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II Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Teorias e práticas na Arquitetura e na Cidade Contemporâneas Complexidade, Mobilidade, Memória e Sustentabilidade Natal, 18 a 21 de setembro de 2012 Gestão de projetos em arquitetura Design management in Architecture Gestión de Proyectos en la Arquitectura 1 Monica Santos SALGADO Doutora em Engenharia; Professor Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil PROARQ/FAU/UFRJ; [email protected] 2 Márcio Minto FABRÍCIO Doutor em Engenharia; Professor Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – Brasil IAU/EESC/USP; [email protected] RESUMO A realização de projetos em arquitetura é uma tarefa que tem se tornado gradativamente mais complexa. Atualmente o projeto completo de uma edificação implica a compatibilização de diferentes disciplinas de projeto que precisam concorrer para a melhor solução tanto nas partes como no conjunto final resultante. A partir das exigências da produção de edificações sustentáveis essa questão tornou-se ainda mais complexa uma vez que as edificações também precisam cumprir determinadas metas ambientais. Diante dessa realidade, evidencia-se a importância do coordenador de projetos. Entretanto, embora a função tenha se firmado e consagrado entre as empresas, apenas recentemente a gestão de projetos passou a integrar o currículo de alguns cursos de arquitetura (graduação e pós-graduação). Dessa forma, esse trabalho discute a inserção do tema da gestão de projetos em arquitetura. São apresentados os resultados obtidos a partir de duas experiências didáticas em torno do assunto. Entende-se que não será apenas criando uma disciplina sobre a matéria que a competência para a gestão de projetos será solucionada, mas os resultados positivos dessas experiências levam à reflexão sobre a questão. PALAVRAS-CHAVE: gestão de projetos, ensino de arquitetura, processo de projeto ABSTRACT The architecture design is becoming progressively more complex. The building design involves the compatibility of different disciplines that must achieve the best solution for the construction. Currently, with the exigencies of sustainable design, the task has become even more complex considering that buildings must achieve certain environmental goals. Given this reality, highlights the importance of the project coordinator. However, although this function has been signed and consecrated among the construction companies, only recently the design management has been included in the curriculum of some Brazilian’s architecture courses (undergraduate and graduate). Thus, this paper discuss the design management in architecture courses. There are presented results obtained from student experiments on the theme. It is understood that the skill for coordinating projects will be constructed through the

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Gestão de projetos em arquitetura

Design management in Architecture

Gestión de Proyectos en la Arquitectura

1 Monica Santos SALGADO Doutora em Engenharia; Professor Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil PROARQ/FAU/UFRJ; [email protected]

2 Márcio Minto FABRÍCIO Doutor em Engenharia; Professor Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – Brasil IAU/EESC/USP; [email protected]

RESUMO A realização de projetos em arquitetura é uma tarefa que tem se tornado gradativamente mais complexa. Atualmente o projeto completo de uma edificação implica a compatibilização de diferentes disciplinas de projeto que precisam concorrer para a melhor solução tanto nas partes como no conjunto final resultante. A partir das exigências da produção de edificações sustentáveis essa questão tornou-se ainda mais complexa uma vez que as edificações também precisam cumprir determinadas metas ambientais. Diante dessa realidade, evidencia-se a importância do coordenador de projetos. Entretanto, embora a função tenha se firmado e consagrado entre as empresas, apenas recentemente a gestão de projetos passou a integrar o currículo de alguns cursos de arquitetura (graduação e pós-graduação). Dessa forma, esse trabalho discute a inserção do tema da gestão de projetos em arquitetura. São apresentados os resultados obtidos a partir de duas experiências didáticas em torno do assunto. Entende-se que não será apenas criando uma disciplina sobre a matéria que a competência para a gestão de projetos será solucionada, mas os resultados positivos dessas experiências levam à reflexão sobre a questão. PALAVRAS-CHAVE: gestão de projetos, ensino de arquitetura, processo de projeto

ABSTRACT

The architecture design is becoming progressively more complex. The building design involves the compatibility of different disciplines that must achieve the best solution for the construction. Currently, with the exigencies of sustainable design, the task has become even more complex considering that buildings must achieve certain environmental goals. Given this reality, highlights the importance of the project coordinator. However, although this function has been signed and consecrated among the construction companies, only recently the design management has been included in the curriculum of some Brazilian’s architecture courses (undergraduate and graduate). Thus, this paper discuss the design management in architecture courses. There are presented results obtained from student experiments on the theme. It is understood that the skill for coordinating projects will be constructed through the

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different disciplines of graduate course, but the positive experience with this particular experiments lead to reflection on the issue.

