Gerson Moura - Os caminhos difíceis da autonomia - As relações Br-EUA

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  • 8/4/2019 Gerson Moura - Os caminhos difceis da autonomia - As relaes Br-EUA

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    Os cam inhos (dificeis)da autonom ia:as relacoes B rasil-EVAGerson MouraPaulo KramerPaulo Wrobel

    ,E bern conheeido 0 proeessodedistanciamento polrtico oeor-rido entre 0Brasil e os EUA naultima decada, assim como 0Jeque de posicoes divergentes dos doisparses em reJa~ao a problemas da ordeminternacional. A duraejo ja relativamentelonga desse distanciamento faz supor quemio se trata de dificuldades passageiras,oriundas de polrt ieas espec(ficas de urn eoutro governo; ao contrario, sugere razoesde ordem rnais geral, inscritas em tenden-eias de rnals longo prazo na rela~ao entreos dois parses. 0 descompasso sugere, porisso mesmo, que esta encerrada de manei-ra cabal a polrtica de "alinhamento" aosEUA que, por longo tempo, caracterizoua presence brasileira rio sistema interna-clonal.

    Este artigo procura determinar a natu-reza do distanciamento entre Brasil e

    EUA e, ao mesmo tempo, avaliar 0 estadoatual de algumas questoes pendentes, ob-jetos de disputa ou de compreensfo dis-tinta entre os dois Estados. Os elementosdefinidores da discrepancia localizam-se,de urn lado, na tentativa brasileira de as-sumir um papel distinto nas relacoesinternacionais a partir dos anos 70; e,de outro, na lnsistencia norte-americanaem manter velhos padrdes de relaciona-mento com a America Latina.Como pano-de-fundo, estao as grandestransformacoes da ordem internacionala partir dos anos 60 que modificaram

    a face do sistema internacional montadono imediato p6s-guerra. Relevantes doponto de vista dessa modifica

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    Articuladas em contatos bilaterais ouem foros multilaterais, essas reivindica-oes do Terceiro Mundo abrangiam umavasta gama de temas, desde 0 cornercrointernacional, passando pelas financas,fontes de energia e recursos do mar,ate 0 questionamento da propria estru-tura de poder das orqanizacoes internacio-nais, das quais a ONU com sua estratifi-cacao constitui 0 sfrnbolo maximo. Acrise alcancava grande profundidade, por-que urn vasto nurnero de parses nao so-mente reinvidicava acesso rnais igualitarioaos recursos mundiais, como tambern en-tendia ter 0 direito de elaborar as regrasde funcionamento de uma possfvel novaordem internacional. Resultados expres-sivos desse momento foram as iniciativasque redundaram na montagem do "dialo-go Norte-Sui", na forrnacso do carteldos parses exportadores de petroleo, naCarta de Direitos e Deveres dos Estados ena Confersncla de Direitos do Mar.

    As oportunidades especlficas abertaspor esse processo nos anos 70 criaramas condicdes para uma nova pohtica ex-terna brasileira, conhecida inicialmentecomo "polrtica do pragmatismo respon-savel" ou "ecumsnlco"." Sua oriqern podeser buscada no rapido crescimento eco-nomico do pal's, fundado no modele deassociacso ao capital transnacional e cha-made na epoca de "milagre brasileiro",que se acompanhou de urn modele poli-tico de corte autoritario e de uma seriede formulacdes estrateqicas a respeito do"poder nacional". Esse conceito foi ela-borado especialmente por setores mlllta-res e diplomaticos, os primeiros preocu-pados com a sequranca do Estado e osu Itimos procurando pensar as possibilida-des de projecao nacional no exterior. Des-sa conjuncso entre urn modele econorni-co de crescimento e a aflrrnaeso do podernacional nos pianos interno e externo,resultantes de um contexte internacional. favoravel, nasceu 0 conceito, algo vago,de "potencia emergente", que iria emba-lar a polrtica exterior do Brasil nos anos70. Foi 0 perlodo dos grandes projetos36

    e acordos com parses estrangeiros, espe-cialmente no campo enerqetlco, dentrode uma estrateqia de endividamentoexterno.

    A partir do Governo Figueiredo (1979-1985), a pohtica externa brasileira deli-mitou melhor seus objetivos, em func;:aode uma consciencla cada vez mais claradas limitacdes dos seus recursos de podere das lirnitacdes impostas pela propria or-dem internacional. 0 projeto inicial deingresso no clube fechado das nacoesdo Primeiro Mundo acabou sendo arquiva-do, abrindo-se as portas de uma relacaomais solidaria e afinada com as instanciasdo Terceiro Mundo. Paralelamente, a di-plomacia brasileira foi elaborando urndiscurso que primava pela enfase emconceitos tais como "nao-alinhamentoautomatico", "Brasil, pal's nao-sateliti-zaval", 0 que, em bom portuques, signifi-cava 0 anuncio publico de urn abandonodeliberado da tradicional pohtica dealinhamento as poslcoes norte-americanas.

    Desde mead os dos an os 70, corneca-ram a se esbocar, nos EUA, as primeirasrespostas a crise do sistema internacional,que se traduzia numa vlsrvet corrosfo dopoder heqemonlco americano, emborase mantivesse intocada, em termos es~ra-tegicos, a bipolaridade do poder mundial.Entre essas respostas, a do Governo Carter,"liberal", imaginava uma repartlcao deresponsabilidades com seus aliados na ma-nutencao da ordem capitalista. A sua ex-pressao mais concrete se constituiu naComissao Trilateral. Ao mesmo tempo,a economia americana procurava adapter-se, mediante urn processo de neqociacoespermanentes com parses industrializadose em desenvolvimento, as novas condi-

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    A resposta do Governo Reagan a criseinternacional, ja nos anos 80, foi, comoera de se esperar, conservadora: 0 objetivoclaro era recuperar OS espacos polrticose econornicos perdidos na decade anteriorcom 0 liberalismo de Carter." A adocaode pol rticas de recuperacao economica,com enfase no papel do mercado e dosatores privados, tolheu ainda mais as pos-sibilidades de recuperacao latino-america-na. No plano polrtico, a ressurreicso doscondicionamentos da guerra fria levouo Governo Reagan a por enfase numaa

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    mentos norte-americanos, susoensso dealguns entraves as exportacfies brasileiras,garantia de um suprimento confiavel deoombustrvel nuclear. Alguns desses acer-tos chegaram mesmo a se concretizar:foi anulada a multa imposta retroativa-mente pela compra de uranio enriquecidopara Angra I, 0 Brasil obteve perrnlssaopara recorrer a Urenco (consorclo nuclearda Alemanha, Inglaterra e Holanda). osEUA aceitaram os novos subsrdios as ex-portacoes brasileiras (apenas cinco produ-tos continuariam pagando direitos com-pensatoriosl. Tanto Enders como Bushtrataram de rechear essas concessdes comum endosso pleno a forma com que 0 re-gime militar ia conduzindo a abertura,nurna garantia tacita de que desentendi-mentos como os que haviam sido suscita-dos pela questso dos direitos humanoseram paqina virada nas relscdes entre osdois parses,

