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GESTALT-TERAPIA Pressupostos teóricos e técnicas 1 Eudson Souza Menezes 2 RESUMO: Este artigo discute a Gestalt-Terapia como prática psicoterapêutica. Destacam-se as importantes contribuições da Psicologia da Gestalt, com a sua teoria do campo perceptual e adoção do método fenomenológico para o estudo dos fenômenos psicológicos. Além disso, destaca-se a Teoria organísmica de Kurt Lewin que fornecem a abordagem gestáltica as noções de auto-regulação e a compreensão do organismo como todo. Quanto às influências filosóficas, discutem-se as contribuições da Fenomenologia, do Humanismo e do Existencialismo para a consolidação da abordagem gestáltica. Neste trabalho serão apresentados alguns conceitos e técnicas que diferenciam a Gestalt-Terapia como abordagem psicoterapêutica. PALAVRAS-CHAVE: Gestalt-Terapia. Psicologia da Gestalt. Filosofias fenomenológico-existenciais. Conceitos e técnicas. INTRODUÇÃO 1 Artigo apresentado à disciplina Teorias da Consciência III, do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão, ministrado pelo Professor Doutor Jadir Machado Lessa. 2 Bacharelando, quaro período, do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.

Gestalt

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GESTALT-TERAPIA

Pressupostos teóricos e técnicas1

Eudson Souza Menezes2

RESUMO: Este artigo discute a Gestalt-Terapia como prática psicoterapêutica.

Destacam-se as importantes contribuições da Psicologia da Gestalt, com a sua teoria do

campo perceptual e adoção do método fenomenológico para o estudo dos fenômenos

psicológicos. Além disso, destaca-se a Teoria organísmica de Kurt Lewin que fornecem

a abordagem gestáltica as noções de auto-regulação e a compreensão do organismo

como todo. Quanto às influências filosóficas, discutem-se as contribuições da

Fenomenologia, do Humanismo e do Existencialismo para a consolidação da

abordagem gestáltica. Neste trabalho serão apresentados alguns conceitos e técnicas que

diferenciam a Gestalt-Terapia como abordagem psicoterapêutica.

PALAVRAS-CHAVE: Gestalt-Terapia. Psicologia da Gestalt. Filosofias

fenomenológico-existenciais. Conceitos e técnicas.

INTRODUÇÃO

A Gestalt-Terapia é uma abordagem psicoterapêutica desenvolvida por Fritz

Perls, Laura Perls e Paul Goodman na década de 1950 nos Estados Unidos. Essa

abordagem é caracterizada por ser estruturada em um complexo arcabouço teórico que

vai da Psicologia da Gestalt, passando pela Psicanálise3 de Freud, chegando às filosofias

existenciais-fenomenológicas, destacando-se como notórias influencias filósofos como

Martin Heidegger, Martin Buber.

Dentro das três forças4 que estão presentes na construção da Psicologia como

ciência e como prática clínica, a Gestalt-Terapia está classificada como pertencente a

1 Artigo apresentado à disciplina Teorias da Consciência III, do Curso de Psicologia da Universidade

Federal do Maranhão, ministrado pelo Professor Doutor Jadir Machado Lessa.2 Bacharelando, quaro período, do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.3 Neste trabalho, não abordaremos as contribuições da Psicanálise para a formação da Gestalt-Terapia.4 As três forças que definem a psicologia como ciência são a Psicanálise de Freud com a sua ênfase no

estudo do inconsciente como fenômeno psicológico, o Behaviorismo que estuda os fenômenos

psicológicos como relações entre os organismo com o ambiente e o Humanismo que estuda a

consciência como relação existente entre o sujeito e o mundo, onde suas questões existenciais emergem

como fenômenos.

corrente humanista, estando ao lado da Análise Centrada na Pessoa, da Daseianálise, da

Logoterapia e do Psicodrama.

2 AS INFLUÊNCIAS TEÓRICAS NA GESTALT-TERAPIA: A PSICOLOGIA

DA GESTALT.

A primeira grande influencia para a constituição da Gestalt-Terapia no campo

teórico está fundada nos estudos desenvolvidos pela Psicologia da Gestalt, cujos

principais representantes são Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Esses

psicólogos estavam voltados para o estudo do fenômeno da aprendizagem, da percepção

e solução de problemas por meio de uma teoria de fundo5 (RIBEIRO, 1985, p. 65).

A Psicologia da Gestalt tem como fundamento de estudo dos fenômenos da

aprendizagem e percepção e da solução de problemas como decorrentes da “realidade

do campo visto como um todo” (RIBEIRO, 1985, p. 65). Para essa abordagem

psicológica, esses fenômenos não são visto como constituídos de partes que juntas os

formam, mas que esses fenômenos são um todo completo. Em outras palavras, a

percepção que um observador tem de uma imagem não é resultado da soma dos

elementos que formam essa imagem, mas são resultados da configuração desses

elementos dentro de um campo.

O que a Psicologia da Gestalt propõe é que os fenômenos sejam estudados

como totalidades que são únicas em dado momento e em relação às condições que o

observador está naquele momento. Essa perspectiva é extremamente importante para a

fundamentação da Gestalt-Terapia, pois enfatiza que um mesmo objeto, relato ou

lembrança pode adquirir novos significados diante das condições atuais em que o cliente

se encontra no setting terapêutico. Tanto para a Psicologia da Gestalt quanto para

Gestalt-Terapia não há dados, mas apenas fenômenos.

Os fenômenos apenas se constituem como tais enquanto relação entre a

consciência e o objeto. Como dístico que se tornou a imagem da Fenomenologia de

Edmund Husserl a “consciência e sempre consciência de alguma coisa”, o fenômeno

terapêutico apenas se constitui quando o cliente direciona a sua consciência para relatar

fatos de sua vida para o terapeuta. Os acontecimentos passados da vida do cliente

apenas se tornam fenômenos quando esse verbaliza para o terapeuta esses

5 As teorias de fundo que podem ser citadas estão a Teoria do Campo de Kurt Lewin e a Teoria

Holísitica de Kurt Goldstein que também influenciaram a Gestalt-Terapia.

acontecimentos. Essa verbalização faz que esses acontecimentos “tornem de volta a

vida”, pois a verbalização se configura com as situações presentes perante o cliente,

tanto na sua vida fora do setting terapêutico quanto dentro dela.