KEY-WORDS: design management, architecture course, design process

RESUMEN:

La realización de proyectos de arquitectura es una tarea que se ha vuelto progresivamente más compleja. Actualmente, el proyecto implica la construcción de una compatibilidad total de las diferentes disciplinas del diseño que tienen que competir por la mejor solución para ambas partes como el conjunto de resultados final. A partir de los requerimientos de producción de edificios sostenibles que la pregunta se ha hecho más compleja, ya que los edificios también deben cumplir con ciertos objetivos medioambientales. Ante esta realidad, pone de relieve la importancia del coordinador del proyecto. Sin embargo, aunque la función ha sido firmado y se consagró entre las empresas, sólo recientemente la gestión de proyectos se incluyó en el plan de estudios de algunos cursos de arquitectura (de pregrado y postgrado). Por lo tanto, este trabajo se analiza la inserción del tema de la gestión de proyectos de arquitectura. Presenta los resultados obtenidos a partir de dos experimentos en torno al tema. Se entiende que no sólo la creación de un curso sobre el tema que la responsabilidad de la gestión del proyecto se resolverá, pero los resultados positivos de estos experimentos llevaron a la reflexión sobre el tema.

PALABRAS-CLAVE gestión de proyectos, la enseñanza de la arquitectura, proceso de diseño

1 INTRODUÇÃO

“Os grandes projetos, como prédios, por exemplo, costumam envolver toda uma equipe de projetistas, composta normalmente de equipes menores de especialistas (...)

Embora alguns arquitetos preferem ser independentes, outros optam deliberadamente por uma forma de prática integrada na qual as várias habilidades se combinam em equipes de projeto. Provavelmente, o exame das agendas profissionais mostrará que a maior parte dos arquitetos passa mais tempo interagindo com outros especialistas e com colegas arquitetos do que trabalhando isoladamente, mas é raro que isso se reflita no currículo da maioria das escolas de arquitetura”. (LAWSON, 2011).

Os projetos de arquitetura e dos empreendimentos de construção são atividades econômicas complexas que demandam diferentes projetistas especializados trabalhando em equipes multidisciplinares.

Neste contexto, ganham relevância as atividades de coordenação e gestão do processo de projeto de forma a integrar as contribuições individuais dos profissionais envolvidos em um projeto único e coerente.

A coordenação e a gestão do processo de projeto é uma das atribuições do arquiteto, respaldada em textos normativos (ABNT, 1995) e de entidade de classe (AsBEA).

Apesar da importância no cotidiano profissional do projetista da arquitetura, como sugere a citação do início do capítulo, extraída do livro do celebre pesquisador britânico Bryan Lawson,

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as escolas e os currículos dos cursos de arquitetura não costumam dedicar muito tempo para o ensino destas questões.

No Brasil, as discussões a respeito da gestão do processo de projeto tiveram início em 2000 quando os professores e pesquisadores interessados no tema começaram a se debruçar sobre a questão. Naquele momento o foco estava na avaliação da qualidade do projeto produzido pelos profissionais de arquitetura e engenharia, e na capacidade destes em atender às necessidades implícitas e explícitas dos usuários.

Conforme as pesquisas sobre o tema foram evoluindo, evidenciou-se a diferença entre a gestão do projeto do produto e do projeto do processo. Nesse particular, cabe ressaltar a recusa inicial de parte dos profissionais de arquitetura em reconhecer a importância da gestão do processo para a qualidade do produto, que levou a certo atraso do setor. Os profissionais temiam uma confusão entre a certificação de qualidade do sistema de gestão da empresa com a garantia da qualidade dos projetos desenvolvidos. Além disso, os profissionais não conseguiam identificar a relação entre controle do processo e qualidade do projeto.

A necessidade de incorporar os princípios da sustentabilidade ambiental na produção das edificações trouxe a urgência na realização do projeto integrado, uma vez que não seria possível atender às diretrizes ambientais enquanto os profissionais atuassem de forma isolada e dentro de um processo de projeto sequencial. Nesse segundo momento, tiveram destaque as abordagens em torno da adoção das ferramentas da tecnologia da informação, com a difusão dos softwares com base BIM (Building Information Modelling).

Atualmente, passados mais de 10 anos desde o início da discussão, percebe-se que o tema ainda existe de forma tímida dentro dos currículos de arquitetura. Os graduandos acabam na contingência de aprender sobre a questão apenas nos estágios não sendo preparados pela escola para gerenciar os projetos a serem desenvolvidos. Poucas escolas de arquitetura tem se destacado no movimento pela integração dessa discussão aos currículos dos cursos.

Dessa forma, esse artigo traz como contribuição o relato das experiências com o ensino da disciplina “gestão e coordenação de projetos” nos cursos de graduação e pós-graduação em arquitetura. São apresentadas as metodologias adotadas em sala de aula e levantadas algumas questões que ainda precisam ser solucionadas para que as escolas de arquitetura possam desenvolver as competências necessárias aos profissionais do século XXI.

2 DISCUTINDO A ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE ARQUITETURA NA GESTÃO DO

PROCESSO DE PROJETO

Devido à complexidade crescente das tecnologias de construção e à necessidade de racionalizar tempo e recursos no canteiro de obras, assiste-se à tendência cada vez maior do aumento no número de especialidades de projetos necessários à realização de uma obra. Evidentemente esse número de projetos será tanto maior quanto mais complexo for o empreendimento em questão.