    Contudo, na balanca brasileira, oscustos de mais esse projeto de "parceriaprivilegiada" superavam de longe seuspossrveis benefrcios.f Afinal, 0 Brasilnao estava d isposto a comprar a tese de. uma nova guerra fria enviando tropas aAmerica Central a custa do capital deconfiabilidade que sua politica externaIhe granjeara entre parses (1 0 TerceiroMundo, tanto em foros multilaterais dodialoqo Norte-SuI como em bons vrncu-los bilaterais com nac;:oes da AmericaLatina e da Africa. Mas tarnbern naopodia fechar os olhos ao fato de que areferida perda de complementariedadecom a economia norte-americana impu-nha limites bem definidos a capacidadedos E UA de absorver exportacoes brasi-leiras. Prova disso eram os freqiientes pro-cessos abertos pela U.S. Steel e outrasgrandes ernpresas junto a InternationalTrade Comission contra "praticas des-leais" do cornercio exterior brasileiro. Aomesmo tempo, 0fantasma da "qraduacao"continuava ameac;:ando vedar 0 acesso doBrasil aos be.iefrcios do Sistema Genera-lizado de Preterencias e dos creditos con-38

    cessionados do Banco Mundial, devido aoaumento da renda per capita do pais.

    No plano financeiro, nada indicavaque Washington tomaria medidas concre-tas para forcar os bancos privados norte-americanos a atenuar as duras condicoesirnpostas ao Brasil pelo aumento dastaxas de juros. Os programas de ajustesupervisionados pelo FMI desde 1982 es-tavam aqravando 0 quadro recessivo, semalterar a realidade de que 0 pars necessi-tava tomar cada vez mais ernprestirnos ex-ternos para cobrir 0 deficit de seu balancede pagamentos. E isso tinha de ser feitoapesar da crescente relutancia dos ban-queiros internacionaisem continuar colo-cando seus ativos em parses a beira dainad implencia,Os grupos de trabalho

    A partir de 1982, no entanto, os EUAcornecaram a tenter substituir esse verda-deiro "dialoqo de surdos" por negocia-c;:ees mais especrflcas e construtivas como Brasil. A nova postura de Washingtondecorria de dois acontecimentos que, emcerta medida, abalaram as certezas iniciaisde sua polrtica latino-americana. 0 pri-meiro deles foi a Guerra das Malvinas,um conflito tipicamente Norte-SuI, leva-do ao extremo de uma solucso militar.A tom ada de posicfio dos EUA em favorda Inglaterra implodiu 0 que restava dosistema de seguranc;:a interamericano(TIAR), que sempre se legitimou pelagarantia de que 0 poderio militar norte-americana seria usado para proteger qual-quer pafs-mernbro contra aqressoes extra-hernisfericas. A posic;:ao do Brasil no epi-sodio, empenhando total apoio a preten-sao argentina, mas insistindo, ao mesmotempo, no cessar-fogo e na busca de umasoluc;:ao negociada, refletiu suas apreen-sees quanto a militarizacjo do AtlanticoSuI. .o segundo acontecimento de impacto,tarnbern em 1982, foi a moratoria mexi-cana. Temeroso dos efeitos de uma reac;:aoem cadeia, 0 governo norte-americano tra-

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    tou de dar garantias aos bancos privadose, ao mesmo tempo, pedir "mais compre-ensao" ao FMI para a diHcil situacso doBrasil.Em novembro de 1982, 0 PresidenteReagan visitou 0 Brasil e procurou de-

    monstrar, por meios rnais concretos, 0interesse de seu pais em urn novo dialoqo.Durante a visita de Reagan, foram criadosgrupos de trabalho destinados a incremen-tar a cooperacao bilateral entre os doisparses em cinco areas-chaves: econornico-financeira, industrial-militar, nuclear,cientrfico-tecnoloqica e espacial. Na mes-rna ocaslao, 0 governo norte-americanoanunciou a concessao de urn ernprestimode ernerqencla destinado a resolver os pro-blemas imediatos de liquidez do Brasil.Pouco ap6s a visita, as expectativas deBrasilia quanto a urn entendimento maisserio foram refor cadas com a rnudanca daposi

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    gicas do Brasil (como os sistemas de sate-Iites de telecornunlcacoes) nao foramaprofundadas. Restaram algumas defini-cdes que apenas davam continuidade aosprogramas de cooperacso existentes emclimatologia e em tecnologia enerqeticae qeodesica.as fracos resultados dos Grupos deTrabalho Brasil-EUA evidenciaram as difi-culdades de estabelecer programas de co-operacao entre os dois governos. as re-presentantes de Wash ington traziam con-dicoes e limitacoes severas aos projetosque os brasileiros gostariam de ver imp le-mentados. A reacso do Itamaraty nessaconjuntura consistiu em adotar a taticado low profile: resistiu discretamente aspressoes americanas, sem fazer alarde dasdivergencies e tratando de assegurar espa-cos ja conquistados."

    A conquista desses espacos s6 foi pos-slvel mediante a montagem de aliancasinternas e externas. No plano domestlco,ao final do Governo Figueiredo, 0 cornan-do da diplomacia brasileira atraiu para sio apoio dos militares ao defender areasconsideradas senslveis para a soberanianacional (reserva de mercado na informa-tica, nao reqularnentacao da exportacaode services no GATT), 0 que ate certoponto frustrou a pretensso da Seplan, doMinisterio da Fazenda e do Banco Centralde continuarem controlando as relacoeseconomicas externas."

    No plano externo, 0 Itamaraty se jun-tou a outros governos latino-americanosem aedes multilaterais, como a do Grupode Cartagena, formado em maio de 1984,para encaminhamento do problema da dl-vida em termos mais polrticos, evitando,porern, comprometer-se com solucdes ra-dicais, como a de um "cartel dos endivi-dad os", de modo a nao abalar a credibili-dade do pais junto aos seus credores. Aomesmo tempo, 0 Brasil manteve seu apoioao Grupo de Contadora, na busca de umasolucao negociada para 0 conflito naAmerica Central, sem jamais criticar fron-talmente 0 apoio polrtico-militar norte-americana aos governos de EI Salvador e40

    de Honduras ou aos rebeldes anti-sand i-nistas.

