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GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO E O GRAU DE PARENTESCO: LEVANTAMENTO DA LINHA DECISÓRIA DO CREMESP NO INTERREGNO 1992-2013 Acadêmica: Luiza Amorim Páscoa Santana (bolsista) Acadêmico: Ian Schneider (bolsista) Acadêmica: Mariana Imbelloni Braga Albuquerque (voluntária) Orientadora: Letícia de Campos Velho Martel Introdução: A gestação de substituição, que consiste na gestação do embrião em útero de mulher diversa da que formula o projeto parental, vem sendo objeto de procura crescente no Brasil nos últimos anos. Não havendo vedação legal expressa nem tampouco regulação pela legislação ordinária, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em atenção a esse novo cenário fático, hoje regulamenta a prática da gestação de substituição por meio da Resolução nº 1.957/2010 (revogadora da 1.358/92). O documento determina restrições ao uso da técnica, autorizando apenas a gestação altruísta, por gestante com parentesco de até 2º grau com a autora do projeto parental. As situações que porventura fugirem aos parâmetros de parentesco estabelecidos pelo órgão, devem ser apreciadas pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), para que autorizem ou deneguem os pedidos. A técnica já é, pois, realizada no Brasil, e a crescente demanda por autorizações diante dos CRMs demonstra um campo fértil e em desenvolvimento no país. Não entrando aqui na significativa discussão sobre a legitimidade (ou carência dela) do uso da Resolução com força normativa típica das leis, fato é que, na ausência de lei strictu sensu, é ela que norteia juridicamente a prática de gestação de substituição, recebendo, inclusive, aplicação pela jurisprudência sobre reprodução assistida [1]. Uma vez que as Resoluções do CFM são o parâmetro para decisões tanto no campo médico quanto no jurídico, o estudo dos pareceres dos Conselhos Regionais de Medicina configura-se como janela privilegiada para análise da prática de gestação de substituição atualmente no Brasil. É possível identificar uma linha decisória para a concessão ou denegação de autorizações de gestação de substituição para os casos nos quais o grau de parentesco é diverso do previsto? Há casos que extrapolam a textualidade das Resoluções? E mais, se se verifica a existência desta linha, em que medida ela atende à nova gama de configurações parentais que começam a ganhar reconhecimento sócio-jurídico? Em um olhar para a literalidade da Resolução, já é possível perceber que pelo seu requisito de grau de parentesco com a autora do projeto parental, ele estaria deixando de fora os casais homoafetivos masculinos [2], conquanto tenham as uniões homoafetivas ganhado status de união estável em recente decisão do Supremo Tribunal Federal [3]. Em que medida, pois, os pareceres incluem as novas configurações parentais que vêm conquistando direitos no país? Nesse sentido, o problema de pesquisa consiste em levantar os pareceres do CREMESP na matéria e identificar se existe coerência decisória, um fio de integridade entre eles [4]. Em existindo, problematizar quão inclusivo ou exclusivo é tal fio. Para tal, a pesquisa foi dividida em um objetivo geral e outros específicos.

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GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO E O GRAU DE PARENTESCO: LEVANTAMENTO DA LINHA DECISÓRIA DO CREMESP NO

INTERREGNO 1992-2013

Acadêmica: Luiza Amorim Páscoa Santana (bolsista) Acadêmico: Ian Schneider (bolsista) Acadêmica: Mariana Imbelloni Braga Albuquerque (voluntária) Orientadora: Letícia de Campos Velho Martel

Introdução: A gestação de substituição, que consiste na gestação do embrião em útero de

mulher diversa da que formula o projeto parental, vem sendo objeto de procura crescente no Brasil nos últimos anos. Não havendo vedação legal expressa nem tampouco regulação pela legislação ordinária, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em atenção a esse novo cenário fático, hoje regulamenta a prática da gestação de substituição por meio da Resolução nº 1.957/2010 (revogadora da 1.358/92). O documento determina restrições ao uso da técnica, autorizando apenas a gestação altruísta, por gestante com parentesco de até 2º grau com a autora do projeto parental. As situações que porventura fugirem aos parâmetros de parentesco estabelecidos pelo órgão, devem ser apreciadas pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), para que autorizem ou deneguem os pedidos.

A técnica já é, pois, realizada no Brasil, e a crescente demanda por autorizações diante dos CRMs demonstra um campo fértil e em desenvolvimento no país. Não entrando aqui na significativa discussão sobre a legitimidade (ou carência dela) do uso da Resolução com força normativa típica das leis, fato é que, na ausência de lei strictu sensu, é ela que norteia juridicamente a prática de gestação de substituição, recebendo, inclusive, aplicação pela jurisprudência sobre reprodução assistida [1]. Uma vez que as Resoluções do CFM são o parâmetro para decisões tanto no campo médico quanto no jurídico, o estudo dos pareceres dos Conselhos Regionais de Medicina configura-se como janela privilegiada para análise da prática de gestação de substituição atualmente no Brasil. É possível identificar uma linha decisória para a concessão ou denegação de autorizações de gestação de substituição para os casos nos quais o grau de parentesco é diverso do previsto? Há casos que extrapolam a textualidade das Resoluções?

E mais, se se verifica a existência desta linha, em que medida ela atende à nova gama de configurações parentais que começam a ganhar reconhecimento sócio-jurídico? Em um olhar para a literalidade da Resolução, já é possível perceber que pelo seu requisito de grau de parentesco com a autora do projeto parental, ele estaria deixando de fora os casais homoafetivos masculinos [2], conquanto tenham as uniões homoafetivas ganhado status de união estável em recente decisão do Supremo Tribunal Federal [3]. Em que medida, pois, os pareceres incluem as novas configurações parentais que vêm conquistando direitos no país?

