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Getúlio Bittencourt - À Luz Do Céu Profundo

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Getúlio Bittencourt - À Luz Do Céu Profundo - Astrologia e Política no Brasil

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  • Luz do Cu Profundo

    Astrologia e poltica no Brasil

  • Outros livros de Getulio Bittencourt

    A quinta estrela Livraria Editora Cincias Humanas, So Paulo, 1978 O cardeal do povo (com Paulo Markun) Editora Alfa mega, So Paulo, 1979 A informao oficial (Editor) Secaf-Presidncia da Repblica/CEP, Braslia, 1989 Brazil in the euromarket Gebam/Banco Bamerindus, Nova York, 1993 Edio brasileira: O Brasil no Euromercado, Banco BamerinduslGebam, So Paulo, 1994 O risco Brasil em 1994/1995 Satori Editora/Gebam, So Paulo, 1996 Latin America in the international capital markets Gabam Editora, Nova York, 1998 Chairman: o novo Brasil e as Multinacionais (no prelo) O stimo cu (no prelo)

    Outras obras sobre astrologia publicadas pela NOVA ERA:

    Astrologia dinmica: ngulos e aspectos Paulo Duboc Astrologia: a evidncia cientfica Percy Seymour A luz brilhante do sol Nezilda Passos Emissrios da Nova Era Marcelo Baglione Os doze apstolos e a astrologia Jeane Dixon Astrologia chinesa e os relacionamentos Theodora Lau

  • Getulio Bittencourt

    Luz do Cu Profundo

    Astrologia e poltica no Brasil

  • CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Bittencourt, Getulio B5431 luz do cu profundo: astrologia e poltica no Brasil /

    Getulio Bittencourt. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1998.

    ISBN 85-01-05415-1

    1. Eleies Brasil Aspectos astrolgicos. 2.

    Astrologia e cincia poltica. 1. Ttulo.

    CDD 133.583246 98-1376 CDU 133.5:324

    Copyright 1998 by Getulio Bittencourt

    Direitos desta edio: DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 Rio de Janeiro, RJ 20921-380 Tel.: 585-2000

    Impresso no Brasil ISBN 85-01-05415-1

    PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ 20922-970

  • Smbolos

    Embora este livro seja ilustrado com horscopos dos personagens e eventos, no necessrio qualquer conhecimento do assunto para entender a histria. Quem quiser acompanhar os detalhes dos horscopos pode referir-se tabela de smbolos abaixo:

    Smbolo Nome

    Sol Lua Mercrio Vnus Marte Jpiter Saturno Urano Netuno Pluto Nodo Lunar Parte da Fortuna

    ries Touro Gmeos Cncer Leo Virgem Libra Escorpio Sagitrio Capricrnio Aqurio Peixes

  • Sumrio

    Capa Orelha Contracapa 1

    INTRODUO: UM BANHO DE SANGUE 9 2

    TANCREDO: QUEM SABE FAZ A HORA 32 3

    SARNEY, O HOMEM QUE VEIO DE LONGE 49 4

    COLLOR, O EFEITO DE URANO 79 5

    FHC, A COMBINAO MARTE-JPITER 92 6

    O MTODO COM OS REIS INGLESES 107 7

    O MTODO COM OS IMPERADORES ROMANOS 143 8

    O MTODO COM AS ELEIES ESTRANGEIRAS 158 9

    O MTODO COM AS ELEIES BRASILEIRAS 178

    Apndice FONTES DOS HORSCOPOS 211

  • 1 INTRODUO: UM BANHO DE SANGUE

    A astrologia nasceu como um assunto para reis e naes. Os registros astronmicos antigos dos acadianos, caldeus, assrios e babilnios na Mesopotmia interpretam o aparecimento e fases dos planetas no cu em funo de eventos que poderiam afetar o reinado e a nao por exemplo, Marte indicando guerras; e Jpiter, prosperidade. As tbuas mais antigas que sobreviveram datam de cerca de 2300 a.C., na lngua acadiana.1 Mesmo depois que os primeiros horscopos individuais comearam a surgir, por volta do sculo IV a.C., a importncia da astrologia mundana, que se aplica aos assuntos polticos, continuou inabalada por 500 anos. somente a partir da segunda metade do sculo I d.C., com os manuais de Cludio Ptolomeu, Dorotheus de Sdon e Vettius Valens, que a astrologia natal assume claramente o primeiro plano embora sem abater o interesse dos imperadores.

    A pesquisadora francesa Anne Soprani comea seu livro sobre os reis e a astrologia com o imperador romano Augusto Csar. Pouco depois de seu nascimento a 22 de setembro de 63 a.C., seu pai biolgico, Caio Otvio, consultou o astrlogo Julius Marathus, que lhe previu que a criana seria um imperador.2 O horscopo dado aqui o primeiro conhecido de um governante usa as informaes do historiador Suetnio em sua Vida dos dote Csares, com uma alterao: o nascimento deve ter sido no dia 22, quando a Lua estava em Capricrnio, porque as moedas do tempo do imperador confirmam isso; a data historicamente usada 23 de setembro, quando a Lua estava em Aqurio. Vrios imperadores romanos consultaram astrlogos regularmente (veja

    1 Ver Ulla Koch-Westenholz, Mesopotamian Astrology An Introduction to Babylonian and Asssyrian Celestial Divination, The Carsten Niebuhr Institute of Near Eastern Studies, Copenhague, 1995, pg. 19; e Robert Hand, "Historical Introduction", em Hand e Robert Schmidt, The Astrological Record of the Early Sages in Greek, The Golden Hind Press, Berkeley Springs, 1995, pg. V.

    2 Anne Soprani, Les Rois et leurs Astrologers, MA Editions, Paris, 1987, pg 12.

  • tabela I), e pelo menos um deles, Adriano, foi capaz de calcular horscopos. Alguns deles tinham astrlogos na corte, mas proibiam a prtica da astrologia nas ruas. Havia motivos para isso: o costume de astrlogos calcularem a data provvel da morte do soberano e sua capacidade de identificar possveis sucessores. Isto dava aos astrlogos um suposto poder que os imperadores no toleravam.

    Augusto Csar Carta Natal 1: Roma, 22 de setembro de 63 a.C. (por falta do ano "zero", -62

    equivale a 63 a.C.), na aurora (4:58:04 UT)

  • Augusto ainda no era imperado; e portanto chamava-se Otvio quando consultou com sua me o astrlogo Tegenes, na casa deste em Apolnia. Suetnio conta que Tegenes prostrou-se aos ps de Otvio depois de desenhar o horscopo, e que foi por causa desse encontro que mais tarde, como imperador, Augusto mandou cunhar uma moeda de prata com sua Lua no signo de Capricrnio.3 Seu predecessor Jlio Csar era antiptico ao tema, e exilou o primeiro astrlogo importante nas cortes romanas, o senador e magistrado Publius Nigidius Figulus, autor de vrios livros sobre previses e meteorologia. O nascimento de Augusto (Otvio) coincidiu com o debate do senado romano sobre a conspirao das Catilinrias, e Suetnio conta que Figulus, ao saber a hora do nascimento, previu que a criana seria um imperador.

    Como imperador, Augusto consultou astrlogos para escolher o marido de sua filha Jlia quando ela fez dezesseis anos, e a recomendao caiu sobre Marcelo, que para azar dos astrlogos morreu dois anos depois; eles ento recomendaram que o imperador convencesse seu amigo Agrippa a divorciar-se para casar com Jlia, e o novo casamento durou onze anos. Mas Augusto expulsou astrlogos e feiticeiros das ruas de Roma logo que assumiu o poder, e teve de fazer o mesmo no ano 12 a.C.