O gerenciamento das especialidades de projeto e das discussões referentes às soluções a serem adotadas, implica a atuação de um profissional responsável pela coordenação do desenvolvimento de projeto. O Coordenador de Projetos, de acordo com Fabrício (2007), tem

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como principais atribuições planejar o processo de projeto e coordenar as decisões técnicas dos diversos especialistas. As responsabilidades e habilidades típicas do coordenador de projetos envolvem: iniciar o processo de projeto, planejar o processo, gerenciar a equipe de projeto, coordenar as decisões, garantir a compatibilidade entre as soluções dos vários projetos e controlar os fluxos de informação entre projetistas.

A importância da administração das equipes na gestão do processo de projeto e na produção do ambiente construído vem sendo discutida há bastante tempo. Walter Gropius, em seu discurso de abertura do Congresso Brasileiro de Arquitetos de 1954, afirmava:

“Como a democracia claramente depende da nossa habilidade de cooperar, eu desejaria que o arquiteto, como um coordenador por vocação, tomasse a liderança no caminho do desenvolvimento da nova técnica de colaboração em equipes. A essência de uma técnica destas seria ressaltar a liberdade de iniciativa do indivíduo, em lugar de uma orientação autoritária por parte de seu chefe. As experiências feitas com trabalho de equipe ajudam a manter o indivíduo elástico e flexível, e seus meios se adaptam provavelmente melhor às mudanças rápidas no nosso tempo, do que a relação entre ‘patrão’ e ‘empregado’.”

Melhado (2005) corrobora as idéias de Gropius, destacando que no exercício da coordenação de projetos devem ser considerados os fatores técnicos e sociais envolvidos, ou seja:

- fatores técnicos: objetivos, metas, tarefas, prazos, tecnologia, instalações, procedimentos e controle, atribuições e responsabilidades;

- fatores sociais: relações interpessoais, grupos informais, liderança, cultura, atitudes e motivação, fatores ambientais.

Os diversos entendimentos quanto ao significado do projeto na construção já apontam para as dificuldades da realização de um projeto total, que contemple todas as imbricações contidas na concepção, produção, utilização e, por que não, na reciclagem (reforma) ou demolição do edifício. Em geral, os agentes do empreendimento tendem a privilegiar um ou alguns aspectos que lhes são mais caros por diversas razões, que vão desde a formação, até as opiniões pessoais, interesses econômicos etc. Vale ressaltar que se o processo do projeto não for gerenciado de maneira adequada, pode comprometer a qualidade do produto final.

Pesquisa realizada em 2003 teve o objetivo de identificar a opinião dos arquitetos quanto à atuação do profissional dentro da dinâmica definida pelo mercado da construção civil (SALGADO, 2003). Foram entrevistados os profissionais que naquela época buscaram a qualificação através de um Curso de Mestrado em Arquitetura. Entre os objetivos específicos daquele levantamento, destacam-se:

- identificar uma ordem de prioridade entre as funções exercidas pelos profissionais;

- analisar o papel das Escolas de Arquitetura na formação deste profissional;

- elencar as principais disciplinas a serem incorporadas (ou aprimoradas) aos Cursos de Arquitetura.

De maneira geral, os resultados obtidos demonstram certa tendência nas respostas, conforme indica o gráfico 1. A pesquisa permitiu evidenciar que os arquitetos já destacavam entre suas atividades as tarefas de coordenar, compatibilizar e gerenciar projetos.

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Gráfico 1 – Ordem de importância das atividades a serem desempenhadas pelo arquiteto

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primeira segunda terceira quarta quinta sexta sétima oitava nona

Compatibilização de projetos

Contratação dos profissionais que vão participar da execução da obra.

Coordenação de projetos

Definição do programa de necessidades.

Desenvolvimento de projetos de arquitetura na fase de criação (concepção).

Desenvolvimento de todas as etapas do projeto de arquitetura

Execução da obra e coordenação das equipes de canteiro

Realização de orçamentos e controle de desembolso.

Gerenciamento da obra.

Outros.

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Gráfico 2 – Disciplinas abordadas de forma apropriada durante o curso de graduação em arquitetura

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Os entrevistados também foram indagados quanto à formação acadêmica recebida. Apresentou-se uma lista de disciplinas relacionadas à prática profissional em arquitetura e foi solicitado que informassem quais disciplinas haviam sido tratadas de forma apropriada durante seus cursos de graduação. O gráfico 2 indica o resultado dessa avaliação.

Conforme se pode observar, o Gráfico 2 indica as disciplinas de Planejamento (de interiores, paisagístico, urbano e regional), e de Projeto e cálculo de estruturas de concreto como as que foram melhor tratadas durante o curso de graduação em arquitetura. Em contrapartida, temas como Administração de empresas, Empreendedorismo, Gerenciamento de obras, Gestão do meio ambiente e Relações sociais (trabalho) não foram sequer tratadas.