Nesse sentido, o problema de pesquisa consiste em levantar os pareceres do CREMESP na matéria e identificar se existe coerência decisória, um fio de integridade entre eles [4]. Em existindo, problematizar quão inclusivo ou exclusivo é tal fio. Para tal, a pesquisa foi dividida em um objetivo geral e outros específicos.

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Objetivo Geral: Examinar as decisões dos Conselhos Regionais de Medicina de São Paulo e

Minas Gerais (CREMESP e CRMMG) referentes aos pedidos de gestação de substituição entre novembro de 1992 e março de 2013, bem como quantificar elementos relevantes quanto aos atores e às exigências normativas.

Uma vez que são os pareceres dos Conselhos Regionais de Medicina que permitem um olhar direto para a prática da gestação de substituição (sobretudo, nos casos que não se enquadram nos limites estipulados pela Resolução do CFM), a pesquisa deu-se justamente nos pareceres divulgados pelos Conselhos e publicizados em seus sites. O recorte temporal inicia-se com a data da primeira Resolução do CFM sobre o tema (Resolução 1.358/92) e se finda no inicio da pesquisa empírica, estendendo-se por 10 anos e 4 meses. Tal recorte ininterrupto justifica-se pelo fato de que a Resolução 1.358/92 , embora revogada, foi integralmente repetida pela Resolução ora vigente (Resolução nº 1.957/2010) no que diz respeito à gestação de substituição, havendo continuidade no entendimento sobre o tema. Destaca-se que não houve pesquisa junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) por expressa recusa do campo de pesquisa [5].

O primeiro momento da pesquisa constituiu-se, assim, de um levantamento exaustivo de todos os pareceres concernentes ao tema publicizados no site dos ditos Conselhos de São Paulo e Minas Gerais. O levantamento foi feito por quatro pesquisadores separadamente, a partir do mesmo grupo de palavras-chave (a saber, “útero”, “barriga e aluguel”, “maternidade e substituição”, “cessão temporária de útero”, “gestação de substituição”, usando ou não aspas) e utilizando navegadores distintos, obtendo, contudo, os mesmos resultados.

Dentre as decisões encontradas, foram mantidas todas as que tratavam de pedidos de autorização para gestação de substituição, com ou sem discussão de mérito, publicizadas no site, no período entre 1992 e março de 2013 (critérios de inclusão). Ao mesmo tempo, foram excluídos todos os pareceres que tratavam de outras técnicas (critérios de exclusão) [6]. Tal processo deu-se primeiro somente no CREMESP, tendo na sequencia sido feito da mesma forma no site do CRMMG [7]. Por fim, foram tabelados os resultados obtidos no CREMESP. Quanto ao CRMMG, há necessidade de averiguação e certeza de dados antes da tabulação, uma vez que se faz necessário confirmar se os pareceres publicizados são modelos, ou se constituem efetivamente o total de pareceres emitidos pelo órgão no período.

Objetivos Específicos: (a) Identificar e estudar a regulamentação do CFM no que tange à gestação de substituição, mediante análise da Resolução nº 1.957/2010 vigente e comparação com a Resolução anterior;

É sabido que no Brasil não há legislação específica em vigor que regulamente a gestação de substituição, apesar de existirem projetos de lei a seu respeito que tramitem no Congresso Nacional [8]. Para a resolução de conflitos envolvendo as partes de tal procedimento, atualmente o judiciário recorre, sobretudo, à Resolução 1.957/2010 do CFM.. De fato, na ausência de lei formal que defina os parâmetros da gestação de substituição, os ditames da autarquia norteiam as decisões dos juízes, mesmo que se possa questionar a própria legitimidade do CFM de poder atuar normativamente a respeito de um assunto tão complexo e delicado [9]

Sendo assim, foi preciso analisar, primeiramente, a regulamentação, destacando os casos em que poderia existir a gestação de substituição, sem que fosse necessária a autorização do CRM. Destaca-se o seguinte trecho da Resolução 1.957/2010:

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“VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética. 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.”

Conclui-se, assim, que são requisitos específicos para a gestação de substituição:

(a) a existência de problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética; (b) que as doadoras temporárias do útero pertençam à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina; e (c) a doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. Além dos anteriormente citados, pode-se falar em exigências que são gerais da Resolução de 2010, que dizem respeito a qualquer procedimento médico envolvendo técnica de reprodução assistida: (a) capacidade civil das pessoas envolvidas; (b) existência de probabilidade efetiva de sucesso da técnica, não afetando a saúde e bem estar de qualquer uma das pessoas envolvidas; (c) assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido por todos os participantes; (d) a não aplicação da técnica para seleção de sexo ou qualquer característica biológica do futuro filho; (e) a fecundação apenas pode ser para fins de procriação humana; (f) o número máximo de embriões é limitado à 2 para mulheres até 35 anos, a 3 para mulheres entre 36 a 39 anos e a 4 para mulheres com 40 anos ou mais; (g) e, em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de reprodução assistida, a proibição de utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.