    Seu sucessor, Tibrio, teve sempre a seu lado um astrlogo e acadmico, Thrasyllus de Rodes, que o responsvel pela edio das obras de Plato como nos chegaram da antigidade, e talvez tenha sido o astrlogo mais influente de todos os tempos.4 Tcito conta detalhes: Tibrio convocou vrios astrlogos para testar seus conhecimentos, assistido apenas por um escravo forte. A casa ficava no alto de uma colina elevada, e o escravo conduzia os astrlogos por um caminho sinuoso e periclitante; se Tibrio achasse que eram charlates ou fraudulentos, o escravo os empurrava para a morte no precipcio. Thrasyllus foi o nico a comentar sobre o perigo contra sua prpria vida, e por isso Tiberius o poupou.5 O filho de Thrasyllus, Tiberius Claudius Balbillus, e sua neta serviram a vrios outros imperadores romanos por dcadas.

    Thrasyllus participou ativamente das tramas para a sucesso de Tibrio, primeiro apoiando Sejano, depois protegendo Nero e com

    3 Gaius Suetonius Tranquillus, The Twelve Ceasars. Sculo II. Penguin Books, Londres, 1989, pg. 107. 4 Derek e Julia Parker, A History of Astrology, Andre Deutsch, Londres, 1983, pg. 56. 5 Cornelius Tacitus, The Annals of Imperial Rome. Sculos I-II. Penguin Books, Londres, 1996, pg.

    210.

  • isso ajudou a preservar um dos monstros favoritos dos livros de histria. O sucessor imediato de Tibrio foi Calgula, que repetiria o dito de Augusto Csar proibindo previses sobre a morte de imperadores, e no entanto teve sua morte prevista pelo astrlogo egpcio Apolnio. O historiador romano Cssio Dio conta que Calgula trouxe Apolnio a Roma para execut-lo, porm decidiu adiar sua morte por um dia para que ele pudesse ver que a previso estava errada. O imperador foi assassinado pontualmente na data prevista, 24 de janeiro do ano 41.

    Foi a vez de Cludio subir ao trono, e Balbillus pde voltar a Roma, porque o novo imperador conhecia seu pai desde criana. Quando Cludio foi conquistar as ilhas britnicas no ano 43, Balbillus foi com ele, e na volta o imperador concedeu-lhe uma coroa de honra e o nomeou primeiro sacerdote de Alexandria, alm de apont-lo tambm reitor da famosa biblioteca da cidade. Se a astrologia ajudava, tambm incomodava. No ano 52, Cludio mandou executar Furius Camillus Scribonianus por conspirao, sendo a principal evidncia sua posse de uma cpia do horscopo do imperador. Pouco depois, como tinham feito antes Augusto e Calgula, ele voltou a proibir a prtica de astrologia no imprio romano.

    Tabela I Os Governantes e seus Astrlogos Exemplos selecionados nos ltimos 2.700 anos Chefe de governa Pas Astrlogo da corte Perodo Esarhaddon Assria Akkullanu/Balasi sculo VII a.C. Assurbanipal Assria Adad-shumusur/Belushezib sculo VII a.C. Hystaspes Prsia El Hakim (Gjamasp) sculo VI a.C. Augusto Csar Imprio Romano Julius Marathus sculo I a.C. Augusto Csar Imprio Romano Tegenes sculo I a.C. Tibrio Imprio Romano Thrasyllus sculo I Calgula Imprio Romano Balbillus sculo I Cludio Imprio Romano Balbillus sculo I Nero Imprio Romano Balbillus sculo I Nero Imprio Romano Chaeremon sculo I Oto Imprio Romano Ptolomeu Seleucus sculo I Vespasiano Imprio Romano Balbillus sculo 1 Adriano Imprio Romano Adriano (o prprio) sculo II Caracalla Imprio Romano Serapio sculo III Caracalla Imprio Romano Ascletion sculo III

  • Caracalla Imprio Romano Larginus Proculus sculo III Clvis I Frana Raba sculo V Childebert II Frana Grgoire de Tours sculo VI Carlos Martel Frana Guillaume d'Estemples sculo VIII Almanzor Iraque Messahallah sculo VIII Carlos Magno Frana/Alemanha Pierre de Pisa sculo IX Carlos II Frana Jean Scot Erigena sculo IX Nuh ibn Mansur Afeganisto Abul-Rayhan Al-Biruni sculo XI Lus VI Frana Jehan de Dijon sculo XII Henrique II Inglaterra William of Conchas sculo XII Frederico II Prssia Michael Scottus sculo XIII Guido de Montefeltro Itlia Guido Bonatti sculo XIII Carlos V Frana Carlos V (o prprio) sculo XIV Carlos V Frana Thomas de Pisan sculo XIV Carlos V Frana Andr de Sully sculo XIV Carlos V Frana Yves de Saint-Brechier sculo XIV Carlos VI Frana Michel Tourneroc sculo XIV Carlos VI Frana Pierre d'Ailly sculo XIV Lus XI Frana Jehan Collemain sculo XV Lus XI Frana Jacques Loste sculo XV Lus XI Frana Pierre Chomet sculo XV Lus XI Frana Manasss sculo XV Lus XI Frana Pierre de Graville sculo XV Lus XI Frana Angelo Cato sculo XV Lus XI Frana Guillaume Brun sculo XV Carlos VIII Frana Simon de Phares sculo XV Mathias Corvinus Hungria Regiomontanus sculo XV Frederico III Casa Habsburgo Johann Bindung sculo XV Frederico III Casa Habsburgo Gernot sculo XV Frederico III Casa Habsburgo Johan Lichtenberger sculo XV Henrique VI Inglaterra Master Welch sculo XV Henrique VI Inglaterra Richard de Vinderose sculo XV Eduardo IV Inglaterra Master Eustache sculo XV Henrique VII Inglaterra William Parron sculo XV Francisco I Frana Henry Cornelius Agrippa sculo XVI Francisco I Frana Guillaume Postel sculo XVI Henrique II Frana Guillaume Postel sculo XVI Carlos IX Frana Guillaume Postel sculo XVI Elizabeth I Inglaterra John Dee sculo XV Eduardo VI Inglaterra Jerome Cardan sculo XVI Henrique VIII Inglaterra Nicholas Kratzer sculo XVI Henrique VIII Inglaterra John Robyns sculo XVI Maximiliano I Casa Habsburgo Joseph Gmpreck sculo XVI Papa Jlio II Vaticano Antonio Campanazzo sculo XVI Papa Leo X Vaticano Franciscu Priulus sculo XVI Papa Paulo III Vaticano Lucas Gauricus sculo XVI

  • Catarina de Mdicis Frana Lucas Gauricus sculo XVI Catarina de Mdicis Frana Gabriel Simom sculo XVI Catarina de Mdicis Frana Jean Ferrar sculo XVI Catarina de Mdicis Frana Michel de Nostradamus sculo XVI Felipe II Espanha Matthaeus Delius sculo XVI Rodolfo II ustria Johannes Kepler sculo XVII Carlos I Inglaterra William Lilly sculo XVII Maurcio de Nassau Brasil (Pernambuco) Georg Markgraf sculo XVII Cardeal Richelieu Frana Tommaso Campanella sculo XVII Cardeal Richelieu Frana Jean-Baptiste Morin sculo XVII Lus XIII Frana Jean-Baptiste Morin sculo XVII Lus XIII Frana Tommaso Campanella sculo XVII Lus XV Frana Saint-Germain sculo XVIII Adolf Hitler Alemanha Karl Ernst Kraft sculo XX Gabinete Churchill Inglaterra Louis de Wohl sculo XX Jnio Quadros Brasil Professor Sanakhan sculo XX Juan Domingo Pern Argentina Jos Lpez Rega sculo XX Isabelita Pern Argentina Jos Lpez Rega sculo XX Ronald Reagan EUA Joan Quigley sculo XX Tancredo Neves Brasil Getulio Bittencourt sculo XX Jos Sarney Brasil Getulio Bittencourt sculo XX

    Balbillus informara Agripina de que seu filho Nero um dia seria imperador, mas mataria a me. Ela no se importou com a segunda parte da previso, e com a ajuda de astrlogos escolheu o momento adequado para proclam-lo imperador, no lugar do filho de Cludio. Balbillus foi premiado pela ajuda com a nomeao para prefeito do Egito, onde ficou at o ano 59. Num momento infeliz da histria da astrologia, Suetnio conta que esse astrlogo teria levado Nero concluso de que, para preservar a prpria vida diante do aparecimento de um cometa nos cus de Roma, teria de massacrar os nobres romanos, o que ele de fato fez. O escritor Sneca foi um dos sacrificados. Balbillus sobreviveu, apesar do aparecimento de um concorrente, Ptolomeu Seleucus, o astrlogo favorito da imperatriz Popia; mas decidiu sair de cena depois que Nero matou Popia, esperando a morte de Nem e os rpidos imprios de Galba, Oto e Vitlio antes de reaparecer em cena.