    Aquela altura, a diplomacia brasileiraprocurava minimizar a area de desenten-dimento e maximizar as possibilidades decolaboracao com os EUA, consciente deque a iniciativa achava-se entao nas maosde Wash ington, especialmente no planodas relacdes econornlco-financeiras. Trata-va-se de uma tatica para evitar perdas,mais do que produzir novos ganhos.Mas os desentendimentos, infelizmente,nao constituem materia de facil resolucso.

    As questdes militaresPoderia parecer a primeira vista que

    Brasil e EUA caminharam nos ultimosseis anos para uma discreta reaproxima-c;:ao no plano militar. Alguns fatos tende-riam a confirmar esse diaqnostlco: em1980, 0 Presidente Figueiredo restabele-ceu, a nrvel de general-de-brigada, 0postode adido militar em Washington. No inf-cio do ana seguinte, ao voltar de umaviagem aos EUA, 0 enta~ chefe do EMFA,General Jose Ferraz da Rocha, anuncioua reallzacso de um programa de palestrase visitas entre oficiais dos dois parses parafins de lntercamblo doutrinario. Isso coin-cidiu com a decisao do Governo Reagande intensificar 0 treinamento de militaresdo continente; para tanto, 0 Capitoliofoi solicitado a liberar uma verba deUS$ 10,2 milhdes - quase metade daqual destinada a Escola das Americas, naZona do Canal do Panama. Desde abril de1981, essa escola conta permanentementecom um oficial brasileiro no cargo de ins-trutor de infantaria do quadro de EstadoMaior.sEm fevereiro de 1984, os dois parsesassinaram urn Memorando de Entendi-mento prevendo a transferencia de tee-nologias militares de ultima gerac;a09.Finalmente, no primeiro semestre de1985, foram conclu rdas gestoes que re-sultaram na adesao brasileira a urn siste-ma interamericano de telecomunlcacoesmilitares, articulado pelos EUA. Esses

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    gestos se revestem de uma inequlvocaimportancia simb6lica, se lembrarmoso azedume e a indignac;ao dos altosescaloes militares brasileiros contra osEUA' no auge dos desentendimentos sobrequestoes nucleares e sobre direitos hu-manos, durante a admlnistracao Carter.

    Contudo, uma analise mais cuidadosadas percepcoes d ivergentes e dos conflitosde interesse ca racterrsticos das relacoesbilaterais da u It ima decada sugere que osresultados praticos dessa reaproximacaornilitar tern side muito modestos - tantono plano tecno 16gico como no polrtico-sstrateqico. Na realidade, 0 rompimentodo acordo mil itar durante 0 GovernoGeisel (marco de 1977) representou 0fim de um pen' odo em que os conceitosestrateqicos, as doutrinas operacionais eos armamentos americanos contribulamdecisivamente para a formacao profissio-nal, as perspectivas ideol6gicas e atitudespolrtlcas do estabelecimento rnilitar bra-sileiro.

    Varlos fatores favoreceram 0 progres-sivo esvaziamento das relacoes militares,mas entre eles, sem duvida, 0 mais vislvelfoi a crescente auto-suficiencia brasileirana producao de armamentos. Desdemeados dos anos 60, os chefes militaresbrasileiros mostravam-se insatisfeitos como acordo militar de 1952, assinado numaconjuntura particularmente tensa da guer-ra fria: a guerra da Coreia, Na oplniao doscom andantes, ele se constitura em obs-tacu 10 a efetiva transferencia de tecnolo-gia e a rnodemiz acao autonoma das For-cas Armadas brasileiras. Asslrn, 0 Brasilcomecou a investir rnacicamente numprograma grad at ivo de substitu i

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    Desse modo, as relacoes militaresBrasil-EUA durante 0 Governo Figueire-do deixaram de passar por definicoesideoloqicas e rnecro-estrateqicas. mas pas-saram a depender, em boa medida, daspercepcdes e definicfies dos proprius mili-tares brasileiros sobre seus interesses enecessidades. Essa autonomia apresentavainevitavelmente a possibilidade de defini-90es discrepantes e choques de interessecom sua contraparte americana.A industria balicaDesde que montaram com sucesso amoderna industria belica brasileira, os mi-Iitares, sobretudo da Aeronautica, mos-traram interesse numa parceria com osEUA, especialmente em areas de alta tee-nologia, como a rnicroeletronica, tecno-

    logia aeroespacial e balrstica de grandealcance e -precisao1 0 Afinal, tendo ja do-mi nado a taorlcacao de armas leves e pe-sadas, blindados pequenos e medics,avides de reconhecimento, transporte eataque, alern de bombas e foguetes de va-riado calibre, os militares brasileiros dese-javam ingressar no fechado clube dos queproduzem sistemas de armamentos deultima qeracao.Contudo, a irnplernentacao do "Me-morando de Entendimento" de 1984 es-barrava na condicso limitadora que im-

    pediria as exportac;:6es de armas brasilei-ras com tecnologia americana paraparses da "lista negra" de Washington(caso da Lrbia, urn generoso e tradicio-nal cliente dos blindados e de outrosequipamentos militares brasileirosl. Alernde ameac;:ar os brios nacionalistas dos mili-tares, a exigencia americana iria contra aaqressivaestrateqia comercial da industriabelica brasileira, que vern destinando 95%de sua producao ao mercado externo (es-sa industria e urna das principais vedetesda polrtlca brasileira para gerac;:aode cres-centes superavits comerciais). Fez-semaior ainda 0 abismo entre Brasil e EUAnessa area, mas isso so agora comec;:aa serassimilado pelos militares americanos,42

    ate ha bern pouco tempo prisioneiros dovelho sonho de um retorno a fase aureadas relac;:6es militares bilaterais, vigentesdurante a Segunda Guerra - uma ilusao. ebern verdade, cornpartilhada por algunsgenerais e almirantes brasileiros reforma-dos. Urn dos primeiros a perceber a ques-tao, 0 comandante da Marinha americanaRobert Branco, ja demonstrou seu temorde que a preponderancia de considerac;:6espol (tico-estrateqicas globais dos EUA,em confronto com as motlvacoes predo-minantemente econornlcas e comerciaisdo Brasil, possa produzir situac;:6es emque as duas nac;:6es se veriam fornecendo armas a lados opostos num conflitomilitar. As tensoes dar resultantes "po-deriam prejudicar seriamente 0 relacio-namento EUA-Brasil,,11 .Em nome desse relacionamento, Bran-

    eo sugere simplesmente que os EUA S abstenham de"transferir certas tecnologias milltares especializadas, devido a propensao brasileira devender a todos os interessados em comprarTal declsao nao apenas protege os interesse!dos EUA mas tarnbern preserva a harmonicEUA-Brasil. Ela evita que 0Brasil seja forcadca escolher entre duas polrticas validas - honraiseus acordos ou vender tecnologia irrestrita_ ,,12mente a outras nacoes .Quanto a questso do Atlantico Suiantes mesmo que a posicso assumld:

    pelos EUA na Guerra das Malvinas, en1982, destru (sse 0 que restava do sisterminteramerieano de defesa, as gest5es arnerieanas concernentes a arranjos de seguranca regional no continente ja nao encontravam qualquer receptividade poparte do Itamaraty. A diplomacia brasileira aplicava nesse caso sua concepcao geral de seguranc;:a internacional, onde 0aspectos economicos tern clara primazisobre os estrateqico-militares:

