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REVISÃO Resumo O manejo do parto gemelar é tema controverso em Obstetrícia. A via de parto ideal na gemelidade ainda não foi estabelecida. Até o presente momento, o parto vaginal deve ser considerado para cerca de 80% das gestações gemelares diamnióticas, o que representa todos os casos em que o primeiro gêmeo está em apresentação cefálica. Dessa forma, o conhecimento das diversas peculiaridades do parto gemelar é fundamental para a boa prática obstétrica. Este artigo revisa diversos aspectos concernentes ao parto gemelar: duração da gravidez, indução e estimulação do parto, parto vaginal após cesariana, via de parto, intervalo de parto entre os gêmeos e conduta no segundo gemelar não cefálico. Abstract Intrapartum management of twins is a controversial subject in Obstetrics. The optimal route of delivery of twins has not yet been established. Nowadays, vaginal delivery should be considered for almost 80% of diamniotic twin pregnancies, in other words, all cases in which the first twin presents in the vertex position. Thus, the knowledge of several issues of twin birth is essential for best practice. This paper reviews many aspects of twin pregnancy concerning birth management: pregnancy length, induction and augmentation of labor, vaginal birth after cesarean, mode of delivery, intertwin delivery interval and nonvertex second twin birth. Marcos Nakamura-Pereira 1 Alfredo de Almeida Cunha 2 Carlos Antonio Barbosa Montenegro 3 Palavras-chave Gêmeos Parto obstétrico Versão fetal Nascimento vaginal após cesárea Apresentação no trabalho de parto Keywords Twins Delivery, obstetric Version, fetal Vaginal birth after cesarean Labor presentation 1 Professor de Obstetrícia da Universidade Gama Filho (UGF); médico da 33ª Enfermaria (Maternidade) da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil 2 Professor adjunto de Obstetrícia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil 3 Professor titular de Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil Considerações sobre o parto na gestação gemelar diamniótica Considerations of birth in diamniotic twin pregnancy

Gestação gemelar

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o artigo aborda aspectos gerais quanto a gestação gemelar

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Revisão

Resumo O manejo do parto gemelar é tema controverso em Obstetrícia. A via

de parto ideal na gemelidade ainda não foi estabelecida. Até o presente momento, o parto vaginal deve ser

considerado para cerca de 80% das gestações gemelares diamnióticas, o que representa todos os casos em que

o primeiro gêmeo está em apresentação cefálica. Dessa forma, o conhecimento das diversas peculiaridades do

parto gemelar é fundamental para a boa prática obstétrica. Este artigo revisa diversos aspectos concernentes

ao parto gemelar: duração da gravidez, indução e estimulação do parto, parto vaginal após cesariana, via de

parto, intervalo de parto entre os gêmeos e conduta no segundo gemelar não cefálico.

Abstract Intrapartum management of twins is a controversial subject in Obstetrics.

The optimal route of delivery of twins has not yet been established. Nowadays, vaginal delivery should be

considered for almost 80% of diamniotic twin pregnancies, in other words, all cases in which the first twin

presents in the vertex position. Thus, the knowledge of several issues of twin birth is essential for best practice.

This paper reviews many aspects of twin pregnancy concerning birth management: pregnancy length, induction

and augmentation of labor, vaginal birth after cesarean, mode of delivery, intertwin delivery interval and nonvertex

second twin birth.

Marcos Nakamura-Pereira1

Alfredo de Almeida Cunha2

Carlos Antonio Barbosa Montenegro3

Palavras-chaveGêmeos

Parto obstétricoVersão fetal

Nascimento vaginal após cesáreaApresentação no trabalho de parto

KeywordsTwins

Delivery, obstetricVersion, fetal

Vaginal birth after cesareanLabor presentation

1 Professor de Obstetrícia da Universidade Gama Filho (UGF); médico da 33ª Enfermaria (Maternidade) da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

2 Professor adjunto de Obstetrícia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil3 Professor titular de Obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Considerações sobre o parto na gestação gemelar diamniótica