O relato do passado não se junta aos elementos presentes na vida do cliente: ele

se reconfiguram. É importante que se faça a distinção entre “juntar elementos” e “(re)

configurar elementos”. Juntar elementos pressupõe que um objeto é previamente algo

definido e que sofreu um processo de fragmentação que pode ser revertido pela

recolocação de suas “peças”. Por outro lado, (re) configurar tem um significado

diferente: os elementos que compõe um objeto podem lhe fornecer novos significados

que emergem das configurações possíveis desses elementos dentro de um determinado

campo perceptual.

Assim, um cliente pode relatar que em determinada situação se sentiu

humilhado devido a fala de uma determinada pessoa e que sente raiva em relação a essa

pessoa. Poderíamos perguntar ao cliente: “O que essa pessoa lhe falou para você se

sentir humilhada?” Essa pergunta poderia ser seguida por: “Como você estava se

sentindo naquele momento em que essa pessoa lhe falou isso?” Aqui estamos pensando

em um contexto em que o cliente pode ter se sentido humilhado diante da fala do sujeito

devido a outros problemas que estavam em questão na consciência do cliente e que se

configuraram a fala do sujeito emergindo o fenômeno a humilhação.

Então diante do relato da sua situação existencial presente naquele momento, o

cliente pode atribuir, a partir das perguntas feitas pelo terapeuta, novos significados

àquele momento. O cliente pode se tornar consciente que aquela pessoa não lhe tratou

de modo ríspido, mas que devido as suas condições existências entendeu a fala do

sujeito como uma atitude de humilhação. Agora, diante dos novos elementos que se

configuram aquele momento, o cliente pode atribuir um novo significado aquele

momento.

Em relação a essa reformulação do campo perceptual na prática clinica, Ribeiro

discorre que:

[...] a ação psicoterapêutica deverá levá-lo [o cliente] a uma correção deste campo perceptual ou uma reestruturação do mesmo. Assim, quando alguém se sente “curado”, podemos dizer que seu campo perceptual foi reestruturado, que boas figuras provocaram a reestruturação de seu campo total. Neste caso, aconteceu uma aprendizagem e a solução de problemas se deu através de introvisões. (1985, p. 66)

A asserção de Ribeiro sobre a reestruturação do campo perceptual como

elemento importante na Psicologia da Gestalt que influenciou a Gestalt-Terapia toca em

um ponto importante: a aprendizagem como elemento importante na terapia. Na prática

terapêutica não é apenas importante que o cliente se torne consciente de elementos que

estruturam a sua subjetividade, mas que, a partir dessa conscientização, seja capaz de

traçar novas possibilidades para a sua existência. A Gestalt-Terapia, como pertencente a

corrente humanista e fenomenológico-existencial, tem como fundamento de “fé” que o

cliente, ao se dispor como sujeito na clínica, possa se tornar capaz de dirigir a sua vida.

2.1 As leis do campo perceptual

A preocupação em definir o fenômeno como resultante da configuração de

elementos levou a Psicologia da Gestalt a formular leis que regem a formação do campo

perceptual. Segundo Ribeiro (1985), as leis do campo perceptual foram desenvolvidas

por Wertheimer para o estudo do campo visual, mas que são valiosas para compreender,

dentro da clinica gestáltica, como se estruturam os fenômenos psicológicos na vida

existencial dos clientes.

O primeiro princípio da organização do campo perceptual elencado pela

Psicologia da Gestalt é o princípio da proximidade. Segundo esse princípio, os

elementos próximos no tempo e no espaço são percebidos juntos. Dentro da clínica,

poderíamos supor que esse princípio está presente em relatos de pacientes que afirmam

que a sua fala ou atos a alguém foi determinante no acontecimento de um evento

danoso. Poderíamos criar um hipotético setting terapêutico onde ocorre o seguinte

diálogo:

Cliente – Eu matei meu pai! E me sinto muito culpado por isso!

Terapeuta – Como você matou seu pai?

Cliente – Eu disse que eu queria que ele morresse e ele morreu de infarto à

noite.

Diante de tal relato, poderíamos perguntar em que situação o cliente falou isso.

Como relato hipotético, poderíamos dizer que o cliente falou isso em pensamento e que

na noite do dia em que pensou tal desejo seu pai morrera. Diante da proximidade

temporal desses dois acontecimentos formou o fenômeno da culpa da morte.

Nesse caso, o trabalho do terapeuta é fazer que o cliente perceba que esses dois

fatos não são indicativos da culpa da morte. Poderíamos perguntar ao cliente o que lhe

motivou a dizer isso e se o seu pai apresentava problemas cardíacos anteriormente. O

nosso cliente hipotético poderia dizer que o pai lhe maltratava muito, que lhe exigia um

desempenho acadêmico que não poderia realizar e que, quanto à saúde, o pai já

apresentava um histórico de problemas cardíacos que não dava o devido cuidado. Então

o terapeuta poderia levar o cliente a perceber que os seus sentimentos de raiva em

relação ao seu pai eram compreensíveis diante daquela situação e que a morte dele não

estava sob controle do cliente.

O segundo princípio do campo perceptual é a similaridade. Segundo esse

princípio, elementos que estão em condições iguais são vistos como fazendo parte da

mesma estrutura.

Quanto a esse princípio poderíamos criar uma situação hipotética onde uma

cliente relata dificuldades de relacionamento amoroso. A cliente relata que tem

dificuldades em dar prosseguimento aos seus relacionamentos, pois se sente angustiada

quando percebe que os seus namorados querem lhe propor o casamento. Quando está

consciente dessa possibilidade, a cliente relata que se torna ríspida com os seus

namorados, o que termina como o rompimento desses relacionamentos.

