a sua aprovação conjunta com a proposta de orçamento para o ano

seguinte.

Com a possibilidade de gestão anual dos quadros de pessoal pela Administração Pública, nos termos do artº 88º

da LVCR, através do seu ajustamento anual, os trabalhadores da Administração Pública Portuguesa, vêm o princípio da

segurança no emprego plasmado no artº 53º da CRP violado, dado que este ajustamento anual, pode pôr em causa o seu

posto de trabalho, porque apesar de os trabalhadores se encontrarem contratados por tempo indeterminado, não passam

de meros contratados a prazo por um ano renovável, sempre dependentes da revisão dos mapas de pessoal.

Claro que os ex funcionários públicos que à data da entrada em vigor da Lei nº 59/2008, no dia 1 de Janeiro de

2009, nos termos do artº 88º.1, os que exercem funções públicas nos termos do artº 10º da LVCR, mantêm a nomeação

definitiva, bem como os ex funcionários previstos no artº 88º. 4, da mesma Lei, «mantêm os regimes de cessação da

relação jurídica de emprego público e de reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade

especial próprios da nomeação definitiva….», mas como vimos anteriormente, transitam ope legis, sem outras

formalidades, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

Outra situação que reputamos de grave, consubstancia-se pela violação do princípio da confiança dos cidadãos

nas Instituições Públicas, tem a ver com a imposição efetuada por determinação dos artigos 88º nº 4 e 109º nºs 1 e 2 da

Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e o artº 17º nº 2 da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, à maioria dos funcionários

públicos, dado estarmos perante uma imposição de mudança de vínculo que cai sobre todos os funcionários nomeados

que não exerçam as funções referidas no artº 10º da LVCR. Esta situação, que nunca foi pensada ou desejada por

qualquer um deles, o que exalta a inconstitucionalidade de tais normativos, mas que o Tribunal Constitucional nos

termos do seu Acórdão nº 256/2010 de 09 de Setembro, veio declarar os citados artigos 88º e 109º da Lei nº 12-A/2008,

de 27 de Fevereiro, de acordo com a CRP, declarou a sua conformidade com a CRP.

Como verificámos anteriormente, com a entrada em vigor da LVCR, que veio determinar que uma das

modalidades de relação jurídica que os trabalhadores da Administração Pública podem estabelecer com o empregador

público, para além da nomeação e da comissão de serviço, consiste no contrato de trabalho em funções públicas, que a

Lei nº 59/2008, veio regulamentar o seu respetivo regime, determinando o artº 1º deste regime, que esta relação

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A Aproximação Da Relação Jurídica De Emprego Público Português Às Leis Laborais

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contratual em funções públicas, está sujeita em especial aos instrumentos de regulamentação coletiva que o artº 81º.2 da

LVCR publicada em 27 de Fevereiro de 2008, já assim o determinava16.

Em que consiste este contrato de trabalho em funções públicas?

O contrato de trabalho em funções públicas é o ato bilateral celebrado entre uma entidade empregadora

pública, com ou sem personalidade jurídica, que pode ser um órgão ou serviço da administração direta ou indireta do

Estado, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de

trabalho subordinado de natureza administrativa17 Este contrato de trabalho em funções públicas é, portanto, um

contrato de natureza administrativa, logo subordinado ao interesse público, que titula uma relação jurídica de emprego

público, sendo os tribunais competentes para apreciar os litígios emergentes das relações de trabalho constituídas

através de um contrato de trabalho em funções públicas, não os Tribunais de Trabalho, como sucedia com os contrato

individuais de trabalho acordados nos termos da Lei nº 23/2004 de 22 de Junho, mas os Tribunais Administrativos e

Fiscais, nos termos do artº 10º da Lei nº 59/2008 que veio alterar, o artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e

Fiscais aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.

Situação distinta, sucedia com os contratos de trabalho outorgados sob a tutela da Lei nº 23/2004 que aprovou

o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública, determinando o seu artº 2º que «aos

contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respetiva

legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei», vindo ainda a esclarecer qualquer dúvida que

pudesse vir a ser suscitada, pelo nº 2 deste mesmo artigo, que, «o contrato de trabalho com pessoas coletivas públicas

não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal

em regime de direito público».

Encontramo-nos perante uma privatização do direito regulador da Administração Pública, que neste caso

concreto, se alargou à própria natureza dos vínculos laborais na Administração Pública, substituindo-se formas típicas

de relação jurídica de emprego público por vinculações privatísticas18. Este recurso generalizado a estes instrumentos

jurídico-privados para regular relações administrativas, tem sido incentivado por algumas correntes económicas, que

defendem uma redução do peso do Estado na sociedade em geral.

Esta privatização do regime jurídico do emprego público, tem o seu fundamento direto na Constituição

Portuguesa de 1976, ao conferir os direitos fundamentais aos trabalhadores em termos gerais, (liberdade sindical, o

direito de negociação e de contratação coletiva e o direito de greve). E aqui reside a especificidade do regime do

emprego público, quando a CRP no seu artº 269º.1. 19.

O que impede a Administração Pública Portuguesa, de em sede de negociação coletiva, permitir que se

discutam bases do seu regime jurídico, para uma melhor regulamentação da atividade pública e portanto para um

melhor serviço público?

Como Palomeque López afirmou, «la limitación institucional del poder empresario dentro de la organización productiva

se contruye jurídicamente, asi pues, de modo paralelo (y por lo mismo recíproco) a la aceptación legislativa de

categorias como la presencia colectiva de los trabajadores en la empresa y su consiguiente organización dentro de la

misma…..Es verdad, por consiguiente, que la idea de participación de los trabajadores en la empresa, como fenómeno

16 PIMENTEL, F., Consequências da Reforma…………., ob. cit. pág. 17. 17PIMENTEL, F., Consequências da Reforma…………, ob. cit. pág. 17. 18MOURA, P. V., A privatização da……, ob. cit. pág. 39. 19RAMALHO, M. R. P., Estudos de Direito….., ob. cit. pág. 83.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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colectivo es en esencia política, por tener que ver con el próprio poder del empresario y sus limitaciones

institucionales….».20

O legislador, com a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008- LVCR, e da Lei nº 59/2008 -RCTFP, deveria

certamente ter ido mais longe, pois com esta reforma da Administração Pública Portuguesa, o Estado Português apesar

de surgir como uma entidade empregadora com dois regimes de vinculação à Administração Pública, os nomeados e os

contratados, continua a conciliar como sucedeu com a entrada em vigor da Lei nº 23/2004, que criou o Contrato

Individual de Trabalho na Administração Pública Portuguesa, como já analisámos, dois regimes de relação jurídica de

emprego público, ao conciliar através da Lei nº 59/2008, princípios fundamentais das Leis Laborais, ìnsitos no Código

do Trabalho-CT, preservando a natureza do contrato, objeto da Lei nº 59/2008 com os princípios fundamentais da

atividade do Estado e da função pública.

Continua o legislador após a reforma em questão, a manter um regime dicotómico, nas relações jurídicas que

estabelece com os seus trabalhadores, onde convivem dois regimes, genericamente um com os princípios do direito

laboral, plasmado como se disse anteriormente no Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, o dos trabalhadores

da Administração Pública em regime do contrato de trabalho para o exercício de funções públicas e o dos trabalhadores

da Administração Pública nomeados, previstos no artº 10º da Lei nº 12-A/2008-LVCR.

Conclusão

Para além da oportunidade perdida pelo legislador ao não implementar a unificação do regime de relação

jurídica de emprego público, o legislador continua a permitir a existência de dois regimes de negociação coletiva das

condições de trabalho na Administração Pública Portuguesa, a que se encontra sob a alçada da Lei nº 23/98 para os

trabalhadores nomeados, e a negociação coletiva das condições de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública

Portuguesa em Regime de Contrato de Trabalho para Funções Públicas, efetuada sob a Lei nº 12-A/2008-LVCR, e da

Lei nº 59/2008-RCTFP.

Para a negociação coletiva das condições de trabalho comuns a estes trabalhadores, deveria ser prevista uma

mesa geral de negociação coletiva, cujo resultado final seria um acordo para os trabalhadores nomeados e contratados, o

que não sucede no ordenamento jurídico Português, como sucede na negociação coletiva das condições de trabalho de

matérias comuns aos trabalhadores na Administração Pública de Espanha, onde o resultado das negociações realizadas

em mesa geral de negociação, será um pacto ou acordo segundo o instrumento normativo usado para os funcionários, e

o acordo marco para os trabalhadores da Administração Pública nos termos do artigo 83º da LET, Lei do Estatuto do

Trabalhadores.

O que constatamos no ordenamento jurídico Português, nomeadamente na Lei nº 59/2008 de 11 de setembro,

RCTFP, no seu artigo 8º, titulado «Disposições aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas na qualidade

de nomeação», determina a aplicação desta lei aos trabalhadores nomeados somente nas situações ali estabelecidas,

nomeadamente, nos regulamentos sobre direitos de personalidade, igualdade e não discriminação, proteção na

parentalidade, regime do trabalhador estudante, segurança, higiene e saúde no trabalho, constituição das comissões de

trabalhadores e direito de greve.

Portanto a negociação coletiva das condições de trabalho efetuada sob a Lei nº 23/98, apesar de obrigar o

Governo a adotar a nível legislativo ou administrativo, conforme as matérias acordadas, num prazo máximo de 180

dias, as medidas necessárias à efetivação das condições de trabalho que sejam objeto do acordo obtido, claro, com a

20PALOMEQUE LÓPEZ, M. C., «La participación de los trabajadores en la empresa (Una revisión institucional»),

Revista Española de Derecho del Trabajo, Enero-Marzo 2007, nº 133, Thomson, pág. 13.

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A Aproximação Da Relação Jurídica De Emprego Público Português Às Leis Laborais

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devida salvaguarda das matérias cuja regulamentação sejam da competência da Assembleia da República, caso em que

o Governo deve solicitar a respetiva autorização legislativa no prazo máximo de 45 dias.

Mas uma outra questão ainda se nos coloca, no que respeita ao grau de eficácia que a Lei nº 23/98 confere aos

direitos de negociação coletiva dos trabalhadores em regime de nomeação na Administração Pública Portuguesa, sendo

a Lei nº 23/98 omissa nesse sentido, como iremos demonstrar.

Qual a garantia que estes trabalhadores em regime de nomeação têm, no caso de incumprimento total ou

parcial por parte do Governo dos acordos alcançados?

Outra questão ainda pode ser suscitada no que respeita à entrada em vigor dos acordos negociados no âmbito

da Lei nº 23/98, e voltamos a falar em incumprimento por parte do Governo, quando alega a cláusula de salvaguarda

consagrada no artigo 4º da Lei nº 23/98, fundamentada na prossecução do interesse público, o que vem permitir ao

Governo invocar a defesa do interesse público para se coibir de concluir qualquer acordo com as associações sindicais.

Para além das diferenças aqui elencadas entre a negociação das condições de trabalho dos trabalhadores da

Administração Pública Portuguesa, em regime de nomeação e em regime de contrato de trabalho para o exercício de

funções públicas, diferenças de negociação que constatamos existirem entre trabalhadores que trabalham sob a

dependência hierárquica da mesma entidade empregadora, deparamos ainda com outra diferença em termos de

negociação coletiva das condições de trabalho, entre os trabalhadores da Administração Pública e os trabalhadores do

regime geral.

Negociação coletiva das condições de trabalho que continua a ser de menor abrangência na Administração

Pública, em relação à negociação coletiva que se realiza no setor privado, sob a tutela do Código do Trabalho, porque as

bases do regime jurídico da função pública constituem reserva de lei, nos termos do artº 165. t) da CRP, reserva de lei,

que não permitirá que a negociação coletiva das condições de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública,

consiga cumprir com o determinado nos direitos dos trabalhadores Portugueses, que a própria CRP acolhe como direitos

fundamentais, violando-se por esta via, o direito de igualdade de todos os cidadãos, nos termos do artº 13º da CRP, quer

enquanto cidadãos quer enquanto trabalhadores.

Referências Bibliográficas

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Gomes Canotilho, J. J., e Moreira, Vital, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 3º Edição, Coimbra Editora,

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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Ramalho, M. R. Palma, «Contrato de Trabalho na Administração Pública», Editora Almedina, Coimbra, 2005, 2º

edição.

ROCHA, O., Gestão de recursos humanos na Administração Pública, Escolar Editores, 2005.

Nota editorial: O presente artigo encontra-se sob as normas do Acordo Ortográfico.

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo e do

artigo 142.º do Código do Trabalho

Sónia Preto1

Resumo

O contrato de trabalho de muito curta duração é uma novidade e uma surpresa do Código do Trabalho aprovado em

2009.

O que é? Para que serve? Como funciona? São algumas das perguntas a que procuraremos responder com o presente

texto.

Tratando-se de um contrato especialíssimo e novo o legislador teve uma boa oportunidade para regular uma

realidade presente em alguns setores de atividade, para além da jeira agrícola, como o hoteleiro e o denominado, salvas

especificidades terminológicas, por serviços extra e até, em geral, as atividades excecionais das empresas.

Não pode deixar de se concluir que falta bastante no domínio da regulação para que se possam ver esclarecidas

muitas questões sobre o modo de funcionamento da figura, nomeadamente quanto ao seu regime, mas também que

garanta formas de prevenção e controlo eficazes contra eventuais abusos e até a sua conformidade constitucional.

Palavras-chave: Contrato de trabalho; muito curta duração; regime; procedimento

VERY SHORT FIXED-TERM EMPLOYMENT CONTRACT.

Notes on the regime of fixed-term contracts and on the article 142.º of the Portuguese Labour Code

Abstract

The very short fixed-term employment contract is a novelty and a surprise of the Portuguese Labour Code

adopted in 2009.

What is it? How can it be used? How it works? These are some of the questions we will try to respond in this

text.

The very short fixed-term employment contract is a very special and new form of an employment contract.

Considering this characteristics, the legislator had a very important chance to regulate an important reality in some

sectors of activity like the uncommon activities of the enterprises, and not only agriculture or tourism.

We can not but conclude that a considerable lack of regulation in the field needs to be clarified, remaining many

questions about the operation mode of the figure, particularly with regard to his regime, but also ways to ensure

effective prevention and control against possible abuse and even its constitutional conformity.

Keywords: Contract work, very short fixed-term; regime; procedure

1

Advogada. Doutoranda do programa de Doutoramento Direito, Justiça e Cidadania no séc. XXI (3.ª ed.) com

projeto em Direito do trabalho (matéria retributiva). Mestre em Direito do trabalho pela Universidade Católica

Portuguesa, Escola de Direito de Lisboa (2012), Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de

Coimbra (2003).

Lawyer. PhD Candidate at the University of Coimbra in Labour Law. Master in Labour Law. Degree in Law.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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I. O Contrato de trabalho a termo23

1. O contrato a termo e a Constituição

O modelo tradicional da relação de trabalho traz subjacente a ideia norte-americana de trabalhador (homem) de

um único empregador numa só fábrica para a vida. Os tempos e as vontades determinaram que novas formas ou

modalidades de trabalho ficassem a coberto do Direito do Trabalho sendo que a contratação a termo é disso paradigma.

Mas o paradigma da relação laboral é (ainda é) o contrato de trabalho por tempo indeterminado4: O contrato a termo

«não corresponde a um modelo de contrato de trabalho de recurso livre mas exige um fundamento objetivo5».

Efetivamente deve entender-se que os contratos sem ou com termo não traduzem dois produtos negociais

dotados de legitimidade idêntica em sede juslaboral, antes se encontram numa relação de regra-exceção6. A conclusão a

que se chega aprioristicamente encontra necessário radical no texto constitucional e, em particular, no seu artigo 53.º

que, sobre a epígrafe «segurança no emprego»7, faz decorrer que o emprego deve ser, por via do princípio, estável e

assim justificado «por ponderosas razões objetivas8»

Apesar deste entendimento o legislador optou, a partir de 2003, por permitir que a fixação dessas razões fosse

deixada à responsabilidade das partes no âmbito da negociação coletiva como decorre dos artigos 139.º e 3.º do CT.

2 O presente texto corresponde, no essencial, à intervenção da A. no ciclo de conferências «Questões Jurídicas:

Perspetivas atuais» em 16.03.2012, organizado e promovido pelo Centro de Investigação em Inovação Social e

Organizacional do Instituto Superior Bissaya Barreto. 3 No texto são utilizados os seguintes acrónimos e abreviaturas: A(A).: Autor(es); AA.VV.: Autores vários; Ac.:

Acórdão; AECOPS: Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços Afins e outras;

ANIVEC/APIV: Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção; APIFARMA — Associação Portuguesa

da Indústria Farmacêutica; BFDUC: Boletim da Faculdade de Direito; BTE: Boletim do Trabalho e do Emprego; CC:

Código Civil; CCT, (a): Convenção Coletiva de Trabalho; CCT, (o): Contrato Coletivo de Trabalho; Cfr.:

Confirmar/confrontar; Cit./op. cit.: opus citatum est, (d)a obra citada; CJ: Coletânea de jurisprudência; CPA: Código de

Processo Administrativo; CPT: Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09.11 com

as alterações do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13.10 que o republica (este último diploma foi retificado pela Declaração

de Retificação n.º 86/2009, de 23.11; CRP: Constituição da República Portuguesa; CT ou CT2009: Código do Trabalho

aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02; CT2003: Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08;

DR(E):Diário da República (Eletrónico); Ed.: Edição; FESETE: Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis,

Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal; FETESE: Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e

outro (pessoal fabril); IRCT(s): Instrumento(s) de Regulamentação Coletiva de Trabalho; LCCT: Lei da Cessação do

Contrato de Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovada Decreto-

Lei n.º 64-A/89, de 27.02; LCTP: Lei dos Contratos de Trabalho a Prazo aprovada pelo Decreto-Lei n.º 781/76, de

18.10; LCT1: Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47032, de

27.05.1966; LCT2: Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de

24.11.1969; Op. cit.: Vide cit.; P(p).: Página(s); P. ex.: Por exemplo; RDES: Revista de Direito e Estudos Sociais;

SETACCOP — Sindicato da Construção, Obras Públicas e Serviços Afins e outros; STJ: Supremo Tribunal de Justiça;

TRC: Tribunal da Relação de Coimbra; TRE: Tribunal da Relação de Évora; TRG: Tribunal da Relação de Guimarães;

TRL: Tribunal da Relação de Lisboa; TRP: Tribunal da Relação do Porto; V.: Vide, ver; V. g.: Verbi gratia; vide P. ex.;

Vol.: Volume. 4A este propósito v. LEAL AMADO (in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2011, p. 93 e ss.)

questionando qual a regra para a contratação no domínio laboral. 5PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II – Situações laborais individuais, 3.ª edição, revista e atualizada ao

Código do Trabalho de 2009, Almedina, Coimbra 2010, p. 267. 6 Nos termos do expresso por LEAL AMADO; Contrato de Trabalho; cit., p. 93. 7 Primeiro dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores como notam JORGE LEITE; Direito do trabalho; (I:2004);

p. 82 e LEAL AMADO; Contrato de Trabalho; cit., p. 94. 8 JORGE LEITE; Direito do trabalho; Vol. I, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Serviço de Textos,

Coimbra 2004; p. 82. Ademais «O trabalho a termo é, por natureza, precário» e «em princípio a relação de trabalho é

temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente

para ocorrer a necessidades temporárias das entidades empregadoras e pelo período estritamente necessário à satisfação

dessa necessidade» (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA; Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. I.

Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, Coimbra 2007; p. 711).

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo

62

Todavia a CRP ainda é o referencial a considerar no que tange, também, aos limites de atuação nesta sede.

2. Evolução normativa9

O contrato de trabalho a termo em Portugal vê a sua primogénita regulação remontar à Lei n.º 1952,

10.03.193710 prevendo quer o prazo determinado, quer o prazo necessário para execução de um serviço (que

corresponderiam, grosso modo, aos nossos termos certo e incerto, respetivamente).

Posteriormente11 foi publicada a LCT1 (Decreto-Lei n.º 47032 de 27.05.1966), e com ela surgiu um novo

regime jurídico do contrato individual de trabalho, onde o comummente denominado contrato a prazo encontrava

previsão no artigo 10.º e exigia singelamente a «estipulação escrita» e a «adequação à natureza do trabalho e dos

usos»12.

De seguida urge referenciar a LCT2 (Decreto-Lei n.º 49408, de 24.11.1969) que surgiu na sequência do

processo de revisão da LCT113. O preâmbulo assumia a conceção do diploma relativamente ao contrato de trabalho

«sobre o qual assenta[va] a existência e digna subsistência do trabalhador» e «se apoia[va] o equilíbrio da vida social no

seu conjunto, com todos os seus reflexos na paz e no regular funcionamento das instituições coletivas». O novo

regime revogou o Decreto-Lei n.º 47032 e entrou em vigor em 01.01.197014. Em preceito homónimo ao seu predecessor

se mantinha15 o regime do anteriormente fixado todavia era mais ou menos assente que a lei estabelecia «o princípio da

indeterminação no tempo do contrato de trabalho, para proteção à estabilidade do emprego16».

Ulteriormente o Decreto-Lei n.º 781/76, de 28.1017 conhecido por Lei dos Contratos de Trabalho a Prazo

(LCTP) revogou o referido regime e introduziu um novo para a contratação a termo18. Este diploma admitia (artigo 1.º)

apenas a celebração de contratos de trabalho a prazo certo (ao contrario do seu antecessor) pelo período mínimo de seis

meses conquanto outorgado com forma escrita, admitindo-se sucessivas renovações até perfazer no máximo de 3 anos.

Excecionalmente admitia-se a celebração de contrato de trabalho por período inferior a seis meses conquanto se

9 Sobre a evolução ao nível comunitário v. JORGE LEITE; Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito

comunitário; in Questões Laborais, Ano XIII, n.º 27; Coimbra Editora, Coimbra 2006; pp. 19 e ss.; JÚLIO GOMES,

Direito do trabalho; cit. pp. 580 e ss.; do mesmo A., O contrato de trabalho a termo ou a tapeçaria de Penélope?; in

Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. IV, IDT, Almedina, Coimbra 2003, pp. 35 e ss.; SUSANA SOUSA

MACHADO; Contrato de trabalho a termo. Transposição da Diretiva 1999/70/CE para o Ordenamento Jurídico

Português: (In)compatibilidades; Coimbra Editora, Coimbra 2009, pp. 121 e ss.; e PEREIRA MARQUES; O contrato de

trabalho a termo resolutivo como instrumento de política económica. Entre eficácia e validade; Coimbra Editora/grupo

Wolters Kluver, Coimbra 2011; pp. 24 e ss. 10 Publicada no Diário do Govêrno, I Série, n.º 57, estabelecendo no artigo 13.º «O contrato celebrado por prazo

determinado ou pelo tempo necessário para executar certo serviço não pode, sem justa causa, ser denunciado

unilateralmente antes de expirar o prazo convencionado ou de estar concluído o serviço». 11 Sobre a evolução da regulação deste tipo de contrato v. SUSANA SOUSA MACHADO; Contrato de trabalho a termo, cit,

pp. 121 e ss. 12 Cfr. ALMEIDA POLICARPO e MONTEIRO FERNANDES; Lei do contrato trabalho anotada; Almedina, Coimbra 1970;

anotação ao artigo 10.º. 13 Cfr. artigo 132.º do Decreto-Lei n.º 47032 que previa a revisão do diploma até 31.12.1969. 14 Cfr. artigos 2.º (estabelece o inicio de vigência em 01.01.1970) e 3.º (revoga a legislação anterior) do diploma que

aprova a LCT2. 15As alterações são de pouca (nenhuma) monta. Os n.os 1 e 2 não sofreram alteração e o n.º 3 passa a tratar a questão de

maneira apenas formalmente diversa deixando de remeter diretamente para a coima devida pelo incumprimento que

continua a ser prevista neste diploma pelo artigo 127, n.º 1, b). 16Cfr. BERNARDO XAVIER; Regime jurídico do contrato de trabalho anotado; 2.ª edição, atualizada e aumentada,

Atlântida Editora, Coimbra 1972, anotação ao artigo 10.º, § I, p. 51. 17 Entre diplomas importa ainda destacar o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16.07 que revoga as disposições da LCT2

relativas à cessação do contrato de trabalho e, por inerência, também às relativas à caducidade por ocorrência do termo

(cfr. artigos 4.º, alínea b) e 8.º, alínea a) do diploma de 1975). 18 Artigo 2.º do respetivo diploma preambular. Cfr. MÁRIO PINTO, FURTADO MARTINS e NUNES DE CARVALHO,

Comentário às leis do trabalho, vol. I, LEX, Lisboa 1994, pp. 57 e s.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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verificasse a natureza transitória do contrato a celebrar, nomeadamente se se tratasse de serviço perfeitamente

determinado ou de obra concretamente definida exigindo-se, acrescidamente, que essa justificação constasse do próprio

contrato.

Na altura já a doutrina ponderava os interesses em lide, considerando os dois pratos da balança que

dominavam a discussão sobre este tipo de contratação, efetivamente «perfilham-se aqui valores contraditórios, que

colocam problemas delicados de política legislativa. Do ponto de vista dos trabalhadores, a ter de haver prazo, mais vale

que seja certo: sabem, de antemão, quando caduca o contrato e poderão, à partida, estudara melhor forma de superar o

problema. No que toca às empresas, porém, a questão é inversa: uma atividade inesperada que obrigue a contratar a

prazo poderá não ter, de antemão, uma duração definida: daí que o prazo certo surja como algo de rígido e, porventura,

de inadaptado perante as realidades da economia19».

A reforma de 1989 (que culminou com a aprovação do Decreto-Lei 64-A/89, de 27.02: a LCCT)20 veio

precisamente tentar equilibrar aqueles dois pressupostos passando a admitir quer contratos a termo21 certo como a termo

incerto22 mantendo o caráter de excecionalidade do recurso a esta modalidade de contratação por força do princípio

constitucional da estabilidade no emprego23. O diploma, todavia, passou a enumerar de forma taxativa as situações em

que esta contratação era admitida (artigos 41.º e 48.º)24 e fixando exigências formais de redução a escrito e conteúdo,

passando a exigir que o motivo justificativo constasse sempre do contrato sob pena de o contrato se considerar sem

termo (artigo 42.º, n.º 3).

No entanto, o acervo normativo referido constituía, apenas, um fragmento do ordenamento jurídico-laboral

português acabando por emergir em 2003 um Código do Trabalho25 que compilou grande parte das normas que estavam

dispersas por múltiplos diplomas26. Os objetivos da regulação da matéria constavam da Exposição de Motivos da

Proposta do Código do Trabalho e foram fixados tendo em vista: «a) Estabelecimento de um critério geral para a

admissibilidade da contratação a termo; b) Fixação de um limite geral de duração do contrato a termo certo; c)

Clarificação de regras respeitantes à proibição de contratos sucessivos; d) Consagração de um dever específico de

formação dos trabalhadores contratados a termo; e) Previsão da possibilidade de aumento da taxa social única, a cargo

do empregador, em função do número de trabalhadores contratados a termo e da duração dos contratos, salvo tratando-

se de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração27».

O regime geral do contrato de trabalho a termo certo e incerto foi previsto na secção das cláusulas acessórias,

nos artigos 129.º a 145.º do Código do Trabalho; a cessação – na modalidade da caducidade – foi tratada nos artigos

19 MENEZES CORDEIRO; Manual de direito do trabalho; reimpressão, Almedina, Coimbra 1999, p. 636 (a propósito do

regime deste Decreto-Lei). 20Que regulava esta matéria nos artigos 41.º e ss. 21 O diploma deixou de se referir a contratos a prazo para passar a utilizar a terminologia contratos a termo. Criticando

a opção do legislador v. JORGE LEITE; Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Ação Social da U. C., Serviço de

Textos, Coimbra 1999, pp. 104 e ss.; diferentemente, considerando-a a melhor opção técnica MENEZES CORDEIRO;

Manual de direito do trabalho, cit., p. 627. 22 Respetivamente artigos 44.º a 47.º e 48.º a 51. 23 Cfr. artigo 53.º da CRP. Sobre a excecionalidade da figura neste período v. JORGE LEITE; Direito do Trabalho,

(1999), cit., pp. 107 e s.

24 Fazendo-o pela positiva e não pela negativa (MENEZES CORDEIRO; Manual de direito do trabalho, cit., p. 627).

Criticando a falta de preocupação sistemática do legislador v. JORGE LEITE; Contrato a termo por lançamento de nova

atividade; in Questões Laborais, Ano II, n.º 5, Coimbra Editora, Coimbra 1995; pp. 75 e ss. 25 Lei n.º 99/2003, de 27.08. 26 O CT2003 careceu, ainda, de regulamentação pela Lei n.º 35/2004, de 29.07. 27 In exposição de motivos da Lei n.º 99/2003, de 27.08 (V. Contrato a termo).

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo

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387.º a 389.º; o artigo 440.º dispunha quanto às consequências da ilicitude do despedimento no domínio desta

contratação; o artigo 443.º, n.º 3 fixava a indemnização devida ao trabalhador em caso de resolução do contrato com

justa causa, e ainda, o artigo 447.º, n.os 3 e 4 tratava da denúncia deste tipo de contrato, finalmente os artigos 655.º e 681

fixava a responsabilidade contra-ordenacional28.

Do novo regime destaca-se a necessidade de especificação dos factos que integram as hipóteses do motivo

justificativo da contratação a termo [artigo 131.º, n.os 1, e) e 3], a possibilidade de o contrato poder caducar

automaticamente conquanto essa possibilidade esteja prevista no contrato29 e o afastamento da imperatividade, como

regra, das normas relativas ao contrato de trabalho a termo certo de acordo com o artigo 128.º30.

Finalmente, em cumprimento da imposição constante do artigo 20.º do CT2003, promoveu-se a revisão desse

diploma com a criação da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais31 cujas conclusões haveriam de ser

projetadas no novo Código do Trabalho aprovado a Lei n.º 7/2009, de 12.0232.

No que tange ao contrato a termo as alterações que destacamos são: (i) o termo deixou de ser previsto na

secção das cláusulas acessórias para passar a integrar uma secção denominada «modalidades do contrato de trabalho»33;

(ii) os casos especiais de contrato de trabalho de muito curta duração; a equiparação para efeitos de sucessão de

contratos de trabalho a termo34 dos contratos de trabalho temporário e de prestação de serviços para o mesmo objeto,

celebrados com o mesmo empregador ou com sociedade com quem mantenha uma relação de domínio ou grupo ou com

quem mantenha estruturas comuns (artigo 143.º); e (iii) a sistematização num único artigo das hipóteses em que se

considera ou se converte em contrato sem termo o inicialmente celebrado a termo (artigo 147.º).

28 Cumprindo ainda fazer referência aos artigos 171.º a 174.º da RCT sobre taxa social única. 29 Sem embargo de parte da doutrina entender que essa previsão podia já anteriormente «ser obtida por contrato» (cfr.

MIGUEL MONTEIRO e MADEIRA DE BRITO; in Romano Martinez et allii; Código do Trabalho Anotado, 4.ª edição,

reimpressão, Almedina, Coimbra 2006, p. 298, anotação ao artigo 140.º, §II). 30E o artigo 4.º do CT2003. 31 Criada por Resolução do Conselho de Ministros (n.º 160/2006, de 30.11), cuja atividade culminou com a publicação

do relatório da sua atividade em Novembro de 2007 enunciando os principais problemas da realidade portuguesa em

matéria laboral e outras que com ela se cruzam e propondo medidas para a intervenção legislativa e que haveriam de ser

tomadas em consideração na elaboração do CT2009. 32 De relevo, a título de regulamentação, a Lei n.º 105/2009, de 14.09 tendo, em embargo, alterado o artigo 538.º do CT. 33 Entenda-se o termo resolutivo pois a condição (suspensiva ou resolutiva) e o termo suspensivo continuaram a ser

tratados nos termos do artigo 135.º como cláusulas acessórias. Continua a discutir-se sobre a bondade da admissão de

celebração de contrato de trabalho sob condição suspensiva (elemento acidental do negócio jurídico ou cláusula

acessória típica através da qual as partes subordinam a produção de efeitos do negócio jurídico a um acontecimento

futuro e incerto). A atual redação do código parece ter tomado partido sobre a admissibilidade da condição no âmbito

do contrato de trabalho, apesar de parte da doutrina (v., por todos, JORGE LEITE, Direito do Trabalho, Vol. II, Serviço

de Ação Social da Universidade de Coimbra, Serviço de Textos, Coimbra 2004, pp. 58 e ss.) se ter manifestado contra a

admissibilidade da condição resolutiva fundada na injustificada incerteza quanto ao fim da relação laboral e

correspondente instabilidade. A atual redação do artigo 135.º, no seu elemento literal parece admitir não apenas a

condição suspensiva mas igualmente a resolutiva (ao invés da redação de 2003 que se referia, no plural, a suspensivos e,

portanto, referindo-se quer à condição quer ao termo). Apesar do interesse da discussão não podemos deixar de

acompanhar BERNARDO XAVIER quando refere que as necessidades de substituição de trabalhador configuram

verdadeiras condições resolutivas. A par destas figuras encontramos, ainda, o termo suspensivo ou inicial: cláusula que

permite adiar o início da produção de efeitos de um contrato para momento determinado. A admissibilidade destas

figuras (condição resolutiva e condição e termo suspensivos) não está sujeita a qualquer especificidade que não seja a

redução a escrito. Conferindo especial atenção ao problema e considerando a impossibilidade de condições resolutivas

v. LEAL AMADO; Contrato de Trabalho; cit., pp. 115 e ss, e, do mesmo A., Contrato de Trabalho e Condição

Resolutiva (Breves considerações a propósito do Código do Trabalho); in Estudos de Direito do Trabalho em

Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea (coordenação de António Monteiro Fernandes) Almedina, Coimbra

2004, pp. 343 e ss. 34 Sobre o tema v. JOANA NUNES VICENTE; O fenómeno da sucessão de contratos (a termo) – breves considerações à

luz do Código do Trabalho revisto; in Questões Laborais, Ano XVI, n.º 33, Janeiro/ Junho 2009, Coimbra Editora,

Coimbra 2009; pp. 7 e ss.;

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II. O contrato de trabalho de muito curta duração

1. Origem e Razão

Com assento legal no artigo 142.º do CT, a figura do contrato de trabalho a termo de muito curta duração é

admitido quando se trate de atividade sazonal agrícola ou realização de evento turístico de duração não superior a uma

semana, afirma-se como inovação do CT2009.

O contrato a termo de muito curta duração é, assim, uma novidade no nosso ordenamento jurídico. De resto a

sua previsão acabou por se revelar algo surpreendente na medida em que não constava do Relatório do Livro Branco

das Relações Laborais.

Acabou por surgir na Proposta de Lei n.º 216/X (na origem do CT2009) que previa, no seu preâmbulo: «Entre

os regimes inovadores contam-se a possibilidade (…) de adoção de medidas especificamente vocacionadas para alguns

setores de atividade com acentuada incidência de sazonalidade, como o contrato de muito curta duração na agricultura,

o regime especial de férias no turismo ou o contrato de trabalho intermitente sem termo35». O artigo 142.º da referida

proposta normativa sugeria:

«Casos especiais de contrato de trabalho de muito curta duração

1 – O contrato de trabalho em atividade sazonal agrícola ou para realização de evento turístico de duração não

superior a uma semana não está sujeito a forma escrita, devendo o empregador comunicar a sua celebração ao

serviço competente da Segurança Social, mediante formulário eletrónico que contém os elementos referidos nas

alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo anterior, bem como o local de trabalho.

2 – O disposto no número anterior aplica-se a contratos de trabalho a termo com o mesmo trabalhador cuja

duração total não exceda 60 dias de trabalho no ano civil.

3 – Em caso de violação do disposto em qualquer dos números anteriores, o contrato considera-se celebrado pelo

prazo de seis meses, contando-se neste prazo a duração de contratos anteriores celebrados ao abrigo dos mesmos

preceitos.»

Esta referência deu origem ao artigo como o mesmo n.º no CT alterado, no essencial, relativamente à proposta

no seu n.º 2 que passou a estabelecer «Nos casos previstos no número anterior, a duração total de contratos de trabalho a

termo com o mesmo empregador não pode exceder 60 dias de trabalho no ano civil».