É importante apontar que a Resolução de 2010 foi aprovada visando, sobretudo, solucionar a questão da “infertilidade social”, ou seja, do impedimento a homens e mulheres sozinhos – independentes de suas orientações sexuais – e a casais homoafetivos, de terem acesso a técnicas de reprodução assistida, por não estarem incluídos em um definição de esterilidade (motivo principal para a autorização do CFM ao uso de técnicas de reprodução assistida). O problema é que, com relação à gestação de substituição, não houve qualquer alteração na literalidade do documento, desprendendo de certa forma a técnica das demais que, a partir da Resolução de 2010, tornaram-se mais inclusivas. . Assim, várias questões continuam ainda nebulosas ou imprecisas, como a do registro civil. Não há qualquer menção ao registro civil das crianças que nasçam por meio de gestação de substituição e, muitas vezes, não é possível registrar como parente o pai ou mãe intencionais do bebê.

Há ainda necessidade de abordar a questão do próprio conceito de infertilidade, que perpassa não só o texto da Resolução como também a concepção corrente sobre o tema. Como elucidam Débora Diniz e Rosely Gomes Costa [10], a compreensão de infertilidade costuma vir associada à infecundidade involuntária, sendo infecundidade definida pela ausência de filhos e involuntária por, querendo, não se poder gerá-los. Aliado a ambos, o diagnóstico de esterilidade como definida pelos mecanismos internacionais de saúde leva em conta casal que tento tentado por 3 anos gerar não

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alcança o objetivo. Note-se que há aqui o atrelamento da problemática ao casal, não a um individuo estéril. A infertilidade atribuída a casais, e não a indivíduos isolados, segundo a autora, acaba por servir a propósitos políticos, do estabelecimento da medicina reprodutiva como tratamento de saúde, e igualmente a propósitos morais, pois afasta do acesso às técnicas reprodutivas casais homoafetivos ou pessoas solteiras de qualquer sexo. Favorecida pelo argumento de que não está modificando o “natural”, mas tão somente o “ajudando” a medicina reprodutiva encontra eco mais fácil nos setores conservadores da sociedade e veda-se das críticas morais. Mas, por outro lado, reforça a estrutura binária de figuras de “pai” e “mãe” indispensáveis para o desenvolvimento mesmo do embrião que não seja geneticamente deles, excluindo novas configurações familiares. Os conceitos usados não são, pois, nem ingênuos nem destituídos de implicações morais, podendo ser discursivamente usados como subinclusivos enquanto apresentam-se como “naturais”.

Um dos pensares que pode ser relevante na análise da subinclusão do enunciado normativo atinente à gestação de substituição na Resolução 1.957/2010 do CFM pode ser buscado na distinção entre o modelo biomédico e modelo social. Ao tratar do assunto deficiência, pode-se visualizá-la desde um horizonte biomédico, calçado na dualidade normal versus patológico, ou de um horizonte social, calçado nas barreiras materiais e humanas que impomos aos corpos e mentes que não se enquadram nos estereótipos e padrões. À luz dessas concepções, pode-se pensar na impossibilidade de gerar um filho como uma doença, a merecer tratamento. Ou, de outro ângulo, como uma impossibilidade que não se relaciona a noções biológicas, mas a obstáculos sociais e morais, como é o caso das pessoas sozinhas e dos casais homoafetivos. Não é demais lembrar que a literalidade da Resolução, quanto à gestação de substituição, exclui até mesmo mulheres heterossexuais, casadas ou em união estável, que não sejam hábeis a ovular ou doar os próprios óvulos.

(b) Examinar, à luz do marco teórico, o mérito dos pareceres obtidos mediante pesquisa, partindo da existência ou não de uma linha seguida para as decisões.

Os resultados obtidos na pesquisa empírica, que serão mais bem trabalhados no decorrer do texto, são inequívocos no desenhar de uma linha decisória condizente com as Resoluções do CFM. Voltando ao texto da Resolução de 2010, tem-se como requisitos colocados a presença de comprovados problemas médicos que impossibilitem ou contraindiquem a gestação, além do parentesco genético com a doadora de gameta em até 2º grau, deixando os demais casos à apreciação dos CRMs. São estes, ao que indicam os pareceres encontrados, sobretudo, casos de casais heteroafetivos com comprovadas tentativas anteriores de reprodução e que não possuem o parentesco necessário com uma possível gestante para realização da gestação de substituição. Cerceado já pela questão da doadora de gametas, exclui-se de forma imediata casais homoafetivos masculinos ou homens solteiros, além de mulheres que não produzam óvulos . Percebe-se, pois, que a possibilidade aparentemente criativa conferida aos CRMs pelo texto normativo (na abertura da expressão “demais casos”) revela-se tão subinclusiva quanto a própria norma.

De fato, o que indicam os pareceres ora analisados é a busca por elementos similares aos que são indicados pela Resolução. Se não é possível o grau de parentesco exigido na norma, é ponderado outro, conquanto haja parentesco. Não havendo, a argumentação para concessão gira em torno do parentesco afetivo gerado por amizade duradoura [11]. Percebe-se assim que mesmo no parecer que, em certa medida, extrapola a Resolução dado o vínculo não sanguíneo, a sua justificativa mais a confirma

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que contraria, visto que para argumentar favoravelmente tenta aproximar a amizade ao vínculo familiar, e não justificá-la como legítima por si.

Deste modo, o padrão de pareceres favoráveis obedece aos pedidos feitos por casais heteroafetivos que comprovadamente não tenham conseguido gerar uma prole sem auxilio da gestante  por problema de saúde da autora do projeto parental valendo-se de gestante familiarmente ligada à doadora de gametas. Há, pois, uma coerência interna nítida entre os pareceres, relacionada diretamente ao texto normativo que os legitima.