    "0 Atlantico Sui ~ assunto prioritario paraBrasil, mais ainda do que para os EUA. Julg,mos que a rota de suprimento de petr61ecorrera perigo somente em casos extremacomo 0 de uma guerra mundial. E, nesse caseseria provavelmente mais 16gico, do ponto d

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    vista astrateqico, suspender 0 fluxo de petroleoocupando as areas produtoras. Nesse caso , 0Atlantlco Sui se transformaria em area altamen-te prtoritaria. Entretanto, n6s nao 0 encaramosdo ponto de vista da ac;:ao rnilitar, mas pol rtico.Nossa polrtlca externa em relacao aquela re-giao visa precisamente a criar confianc;:a nosparses do outro lado do Atliintico".13

    Os estrategistas navais brasileiros, emsua maioria, compartilham a visao do .Itamaraty, segundo a qual a melhor rna-neira de evitar conflitos no AtlanticoSui nao e mititariza-lo, mas rnante-lo amargem da disputa Leste-Oeste, irnpe-dindo a instatacao de bases americanas,sovieticas ou de qualquer potencia extra-regional na area. Nao que esses oficiaisdiscordem das advertencies de seus cole-gas americanos quanto a vulnerabilidadedo cornercio marrtirno brasileiro no casode uma guerra no Atlantico. Afinal, em1980, ele era a rota de 98% do cornercioexterior do Brasil, incluindo 90% das im-portacdes de petr61eo e 74% das exports-cdes para 0 Oriente Medio. Alias, 0 con-flito anglo-argentino de 1982 dramatizouessa vulnerabilid ade e evidenciou 0 des-prepare brasileiro frente a necessidade dedefesa aerea e marrtimade seu litoral.Para os estrategistas brasileiros, nao

    ha duvida de que, na continqencia de umconfl ito general izado entre os blocos, 0Brasil se alinharia com os EUA e oOci-dente em geral, 0que nao significa ade-rir ao Pacto do Atlantico SuI. Como acen-tua 0Almirante Mario Cesar Flores, atualcomandante da Escola de Guerra Naval,tal partlcipacdo "ocorrera naturalmentena ocaslao opo rtuna, nao devendo sercompulsoriamente promovida de maneiraform al em epoc a prematu ra"l 4. Estudorecente no 13mbito do Estado Maior doExercito insiste que essa poslcao "mo-derada" e a que rnelhor atende a autono-mia polrtico-estr ateqica do Brasil, de vezque 0 "estabelec imento de um sistema desegu ranca visa a facilitar 0 exercrcio dahegemonia dos EUA no (. . .) AtlanticoSui, nao necessariamente a deter 0 expan-sion ismo sovietic 0,,1 5 . .

    Os estrategistas americanos contra-argumentam que 0 Pacto, num teatroestrateqico de irnportancia tradicional-mente secundaria como e 0 AtlanticoSui, darla ao Brasil uma oportunidade(mica de remodelar e ampliar seu siste-ma de defesa avancada, compreendendoestacoes de rastreamento e cornunicacaonas llhas de Fernando de Noronha e Trin-dade, alern de capacidades aeronavais demais longo alcance. Eles procuram sensi-bilizar seus colegas brasileiros com a no-

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    expansion ismo sovietico na regHio, repre-sentado por Cuba e Nicaragua, ao passeque 0 Brasil advoga uma solucao pacrficaque respeite a autodetermi nacao dosparses da area. Esses dois contrapontosevidenciam 0 cuidado do Brasil em naose envolver diretamente no conflitocentro-americano.Ap6s 0 malogro das missoes Enders eBush, a ultima tentativa de sensibilizar 0Brasil para a posicao de Washingtonmaterializou-se na proposta de uma forc;:ainteramericana, composta por tropas dosparses slqnatarlos do TIAR, para atuar na

    viqilancia das fronteiras da Nicaragua eseus vizinhos. As autoridades do Pentaqo-no e do Departamento de Estado encar-regadas do assunto estao convencidas deque essa "forca s6 tara sentido se contarcom a cobertura dlplornatica e com 0apoio de tropas brasileiras" e sabem exa-tamente com quais efetivos de elite gos-tariam de contar: os para-quedistas doExercito e os fuzileiros da Marinha17.A reacao contraria do Brasil nao se fezesperar. Em julho de 85, 0 AlmiranteMario Cesar Flores, da Escola de GuerraNaval, afirmou que "0 Brasil deve mantera sua posicao de defesa de uma soluefionegociada para os problemas da AmericaCentral", enfatizando que a visao doItamaraty "e a que mais corresponde aosinteresses brasileiros, ate mesmo do pontode vista estr ateqico", Essa opiniso coinci-de com a do EMFA: "Segundo assessoresmilitares, nao ha receptividade para apoiodo Brasil em uma forc;:a de paz para aAmerica Central". 0 que demonstra 0"alto nrvel de relacionamento com 0 Mi-nisterio das Helacoes Exteriores, que deveexaminar as questoes e as posicoes inter-nacionais que 0 Brasil precisa adotar,,18 .Aquela altura, 0 perfil das relacfiesinternacionais do Brasil impedia a reedi-c;:aode epis6dios como 0 da Forc;:a Intera-mericana de Paz, de 1965, quando 0Governo Castelo Branco enviou tropasem apoio a intervencao americana naHepublica Dominicana, no bojo de umapolrtica externa cujo marco global ainda44