A figura do contrato de trabalho de muito curta duração é nova no CT todavia não era inexistente na vida real

normalmente levada a efeito ou na clandestinidade ou mediante o recurso à figura da prestação de serviços36.

A figura foi objeto de alteração pela Lei n.º 23/2012, de 25.06 que alterou os n.os 1 e 2 passando a estabelecer:

«1 – O contrato de trabalho em atividade sazonal agrícola ou para realização de evento turístico de duração não

superior a 15 dias não está sujeito a forma escrita, devendo o empregador comunicar a sua celebração ao serviço

competente da segurança social, mediante formulário eletrónico que contém os elementos referidos nas alíneas

a), b) e d) do no 1 do artigo anterior, bem como o local de trabalho.

2 – Nos casos previstos no número anterior, a duração total de contratos de trabalho a termo com o mesmo

empregador não pode exceder 70 dias de trabalho no ano civil.

35 Cfr. §8 da Proposta disponível em www.parlamento.pt. 36 Os casos que chegavam aos tribunais apresentavam contornos levemente distintos. A curta duração era apreciada não

em termos de duração do contrato (que permanecia indeterminado) mas da prestação do trabalho essa sim se

apresentado de curta duração, como seria o caso da trabalhadora que presta serviços de limpeza na casa de férias do

empregador apenas quando, esporadicamente ao longo do ano, este fazia uso dela. Veja-se a situação retratada pelo Ac.

TRC de 21.01.2008 in CJ n.º 204, Ano XXXIII, Tomo I/2008, Janeiro/Fevereiro, pp. 64 e ss. e, bem assim, no Ac. STJ

de 14.02.2006 disponível em www.dgsi.pt, a propósito de questões infortunísticas.

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo

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3 – …»

2. Regime do recurso à figura

Preenchidos os requisitos gerais de contratação abre-se a possibilidade de recurso à figura do contrato de

trabalho de muito curta duração admitindo-se a celebração de contrato a termo, dispensado de forma37 e com

formalidades aligeiradas38 incluindo a integração fatual do motivo justificativo destinado ao exercício de atividade

sazonal agrícola ou para realização de evento turístico.

Estes contratos configuram a exceção à exceção da forma escrita nos negócios jurídicos (ou à regra da forma

escrita nos contrato a termo resolutivo); admitindo-se a contratação a termo de trabalhador, dispensando o formalismo

da redução a escrito, para a celebração de contrato, como referido, destinado ao exercício de atividade sazonal agrícola

ou para realização de evento turístico, sendo igualmente dispensada a integração de um motivo justificativo.

A primeira questão que se coloca é a de determinar o âmbito de aplicação desta ferramenta, em concreto se a

duração, o prazo não superior a 15 dias, se aplica exclusivamente à realização de evento turístico ou também à atividade

agrícola sazonal. O artigo, na sua limitação temporal, parece reportar-se apenas a evento turístico mediante a

mobilização do seu elemento literal (que não se apresentando claro a admite), mas também apelando à razoabilidade e

efetividade da norma. O entendimento inverso deixaria de fora várias atividades agrícolas que duram mais que 15

dias39, o que aliás é a regra para esta atividade, independentemente do tipo de propriedade.

Este entendimento parece ser corroborado pela aprovação do modelo de comunicação deste tipo de contratos,

de onde expressamente resulta, no quadro 4, que a atividade ou se reporta (i) a sazonal agrícola ou (ii) a realização de

evento turístico de duração não superior a uma semana40.

Importa, depois, apurar o que é uma atividade agrícola sazonal, na medida em que, por natureza, as atividades

agrícolas são sazonais41. A produção «agrícola, ao contrário da maior parte das atividades, é caraterizada por épocas

sazonais de trabalhado, relacionadas com o processo biológico da produção, das estações do ano, das condições

climáticas, da limitação da conservação de produtos42».

Para se tratar de agrícola a atividade terá que estar integrada no setor primário de atividade e, especificamente,

na atividade agrícola; será sazonal se disser respeito a conjunturas periódicas associadas ao ciclo anual de produção,

ainda que, hodiernamente, esta distinção se esbata por força da cada vez menor dependência dos ciclos produtivos

37 Em rigor a renovação automática (ope legis) também dispensa a redução a escrito (cfr. MONTEIRO FERNANDES;

Direito do Trabalho, cit.; p. 338). 38 O «aligeiramento das exigências de forma do contrato a termo que se compreende pela duração muito reduzida do

contrato» [cfr. PALMA RAMALHO; Contrato de trabalho a termo no Código do trabalho de 2009; in Código do Trabalho

a revisão de 2009 (coordenação de Paulo Morgado de Carvalho); Coimbra Editora (grupo Wolters Kluver), Coimbra

2011, p. 255]. 39 A situação era ainda mais candente na redacção anterior em que o contrato não podia ter duração superior a uma

semana. 40 Mod. RV 1019-DGSS. 41 E, inclusivamente, qual a margem de atuação desta figura junto de outras modalidades nomeadamente o trabalho

intermitente (artigos 157.º e ss. do CT), bem como das atividades sazonais previstas no artigo 140.º, n.º 2, alínea e) do

CT. Haverá uma relação de especialidade; estará o empregador impedido de recorrer a essas modalidades se se

preencherem os requisitos de aplicação desta modalidade? Não nos parece por força do princípio da estabilidade. Deve

dar-se sempre primazia às modalidades que maior estabilidade garantem ainda que sejam, também elas, precárias.

Todavia para PALMA RAMALHO justifica-se a distinção na medida em que apenas esta modalidade de contrato seria

admissível para a atividade agrícola sazonal (cfr. Contrato de trabalho a termo…, cit., p. 255). Compreende-se a

preocupação de facto uma secretária de uma cooperativa agrícola apesar de integrada neste setor não exerce atividade

sazonal. 42Cfr. JOSÉ MANUEL AZEVEDO, A segurança no trabalho para quem vive no campo, in

http://www.act.gov.pt/SiteCollectionDocuments/BolsaTextosSHST.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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relativamente ao funcionamento clássico (natural) das estações do ano.

Por seu turno, teremos evento quando estejamos diante de um acontecimento que promova uma atividade

organizada de acordo com uma determinada temática, tendencialmente vocacionada para reunir pessoas e divulgar ou

promover iniciativas, produtos ou outros.

O apuramento do conceito de evento, especificamente, turístico vem adensar a concretização

do âmbito de aplicação desta figura. Na realidade, poderíamos considerar sem grande oposição que

uma convenção médica é um evento não turístico, contudo se a referida convenção for organizada

num hotel ou no estrangeiro, passará a integrar o âmbito de aplicação desta modalidade?

De acordo com a Organização Mundial de Turismo43 o turismo consiste na atividade desenvolvida pelos

indivíduos enquanto viajam com o propósito de permanecerem em locais distintos daqueles em que habitualmente

residem por períodos não superiores a um ano como forma de promoverem fins como o lazer, os negócios e outros44,

definição que nos parece poder ser aplicada no contexto presente.

Quanto à valia desta figura45 não vamos tão longe quanto LEAL AMADO quando propugna que esta realidade

constitui uma criação, pelo legislador, de «uma espécie de offshore turístico e agrícola46», contudo exige, sem dúvida

um especial cuidado e eventual controlo para prevenir abusos.

Parece-nos que se trata de matéria que constitui uma realidade significativa (em contextos específicos).

Efetivamente não tendo sido possível obter dados estatísticos que permitam determinar o grau de implementação da

figura basta conhecer minimamente o contexto rural ou turístico para se aperceber que o fenómeno do trabalho

subordinado existe ainda que por poucos dias com o grave inconveniente da, até aqui, completa desregulação dada a

inadequação das regras gerais do contrato de trabalho e da utilização do contrato de prestação de serviços o que deixava

o trabalhador completamente desprotegido47. Constituíam verdadeiros contratos fantasma.

Sem embargo a regulação desta figura não operou como seria desejável e não contempla os principiais

problemas subjacentes à realidade a que procura dar resposta.

De facto, a oportunidade era boa para regular uma realidade presente em alguns setores de atividade, para além

da jeira agrícola, como o hoteleiro e o denominado, salvas especificidades terminológicas, por serviços extras48.

43� A OMT ou UNWTO (United Nations World Tourism Organization) é uma agência especializada das Nações com

atuação na área do turismo, com sede em Madrid; existe como agência especializada desde 2003, apesar de as suas

origens remontarem a 1925. 44 Tradução livre do inglês, cfr. UNWTO Technical Manual n.º 2; Collection of Tourism Expenditure Statistics, 1995,

disponível em http://pub.unwto.org/WebRoot/Store/Shops/Infoshop/Products/1034/1034-1.pdf 45Considerando a necessidade de flexibilização dos mecanismos de contratação para atividades temporárias ou

periódicas (cujo recrutamento demoraria mais do que a própria execução do contrato) e os interesses dos trabalhadores

(não só de segurança no emprego mas, igualmente, de emprego propriamente dito). 46 Cfr. Contrato de Trabalho, cit., p. 104. 47 Neste sentido MARLENE MENDES; SÉRGIO ALMEIDA; e JOÃO BOTELHO; Código do Trabalho (2009) Anotado.

Compilação conjugada; Livraria Petrony; Lisboa 2009, anotação ao artigo 142.º, § II, p. 196.

48Figura atípica, negociada coletivamente e pouco regulada para fazer face a necessidades acidentais ou extraordinárias

(Cfr. CCT entre a Associação dos Hotéis do Centro/Sul de Portugal e Outros e a Federação Nacional dos Sindicatos da

Indústria Hoteleira e Turismo e Outros, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 33, de 08.09.1981; Rezava assim a sua cláusula

101.ª: 1 – É considerado serviço extra o serviço acidental ou extraordinário, executado dentro ou fora do

estabelecimento, que, excedendo as possibilidades de rendimento de trabalho de profissionais efetivos, é desempenhado

por pessoal recrutado especialmente para esse fim. 2 – A entidade patronal tem liberdade de escolha dos profissionais

que pretenda admitir para qualquer serviço extra, devendo, porém, sempre que possível, fazer o recrutamento através

do sindicato.

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo

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Assim, não se percebe a limitação do recurso a estas duas atividades, quando por exemplo se pensa na hipótese

de acréscimo excecional da empresa previsto no artigo 140.º, n.º 2, alínea f) do CT. Por que razão um acréscimo

temporal de duração inferior a 15 dias se processar no turismo ou, independentemente disso, na agricultura não está

sujeito aos requisitos gerais e especiais da contratação a termo mas se for um acréscimo excecional num qualquer outro

setor já estará abarcada? Parece-nos que as atividades excecionais das empresas que tenham o referido limite temporal

deveriam ser abrangidas por este regime.

Concretamente, por natureza, não parece ser de aplicar o regime do artigo 148.º49, n.º 2, podendo neste caso, a

contratação ter duração inferior à necessidade que justifica o recurso à figura. Na vindima é natural que o empregador

precise de 30 trabalhadores no início mas apenas 10 para o lavar dos cestos. Todavia a letra da lei não o parece permitir,

uma vez que tal está vedado, em geral, para os contratos com duração inferior a seis meses, pelo que pensamos que se

deve proceder a uma interpretação adequada do conjunto sistemático da disciplina contratual50.

Também não terá aplicação o regime do artigo 148.º, n.os 1, 3, 4 e 5 quanto à duração máxima e cômputo,

podendo até ser renovados os contratos que foram celebrados por período inferior à necessidade e por mais do que três

vezes51; nem os artigos 143.º quanto à sucessão de contratos ainda que se trate de atividade turística como poderia

resultar a contrario do n.º 2, especificamente, alínea c); e 144.º porquanto existe norma especial sobre a matéria.

Terá todavia aplicação o n.º 2 do artigo 144.º52 e o n.º 1 quanto à informação sobre a celebração do contrato53

ainda que não exista obrigação de comunicar qualquer motivo justificativo, porque a lei não o exige para a celebração

logo não seria exigível para o cumprimento do dever de informação.

Não nos parece que tenha, igualmente, aplicação os artigos 145.º (preferência na admissão54) e 147.º (contrato

de trabalho sem termo) pensados para a figura tradicional do contrato a termo.

Acresce finalmente que, tal como foi (e se encontra) configurado, o regime do contrato de trabalho a termo de

muito curta duração não se apresenta competitivo com o regime da prestação de serviços, também pela especial

agravação contributiva para a contratação a termo55.

Estes trabalhadores têm direito a proteção na invalidez, velhice e morte, nos termos gerais.

3. Notas procedimentais

O empregador deve comunicar a celebração do contrato ao serviço competente da segurança social através de

formulário eletrónico com indicação: (i) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; (ii) Atividade do

trabalhador e correspondente retribuição; (iii) Data de início do trabalho; e (iv) Local de trabalho56.

Note-se, ainda, que a preocupação do legislador se manifesta apenas relativamente à Segurança Social e não à

Entidade Inspetiva, não cominando, por exemplo, qualquer contraordenação. Esta situação não se alcança

completamente uma vez que a comunicação constitui a única forma de controlo sobre a celebração deste tipo de

49O artigo 148.º do CT, em geral, não parece ser de aplicar a esta figura e portanto esta matéria não se encontra

abrangida pelo regime excecional de renovação dos contratos a termo estabelecido pela Lei n.º 3/2012, de 10.01. 50 Sob pena de sabotagem interpretativa na expressão de ORLANDO DE CARVALHO. 51De resto nada parece impedir a renovação conquanto se respeitem os limites legais (neste sentido v. PALMA

RAMALHO, Direito do Trabalho…, cit., p. 286. 52 A obrigação de fazer constar do seu relatório único esta realidade (artigo 144.º, n.º 2 do CT e Portaria n.º 55/2010, de

21.01.) 53Invertemos aqui a nossa opinião em Admissão de trabalhador…, cit., p. 189. 54Até porque pode existir concorrência de preferentes, o que acrescentaria um problema para solucionar. 55 Nos termos da Lei n.º 110/2009, de 16.09. 56 Estas exigências resultam do artigo 142.º. Todavia, em rigor, encontra-se determinada a exigência de comunicar,

também, a duração do contrato nos termos do artigo 41.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01 (regulamenta

o Código contributivo) que prudentemente não consta do referido modelo, sob pena de inconstitucionalidade.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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contrato. Na realidade, é neste formulário57 que reside, no essencial, quer o controlo formal quer valorativo e

substantivo neste tipo de contrato. Todavia, apesar do informalismo, não parece possível, nem desejável, afastar o dever

geral de informação previsto no artigo 106.º do CT que deveria ser cumprido plenamente por este formulário, carecendo

para o efeito, de ser adaptado a esta realidade.

O prazo para o cumprimento desta obrigação deve retirar-se do artigo 2.º, n.os 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 124/84,

de 18.04 na redação introduzida pelos Decretos-Lei n.os 330/98, de 02.11; 14/2007, de 19.01; e 72/2010, de 18.06. Nos

termos dos quais a referida comunicação «deve ser efetuada nas vinte e quatro horas anteriores ao início de efeitos do

contrato de trabalho (…)58» admitindo, todavia, que ocorrendo motivo excecional devidamente fundamentado que

impeça a comunicação nos termos referidos, admite-se que esta seja feita nas vinte e quatro horas subsequentes ao

início da atividade59.

Determina a lei que, para efeitos de evento turístico a duração de cada contrato, para beneficiar deste regime,

não poderá exceder 15 dias. Para efeitos de duração efetiva do contrato o prazo contar-se-á nos termos do artigo 279.º

do CC60.

Ainda assim a duração total de contratos não pode exceder os 70 dias no mesmo ano civil, nos termos do artigo

142.º, n.º 261.

Nada dizendo a letra da lei quanto a este particular, mesmo recorrendo ao n.º 3, urge questionar se esse limite

se reporta ao empregador no mesmo ano civil ou a cada trabalhador na relação com aquele empregador em cada ano

civil. Parece-nos que a referência deve ser relativa a cada trabalhador na empresa contratado neste regime,

contabilizando-se todos os períodos de duração de contratos anteriores celebrados ao abrigo destas regras, sob pena da

aplicação deste regime se encontrar ainda mais limitada do que a leitura do n.º 1 sugeria e de, a assim não se entender,

um trabalhador ver considerados todos os seus contratos, individualmente considerados, como celebrados por seis

meses que (caso fossem mais de dois) se sobreporiam no mesmo ano civil que apenas é composto por dois semestres.

O referido formulário também dá um bordão em que nos poderemos apoiar, referindo, em nota ao quadro 8,

que «a duração destes contratos de trabalho, com o mesmo trabalhador, não pode exceder os 60 dias em cada ano civil».

A alteração feita na redação do n.º 2 do artigo 142.º da proposta de lei que esteve na base do preceito do CT ao

transferir a referência do trabalhador para o empregador vai também neste sentido.

Como resulta do exposto, a nulidade do termo implica que o contrato se considere celebrado por termo certo de

seis meses, o que acontecerá em caso de violação dos n.os 1 e 2 do artigo 142.º do CT: o não envio do formulário62,

utilização de motivo ou prazo diferente do previsto e não cumprimento do prazo máximo admitido.

Quanto a este último importa sublinhar que esta cominação se aplica apenas aos contratos que se reportem a

57 Antes da aprovação do formulário defendíamos não haver cominação, contudo a Segurança Social poderia dar

conhecimento à autoridade com competência inspetiva da suspeita de práticas irregulares nomeadamente o não

cumprimento dos artigos 106.º e 144.º, n.º 2. 58Não dispensando as entidades empregadoras da inclusão dos novos trabalhadores admitidos na folha de remunerações

referente ao mês em que iniciam a prestação da atividade. 59 Valendo esta regra excecional apenas par aos contratos de muito curta duração ou prestação de trabalho em regime de

turnos. 60 No regime original para efeitos de duração efetiva do contrato, uma semana corresponderia a oito dias contados do

dia seguinte ao do início da atividade, também nos termos do artigo 279.º do CC. 61 Na redação original previa-se 60 dias. 62 Caso o formulário seja enviado, indevidamente preenchido, parece que deve a Segurança Social convidar à sua

correção no prazo definido no artigo 71.º do CPA, por força da evidente relação entre Direito do Trabalho e

procedimentalização e também pela natureza do destinatário (sobre procedimentalização v. BERNARDO XAVIER;

Procedimentos Laborais na Empresa, Ensinar e Investigar; Universidade Católica Editora; Lisboa 2009).