Considerations of birth in diamniotic twin pregnancy

Nakamura-Pereira M, Cunha AA,Montenegro CAB

FEMINA | Agosto 2009 | vol 37 | nº 8438

Introdução

A gestação gemelar é de alto risco para parto pré-termo e

baixo peso ao nascer, impondo assistência da parturiente em

unidade secundária ou terciária. Sua incidência é crescente graças

à propagação das técnicas de reprodução assistida. Para estudo

do parto na gemelidade, em geral, divide-se a apresentação dos

pares de gêmeos em três grupos: cefálica/cefálica; cefálica/não

cefálica e primeiro feto não cefálico. A frequência no primeiro

grupo é de 45%, enquanto no segundo atinge 35%, e 20% dos

pares de gêmeos enquadram-se no último grupo.1 De forma

geral, o parto vaginal é permitido quando o primeiro concepto

encontra-se em apresentação cefálica, ou seja, na vasta maioria dos

casos. Dessa forma, é fundamental o conhecimento de algumas

particularidades do parto gemelar.

Duração da gravidez

Usualmente o trabalho de parto na prenhez gemelar desencadeia-

se espontaneamente antes de 37 semanas. A idade gestacional

média por ocasião do parto é inversamente relacionada ao número

de fetos no útero: 35 a 36 semanas no gemelar; 32 a 34 semanas

no trigemelar e <30 semanas em gestações multifetais.2

Em uma análise de 250 casos de gravidez gemelar, Camano

et al.3 apuraram que sua duração média foi de 259 dias; e que

71,9% dos gêmeos pesaram menos que 2.500 g e apenas 6,8%

tinham peso acima de 3.000 g. A relevância deste fato reside no

fato da prematuridade ser responsável por 75% do aumento da

morbidade perinatal na prenhez gemelar. Para aquelas em que

a gestação atingiu o termo, há controvérsia sobre até qual idade

gestacional deve-se aguardar o parto. A revisão da Cochrane4

aponta que não há evidência que apoie o parto eletivo antes de

37 semanas em gravidezes descomplicadas. Contudo, há um

bom número de análises retrospectivas que mostram aumento

da mortalidade perinatal após 36 a 38 semanas.5

Em 2003, Dodd et al.6 analisando os partos gemelares no

Sul da Austrália, entre 1991 e 2000, demonstraram que a

taxa de natimortalidade começa a se elevar com 36 semanas,

enquanto em gestações únicas essa taxa é incrementada após 40

semanas. Esses dados fizeram o American College of Obstetricians

and Gynecologists (ACOG) instituir 38 semanas como nadir da

mortalidade perinatal, aceitando conduta expectante apenas na

ausência de complicações maternas e de boa vitabilidade fetal.7 O

Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) apresenta

opinião similar e defende que o parto deverá ser realizado com

37 a 38 semanas, nas gestações dicoriônicas e 36 a 37 semanas,

nas monocoriônicas.8

Indução e estimulação do parto

A indução do parto gemelar deve ser uma prática cada vez

mais utilizada, em face da tendência em não postergar a gra-

videz gemelar além de 38 semanas. Pré-eclampsia, amniorrexe

prematura e crescimento fetal discordante são outras indicações

frequentes na gemelidade.9 Inúmeras técnicas de indução foram

desenvolvidas ao longo das últimas décadas para deflagrar o

trabalho de parto. A literatura apresenta séries de casos em que

foram utilizadas ocitocina, prostaglandina e cateter de Foley na

prenhez gemelar, não havendo evidência de que algum destes

métodos seja superior ao outro. Aparentemente, os protocolos

usados para preparo cervical e indução do parto em gestações

únicas são apropriados na gemelidade. Apesar da experiência

acumulada na gravidez única, não há dados que atestem a segu-

rança e eficácia desses métodos na prenhez gemelar. O ACOG

considera que a prenhez gemelar não é contraindicação à indu-

ção do parto, porém é situação que merece especial atenção.10

Harle, Brun e Leng11 analisaram 81 gravidezes gemelares não

complicadas, nas quais foi realizada indução do parto ou conduta

expectante após 36 semanas e os resultados não demonstraram

diferença dos resultados perinatais entre os grupos.

Em comparação às gestações únicas, parece haver na geme-

lidade maior frequência de atividade uterina ao longo da gra-

videz em decorrência da sobredistensão uterina. Esse fenômeno

resulta em maior ocorrência de discinesias no trabalho de parto.