    era a nocso de conflito inevitavel entreLeste e Oeste. No final dos anos 70, en-tretanto, a polrtica latino-americana doBrasil orientava-se por uma percepcaode que os antagonismos ideol6gicostinham-se esmaecido e a clivagem funda-mental do sistema internacional passavaagora pela dlvisfo Norte-Sul e nao maisLeste-Oeste.ConseqGentemente, durante 0 Gover-no Figueiredo, promoveu-se uma polr-tica de eproximacso aos vizinhos latino-americanos, tanto no plano economico,como no polr'tico, que se evidenciou nadiplomacia de "visitas presidenciais" avaries parses do continente. Ouanto aAmerica Central, 0 governo brasileiro re-conheceu rapidamente 0 governo oriundoda revolucao sandinista na Nicaragua,com 0 qual assinaram-se acordos econo-micos e de assistencla teen ica.19 Aomesmo tempo, 0 Itamaraty produziu ar-gumentos que justificavam uma posicaoamplamente discrepante da norte-ameri-cana. As teses, novamente defendidas, daauto-determlnacao dos povos e da nao-intervencao produziram forrnulacoes con-ceituais importantes, em especial a deque era perfeltarnente aceitavel a coexis-tencia de regimes polrticos e sociais naohornoqeneos no continente.Ha naturalmente visoes discrepantesque, supondo a possibilidade de recru-descimento da rivalidade Leste-Oeste emescala planetaria, advogam a necessidadede 0 Brasil reconhecer as "brutalidadesda Realpolitik,,20 eaceitar a alianc;:anorte-americana e suas decorrencias. Nolade oposto, osdefensores da atual polr-tica exterior nao fariam das questoes es-trateqicas mais vastas um pararnetro dedecisoes polrticas de curto e rnedio pra-zos. Para eles, 0 Brasil se alinharia "emultima instancia" ao Ocidente; e nao seriapossrvel criar alianc;:asestrateqicas exclusi-vamente "latinas" que, dado 0 fracassodo TIAR,21 prescindiriam da participa-c;:aodos EUA. Entretanto, nao deduzemdar' a impossibilidade de se estabelecerpolrtlcas convergentes com parses de re-

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    gime pol rtico-social d iverso, mas comidentidades e sim ilaridades de outra or-dem com 0 Brasil.

    A questso nuclearAo contrario do perrodo Carter-

    Geisel, em que era um dos problemas do-m inantes nas relacdes B rasil-E UA , a ques-tao nuclear tornou-se, no Governo F iguei-redo, um assunto de manor irnportancia:ja havia passado 0 impacto causado peloacordo nuclear com a Alemanha nasrelacoes com os EUA, e, por ou tro lado, 0mercado de equ i pamentos nucleares civ i sestava em pleno refluxo.

    Passado 0 per t'odo d e in te nsa s pressoesdlplomaticas do G overno Carter, alcancou-se um estado de acomodacao n as r el ac oe sB rasil-EUA na questao nuclear. a Gover-no Reagan aprofundou esse processo.Velhas pendencies foram resolvidas, entreas quais, uma antiga drvida contratualb rasileira de uranio enriquecido que naofoi exportado, a participacao de tecnicosda W estinghouse nos problemas da usinade Angra I, e a fo rrnacao de grupos de tra-balho encarregados de estudar modalida-des de futura colaboracao tecnica no cam-po da tecnologia nuclear. No entanto, 0esforco de reaproximacao para uma par-ceria mais intensa, durante os governosReagan/Figueired 0, nao s e con sub st an ci ouno campo nuclear, ficando em declaracaod e in te nc oe s.

    M ais de urn motivo ajuda a entenderpor que razao nao foram ad iante os esfor-cos de colaboracao no plano nuclear:

    Ern prim eiro lugar, houve a crise finan-ceira brasileira, atingindo em cheio osgrandes projetos econornicos do GovernoGeisel, entre eles 0 am bicioso program anuclear resultante do acordo com a Ale-manha. Desde 1981, a reforrnu lacao dasprev isces de demanda enerqetica nacionale urn maior real ismo na avaliacao doscustos das usinas projetadas fizeram comque 0 ritm o de coristrucao, e consequents-

    mente de transfersncla de tecnologia daAlemanha para 0 B ra sil, c ais se v er tig in os a-mente. a medo, lrnplrcito nas p r in ci pa iscn'ticas norte-americanas ao acordo, deque 0 Brasil chegasse rapidamente ao do-rnrriio complete do ciclo de producaonuclear desvaneceu-se, atropelado pelasem i-p aralisia d as ob ras.Em segundo lugar, constatou-se a deca-dencia da opcao nuclear como a un ic a sar-da enerqetica possrvel, tal como se vi slum-brava em princrpios da decade de 70. Ex-cetuando-se certos parses. como a F ranca,A lemanha e Japao, extremamente depen-dentes de recu rsos enerqeticos importadose que investiram e continuam investindofundo na tecnoloqia da producao de ener-gia por meios nucleates. muitos parsesque tinham feito uma opcao nuclear sobo nrimeiro choque do petr6leo , refizeramseus pianos no final dos anos 70; 0 Brasilestava entre eles. M esmo nos EUA , apesarda existencia de uma solida industria deequipamentos nucleares, a tradicional rna-triz enerqetica petroleo-carvao-h id reletri-ca p erm aneceu dom inante.

    Este coniunto de fatores fez com queao final da decada de 80, mesmo com 0 se -gundo choque petrol (fero, a opcao ener-gM ica nuclear fosse, senao relegada a umsegundo plano, pelo m enos p erdesse 0 en -canto e a dinamica econornica dos anos60 e princrpios do s 70.

    No plano polrtico-estrateqico, 0 aban-dono da polrtica de n ao-p rolifera

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    maiores receios de prollferacso oerdessemo tom drarnatico do oerrodo Carter.Nao obstante, 0Governo Reagan conti-nuou a fazer pressoes diplornaticas nosentido de que 0Brasil ratificasse 0T rata-do de Nao-Proliferac;ao, sem assumir, con-tudo, 0 carater quase imperativo dos tern-DOS Carter.

    InformaticaOs problemas suscitados pela polrticabrasileira de reserva de mercado na areade microcomputadores remetem-se a um .emaranhado de interesses contrarlados,

    Desde 1976, inicialmente com a CAPRE,depois com a SE 1 18, 0 governo brasileirovinha esbocando e aplicando um esquemade protecso ao promissor mercado nacio-nal de micro e minlcomputadores, garan-tindo-o para empresas de capital 100% na-cional, e impedindo que dele participas-sem empresas de capital estrangeiro soli-damente instaladas no pal's. No processode instituclonalizaciio dessa pol (tica,ocorrido no final do Governo Figueiredo,ficaram nrtidas as pressdes de um lado eoutro do espectro de arnbicfies contraria-das.As manifestacoes dos setores estrangei-ros interessados (empresas, tecnicos e go-vernos) mostram como estao em jogo, nornmirno, duas varlavels distintas mas com-plementares: uma, de natureza comerciale outra, de natureza polrtica. A maiorparte das reclamecoes e advertenclas par-tidas destes setores contrariados originou-se de empresas e do governo norte-ameri-cano, embora nao estivesse ausente tam-bam um afinado coro de vozes europeias,Essa constatacao nao chega propriamentea causar especie.Obviamente, quem mais reclama nomundo da pol (tica ou dos neg6cios a