No setting terapêutico, poderia ocorrer o seguinte dialogo:

Cliente – Eu acabo com todos os meus relacionamentos!

Terapeuta – Você poderia explicar como você acaba com os seus

relacionamentos.

Cliente – Quando eu percebo que quando os meus namorados querem casar

comigo eu começo a agir de forma ríspida. Começo a brigar, a dizer que eles têm outras

e que são todos iguais, pois todos traem.

Diante disso, o terapeuta pode perguntar a cliente quando isso começou a

ocorrer. A cliente poderia relatar que essas atitudes começaram a ocorrer a partir do

relacionamento com o seu segundo namorado. Esse lhe havia pedido em casamento,

mas que lhe trocara por outra após o pedido de noivado. A partir desse acontecimento

quando ela percebia que seus outros namorados poderiam lhe pedir em casamento, a

cliente adotava atitudes a fim de impedir que aquela situação ocorresse. Perguntada qual

seria o indicativo de um possível pedido de noivado, a cliente poderia dizer que os

comentários sobre como ela se imaginaria com o namorado daqui a dez anos feitos por

eles lhe serviam como forte indicativo. Ela relataria que foi a atitude similar que o

segundo namorado teve na ocasião do abandono.

O terceiro princípio desenvolvido por Wertheimer é o princípio denominado de

direção. Segundo esse princípio, tendemos a ver as figuras de uma forma tal que elas

seguem uma única direção. O princípio da direção poderia ser representado, na clínica,

por um relato hipotético de um cliente que não consegue construir novas possibilidades

para a sua existência.

O quarto princípio que formam as leis do campo na Psicologia da Gestalt é o

princípio da disposição objetiva. Esse princípio descreve que uma figura é vista como

estável mesmo quando os estímulos que levaram a sua percepção original estão agora

ausentes. O princípio da direção objetiva é mais claramente visto no relato de paciente

que atribuem um único significado a acontecimentos do passado. A configuração desses

acontecimentos é tal que o cliente afirma que não há possibilidade para uma possível

mudança. Fritz Perls argumenta que o neurótico é carente de possibilidades para superar

a sua neurose. Então, uma das funções do terapeuta da Gestalt-Terapia é fazer que o seu

cliente veja, a partir do seu relato, novas formas de lidar com situações que lhe

ocorreram no passado e com as que estão se processando no momento da terapia.

O quinto princípio é denominado de destino comum. Segundo Ribeiro (1985,

p. 69), esse principio informa que um elemento pertencente a um grupo maior, quando

deslocado, tende a forma um novo grupo. Esse princípio é fundamental na clínica

gestáltica, pois é o que possibilita a formação de novas cadeias de significados na vida

existencial do cliente. Os acontecimentos do passado do cliente, via de regra, não

podem ser alterados, mas os seus significados sim. Portanto, cabe ao terapeuta que, no

diálogo com o seu cliente, o leve a partir da reconfiguração dos acontecimentos do seu

passado a construir um novo fenômeno para aqueles acontecimentos.

O sexto princípio que formam as leis do campo perceptual é denominado de

pragnanz. Segundo esse princípio, as figuras são formadas da melhor maneira possível.

Na clínica, esse princípio pode ser aplicado nas situações em que o cliente se sente

impotente diante de situações ocorridas no passado. O que o terapeuta deve levar o

cliente a percebe em seu próprio relato é que naquela situação as suas possibilidades de

ação e compreensão foram definidas pelas condições presentes naquele momento.

2.2 O Todo e a Parte

As noções de Todo e Parte são de fundamental importância para a construção

da Psicologia da Gestalt e da Gestalt-Terapia. Segundo Ribeiro (1985), essas noções são

importantes, pois permite a compreensão do fenômeno psicológico como uma totalidade

indivisível. Para a Psicologia da Gestalt, a compreensão dos fenômenos é imediata e

qualquer tentativa de análise por decomposição de seus elementos resulta em um dado

que não corresponde mais àquele fenômeno.

O todo e a parte se formam dentro de um campo perceptual para adquirir um

significado específico. O todo e a parte são, para a Psicologia da Gestalt e Gestalt-

Terapia, de natureza diferente entre si. Ao atentar para o todo e para a parte, a

Psicologia da Gestalt afirma que o fenômeno psicológico é formado por elementos que

não podem ser agrupados de maneira linear ou causal. Alem do mais, o todo e a parte

são instâncias conceituais móveis. Dentro de um campo perceptual, diferentes

elementos podem se constituir como todo para uma pessoa enquanto que para outro

sujeito esses elementos podem ser visto apenas como partes.

Segundo Weis (1967, Apud Ribeiro, 1985, p. 71):

[...] Todas as partes do campo desempenham algum papel na estruturação perceptual. Assim, o problema para o gestaltista não é tanto como o dado é solucionado, mas como é estruturado. Por que razão, de todas as alternativas possíveis, emerge a estrutura atual. Um dos princípios diz que, dado um todo perceptual, parte da percepção será figura [todo] e o resto fundo [parte] (grifo acrescentado).

Isso é importante, pois na prática clinica, o terapeuta da Gestalt-Terapia não

trabalha com noções fixas de todo e parte, mas atenta para os elementos que o cliente

relata procurando identificar o que para o cliente se apresenta como todo e o que se

apresenta como parte e como essa configuração veio a ser estabelecida. Essa percepção

é importante, também, pois permite ao terapeuta identificar o desenvolvimento do

cliente dentro da relação terapêutica. De um encontro para o outro, o cliente pode

elaborar questões que indicam que o seu foco existencial se deslocou para elementos

que anteriormente não havia dado suficiente atenção: elementos que julgava como

partes de outra totalidade, mas que emergem como situações existenciais completas em

si mesmas.