Friedman e Sachtleben,12 em 1964, já observara que na prenhez

gemelar a fase latente é encurtada e a fase ativa é protaída, porém

estudos recentes não confirmaram tal assertiva. Entretanto, no

trabalho de parto gemelar não é incomum observar contrações

uterinas ineficientes ou inefetivas, que podem ser seguramente

corrigidas com infusão de ocitocina. A Society of Obstetricians and

Gynaecologists of Canada (SOGC) avalia a utilização da ocitocina

em caso de hipoatividade uterina antes e após o nascimento do

primeiro concepto.13

Parto vaginal após cesariana

A segurança da prova de trabalho de parto na gestação geme-

lar após uma cesariana ainda não foi adequadamente estudada.2

A grande maioria dos dados disponíveis deriva de análises re-

trospectivas. Em 1996, Miller et al.14 avaliaram casuísta de dez

anos com 210 mulheres grávidas de gêmeos e história prévia de

cesariana. De 92 gestantes submetidas à prova de trabalho de

parto, 70% pariram ambos os fetos por via vaginal, não havendo

diferença dos resultados perinatais na comparação com o grupo

submetido ao parto abdominal. Interessante notar que, dos

Considerações sobre o parto na gestação gemelar diamniótica

FEMINA | Agosto 2009 | vol 37 | nº 8 439

casos restantes, em 46% o parto foi combinado, tendo havido

sucesso no nascimento do primeiro concepto. Recentemente, a

publicação de estudo multicêntrico prospectivo15 trouxe maior

clareza a esta temática. Neste estudo, a taxa de êxito do parto

vaginal após cesariana (PVAC) foi de 65% e o parto combinado

ocorreu em 45% dos casos de insucesso. Não houve diferença

significativa nas taxas de transfusão, endometrite, rotura uterina

e admissão em Unidade Intensiva Neonatal entre o grupo de

PVAC e naquele que foi realizada a cesariana eletiva.

À luz das atuais evidências, não há contraindicação ao PVAC

em gestações gemelares. Diversos estudos demonstraram taxas

de sucesso entre 65 a 84%, similares àquelas encontradas em

gestações únicas.15 É válida, no entanto, a observação do RCOG

que recomenda cautela ao indicar o PVAC na prenhez gemelar,

devendo a gestante ser informada sobre a possibilidade de parto

combinado (primeiro gemelar nascido por via vaginal e o segun-

do por via abdominal), que está relaciondo à maior morbidade

materna e neonatal.16

Escolha da via de parto

Mesmo quando o primeiro feto encontra-se em apresentação

cefálica, a via de parto ideal na gestação gemelar permanece

controversa devido às complicações que podem se suceder após

o seu nascimento, isto é, descolamento prematuro de placenta

(DPP), prolapso de cordão e bradicardia do segundo gemelar.17

A determinação da melhor via de parto na gestação gemelar

ainda carece de estudos randomizados controlados. O único

estudo deste tipo disponível incluiu apenas 60 pares de gêmeos

e foi realizado na década de 1980.4 Neste trabalho foram inclu-

ídas mulheres com o primeiro feto em apresentação cefálica e

o segundo em apresentação não cefálica, não havendo diferença

nos desfechos neonatais e com acréscimo de morbidade febril

no grupo submetido à cesariana. Para dissolver esta questão,

encontra-se em curso o Twin Birth Study, pesquisa multicêntrica

coordenada pela Universidade de Toronto e cuja randomização irá

até 2011. Até que os resultados deste estudo sejam publicados,

creditamos aos inúmeros estudos observacionais sobre o tema a

conduta preconizada na Figura 1.

Apresentação céfalica/cefálica

Em aproximadamente 45% das gestações gemelares ambos os

fetos encontram-se em apresentação cefálica ao início do trabalho

de parto.1 Nesta situação parece haver consenso quanto à segu-

rança do parto vaginal, exitoso em 70 a 86% dos casos. Deve-se

lembrar, no entanto, que o segundo feto pode apresentar versão

espontânea e mudar de posição durante ou após o delivramento

do primeiro infante, evento incomum (2%) segundo análise de

Robinson e Chauhan.1

Apresentação céfalica/não cefálica

As recomendações da SOGC para prenhez gemelar preconizam

que, o parto vaginal é a preferência quando a apresentação do

primeiro feto é cefálica e a do segundo é não cefálica e o peso

estimado de ambos encontra-se entre 1.500 e 4.000 g.13 O mesmo

consenso afirma que naqueles conceptos com estimativa de peso

entre 500 e 1.500 g não há evidência que abone a cesariana ou

a via transpélvica.

