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GERSON RODRIGUES DA SILVA SOBRE O TEXTO JURÍDICO: GRAMÁTICA E TEXTUALIDADE Tese de Doutorado apresentada à Pós- Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Estudos Lingüísticos. Orientador: Prof. Dr. RICARDO STAVOLA CAVALIERE Niterói 2008

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GERSON RODRIGUES DA SILVA

SOBRE O TEXTO JURÍDICO: GRAMÁTICA E TEXTUALIDADE

Tese de Doutorado apresentada à Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Estudos Lingüísticos.

Orientador: Prof. Dr. RICARDO STAVOLA CAVALIERE

Niterói

2008

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GERSON RODRIGUES DA SILVA

SOBRE O TEXTO JURÍDICO: GRAMÁTICA E TEXTUALIDADE

Tese de Doutorado apresentada à Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Estudos Lingüísticos.

Aprovada em setembro de 2008.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. RICARDO STAVOLA CAVALIERE

UFF

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. ANDRÉ CRIM VALENTE

UERJ

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. CARLOS ALEXANDRE VICTORIO GONÇALVES

UFRJ

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. MAURÍCIO DA SILVA

UFF

___________________________________________________________________________

Prof. Dra. THEREZINHA MARIA DA FONSECA PASSOS BITTENCOURT

UFF

__________________________________________________________________________

Prof. Dra. VANDA CARDOSO DE MENEZES

UFF

_______________________________________________________________________

Prof. Dra. DARCÍLIA MARINDIR PINTO SIMÕES

UERJ

Niterói

2008

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

DOUTORADO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS

GERSON RODRIGUES DA SILVA

SOBRE O TEXTO JURÍDICO

GRAMÁTICA E TEXTUALIDADE

NITERÓI

2008

À Fernanda, ao Gabriel e João Henrique, que fazem a vida valer a pena.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal Fluminense,

Ao Professor Doutor Ricardo Stavola Cavaliere,

A todos os professores com quem convivi e de quem

tive o privilégio de ser aluno,

Aos alunos de todos os níveis de ensino,

especialmente aqueles do curso de Direito, com

quem aprendi muito e que me trouxeram Alegria.

EPÍGRAFE

“A regra da igualdade não consiste senão em

quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em

que se desigualam. Nesta desigualdade social,

proporcionada á desigualdade natural, é que se acha

a verdadeira lei da igualdade”

Rui Barbosa

RESUMO

As ciências humanas normalmente lidam com questões relativas à variação do objeto

de estudo. Assim, acabam deparando com dilema de se entenderem ou não como ciência,

tendo em vista que, grande parte das vezes, o formalismo é deixado de lado, e a razoabilidade

na observação dos fenômenos é privilegiada. Isso é o que se observa tanto na Lingüística

quanto no Direito, pois ambas trabalham com transformações que têm como base o indivíduo

e sua relação com o outro. Este trabalho apresenta questões lingüísticas relacionadas à

produção de textos jurídicos. Procura-se estabelecer uma conexão entre as duas ciências, a

partir do entendimento de que, com o auxílio da Lingüística, os textos de caráter jurídico

poderiam apresentar maior eficácia. Partindo dessa premissa, identificam-se, primeiramente,

os principais problemas na redação de peças processuais, para, posteriormente, apresentar

possíveis soluções que garantam a eficácia dos mesmos. Entende-se que o discurso de

produção de textos de natureza jurídica não estaria representando a língua portuguesa em sua

modalidade brasileira, o que geraria impossibilidades de entendimento por parte de pessoas

leigas, que, apesar disso, seriam interessadas no processo. Isso causaria, dessa forma, uma

exclusão social, visto que não se observariam garantias legais dos cidadãos, uma vez que

estaria sendo negligenciado o acesso ao judiciário e, conseqüentemente, à Justiça. Uma das

formas que fariam com que tal garantia se tornasse eficaz seria a adequação do discurso

jurídico às necessidades e anseios sociais. Para que isso ocorresse, a Lingüística funcionaria

como ferramenta de auxílio.

ABSTRACT

Human sciences usually deal with issues related to the variation of the object they

study. Therefore, they have to face the dilema of understanding themselves as science or not,

since formalism is left aside, and the reasonable observation of the phenomena is privileged,

plenty of times. That is what is observed in Lingüistics and in Law studies, since both work

with the relation among individuals. This thesis presents issues in Linguistics related with the

production of forensic texts. The study tries to estabilish a connection between the two

sciences, understanding that, with the Linguistic help, Law studies would present more

eficacy. In this work we try to identify the main problems in the production of forensic texts,

in order to propose further solutions that would guarantee their eficacy. This thesis proposes

that one of the major problems in the forensic discourse is that it is not presented in Brazilian

Portuguese, and it would generate misunderstandings in those people who is interested in the

process itself, although not being lawyers. It could generate social exclusión, since the

Access to justice would be neglected. It is proposed that the forensic texts should be

adequated to social needs, and it could happen with the help of Linguistics.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO, p. 11

2 HERMETISMO NA LINGUAGEM JURÍDICA, p. 21

2.1 A LINGUAGEM JURÍDICA , p. 23

2.2 VOCABULÁRIO ESPECÍFICO: JARGÕES, p. 28

2.3 LATINISMOS, p. 38

2.4 VOCABULÁRIO PROCESSUAL, p.30

3. FATOS LINGÜÍSTICOS, p.32

3.1 CONCORDÂNCIA VERBAL E NOMINAL, p. 33

3.1.1 A visão de Said Ali, p.33

3.1.2 A visão de Bechara, p. 36

3.1.3 A visão de Rocha Lima, p. 37

3.1.4 A visão de Mário Perini, p. 38

3.2 A QUESTÃO DA ORDEM, p.42

3.2.1 A visão dos gramáticos tradicionais, segundo Neves, p.42

3.2.2 A visão de Pontes e a de Votre e Naro, p.53

3.3 USOS DE CONECTORES, p.45

4. TEORIAS LINGÜÍSTICAS PERTINENTES, p.55

4.1 CONCEITOS BÁSICOS DO FUNCIONALISMO, p. 57

4.1.1 O conceito de marcação e pacote informacional (articulação tema/rema), p. 66

4.1.2 Figura e Fundo na narrativa jurídica, p.70

4.2 A LINGÜÍSTICA TEXTUAL, p.73

4.2.1 A definição de texto e discurso, p.73

4.2.2 Histórico da Lingüística Textual, p.74

4.3 A ANÁLISE DO DISCURSO E A PRODUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO, p.78

4.3.1 Lingüística forense: uma subárea da AD, p. 79

4.3.2 A particular visão de Ducrot e similaridades com a AD, p.83

5. GÊNEROS, TIPOLOGIAS, MODALIDADES, p.86

5.1 OS DOMÍNIOS DISCURSIVOS NA VISÃO DE MARCUSCHI, p.86

5.2 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO: A PROPOSTA DE CHARAUDEAU, p.90

5.3 OS GÊNEROS DO DISCURSO NA VISÃO DE BAKHTIN, p.96

5.4 DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS NO DISCURSO JURÍDICO, p.97

5.4.1 A Petição Inicial, p.97

5.4.2 A contestação, p.98

5.4.3 A denúncia, p.99

5.4.4 A sentença, p.100

5.4.5 O habeas corpus, p. 102

6. A IDEOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO, p.103

6.1 OS PAPÉIS SOCIAIS E A PRODUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO, p.105

6.2 O NORMAL E O PATOLÓGICO NO ENTENDIMENTO DE JUSTIÇA, p.105

6.3 A MANIPULAÇÃO DO DISCURSO NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO, p. 108

6.4 A MANIPULAÇÃO NO DISCURSO JURÍDICO, p.109

6.5 HANS KELSEN E A TEORIA PURA DO DIREITO, p.110

6.6 O TEXTO JURÍDICO E O CARÁTER MANIPULADOR, p.112

7. METODOLOGIA, p.115

8. ANÁLISE, p.118

8.1 PERELMAN E TYTECA E A NOVA RETÓRICA NA ARGUMENTAÇÃO

JURÍDICA, p. 119

8.2 A APRESENTAÇÃO DOS FATOS , p.120

8.3 A OBSERVAÇÃO DO DIREITO, p.125

8.4 MODALIZAÇÃO AUTONÍMICA NA ARGUMENTAÇÃO, p.129

8.4.1 A modalização autonímica em sentença, p. 134

8.5 A QUESTÃO DO FOCO E DA ORDEM SV NO TEXTO JURÍDICO, p.137

8.6 COM RELAÇÃO À ORDEM DOS CONSTITUINTES, p. 139

8.7 O SUJEITO E O OBJETO NAS INICIAIS E NAS CONTESTAÇÕES, p. 144

8.9 ARTICULAÇÃO SINTÁTICA POR MEIO DE CONECTORES, p.152

8.10 A MÁXIMA DA QUANTIDADE EM TEXTOS JURÍDICOS, p.154

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS, p.163

10 BIBLIOGRAFIA, P. 166

1. INTRODUÇÃO

Os estudos da linguagem, nas últimas décadas, têm privilegiado a análise de fenômenos ligados à

oralidade em detrimento da escrita, por motivos que parecem claros: a dinamicidade da primeira

somada a sua maior possibilidade de variação não se identificam na segunda. Dessa forma, torna-se

pouco comum a observação de objetos de estudo lingüísticos em textos mais formais, uma vez que se

tem a idéia de que nesse ambiente a língua sofra pouca variação por conta de a interação entre

interlocutores se dar de forma mais distanciada. No entanto, esse não é o raciocínio que se observará

neste trabalho, cujo objeto são justamente os textos formais – no caso, textos jurídicos.

A motivação para a escolha desse objeto reside no fato de que a eficácia da comunicação jurídica

depende da habilidade do operador do Direito no manejo da linguagem. Uma vez que trata de direitos

individuais, ele tentará de diversas formas persuadir um auditório (interlocutor) de suas teses, e, como

bem define Rodríguez (2003:19):

Ninguém duvida de que a prática do Direito consista, fundamentalmente, em argumentar, e todos costumamos convir que a qualidade que melhor define o que se entende por “um bom jurista” talvez seja sua capacidade de construir argumentos e manejá -los com facilidade.

Com isso, o operador do Direito1 deve pensar em estratégias que o auxiliem nesse intuito, ou

seja, seu trabalho estará voltado para interação imediata com clientes, num momento inicial; e, em

momentos posteriores, com um juiz, ou com a parte contrária. Para isso, os recursos para a persuasão

devem ser trabalhados com cuidado. Da mesma forma, o magistrado deve pensar suas

fundamentações para que justifique suas decisões. Tendo em vista que deve se preocupar em ser justo,

seu discurso deve ser objetivo e não deve apresentar ambigüidades.

Outra motivação para a escolha deste objeto está no fato de que as duas ciências se utilizam da

linguagem em algum aspecto: a Lingüística a tem como objeto de observação, enquanto o Direito a

utiliza como ferramenta na elaboração de normas. Independentemente disso, a eficácia no processo de

comunicação no discurso jurídico, depende da eficiência do advogado ou do operador do direito que

estiver atuando.

Os estudos científicos têm sido conduzidos no último século sob duas perspectivas básicas: o

formalismo, baseado na idéia um sistema lógico-formal; e o empiricismo, de acordo com o qual todo

conhecimento deve ter por base a observação. Isso também pode ser observado nas duas ciências ora

em interface, uma vez que hoje também no Direito a metodologia do caso concreto – observação de

situações prototípicas para aplicação do direito - é realidade em diversas pesquisas da área. Não

cessam aí as semelhanças entre as duas ciências. No âmbito dos estudos da linguagem, poder-se-ia

dizer que a perspectiva de análise lógico-formal entende as línguas como sistemas lógicos, que

poderiam ser entendidas por meio de universais lingüísticos. Já não é recente a discussão sobre o que

subjaz no direito, se o fato ou a norma, retomando a discussão sobre o formal e o funcional como

fundamento. Isso se pode observar, por exemplo, quando da possibilidade de aplicação de uma

chamada lógica do razoável2 em detrimento de uma lógica formal na observação dos fatos no Direito.

Em uma segunda perspectiva – de base funcionalista -, entender-se-ia a língua como produto

social, construído a partir da interação dos indivíduos. Tal perspectiva não relativiza a idéia de

universais, de regras que possam servir para todas as línguas. Apesar disso, entende-se que as duas

visões podem vir a ser complementares na análise de fenômenos lingüísticos. É o que se vê no que

1 Designação de profissionais atuantes na área do Direito, que podem ser advogados, defensores, promotores, juízes etc. 2 Tipo de raciocínio que se diferencia da chamada lógica formal, uma vez que observa o bom senso para se chegar a uma decisão de uma lide.

chamamos de funcionalismo lingüístico. Da mesma forma, no Direito, pode-se servir tanto de uma

perspectiva mais formal quanto de uma mais funcional. A de base formalista, que entende a ciência

como um sistema de regras garantidoras de lei e ordem, desconsidera aspectos sociais, tais como

valores, moral, religião, etc. A outra já entende o Direito como a conjugação de fato, valor e norma.

Sob esta visão, Reale (2002, p.2) entende que o Direito seria um “fenômeno social; não existindo

senão na sociedade e não podendo ser concebido fora dela.”

Dessa forma, entende-se que não se podem analisar os objetos, seja no âmbito dos estudos da

linguagem, seja no do Direito, sob perspectivas estanques. Cada teoria terá sua relevância no contexto

adequado. O entendimento de que as perspectivas formalista e funcionalista devem se complementar

na análise de um fenômeno para que se possa dar conta do mesmo como um todo.

Em determinado momento, os caminhos das duas ciências se entrecruzam. O Direito tratará

de relações intersubjetivas, ordenando-as de alguma forma; a linguagem fornecerá os mecanismos

necessários para que essas relações sejam eficientes e a lingüística estudará essas inter-relações.

Deve-se entender que o texto jurídico pode ter caráter doutrinário – em que se trabalham

questões teóricas sobre a observação da norma -, ou ser produto da prática forense. O segundo tipo é o

foco deste trabalho, uma vez que é nele que se identificam os problemas a serem observados nesta

pesquisa. Dentre esses problemas está o chamado hermetismo.

Entende-se que, se é muito difícil para os recém-iniciados na produção de textos na área do

Direito, sendo quase impossível, para leigos, entender seu conteúdo e interpretá-los adequadamente.

Isso porque não se estaria produzindo a peça3 na língua que o leigo conheceria e dominaria: o

português do Brasil. A partir dessa idéia, verificar-se-á neste estudo que determinadas construções se

consideram herméticas justamente por serem artificiais 4 em português do Brasil.

Entretanto, tendo em vista o caráter público das peças, em tese não deveria ser esse o

procedimento, não deveria ser esse o entendimento aplicado. Os textos da área jurídica deveriam ser,

na verdade, entendidos por qualquer pessoa que se propusesse a decodificá-los. Como não é isso que

ocorre, muitas vezes fica-se à mercê de profissionais que agem de má-fé, prejudicando o direito de

seus clientes. Cumpre observar, todavia, que, como se analisará adiante, não é de total interesse de

todas as parcelas da sociedade que se faça a justiça de maneira rápida; que a justiça seja realmente

acessível a todos. Há sempre interesses contrários a isso, visto que sempre haverá partes antagônicas

em processo.

3 Designação para o texto jurídico na prática forense. 4 Diz-se que são artificiais as construções que se adquirem por meio de treinamento, não sendo naturais aos falantes de uma língua.

Não se questiona aqui o fato de que na atuação profissional o vocabulário técnico é uma

necessidade. No entanto, deve-se considerar que o discurso jurídico torna-se muitas vezes inacessível

por conta do excesso de tecnicismo, que às vezes extrapola o razoável, mesmo para os profissionais da

área. Isso faz com que não se observem pelo menos dois

Princípios Constitucionais, que são o da Dignidade da Pessoa Humana5 e do Acesso à Justiça6,

garantias dos cidadãos. Tais Princípios regulariam comportamentos, entretanto o seu descumprimento

acabaria por ferir o que se entende por Estado Democrático de Direito, ou seja, um Estado que

obedeça às normas estabelecidas.

O domínio que qualquer pessoa deveria ter de sua língua, para que pudesse interpretar melhor

as várias situações pelas quais passa na vida, deveria ser o mesmo no que diz respeito ao

conhecimento de seus direitos. O interessante é que, na verdade, um fato parece ser resultado do

outro, uma vez que, ao não dominar sua língua, o falante torna-se refém de outros. Pelo conhecimento

lingüístico o falante teria acesso aos seus direitos de cidadão. No entanto não é isso o que ocorre

efetivamente.

A coerência textual pode ser alcançada em um texto por meio da interação entre produtor e

leitor. Assim os sentidos são construídos. O discurso jurídico, entretanto, apresenta natureza diversa,

visto que o produtor deve levar em conta um leitor pouco cooperativo, como é o juiz, pelo dever de

ofício. Esse interlocutor não pode – e não deve – preencher as lacunas deixadas pelo locutor em sua

fala. Mesmo que esteja evidente que um direito esteja sendo deixado de lado, o procedimento de

interpretação de um fato sem que se questione algo por parte do argumentante incialmente não se

realiza.

Dessa forma, entende-se que, inúmeras vezes, o advogado sofre na produção de seu texto por

não poder deixar subentendidos ou lacunas a serem preenchidas por seu leitor imediato. Isso é um

problema, na medida em que um direito pode ser prejudicado por conta dessa característica do

discurso jurídico. Ou seja, o próprio sistema, de alguma maneira, vai de encontro aos interesses da

sociedade, pois não se alcança a eficácia na comunicação com procedimentos que são engessados

pelas normas processuais.

5 O chamado Princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontra-se no artigo I da Constituição Federal, em seu Inciso III: “ A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...) a soberania (...) a dignidade da pessoa humana (...) 6 O Princípio do Acesso à Justiça se encontra na parte dos direitos fundamentais no artigo V da Constituição Federal, em seu inciso XXXIV: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas (...)

Portanto, essa interlocução entre advogado e juiz se vê prejudicada muito por conta de

prescrições normativas, que interferem, de alguma forma, no conteúdo a ser tratado no texto. Por

exemplo, os códigos processuais delimitam os papéis a serem exercidos pelas partes envolvidas, os

procedimentos a serem tomados. A autoria, dessa forma, é sempre compartilhada com o legislador.

Acredita-se neste trabalho que, ao determinar os papéis a serem exercidos pelos interlocutores nos

autos do processo – sem que se permita qualquer variação -, a norma jurídica contribui para a

ineficiência da produção.

Pode-se dizer que o advogado, na tentativa de alcançar o seu interlocutor de maneira mais

eficiente, muitas vezes é levado ao equívoco. Quando não mede a quantidade de dados a trazer no

texto, é mais informativo que o necessário; quando não estabelece destaques de expressões no corpo

de seus textos, não consegue ser relevante o suficiente. Isso sem contar quando utiliza estratégias que

levam a problemas gramaticais como erros de concordância verbal e nominal, problemas de

pontuação, fora os problemas da ordem de clareza, coesão e coerência – que são mais graves, porém

menos estigmatizados, uma vez que não se apresentam na superfície do texto como os erros citados

anteriormente.

Nessa tentativa de ser relevante ou pertinente, o advogado acaba por cometer erros gramaticais

de maneira recorrente. Embora os erros de natureza ortográfica pareçam mais evidentes aos olhos da

sociedade em geral, podem-se identificar outros de natureza diversa, que, entretanto, parecem

motivados por uma busca de excelência na produção dos textos, por mais contraditório que pareça. Os

erros acabam se tornando sistemáticos e não vistos como tais, por conta de ter-se perdido essa noção

no decorrer do procedimento de produção do texto.

Por exemplo, é muito comum o emprego de ordem inversa na construção de frases no discurso

jurídico. Pode-se, inclusive, entender que, em alguns contextos, ela seria tratada como menos marcada

que numa produção de texto fora dessa área. Ocorre que os produtores dos textos tendem a errar na

concordância, o que não deveria acontecer, tendo em vista a quantidade de vezes em que acessam

informações com tal estrutura.

Parte -se do pressuposto neste trabalho que uma maior flexibilização na interpretação da norma

jurídica, no que diz respeito ao papel exercido pelos interlocutores, facilitaria não só a produção, como

também o entendimento por parte de leigos. Isso se explica, pois, para grande parte dos operadores do

direito, o artigo 282 do Código Processual Civil é suficiente e eficiente na orientação para a produção

de petições iniciais. O papel do juiz, como leitor, é limitado, porém. O advogado sabe disso. De

acordo com o citado código, são requisitos da petição inicial:

Art. 282. A petição inicial indicará:

I – o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II – os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;

III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV – o pedido, com suas especificações;

V – o valor da causa;

VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII – o requerimento para citação do réu.

Dessa forma, a quantidade de informações a serem trazidas muitas vezes não está de acordo

com o caso. A possibilidade de extensão ao arbítrio do julgador poderia ser, em casos específicos,

uma solução para a garantia de direitos de cidadãos, que pudessem estar sob risco. A reformulação da

norma que rege a produção desses textos talvez fosse uma saída para os problemas que se apresentam.

A atribuição de um poder adicional ao Judiciário, entretanto, não seria uma estratégia política de

interesse dos outros dois Poderes da República – o Legislativo e o Executivo. Portanto, entende-se

que seria pouco provável uma modificação nesse sentido.

Um outro ponto a se observar seria a quantidade de dados exigida por um texto jurídico.

Poder-se-ia medi-la com maior facilidade, se o advogado soubesse com mais exatidão se está sendo

mais ou menos informativo. O advogado não vê muitas vezes a necessidade de produzir um texto

mais bem estruturado, mas apenas inteligível ao juiz. No caso, o advogado acaba por entender que sua

produção não será lida com o devido cuidado, sendo desnecessária, portanto, uma produção mais

trabalhada. Na verdade, isso já ocorre em muitos ambientes, tendo em vista que, muitas vezes, o juiz

acaba não lendo o texto de maneira adequada, ou mesmo não lendo.

Não se está propondo aqui a inutilização da linguagem técnica no discurso jurídico, já que ela

existe com o propósito de minimizar efeitos decorrentes da polissemia. No entanto, os tecnicismos

deveriam limitar-se ao âmbito do vocabulário, com emprego de itens lexicais adequados ao contexto.

As construções das frases, se obedecessem de alguma maneira o que é regular no português do Brasil,

a tendência à otimização dos resultados que se buscassem seria maior. Ou seja, a eficácia do discurso

seria maior.

Deve-se ressaltar que o estudo ora empreendido não tem a pretensão de solucionar qualquer

problema social relativamente à questão de acesso à justiça – tanto na acepção que leva em conta

“aquilo que é justo”, quanto naquela que leva em conta apenas o Poder Judiciário. Entretanto, cabe

mencionar que a inobservância de adequação da linguagem ao interesse geral estaria violando, como

dito anteriormente, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – conforme o disposto no art. I, III, da

Constituição – e o Princípio do Acesso à Justiça – de acordo com o art. V, LXXIV. Dessa forma, a

utilização de uma maior simplicidade na produção desses textos pressupõe-se como obrigatória.

Assim, cabe a esta pesquisa contribuir com esse entendimento, reforçando-o.

Para a elaboração do trabalho, entende-se que algumas questões norteadoras possam ser

desenvolvidas tais como:

• De que maneira se poderia comprovar que incorreções gramaticais identificadas

em textos jurídicos são, na verdade, advindas do fato de o discurso jurídico não

ser construído de acordo com estruturas típicas do português do Brasil?

• Como comprovar que, para a adequação do discurso jurídico a uma parcela maior

de leitores, haveria a necessidade de uma releitura nos procedimentos processuais,

para que se permitisse aos leitores (juízes) a possibilidade de preenchimento de

lacunas deixadas pelo locutor?

• Como comprovar que uma interlocução entre Lingüística e Direito auxiliaria na

adequação do discurso aos leitores leigos?

Tendo isso como ponto de partida, o presente estudo tem como objetivos gerais os seguintes:

1. Fornecer propostas para melhores produção e interpretação de textos jurídicos.

2. Por meio da análise de textos dessa área específica, demonstrar que as dificuldades para o

estabelecimento de eficazes produção e interpretação, seria necessária a adoção de medidas

como adaptação da linguagem dos códigos à real necessidade social, observando a

simplicidade nos momentos em que isso se faz adequado.

3. Indicar mecanismos apropriados que auxiliariam numa democratização do entendimento das

construções.

4. Além disso, tem-se como meta contribuir para o estabelecimento de uma interface de estudos

entre as duas ciências, a Lingüística e o Direito, de forma tal que possam ser entendidas como

complementares uma da outra.

5. Demonstrar que ações afirmativas de tal monta conduziriam o Estado brasileiro ao que se

entende como Estado Democrático de Direito.

Infere-se que as construções utilizadas na produção dos textos jurídicos em geral, tais como: 1.

a inversão do sujeito (utilização da ordem SV); 2.utilização do sujeito nulo; 3.utilização do objeto

nulo, tendem a apresentar erros por conta de não serem comuns no português do Brasil. Não sendo

característicos dessa variedade, tornam-se artificiais as construções em que aparecem. Como

conseqüência, os próprios produtores cometeriam erros gramaticais, como concordância verbal e

nominal, por exemplo. Além disso, as informações não são entendidas em grande parte das vezes, por

conta das chamadas estruturas herméticas que se construíram.

Poder-se-á observar, também, que a estrutura sintética presente no latim acaba se transferindo

para o discurso jurídico. Isso será visto tanto em brocardos jurídicos, como em expressões utilizadas

no decorrer dos textos e na estrutura sintática também, uma vez que são ausentes os conectores em

determinadas construções, em detrimento de formas reduzidas.

A formatação do texto levará em consideração a seguinte proposta: apresentar-se-ão,

inicialmente, questões relativas ao que se entende como hermetismo no discurso jurídico. Serão

observadas, dessa forma, características da linguagem utilizada nesse ambiente, com expressões

técnicas e latinismos. Posteriormente devem ser observadas leituras sobre concordância verbal e

nominal, uma vez que é problema identificado nesse gênero. Também nesse diapasão, identificar-se-

ão estudos da ordem dos constituintes na frase. Trata -se de questão de singular importância, tendo em

vista que muitos dos problemas atribuídos a produtores de textos jurídicos advêm do fato de

trabalharem a ordem de maneira diferenciada daquela canônica no português do Brasil, tanto no nível

da sentença, quanto no nível do sintagma nominal.

Na seqüência, discutir-se-ão as principais teorias que compõem este trabalho e que serão

utilizadas para a análise dos fenômenos a serem tratados no texto. Ver-se-á que uma composição de

doutrinas lingüísticas pode vir a ser uma estratégia mais eficaz para o desenvolvimento das teses

propostas. Partir-se-á, em um primeiro momento, da perspectiva da Lingüística Funcional norte-

americana, em que serão analisadas questões como marcação, a dicotomia figura e fundo e

transitividade. Posteriormente ainda será utilizada como objeto de fundamentação a Lingüística

Textual, a partir da qual se analisarão os procedimentos trabalhados na produção textual no discurso

jurídico. A utilização de conectores lógicos na produção desses textos será um dos posteriores

procedimentos de análise. Finalmente, a Análise do Discurso (AD) terá parte de suas características

comentadas para que, na seqüência do texto, se apresentem procedimentos adotados por esse tipo de

teoria em outra subárea da Lingüística, que seria a Lingüística forense. Tendo ainda como pano de

fundo a AD, discutir-se-ão questões sociológicas pertinentes à área do Direito e a validade desse tipo

de teoria lingüística.

No capítulo seguinte, será apresentada a metodologia utilizada para a observação e análise dos

fenômenos. Será delimitada a quantidade de textos a que se recorrerá para a produção da pesquisa,

bem como o caminho a ser percorrido nesse processo da pesquisa. Não se proporão soluções nesta

parte da pesquisa, uma vez que se está em estágio inicial. Uma primeira etapa levou apenas textos

independentes, sem a preocupação de ligá-los ao mesmo processo. Entretanto, em uma última etapa,

utilizou-se dessa prerrogativa ao se analisar peças dentro de um mesmo processo.

Posteriormente será construída a análise, que será estabelecida por meio de observação dos

fenômenos nos textos descritos acima. Pretende-se chegar a uma sistematização de procedimentos na

produção dos textos jurídicos para que haja uma efetiva contribuição nessa área. Com a observação

dos fenômenos, provavelmente se chegará ao entendimento do que leva o discurso ao hermetismo. A

idéia de que é o vocabulário o responsável por essa caracterização dos textos jurídicos pode ser, na

verdade, mera concausa para a inadequação do discurso a uma camada maior de leitores. A ela se

somariam outras, que contribuiriam para opacidade do discurso em geral.

A análise tentará contemplar textos que possam ser considerados característicos dentro do

discurso jurídico, visto que há uma infinidade de peças processuais que não poderiam ser observadas

de maneira adequada na pesquisa. A produção tentará apresentar as peças que possam ser vistas como

mais importantes dentro de um processo. Assim, petições iniciais, contestações e sentenças da área

cível - são privilegiadas no processo, tendo em vista que são textos de estrutura mais conhecida e com

objetivos mais claros aos leitores leigos. Também textos como denúncias, habeas corpus são

analisados.

Muito embora se entenda que há inadequação nos procedimentos de produção dos textos

jurídicos, como dito anteriormente, não há a pretensão de solucionar esse problema. O que ocorre é

que as impropriedades tendem a se manter, visto que não há interesse de todas as camadas da

sociedade no alcance da justiça plena. Na verdade, como se verá posteriormente, assim como se

propõe que o crime7 é necessário – e visto como normal8 em sociedade – para que se justifique a

existência de um sistema normativo, a injustiça também o seria. Isso porque – por mais paradoxal que

possa parecer – é por meio da injustiça, mais por conta dela, que nasceriam movimentos sociais. Esses

movimentos acabariam fazendo a sociedade enxergar os problemas e a consciência disso leva a

conquistas. Todavia, como há uma mutabilidade seja dos problemas, seja da própria sociedade, a

resolução não se alcança.

7 Embora a idéia de Emile Durkheim possa parecer polêmica, a proposta de que o crime seria, de certa forma, necessário, implica a idéia de que o Direito se realiza a partir da previsão do delito. Sem o comportamento que ofenderia a norma, seria desnecessária a aplicação do Direito. 8 Para conceitos de normal e patológico, ver capítulo 8.

2. HERMETISMO NA LINGUAGEM JURÍDICA

O substantivo hermetismo denota a qualidade do que é hermético, ou seja, fechado por

completo, sem a possibilidade de passagem de ar. Quando se utilizam tais expressões em

sentido figurado, entende-se que se aplicam a dados de difícil compreensão. Dessa forma, é

comum aplicar o termo hermetismo quando se discute a linguagem jurídica, tendo em vista a

dificuldade de entendimento, por parte de leigos na área do Direito, dos textos produzidos.

Pode-se dizer que a utilização de uma linguagem excessivamente técnica em

determinadas construções levaria a dificuldades de compreensão dos textos pelas pessoas

envolvidas no processo, e que os advogados trabalhariam como espécies de tradutores para

esses chamados sujeitos de direito. Isso apresentaria conseqüências desfavoráveis aos

interessados, como por exemplo a possibilidade de serem ludibriados por maus profissionais –

que se utilizariam dessa complexidade do discurso jurídico com fins escusos -, além de gerar

problemas para a própria construção das chamadas peças processuais.

As dificuldades não se restringiriam a esse aspecto, mas estariam ligadas à própria

formatação do discurso jurídico. Isso, por muitas vezes, conduziria o produtor do texto na

direção do erro, da incoerência, de um travamento das expressões e, conseqüentemente, da

incompreensão por parte dos leitores. Antes de se estabelecer o que levaria a tal

incompreensão, cabe uma proposta de descrição do formato do discurso jurídico.

O discurso jurídico poderia ser subdividido com a seguinte configuração:

Discurso Jurídico

Discurso Processual Discurso Doutrinário Discurso Jurisprudencial Discurso Normativo

O chamado discurso processual seria aquele produzido no âmbito do processo

propriamente dito, ou seja, aquele utilizado na produção das chamadas peças processuais

como as chamadas petições, contestações, sentenças etc.; o discurso doutrinário seria o

produzido pelos chamados intérpretes das normas, os jurisconsultos, também chamados de

doutrinadores; o discurso jurisprudencial seria produzido pelos Tribunais, servindo como base

para decisões futuras9; finalmente, o discurso normativo seria o encontrado nas leis.

Assim, fica clara a complexidade do discurso jurídico de um modo geral, tendo em

vista que, ao mesmo tempo em que se apresentam com estruturas próprias a cada uma, as

diferentes subdivisões se inter-relacionam por meio de linguagem comum. Por exemplo, na

produção de uma peça, o advogado recorre ao texto normativo, ao doutrinário e ao

jurisprudencial para fundamentar um pedido. O doutrinador recorre à norma para que possa

comentá- la e assim por diante.

A partir dessa formatação, pode-se começar a compreender o que torna o texto

hermético. Tendo em vista a necessidade de comunicação entre os diferentes tipos de

discurso e a especificidade de cada um, ver-se- ia que o leitor leigo não seria capaz de

coordenar as informações recebidas e entendê- las adequadamente. Entretanto, o que seria

uma dificuldade do leigo acaba se transferindo para os produtores dos textos jurídicos. A

configuração dos diferentes discursos presentes no jurídico acabam por levar os produtores

dos textos a erros em diferentes níveis gramaticais.

Os erros mais comuns e evidentes seriam os de concordância, tanto verbal, quanto

nominal. No entanto, não seriam esses os únicos problemas encontrados nesse discurso.

Dificuldades de produção, no que diz respeito à ordem dos constituintes na frase – com

conseqüências na própria concordância e na pontuação -, na utilização de conectores e na

própria organização dos textos, tendo em vista a diversidade de gêneros presentes no discurso 9 Grosso modo, jurisprudências seriam decisões que se tornariam referência para o julgamento de casos semelhantes no futuro. Assim, quando um advogado argumentasse favoravelmente a uma determinada tese, poderia utilizar-se de casos julgados para o reforço de seu posicionamento. Esse reforço viria das chamadas jurisprudências.

jurídico, são detectadas, levando a indagações sobre quais seriam as motivações desses erros e

a questionamentos sobre a probabilidade de que deixem de ocorrer.

Cabe, assim, a descrição desses fenômenos gramaticais a serem observados na análise

dos textos jurídicos sob a perspectiva de diferentes autores para que se possam enxergar

prováveis motivações para sua ocorrência. Escolheu-se, dessa forma, falar do fenômeno da

concordância sob o enfoque de autores da Gramática Tradicional, como Evanildo Bechara e

Carlos Henrique da Rocha Lima; além de perspectivas de autores como Mário Perini e Maria

Helena de Moura Neves – que faz estudo sobre outros autores tradicionais. Também se fez o

mesmo com relação ao fenômeno da ordem do sujeito na frase, a natureza e uso de

conectores, a organização dos gêneros textuais e tipologias textuais e o vocabulário específico

do Direito, por conta de serem dados que tendem a gerar as dificuldades a serem observadas

nesta pesquisa.

2.1 A LINGUAGEM JURÍDICA

O hermetismo sobre o qual se fazem considerações neste trabalho leva em conta fatores

diferenciados como uso de vocabulário específico na construção das petições - uma das

dificuldades está no fato de muitas palavras serem polissêmicas–, contestações, sentenças,

pareceres etc.; o uso de construções mais marcadas no Português do Brasil como inversões do

sujeito – em ordem VS -; narrativas em ordem alinear; brocardos jurídicos etc.

Como afirmam LARIO et al (2005), o discurso jurídico pode apresentar dados para

pesquisas no nível dos estudos fonéticos – hoje há peritos no Brasil nessa área de estudo,

ajudando, inclusive, na resolução de casos em que se exijam laudos sobre reconhecimento de

voz-; na área da pragmática – LARIO et al. relatam o exemplo de um cliente que fornece

respostas a um questionário de uma seguradora e é acusado de mentir sobre seus dados,

conseguindo, em seguida, a comprovação com a ajuda de um lingüista para a aprovação de

suas respostas por ter sido considerado cooperativo nas respostas.–, estudos sociolingüísticos,

em que se podem identificar características das partes por meio de dados do discurso do

próprio advogado.

Além disso, podem-se identificar nas falhas do discurso do operador do direito

elementos que permitam a identificação de uma possível sistematização do seu erro, tornando

mais fácil a solução de problemas como esse.

O constante estudo da linguagem jurídica pelo profissional do direito não é

simplesmente uma qualidade a ser observada. Na verdade, é uma grande obrigação. O

operador lida, quase sempre, com lacunas que devem ser preenchidas por interpretações suas

do texto normativo; com ambigüidades, que devem ser resolvidas (ou mesmo dissolvidas pelo

seu olhar do caso concreto e da Norma); enfim, com uma série de situações que prevêem a

sua intervenção, com o uso da linguagem.

Por conta desses problemas, principalmente os que dão conta da hermenêutica, os

estudos sobre linguagem jurídica privilegiam aspectos voltados mormente para a semântica do

discurso jurídico, deixando de observar, muitas vezes, aspectos sintáticos, morfológicos e

pragmáticos que auxiliariam na resolução de problemas identificáveis nesse tipo de discurso.

Como apresentado, entende-se que o texto normativo se apresenta como algo

estático, portanto não dá conta das mudanças a que a sociedade é submetida. Por não ter

como prever toda e qualquer transformação social, o legislador atribui à norma um discurso

mais geral – que já é previsto, também, pela necessidade de aplicação de seu conteúdo não

para um grupo pequeno de pessoas, mas para a coletividade.

BITTAR (2006) é um exemplo de trabalho que trata de questões relativas à

hermenêutica jurídica, todavia o autor tenta apresentar visões modernas sobre o entendimento

da linguagem jurídica.

O autor (2006:125) explica que “o sentido jurídico-normativo do legislador nada mais

é que um projeto de sentido, pois quando se promulga, se publica, passa a navegar nas

ondulações das cadeias de interpretação.” Isso não é uma novidade, visto que qualquer teoria

que leve em conta o papel da autoria levará em conta o fato de que ela é compartilhada entre

os interlocutores. O que deve ser ressaltado é que o legislador até prevê possíveis

interpretações, estipulando seus domínios. No entanto, sentidos novos são criados para

algumas normas a partir de interpretações pessoais.

Como o autor afirma, o universo jurídico é um grande conjunto de práticas textuais

jurídicas. Segundo ele, o universo de discurso jurídico é, sobretudo, determinado pelo

discurso normativo, que determina as significações dentro das práticas jurídicas . Resta saber

até que ponto esse discurso normativo não tolhe a própria produção do discurso jurídico e,

conseqüentemente, impede novas acepções do sentido de justiça.

Um outro problema destacado por Bittar é a chamada multitextualidade normativa, de

acordo com a qual haveria um entrecruzamento de informações, prescrições, obrigações etc.,

de modo que formam longa cadeias de sentido que influenciariam no processo hermenêutico.

Este é um estudo que versa sobre um tipo de discurso que apresenta uma característica

importante: é tido como de difícil acesso por interlocutores leigos. XAVIER (2006) ressalta

que o jargão profissional não deveria se traduzir em hermetismo. O autor critica o fato de que

em muitas peças o que se encontra é uma pirotecnia exacerbada, que de nada acrescenta ao

discurso.

Acrescenta o autor de que não se pode fazer uso exclusivo da língua, e isso parece

prática comum no discurso jurídico, no qual advogados acabam por utilizar expressões mais

complexas quando delas poderiam abrir mão.

Não se trata aqui de falar apenas em precisão terminológica, porquanto é exigível em

qualquer discurso técnico, mas sim de uma preocupação exagerada com a estética que acaba

por tornar o texto, muitas vezes, incompreensível.

Sabe-se que determinadas expressões ganham nova significação no discurso jurídico, e

que, além disso, a precisão terminológica auxilia na economia do discurso. No entanto, há

que se ressaltar que essa precisão terminológica não deve estereotipar a linguagem jurídica

como algo inacessível.

Nascimento (2007:14) elenca os exemplos de “monte” e “nojo",como ilustração. No

discurso jurídico, as palavras citadas são tidas como polissêmicas, uma vez que “monte”

poderia significar “massa de terra elevada”, em sentido comum; ou “acervo hereditário”;

“nojo”, em seu sentido comum, significa “náusea”, “repulsa”; em sua acepção jurídica pode

ser entendida como “período de sete dias, do falecimento de uma pessoa, em que não se faz

citação aos parentes, salvo para evitar perecimento do direito”.

Xavier observa que o progresso de outras ciências sociais – acessórias à ciência do

direito- determinaria uma mudança do enfoque na abordagem dos problemas tradicionais,

motivando, assim, mudanças no discurso jurídico. Para o autor, essa constante mudança se

traduziria em valorização do profissional advogado, ou outro operador do direito, por conta de

sua importância social, que seria aumentada.