    quem mais tem a perder. A nrvel das,agencias governamentais, desde 0Secreta-rio de Estado, George Schultz, ate os secre-. tarlos de Comercio, Tesouro e represen-46

    tantes comerciais, todos brandiram 0 ar-gumento do neoprotecionismo comercial,da liberdade de investimentos e do atrasotecnol6gico. As empresas onde estao loca-lizados os interesses mais concretos e, aomesmo tempo, mais vulneraveis mantive-ram uma postura discreta, de respeito asoberania nacional, insistindo nas teses dadefasagem tecnol6gica e da plausibilidadeda formacao de joint-ventures.Para entendermos a dimensiio polrticada polemica declsso brasileira, devemoscontextualizar a polrtica nacional de in-formatica no plano das relac;oes interna-cionais. Trata-se de perceber a atividadeda eutomacao como um dos vetores queguiam os novos rumos da sociedade in-dustrial, a sua importancla na redefinic;aoprodutiva internacional nos finais do sa-culo XX e 0 seu significado para a reto-mada econornica norte-americana. Naoseria 0 caso de iniciar uma discussao sobreo alcance ou nao da automecao. se ela seconstitui ou nao uma nova revolucao in-dustrial, transformadora como als) ou-tra(s) da dlrnensao material de nossas so-ciedades. 0 que interessa a .detectar a in-formatica como um brilhante presente eum promissor futuro enquanto compo-nente da sociedade industrial contempo-ranea, E ar 0 mercado brasileiro a, mun-dialmente, dos mais significativos.Alem da dimensao de atividade deponta que a informatica representa, sualnsercao no bojo das transformecoes inter-nacionais dos ultimos dez anos mostraque mercado, investimento e poder ca-minham e contlnuarao caminhando jun-tos na reorqanizacao produtiva internacio-nal. E nela newcomers nem sempre saobem-vi ndos.Como exportador de manufaturados, 0Brasil a um novo ator que incomoda. Si-

    derurqia, autom6veis, petroqurrnica, equi-pamentos, services, sem contar os trad icio-nais texteis e sapatos - 0 Brasil tern hojecacife respeitavel para enfrentar os parsessolidamente estabelecidos como exporta-dores industriais. Nesse jogo pesado, estfiopreserites duas dimensdes principais. Em

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    primeiro lugar, nao importa muito se 0setor em jogo e dominado pelo Estado(siderurgia), ern presas internacionais (au-tom6veis) ou empresas nacionais (servi-cos) . 0 que importa e a luta pelos merca-dos e pelos d6lares. Em segundo, temos 0components de estrateqia das grandes em-presas, sempre prontas a se estabeleceronde for possrvel e promissor. AI' 0 quemais conta nao e a cornpeticao internacio-nal Delos mercados e sim a obstrucao, pe-la "reserva", do acesso a montagem da em-presa num mercado nacional importante econtando com a possibilidade de crescerinternacionalmente. A IBM Brasil, porexemplo, uma das subsidiarias da IBMque mais cresce no mundo, acha-se impos-sibilitada de expandir seus investimentos,contrariando sua pr6pria polrtica empre-sarial, devido a reserva de mercado estabe-lecida pelo governo brasileiro.

    E nesta frie

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    ran tia da capacidade de resistencia aos.proietos de recuperacao heqernonica dosEUA e de lmposicao de suas polrticas, as -sim como a democracia parlam entar naoe necessariamente sinonirno de vu lnera-b ilidade ao poder e a r iq u ez a no rte -ameri -canos.o advento da Nova Repub lica nao im-plicou mudanc;:a radical na polrtica deindependencia possrvel (0 pragmatismo) ,embora ja se possam constatar nos diasatuais certas rnodiflcacoes significativas.E ssas rnudancas cam inham no sentido dereforcar as posicoes de independencia, re -m over os bolsdes de "entu lho ideo l6gico"remanescen tes do autoritarismo e reco-nhecer m ais claramente a natureza polrti-ca de problemas ate en tso consideradosapenas " teen icos" . As m od ificacoes trazi-das pela Nova Repub lica nao chegaram aaprofundar, m as explicitaram as diferen-cas entre B rasil e EUA . O s prim eiros dozemeses do Governo S arney apresen tam osseguintes pontos de relevo :

    A enfase na identidade latino-am erica-na do B rasil, reiterada em pronunciam en-tos oficiais du rante 1985, ja produziu re-su ltados claros, em bora parciais, em nos-sos envolv im entos m ultila terais, assim co-m o em nossas relacfies b ilaterais. N esse u l-timo caso, a recuperacao da identidadelatino-americana no quadro de uma insti-tucionalidade dernocratica perm itiu , porexemplo , u rna ampla superacso de recri-m inacoes rnutuas entre B rasil e A rgen ti-na e uma ativa busca de converqsncia deposicoes para os p roblem as hernisferlcos einternacionais. A s questoes pendentes en-tre os dois parses circunscrevem -se, emsua m aioria, aos problem as econornicos,em especial aos ligados ao intercambio co-rnercial entre os dois parses, Embora apassagem d a "solidariedade la tino-am eri-cana" do nrvel ret6rico ao das decisoesconcretas nao seja uma questao simp les,pode-se constatar que os esforc;:os real iza- .dos nos ultirnos meses tendem , no con-junto , a reverter a relacso de "estranha-mento" que prevaleceu nos anos 60 e 70entre 0 Brasil eo restante da America La-48

    tina e que foi frequenternente u til a polr-. .- 24tica norte-am ericana na reqiao .a B rasil assu miu posicao rnais' clara,embora ainda nao totalrnsnte eflcaz, nacrise da America Centra l e do Caribe. N aquestao da America Central, a posic;:aob rasileira " su biu varlos tons" no decorrerde 1985: alern de condenar 0 bloqueioamericana a Nicaragua, 0 governo brasi-leiro passou a constitu ir 0 Grupo deApoio a Contadora, juntamente com Ar-gen tina, Peru e Uruguai, 0 que colocou amaioria dos parses latino-americanos nalinha da soluc;:ao negociada e do respeitoa au to -d eterm in ac;:ao e n ao -in terv en c;:ao n aAm erica C entral2S . A com preen sao da cri-se centro-americana em Brasilia difere dalntarpretacao de W ashington para 0 B rasil,os problemas da America Centra l tern"p rofundas rafzes estru turais in ternas"e se agravam no quadro das d lsto rcoes dosistem a financeiro internacional e da in-justa distrlbuicfo dos beneflc ios do co-mercio lnternactonar'". M as a Nova Repu-b lica ainda se m antern algo distarite dessasquestoes e a solidariedade proclamadaainda nao encontrou 0 cam inho das de-cis5es mais concretas e urgen tes: as rela-c;:oes econom icas com a Nicaragua, porexemplo, sao ainda consideradas muitodo mais do angulo custo-beneflcio do quede uma solidariedade ativa a um pars lati-no-americano que sofre os efeitos de urnb loqueio econorn ico condenado pelo pro-prio governo b rasi leir027 .