2.3 A Figura e o Fundo

Tanto a Psicologia da Gestalt quanto a Gestalt-Terapia, são caracterizadas por

explicitar as noções de figura e fundo como elementos importantes para a construção

de seu arcabouço teórico.

Para a Gestalt-Terapia a situação existencial do cliente é construída sobre

elementos que ele elenca como figura e fundo. A figura, no setting clínico, seria os

elementos existenciais que o cliente considera como importantes (explícita ou

implicitamente) para a construção da sua subjetividade. A figura poderia ser

compreendida como as questões que mais se evidenciam na fala desse cliente.

Por sua vez, o fundo são os elementos presentes na vida do cliente que ele não

dá a devida atenção. Na situação clínica, o trabalho do terapeuta é fazer que o cliente se

torne consciente desses elementos. O cliente pode construir o discurso da sua vida

apenas sobre aqueles elementos que lhe estão mais evidentes e negligenciar esses

elementos que em seu relato apenas são fundo.

Na prática clínica é preciso que o cliente “reconfigure” a sua imagem

perceptual sobre determinado evento a partir da relação dos elementos que

anteriormente eram o fundo. Ao relacionar esses novos elementos, o cliente pode

perceber que o significado que atribuía a determinada situação era resultado da

percepção de alguns elementos e que diante da conscientização desses novos elementos

a sua percepção é atualizada, levando a concluir que o significado daquela situação pode

ser outro.

3 KURT GOLDSTEIN, A TEORIA ORGANÍSMICA E AS INFLUÊNCIAS

SOBRE FRITZ PERLS

Uma marcante influência no desenvolvimento da Gestalt-Terapia é os estudos

desenvolvidos por Kurt Goldstein.

Fritz Perls fora aluno e assistente de Goldstein em um centro de tratamento

para soldados com lesões cerebrais, decorrentes da Primeira Guerra. Em seus estudos,

Goldstein percebeu que alterações cerebrais provocavam alterações de personalidade.

Dessa maneira, a teoria organísmica advoga que alterações na partes que formam um

todo tende a provocar uma nova configuração desse todo. Além disso, Goldstein

considerava cada caso clínico como constituindo um todo cujo significado estava

circunscrito como esse fenômeno veio a se estruturar. Dessa maneira, a teoria

organísmica de Goldstein não admitia a construção de generalizações que poderiam ser

estendidas a outros casos (Granzotto, 2005, p. 75)

Goldstein (Apud, Ribeiro, 1985, p. 107) concebe o organismo como um todo,

sendo o que ocorre as suas partes afetam esse todo. Portanto, a teoria de Goldstein

considera que esse todo não é apenas formado por componentes orgânicos, mas também

por componentes ambientais.

Segundo Ribeiro (1985), a teoria organísmica concebe a pessoa como unidade

que é integrada e consistente. Para Goldstein, a organização é uma característica natural

do indivíduo, enquanto que a sua desorganização é vista como patológica.

Além disso, o organismo é visto como constituído por partes que são diferentes

do todo. O estudo de componentes isolados não permite a compreensão do todo como

totalidade, pois as partes funcionam de forma completamente do todo. Isso que dizer

que o todo só pode ser apreendido por meio de si mesmo, pois é controlado por leis

específicas para o seu funcionamento. A compreensão de uma parte, portanto, não é

indicativo da compreensão do funcionamento do todo.

O princípio da auto-regulação é um elemento presente na teoria de Goldstein

que irá influenciar a Gestalt-Terapia de Perls. Segundo esse princípio, o organismo

procura atingir um estado de equilíbrio que permita o funcionamento adequado do todo.

Dessa maneira, não existe gestaltens boas ou más, pois elas são as respostas adequadas

que o organismo encontrou para a manutenção de seu equilíbrio.

Além do mais, o princípio da auto-regulação tem a perspectiva de conceber o

equilíbrio como dinâmico, não como elemento estático. Consequentemente, o que

poderíamos considerar como patológico na Gestalt-Terapia seria as formas encontradas

pelo cliente para manter o princípio da auto-regulação como não adequado as situações

que se apresentam ao cliente. A neurose para a Gestalt-Terapia seria uma forma

inadequada que o organismo encontrou para manter a auto-regulação que não possuía a

capacidade de se adequar as novas situações existenciais.

Essa perspectiva de auto-regulação pode ser vista nas noções de figura natural

e figura não natural (RIBEIRO, 1985, p. 109). Para Goldstein, as figuras naturais são

aqueles elementos que se adéquam a totalidade do organismo. Entre outras palavras, as

figuras naturais são harmônicas dentro do campo que circunscreve figura e fundo.

Por sua vez, a figura não natural são os elementos que não se adéquam a

configuração do campo perceptual. Essas figuras tendem a se destacar do campo

perceptual possuindo uma dinâmica diferente desse campo. No caso das neuroses, é

perceptível que as ações do sujeito neurótico durante a manifestação dessa patologia são

completamente autônomas em relação ao funcionamento do sujeito como totalidade.

Dentro do campo metodológico, a teoria organísmica de Goldstein influenciou

a Gestalt-Terapia de forma que o fenômeno psicológico deve ser apreendido em sua

totalidade, evitando-se a tendência de se analisar partes isoladas desse fenômeno.

4 AS INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS: A FENOMENOLOGIA, HUMANISMO E

EXISTENCIALISMO

As bases fenomenológicas que a Gestalt-terapia possui vieram por meio da

teoria do campo da Psicologia da Gestalt. Para Boris (1992 Apud MOREIRA, 2009,

p.5) a fenomenologia é fundamento metodológico comum as todas as abordagens

existenciais. Segundo Gomes e Castro (2010), a clínica fenomenológica é descrita, pela

prática médica, como uma abordagem que prima pela descrição exaustiva dos sintomas.

Karl Jaspers (1883-1969) foi pioneiro na utilização da Fenomenologia no estudo das

patologias mentais. Ele publicou o livro Psicopatologia geral.