Dentre as diversas possibilidades que se apresentam para o estudo do vocabulário

jurídico, discutir-se-ão aqui os latinismos, alguns jargões, o vocabulário processual, além de

propostas doutrinárias como a teoria da causalidade adequada, a noção de causa próxima e

causa remota algumas características de peças.

Todas essas noções, entretanto, serão apresentadas de forma breve, uma vez que não

se trata de uma discussão do Direito como ciência em si, mas como algo que fornece o objeto

de estudo que ora se apresenta.

Outros exemplos são trazidos por Coulthard (2004), sobre as possibilidades de se

trabalhar com o discurso jurídico. O autor explana caso em que se trabalha com significado

lexical obscuro de determinadas expressões. No relato expõe uma análise lexical de

instruções legais referentes à imposição de uma penalidade de morte . Segundo Coulthard,

teria sido perguntado à autora se a linguagem usada pelo juiz quando aconselha o júri sobre

algum aspecto legal transmitiria claramente aos membros júri os conceitos legais que

precisam entender para produzir um veredicto em casos de condenação a morte. Um dos

exemplos analisados pela autora foi o que segue:

If you unanimously find from your consideration of all the evidence that there are no mitigating factors sufficient to preclude the imposition of a sentence of death then you should return a verdict imposing a sentence of death. If, on the other hand, you do not unanimously find that there are no mitigating factors sufficient to preclude the imposition of a sentence of death then you should return a verdict that the sentence of death should not be imposed.10

Levi concentrou-se na imprecisão inerente da palavra sufficient, cujo significado,,

derivaria do contexto. Ela também aponta para o fato de que as instruções, por si sós, não dão

ao jurado individual nenhuma ajuda sobre como decidir o que conta como um fator

suficientemente atenuante numa situação particular de sentenciar alguém a morte. A autora

10 Se unanimemente se entende da análise de todas as provas que não há fatores mitigantes suficientes para precluir a imposição de uma sentença de morte, então deve-se rever o veredicto que impõe essa sentença de morte. Se por outro lado, unanimemente, não se chegar à conclusão, proveniente de sua avaliação de toda a evidência, que não há fatores atenuantes suficientes para imp edir a imposição da sentença de morte, então pode dar um veredicto não impondo a sentença de morte.

duvida, ainda, se um fator único, percebido como suficiente, mas somente por um jurado,

poderia em si ser ‘suficiente para impedir a imposição da sentença de morte’ mesmo sendo

esta uma possibilidade, de acordo com a lei.

Para preclude (impedir), a abordagem de Levi foi diferente. Ela apontou que, apesar

desta palavra ter um significado independente de contexto, a maioria dos jurados a

desconhecia,o que teria sido comprovado com um teste aplicado em mais de 50 de seus

alunos de graduação – somente 3 alunos foram capazes de dar uma definição correta da

palavra.

Coulthard menciona ainda o relato de Levi (1993) de caso em que houve problemas

sobre complexidade sintática. A autora teria identificado uma série de características

sintáticas que interferiam na compreensão, como por exemplo, ‘negativos múltiplos’,

‘subordinação complexa’, ‘nominalizações’, ‘verbos passivos sem sujeito’, e combinações

difíceis de operadores lógicos como ‘e, ou, se, ao menos que’. Nada muito diferente do que

normalmente acontece com os textos jurídicos também no Brasil, como se observará na

análise. Os advogados recorrem a construções em que, na tentativa de serem objetivos,

acabam dificultando a leitura do texto. O exemplo de Levi seria o seguinte:

Se seus benefícios de assistência financeira AFDC continuarem no nível presente e o julgamento decidir que sua redução de assistência financeira está correta, o valor da assistência AFDC recebida da qual você não tinha direito será recuperado nos pagamentos do AFDC futuros e devem ser pagos retrospectivamente se seu AFDC for cancelado.

Raciocínio equivalente seria:

Se X acontecer e então Y acontece, então ou Z acontecerá (expresso em termos muito

complexos, incluindo uma negativa com uma oração relativa) ou - se R também aconteceu -,

então Q deve acontecer.

Para Coulthard, a autora então calcularia a complexidade sintática que consiste de uma

estrutura interna complexa construída por 7 períodos, seis verbos passivos sem sujeito e

vários nomes compostos complexos (por exemplo, redução de assistência financeira), que

contêm, eles próprios, verbos nominalizados sem sujeitos expressos. Não se fala em

vocabulário, em latinismos, mas em complexidade estrutural, e isso em língua inglesa, o que

demonstraria ser um problema de sistema jurídico de uma maneira geral. O afastamento dos

interesses sociais é mais claro do que se imagina, não havendo, assim, um desejo expresso em

adequar a linguagem. Na verdade, o que há é um desejo tácito de se afastar cada vez mais da

realidade lingüística dos não iniciados em geral, pelo menos ao que parece.

2.2 VOCABULÁRIO ESPECÍFICO: JARGÕES

No discurso jurídico não se abre a possibilidade para a existência de sinônimos. A

terminologia utilizada, portanto, deve abrigar expressões de significados que se entendam

como únicos. Como visto anteriormente, o discurso comum vai apresentar expressões que, no

discurso jurídico, terão novo significado. Mas há que se entender que, mesmo apresentando

um valor diferenciado fora desse discurso, dentro do direito não se permitirá a variação de

sentido.

Assim, é prática comum a utilização de jargões no dia-a-dia do operador do direito,

que deverá dominá- los para que seu trabalho seja eficiente.

2.3 LATINISMOS

Autores há que condenam veementemente os latinismos como recurso argumentativo

da linguagem jurídica, tratando-os como se vícios fossem. Outros já entendem que a

utilização de tais expressões traria ao texto brevidade e clareza – entendimento incoerente,

uma vez que, embora sintética, o latim é uma língua que não acessível a todos.

Na produção de seus textos, o advogado é obrigado a conhecer as expressões mais

correntes. Mesmo não as utilizando, deve compreendê- las ao ler em doutrinas, razões e

julgados, uma vez que os doutrinadores e os tribunais delas fazem uso.

As expressões latinas aparecerão em termos específicos, como designação de entes

jurídicos, como nos exemplos:

ACTIO DE IN REM VERSUM – Ação de enriquecimento indébito;

AD EXEMPLUM – Por exemplo;

AD JUDICIA – Para o juízo;

AD LITEM – Para a lide

ANIMUS HABENDI – Intenção de ter;

ANIMUS NECANDI – Intenção de matar;

EX CATEDRA – De cátedra, em função do cargo;

EX NUNC – (A partir da celebração do ato de contrato.);

EX TUNC – Contrato ou condição que tem efeito sobre situação jurídica anteriormente

criada;

JUS – Direito;

PERSONA ALIENI JURIS – Pessoa incapaz;

VIS MAJOR – Força maior

Alguns princípios do direito são apresentados, também, por meios de expressões

latinas. São os chamados brocardos jurídicos, que encerram princípios de direito reconhecidos

em quase todos os códigos. Pode ser o caso de esses princípios aparecerem também em

português como, por exemplo, “Ninguém pode transmitir a outrem mais direito do que tem.”

Alguns desses brocardos encerram princípios de direito; outros prescrevem regras de

interpretação. Seguem, então, alguns exemplos de brocardos de origem latina:

Quod initio vitiosum est, non potest tractu temporis convalescere. (Aquilo que, de início, é

vicioso não pode convalescer pela ação do tempo.

In pari causa possessor potior haberi debet. (Em causa igual, é ao possuidor que se deve dar

a preferência.CC, art. 1.211)

In testamentis plenius voluntatates testantium interpretamur. (Nos testamentos, devem-se

interpretar mais plenamente as vontades do testador. CC, Art. 1.899)

2.4 VOCABULÁRIO PROCESSUAL

O discurso jurídico é apresenta uma vasta cadeia de terminologias. A cada etapa de

um processo, o advogado obedecerá a procedimentos adequados e, dentro de cada

procedimento, uma ou outra expressão nova é utilizada.

No que diz respeito às peças, podem-se citar:

• Inicial - É a peça que abre o processo. Também pode ser chamada de peça vestibular,

exordial etc. Fazem parte da construção da peça como elementos fundamentais a

apresentação do fato; o direito e a conclusão.

• Contestação – A contestação segue a mesma disposição da inicial, sendo sua estrutura

prescrita pelos artigos 300 e 301 do Código Processua l Civil (CPC).

Em termos de recursos, apresentam-se, de forma resumida, as seguintes peças:

• Apelação – Os requisitos para esse tipo de peça estão dispostos no artigo 513 do CPC.

Ela deve apresentar um requerimento, para que o tribunal observe a divergênc ia de

interpretação de direito recorrido, indicando a doutrina e norma utilizadas; a

exposição do fato e do direito; a crítica à sentença, que se deve concluir,

fundamentando as razões do pedido de nova decisão.

• Agravo, embargos e revista – O agravo seria uma espécie de pedido de revista da

decisão interlocutória, seria como externar de forma clara a discordância com a

decisão proferida; nos embargos, deve o profissional identificar os pontos em que

houve divergência e versar sobre eles; a revista seria uma forma de demonstrar

que Câmaras de um mesmo Tribunal interpretaram um mesmo tema de maneira

diversa. No caso deve o advogado mostrar que, para casos semelhantes, as

aplicações do direito foram diferentes.

Já na redação das peças dirigidas ao Supremo Tribunal Federal, as estruturas dos

textos devem obedecer a critérios estabelecidos pela própria casa, por regimento interno.

Deveriam os textos (iniciais, contestações, recursos, arrazoados e memoriais) apresentar a

seguinte estrutura:

• Exposição – Relatório das etapas do processo;

• Cabimento – Natureza da peça, com citação da norma jurídica em que se apóia;

• Oportunidade – Demonstração de que o pedido ou recurso foi apresentado em prazo

legal;

• Decisões ou atos impugnados – Citação precisa dos atos impugnados;

• Questões apresentadas – Teses sustentadas na inicial;

• Direito aplicável – Indicação das normas a serem utilizadas;

• Precedentes judiciais – Indicação das fontes favoráveis à argumentação apresentada;

• Argumentação - Demonstração das proposições e teses afirmadas da pretensão e da

legitimação da parte.

Essas são apenas algumas das peças que fazem parte de um processo. Vemos que se

trata de processo da área cível, pois os procedimentos e textos a serem produzidos na área

penal apresentam outra nomenclatura. Isso serve para demonstrar a riqueza presente nesse

domínio discurso, além da complexidade que advém dessa estrutura.

3. FATOS LINGÜÍSTICOS

Neste capítulo fazem-se considerações acerca de fenômenos gramaticais que se observarão no

decorrer desta pesquisa. Isso porque, dentre a diversidade de possibilidades de fatos a se analisar,

estes seriam os mais evidentes na produção dos textos jurídicos.

Em um primeiro momento, trata-se da concordância. Para muitos dos operadores do Direito,

talvez se trate do maior problema observado na produção de textos jurídicos. A discussão parte da

visão de autores tradicionais, como Said Ali, Evanildo Bechara e Rocha Lima, além de se considerar

uma perspectiva mais recente como a de Mário Perini. Entende-se que os autores escolhidos

proporcionariam uma visão abrangente do fenômeno.

A questão da ordem dos constituintes também é observada neste trabalho. Apresentam-se

discussões de autores como Naro e Votre, Pontes, além de perspectivas mais tradicionais como Cunha

e Cintra, e a proposta de Neves, que analisa a visão de gramáticos tradicionais sobre o tema.

Em momento posterior, discute-se o papel dos conectores lógicos na produção de textos,

evidenciando o seu papel argumentativo. A proposta desta pesquisa leva em conta que o trabalho de

produção do texto jurídico não privilegia a utilização desses elementos, o que não contribuiria para a

eficácia comunicativa em algumas das produções, principalmente quando se trata de textos

argumentativos.

Dessa forma, segue apresentação das diferentes visões dos fenômenos listados.

3.1 CONCORDÂNCIA VERBAL E NOMINAL

A literatura sobre concordância verbal e nominal em português parece não merecer mais

nenhum acréscimo, uma vez que em todas as gramáticas estudadas pode-se encontrar o assunto com

exemplos claros. Isso se encontrará nas gramáticas tradicionais como também nas gramáticas

didáticas.

Entretanto, determinados fenômenos que geram supostos erros não são estudados, o que faz

com que se repitam. Por se tratarem de problemas gramaticais, a linguagem formal não poderia

assimilá-los com o tempo e tratá-los como construções semiformais – principalmente em casos de

verbos inacusativos, que apresentam argumento interno e tem o sujeito, normalmente, em posição

invertida.

Assim, faz-se necessária uma reapresentação das normas gramaticais de concordância de três

dos principais gramáticos brasileiros, tentando demonstrar que algumas das regras acabam não se

aplicando por conta de situações de fala. Tais situações acabam por se transferir para o nível da

escrita, que, por sua maior formalidade, tenderia a transformar as expressões em formais.

A apresentação das visões tentará dar conta de casos que sejam presentes no chamado discurso

jurídico. Entende-se que o uso de uma construção em detrimento de outra tem motivação

argumentativa, e isso deve ser transmitido aos produtores de maneira clara para que possam ser

eficazes na construção de seus textos.

3.1.1 A visão de Said Ali

Em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa (1971), o mestre Said Ali deixa claro que

a escolha do termo que concordará com outro é uma questão de escolha daquilo que gerará maior

harmonia. (Isso especificamente no caso de concordância nominal.) Por meio de uma análise

diacrônica do fenômeno, identificamos semelhanças entre construções hoje cristalizadas com antigas

expressões.

Para o autor, a concordância não é “uma necessidade imperiosamente ditada pela lógica”

(p.279). Deixa claro o gramático que o fenômeno é, antes de tudo, uma redundância, donde advém o

fato de, em algumas línguas, não haver determinadas flexões – como no caso do adjetivo, em inglês,

que não sofre flexão de acordo com a forma do substantivo.

Said Ali ressalta que, nos casos mais elementares, empregam-se instintivamente as formas

mais adequadas. Ele deixa claro que as regras gerais de concordância – como já se sabe- não se

aplicam a todos os casos, não podendo apresentar o rigor de fórmulas matemáticas.

A partir daí necessário se faz estudar casos particulares.

Essa perspectiva adotada pelo gramático auxilia na interpretação de casos em que os

produtores dos textos cometem equívocos não pelo desconhecimento da norma gramatical, mas pela

tentativa de aplicar um raciocínio próprio e, na sua visão, razoável para o contexto de produção.

Como um advogado entender, muitas vezes, que, em casos de inversão do sujeito, por exemplo,

haveria uma invariabilidade – como se tentará ver mais à frente.

Parece que a regra que permite a concordância com o elemento mais próximo – tanto em

concordância verbal, como em concordância nominal- acaba traduzindo-se em algo formalmente

instituído no discurso jurídico. Said Ali entende que a idéia premente é a do “conceito na mente do

indivíduo que fala”, o que fará com que haja esse tipo de concordância atrativa. O exemplo que traz o

autor é o seguinte:

Senhor, vos sabees bem como eu som criado Del Rei dom Fernando... e a homrra e acreçentamento que em mim fez, por a quall cousa eu e quasquer criados que seus sejam, se deviam muito de sua desomrra e vingalla per hu quer que podessem (Fernão Lopes, D.J. 10, apud Said Ali, 1971:284)

No exemplo o autor tenta demonstrar que a concordância é construída de maneira atrativa.

Está mais evidente na visão do produtor do texto a forma do verbo na terceira pessoa do plural. O

gramático apresenta exemplos quinhentistas em que nas sentenças, ao se subentender uma expressão, a

concordância se daria de maneira ideológica e não formal.

Naquella paragem de Melinde os negros cafres do sertão he gente muito bestial e fera.

Os povos destas ilhas he de cor baça e cabello corredio. (p.286)

No primeiro caso, a expressão “negros cafres”, denotadora de povo, levava os quinhentistas a

utilizarem os verbos no singular, assim como no segundo exemplo, em que se subentende a própria

palavra “gente”.

Outras foram as construções que implicaram mudança, inclusive, no que hoje é entendido

como variante normativa. Casos de construções com “Sou eu que...” ou “Sou eu quem...” registram

variação já no século XVIII, de acordo com dados do autor:

Nem sois quem lutais: luta arquejando contra a Razão robusta o vão orgulho.

Em crítica tácita à construção, o autor esclarece:

(...) o emprego sistemático de quem com verbo em 3a pessoa, excluindo de todo a outra concordância a pretexto de ser este pronome equivalente de “aquele que”, é falar amaneirado de nossos dias que peca por excesso de raciocínio dentro de limitado círculo de idéias. Vê-se a regra aplicada esrupulosamente enquanto a referência se faz a pessoa do singular, como fui eu quem mandou. Tratando-se de pluralidade, já não se cogita da regra; porquanto não se vê o mesmo açodamento para dizer, como o pediria a coerência, fomos nós quem mandaram, fostes vós quem fizeram, etc. Com o verbo no singular ainda é possível construir.

Caso interessante é o de pronomes de tratamento que fazem com que o verbo concorde na

terceira pessoa do singular. Até atualmente existem dúvidas de muitos falantes quanto à concordância

a ser estabelecida. De acordo com Said Ali, hoje as combinações de vossa com os diferentes

substantivos para formar os pronomes de tratamento aparecem cristalizadas como um todo.

Entretanto, os problemas ocorrem justamente pela presença de um possessivo na segunda pessoa do

plural, o que levaria à idéia de que a concordância se daria com o vós. Todavia, o autor deixa claro

que a concordância consagrada seria a mais lógica, uma vez que a referência se dá às características da

pessoa a quem se refere.

O autor cita o seguinte exemplo para ilustrar o problema na concordância:

Era justo offereccel-o a Vossa Excellencia... pois os remedios que aveis dado sentistes e ainda sentis seus trabalhos...

Em se tratando de concordância nominal, o autor cita exemplos de termos que até na

atualidade geram dúvidas com relação a sua flexão. Caso que o autor trata como uma das maiores

anomalias de concordância na língua é o de meio, com valor adverbial. Para o autor a variabilidade da

forma em sua função adverbial se daria por conta da influência da expressão todo posposta ao nome.

Assim A casa está meia arruinada seria análoga à A casa está toda arruinada.

O grande diferencial da gramática de Said Ali para a maioria das outras gramáticas reside no

fato de o autor, ao mesmo tempo em que descreve o sistema, tece comentários, apresenta juízos de

valor sobre uma construção ou outra. Questionamentos sobre a validade de uma forma ou outra soa

comuns em sua gramática histórica. Há uma preocupação em se mostrar o percurso histórico, o que

permite a construção de analogias com o sistema atual, além de uma interpretação do que acontece em

determinados tipos de discurso, em que erros de concordância se sistematizam.

3.1.2 A visão de Bechara

A definição empreendida por Bechara (2000, p.543) ao fenômeno da concordância leva em

consideração o aspecto formal, uma vez que trataria da adaptação da palavra determinante à palavra

determinada. Em um momento inicial, poder-se-ia confundir a expressão e entender que só haveria

concordância entre determinantes e substantivos, o que excluiria os modificadores. Entretanto, o que

há é uma variação na idéia de determinação, aplicada pelo autor. (Muito embora não se entenda

adjetivo como determinante do substantivo, visto que tem papel de diferenciar e não de identificá-lo.)

Em texto conciso, o autor informa que a concordância pode-se dar de palavra para palavra ou

de palavra para sentido. Não fica clara, em um primeiro momento, a diferenciação estabelecida pelo

autor entre concordância total e parcial. O autor trata o que se chama de concordância atrativa como

parcial, sem que se justifique plenamente a idéia.

Bechara ressalta que a língua portuguesa muitas vezes oferece ao produtor de texto uma certa

liberdade de concordância, que deve ser aproveitada de maneira cuidadosa, uma vez que não seja

prejudicada a clareza da mensagem, além da harmonia do estilo. (p.544)

Além dos casos de concordância de palavra para palavra – os mais comuns em concordância

nominal-, o autor trata de casos de concordância de palavra para sentido, elencando os casos de

pronomes de tratamento – quando a concordância levará em conta o referente (homem ou mulher),

para que se flexione o adjetivo adequadamente. Além do caso das expressões de tratamento, o autor

apresenta o exemplo de A gente – que sofrerá o mesmo tipo de variação.

Em casos especiais, o autor lista exemplos de particípios que se transformaram em advérbios,

caso de palavras como salvo, exceto etc., cuja invariabilidade deve prevalecer sobre a forma inicial

adjetiva. Sobre esse uso, interessante se faz ressaltar que, em muitos contextos, um preciosismo faz

com que autores – principalmente magistrados – optem por tais estruturas no discurso jurídico,

dificultando a leitura em alguns momentos.

Já falando de concordância verbal, o autor apresenta, de maneira isenta de preconceito, a

possibilidade de se empregar a expressão a gente com verbo na primeira pessoa do plural, desde que

haja certa distância entre sujeito e verbo.

Em casos de construções sou eu que, sou eu quem, evidencia a possibilidade de concordância

com o antecedente do pronome relativo – tanto que, quanto quem – ou a concordância na terceira

pessoa, no caso de quem. Entretanto, não há comentários sobre as duas formas.

Não se identifica no texto uma atitude crítica com relação às construções, nem uma tentativa

de explicar uma a uma, o que, de certa forma, descaracterizaria o teor descritivo/prescritivo da

gramática. É essa a diferença básica entre o texto de Bechara e de Said Ali, que se preocupou em

explicar as construções, mais hipoteticamente até do que necessariamente de forma científica.

3.1.3 A visão de Rocha Lima

Caso se pudesse estabelecer uma gradação nas apresentações que os gramáticos estabelecem

do fenômeno da concordância, talvez a análise de Rocha Lima fosse considerada a mais enxuta. Até

pelo título atribuído – Gramática Normativa – não se esperaria uma análise mais acurada dos

fenômenos lingüísticos, mas sim a apresentação/descrição das regras que dão conta disso.

Assim, com relação ao texto do eminente gramático, cabe comentar que se ateve, basicamente,

ao que já fora apresentado pelos autores anteriores. Ressalte-se, entretanto, que, quando se construiu

comentário um pouco mais crítico, foi no sentido de privilegiar a norma:

Cumpre notar que a concordância portuguesa tem caminhado no sentido de restringir cada vez mais os fenômenos ideológicos e normativos em seu sistema, por força da autocrítica coercitiva que a gramática impõe aos que escrevem. Isso importa , por sem dúvida, maior ordem de nitidez e expressão, mas atesta, de outro lado, a escassez de grandes e audaciosos artistas, que não se arreceiam de transcender limites e esquemas em seus formosos momentos de entusiasmo e de luz. (p.409)

O discurso jurídico é ambiente extremamente formal, no que diz respeito à prática da escrita.

Entretanto, o que diferencia um autor de outro é justamente o fato de saber trabalhar com as estruturas

formais e com possíveis variações de estilo permitidas pela norma gramatical. Isso, pode-se dizer, não

acontece com tanta freqüência no domínio discursivo estudado, o que confirmaria a tese de Rocha

Lima. Todavia, não se identifica, também, um domínio da norma. Assim, das possibilidades que se

oferecem para a construção de um discurso formal pelo advogado, nenhuma parece se desenvolver

adequadamente em alguns contextos.

Mesmo com o critério tradicional adotado, em alguns momentos o autor utiliza linguagem

moderada com relação ao emprego de algumas construções. É o que acontece no caso do infinitivo,

em que o autor aconselha o leitor a utilizar determinadas estruturas, sem que determine. Nesse

discurso, pressupõe-se a variabilidade que o produtor do texto encontraria.

3.1.4 A visão de Mário Perini

De uma maneira geral, os gramáticos da atualidade preferem estabelecer descrições dos

fenômenos gramaticais a analisá-las. Há uma preocupação em não se construírem comentários que

não representem cientificidade. Isso já não ocorreu na apresentação dos por Said Ali, assim como

também em Perini, que se preocupa em trazer possíveis intepretações para justificar as ocorrências.

Perini (1998), após apresentar as chamadas regras gerais, tenta expor os problemas advindos

da observação do fenômeno da concordância nas gramáticas tradicionais. O autor explica que alguns

dos princípios gerais não são seguidos muitas vezes por reproduzirem usos arcaicos ou extremamente

raros.

O primeiro exemplo trazido e tratado como importante pelo autor é o dos relativos que e

quem.

Com relação ao pr imeiro, fica claro – como se observa em todas as gramáticas – que toma os

traços do antecedente, sendo estabelecida, dessa forma, a concordância com o núcleo desse sintagma

nominal, como em “Só convidei a amiga que estava aposentada” (Exemplo do autor, em que se

evidencia a concordância verbal e nominal com amiga.)

No caso do relativo quem, ressalta Perini que, além de se comportar como os demais (que, o

qual), também assumiria os traços de terceira pessoa. Para o autor esse último uso estaria mais restrito

a casos de clivagem, como em “Fui eu quem comeu o peixinho” (Exemplo do autor.)

Um outro caso analisado é o de sujeito composto posposto, em que a concordância pode ser

feita com o primeiro núcleo do SN composto. O exemplo analisado é “Aqui reina(m) a paz e a

alegria .”

A explicação para a concordância com o núcleo mais próximo seria uma interpretação que

levasse em conta a idéia de que não se trataria de um único SN composto, mas sim de dois SNs

simples, que não estariam coordenados. Isso levaria a uma concordância do verbo no singular.

Sobre a explicação para erros de concordância afirma o autor:

(...)Acontece que o erro de concordância não é uma decorrência direta do mecanismo da concordância, mas de outros fatores gramaticais – em outras palavras, o “erro de concordância” em si não existe. Trata-se, antes, da violação de certos filtros e restrições independentes do mecanismo de concordância. Em um primeiro momento, qualquer combinação (quaisquer SNs acompanhando qualquer forma de verbo no NdP) é bem formada. No entanto, em um segundo estágio, aplicam-se filtros e restrições que marcam como mal formadas muitas dessas combinações; o resultado final, que é o que se observa no uso da língua, é certas combinações serem inaceitáveis.

O autor cita dois tipos de restrição básicas que serviriam como filtro no processo de

concordância: a Restrição de Transitividade (RT) e a Restrição de Caso (RC). De acordo com a

primeira, a estrutura de uma oração deve observar a transitividade do verbo que ocupa seu NdP; de

acordo com a RC, os pronomes têm formas especializadas quando desempenham a função de OD. Por

conta disso, nenhuma outra forma pronominal desempenharia tal função.

Das duas restrições, interessa mais a este estudo a segunda. Isso porque explica-se, por meio

dela, o fato de que o sujeito não virá posposto quando o verbo tem objeto direto. O autor explica que

os fatores que controlam a posposição do sujeito são mal conhecidos, mas deixa claro que o verbo

matar é um dos que não aceitam. Construção de texto jurídico, em que agente e paciente – no caso do

verbo matar, em Direito Penal, por exemplo – devem apresentar o traço [+humano], a inversão da

ordem do sujeito implicaria ambigüidade no trecho, o que representaria problemas de interpretação em

um processo.

O autor trata sua proposta de análise como evidentemente superior à feita pela gramática

tradicional, por estabelecer filtros e não regras. Entretanto, embora apresente análises efetivas do

fenômeno, as observações de Perini exigem um esforço cognitivo muito maior para o entendimento do

fenômeno. Para a compreensão do fenômeno, o falante/produtor deveria acessar mais de um

conhecimento gramatical para entender os casos especiais de concordância.

Para os casos de concordância nominal, o autor trabalha com dois filtros básicos: o Filtro de

Concordância no SN (FCSN) e o Filtro de Concordância na Oração (FCO). De acordo com o

primeiro, marca-se com mal formado Um SN em que há discordância de gênero ou número entre os

constituintes imediatos; pelo segundo, trata-se o fenômeno de forma similar em construções com

predicativo.

Mais uma vez, as restrições parecem mais confundir que explicar o fenômeno da

concordância. Talvez uma redução no entendimento que trabalhasse com a noção pura de adjacência e

não-adjacência desse conta da explicação das regras. Entretanto, não é esse o objetivo desta pesquisa,

que visa apenas ao entendimento dos principais erros cometidos nos textos presentes no discurso

jurídico de uma maneira geral.

Não se discute que, dentre os diversos fenômenos gramaticais, aquele cujo mal emprego ganha

mais destaque é o da concordância - tanto verbal, quanto nominal. O discurso jurídico, por ser pautado

pela formalidade no tratamento, faz com que o discurso se torne mais complexo ao entendimento do

ouvinte leigo, de uma maneira geral. Com isso, o autor que seja menos hábil com os procedimentos

lingüísticos adequados para a construção de um bom texto também sofrerá com essas dificuldades.

SILVA (2006) observa que o que se considera hermético no discurso jurídico na verdade o é,

muitas vezes, por conta da inabilidade dos produtores desses textos. Fenômenos como a inversão de

sujeito, a distância entre esse termo e o verbo – o que acaba sendo comum por conta de descrições que

se constroem -, além de outros fenômenos, interferem, como se verá à frente na qualidade das frases, e

até em sua inteligibilidade.

3.2 A QUESTÃO DA ORDEM

Dos fenômenos gramaticais que se observam na análise de dados do português jurídico, a

ordem dos constituintes na oração talvez seja o que mais se destaca. Isso porque o fenômeno pode

influenciar em problemas de concordância verbal e nominal, além de, muitas vezes, trazer

ambigüidade aos trechos em que ocorre. Sucede que, no discurso jurídico, é bastante comum a

inversão do sujeito em construções com ordem VS.

Camara atesta em sua História e estrutura da língua portuguesa que “a colocação não se fixou

rigidamente (como sucedeu em francês), mas já figura como um mecanismo sintático, embora um

tanto precário”. Por exemplo , para o autor, haveria um princípio básico a partir do qual se atribuiria

maior valor informativo ao último termo do enunciado. Assim, ao termo mais à direita caberia esse

papel. Isso se observaria nos sintagmas nominais com a presença de modificadores. Sucede que, como

afirma Tarallo (1991), a ordem ,no português,no que tange à posição dos adjetivos no sintagma, não é

rígida, mas menos marcada. Uma anteposição do modificador é possível – embora estilística, na

maioria das vezes.

Com relação à colocação dos termos em uma frase, Tarallo afirma que se obedece a critérios

puramente gramaticais. A anteposição do verbo seria típica da língua coloquial e, especialmente, da

literária, por conta da focalização que atribuiria ao trecho. Tal estratégia acontece em construções em

que não há objeto direto para opor ao sujeito pela colocação. Em casos em que ocorresse o objeto a

ambigüidade seria desfeita pelo mecanismo da concordância.

Cabe ressaltar que, conforme afirmam tanto Camara como Tarallo, a língua bloqueará

construções que porventura causem perda no reconhecimento das funções. Por exemplo, fica difícil o

reconhecimento do sujeito em construções do tipo Matou o assaltante o policial, visto que o verbo

matar não possibilita esse tipo de inversão.

Tarallo já observara em estudos sobre o português falado que um corpus de linguagem oral

leva à percepção de que a estrutura tratada como canônica para ordem do sujeito no português aparece,

muitas vezes, ou incompletas, ou parcialmente esboçadas e interrompidas por um segmento que não

parece fazer parte de um núcleo sintático, ou acrescidas periféricos antes do sujeito ou depois do

predicado.

Não cabe, nesta pesquisa, um estudo a partir dos pressupostos que nortearam a pesquisa do

autor, tendo em vista que o autor trabalha com noções que aqui não se aplicariam. Entretanto, a idéia

de que a ordem sofre alterações no português falado pode se transferir para o português escrito

também. Isso porque, pelo menos no domínio discursivo em estudo – o jurídico- a interferência da fala

na escrita é evidente. (Pode-se questionar que isso seria óbvio em qualquer outro domínio, mas não no

jurídico, por conta do grau de formalidade exigido na produção das peças.

Em estudo sobre o assunto Kato et. alii (1991) sustentam que o usuário da língua privilegiaria

as formas em que a adjacência canônica é respeitada. As autoras lançam uma hipótese inicial de que

advérbios e adjuntos apresentariam maior probabilidade de aparecer rompendo a fronteira da

adjacência, o que foi confirmado por seus dados. O problema, entretanto, se dá pelo fato de as autoras

analisarem apenas dados de oralidade. A análise de textos escritos como aqueles ora trabalhados, pode

apresentar resultados semelhantes nesse aspecto.

3.2.1 A visão dos gramáticos tradic ionais, segundo Neves

Neves (1991), em estudo minucioso sobre a perspectiva de gramáticos tradicionais sobre o

fenômeno da ordem, revela que, para os mais antigos, a ordem direta é a lógica ou analítica; para os

mais recentes interferiria na classificação a habitualidade, produzindo-se uma dupla classificação, ou

até uma mistura de critérios; para os gramáticos mais antigos, a liberdade seria concessão, não sendo

evidente uma normatividade em termos gramaticais, o que, para os mais recentes, seria o que ocorre,

na realidade.

A autora deixa claro que as considerações dos mais ricos são mais ricas em reflexões sobre o

fenômeno, enquanto os gramáticos mais recentes têm uma preocupação mais detalhista – algo que se

pôde ver inclusive no estudo da concordância .

Para a autora os gramáticos tradicionais intuiriam que a ordem:

a. deveria estar ligada com uma tipologia lingüística;

b. poderia revelar funções gramaticais;

c. haveria posições preferenciais na ordem livre – que representariam o não-marcado;

d. haveria condições para a alteração da ordem.

Caberia um estudo para se especular em qual tipologia a variação na ordem seria mais comum.

Poder-se-ia especular que, no texto jurídico, a tipologia injunção apresentaria a ordem SV até como

não-marcada. No decorrer do trabalho, entretanto, tal questionamento deve ser resolvido.

3.2.2 A visão de Pontes e a de Votre e Naro

O português é uma língua cuja ordem de posicionamento do sujeito com relação ao verbo é

tratada como SV (com sujeito antes do verbo). Dos trabalhos que tenham analisado ordem do sujeito

em português, talvez o mais significativo seja Pontes (1987), que estabelece uma minuciosa análise do

fenômeno em português, a partir da gramática tradicional, perpassando a teoria gerativa

transformacional e também a teoria funcionalista.

De uma forma geral, entende-se que, em português, a ordem mais comum seria a SV, com

sujeito anteposto ao verbo. É a perspectiva adotada por Cunha e Cintra (1985), que vê esse tipo de

ordem como direta em português. O autor defende que tal ordem é mais sensível em orações

enunciativas, ressaltando, no entanto, que nossa língua permite inversões com mais facilidade que

outras. Algumas inversões, inclusive, são na verdade, obrigatórias em português em determinados

contextos.

Bechara (2000:197) postula que as construções sintáticas têm como uma de suas

características a ordem dos vocábulos de acordo com sua função sintática, sendo o lugar inicial a

posição “normal”do sujeito.

Em latim, a ordem não correspondia a uma categoria gramatical, visto que, embora houvesse

uma tendência ao verbo em se manter no final das frases, não faria diferença a posição em que os

elementos apareciam na frase. Em português, a ordem ganhou estatuto gramatical, levando os

elementos que aparecem no início da frase a serem interpretados, normalmente, como sujeitos, por

conta da perda de distinção de caso.

Construções como “Vende-se casas” ou “Faz-se escovas progressivas” – entendidas como erro

pela gramática tradicional – são comuns, pois o locutor entende “casas” e “escovas progressivas” não

como sujeitos, mas como objetos. Tal caso seria, para a GT, um daqueles em que a inversão seria

obrigatória, no entanto não é o que se vê na oralidade, pois não se consideraria a inversão.

A autora, para analisar o fenômeno, fez um levantamento da ocorrência de sujeito posposto em

textos da língua literária, como Galo das trevas de Pedro Nava e Discurso da primavera e algumas

sombras de Carlos Drummond de Andrade, além de textos da revista Isto é.

Pontes ressalta que, após uma observação aos dados da gramática tradicional, poder-se-ia ter a

idéia de que a ordem VS seria mais comum do que a SV, mas após uma análise dos resultados, ela

chega à conclusão de que a ordem VS apresenta um caráter marcado em relação à ordem SV.

Na língua oral informal, em relação à escrita formal, os casos de VS são ainda mais marcados,

e a ordem SV é a norma. Em nota a autora afirma, ainda, que identificou uma maioria de SNs

inanimados na posição pós verbal.

Afirma, ainda, que “concorrem para a maior ocorrência de VS a maior freqüência de certos

tipos de oração que são mais raros na língua oral” o que aconteceria com algumas espécies de

particípio, orações com infinitivos, reduzidas de gerúndio, relativas e subordinadas de uma forma

geral.

Votre e Naro (1991) entendem que a seqüência com sujeito invertido é utilizada em seções do

discurso de baixa tensão comunicativa, no momento em que o falante está transmitindo partes da

mensagem que não estão sendo apresentadas como centro de atenção para o ouvinte. Tentar-se-á,

neste trabalho, buscar a confirmação ou não desta informação, uma vez que, ao que parece, a inversão

da ordem seria uma estratégia na produção de textos justamente para enfatizar determinada informação

– principalmente quando se faz referência a textos normativos.

Na visão dos autores, as ordenações SV e VS apresentam propriedade de distribuição nos

níveis sintático e distribucional e nas dimensões categórica e variável. Isso ocorreria porque todo texto

entendido como normativo é normalmente tratado como argumento de autoridade, sendo assim, ao

aparecer em um texto com sujeito invertido – muitas vezes com orações subordinadas substantivas

subjetivas, determinando comportamentos, ações a serem tomadas – tenta-se, normalmente evidenciar

uma determinada ação a ser tomada. Quando trazida a estrutura com artigos de códigos para uma peça

específica, evidencia -se ali um ponto de vista.

Os autores trabalharam a questão da ordem em nível da fala, e o presente trabalho discute o

escrito formal. Entretanto, entende-se que as estratégias utilizadas pelos produtores dos textos

jurídicos, principalmente no que diz respeito à focalização de determinados conceitos, fazem com que

a ordem do sujeito seja, muitas vezes, modificada. Isso pode acontecer, como se verá adiante, em

situações nas quais haja um chamado verbo dicendi, cujo complemento é, na maioria das vezes

oracionais.

Verbos como ressaltar, afirmar, asseverar, explicar- com sujeitos com o traço [+animado] ou

[+humano]-; rezar, versar – que apresentam sujeitos com o traço [- animado]- apresentariam como

construções menos marcadas aquelas em que o sujeito viesse invertido. Isso, inclusive, poderia fazer

surgir a hipótese de que a subordinada substantiva objetiva direta, que é uma oração encaixada na

principal, seria adjacente a essa principal como um todo e não apenas como complemento do verbo.

Tanto que a possibilidade de inversão na ordem implicaria apenas focalização da idéia presente no

verbo, mas não prejuízo, ou esforço coginitivo maior para o entendimento da frase.

3.3 USOS DE CONECTORES

As estratégias argumentativas que se estabelecem em um texto são fruto de decisões tomadas

pelo locutor/emissor. Sendo assim, a escolha de determinados conectores, em certas situações, muitas

vezes, desvia-se do padrão, indo de encontro ao que prescreve a Norma Culta e mesmo ao bom senso.

A cada dia, em textos tanto orais como escritos, percebem-se novos usos desses elementos, o que

suscita interesse em esclarecer os fenômenos que motivam esses usos.

De acordo com a gramática tradicional, poder-se-iam classificar como conectores os termos

normalmente denominados de conjunções, pronomes/advérbios relativos e preposições, que, nessa

perspectiva, teriam em com uma função de estabelecer ligação entre orações ( as primeiras classes ) ou

termos de uma oração ( as últimas delas ). Bechara (2000, p.75) define preposição como “a expressão

que, posta entre duas outras, estabelece subordinação da segunda à primeira” e conjunção como “a

expressão que liga orações ou, dentro da mesma oração, palavras que tenham o mesmo valor ou

função.”

Rocha Lima (1992, p.179-183) afirma as preposições serem “palavras que subordinam um

termo da frase a outro” e as conjunções palavras que relacionam entre si dois elementos da mesma

natureza ou duas orações de natureza diversa. Aos relativos, o autor chama de “palavras que

reproduzem, numa oração, o sentido de um termo ou da totalidade de uma oração anterior.

Devido ao seu caráter puramente prescritivo, a abordagem tradicional postula regras a serem

seguidas, deixando de lado o uso real da língua. Dessa forma, as definições apresentadas não

conseguem dar conta do campo de atuação desses conectores, que não se limitam puramente aos

mencionados tipos de conexão.