    Em relac;:ao a questao cubana, estapara cair 0 ultimo elemento das "fron-teiras ideoloqicas" : 0 reatamento de re-laeoes com Cuba colocou -se em decorren-cia de uma in ic iativa do Legislativo, ga-nou corpo com estudo preparado peloItam araty sob re a conveniencia do reata-m ento e nao parece suscitar m aiores re-sistenclas nas areas m iiitares. D eve-seassinalar como dado auspicioso do reata-m ento a p redom inancla das identidadeshlstorico-culturais do pais sobre as defin i-< ;oes polftico-ldeo loqlcas de grandes po-tencias.

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    A questao dad (vida externa acrescen-tou urn elemen to de diverqencia nas posi-cdes brasileiras vis-a-vis as poslcoes deWash ington. Embora timidamente, a diplo-macia brasileira corneca a "politizar" aquestao da dfvida. A recusa brasileira emaceitar a tese cu bana do repudio da d (vidaou da morat6ri a (que equivaleria a fazerda d Ivida um e lemento de confrontacaoLeste-Oeste, segundo nossas autoridades)nao constitui uma perspectiva puramente"apolrtica" da d (vida. 0 governo brasilei-ro separa as questoes financeiras maisimediatas, objeto de neqociacdes com 0FMI e os banco s, das questoes mais pol f-ticas, que dizem respeito as norrnas e pra-ticas da ordem economics internacional.Para Brasflia, a dfvida nao podera serpaga, se se mantiver a atual ordem econo-mica internacio nal, 0 protecionismo e 0direito que os pafses desenvolvidos searrogam de aumentar unilateralmente osjuros da drvida, Como um princrpio gerale contrariando as receitas recessivas doFMI e a sotucao rnaqica do mercado oriun-da de Washington, 0 governo brasileiroafirma que, se 0preco do ressarcimentoda d (vida exter na for a recessao econo-mica e 0 desemprego, ele simplesmentenao a pagara28 Alguns desenvolvimentos tarnbern ocor-

    rem nas areas mais polernicas da energianuclear, informatica e tecnologia militar :no primeiro ana da Nova Republica:As perspectivas de desenvolvimento daindustria brasilei ra de producao de ener-gia nuclear nao sao animadoras para seus

    defensores. A avaliacao feita pelo governoda Alianca Democratica e a de um absolu-to fracasso tecnlco e financeiro. Mas 0estaqio em que se encontram as usinas deAngra I, II e III, ja funcionando ou emprocesso avancado de construcao, naorecomenda obviamente sua desarticula-

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    conexso entre a questao da informaticae a venda de avioes poderia surgir, poriniciativa do governo de Washington ...se a USAF tomasse uma decisao tecnicae econorn ica a favor do Tucano,,31. Emoutras palavras, a Embraer poderia serobjeto das sancoes de que trata urna sec;:aodo Trade Act, embora 0 problema se ori-gine na area da informatica. Isso sem falarna concorrencia que avides brasileirostam bern fazem a produtos americanos naarea da avia

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    sim, como e pouco provavel que 0GovernoReagan altere suas poslcoes gerais, tam-bern nao parece posslvel ao Brasil modi-ficar posicoes tao trabalhosamente alcan-cadas, 0 consenso interne alcancado poressa polr'tica, legitimada nos nossos diaspelo processo dsrnocratico que tende a seconsolidar, pode permitir uma afirrnacaoclara do pais nas suas relacoes externas.Seria equivocado imaginar que na retacaoBrasil-E UA esta em jogo apenas a melho-ria das relacoes bilatera is entre os doisparses. Apesar das dificuldades e limita-coes "estrutura is", 0 que se joga nessarelacao e a carta da independencia brasi-leira e a possibilidade de elaborar, comodiria Araujo Castro, uma verdadeirapolftica internacional para 0 Brasil.

    NOTASA crise da ordem internacional tem sido ob-jeto de inumeras analises. Apreciacdes doponto de vista latino-americano e brasileiropodem ser encontradas em Hello Jaguaribe(orq.l, La polftica internacional de los eiios80, Buenos Aires, Belgrano, 1982; CarlosPlastino e Roberto Bouzas (orqs.I, A Ameri-ca Latina e a crise internacional, Rio de Ja-neiro, IRI/Graal, 1982; Celso Lafer, 0Brasile a crise mundial, Sao Paulo, Ed. Perspecti-va, 1983. 0 Brasil e a crise internacional fo-ram tarnbern objeto de um seminario , reali-zado em novembro de 1985, no Rio de Ja-neiro, com co-patrocrnio IBASE/I R I.

    2 Uma apreclacso de conjunto das diretrizesbasi ca s do "pragmatismo" e suas inflexoesno governo Figueiredo pode ser vista emMaria Regina S. Lima e Gerson Moura, "Atrajetorja do pragmatismo", Dados, v. 25n < ? 3, 1982.

    3 Sobre a "vlrada " neo-conservadora e seuimpacto sabre a polftica exterior dos EUAveja-se Luiz Mai ra. "A crise da hegemoniainternacional dos EUA e seu impacto para aAmerica Latina" in C. Plastino e R. Bouzas(orgs.),op. cit., pp 15-38.

    4Ver Albert Fishlow, "Brazil: the case of themissing relationship" in Richard Newfarmer(ed.), From Gunboats fo Diplomacy, NewU.S. Policies for Latin America, Baltimore,The John Hopki ns University Press, 1984,pp. 157-158. 0 artigo de Fishlow foi origi-nalmente publlcado em Foreign AffairsSpring 1982. Ve r tarnbem Roberto Abde:nur, "0 marco econornico global das rela-Ifoes Brasll-Estacios Unidos", in Monica

    Hirst (orq.}, Brasil-Estados Unidos na trensi-r;ao democretice, Rio de Janeiro, Paz e Ter-ra, 1985; e Paulo Kramer, "Dialoqo de sur-dos: as relacdes Brasil-E UA", Brasil: Perspec-tivas Internacionais (5), jan-fev., 1985 pp1-4, I R I-PUC/RJ.