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo

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motivo do n.º 1 do artigo 142.º do CT que violem procedimentos, formalidades e/ou duração; e não os que pretendam

fraudar o artigo 140.º, aos quais se aplicará o regime estabelecido pelos artigos 141.º, 143.º, 147.º e 148.º, neste

particular63.

Considerar-se o contrato celebrado por seis meses implica a efetivação de todos os direitos e deveres que daí

decorram, nomeadamente em sede retributiva e de prestação de trabalho (direito à ocupação efetiva inclusivamente)64.

Quanto ao regime de prescrição, no caso de os contratos anteriores já terem cessado há mais de um ano, parece

que deverão ser contabilizados caso se reportem ao ano civil a que respeita a apreciação, mas o devedor pode recusar o

pagamento do que fosse devido com fundamento neste instituto.

Estes trabalhadores sê-lo-ão, salvas as devidas especificidades, para todos os efeitos legais o que significa que

terão direito a férias (ao seu pagamento) e respetivo subsídio bem como ao subsídio de Natal na proporção do trabalho

prestado.

Quanto à cessação do contrato, parece-nos que este caducará sem necessidade de qualquer comunicação formal

(não sendo de aplicar o artigo 149.º do CT) no momento em que cessar a necessidade conforme foi estabelecida

inicialmente. Em dias para os casos de evento turístico sendo que no caso da atividade agrícola poderá ser definido,

igualmente, à tarefa (plantação, colheita,…) não estando por princípio sujeito a qualquer renovação, assumindo a

modalidade de termo incerto com os limites referidos.

Não há, assim, necessidade de manifestar vontade em fazer caducar o contrato nos termos do artigo 344.º, n.º 1

do CT, porquanto «o prazo de caducidade é estipulado por força da lei, pelo que a caducidade opera

automaticamente»65, após o que o contrato se converterá em sem prazo se o trabalhador se mantiver ao serviço.

A validade do presente contrato poderá ser impugnada em ação declarativa que ateste a nulidade do termo

tácito e, em consequência, a existência de contrato a termo certo por seis meses66.

Cabe ao trabalhador, no prazo de um ano a contar do fim da cessação67, alegar e provar a existência de contrato

e a nulidade do motivo, a ultrapassagem dos prazos ou a violação do procedimento (não há norma de inversão do ónus

que se aplique), enquanto ao empregador cabe provar o envio do formulário (facto extintivo) e os contratos celebrados

anteriormente (que se contabilizam, ainda que inválidos).

Naturalmente que se suscitará um importante problema de prova que não tendo sido especificamente regulado

pelo legislador, como deveria, faz impender sobre quem alega o ónus de demonstrar o facto constitutivo do seu direito.

Razão pela qual o controlo sobre o cumprimento do dever de informação assume específica relevância neste domínio.

4. Notas finais: Cessação do contrato fundada na caducidade por verificação do termo

Resta determinar se haverá lugar à compensação prevista no artigo 366.º ex vi 344.º, n.º 2 do CT.

No essencial, e no que ora nos ocupa, a caducidade é uma das formas de cessação do contrato de trabalho, isto

é, de fazer cessar os seus efeitos bilaterais a partir de determinada data, ou época, ou fato.

63Parece ser, também, este o entendimento de MIGUEL MONTEIRO e MADEIRA DE BRITO; in Romano Martinez et allii;

Código do Trabalho Anotado, cit. (8.ª edição), anotação ao artigo 142.º, p. 390. 64 Caso seja decretado ou reconhecido em tempo útil. Neste sentido v. DIOGO MARECOS; Código do Trabalho Anotado;

Wolters Kluver Portugal/Coimbra Editora, Coimbra 2010; anotação ao artigo 142.º, §5, p. 376. 65 Cfr. DIOGO MARECOS; Código do Trabalho Anotado; cit., anotação ao artigo 142.º, §7, p. 377. 66 Deve, contudo, notar-se que a impugnação será pouco provável dada a curta duração. Não estão afastados, em tese

académica, quer a suspensão quer a impugnação de despedimento que será em processo comum. De realçar,

igualmente, que não se alcança qual a razão de ser desta cominação que se considera excessiva e sem fundamento

objetivo. 67 Artigo 337.º do CT.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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A partir de 200368 possibilitou-se que desde o início fosse fixado entre entidade patronal e trabalhador que o

contrato caducaria automaticamente findo o prazo fixado em sede do termo, sem que o mesmo admitisse renovação69.

Ora, esta alteração legal levou a que o legislador tenha optado pela consagração legal prevista no n.º2 do aludido artigo

em que manifestamente se prevê a hipótese de inexistência da compensação patrimonial devida a final do contrato –

quando a caducidade não decorra de declaração do empregador. Constituirá a caducidade automática uma dessas

hipóteses?

LEAL AMADO rejeita totalmente que se possa fazer precludir o direito à compensação laboral70. Aduz o A. que

no caso de se convencionar a caducidade automática do contrato, o trabalhador manterá o direito à compensação

porquanto o n.º 2 do artigo 344º deverá ser interpretado na sequência do n.º 1 do mesmo artigo que apenas contempla

duas hipóteses: a caducidade acionada pelo empregador ou a caducidade acionada pelo trabalhador não cabendo, assim,

no n.º 2 a caducidade automática do contrato de trabalho a termo71.

Em sentido diverso, encontramos FURTADO MARTINS que afirma não existirem argumentos que justifiquem o

afastamento da letra da lei que exige, como condição necessária, a declaração do empregador para efeitos de

constituição da obrigação de pagara a referida compensação72. Isto é, sabendo de antemão o trabalhador qual a sua

situação futura – mesmo que seja o estrito desemprego – não caberá ao caso o pagamento da compensação73.

Somos pois levados a concluir nesta fase que a alteração legislativa levada a cabo, independentemente da sua

justiça, em 2003 – e reiterada em 2009 (e em 2012) – consagrou a hipótese legal de nos contratos de trabalho a termo

certo onde seja aposta uma cláusula automática de caducidade/não renovação não ser liquidada a compensação pela

cessação do contrato, situação que não está isenta da possibilidade de abusos na fase pré-contratual.

Na verdade parece que mesmo relativamente à discussão em torno da natureza desta compensação

(compensação pela precariedade no emprego ou compensação pelo exercício de um direito) o legislador parece ter

optado por aquela que a qualifica como o montante que pretende ressarcir o trabalhador pela incerteza da duração

efetiva do seu contrato (que pode ser renovado ou não) e secundariamente pelas expectativas que pudesse vir a ter de

ver o seu contrato renovado. Ora, se o trabalhador tem conhecimento à partida de que o seu contrato não será renovado

não tem onde ancorar a legítima expectativa de – e passe a repetição – o ver renovado.

Esta tutela estende-se ao trabalhador contratado a termo incerto que não tendo (não podendo ter) expectativa de

ver o seu vínculo renovado por natureza vive na incerteza da verificação do seu termo e por isso é compensado após

receber a comunicação do empregador a fazer cessar o contrato, tanto mais que, nestas hipóteses a compensação é

68 Sem embargo da discussão doutrinal que já corria a propósito do artigo 46º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27.02. 69 Sobre a possibilidade de as partes revogarem o conteúdo da cláusula impeditiva da renovação v. MARIA IRENE

GOMES, Considerações sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo no Código do Trabalho; in

Questões Laborais, ano XI, n.º 24, Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 164 70 LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, cit., p. 109 e ss. 71 Segue este entendimento MARIA IRENE GOMES, Consideraçoes sobre o regime jurídico…, cit., p. 167 e ss. 72 FURTADO MARTINS; Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição revista e atualizada segundo o Código do

Trabalho de 2012, Pincipia, Cascais 2012 , p. 62. 73 Cfr. JÚLIO GOMES; Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 924 (que adere à possibilidade do não

pagamento da compensação em caso de caducidade automática dada a natureza endógena da compensação); v.,

também, MENDES BAPTISTA; Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, 2006, p. 154; PAULA

CAMACHO in A reforma do Código do Trabalho; IGT/CES, Coimbra Editora, Coimbra 2004, p. 302, nota 23. Na

jurisprudência, neste sentido, v. Ac. TRE de 11.05.2010 tirado no processo n.º 642/08.6TTPTM.E1, disponível em

www.dgsi.pt (Com um voto de vencido estribando-se, por um lado, na natureza da compensação defendida por JÚLIO

GOMES quer, por outro, nos ensinamentos de LEAL AMADO no que tange a entender-se a compensação como um direito

dos trabalhadores visando minorar os efeitos da precariedade contratual) e Ac. TRL de 22.04.2009 tirado no processo

n.º 1761/07.1TTLSB-4 , disponível em www.dgsi.pt.

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O Contrato De Trabalho De Muito Curta Duração. Nótulas sobre o regime da contratação a termo

72

devida independentemente da iniciativa da declaração conforme resulta do artigo 345º, n.º 4.

Razão pela qual a solução no que toca aos às hipóteses de caducidade de contrato de trabalho de muito curta

duração dependerá do tipo de acordo celebrado. Se o trabalhador sabia à partida que apenas iria executar trabalho

durante dois dias não há incerteza que sustente ou expectativa (legítima neste caso) de renovação a tutelar; O mesmo

acontecendo no caso de caducidade automática de contrato de trabalho de muito curta duração convertido em contrato a

termo certo de seis meses74; todavia se o trabalhador é contratado à tarefa, então não sabendo temporalmente quando

findará a necessidade já poderá haver lugar à indemnização.

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Decreto-Lei n.º 781/76, de 28.10 (LCTP)

Decreto-Lei n.º 124/84, de 18.04

Decreto-Lei 64-A/89, de 27.02 (LCCT)

Decreto-Lei n.º 480/99, de 09.11, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 (CPT)

Lei nº 99/2003, de 27.08 (CT2003)

Lei n.º 35/2004, de 29.07

Lei n.º 7/2009, de 12.02 (CT)

Lei n.º 105/2009, de 14.09

Lei n.º 110/2009, de 16.09

Portaria n.º 55/2010, de 21.01.

Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01

Lei n.º 3/2012, de 10.01

Nota editorial: O presente artigo não se encontra sob as normas do Acordo Ortográfico.

75 � Os diplomas são indicados na sua publicação original (com exceção do CPT), apesar de muitos

sucessivamente alterados. As citações no texto indicam qual a publicação oficial a que reportam.

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A Contratação Electrónica

Mariana Sampayo1

Resumo: A facilidade de comunicações resultado das inovações tecnológicas permite que se celebrem contratos

por via electrónica. As particularidades deste tipo de contratação determinaram que fossem objecto de legislação

específica que se pretende analisar nestas páginas.

Palavras-chave:

Contratos; consumidor; prestador de serviços.

Abstract: The facility of communication result of technological innovations allows the concluding contracts

electronically. The particularities of this type of contract leading that they were subject of specific legislation to be

analyzed in these pages.

Keywords:

Contracts, consumer, service provider.

A evolução da informática permitiu a generalização da utilização dos meios informáticos, designadamente para

a realização de trocas comerciais, mas exigiu a elaboração de regras jurídicas aplicáveis à nova realidade.

A legislação portuguesa estabelece uma regulamentação do comércio electrónico que se divide por diversos

diplomas e que é nosso objectivo analisar. Com efeito, a regulamentação jurídica do comércio electrónico consta do

Decreto-Lei 7/2004 de 7 de Janeiro. Ora a esse diploma devemos acrescentar algumas disposições constantes da Lei da

Defesa do Consumidor (Lei 24/1996 de 31 de Julho) e a regulamentação relativa à protecção da privacidade prevista

nas Leis 67/98 e 69/98.

Uma consideração prévia deve ser feita quando se analisa o Decreto-Lei nº 7/2004: o decreto transpõe a

Directiva nº 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de Junho de 2000. No que a esta última se refere o

Preâmbulo do decreto-lei considera que a Directiva não regula todo o comércio electrónico e, por outro lado, prevê

matérias que o legislador português entende deverem ser objecto de regulamentação de direito comum e não só de

direito comercial.

A transposição teve a preocupação de regular essencialmente o que se prevê na directiva tendo, contudo,

estabelecido aspectos que essa não fixa. De referir que o decreto-lei adoptou uma sistemática própria para se adequar

aos quadros vigentes na ordem jurídica portuguesa.

O Preâmbulo do decreto-lei identifica vários objectivos na Directiva cujo diploma que introduz pretendeu

realizar:

1. Assegurar a liberdade de estabelecimento e de exercício da prestação de serviços na sociedade de informação

na União Europeia;

2. Determinar o regime de responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços;

3. Regular as comunicações publicitárias em rede;

4. Regular a contratação electrónica e, por último

1A autora é Professora Auxiliar no Instituto Superior Bissaya Barreto e Doutora em Direito.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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5. Estabelecer um mecanismo de resolução extrajudicial de conflitos.

O decreto-lei em matéria de comunicações publicitárias em rede aproveita para proceder ainda à transposição

do artigo 13 da Directiva nº2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Julho de 2002 relativa à

privacidade e às comunicações electrónicas.

O diploma que estamos a analisar compõe-se de 43 artigos divididos em sete capítulos:

I – Objecto e âmbito

II – Prestadores de serviços da sociedade da informação

III – Responsabilidade dos prestadores de serviços em rede

IV – Comunicações publicitárias em rede e marketing directo

V – Contratação electrónica

VI – Entidades de supervisão e regime sancionatório

VII – Disposições finais.

O decreto-lei estatui que estão fora do seu âmbito (artigo 2º):

a) A matéria fiscal;

b) A disciplina da concorrência;

c) O regime de tratamento de dados pessoais e da protecção da privacidade;

d) O patrocínio judiciário;

e) Os jogos de fortuna e

d) A actividade notarial ou equiparada.

O número 2 do mesmo artigo dispõe que o diploma não afecta as medidas que fomentam, a nível nacional ou

comunitário, a diversidade cultural e linguística e asseguram o pluralismo.

A matéria da contratação electrónica inclui-se no capítulo V e desenvolve-se em dez artigos (Artigo 24 a 34).

A análise das disposições permite se dividam em três subgrupos:

a) Disposições gerais

b) Disposições específicas da contratação por via electrónica: 1. Com intervenção humana; 2. Sem

intervenção humana

c) Solução de litígios

Na verdade, no que às condições gerais da contratação electrónica diz respeito, estabelece o diploma serem

aplicáveis as suas disposições a qualquer contrato celebrado por via electrónica, sejam ou não qualificáveis como

comerciais (artigo 24). A disposição permite, portanto, que muitos contratos sujeitos ao direito comum sejam

celebrados por via electrónica o que constitui uma vantagem para os particulares que, para além de evitarem

deslocações, adquiriram um meio rápido e eficaz de resolução dos seus problemas.

O princípio estabelecido no Direito das Obrigações da liberdade contratual não sofre qualquer excepção pelo

facto de o contrato ser celebrado pela via electrónica. Isso mesmo resulta do artigo 25 que o estabelece e dispõe não ser

a realidade ou eficácia dos contratos prejudicada pelo facto de serem celebrados por via electrónica. Mais, só está

obrigado a aceitar a contratação por via electrónica quem a tal se tiver vinculado (artigo 24.3). O respeito do mesmo

princípio impõe que o número 4 proíba que por cláusula contratual geral se imponha aos consumidores a celebração de

contratos por via electrónica. Se o artigo 24 estabelece a admissibilidade da contratação electrónica exclui, contudo,

dessa possibilidade algumas áreas cuja necessidade da celebração de contratos presencialmente se compreende

imponha. Na verdade, o diploma não permite a celebração de contratos por via electrónica quando:

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A Contratação Eletrónica

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Relativos a questões familiares e sucessórias;

Relativos a matérias que exijam a intervenção de tribunais, entes públicos ou outros entes que

exerçam poderes públicos;

Relativos a negócios reais imobiliários (excepcionam-se os contratos de arrendamento);

Relativos a actos de caução e garantia (excepção feita aos que se integrem em actividade

profissional de quem os presta).

No que à forma diz respeito, o diploma estabelece que as declarações preenchem a exigência de forma escrita

quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de dignidade, inteligibilidade e conservação. A esta

disposição acrescenta, ainda, o artigo 26 que, desde que satisfaça os requisitos da legislação sobre assinatura electrónica

e certificação, o documento vale como documento assinado.

A regulamentação mais específica da contratação electrónica é estabelecida nos artigos 27 a 33. O artigo 27

estabelece uma obrigação para os prestadores de serviços em rede: devem disponibilizar meios técnicos eficazes que

permitam aos destinatários dos serviços identificar e corrigir erros de introdução antes de formularem a encomenda. O

artigo apenas permite se excepcione a esta obrigação quando se trate de não consumidores e haja um acordo nesse

sentido.

O prestador de serviços em rede está obrigado a um dever de informação mínima. Com efeito, antes que os

destinatários procedam à ordem de encomenda devem ser informados:

a) Do processo de celebração do contrato;

b) Do arquivamento ou não do contrato pelo prestador do serviço e do acesso que o consumidor

tem a esse registo;

c) Da língua ou línguas em que o contrato pode ser celebrado;

d) Dos meios técnicos que são fornecidos para que possam ser identificados e corrigidos os

erros nas ordens de encomenda;

e) Os termos contratuais e as cláusulas gerais do contrato a celebrar; e, por fim

f) Dos códigos de conduta que o prestador seja subscritor e da forma de os consultar electronicamente.

Esta obrigação complementa o direito à informação estabelecido na Lei de Defesa do Consumidor. Com efeito,

essa lei no seu artigo 8 estabelece o dever de informar ao fornecedor de bens ou prestador de serviços. Nos termos dessa

disposição a informação deve ser clara, objectiva e adequada ao consumidor e quando os bens a fornecer possam

implicar riscos para a saúde devem ser comunicados de modo claro, completo e adequado. Mais, a obrigação de

informação existe tanto nas negociações como na celebração do contrato. Acresce que, a violação do dever de

informação (seja porque não é dada, é ilegível, insuficiente ou ambígua) confere ao consumidor o direito de retractação

do contrato a ser exercido no prazo de sete dias úteis a contar da data da recepção do bem ou da data da celebração do

contrato de prestação de serviços.

Destas disposições esclarece o artigo 28 só estão isentos os casos em que haja acordo nesse sentido e as partes

não sejam consumidores.