Gomes e Castro (2010) utilizam o termo clínica fenomenológica para designar

práticas psicoterapêuticas que são conhecidas como abordagens fenomenológico-

existenciais. Essas abordagens são caracterizadas pela junção de uma filosofia a uma

metodologia para o estudo dos fenômenos das relações entre experiência e consciência.

A fenomenologia, enquanto proposta metodológica, preocupa-se com o estudo

do fenômeno. Segundo Janet (Apud GOMES e CASTRO, 2010, p. 82), o fenômeno é

fato em movimento que se transforma a cada instante. É essa definição que se agrega ao

termo Fenomenologia. Ainda segundo Gomes e Castro (2010), a fenomenologia tem

como preocupação principal entender a formação da subjetividade, que é a relação do

sujeito cognoscente com o objeto para produzir conhecimento. Edmund Husserl6

pretendia que a fenomenologia fosse o método único para todas as ciências. A proposta

da fenomenologia era ser um método capaz de fazer um conhecimento rigoroso acerca

do processo de pensamento (noesis) e acerca da compreensão do objeto (noema).

Dentro da Fenomenologia, as noções de o que e como, emergem como

preocupações fundamentais para o método fenomenológico. Ao definir o que como

noção, a Fenomenologia argumenta que os acontecimentos não são dados fixos. Esses

acontecimentos não possuem uma identidade a priori, mas são capazes de possui um

significado a partir da relação desse acontecimento com o sujeito que se apresenta como

consciência de alguma coisa. Já a noção de como emerge com importante fundamento

para a Fenomenologia, pois é responsável pela descrição como o acontecimento se

estabelece com a consciência a fim de produzir o fenômeno.

6 Para uma melhor compreensão da Fenomenologia desenvolvida por Edmund Husserl Cf. GOTO,

Tommy Akira. Introdução à Psicologia Fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. São

Paulo: Paulus, 2008.

Dentro das contribuições da fenomenologia para a Gestalt-terapia, o conceito

de limite de contato é fundamental para a construção teórica do fenômeno psicológico

visto como totalidade. Dessa forma, Perls, ao utilizar o conceito de limite de contato,

rompe com a visão dualista ainda presente na maioria das abordagens psicológicas de

seu tempo que constroem suas bases teóricas a partir de um homem divido entre mente

e corpo, em causas internas e externas (MOREIRA, 2009; FIGUEIREDO, 1991).

Quanto ao Existencialismo dentro da Gestalt-Terapia, Boris (Apud Moreira,

2009) traça as influencias existenciais da Gestalt-Terapia ao pensamento de Kierkegard

e Nietzsche em relação a subjetividade; de Edmund Husserl em relação a noção de

intencionalidade que fundamentará a concepção de consciência desenvolvida por Perls;

de Heidegger em relação ao dasein que é o fundamento da perspectiva do homem como

capaz de realizar as categorias da existência; o pensamento sartreano que concebe o

homem como responsável pela sua própria existência e o pensamento de Martin Buber

em relação ao diálogo que será determinante na construção da Gestalt-Terapia dos

conceitos de relação e encontro.

Para Figueiredo (1991) e Moreira (2009), as influências do Existencialismo

estão presentes na noção de fuga de contato do neurótico. Para Perls, o que caracteriza a

fuga de contato do neurótico é a perda da “liberdade de escolha, não pode

selecionar meios apropriados para seus objetivos finais porque não

tem a capacidade de ver as opções que lhe estão abertas” (Perls,

1988, p. 31).

Para Matson (1985) e Ribeiro (1999), o humanismo, que é outra importante

influência na Gestalt-Terapia, busca a construção da pessoa saudável como uma gestalt

integrada. O humanismo busca dar ao cliente suporte para que ele construa a sua

autonomia. O importante é que ele venha a compreender que ele é um projeto, um vir-

a-ser que se faz no enfrentamento no mundo.

O humanismo tem seus fundamentos filosóficos na Fenomenologia de Edmund

Husserl. A fenomenologia rompe com a visão explicativa na construção do saber

científico até então hegemônica e propõe a construção de um conhecimento descritivo.

Para Husserl, a construção de um saber explicativo deixa de lado toda a vitalidade do

fenômeno. Ao propor um modelo descritivo, Husserl pretende demonstrar que o

fenômeno é uma inter-relação entre sujeito-objeto. Nessa relação, sujeito é objeto

inexistem independentemente um do outro. Ambos, portanto, fazem-se mutuamente. O

fenômeno se faz evidente apenas para uma consciência que é sempre uma consciência

de alguma coisa. Por conseguinte, a fenomenologia descarta a construção de

conhecimento científico por uma via causal e constrói um modelo de conhecimento que

privilegia a relação intrínseca entre sujeito-objeto.

5 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA GESTALT-TERAPIA: OS CONCEITOS

A Gestalt-terapia foi desenvolvida nos anos 1950 por Fritz Perls, tendo como

co-fundadores Paul Goodman e Ralph Hefferline. A Gestalt-terapia é caracterizada por

buscar o desenvolvimento do cliente por meio awareness. O awareness é fundamental

para que o cliente tome consciência das suas relações como o mundo interno (consigo

mesmo) e com o mundo externo (a sua relação com os outros).

O awareness pode ser considerado como a pedra basilar da Gestalt-Terapia.