Confrontando as informações obtidas com a pesquisa e apresentadas nos dois gráficos, pode-se perceber que coordenação e a compatibilização de projetos, atividades consideradas entre as cinco mais importantes pelos entrevistados, não foram tratadas apropriadamente durante os cursos de arquitetura na opinião dos respondentes. Especificamente em relação à disciplina de coordenação de projetos vale observar o gráfico 3, onde para a maioria dos entrevistados a questão da coordenação de projetos não foi tratada (54%) ou foi tratada parcialmente (23%).

Gráfico 3: Resposta à pergunta sobre se a disciplina “coordenação de projetos” foi apresentada no curso de graduação

17%

23%

54%

6%

Sim Mais ou menos Não Não mas nunca fez falta

Passados quase 10 anos desde a realização dessa pesquisa, pouca coisa mudou. Até hoje a disciplina específica sobre coordenação e gestão de projetos consta apenas timidamente em alguns cursos de arquitetura. No Curso de Graduação e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e no Curso de Pós-Graduação Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos USP elas vem se consolidando ao longo dos últimos 5 anos. As experiências didáticas nessas duas instituições serão discutidas neste trabalho.

Cabe ressaltar que não é possível crer num modelo único e imutável para a configuração do curso de arquitetura. Acredita-se que o processo ensino-aprendizagem é um assunto complexo que não comporta ideias definitivas e nem métodos ou didáticas ideais, principalmente porque

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o homem está em um constante processo de evolução, necessitando de um esquema constante, dinâmico e coerente com os objetivos que se quer atingir. (BARRETO;SALGADO, 2001).

3 ENSINO DE PROJETO E ENSINO DA GESTÃO DO PROCESSO DE PROJETO

O ensino de projeto no curso de arquitetura é centrado, segundo Donald Schön (1983), em uma prática auto-reflexiva em que os alunos apreendem a projetar, projetando e analisando a projetos de referencia.

Barreto; Salgado (2001) destacam que, entre as modificações mais expressivas que influenciaram de maneira decisiva as características do ensino de arquitetura, destaca-se a distinção entre esta e a engenharia civil, ocorrida no momento em que o ensino de arquitetura passou para a École des Beaux Arts, enquanto o ensino da engenharia ficou locado na École Politechnique. Mas antes disso, arte e técnica na profissão do arquiteto nem sempre estiveram em harmonia, ficando uma, geralmente, em primeiro plano em detrimento da outra.

Para Malard (2007), o ensino de projeto é centrado na solução de problemas em que os professores propõem um determinado programa e pedem que os alunos desenvolvam soluções e em alguns casos estende-se o problema para fase de programa, solicitando que os alunos identifiquem e estruturem uma situação problema, normalmente na forma de um programa de necessidades, para ser trabalhada em um exercício projetual. Esta segunda abordagem é muito comum nos trabalhos de graduação de muitas escolas de arquitetura brasileiras em que os alunos tem liberdade para definir o tema do seu TFG (ALVES et. al., 2005). Neste contexto, Celani (2003), observa que o ensino de projeto de arquitetura não costuma contar com uma estruturação metodológica precisa do processo de projeto, mantendo-se um ensino “empirista”, baseado na tentativa, erros e acertos.

Lawson (2011) destaca ainda que, em todo mundo, não é comum que o projeto de arquitetura seja estruturado dentro de disciplinas teóricas em que se apreende determinada teoria e imediatamente após se aplique em um projeto específico montado para exercitar de forma prática o aprendizado teórico. De fato, vemos que na maioria das escolas o ensino da história da arquitetura, teoria da arquitetura e técnicas e tecnologias construtivas costuma ocorrer em disciplinas aparte, desvinculadas das disciplinas de projeto, muito embora sejam relativamente comuns experiências em que professores buscam associar em exercícios específicos parte de disciplinas de teoria e formação com a as disciplinas de projeto. Este foi o caso, por exemplo, do exercício de projeto escolar da disciplina de projeto III e Tecnologia das Construções II do curso de arquitetura e urbanismo do IAU USP no ano de 2011.

De fato, a abordagem não estruturada do projeto como solução de problemas é a riqueza e a dificuldade do ensino de projeto em arquitetura. Por um lado é esta abordagem que capacita o projetista a lidar com grandes quantidades de informações desestruturadas e de variadas natureza e a desenvolver soluções criativas de síntese que compõe o projeto. Por outro lado, é esta prática que tanto angustia os alunos e torna, as vezes, o aprendizado tão penoso nas escolas de arquitetura. Por vezes, é também esta característica desestruturada de abordar o projeto que dificulta o trabalho em equipe que depende da participação escalonada no tempo de diferentes profissionais.