É frequente a recomendação de cesariana quando o segundo

gemelar é não cefálico e o peso é estimado em menos de 1.500

g. Esta conduta parece ser extrapolada daquela preconizada

na apresentação pélvica em gestação única, na qual a cabeça

pode ficar retida pela dilatação incompleta do colo. Contudo,

não é razoável considerar o risco do parto pélvico pré-termo

equivalente ao do segundo gemelar em igual apresentação,

cujo trajeto foi previamente moldado pelo polo cefálico de seu

irmão.5 Essa observação pode ser corroborada por numerosos

estudos que não conferem à cesariana maior segurança que a

via vaginal. Davison et al.18 analisaram 97 pares de gêmeos, nos

quais o segundo feto era não cefálico e o peso situava-se entre

750 e 2.000 g, não encontrando influência da via de parto nos

resultados perinatais. Já o estudo de Zhang et al.19 demonstrou

haver benefício da cesariana (menores mortalidades neonatal e

infantil; melhores índices de Apgar) em gêmeos com peso inferior

a 1.000 g, independentemente da apresentação, não tendo sido

detectado impacto da via de parto sobre o desfecho perinatal

naqueles com peso superior a 1.000 g. Entretanto, ainda que a

mortalidade desses infantes extremamente pré-termo seja menor

Feto 1 cefálicoFeto 2 cefálico

Feto 1 cefálicoFeto 2 não cefálico

Pesos concordantes ou feto 2 < feto 1

Parto vaginal com extração podal do feto

2 caso necessário

Cesariana

Feto 2 com estimativa de 25% maior que

feto 1

Parto vaginal

Feto 1 não cefálico

Figura 1 - Algoritmo de decisão da via de parto na gestação gemelar diamniótica

Nakamura-Pereira M, Cunha AA,Montenegro CAB

FEMINA | Agosto 2009 | vol 37 | nº 8440

quando praticado o parto abdominal, devemos ressaltar que o

prognóstico daqueles com peso menor que 750 g é ominoso,

com grande morbidade de longo prazo (i.e. retinopatia da pre-

maturidade, déficit motor e de aprendizado). Desta forma, talvez

nos seja permitido emprego mais liberal da cesariana quando o

peso é estimado entre 750 a 1.000 g, devendo esta decisão ser

compartilhada com os pais.

Primeiro feto não cefálico

Em cerca de 20% das gestações gemelares, o primeiro feto

encontra-se em apresentação pélvica ou córmica no momento do

parto. Classicamente, o medo da distocia com entrelaçamento das

cabeças motivou a ampla indicação de cesárea neste grupo.

São escassos os estudos que avaliam a melhor via de parto

quando o primeiro gêmeo é pélvico. Blickstein, Goldman e

Kupferminc20 avaliaram 239 prenhezes gemelares com esta

condição e não encontraram diferença nos resultados perinatais,

sendo o peso superior a 1.500 g, enquanto que abaixo desta cifra

houve maior mortalidade neonatal. Contudo, uma metanálise

conduzida por Hogle et al.21 encontrou significativamente

menores índices de Apgar mesmo em fetos com peso >1.500

g. Ainda assim, apesar das escassas evidências científicas, é o

temor do entrelaçamento das cabeças que motiva o ACOG a

recomendar a cesariana na gestação gemelar com primeiro feto

pélvico,1 sendo esta a opinião da maioria dos autores.

Intervalo de parto entre os gêmeos

O tempo de intervalo ideal entre o nascimento dos gêmeos

é desconhecido. Sabe-se que intervalos maiores aumentam o

risco de complicações como prolapso de cordão, DPP e apre-

sentações anômalas. Na ausência de interferência médica é

muito variável o espaço interpartal, de alguns minutos a dias.