    Vrios astrlogos foram mortos nos ltimos anos do reino de Nero. Seu sucessor Galba fora informado pelo imperador Tiberius de que um dia seria imperador, com base numa avaliao de seu horscopo. E o historiador romano Tcito conta que Oto decidiu organizar uma trama para matar o imperador Galba, impulsionado por previses de Ptolomeu,

  • o astrlogo da imperatriz Popia que viajara com ele para a campanha militar na Espanha.6 E agiu assim, segundo Tcito, dado que "o carter do homem sendo tal que sempre vai preferir acreditar em mistrios". Ele assumiu o poder, mas as legies romanas na Alemanha haviam proclamado Vitlio e, derrotado em combate, Oto suicidou-se. Ptolomeu aliou-se ento com Vespasiano, ajudando-o na trama para matar Vitlio, e desta vez teve mais sorte. Balbillus voltou a Roma, pois tinha boas relaes com Vespasiano desde o reino de Nem, e foi honrado pelo imperador com jogos em fesus, na Grcia, praticados at o sculo III.

    O prximo imperador a interessar-se profundamente por astrologia foi o segundo filho de Vespasiano, Domitian. Ele ficou to impressionado pela previso de um astrlogo de que morreria pelo ferro que recusou uma guarda de honra do Senado que o escoltaria com lanas. Suetnio conta que Domitian mandou assassinar Mettius Pompusianus devido profecia de que este um dia seria imperador, e coletava horscopos de romanos notveis, que poderiam suced-lo, para mat-los preventivamente.

    Pelo menos dois astrlogos previram datas para a morte de Domitian, e Suetnio informa que o imperador ficou cada vez mais nervoso na medida em que a data prevista (a quinta hora de 18 de setembro do ano 96) se aproximava, com a Lua em Aqurio. Na vspera, Domitian ordenou a seus servos que separassem algumas mas para servi-lo no dia seguinte, caso estivesse vivo para apreci-las. Chamou depois o condenado astrlogo Ascletarius (Asclation) e indagou se conseguiria profetizar a forma como ia morrer. Ascletarius respondeu que seria comido por ces, e Domitian, para provar que estava errado, ordenou que fosse queimado imediatamente numa fogueira. Assim se fez, mas logo uma chuva apagou o fogo, e ces no final destruram o corpo semiqueimado do astrlogo. E Domitian foi apunhalado (com lmina de ferro) por Stephanus e outros conspiradores exatamente na quinta hora do dia 18.

    Tibrio e Vespasiano eram capazes de ler um horscopo, mas foi com a ascenso de Adriano em 117 que um astrlogo amador chegou ao poder em Roma. Seu av Aelius Hadrianus era tambm astrlogo, e foi o primeiro a antecipar que Adriano seria imperador. Dois outros astrlogos confirmaram a previso. Ele o primeiro imperador romano

    6 Cornlio Tcito, The Histories. Sculos I-II. Penguin Books, Londres, 1993, pg. 30.

  • do qual sobreviveram cpias manuscritas do horscopo.7 A histria registra que Adriano levantou seu prprio horscopo e o consultava regularmente, e que teria antecipado a hora exata de sua prpria morte: "Em astrologia, ele se considerava um especialista a ponto de nas calendas de janeiro escrever previses antecipando o que poderia lhe acontecer durante o ano inteiro. De fato, ele escreveu para o ano em que morreu tudo o que faria at o preciso momento da sua morte.8

    Como acontece freqentemente nos clculos antigos sobre as posies planetrias, as de Adriano so imprecisas quando comparadas com as computaes modernas: Jpiter, a Lua e o Ascendente no ficam no comeo de Aqurio, como se pensava na poca, mas no final de Capricrnio. Mesmo os computadores modernos discordam: o professor Otto Neugebauer e sua equipe colocam o planeta Saturno no primeiro grau de Capricrnio, enquanto o programa de computador Nova da Astrolabe o calcula no ltimo grau de Sagitrio. Sobre o horscopo de Adriano, sobreviveu tambm uma anlise quase contempornea, escrita pelo mdico e astrlogo Antgono de Nicia menos de um sculo depois de sua morte:

    "Ele se tornou imperador por causa da presena de dois planetas no setor horoscpico (ns hoje diramos, no signo Ascendente), e especialmente porque a Lua estava no Ascendente e coincidindo com o setor horoscpico, e porque Jpiter estava a ponto de ascender no Leste dentro de sete dias. E porque os atendentes da Lua (planetas que a envolvem) estavam em suas prprias Casas, Vnus estando na Casa de sua exaltao (Peixes); e Marte, em sua prpria triplicidade (na astrologia grega, Marte o regente da triplicidade dos signos de gua), tendo disposio sobre o grau em que se encontra, enquanto os dois planetas (Marte e Vnus) esto bem juntos a ponto de ascender, logo depois da Lua. Alm disso, o Sol tambm atendente da Lua num

    7 O horscopo de Adriano est transcrito em Otto Neugebauer e H. B. Van Hoesen, Greek Horoscopes, The American Philosophical Society, Filadlfia, 1987, pgs. 90-91. Calculadas por computadores modernos, as posies dos planetas diferem um pouco do registro da poca; os mtodos antigos sendo mais precrios, provvel que os computadores estejam certos. Arthur Blackwell assegura que Neugebauer e Hoesen erraram na hora (o certo seria 7h e no 6h da manh).

    8 Aelius Spartianus, "Hadrian", em Lives of the Later Caesars. Sculos IV-V. Penguin Books, Londres, 1976, pg. 75.

  • dos seis setores dela, e est ele prprio atendido por um Saturno na prpria Casa e por Mercrio, ambos na fase de ascenso matinal."

    A astrologia volta com fora ao trono imperial com Stimo Severo, que

    mandou pintar seu horscopo no teto de seu palcio, embora sem especificar a hora do nascimento, para evitar que a informao pudesse ser usada contra ele. Na biografia do imperador atribuda a Aelius Spartianus e parte da "histria Augusta", informa-se que quando militar

    Adriano Csar Carta Natal 2: Halica (Espanha), 24 de janeiro de 76 d.C., 7:00

  • Severo consultou um astrlogo numa cidade da frica, e este, depois de desenhar seu horscopo, pediu: "D-me os dados do seu nascimento, e no o de outra pessoa." Severo jurou que os dados eram seus, e o astrlogo ento "previu tudo que iria lhe acontecer".

    O imperador levou sua obsesso com o assunto ao extremo de ordenar a morte de vrios nobres, sob a acusao de consultarem astrlogos para escolher o melhor momento de iniciar uma conspirao. Cssio Dio, que conheceu Severo pessoalmente, conta que o imperador partiu para sua ltima campanha nas ilhas britnicas sabendo que no voltaria, conforme indicaes de seu horscopo. Como ele, seu filho e sucessor Caracalla ordenou a morte de vrios astrlogos que ousaram prever a morte do imperador. Um deles, o egpcio Serpio, foi atirado aos lees, que no entanto se limitaram a lamber-lhe a mo forando Caracalla a ordenar que os guardas o matassem.