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Com o passar do tempo e com a prática profissional os projetistas de arquitetura acabam formando um repertório de soluções de projeto e uma abordagem própria deste tipo de problema que, se não chega a ser uma metodologia estruturada, é pelo menos um conjunto de estratégias de resolução de problemas semelhantes. Observa-se, entretanto, uma aparente oposição entre teoria e prática no ensino de arquitetura. Mas o que se pode constatar é que se trata muito mais de uma diferença do que de uma oposição. Só se pode falar em oposição quando. uma nega sua vinculação com a outra. Para Vásquez (1990), a maioria das pessoas costuma antagonizar teoria e prática, preferindo geralmente o praticismo: prática sem teoria, ou com um mínimo dela. E neste caso o termo prática é restrito e se resume em tudo o que é utilitário e com fim nele mesmo. Mas na verdade a visão desse autor sobre essa questão é mais ampla. De acordo com Vásquez (1990):

“a praxis se apresenta como uma atividade material, transformadora e ajustada a objetivos. Fora dela, fica a atividade teórica que não se materializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado, não há praxis como atividade puramente material, isto é, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica”.

Como o foco deste trabalho é a gestão e a coordenação de projetos multidisciplinares é importante considerar que as equipes de projeto são compostas também por engenheiros e, assim, a forma com que estes atores aprendem e desenvolvem seu projeto é também importante para discussão do ensino da gestão de projetos. Como destacam Fabricio; Melhado (2004) o ensino de projeto no curso de engenharia civil costuma ser muito mais estruturado e organizado dentro de disciplinas teóricas em que o exercício projetual complementa e fixa a teoria e os procedimentos ensinados.

Na maioria das disciplinas que contemplam práticas de projeto no curso de engenharia civil o foco é, portanto, restrito à tecnologia em estudo e as condições de contorno dadas por projetos de outras especialidades fornecidos como informação de partida. Trata-se, portanto de uma abordagem normativa do projeto, em que os alunos aplicam regras e seguem procedimentos balizados pela teoria estudada (FABRICIO; MELHADO, 2004).

Antes de passar para a discussão sobre o ensino da gestão do processo de projeto vale apenas destacar que talvez a maior similaridade entre o ensino de projeto na arquitetura e na engenharia seja a forma como são montado os grupos de projeto (quando trata-se de exercício projetual desenvolvido coletivamente). Em ambos os casos, seja na Inglaterra (LAWSON, 2011), seja no Brasil (FABRICIO; MELHADO, 2007) os grupos de projetos são compostos por alunos do mesmo curso, seja de arquitetura ou engenharia. Raramente, ou quase nunca, são montadas equipes multidisciplinares de projeto com alunos e professores dos cursos de arquitetura e engenharia. Assim, projetar de forma verdadeiramente multidisciplinar é um exercício que se apreende na vida profissional.

O ensino de gestão do processo de projeto procura capacitar os alunos para liderar as equipes de projeto e organizar e potencializar a colaboração dos diferentes profissionais envolvidos, notadamente engenheiros e arquitetos. Assim, o primeiro conflito é lidar com projetistas com formações e abordagens do processo de projeto tão diferentes.

Um segundo nível de conflito surge com relação aos próprios projetistas de arquitetura (no caso de projetos em que participam equipes de arquitetos) que muitas vezes trabalham com

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abordagens e estratégias próprias e repertórios diferenciados de soluções para problemas de projetos semelhantes, o que pode enriquecer o dificultar o processo de projeto. Por fim, um terceiro nível de conflito se verifica com os agentes externos a equipe de projeto que são representados pelos clientes, investidores, órgãos de controle e aprovação de projeto que impõe restrições adicionais e variadas para o processo de projeto.

Deste modo, como discutido anteriormente, a gestão do projeto envolve o gerenciamento de fatores técnicos (prazos, procedimentos e controle, atribuições e responsabilidades, etc.), bem como fatores sociais (liderança, cultura, atitudes e motivação, etc.). Neste contexto, a gestão do processo de projeto busca justamente estruturar e controlar as contribuições dos projetistas envolvidos de acordo com restrições práticas (prazos, custos, tecnologia, etc.) e com práticas e técnicas de gerencias de forma a criar um mínimo controle e gestão do processo de projeto. Para tanto é comum se valer de procedimentos e mapeamentos do processo de projeto de forma a organizar coletivamente as atividades e fases de desenvolvimentos do projeto.

De fato, são abundantes os modelos e mapas de processo de projeto disponíveis na literatura. Sejam mais genéricos (RIBA, 2008), ABNT (1995a), sejam os mais detalhistas e focados por tipo de empreendimento (ROMANO, 2006). Mas, apesar de abundantes, como afirma Lawson (2011), as evidências empíricas sugerem que apesar de parecerem bastante lógicos, tais mapeamentos não são seguidos ou respeitados na prática pelas equipes de projeto.Também existem iniciativas como os manuais de escopos de projeto desenvolvido pelas associações de coordenadores de projetos (AGESC, 2007) e que buscam orientar a contratação e definição dos serviços de projetos de especialidades e atividades de coordenação de projetos.