    5 Ver a apresentacao dos custos da "parceriaprivilegiada" em Fishlow, ibid., pp. 158-159.

    6 Cf. Aspasia Camargo e Walder de Goes, 0drama da sucessso e a crise do regime, Riode Janeiro, Nova Fronteira, 1984, pp. 218-219. A hist6ria de desentendimentos partras dos fracassos dos grupos de trabalhotarnbern e reconstitu ida por Sonia de Ca-margo e Gerson Moura, em "Uma visitapouco frutuosa", IN: Brasil: PerspectivasInternacionais, (1), jun-jul, 1984, pp, 5-8,IR I-PUC/RJ.

    7 Cf. G6es, ibid., p. 221.8 Cf. "Governo admite so a coooeracao mili-

    tar com os Estados Unidos", 0 Estado desao Paulo, 19.04.81. Os desenvolvimentosdas relacoes militares Brasil-EUA podem servistas em Paulo Kramer, "Cornplexo indus-trial-m ilitar e exportacao de armamentos",in Brasil: Perspectivas Internacionais, (4),nov-dez. 1984, pp. 5-8; e "As relacdes mili-tares Brasil-Estados Unidos", cornunicacaoao Grupo de Trabalho de Helacoes Inter-nacionais e PotItica Externa, IX EncontroAnual da Assoclacso Nacional de Pos-Gradua-cao e Pesqu isa em Cienclas Sociais (ANPOCS),Aguas de Sao Pedro, S.P. outubro de 1985.

    9 A (nteqra do memoranda foi publicada naGazeta Mercantil de 07/02/1984.10 Cf. "Brasil e EUA ainda divergem sabre ter-

    mos de cooperacao na area bellca", 0 Glo-bo, 06/03/1983.11 Robert J. Branco, The United States andBrazil: Opening a New Dialogue, Fort Les-ley J. McNair, Washington, D.C., National

    Defense University Press, 1984, p. 87.12 Id., ibid., p. 88.13 Declaracso do entao chanceler Saraiva Guer-reiro a Folha de S. Paulo, 11/10/1981 .14 Mario Cesar Flores, "0 Brasil eo Atlantlco

    Sui ", conferencla pronunciada no Centro Bra-sileiro de Estudos Estrategicos (CEBRES),Rio de Janeiro, 31/05/1982, epud Branco,pp.77-78.

    15 Geraldo Cavagnari, ..Atlantico Sui: introdu-cao ao debate", 35th Pugwash Conferenceon Science and World Affairs, Campinas,S.P., Brazil, 3-8 July, 1985.

    16 Cf. Branco, p. 77.17 Cf. Roberto Godoy, "EUA querem apoio de

    tropas do Brasil", 0 Estado de Silo Paulo,07/07/1985.18 "Brasil descarta solucso de forca, diz almi-

    rante", 0 Estado de S. Paulo, 09/07/1985.51

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    19 Ver Monica Hirst. "0 Brasil eo Caribe: osprimeiros passosda aproxirnacao ", apresen-tado ao Serninar io "America Latina e 0 Ca-ribe", Bogota. 20-21/maio/1982.20 A expressao constitui 0 trtulo de um artigodo Embaixador Roberto Camposem 0 Es-tado de Sao Paulo. 07/07/1985.21 Entrevista do Cel. Cavagnari a Paulo Kra-mer em Brasf lia, 12/07/1985. comentandoproposicdes de Hello JaguaribeemReflexaosobre 0 Atantico SuI: America Latina e Bra-sil ante a deserticulecdo do sistema inters-mericano. Rio deJaneiro.PazeTerra/IEPES.1985. esp. pp. 47-63.22 Cf. Paulo Wrobel. "Pclftica Nacional de In-formatica: 0 desafio esta lancado ", Brasil:Perspectivas Internacionais. nov-dez. 1984.pp. 1-4. IRI-PUC/RJ.23 Cf. Antonio Barros de Castro e FranciscoEduardo Pires de Souza.A economia bresi-leira em marcha torcede, Rio de Janeiro.Paze Terra. 1985.24 Um retrospecto das relacdes Brasil-AmericaLatina e a situacao atual podem ser vistos

    em Gerson Moura, "Brasil: uma nova polfti-ca latino-americana?". BFasil: PerspectivasInternecionels, (7) mai-set 1985. pp. 2-5.IRI-PUC/RJ.25 Sobre ac;:oese Hmltacdes dapol (tica brasilei-ra na America Central. ver dois artigos publi-cados em Brasil: Perspectivas Internacionais:'Sonia de Camargo, "A velha e a nova repu-blica face a America Central e 0 Caribe",(6) rnar-abr. 1985. pp. 1-4; e PauloWrobel,"Notas sobre a polftica dos EUA edo Brasilpara a America Central". ibid. pp. 5-7.IRI-PUC/RJ.26 "Urna nova era". 0 Estado de Sao Paulo,15/08/1985, p. 4.27 Uma serie de medidas concretas de solida-riedade a Nicaragua foi sugeridapela Decla-rac;:aoinal da Conferencia "0 Brasil frente

    a crise centro-americana". IBASE. Rio deJaneiro. 11-14 de junho de 1985.28 "Presidente adverte credores" r Jomal doBrasil. 22/09/1985.19 cad. p. 2.29 Cf. Paulo Kramer. "Complexo ...... Ioc. cit.,p.7.30 Em meados de outubro do ana passado,uma com itiva de cinco oficiais americanosfez uma "discreta visita de dois dias a tabrl-ca da Embraer" para testespreliminares do

    aparelho. Cf. 0 despacho do correspon-dente Paulo Sotero, de Washington. para aGazeta Mercentll, 24/10/1985: "EUA: For-ca Aerea estuda 0 Tucano". 0 jornalistasublinha que 0 interesseda USAF seexplicapelas vantagens tecnol6gicas e baixo custodo aviao brasileiro, tornadas mais "visfveis"com sua vit6ria em renhida concorrenclainternacional aberta pela RAF, inglesa.no ana passado: "Apesar de naoserum jato52

    puro , (Tucano) realiza as rnesmastarefasde treinamento do aviao da Fairchild...outro atrativo: seu preco, Ele custaria deUS$1.2 milhcioa US$1.5 milhao por unida-de. com as especlflcacdes da USAF. quaseum terce do T-46".31 Cf. Paulo Sotero, "0 interesseda Embraerna investida contra a Lei de Informatica".Gazeta Mercantil. 31/10/1985.32 Cf. Paulo Sotero, "Ap6s a informatica. po-dem vir os avides", Gazeta Mercantil. 10/09/1985.33 Ver os artigos "Brasil-EUA: hist6ria e pers-pectivas de relacionamentodiplomatico", inParadoxos e Possibilidades. Rio de Janeiro.Nova Fronteira. 1982; e "A visita do Presi-dente Reagane asrelacdes Brasil-EUA". ino Brasil e a Crise Mundial. Sao Paulo. Pers-pectiva. 1983.