Há relatos de casos cujo intervalo ultrapassa dois meses, pre-

maturo o primeiro concepto, a termo o segundo. Uma situação

de exceção que tem sido relatada nas gestações múltiplas com

mais de dois fetos é a conduta expectante após o nascimento

de feto extremamente pré-termo.

Fava, Souza e Camano22 avaliaram o intervalo de tempo

entre o nascimento dos gêmeos em 50 gestantes e analisaram a

morbidade e mortalidade do segundo gemelar. Foi observado

que o intervalo de parturição entre os gêmeos não influenciou a

morbidade e mortalidade do segundo gêmeo. Contudo, estudos

mais recentes têm demonstrado que o prognóstico do segundo

feto é onerado quando este tempo ultrapassa 15 minutos e, em

especial, após 30 minutos. Leung et al.23 examinaram a relação

entre o intervalo de nascimento dos gêmeos e o pH no cordão

umbilical do segundo gemelar quando do seu nascimento. Em

118 pares de gêmeos com mais de 34 semanas, não foi eviden-

ciado nenhum caso com acidemia patológica (pH<7,0) quando

o intervalo de parturição foi inferior a 15 minutos; entre 16 e 30

minutos, a acidemia patológica esteve presente em 6% dos casos,

assim como em 27% daqueles com tempo interpartal maior que

30 minutos. O mesmo estudo evidenciou que quando o intervalo

de nascimento excedia 30 minutos, 73% dos segundos gemelares

apresentaram sofrimento agudo na cardiotocografia.

Em 2008, Schmitz et al.17 publicaram um estudo retrospec-

tivo, analisando 758 pares de gêmeos (515 nascidos via vaginal),

no qual foi adotada uma conduta ativa para nascimento do

segundo concepto quando era planejado o parto transpelvino.

Esta consistia em ultimar o parto vaginal ou realizar a extração

pélvica tão logo após o nascimento do primeiro concepto, caso a

apresentação fosse pélvica ou córmica; e promover puxos mater-

nos associados à ocitocina nas apresentações cefálicas insinuadas

ou a grande versão com extração podal nas não insinuadas. Essa

conduta permitiu que a o intervalo médio entre o nascimento

dos gêmeos fosse de 4,9 minutos e a taxa de parto combinado

de apenas 0,5%, mais de dez vezes inferior ao encontrado em

outros trabalhos. Os autores atribuíram a esses fatores, somados

à seleção apropriada das gestantes candidatas ao parto vaginal, os

resultados perinatais que demostraram significativa morbidade

neonatal do segundo gemelar no grupo submetido à cesariana

(14,8 versus 4,9%).

Stein, Misselwitz e Schmidt,24 em análise de 4.110 gestações

gemelares também apuraram que o intervalo de tempo entre

o parto dos gêmeos deve ser curto para melhor prognóstico

do último.

A polêmica do parto do segundo gemelar não cefálico

Quando o segundo gemelar não é cefálico, existem cinco

formas descritas para o desfecho do parto:9 versão espontânea

para apresentação cefálica, que ocorre em 10 a 20% dos casos;

versão cefálica externa; parto pélvico; extração pélvica após

versão interna em fetos primitivamente córmicos; e cesariana

(parto combinado).

Há grande controvérsia sobre qual a melhor conduta quan-

do o segundo gemelar é pélvico (versão externa versus parto

pélvico) ou córmico (versão externa versus versão interna com

extração podal).

Classicamente, a conduta preconizada para o segundo gêmeo

não cefálico é o parto pélvico, seja nos fetos que já se encontra-

Considerações sobre o parto na gestação gemelar diamniótica

FEMINA | Agosto 2009 | vol 37 | nº 8 441

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Leituras suplementares

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12. Friedman EA, Sachtleben MR. The effect of uterine overdistention on labor. I. multiple pregnancy. Obstet Gynecol. 1964;23:164-72.

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14. Miller DA, Mullin P, Hou D, Paul RH. Vaginal birth after cesarean section in twin gestation. Am J Obstet Gynecol. 1996;175(1):194-8.

vam nessa apresentação, ou naqueles que uma vez em situação

transversa foram trazidos a ela por versão interna podálica.

As recomendações de versão cefálica externa para parto do

segundo gemelar se originaram de estudos em gestações únicas.