A questão que se coloca, logo, não é desta coerência endógena entre os casos analisados, uma vez que ela é evidente a partir da análise acima descrita; mas em que medida estes pareceres obedecem a um princípio de integridade em seu encaminhamento argumentativo. Ao trazer à discussão o ideal de “integridade” como sendo separado e, por vezes, conflitante com os demais, Ronald Dworkin postula que quanto mais se pautar em princípios compartilhados pela comunidade de sentido, mais íntegra será a decisão. Somente havendo esta identificação principiológica, tanto na esfera pública quanto na privada, é que se possibilitará um real intercâmbio entre ambas, e se dará uma decisão baseada na integridade. Para tal, é necessário que estejam explicitados os argumentos subjacentes da decisão, para que haja ou não a defendida identificação e para que se discuta verdadeiramente a concepção que os norteia

Tendo os pareceres todos seguido o espaço a eles destinado pelo texto da Resolução, e justificando o padrão pela própria Resolução, sem explicitar as questões de direito dele indissociáveis, não se pode dizer dos pareceres analisados que alcancem plenamente o principio de integridade dworkiano [13]. Naturalizando os argumentos pela repetição do texto legal como não fosse ele mesmo um resultado de prática discursiva, acaba-se afastando a possibilidade de identificação da comunidade de sentido com o arcabouço principiológico da decisão. E, uma vez que dentro do modelo proposto pelo autor, somente a presença do ideal de integridade, pelo diálogo verdadeiro entre público e privado que propicia, possibilita uma transformação orgânica na sociedade; a ausência deste ideal afasta consideravelmente esta possibilidade. Para Dworkin, a presença dos princípios explicitamente compartilhados, ao invés de normas impostas à revelia da comunidade de sentido, permite que os ideais sejam explorados sob novas circunstâncias pela comunidade, constituindo-se esta como uma transformação orgânica, ou seja, não necessariamente tendo de esperar uma diversificação normativa no sentido formal.

Tal se torna mais claro na questão dos casais homoafetivos frente à Resolução do CFM vigente. Não tendo sido encontrado nenhum caso no CREMESP, o silêncio não deixa de ser eloquente em se pensando na decisão da já citada ADPF 132, a partir da qual se reconheceu à união homoafetiva os mesmos efeitos da união estável heteroafetiva. A leitura da Resolução sem discussão da fundamentação principiológica que se nota nas decisões dos pareceres não deixa espaço para autorização a casais homoafetivos masculinos sob nenhuma hipótese, sendo que a norma, nesse ponto de caráter hipoinclusivo, não foi interpretada nem aplicada à luz da integridade do sistema [14].

Houvesse entre os pareceres um fio condutor baseado no ideal de integridade dworkiano, estariam evidentes as questões a eles subjacentes. A dizer, estariam explícitas as questões de direito que invarialmente perpassam a discussão. Se assim fosse, à medida que se transformasse determinada compreensão da comunidade a qual se destinam os pareceres, sua comunidade de sentido, poderia haver mudança na linha argumentativa como reflexo. Havendo a discussão efetiva dos conceitos em disputa, um novo entendimento compartilhado pode ser gerado da própria discussão, organicamente, e de acordo com os novos princípios da comunidade. Não seria, pois, necessária

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cabalmente uma nova resolução para haver a inclusão dos casais homoafetivos, podendo dar-se por uma transformação orgânica calcada na integridade.

Contudo, o que se nota, como exposto, é uma justificativa unicamente desenvolvida a partir do texto normativo, sem as discussões das questões de direito que poderiam trazer tal transformação. Conquanto sejam coerentes entre si e com a Resolução que os legitima, os pareceres, em uma primeira análise, não obedecem a um ideal de integridade no sentido que aqui se entende. Há que ser dito que tal conclusão é mais teórica que empiricamente comprovada, pois não houve pedido no CREMESP que ensejasse negativa, havendo somente um pedido negado de casal homoafetivo masculino no CRMMG[15]. Mesmo não havendo esta comprovação objetiva direta, a análise aqui exposta ainda justifica-se pela leitura dos pareceres como um todo. No que se pese não haver negativa expressa, é nítido que a argumentação geral simplesmente repete os termos na Resolução, não deixando brechas discursivas para uma compreensão mais ampla da prática. Deste modo, a conclusão é possível na medida em que, silenciadas as questões de direito, não se obedece o ideal de integridade; o que, dentro da linha teórica seguida, não possibilitará a transformação orgânica quando demandada diretamente pela comunidade ela for.

Resultados:

Utilizando os já referidos critérios de inclusão e exclusão, obtivemos um total de 09 pareceres do CREMESP, os quais analisamos de forma separada: havendo discussão sobre o mérito do pedido (quando no caso concreto os pretensos pais não possuem parentesco até segundo grau com mulher que possa gestar a criança, o que enseja análise e autorização por meio do Conselho– CDM) ou não havendo discussão de mérito (quando no caso concreto a autora do projeto parental possui parentesco até segundo grau com mulher que possa gestar a criança, não havendo necessidade de autorização por parte do Conselho- SDM), conforme demonstrado na tabelo e gráfico a seguir:

    Número   Porcentagem  Total  de  processos   9   100%  Com  discussão  de  mérito   6   66.67%  Sem  discussão  de  mérito   3   33.33%  

67%  

33%  

Processos  

Com  discussão  de  mérito  

Sem  discussão  de  mérito  

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Casos sem discussão de mérito: Em uma primeira análise sobre os pareceres nos quais não há discussão de mérito, procuramos identificar as informações referentes aos autores do pedido de gestação de substituição, como a faixa etária e o estado civil.