Complementarmente é comum que as disciplinas de gestão do processo de projeto apresentem práticas de coordenação e compatibilização consagradas por coordenadores experientes e ferramentas gerencias e tecnológicas que apoiam a gestão do processo de projeto. O trabalho de Bellan (2009) sintetiza uma lista de práticas e ferramentas gerenciais comuns entre gestores de projeto de edifícios.

Quadro 1 – Lista de práticas de ferramentas gerenciais e tecnológicas de apoio a gestão e coordenação de projetos.

FONTE: Bellan (2009).

PRÁTICAS FERRAMENTAS DE APOIO

• Preparação e documentação do projeto. • Padronização do desenho;

• Reunião de preparação

• Planejamento do processo de projeto. • Cronograma;

• Check-list de validação das fases de projeto;

• Reunião de planejamento.

• Compatibilização de projetos. • Sobreposição de projetos;

• Check-list de verificação dos projetos;

• Reunião de compatibilização.

• Comunicação e reuniões. • Extranet;

• Atas de reunião;

• Reuniões virtuais.

Quando se fala de ensino e investigação da gestão e coordenação de projeto é preciso ter clareza de que existem vários níveis para abordar o problema. De forma simplificada

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precisamos deixar claro que existem pelo menos três níveis pertinentes à formação de arquitetos em gestão do processo de projeto e a inegável importância da vivência prática profissional dos projetistas para perceber a importância e as dificuldades da gestão do projeto.

No nível da graduação, podemos advogar por uma disciplina introdutória a teoria, práticas e técnicas associadas à gestão e coordenação de projetos. Como toda disciplina de graduação esta dificilmente seria capaz de esgotar o assunto e preparar plenamente os alunos para vivencia profissional, mas pelo menos poderia constituir um arcabouço inicial de conhecimentos e uma referencia de que existem conhecimentos sistematizados sobre o tema para quando o profissional enfrentar os desafios da gestão de projetos.

Um segundo nível de formação, bastante explorados por cursos Lato Sensu, é a especialização profissionalizante em gestão de projetos. Basta uma rápida pesquisa na internet para descobrir os muitos cursos disponíveis, embora a grande maioria seja genérica e não voltados ao setor de construção e arquitetura. De qualquer forma, tais cursos podem contribuir com um repertório teórico e de práticas sistematizadas para profissionais que tem a vivência prática da atividade, mas precisam aprimorar seu repertório de conhecimentos e de ferramentas gerenciais e tecnológicas para lidar com os desafios contemporâneos de sua prática.

Por fim, podemos pensar em um nível de ensino e pesquisa ligada a pós-graduação stricto-sensu (mestrado e doutorado) cuja missão central é discutir a teoria contemporânea sobre o tema, os métodos e práticas de pesquisa sobre o tema, buscando desenvolver a capacidade de pesquisa sobre a temática.

4 RELATO DE EXPERIENCIAS DE ENCINO E PESQUISA EM GESTÃO DO PROCESSO DE

PROJETO EM ARQUITETURA

Inclusão da disciplina no Curso de Graduação e Pós-Graduação da FAU/UFRJ

A discussão sobre a gestão do processo de projeto no curso de arquitetura e urbanismo da UFRJ intensificou-se a partir do IV Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção do Edifício, que foi organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da FAU/UFRJ em 2004. Pela primeira vez o assunto foi tratado dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

O momento foi bastante oportuno, pois, naquela mesma época, o curso de graduação em arquitetura passava por uma profunda reestruturação que levou à proposta vigente até hoje, onde as disciplinas estão organizadas em quatro grandes eixos de conhecimento denominados: Discussão, Concepção, Representação e Construção. Os eixos sistêmicos congregam aspectos específicos dos diferentes estágios da prática profissional do arquiteto-urbanista

“O eixo Discussão aborda os aspectos históricos, teóricos, estéticos e sócio-econômicos da arquitetura e da cidade. O eixo Concepção congrega as atividades sintetizadoras de projeto nas diferentes escalas: da cidade, do bairro, da rua, do lote, incluindo arquitetura de interiores e detalhamento. O eixo Representação compreende tanto o estudo da representação geométrica dos espaços quanto os

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meios de sua expressão criativa. No eixo Construção dialogam os diferentes aspectos técnicos, científicos e as tecnologias da execução dos objetos arquitetônicos e da cidade, compreendidas as conceituações físicas da estabilidade das edificações e do conforto ambiental, a fundamentação tecnológica do edifício e a gestão do canteiro de obras. A essa ordenação sistêmica em quatro eixos de conhecimento, o currículo novo associou uma estruturação anatômica em três ciclos de estudos que se sucedem, com complexidade progressiva, partindo da Fundamentação (1° ao 4° períodos), passando pelo Aprofundamento (5° ao 8° períodos) e chegando à Síntese (9° e 10° períodos).” (FAU/UFRJ, 2012).

Sensíveis à importância do tema dentro da formação do arquiteto, a Direção da FAU e a Coordenação de Graduação decidiu inserir a nova disciplina Gestão do Processo de Projeto na grade curricular do curso, na fase final (Síntese). A partir de 2006, quando a reforma foi definitivamente implantada, a disciplina passou a ser cursada em caráter obrigatório pelos alunos do nono período do curso. Entende-se dessa forma o reconhecimento do tema como assunto fundamental na formação do profissional de arquitetura.