    O historiador Frederick Cramer considera que a astrologia foi de fato "o poder por trs do trono imperial" em Roma, nos 140 anos que vo da morte de Jlio Csar de Domitian.9 No por acaso, os astrlogos que serviram oposio foram freqentemente assassinados o imperador Vitlio mandou matar vrios no ano 69, por exemplo. A despeito das perseguies, a astrologia enraizou-se no mundo greco-romano, fomentada pela convico dos filsofos esticos de que o destino est dado s pessoas, que podem fazer o melhor da vida aceitando-o, e mais adiante pelos filsofos neoplatnicos.

    Mesmo o grande Plotino (sculo III), que considerado o fundador do neoplatonismo e descrito na biografia que lhe dedicou seu discpulo Porfrio, o Fencio como adversrio dos horscopos, escreveu um texto extraordinrio sobre o assunto nas Enades, ao discutir a influncia causal das estrelas sobre eventos na Terra. Nele, Plotino parte da premissa de que o universo vivo, da mesma forma que o corpo humano vivo; e assim como um mdico pode identificar uma doena em outra parte do corpo por seu reflexo nos olhos do paciente, tambm se pode ler uma coisa dentro da outra no universo inteiro. "Tudo smbolo", diz o filsofo, "e sbio aquele que consegue ler em tudo."10

    9 Frederick H. Cramer, Astrology in Roman Law and Politics, American Philosophical Society, Filadlfia, 1954, pg. 81.

    10 Plotinus, The Enneads, terceiro tratado da segunda Enade. "So as estrelas causas?". Traduo de

    Stephen MacKenna (comparada). Larson Publications, Burdett, 1992, pg. 109.

  • Por volta do sculo VIII, a astrologia rabe tambm florescia nas cortes, por exemplo, do califa de Bagd, Almanzor. Ele convocou dois astrlogos, o famoso judeu Messahallah e seu mais obscuro colega Naubajta, para escolher a hora de fundao da moderna cidade de Bagd.11 A data de fundao registrada pelo astrlogo americano Marc Penfield em sua coleo eletrnica de horscopos mundanos, lanada pela Matrix Software, 2 de agosto do ano 762, s 9:40, com o horrio provavelmente retificado por Penfield. Nesse dia Marte faz uma exata oposio com Jpiter, indicando uma enorme energia, mas tambm o impulso para fazer mais do que se pode; e o Sol est em trgono com Jpiter, um aspecto particularmente benfico, desde que haja esforo. A combinao tima. No sculo seguinte, o mais famoso astrlogo rabe, Albumassar, seria particularmente influenciado pelas obras de Messahallah.

    Alm das dificuldades polticas criadas pelas previses sobre a sucesso de imperadores, a astrologia conquistou outro adversrio perigoso: a religio. Santo Agostinho e santo Isidoro de Sevilha, por exemplo, escreveram contra a astrologia na antigidade (particularmente no que se refere a previses), premidos pela doutrina catlica da livre vontade. Mesmo entre os muulmanos, a astrologia teve talvez tantos combatentes quanto defensores. Mas alguns defensores rabes foram importantes, como Albumassar (sculo IX), que aplicou fundamentos aristotlicos teoria astrolgica, e Moyhiddin Ibn Arab (sculo XI), que enquadrou a astrologia islmica dentro de parmetros teolgicos. Algo similar fez santo Toms de Aquino (sculo XII) no mundo cristo, reconhecendo que a astrologia influencia os corpos, mas no a alma.

    O sculo XII teve dois astrlogos particularmente influentes: Michael Scot, que serviu na corte de Roma como tutor do imperador Frederico II, e o grande Guido Bonatti, que serviu na corte de Guido de Montefeltro. Eles so os dois nicos astrlogos mencionados na Divina comdia de Dante Alleghieri (1265-1321), que num acesso de preconceito religioso colocou os dois condenados com a cabea virada para trs, no inferno, porque em vida ousaram olhar para o futuro.12 Junto com

    11 Jacques Halbronn, Le Monde Juif et l'Astrologie. Arch, Milo, 1985, pg. 124. Repetido por Demetrio Santos, no prefcio a Messahallah-Abraham Ben Ezra, Textos Astrolgicos Medievales. Editorial Barath, Madri, 1981, pg 10.

    12 Dante Alleghieri, The Divine Comedy, I: The Hell. Traduo para o ingls de Dorothy L. Sayers. Penguin Books, Londres, 1949, Canto XX, pg 198.

  • eles, Dante incluiu o cego grego Tirsias, tambm capaz de profecias, considerando todas estas "almas que afundaram no abismo". O poeta italiano, contudo, trata a astrologia mais favoravelmente nos cantos do purgatrio e do paraso, reconhecendo afinal que o cu tambm foi criado por Deus.

    O livro de introduo astrologia que Scot escreveu lhe atribui o ttulo de "astrlogo imperial", mas sua fama cresceu pelos sculos mais como um mago do que como filsofo (ele traduziu Avicena do rabe para o latim), alquimista, mdico ou astrlogo. Numa biografia do sculo XVIII, repete-se a histria de que Scot morreu com uma pedrada na cabea, exatamente como e na data que ele prprio antecipara. Uma demonstrao famosa de seus conhecimentos de tica, matemtica e geometria vem da histria anotada pelo cronista Salimbene de que Frederico II certa vez lhe pediu que calculasse a altura de um teto no palcio. Depois que Scot respondeu, o imperador enviou-o para uma longa viagem, e enquanto isso mandou alterar a altura desse teto. Na volta de Scot, Frederico II repetiu-lhe a mesma pergunta, e o sbio respondeu sem pestanejar que a construo fora modificada em sua ausncia.13

    Das vrias histrias contadas sobre Bonatti, uma das mais impressionantes descreve o seu trabalho na preparao da marcha do exrcito do conde de Montefeltro, que a histria reconhece como um general competente. Filippo Villani, historiador contemporneo, garante que Montefeltro venceu vrias batalhas seguindo os conselhos de Bonatti. O astrlogo armava seus instrumentos no topo da igreja na praa para medir o avano do sol com preciso, e tocava um sino para a colocao das armaduras; um segundo sino, para que cavalaria montasse; e um terceiro sino, para o comeo da marcha. Bonatti tambm viajou extensivamente pela Europa, dando conferncias na Frana e na Inglaterra.

    No sculo XVI surgiram vrios astrlogos de renome, a comear pelo italiano Jerome Cardan, que serviu a reis, nobres e cardeais em vrios pases europeus. Ele conta em sua autobiografia que recusou v-rios convites por exemplo, do cardeal Morone no vero de 1546; do prncipe d'Iston, que foi seu patrono por algum tempo; do rei da Dinamarca, que lhe ofereceu 800 coroas de ouro por ano, mais despesas; e do rei da Frana. Seus motivos para recusar ofertas variavam: o frio e a

    13 J. Wood Brown, An Enquiry into The Life and Legend of Michael Scot, David Douglas, Edimburgo, 1897, pg. 144.

  • religio na Dinamarca, o incerto futuro poltico do cardeal, a guerra entre a Frana e a casa dos Csares. Quando aceitou uma oferta para passar 311 dias no reino da Esccia, recebeu 500 coroas de ouro francesas na partida, e mais 1.200 na volta; e se aceitasse ficar naquele pas, "receberia uma soma ainda maior." 14