O artigo 29 estabelece as regras a aplicar á encomenda e distingue o caso em que há prestação imediata em linha

do produto ou serviço ou não. Com efeito, no primeiro caso é dispensada qualquer formalidade pois o produto ou

serviço estará imediatamente acessível ao consumidor. Caso contrário o diploma exige que recebida a ordem de

encomenda por via electrónica haja, por parte do prestador de serviços, o envio, por meios electrónicos, de um aviso de

recepção para o endereço electrónico que foi indicado e com a identificação fundamental do contrato a que se refere. O

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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diploma só dispensa esse procedimento nos casos em que haja acordo dispensando esse procedimento com o fornecedor

do produto ou serviço. Nos casos em que se exige aviso de recepção a encomenda só se torna definitiva com a

confirmação do destinatário reiterando a ordem emitida. Com este procedimento protege-se o consumidor de um

qualquer erro na encomenda e, mesmo, de qualquer encomenda indesejada.

Como se compreende estão isentos destas obrigações os que celebram contratos por correio electrónico ou por

meio equivalente de comunicação individual.

Ao destinatário deve ser sempre possível armazenar e reproduzir quer os termos contratuais e as cláusulas

contratuais gerais, quer o aviso de recepção. O diploma presume terem sido recebidos a ordem de encomenda, o aviso

de recepção e a confirmação da encomenda desde o momento em que os seus destinatários a eles tenham possibilidade

de aceder (artigo 31).

O diploma distingue, ainda, duas situações:

a) A situação em que a oferta de produtos ou serviços em linha consubstancia uma proposta contratual

por conter todos os elementos necessários para que o contrato fique concluído com a simples aceitação do

destinatário;

b) A situação em que a oferta de produtos ou serviços em linha não preenche os requisitos

previstos na alínea anterior e, consequentemente, é considerada um convite a contratar.

Em qualquer dos casos, o mero aviso de recepção da ordem de encomenda não tem significado para a

determinação do momento da conclusão do contrato. Ou seja, o aviso de recepção não pode resumir-se a um

procedimento automático realizado pelo computador mas deve preencher os requisitos já enunciados para que um aviso

de recepção seja considerado como válido.

O artigo 33 do diploma legal fixa o regime aplicável a um tipo especial de contratação electrónica: a contratação

celebrada exclusivamente por meio de computadores e sem intervenção humana. Manda o diploma aplicar o regime

previsto para a contratação em geral salvo quando esse regime pressupõe a actuação humana. Contudo e porque os

computadores e os seus programas são o resultado da actividade humana, o diploma manda aplicar as disposições sobre

o erro:

4. Na formação da vontade quando haja erro de programação;

5. Na declaração se houver erro de funcionamento da máquina;

6. Na transmissão se a mensagem chegar deformada ao seu destino.

Acresce que, em caso de erro, a parte que dele se devia ter apercebido não pode opor-se à impugnação. Ou seja,

as partes que entre si admitem a contratação automática devem instalar mecanismos para a detecção de erros.

Para apreciação e resolução de litígios entre prestadores e destinatários de serviços da sociedade de informação

permite o diploma o recurso a formas de solução extrajudicial de litígios que funcionem em rede (artigo 34).

A supervisão da aplicação das normas constantes do Decreto-Lei nº 7/2004 é atribuída à ICP – Autoridade

Nacional de Comunicações (ICP/ANACOM) a quem, entre outras atribuições e competências, compete fiscalizar o

disposto em matéria de comércio electrónico e instruir processos de contra-ordenação, aplicando as sanções previstas.

Ora, o diploma fixa coimas que variam entre 2500 e 50000 euros para o desrespeito das normas que estabelecem a

obrigatoriedade de utilização de dispositivos de identificação e correcção de erros, fixam as informações prévias e

estabelecem a tramitação da ordem de encomenda. Estes montantes são elevados para o dobro em caso de reincidência.

De referir que estas sanções podem ser acompanhadas da sanção acessória da perda a favor do Estado dos bens usados

para a prática das infracções. A estas medidas pode, ainda, acrescer a sanção acessória de interdição do exercício da

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A Contratação Eletrónica

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actividade pelo período máximo de seis anos e, tratando-se de pessoas singulares, da inibição de exercício, durante seis

anos, de cargos sociais em empresas prestadoras de serviços da sociedade da informação. Contudo, o ICP-ANACOM

apenas pode estabelecer tais sanções até um período máximo de dois anos pois as sanções superiores a esse período

devem ser decididas por autoridade judicial. Como medida provisória o ICP-ANACOM pode decretar:

a) A suspensão da actividade e o encerramento do estabelecimento que foi suporte da actividade contra-

ordenacional;

b) A apreensão de bens que tenham sido veículo da prática da infracção.

A análise da contratação electrónica não ficaria completa sem referência às comunicações não solicitadas (isto é,

ao spam). Com efeito, a celebração de um contrato pode estar na origem do envio por parte de um fornecedor de um

produto ou serviço de publicidade não solicitada aos clientes com quem celebrou anteriormente transacções. O envio de

tal publicidade só será permitido se ao cliente tiver sido explicitamente oferecida a possibilidade de o recusar por

ocasião da transacção realizada e se não implicar para o destinatário dispêndio adicional ao custo do serviço de

telecomunicações. Mais, o destinatário deve ter acesso a meios que lhe permitam a qualquer momento recusar, sem

ónus e independentemente de justa causa, o envio dessa publicidade para o futuro.

Uma análise da legislação aplicável ao comércio electrónico não estará completa sem uma referência à Lei de

Protecção de Dados Pessoais (Lei nº 67/98 de 26 de Outubro). Com efeito, esta lei aplica-se ao tratamento de dados

pessoais por meios total ou parcialmente automatizados (artigo 2.1).

Este diploma obriga a que os dados pessoais sejam:

6. Tratados de forma licita e com respeito pelo princípio da boa-fé;

7. Recolhidos para finalidades determinadas, explicitas e legítimas;

8. Adequados, pertinentes e não excessivos;

9. Exactos e, se necessário, actualizados;

10. Conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a

prossecução das finalidades ou do tratamento posterior.

Ora, estes dados podem ter sido obtidos na execução de contrato ou contratos em que o titular seja parte, em

diligências prévias à formação do contrato ou em declarações de vontade negocial. Contudo o tratamento de dados

pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento. De todas as

maneiras e salvo excepções que requerem autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, estes dados não

podem ser referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e

origem racial ou ética. Mais, não podem ser tratados dados relativos à saúde e à vida sexual (artigo7).

Ao recolher os dados pessoais directamente do seu titular este deve ser informado do tratamento pelo responsável

do tratamento ou seu representante da identidade do responsável pelo tratamento, das finalidades do tratamento e de

outras informações como por exemplo: os destinatários ou categorias de destinatários dos dados; o carácter obrigatório

ou facultativo da resposta (artigo 10). A mesma obrigação de informação existe mesmo quando a recolha de dados seja

efectuada em redes abertas.

Importante é, sem dúvida, o direito que se consagra no artigo 11 do diploma legal. Com efeito, aí se consagra o

direito de acesso do titular dos dados recolhidos. O direito de acesso atribui ao titular dos dados o direito de obter do

responsável pelo tratamento:

a) A confirmação de serem ou não tratados dados que lhe digam respeito, bem como informação sobre as

finalidades desse tratamento, as categorias de dados sobre que incide e os destinatários ou categorias

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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de destinatários a quem são comunicados os dados;

b) A comunicação, sob forma inteligível, dos seus dados sujeitos a tratamento;

c) O conhecimento da lógica subjacente ao tratamento automatizado dos dados que lhe digam respeito;

d) A rectificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na lei;

e) A notificação aos terceiros a quem os dados tenham sido comunicados de qualquer rectificação,

apagamento ou bloqueio efectuado no exercício do direito de acesso concedido ao titular dos dados.

Estes elementos devem ser fornecidos ao titular dos dados livremente e sem restrições, com periodicidade

razoável e sem demoras ou custos excessivos. Acresce que o titular dos dados tem o direito:

a) De se opor em qualquer altura, por razões ponderosas e legítimas relacionadas com a sua situação

particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objecto de tratamento;

b) De se opor a que os seus dados sejam utilizados em marketing directo pelo responsável pelo seu

tratamento ou por terceiros.

A protecção de dados pessoais mereceu regulamentação específica e autónoma no caso do sector das

telecomunicações (Lei n.º 69/98, de 28 de Outubro). O diploma estabelece toda uma série de obrigações para o

prestador de serviços de telecomunicações das quais salientamos a garantia de segurança das telecomunicações e a

confidencialidade das mesmas. Mas, tal como o diploma anterior, interessa analisar particularmente os direitos do

consumidor. Um primeiro aspecto deve referir-se: o consumidor tem direito a receber facturas detalhadas ou não. No

primeiro caso tem o direito de exigir do operador a supressão dos quatro últimos dígitos (artigo 7).

Ao assinante prevê o diploma deve ser permitido escolher a apresentação ou a eliminação da identificação da

linha chamada.

A inclusão dos dados pessoais em listas electrónicas deve limitar-se ao estritamente necessário para identificar

um determinado assinante. Mais, o assinante tem direito:

a) A não figurar em determinada lista;

b) A opor-se a que os seus dados sejam utilizados para fins de marketing directo. Sendo que no caso de acções de

marketing directo com utilização de aparelhos de chamada automáticos ou de aparelhos de fax é obrigatório o

consentimento prévio do assinante chamado;

c) A solicitar que o seu endereço seja omitido total ou parcialmente;

d) A não constar nenhuma referência reveladora do sexo.

Referências Legislativas

Decreto-Lei 7/2004 de 7 de Janeiro in Diário da República I-A nº5 pág.70 a 78

Lei da Defesa do Consumidor (Lei 24/1996 de 31 de Julho) in Diário da República I-A nº 176 pág. 2184 a 2189

Lei 67/98 (26 de Outubro) in Diário da República I-A nº 247 pág. 5536 a 5546

Lei 69/98 (28 de Outubro) in Diário da República I-A nº 249 pág.5572 a 5575

Nota editorial: O presente artigo não se encontra sob as normas do Acordo Ortográfico.

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

Nuno Teodósio Oliveira1

Resumo

O principal objectivo desta apresentação relaciona-se com o estudo do regime jurídico aplicável aos empresários

desportivos, no âmbito da sua actividade. A reconhecida internormatividade do direito do desporto, tem aqui um dos

seus expoentes máximos.

A investigação que levámos a cabo ao nível do direito comparado, permitiu-nos perceber como surgiram e como

se afirmaram os empresários desportivos no panorama desportivo internacional, assim como as assimetrias legislativas

que perduram até aos dias de hoje, gerando diversas hesitações na doutrina e na jurisprudência, no tratamento deste

tema.

Após procedermos a um enquadramento geral da figura, centrámo-nos no regime

jurídico português e qualificámos juridicamente os contratos celebrados pelo empresário desportivo, indicando o

respectivo regime jurídico aplicável.

As conclusões a que chegámos, aliado ao facto de nos parecer indispensável definir melhor várias questões de

natureza deontológica, levam-nos a concluir pela absoluta necessidade de uma intervenção legislativa nesta matéria.

Palavras-chave: Empresário desportivo, Representante, Intermediário, Agente.

Abstract

“ The regulation of sports agents at the Portuguese Law”

The main purpose of this work is to study the legal aspects concerning sports agents, within the law of sports.

The research that we did among other countries, allowed us to understand how sports agents emerged and

confirmed their role as influential economical actors in sport. We could also notice the differences of legal regimes in

Europe and United States of America, concerning the regulation of sports agents’ activity.

After establishing a general framework of the sports agents’ figure, we focused on the Portuguese legal system.

We analyzed the nature of the contracts established by the sports agent and tried to define its’ legal regime. We reached

the conclusion that, despite Portugal is one of the few countries that have a law concerning this matter, there is a lot to

be done.

Key-words: Sports agent, Representant, Intermediary, Sports management firms.

Introdução Esta apresentação tem por objecto analisar o regime jurídico aplicável à actividade do empresário desportivo e

aos contratos por ele celebrados com praticantes desportivos, clubes ou sociedades anónimas desportivas. Apesar de,

em Portugal, o legislador ter facilitado a tarefa do intérprete ao introduzir, no ordenamento jurídico, em 1998, um

diploma legal que contempla normas legais que lhe são aplicáveis, a verdade é que a qualificação jurídica dos contratos

celebrados pelo empresário desportivo, gera fortes hesitações na doutrina e na jurisprudência.

Não nos debruçaremos sobre a questão em concreto sem antes reflectirmos acerca da própria figura do

empresário desportivo, com referência ao seu surgimento no panorama do desporto profissional e à sua afirmação e

enraizamento à escala global. Tal circunstância permitir-nos-á perceber o tratamento jurídico, ao nível de direito

1Mestre em Ciências Jurídico-Forenses e Professor Assistente do Instituto Superior Bissaya Barretto.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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comparado, que tem sido dado a esta figura e os concretos problemas suscitados por uma deficiente e incipiente

regulamentação do fenómeno.

Centraremos, de seguida, a nossa análise no direito português, para avaliarmos de que forma o legislador

nacional encarou este fenómeno e quais as opções que tomou em sede legislativa. Será por referência às funções

concretamente desempenhadas pelo empresário desportivo e ao ordenamento jurídico globalmente considerado que

poderemos ponderar acerca da qualificação jurídica dos contratos celebrados pelo empresário desportivo no âmbito da

sua actividade.

Salientar, por último, que preferiremos a designação de empresário desportivo face a qualquer outra, sobretudo

por ser essa a que foi adoptada pelo nosso legislador. Todavia, e tendo em atenção que, quer ao nível de direito

comparado, quer da análise doutrinal e jurisprudencial que fizemos, esta figura assume variadíssimas designações como

as de “agente”, “representante”, “manager”, “intermediário” ou “mediador”.

A tarefa a que nos propomos é simultaneamente tentadora e perigosa, sabendo que se trata de um tema com

escasso desenvolvimento na doutrina e na jurisprudência e que o tema em análise implica a convocação de

conhecimentos de vária índole, dada a natureza interdisciplinar da questão, colocando-nos frequentemente perante a

necessidade de reflectir acerca de temas de direito civil, laboral e comercial, mas também em matérias do domínio

publicístico, relacionados com o direito administrativo e o próprio direito comunitário.

Capítulo I – O empresário desportivo no continente americano

1. A figura do “sports agent” no panorama desportivo norte-americano

Os primeiros “sports agents” surgiram nos Estados Unidos da América, intimamente ligados com o início da

profissionalização do fenómeno desportivo. A particularidade, neste aspecto, da realidade norte-americana, prende-se

com o facto de que a emergência, a autonomização e a consequente profissionalização do desporto moderno teve lugar à

margem de qualquer intervenção do poder central, uma vez que o Estado sempre optou por não vislumbrar o desporto

como uma questão que lhe incumbisse regular. Consequentemente, toda a estrutura organizacional e funcional do

desporto foi sendo feita no âmbito privatístico, corolário de uma reconhecidamente ampla autonomia privada, o que

permitiu que vários promotores e organizadores de espectáculos desportivos tivessem, ainda em pleno século XIX,

algum espaço de manobra e a possibilidade de se evidenciarem neste meio, muitas vezes à custa da inexperiência e da

ingenuidade dos próprios atletas.

Apesar do seu surgimento esporádico ter decorrido ainda no século XIX, podemos afirmar que, de forma

significativa, a implantação da figura do “sports agent” (que inicialmente emergiu como um “player agent”, assumindo

apenas a representação e defesa dos interesses contratuais do desportista) no panorama desportivo dos E.U.A., ocorreu

já no século XX2, estando intimamente ligada à transição do amadorismo para o profissionalismo a que se assistiu em

várias modalidades: além do baseball, foi também no boxe e na luta livre que primeiramente assumiu algum

protagonismo, para depois se estender a outros desportos.

Terá sido, todavia, apenas na segunda metade do século XX que se verificou um acentuado crescimento da

actividade destes “sports agents”. Esta crescente importância no panorama desportivo e económico deveu-se a vários

factores. A doutrina começa por identificar um primeiro factor que nos parece decisivo para esta rápida expansão e que

2 KENNETH SHROPSHIRE, THIMOTHY DAVIS, The Business of Sports Agents, ob. cit., p. 9, consideram que

Charles C. Pyle terá sido o primeiro empresário desportivo de que se tem conhecimento, tendo concluído o primeiro

contrato em nome de um desportista profissional em 1925, nos termos do qual o seu representado, Harold “Red”

Grange, jogador de futebol americano, receberia 3.000,00 USD por cada partida que efectuasse pela equipa dos

Chicago Bears e 300.000,00 USD como contrapartida da imagem comercial deste.

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

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se relaciona com o facto de, a partir de 1972, a jurisprudência americana ter declarado a inconstitucionalidade de

cláusulas de reserva3 e de cláusulas de opção4, que limitavam de sobremaneira a margem de liberdade negocial dos

desportistas. Acresce que a criação de ligas profissionais (que acentuou a disputa salarial entre clubes de ligas

diferentes), o progressivo crescimento dos salários (que se traduziu numa maior necessidade, da parte dos desportistas,

de dispor de uma assessoria abrangente, quer ao nível da contratualização, quer ao nível do apoio em matéria

contabilística e fiscal) e difusão dos eventos desportivos através de meios radiofónicos e audiovisuais, potenciaram a

possibilidade dos desportistas obterem benefícios económicos decorrentes da exploração da sua imagem. Por todos

estes factores, o desportista, dada a sua impreparação para lidar com muitas destas matérias, passou a sentir necessidade

de ter alguém que o representasse, quer na sua relação com o clube, quer perante o domínio público, alguém que tivesse

capacidade para defender os seus interesses. Estava aberto o caminho para o surgimento destes “intermediários” no

âmbito do desporto profissional.

A figura do “sports agent” implantou-se definitivamente na realidade desportiva e no ordenamento jurídico

norte-americano5 assumindo o papel de “actor central no teatro da negociação contratual”6 e desempenhando uma

função relevante no âmbito da negociação do contrato entre jogador e clube, que cedo se ampliou a outro domínios,

como os da contabilidade, do marketing, de assuntos fiscais, de patrocínios ou da própria gestão da carreira, o que

determinou o surgimento de pessoas colectivas (“sport management firms”) que reuniam no seu seio profissionais

qualificados em todas estas áreas, de maneira a assegurar uma efectiva e ampla prestação de serviços ao praticante

desportivo.