Embora seja um conceito fundamental a sua tradução para a língua portuguesa é difícil,

pois esse termo possui múltiplas significações:

Awareness é uma palavra que não possui correspondente preciso em nosso idioma. Em geral é traduzida por ‘consciência’, porém seu significado é muito mais amplo. No sentido psicológico, o equivalente em inglês de ‘consciência’ seria consciousness. Awareness, porém, possui uma conotação que transcende este sentido, envolvendo um aspecto maior de ‘consciência’. Assim, awareness pode significar ‘consciência’, ‘conhecimento’, ‘ciência’, ‘atenção’, ‘percepção’, ou ‘sensação da presença de algo. (BARROS Apud STEVENS, 1977a, p. 11)

O melhor termo em língua portuguesa para designar awareness é tornar-se

presente. O tornar-se presente não envolve apenas a tomada de consciência de

elementos que o cliente antes não havia dado a devida atenção. O tornar-se presente

envolve, além disso, a idéia que a vida existencial do cliente está em constante

movimento. As coisas não são, mas estão em um estado que é permanentemente

modificado. Ao se dar conta desse aspecto, o cliente começa a perceber que a sua

situação existencial lhe permite a escolha de outras possibilidades de existência.

O tornar-se presente pode ser também compreendido como:

Nela fica implícito o caráter dinâmico e de processo no termo ‘fluxo’; a finalidade do método de facilitar a discriminação e de promover a maior precisão no contato com a figura emergente, através do termo ‘focalizado’; e ‘associativo’, na medida em que a focalização poderá levar à produção de novas cadeias de relações de significado. (LOFFREDO, 1994, p. 128).

Além disso, o tornar-se presente pode ser também compreendido como a

conscientização do cliente em relação ao seu campo perceptual:

Awareness é, para Perls, a sua habilidade humana de estar em contato com seu campo perceptual total. É a capacidade de estar em contato com sua própria existência, de notar o que ocorre dentro de você ou à sua volta, de conectar com o ambiente, com outras pessoas e com você mesmo; saber a que você está sensível ou o que está sentindo ou pensando; como você está reagindo neste momento. Awareness não é somente um processo mental: ela envolve todas as experiências, sejam elas físicas ou mentais, sensórias ou emocionais. É um processo conjunto no qual a totalidade do organismo está engajada: ‘Awareness é como a brasa de um carvão, que provém de sua própria combustão (o organismo total)’. (PERLS, HEFFERLINE E GOODMAN, 1951/1973, p. 106 Apud VERAS, 2005, p. 44)

O tornar-se presente permite ao cliente tomar compreensão da sua vida

existencial como uma totalidade. Ele deixa de se ver como objeto dividido e toma

consciência que é um todo. Todas as suas ações e pensamentos expressam não facetas

dividas de sua personalidade, mas expressam sim a vivência de um ser total, indivisível.

Na terapia o cliente se percebe, de início, como ser dividido, onde a neurose se expressa

como elemento marcante da sua vida. Pensa-se que o cliente que procura a clínica busca

a integração de suas partes divididas. Então, conclui-se que o terapeuta tem como um

dos seus objetivos fazer que o cliente deixe de ser ver como ente dividido e se perceba

como totalidade. Essa imagem de totalidade apenas se torna emergente e presente

quando o cliente aceita a manifestação da neurose como elemento constituinte de sua

totalidade. O que ocorre é que o cliente vê as ações que constituem a sua neurose como

elemento estranho a sua própria vida. A neurose é um intruso para o cliente. É apenas

quando o cliente aceita a neurose como elemento que faz parte da sua existência e que

lhe diz muito sobre si como ente no mundo, é que o cliente pode vislumbrar a

integração e se ver como um todo.

Outro importante conceito que está intimamente relacionado com o conceito de

awareness é o conceito de aqui e agora. Aqui e agora se apresentam como noções que

evocam as influências da Psicologia da Gestalt e da Fenomenologia, bem como do Zen-

budismo. A Gestalt-Terapia na sua prática clínica não visa a construção de explicações

causais, o que é evidente em outras abordagens como a Psicanálise e o Behaviorismo.

Qualquer teoria que busque explicações causais está pressupondo que o

fenômeno tem uma origem e que se desenvolveu por meio de uma sucessão de

elementos que formam uma cadeia. Para essa perspectiva, o fenômeno é

incompreensível a partir do seu momento presente; é preciso que se faça uma análise

retrospectiva a fim de encontrar os seus elementos causais.

A Gestalt-Terapia discorda dessa posição. Para essa abordagem, o momento

presente é o elemento mais importante para a compreensão do fenômeno psicológico.

Os elementos que constituem o fenômeno estão presentes no momento em que o cliente

relata a sua vida ao terapeuta. Mesmo que o cliente relate o que aconteceu no passado, o

terapeuta deve fazer que o cliente atente que esse relato não é passado, pois lhe evoca,

no presente, sensações e sentimentos. Perguntas como “Como você está se sentindo ao

falar isso? Você está notando a mudança da sua voz ao falar isso?” podem fazer com

que o cliente se dê conta do aqui e agora da sua situação existencial. Loffredo (1994

Apud, VERAS, 2005, p. 126) argumenta que a noção de aqui e agora desenvolvida por

Perls tem forte influencia da filosofia de Henri Bergson. Bergson argumenta que o

tempo não é uma instância fisicamente mensurável, mas que o tempo é uma

temporalidade. Passado, Presente e Futuro não são instâncias estanques entre si.

Passado, Presente e Futuro são um amálgama. A divisão espacial do tempo é útil como

instrumento metodológico paras as Ciências Naturais, mas para o fenômeno psicológico

se mostra como instrumento deficiente. Como pode o terapeuta denominar de passado

aquilo que faz um cliente chorar ou sentir vergonha no momento em que fala?

Dessa maneira é importante para o terapeuta que escolhe a Gestalt-Terapia

como profissão-de-fé leve o seu cliente a perceber que aquilo que ele fala é uma

gestalten inacabada que lhe exige que seja “fechada”.

O último tripé conceitual fundamental na Gestalt-Terapia é a famosa noção de

figura e fundo. Essa noção já foi anteriormente explicada quando abordamos as

influências da Psicologia da Gestalt para a formação da Gestalt-Terapia. Segundo essa

noção, a percepção de um acontecimento como fenômeno é decorrente da organização

de elementos que emergem como figura (aquilo que é mais evidente para o cliente) e

elementos que formam a moldura para a figura que é denominada de fundo (aquilo que

se mostra como elemento irrelevante para o cliente, mas que é fundamental para a

elaboração da figura enquanto fenômeno).