    Outro destaque do sculo XVI certamente o dr. John Dee (1527-1608), uma combinao renascentista de mago, filsofo, matemtico, antiqurio, dentista, professor, alquimista, mdico, astrlogo, mstico e espio a servio da rainha Elizabeth I. Era dele a maior biblioteca do sculo XVI na Inglaterra, queimada por vizinhos supersticiosos no final da sua vida; a matemtica, considerada sinnimo de filosofia, ainda era vista como "magia negra" na poca. Vrios trechos do dirio pessoal de Dee mencionam seus encontros com Elizabeth I:

    1577, 22 de novembro, eu fui a Windsor para Sua Majestade a Rainha. 25 de novembro, eu falei com a Rainha na quinta hora. 28 de novembro, eu falei com a Rainha na quinta hora; eu falei com o sr. secretrio Walsingham. Eu declarei para a Rainha os ttulos dela sobre a Groenlndia, Estetiland e Friseland. (...) 1580, 6 de setembro: Sua Majestade a Rainha veio a Richemond (a casa de Dee) (...) 17 de setembro: Sua Majestade a Rainha veio para Richemond em sua carruagem, pelo caminho alto do campo de Mortlak, e quando esta se dirigia defronte para a igreja, virou para a direita rumo minha casa e quando ela chegou no meu jardim, ficou l por um bom tempo, e depois veio pela rua at o grande porto, de onde me observou na porta fazendo obedincia a Sua Majestade; ela me estendeu sua mo; eu me aproximei da carruagem, e ela rapidamente tirou a luva e deu-me sua mo para beijar; e para encurtar, pediu-me que retornasse a sua corte, e para dizer-lhe quando poderia estar l. 15

    Ainda no final do sculo XVI, Johannes Kepler (1571-1630) publicou quatro almanaques anuais com previses astrolgicas na corte de Graz. Logo no primeiro, previu temperaturas muito frias e uma invaso dos turcos; as duas previses confirmaram-se, e embora preferisse se dedicar mais astronomia, nunca mais pde evitar suas obrigaes como

    14 Jerome Cardan, The Book of My Life (De Vita Propila Liber). Traduzido do latim por Jean Stoner, Nova York, 1929, pg. 16.

    15 James Orchard Halliwell (org.), The Private Diary of Dr. John Dee. The Carnden Society, Londres, 1842, pg. 9.

  • astrlogo. Seu bigrafo moderno Grard Simon que corretamente abordou os dois aspectos do gnio alemo registra que a inacreditvel comunidade cientfica atual considera "um escndalo" que um dos criadores da astronomia contempornea fosse tambm um astrlogo convicto.16

    A essa altura, mesmo a Igreja Catlica Romana usava astrlogos ao nvel do comando supremo. O papa Jlio II teve o dia e a hora de sua coroao escolhidos por um astrlogo no comeo do sculo XVI; a histria observa tambm que ele certa vez se recusou a viajar de Bolonha para Roma at que um momento propcio fosse escolhido por seu astrlogo; da mesma forma, usou astrologia para decidir a melhor data para deitar a pedra de fundao do castelo de Galliera, e para erigir sua prpria esttua em Bolonha. Entre os papas que usaram astrologia, Paulo III conhecido porque se recusava a iniciar um consistrio at que a hora determinada por seu astrlogo chegasse. H vrios outros.

    As duas grandes figuras astrolgicas do sculo XVII foram sem dvida o francs Jean-Baptiste Morin, o ltimo astrlogo real da Frana, e o ingls William Lilly. Os trechos da Astrologia glica de Morin j traduzidos para o ingls e o francs so brilhantes. Num estudo sobre as revolues solares (previses para o ano pessoal do indivduo, feitas com o horscopo do momento em que o Sol retorna ao grau em que estava na hora do nascimento) de sua prpria vida, Morin previu com exatido o momento e a forma de sua prpria morte. Ele serviu ao rei Lus XIII, aos cardeais Richelieu e Mazarin, e a Maria de Mdicis. O rei francs mandou Morin esconder-se atrs das cortinas para assistir ao parto do herdeiro do trono, e registrar o momento preciso do choro inicial de Lus XIV, para fazer seu horscopo."

    Com Lilly, grande especialista em astrologia horria (o ramo que estuda respostas com base no horscopo do momento em que a pergunta feita), um mesmo astrlogo consegue ao mesmo tempo atender situao e oposio poltica do seu tempo. Em sua autobiografia, repleta de conversas com os nobres ingleses, Lilly trata com simpatia o rei Carlos I, que seria destronado e morto por Oliver Cromwell; anos

    16 Grard Simon, Kepler astronome astrologue, ditions Gallimard, Paris, 1979, pg. 29. 17 Ellen McCaffery, Astrology and its Influente on the Western World, Samuel Weiser Inc, Nova York, 1970,

    pg. 285. O horscopo de Lus XIV foi publicado pelo prprio Jean-Baptiste Morin, Remarques Astrologiques sur le Commentaire du Centiloque de Ptolme par Nicolas de Bourdiu. Sculo XVII. Retz, Paris, 1975, pg. 58.

  • depois, Cromwell intercedeu para colocar o astrlogo em liberdade. Lilly tambm reproduz um dilogo que o rei teve a seu respeito com William Allen, durante uma caminhada no castelo de Windsor. Carlos I comentou que estava lendo um almanaque com previses do capito Wharton, e seu interlocutor indagou se estava a par das previses do concorrente William Lilly. "Lilly no me interessa", disse o rei, "ele sempre foi contra mim." Allen ento defendeu o astrlogo, que a seu ver "s escreve o

    Lus XIV da Frana

    Carta Natal 3: Saint-German-en-Laye, 5 de setembro de 1638, 11:15

  • que a sua arte lhe informa", e o rei concedeu: ", acredito nisso, e tambm que Lilly entende de astrologia to bem quanto qualquer homem na Europa."18

    Os astrlogos continuaram influenciando as cortes europias at o sculo XVIII, quando a astrologia foi expulsa das universidades, devido combinao de resistncias polticas e religiosas, acrescidas de objees cientficas. A nova astronomia de Galileu Galilei, Tycho Brahe, Johanes Kepler e Nicolau Coprnico (todos igualmente astrlogos) havia demonstrado que o Sol no gira em torno da Terra, mas sim o contrrio. Toda a base do raciocnio astrolgico era geocntrica; e se os fundamentos estavam errados, tudo o mais deveria estar errado tambm. Pelo menos foi o que se pensava ento, e o que a academia continua pensando no final do sculo XX.

    Desde ento, a astrologia floresceu margem da comunidade cientfica, graas curiosidade das mulheres, das pessoas sem formao universitria e de alguns gnios capazes de raciocinar sem preconceitos (Albert Einstein e Carl Gustav Jung so dois exemplos ilustres do sculo XX). O fato que, embora seja possvel desenvolver uma astrologia heliocntrica, como ficou demonstrado por astrlogos europeus e americanos no sculo XX, a astrologia geocntrica no est desclassificada porque a Terra gira em torno do Sol. A astrologia geocntrica por acidente; ela estuda a posio relativa dos astros em relao ao ponto do espao em que nasce cada homem, cada mulher e cada evento. Por acaso, esse ponto no espao o planeta Terra, mas poderia ser qualquer outro. A Terra levada em conta por ser o centro do universo do homem e dos eventos, que so o objeto de estudo da astrologia e isso ela continua a ser, mesmo girando em tomo do Sol.

    provvel, contudo, que a falta de cooperao da comunidade cientfica tenha atrasado consideravelmente o desenvolvimento da astrologia nos ltimos 300 anos. S na ltima dcada do sculo XX, por exemplo, a comunidade astrolgica americana a mais rica do mundo comeou um esforo srio para recuperar a literatura astrolgica grega e medieval na qual se baseia a astrologia contempornea. A questo das eleies dos governantes, que no mundo contemporneo deixou de ser perigosamente resolvida em golpes palacianos, apenas um dos temas

    18 William Lilly, William Lilly's Hirtory of his Life and Times, From the Year 1602 to 1681. Sculo XVII. Republicado em fac-smile para Charles Baldwin, Londres, 1715, pgs. 144-145.