1.1 A génese da regulação normativa da actividade do “sports agent”

“Want to be a professional sports agent? It’s easy. As easy as being a ditchdigger. Maybe

easier. Want to dig a ditch? Grab a shovel and start digging. Want to be an agent? Open

your mouth and declare yourself one”7

Este enquadramento permite-nos explanar melhor as razões que estiveram na génese da regulação da

actividade dos agentes desportivos.

Nos E.U.A., têm sido várias as tentativas de alcançar uma regulamentação normativa federal unitária, algo que

ainda permanece por alcançar. Foram as associações de desportistas as verdadeiras precursoras nesta tarefa de

regulamentação da figura dos agentes desportivos, sendo que alguns Estados aprovaram também normas próprias na

matéria.

Do ponto de vista da evolução histórica, de salientar que as associações de desportistas foram, efectivamente,

as primeiras a regulamentar a figura dos agentes desportivos. Num sistema jurídico tradicionalmente ancorado no

precedente judiciário, não espanta que tenha sido precisamente o caso United States vs Walters & Bloom a espoletar, da

3 De acordo com as cláusulas de reserva, o clube detinha um direito perpétuo sobre os serviços do desportista. Para

mais desenvolvimentos, vide WEISTART, J.C. & LOWELL, C.H., The Law of Sports, 2.ª edição, West Group, Saint

Paul, 1979, pp. 64 e seguintes. 4 Com base nas cláusulas de opção, o clube podia renovar, unilateralmente, o contrato com o desportista por um ano.

Vide, a este propósito, WEISTART, J.C. & LOWELL, C.H., The Law of Sports, cit., p. 65. 5 Estima-se que, actualmente, sejam mais de dez mil pessoas a exercerem a actividade de agente desportivo nos

E.U.A. 6 LEAL AMADO, Vinculação versus Liberdade – o processo de constituição e extinção da relação laboral do

praticante desportivo, Coimbra Editora, 2002, p.488. 7 NIGHTINGALE, “Are agents a pack of parasites? Some gouge, lie and cheat clients; others do honest, competent

jobs”, The Sporting News, Feb. 6, 1982, apud M. J. GREENBERG & J. T. GRAY, Sports Law Practice, Vol. I, cit.,

p. 937.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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parte da National Collegiate Athletic Association (doravante, NCAA8), o estabelecimento de um código estrito de

conduta que os agentes deveriam observar sempre que contactassem com desportistas da Liga Universitária. Entre 1982

e 1985, a National Sports Lawyers Association (doravante, NSLA) redigiu o Professional Sports Agency Act (doravante,

PSAA), apresentando-o ao Congresso em 1985. Da exposição de motivos do PSAA, resultava a necessidade de se

aprovar uma regulação uniforme, para evitar que os agentes que quisessem violar a lei se refugiassem nos Estados com

legislação mais permissiva9. Todavia, o Congresso rejeitou a sua aprovação, invocando-se para tal a falta de sanções

severas para o incumprimento dos deveres aí previstos, assim como a falta de uma titulação específica para exercer a

profissão de agente.

No início de 1997, a NCAA, juntamente com a National Conference of Comissioners on Uniform State Laws

(doravante NCCUSL)10, começou a redigir um documento que permitisse uniformizar toda a fragmentada legislação

aplicável aos agentes desportivos. Daqui resultou a aprovação, em 2001, por parte da NCCUSL, do Uniform Athlete

Agent Act (doravante, UAAA), cujo conteúdo aproveitaria não só aos próprios agentes, uma vez que não teriam que

registar-se em cada Estado onde pretendessem exercer a sua profissão, mas também aos desportistas, que teriam os

mesmos direitos nos vários Estados. Em termos muito gerais, o UAAA introduz a obrigatoriedade de registo dos agentes

sob pena de nulidade do contrato, a necessidade de observância de “cláusulas-padrão”11, ou a obrigação de notificar a

instituição de ensino da celebração de um contrato de representação por parte de um estudante seu.

Em face deste UAAA, cada Estado deve decidir se adere ou não ao referido projecto, sendo que, presentemente,

são quarenta os Estados que já aderiram. Por outro lado, o Estado da Califórnia tem já legislação vária aprovada, com

base no UAAA, e os Estados de Michigan e Ohio têm legislação não relacionada com o UAAA, destinada a regular o

fenómeno dos sports agents. Presentemente, são apenas sete os Estado norte-americanos que não têm legislação

destinada a regular esta actividade12.

No que à regulação estadual diz respeito, em 1981 a Califórnia tornou-se o primeiro Estado federado a legislar

no sentido de impedir os abusos que se verificavam, de forma crescente, no seio da actividade desportiva, por parte dos

“sports agents”, através da entrada em vigor do California Athlete Agents Act.

Conforme salienta LUIS MARÍN HITA, apesar de subsistirem ainda regulamentações díspares entre os vários

Estados, a verdade é que se pode afirmar que a maioria apresenta elementos comuns. Assim, e a título meramente

exemplificativo, cabe referir que são vários os Estados que obrigam os agentes a depositar uma fiança, a registar-se, e

que estabelecem a responsabilidade civil ou penal dos mesmos, na eventualidade de violação de alguns dos deveres

impostos. Alguns Estados obrigam os agentes a apresentar anualmente uma relação que discrimine todas as comissões

efectivamente cobradas aos clientes, outros proíbem a venda ou publicação de informação confidencial do desportista,

assim como a publicidade dos seus serviços sem que haja registo prévio.

Igualmente, algumas ligas universitárias possuem regulamentos próprios, como é o caso da NCAA (National

8 A NCAA é o organismo encarregado de regular o desporto universitário e de organizar as competições desportivas

entre as Universidades estado-unidenses. Para mais desenvolvimentos, vide FLUHR, P. N., “The Regulation of

Sports Agents and the Quest for Uniformity”, Sports Lawyers Journal, n. º 6, 1999, p. 8. 9 Neste sentido, ICÍAR ALZAGA RUIZ, “La figura del representante de deportistas en el derecho estadounidense”,

Revista Jurídica del Deporte, 2003 – 2, n.º 10, pp. 215 e seguintes. 10 A NCCUSL é uma organização nacional responsável por redigir leis uniformes no sentido de as aplicar a todos os

Estados norte-americanos, congregando mais de 300 advogados, juízes, professores e juristas indicados pelos

respectivos Estados. 11 Entre estas cláusulas padrão específicas, incluem-se a do método de cálculo da percentagem a ser paga ao agente ou

a que prevê expressamente que o contrato possa ser denunciado no prazo de 14 dias após a celebração do mesmo. 12 Falamos dos Estados do Alasca, do Maine, de Massachussets, de Montana, de Nova Jérsia, de Puerto Rico, de

Vermont e Virgínia.

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

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Collegiate Athletic Association), organismo com competência para regular o desporto universitário e organizar as

competições desportivas entre as Universidades dos Estados Unidos da América. A NCAA proíbe que os desportistas da

Liga Universitária aceitem qualquer bem ou serviço de um “sports agent”, proibindo-os também de iniciar negociações

com um representante. As regras particularmente restritivas da actividade do “sports agent” encontram o seu

fundamento no artigo 2.9 do regulamento desportivo da NCAA, que vislumbra o desporto universitário como

estritamente amador. Apesar disso, a doutrina dá conta da forma como os agentes têm ultrapassado estas proibições

regulamentares, nomeadamente através do estabelecimento de relações indirectas com parentes próximos, amigos, ou

companheiros do atleta universitário, algo que dificulta a fiscalização por parte da NCAA. Todavia, a regulação da

NCAA apenas tem força vinculativa para as Universidades e desportistas da Liga Universitária, mas não para os agentes,

estando o seu âmbito subjectivo de aplicação restrito aos primeiros. Consequentemente, um agente que não cumpra as

regras impostas pela NCAA, não sofre, directamente, qualquer sanção, ao contrário do que sucede com o estudante, que

previsivelmente será expulso da Liga e sancionado monetariamente pela Universidade. O estudante-atleta poderá

sempre obter conselhos de um advogado sobre o conteúdo da proposta contratual referente ao primeiro contrato

profissional que irá assinar, mas não poderá ser representado por ele ou por qualquer “sports agent” na negociação ou

formalização do mesmo.

Apesar do crescimento exponencial do número de “sport agents” e da tentativa de harmonização legislativa

entre os vários Estados, a verdade é que, neste âmbito, o sistema norte-americano revela lacunas evidentes que urge

solucionar. Deste modo, e para além do tratamento jurídico diversificado que esta figura sofre de Estado para Estado, de

salientar que a regulação das Associações de Desportistas acaba por não lograr uma protecção adequada dos jogadores

da Liga Universitária aquando da celebração do seu primeiro contrato enquanto desportista profissional.

Tais circunstâncias contribuem para a constatação de que é cada vez mais premente proceder a uma

regulamentação legislativa uniforme a nível nacional. A UAAA tem desempenhado um papel central na obtenção desse

desiderato, embora restem ainda oito Estados que não o adoptaram.

Capítulo II – O empresário desportivo na União Europeia

Na União Europeia, há apenas cinco países13 que adoptaram uma lei geral sobre a actividade do agente

desportivo: França, Bulgária14, Grécia15, Hungria16 e Portugal. No que às Federações Internacionais diz respeito, apenas

13 Na Áustria, está em curso um projecto-lei que visará regular todo o desporto profissional. No artigo 10.º desse

projecto-lei estabelece-se que os agentes de jogadores apenas poderão exercer a sua actividade desde que cumpram

todos os requisitos enunciados pela respectiva Federação desportiva. De acordo com tal projecto, os agentes de

jogadores serão as “pessoas físicas ou legais que, contra remuneração, põem em contacto um desportista

profissional e uma entidade desportiva com o objectivo de estabelecer uma relação contratual no âmbito do

desporto profissional” (tradução nossa). 14 Na Bulgária, o diploma legislativo a que fazemos referência é a Lei do Desporto e da Actividade Física, de 9 de

Julho de 1996, actualizada recentemente pela Lei de 30 de Maio de 2008. A actividade do agente de jogadores, vem

regulada nas alíneas b), c) e d) do artigo 35.º. 15 Trata-se da Lei 2725/1999, que disciplina o desporto amador e profissional, no seu artigo 90§9, alterado pela Lei

3479/2006, pelo que tal artigo passou a ser o 90§5, que determina que o agente desportivo é “a pessoa que actua

como intermediária no âmbito de negociações de um contrato desportivo entre treinadores ou praticantes

desportivos profissionais ou remunerados e clubes ou organizaçoes desportivas” (tradução nossa). De salientar que,

na Grécia, há três categorias de desportistas: os profissionais, os remunerados e os amadores. De acordo com este

artigo 90§5, os agentes de jogadores apenas poderão representar desportistas profissionais ou remunerados. 16 Na Hungria, a Lei do Desporto, de 2000, posteriormente alterada em 2004, estipula no seu artigo 11º, que apenas

agentes comerciais registados na federação nacional ou internacional que preencham todos os requisitos constantes

da regulamentação federativa poderão intervir em contratos de mediação.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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quatro procederam à respectiva regulação: a FIFA (Federation Internationale Football Association),17a FIBA

(Féderation Internationale de Basketball)18, a IAAF (International Association of Athletics Federations), e a IRB

(International Rugby Board). Apesar disso, em 2009, eram mais de 4000 os agentes desportivos que exerciam a sua

actividade profissional devidamente licenciados para o efeito, estimando-se que outros 2000 o fizessem de forma não

oficial, o que perfaz cerca de 6000 agentes desportivos activos no espaço da União Europeia19.

Predomina, portanto, a regulamentação associativa neste âmbito, com as vantagens e desvantagens que lhe

estão inerentes. Um dos melhores exemplos disso mesmo sucede em Espanha, onde, para além da dificuldade

resultante de se utilizar, indistintamente, e para designar a mesma figura, os termos de “representante”, de

“intermediário” e de “agente”, também não existe uma regulamentação jurídica estatal nesta matéria. A regulamentação

em vigor resulta exclusivamente do fenómeno associativo, preferencialmente no âmbito do futebol, por via do RRAJ

(Regulamento relativo a Agentes de Jogadores) da FIFA. Em Abril de 2011, eram já 584 os agentes licenciados em

Espanha, que exerciam a sua actividade no âmbito do futebol. Também a Federação Espanhola de Râguebi e a

Federação Espanhola de Atletismo regulamentaram a actividade do agente desportivo. Todavia, enquanto que a

primeira o designa de “agente”, já a Federação Espanhola de Atletismo menciona o “representante do atleta”.

Ora, a regulação pela via associativa levanta limitações de diversa índole. Uma primeira limitação tem a ver

com o facto de ser exclusivamente aplicável à modalidade desportiva especificamente regulada por essa associação, o

que origina que coexistam regulamentações distintas, consoante estejamos no âmbito do futebol, do râguebi ou do

atletismo, por exemplo. Por outro lado, e tendo em conta aos artigos 6.º, al. c), 7.º e 11.º, n.º 2, da Lei Orgânica 1/2002,

de 22 de Março, que regula o direito de associação, verificamos que estes regulamentos assumem eficácia meramente

interna, vinculando apenas os respectivos associados. Por último, e dado que as Federações Desportivas são associações

privadas no direito espanhol20, mesmo sabendo que detêm algumas prerrogativas de direito público de carácter

administrativo (ex vi artigo 30.2 da Ley del Deporte e artigo 1.1, in fine, do Real Decreto sobre Federações

Desportivas), em caso algum a regulamentação do fenómeno dos agentes desportivos poderá entender-se como estando

incluída nessas mesmas atribuições públicas. Por isso mesmo, estamos perante uma actividade a necessitar de um

estudo e de uma análise coerente, de uma regulamentação normativa unitária, no sentido de superar algumas hesitações

doutrinais e interpretações jurisprudenciais duvidosas.

17 A FIFA, no seu Regulamento relativo a Agentes de Jogadores, que entrou em vigor em 2008, define agente de

jogadores como “a pessoa física que, mediante remuneração, coloca em contacto jogadores e clubes com o propósito

de negociar ou renegociar um contrato de trabalho desportivo ou serve de intermediário entre dois clubes no sentido

de concluir um acordo de transferência, de acordo com as regras estabelecidas no presente regulamento.” (tradução

nossa). 18 A FIBA, no seu Regulamento, apesar de não fornecer uma noção de agente desportivo, refere-se, no ponto H.5.1., à

actividade “daqueles que se vinculam a efectuar ou contribuir para a transferência internacional de jogadores e

treinadores” (tradução nossa). 19 É no futebol que existe o maior número de agentes desportivos, tendo-se apurado em 2009, 3350 agentes

devidamente habilitados para o exercício desta actividade, estimando-se que haverá mais cerca de 900 agentes que o

faziam sem estarem nessas condições. No râguebi identificaram-se 193 agentes licenciados, no basquetebol 183, no

atletismo 90 e no boxe apenas 1 (apesar de se estimar serem mais de 300 os agentes não licenciados a exercer a sua

actividade no âmbito do boxe). No total das restantes modalidades desportivas, eram 247 os agentes licenciados,

estimando-se entre 543 e 988 os que não têm licença para o efeito. Para mais desenvolvimentos, COMISSÃO

EUROPEIA, “Study on Sports Agents in the European Union”, cit., in http://ec.europa.eu/sport/what-we-

do/doc55_en.htm, p. 45. 20 Vide artigo 30.º, n.º1, da Lei 10/1990, e artigo 1.º, n.º1, primeiro parágrafo, do Real Decreto 1835/1991, sobre

Federações Desportivas Espanholas).

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

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1. Perspectiva geral sobre a figura do empresário desportivo na União Europeia: o estudo independente

solicitado pela Comissão Europeia em 2009

Tal como sucedeu nos Estados Unidos da América, também na Europa o surgimento e a afirmação dos

empresários desportivos teve na génese a profissionalização do desporto, que na Europa terá tido o seu início em 1885,

mais especificamente em Inglaterra, com a decisão por parte da “Football Association” em autorizar jogos de futebol de

natureza profissional. Aliás, e no que ao futebol diz respeito, os empresários desportivos marcaram presença efectiva

nesta modalidade desde os primórdios da competição, com a efectivação das primeiras transferências de jogadores. Um

estudo independente solicitado por parte da Comissão Europeia em 2009, identificou 32 modalidades desportivas no

âmbito das quais a figura do empresário desportivo tem presença activa21, sendo que todas elas têm um denominador

comum e que se relaciona com o potencial económico que advém da sua prática22.

As modalidades desportivas que incluem mais empresários desportivos são, naturalmente, o futebol, por larga

margem, merecendo também referência especial o râguebi, o basquetebol e o atletismo. No caso específico do futebol,

há agentes de jogadores a exercer activamente a sua actividade em todos os 27 países da União Europeia, estimando-se

que existam actualmente cerca de 3000 agentes de jogadores licenciados, o que evidencia bem a forma como o mercado

de agentes de jogadores tem vindo a crescer, em razão directamente proporcional ao poder que estes vêm assumindo

junto dos atletas e dos próprios clubes. A este propósito, estima-se igualmente que, no âmbito do futebol, uma em cada

quatro transferências internacionais de futebolistas profissionais tenha a intervenção de um agente desportivo

devidamente licenciado para o efeito.

Uma conclusão relevantíssima deste estudo prende-se com a análise da incidência económica da actividade

desenvolvida pelos agentes de jogadores ao nível dos países membros da União Europeia. O desporto em geral gerou,

em 2007/2008, aproximadamente 14,6 biliões de euros, o que representa 0,1% do Produto Nacional Bruto da UE, sendo

que, desse montante, 2 biliões (cerca de 14%) terão provindo directamente de transferências de jogadores com

intervenção de agentes de jogadores. Aliás, se calcularmos como sendo de 10% a comissão média de cada empresário a

este nível, chegamos à conclusão que os agentes desportivos a operar na UE terão auferido cerca de 200 milhões de

euros no referido biénio23.

Em termos de remuneração, verifica-se uma heterogeneidade no que concerne à forma como esta é efectivada.