A disciplina foi estruturada de forma a não apenas informar aos futuros profissionais sobre o tema, mas acima de tudo motivá-los para atuar profissionalmente nessa área uma vez que, com a crescente complexidade na produção de edificações, será impossível realizar qualquer empreendimento sem a participação de profissionais atuando como coordenadores do projeto. O objetivo da disciplina é orientar o aluno a compreender o processo de desenvolvimento do projeto arquitetônico, as habilidades necessárias ao seu desenvolvimento, os agentes envolvidos, o trabalho do coordenador e do compatibilizador de projetos e a inserção do processo do projeto dentro da produção do empreendimento em construção civil. (SALGADO, 2012)

Desde a sua criação, os alunos demonstram interesse e surpresa com o conteúdo tratado, uma vez que, considerando os estágios realizados, muitos desconhecem a realidade dos projetos complexos e do dia-a-dia da gestão de projetos. Cabe destacar, entretanto, que todos os períodos os alunos “reclamam” que a disciplina deveria ter sido oferecida em algum período anterior. De acordo com a opinião deles, se o conhecimento tratado na disciplina tivesse sido transmitido anteriormente, certamente teria auxiliado na realização dos projetos do curso.

No curso de Pós-Graduação do PROARQ a disciplina foi implementada um ano antes (2005) e é oferecida em caráter optativo. Entre os diferentes arquitetos que procuram a formação stricto-sensu junto ao Programa, aqueles que também atuam profissionalmente no desenvolvimento ou na coordenação de projetos se interessam pela disciplina – particularmente os donos de empresas/escritórios de arquitetura. Ou seja, os profissionais que efetivamente enfrentam as dificuldades da gestão de projetos vêem na disciplina uma oportunidade de discutir os problemas do dia-a-dia e encontrar novas soluções.

O foco na disciplina de graduação está no embasamento teórico sobre o tema enquanto na pós-graduação, a discussão recai sobre as dificuldades do dia-a-dia das empresas de projeto e as teorias de gestão que podem auxiliar na solução dos conflitos.

O que se observa entre os dois grupos de alunos (graduação e pós-graduação) é o reconhecimento da importância do tema em arquitetura uma vez que não será mais possível

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trabalhar isoladamente tal como insistem as estruturas propostas pelos próprios cursos de graduação.

Experiência no Curso de Pós-Graduação da IAU/USP

A disciplina propõe a investigação do processo de projeto e, principalmente, sua condução dentro de coletivos sócio-produtivos e multidisciplinares especificamente no caso dos empreendimentos de edifícios <http://sap5857.wordpress.com/>.

Ao longo de nove anos de experiência ministrando a disciplina pode-se perceber o interesse demonstrado pelos alunos da pós de arquitetura e de outros programas ligados às engenharias. Assim, uma das características mais interessantes da disciplina é que diferente da graduação aqui os alunos são arquitetos e engenheiros, representando a diversidade de visões disciplinares do projeto no campo do ambiente construído. Outra riqueza é que invariavelmente a disciplina congrega alunos de diferentes idades e maturidades profissionais, com alunos de pós-graduação recém-formados e com forte perfil de pesquisador e alunos mais velhos oriundos de magistério superior ou de escritórios e empresas de projeto e construção, compondo um mosaico bastante diversificado e rico para discussão e pesquisa da gestão do processo de projeto.

Como uma disciplina de pós-graduação a ênfase é dada a discussão da bibliografia contemporânea sobre o tema e a produção de pesquisa e novos conhecimentos dentro da temática.

Dadas as limitações práticas dos mapeamentos do processo de projeto, conforme discutido anteriormente, a disciplina adota com estratégia didática e de pesquisa abordar a gestão e coordenação de projetos pelo viés de interfaces entre os agentes do projeto (projetistas) e com os agentes externos (usuários, clientes, construtores, órgãos de regulação, etc.).

Assim, o programa da disciplina detalhado em <http://sap5857.wordpress.com/sobre/> é estruturado através das principais interfaces verificadas no processo de projeto (Briefing – entre contratante e projetista, coordenação e compatibilização de projetos entre arquitetos e engenheiro, projeto para produção entre projetistas e construtores, projeto para manutenção entre projetistas e usuários, projeto para sustentabilidade e desmonte entre projetistas e usuários e a sociedade em geral. Assim, as aulas discutem os agentes e a práticas envolvidas em cada uma destas interfaces e as práticas e ferramentas de gestão e tecnológicas são discutidas em relação as interfaces e não relacionadas aos estágios de projeto, previstos nos mapeamentos do processo.

A abordagem por interfaces também se verifica disciplina na busca por relacionar o funcionamento do processo de projeto através do confronto entre três linhas de abordagem para pesquisas na temática, conforme descrito no blog da disciplina <http://sap5857.wordpress.com/>: Relativo às habilidades e conhecimentos individuais dos projetistas:

• Como funciona o processo intelectual de resolução de problemas de projeto?