Em Bechara (op.cit, p.319 ), estabelece-se uma definição diferenciada para preposições e

conjunções. Nesse trabalho mais recente, o autor define as primeiras como unidades lingüísticas que

se juntam a substantivos, adjetivos, verbos e advérbios para marcar relações gramaticais que

desempenham quer nos grupos unitários nominais, quer nas orações; as últimas o autor define como

“unidades que têm por missão reunir orações num mesmo enunciado.”

Nesse trabalho, o autor trata de conector algumas conjunções coordenativas – e e ou,

exatamente – assim como faz Perini ( 1998, p. 335 ). A algumas conjunções subordinativas – como a

integrante que - Bechara dá o nome de transpositores, uma vez que transpõem oração subordinada ao

nível de equivalência de um substantivo, capaz de exercer na oração complexa uma de suas funções.

O autor afirma, inclusive, que algumas unidades adverbiais como contudo, portanto ,

entretanto , todavia não devem ser tratadas como conjunções, embora a tradição gramatical o faça,

pois não desempenham o papel de conectores de orações coordenadas. Para ele, esse papel só caberia

às aditivas e alternativas. Apresenta, assim, um ponto de vista que eliminaria qualquer possibilidade

de inovação no emprego de algumas classes gramaticais.

A definição de conector, para Bechara, torna-se limitada a algumas conjunções

coordenadativas, não contemplando qualquer termo que estabeleça conexão interfrástica, como os

termos classificados pelo autor como advérbios. Além disso, outras espécies de elementos de conexão

- como as palavras denotativas – não se incluem nesse texto.

Camara ( 1986, p.79 ) define conectivos como elementos que estabelecem conexão entre

palavras ou partes de uma frase. Segundo o autor, existem três espécies de conectivos: preposições,

pronome relativo e conjunções. O primeiro estabeleceria subordinação de palavras e expressões

lexicais; o segundo, subordinação de orações; e o terceiro, coordenação de palavras e subordinação de

orações. A visão de Camara, sendo mais ampla, prevê um universo menos limitado no que diz

respeito às funções estabelecidas pelos conectores. Mesmo assim, não se reconhece a ampliação do

campo de atuação pelas preposições na coesão textual, deixando vaga essa noção.

A visão tradicional sobre conjunções pode ser resumida pelo que apresenta Ilari (1996), em

que afirma que

a) seriam as conjunções palavras de função conectiva, com a capacidade de ligar orações.

Essa característica distinguiria as conjunções de preposições;

b) uma conjunção típica é externa às orações que conecta, não exercendo qualquer função

sintática, diferenciando-se dos pronomes relativos, que, além de ligarem orações, exercem

função gramatical;

c) as conjunções podem ser classificadas como subordinativas ou coordenativas, dependendo

da relação estabelecida entre as orações ligadas;

d) as conjunções subordinativas podem ter valor integrante ou circunstancial

Como se pôde observar, o conceito de conectores na visão tradicional, ao deixar de mencionar

termos como expressões como palavras denotativas e locuções prepositivas não permite que se

reconheçam outros elementos que atuem com a função de estabelecer a coesão textual. Trabalhos

mais recentes dão conta de uma forma mais clara da noção de conectores, como Koch ( 1992 ), Ilari (

1996 ) e Guimarães (2000 ), em que se tenta encontrar uma forma de classificação que venha incluir

um grupo maior de elementos na classe das conjunções.

Koch – que focaliza os operadores argumentativos, vocábulos que estabelecem conexão

interfrástica e transfrástica, mostrando como são e como funcionam – lembra que as relações

interfrásticas se dão no plano discursivo e pragmático. Com base nessa noção, afirma que:

Considerando-se corno Constitutivo de enunciado o fato de se apresentar como orientando a seqüência do discurso, isto é, de determinar os encadeamentos possíveis com outros enunciados capazes de continuá-lo, faz-se preciso admitir que existem enunciados cujo traço constitutivo é o de serem empregados com a pretensão de orientar o interlocutor para certos tipos de conclusão, com exclusão de outros. Para

descrever tais enunciados, torna-se necessário de terminar a sua orientação discursiva, ou seja, as conclusões para as quais pode servir de argumento. Assim, dentro de uma pragmática integrada à descrição lingüística, introduz-se uma retórica integrada que se manifesta por meio de uma relação de tipo bem preciso entre enunciados: a de ser argumento para.

Ora, existe na gramática de cada língua uma série de morfemas responsáveis

exatamente por esse tipo de relação, que funcionam como operadores argumentativos ou

discursivos. É importante salientar que se trata, em alguns casos, de morfemas que a

gramática tradicional trata como elementos meramente relacionais — conectivos como mas,

porém, já que, pois, etc., e, em outros, justamente de vocábulos que, segundo a N.G.B., não se

enquadram em nenhuma dessas dez classes gramaticais. Rocha Lima chama-as de palavras

denotativas e Bechara de denotadores de inclusão ( até, mesmo, também, inclusive ); de

exclusão ( só, somente, apenas, senão, etc. ); de retificação ( aliás, ou melhor, isto é ); de

situação ( afinal, então, etc. ). Celso Cunha diz que se trata de palavras “essencialmente

afetivas”, às quais a N.G.B. “deu uma classificação à parte, mas sem nome especial”.

Na gramática estrutural, esses elementos são descritos, em grande parte, como

morfemas gramaticais (gramemas) de tipo relacional, em oposição aos morfemas lexicais (

semantemas, lexemas ), sendo relegados a um segundo plano na descrição lingüística. E é

esse, também, o tratamento que recebem da gramática gerativa.

É a macrossintaxe do discurso — ou semântica argumentativa — que vai recuperar esses elementos, por serem justamente eles que determinam o valor argumentativo dos enunciados, constituindo-se, pois, em marcas lingüísticas importantes da enunciação. (104-105)

No uso de conectores, como conjunções, há, em diversos casos, uma forte difença de

interpretação de seus usos. Como visto anteriormente, alguns autores não contemplam esse fenômeno,

tornando obscuras as noções sobre o que são os conectores.

A autora sintetiza a problemática da dificuldade no uso de determinados conectores

por alguns usuários da língua já que

conectivos são de difícil acesso mesmo quando o contexto fornece as pistas necessárias para determinar seu valor”, uma vez que “a criança mostra-se incapaz de explicitar o significado do conectivo, significado para o qual não há de fato pistas estruturais, utilizando os outros componentes do texto. (p. 84 )

Nesse trabalho, apresenta uma proposta para a solução do problema. Sua tarefa é o exame dos

diversos tipos de conectores interfrásticos, que ela classifica como conectores de tipo lógico e

encadeadores de tipo discursivo.

A função dos primeiros é apontar o tipo de relação lógica que o locutor estabelece entre o

conteúdo de duas proposições de um enunciado, resultante de um ato de fala único. Os últimos são

responsáveis pela estruturação de enunciados em textos, por meio de encadeamentos sucessivos, sendo

cada um deles resultante de um ato de fala diferente, podendo, inclusive, ser apresentados sob a forma

de dois períodos ou até proferidos por locutores distintos. Tal tipo de encadeamento pode ocorrer entre

orações de um mesmo período, entre dois ou mais períodos e entre parágrafos de um texto.

Entre os conectores de tipo lógico, a autora destaca aqueles que estabelecem oito tipos de

relação:

• Relação de condicionalidade — expressa pela combinação de duas proposições, uma

introduzida pelo conector se ( antecedente ) e outra por então, que pode estar implícito (

conseqüente). Estabelece-se um elo entre o antecedente e o conseqüente, ou seja, sendo o

antecedente verdadeiro, o conseqüente também o será:

Se aquecermos o ferro, ( então ) ele se derreterá.

• Relação de causalidade — é expressa pela combinação de duas proposições, uma das quais

encerra a causa que acarreta a conseqüência expressa na outra. Tal relação pode ser veiculada

de formas distintas, como em:

O riacho transbordou já que choveu demais.

Choveu tanto que o riacho transbordou.

Choveu demais, por isso o riacho transbordou.

• Relação de mediação — exprime-se por meio de duas proposições, uma das quais explicita os

meios para se atingir determinado fim expresso na outra:

Fiz o possível para que ele não fosse despedido.

• Relação de disjunção - a disjunção de tipo lógico é expressa por meio de duas proposições

ligadas pelo conectivo ou. Todavia, esse conector, segundo Koch, é ambíguo em língua

natural, sendo o ou inclusivo, correspondente ao latim vel, que significa um ou outro; e o ou

exclusivo, correspondente à forma latina aut, que exclui a verdade de ambas as posições:

Pediu-se aos participantes da passeata que usassem roupas amarel ou trouxessem bandeira

da mesma cor. ( inclusivo )

Você gostaria de ir, hoje à noite, ao teatro ou prefere assistir ao jogo pela televisão?(

exclusivo)

• Relação de conformidade — expressa-se por meio de duas proposições, em que se mostra a

conformidade do conteúdo de uma delas em relação a algo asseverado na outra:

O farmacêutico aviou a receita conforme o médico recomendado.

• Relação de temporalidade — é a relação por meio da qual se localizam no tempo, uns

relativamente aos outros, ações, eventos ou estados de coisas do mundo real, veiculados por

intermédio de duas proposições. Essa relação pode ser de vários tipos:

1) tempo simultâneo — marcado pelos conectores quando, assim que, logo que, etc:

Quando chega em casa, começa a implicar com a mulher.

2) tempo anterior/tempo posterior — expresso pelos conectores depois que, antes que:

Depois que eu terminar a pesquisa, pretendo dedicar-me ao magistério.

Antes que o funcionário se recobrasse do susto, o diretor começou a pregar-lhe um violento

sermão.

3) tempo contínuo ou progressivo – assinalado pelos conectores enquanto, desde que, à metade

que, à proposição que:

Enquanto a garota lia, o irmão desmanchava as tranças.

• Relação de complementação expressa-se por meio de duas proposições, uma das quais

completa o significado de um termo da outra:

Esperei que os importunos se retirassem.

• Relação de delimitação ou restrição — é expressa por duas proposições, uma das quais

restringe a extensão de um termo da outra, delimitando-a a um subconjunto deste:

Cão que ladra não morde.

Cortei as árvores cujos troncos estavam podres.

Outros termos com função de conexão são os encadeadores do discurso, que Koch

afirma serem os responsáveis pelo encadeamento sucessivo de enunciados, dando- lhes uma

orientação discursiva e estruturando-os em texto. Tais encadeadores podem ser de duas

espécies: os operadores argumentativos e os operadores de seqüencialização.

Os operadores argumentativos são elementos de valor essencialmente argumentativo.

responsáveis pela orientação discursiva global dos enunciados que encadeiam, dando ao texto uma

direção argumentativa.

O primeiro de seus tipos são os operadores de conjunção como e, não só... mas também,

tanto .. .como, além de, além disso, ainda, nem, que adicionam enunciados cujos conteúdos constituem

argumentos a favor de uma mesma conclusão:

A equipe jogou muito bem. A defesa demonstrou segurança em todas as intervenções e o ataque foi sempre agressivo.

Um segundo tipo, os de disjunção argumentativa, teriam a função de separar enunciados que

têm orientações discursivas diferentes, resultantes de dois atos de fala distintos. Seria estabelecida

pelos operadores ou, ou então:

Faça o que foi combinado. Ou você já se esqueceu de sua promessa?

Outro grupo, o dos operadores de contrajunção, pertence à área semântica de oposição, em

que se incluem conectores como: mas, porém, contudo, no entanto, entretanto, embora, apesar de (

que ), ainda que, se bem que, etc., cujo conteúdo se opõe a algo explícito ou implícito em enunciados

anteriores:

Tinha todos os títulos necessários, porém não conseguiu o cargo desejado.

Os operadores de justificativa ou explicação fazem parte de um quarto grupo em que conectivos

do tipo pois, que, porque introduzem um ato de justificativa ou explicação de um outro ato de fala

anteriormente realizado:

Não chores, morena, que eu volto.

Deve ter faltado energia, pois a geladeira está descongelada.

Observe-se que, no exemplo, não há relação de causa e conseqüência entre os conteúdos das

duas proposições, relação que se expressa por meio de um ato de fala único, em que a asserção recai

justamente sobre essa relação ( como é o caso das relações de causalidade). Tem-se, nesse caso, um

segundo enunciado, resultante de um novo ato de fala, que visa a justificar o ato de fala anterior.

Além dos encadeadores citados, há, ainda os operadores de conclusão como portanto, logo,

pois, eu/ao, por conseguinte, que introduzem um enunciado de valor conclusivo em relação a dois atos

de fala anteriores.

José é indiscutivelmente honesto. Portanto , é a pessoa indicada para assumir o cargo.

Finalmente, há um último grupo, o de operadores de comparação, que estabelecem, entre dois

termos, esse tipo de relação :

João é mais alto que Pedro.

Os demais tipos de encadeadores de discurso, chamados de operadores de seqüencialização,

podem exprimir a ordem segundo a qual o locutor teve a percepção ou conhecimento de um dado

estado de coisas do mundo real; ou a de assinalar a ordem segundo a qual os assuntos abordados no

texto são apresentados e desenvolvidos. No primeiro caso, pode-se falar de seqüencialidade temporal

e, no segundo, de seqüencialidade textual.

A seqüencialidade temporal pode ser expressa por operadores como antes, depois, primeiro,

mais tarde, etc.:

Deixou de mandar noticias. Mais tarde soubemos que havia morrido.

A seqüencialidade textual expressa-se pelos mesmos operadores:

Tratarei, em primeiro lugar, da origem do termo; depois, de sua evolução histórica.

Koch faz, ainda, referência a pausas que, muitas vezes, substituem determinados conectores,

como o indicativo de causalidade em:

Resolveu isolar-se do mundo: não acreditava mais nos homens.

A contribuição de Koch é importante, uma vez que algumas noções não contempladas pela

tradição gramatical, ou mesmo obscuras, se tornam mais nítidas. A síntese das classificações permite

que elas sejam utilizadas como referência para trabalhos posteriores. Um resumo dos conectores

responsáveis pelas relações do tipo lógico encontram-se no quadro 1, abaixo:

Relação do tipo lógico

Conectores responsáveis

Condicionalidade Se, ( então )

Causalidade Já que, tanto...que, portanto, por isso, etc.

Mediação Para que, afim de que

Disjunção Ou

Conformidade Conforme, segundo, consoante

Temporalidade Tempo simultâneo: quando, assim que, logo que;

Tempo anterior/posterior: depois que, antes que;

Tempo contínuo: enquanto, desde já,. à medida que, à

proporção que.

Complementação que se

Delimitação ou restrição que, cujo, onde, etc.

Quadro I: conectores do tipo lógico e relações que apresentam

Como se verá posteriormente, as dificuldades apresentadas na utilização adequadas dos

elementos de conexão também se farão presentes na produção dos textos de natureza jurídica. Na

verdade, o uso desses elementos de conexão nem é tão habitual como se poderia imaginar, pelo menos

no que se observouem peças processuais. Caberia uma análise mais detida em textos de doutrina

jurídica para se chegar a uma conclusão mais adequada sobre o assunto.

Ressalte-se, entretanto, que o entendimento de que a utilização de estratégias como tal para a

construção das frasesé importante na construção dos raciocínios lógicos a serem empreendidos, além

de ser recurso argumentativo por excelência. Uma vez que não se usam como recurso lingüístico na

produção desses textos em análise, ficam limitadas as possibilidades do produtor do texto.

4. TEORIAS LINGÜÍSTICAS PERTINENTES

A presente pesquisa tem como proposta um desprendimento parcial de dogmatismos

teórico-metodológicos sem que, entretanto, deixe de observá- los. Isso é importante para o

entendimento da proposta, tendo em vista que, por conta da natureza do discurso jurídico, que

é multifacetado, vislumbrou-se a necessidade de se delimitar mais de uma teoria lingüística

para estudos dos fenômenos. Assim, fenômenos de natureza morfossintática são analisados

sob a perspectiva funcionalista, na perspectiva de Givón. Entretanto, fenômenos que

extrapolem o limite da frase podem se utilizar de uma perspectiva diferenciada, como é a

chamada Lingüística Textual, principalmente no que diz respeito à nomenclatura e à

utilização de conectores do tipo lógico na construção da argumentação. Tendo em vista que a

análise dos fenômenos perspassa a noção de tipologias textuais e gêneros textuais, não se

poderia deixar de lado essa base teórica.

As duas teorias citadas são basilares para a construção da análise que se observará na

seqüência do texto, o que não excluirá a apresentação de informações que, embora com

tratamento não tão aprofundado, estão presentes em outras teorias lingüísticas, como a

Análise do Discurso (AD), a qual, apesar de não ser fundamental para a análise dos

fenômenos desta pesquisa, seria a teoria a tratar a questão ideológica como objeto – o que não

se observa nas outras perspectivas. A apresentação de alguns pressupostos presentes na AD

também se faz importante por conta de um de seus desdobramentos – a chamada Lingüística

Forense – também ser importante à pesquisa por conta da especificidade do objeto desta tese.

Inobstante a presença da AD na apresentação de teorias presentes no trabalho, deve-se

deixar claro que tal teoria não se configura como fundamento do trabalho, mas como suporte

para o entendimento de questões a serem discutidas no texto, ou mesmo para que se critiquem

determinados pressupostos utilizados pela AD. Outra teorias que, como a Análise do

Discurso, se apresentem nesta pesquisa também o serão por conta de se entender que

eventuais nomenclaturas que se utilizem na análise tornarão a menção necessária.

Quando se decidiu empreender pesquisa que levasse em consideração um corpus de

linguagem jurídica, entendeu-se que uma única perspectiva de análise não daria conta da

riqueza do objeto, sendo necessária uma fusão de princípios, presentes em diferentes teorias

lingüísticas, para que se realizasse um trabalho sem compromisso com uma área específica da

lingüística, uma vez que haveria uma grande probabilidade de não se conseguir desenvolver

os tópicos propostos com a abrangência necessária. Isso porque, entende-se, o discurso

jurídico apresenta características tais que permitiriam essa fusão.

Para SANTOS (2000, p. 47),

Todo conhecimento é em si uma prática social, cujo trabalho específico consiste em dar sentido a outras práticas sociais e contribuir para a transformação destas; uma sociedade complexa é uma configuração de conhecimentos, constituída por várias formas de conhecimento adequadas às várias práticas sociais; a verdade de cada uma das formas de conhecimento reside na sua adequação concreta à prática que visa constituir.

Assim, pelo que se depreende da leitura, entende-se que uma teoria específica não

seria de todo suficiente para o entendimento das questões a serem trabalhadas nesta pesquisa.

Aplica-se, dessa forma, a idéia apresentada por Santos a este trabalho. Apesar de se entender

que não será esta pesquisa a solução dos problemas da má utilização da linguagem jurídica,

sabe-se que ela só tem sentido por sua função social. Só faz sentido se ajuda, em algum

momento, no funcionamento da sociedade.

Além do que se argumentou anteriormente, leva-se em consideração que o tipo de

pesquisa ora empreendida não permitiria que se lançasse mão de apenas uma corrente dos

estudos de linguagem, visto que trata de assuntos concernentes a um objeto pouco explorado

no âmbito dos estudos lingüísticos, que é o discurso jurídico. Além das propostas teóricas

elencadas anteriormente, princípios da chamada lingüística forense – na verdade, uma subárea

da Análise do Discurso, pelo que se observará posteriormente –, que trabalha especificamente

com objetos do discurso jurídico.

Pela análise que se faz a seguir sobre a teoria funcionalista – valendo-se, em alguns

momentos de análise prévia de Maria Helena de Moura Neves –, ver-se-ão semelhanças com

a ciência do Direito, principalmente quando se aduz sobre a necessidade de se analisar a

língua em uso, assim como o Direito deve observar o desenvolvimento social.

4.1 CONCEITOS BÁSICOS DO FUNCIONALISMO

O Funcionalismo teve sua origem na antropologia. Autores como Malinowski e

Radcliffe Brown reagiram ao evolucionismo darwiniano que embasava o estudo

antropológico e começaram a analisar os fatos culturais de cada grupo em relação às próprias

instituições desse grupo, ou seja, observaram que “em cada tipo de civilização, cada costume,

cada objeto material, cada idéia e crença preenche alguma função vital, tem alguma tarefa a

desempenhar, representa uma parte indispensável no todo funcional.” (MACEDO, 1993, p. 1)

Hoje, a teoria funcionalista é difícil de ser caracterizada, haja vista que existem tantas

versões de funcionalismo quanto diferentes funcionalistas – desde os que simplesmente

rejeitam o funcionalismo até os que apresentam uma nova teoria.

Embora ocorram variações no interior da linha de pesquisa, não se pode negar a

existência de uma questão básica no que diz respeito à teoria funcionalista da linguagem

(propósito maior desse trabalho): o estudo de como se obtém a comunicação com a língua, ou

seja, a competência comunicativa do falante.

Meillet foi o primeiro autor a elaborar uma perspectiva na qual as condições sociais

foram vistas de influência decisiva sobre a língua e, por conta disso, também propulsoras da

mudança lingüística. A língua é concebida, pelo autor, como um fato social e o estudo da

história lingüística incorpora a heterogênea realidade sociocultural das línguas.

Para Givón (1995), “a língua não pode ser descrita como um fenômeno autônomo, já

que a gramática não pode ser entendida sem referência a parâmetros como cognição e

comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação,

aquisição e evolução.” Tal perspectiva seria similar ao que se observa hoje em várias

doutrinas em que se estuda o Direito. Isso porque não se poderia também manter uma postura

formalista na análise de fatos jurídicos. Um fato social pode tornar-se um fato jurídico na

medida em que a visão da sociedade é também modificada.

Logo, a concepção de linguagem defendida pelos funcionalistas considera-a não

apenas funcional, devido ao fato de não se limitar a separar o sistema lingüístico e suas peças

das funções que exercem, mas também observa a dinamicidade da linguagem, pois atém para

o constante desenvolvimento da mesma.

Segundo Macedo, o tratamento funcionalista de qualquer língua natural considera as

estruturas lingüísticas como configurações de funções, sendo cada uma dessas funções vista

de um modo diferente de significação. Neste contexto, variados autores dão sua contribuição

ao conceito de função.

A autora explica que Karl Bühler, considerando que em cada evento de fala há sempre

uma pessoa que informa outra pessoa de algo, apresenta três funções da linguagem: a

representação (Darstellungsfunktion), a interiorização psíquica (Kundgabefunktion) e o apelo

(Appellfunktion).

Na escola de Praga, Mathesius apresenta como função básica da linguagem a

comunicativa – vista na variedade de comunicação pura e simples e na comunicação de um

apelo – , seguida da expressiva. Para o autor, a função de representação, no sentido de

Bühler só existia em enunciados de caráter puramente comunicativo como, por exemplo, no

discurso científico.

Roman Jakobson acrescenta outra funções às já estipuladas por Bühler, perfazendo um

total de seis funções da linguagem: a função referencial, relacionada ao contexto; a função

emotiva, relacionada ao remetente; a função conativa, relacionada ao destinatário; a função

fática, relacionada ao contato; a função metalingüística, relacionada ao código; a função

poética, relacionada à mensagem. Segundo o lingüista, qualquer mensagem enfatiza uma

dessas funções e apresenta as outras como secundárias.

O Funcionalismo, por outro lado, também é ferrenhamente criticado. Para alguns

autores, ele não constitui um modelo, pois não apresenta funções bem fundamentadas para tal.

E, também, não desenvolve, como a maioria das outras teorias, parâmetros universais. Logo,

a explicação de uma estrutura numa língua não seria válida para outra. Entretanto, o

desenvolvimento de universais também não é o que propõe uma ciência do Direito,

justamente pelo fato de se tratar de uma ciência social, que observará o desenvolvimento

social. Não se poderia prever comportamentos dos homens de maneira tão abrangente que

desse conta de toda uma sociedade. Nesse ponto, o Funcionalismo lingüístico apresentaria

características comuns com o entendimento de que o Direito deve observar a composição

entre fato, valor e norma.11

Outra perspectiva do Funcionalismo quem apresenta é Simon Dick, que faz uma

comparação entre o paradigma as correntes func ionalista e formalista. Dentre as principais

questões, do lado formalista e funcionalista, respectivamente, podem ser citadas as seguintes:

11 Tal teoria pode ser explicitada em Reale (2002), e é conhecida como Teoria Tridimensional do Direito.

a) A definição da língua como um conjunto de orações, cuja principal função seria expressar

os pensamentos vs a visão da língua como um instrumento de interação social, cuja principal

função seria comunicar;

b) A análise de várias competências (produção, interpretação e julgamento de orações) vs a

abordagem da competência comunicativa;

c) A prioridade dada ao estudo da competência vs a prioridade dada ao estudo do sistema

dentro de um quadro de uso;

d) A descrição das orações da língua independente do contexto/ situação vs a descrição das

expressões conforme seu funcionamento em um dado contexto;

e) A visão da aquisição da linguagem com o uso de propriedades inatas existentes no

organismo humano vs a visão da aquisição da linguagem com a ajuda do contexto natural,

sofrendo influências comunicativas, biológicas ou psicológicas, ou contextuais;

f) A hierarquia sintaxe > semântica > pragmática vs a hierarquia pragmática > semântica >

sintaxe.

Ao observar os itens, percebe-se que a mesma preocupação com as divergências entre

uma concepção formalista e uma funcionalista poderiam ser observadas na ciência do Direito,

tendo em vista a tendência moderna em se discutir a ciência a partir de movimentos sociais –

no Direito – e nos usos da língua – teorias lingüísticas, tais como o Funcionalismo.

A gramática funcional seria “uma teoria gramatical das línguas naturais que procura

integrar-se em uma teoria global da interação social. É uma gramática que considera a

capacidade que os indivíduos têm, não apenas de codificar e decodificar expressões , mas usá-

las e interpretá- las de maneira interacional.” (NEVES, 1997, p. 15)

Para J. L. Mackenzie a gramática funcional explica as regularidades nas línguas e, a

partir delas, os aspectos freqüentes das circunstâncias dos eventos de fala. A gramática

funcional ocupa uma posição intermediária entre uma abordagem que sistematiza uma

estrutura da língua e outra que instrumentalize o uso da língua.

Apesar dessa posição intermediária na qual se localiza, a gramática funcional dá

preferência ao aspecto pragmático da língua. No que diz respeito à formalização gramatical,

esta é perfeitamente possível de ocorrer numa gramática desse tipo. No entanto, nesse tipo de

paradigma não basta uma descrição da estrutura da sentença para determinar o som e o

significado da expressão lingüística, é necessário incluir referência ao falante, ao ouvinte e a

seus papéis na situação de interação.

Para Halliday, as gramáticas funcionais diferem das formais pelos seguintes motivos:

a) a orientação sintagmática da primeira opõe-se à orientação paradigmática da segunda; b) a

gramática formal analisa da língua como um conjunto de estruturas entre as quais se

estabelecem relações regulares enquanto a gramática funcional analisa a língua como uma

rede de relações interpretadas por suas estruturas; c) o formalismo dá ênfase aos traços

universais da língua (sintaxe como base) e o funcionalismo dá prioridade às variações entre

línguas diferentes (semântica como base).

A gramática funcional constitui, para a maioria dos autores, uma gramática de base

cognitiva. Esta seria a motivação existente às representações conceptuais – principalmente no

léxico. Os autores estendem esse princípio a toda gramática considerando que entre a

gramática e a sua base conceptual há uma relação icônica.

A iconicidade, por sua vez, é um princípio pelo qual se afirma que há uma relação

natural, ou seja, não-arbitrária entre forma e função. Em outras palavras, “a estrutura da

língua reflete de algum modo a estrutura da experiência humana, ou seja, a estrutura de

mundo, incluindo (na maior parte das visões funcionalistas) a perspectiva imposta sobre o

mundo do falante.” (CROFT, 1990)

Esse conceito contrapõe-se, por completo, ao conceito de Saussure. Para os autores

funcionalistas , o recorte saussureano é sincrônico e, com isso, arbitrário. A iconicidade

estaria presente nos primórdios da língua e, com a sua evolução, as formas se modificariam

apresentando uma “arbitrariedade aparente”. Uma observação ideal sobre a iconicidade das

línguas, segundo os estudiosos da área, seria a análise de línguas pidgins e crioulas por se

tratarem de línguas que estão em seu estágios iniciais de formação.

Outros princípios da linha funcional, seguidos por diversos estudiosos na atualidade

são a gramaticalização e a discursivização. A gramaticalização constitui “um processo pelo

qual itens lexicais e construções sintáticas , em certos contextos, passam a assumir funções

gramaticais , e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções

gramaticais.” (MARTELOTTA et alii, 1996, p.261) Por discursivização entende-se “um

processo em que os elementos perdem a função lexical e gramatical para ficar a serviço da

organização da linha de raciocínio na fala, funcionando como marcadores discursivos” (op.

cit., p.261). Cabe ressaltar que não é objeto desta pesquisa o tratamento de questões como

gramaticalização e discursivização.

Michael Halliday propõe uma gramática voltada para a organização das mensagens

em sua função comunicativa. O autor usa o termo função sob um ponto de vista

psicolingüístico, pondo sob consideração as funções a que a linguagem serve na vida do

indivíduo. Aquele, diferentemente, sugere uma “teoria não apenas extrínseca, mas também

intrínseca das funções da linguagem, uma teoria segundo a qual a multiplicidade funcional se

reflete na organização interna da língua, e a investigação da estrutura da língua revela, de

algum modo, as várias necessidades a que a língua serve.”

Segundo Halliday, a linguagem tem, em primeiro lugar, uma função ideacional. Por

meio desta, o falante e o ouvinte organizam e incorporam na língua sua experiência de

fenômenos do mundo real. Nessa função, há duas subfunções: a experiencial e a lógica.

Em segundo lugar, a linguagem serve à função interpessoal, segundo a qual o falante

usa a linguagem como meio de participar da situação de fala. Essa função estabelece e

mantém os papéis sociais mostrando-se, ao mesmo tempo, interacional e pessoal.

Há, ainda, segundo Halliday, uma terceira função: a textual. Tal função estabelece

que a linguagem contextualiza as unidades lingüísticas, fazendo-as operar no co-texto e na

situação. Não se limita ao levantamento das relações entre as frases, mas também trata da

organização interna da frase e do seu significado como mensagem.

No nível da oração, as funções anteriores são implementadas pelos seguintes sistemas:

a) transitividade, formada pelos componentes causador, processo e afetado; b) predicação,

composta por sujeito e predicado; c) temático identificado pelo binômio tema/ rema.

Nichols (1984: 110) faz uma crítica a Halliday afirmando que o trabalho deste não oferece

quase nenhuma inovação na área da análise da estrutura e da função puras. Contribui apenas

no estudo funcionalista das estruturas gramaticais e numa abordagem de análise de sistemas

para a observação das relações entre estrutura e função.

Halliday’s systems involves almost no innovation in the area of pure structure and only moderate innovation in the area of pure function. Its original contribution lies in its many functionalists analysis of

gramatical structures and in its synthesizing, systems-analysis approach to the description of structure function relations.12

Segundo Johana Nichols, função é um temo polissêmico que significa a dependência

de alguns elementos estruturais em elementos lingüísticos de outra ordem ou domínio.

Todos têm a ver com o papel representado por um elemento estrutural em uma função maior

na língua ou na comunicação. A autora identifica cinco sentidos principais de função.

O primeiro tipo, função/ interdependência, aborda trabalhos que estudam as inter-

relações ou covariações entre os fenômenos lingüísticos . Um exemplo desse estudo seria a

análise das interações, não entre elementos de significado e posição superficial na gramática,

mas entre as regras de uma gramática transformacional.

O segundo tipo, função/ propósito, abarca os objetivos do uso da linguagem, o que os

falantes pensam ou acreditam que estão fazendo com a linguagem. Um tópico de trabalho,

neste contexto, poderiam ser as máximas de Grice.

O terceiro tipo, função/ contexto, focaliza a relação da linguagem com o contexto em

sua acepção de evento ( função/ evento), ou o cenário extralingüístico, ou ainda, a relação do

uso da linguagem com o texto lingüístico (função/ texto). Nesta área, poderiam ser feitos

pesquisas sobre tópico, coesão, coerência, etc.

O quarto tipo, função/ relação, parecido com função/ interdependência, mostra a

relação entre um dado elemento e o sistema lingüístico como um todo. Os estudos das

funções gramaticais estariam aqui abordados.

O quinto tipo, função/ significado, toma o significado em seu sentido amplo,

abarcando uma grande diversidade de categorias semânticas por meio da análise pragmática e

contextual.

A autora apresenta, também, uma distinção entre teorias funcionalistas, análises

funcionalistas e afirmações funcionalistas. Para ela, apesar de conceitos e linhas gerais

preliminares, ainda não existe uma teoria funcionalista. No que diz respeito às análises

funcionalistas, afirma que as mesmas ocorrem em várias escolas lingüísticas, mas ainda

12 O Sistema de Halliday envolve quase nenhuma inovação na área da estrutura pura e apenas uma novação moderada na área da função pura. Sua contribuição original reside nas suas muitas análises funcionalistas das estruturas gramaticais e na sua sintetização, abordagem analítica dos sistemas para a descrição das relações entre estrutura e função.

necessitam de um sentido mais claro do que seria uma teoria funcionalista. A literatura,

segundo Nichols contém excessivas análises funcionalistas de fenômenos individuais , no

entretanto a orientação geral dessas análises não é, na verdade, funcionalista. Neste mesmo

contexto, ocorrem afirmações funcionalistas que, infelizmente, ainda embasam-se numa

gramática formal e não funcional.

A teoria funcionalista de Simon Dik diferencia o sistema lingüístico do uso da

língua, mas não os estuda em separado. Segundo o lingüista, a expressão lingüística é

função da intenção do falante, de sua informação pragmática e da antecipação que faz da

intenção do ouvinte. A interpretação do ouvinte, por sua vez, é função da expressão

lingüística, da sua informação pragmática e da sua conjetura sobre a intenção que o

falante tenha dito.

Para Dik, uma teoria gramatical torna-se falha ou por ser fraca/ concreta demais,

ou por ser forte/ abstrata demais. Para se evitar este último problema, devem-se evitar

muitas descrições ,o que pode ser feito de três maneiras: evitando transformações ou

operações de mudança de estrutura; evitando filtros (estratégias descritivas que conferem

excessiva liberdade para a formulação de regras gramaticais); e não admitindo predicados

abstratos.

No modelo de Dik:

todos os itens lexicais de uma língua têm de ser analisados dentro da predicação e, no reverso, todos os predicados básicos de uma língua compõem o seu léxico, sendo este, pois, o estoque completo das estruturas básicas ( predicado e termos da língua ). Todos os predicados são semanticamente interpretados como designadores de propriedades ou de relações , e diferentes categorias de predicados se distinguem de acordo com suas propriedades formais e funcionais.” (Neves, 1994: 120)

Para o autor , toda expressão lingüística é formada por um predicado subjacente, isto é, a

inserção de “termos” em “estruturas de predicado”. A esse conjunto, Dick dá o nome de fundo da

língua. Dentro do fundo, está o léxico que contém os predicados básicos e os termos básicos, os quais

podem, ainda, ser estendidos formando os predicados derivados e os termos derivados.

Dick apresenta conceitos como argumento – correspondendo aos objetos – e satélites –

referindo-se aos adjuntos adverbiais. Na concepção do autor, a predicação, a qual constitui o núcleo

de uma estrutura de cláusula subjacente, possui três níveis: a predicação nuclear (predicado e seus

argumentos); a predicação central (predicação nuclear estendida pelos operadores de predicado e

satélites de nível 1); e a predicação estendida (predicação central estendida pelos operadores de

predicado e satélites do nível 2).

A proposição, por sua vez, segundo o autor, consiste de uma variável de conteúdo

proposicional que simboliza um fato possível, especificado pela predicação estendida, pelos

operadores de predicado e satélites de nível 3.

A organização estrutural subjacente de cláusula, conforme Dick, apresenta os seguintes níveis:

Nível 1: predicador e termos:

Nível 2: predicação:

Nível 3: proposição:

Nível 4: ato de fala.

De acordo com Neves, segundo Leech, hveria dois tipos de formalismo. O formalismo

extremado, segundo ele, é um sistema formal abstrato e as considerações funcionais são irrelevantes

à sua investigação. O formalismo moderado, por sua vez, considera a linguagem, também, um sistema

formal abstrato, mas as análises funcionais buscam relações entre os sistema formal e o uso.

Há, ainda, para o lingüista diferentes tipos de funcionalismo. O funcionalismo moderado vê

a linguagem basicamente como um sistema de interação social, sendo o seu estudo formal relevante,

porém de bases funcionais. Há o funcionalismo formalista para o qual a linguagem é constituída de

gramática – sistema abstrato de regras para produzir e interpretar mensagens – e retórica – conjunto

de máximas que vão propiciar o sucesso na comunicação.

Nichols utilizaria uma nomenclatura parecida com a de Leech. Para aquele há um

funcionalismo conservador ,o qual aponta a inadequação do formalismo ou estruturalismo sem propor

uma análise na estrutura; um funcionalismo moderado, que , além de apontar a inadequação, propõe

uma análise funcionalista da estrutura; e um formalismo extremo, que, segundo a autora, “nega a

realidade da estrutura como estrutura, e considera que as regras se baseiam internamente na função,

não havendo, pois, restrições sintáticas.” (Neves , 1994: 116)

Em toda essa explanação, um ponto necessita ser levantado. É muito “perigoso”, em qualquer

área de estudo, apontar teoria s “extremas”, pois trata-se de uma afirmação muito radical e que, se for

levada à discussão, pode, quase sempre, ser facilmente derrubada.

O autor Marcelo Dascal, por outro lado, indica dois níveis de existência do funcionalismo. O

primeiro é um nível social , que tem o objetivo de explicar a comunicação. Neste contexto, estariam

os trabalhos de Malinowski. O segundo nível é o funcionalismo mental, preocupado em descrever a

função da linguagem na mente. Neste nível, o sentido de uma expressão lingüística seria derivado de

sua função no pensamento.

Dascal apresenta uma crítica ao funcionalismo. Para o autor, a linguagem serve a um

proposto interacional do falante no evento de fala, mas tal uso é versátil enquanto as funções

uniformes. Ora, se uma forma lingüística é convencionalmente associada a uma função (como afirma

a teoria funcionalista), ela não poderia mais refletir os estados da mente daqueles que a usam.

Embora se entenda que se empreende nesta pesquisa uma análise de textos escritos, o

que, em tese, não estaria adequado aos pressupostos de uma análise sob o olhar funcionalista,

utilizar-se-ão no percurso desta pesquisa conceitos que estão presentes nos pressupostos

teóricos do Funcionalismo norte-americano.

O estudo da transitividade e da marcação podem não ser recentes, entretanto o viés

adotado pelo Funcionalismo será reproduzido na pesquisa, pois servirá mais à análise de

fenômenos determinados do que outro princípio teórico.

4.1.1 O conceito de marcação e pacote informacional (articulação tema/rema)

De acordo com PEZZATTI (2004:176), as várias vertentes do funcionalismo

lingüístico apresentam uma base comum, apresentando em comum a idéia de que deve ser

levada em consideração a interação social.

Tomando por base essa corrente, observar-se-á aqui a aplicação de determinados conceitos

como o da marcação, no que diz respeito à ordem dos elementos na frase, em textos formais.

Há um entendimento geral de que expressões mais marcadas tendem a surgir em contextos

formalidade, no entanto cabe identificar quais construções e de que tipo de textos formais está

se falando.

CUNHA et al. (2003:34) informam que o princípio da marcação, um dos aspectos

analisados pela teoria funcionalista e que compõe, ao lado da iconicidade, um de seus pilares,

estabelece três critérios principais para a distinção entre categorias marcadas e não-marcadas,

que seriam:

a) complexidade estrutural, segundo o qual uma categoria mais marcada tende a ser

maior que a não-marcada correspondente;

b) distribuição de freqüência, de acordo com a qual a estrutura marcada tende a ser

menos freqüente do que a estrutura não-marcada correspondente;

c) complexidade cognitiva, segundo a qual a estrutura marcada tende a ser

cognitivamente mais complexa do que a estrutura não-marcada, no que diz respeito a

esforço mental e tempo de processamento.

De acordo com os autores, existe uma tendência geral para que esses três critérios de

marcação coincidam. A correlação entre os três critérios seria o reflexo mais geral da

iconicidade.

Para Givón, a marcação é um fenômeno que depende do contexto e deve ser explicado

com base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos e biológicos. O exemplo que o

autor apresenta diz respeito à tendência para a inserção do agente como sujeito e tópico da

oração (caso não-marcado) refletiria uma norma cultural.

Cunha et al. informam que outra observação feita por Givón é a de que a marcação

não se restringe às categorias lingüísticas, mas poderia estender-se a outros fenômenos, como

a distinção entre discurso formal e conversas espontâneas.