21 Na União Europeia, em 2009, havia apenas cinco países (Chipre, Estónia, Letónia, Lituânia e Malta) em que os

empresários desportivos intervinham em somente uma ou duas modalidades desportivas. Se tivermos em conta a

presença activa destes em três a cinco modalidades desportivas, identificávamos outros cinco países, entre os quais

Portugal, Bulgária, Eslováquia, Irlanda, Luxemburgo. A intervenção de empresários desportivos entre seis a dez

modalidades desportivas diferentes ocorria em dez países membros da União Europeia, como a Áustria, Bélgica,

Dinamarca, Finlândia, Grécia, Hungria, Holanda, Polónia, Roménia e Eslovénia. Por seu turno, os países em que a

intervenção destes profissionais é mais eclética ocorre noutros seis membros da União Europeia, como a França, a

Alemanha, a Itália, a Espanha, a Suécia e o Reino Unido, porquanto o seu âmbito de actuação se estende a mais de

dez desportos diferentes. Cfr. “Study on Sports Agents in the European Union”, cit., pp. 33-36. 22 A influência que os agentes de jogadores vêm assumindo também do ponto de vista económico é tal que o estudo a

que nos reportamos caracteriza-os como “influencial economic actors”. Prova disso é que se estima que, no que

concerne aos agentes de jogadores de futebol, as comissões anuais auferidas por estes relacionadas com

transferências de jogadores ronda os 200 milhões de euros. 23 O estudo adverte, todavia, para o facto de que, sobretudo no âmbito do futebol, 80% das comissões são pagas pelos

clubes, persistindo ainda práticas desleais nesta matéria, resultantes, por exemplo, de comissões secretas. Daí que

seja muito difícil analisar com total exactidão o peso económico da actividade dos agentes de jogadores na União

Europeia.

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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Assim, se é verdade que há desportos, como sucede com o atletismo24, em que a comissão é paga pelo próprio atleta, a

maior parte dos agentes é remunerado pelo clube, como sucede no caso do futebol ou do basquetebol. Há ainda um

tertium genus, que envolve uma remuneração mista das outras duas partes envolvidas no processo negocial, ou seja,

atleta e clube.

Questiona-se também, no âmbito do estudo, se haverá a necessidade de se avançar para uma regulamentação

uniforme da actividade destes agentes de jogadores por parte da União Europeia. A resposta proposta pelo estudo é

negativa, posição com a qual concordamos. Por um lado, trata-se de uma actividade que estará naturalmente sujeita à

disciplina normativa do Tratado da União Europeia e aos seus princípios norteadores, nomeadamente no que toca à livre

circulação de pessoas, bens e serviços. Por outro lado, as directivas comunitárias25 em matérias como a prestação de

serviços no mercado interno ou sobre o reconhecimento de qualificações profissionais no espaço da União Europeia

serão também disciplina legislativa a ter em conta, sobretudo quando se trata de agentes que pretendem estabelecer-se

ou exercer ocasionalmente a sua actividade num país membro da União Europeia diferente do da sua nacionalidade.

A este propósito, o Acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (vulgarmente

conhecido como o Acórdão Piau), constitui um exemplo de intervenção das instituições comunitárias no âmbito do

desporto profissional, mais especificamente no que concerne à avaliação dos efeitos que o Regulamento da FIFA sobre

o exercício da actividade dos agentes de jogadores poderá ter no mercado único.

Relativamente à disciplina jurídica dos contratos celebrados com agentes de outras nacionalidades, defende-se que,

desde logo, a legislação interna de âmbito contratual será suficiente para proceder à respectiva regulamentação.

Capítulo III – Análise do regime jurídico português

1. Considerações gerais

Portugal é um dos poucos países da União Europeia, juntamente com a França, Bulgária, Grécia e Hungria, que

tem um diploma legal que disciplinou a actividade do empresário desportivo, através da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho,

(Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, doravante, RJCTD). Apesar de algum pioneirismo legislativo

nesta matéria, a verdade é que, comparativamente com outros países da União Europeia, a actividade dos empresários

desportivos está, na prática, limitada apenas a quatro modalidades desportivas: o futebol, o atletismo, o basquetebol e o

boxe. Em 2009, estimava-se serem 56 os empresários desportivos oficiais, dos quais 53 no futebol, o que evidencia a

preponderância que esta modalidade assume no panorama do desporto nacional.

2. A disciplina legislativa do empresário desportivo no direito português

A regulamentação jurídica da figura e da actividade do empresário desportivo encontra-se, desde logo, no

RJCTD. O artigo 2.º, alínea d), define empresário desportivo como “a pessoa singular ou colectiva que, estando

devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação ocasional ou permanente, mediante

remuneração, na celebração de contratos desportivos”, sendo que os artigos 22.º a 25.º da mesma lei procedem ao

tratamento normativo deste fenómeno. De salientar, pela sua importância, o artigo 22.º, que estabelece que “ 1. Só

podem exercer a actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas

pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes. 2. A pessoa que exerça a actividade de

empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual”.

24 Sucede frequentemente no atletismo o agente organizar também “meetings”, caso em que o agente recebe, não

apenas a comissão da parte do atleta que representa, mas também uma comissão pela organização do evento. 25 Por exemplo, a Directiva 2006/123/EC do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006

acerca da prestação de serviços no âmbito do mercado interno ou a Directiva 2005/36/EC do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 7 Setembro de 2005, relacionada com o reconhecimento de qualificações profissionais no espaço da União

Europeia.

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

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Da análise dos artigos 22.º a 25.º da Lei 28/98, de 26 de Junho, resulta que o nosso legislador admite que o

empresário desportivo, consoante o caso concreto, possa actuar como representante ou como intermediário. Por um

lado, o n.º 4 do artigo 23.º, refere-se aos “contratos de mandato celebrados com empresários desportivos (…)”. Por

outro, o n.º 1 do artigo 23.º e o n.º 1 do artigo 24.º aludem, respectivamente, à actividade de intermediação, nos

seguintes termos: “(…) os empresários que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação (…)”, “as

pessoas singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanente, só podem ser

remuneradas pela parte que representam”.

Reflectiremos acerca da concreta problemática da qualificação dos contratos celebrados pelo empresário

desportivo à luz do nosso regime jurídico no ponto seguinte do nosso trabalho. Por ora, julgamos importante destacar

quatro aspectos essenciais da disciplina legislativa da actividade do empresário desportivo no RJCTD.

Em primeiro lugar, esta actividade apenas poderá ser exercida por pessoas singulares ou colectivas que estejam

devidamente autorizadas pelas entidades desportivas competentes, de âmbito nacional e internacional (por exemplo, no

caso do futebol, pela FPF e pela FIFA), por via do disposto no n.º 1 do artigo 23.º.

Em segundo lugar, de referir que a lei estabelece um registo de empresários desportivos junto da federação

desportiva da respectiva modalidade, de acordo com o artigo 24.º.

Acresce ainda que o legislador consagrou ainda um montante remuneratório devido ao

empresário desportivo com carácter meramente supletivo, ao estipular, no n.º2 do artigo 24.º, que

“salvo acordo em contrário, que deverá constar de cláusula escrita no contrato inicial, o montante

máximo recebido pelo empresário é fixado em 5% do montante global do contrato”.

Contrariamente, o artigo 15-2-III do Code du Sport (Lei de 16 de Julho de 1984, com a redacção

dada pela Lei n.º 2000-627, de 6 de Julho de 2000) consagra uma norma imperativa aplicável à

remuneração do agent sportif, ao dispor que “Un agent sportif ne peut agir que pour le compte

d’une des parties au même contrat, qui lui donne mandate et peut seule le remunerer. Le mandat

précise le montant de cette rémunération, qui ne peut exceder 10% du montant du contrat conclu.

Toute convention contraire aux dispositions du present paragraphe est repute nulle et non ecrite”.

Por último, e na tentativa de acautelar potenciais conflitos de interesses, determina a lei, no n.º 2 do artigo 22.º,

que o empresário desportivo apenas poderá agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual.

Articulando o RJCTD com a Lei de Bases do Desporto, de salientar que o actual artigo 37.º da LBAFD acaba

por não introduzir grandes modificações em face do regime normativo já existente, definindo empresários desportivos

como “as pessoas singulares ou colectivas que, estando devidamente credenciadas, exerçam a actividade de

representação ou intermediação ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos de

formação desportiva, de trabalho desportivo ou relativos a direitos de imagem”, alargando apenas o seu âmbito de

actividade em face da possibilidade de celebração de contratos referentes a direitos de imagem do representado. De

salientar que a lei portuguesa é a única que inclui, na noção de empresário desportivo, a possibilidade de negociação de

contratos relativos a direitos de imagem, apesar de, na prática, tal suceder abundantemente. Com semelhante redacção,

existe apenas um Regulamento da IAAF, que no seu ponto 7.1, também inclui na respectiva definição este elemento.

Outra novidade da LBAFD nesta matéria reside no n.º 3 do artigo 37.º, que consagra um dever de sigilo

profissional decorrente do exercício das funções de empresário desportivo, relativamente a factos que digam respeito à

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Questões Jurídicas Perspetivas atuais

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vida pessoal ou profissional dos seus representados.

A definição avançada pelo legislador nacional é demasiado restritiva, não logrando abranger a amplitude das

tarefas hodiernamente desempenhadas pelo empresário desportivo, que cada vez mais trata de assuntos relacionados

com a imagem e património do cliente. Efectivamente, as funções desempenhadas actualmente pelo empresário

desportivo, pela sua amplitude, dificultam sobremaneira o tratamento jurídico desta figura, justificando, como vimos,

que este “terceiro homem” seja alvo de várias designações, como, por exemplo, empresário, intermediário,

representante, agente ou manager, o que introduz dificuldades acrescidas no enquadramento e individualização do

respectivo regime jurídico.

3. A “questão de facto”: as funções desempenhadas pelo empresário desportivo

No que às funções exercidas pelo empresário desportivo diz respeito, a questão é complexa, dada a profusão de

tarefas levadas a cabo por este profissional. Inicialmente, o empresário desportivo implantou-se na realidade desportiva

norte-americana apenas como um “player agent”, limitando-se a intervir nas negociações entre o atleta e o clube.

Todavia, cedo este agente passa a funcionar também como um representante e como um gestor da carreira do atleta,

passando a assumir-se como um “full-service agent”.

Comecemos por salientar que há um aspecto aparentemente comum a todas estas figuras e que tem a ver com a

tarefa de intermediação aquando da contratação com uma qualquer entidade desportiva da prestação laboral do

praticante desportivo. Mais do que um mediador, que se limita a colocar as partes em contacto, tendo em vista a

celebração de um contrato futuro, numa posição de imparcialidade, o empresário desportivo, regra geral, negoceia

directamente com o clube, promovendo e administrando os interesses do seu representado.

Todavia, o empresário presta outros serviços, relacionados com a assessoria legal, fiscal e financeira, com a

celebração de contratos de publicidade, apólices de seguros, coordenação da vida e imagem pública do jogador, assim

como preparação da carreira profissional do atleta quando este tiver deixado o desporto. Tudo somado, verificamos que

as funções desempenhadas pelo empresário desportivo, hoje em dia, extravasam muitas vezes a simples negociação de

um contrato de trabalho, dado o aconselhamento que prestam a nível financeiro, fiscal, assessoria legal, de imagem e até

de investimentos a curto, médio e longo prazo26. O objectivo fundamental é que o atleta se abstraia de tudo o que gira

em seu redor e que nada perturbe o seu rendimento desportivo27.

Alerte-se, no entanto, para o facto de que o agente pode perfeitamente actuar por conta de um clube, tendo em vista

facilitar a transferência ou a contratação de um jogador.

4. A questão de direito: a qualificação jurídica dos contratos celebrado pelo empresário desportivo

4.1. Considerações gerais

A tarefa de qualificação dos contratos celebrados pelo empresário desportivo e a delimitação desta figura é

uma tarefa tão difícil quanto pretensiosa. Já tivemos oportunidade de assinalar que, na prática, a figura a que nos

estamos a referir assume diferentes roupagens, sem que tal signifique atribuir a cada uma delas um conteúdo autónomo

e específico. A enorme profusão das actividades por si desempenhadas, tornam a questão ainda mais complexa. A sua

26 Em entrevista à Revista Única, do jornal Expresso, do dia 08-01-2011, Jorge Mendes, o mais mediático empresário

desportivo da actualidade, quando questionado sobre que tipo de investimento aconselha os jogadores a fazer, refere

que lhes diz para investir “em imobiliário ou no que lhes apetecer. Casa, carro, e mesmo aí têm que ter cuidado -

não podem ser eles a aparecer. Quando aparecem inflacionam logo o preço (…). Temos de ser nos a ajudar e a

controlar. Investir em patrimonio e o melhor (…)”. 27 JORGE MENDES refere, na pág. 40 da Revista Única, do Jornal Expresso, de 08-01-2011, que o que diz aos

jogadores que representa “é que não têm que se preocupar com nada. Têm e de trabalhar. (…) Para fazer o meu

trabalho, eles têm de me ajudar, trabalhando melhor do que os outros e atingindo níveis de rendimento elevados.”

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correcta qualificação determinará, naturalmente, o regime jurídico a aplicar a cada caso concreto, com consequências

práticas relevantes, como teremos oportunidade de referir.

4.2. Tipicidade ou atipicidade do contrato

A questão que se nos coloca é, portanto, a de saber se os contratos celebrados com o empresário desportivo têm

correspondência num determinado tipo contratual ou se devem ser considerados como legalmente atípicos.

Com base na pré-compreensão que temos deste contrato, alicerçada nas funções desempenhadas pelo

empresário desportivo e em todo o contexto sócio-económico em que emergiu e se afirmou, conseguimos identificar um

círculo restrito de qualificações possíveis que deveremos experimentar, de modo a ajuizar os resultados de cada uma.

Vejamos, então, os elementos essenciais mais relevantes das figuras contratuais que, em nosso entendimento,

estarão mais próximas de regular o contrato em análise

4.2.1 – O contrato celebrado com empresário desportivo como um contrato de mediação?

A eventual qualificação deste contrato como contrato de mediação assume toda a pertinência, uma vez que em

França, precisamente o país que regulou esta matéria de forma inovadora, a doutrina maioritária tende a reconduzir este

empresário desportivo à figura jurídica da mediação, com a justificação de que a sua actividade se reconduz a

desenvolver os actos preparatórios do contrato, ficando as partes livres de o celebrar ou não. Excepcionalmente, e nos

casos em que o empresário tenha poderes para celebrar um contrato-promessa de trabalho, estaríamos perante um

contrato misto, com elementos típicos da mediação e do mandato. Em França, a actividade do “intermediário

desportivo” foi particularmente evidente a partir dos anos 90, apesar de o legislador francês ter já intervindo em 1984

através da introdução do artigo 15-2 na inovadora Lei 84-610 de 16 de Julho. Com a progressiva preponderância28 que

lhe foi sendo reconhecida, o legislador francês veio alterar a redacção desta lei, primeiramente em 1992, através da Lei

92-652, de 13 de Julho, e posteriormente, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 2000-627, de 6 de Julho, que

estabelece que “toda a pessoa que exerça, a título ocasional ou habitual, mediante remuneração, a actividade que

consiste em colocar em contacto as partes interessadas na conclusão de um contrato relativo ao exercício remunerado

de uma actividade desportiva, deve ser titular de uma licença de agente desportivo”.

Por oposição ao exemplo francês, no direito laboral espanhol, exceptuando o caso da negociação colectiva,

não é permitida a representação29 do trabalhador contratante aquando da celebração do contrato de trabalho com a

entidade empregadora, dado que o contrato de trabalho tem natureza intuitu personae. Consequentemente, está

expressamente proibida a mediação, neste âmbito, com fins lucrativos. Assim sendo, se a relação que se estabelece entre

o desportista profissional e o clube ou sociedade anónima é de carácter laboral, sabendo que os agentes desportivos (ou

“representantes”, como a doutrina espanhola os designa preferencialmente) têm como uma das suas funções principais

representar o jogador, servindo de intermediário entre este e o clube, deveríamos então concluir que se trata de uma

actuação vedada por uma norma imperativa, e como tal nula, de acordo com o artigo 6.3 do Código Civil espanhol,

sendo igualmente nulo o contrato que vincula agente e jogador.

Todavia, e de iure condendo, entende-se que se deveria abrir uma excepção relativamente aos agentes de

28 França é o país da União Europeia em que os “agentes desportivos” exercem a sua actividade profissional em mais

modalidades desportivas, ao todo dezoito, que vão desde as mais tradicionais, como o futebol, o basquetebol o

atletismo, o boxe, o voleibol, o andebol, o golfe ou o ciclismo, a outras menos habituais, como o ténis, o

motociclismo, a vela ou o wrestling Em 2009, eram sensivelmente 440 os intermediários desportivos oficiais, de

acordo com os dados apurados pela União Europeia. 29 Apenas se poderá admitir a intervenção de um representante nos casos em que o trabalhador é um menor de dezoito

anos e maior de dezasseis e necessita de autorização expressa ou tácita do seu representante legal para proceder à

celebração do contrato de trabalho – cfr. Artigo 7.º do Estatuto dos Trabalhadores.

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desportistas profissionais, não só porque vêm exercendo esta mesma actividade desde há largos anos em todo o mundo,

mas acima de tudo porque a proibição em causa prejudicaria precisamente quem se quer proteger, ou seja, o

trabalhador. Além disso, a proibição da mediação no domínio das relações desportivas laborais acabaria, na prática,

por conduzir a alguns resultados injustos, permitindo que o clube ou sociedade anónima desportiva se recusasse a pagar

ao agente a comissão devida pelo seu trabalho. Aliás, e do ponto de vista jurisprudencial, a solução destes diferendos

entre agente e jogador ou clube/sociedade anónima desportiva, poderia inclusivamente ser decidida de forma distinta,

consoante fosse apreciada pelos Tribunais de Trabalho (que tenderá a negar o direito à comissão por se tratar de uma

actividade expressamente proibida no domínio das relações laborais) ou pelos Tribunais Civis (no âmbito dos quais, e

havendo um documento titulador do crédito do agente, dado o carácter abstracto que se reconhece a estes documentos,

propender-se-á a reconhecer o direito à comissão, provada que esteja a dívida para com o agente em virtude do trabalho

por ele desenvolvido).