    Número   Porcentagem  Homem  sozinho   0   0.00%  Mulher  sozinha   0   0.00%  Casal  heteroafetivo   3   100.00%  Casal  homoafetivo   0   0.00%  Não  identificável   0   0.00%  

0  

1  

2  

3  

Número  

Faixa  etária   Homem   Porcentagem  18-­‐25  anos   0   0.00%  20-­‐25  anos   0   0.00%  25-­‐30  anos   0   0.00%  30-­‐35  anos   0   0.00%  35-­‐40  anos   0   0.00%  40-­‐45  anos   0   0.00%  Não  informado   3   100.00%  

Faixa  etária   Mulher   Porcentagem  18-­‐25  anos   0   0.00%  20-­‐25  anos   0   0.00%  25-­‐30  anos   0   0.00%  30-­‐35  anos   0   0.00%  35-­‐40  anos   0   0.00%  40-­‐45  anos   0   0.00%  Não  informado   3   100.00%  

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Em seguida, elencamos as informações referentes àquela que seria, no caso em

questão, a gestante do projeto parental, sendo elas: (a) o grau de parentesco com aquela que pretende ser mãe; (b) o estado civil em que se encontra no momento da demanda; (c) se já tem filhos ou não; (d) se há ou não autorização do companheiro para que se submeta ao processo; e se (e) haverá ressarcimento dos custos de execução do projeto parental.

0  1  2  3  

Faixa  Etária  

Homem   Mulher  

Até  2º  grau   Além  2º  grau   Sem  grau  de  parentesco  

3  

0   0  

Parentesco  com  a  mãe  do  projeto  parental  

    Até  2º  grau   Além  2º  grau  Sem  grau  de  parentesco  

Parentesco  com  a  mãe  do  projeto  parental   3   0   0  

Porcentagem   100.00%   0.00%   0.00%  

    Solteira   Casada/União  Estável   Separada   Não  informado  Estado  civil  no  momento  da  demanda   0                                                                        2   0   1  

Porcentagem   0.00%   66.67%   0.00%   33.33%  

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    Sim   Não   Não  informado  Prole   1   0   2  

Porcentagem   33.33%   0.00%   66.67%  

    Sim   Não   Não  informado  Autorização  do  companheiro   1   0   2  

Porcentagem   33.33%   0.00%   66.67%  

0   1   2   3  

Solteira  

Casada/União  Estável  

Separada  

Não  informado  

Estado  civil  no  momento  da  demanda  

Sim  

Não  

Não  informado  

1  

0  

2  

Prole  

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    Deferido   Indeferido   Não  citado  Ressarcimento  de  custos   0   0   3  Porcentagem   0.00%   0.00%   100.00%  

Analisamos, ainda, se a requerente do procedimento tem algum problema

médico que a impeça de gerar seus próprios filhos citado no parecer e se ela, que pretende ser mãe, é a doadora dos óvulos que serão utilizados no processo de reprodução assistida.

    Sim   Não  Não  informado  

Problema  médico  citado?   0   0   3  Porcentagem   0.00%   0.00%   100.00%  

Sim  

Não  

Não  informado  

1  

0  

2  

Autorização  do  companheiro  

Deferido   Indeferido   Não  citado  

0   0  

3  

Ressarcimento  de  custos  

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    Sim   Não   Não  informado  É  a  doadora  do  óvulo?   3   0   0  Porcentagem   100.00%   0.00%   0.00%  

Ainda nesta linha identificamos de quem são os gametas utilizados no processo.

    Sim   Porcentagem  Autor    Projeto  Parental   3   100.00%  Autora  Projeto  parental   3   100.00%  Gestante  de  substituição   0   0.00%  Doador   0   0.00%  Doadora   0   0.00%  Não  identificável   0   0.00%  

Sim  

Não  

Não  informado  

0  

0  

3  

Problema  médico  citado?  

Sim  

Não  

Não  informado  

3  

0  

0  

É  a  doadora  do  óvulo?  

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Por fim, analisamos a quantidade de embriões que seriam utilizados no processo

e se o parecer discute ou não o tema do o registro civil da criança que viria a nascer fruto de gestação de substituição.[16]

    Até  2   Até  5   Até  10   Acima  de  10   Quantidade  não  informada  

Número  de  embriões  implantados   0   0   0   0   3  Porcentagem   0.00%   0.00%   0.00%   0.00%   100.00%  

    Citado  no  parecer   Não  citado  no  parecer  Registro  civil  da  criança  fruto  da  gestação  de  substituição   1   2  

Porcentagem   33.33%   66.67%  

0  

1  

2  

3  

Doadores  de  gametas  

Sim  

Não  

Até  2   Até  5   Até  10   Acima  de  10  

Quan`dade  não  

informada  

0   0   0   0  

3  

Número  de  embriões  implantados  

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Casos com discussão de mérito: Partindo para a análise dos pareceres onde houve discussão de mérito, já que as

particularidades do caso concreto deverão ser levadas em conta, procuramos identificar primeiramente as informações referentes aos autores do pedido de gestação por substituição, como a faixa etária e o estado civil. Seguimos a mesma linha da análise dos casos onde não houve discussão de mérito.