Bezerra (2007) destaca que um dos conceitos também importantes para a

Gestalt-Terapia é o conceito de necessidade. Esse conceito guarda uma íntima relação

com a teoria organísmica de Goldstein. Tanto para essa teoria quanto para a Gestalt-

Terapia, as gestalten são formadas a partir de necessidades que devem ser supridas para

a manutenção do equilíbrio. Dessa forma, as patologias na Gestalt-Terapia são

concebidas como gestalten inacabadas que não foram fechadas. E, na prática clínica,

cabe ao terapeuta junto com o cliente identificar essas gestalten para que sejam fechadas

da melhor forma possível.

O conceito de contato é um elemento capital na Gestalt-Terapia. Esse conceito

diz respeito às zonas de contato que constituem zonas que formam a existência de todos

os sujeitos. Para a Gestalt-Terapia a percepção do mundo e de si mesmo, é construída a

partir das relações que as zonas de contato estabelecem entre si. Segundo Stevens

(1977), o contato é formado por três: mundo exterior; mundo interior e atividade de

fantasia.

A zona de contato que é denominada de mundo exterior é a zona que o cliente

percebe o que está a sua volta. O que o cliente vê, ouve, cheira fazem parte dessa zona.

Algumas vezes, na situação terapêutica é preciso que o cliente se torne consciente

(torne-se presente) do mundo externo. Muitas vezes o cliente está envolvido nas zonas

de fantasia que não permitem que ele perceba o outro a sua volta.

A segunda zona de contato é representada pelo mundo interior. Na Gestalt-

Terapia o corpo é uma valiosa fonte de auto-conhecimento. Os exercícios corporais que

são desenvolvidos pela Gestalt-Terapia têm a função de fazer o cliente perceber aquilo

que o seu corpo diz. Ao relatar situações, o cliente exibe uma série de reações corporais:

a voz diminui de volume, o corpo de encolhe, etc. Portanto, essas alterações corporais

são importantes na terapia e é necessário que o terapeuta leve o cliente a se tornar

consciente disso, pois o seu corpo fala também dos seus sentimentos.

A terceira zona de contato é a zona da atividade de fantasia. É nessa zona de

contato que são estabelecidas as relações entre passado, presente e futuro. Na clínica,

pode-se clientes que estão imersos em acontecimentos que estão no passado ou em

expectativas em relação ao futuro. O que acontece quando um cliente está “preso” a

uma dessas instâncias é que o seu contato com o aqui e agora, o presente, é deficiente

ou ausente. Então, a postura do terapeuta é fazer que o cliente torne o passado ou futuro

ao seu devido termo e entre em contato com o presente. O passado e o futuro são

importantes para a vida psíquica do cliente, contudo, a sua relação existencial deve estar

voltada para o aqui e agora.

6 AS TÉCNICAS: O TRABALHO DO TERAPEUTA NA CLÍNICA

GESTÁLTICA

A Gestalt-Terapia é caracterizada por ser uma abordagem psicoterapêutica rica

em técnicas. Dentro deste trabalho destacaremos algumas dessas técnicas para

demonstrar a grande versátilibilidade da abordagem gestáltica na clínica.

A técnica mais conhecida da Gestalt-Terapia é a técnica da cadeira quente7.

Essa técnica consiste em dispor duas cadeiras, uma de frente para outra, onde o cliente

irá sentar nelas alternadamente. Quando estiver em uma das cadeiras, o cliente deverá

agir de uma forma e quando estiver na outra cadeira deverá agir de maneira diferente. O

princípio dessa técnica é fazer que o cliente entre em contato com partes de sua

personalidade que não dá a devida atenção, que pode ser resultante de medo, vergonha,

etc. Portanto, o cliente irá entrar em contato com a parte rejeitada da sua personalidade

(Cf. MARTÍN, 2008, p. 154).

O exercício das zonas de consciência é uma técnica importante na Gestalt-

Terapia, pois leva o cliente a se tornar consciente das zonas de consciência que são

responsáveis pela sua relação com o mundo, tanto o mundo externo e interno. Esse

exercício é feito da seguinte maneira: estando o cliente relaxado (sentado ou deitado) e

de olhos fechados, peca que ele diga a seguinte frase:

Cliente – Agora tenho presente...

Essa frase será preenchida com que o cliente estiver sentindo no momento, seja

sensações corporais, sensações que ocorrem ao seu redor ou pensamentos que lhe

ocorrem. O importante nessa técnica é leva o cliente a tornar-se consciente como essas

zonas de consciência são responsáveis pela percepção que o cliente tem de si mesmo e

do mundo (Cf. STEVENS, 1977, p. 25).

Uma das técnicas mais simples da Gestalt-Terapia é a técnica do sim... e... ,

em contraposição ao sim... mas.... Essa técnica visa desenvolver a autonomia no cliente

que é muitas das vezes carente dessa autonomia (MARTÍN, 2008). A execução dessa

técnica consiste que o cliente diga uma situação que lhe exija uma tomada de decisão e

onde ocorrer a conjunção “mas” ele substitua por “e”. Em uma situação hipotética um

cliente pode falar o seguinte:

Cliente – Eu quero ir a Belo Horizonte, mas não posso ir por causa das provas

do final do curso.

7 Em inglês essa técnica é conhecida como hot seat.

Terapeuta – Repita essa frase colocando “sim” e “e”.!

Cliente – Sim, eu quero ir a Belo Horizonte e não vou a essa cidade porque

tenho que fazer as provas do final do curso.

Uma técnica similar que tem como objetivo desenvolver a autonomia e a

responsabilidade de si mesmo é a técnica de tornar-se responsável. É técnica é usada

no setting terapêutico individual ou em grupo, pois é considerada como um jogo, o que

implica que não pode ser usada em situações fora da terapia. O cliente deve dizer que

sente ou faz algo e se torna responsável por isso (MARTÍN 2008).