Chervenak et al.25 foram os primeiros a defenderem essa prática,

relatando sucesso de 72% na conversão de fetos primitivamente

córmicos ou pélvicos em cefálicos. Seu protocolo para realização

da versão externa foi recomendado por duas décadas para parto do

segundo concepto não cefálico. Esse protocolo incluía a presença

de alguns pré-requisitos: estimativa de peso >1.500 g; anestesia

peridural; membranas íntegras; monitoração fetal contínua; auxílio

de ultrassonografia e disponibilidade de cesariana imediata.9

Em 2004, Robinson e Chauhan1 revisaram os estudos que

comparavam os desfechos da versão externa e do parto pélvico.

Avaliando-se 137 fetos submetidos à versão externa e 205 nas-

cidos em apresentação pélvica, esses autores encontraram maior

incidência de cesariana (42 versus 2%) e de sofrimento fetal

(18 versus 0,5%) nos casos em que foi realizada versão externa

(Tabela 1). Ademais, a taxa de complicações durante a versão

externa foi muito superior àquela encontrada no parto pélvico

(15 versus 2%). A conclusão desta revisão é que os resultados

claramente demonstram a maior segurança da extração pélvica.

A SOGC avaliza a recomendação de que o parto pélvico com

ou sem versão interna é a melhor forma de ultimar o parto no

segundo concepto não cefálico.13

Considerações finais

O parto na gestação gemelar é assunto de intenso debate no

meio científico. O aumento de sua incidência, decorrente das

técnicas de reprodução assistida, torna indispensável a redis-

cussão desse tema visto suas inúmeras particularidades. Muitos

recomendam a cesariana universal na gemelidade, visão que

não encontra respaldo na avaliação dos estudos observacionais e

revisões recentemente publicadas. Deve-se ressaltar o acréscimo

de agravos maternos decorrentes do parto cesáreo comparados à

via transpelvina, além do comprometimento do futuro obstétrico

e dos elevados custos desta cirurgia. Na maioria (cerca de 80%)

das gestações gemelares diamnióticas o parto vaginal é possível,

devendo a grávida ser assistida em hospital de referência com

ao menos um obstetra experiente em manobras extrativas. Até

que melhores evidências venham a público, não há nada que

desabone o parto vaginal na gemelidade com o primeiro gemelar

cefálico, independente da apresentação do segundo concepto,

devendo a equipe obstétrica estar atenta às particularidades da

parturição na prenhez gemelar.

Tabela 1 - Versão cefálica externa versus extração pélvica para parto do segundo gemelar não cefálico

AutorCesariana Sofrimento fetal

Versão externa Extração pélvica OR; IC95% Versão externa Extração pélvica OR; IC95%Gocke et al. 1989 39% (16/41) 4% (2/55) 16,9 (3,6-79,5) 12% (5/41) 0% (0/55) 16,7 (0,9-311,9)

Wells et al. 1991 48% (11/23) 2% (1/43) 38,5 (4,5-329,1) 23% (4/23) 0% (0/43) 29,0 (1,5- 574,2)

Chauhan et al. 1995 48% (10/21) 4% (1/23) 20,0 (2,3-176,9) 19% (4/21) 0% (0/23) 12,1 (0,6- 239,5)

Smith et al. 1997 24% (8/33) 2% (1/43) 13,4 (1,6- 113,9) 24% (8/33) 2% (1/43) 13,4 (1,6- 113,4)

Maudlin et al. 1998 63% (12/19) 0% (0/41) 138,3 (7,37- 2.597,0) 21% (4/19) 0% (0/41) 24,1 (1,2- 474,5)

Total 42% (57/137) 2% (5/205) 28,5 (11,0- 73,7) 18% (21/137) 0,5% (1/205) 36,9 (4,9- 278,3)

Adaptado de Robinson e Chauhan.1

Nakamura-Pereira M, Cunha AA,Montenegro CAB

FEMINA | Agosto 2009 | vol 37 | nº 8442

15. Varner MW, Leindecker S, Spong CY, Moawad AH, Hauth JC, Landon MB, et al. The Maternal-Fetal Medicine Unit cesarean registry: trial of labor with a twin gestation. Am J Obstet Gynecol. 2005;193(1):135-40.

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