Para PEZATTI (2004:209), a ordenação dos constituintes não é uma propriedade

profunda das línguas naturais, mas um mecanismo de expressão superficial que, em maior ou

menor grau, pode ser empregado para codificar relações subjacentes em seqüências

atualizadas.

De acordo com a autora, esse princípio teria as seguintes conseqüências:

a) as estruturas subjacentes de oração das diferentes línguas não diferem

necessariamente na ordenação dos constituintes ;

b) não haveria razão para postular-se uma ordem básica para uma determinada

língua; haveria,sim, uma coexistência de diferentes padrões;

c) não existiria uma separação entre línguas de ordem relativamente livre e

relativamente fixa.

A autora informa que existe uma tendência à: a) preferência por manter constituintes

com a mesma especificação funcional na mesma posição funcional; b) atribuir certas

categorias gramaticais e a constituintes na função de tópico ou foco – particularmente no

início da oração; por uma ordenação de constituintes da esquerda para a direita.

Dentre os principais pressupostos de tal teoria, interessa também a este trabalho a

noção de estatuto informacional dos constituintes na oração, ou seja, a representação do que é

velho ou novo na informação. Isto porque, no discurso jurídico, as informações precisam

transcorrer um percurso que muitas vezes se consideraria desnecessário em textos de outra

natureza.

Além disso, como dito anteriormente, para muitos a noção entre o dado e o novo pode

diferir em um mesmo texto, visto que no saber de alguns a norma antecede o fato e, para

outros, o contrário. Por isso, entende-se como importante a contribuição a ser estabelecida

por este estudo, que tem o interesse não de solucionar tal conflito, mas fornecer caminhos

para um maior entendimento da questão.

Nesta pesquisa, as idéias concernentes ao que é velho ou novo são de suma

importância, principalmente no que diz respeito à análise de como se estrutura o raciocínio do

operador do Direito quando constrói um determinado texto. Parte-se da chamada causa

próxima ou da causa remota- cujo entendimento na doutrina jurídica é de certa forma obscuro.

Para a autora, o estatuto informacional da sentença “é uma forma de empacotamento

da mensagem, sendo fundamentalmente uma questão de crença do falante presumir que

determinado item está ou não na consciência do ouvinte.” (2004:181) Nessa perspectiva, a

informação velha seria transmitida de forma mais fraca e estaria sujeita à pronominalização,

ocorrendo o contrário com a informação nova. A noção de consciência é de extrema

importância para a interpretação de um dado como velho ou novo. O que o falante presume

estar na consciência do ouvinte seria a informação velha, enquanto o que o falante assume que

o ouvinte ainda não conhece, a informação velha.

Outra noção importante para a feitura deste trabalho leva em conta a questão do ponto

de vista e fluxo de atenção. De acordo com essa noção, todas as línguas têm são dotadas de

mecanismos para marcar a importância comunicacional relativa das várias entidades e eventos

na sentença e no discurso. A autora postura que fenômenos como marcação de caso,

concordância verbal e ordem dos constituintes seriam os marcadores principais do fluxo de

atenção e do ponto de vista lingüísticos.

O discurso jurídico é um ambiente em que não se constroem textos neutros. Requer-se

uma objetividade, no entanto o ponto de vista do locutor estará presente a todo momento. De

acordo com tal noção, o fluxo de atenção determinaria a ordenação linear dos SNs. Os SNs

são apresentados na seqüência desejada pelo falante para que o ouvinte atente para ele. A

base do fluxo de atenção natural seria a ordenação temporal de fases do evento, de modo que

a ordenação dos SNs na sentença deveria refleti- la. Para a autora, seria necessária uma

motivação especial para que o fluxo de atenção lingüístico não refletisse o fluxo de atenção

natural. Por isso, quando tal fato ocorre, o fluxo de atenção lingüístico torna-se fortemente

marcado.

Um bom exemplo de como tal dado se realizaria no discurso jurídico estaria presente na

construção da narrativa dos fatos na petição inicial. A narrativa tende a ser mais objetiva

quando é linear, ou seja, segue a ordem cronológica. No entanto, muitos autores preferem

construir seus textos começando pelo que acham mais relevante, e não necessariamente na

ordem em que os fatos se dão. Para grande parte dos operadores do Direito, essa é uma

estratégia temerária, visto que sua eficácia não é garantida.

Isso se dá pelo fato de uma estrutura estruturalmente mais marcada tende a apresentar

maior complexidade. A ordenação alinear é mais marcada e há grandes possibilidades de

serem produzidos maus textos quando dela fazem uso, sem que haja uma experiência

necessária em tal tipo de construção.

O trabalho de Dwight Bolinger aborda como a entoação e a linguagem gestual estão

envolvidos em níveis mais amplos de comunicação. O autor apresenta uma análise funcionalista e

conservadora de fenômenos morfossintáticos, idealizando a correspondência de uma forma para cada

função. Cabe ressaltar, neste ponto, que, apesar de ser o ideal funcionalista essa relação um para um,

esta não ocorre por conta das forças de economia Lingüística .

Talmy Givón, em seu livro On Understanding Grammar, apresenta um manifesto contra o

formalismo e busca parâmetros explanatórios e pragmáticos para explicar as estruturas lingüísticas.

O autor faz três grandes contribuições à gramática funcionalista. A primeira é uma série de análises

funcionalistas que abasteceu a teoria funcional contra o formalismo. A segunda é mostrar como

vários parâmetros pragmáticos (existência e referencialidade; correferência e descrição definida;

verdade, fato e pressuposição, etc.) diferem de seu sósias lógicos. Neste ínterim, apresenta evidências

de motivações funcionais em estruturas gramaticais. A terceira contribuição é uma série de análises

função/ forma de vários fenômenos gramaticais.

Em trabalhos recentes, o autor tem tentado criar um modelo funcionalista atrelado a funções

de ordem cognitiva como marcação, iconicidade, grau de transitividade, ordem comunicativa, figura-

fundo, grau de topicidade e contraste.

Segundo Nichols (1984), o trabalho de Givón apresenta controvérsias , pois o autor não

reanalisa a estrutura baseando-se em uma função, nem, tampouco, analisa a função em qualquer dos

seus sentidos . Seus argumentos de que a Lingüística deveria explicar a estrutura e não apenas

descrevê-la e que a estrutura suporta a explicação função/ contexto são bem aceitos, no geral, mas

considerados falhos pelos formalistas.

Givon’s work is controvertial. He does not offer a reanalysis of structure based on function: neither does he offer an analysis of function (in any of its senses). His contribution is an articulation of functionalist assumptions about the structure-function relation. His arguments that linguistics should explain structure (and not merely drecribe it), that structure be functional/ context component, are generally well received (although, a formalist critique, claims these arguments are flawed.” (Nichols, 1984: 111) 13

Sandra Thompson e Charles Li sugerem a classificação das línguas em línguas de sujeito , as

quais gramaticalizam esta função, e as línguas de tópico, as quais tem a noção discursivo-pragmática

de tópico como proeminente.

Paul Hopper e Sandra Thompson estabelecem a transitividade como fruto de covariância entre

os dez parâmetros apresentados abaixo. Desta forma, uma estrutura seria considerada mais ou menos

transitiva conforme o seu encaixe nesses parâmetros.

13 O trabalho de Givón é controvertido. Ele não oferece uma reanálise da estrutura baseada na função: nem oferece uma análise de função (em nenhum aspecto). Sua contribuição é uma articulação de noções funcionalistas sobre a relação função-estrutura. Seu argumentos de que a lingüística deveria explicar a estrutura (e não meramente descrevê-la), de que a estrutura é componente funcional do contexto, são geralmente bem recebidos (embora a critica formalista trate esses argumentos como falhos).

4.1.2 Figura e Fundo na narrativa jurídica

Uma outra questão de grande importância para esta pesquisa diz respeito à transitividade

e relevância discursiva. Autores como Hopper e Tho mpson (1980) entendem que os usuários

de uma língua constroem as sentenças de acordo com seus objetivos comunicativos e com sua

percepção das necessidades do ouvinte. Para os autores, em toda situação de fala algumas

informações são mais relevantes do que outras, destacando-se de um fundo que lhes dá

sustentação. Os pontos principais do discurso seriam tratados como figura em oposição ao

que se chama de fundo, a informação de sustentação.

A estratégia de se colocar uma sentença em relevância é bastante comum no texto

escrito. No discurso jurídico, por exemplo, é uma estratégia adotada de forma tácita, muitas

vezes. Apenas a experiência do falante faz com que determinados autores produzam

determinados textos, enfatizando alguns elementos.

HOPPER e THOMPSON (1980:56) entendem que não existe apenas um traço

responsável pelo fenômeno, mas um conjunto deles. Para os autores, tanto mais uma sentença

será figura, quanto mais alto for seu grau de transitividade.

De acordo com PEZATTI (2004:190), “a transitividade é tradicionalmente entendida

como uma propriedade global da oração inteira, de tal modo que se carrega ou se transfere

uma propriedade de um agente para um paciente.” Dessa forma, implicaria a existência de

pelo menos dois participantes e uma ação.

Hopper e Thompson pensaram nos seguintes traços para a composição da transitividade:

ALTA BAIXA

A. Participantes 2 ou mais, A e O apenas 1

B. Cinese ação não-ação

C. Aspecto perfectivo não-perfectivo

D. Pontualidade punctual não-punctual

E. Intencionalidade intencional não-intencional

F. Polaridade afirmativa negativa

G. Modo real irreal

H. Agentividade agentivo não-agentivo

I. Afetamento do objeto afetado não-afetado

J. individuação do objeto individuado não-individuado

Quadro 2: Características da transitividade

Tendo em vista essa perspectiva, CUNHA et al. (2004:37) propõe alguns exemplos

extraídos de uma narrativa que recontava o filme Batman :

1. Batman derrubou o Pingüim com um soco.

2. A mulher Gato não gostava do Batman.

3. Esse rio tem uma forte correnteza.

4. Então o Pingüim chegou na festa.

Os autores esclarecem que, segundo a formulação de Hopper e Thompson, 1. é a que

ocupa lugar mais alto na escala de transitividade, uma vez que contém todos os dez traços do

complexo, a saber: a) dois participantes; b) verbo de ação; c) aspecto perfectivo; d) verbo

punctual; e) sujeito intencional; f) oração afirmativa; g) oração realis (modo indicativo); h)

sujeito agente; i) objeto afetado; j) objeto individuado.

De todas as orações, a que apresentaria grau mais baixo de transitividade, de acordo com

a proposta de Hopper e Thompson, seria a número 3, pois apresentaria apenas dois traços

positivos: modalidade realis e polaridade afirmativa.

De acordo com a proposta descrita, o maior ou menor grau de transitividade de uma

sentença refletiria a maneira como o falante estrutura seu discurso para atingir seus propósitos

comunicativos. “A universalidade do complexo de transitividade parece residir no fato de que

os parâmetros que o compõem estão relacionados ao evento causal prototípico.” (p.38) Ou

seja, um agente animado causa intencionalmente uma mudança física perceptível de estado ou

locação em um objeto. Dessa forma, os parâmetros da transitividade assinalam elementos

salientes no discurso.

O grau de transitividade de uma oração reflete sua função discursiva característica, de

modo que orações com alta transitividade assinalam porções centrais do texto,

correspondentes à figura, enquanto orações com baixa transitividade marcam as porções

periféricas, correspondentes ao fundo.

Por figura entende-se, segundo CUNHA et al., aquela porção do texto narrativo que

apresenta seqüência temporal de eventos concluídos; já fundo, à descrição de ações, e eventos

simultâneos à cadeia da figura, além da descrição de estados, de localização dos participantes

da narrativa e dos comentários avaliativos.

Ao aplicar a noção de figura e fundo a outros tipos de texto que não a narrativa

Martelotta (1998) mostrou que um tipo de texto pode servir de fundo a outro tipo textual, ou

seja, um trecho narrativo, por exemplo, pode servir de fundo, em um contexto maior não

narrativo.

Na pesquisa ora empreendida tentar-se-á enxergar esse tipo de evidência, principalmente

porque, entende-se, no discurso jurídico a dicotomia figura\fundo não é de todo resolvida,

uma vez que uma das grandes discussões da área é justamente o que subjaz o quê: a norma

subjaz o fato ou o contrário?

Por conta disso, mais à frente se observará a possibilidade e entender que, por conta da

própria estruturação dos textos jurídicos, entende-se que o fato é que, na verdade, subjaz a

norma. Vista de outra forma a questão, nem se discutiria a necessidade de uma ciência do

DIreito.

4.2 A LINGÜÍSTICA TEXTUAL

4.2.1 A definição de texto e discurso

Para Fávero e Koch (2007:26), a idéia de texto seria a daquilo que designaria toda e

qualquer manifestação de capacidade textual de um ser humano, seja um poema, uma música,

uma pintura etc. Para as autoras, texto seria, então, qualquer tipo de comunicação realizado

por meio de signos. O entendimento das autoras não se atém à idéia de linguagem verbal

apenas. Entretanto, deve ficar clara a noção de que esta tese privilegia a linguagem verbal

escrita em sua modalidade formal. Portanto, o escopo de significação da palavra texto vê-se

bastante delimitado nesta pesquisa.

Já o discurso seria uma atividade de comunicação dos falantes numa situação dada,

que englobaria o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (e por seu interlocutor) e o

evento da enunciação. O discurso se manifestaria, dessa forma, por meio de textos. O

entendimento do papel de cada uma dessas manifestações é importante no discurso jurídico

por conta da eficiência que se queira alcançar na produção dos argumentos. Ao entender o

procedimento lingüístico adequado a adotar, além do material com que se está trabalhando, o

advogado certamente conseguiria melhores resultados em sua produção. Além disso, não se

“esconderia” em tecnicalidades para não evidenciar suas dificuldades na produção, o que

também teria como resultado uma melhor leitura por parte de leitores não- iniciados.

O texto consistiria em qualquer passagem, falada ou escrita, que formaria um todo,

independentemente de sua extensão. Seria um contínuo comunicativo que se caracterizaria

por um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto. Apesar das várias

definições que se podem encontrar sobre a expressão, a apresentada por Koch e Fávero parece

a adequada ao que se utiliza na pesquisa aqui empreendida.

O entendimento do que é texto se faz necessário, uma vez que essa noção permeará a

pesquisa como um todo. São diversos os materiais tratados como texto dentro do discurso

jurídico. Às vezes apresentam-se textos dentro de textos – como é o caso de relatórios de

sentenças, acórdãos, pareceres etc. -, que apresentariam uma configuração aparentemente

independente, mas que fariam parte de um material maior e não funcionariam sem a

existência de partes que a ele se uniriam, como a fundamentação, por exemplo, ou a ementa,

em casos de pareceres e acórdãos.

Um mesmo gênero textual não apresenta a mesma configuração no discurso jurídico

em diversas situações. O próprio relatório, que, em tese, deveria manter certo afastamento

dos fatos, serve muitas vezes como texto inicial para fundamentação de teses por se apresentar

já valorado. Ao se tentar definir a estrutura desse tipo de material de produção textual, evita-

se falar em questões de ponto de vista. Apesar disso, é prática comum a produção com juízo

de valor.

4.2.2 Histórico da Lingüística Textual

A Lingüística de Texto surgiu na década de 60 e teve preocupação inicial com a

descrição dos fenômenos que ocorrem entre enunciados, ou seja, com a análise transfástica

do texto.

Na década de 70, embora ainda muito vinculados ao estruturalismo, autores como

Thümmel, Rieser e Van Dijk já tentam construir gramáticas textuais. Para Van Dijk, o

falante pode produzir/interpretar um número infinito de discursos diferentes, sua competência

seria necessariamente textual. O autor entenderia que toda descrição de frases deve ser

integrada numa descrição de textos. Numerosas propriedades de uma frase seriam funções

interfrásticas de um texto.

Na década de 80, finalmente, iniciam-se as teorias do texto que, conforme o enfoque

predominante, apresentam diversas vertentes, dentre as quais podem ser citadas:

a)Beaugrande/ Dressler - preocupados com o estudo dos padrões da textualidade; b)Weinrich-

direcionado à construção de um macrossistema; c)Van Dijk- voltado ao estudo das macro e

superestruturas textuais; d) linha americana de aná lise do discurso- centrada na questão do

processamento cognitivo do texto; e)grupo de lingüistas franceses- dedicados ao estudo de

problemas de ordem textual e operacionalização dos construtos teóricos para o ensino de

línguas; f)análise da conversação- campo autônomo de pesquisa em diversos países; g) linha

francesa de análise do discurso- de cunho sócio- ideológico, também se constitui investigação

à parte; h) grupo de Ptöfi- voltado, atualmente, para a questão da produção e compreensão

textuais.

Dentre as diferentes visões dentro da própria Lingüística textual, pode-se dizer que,

para Dressler, o texto precisa ser analisado em uma situação comunicativa, sendo necessário o

recurso a outras ciências, tais como a sociologia e a psicologia. Em textos jurídicos, isso é

essencial, pois não se poderia analisar as práticas discursivas presentes no discurso jurídico,

sem que se observassem questões como intencionalidade. E essa intencionalidade é entendida

a partir do momento em que se tem conhecimento sobre o histórico do falante, de sua

comunidade Lingüística etc.

A Lingüística de Weinrich teria por objeto atos de comunicação concretos realizáveis

em textos, em que se transmitiriam ao destinatário instruções destinadas quanto à maneira de

se comportar, para acompanhar devidamente o processo de comunicação. Os textos seriam os

dados primários que se poderiam segmentar em unidades menores.

Dentre os motivos para o surgimento de gramáticas textuais, Fávero e Koch (2007:12)

citam as lacunas das gramáticas de frase, que não davam conta de determinados fenômenos,

como pronominalização, seleção de artigos etc., que poderiam ser estudados no nível da frase.

Entretanto, as autoras ressaltam o fato de que a gramática textual não é uma tal qual uma

gramática gerativa ou funcional, mas que é uma teoria que se propõe a descrever o texto ou

discurso.

A Lingüística do Texto, em toda a sua evolução, apresentou tanto contribuições ao

estudo lingüistico propriamente dito quanto à sua aplicação prática em sala de aula. O estudo

dos mecanismos de coesão, os fatores intervenientes na construção da coerência textual, a

argumentatividade, a visão gramatical de que o texto não pode ser apenas um pretexto para

outros objetivos educacionais, a tipologia textual, etc. são penas alguns dos pontos de grande

contribuição que a Lingüística do Texto acrescentou ao trabalho do professor em sala de aula.

KOCH (1997) conceitua texto como uma manifestação verbal constituída de

elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de

modo a permitir aos interlocutores a depreensão de conteúdos semânticos em decorrência de

da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva.

MUSSALIN E BENTES (2004:259) entendem que essa seria a melhor definição para o

termo, que apresenta conceitos variados. Quando se fala em construção de sentidos para o

texto, deve-se levar em conta que um texto será incoerente se o produtor não souber adequá- lo

à situação, levando em conta intenção comunicativa, uso de recursos lingüísticos etc. Caso

contrário, será coerente.

Cabe ressaltar, entretanto, que nem todos os leitores, como a própria autora afirma, são

cooperativos. O que se deve também ressaltar é como essa falta de cooperatividade se torna

concreta. No discurso jurídico isso se torna claro quando entendemos que em peças iniciais de

processo não há interação entre as partes. Pode-se dizer que há uma mediação de um juiz, que

é um leitor com papel delimitado. Interessante nesse aspecto é o fato de que, quando se faz

uma leitura cooperativa – em casos, por exemplo em que o juiz entende a função social de

uma decisão independentemente do que determina a norma processual – tem sua atuação

questionada.

Ao apresentar tal informação, Bentes apresenta o exemplo de uma leitura malfeita, no

caso, por um jornalista da revista Veja. Ela entendeu que o jornalista não teceu críticas

construtivas às letras de músicas que analisara, simples por preconceito lingüístico, ou por

fazer uma análise superficial.

No caso de textos jurídicos, o produtor do texto, principalmente na petição inicial, não

deve contar com um destinatário cooperativo. O juiz manifesta-se, num mesmo texto, tanto

como um leitor que precisa de todas as informações necessárias para conceder um

determinado Direito, como um leitor extremamente cooperativo quando se trata demenções

normativas ou doutrinárias.

O juiz não pode fazer inferências por princípios. Por exemplo, existe no âmbito do

discurso jurídico, o chamado Princípio da Congruência, de acordo com o qual o pedido deve

estar de acordo com a fundamentação. Também por Princípio, o juiz não pode apreciar um

pedido se ele não foi formulado, mesmo que esteja claro para ele.

Os estudos em LingüísticaTtextual se diferenciam dos demais (como os da Lingüística

Estrutural, por exemplo) pelo fato de procurarem ir além dos limites da frase na análise de

fatos lingüísticos. A teoria procura introduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e a situação da

comunicação, que são excluídos de pesquisas de base estruturalista.

De certa forma, esse tipo de teoria é complementado pelas idéias apuradas no campo da

pragmática, uma vez que o âmbito de investigação se estende do texto ao contexto - entendido

como o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos textos.

A proposta teórica da Lingüística Textual aplica-se a este trabalho, na medida em que o

papel do sujeito aparenta ser diferente no discurso jurídico, uma vez que fatores de

textualidade, que se aplicariam a qualquer gênero textual, ou discursivo, não se aplicariam ao

texto jurídico. Por exemplo, o produtor de qualquer gênero textual jurídico não pode utilizar-

se de implicaturas. Fatores como intencionalidade, propostos por Beaugrande e Dressler

(1981) estariam excluídos.

Isso se torna mais claro, por exemplo, na produção de uma petição inicial. O juiz não

pode apreciar um pedido que não foi feito, mesmo que se torne claro determinado Direito da

parte autora. O Direito não permite aos produtores de texto liberdade de ação. Os autores

devem submeter-se ao código processual, que determinará os procedimentos a serem adotados

tanto na produção do material escrito, quanto nos encaminhamentos. O código processual

civil, por exemplo, determina que tipo de linguagem deve ser adotada no texto; que esse texto

deve ser claro e objetivo; que deve apresentar, necessariamente, partes como pedido, valor da

causa, fatos, fundamentos e qualificação. No entanto, as distorções não deixam de crescer na

produção dos textos jurídicos.

4.3 A ANÁLISE DO DISCURSO E A PRODUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO

Embora não a teoria lingüística utilizada para construir as análises presentes neste

trabalho, deve-se levar em conta que os pressupostos teóricos encontrados na Análise do

Discurso são também passíveis de discussão, por conta de observarem dados que vão além do

texto. Questões ideológicas que, porventura, se discutam nos textos analisados acabam por

mencionar, mesmo que de maneira subliminar, elementos dessa teoria. Dessa forma a

apresentação de suas características se faz importante. Cabe ressaltar que se trata de uma

apresentação básica, sem que se tenha a preocupação de utilizar nomenclaturas próprias da

AD no decorrer da pesquisa.

MAINGUENEAU (1997:15) explica que a “AD lança um olhar específico sobre o

domínio do discurso e não há de ser por que ela ocupou o espaço que a filologia deixou vago

que este olhar será desqualificado: todas as atividades das ciências sociais estão

inevitavelmente situadas, a AD não escapa à regra.”

O autor faz uma distinção em que tenta deixar bastante clara as características da AD

francesa e da anglo-saxã. Ele afirma que o dominio da AD é ilimitado, uma vez que costuma

recorrer a tipologias funcionais (discurso jurídico, religioso etc.) ou formais (discurso

narrativo, didático etc.). Ao tentar atribuir estatuto de ciência à AD, o autor afirma que se

pode construir uma infinidade de objetos de análise.

Para Maingueneau, a AD se inscreve no espaço lingüístico e justifica seu raciocínio ao

explicar que o que se entende por AD, fora do entendimento da AD francesa, seria bastante

diferente. A AD anglo-saxã teoricamente não seria uma disciplina da Lingüística, ao contrário

da AD francesa. De uma maneira simplificada, tenta, por meio da tabela que segue,

diferenciar os dois campos de análise do discurso:

AD francesa AD anglo-saxã

Tipo de discurso Escrito

Quadro institucional

doutrinário

Oral

Conversação cotidiana

Comum

Objetivos

determinados

Propósitos textuais

Explicação –forma

Construção do objeto

Propósitos comunicacionais

Descrição-uso

Imanência do objeto

Método Estruturalismo

Lingüística e história

Interacionismo

Psicologia e sociologia

Origem Lingüística Antropologia

Quadro 1: Comparativo entre AD francesa e AD anglo-saxã.

O problema em se atribuir estatuto de ciência à AD está no fato de que, como o próprio

autor afirma, não haver harmonia pré-estabelecida entre os objetos. Na verdade, nem se

identificaria harmonia na metodologia de análise dos fenômenos descritos. Segundo o autor, o

cientista não teria prioridade em analisar um fenômeno específico em detrimento de outro.

Portanto, não fica tão claro assim o caráter científico da disciplina.

Trata-se, na verdade, de problema relativo ao objeto, uma vez que, mesmo um discurso

específico, delimitado, apresenta amplitude tal, que não permite enxergar adequadamente os

fenômenos lingüísticos. Isso se se leva em consideração que a Análise do Discurso vá

trabalhar com elementos essencialmente lingüísticos, pois, quando a AD caminha em direção

a aspectos sociológicos, ou a outras ciências, pode não ser entendida como uma teoria

lingüística propriamente dita.

4.3.1 Lingüística forense: uma subárea da AD

O que se chama hoje de Lingüística Forense,que seria uma área dos estudos

discursivos a investigar e, ao mesmo tempo atuar, no mundo real, poderíamos tratar como, na

verdade, um ramo da Análise do Discurso, quiçá, da Análise do Discurso Crítica. Como parte

de seu trabalho, conforme COULTHARD (2004), lingüistas forenses confrontam - se com

desigualdades lingüísticas impostas por grandes corporações ou por outros grupos

institucionais poderosos como a polícia e a lei. Dessa forma, essa forma de analisar textos

jurídicos não se trataria de uma teoria lingüística strictu senso, mas uma disciplina de suporte

para análise de fenômenos ligados à área do Direito, com o objetivo de apresentar soluções

para problemas sociais advindos de relações de poder.

De acordo com o autor, tem havido uma tendência de tribunais e cortes em vários

países usarem a experiência de lingüistas em casos de disputas em figurem textos escritos.

(Isso sem levar em consideração experiências que levem em conta conhecimentos

lingüísticos, como o trabalho em laboratórios de fonética, que envolvem profissionais da área

de fonoaudiologia em parceria.

São citados pelo autor casos em que a evidência lingüística tem sido usada. De acordo

com seus dados, variam de disputas sobre o significado individual de morfemas num caso de

‘trademark’, e de palavras isoladas (por exemplo, quando o juiz aconselha os membros do júri

sobre algum aspecto da lei, autoria de palavras e sentenças em casos de plágio, ou mesmo

acusações da invenção de textos completos. Geralmente, o/a lingüista usa as ferramentas

analíticas usuais para chegar a uma conclusão/opinião (da análise morfológica até a

discursiva). Importante observar que a análise deve passar pela sintaxe e pela morfologia,

evidenciando-se como ferramenta.

Alguns casos levantariam questões novas e interessantes para a Lingüística descritiva,

segundo o autor. Tais questões precisariam de pesquisa básica, como por exemplo, que

metodologia o/a analista deve usar para medir a ‘raridade’ e, portanto, o valor evidencial de

expressões individuais, ou a confiabilidade da memória verbal.

Com relação ao papel do lingüista, Coulthard explica que depois de ter feito a análise e

ter chegado a uma conclusão, o/a lingüista confronta-se com dois problemas interacionais:

em primeiro lugar, como ele/ela pode melhor transmitir, num relatório para uma audiência leiga, os dados lingüísticos descobertos, e em segundo lugar, se chamado/a para testemunhar pessoalmente no tribunal, como lidar com as regras interacionais que envolvem advogados fazendo perguntas ao perito, aparentemente em nome do tribunal, enquanto que as respostas têm que ser diretamente endereçadas ao juiz e/ou ao júri (e não ao advogado).

Nesse aspecto, torna-se mais difícil a questão do interrogatório do advogado de

acusação. Durante esse interrogatório, o perito, que jurou obedecer à máxima Griceana 14 de

14 GRICE (1995) estabelece princípios para que uma comunicação se torne eficiente, propondo uma série de

normas conversacionais que tornariam o ato da comunicação mais simples e menos sujeito a problemas de

inteligibilidade. De acordo com o autor, levando-se em conta um princípio de cooperação, estabelecer-se-iam

algumas máximas, que produziriam resultados de acordo com esse princípio e estariam sujeitas a determinadas

categorias, que seriam as de Quantidade, Qualidade, Relação e Modo. Todas obedeceriam ao princípio de

cooperação. À categoria de quantidade corresponderiam as seguintes máximas:

Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido;

a) Não faça sua contribuição mais informativa que o requerido.

Sob a categoria da Qualidade, o autor propõe uma “supermáxima” “Trate de fazer uma contribuição que seja

verdadeira” e duas máximas específicas, que seguem:

qualidade (não mentir), confronta-se com um/a advogado/a não constrito pela mesma regra, e

que aparentemente pode dizer o que ‘acredita ser falso’ e aludir a fatos não totalmente

fundamentados por evidência. Isso já configuraria uma violação da idéia de que a

manipulação do interlocutor seria algo negativo. Nesse aspecto, pode-se dizer que a

manipulação é necessária.

Todos os peritos enfrentam estes problemas de comunicação, mas o/a lingüista tem um

problema adicional e único – todas as pessoas envolvidas numa ação jurídica se acham

‘peritos’ em linguagem. De alguma maneira, deveriam sê- lo, embora não seja o que acontece.

Um advogado deve exercer não somente o seu poder de persuasão, mas também a sua

capacidade de interpretação do fato e da norma, para que chegue a um hipertexto adequado e,

conseqüentemente, a um resultado eficaz.

É na verdade extremamente difícil chamar um/a lingüista para testemunhar sobre o

significado de palavras para um júri, porque os tribunais estão interessados principalmente em

dois tipos de significados: o técnico ou o significado legalmente definido, como por exemplo,

o significado da palavra ‘escurecer’ num estatuto que diz: “Os portões do parque serão

fechados ao escurecer”. Neste caso, ‘escurecer’ significa especificamente ‘30 minutos depois

a) Não diga o que você acredita ser falso.

b) Não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada.

Sob a categoria Relação, o autor propõe a máxima “Seja relevante”, que, embora seja bastante concisa, oculta, em sua opinião, vários problemas como que tipos de foco de relevância podem existir. Para isso, podem ser observados nos textos jurídicos, principalmente em casos de construção de relatórios fatos escolhidos de acordo com sua relevância jurídica. Entende-se que uma informação só merece ser trazida para o texto a partir do momento em que apresente conseqüências jurídicas. Os fatos poderiam ser tratados como juridicamente relevantes; fatos que serviriam para enfatizar os juridicamente relevantes; além dos fatos que serviriam para satisfazer a curiosidade do leitor. Como não se trata de material de leitura para diletantismo, a última categoria de fatos seria normalmente eliminada da construção do texto.

Sob a categoria do Modo o autor inclui a “supermáxima” “Seja claro” e máximas do tipo:

a) Evite obscuridade de expressão.

b) Evite ambigüidades.

c) Seja breve (evite a prolixidade desnecessária).

d) Seja ordenado.

do pôr do sol’. Este é um significado do senso comum, que o júri, sendo um corpo

representativo do homem comum, atribui à palavra. Os membros do júri não têm acesso a

dicionários, por exemplo. Entretanto, há casos específicos – o que até implica interpretações

distintas entre correntes doutrinárias do que seria, por exemplo, o início da noite. Para isso,

pode-se aplicar a interpretação de que noite seria o que segue o crepúsculo, ou a de que a

noite se determina a partir das 20h, por exemplo. Tal noção é importante, visto que não se

pode invadir, mesmo que com mandado, a casa de alguém no período diurno, de acordo com

as normas processuais penais no Brasil.

Em casos em que há uma disputa sobre um determinado significado, um/a lingüista é

chamado/a. Seu papel é geralmente restrito ao de uma espécie de “guia turístico semântico” –

o de dar ao tribunal uma visão sobre a natureza do problema, que irá dar subsídios aos

membros do tribunal para que cheguem a uma conclusão. Dessa forma, entende-se que o

trabalho de um lingüista em contextos tais vai de analista do discurso a intérprete da própria

língua, para facilitar o trabalho forense em alguns contextos.

4.3.2 A particular visão de Ducrot e similaridades com a AD

Desvencilhando-se da semântica formal, a semântica argumentativa, se aproxima da

análise textual, da análise de discurso de origem francesa e também de uma certa pragmática.

O trabalho de Koch (1993) atesta o vínculo com a Análise Textual, a pesquisa recente de

Guimarães com a Análise de Discurso, e o trabalho atual de Ducrot (1995) sobre os Topoï

está fortemente ligado a uma certa tradição pragmática, aquela que acredita ser possível

calcular as inferências. Ora, em trabalho em que se privilegia a análise de textos formais

como este, não se poderiam analisar determinados fenômenos sem a menção de tal teoria.

Cabe a ressalva de que a teoria ora exposta tem valor maior para este trabalho no que tange à

nomenclaturas específicas a serem trabalhadas, como dito anteriormente. Não se quer o

entendimento de que serve como base teórica para toda a análise apresentada.

De acordo com Fávero e Koch (2007:49), Ducrot sustentaria a necessidade de se partir

para um estruturalismo do discurso, que abriria a perspectiva para um estudo macrossintático

ou semântico argumentativo da língua.

De acordo com a Semântica Argumentativa, parte-se da noção de sujeito e objeto para

do discurso, no intuito de se identificarem diferentes vozes presentes em um texto, além da

relação existente entre essas vozes. Essa perspectiva de estudo tem como extremamente

importante a idéia de topos, que seria aquilo que garantiria o encadeamento argumentativo. A

noção de topos é essencial, pois trataria do ponto em comum compartilhado por locutor e

alocutário.

O entendimento de topos perspassa a noção de que deve ser uma crença comum a uma

comunidade da qual produtor e receptor fazem parte; deve ser geral e deve ser gradual. Vê-se

que as características do topos seriam essenciais para o entendimento da produção da norma

jurídica por exemplo. Em sua concepção, a norma deve ser abstrata, deve considerar o bem

comum, além de relacionar toda uma sociedade.

De acordo com essa perspectiva, trar-se-ia ao ponto de vista do alocutário uma

orientação argumentativa, calculável de acordo com regras explícitas, de tal modo que essas

orientações permitiriam prever o valor argumentativo dos enunciados. Para os autores, a

significação das frases e dos morfemas que a compõem conteria instruções sobre como os

enunciados deveriam ser interpretados com referência à situação discursiva. As frases teriam

por característica obrigar o intérprete a determinar a conclusão para a qual essas frases

apontam.

A teoria indicaria também que a significação da frase comportaria a indicação de vazios

a serem preenchidos e a indicação de todo um leque de possibilidades quanto à maneira de

preenchê- los, o que levaria a uma multiplicidade de sentidos. Tal perspectiva seria, no

entanto, de difícil observação em textos de natureza jurídica. De alguma forma, também

corroboraria a idéia de que o discurso jurídico difere dos demais por conta de não prever esse

preenchimento proposto por Ducrot.

Ainda sob a perspectiva da Semântica argumentativa, interessante se faz salientar o

entendimento de que o texto não apresenta caráter monológico. Tanto o sujeito locutor

quanto o seu destinatário são sujeitos ativos em constante diálogo. Um existe em função do

outro.

Outra noção de importância para esta pesquisa está presente no que se entende por

polifonia, algo recorrente no discurso jurídico. Há todo momento se fazem menções e

referências a um universo de vozes. Todas as vezes em que se utilizam paráfrases e citações,

adentram o texto de um enunciador outros enunciadores com o papel de reforçar um ponto de

vista, informar um dado, ou seja, de manter a linha de raciocínio do discurso. Poder-se- ia

dizer que qualquer texto jurídico, por exemplo, seria polifônico, visto que não haveria a

menor possibilidade de dissociar as informações de um fato das justificativas presentes no

Direito.

Assim, permeiam o discurso jurídico vozes que seriam consideradas de autoridade –

com o papel de reforçar uma determinada tese -, além de uma voz pública que seria a da

norma – e essa voz é obrigatoriamente pressuposta, uma vez que ninguém pode alegar em sua

defesa o desconhecimento das leis, praticamente impondo a polifonia a qualquer que faça

parte do discurso jurídico.

O autor entendia que a significação seria como um conjunto de diretrizes sobre a

maneira como a situação deve ser levada em conta. Assim, todo o sentido do enunciado se

veria influenciado pela estrutura semântica da frase. De alguma maneira, é assim que deveria

ser entendida toda produção no discurso jurídico, uma vez que só se produzem textos nesse

ambiente com o intuito de se convencer alguém de um ponto de vista. Mesmo as seqüências

tipológicas em que esse papel argumentativo poderia ser relativizado, se entenderia uma

ferramenta de fundamentação de raciocínio.

5. GÊNEROS, TIPOLOGIAS, MODALIDADES

5.1 OS DOMÍNIOS DISCURSIVOS NA VISÃO DE MARCUSCHI

Quando se discutem questões relativas à produção de textos jurídicos, acaba-se entrando

numa seara um tanto desconhecida para grande parte dos estudiosos da lingüística. Isso acontece

porque se exige do autor um alto grau de formalidade, além de conhecimento substancial do rito

processual. Assim sendo, é necessário ao produtor desses gêneros conhecimento das normas de

produção propostas não apenas por uma gramática de texto, mas pelas próprias normas do direito

processual.

Por exemplo, um texto relativamente simples, como é o da petição inicial, teoricamente

não exigiria do seu produtor uma formação em direito. No entanto, é bastante difícil para o leigo

apresentar um caso concreto de forma clara, acrescentando uma fundamentação jurídica adequada.

Mesmo assim, só existe essa possibilidade nos chamados juizados especiais, sendo, portanto, pouco

provável, que alguém com uma causa mais complexa deixe de procurar um advogado.

O interessante na observação do que é necessariamente o texto jurídico passa pela noção

de que, na verdade, não existe um texto jurídico, mas sim vários, ou seja, o que há é um discurso

jurídico, ou um domínio discursivo jurídico, em que se realizam diferentes gêneros textuais.

MARCUSCHI (2002: 22) estabelece critérios para que se entenda o que é tipo de texto,

gênero textual e domínio discursivo. Para o autor, a expressão “tipo de texto” seria utilizada para

designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição.

Esses tipos de texto poderiam ser divididos em categorias como narração, argumentação, exposição,

descrição e injunção.

O autor usa a expressão “gênero textual” para textos que apresentam “características

sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição

característica.”(2002:23) O número de gêneros textuais não poderia ser identificado, sequer

imaginado, justamente por suas características sócio-comunicativas, pois, à medida que surgem novas

necessidades, o homem formula novos gêneros.

Para o autor (2002:23), texto seria uma espécie de entidade concreta realizada em

algum gênero textual, enquanto discurso seria tudo aquilo que o texto produz ao se manifestar

em alguma instância discursiva.

O autor utiliza, ainda, a expressão domínio discursiva com que designa uma esfera de

produção discursiva ou de atividade humana. Para o autor, esses domínios não são textos nem

discursos, “mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos.

Fala-se, então, em domínios discursivos como o discurso jornalístico e o discurso jurídico. O discurso jurídico, por exemplo, é uma espécie de domínio em que se identificam vários sub-gêneros

como a petição inicial, a contestação, as alegações finais, a sentença, o acórdão etc., cada um com características formais distintas.

Esse domínio discursivo prima pela riqueza da tipologia textual presente nos diferentes gêneros, ou seja, um gênero específico poderia apresentar,em seu conteúdo trechos narrativos, dissertativos, descritivos, expositivos e injuntivos, ao mesmo tempo. Por conta disso, seguem as características principais de textos com a Petição inicial, a Contestação, a Sentença e o Acórdão.

Abaixo seguem trechos de uma petição inicial em que se podem vislumbrar diferentes tipologias textuais, de acordo com o padrão estabelecido por Marcuschi. No texto, propõe-se ação de revisão de contrato contra instituição bancária.

Exemplo (1)

DOS FATOS

O Autor, o Sr. Jorge Pessoa Maranhão, mantém junto à Ré a conta corrente bancária de n° 96092491, na agência do BANCO n° 02 008, sendo certo que, com ela firmou Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial.

Ocorre que, apesar desta constar da ficha cadastral, o Autor não recebeu cópia do citado Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente.

Decorreu algum tempo sem qualquer problema, até que, a partir do final do ano de 1997, começou a passar por dificuldades financeiras, o que o obrigou a se utilizar do crédito do cheque especial.