    Número   Porcentagem  Homem  sozinho   0   0.00%  Mulher  sozinha   0   0.00%  Casal  heteroafetivo   5   83.33%  Casal  homoafetivo   0   0.00%  Não  identificável   1   16.67%  

33%  

67%  

Registro  civil  da  criança  fruto  da  gestação  por  subsHtuição  

Citado  no  parecer  

Não  citado  no  parecer  

0  1  2  3  4  5  6  

Número  

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Faixa  etária   Homem   Porcentagem  18-­‐25  anos   0   0.00%  20-­‐25  anos   0   0.00%  25-­‐30  anos   0   0.00%  30-­‐35  anos   0   0.00%  35-­‐40  anos   0   0.00%  40-­‐45  anos   0   0.00%  Não  informado   6   100.00%  

Faixa  etária   Mulher   Porcentagem  18-­‐25  anos   0   0.00%  20-­‐25  anos   0   0.00%  25-­‐30  anos   0   0.00%  30-­‐35  anos   0   0.00%  35-­‐40  anos   0   0.00%  40-­‐45  anos   1   16.67%  Não  informado   5   83.33%  

Assim sendo, elencamos as informações referentes àquela que será a gestante de

substituição nos casos em que houve discussão de mérito. Sendo: o grau de parentesco com aquela que pretende ser mãe, o estado civil em que se encontra no momento da demanda, se já tem filhos ou não, se há ou não autorização do companheiro para que se submeta ao processo e se haverá ressarcimento dos custos de execução do projeto parental.

    Até  2º  grau   Além  2º  grau   Sem  grau  de  parentesco  

Parentesco  com  a  mãe  do  projeto  parental   1   1   4  Porcentagem   16.67%   16.67%   66.67%  

0   0   0   0   0   0  

6  

0   0   0   0   0  1  

5  

Faixa  Etária  Homem   Mulher  

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    Solteira   Casada/União  Estável   Separada   Não  informado  Estado  civil  no  momento  da  

demanda   0   3   0   3  Porcentagem   0.00%   50.00%   0.00%   50.00%  

    Sim   Não   Não  informado  Prole   1   1   4  

Porcentagem   16.67%   16.67%   66.67%  

Até  2º  grau  16%  

Além  2º  grau  17%  

Sem  grau  de  parentesco  

67%  

Parentesco  com  a  mãe  do  projeto  parental  

Solteira   Casada/União  Estável  

Separada   Não  informado  

0  

3  

0  

3  

Estado  civil  no  momento  da  demanda  

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    Sim   Não   Não  informado  Autorização  do  companheiro   0   0   6  

Porcentagem   0.00%   0.00%   100.00%  

    Deferido   Indeferido   Não  citado  Ressarcimento  de  custos   1   0   5  Porcentagem   16.67%   0.00%   83.33%  

Sim  16%  

Não  17%  Não  

informado  67%  

Prole  

Sim   Não   Não  informado  

0   0  

6  

Autorização  do  companheiro  

0   1   2   3   4   5   6  

Deferido  

Indeferido  

Não  citado  

Ressarcimento  de  custos  

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Analisamos, ainda, se há algum problema médico que a impeça a requerente de

gerar seus próprios filhos (se isso é citado no parecer ou não) e se esta, que pretende ser mãe, é a doadora dos óvulos utilizados no processo de reprodução assistida.

    Sim   Não   Não  informado  Problema  médico  citado?   3   0   3  Porcentagem   50.00%   0.00%   50.00%  

    Sim     Não   Não  informado  É  a  doadora  do  óvulo?   5   0   1  Porcentagem   83.33%   0.00%   16.67%  

0   1   2   3   4   5   6  

Sim  

Não  

Não  informado  

Problema  médico  citado?  

0   1   2   3   4   5   6  

Sim    

Não  

Não  informado  

É  a  doadora  do  óvulo?  

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Nesta linha, identificamos de quem são os gametas utilizados.

    Sim   Porcentagem  Autor  Projeto  Parental   4   66.67%  Autora  Projeto  parental   4   66.67%  Gestante  de  substituição   0   0.00%  Doador   0   0.00%  Doadora   0   0.00%  Não  identificável   2   33.33%  

Finalizando a análise dos pareceres com discussão de mérito, elencamos a

quantidade de embriões utilizados no processo, e se os respectivos pareceres tratam do registro civil da criança que virá a nascer, sendo ela fruto de gestação de substituição.

0  1  2  3  4  5  6  

Doadores  de  gametas  

Sim  

Não  

0  1  2  3  4  5  6  

Até  2   Até  5   Até  10   Acima  de  10   Quan`dade  não  

informada  

Número  de  embriões  implantados  

    Até  2   Até  5   Até  10   Acima  de  10   Quantidade  não  informada  Número  de  embriões  implantados   0   1   0   0   5  

Porcentagem   0.00%   16.67%   0.00%   0.00%   83.33%  

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    Citado  no  parecer   Não  citado  no  parecer  Registro  civil  da  criança  fruto  da  

gestação  de  substituição   2   4  Porcentagem   33.33%   66.67%  

Conclusões:

A partir da análise dos resultados obtidos no CREMESP, há existência de forte e linear padrão decisório, atrelado à literalidade das Resoluções. Na maior parte dos casos, trata-se de casais heteroafetivos que não conseguiram ter filhos devido a problemas de saúde da mulher, obtivendo pareceres favoráveis por parte dos Conselhos. O fato de no CREMESP não terem sido encontrados casos em que o pedido é realizado por casal homoafetivo pode ser significativo. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu os direitos reconhecidos aos casais heteroafetivos para os casais homoafetivos de maneira isonômica, o que resultou em uma busca crescente das técnicas de maternidade de substituição. Referências: [1] Como é verificável no Agravo de Instrumento 650.637-4/7, em que se discute a possibilidade de inserção da mãe biológica no assento de nascimento de menores gerados a partir de técnica de gestação de substituição. BRASIL, São Paulo, TJSP, Agravo de Instrumento 650.637-4/7, Rel. Jesus Lofrano. Data do Acórdão: 29/09/2009. Disponível em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4093931&vlCaptcha=rextm Acesso em: 31/07/2013 [2] A Resolução 1.957/10, revogadora da 1.358/92 em sua sessão VII, item 1, determina o seguinte: “As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.” Resta claro que tal restrição a partir da exigência de parentesco exclui, de maneira subentendida, os casais formados por dois homens. Trata-se de um critério de subinclusão. Para mais informações, ver Referência [14].

0  

1  

2  

3  

4  

5  

6  

Citado  no  parecer  

Não  citado  no  parecer  

Registro  civil  da  criança  fruto  da  gestação  por  subsHtuição  

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[3] A ADPF 132 foi reconhecida pelo STF como ADI, senda julgada conjuntamente com a ADI 4277, decidindo a corte pela procedência de ambas as ações e reconhecendo à união homoafetiva os mesmos efeitos da união estável. BRASIL, STF, ADI 132, Rel. Min. Ayres Britto. Data do Acórdão: 05/05/2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633 Acesso em 31/07/2013 [4] Usando aqui o conceito de Ronald Dworkin, no qual a integridade de uma instância decisória se verificaria pelo quanto é regida por princípios compartilhados com a comunidade pela qual decide. Tão mais íntegra é a decisão, deste modo, quanto mais eficientemente intercambie entre as esferas pública e privada. DWORKIN, R. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [5] Inicialmente enviamos correspondências eletrônicas para a Direção do CREMERJ. Como não obtivemos resposta endereçamos a solicitação ao “fale com o CREMERJ”. No dia 11 de março de 2013, o CREMERJ confirmou o recebimento do pedido. O envio do pedido para o CPEDOC foi confirmado, via e-mail, no dia 25 de março de 2013. Em 05 de julho de 2013 recebemos a seguinte resposta do campo de pesquisa: “A Comissão Disciplinadora de Pareceres do CREMERJ – CODIPAR, em atenção ao e-mail enviado, protocolado sob o número 10180181, que manifestou-se conforme a seguir: ‘Devolvo o expediente, esclarecendo a consulente que os requerimentos formulados para a gestação de substituição estão submetidos ao sigilo e dependem da autorização dos envolvidos’. Diante da resposta, os pesquisadores buscarão submeter o Projeto a um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), pois não há como obter o consentimento livre e esclarecido dos envolvidos sem que saibamos quem eles são. Interessante esclarecer que, para o objetivo da pesquisa ora realizada, os dados sensíveis dos peticionantes não são relevantes e o acesso a eles é desnecessário. Para a pesquisa, importam os argumentos do Conselho em seus pareceres, os quais entendemos ser dados de acesso irrestrito, uma vez que se trata de fundamentação de decisão de autarquia. [6] Consulta nº 24.637/97, Consulta nº 43.765/01, Consulta nº 58.437/02, Consulta nº 126.750/05, Consulta nº 145.964/07, Consulta nº 133.827/10, Consulta nº 33.437/11, Consulta nº 145.885/11, Consulta nº 61.709/12. [7] Consulta nº 003419/2008, Consulta nº 4735/2012. [8] Projeto de Lei (PL) nº 1184/2003; PL 1135/2003; PL 2855/1997; PL 120/2003; PL 4686/2004; PL 5624/2005; PL 5730/2009; PL 90/1999. [9] Em projeto de pesquisa elaborado por aluno bolsista em programa de Iniciação Científica promovido pela PUC-Rio, Artur Pessoa Gonçalves, orientado pela docente Letícia de Campos Velho Martel, foi feita uma análise detalhada dos limites e padrões das atividades normativas desenvolvidas pelo CFM, no que diz respeito a temas jurídico-morais sensíveis no Brasil. Aponta-se, de maneira conclusiva, que a atuação normativa da autarquia em questão é possível, mas deve ocorrer de forma limitada, não devendo restringir direitos fundamentais. É citada, a título exemplificativo, a Resolução 1975/2010, sobretudo quando esta trata da obrigatoriedade de sigilo dos doadores de gametas e embriões. Os pesquisadores observam, assim, que nem sempre a atuação normativa do CFM é justificável. GONÇALVES, Artur. “Os Limites e Padrões das Atividades Normativas do Conselho Federal de Medicina em temas Jurídico-Morais Sensíveis no Estado Constitucional Brasileiro". Orientadora: MARTEL, Letícia. – Rio de Janeiro: PUC-Rio. Departamento de Direito. 2012.[10] DINIZ, Debora. COSTA, Rosely Gomes. Infertilidade e Infecundidade: Acesso às Novas Tecnocologias Conceptivas. Disponível em