• Quais habilidades e conhecimentos são necessários para desempenhá-lo?

• Como diferentes agentes e projetistas desempenham o ato de projetar?

Relativo ao contexto social e produtivo do projeto:

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• Qual o papel do ambiente institucional e normativo nas práticas de projetos?

• Como são organizadas as equipes multidisciplinares de projeto?

• Quais paradigmas norteiam a integração e coordenação entre os agentes envolvidos e entre as diferentes especialidades de projeto?

Relativos à tecnologia de suporte ao projeto:

• Quais ferramentas e tecnologias são utilizadas em suporte ao processo de projeto?

• Como a TI (CAD, Programas de Cálculo, Programas de planejamento, etc.) impacta o desenvolvimento projeto?

• Como a TI impacta a interação em equipes multidisciplinares de projeto?

A existência de uma disciplina de pós-graduação no programa de arquitetura tem se mostrado bastante importante para trazer esta temática às pesquisas desenvolvidas no programa e de forma mais ampla para formação de mestres e doutores, muitos dos quais, esperamos, irão atuar como docentes na graduação, que contribuem para disseminar a temática na graduação.

A abordagem por interfaces tem contribuído para delimitar o problema da gestão do projeto para questões práticas de relacionamento entre diferentes agentes e ao mesmo tempo compondo, ao longo da disciplina, uma visão completa do processo de projeto e das dificuldades e potencialidades de gestão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir o processo de ensino e aprendizagem é uma tarefa complexa. Não é possível chegar a uma única proposta correta e também são inúmeras as possibilidades de erros, dependendo da abordagem adotada. Especificamente a discussão sobre o ensino da gestão de projetos em arquitetura parece tardia na medida em que os profissionais da área já estão sendo cobrados sobre os conhecimentos referentes à disciplina, e veem-se na contingência de “aprender fazendo”, o que nem sempre resulta nos melhores resultados em termos de qualidade, produtividade e respeito ao projeto arquitetônico.

O processo de desenvolvimento e gestão do projeto do edifício requer do profissional responsável pela sua coordenação, a capacidade de acompanhar equipes multidisciplinares na solução das incompatibilidades encontradas buscando sempre a melhor solução possível. Para avaliar as dificuldades e tomar a decisão acertada – que muitas vezes pode implicar em custo adicional para o empreendedor – será fundamental que o coordenador de projetos saiba transmitir o problema à equipe, encontrando, no conhecimento dos especialistas de cada área envolvida, a solução mais coerente para o projeto proposto.

Entende-se que o trabalho do coordenador de projeto constitui-se em mais um campo de atuação para o arquiteto. Entretanto, para que este profissional possa atuar nesta função, será necessário que durante seu curso de formação profissional sejam desenvolvidas as competências necessárias.

As experiências apresentadas evidenciam de um lado o interesse dos arquitetos no tema, e de outro ainda a inadequação da abordagem dentro dos cursos de arquitetura. Na verdade, percebe-se que, da mesma forma que ao longo do curso de arquitetura os estudantes se

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deparam com projetos gradativamente mais complexos, o mesmo deveria (poderia) ocorrer com outras disciplinas – como, por exemplo, a gestão de projetos.

Esse modelo já vem sendo adotado por algumas escolas estrangeiras. A KEA de Kopenhagen, possui o curso intitulado The Bachelor of Architectural Technology and Construction Management – um nível intermediário entre a formação de técnico e do arquiteto pleno – que possui em sua grade curricular disciplinas de desenvolvimento de projetos e de gestão do processo de projetos durante todos os anos de formação, com níveis de dificuldade gradativamente mais elevados. (KEA, 2012). Neste modelo, portanto, os aspectos de gestão serão tão mais complexos quanto for o projeto a ser coordenado.

Naturalmente o aprofundamento das questões relacionadas com a gestão e coordenação de projetos ocorrerão na proporção que o estudo sobre o tema avance. À discussão empreendida durante o curso de graduação, seguem as pesquisas e inovações propostas pelos cursos de pós-graduação (lato ou stricto-sensu) e a produção de mais conhecimento sobre o tema.

Essa discussão não se encerra neste trabalho, que teve o propósito de suscitar o debate sobre o tema. Mas fica registrada a contribuição e o relato de algumas experiências que já foram empreendidas dentro dos cursos de graduação e pós-graduação em arquitetura.

5 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pelas bolsas de Produtividade em Pesquisa.

6 REFERÊNCIAS

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AGESC – Associação dos Gestores e Coordenadores de Projetos. Manual de escopo de serviços para coordenação de projetos. São Paulo, 2007.

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FABRICIO, M. M. Projeto Simultâneo na Construção de Edifícios 2002. Tese (Doutorado em Engenharia) Departamento de Engenharia de Construção Civil, Escola Politécnica/USP, 2002.

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