Dentro do que lhe era possível, face à precariedade de seus vencimentos, inclusive

contando com auxílio de seus familiares, o Autor vinha tentando saldar regularmente suas

obrigações para com a Ré. Ou seja, toda vez que a Demandada fazia um lançamento de

débito em sua conta corrente o Demandante, pessoa cordata, que nunca discutiu os

importes que lhe eram imputados, depositava o suficiente para cobrir tais débitos. (Ação

de revisão de contrato cumulada com repetição de débito)

No trecho apresentado está claro que prevalece a narração, por conta da

seqüencialização dos fatos, além do emprego de tempos verbais do pretérito (“com ela firmou

Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial.”;

“Decorreu algum tempo sem qualquer problema”). Além disso, fica mais claro para o leitor

que o trecho é narrativo por conta do título atribuído à primeira parte de qualquer inicial que é

“Dos fatos”

Exemplo (2)

DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A ADESIVIDADE CONTRATUAL E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

A doutrina e a jurisprudência, em uníssono, atribuem aos negócios celebrados entre o Autor e a Ré o caráter de contrato de adesão por excelência.

Tal modalidade de contrato obviamente subtrai a uma das partes contratantes a aderente praticamente toda e qualquer manifestação da livre autonomia na vontade de contratar, constrangendo-a à realização do negócio jurídico sem maiores questionamentos.

Felizmente, o Direito reserva grande proteção à parte aderente, cuja expressão de vontade limita-se à concordância quanto a cláusulas previamente estabelecidas.

A legislação pátria disciplina, especificamente no Código de Defesa do Consumidor (arts. 54 e 18, § 2°), os contratos de adesão, estabelecendo normas que coíbem a usura e banem o anatocismo.

O Código Civil dedica inúmeros artigos à proteção da livre vontade do agente na prática de atos jurídicos, sujeitando o infrator às severas penas e trazendo para o injustiçado a benesse de prescrição vintenária em se tratando de relações pessoais.

A Lei n° 8.078, de 11/09/90 (Código de Proteção e Defesa ao Consumidor), define, no art. 54, o que são contratos de adesão, verbis:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade

competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o

consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

O segundo trecho apresenta notadamente caráter expositivo, em sua maior parte, uma

vez que há uma apresentação da Norma jurídica. No entanto, se for levado em consideração

que o trecho virá fundamentar um determinado pedido, poder-se- ia tratá- lo como

argumentativo – como se pode ver no trecho destacado. A leitura isolada do capítulo, dessa

forma, levaria à conclusão de que o trecho é expositivo, contudo ver-se-á adiante que, no

todo, o trecho funcionará como parte de uma estratégia argumentativa.

Exemplo (3)

DO PEDIDO

Posto isto, diante de tudo o quanto restou demonstrado, sem dispensar os doutos suprimentos deste E. Juízo, o Autor requer se digne V. Exa.:

A) deferir a antecipação da tutela propugnada supra, in limine e inaudita altera pars, com fundamento no art. 273, do CPC:

A.1) mandar intimar a Ré acerca do despacho concessivo através de mandado judicial a ser cumprido por oficial de justiça junto a agência citada, situada nas dependências do Lugar conhecido, cujo endereço é conhecido deste E. Juízo e respectivo douto Cartório;

O trecho que envolve o pedido de uma inicial oferece características do texto

injuntivo, como se observa no trecho destacado do exemplo 3, uma vez que se indica um

posicionamento a ser adotado pelo interlocutor.

Assim, fica claro o caráter híbrido do gênero petição inicial. No entanto, há que se

considerar que, de uma forma geral, o discurso jurídico vai apresentar esse caráter híbrido em

outros gêneros também, uma vez que existe a necessidade de se recorrer sempre ao fato (que

determinará a presença de texto narrativo em algum momento), mesmo na construção de uma

argumentação.

5.2 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO: A PROPOSTA DE PATRICK

CHARAUDEAU

Patrick Charaudeau (2008) estabelece critérios outros para o que Marcuschi tratou

como tipologias textuais. Para o autor, o que existe são modos distintos de se organizar o

discurso. Tais modos poderiam ser o narrativo, o descritivo, o enunciativo e o argumentativo.

De um modo geral, haverá coincidência entre os modos narrativo e descritivo e as

tipologias narração e descrição. Entretanto cabe elencar o que o autor trata como essencial na

observação desses modos.

Para o autor determinadas categorias da língua ordenam-se de acordo com a finalidade

discursivas do ato de comunicação, podendo ser agrupadas nos quatro modos de organização

mencionados. Para Charaudeau, os modos possuem (cada um) uma função de base e um

princípio de organização, sendo que a primeira corresponderia à finalidade discursiva do texto

produzido pelo locutor; o princípio de organização seria duplo para os modos Descritivo,

Narrativo e Argumentativo. O quadro que segue resume a visão proposta pelo autor:

MODO DE

ORGANIZAÇÃO

FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DA

ORGANIZAÇÃO

ENUNCIATIVO

Relação de influência

(EU > TU)

Ponto de vista do sujeito

(EU > ELE)

Retomada do que já foi dito

(ELE)

• Posição em relação ao

interlocutor

• Posição em relação ao

mundo

• Posição em relação a

outros discursos

DESCRITIVO Identificar seres de maneira

objetiva/subjetiva

• Organização da

construção descritiva

(Nomear – Localizar –

Qualificar)

• Encenação descritiva

NARRATIVO Construir a sucessão das ações

de uma história no tempo, com

a finalidade de fazer um relato.

• Organização da lógica

narrativa (actantes e

preocessos)

• Encenação narrativa

ARGUMENTATIVO Expor e provar causalidades

numa visada racionalizante pra

influenciar o interlocutor.

• Organização da lógica

argumentativa

• Encenação argumentativa

Quadro 3: Modos de organização do discurso: a proposta de Charaudeau

Charaudeau propõe que o locutor “mais ou menos consciente das restrições e da

margem de manobra proposta pela situação de comunicação” trabalha com as categorias

lingüísticas dispostas em modos de organização do discurso para produzir sentido, por meio

de um texto – que o autor define como manifestação material da encenação de um ato de

comunicação, em contexto específico, com locutor determinado.

Os textos farão parte de um gênero específico de acordo com o contexto do ato de

comunicação. Evidencia o autor que “os gêneros textuais podem coincidir com um Modo de

discurso que constitui sua organização dominante quando resultar da combinação de vários

modos.” Para ele, o Gênero científico, por exemplo, seria essencialmente organizado segundo

um Modo argumentativo, apesar de poder conter passagens descritivas e narrativas.

O quadro que segue baseia-se na proposta de correspondência entre modos de discurso

e gêneros textuais, com o acréscimo do entendimento do discurso jurídico, de uma maneira

geral.

GÊNEROS MODOS DE DISCURSO

DOMINANTES

OUTROS MODOS DE

DISCURSO

Publicitários • Enunciativo

(Simulação de diálogo)

• Variável: Descritivo no slogan

Narrativo

(quando se conta uma

história) E

Argumentativo, nas

revistas especializadas

Imprensa

-Faits divers

-Editoriais

• Narrativo e Descritivo

• Descritivo e Argumentativo

• Descritivo e Narrativo

Enunciativo

Pode haver apagamento ou

-Reportagens

-Comentários

• Argumentativo intervenção do jornalista

Panfletos políticos • Enunciativo (apelo) Descritivo

(Lista de reivindicações)

Narrativo (ação a realizar)

Manuais escolares • Variável segundo as

disciplinas mas com a

onipresença do Descritivo e

do Narrativo

Enunciativo (nos

comandos das tarefas)

Mais Argumentativo em

algumas disciplinas

De informação

-receitas

-informações técnicas

-regras de jogos

• Descritivo

• Descritivo e Narrativo

• Descritivo e Narrativo

Relatos

-romances

-novelas

-de imprensa

• Narrativo e Descritivo

Enunciativo

Intervenção variável do

autor-narrador segundo o

gênero

Textos jurídicos

-Petições,

contestações,sentenças

em geral

Habeas corpus

• Narrativo, Descritivo e

Argumentativo e

Enunciativo

• Narrativo

Enunciativo

Apresentação das leis de

uma maneira geral

Quadro 4: Correspondência entre modos de discurso e gêneros

Para Charaudeau, o Modo de Organização Enunciativo é “uma categoria de discurso

que aponta para a maneira pela qual o sujeito falante age na encenação do ato de comunicação

(...) (p.81)”. Destaca o autor que esse Modo pode apresentar três funções, a saber:

• Estabelecer uma relação de influência entre locutor e interlocutor num comportamento

ALOCUTIVO;

• Revelar o ponto de vista do locutor, num comportamento ELOCUTIVO;

• Retomar a fala de um terceiro, num comportamento delocutivo.

Marcuschi entendia como injunção a tipologia que Charaudeau trata como Modo

Enunciativo. O autor francês tece mais comentários sobre tal modo, que seria o mais presente

nas seqüências tipológicas em textos jurídicos. De uma maneira geral, como o intuito do

produtor do texto jurídico tem essa preocupação de influenciar o modo de pensar de seu(s)

interlocutor(es), a presença da enunciação – na perspectiva de Charaudeau – seria mais

marcante no discurso chamado jurídico.

Sobre o chamado Modo Descritivo, o autor o define como procedimento discursivo

que consiste em ver o mundo num “olhar parado”, que faz existir os seres por meio das

qualidades, nomeações etc. que lhes caracterizam. Ressalte-se que, a todomomento, o autor

deixa claro que esse modo de organização do discurso poderá estar presente como auxiliar da

narração, por exemplo. Charaudeau deixa claro, também, que o modo conta com três tipos de

componentes indissociáveis: nomear, localizar-situar e qualificar. De acordo com o autor,

descrever é “identificar os seres no mundo, cuja existência se verifica por consenso.”

O autor sugere que toda descrição existe em relação de outros modos de organização

sem, entretanto, ser dependente, adquirindo sentido em relação a esses outros modos.

Característica marcante do modo descritivo seria o fato de não poder se fechar em si por uma

lógica interna. Tal fenômeno explicaria o porquê de se poder resumir relatos e argumentações,

mas não se fazer o mesmo com a descrição. Com relação a regularidades a discursivas, o

autor explica que não existe um percurso obrigatório para a construção do descritivo. Apesar

disso, Charaudeau lista uma série de procedimentos discursivos e lingüísticos de base para

esse modo de organização.

Na visão do autor, componentes do princípio de organização seriam implementados

por alguns procedimentos discursivos tais quais nomear, localizar e qualificar. O

componente nomear suscitaria procedimentos de identificação; o componente localizar,

procedimentos de construção objetiva do mundo; o componente qualificar, procedimentos de

construção objetiva ou subjetiva do mundo.

O terceiro modo de organização proposto pelo autor é o Narrativo, que é caracterizado

pela ação de contar. Para que um texto seja considerado narrativo, deveria apresentar,

necessariamente: um contador investido de uma intencionalidade de querer transmitir alguma

coisa a alguém. Contar seria uma atividade posterior à existência de uma realidade, que

passaria a existir por meio desse universo (p.154).

Em uma distinção entre o Narrativo e o Descritivo, o autor explica que o primeiro leva

a descobrir um mundo que é construído numa sucessão de ações, enquanto o segundo faz

descobrir um mundo que se apresentaria como imutável. Ficaria clara aí a idéia de que a

narração apresenta caráter dinâmico, enquanto a descrição é estática. Poder-se-ia estabelecer

a relação entre o modo Descritivo e a fotografia; o modo Narrativo e o vídeo, por exemplo. O

Descritivo organizaria o mundo de uma maneira taxionômica; enquanto o Narrativo, de

maneira contínua numa lógica cuja coerência é marcada pelo seu próprio fechamento. (p.157)

A ação de contar é necessariamente posterior a uma realidade – que deve ser passada –

e que, segundo o autor, “tem a propriedade de fazer surgir, em seu conjunto, um universo (...)

que predomina sobre a outra realidade, a qual passa a existir através desse universo. De

acordo com o autor, o modo de organização narrativo se caracteriza por uma dupla

articulação, que seriam a) a construção de uma sucessão de ações segundo uma lógica e b) a

realização de uma representação narrativa, que faz com que essa história se torne um universo

narrado.

A diferenciação entre os modos descritivo e narrativo é de grande relevância na

construção de textos jurídicos, visto que, muitas vezes, relatórios, que, teoricamente, seriam

textos em que predominaria a narração, constroem-se por meio de descrições. Ao se responder

a uma pergunta como “O quê?”, para dar conta de uma possível narração, pode-se construir

também um trecho descritivo, quando se estabelecem etapas de um processo, por exemplo.

Isso porque uma enumeração de procedimentos, como se faz em uma sentença, mesmo com

sucessão de procedimentos, estaria mais próxima do modo descritivo que do Narrativo.

O quarto e último modo apresentado pelo autor é o argumentativo, que levaria em

conta um saber construído a partir de experiências, a partir das quais se estabeleceriam

determinadas operações de pensamento. Nas palavras do autor argumentar seria uma

atividade discursiva que, do ponto de vista do sujeito argumentante, participa de uma dupla

busca: a de uma racionalidade e a de uma influência com um ideal de persuasão.

Esse modo teria por função permitir a construção de explicações sobre asserções feitas

acerca do mundo numa dupla perspectiva do que o autor chama de razão demonstrativa – que

se construiria por meio de uma lógica formal- e razão persuasiva, construída a partir de um

conhecimento de mundo e de uma relação entre provas e argumentos, em uma relação de

causalidade.

O autor entende que a relação argumentativa é construída a partir de uma relação de

causalidade, e as relações lógicas de implicação e explicação estariam destinadas a expressá-

la. Por conta disso, as articulações lógicas são construídas tendo como ponto de partida as

relações de causalidade de uma maneira geral.

Charaudeau ainda lista uma série de procedimentos que constituirão a chamada

encenação argumentativa. De acordo com o autor, o propósito da comunicação se dá em

função da situação e da maneira pela qual o locutor percebe o seu interlocutor. Os

procedimentos que fazem parte dessa encenação teriam por função validar o ato de

argumentar, contribuindo para produzir aquilo que tende a provar a validade de uma

argumentação.

O autor propõe três procedimentos básicos, que seriam: a) semânticos, b) discursivos e

c) de composição. O primeiro passaria por domínios de avaliação (de Verdade, Ético,

Estético, Hedônico, Pragmático); e de valores. O segundo procedimento poderia constituir: a)

definição; b) comparação; c) descrição narrativa; d) citação; e) acumulação; e f)

questionamento. O terceiro procedimento poderia levar em conta a) uma composição linear

ou b) classificatória.15

15 Não cabe neste trabalho analisar a fundo a proposta de Charaudeau, por conta disso detalhes de sua pesquisa acabaram não entrando nessa resenha.

5.3 OS GÊNEROS DO DISCURSO NA VISÃO DE BAKHTIN

A utilização de um filósofo da linguagem como estratégia para discutir gêneros

textuais leva em conta critérios comuns à própria elaboração desta pesquisa. Tenta-se oferecer

mais de uma perspectiva de tratamento do fenômeno, mais de uma forma de apresentação

para que se alcance uma compreensão mais ampla.

BAKHTIN (2003), em análise do que se trata por gêneros do discurso, afirma que o

emprego da língua se efetua por meio de enunciados, que refletiriam as condições específicas

de cada campo da atividade humana. No seu modo de ver, as finalidades de cada campo se

dariam por seu conteúdo, estilo linguagem empregada (seleção de recursos gramaticais,

lexicais etc.) e por sua composição. Ele explicita que cada enunciado é individual, mas cada

campo de utilização da língua elaboraria tipos estáveis de enunciados, que o autor denomina

como gêneros do discurso.

Assim como os outros autores, Bakhtin deixa claro que a diversidade dos gêneros do

discurso é infinita, assim como sua riqueza. Se um campo de atuação se torna mais

complexo, pode exigir que se desenvolvam novos gêneros discursivos, que se podem

desenvolvera partir das inesgotáveis possibilidades que a língua oferece.

Interessante é a proposta de diferenciação entre gêneros primários (simples) e

secundários (complexos) proposta pelo autor. O autor define que os gêneros secundários

surgem nas condições de um convívio cultural complexo, desenvolvido e organizado. Os

gêneros primários se desenvolveriam nas condições da comunicação discursiva imediata.

Conforme a proposta estabelecida por Bakhtin, que trata como gêneros complexos

romances, dramas, pesquisas científicas – além de deixar claro que o gênero complexo se

desenvolve mormente na escrita -, o discurso jurídico, objeto ora em estudo seria parte desse

gênero.

De acordo com a proposta do autor, a vontade discursiva do falante se realiza na

escolha de um certo gênero do discurso, e essa escolha seria determinada pela especificidade

de m dado campo da comunicação discursiva, pela situação concreta da comunicação, por

considerações semântico-objetais etc. A intenção discursiva do falante é adaptada, então, ao

gênero escolhido.

5.4 DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS NO DISCURSO JURÍDICO

Tendo como ponto de partida a proposta de Marcuschi, seguem as características dos

textos jurídicos que se analisarão nesta pesquisa. Ressalta-se que a caracterização de muitas se

assemelhará, principalmente por conta da parte narrativa. Entretanto deve-se observar que

cada peça tem a sua finalidade e existe por uma razão de ser específica. Assim como não

existe mais de uma palavra com o mesmo significado, assim são as peças processuais. Para

cada relação jurídica e etapa de um determinado processo, constrói-se peça específica.

Ressalte-se o fato de que não se trabalhou com um processo específico por conta, por

isso definem-se peças de mais de uma área do direito. Assim, além da inicial e da

contestação, também se apresentarão características de denúncia. Entende-se que isso ajudará

na compreensão do discurso jurídico de maneira mais ampla.

O autor expande a importância dos gêneros do discurso, evidenciando a importância

que têm na organização do discurso, tal qual o fazem as formas gramaticais. Tanto que, como

exemplifica o autor, identifica-se o gênero já a partir das primeiras palavras proferidas (ou

lidas) por alguém. Consegue-se prever com será um determinada construção composicional.

5.4.1 A Petição Inicial

A petição inicial é o primeiro texto a ser produzido em processo civil um advogado,

independentemente de suas habilidades argumentativas, deve apresentar um texto de inicial

(Ou exordial, ou peça vestibular) com um mínimo de coerência e coesão, uma vez que é

dirigida a um órgão jurisdicional, vai ser apreciado por um juiz, que pode indeferir um

determinado pedido, simplesmente pelo fato de o texto estar mal escrito. Isso acontecendo,

traça-se um perfil do advogado que poderá macular sua carreira como um todo.

A petição inicial é a peça que inicia o ato processual, sendo a primeira seguida por

todas as demais. Segundo LUZ (1997:74), seria a inicial o instrumento pelo qual o autor (o

que se sente lesado de alguma forma) solicita ao juiz a prestação jurisdicional para o seu

direito, propiciando o início da ação ou do processo judicial. Destaque-se o fato de que, para

a produção de efeitos legais, é necessário que a inicial obedeça a alguns preceitos dispostos no

código processual civil, determinados pelo artigo 282.

A inicial sempre é dirigida a um juiz ou a um tribunal qualquer. Nesse aspecto, o

interlocutor deve estar claramente identificado, visto que, se houver um de endereçamento,

como o envio do texto para uma vara diferente da que realmente se destinaria, o processo

pode perder em celeridade, e a parte autora ter seu direito prejudicado.

Na parte seguinte, existe o espaço para a qualificação das partes envolvidas, com

nomes, prenomes, CPF, identidade, domicílio e residência. Esse trecho também é essencial,

para que a parte autora possa garantir seu direito, e para que a parte ré possa ser localizada e

comunicada de que a citam no processo.

Após a qualificação das partes e a definição do tipo de ação envolvida, inicia-se a

parte textual propriamente dita. Na parte denominada de “Dos fatos”, tem-se a oportunidade

de narrar os fatos ocorridos. Neste trecho, o advogado, em tese, não deveria inserir dados de

fundamentação jurídica, devendo ater-se aos fatos, comprovando-os, quando necessário, com

a inserção de provas documentais.

Na parte intitulada “Do Direito”,o autor deve fundamentar seu texto juridicamente,

utilizando as fontes do direito aplicáveis ao caso em discussão, a saber, atos normativos

(Constituição Federal, leis, Portarias etc.), doutrinas etc. Todas essas fontes são necessárias

para defender um posicionamento, pois oferecem subsídios para o advogado defender os

direitos de sua parte.

A parte “Do Pedido” é aquela em que se observa o que realmente quer a parte autora.

O pedido pode ser de natureza objetiva (no caso uma espécie de requerimento), quando não

depender do arbítrio do julgador, ou de natureza subjetiva, quando há esse tipo de

dependência.

O texto se encerra com o valor da causa, que vai depender do tipo de ação impetrada

para ser calculado.

5.4.2 A contestação

A contestação é a peça processual utilizada para responder a uma inicial. Basicamente

apresenta a mesma estrutura da peça vestibular, no entanto não há a necessidade de narração

dos mesmos fatos presentes em uma inicial. A parte representada pelo advogado no texto da

contestação é denominada convencionalmente de parte ré. Nesse tipo de texto, atacam-se os

pontos básicos da narrativa da inicial, que porventura venham a ser vulneráveis, ou com os

quais a parte ré não concorda.

A contestação, no entanto, não é a única forma existente de responder a uma inicial,

havendo outros gêneros, como a convolação e a exceção, por exemplo. Não há nesses

gêneros uma atribuição ao valor da causa, mas a parte do pedido permanece.

Para a contestação é necessária uma retomada dos fatos narrados preliminarmente na

inicial com uma espécie de resumo. No decorrer do texto, haverá a necessidade de retomada,

eventualmente, dos fatos como um todo para que se possa negá- los, argumentativamente.

A construção obedecendo a uma ordem cronológica com seleção prévia de fatos, algo típico

das iniciais, não acontece nesse gênero. Há uma análise dos fatos que são entendidos como inverdades

e defende-se de possíveis acusações ali presentes. Os personagens centrais de uma contestação são os

mesmos da inicial, todavia o produtor é o advogado da chamada parte ré – que mudará de designação,

dependendo do tipo de ação. Não existe relação necessária entre réu e culpa, porém pelo senso

comum associa-se a idéia de um ao outro.

5.4.3 A denúncia

Assim como a petição inicial é a peça vestibular do discurso jurídico na área cível, a denúncia

tem o mesmo papel na área penal. Uma das diferenças básicas está na autoria processual. Apenas o

Estado pode propor uma denúncia. Não é, portanto, papel da pessoa natural produzir tal material. O

Estado é representado nesse tipo de peça por um representante do Ministério Público (MP), que será

um(a) promotor(a) público.

Os tipos de texto/modos de organização do discurso identificados nessa peça são equivalentes

àqueles que fazem parte de uma petição inicial. Nele se encontra a narração, a descrição, a

argumentação e a injunção, tal qual ocorre na exordial.

A denúncia é apenas uma das possibilidades para dar continuidade ao inquérito policial, pois o

MP poderá requerer o arquivamento do inquérito – em casos de autoria desconhecida ou de fato

atípico (não houve crime), ou não havendo provas-, requerer a devolução dos autos para que se

procedam novas diligências, ou mesmo requerer a remessa dos autos ao juízo competente.

De acordo com o art. 41 do Código de Processo Penal, são requisitos da denúncia:

• A exposição do fato;

• A qualificação do acusado;

• A classificação do crime;

• Quando necessário, o rol de testemunhas.

Assim como na Inicial, a denúncia deve estar endereçada ao órgão jurisdicional adequado;

devem estar definidas a parte autora e a parte ré; a exposição dos fatos deve levar em conta todas as

circunstâncias em que ocorrera – data, horário, concurso de agentes, meios e modos de execução,

agravantes, questões quanto à aplicação da pena etc.

A denúncia deve conter, ainda, a classificação da infração penal, pedido de citação e

notificação do agente para interrogatório, indicação do procedimento a ser seguido e indicação das

provas a serem produzidas.

Como se pode observar, assim como na petição inicial, também na denúncia aparecerão as

diferentes tipologias, o que exigirá do produtor habilidade na produção do texto. Dessa maneira,

entende-se que tanto nesse gênero, quanto em sentenças, os problemas de ordem textual seriam

minimizados, visto que os produtores seriam teor icamente mais qualificados. Isso porque passariam

por um processo de seleção rigoroso para exercerem sua função, dentre os quais a habilidade na

produção de texto.

5.4.4 A sentença

Sentença jurídica é o ato do juiz que decide determinada questão posta em juízo, resolvendo o

conflito de interesses que suscitou a abertura do processo entre as partes. A sentença cumpre a

finalidade essencial de solucionar uma questão posta em julgamento.

Em antiga redação do Código de Processo Civil afirmava-se que a sentença era o o ato do juiz

que punha término ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. No entanto, atualmente o

entendimento não é o mesmo, visto que, mesmo após a sentença, o processo continua, já que muitas

vezes se faz necessária a liquidação da sentença e/ou sua execução.

Assim sendo deve-se entender a sentença como o ato do juiz pelo qual o mesmo julga a causa

em seu mérito de forma parcial ou plena, rejeitando ou provendo seus pedidos (em sua totalidade ou

não) ou ainda, quando for o caso, é o ato do juiz pelo qual o mesmo extingue o processo, sem julgar-

lhe a causa, por uma das causas do art. 267 do CPC.

Se a sentença julga o mérito, diz-se que é definitiva, porque compõe a lide. Nos demais casos

é meramente terminativa, pois põe fim ao processo sem lhe resolver, entretanto, o mérito.

Os requisitos de uma sentença estão expressos no artigo 458 do Código de Processo Civil e

são essenciais:

a) relatório: é o resumo do que contém nos autos como a qualificação das partes, quais as pretensões

do autor, as razões que fundaram seu pedido, a resposta do requerido/réu, além do registro de tudo que

ocorreu no transcorrer do processo, descrevendo-os em seus termos essenciais, até a o momento da

sentença.

A falta do relatório acarreta nulidade da sentença. Se existente o relatório, ainda que muito

sucinto, é válida a sentença. É o documento que vai assegurar à parte vencedora o seu direito.

b) fundamentação: são as razões que levaram o juiz a decidir dessa ou daquela forma. Revela a

argumentação seguida pelo juiz, servindo de compreensão do dispositivo e também de instrumento de

aferição da persuasão racional e lógica da decisão. Sua falta também gera nulidade.

O juiz não pode deferir ou indeferir um pedido sem fundamentar. No Brasil, cada prova não

tem um valor pré-determinado pela lei. O juiz é livre para decidir desde que o faça em consonância

com as provas dos autos e fundamente sua decisão, o que é chamado princípio do livre convencimento

motivado ou princípio da persuasão racional.

O juiz somente pode decidir sobre questões propostas no processo. Se analisar fora do pedido

a sentença, nessa parte, será nula, no meio jurídico é chamado de extra petita . Se foi julgado além do

pedido é chamado ultra petita. Ao contrário se o juiz não analisar todos os pedidos é a chamada citra

petita .

c) dispositivo: é a conclusão, o tópico final em que, aplicando a lei ao caso concreto segundo a

fundamentação, acolhe ou rejeita no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor.

A falta de dispositivo não leva à nulidade, mas ao fato da sentença ser considerada como

inexistente. É esta parte da sentença que transita em julgado – qusndo não cabem mais recursos de

qualquer ordem. O que é contido na fundamentação não transita em julgado.

5.4.5 O habeas corpus

De acordo com Alexandre de Moraes, “habeas corpus é uma garantia individual ao direito de

locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a

ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo - o direito do indivíduo de ir, vir e

ficar.” Poder-se-ia somar a essa definição a de José Cretella Júnior que afirma ser o habeas corpus

ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, isenta de custas e que visaria a evitar

ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

A redação do Art. 654 do CPP determina que “O habeas corpus poderá ser impetrado

por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.” Com

relação aos elementos presentes no texto, encontra-se, no parágrafo 1o :

A petição de habeas corpus conterá: a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça; b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor; c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências.

A redação de um texto dessa natureza será, portanto, basicamente narrativa e

descritiva, como previsto no próprio CPP. O fato por si só justificaria a aceitação do pedido,

desde que, pela sua observação, se identificasse ilegalidade de entidade coatora.

6. A IDEOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO

Como dito alhures, o texto jurídico tem em sua origem característica que o distinguem dos

demais textos produzidos em distintos domínios discursivos. Primeiramente, cabe a consideração de

que nesse gênero textual tenta-se preservar o caráter autoral. Segue-se uma tradição filológica de uma

forma para um sentido, o que, para alguns, se traduziria como a utopia do legislador, ao querer atribuir

apenas um sentido para suas construções. Isso quando se trata do texto normativo.

O texto doutrinário e a jurisprudência, que são outras fontes primárias do direito, acabam por

querer acrescentar sentidos novos, interpretações distintas pra o que o legislador entendia como algo

passível de apenas um entendimento. Assim, tanto doutrina, como jurisprudência, ao adicionarem

novas possibilidades de entendimento da norma, contribuiriam para que decisões se tornassem mais

justas.

A partir disso, entende-se que uma teoria que desse conta do compreensão do processo de

produção do texto jurídico deveria levar em consideração não apenas uma perspectiva filológica de

análise das construções, mas também os diferentes elementos que contribuíram para a gênese do

discurso.

Segundo POSSENTI (2004:380),

(...) a AD pretende ocupar o espaço da filologia , operando em relação a ele com procedimentos fundados em outras conepções de língua, de autor-sujeito

e de conjuntura. Em suma, a AD rompe com a concepção de sentido como projeto de autor; com a de um sentido originário a ser descoberto; com a concepção de língua como expressão das idéias de um autor sobre as coisas; com a concepção de texto transparente, sem intertexto, sem subtexto; com a noção de contexto cultural dado como se fosse uniforme. (380)

De acordo com o autor, a relação língua-mundo não é clara e unívoca, nem poderia ser

explicitada por uma teoria semântica universal. Seguindo essa proposta, a língua teria um

funcionamento parcialmente autônomo, “segundo processo discursivo de que se trata numa certa

conjuntura” (idem).

Partindo dessas premissas, compreende-se que a AD seria a teoria lingüística a explicar o

funcionamento do discurso jurídico da melhor maneira. Seria ela a teoria a partir da qual se

entenderiam melhor as lacunas e se encontrariam as melhores maneiras de preenchê-las, sempre

observando a relevância social, já que o sentido não se construiria no texto de per si, mas a partir do

conjunto de observações e dados das diferentes áreas do saber, de onde viriam os diferentes sentidos.

Sucede que, para o estabelecimento de ordem consolidada, o Estado precisa de textos de

caráter coercitivo, de caráter explanatório, que não apresentem ambigüidades e que mantenham a

ordem social. Assim, o papel da AD se vê, de certa forma, bloqueado, ou, em outras palavras,

diminuído, visto que sua proposta de análise já não se utilizaria de início.

Uma vez que a AD não se apresenta como uma teoria lingüística strictu senso, já que sua

especialidade é o campo do sentido, não se poderia utilizá-la como único instrumento de análise dos

gêneros textuais presentes no discurso jurídico. Embora não seja tratada como anti-lingüística, faz-se

necessária uma adição de outras teorias que possam vir a dar conta da análise desse tipo de material.

Levando-se em consideração o fato de que a interpretação das normas, além do caráter

gramatical/filológico, pode ser de caráter histórico, sociológico, teleológico etc., entende-se que uma

teoria lingüística strictu senso também não daria conta dos sentidos porventura construídos. Posto isso

o emprego de uma teoria do discurso se faria relevante, mesmo que a título referência a ser contestada,

para que se chegasse a termo a uma melhor maneira de se entender o texto jurídico.

Assim, discussões tais que questionem se toda língua – como proposto por Lacan (apud

Possenti (2004)) – seria uma alíngua16 não caberiam nesta pesquisa de maneira aprofundada, ou

mesmo superficial, entretanto discute-se que a ambigüidade – exemplo citado pelo autor- não seria

16 Citando Milner (1987), Possenti afirma que a alíngua é antes de tudo a língua materna; depois, qualquer língua. A alíngua seria o registro que consagra ao equívoco.

algo intrínseco a qualquer das línguas, visto que o direito não poderia trabalhar com essa

possibilidade.

As análises feitas neste trabalho devem levar em consideração aspectos que vão além da

análise lingüística pura, mas que também observe o caráter interpretativo que advém da pesquisa no

direito. Não se pode analisar o discurso jurídico sem que se observem, também, as conseqüências que

a elaboração de uma lei, ou a aplicação dessa lei de maneira razoável ou positiva podem apresentar nas

relações sociais. É importante observar, também, qual relevância no trato social esse discurso traria.

De que maneira se poderia construir um discurso efetivamente acessível, justo, mas, ao mesmo tempo,

de caráter controlador? Isso porque o Estado necessita desse controle para que as relações entre os

indivíduos se mantenham de maneira ordeira.

6.1 OS PAPÉIS SOCIAIS E A PRODUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO

O entendimento de que o texto normativo é um instrumento de controle social do estado

encontraria respaldo na idéia de que a inacessibilidade não somente aos serviços do judiciário, como

também à justiça, interessa a uma parcela da sociedade. Grosso modo, poder-se-ia dizer que isso se

trataria de uma distorção do entendimento de DURKHEIM (1968:61), que ensina ser o crime algo

necessário, uma vez que é indispensável à evolução do direito e da moral. Ou seja, haveria o paradoxo

de que o judiciário promoveria uma espécie de exclusão, antes de fazer a justiça propriamente dita.

Tal exclusão se evidenciaria justamente no discurso. A questão básica é se há alguma forma de

se corrigir tal problema. A hipótese básica é a de que solução haveria, entretanto não seria algo que

preencheria por completo os anseios sociais. Isso porque a parcela detentora do poder, a quem

interessariam as lacunas, as protelações, não se satisfaria. Assim sendo, uma vez que a

representatividade social dessa parcela é maior, todo procedimento de aceleração de processos e

agilidade, com o intuito de promover a justiça, seria travado.

O juiz, como representante do Estado, exerce papel social com determinações que podem tanto

facultar-lhe determinados poderes na interpretação do texto normativo e do fato a analisar. Contudo há

o entendimento de que não extrapolará esse papel, mesmo com o entendimento de um bem maior, que

seria a justiça.

6.2 O NORMAL E O PATOLÓGICO NO ENTENDIMENTO DE JUSTIÇA

Durkheim assevera, quando da distinção entre normal e patológico17, que o crime é algo

normal. Assim, entende-se que a exclusão é um fenômeno social também normal nos termos que

propõe o autor. O papel do advogado é, de alguma forma, tentar reduzir essa lacuna, todavia haverá

limites para isso.

Leve-se em conta, por exemplo, o que se trata por dano moral. Dano moral é algo de

improvável quantificação, tanto que, na produção de uma petição inicial, é tratado como pedido e não

requerimento18.

Questão fundamental é enxergar que é por meio do discurso jurídico, que é produzido a partir

de observações de fenômenos sociais, que se poderia alcançar a justiça. Entretanto, a existência de

mecanismos de controle acabam tornando o texto hermético, sem a possibilidade de ter sentidos

construídos por meio de interação entre autor e leitor. Por conta disso, cabem observações sobre o que

entendem as principais teorias que dão conta da produção do texto e do discurso.

A presente pesquisa não se dá apenas no nível textual, mas também tenta dar conta de como a

produção do texto jurídico é distinta, por conta de o discurso jurídico ter características tais que o

tornam, muitas vezes, inacessível.

De acordo com Neves (1997), a análise do discurso (AD) objetiva debater o discurso de

maneira teórica e metodológica, a partir da observação da linguagem como prática social. Nesse

sentido, a disciplina se oporia à lingüística formal. Na verdade, a AD poderia ser tratada não como

ciência, mas como disciplina auxiliar no entendimento de ciências como é a Lingüística. Assim, este

trabalho, que tem como objeto de estudo textos jurídicos, utiliza-se da AD como suporte para analisá-

los. Ou seja, num primeiro momento utiliza-se a lingüística textual como fundamento, para depois

analisar o processo de construção do discurso, por meio da AD.

Para BERGER e LUCKMAN (2002:104), “toda conduta institucionalizada envolve um certo

número de papéis. (...) Os papéis representam a ordem institucional.” Para ilustrar tal condição, os

17 Em As regras do método sociológico o autor propõe-se a diferenciar o que, socialmente, seria o normal nas relações sociais, e o que seria o patológico. O autor tratava como normais os fatos que apresentavam as formas mais gerais; enquanto os patológicos seriam aqueles que constituiriam exceções. 18 Entende-se, em direito, que existe um pedido e um requerimento na produção de um texto da área cível. Requerimento seria solicitação do autor da ação, algo que lhe é de direito, como, por exemplo, a citação da parte contrária, ou a gratuidade dos serviços do judiciário. Pedido seria algo que não fosse realmente de direito, e que dependesse do arbítrio do julgador. Assim, a indenização por dano moral seria um pedido e não um requerimento, visto que dependeria do arbítrio no que diz respeito ao quantum indenizatório.

autores ensinam que empenhar-se em julgar é representar o papel de juiz, que se relacionará com

outros papéis, cuja totalidade compreende a instituição da lei. Ora, entende-se que o juiz, por não ser

soberano em suas decisões , acaba por não contribuir de maneira efetiva para o cumprimento do que se

enxergaria como justiça. Muitas vezes, o mais justo não é aquilo que se decide, não é aquilo que se

prolata em uma sentença.

BERGER e LUCKMAN acentuam que o juiz pode, em determinadas situações, representar a

integração da sociedade, funcionando como representante do aparelho legitimador dessa sociedade.

Assim, decisões tomadas representariam a vontade não apenas de um beneficiado em um caso

particular, mas toda uma gama de pessoas que por analogia viessem ao judiciário requerer os mesmos

direitos. Daí o valor da jurisprudência para o direito.

Entretanto, outros elementos com função de integração social apresentam lacunas que acabam

levando a críticas e a uma não contribuição à justiça. Casos como o da chamada Súmula Vinculante19,

a cujo conteúdo se deveria recorrer em situações cujos fatos seriam de caráter idêntico. O texto da

Súmula, para isso, não deveria apresentar qualquer tipo de lacuna que viesse a esmaecer sua

determinação - já criticada de início, por apresentar cunho normativo, sem ser produzida pelo

Legislativo, mas pelo Judiciário. Entretanto, severas críticas têm sido apresentadas contra a instituição

das súmulas vinculantes com valor de norma, justamente pelo fato de apresentarem lacunas que

impedirão que se dê conta dos casos de maneira mais completa. Para isso, não haveria necessidade de

complementação de texto normativo com a criação dessa nova possibilidade, que só criaria mais

discurso e menos eficiência.

Com isso, observa-se que o discurso jurídico acaba pecando onde se quer diferente dos outros

tipos de discurso. Na tentativa de se limitar a possibilidade de ambigüidade e estruturas lacunosas,

acaba criando novas lacunas e impossibilidades de interpretação de determinadas construções.

Por exemplo, a própria formatação do texto normativo já impede, de alguma maneira, uma

interpretação mais clara de seu conteúdo. Isso porque, de um modo geral, o texto normativo tem seus

artigos apresentados em únicas frases. Dependendo do conteúdo, essas frases serão mais ou menos

extensas, sendo complementadas em outros trechos – no caso, os parágrafos e os incisos -, que lhe

acrescentarão conteúdo.

19 A súmula vinculante é um mecanismo pelo qual os juízes são obrigados a seguir o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ou pelos tribunais superiores, sobre temas que já tenham jurisprudência consolidada. Dentre os argumentos que mais pesam em favor da súmula vinculante está o da celeridade da justiça, pois, devido à longa demora dos processos, vem sendo o Poder Judiciário, alvo de inúmeras críticas da sociedade.

Assim como, no entendimento de Durkheim, o crime é normal na sociedade, assim também é

a injustiça. Isso pode ser entendido a partir do momento em que o próprio Judiciário prevê a

possibilidade de se recorrer de uma decisão. Ou seja, não se trabalha – aliás, nem se deveria trabalhar-

com a idéia de inafalibilidade da justiça (institucional).

Ora, a injustiça social, tanto quanto a justiça, se exteriorizam por meio do discurso. Quando o

discurso se materializa de forma tal que não se faz claro, ali também se exterioriza a injustiça. A forma

com que se manifestam os julgadores, principalmente, não contribui para a manutenção de decisões

inquestionáveis. Visto que sempre haverá oposição de interesses, é pouco provável que haja, seja em

que circunstância for, uma decisão inquestionável. Assim é mais provável que a injustiça prevaleça,

pois a justiça é apenas parcial.

Retomando o problema criado pela instituição da súmula vinculante, está o entendimento de

que essa estratégia engessaria o trabalho de juízes, que se tornaria autômato. Isso aconteceria, pois

tiraria dos julgadores a possibilidade de interpretar. Em um esforço para se estabelecer uma melhora

processual, o Judiciário acaba por tornar a possibilidade de produção de discurso cada vez mais

hermética.