No ordenamento jurídico espanhol, fora deste domínio laboral, a intervenção do agente será totalmente lícita,

por exemplo, nas situações em que este preste os seus serviços a um clube ou sociedade anónima desportiva. Também

não haverá impedimento jurídico algum nos casos em que o agente intervenha em representação de um praticante

profissional de desportos individuais.

Para suprir o obstáculo legal que advém da proibição da mediação com intenção lucrativa no âmbito laboral,

concordamos com a proposta supra enunciada de abrir uma excepção no caso dos agentes de jogadores, tendo em conta

o próprio interesse do trabalhador. Não se trata, verdadeiramente, de conceder privilégios a nenhuma classe, mas de

tratar de maneira diferente aqueles que são, de facto, diferentes, ou seja, os desportistas profissionais. O conteúdo e

âmbito desse tratamento diferenciador deverá ser alvo rigoroso desenvolvimento normativo.

Admitiremos a solução da mediação para estes contratos à luz do nosso ordenamento jurídico? O contrato de

mediação, que é um contrato legalmente atípico e nominado, consiste na convenção pela qual o mediador se vincula

para com o comitente, de modo independente e mediante retribuição, a preparar e a estabelecer uma relação de

negociação entre este e terceiros (os solicitados), tendo em vista a conclusão de um negócio jurídico. Trata-se de uma

modalidade do contrato de prestação de serviços que não tem regulamentação geral ao nível do Código Civil, dado que,

em regra, se integra no exercício de actividades comerciais. Trata-se de um contrato em que uma das partes se obriga a

conseguir interessado para certo negócio e aproximar esse interessado da outra parte.

Como elementos essenciais do contrato de mediação, incluem-se:

a) - A necessidade de existência de uma convenção expressa ou tácita de mediação;

b) - A actividade pontual e independente de intermediação;

c) - A onerosidade.

Há duas espécies fundamentais de mediação. Numa, que será designada de mediação stricto sensu, o mediador

actua de forma independente, limitando-se a colocar em contacto as partes para a conclusão de um negócio, mas sem

estar ligado a nenhuma delas por relações de colaboração, dependência ou representação.

Na outra, que poderemos designar de mediação lato sensu, o mediador actua no interesse de uma das partes,

promovendo e preparando negócios no interesse dela, que esta celebrará por si mesma. Acrescente-se ainda que, nesta

figura da mediação lato sensu, se deverão incluir todas as formas impróprias de mediação existentes no nosso

ordenamento jurídico, no âmbito das quais o mediador exerce a sua actividade no âmbito de uma colaboração

duradoura30.

30 Veja-se, por exemplo, o caso dos agentes de seguros e dos mediadores de seguros coligados, nos termos do artigo

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Assim sendo, será que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo empresário desportivo o afasta do

núcleo essencial da mediação? Poderemos considerar o empresário desportivo como um profissional que actua apenas

na base de operações de intermediação tendo em vista a realização de negócios concretos, numa posição de

equidistância face aos interesses das partes? Qual o traço distintivo entre a mediação e o mandato?

Para responder a estas interrogações, julgamos pertinente seguir a orientação que defende que os contratos que

tenham por objecto actividades de mediação não se confundem com o mandato. A mediação, como tal, consiste numa

actividade de ordem material que, embora dirigida à prática de actos ou negócios jurídicos, não consiste na realização

destes, isto é, na declaração da vontade negocial. Tendo por base este critério, estaremos perante uma mediação stricto

sensu, nos casos em que o empresário se vincula apenas a promover ou a angariar negócios para outrem (seja para o

clube ou para o praticante desportivo), colocando em contacto os possíveis interessados na celebração do negócio e

intervindo apenas na fase de negociação do contrato que será posteriormente celebrado pelas partes. Deste modo,

naqueles casos em que o empresário se a colocar em contacto as partes para a conclusão de um negócio, sem estar

ligado a qualquer delas por relações de colaboração, dependência ou representação, tratar-se-á de uma mediação stricto

sensu, desde que tais actividades não tenham por objecto as que são próprias do mandato.

Nas situações em que o empresário actua no interesse de uma das partes, promovendo e preparando negócios

no interesse dela, que esta celebrará por si mesma, exercendo a sua actividade no âmbito de uma colaboração

duradoura, estaremos perante uma mediação lato sensu.

Parece-nos correcto, após reflectirmos também acerca do próprio sentido e funções dos contratos em causa,

que a actividade do empresário desportivo possa ser, em muitos casos, qualificada como uma mediação, dado que a

mais relevante das funções que desempenha se traduz na actividade conducente à preparação do contrato, que é

vulgarmente conhecida como mediação, pois os mediadores “não participam no contrato: a sua actividade desenvolve-

se apenas em ordem a preparar este”. Aqui, verdadeiramente, o empresário, ao desenvolver contactos com potenciais

interessados, ao colocar as partes em contacto, ao auxiliar a negociação, estará a praticar actos que se enquadram na

figura do mediador.

Tal conclusão sairá reforçada se conjugarmos o que acabámos de expor com outro dos elementos do contrato

de mediação, que tem a ver com a contraprestação auferida pelo mediador, que à semelhança do que sucede com o

empresário desportivo, aufere uma comissão pelo serviço prestado, o que reforça a ideia de correspondência ao regime

jurídico da mediação. Deveremos concluir, portanto, que mesmo nos casos em que a actividade de intermediação

desenvolvida pelo empresário desportiva seja permanente ou até por conta de outrem, tal circunstância não afasta, de

per se, a subsunção ao regime da mediação, porquanto, como vimos, há formas de mediação impróprias, reconhecidas

pelo legislador, em que a actividade do mediador é executada de forma permanente.

Deveremos então concluir que se o empresário desportivo desenvolver uma actividade material dirigida à

prática de negócios jurídicos sem que intervenha na realização da própria declaração negocial, auferindo por via disso

uma retribuição a título de comissão, poderemos estabelecer um juízo de correspondência face ao regime jurídico da

mediação. Pensamos que foi com este sentido que o legislador, no artigo 2.º, alínea d), da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho,

definiu empresário desportivo como “a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a

actividade de (…) intermediação ocasional ou permanente”, algo que resulta também do n.º 1 do artigo 23.º e do n.º1

do artigo 24.º. Reforçando esta mesma ideia, de salientar o disposto no 37.º da LBAFD, que vislumbra estes

8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho.

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profissionais como “as pessoas singulares ou colectivas que, estando devidamente credenciadas, exerçam a actividade

de (…) intermediação ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos de formação

desportiva, de trabalho desportivo ou relativos a direitos de imagem”.

Nesta hipótese, podemos decompor o regime jurídico aplicável a este contrato em seis graus:

“1 – Cláusulas estipuladas pelas partes no contrato, desde que lícitas; 2 – Disciplina própria do tipo social; 3

– Normas e princípios estabelecidos na lei para categorias contratuais mais amplas que o tipo; 4 – Normas e

princípios gerais estabelecidos na lei para os contratos, os negócios jurídicos e as obrigações; 5 – Normas derivadas

da boa-fé contratual; 6 – Vontade presumível dos contraentes”.

4.2.2 O contrato celebrado com o empresário desportivo como um contrato de mandato?

Em Itália, o artigo 1.º, do parágrafo segundo, do Regulamento da FIGC, caracteriza o exercício da actividade

do empresário desportivo como um mandato sem representação. Questionemo-nos sobre se o contrato celebrado com

o empresário desportivo poderá (ou deverá) ser reconduzido à figura típica do mandato, mediante análise dos elementos

essenciais desta figura à luz do ordenamento jurídico vigente consagrado no Código Civil.

Nos termos do artigo 1157.º do CC, mandato é o “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um

ou mais actos jurídicos por conta da outra”. Trata-se de um contrato nominado e típico, uma modalidade do contrato

de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário, que age de acordo com as indicações e instruções do

mandante, quer no que se refere ao objecto, quer no tocante à própria execução do mesmo.

Por força do exposto, para que um contrato possa ser caracterizado como sendo de mandato, forçoso se torna

que os actos jurídicos sejam realizados por conta do mandante. O mandatário pratica um acto jurídico alheio, uma vez

que todos os seus efeitos se irão repercutir na esfera jurídica do mandante. Poderemos qualificar o contrato celebrado

pelo empresário desportivo com o praticante desportivo ou com o clube como um contrato de mandato?

Antecipamos a resposta afirmativa a esta questão pois, desde logo, a nossa lei considera o empresário

desportivo, na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, artigo 2.º, al. d), como “a pessoa singular ou colectiva que, estando

devidamente credenciada, exerça a actividade de representação (…)”. Aliás, e no âmbito do mesmo diploma legal, o

n.º 4 do artigo 23.º refere-se expressamente aos “contratos de mandato” celebrados pelo empresário desportivo. Em

coerência com o disposto na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, dispõe o artigo 37.º da LBAFD que os empresários

desportivos são “as pessoas singulares ou colectivas que, estando devidamente credenciadas, exerçam a actividade de

representação (…), mediante remuneração, na celebração de contratos de formação desportiva, de trabalho desportivo

ou relativos a direitos de imagem”.

Todavia, e apesar de tais referências legais, em coerência com o que temos defendido, pensamos que a

qualificação do contrato implicará sempre uma análise casuística que identifique as obrigações e os deveres que

impendem sobre o empresário desportivo por vai do contrato. Na prática, parece-nos que há um conjunto de situações

que poderão ser reconduzidas quer ao regime do mandato com representação quer do mandato sem representação.

Concretamente, poderemos estar perante um mandato com representação quando o clube ou o praticante

desportivo encarregam o empresário desportivo da prática de actos jurídicos, munindo-o de uma procuração para que

possa celebrar o negócio jurídico por conta deles. Sabemos que, à luz do regime geral do direito laboral, e

contrariamente ao exemplo espanhol, nada impede que um contrato de trabalho seja celebrado por um representante

voluntário, agindo em nome do trabalhador representado, pelo que na celebração do contrato do praticante desportivo

este poderá ser substituído por um representante a que tenha conferido os necessários poderes representativos, maxime

pelo seu empresário desportivo. Também assim será nos casos em que o empresário desportivo actua como

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

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representante de um clube ou de uma sociedade anónima desportiva, na celebração de um contrato com um praticante

desportivo profissional.

Regra geral, porém, o empresário desportivo, quando se vincula à realização de um determinado acto jurídico,

estando a sua actuação orientada pela defesa dos interesses de uma das partes, fá-lo actuando por conta de outrem mas

em nome próprio, pelo que os actos jurídicos por si praticados produzirão efeitos jurídicos na sua própria esfera

jurídica, de acordo com o artigo 1180.º do C.C., havendo a necessidade de um acto posterior de transmissão para que os

efeitos jurídicos se transmitam para a esfera jurídica do mandante, de acordo com o artigo 1181.º, do C.C. Tratar-se-á,

nesses casos, de um mandato sem representação.

O regime jurídico aplicável a estes contratos assim qualificados, decompor-se-á em quatro degraus:

“1 – Regras derivadas da autonomia privada, dentro dos limites da lei, isto é, que respeitem as normas legais

de carácter injuntivo, gerais ou especiais de determinado tipo contratual; 2 – Normas de carácter supletivo fixadas na

lei para o tipo contratual em causa ou para os contratos em geral ou para todos os negócios jurídicos; 3 – Normas

derivadas da boa-fé contratual; 4 – Vontade presumível dos contraentes”.

4.2.3 O contrato celebrado com empresário desportivo: união de contratos ou contrato misto?

Nos casos em que o empresário desportivo se vincule, perante o praticante desportivo ou perante o clube ou

sociedade anónima desportiva, a efectuar prestações típicas integrantes de dois ou mais negócios total ou parcialmente

regulados na lei, a tarefa do intérprete reveste-se de dificuldade acrescida. Já tivemos oportunidade de destacar a

enorme diversidade de funções desempenhadas pelo empresário desportivo, que hodiernamente extravasam largamente

a simples negociação de um contrato de trabalho, dado o aconselhamento que prestam a nível financeiro, fiscal,

assessoria legal, de imagem e até de investimentos a curto, médio e longo prazo.

Como tal, os contratos celebrados pelo empresário desportivo incluem, frequentemente, não apenas prestações

típicas do mandato ou reconduzíveis à mediação, mas também prestações reconduzíveis à prestação de serviços, que

ocorrem, por exemplo, quando o empresário se vincula a prestar aconselhamento e assessoria financeira, contabilística,

gestão dos direitos de imagem do atleta, gestão da sua figura pública. Fará sentido autonomizar as prestações a que o

empresário desportivo se vincula, enquadrando-as no regime jurídico da prestação de serviços? Cumpre salientar, desde

logo, que quer o mandato, quer a mediação, são modalidades da prestação de serviços. O mandato, sendo uma das

modalidades típicas da prestação de serviços, distingue-se dela, desde logo, dada a natureza jurídica da actividade

desenvolvida pelo mandatário. O prestador de serviços, por seu turno, desempenha uma “actividade de carácter

material, em que os actos jurídicos, se os houver, não constituem o seu elemento principal.” Se é verdade que a

distinção entre estas figuras se revela mais problemática quando a prestação de serviços incide sobre actividades de

carácter intelectual, a verdade é que, no essencial, o cerne da distinção permanece, tendo em conta o critério exposto.

A mediação é uma modalidade legalmente atípica da prestação de serviços que, como vimos, se traduz na

circunstância específica de uma das partes se vincular a preparar certo negócio jurídico, aproximando e colocando em

contacto potenciais interessados com a outra parte no sentido de promover a realização do negócio.

Afigura-se-nos, por isso, absolutamente legítimo configurar a admissibilidade de reunião de elementos

próprios do mandato ou da mediação, com elementos da prestação de serviços, sem prejuízo de se tratarem de

modalidades desta.

Em concreto, nos contratos celebrados pelos empresários desportivos, tal conclusão sai reforçada, sabendo que,

actualmente, estes não se vinculam apenas à celebração de negócios jurídicos (seja através da sua efectiva celebração

por conta de outrem, seja aproximando as partes para que estas o celebrem), antes promovem e acautelam um conjunto

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de serviços enquadráveis no regime geral da prestação de serviços, cuja violação implicará, necessariamente,

responsabilidade por incumprimento contratual, nos termos gerais.

Parece-nos que, em função das especificidades próprias do contrato celebrado pelo empresário desportivo, em

que este assume funções típicas do mandato ou da mediação, e além disso, prestações típicas do contrato de prestação

de serviços, os modelos contratuais em causa perdem a sua autonomia. Surgirá, assim, um novo negócio, como

resultado da fusão de elementos contratuais típicos distintos, com um sentido e uma intencionalidade própria que lhe

confere autonomia. Trata-se de um novo contrato: um contrato misto.

Os contratos mistos são contratos atípicos, apesar de a doutrina não ser unânime a este propósito. Tendemos a

classificar este contrato misto como um contrato misto combinado, dado que um dos contraentes (o empresário

desportivo) se obriga a diferentes prestações principais correspondentes a diversos tipos contratuais (subsumíveis ao

mandato ou à mediação e à prestação de serviços) e o outro contraente (o praticante desportivo profissional ou o

clube/sociedade anónima desportiva) se obriga a uma contraprestação unitária, que se traduz no pagamento da

remuneração devida à contraparte. Parece ser de afastar a possibilidade de existência de contratos mistos congregadores

de prestações típicas da mediação e do mandato, como tivemos já oportunidade de fundamentar. Nesse sentido,

julgamos legítima a crítica feita ao n.º1 do artigo 24.º do RJCTD, que de forma paradoxal, parece tratar a actividade de

intermediação e de representação como se de realidades fungíveis se tratassem, quando dispõe que “as pessoas

singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanentemente, só podem ser

remuneradas pela parte que representam”.

Qual o regime jurídico aplicável a estes contratos atípicos? Propomos a seguinte hierarquia das fontes de

regulação contratual, aplicável aos contratos atípicos:

“1 – Deve atender-se, antes de mais, às regras fixada pelos contraentes, desde que lícitas; 2 – Em segundo

lugar, às normas e princípios fixados na lei para categorias contratuais, dentro dos quais o contrato se inclua; 3 – Se

tal não bastar, deve recorrer-se às normas e princípios estabelecidos na lei para a generalidade dos contratos e, em

geral, para os negocios jurídicos e as obrigaçoes”; 4 – Só depois de esgotadas todas estas possibilidades se deve

atender às normas reguladoras do ou dos tipos contratuais com que o contrato apresente mais afinidades, aplicando-se

por analogia, as disposições não excepcionais desse ou desses tipos contratuais”.

Por via do recurso à analogia, entendemos que ao contrato misto atípico celebrado pelo empresário desportivo,

serão aplicáveis os princípios e as disposições legais do mandato, dos artigos 1157.º e seguintes do C.C.. Caso tais

normas não sejam suficientes ou aptas para regular o caso concreto, deveremos aplicar, de seguida, as normas e

princípios estabelecidos na lei para a generalidade dos contratos. Por último, serão ainda convocadas para disciplinar

normativamente este contrato, aquelas disposições que o juiz criar de acordo com princípios como o da boa-fé,

conceitos indeterminados ou mediante recurso à equidade, sempre que a analogia não seja possível ou indesejável ao

nível do caso concreto.

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Os Empresários Desportivos À Luz Do Direito Português

101

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Nota editorial: O presente artigo não se encontra sob as normas do Acordo Ortográfico.

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O presente volume encerra as reflexões que emergiram das apresentações e

dos debates suscitados no Ciclo de Conferência Questões Jurídicas:

Perspetivas Atuais. Versou esse ciclo sobre assuntos muito diversos, mas que

têm em comum um propósito atualista, patente na contemporaneidade dos

temas e até, de algum modo, na sua dimensão prospectiva.

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Os trabalhos que se incluem neste volume resultam do conjunto de apresentações realizadas no âmbito do Ciclo de Conferências “Gerontologia Social: Perspetivas de Análise e Intervenção”. Esta edição constitui-se como a expressão de um processo de reflexão e construção de conhecimento, enquadrado nas mais recentes abordagens no campo da gerontologia social, sendo as propostas aqui apresentadas da inteira responsabilidade dos seus autores. Assinala-se, desde já, a qualidade, diversidade e nível de especificidade dos problemas que têm vindo a constituir objeto de estudo e reflexão, num campo profundamente marcado pela sua multi e interdisciplinaridade.

CIS Centro de Investigação em Inovação Social e Organizacional │ 2014