  • que merecem um estudo com metodologia cientfica, do qual a astrologia pode se beneficiar muito, como pretendo demonstrar nos captulos seguintes.

    Usando os prprios critrios astrolgicos, a eleio um evento que comea numa determinada hora. No entanto, muitos astrlogos nos EUA usam simplesmente o horscopo do Sol ao meio-dia ou no comeo do dia para estudar o resultado.19 Isso sugere que a eleio vista por eles como um trnsito sobre a carta natal dos candidatos, e no como um evento em si mesmo. Mas isso inconsistente com a teoria astrolgica. O evento que tem uma hora conhecida para o incio tem ele prprio um grau Ascendente, um Meio-Cu, uma posio exata da Lua, e precisas localizaes dos planetas nas Casas, que fornecem informaes decisivas para as comparaes com as cartas natais.

    A astrloga americana Sylvia De Long disputa o raciocnio comum na comunidade astrolgica de que o candidato com os "melhores" aspectos vence. Seu ponto que o candidato que vence com os "melhores" aspectos simplesmente ser mais feliz no exerccio do poder. Mas a histria est repleta de governantes infelizes. A alternativa que De Long prope para antecipar o vencedor, baseada nos partidos polticos em vez dos candidatos, consegue mostrar o resultado de muitas eleies presidenciais americanas, mas no de todas. E as previses eleitorais de trs sucesses presidenciais por astrlogos americanos, que testemunhei vivendo aqui por uma dcada, exibem praticamente tantos erros quanto acertos.

    No que faltem idias interessantes. A falecida Barbara Watters, por exemplo, sugeriu que o horscopo decisivo no o da hora da eleio, mas sim o do momento em que cada candidato aceita formalmente a candidatura. Watters acrescenta que o candidato representado por um planeta retrgrado (ou seja, aparantemente andando para trs no Zodaco quando visto da Terra) sempre perde.20 Apliquei essa tese com sucesso em algumas eleies no Brasil, particularmente na vitria

    19 Um exemplo o livro de Sylvia De Long, Charting Presidential Elections, AFA, Tempe, 1982. Ela desenvolve uma interessante teoria pela qual a carta do momento em que o Sol emerge no dia da eleio mostra o partido vencedor com Saturno representando o Partido Democrata; e Jpiter, o Partido Republicano vencendo o que estiver mais elevado no cu.

    20 Barbara H. Watters, Horary Astrology and the Judgement of Events, Valhalla Paperbacks, Washington, 1973, pg. 198.

  • de Jnio Quadros sobre Fernando Henrique Cardoso na disputa pela prefeitura de So Paulo em 1985; mas encontrei um ponto falho na eleio para o governo de So Paulo em 1986, que acabou disputada sobretudo por Orestes Qurcia (PMDB) e Antnio Ermrio de Moraes (PTB). O problema que os planetas representando todos os principais candidatos ao governo estadual estavam retrgrados; segundo a tese de Watters, todos os candidatos deveriam perder a eleio que Qurcia

    Georg Markgraf Carta Natal 4: Liebstadt, Alemanha, 20 de setembro de 1610

    no estilo antigo (30 de setembro de 1610 no novo), 19:00

  • ganhou. Visto a posteriori, sem o filtro da astrloga americana, o horscopo da candidatura de Qurcia tinha uma assinatura vencedora: ele fez o discurso de aceitao por volta das 23:00, com uma conjuno do Sol (o poder) com a Lua (o eleitorado) na Quarta Casa, que um dos quatro ngulos ou pontos mais proeminentes de qualquer horscopo e tambm a Casa que indica como as coisas terminam.

    A astrologia faz parte da poltica brasileira pelo menos desde a chegada do astrnomo, cartgrafo e astrlogo alemo Georg Markgraf (1610-1644) na delegao do prncipe alemo Johann Mauritius Van Nassau-Siegen (1604-1679), que comandou o Brasil holands a partir de Pernambuco durante mais de duas dcadas. Astrnomos holandeses deram nomes a estrelas no hemisfrio sul j no sculo XVI, o que significa que Markgraf teve antecessores na regio; mas so dele os primeiros horscopos conhecidos que foram levantados em territrio brasileiro, e esto depositados com seus manuscritos na Universidade de Leiden. Infelizmente, no sobreviveu nenhum horscopo de Maurcio de Nassau nesses papis. Eles incluem uma coleo de cerca de 22 horscopos (inclusive o do prprio Markgraf), dos quais pelo menos dois foram levantados no Brasil um deles para uma criana, Fitiola Helde, nascida na ilha de Antnio Vaz, que morreu em 1639.

    O horscopo de Markgraf, reproduzido num ensaio do historiador John D. North, difere ligeiramente do publicado aqui.21 As posies dos planetas so parecidas, o Ascendente nos dois casos fica em Touro, mas h uma diferena de 5 graus a menos na verso manuscrita, devida provavelmente a imperfeies nas tbuas de Casas do sculo XVI. A posio da Lua bastante precisa no clculo de Markgraf (11,15 graus de Aqurio, muito perto dos 11,35 graus estabelecidos por um computador moderno); seu clculo de Saturno, o ltimo planeta visvel a olho nu na poca, erra por 1,45 grau de arco, o mesmo ocorrendo com Mercrio.

    Mas possvel dizer que a astrologia faz parte da histria europia do Brasil desde o primeiro dia, ou seja, desde a posse formal da Baa Cabrlia pela esquadra do almirante portugus Pedro lvares Cabral a

    21 Ver John D. North, "Georg Markgraf, an astronomer in the New World", em E. van den Boogaart (org.), Johan Maurits van Nassan-Siegen 1604-1679 Essays on the occasion of the tercentenary of his death, The Johan Maurits van Nassau Stichting, The Hague, 1979, pg. 421.

  • 22 de abril de 1500. O rei Manuel, o Venturoso ordenou a presena, numa das naves de Cabral, do astrlogo mestre Joo de Castilha, que era tambm seu mdico e cirurgio particular. Segundo os historiadores Lus de Albuquerque e Max Justo Guedes, mestre Joo veio ao Brasil com Cabral para mostrar o valor do uso do astrolbio, que os portugueses obtiveram principalmente dos astrlogos rabes no sculo XV, assim como para explicar as Tbuas da ndia que Vasco da Gama encontrara nas mos de pilotos asiticos.22

    A astrologia retomou arena poltica no sculo XX, durante a Segunda Guerra Mundial, mas aparentemente para uma tarefa menor. O governo nazista de Adolf Hitler empregou vrios astrlogos, sendo o suo Karl Ernst Kraft de maior renome entre eles; e o Gabinete de Guerra de Winston Churchill teve em sua folha de pagamentos um astrlogo, Louis de Wohl. Pesquisadores como Eric Russell, que deixa evidente sua antipatia pelos astrlogos e sua arte, sugerem que os governantes dos dois lados no levavam o assunto a srio, mas usaram a astrologia como propaganda poltica para minar a moral dos adversrios, aproveitando a crena popular no assunto. Mesmo gente como Russell forada a admitir, porm, que Kraft avisou Heinrich Himmler com antecedncia de meses de que a vida de Hitler correria perigo em novembro de 1939. Nesse ms, o ditador alemo escapou por um triz de um atentado a bomba em Munique, escondendo-se num depsito de cerveja. Kraft terminou a vida num campo de concentrao.23

    Depois de Markgraf, o mais conhecido astrlogo brasileiro foi o professor Sanakhan, que tinha tambm talento especial para ler o futuro nas mos das pessoas. Ele teria encontrado Jnio Quadros, ainda estudante de direito, no escritrio do professor Vicente Ro, que foi ministro da Justia do Governo Getlio Vargas, na dcada de 1940. Sanakhan previu que Jnio seria eleito vereador, prefeito de So Paulo, governador do Estado e presidente da Repblica; que renunciaria, e depois seria eleito presidente outra vez.