Mais uma vez observa-se que não há possibilidade de se fugir de um dado social. Deve-se

entender como normal o fenômeno da injustiça, que tem escopo de atuação bem maior que o da

justiça. Normalmente, a justiça contemplará apenas uma parte. Sucede que a injustiça sempre atuará

na segunda parte – a opositora-, além do que poderá atuar naquela que se entende vencedora, pois a

insatisfação com qualquer decisão será entendida como resultado de um injusto.

Toda essa análise se faz necessária na observação do discurso jurídico, que acaba por se tornar

hermético não apenas por conta de um vocabulário extremamente formal, mas também por conta do

preenchimento de papéis sociais: do juiz, do advogado, do Ministério Público (MP) etc. O

estabelecimento de normas certamente prescreverá também interpretações não cabíveis, entendimentos

errôneos a respeito do conteúdo do texto.

Bittar (2006, p.124), ao falar sobre a utopia do legislador, tenta demonstrar que o discurso

jurídico funcionaria como qualquer outro tipo de discurso em que a autoria é relativa. Assim, o texto

jurídico também não estaria imune à interpretação. O texto pertenceria à coletividade após sua

produção pelo legislador.

Sucede que esse legislador, na produção, entende que o sentido produzido deve ser único e

mesmo sua interpretação deve obedecer a critérios pré-estabelecidos, que não permitiriam a um

julgador tomar uma decisão de maneira soberana. Toda interpretação normativa deve levar em conta

critérios históricos, sociológicos, teleológicos, gramaticais etc, que fundarão posteriormente o sentido

a que se quererá chegar.

6.3 A MANIPULAÇÃO DO DISCURSO NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO JURÍDICO

De acordo com Van Dijk (2006), a manipulação do discurso não envolve apenas poder, mas

abuso de poder e dominação. Nas palavras do autor, a manipulação é essencialmente ruim. Entretanto,

o próprio autor entende que a fronteira entre a persuasão e a manipulação é tênue. Ora, deve-se

observar que em qualquer discurso em que se envolva a idéia do poder, a manipulação se fará

presente.

Dessa forma, para uma efetiva atuação do Estado no controle das relações sociais, haverá um

discurso manipulativo, que será reproduzido pela norma jurídica. Ou seja, as relações sociais só se

mantêm de maneira ordeira por conta dessa manipulação.

O autor defende que a prática da manipulação é ilegítima, pois feriria o trato social, visto que

privilegia os interesses de apenas uma das partes em detrimento da outra. Ele acrescenta que a prática

da manipulação fere os direitos humanos do interlocutor recipiente. Para legitimar seu ponto de vista,

o autor cita GRICE (1975) e suas máximas, dentre as quais se encontra a de que o locutor deve sempre

“ser verdadeiro”. No discurso da manipulação, mente-se, ferindo-se, dessa forma, uma das máximas

da conversação.

Um observação a ser feita é a de que se poderia evocar alguns princípios de textualidade

elencados por Beaugrande e Dressler ( ), que é o da intencionalidade. Entende-se que a manipulação

ocorrerá se uma das partes realmente não compartilhar do mesmo conhecimento de mundo do

interlocutor. Seria uma impossibilidade alcançar igualdade social por meio de normas que

identificassem formas de manipulação, como pretende o autor, pois, assim como o crime e a injustiça ,

ela é um elemento normal na prática social. A sua identificação no discurso enriqueceria, inclusive, a

consciência coletiva sobre os seus direitos. Ou seja, é importante dado social que faz com que o

cidadão se entenda como um sujeito de transformação social.

Interessante observar que o discurso de Van Dijk, ao afirmar que a manipulação produz e

reproduz desigualdade, legitimaria práticas imperialistas que enxergassem manipulação em textos de

governantes contra os quais estivessem em alguma disputa, o que acontece com países como Irã e

Venezuela, cujos governantes são acusados de discurso manipulativo.

6.4 A MANIPULAÇÃO NO DISCURSO JURÍDICO

Para uma eficiente produção de resultados em uma argumentação jurídica, o locutor deve ter

em mente a melhor forma de manipular seu interlocutor. Exemplos de interrogatórios, em que um

promotor tente retirar informações de um réu, são típicos atos de manipulação. Dessa forma, não se

poderia entender a manipulação da fala do outro apenas como algo ruim, como propõe Van Dijk. Na

verdade, no domínio discursivo do direito, a manipulação é ferramenta de um bom argumentador.

Por conta disso, poder-se-ia dizer mais uma vez que o discurso jurídico funcionaria de maneira

distinta dos outros tipos de discurso, ou, na verdade, dever-se-ia criar outra forma de se discutir a

formação dos discursos de uma maneira geral, sem necessariamente construir protótipos.

Ainda que se argumente que há em um interrogatório uma relação de poder, poder-se-ia dizer

que assim o é em qualquer argumentação. Há, necessariamente, uma relação de poder entre as partes,

em que a vencedora demonstrará a força maior de seus argumentos. Mesmo sendo o representante do

Ministério Público (o promotor) alguém que faz parte do Estado, de uma de suas instituições, a relação

de manipulação do discurso se faz necessária, sem que isso se traduza em abuso.

Com isso se faz necessária a retomada da discussão sobre o fato de o discurso jurídico

legitimar-se em si mesmo, ou seja, a busca pela justiça é secundária, sendo necessário o

estabelecimento e o cumprimento de determinações normativas. Essas determinações nasceriam, antes

de mais nada, de uma prática de manipulação. Além disso, qualquer operador do direito é ensinado

que a justiça se encontra nas lacunas da lei. Se isso ocorre realmente, não se entenderia a manipulação

do discurso como algo essencialmente ruim.

6.5 HANS KELSEN E A TEORIA PURA DO DIREITO

Ao se levar em conta que o direito se legitima em si mesmo – e isso se pode observar quando a

justiça não se alcança, quando mecanismos processuais, produzidos para satisfazer parcela da

sociedade, interferem e bloqueiam a possibilidade da justiça -, pode-se retomar o raciocínio do filósofo

Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.

Não é papel desta pesquisa analisar de maneira aprofundada teorias filosóficas ou sociológicas

do direito. Entretanto, entende-se que para analisar o discurso jurídico de forma mais aprofundada, faz

necessária observação detida de determinadas teorias, para que se compreendam os mecanismos que

acabam gerando a exclusão da maior parcela da sociedade a supostas garantias.

Kelsen entendia, como positivista que era, que a ciência do direito deveria ser compreendida e

observada como o eram as ciências naturais, deixando-se de lado qualquer tipo de valoração. De

acordo com essa visão, a metodologia seria indispensável para a observação do fenômeno, uma vez

que garantiria a objetividade que se requereria.

Modernamente não se defende o pensamento positivista de Kelsen como algo a ser adotado na

prática do direito justamente pelo fato de se entender o positivismo como doutrina não garantidora de

direitos. Ora, se não se devem considerar valorações de caráter sociológico, filosófico, religioso ou

psicológico, dificilmente se alcançariam soluções justas para grande parte das lides.

Sucede que o pensamento Kelseniano não parece ter sido abandonou por completo, nem se

poderia abandonar no entendimento da norma jurídica, uma vez que a atividade de interpretação do

texto legal pode apresentar caráter formal em maior ou menor escala. Nem sempre a razoabilidade é o

procedimento adotado por julgadores na aplicação da norma.

Tal procedimento pode trazer a compreensão para o direito de que os sentidos podem ou não

ser compartilhados entre os diferentes participantes do discurso. Para a AD, a construção de sentidos

não seria possível com a intenção do emissor apenas, haveria a necessidade do entendimento do

interlocutor para que o sentido se completasse. Entretanto, a partir do momento em que promulga uma

lei, não se deve entender que, para ela, se atribuirão diversos sentidos. O autor – no caso, o legislador

– entende que haverá apenas uma aplicação. A pergunta a ser feita é se isso, de alguma maneira,

contraria os pressupostos teóricos da AD. Aparentemente é o que acontece, todavia análises do

discurso como um todo são necessárias para que se confirme a hipótese.

O exemplo citado alhures sobre súmula vinculante demonstra de que maneira o discurso

jurídico tenta solidificar, a todo momento, a possibilidade de interpretação única, mesmo quando não

há a intervenção do Poder Legislativo. Um ato do Poder Judiciário faria com que interpretações

similares se transformassem em uma única possibilidade, ou seja, ter-se-ia um entendimento uniforme,

mesmo que os casos concretos apresentassem qualquer idiossincrasia que os diferenciasse.

O exemplo da súmula vinculante parece trazer à tona o entendimento de Kelsen a respeito do

que se deve entender por direito. Na verdade, o discurso jurídico serviria para legitimar o próprio

discurso jurídico em si. A justiça seria conseqüência da cientificidade das observações. A partir de

observação de fatos se poderia, em outro momento, desvincular-se de qualquer conteúdo axiológico

em decisões futuras. A partir de uma estratégia indutiva se adotaria uma outra dedutiva, posterior.

6.6 O TEXTO JURÍDICO E O CARÁTER MANIPULADOR

Para WEBER (1972:33), a idéia de poder refere-se à imposição da vontade numa relação

social, mesmo contra resistências. O autor entendia que qualquer pessoa poderia impor sua vontade

numa situação dada. O autor assevera,ainda, que a situação de dominação estaria ligada à existência

de alguém mandando em alguém de maneira eficaz, ou seja, a dominação estaria associada ao fato de

que seus membros estivessem sujeitos a relações de dominação, em virtude de ordem vigente.

Para FOUCAULT (1980:98), numa provável retomada de conceitos weberianos, o poder seria

organizado como uma rede, em que há, ao mesmo tempo, consentimento dos sujeitos-alvos do

domínio, como articulação desses elementos. Em uma rede de poder, em Estado forte, existe a

necessidade de controle, que só será alcançada por meio de uma idéia clara de dominador e dominado.

Caso contrário, não haveria Estado como se conhece.

Uma das características do texto legislativo é justamente a coação, uma vez que necessita

inibir comportamentos que venham a interferir no bem comum. Entende-se que a manipulação se

encontra presente em textos dessa ordem e se faz necessária. Não apresenta caráter negativo como

apregoaria Van Dijk.

Sabe-se que também haverá essa possibilidade – a de haver manipulação per si -, entretanto o

sistema não tem como escapar desse tipo de discurso. Em casos tais como a decisão monocrática do

Ministro Marco Aurélio Mello, em que, por conta de uma clara demonstração de poder, decide

favoravelmente a um aborto – fora das previsões do Código Penal – com vistas a se manter em

evidência na mídia. Ou seja, uma decisão de caráter positivo – para os pais, que, no caso, pleiteavam a

prática do aborto por conta do quadro de anencefalia de seu filho – teria sido proferida com intenções

outras que não apenas o bem da mãe e sua saúde.

De acordo com Van Dijk:

Manipulating people involves manipulating their minds, that is, people´s beliefs, their knowledge, opinions and ideologies which in turn control their actions. We have seen, however, that there are many forms of discourse-based

mental influence, such as informing, teaching and persuasion, that also shape or change people´s knowledge and opinions,20

O raciocínio presente no trecho só se justifica por conta de nos pressupostos teóricos da AD

crítica se levar em conta uma possível transformação do comportamento social por meio do discurso.

Ora, não se pretende apresentar nesta pesquisa um olhar pessimista da sociedade, mesmo porque não

se trata de um trabalho de caráter sociológico. Entretanto, dada a riqueza do discurso e das

possibilidades discursivas de produção de enunciados, deve-se levar em conta que sempre haverá

possibilidades de manipulação em qualquer ato de fala. E, além disso, não se pode olvidar que os atos

de informar, ensinar e persuadir são os meios pelos quais mais se manipulam as pessoas.

Um dos grandes problemas da Análise do Discurso Crítica reside no fato de se situar entre a

lingüística e as ciências sociais sem, entretanto, alcançar nenhuma das duas ciências de maneira

satisfatória. O fato de tentar apresentar dimensões políticas à disciplina com a tentativa de análise de

estratégias lingüísticas gera esse tipo de mau funcionamento da AD.

A tentativa de transformação do mundo por meio de práticas discursivas adequadas não surte o

efeito desejado principalmente pelo fato de não se observarem as idiossincrasias dos diferentes grupos

sociais. A visão aplicada apresenta muitas vezes caráter etnocêntrico, o que descaracterizaria a

cientificidade da disciplina.

Tudo isso pode ser observado na construção de textos jurídicos, que acabam legitimando a

idéia de poder do Estado.

Para Zacchi (2006:88), ao citar Antonio Gramsci, uma visão de mundo hegemônica

expressaria os interesses dos que detêm os meios de dominação, mas deveria levar em conta os

interesses de setores subordinados. A dominação, nesse caso, pressuporia negociações para que se

aceitassem as lideranças.

O que se observa, entretanto, é que, ao tentarem estabelecer de formas se impunha uma

ideologia, os autores deixam claro que é por meio da linguagem, do discurso. Cabe demonstrar se

realmente há um contrato entre diferentes setores sociais, ou se existe, na verdade, uma manipulação

da consciência coletiva, trazendo-se uma falsa impressão de que há realmente discussões para se

exercer o poder.

20 Manipular pessoas envolve a manipulação de suas mentes, isto é, tais como suas crenças, seu conhecimento, opiniões e ideologia o que faz com que se tome o controle de suas ações. Nós temos observado, entretanto, que há muitas formas baseadas no discurso de influência mental, tais como a informação, o ensino e a persuasão, que também moldam o conhecimento e as opiniões das pessoas.

Não é papel desta pesquisa determinar o tipo de ideologia predominante modernamente, mas

entender quais as estratégias lingüísticas de que se utiliza o discurso jurídico para a legitimação desse

poder. O Estado se constrói por meio do discurso, se impõe dessa forma.

Isso é o que se observa hoje por meio de medidas como a adoção textos de caráter legal para

legitimar determinado tipo de desejo da máquina estatal, como na edição de Medidas Provisórias pelo

Poder Executivo, ou mesmo na estratégia de edição das chamadas súmulas vinculantes pelo Poder

Judiciário, o que, de alguma forma, estaria adentrando a esfera do Executivo.

7. METODOLOGIA

A organização da análise leva em conta mais de uma teoria lingüística na observação dos

fenômenos. Fenômenos sintáticos são analisados levando-se em consideração teorias de descrição

morfossintática, como o funcionalismo norte-americano. Assim, num primeiro momento, faz-se uma

observação que leva em conta elementos como prototipicidade, articulação tema/rema, além do

conceito de marcação.

Parte -se, em primeiro lugar, de análise de uma única petição inicial para que sejam observados

os fenômenos lingüísticos de maneira mais superficial. Ali são descritos os tipos de texto em que se

identificam possíveis estratégias argumentativas, além de problemas concernentes à utilização dessas

estratégias. O entendimento é o de que os textos devem ser analisados sob diferentes enfoques,

obedecendo a uma espécie de gradação na análise.

Junto à utilização do Funcionalismo lingüístico, trabalha-se com conceitos da Gramática do

texto na identificação das tipologias. A nomenclatura utilizada é baseada em trabalho de Marcuschi

(2000). Embora se apresentem neste estudo outros trabalhos, como o de Charaudeau (2006),

escolheu-se a nomenclatura de Marcuschi como padronização.

Os nomes utilizados nas iniciais foram modificados pelo fato de alguns processos ainda não

terem sido terminados. A primeira peça obedece também a esse critério. Após esse momento inicial,

ainda haverá outros dois momentos de análise, em que se discutirá a forma de outras peças – no

segundo momento serão analisadas, além de petições iniciais, duas contestações, dois habeas corpus,

três denúncias e três sentenças, independentes entre si. No terceiro momento, serão estudados dois

processos integralmente, analisando-se as peças componentes.

A composição do corpus, como dito anteriormente, é construída a partir do que se chama de

peças processuais, ou seja, textos jurídicos que obedecem a etapas dentro de um processo.

Dependendo da área, as peças vão apresentando características distintas. Por exemplo, na área civil, a

peça que dá in ício ao processo é chamada de petição inicial; na área penal, a peça inicial é chamada de

denúncia.

Na composição da análise tenta-se trabalhar com essas duas áreas do direito para que se

chegue a uma conclusão mais abrangente. Assim, a apreciação das denúncias e dos habeas corpus

levam em conta a área de direito penal, enquanto o restante das peças, o direito civil. Quando da

observação do processo no todo, trabalha-se apenas com processo da área cível, em material

conseguido junto ao Juizado Especial da Comarca de Cabo Frio. Por conta da facilidade e da

objetividade dos textos, deu-se preferência a esse tipo de material.

Partiu-se, inicialmente, da hipótese de que o próprio rito processual impediria uma

modernização do texto jurídico e, conseqüentemente, dificultaria o entendimento daqueles que não

estivessem acostumados à linguagem forense. Tendo essa idéia em mente, analisaram-se fenômenos

como ausência de concordância, inversão de ordem, não preenchimento da posição do sujeito,

preenchimento da posição do objeto, tentando-se identificar se há problemas decorrentes do rito

processual na adequação da linguagem.

As estratégias de argumentação também são observadas separadamente, para, em um

momento posterior, serem discutidas em dois processos. Investiga-se o papel dos sujeitos produtores

dos textos nos diferentes momentos. Parte-se do princípio de que a estratégia de produtores de peças

como iniciais, contestações e denúncias apresentam distinções com relação aos textos de sentenças,

pareceres etc., não por conta dos produtores, mas pela finalidade de cada texto.

Após a análise de cada material obedecendo às etapas propostas, discute-se a questão social

proposta pela Análise do Discurso Crítica, cujo papel social de denúncia de preconceito e outros dados

de injustiça parece irrelevante no ambiente jurídico. A idéia inicial é a de que, independentemente da

vontade do homem, a injustiça se mantém, por conta do fato de o direito se legitima pelo próprio

direito. Assim, não havendo injustiça, cessa a necessidade da ciência do direito.

A harmonização das teorias se dá justamente por não se entrecruzarem na análise do mesmo

fenômeno. Quando se analisam fenômenos morfossintáticos, o entendimento é o de que o

Funcionalismo Lingüístico é a opção mais aceitável para a observação; quando os fenômenos estão no

nível textual - quando da análise de gêneros e tipologias, por exemplo -, a observação parte da

Lingüística Textual. Com relação a nomenclaturas utilizadas e questões mais pontuais, recorre-se à

utilização da AD, que também é discutida em capítulo à parte sobre ideologia.

Os fenômenos analisados são,

1. no nível morfossintático:

• Concordância verbal e concordância nominal nas construções das frases associadas a

outros fenômenos lingüísticos;

• Ordenação dos constituintes nas frases (sujeito, principalmente);

• Sujeito nulo e objeto nulo (a questão do preenchimento ou não dessas posições);

2. No nível textual:

• Figura e fundo;

• Modalização autonímica;

3. No nível discursivo:

• Estratégias de argumentação;

Para a efetiva realização da pesquisa, empreende-se a análise de fontes bibliográficas e

documentais, uma vez que se utiliza da observação de teorias lingüísticas para a

fundamentação e de documentos para a construção do corpus. Eventualmente, recorre-se à

utilização de material bibliográfico por meio de fontes eletrônicas, desde que haja pertinência

comprovada e fonte fidedigna.

Optou-se por uma abordagem em que se privilegiou o raciocínio indutivo, com

construção das hipóteses a partir de observações dos dados. Deu-se uma abordagem

qualitativa à interpretação dos dados, tendo em vista que se trata de objeto extremamente

variável e uma abordagem quantitativa talvez não fosse eficiente no tratamento dos dados.

8. ANÁLISE

Abaixo segue a análise preliminar de dois textos jurídicos de mesma natureza, duas

petições iniciais. Esse primeiro momento serve para serem estabelecidas considerações gerais.

Para a elaboração desta análise, levam-se em consideração fatores como textualidade,

cooperação, articulação tema\rema, que serão apresentados propriamente nesta parte da pesquisa.

Como dito anteriormente, a petição inicial é um gênero textual que tem por característica

apresentar em sua estrutura mais de uma tipologia, nos termos de Marcuschi (2002), pois há um

trecho preambular descritivo, um seqüência narrativa de apresentação da situação de conflito, e

um trecho argumentativo, culminando com pedidos e requerimentos.

Tentar-se-á mostrar que as falhas apresentadas na produção desses gêneros se dão, na

maior parte das vezes, por conta da má interpretação da própria norma jurídica que, ao determinar

a forma com que esses textos devem ser apresentados, limita uma maior cooperação entre autor e

interlocutor. O operador do direito, dessa forma, acaba por se confundir na produção dos textos.

Poder-se-ia dizer que em um texto jurídico a questão da autoria é um pouco mais

delimitada que em um texto de natureza diferenciada. Nesse tipo de material não haveria espaço

para preenchimento de lacunas por parte do leitor, a interlocução não abre espaços para não-ditos.

Não se quererá construir um texto ambíguo em nenhum momento e nem se permitirá.

O papel do juiz como leitor é firmemente definido. Por exemplo, a chamada sentença

extrapetita ocorrerá toda vez que o juiz se pronunciar sobre o que não tenha sido objeto do

pedido, violando o chamado Princípio da Congruência ou Correlação entre pedido e sentença. No

entanto, a sentença extra petita é nula, sempre que o juiz aprecia pedido ou causa de pedir

distintos daqueles apresentados pelo autor da inicial, isto é, quando há pronunciamento judicial

sobre algo que não foi pedido. (GONÇALVES,2005, p.10)

Assim, por maior que seja o direito observado em um texto por um juiz, ele não poderá

apreciá -lo, se o autor da inicial não o propuser, não o dispuser para a análise. Fica clara, por este

exemplo, uma das diferenças entre o texto jurídico e grande parte de textos presentes em outros

discursos, como o midiático, por exemplo, em que grande parte da signif icação e dos sentidos são

de responsabilidade do leitor.

Pela observação de iniciais e contestações até agora, constata -se, como se poderia prever,

que não são todos os textos que apresentam os mesmos problemas, por isso, nesta parte da

pesquisa, analisa-se inicial com características que se poderiam chamar de ideais para a produção

desse gênero textual, além de outras em que erros ocorrem.

Na seqüência, analisar-se-ão trechos de iniciais, cujo texto completo estará disponível em

etapa posterior da pesquisa.

8.1 PERELMAN E TYTECA E A NOVA RETÓRICA NA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Tão claro como o fato de que o discurso jurídico, aos olhos de um não iniciado será sempre algo difícil de ser compreendido é também o fato de ser pautado pela construção de argumentações, que devem ser necessariamente eficazes. O autor de um texto jurídico, para isso, deve compreender que, no procedimento de construção de seus textos, deve privilegiar um raciocínio lógico, se pretende persuadir seu interlocutor de que sua tese é a mais aceitável.

Quem parece ter traçado as estratégias de convencimento de forma mais clara talvez sejam

Perelman e Tyteca (2002). Em primeiro lugar, os autores deixam claro que todo processo de

argumentação pressupõe um contato intelectual, não sendo possível deixar de lado as condições

sociais e psíquicas envolvidas no processo. Saber argumentar pressupõe conhecer o objeto sobre o

qual se discute e saber que existe uma outra parte com a qual se discutirá a respeito do processo.

Para os autores , o mín imo que se requer em um processo de argumentação é a chamada

adesão de espíritos, que exigiria a existência de uma linguagem comum e de uma técnica que

possibilitasse a comunicação.

Um dos grandes problemas na eficácia do processo de comunicação no discurso jurídico talvez seja justamente a não observância dessa necessidade de adesão de espíritos na construção do discurso como propõem os autores. Não se conhecendo as estratégias da parte a que o autor se contrapõe, suas possíveis estratégias e suas prováveis alegações, podem fazer com que o profissional do direito, ao elaborar sua peça processual, não obtenha o sucesso desejado na defesa de sua tese.

Cabe ressaltar que, como afirmam os autores, “querer convencer alguém implica sempre modéstia da parte de quem argumenta”, ou seja, o autor da peça processual deve se interessar pelo estado de espírito de seu interlocutor. Em sua busca pela persuasão do interlocutor, o autor deveria, então, adotar procedimentos como a própria simplificação da linguagem utilizada, o que facilitaria a compreensão das partes envolvidas e uma conseqüente vitória no processo.

8.2 A APRESENTAÇÃO DOS FATOS

Como dito anteriormente, a petição inicial é um gênero textual em que se observam

diferentes tipologias, havendo trechos narrativos, outros descritivos e outros argumentativos.

Parte -se da idéia de que essas tipologias apresentam características que as identificam como tais.

Construir-se-ia uma matriz para cada tipologia em que se evidenciariam traços, possibilitando a

categorização de cada tipo.

A proposta de categorização leva em conta os pressupostos formulados por Taylor

(1995), de acordo com a qual existem elementos centrais e periféricos dentro de uma mesma

categoria. Entende-se que tal estratégia será benéfica para a análise, visto que os gêneros textuais

presentes no discurso jurídico apresentam grande variação na estrutura. A possibilidade de

categorização das tipologias abriria espaço para uma possível categorização dos gêneros textuais

do discurso jurídico por meio de traços.

Por exemplo, o texto narrativo poderia ser definido por apresentar traços como [+factual],

[+ seqüencialidade temporal], [+linearidade], [+circunstanciado] e [+ação concluída]. Tais

traços identificariam um texto narrativo prototípico, em que se traria um fato concreto através do

tempo, em ordem cronológica e com circunstâncias delimitadas – tempo, lugar etc. Entende-se

que se pode construir um texto narrativo sem que haja necessariamente a presença de todos esses

traços, no entanto não se teria, nesse caso, uma narrativa prototípica. O texto argumentativo

poderia ser definido pelos traços [-factual], [- seqüencialidade temporal], [- linearidade] e [-

circunstanciado] e [+delimitação de tese] aparecendo, portanto, como uma espécie de anti-

narração.A descrição se identificaria pelos traços [+caracterização], [+factual], [-seqüencialidade

temporal], [+circunstanciado] e [-delimitação de tese]. De uma forma geral, o texto descritivo

diferencia-se das outras duas tipologias pelo fato de ser estático – em oposição à narração – e de

não apresentar ponto de vista explícito – como acontece na argumentação.

Observe-se que, inicialmente, já na chamada apresentação dos fatos, há problemas

sintáticos, como um erro de concordância. O entendimento do produtor de uma inicial é a de

que deve seguir a proposta apresentada no Código Processual Civil, que preconiza haver uma

necessidade de apresentação de fatos, fundamentos jurídicos, pedido e valor da causa. No

entanto, teoricamente haveria falhas na produção da narrativa, uma vez que o autor, no decorrer

do texto, não se atém ao fato, já se sentindo, de alguma forma, na obrigação de fundamentar,

misturando os gêneros.

A variação na seqüência tipológica é algo bastante comum e que pode vir a dificultar o

entendimento de um juiz sobre o que realmente aconteceu. Entretanto, esse tipo de falha na

produção do texto de caráter jurídico não é identificado como erro, apesar de acarretar problemas

de entendimento. A adequação dos textos à seqüência tipológica ideal faria com que o advogado

pudesse ter mais sucesso em suas argumentações futuras.

Com relação ao item 1, pode-se observar, também, que a quantidade de informações

lançadas é relativamente grande, extrapolando a chamada máxima da quantidade proposta por

Grice. Para confirmar tal tese, leve-se em consideração o grau de informatividade presente em

cada oração, utilizando para isso a porposta de Hopper (1991). De acordo com o escalonamento

proposto para textos narrativos, o trecho 1 apresentaria orações com baixa transitividade.

A Autora vem sendo impedida de obter crédito junto ao comércio desta praça e instituições financeiras que com ela não fazem negócios alegando que existem restrições cadastrais que a impede de operar a crédito, o que vem causando à Suplicante profundo mal-estar, porquanto tem absoluta certeza que todos os seus compromissos financeiros sempre foram honrados com pontualidade e o seu nome não poderia constar como devedora inadimplente em órgãos restritivos de crédito, SERASA, SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CREDITO, etc.

A primeira oração do trecho “A autora vem sendo impedida de obter crédito junto ao comércio

desta praça e instituições financeiras” apresenta as seguintes características:

um participante (com o traço [+ humano]);

verbo de ação;

aspecto não-perfectivo;

não-pontual;;

não-intencional;

ação afirmativa;

sujeito não-agente;

Uma vez que o verbo está na voz passiva, inviabiliza-se a análise da afetabilidade individualidade do objeto.

Observa-se que a transitividade oracional é baixa, o que irá se repetir no restante do período-parágrafo construído. Assim, um trecho que deveria representar o início da apresentação dos fatos que serão os geradores do direito tem uma porção informativa pequena.

De acordo com a proposta de análise em que se estabelece a prototipicidade do texto narrativo, vê-se que não se apresentam traços como [+seqüencialidade temporal], visto que não há uma evolução no fato trazido; [+linearidade], levando-se em conta que não está ordenado. O trecho assemelha-se mais ao que chamamos de exposição se forem levados em conta os traços propostos para essa tipologia textual.

O parágrafo seguinte também apresenta características semelhantes, com diferenças no que se refere à caracterização do sujeito da primeira oração do trecho, no entanto a oração inicial apresenta-se com um grau de transitividade maior, sendo mais informativa que a primeira oração do primeiro período.

A informação desabonadora supracitada causou à Autora profunda vergonha e humilhação, pelo fato de haver sido prestada em presença de clientes das instituições financeiras, pelo fato de haver sido prestada em presença de clientes das instituições financeiras e empresas comerciais que lhe negaram crédito, e indignação pelo fato de ter absoluta certeza de que nada devia à CASA RIO COMESTÍVEIS, o que estranhou tendo em vista que nenhuma

operação efetuou com a Supda. Não fez compra alguma ou qualquer operação creditícia.

Observe-se que a oração apresenta as seguintes características:

Dois participantes;

verbo de ação;

aspecto perfectivo;

verbo pontual;não intencionalidade do sujeito;

ação afirmativa;

modo realis (verbo no indicativo)

sujeito agentivo;

objeto afetado;

objeto individuado.

Levando-se em conta o fato de que se espera do produtor do texto que apresente os fatos ,

de modo que o juiz possa observar um determinado direito, deveria ser utilizada já no início uma

construção que privilegiasse os elementos presentes em um texto narrativo. Por exemplo, o uso

de verbo no pretérito não foi observado no trecho inicial, ale´m de outras características que

marcam essa tipologia textual. Dessa forma, o texto, pelo menos no trecho inicial, e tendo em

vista sua proposta de contar um fato, ficou pouco informativo. Tal problema já é em parte

solucionado no parágrafo seguinte, visto que o autor já se propõe a narrar o fato.

Na seqüência do texto, percebe-se uma linearidade na construção da narrativa, que é

interrompida por um comentário geral. O parágrafo terceiro e o trecho inicial do quarto são

basicamente trechos narrativos. O segundo período do quarto parágrafo, no entanto, já não se

configura como narração. O autor abandona de certa forma a narrativa dos fatos para fazer um

comentário geral sobre a situação de pessoas que sofrem com problemas de crédito.

Percebe-se no trecho uma mudança na tipologia, que passa a ser expositiva. Ou seja, a

proposta dessa parte do texto é a de narrar os fatos. Tudo que é relativo à narração desses fatos

seria considerado figura; tudo aquilo que fosse periférico à observação desses fatos seria

considerado Fundo. Entende-se que o texto seria mais informativo se a porção Figura fosse

maior que a porção Fundo, o que não acontece no trecho.

Tal fato pode levar a um prejuízo na defesa dos direitos de um cidadão, uma vez que o

juiz pode não entender o que realmente aconteceu, ou mesmo enfadar-se de uma produção que

não se atém a fatos , mas a detalhes periféricos, que não contribuem para a compreensão da

situação antijurídica em análise.

O restante do trecho que está sendo tratado como narrativa dos fatos apresenta, a rigor,

apenas mais um trecho realmente narrativo, que se encontra no parágrafo sétimo ( de acordo com

a numeração proposta), a saber:

“a Ré cometeu outro de suma gravidade, não comunicou por escrito à Autora que o seu nome havia sido remetido para o SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO como devedora relapsa”

As duas orações do trecho apresentam o fato, após um longo trecho de descrição de decisões

jurisprudenciais, que são retomadas em trechos posteriores. Assim, pelo trecho citado, observa-se um

dos problemas que tornam o texto jurídico de difícil entendimento e produção: na verdade, parecem

não estar claras para alguns advogados as diferenças entre as tipologias textuais, um vez que muitas

vezes os autores, ao tentarem narrar, constroem fundamentações, e, ao tentarem fundamentar, muitas

vezes narram fatos.

Isso pode ser observado na própria citação da jurisprudência - que se quer expositiva-, em que

o autor constrói um trecho narrativo que não se refere necessariamente ao caso em discussão, o que

poderia,inclusive, afetar o entendimento do texto. Observe-se:

“Não negou a Ré que celebrou contratos de venda com terceiro, que usava os documentos e o nome do Autor, não tendo o menor cuidado em apurar sua autenticidade.

E, o que é pior, levou o nome do Autor ao rol dos inadimplentes, o que, por si só, traduz indizível sofrimento d`alma, e que dispensa qualquer tipo de prova.”

8.3 A OBSERVAÇÃO DO DIREITO

O texto dissertativo apresenta características diversas do texto narrativo no que diz

respeito a elementos como uso de tempos verbais, ordenação alinear das idéias, menor presença

de elementos com o traço [+ humano] na construção das frases.

Há de se ressaltar, no entanto, que sua eficiência está presente na articulação com

tipologias distintas como a narração, principalmente no texto jurídico, uma vez que é necessária

uma referência constante aos fatos para que se faça convencer o julgador dos direitos que

estariam sendo prejudicados.

A idéia que se tem, pela análise feita do caso em discussão, é que o autor acaba por não

observar a máxima da quantidade de acordo com a qual teríamos as seguintes idéias:

Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido;

Não faça sua contribuição mais informativa que o requerido.

Pela leitura do texto entende-se que o autor tentou ser informativo demais e acabou por

tornar seu texto desnecessariamente enfadonho, utilizando-se de uma série de jurisprudências -

que seriam decisões judiciais utilizadas em casos semelhantes como argumentos de autoridade –

que, em vez de demonstrarem uma argumentação eficiente, podem traduzir insegurança.

Observe-se o trecho:

“O art. 186 do Código Civil Brasileiro preceitua que: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e a Lei 8.078/90, que dispõe sobre as relações de consumo, é objetiva ao dispor em seu art. 6, inciso VI, que “um dos direitos básicos do consumidor é a garantia da efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”, além de dispor no art. 6 que “são direitos básicos do consumidor (inciso VIII) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

Destarte, cabe à ré, de maneira efetiva, se lhe for possível , provar que os fatos não ocorreram, conforme relatados e demonstrados pela Autora, a teor do disposto no inciso VIII, do art. 6 da Lei n. 8.078/90.

Em face do exposto, no caso dos autos, não importando a forma que seja vista a responsabilidade civil da ré, contratual ou aquiliana, há o dever da mesma de reparar o dano moral sofrido pela Autora.”

No caso citado, o autor não prevê que o juiz possa vir a ser um leitor pouco cooperativo e

mais, uma vez fere a máxima da quantidade, agora de maneira inversa. Ao tentar empregar um método

silogístico, de maneira que seriam empregadas uma premissa maior, contendo o texto normativo, uma

premissa menor, contendo os fatos particulares e uma conclusão a partir da observação desses dados, o

autor acaba por deixar de lado a premissa menor. Tal informação pode não ser essencial para alguns

leitores, mas é algo que o profissional não poderia prever. O autor partiu do texto normativo para uma

conclusão sem a apreciação do caso.

Ao contrário do texto analisado anteriormente, a petição inicial que segue apresenta as

características que as tipologias existem neste tipo de texto exigem, tanto na parte narrativa quanto na

parte argumentativa.

Os trechos iniciais, que seguem, são exemplo disso:

“1. O Autor, o Sr. Jorge Pessoa Maranhão, mantém junto à Ré a conta corrente bancária de n° 96092491, na agência do BANCO n° 02 008, sendo certo que, com ela firmou Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial.

Ocorre que, apesar desta constar da ficha cadastral, o Autor não recebeu cópia do citado Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente.

2. Decorreu algum tempo sem qualquer problema, até que, a partir do final do ano de 1997, , começou a passar por dificuldades financeiras, o que o obrigou a se utilizar do crédito do cheque especial.”

Do parágrafo primeiro texto podemos retirar a informação “O Autor, o Sr. Jorge Pessoa Maranhão, firmou Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial.” De acordo com escalonamento para medir a transitividade de orações, proposto por HOPPER, teríamos:

Dois participantes;

verbo de ação;

aspecto perfectivo;

verbo pontual;

intencionalidade do sujeito;

ação afirmativa;

modo realis (verbo no indicativo)

sujeito agentivo;

objeto afetado;

objeto individuado.

O trecho, dessa forma, apresenta um grau alto de transitividade, gerando, conseqüentemente, um trecho com porções de maior informatividade, visto que a quantidade de informações que seria considerada Figura é maior do aquela considerada Fundo.

Ao se ler o restante da parte indicativa de fatos da inicial, percebe-se que a estrutura prevalece, e o texto oferece ao leitor uma maior facilidade de assimilação. Além disso, como se pode observar da leitura em anexo, há a manutenção da estrutura no decorrer da produção.

Análise da petição 3

Observe-se o trecho:

A Requerente é titular da conta corrente nº 971.168-6, aberta perante a agência 3590-4(no edificio sede do Banco Central), do Banco do Brasil S/A, (doc. 02).

No início do mês de dezembro de 2001, a Requerente para seu ESPANTO recebeu em sua residência uma notificação do cartório de ofícios e notas , no qual lhe cobrava o valor de R$ 1.193,77(hum mil cento e noventa e três reais e setenta e sete centavos)

A requerente após investigação no Banco do Brasil verificou que tal valor refere-se a um cheque da agência 3594-7, da Conta corrente nº 7576-0, agência do Banco do Brasil do aeroporto de Brasília -DF, conta que não pertence a requerente, ENTRETANTO, o referido cheque foi devolvido por duas vezes e o mais ABSURDO consta no mesmo o nome e o CPF da requerente , no entanto não é sua a

assinatura , o número da identidade e como já dito a agência, conforme documentação em anexo(docs. 03,04 e 05)

Em verdade a requerente junta cópia (fax) do referido cheque, tendo em vista que tentou junto ao representante legal da Alcom o original ou cópia autenticada, recusando aquele de tal entrega.

No trecho identificam-se algumas variações no que diz respeito ao que se pode chamar de texto narrativo prototípico. A parte citada constitui o início do que se intitula Dos Fatos. O parágrafo inicial trata-se de um trecho prototipicamente descritivo; o segundo insere-se no que chamamos de narração. Vê-se que o autor destaca as informações que não centrais à narrativa. Há uma tentativa de chamar a atenção para o mérito da questão por meio de destaques no texto, quando não existe essa necessidade.

Cabe reforçar a idéia de que os trechos destacados, apesar de estarem inseridos no que se pode chamar de narrativa, não configuram narração, visto que não apresentam os traços típicos dessa tipologia textual.

ENTRETANTO, o referido cheque foi devolvido por duas vezes e o mais ABSURDO consta no mesmo o nome e o CPF da requerente , no entanto não é sua a assinatura , o número da identidade e como já dito a agência, conforme documentação em anexo(docs. 03,04 e 05) (Grifos do autor)

A oração inicial apresenta as características prototípicas da narração, tendo, inclusive, um grau relativamente alto de transitividade. O restante do trecho, entretanto, caracteriza-se mais como descritivo.

O fato de se destacarem expressões em textos como petições iniciais é uma estratégia muito utilizada por advogados, na busca da adesão por parte do juiz a uma tese, por meio da ênfase que se dá a determinados elementos factuais. Ora, pelo trecho estrutura do texto, entende-se que o destaque não será eficaz, pois os elementos realçados não fazem parte da construção dos fatos. Ao se destacar um item gramatical como entretanto não se evidencia a idéia de oposição. Não se observa por parte do autor do texto a aplicação da proposta de Grice no que diz respeito à relevância. No verdade, o autor não consegue enxergar o que mais importante e deve ser destacado no texto.

8.4 MODALIZAÇÃO AUTONÍMICA NA ARGUMENTAÇÃO

Como dito anteriormente, o recurso da modalização autonímica é plenamente utilizado pelos

advogados na produção do texto jurídico, principalmente o da petição inicial. Se comparados textos de

iniciais e de outras peças – como a sentença, por exemplo-, ver-se-á que esse recurso é típico de peças

produzidas por advogados, particularmente. Em peças cujo produtor é um juiz, um desembargador ou

um membro do Ministério Público, normalmente não se identifica a estratégia.