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<http://www.anis.org.br/serie/artigos/sa37%28dinizgomes%29ntrs.pdf>. Acesso em 23 jul. 2013. [11] Consulta nº 126.750/05 [12] DWORKIN, R. “Integridade” in O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [13] No primeiro capitulo do Império do Direito, Ronald Dworkin separa as questões suscitadas pelos processos judiciais em questões de fato, questões de direito e questões interligadas de moralidade politica e fidelidade. As questões de direito separar-se-iam ainda em dois tipos, a discussão empírica, concernente à aplicação deste ou daquele direito no caso concreto, e a discussão teórica, sobre os fundamentos e própria concepção de direito em tela. Para o autor, no mais das vezes cala-se uma discussão teórica subjacente, sendo o explicitar desse debate quanto ao próprio entender do direito fundamental para o ideal de integridade. DWORKIN, Ronald. “O que é o direito?” in Império do Direito. 2003. Capítulo I. [14] De acordo com a diferenciação feita por Noel Struchiner, as regras são subinclusivas quando deixam de incorporar coisas que deviam incorporar de acordo com as razões que norteiam sua construção. STRUCHINER, Noel. Para falar de regras: o positivismo conceitual como cenário para uma investigação filosófica acerca dos casos difíceis do direito. Orientador: Danilo Marcondes de Souza Filho. – Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Filosofia, 2005. [15] Consulta nº 4735/2012. [16] A questão do registro civil é problemática quando se trata de gestação de substituição posto que este é feito a partir de uma declaração de nascido vivo, expedida por um médico, onde consta o nome da parturiente. Ou seja, hoje se reconhece como mãe, pelo registro, aquela que deu a luz e não aquela que tem intenção de sê-la. Nos casos de gestação de substituição, a parturiente não é mãe biológica (não há material seu envolvido no processo) e não tem a intenção de ser mãe (a intenção é daquela que é mãe no projeto parental), de forma que a concepção adotada hoje de ser mãe aquele que vem a dar a luz é insuficiente. Este paradigma vem sendo desconstruído aos poucos, primeiro pelos casos de adoção e agora pela problemática da gestação de substituição. Julgados e pareceres: BRASIL, São Paulo, TJSP, Agravo de Instrumento 650.637-4/7, Rel. Jesus Lofrano. Data do Acórdão: 29/09/2009. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4093931&vlCaptcha=rextm>Acesso em: 31/07/2013 BRASIL, STF, ADI 132, Rel. Min. Ayres Britto. Data do Acórdão: 05/05/2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633> Acesso em 31/07/2013 BRASIL, STF, ADI 3510, Rel. Min. Ayres Britto. Data do Acórdão: 29/05/2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 24.637/97, Rel. Dr. Belfort Peres Marques, Data de aprovação do parecer: 28/09/2001. Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=4769> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 43.765/01, Rel. Conselheiro Cristião Fernando Rosas. Data de aprovação do parecer: 31/08/2001. Disponível em: <

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www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=5196> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 58.437/02, Rel. Dra. Adriana T. M. Brisolla Pezzotti. Data da aprovação do parecer: 11/06/2012. Disponível em < www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=5564> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 126.750/05, Rel. Conselheiro Reinaldo Ayer de Oliveira. Data da aprovação: 04/04/2006. Disponível em < www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=7258> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 145.964/07, Rel. Conselheiro Krikor Boyaciyan. Data da aprovação: 19/11/2010. Disponível em: < www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=9697> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 133.827/10, Rel. Conselheiro Reinaldo Ayer de Oliveira. Data da aprovação: 13/05/2011. Disponível em: < www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=10462> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 33.437/11, Rel. Laide Helena Casemiro Pereira. Data da aprovação: 07/06/2011. Disponível em: < www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=10811> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 145.885/11, Rel. Laide Helena Casemiro Pereira. Data da aprovação: 20/04/2012. Disponível em: < www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=10810> BRASIL, São Paulo, CREMESP, Consulta nº 61.709/12, Rel. Laide Helena Casemiro Pereira. Data da aprovação: 25/05/2012. Disponível em: < www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&dif=s&ficha=1&id=10742&tipo=PARECER&orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Est…> BRASIL, Minas Gerais, CRMMG, Consulta nº 003419/2008, Rel. GABRIEL DE ALMEIDA SILVA JR. Data da aprovação: 15/02/2008. Disponível em: < sistemas.crmmg.org.br/pareceres/imprimir_documento.php?id=158> BRASIL, Minas Gerais, CRMMG, Consulta nº 4735/2012, Rel. Manuel Maurício Gonçalves. Data da aprovação: 13/07/2012. Disponível em: < sistemas.crmmg.org.br/pareceres/imprimir_documento.php?id=1086> Bibliografia: DINIZ, Debora; COSTA, Rosely Gomes. Infertilidade e Infecundidade: Acesso às Novas Tecnologias Conceptivas. Disponível em <http://www.anis.org.br/serie/artigos/sa37%28dinizgomes%29ntrs.pdf>. Acesso em 31 jul. 2013. DWORKIN, Ronald. O Domínio da Vida: aborto, eutanásia e outras liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003. DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. GONÇALVES, Artur. Os Limites e Padrões das Atividades Normativas do Conselho Federal de Medicina em temas Jurídico-Morais Sensíveis no Estado Constitucional Brasileiro. Orientadora: MARTEL, Letícia. – Rio de Janeiro: PUC-Rio. Departamento de Direito. 2012. SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda, 2011.

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STRUCHINER, Noel. Para falar de regras: o positivismo conceitual como cenário para uma investigação filosófica acerca dos casos difíceis do direito. Orientador: Danilo Marcondes de Souza Filho. – Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de Filosofia, 2005.