    Perguntei ao presidente Jnio Quadros, nos bastidores de uma entrevista que ele concedeu ao programa "Crtica & Autocrtica" na TV

    22 Lus de Albuquerque, "The Art of Astronominal Navigation", em Portugal-Brazil; the Age of Atlantic Discoveries, Catlogo da exposio de junho-setembro de 1990 na New York Public Library, Bertrand Editora, Lisboa, 1990, pg. 58.

    23 Eric Russell, Astrology and Prediction. B. T. Basford, Londres, 1972, pgs. 115-118.

  • Bandeirantes em meados da dcada de 1980, se a histria era verdadeira. Ele confirmou, embora no se mostrasse muito impressionado com a previso. De fato, Sanakhan acertou tudo at a renncia; depois disso, Jnio reelegeu-se prefeito de So Paulo, mas nem chegou a disputar a presidncia da Repblica outra vez. Na mesma conversa comigo, Jnio confirmou a hora de seu nascimento "entre 5:00 e 6:00".

    Jnio da Silva Quadros Carta Natal 5: Cuiab (MT), 25 de janeiro de 1917, 5:30

  • Sanakhan acertou previses sobre muitos outros polticos. Por exemplo, a Murillo Macedo, ento jovem e promissor banqueiro no Banco Nacional de Minas Gerais dos Magalhes Pinto, ele previu na dcada de 1950 uma carreira notvel que o levaria a ministro de Estado. Macedo me confirmou essa previso em 1980, em Braslia, quando j era o ministro do Trabalho do Governo Joo Figueiredo, depois de ter sido secretrio da Fazenda do estado de So Paulo e presidente do Banespa.

    A associao entre poltica e astrologia expressiva tambm na vizinha Argentina. O astrlogo Jos Lopez Rega, chamado pejorativamente de "mago" pela imprensa argentina e internacional, serviu nos governos de Juan Domingo Pern e sua mulher Isabelita, na dcada de 1970. E o interesse continua. O guia turstico da fbrica italiana de pneus Pirelli para a Argentina de 1995 diz que o horscopo desse pas, "embora no se admita publicamente, consultado com certa assiduidade pelos lideres polticos nacionais do final do sculo XX, para saber em que momento suas iniciativas tm maior probabilidade de xito". 24

    Mas a astrologia poltica do sculo XX no serviu apenas como pro-paganda de guerra, nem deu frutos apenas nos pases emergentes. O mais popular presidente americano desde John Kennedy foi o ex-ator Ronald Reagan, que usou os servios da astrloga Joan Quigley durante sete dos seus oito anos na Casa Branca. A histria veio a pblico primeiro quando o ex-secretrio do Tesouro e ex-executivo da Merrill Lynch & Co., Donald Regan, a "denunciou" para desacreditar o presidente que o havia exonerado. A primeira-dama Nancy Reagan confirmou as conversas com Quigley, em lgrimas, numa entrevista coletiva.

    A presena de Quigley por trs das cenas na Casa Branca apenas continuou uma longa histria, muito brevemente resumida at aqui. Ela escolheu as horas para o presidente Reagan comear suas rduas negociaes com Mikhail Gorbachev, que levariam ao fim da Guerra Fria e ao colapso do regime comunista, assim como o momento para as entrevistas coletivas. Quando o txi espacial Challenger explodiu s 11:39 de 28 de janeiro de 1986, por exemplo, Nancy ligou para Joan dizendo que o presidente planejava uma investigao e queria a opinio astrolgica dela. A astrloga fez os mapas astrais do incio da viagem e da exploso, e concluiu que havia indcios ou de sabotagem ou de srias falhas no

    24 Diego Bigongiari e outros, La Gua Pirelli Argentina, Editorial Planeta, Buenos Aires, 1995, pg. 611.

  • programa. Reagan ordenou a investigao, que descobriu srias falhas nos txis espaciais da Nasa.25 Mesmo o descrente ex-secretrio Regan reconhece que Quigley fez todo esse trabalho apenas porque acreditava no que estava fazendo, sem intenes secundrias.

    Este livro conta minha participao pessoal na escolha da hora da eleio do presidente Tancredo Neves no colgio eleitoral, e espordicas anlises astrolgicas no Governo Jos Sarney, nos dois captulos seguintes. E depois segue demonstrando a teoria de anlise astrolgica de eleies que desenvolvi, com base em escolhas e eleies de reis, papas e polticos ao longo de quase dois milnios, para concluir com uma breve projeo sobre as eleies brasileiras de 1998.

    O que me parece faltar no estudo astrolgico das eleies um mtodo. Procurei desenvolver um pesquisando vrios tipos de disputas por anos: jogos de futebol, lutas de boxe, corridas de cavalos. Os princpios so semelhantes aos de uma eleio, porque se trata no fundo de sinastrias estudos sobre a interao de dois horscopos entre trs momentos no tempo: o da eleio e o horscopo dos dois candidatos. Mas meus estudos estatsticos usando os antigos programas M-65 e depois Compact Data da Matrix Software no produziram resultados significativos. Sem conseguir nada que me convencesse, decidi comear a pesquisa de novo a partir da sua base: a comparao dois a dois do horscopo da eleio com o dos candidatos, buscando algum tipo de padro que se repetisse. E acho que encontrei.

    25 Joan Quigley, What Does Joan Say? My Seven Years as White House Astrologer to Nancy and Ronald Regan, Birch Lane Press, 1990, pg. 72.

  • 2 TANCREDO: QUEM SABE FAZ A HORA

    I A eleio indireta

    Encontrei o ento deputado federal Tancredo de Almeida Neves (MDB-MG) pela primeira vez no incio de junho de 1978, quando o Brasil estava estupefato com a entrevista que o futuro presidente Joo Figueiredo concedera a meu colega Haroldo Cerqueira Lima e a mim.1 Fui entrevist-lo para repercutir a entrevista, e comeamos uma relao que continuou pelos sete anos seguintes, atravs de minhas passagens pela revista Veja, pelo dirio de negcios Gazeta Mercantil e pelo programa de televiso "Crtica & Autocrtica" na TV Bandeirantes.

    Tnhamos tambm um amigo comum, o ex-deputado federal Thales Bezerra de Albuquerque Ramalho, especialista em articulaes de bastidores que se tomou uma das pessoas mais influentes da poltica brasileira durante os governos Ernesto Geisel (1974-1978) e Joo Figueiredo (1978-1985). Fui apresentado a Thales pelo jornalista Elio Gaspari, ento diretor adjunto da revista Veja, e serei sempre grato por essa introduo. Durante o governo Figueiredo, Thales estava articulando um sonho: a candidatura presidencial de um civil, o ministro da Justia Petrnio Portella, para encerrar o ciclo da ditadura militar. Petrnio era tambm nordestino como ele, e um poltico extremamente habilidoso; mas Petrnio morreu prematuramente. A nova esperana de Thales passou a ser Tancredo, que se elegeu governador de Minas Gerais em 1982.

    No final de 1984, fui visitar o dr. Thales em seu apartamento de Braslia, como sempre fazia, para conversar enquanto almovamos um 1 Getulio Bittencourt e Haroldo Cerqueira Lima, "Fala Figueiredo", Folha de S. Paulo, 3 e 4 de junho de

    1978.

  • delicioso caranguejo desfiado com arroz que d. Helena supervisionara. Eu havia feito o horscopo de d. Helena e de Thales, e nesse dia contei a ele algumas pesquisas que fiz sobre a eleio presidencial indireta no colgio eleitoral, que seria disputada por Trancredo Neves e Paulo Maluf. Thales havia retornado de uma viagem Inglaterra, onde consultara um astrlogo ingls especialista em eleies, e no havia recebido uma avaliao decisiva sobre o quadro brasileiro.