Observe-se o trecho de contestação constante do processo de número 2004.029929/04:

01.Há que se concordar pelo menos em um ponto com o autor, o pedido de separação. Não exsite também por parte da ré nenhum interesse em continuar a vida de casada com o autor.

02.No entanto, a concordância com o autor é apenas com referência à separação e não cm relação aos demais pontos da exordial, principalmente por conter INVERDADES.

Como a contestação é um gênero em que se questiona o conteúdo da inicial, a tendência é que

rebatam fatos apresentados anteriormente no texto da exordial. Por conta disso, consegue-se enxergar

uma debilidade dos advogados no que diz respeito a uma argumentação efetiva. O que se produz no

trecho é, na verdade, uma narrativa valorada, com ponto de vista subentendido. E o advogado busca

essa valoração por meio do recurso da modalização autonímica. No caso, utilizou, além do negrito, o

recurso chamado de caixa alta.

Há outros exemplos em que o autor se utiliza do recurso do negrito:

03.Para surpresa da requerida e de seus filhos, o autor decidiu unilateralmente se separar da mesma, deixando-a sem nenhuma opção, inclusive financeira.

04. A requerida desde de então tenta receber o valor prometido, entretanto, o requerente deposita o valor que quer e quando quer, deixando a requerida a mercê da vontade daquele.

Percebe-se que o autor entende que a caixa alta é o recurso que transmite o sentimento de

indignação da parte autora, enquanto o negrito seria usado para o destaque de informações que se

entendem como importantes.

Em uma primeira análise, poder-se-ia chegar a uma conclusão que levaria em conta a idéia de

que só quem produziria textos de qualidade seriam juízes e outros operadores do direito como

desembargadores, promotores, enfim, os membros de uma elite. Entretanto, as peças de que os

advogados são escritores, por idealizarem o convencimento de um juiz, apresentam mais criatividade

nas estratégias argumentativas. O problema é que nem sempre essas estratégias são traduzidas em bons

textos.

Há um certo entendimento de que o texto argumentativo exige do seu produtor esforço

cognitivo maior que as outras modalidades textuais. Isso acontece por conta de o ser humano ser capaz

de contar uma história com certa desenvoltura, assim como descrever uma pessoa ou um ambiente.

Entretanto, a construção de uma tese e a sua conseqüente defesa exigem formulação de ponto de vista a

partir de hipóteses. Exige-se a adoção de juízo de valor. Além disso, entende-se que o seu interlocutor

deve aceitar no texto argumentativo o seu ponto de vista como o melhor. Por conta disso, as estratégias

utilizadas para a produção dessa tipologia tendem a ser mais ricas do que nas outras.

A dificuldade gerada pela própria natureza da argumentação – em que se leva em conta a

persuasão do interlocutor – faz com que o produtor do texto venha tentar chamar a atenção de seu

destinatário por meio de recursos extralingüísticos, como é o da modalização autonímica.

No Processo: 2004.823.003695-7, o promotor adota a estratégia no trecho final da peça, em

que há o pedido de condenação, sendo destacada justamente essa palavra e mais nenhuma outra:

31. Ante o exposto, requer o Ministério Público o recebimento da presente com a conseqüente

instauração da ação penal, a citação do denunciado para vir responder aos termos desta, a

intimação das testemunhas, o deferimento das diligências e ao final, a CONDENAÇÃO do

ora Denunciado.

O mesmo procedimento é adotado no Flagrante 538/2007, o que mostra que o autor da peça

entende ser procedimento argumentativo formal a utilização do destaque gráfico para chamar a

atenção de seu interlocutor, no caso o juiz:

32. Ante o exposto, requer o Ministério Público o recebimento da presente com a conseqüente

instauração da ação penal, a citação do denunciado para vir responder aos termos desta, sob

pena de suspensão, a intimação das testemunhas, o deferimento das diligências e a final

CONDENAÇÃO do ora Denunciado.

Já em outro processo, há destaque na parte narrativa do texto com motivação subentendida,

como se verá:

33. Em período não determinado, sendo certo, contudo, até o dia 24 de junho de 2005, por volta

das 14:00 horas, na Rodovia Amaral Peixoto, KM 90, nº 10319, jardim Araruama, Araruama,

Rio de Janeiro, o DENUNCIADO, com vontade livre e consciente, subtraiu para si,

energia elétrica, mediante o emprego de fraude , consistente em uma ligação bifásica direta,

em prejuízo da concessionária Ampla, conforme laudo de exame pericial do local acostado

aos autos.

34. Consta do procedimento que instrui a presente, que o DENUNCIADO, representante do

estabelecimento empresarial autuado, realizou a ligação clandestina direta em uma fase

efetivada em um dos cabos de entrada do medidor, convergindo para o interior do

imóvel através de uma tubulação embutida na parede sem a passagem pelo medidor, sendo

constatado naquela oportunidade o consumo da energia elétrica, conforme laudo pericial

de fls. 13 e 14.

O artigo 155 do Código Penal define furto como “Subtrair para si ou para outrem coisa alheia

móvel.”, diferenciando-se do artigo 157, por conta de não apresentar emprego de violência ou redução

da possibilidade de defesa da vítima. O trecho destacado no exemplo 33 faz referência ao artigo,

tendo o autor realizado o enquadramento do fato típico. Com o destaque do trecho, ficaria o autor

isento da apresentação do artigo em si, pois já seria feita a referência implícita.

O exemplo 34 seria uma complementação do 33, com a especificação dos dados presentes no

fato. Ainda ali há referência ao conteúdo do artigo 155 do código penal, identificando-se no trecho

estratégia de argumentação por meio da própria narração. É o que o autor estabelece como recurso

também no flagrante 536/2007:

35. No dia 18 de agosto de 2007, por volta das 10:00 horas, no interior da Igreja Universal,

localizada na Avenida Getúlio Vargas, 201, Centro, Araruama, o DENUNCIADO, com

vontade livre e consciente, subtraiu para si, coisa alheia móvel, consistente em um

telefone celular e a quantia de R$ 270,00 reais, conforme auto de apreensão, de fls. 05, da

vítima LILIA MARIA DO NASCIMENTO COUTO.

Nesse texto, o autor preocupou-se apenas em destacar por meio da modalização autonímica o

trecho inicial da narrativa, sem se ater ao realce dos fatos na seqüência do texto. A diferença pode-se

dever ao fato de, no primeiro exemplo, a chamada res furtiva (coisa roubada) ter caráter diferenciado

do exemplo seguinte. Como se trata de roubo de energia elétrica, o entendimento de que há furto é

mais opaco, socialmente menos condenável. Por conta disso, o autor pode ter entendido a necessidade

de reforçar seu ponto de vista com o destaque na seqüência do texto. Isso já não ocorre no exemplo

35, em que há um fato prototípico no que tange ao que se chama de furto. Então, não houve a

necessidade de mais um destaque no trecho.

Em outra peça, a inicial constante do mesmo processo, o produtor do texto preocupa-se com

destaques para realce da idéia de autoridade, tanto do chamado doutrinador, quanto da

jurisprudência.21 Observe-se:

36. A respeito da hermenêutica em contratos como o sub judice, onde a adesão parece ser o fator de prejuízo para a parte débil, assim preleciona CARLOS MAXIMILIANO (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 8a ed., 1976, pg. 360/361)(...)

37. O Autor pede vênia para colacionar o magistério do eminente professor PAULO LUIZ NETO

LOBO (...)

38. Tal assertiva é calcada no magistério do conceituado mestre WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO em seu Curso de Direito Civil, Ed. Saraiva, 19a ed., 1984, vol. 5, pg. 221 (...)

39. (...) verdadeiro manancial de excertos jurisprudenciais que reiteram a auto-aplicabilidade do preceito constitucional limitador dos juros, in verbis:

21 Doutrina e jurisprudência são nomes que se dão a chamadas fontes do direito. Doutrina seria a fala dos jurisconsultos, responsáveis pela hermenêutica textual; jurisprudência seria o conjunto de decisões que passaria a ser seguida como referência para outros julgamentos.

Está previsto no § 3° do art. 192 que as taxas de juros reais, NELAS INCLUÍDAS COMISSÕES E QUAISQUER OUTRAS REMUNERAÇÕES DIRETA OU INDIRETAMENTE REFERIDAS À CONCESSÃO DO CRÉDITO, NÃO PODERÃO SER SUPERIORES A DOZE POR CENTO AO ANO; a cobrança acima deste limite será conceituada como CRIME DE USURA, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE ESTIPULAREM JUROS SUPERIORES SÃO NULAS. A COBRANÇA ACIMA DOS LIMITES ESTABELECIDOS, dá o texto, SERÁ CONCEITUADA COMO CRIME DE USURA.

O autor tenta fazer o interlocutor entender a fala destacada como de autoridade. Isso para que

não restem dúvidas sobre a importância do comentário feito na seqüência. O recurso é utilizado em

outros momentos do texto para comentar outras falas, que se entenderam como importantes pelo autor.

Outro tipo de destaque é feito na própria citação. Em um primeiro momento, observa-se que o autor

dá maior importância ao sujeito da fala, enquanto, posteriormente, a própria fala é entendida como de

autoridade, não importando o autor. Isso também acontece pelo fato de, em jurisprudências, não ser o

autor necessariamente uma pessoa, podendo ser um tribunal. Dessa forma, o destaque ao texto parece

mais necessário.

No processo n.º 2001.01.1.098889-5, o autor destaca o trecho que entende merecer reforço,

assim como nos exemplos 33 e 34. Observe-se:

40. Diante disso, não há de se falar em incapacidade do herdeiro José Luiz para exercício do

direito de ação, razão pela qual a procuração de fl. 12 é válida e eficaz.

41. Se o herdeiro não concordar com o patrocínio do inventário pelo advogado

substabelecido à fl. 87, poderá revogar o mandato expressa ou tacitamente, sem maiores

formalidades. O que não fez até o momento. (...)

O herdeiro José Luiz, filho do de cujus com a inventariante, tem na realidade dois filhos,

um nascido de seu casamento a Sra. Alessandra e outro, Sr. Leonardo Emmanuel

Leôncio de Souza, nascido em 03/05/81, portanto, hoje com 22 anos de idade, que desde

já nomeia os advogados signatários da presente para representar seus interesses no

presente inventário, conforme comprova a procuração anexa (vide doc. 02 anexo).(...)

O questionamento sobre a capacidade do herdeiro faz com que o advogado reforce o fato da

possibilidade de se estabelecer procurador, uma vez que não se poderia presumir incapacidade – ele

não estaria legalmente interditado, motivo pelo qual não precisaria de tutor para nomeação de

procurador. Os destaques feitos serviriam para reforçar o ponto de vista adotado no texto: o de que

seria legal a procuração. Observa -se que, além do negrito, o advogado se utiliza da sublinha,

evidenciando a importância do trecho a seu leitor.

Em contestação do Processo nº 2005.01.1.035007-3, o autor do texto faz destaques pontuais,

evidenciando as expressões que vê como mais importantes nos trechos. Assim, é comum ver em

negrito SNs isolados. Em grande parte das vezes o recurso é apenas o negrito, entretanto, quando o

dado é considerado mais grave, o advogado traz a expressão em caixa alta – recurso em que todas as

letras vêm em maiúsculas. Observem-se os exemplos:

42. No entanto, a concordância com o autor é apenas com referência à separação e não cm relação

aos demais pontos da exordial, principalmente por conter INVERDADES.

43. Para surpresa da requerida e de seus filhos, o autor decidiu unilateralmente se separar da mesma, deixando-a sem nenhuma opção, inclusive financeira.

44. Acontece que o requerente OMITE até a presente data o seu salário, inclusive retirou o valor de R$ 11.000,00 de uma conta conjunta com a requerida e não prestou nenhuma satisfação com a requerida.

Os mesmos procedimentos são adotados em habeas corpus que segue. O autor propõe-se a

destacar elementos que justifiquem a coação com relação ao defendido. Os fatos que justificassem a

soltura, ou mesmo argumentos considerados indevidos para a manutenção da clausura, são destacados.

45. Isto porque, somente foram trazidos ao conhecimento os PROVÁVEIS crimes , em tese, praticados pelo paciente, porém, em nenhum momento trouxe a prova clara e cristalina do delito praticado, uma vez que não junta sentença final privativa de liberdade, mas, como já dito apenas há a alegação de ser o extraditando SUSPEITO de ter cometido os crimes ali narrados, nem tampouco traz-se a prova de fuga do paciente.

46. É clara e justa a EXTENSÃO do apelo do paciente. AS FRÁGEIS RAZÕES DA PRISÃO DISSIPARAM TODA DÚVIDA QUANTO A EXTENSÃO DA SUA ILEGALIDADE , justificando o presente INCONFORMISMO do paciente.

Observa-se a que a utilização da modalização autonímica nos trechos não inviabiliza a

inversão da ordem. Os erros que se costumam cometer, no que diz respeito à concordância acabam

sendo evitados, uma vez que os destaques serviriam tanto para o leitor quanto para o produtor do

texto. Cabe ressaltar a informação, principalmente pelo fato de a modalização autonímica não ser

recurso tratado como relevante na produção do discurso jurídico.

8.4.1 A modalização autonímica em sentença

Percebeu-se até então que textos direcionados a juízes ou Tribunais tendem a apresentar o

recurso da modalização autonímica como estratégia argumentativa. Entretanto, em sentenças esse

procedimento não seria necessário, visto que os juízes apenas trariam a decisão, sem que objetivassem

adequar o discurso para agradar parte autora ou parte ré. Para ilustrar, segue exemplo de sentença

integral, na qual o destaque não se apresenta em trecho com fins argumentativos.

SENTENÇA CONTRA O SERASA TUTELA ANTECIPADA

47. Processo n.º 200301554751 Requerente: ASCON - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSUMIDORES Requerido: SERASA - Centralização de Serviços dos Bancos SA e outros Natureza: Ação Cívil Coletiva

VISTOS ETC.

Trata-se de Ação Cívil Coletiva ajuizada pela ASCON - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSUMIDORES em face da SERASA - Centralização de Serviços dos Bancos SA e Câmara de Dirigentes Logistas de Goiânia - CDL ( Serviços de Proteção ao Crédito - SPC), com pedido de antecipação de tutela , objetivando proteger os interesses coletivos e individuais dos seus associados, com suporte no art. 81 e seguintes da Lei 8.078/90( CDC ), entre outros dispositivos legais:

a- para absterem-se de negativar seus nomes sem o prévio protesto, na forma da Lei 9.492/97 e prévia comunicação à pessoa afetada, por meio de carta registrada com aviso de recepção (AR), pessoal e comprovadamente recebida;

b- excluírem, imediatamente, os lançamentos relativos aos sócios ocorridos em desconformidade com a legislação em vigor;

c- que seja fixada multa aos requeridos para o caso de descumprimento do decisório.

Acompanharam o requerimento, os documentos ( fls. 18/48 e 52/851 ).

Isto posto:

São relevantes os argumentos da requerente. Cabível antecipação da tutela na forma pedida.

Assim sendo, determino aos requeridos somente negativarem os nomes dos associados em anexo, com observância da Lei 9.492/97, ou seja, com prévia comunicação à pessoa afetada, por meio de carta registrada com aviso de recebimento (AR), pessoal; que sejam também excluídos os nomes cujos lançamentos foram feitos sem observância da referida lei.

Para o caso de descumprimento do mencionado diploma legal, fixo a multa às requeridas, no valor de R$ 3.000,00 ( três mil reais ), por cada evento lesivo devidamente comprovado.

Cite-se as suplicadas para, querendo, contestarem a ação, prazo de quinze (15) dias, sob as penas da Lei.

Int.

Goiânia, 12 de setembro de 2003.

Jair Xavier Ferro

2º Juiz da 10ª Vara Cível

Não há destaques no trecho. Trata-se de texto simples e direto. Não se entende a

necessidade de utilizar recurso argumentativos como o da modalização autonímica. O que se

pode observar é que ainda ocorrem problemas no que diz respeito à ordem VS – como nos

casos de “Acompanharam o requerimento, os documentos” e “Cite-se as suplicadas (...)”.

Entretanto, a vantagem de construir um texto ressaltando o dever- fazer faz com que haja a

utilização de recursos discursivos como argumentos de autoridade, ou gramaticais apenas

com a inversão do sujeito.

Em outra sentença, o entendimento da juíza foi o de destacar o próprio ato de decidir,

o que se vê no trecho:

48. (...) Noutro ponto, diz que a reportagem é protegida pelo direito à liberdade de

pensamento, somando a isso que não quis atingir o magistrado especificamente.

DECIDO.

Na seqüência do texto não se fazem destaques, a não ser quando, novamente, a juíza

profere sua decisão, que parece entender como mais relevante que o restante do texto:

49. Por tudo isso e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a

denúncia para submeter a acusada XXXXXXXXXXXXXXX, devidamente

qualificada nos autos, às disposições do art. 21c/c 23, II, ambos da Lei 5250/67. (...)

50. A CULPABILIDADE da acusada não apresenta reprovabilidade maior do que a

esperada para o delito em causa, afigurando-se normal para a espécie. (...) No que

tange aos ANTECEDENTES, a mesma não ostenta condenação transitada em

julgado. Igual conclusão se impõe ante a análise da CONDUTA SOCIAL da ré.

Assim a autora do texto mantém o tom de sua decisão, na qual se observa a

modalização autonímica, contrariando, aparentemente, a tese de que não apareceria em textos

decisórios. Entretanto, pode-se afirmar que a autora utiliza-se do recurso para focalizar a

própria decisão, não como estratégia de convencimento, ou persuasão de uma eventual parte

contrária, mas como para chamar a atenção para seu próprio texto, sua fala, que se sobreporia

aos argumentos. De qualquer modo, mesmo não sendo estratégia típica de sentença, é a

modalização autonímica recurso do discurso jurídico como um todo, o que fica comprovado

pela leitura das peças até então.

8.5 A QUESTÃO DO FOCO E DA ORDEM SV NO TEXTO JURÍDICO

As estratégias de argumentação no texto jurídico sofrem variação no que diz respeito aos

recursos sintático-semânticos a serem trabalhados. Viu-se anteriormente que o uso da modalização

autonímica é bastante comum, apesar de ser extratextual. Trabalha-se, também, no discurso com a

ordem SV quando se quer trazer um determinado raciocínio como foco. A hipótese de que se tende a

trabalhar com esse tipo de ordem em situações nas quais a injunção prevalece – como na apresentação

de textos normativos – foi apresentada antures. A idéia é a de que esse recurso é utilizado em

construções parafrásticas de textos de leis, ou mesmo doutrinas. Ou seja, poder-se-ia dizer que, de

alguma forma, a ordem SV seria menos marcada no discurso jurídico.

01.Com realismo, observa o advogado Luiz Zenun Junqueira: O contrato bancário contém mesmo inúmeras cláusulas redigidas prévia e antecipadamente, com nenhuma percepção e entendimento delas por parte do aderente. Efetivamente é do conhecimento geral das pessoas de qualidade média os contratos bancários não representam natureza sinalagmática. porquanto não há válida manifestação ou livre consentimento por parte do aderente com relação ao suposto conteúdo jurídico, pretensamente convencionado com o credor. (Grifo nosso)

02.Conforme assinala o Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto, o utente do serviço ou o consumidor do bem fornecido mediante o contrato de adesão encontra-se, ainda, por outra razão, na situação de parte mais fraca, relativamente ao seu contratante (...) (Grifo nosso)

03.Prevalecerá, antes, a cláusula rebus sic stantibus, pois o Autor foi tolhido na liberdade de escolher seus interesses e exercitar sua vontade na avença celebrada, sujeitando-se ao capricho da Ré. (...) (Grifo nosso)

04.Para o retro citado mestre paulista, não se poderá perder de vista o inquietante desafio à legalidade que representa, nos dias de hoje, a massificação dos contratos de adesão (...)

Nos quatro exemplos, fica clara a tentativa do autor do texto em focalizar o ponto de vista da

autoridade. Nos dois primeiros, destaca-se o ponto de vista doutrinário, enquanto os subseqüentes

fazem referência a uma norma especificada. Em comum, temos a idéia de que a fala de autoridade tem

mais relevância e deve ser trazida em um primeiro momento.

O fato de se trazer a fala de autoridade costuma atribuir legitimidade ao texto. Entretanto deve

ser essa autoridade entendida como tal. Muitas vezes, no direito, a fala pode ser de menor importância,

mas a representatividade do autor contaria mais do que o próprio texto. Isso só não ocorreria em

citações de textos normativos em que a autoridade estaria, obrigatoriamente, no próprio texto., o que

acontece no exemplo 3.

Kato ET AL. (2005), ao tratarem da inversão verbo sujeito em frases declarativas, informam

três principais padrões para esse tipo de construção no português do século XIX, que estariam se

perdendo atualmente: as construções com verbos inacusativos – cujo único argumento seria gerado

internamente no sintagma verbal-; a chamada inversão germânica – em que o sujeito aparece

imediatamente posposto ao verbo e é comum a presença de um elemento em posição inicial; além de

casos de inversão românica Nessa construção, o sujeito ocupa a posição final da sentença, em

adjunção ao sintagma verbal, e apresenta um nítido valor focal.

Para as autoras, “conclui-se que a ‘inversão’ se limita, no momento atual, essencialmente, às

construções inacusativas e copulativas.” Entretanto, cabe observar que o discurso jurídico funcionaria

de uma maneira diferenciada também com relação a esses procedimentos, visto tratar-se de ambiente

em que a formalidade tende a ser extremada.

Como em outros contextos, poder-se-ia diferenciar o discurso jurídico da maioria dos

discursos sociais, devido a seu caráter normativo, muitas vezes formal, que acaba por impedir um

desenvolvimento autônomo das idéias. Nesse contexto, teorias que tentem dar conta meramente das

questões normalmente estudadas em texto não conseguiriam explicar determinados fenômenos. O

discurso jurídico parece, na verdade, apresentar fronteiras bem definidas, que o diferenciam dos outros

tipos de discurso.

A idéia de a produção ser sempre um hipertexto – uma vez que sempre se voltará a atenção

para norma, doutrina e jurisprudência na argumentação-, em vez de auxiliar o produtor, tende a tornar

o discurso mais complexo e, por conta disso, inacessível ao leigo – e à sociedade em geral. Essa

inacessibilidade parece, na verdade, confortável para os produtores, que se servirão dela no momento

adequado. As desigualdades que daí advêm não podem ser tratadas como algo simples a ser

eliminado. A sociedade, de alguma maneira, acaba por se servir dessa desigualdade, portanto

pareceria utópico, mesmo acreditando na possibilidade de mudança no discurso – uma vez que

bastaria legislar a respeito de forma a se alcançar a igualdade -, não parece ser vontade do legislador,

ou mesmo do judiciário.

A tese de que a sociedade deve estar a par de seus direitos é válida, mas irreal em situações

concretas. A fiscalização não tem como acontecer em larga escala justamente pelo fato de não se

conhecerem as normas que regulam diversas situações. Assim, crimes, que deveriam ser tratados

como fenômenos patológicos – de acordo com a classificação de Durkheim- acabam por ser digeridos

como fenômenos normais. E, provavelmente, o continuarão sendo.

8.6 COM RELAÇÃO À ORDEM DOS CONSTITUINTES

Levando-se em conta os diferentes fatores que caracterizam o discurso jurídico em sua

estruturação, observam, primeiramente, questões relativas à ordenação dos elementos, no intuito de se

chegar a uma conclusão sobre qual a ordem menos marcada e a mais marcada nesse tipo de discurso.

Apesar de não serem tantas as peças observadas, entende-se que há uma tendência de outras peças de

natureza similar a seguirem o mesmo raciocínio.

Em um primeiro momento analisam-se os trechos das denúncias, que seguem:

Denúncia Ampla: Processo nº 2007.052.004126-7

1. Assim agindo, está o Denunciado incurso nas penas do artigo 155, §§ 3º e 4º, II,

todos do Código Penal.

2. Ante o exposto, requer o Ministério Público o recebimento da presente com a

conseqüente instauração da ação penal, a citação do denunciado para vir responder

aos termos desta, a intimação das testemunhas, o deferimento das diligências e a final

CONDENAÇÃO do ora Denunciado.

FLAGRANTE: 536/2007

3. Assim agindo, está o Denunciado incursos nas penas do artigo 155, cabeça, do

Código Penal.

Pelos exemplos iniciais, observa-se que o representante do MP, nos dois textos, utiliza-se da

inversão da ordem na conclusão do raciocínio silogístico (no caso indutivo, por conta de a premissa

maior – a norma- aparecer após o fato.)

Nos dois textos o autor também utiliza a inversão no trecho em que se faz o requerimento. Na

inicial, normal se adota o mesmo procedimento, sendo a ordem não-marcada a VS.

Tendo em vista o fato de que na denúncia a exposição do crime em que o acusado está incurso

é central, entende-se que o autor do texto proceda com a inversão da ordem por ser a informação foco.

Assim, em um texto híbrido como é a denúncia – assim como a inicial e outros textos juríd icos que

apresentam mais de uma tipologia na sua construção-, a parte que se entenderia como figura seria

apresentada com a estrutura VS.

De uma maneira geral, vê-se que a utilização da ordem VS em fundamentações dá-se em

situações de conclusão de raciocínio silogístico, como nos exemplos que seguem:

4. Efetivamente restou provado o constrangimento ilegal que está sofrendo o paciente. (conclusão de raciocínio. Grifo meu.)

O mesmo procedimento pode ser observado em peças de outra natureza, como no caso de

habeas corpus. São peças diferentes, mas que apresentam a injunção na formação do texto, em seu

trecho final. Peças como essas exigem requerimentos ao seu final, o que parece ser feito, obedecendo-

se a uma ordem VS.

Interessante que, mais do que simplesmente inverter a ordem, o autor prefere não preencher a

posição de sujeito quando há um pedido. Em requerimentos – que são trechos injuntivos- não se

identifica o preenchimento da posição à esquerda do verbo, tradicionalmente ocupada pelo argumento

externo, que é o sujeito. Observe-se:

5. De resto, APÓS o cumprimento das formalidades legais, requerem a essa Egrégia Corte a CONCESSÃO do presente HABEAS CORPUS para decretar a expedição do ALVARÁ DE SOLTURA em favor do paciente pelas razões de fato e de direito aqui já cansativamente expendidas. (Grifos do autor) (HC/Manfred)

Outro dado a observar é a presença da modalização autonímica. Além da utilização do recurso

da ordem VS, o autor também trabalha com os recursos gráficos no mesmo trecho da peça (pelo

menos no caso da denúncia). No trecho destacado do Habeas corpus, observa-se que o advogado dá

destaque a etapas cumpridas por seu cliente, além de identificar a requisição do benefício. Os grifos,

no caso, funcionam como reforço do requerimento. Tal fenômeno será observado com mais detalhes

em outro item.

6. Consta do procedimento que instrui a presente, que o DENUNCIADO, representante do

estabelecimento empresarial autuado, realizou a ligação clandestina direta em uma fase

efetivada em um dos cabos de entrada do medidor, convergindo para o interior do

imóvel através de uma tubulação embutida na parede sem a passagem pelo medidor, sendo

constatado naquela oportunidade o consumo da energia elétrica, conforme laudo pericial

de fls. 13 e 14. (sublinha nossa)

O trecho sublinhado corrobora a indicação de que a inversão tende a dar-se em construções

silogísticas, em sua conclusão. No trecho não fica clara a premissa maior, que estaria subentendida no

parágrafo anterior:

“com vontade livre e consciente, subtraiu para si, energia elétrica, mediante o emprego de fraude...”

Subentende-se o conteúdo do artigo 156 do Código Penal, que determina o que é furto, que seria a premissa maior:

“Subtrair, para si ou para outrem, bem alheio móvel (...)”

Outro dado a observar é o de que não se identifica problema de ordem gramatical,

confirmando-se a idéia geral de que funcionários públicos como juízes e promotores tenderiam menos

ao erro gramatical que os advogados em geral. Dessa forma, pode-se dizer que haveria mais

problemas em petições e recursos em geral.

Tal observação deve tomar por base os textos como um todo, em que não se observam

problemas no que diz respeito a fatores de textualidade. Entretanto, problemas que se dão em textos de

natureza diversa também se encontram nesse tipo de discurso, como os de pontuação. A distância

entre o sujeito e o verbo a que se refere, ou o não preenchimento da posição com um SN

correspondente ou a inversão, que, normalmente geram erros de concordância ou de outra natureza,

aqui também geram uma ou outra dificuldade. Como no exemplo:

7. Com efeito, consta das peças de informação que instrui a presente denúncia, que o

Denunciado, foi condenado por Sentença datada de 18/06/2004 como incurso no art. 302

da lei 9.503/97 às penas de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial aberto e 02

(dois) meses de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor, sendo

substituída à pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.

No trecho em destaque encontram-se erros de duas naturezas. O primeiro diz respeito a uma

pontuação inadequada, uma vez que há separação entre o sujeito e o verbo. “O Denunciado, foi...” No

outro caso, há problema de regência também por conta de não se enxergar a expressão “a pena” como

sujeito, construindo o trecho com acento grave.

O trecho da denúncia - Flagrante: 538/2007 - que segue é outro exemplo de problema

gramatical por conta do não preenchimento da posição de sujeito. Percebe-se que, juntamente

á questão da ordem, seria elemento que leva ao erro de concordância:

8. Consta dos autos, que os policiais militares receberam uma denúncia anônima de que no

interior da residência do acusado havia duas armas de fogo e munições. Ao realizarem a

diligência no local, munido de mandado de busca e apreensão, expedido por este Juízo,

lograram apreender as referidas armas e as munições, que estavam guardadas no interior de

um cômodo nos fundos da casa. (Grifos meus)

No exemplo, os policiais militares estavam munidos de mandado, entretanto o elemento

referencial encontra-se distante do adjetivo, o que pode ter levado ao erro. Outro fator que pode ter

gerado tal construção pode ter sido a proximidade com a expressão mandado de busca e apreensão .

Fica evidente que erros comuns a outros tipos de domínio discursivo também o são aos textos

jurídicos. Informações como as listadas acima são encontradas em textos de qualquer natureza.

A tendência ao não preenchimento do sujeito não é tão comum no português do Brasil, tanto

que, de acordo com Kato (2004):

Em vários de seus estudos, Tarallo 22 enfatiza a relação entre a diminuição de categoria vazia na posição de sujeito e seu aumento na posição do objeto. Como sujeito nulo e objeto nulo não fazem parte do mesmo parâmetro de variação, esse fato intrigou os lingüistas brasileiros. Um trabalho de três das autoras do presente artigo (Cyrino, Duarte e Kato 2000) procurou resolver o enigma e sua proposta de solução é apresentada resumidamente nesta seção.

No entanto, como o discurso jurídico é ambiente mais formal, torna-se mais propício a esse

tipo de construção. Com isso, a tendência à incorreção é grande. Isso poderia, inclusive, justificar tese 22 Cf, por exemplo, Tarallo 1985.

de uma artificialidade23 do não preenchimento (sujeito nulo) no português do Brasil. Contudo não é

esse o foco desta pesquisa.

Em outro trecho, a inversão parece ser causadora do erro na pontuação:

9. Consta dos autos, que os policiais militares receberam uma denúncia anônima de que no

interior da residência do acusado havia duas armas de fogo e munições. (Grifo meu)

Sabe-se que, em caso de sujeito oracional, a construção menos marcada seria VS. No entanto,

tal estratégia parece deixar a construção artificial -pelo menos na escrita-, uma vez que são constantes

os problemas com a pontuação. Não fica clara uma percepção do papel do sujeito. Ali se utilizaria a

tese de que haveria um sujeito nulo- o que levaria ao entendimento de que a oração seria complemento

verbal e não sujeito -, todavia ainda haveria separação entre o verbo e o complemento. Daí o

entendimento de uma artificialidade da construção.

Do que se observou das denúncias apresentadas, pode-se dizer que há uma forte tendência à

inversão nos trechos tratados como requerimentos – todos eles injuntivos. Entretanto, nos trechos

majoritariamente narrativos, observou-se predominância da ordem canônica SV. Observe-se:

10. (...) a vítima e seu colega de farda, João Marcelo de Sousa Barreto, avistaram um veículo

GM, Astra, placa LOK 0381, fazendo manobras perigosas e que ao abordá-lo, o primeiro

ordenou que o autor de fato saísse do automóvel para que então viesse a revistá-lo. Neste ato,

o Imputado saiu do automóvel e proferindo as expressões injuriosas contra a vítima.(Grifo

meu) 2004.823.003695-7

11. (...) os policiais militares receberam uma

denúncia anônima de que no interior da residência do acusado havia duas armas de

fogo e munições. (Grifo meu) Flagrante: 538/2007

12. (...) o Denunciado, foi condenado por Sentença datada de 18/06/2004 como incurso no art.

302 da lei 9.503/97 às penas de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial aberto e 02

23 Cabe a diferenciação entre artificialidade e antinaturalidade. A primeira pode não ser comum, mas resolve-se com o letramento, não havendo nenhum elemento que impeça sua construção; já a antinaturalidade implicaria treinamento do falante/escritor para que a expressão se utilizasse.

(dois) meses de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor, sendo substituída à

pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos. 2002.052.003601-7

A motivação para a construção com a ordem SV viria do fato do estatuto informacional da

construção. Destaca-se o agente nos trechos para menor esforço cognitivo por parte do leitor e maior

eficácia na futura argumentação. Com os elementos identificados (as personagens), o produtor do

texto transmite as informações com maior facilidade. Tudo isso também deve levar em conta a idéia

de que o trecho é figurativo, com as informações centrais do fato, daí a evidência do sujeito, que

preenche os critérios observados por Cunha (2004).

8.7 O SUJEITO E O OBJETO NAS INICIAIS E NAS CONTESTAÇÕES

Assim como nas denúncias, a ordem apresenta papel de extrema importância na produção dos

textos. Entretanto, a tendência ao erro é maior, tendo em vista a qualificação dos produtores, que

serão, em sua maioria, advogados. Mesmo em casos em que se recorre a um Juizado Especial Cível,

não há um cuidado maior na elaboração do discurso. O que há, na verdade, é uma presunção de que se

produziu um bom texto pelo simples fato de, muitas vezes, o material ser muito informativo. Do

exemplo que segue, o trechos que aparece com inversão é:

13. Do enlace matrimonial nasceram 04 (quatro ) filhos: Michele Janis Albertuni Machado,Christian Jones Albertuni Machado, Christiane Rosie Albertuni Machado e Alana Cristiane Albertuni Machado (...) (Grifo meu) (Ação de divórcio)

No caso, trata -se de um verbo cujo sujeito vem normalmente em ordem inversa. O discurso

jurídico mostra-se pródigo em tais construções, entretanto o caso apresenta tal tipo de sujeito mais por

conta da natureza do verbo do que propriamente à tipologia ou focalização. Tanto que se trata de

trecho inicial da parte factual, o que implicaria, como informação figurativa, com sujeitos [+humanos],

construção com sujeito em ordem SV.

Outro exemplo em que o trecho se estrutura de modo semelhante a uma denúncia está

justamente na parte injuntiva, do requerimento. No trecho, vê-se que se admite construção com sujeito

nulo, mas nunca com objeto nulo. Observe-se:

14. ISTO POSTO, requer: (Grifo meu)

a) O envio de oficio ao Recursos Humanos do Banco do Brasil sito no SCS, Bloco L, – Ed. Morro Vermelho, 6º Andar , Brasília-DF no sentido de se confirmar o salário do requerente em dólares nos USA ;

b) a improcedência da presente Ação em parte, a decretação da separação judicial.

c) as benesses da justiça gratuita, por ser juridicamente pobre;

d) a intimação do ilustre representante do Ministério Público, nos termos da lei. (Contestação)

Vê-se que, por conta da natureza formal do discurso, um dado interessante ocorre: fenômeno

típico do português do Brasil, que é o apagamento do objeto, em textos jurídicos não

ocorre,principalmente no pedido ou em requerimentos, posto que é a parte mais importante do texto.

O fenômeno inverso tende a acontecer com o apagamento do sujeito – algo que também não é típico

do PB. Nos dados observados até então, vê-se que é bastante comum a construção com sujeito nulo.

Tendo em vista que, após a qualificação das partes, não se utiliza mais o nome próprio, as estratégias

de coesão acabam restritas. A nomenclatura autor/réu; requerente/requerido; alimentante/alimentado

etc. acabam por tornar o texto de leitura cansativa. Dessa forma, o produtor acaba por fazer muito uso

da estratégia do sujeito nulo como recurso para evitar a repetição.

Observe-se outro exemplo relativo à ordenação do sujeito de petição inicial:

14. Dessa forma, jamais poderá ou poderia a Requerida ser incluído em qualquer cadastro de inadimplentes ou protestada em cartório, a despeito da irresponsabilidade do ato por parte dos Requeridos! (Grifo meu) (Cautelar/Angela)

Do trecho observa-se que a inversão é construída em trecho argumentativo, e não injuntivo

como nos outros. Entretanto, pode-se afirmar que a imperatividade está expressa no recurso da

pontuação. A exclamação demonstra que o produtor do texto exige da parte do juiz atitude solidária

com relação a sua defendida. Não há elementos que evidenciem a injunção no trecho, mas a utilização

de advérbio como jamais (típico em construções com modo imperativo) também contribuem para uma

interpretação que indique uma exigência. A inversão também implica focalização do modal – no caso,

indicando impossibilidade por conta do advérbio de negação – cuja idéia acaba sendo reforçada.

Como conseqüência, há o erro de concordância, provavelmente devido à proximidade com o

substantivo cadastro.

Em outro exemplo, a inversão se dá por conta de construção com verbo inacusativo bastar:

15. No presente caso, como se não bastassem os danos materiais suportados pela Requerente , vez que foi obrigada pela Alcom comércio de aluminio ltda a desviar suas parcas economias para o pagamento de serviços advocatícios , custas e depósito judicial, sofreu ainda danos morais de incalculável monta.

Além da utilização da inversão do sujeito, observa-se o recurso da inversão de ordem dos

constituintes no interior da frase, como recurso estilístico e de realce. Vê-se isso no caso de parcas

economias e incalculável monta . Entende-se que nesse tipo de discurso, o fato de se construir o texto

com inversões é estratégia das mais utilizadas no intuito de se reforçar ponto de vista. Isso acontecerá

principalmente nos casos em que se tenta convencer alguém de um determinado ponto de vista. Daí

ser tal estratégia identificada em textos de produtores como advogados, que, em comum com os

defensores e promotores têm o fato de produzirem peças vestibulares. Outro trecho em que se observa

a mesma estratégia é:

16. Destaca-se que goza a Requerente, antes desse lamentável incidente, de uma íntegra

imagem (...)

Tenta-se atribuir à defendida estatuto de vítima. Entretanto, em momento inicial, a idéia que

se tenta trazer é a de que é pessoa de extrema confiança, cidadã responsável. O trecho, que, se trazido

com objetividade, deveria ser narrativo, acaba apresentando descrição. A inversão no trecho é trazida

para evidenciar essa caracterização da chamada parte autora. Ocorre que a inversão no trecho também

parece ser a causadora da inobservância do consecutio temporum, uma vez que, no trecho, o tempo

verbal a ser utilizado seria o pretérito imperfeito.

17. Revela-se, assim, totalmente indevido o protesto do nome da Requerente no cartório ,

conforme se depreende do documento em anexo(doc. 06) (Grifo meu) (Cautelar)

Como observado nas denúncias, quando se conclui raciocínio silogístico, a tendência de ordem

VS é bastante grande. Pode-se dizer que isso é prática comum também na produção de petições

iniciais, como acontece no exemplo 17. A tentativa de enfatizar a ilegalidade leva o produtor do texto

à construção de tal estrutura. Sobre tal construção, Kato (2004) explica:

Ao contrário dos dois padrões anteriores, encontram-se também casos em que o sujeito não vem contíguo ao verbo24. Essa construção, ilustrada (...), constitui o que a literatura designa por inversão românica. Aqui, o sujeito ocupa a posição final da sentença, em adjunção ao sintagma verbal, e apresenta um nítido valor focal.

É bem provável que não haja consciência do produtor do texto sobre a estratégia utilizada para

a ênfase. Mas, após a observação das diferentes peças processuais, entende-se que há uma preferência

justamente pelas construções que, no português do Brasil, poderiam ser classificadas como artificiais.

Grosso modo, poder-se-ia inferir que o discurso jurídico se apresenta hermético justamente pelo fato

de não privilegiar a variante brasileira da língua. Pelo que se analisou até então, as construções

utilizadas partem de estratégias inversas àquelas que se poderiam tratar como canônicas no PB.