Cliente – Eu estou zangado com a minha mãe.

Terapeuta – Responsabilize por isso.

Cliente – Eu estou com zangado com minha mãe e me responsabilizo por isso.

Outra técnica importante é a transformação de perguntas em afirmações.

Essa técnica também objetiva dar ao cliente desenvolver a autonomia. Toda pergunta

deve ser transformada em afirmação:

Cliente – Você está lendo esse livro?

Terapeuta – Transforme essa pergunta em afirmação.

Cliente – Eu vejo que você está com esse livro e o está lendo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Gestalt-Terapia é uma abordagem psicológica que privilegia a tomada de

uma ação de conscientização do cliente em relação a sua vida existencial. Diante disso,

a abordagem desenvolvida por Fritz Perls vai buscar fundamentos teóricos nas mais

variadas fontes.

A Gestalt-Terapia busca seus fundamentos teóricos na Psicologia da Gestalt,

passando pela Psicanálise, chegando, por fim as filosofias existenciais e a

Fenomenologia.

A Psicologia da Gestalt fornece o método fenomenológico a Gestalt-Terapia,

pois justifica a constituição de uma abordagem psicoterapêutica que descarta modelos

explicativos a priori e busca na relação entre terapeuta e cliente a construção de

significados. Portanto, o terapeuta, na abordagem gestáltica, não aparece como um

identificador de patologias psicológicas, mas como sujeito que ajudar o cliente a

clarificar a sua vida existencial, pois a própria terapia emerge como um dos elementos

que constituem a condição existencial desse cliente.

Além de fornecer o método fenomenológico, a Psicologia da Gestalt emprestou

a Gestalt-Terapia as leis sobre o campo perceptual que fundamentam a compreensão,

para o terapeuta, sobre como os significados são construído pelo cliente diante da

estruturação dos elementos que compõe um acontecimento.

Quanto, a teoria organísmica de Kurt Lewin, percebe-se que a Gestalt-Terapia

toma emprestado uma perspectiva positiva em relação a condição de restabelecimento

do cliente. Primeiramente, a idéia que o organismo é um todo é fundamental para pensar

o cliente como uma totalidade. Nessa perspectiva, o adoecimento não é apenas de uma

parte especifica (corpo ou mente), mas é visto como o adoecimento do organismo

inteiro, pois a modificação de uma determinada parte do organismo resulta em uma

reconfiguração desse organismo como um todo. Na clínica gestáltica, essa perspectiva é

vista quando o cliente relata a sua condição existencial, pois o cliente não adoece apenas

de uma parte: ele adoece como todo existencial. A sua doença se manifesta em todas as

instancias da sua vida (na escola, na família, etc.).

O Humanismo e o Existencialismo aparecem, também, como importantes

contribuições para a formação da abordagem gestáltica. O Humanismo fornece à

abordagem de Fritz Perls a crença no homem como centro. O homem como totalidade e

a sua constituição como fundamento de toda a relação na clínica é a preocupação

máxima da Gestalt-Terapia como prática psicoterapêutica.

Junto a essa perspectiva, emerge o Existencialismo. O Existencialismo torna o

homem como responsável pela sua própria existência. O significado da existência

apenas emerge quando o homem se coloca no mundo como ente sem um sentido a

priori. Na clínica gestáltica, essa influencia aparece como a preocupação que o terapeuta

tem de fazer que o seu cliente tome a responsabilidade sobre si mesmo em relação a sua

existência. Para o Existencialismo e para a Gestalt-Terapia, não há como o homem

dividir a sua responsabilidade da sua existência com o outro. De uma forma ou de outra,

o homem sempre será responsável por si mesmo.

A Gestalt-Terapia é, por fim, caracterizada por possui conceitos e técnicas que

lhe são únicas. Dentro do referencial teórico da Gestalt-Terapia, destacam-se os

conceitos de awareness, contato, necessidade e aqui e agora. E quanto as técnicas que

são numerosas, podemos destacar as técnicas da cadeira quente, sim... e ...,

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Márcia Elena Soares. Um estudo crítico das psicoterapias fenomenlógico-existenciais: Terapia Centrada na Pessoa e Gestalt-terapia, 2007. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará, Belém.

FIGUEIREDO, L. C. Matrizes do pensamento psicológico. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.

GRANZOTTO, Rosane Lorena. Gênese e construção de uma “filosofia da gestalt” na Gestalt-Terapia, 2005. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina.

GOMES, William Barbosa; CASTRO, Thiago Gomes de. Clínica Fenomenológica: do método de pesquisa para a prática psicoterapêutica. v. 26, n. especial, Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2010, pp. 81-93.

GOLDSTEIN, Kurt. The Organism. Nova Iorque: American Book, 1939.

LOFFREDO, A. M. A cara e o rosto: ensaio sobre Gestalt- Terapia. São Paulo: Escuta, 1994.

MATSON, Floyd W. Teoria Humanista: A terceira Revolução em Psicologia. In: GREENING, Thomas C. (org.). Psicologia Existencial–Humanista. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p.67-82.

MARTÍN, Ángeles. Manual prático de psicoterapia gestalt. Petrópolis: Vozes, 2008.

MOREIRA, Virgínia. A Gestalt-terapia e Abordagem Centrada na Pessoa são enfoques fenomenológicos? v. 15, n. 1..Revista da Abordagem Gestáltica, 2009, pp. 3-12.

PERLS, F. S.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

RIBEIRO, José Ponciano.Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 2 ed. São Paulo: Summus, 1985.

____________________. Gestalt-terapia de curta duração. São Paulo: Summus,1999.

STEVENS, Jonh O. Tornar-se presente: experimentos de crescimento em gestalt-terapia. 4 ed. São Paulo: Summus, 1977.

VERAS, Roberto Peres. Ilumina-ação: diálogos entre a Gestalt-terapia e o Zen-budismo, 2005 Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.