Observem-se os parágrafos que seguem:

18. Nesse contexto, necessitando-se exercer a sua atividade comercial, a Requerente foi abruptamente comunicada do protesto de título que não lhe é pertencente, ficando desde então com temor de seu nome ser incluso no malfadado cadastro de inadimplentes como SERASA, SPC , CHECK CHECK e outros.

24Além da inversão românica, também nos casos de ‘falsa inversão’ ou ‘antitópico’ o sujeito pós-verbal aparece linearmente distante do verbo, conforme mostram [a-b], abaixo. No entanto, aqui ele ocupa uma posição deslocada à direita, em adjunção ao sintagma flexional. A posição de sujeito de Flexão, por sua vez, contém um pronome nulo referencial com o qual o SN deslocado está co-indexado. Não se trata de uma verdadeira inversão, o que fica provado pela naturalidade da construção correspondente com o pronome expresso, sempre possível (cf. [c-d]) (Tarallo & Kato 1989; Kato 1992 e 1993). Nota de Kato

(2004).

Revelam-se, assim, inteiramente irresponsáveis e temerários os atos praticados pelos Requeridos, promovendo devolução de cheque NÃO PERTENCENTE A REQUERENTE como também o PROTESTO DE TÍTULO FALSO e com CERTEZA a inclusão do nome do Requerente no indigitado cadastro e divulgando um dado absolutamente inverídico, como forma de pressioná-lo a assumir uma dívida irreal! (Grifos do autor)

Como se vê no trecho inicial “a requerente foi abruptamente comunicada...”, mantém a

chamada ordem direta (SV) por motivo que parece claro: temos trecho figurativo com sujeito

[+humano] em parte narrativa do texto. Estratégia que tem sido mantida nas diferentes peças

analisadas até agora. No segundo trecho, além da inversão, com o objetivo de focalizar a ideai da

irresponsabilidade da parte ré, o produtor do texto utiliza-se da modalização autonímica – que será

objeto de análise posteriormente.

O exemplo 19 é mais um caso em que se reforça a idéia de que a inversão é típica de trechos

injuntivos e de conclusões de raciocínios silogísticos, com se vê:

19. Diante do exposto, requer seja a Ré intimada a juntar aos autos, com a contestação que apresentar, o Título n. 05211018768003000, informado ao SPC como impago, vez que tem certeza que o mesmo foi fraudulentamente emitido, assinatura aposta não promanou do punho da Autora, é falsa, e por conseguinte restará provado que a Ré cometeu grave falha em seus serviços por haver examinado sem a devida cautela os documentos que foram apresentados para conceder crédito. (Inicial: Guanabara Comestíveis) (Grifo do autor)

Observa-se no trecho a inversão na subordinada substantiva objetiva direta e o não

preenchimento da posição do sujeito. O fenômeno ocorrera também nas denúncias, demonstrando-se

que parece haver uma sistematização nos procedimentos argumentativos utilizados pelos produtores

dos textos. Cabe observar que também se inverte a ordem dos constituintes como estratégia de

focalização, ou ênfase. Em “fraudulentamente emitida”, “grave falha” “devida cautela” – destacada

pelo autor, inclusive -, vê-se que o autor entendeu como importantes tais informações e se utilizou do

mecanismo que julgava adequado na tradução de seu raciocínio. A ordenação dos constituintes de

uma oração nas peças, dessa forma, mostra-se recurso essencial para os autores de textos jurídicos em

qualquer tipologia textual. Pelo que se vê, há inversões tanto em trechos narrativos, como descritivos,

argumentativos e injuntivos, dentro de uma mesma peça. Pelo menos nas vestibulares. Observe-se

que, em trechos narrativos, a inversão normalmente tem como sujeito a parte requerida, como no

exemplo:

20. Não negou a Ré que celebrou contratos de venda com terceiro, que usava os documentos e o nome do Autor, não tendo o menor cuidado em apurar sua autenticidade. (Inicial Guanabara)

No exemplo apresentam-se dois fatores determinantes de inversão nos textos ora analisados: a

focalização de uma ação verbal – no caso, uma tentativa de evidenciar um comportamento desviante

por parte da parte ré -, além da utilização de verbo dicendi com complemento oracional. Observa-se

que, por conta de uma estrutura fora dos padrões da língua – com a inversão em um primeiro

momento, e com sujeito nulo na seqüência -, o trecho final é entendido, porém seria ambíguo a um

leitor desavisado.

10.8 Ordenação de constituintes nas sentenças

Tendo como base, primeiramente, o processo n.º 200301554751, pode-se inferir que as

estratégias utilizadas pelos produtores de textos de peças vestibulares não seriam as mesmas, visto que

diferenciam-se em objetivo. No caso de sentenças, acórdãos etc., que são peças de caráter decisório,

não se busca a persuasão do interlocutor. Dessa forma, ao construir o texto, a ênfase a determinados

trechos seria menos acentuada, como o é em peças como denúncias, petições iniciais e contestações.

Observe-se o trecho inicial:

21. Assim sendo, determino aos requeridos somente negativarem os nomes dos associados em anexo, com observância da Lei 9.492/97, ou seja, com prévia comunicação à pessoa afetada, por meio de carta registrada com aviso de recebimento (AR), pessoal; que sejam também excluídos os nomes cujos lançamentos foram feitos sem observância da referida lei.

22. Para o caso de descumprimento do mencionado diploma legal, fixo a multa às requeridas, no valor de R$ 3.000,00 ( três mil reais ), por cada evento lesivo devidamente comprovado.

Como se pode ver, há um uso de primeira pessoa, tendo em vista o poder de decisão.

O trecho é injuntivo. Entretanto, não se utiliza o pronome de primeira pessoa, a indicação fica

na desinência, necessariamente, apesar de não haver norma que estabeleça tal procedimento

lingüístico. O apagamento do sujeito, no entanto, implica a ausência de paralelismo no trecho

da penúltima oração. “(...) que sejam também excluídos os nomes...” No exemplo 21, a

ocorrência de verbo em primeira pessoa também exclui a necessidade de uso de pronome que

preencha a posição de sujeito.

Com relação à posição dos adjetivos, observa-se que ambos apresentam valor

anafórico, tendo em vista que retomam conteúdos previamente citados. Com isso, aparecem

em ordem não-canônica, nos casos “referida lei” e “mencionado diploma legal”. O mesmo

procedimento é adotado com o advérbio devidamente. O termo foi utilizado em situação que

se referisse a algo trazido previamente. Ou seja, quando fala em “devidamente comprovado”,

leva-se em conta a idéia de que, primeiramente, apresenta-se o conteúdo normativo, para

fazer-se o pedido posteriormente.

Em trecho subseqüente, o exemplo é, na verdade, evidência de que a inversão de

ordem gera entendimento de sujeito nulo, e o de que construções com passiva sintética

poderiam ser entendidos como artificiais, no que diz respeito ao entendimento de um

argumento interno como sujeito.

23. Cite-se as suplicadas para, querendo, contestarem a ação, prazo de quinze (15) dias, sob as penas da Lei. (Grifo meu)

Interessante é que relatórios de sentenças são entendidos como textos narrativos em

sua estruturação básica. Entretanto, a expressão inicial é justamente a de apresentação,

descrição do que se trouxe no processo. Há, possivelmente, um trecho que poderia ser tratado

como híbrido e não majoritariamente narrativo. Observe-se:

24. VISTOS ETC.

Trata-se de Ação Cívil Coletiva ajuizada pela ASCON - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSUMIDORES em face da SERASA - Centralização de Serviços dos Bancos SA e Câmara de Dirigentes Logistas (sic) de Goiânia - CDL ( Serviços de Proteção ao Crédito - SPC), com pedido de antecipação de tutela , objetivando proteger os interesses coletivos e individuais dos seus associados, com suporte no art. 81 e seguintes da Lei 8.078/90( CDC ), entre outros dispositivos legais:

a- para absterem-se de negativar seus nomes sem o prévio protesto, na forma da Lei 9.492/97 e prévia comunicação à pessoa afetada, por meio de carta registrada com aviso de recepção (AR), pessoal e comprovadamente recebida;

b- excluírem, imediatamente, os lançamentos relativos aos sócios ocorridos em desconformidade com a legislação em vigor;

c- que seja fixada multa aos requeridos para o caso de descumprimento do decisório.

Acompanharam o requerimento, os documentos ( fls. 18/48 e 52/851 ). (Grifo meu)

A utilização de verbo no pretérito, que caracterizaria a narração, aparece apenas no

trecho final de alguns relatórios, como o exemplificado, evidenciando, também, que não se

trataria de texto essencialmente narrativo, mas também descritivo. O trecho em que se

observa o uso de verbo no pretérito está na ordem VS, com a separação do sujeito que ficou

distante do verbo acompanhar. Cabe observar se o mesmo procedimento será sistemático ou

meramente localizado.

Há um entendimento de que em narrativas de sentença não haveria uma utilização da

estratégia de inversão. Tal procedimento seria comum a peças tais como iniciais e denúncias.

Assim, sem argumentação ou injunção expressa, haveria uma tendência à não inversão da

ordem do sujeito nos relatórios, uma vez que, por se tratar de narrativas simples – tidas como

neutras -, não apresentariam juízo de valor. Esse é o entendimento geral, que, no entanto, não

se observa na sentença, cujos trechos seguem:

25. Explicita o Sr. Promotor de Justiça que a prática delituosa consistiu em que “a denunciada

escreveu e publicou o editorial...”

26. (...) Entendeu o órgão ministerial que a denunciada incorreu nas sanções do art. 21 ...

27. (...) a mesma explana sobre assunto relativo...

28. A defesa tenta provar (...) que o juiz era conivente...

29. (...) cuja existência a acusada entende inadmissíveis...

30. Imputa o órgão ministerial à autora a prática do crime de difamação... (Autos:0384 05

039696-7)

O dado inicial a se observar está na referência aos representantes de defesa e de

acusação. Trata-se de sentença referente à denúncia oferecida pelo Ministério Público. No

caso, o Estado seria o sujeito ativo na relação processual, enquanto a ré, o elemento passivo.

Pelo que se analisa, o juiz, ao construir o texto, diferencia os elementos agente/paciente de

maneira interessante na construção do relatório. Nesse trecho inicial, as referências ao MP

são feitas na ordem inversa, enquanto aquelas à parte ré vêm em ordem SV.

A intenção do locutor não pode ser expressa no decorrer de um relatório, porém, ao

manter os papéis de agente e paciente da narrativa com a jornalista e o juiz, respectivamente,

identifica-se u certo posicionamento por parte da juíza responsável pelo julgamento do mérito.

As ações do MP – responsável pela denúncia –estão normalmente enfatizadas na construção

do texto, o que não ocorre com o texto da jornalista. Ao contrário do que ocorrera em peças

vestibulares, não houve o destaque negativo das ações, mas o positivo. Isso se pode concluir

pelo teor da decisão proferida, em que a jornalista é responsabilizada e culpabilizada por

difamação.

Com relação à parte decisória, o procedimento de fechamento do texto com trecho injuntivo e

nversão parece manter-se:

31. Fica, portanto, a pena definitiva fixada em quatro meses de detenção e dois salários mínimos

à (...) época do fato. (Grifo meu) (Autos:0384 05 039696-7)

8.9 ARTICULAÇÃO SINTÁTICA POR MEIO DE CONECTORES

Por conta de celeridade processual, exige-se, muitas vezes, a objetividade na produção do

texto jurídico, o que não justificaria a presença de frases muito longas, com a utilização de conectores

do tipo lógico em grande escala. Dessa forma, a partir da leitura dos dados, observou-se que, embora

extremamente formais, os textos jurídicos analisados não apresentam uma variedade tão grande de

conectores em sua maior parte. Em muitas seqüências, há a preferência pela utilização de orações

reduzidas, como no exemplo:

51. Assim agindo , está o Denunciado incurso nas penas do artigo 331, do Código Penal. (Grifo

meu.) (2004.823.003695-7)

52. Ante o exposto, requer o Ministério Público o recebimento da presente com a conseqüente

instauração da ação penal, a citação do denunciado para vir responder aos termos desta,

sob pena de suspensão, a intimação das testemunhas, o deferimento das diligências e a final

CONDENAÇÃO do ora Denunciado. (Grifo meu, na oração reduzida.) (538/2007)

Exceção é observada em trechos de habeas corpus, que seguem:

53. Se não houve o crime de fuga, não pode vigorar a prisão do paciente, porque senão estaríamos desrespeitando o due process of law. (HC/Landgraf)

Observada a seqüência maior, entende-se que o produtor do texto tenta construir um silogismo

do tipo Se p, então q. Mais à frente utiliza construção com conector explicativo. Como se trata de

texto em que se constrói narrativa valorada, uma vez que se contará o fato, tentando-se tirar qualquer

responsabilidade do defendido em um possível ato ilegal, a tendência seria a utilização de recursos de

modalização de uma maneira geral. No entanto, o autor se preocupa em explicar o que é um HC, daí o

emprego de conectores explicativos também. Além disso, preocupa-se, também, em demonstrar que

cabe o emprego de tal procedimento processual no caso em exposição.

54. A doutrina e a jurisprudência pátria, apesar da inexistência de previsão legal, estão estendendo ao Habeas Corpus a possibilidade da concessão liminar, prevista no mandado de segurança, desde que presente o excesso praticado e o constrangimento ilegal, com o descumprimento das leis vigentes, as quais albergariam o direito do paciente.

Observe-se que, na sentença que segue, mantém-se o recurso das orações reduzidas:

55. Cite-se as suplicadas para, querendo, contestarem a ação, prazo de quinze (15) dias, sob as penas da Lei.

56. a- para absterem-se de negativar seus nomes sem o prévio protesto, na forma da Lei 9.492/97 e prévia comunicação à pessoa afetada, por meio de carta registrada com aviso de recepção (AR), pessoal e comprovadamente recebida;

57. b- excluírem, imediatamente, os lançamentos relativos aos sócios ocorridos em desconformidade com a legislação em vigor (...)

Trata-se, possivelmente, de uma tentativa de manter uma objetividade, uma vez que o uso de

conectores estaria ligado a um processamento mais lento da informação. Entretanto, se é esse o real

motivo para a produção do texto sem uso de tantos conectores, na verdade o procedimento se daria não

com o objetivo de facilitação da leitura pelo interlocutor, mas para o próprio produtor do texto. Tal

raciocínio poderia se justificar pelo fato de não se adotarem outros procedimentos de facilitação da

leitura.

Uma explicação para a não utilização dos conectores em muitos dos textos jurídicos poderia

ser a influência de estruturas latinas que se mantêm nesse domínio discursivo. Isso se comprova até

nos títulos das partes – além, é claro, de brocardos e expressões prontas utilizadas nos texto. Vê-se

que se reproduz a estrutura sintática do latim, por conta de uma sintetização, sem o uso de elementos

de conexão. Daí a preferência por estruturas com orações reduzidas. Observem-se os exemplos da

sentença:

58. Superada essa inicial questão, passo a analisar a conivência (...)

59. Tendo o feito seguido a ordem normal de tramitação de um processo criminal (...)

60. Averiguando os problemas enfrentados pelos encarcerados em Leopoldina (...)

(Sentença/Glória Reis)

A celeridade é questão processual, entretanto a busca por essa rapidez nas decisões acaba

influenciando na escrita dos operadores do direito, que acabam não privilegiando estratégias

argumentativas mais elaboradas. Isso, aos olhos de muitos, configuraria um empobrecimento da

língua. Na verdade, a produção de textos dessa natureza estaria fadada a uma produção teoricamente

mais pobre, uma vez que se passa a idéia de que a leitura desse material não seria para diletantes, mas

para profissionais que não poderiam perder tempo. Com isso, os textos tornam-se menores, e o

discurso com recursos lingüísticos menos elaborados.

8.10 A MÁXIMA DA QUANTIDADE EM TEXTOS JURÍDICOS

A quantidade de informações a serem trazidas em um texto jurídico é algo a que se deve fazer

referência, quando se questiona a inteligibilidade, a adequação e a possibilidade de depreensão de

sentidos nos textos jurídicos. Percebe-se pela análise que muitas das construções são desnecessárias –

principalmente no que diz respeito a argumentos de autoridade como doutrinas e jurisprudências.

Muitas vezes o autor do texto entende equivocadamente que a quantidade de informação tem a ver

com a persuasão do interlocutor.

Levando isso em conta, observa-se que em textos de membros do Ministério Público e da

Defensoria Pública, além de juízes em geral não constroem textos tão extensos, antes pelo contrário, as

informações trazidas por esses produtores são, habitualmente, mais enxutas. A motivação para tal

procedimento seria a necessidade de acelerar o processo para se chegar a um resultado mais

rapidamente. Tal recurso, porém, não se traduziria, necessariamente, em uma produção de excelência.

Observe-se o exemplo:

61. No dia 24 de abril de 2004, por volta das 23:10 horas, na Rua Tomé de Sousa, s/ nº, Praia Seca, Araruama, o Denunciado, livre e consciente, desacatou o policial militar, Vanderlei Domingues Gomes, no exercício de suas funções, proferindo, ao ser abordado, as seguintes expressões: “um telefonema resolveria o fato”, menosprezando, portanto, a ação policial.

Consta do procedimento, que a vítima e seu colega de farda, João Marcelo de Sousa Barreto, avistaram um veículo GM, Astra, placa LOK 0381, fazendo manobras perigosas e que ao abordá-lo, o primeiro ordenou que o autor de fato saísse do automóvel para que então viesse a revistá-lo. Neste ato, o Imputado saiu do automóvel e proferindo as expressões injuriosas contra a vítima.

Assim agindo, está o Denunciado incurso nas penas do artigo 331, do Código Penal.

Ante o exposto, requer o Ministério Público o recebimento da presente com a conseqüente instauração da ação penal, a citação do denunciado para vir responder aos termos desta, a intimação das testemunhas, o deferimento das diligências e ao final, a CONDENAÇÃO do ora Denunciado. (Denúncia)

Entre a parte de apresentação dos fatos e a fundamentação para o estabelecimento efetivo da

denúncia, o caminho percorrido pelo produtor do texto é bem curto, ao contrário do que normalmente

ocorre em textos de petições iniciais. Tendo em vista que a pressão é menor, a preocupação em trazer

mais dados para a fundamentação também o é. Assim, enquanto em peças da área cível cujos

produtores sejam advogados, a tendência é uma produção mais extensa; quando se trata de produtores

que são funcionários públicos, o material produzido tende a ser reduzido.

A título de exemplo, observe-se a quantidade de informação trazida em petição inicial, em que

se trata de questão tida como simples. Por motivos de espaço, o texto foi editado, todavia consegue-se

vislumbrar a tentativa de persuasão por meio de reiterações de ponto de vista à exaustão. Como dito

anteriormente, há uma extrema preocupação em destacar os chamados argumentos de autoridade,

demonstrando a violação não só da Máxima da quantidade, como a da relevância.

DOS FATOS

1. O Autor, o Sr. Jorge Pessoa Maranhão, mantém junto à Ré a conta corrente bancária de n° 96092491, na agência do BANCO n° 02 008, sendo certo que, com ela firmou Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial.

Ocorre que, apesar desta constar da ficha cadastral, o Autor não recebeu cópia do citado Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente.

Decorreu algum tempo sem qualquer problema, até que, a partir do final do ano de 1997, , começou a passar por dificuldades financeiras, o que o obrigou a se utilizar do crédito do cheque especial.

Dentro do que lhe era possível, face à precariedade de seus vencimentos, inclusive contando com auxílio de seus familiares, o Autor vinha tentando saldar regularmente suas obrigações para com a Ré. Ou seja, toda vez que a Demandada fazia um lançamento de débito em sua conta corrente o Demandante, pessoa cordata, que nunca discutiu os importes que lhe eram imputados, depositava o suficiente para cobrir tais débitos.

(....)

Acrescente -se que, a Ré fez a exigência ao Autor, de pagamento integral de seu débito, no importe de R$ 5.026,55; instada, contudo, a demonstrar como chegou a tal montante, através de cálculos e/ou de planilhas, esta se esquivou em os apresentar.

Procurando aconselhamento profissional, o Autor, foi informado que era mais do que provável que, para o cálculo do saldo devedor da

conta corrente, a Ré estaria cometendo, dentre outras irregularidades, anatocismo (ilegal cobrança de juros sobre juros), além de aplicar índices de atualização monetária com base em fatores ilegais (TR, AMBID, CETIP, ANDIMA, CDB, CDI e etc. ), e ainda, cobrança de comissão de permanência cumulada com correção monetária.

Portanto, não restando outra alternativa para o fim de resguardo de seus direitos, o Autor propõe a presente Ação de Revisão de Contrato cumulada com Repetição de Indébito, com pedido de concessão de Tutela Antecipada, como segue:

II - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A ADESIVIDADE CONTRATUAL E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

A doutrina e a jurisprudência, em uníssono, atribuem aos negócios celebrados entre o Autor e a Ré o caráter de contrato de adesão por excelência.

Tal modalidade de contrato obviamente subtrai a uma das partes contratantes a aderente praticamente toda e qualquer manifestação da livre autonomia na vontade de contratar, constrangendo-a à realização do negócio jurídico sem maiores questionamentos.

A legislação pátria disciplina, especificamente no Código de Defesa do Consumidor (arts. 54 e 18, § 2°), os contratos de adesão, estabelecendo normas que coíbem a usura e banem o anatocismo.

(...)

A Lei n° 8.078, de 11/09/90 (Código de Proteção e Defesa ao Consumidor), define, no art. 54, o que são contratos de adesão, verbis:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Estampa-se o seguinte quadro, descrito pelo articulista (o citado advogado, Luiz Zenun Junqueira):

Não se cuida de dificuldades surgidas no curso de um contrato de empréstimo bancário, muito menos de modificações operadas pela desatada inflação, velha e revelha, antiquíssima, mas do desrespeito e da infidelidade do credor, já no momento mesmo da celebração do contrato, ávido pela exploração consciente da desgraça alheia, rompendo-se, no seu nascedouro, a noção de boa-fé e dos bons costumes.

Destarte, do só fato de uma parte permitir que a outra contrate, em estado de aflição, contraprestações intoleráveis e onerosíssimas, sujeitando a toda e qualquer sorte de cláusulas unilateralmente preestabelecidas, comprova-se, quantum satis, que ao credor interessa, sobretudo, a penúria do devedor, quando lhe impõe, assim, obrigações exageradas, injurídicas, anti-sociais e injustas.

Como aderente de um contrato recebe o instrumento pronto, incumbindo-lhe tão unicamente aceitar ou rejeitar as regras e condições estabelecidas. Como nota lnocêncio Galvão Teles, sua liberdade apenas oscila entre um sim e um não, e mesmo essa possibilidade de escolha é muitas vezes ilusória, porque o autor da oferta goza de um monopólio de fato ou de direito que, eliminando a concorrência, força a contratar com ele.

(grifo nosso)

Nesses casos, a vontade fica alijada de qualquer manifestação livre, como bem assinala CARLOS ALBERTO DA COSTA PINTO (ob. cit., pg. 34):

Necessidade, falta de conhecimento, indiferença, ingenuidade, tudo concorre para tornar mais fraca a posição do cliente. Em face dele, a empresa, autora do padrão de todos os seus contratos, tem a superioridade resultante destas deficiências, da posição do cliente, bem como as vantagens da sua qualidade de ente organizado e, em muitos casos, poderoso, em contraste com a dispersão e, em muitos casos, debilidade social e econômica dos consumidores.

No caso em apreço, restou ao Autor apenas concordar através da adesão com as cláusulas e condições preestabelecidas pela Ré o que caracteriza ato típico de abuso do poder econômico.

(...)

DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Dentre as técnicas de repressão ao abuso do poder econômico ou à eventual superioridade de uma das partes em negócios que interessem à economia popular (como in casu) encontra-se o instituto da presunção: a necessidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes concorre para que se presuma, por parte do aderente, a falta de cognoscibilidade suficiente quanto ao alcance do contrato.

Milita, pois, em favor dos Autores a presunção de que desconheciam o conteúdo lesivo do contrato à época em que foi celebrado, opera-se de plano a inversão do ônus da prova.

Corroborando tal assertiva, o Autor pedem a devida vênia, para transcrever o pensamento de CARLOS MAXIMILIANO (op. cit., pg. 351/353):

Todas as presunções militam a favor do que recebeu, para assinar, um documento já feito. Ás vezes, pouco entende do assunto e comumente age com a máxima boa-fé: lê às pressas, desatento, confiante. É justo, portanto, que o elaborador do instrumento ou título sofra as conseqüências das próprias ambigüidades e imprecisões de linguagem, talvez propositadas, que levaram o outro a aceitar o pacto por o ter entendido em sentido inverso ao que convinha ao coobrigado (...). Palavras de uma proposta interpretam-se contra o proponente; de uma aceitação, contra o aceitante. Assim, pois, as dúvidas resultantes da obscuridade e imprecisão em apólice de seguro interpretam-

se contra o segurador. PRESUME-SE QUE ELE CONHEÇA MELHOR O ASSUNTO E HAJA TIDO INÚMERAS OPORTUNIDADES PRÁTICAS DE VERIFICAR O MAL RESULTANTE DA REDAÇÃO, TALVEZ PROPOSITADAMENTE FEITA EM TERMOS EQUÍVOCOS, A FIM DE ATRAIR A CLIENTELA, A PRINCÍPIO, E DIMINUIR, DEPOIS, AS RESPONSABILIDADES DA EMPRESA na ocasião de pagar o sinistro.

Nesse diapasão é o entendimento do preclaro mestre PAULO LUIZ NETO LOBO (op. cit., pg. 114/115), que assevera a posição de desvantagem dos Autores como determinante da presunção que vem operar a inversão do ônus da prova contra a Ré:

COMPETE AO PREDISPONENTE PROVAR QUE O ADERENTE (não o aderente em particular, mas o aderente típico, qualquer aderente) TEVE FACILITADOS OS MEIOS DE COMPREENSAO E CONHECIMENTO DAS CONDIÇÕES GERAIS.

No direito das condições gerais, a cognoscibilidade abrange não apenas o conhecimento (poder conhecer) mas a COMPREENSÃO (PODER COMPREENDER). COMPREENDER E CONHECER NÃO SE CONFUNDEM, TODAVIA, COM ACEITAR E CONSENTIR. Não há declaração de conhecer. O aderente nada declara. A cognoscibilidade tem caráter objetivo; reporta -se à conduta abstrata. O aderente em particular pode não ter efetivamente conhecido as condições gerais.

(...)

A DECLARAÇÃO DE TER CONHECIDO E COMPREENDIDO AS CONDIÇÕES GERAIS NÃO SUPRE A EXIGÊNCIA LEGAL E NÃO IMPEDE DE PEDIR JUDICIALMENTE A INEFICÁCIA DELAS.

(...)

III DAS PROVAS

O Autor comprova os fatos alegados com os inclusos documentos, e, se for necessário, requer, desde já, se digne V. Exa. deferir a produção de provas pericial, testemunhal e documental, sem dispensar os demais meios de prova em direito admitidos.Outrossim, o Autor requer se digne V. Exa., para a instrução do presente feito, determinar à Ré que apresente os seguintes documentos:

A) Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, mais conhecido como cheque especial, referente à sua conta corrente bancária já citada;

B) documentos que demonstrem a exatidão dos valores que deram causa aos lançamentos em débito na citada conta corrente; e,

C) os cálculos e/ou planilhas discriminada, que demonstrem os valores que estão sendo cobrados do Autor, em decorrência do Contrato retro mencionado;

IV DO PEDIDO

Posto isto, diante de tudo o quanto restou demonstrado, sem dispensar os doutos suprimentos deste E. Juízo, o Autor requer se digne V. Exa.:

A) deferir a antecipação da tutela propugnada supra, in limine e inaudita altera pars, com fundamento no art. 273, do CPC:

A.1) mandar intimar a Ré acerca do despacho concessivo através de mandado judicia l a ser cumprido por oficial de justiça junto a

agênciacitada, situada nas dependências do Lugar conhecido, cujo endereço é conhecido deste E. Juízo e respectivo douto Cartório;

A.2) determinar a expedição de mandado judicial na forma da letra anterior, no sentido de que a Ré tome as devidas providências no sentido de se abster de levar a protesto quaisquer títulos oriundos dos contratos sub judice, e, principalmente, de cancelar o lançamento do nome do Autor, nas listas de restrição creditícia do SPC, SERASA e Banco Central, até o final da lide, sob pena de responsabilização por perdas e danos oriundos de eventual abalo de crédito;

A.3) determinar a expedição de ordem escrita, a ser veiculada também por mandado judicial, intimando a Ré a abster-se de debitar as parcelas vincendas dos contratos sub judice da conta corrente do Autor;

B) determine abertura de conta judicial, para que o autor proceda depósito mensal no valor de R$ 250,00(duzentos e cinquenta reais)

C) julgar totalmente procedente a ação, para, operando a revisão integral da relação contratual; e,

C) declarar a nulidade das cláusulas abusivas, com o conseqüente expurgo do anatocismo, a redução dos juros e encargos aos limites legalmente definidos, tudo calculado de forma simples e sem capitalização mensal, excluindo-se o método hamburguês ou outro que tiver sido aplicado e quaisquer indexadores que contenham parcela remuneratória além da taxa inflacionária;

D) fixar a forma de cálculo e o montante devido, modificando os critérios de correção das contra-prestações pagas, aplicando-se tão somente o IGPM como expoente inflacionário;

E) condenar a Ré a:

E.1) restituir ao Autor as importâncias cobradas a maior a título de juros capitalizados, correção monetária, comissões de permanência e quaisquer outros títulos ilegais a serem apurados, desde a celebração do contrato, devidamente acrescidas de juros e correção monetária desde o efetivo desembolso, compensando o saldo credor apurado contra a Ré com o valor do débito efetivamente devido;

E.2) condenar a Ré nas custas, despesas processuais e honorários de advogados, contemplando a totalidade da condenação o acréscimo de juros, correção monetária, e, no que for aplicável, a penalidade prevista no § único do art. 42, da Lei n° 8.078/90, e o art. 1.531, do C. Civil;

J) ao final, julgar procedente in totum o feito, confirmando a tutela antecipadamente deferida, ou seja, condenando a Ré a tomar as devidas providências no sentido de, em definitivo, se abster de levar a protesto quaisquer títulos oriundos dos contratos sub judice, e, principalmente, de cancelar, também em definitivo, o lançamento do nome do Autor, nas listas de restrição creditícia do SPC, SERASA e Banco Central, até o final da lide, sob pena de responsabilização por perdas e danos oriundos de eventual abalo de crédito, além do pagamento de multa pelo inadimplemento (da obrigação de fazer) no importe de R$ 500,00 (Quinhentos Reais) por dia de atraso.

V DO REQUERIMENTO

Posto isto, os Autores requerem se digne V. Exa., mandar citar a Ré pelo correio, nos termos dos arts. 222 e seguintes, do CPC, na pessoa de seu representante legal, para que tome ciência de todos os termos e atos desta cautelar e, em querendo, apresentar sua resposta no prazo legal, bem como para acompanhar este feito até o seu final, sob pena de, não o fazendo, arcar com os ônus da revelia.

VI . DO VALOR DA CAUSA

18. Para os devidos fins, o Autor dá à presente o valor de R$ 1.000,00.

Termos em que, p. deferimento.

Brasília, 39 de março de 1999

Deve-se lembrar que o texto foi adaptado e que grande parte do que o autor trata como

fundamentação foi retirada. Isso corrobora a idéia de que se entende a necessidade da produção de um

texto extenso com o objetivo de persuadir. Não há uma observação da qualidade dos argumentos, até

porque, como se viu anteriormente, as estratégias são não privilegiam em grande parte das vezes os

aspectos lingüísticos formais.

Quando se fala em celeridade do processo, não se deve levar em consideração apenas a

questão técnica, mas também a objetividade na produção textual. O que se observa no trecho é que

faltou ao produtor do texto o bom senso de ir direto ao ponto. Em casos de tal monta, é ponto pacífico

que a decisão deve favorecer o cliente. Casos de anatocismo têm essa característica e, muitas vezes, o

próprio banco entende o erro, reconhece-o e evita a ação do cliente. Entretanto, não foi o que

aconteceu na peça, em que houve uma preocupação exacerbada com as informações trazidas em

grande quantidade. Na oralidade, normalmente se utiliza da quantidade maior de informações para

afirmar um raciocínio a um determinado interlocutor. A tendência de se cansar o destinatário, porém,

é muito grande. Na prática forense isso fica mais evidente, pois o juiz trabalha com material de leitura

e, quanto maior o texto, menor a possibilidade de se julgar adequadamente.

A produção do texto é permeada por expressões que busquem a solidariedade do interlocutor.

Com isso, recheia -se o texto com expressões modalizadas que tornam o material teoricamente mais

robusto. Não há, porém, enriquecimento na parte factual, fazendo com que as construção tendam à

tautologia. Outro recurso utilizado para “inchar” o texto é a colagem de ementas25. A presença desse

tipo de material, por conta de formatação, impede a objetividade. Não existe outra forma de trabalhar,

a não ser pela utilização de recorte e colagem. Muitas vezes há uma seqüência com várias ementas e

súmulas, que às vezes se repetem, e impedem a progressão do raciocínio.

A seleção de informações é passo primordial que antecede o de produção da narrativa e

posteriormente da fundamentação. Quando não se procede de tal forma, a tendência é a de que haja a

inadequação que se observa na produção da narrativa e da argumentação ora observada. Ao fim do

processo, pode haver uma decisão favorável ou não à parte defendida – no caso, mais provável é a

decisão favorável por conta da questão do anatocismo -, todavia há uma lentidão nos procedimentos, e

a justiça não se efetiva de maneira célere, o que deveria ser um de seus objetivos.

25 Resumo técnico de decisões, que têm a função de facilitar a pesquisa jurisprudencial.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que se observou na leitura do material e utilizando o material de

fundamentação, pode-se chegar a conclusões sobre a natureza do texto jurídico e sobre como

se poderiam solucioná- los. Isso levando em consideração o fato de que haveria vontade de

remover as dificuldades no acesso à justiça, gerados pelo hermetismo da linguagem jurídica.

Num primeiro momento, entende-se que a questão da adequação do texto jurídico

dependeria de uma reestruturação da norma processual, no intuito de garantir aos intérpretes

da norma possibilidades de trabalhar também com o não dito – isso acontece no que diz

respeito a artigos da Constituição Federal, ou mesmo do Código Civil Brasileiro, que acabam

adotando a possibilidade de se fazer a justiça, preservando o bom senso –, entretanto, quando

se trata de questões técnicas, muitas há um engessamento do judiciário.

Como conseqüência, juízes acabariam ganhando mais força em suas decisões, desde

que essa fundamentação fosse pertinente. Os fatos deveriam ser analisados de maneira tal que

não houvesse discussão a respeito das determinações do juízo. No entanto, sabe-se que tal

decisão implicaria o recebimento de atribuições além da conta, na visão dos outros Poderes da

República, o que poderia não ser interessante. A possibilidade de uma leitura mais

abrangente, todavia, teria sua função social, e poder-se- ia dizer que impediria decisões

injustas.

Com a reformulação da parte normativa, o operador do direito se sentiria menos

tolhido na produção textual, podendo trabalhar com estruturas típicas do português do Brasil,

o que, entende-se, não ocorre hoje.

Estruturas como ordem VS – em trechos que apresentem argumentos de autoridade -,

sujeito nulo, preenchimento do papel do objeto são dados tratados como marcados no

português no Brasil, que, entretanto, são praticamente prototípicos no discurso jurídico. Ao

se preocuparem menos em se adequar a um vernáculo, que, na verdade, é inapropriado para o

entendimento de parte da comunidade lingüística que terá acesso à informação, haveria menos

incidência dos chamados erros gramaticais, como os erros de concordância por exemplo.

Também pouco se identificaria de erros de pontuação, que tenderiam a não ocorrer.

Com relação à obscuridade das informações, o poder de interpretação que se atribuísse

aos juízes também permitiria aos advogados maior facilidade de produção, tendo em vista que

se preocupariam menos em estar preenchendo requisitos de uma determinada, e mais em

tornar o texto acessível a qualquer tipo de leitor, inclusive seu próprio cliente. A preocupação

com a justiça a ser feita seria menor, visto que o próprio sistema estaria agora a favor da

justiça. Da maneira em que se encontra atualmente, os processos judiciais parecem não

buscar a justiça, mas a legitimação do direito em si. Isso fica claro quando, não observados

procedimentos técnicos de maneira adequada, um provável culpado é inocentado de um

crime, ou um inocente é injustamente condenado.

Não é o caso de se propor a tese de que, por conta do latim, o texto jurídico apresenta

uma estrutura mais compacta, entretanto seria interessante observar tal aspecto, dando

especial relevo a estruturas latinas para se estabelecer comparação adequada. Com relação à

estruturação dos textos jurídicos, o que se pode dizer é que o que normalmente é tratado como

canônico em outros discursos acaba tendo outra característica na produção de peças. Por

exemplo, viu-se nesta pesquisa que, em casos de polifonia, com a entrada de argumentos de

autoridade – no direito em casos de chamada de doutrina -, observou-se que, em grande parte

dos casos – talvez até a maioria -, existe uma preocupação do autor do texto em destacar a fala

do doutrinador. Com a ênfase trazida a essa fala, o produtor do texto opta pela inversão do

sujeito em uma ordem VS. O contexto apresenta, normalmente, complemento oracional com

oração subordinada substantiva – normalmente objetiva direta.

Observação das mais importantes a serem feitas seria a de que, por conta de prováveis

deficiências lingüísticas, há uma tendência de se utilizar da modalização autonímica como

recurso chave na produção da argumentação jurídica. Na produção de peças por parte dos

advogados, na maioria das vezes, identificaram-se construções em que essa estratégia era não

só recorrente como, muitas vezes, única na tentativa de convencer o interlocutor de um ponto

de vista. Viu-se que tal recurso não é típico da produção de textos de juízes, tendo em vista

não haver a necessidade de convencimento do interlocutor, mas de uma justificativa do

próprio ponto de vista. A fundamentação do magistrado se dá por conta de dever de ofício.

Pode-se dizer que não é seria uma tentativa de convencimento, mas uma justificativa pelo

ponto de vista adotado.

A observação de sentenças – fossem isoladas de um contexto, fossem presentes em um

processo – revelou que realmente a utilização do recurso da modalização é mínimo, o que

demonstra uma maior capacidade desses operadores. Aliás, isso não é uma novidade, tendo

em vista que juízes são testados nesse sentido. A proficiência na produção de peças, em sua

análise, nas estratégias de argumentação, além da análise da capacidade de articulação das

idéias por parte dos advogados é algo obrigatório na vida de um juiz. Portanto, o escrever

bem não é algo de que esse profissional se possa excusar. Isso, portanto, não configura

confirmação de hipótese proposta, sendo apenas uma observação.

Com relação à adequação do texto aos anseios sociais – o que implicaria uma

reestruturação da linguagem jurídica em termos de vocabulário, estruturação sintática, para

mencionar o mínimo, entende-se que é uma improbabilidade, visto que é de interesse de parte

da sociedade que haja uma inadequação. Viu-se que o acesso à justiça é algo requerido por

muitos, mas desinteressante a outros, por ser caro – há casos de populações ribeirinhas sem

qualquer registro civil -, além de politicamente inviável, uma vez que se tiraria poder de

grupos cuja prática do tráfico de influências é algo essencial.

A mera adequação do discurso não seria algo suficiente ao andamento célere de um

processo, que se veria travado por conta do próprio sistema – calcado numa linguagem

injuntiva -, que permitiria privações por conta de tecnicalidades. Dessa forma, a idéia de que

a lingüística poderia exercer um papel de facilitador de inclusão social torna-se bastante

relativo. A vontade política seria, na verdade, essencial para que os estudos da linguagem

fossem efetivados na prática jurídica como um todo.

Outro dado a acrescentar é o de que se entende que quanto maior a informação a ser

transmitida, maior a chance de se chegar ao objetivo do convencimento da parte contrária.

Em diversas situações, ficava clara a falta de objetividade dos produtores do texto ao tentarem

transmitir informações. Aos fatos se adicionavam elementos de fundamentação fora do

momento adequado da peça, tornando-a, algumas vezes, confusa ao extremo. A adequação,

nesse caso, passaria, primeiramente, pelo entendimento do que é relevante ou não no material

a ser escrito. Nesse aspectos, as máximas de Grice no que diz respeito à informatividade

simplesmente não funcionam.

Assim, fica a proposta para a melhora na produção do texto jurídico, a partir da análise

de fenômenos que se entendem como problemáticos na produção desse tipo de discurso.

Caberia também uma análise futura de aspectos relativos a textos doutrinários e legislativos,

para que se tenha uma visão completa do que é o texto jurídico numa acepção completa. Isso,

porém pode surgir em trabalhos posteriores sobre o assunto.

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