    Tancredo Neves Carta Natal 6: So Joo del Rey (MG), 4 de maro de 1910, 4:00

  • Minha inspirao veio de um livro de Stan Baker sobre a passagem do planeta Netuno pelos signos, marcando reviravoltas na histria dos EUA.2 Netuno, que co-regente do signo de Peixes com Jpiter, estava entrando no signo de Capricrnio, que significa controle e poder. Era portanto apropriado que a eleio presidencial no Brasil fosse disputada entre Tancredo, que nasceu com o Sol em Peixes, e Paulo Salina Maluf, que nasceu com o Sol no signo oposto (Virgem). O prprio Thales havia perguntado a Tancredo seu horrio de nascimento, a meu pedido; Tancredo telefonou para uma irm em Minas, e a resposta foi "por volta de 4:00". Mais tarde, observei que o dirio da famlia Neves registra o nascimento de Tancredo s 3:20, uma diferena de 40 minutos que neste caso felizmente no alterou a estrutura do mapa: o Ascendente continua em Aqurio (617'), o Meio-Cu em Escorpio (322), e todos os planetas nas mesmas casas. O mapa apresentado aqui usa o horrio dado pelo presidente, porque foi o que usei na poca. Aproveitei uma das entrevistas que fiz com Paulo Maluf, anos antes, para indagar a hora de seu nascimento, e ele disse que foi s 14:00 acrescentando que no acreditava em astrologia. Com Tancredo ou com Maluf, um civil chegaria ao poder no Brasil pela primeira vez em uma gerao; mas com Tancredo a virada seria mais completa, porque representava a oposio e a democracia o regime caracterizado pela alternncia no poder.

    O simbolismo do horscopo de Tancredo me pareceu apropriado. Ele tem Saturno na terceira casa, o que significa uma pessoa preparada para ensinar os outros porque sabe como difcil aprender; que continua aprendendo mesmo com uma idade avanada; que exige grande preciso no uso das palavras; e que acha prefervel sempre falar pouco que demais. Acompanhei pela Gazeta Mercantil a viagem de Tancredo Europa, aos EUA e Argentina como candidato favorito presidncia da Repblica, no final de 1984 e incio de 1985, e testemunhei sua alegria quando ele aprendeu uma palavra nova em Portugal, "concertar", um verbo usado para descrever alianas polticas entre partidos de ideologias diferentes. Como um dos sbios veteranos do MDB durante os anos da ditadura militar, ele costumava ser a ltima palavra na divulgao de notas oficiais do partido, contendo a ousadia dos jovens "autnticos". Certa vez o deputado baiano Francisco Pinto foi acord-lo de

    2 Stan Baker, The Signs of the Times The Neptune Factor and America's Destiny, Llewellyn Publications, Saint Paul, 1984.

  • madrugada para alterar uma nota oficial contra cassaes de polticos pelos governos militares, e a resposta instintiva de Tancredo foi "no". Francisco Pinto teve tempo para explicar que queria cortar uma frase, e a Tancredo aliviou-se: "Ah, meu filho, ento tudo bem, cortar pode."

    Outra caracterstica marcante do horscopo de Tancredo a quadratura de Saturno com Netuno. Minha experincia com esse aspecto o de que a pessoa s vezes desenvolve certa capacidade teleptica, e

    Paulo Maluf Carta Natal 7: So Paulo (SP), 3 de setembro de 1931, 14:00

  • pode "ouvir" o que os outros pensam. Quando dirigi a sucursal de Braslia da revista Veja, entre 1980 e 1981, eu costumava convid-lo para conversar sobre poltica durante almoos com meus editores-assistentes no restaurante La Chaumire, do chefe Severino, onde seu prato favorito era o coq au vin (frango ao molho de vinho), que ele chamava de "um frango ao molho pardo metido a besta". Quando comeava a ficar evidente que o ento senador Tancredo ia disputar o governo mineiro em 1982,

    Tancredo Neves

    Carta 8: Incio do discurso de aceitao da candidatura presidencial pelo PMDB Braslia, 12 de agosto de 1984, 14:09

  • aproveitei um desses almoos para perguntar-lhe, e ele negou que fosse candidato. Perguntei a mesma coisa de outro ngulo, ele negou outra vez. Admito que pensei comigo mesmo: "No possvel, por que ser que ele est mentindo?" Tancredo imediatamente comeou a falar sobre Jos Maria Alkmin, outro lendrio poltico mineiro, observando que Alkmin raramente falava a verdade. "Eu no sou assim, mas ele era", explicou e contou vrios episdios divertidos da carreira de Alkmin.

    Colgio Eleitoral

    Carta 9: Horrio inicialmente previsto para o comeo da votao em Braslia, 15 de janeiro de 1985,15:00

  • Outro poltico brasileiro famoso que tem esse mesmo aspecto e portanto capacidade teleptica o senador baiano Antnio Carlos Magalhes; as conversas entre ambos tinham essa facilidade em que um podia antecipar o que o outro estava pensando.

    Que o horrio do nascimento de Tancredo deve ser em tomo de 3:30 a 4:00 fica evidente tambm porque nesse perodo o planeta Jpiter est na casa nove no horscopo. Jpiter rege o nono signo (Sagitrio), e portanto tem afinidade natural com a Casa Nove: ele est a no que podemos considerar sua prpria Casa. O sentido dessa combinao uma extraordinria capacidade de intuir o futuro, de perceber o rumo que os acontecimentos esto tornando. E Tancredo exibiu essa capacidade de intuir tendncias importantes vrias vezes em sua longa e honrada trajetria poltica. Com Saturno na Terceira Casa, ele tambm no acreditava muito em sua intuio, e buscava evidncias concretas que as confirmassem antes de embarcar nos rumos previstos.

    O horscopo de Paulo Maluf tambm me pareceu preciso. Ele tem duas caractersticas marcantes. A primeira o planeta Saturno em conjuno com o Ascendente. Isso sugere que a pessoa tem uma crise de identidade, que ela sabe como so os outros, mas no sabe como . Gente assim tem dificuldade para mentir, porque sentem que so transparentes, e que todo mundo vai perceber suas mentiras; ficam portanto particularmente vulnerveis quando mentem. tambm uma posio caracterstica de atores, porque corresponde a uma capacidade de imitao impressionante. O problema com as pessoas que tm Saturno na Casa Um mas no so atores que podem dar a impresso de estar interpretando algum papel. Sempre que ouvi crticas de adversrios polticos de Maluf, um trao ressaltado o de que ele parece insincero. A segunda caracterstica desse horscopo uma grande quadratura (quatro planetas vinculados por separaes sucessivas de 90 graus cada), um aspecto de excepcional dinamismo, que induz a pessoa a continuar agindo mesmo quando deveria ficar parada.

    Comecei a conversa com Thales dizendo que algumas coisas me incomodavam no horscopo da sua candidatura presidencial. Numa carta desse tipo, a Dcima Casa representa o candidato, e ela est no 19 grau do signo de Virgem, que o signo de Maluf. O regente de Virgem, Mercrio, est fortssimo no seu prprio signo, que tambm o signo de sua exaltao. Confesso que as pesquisas de Barbara Watters me deixaram confuso: ser que isso beneficia Tancredo, porque o seu smbolo est muito forte, ou Maluf, porque o signo que representa Tancredo

  • tambm o signo natal de seu adversrio? O mais provvel que representasse o fato de que seguidores de Maluf (e seu partido, o PDS) acabariam se identificando com a candidatura de Tancredo. Mas havia outro sinal perturbador nessa carta da candidatura, pelo que continha de positivo e negativo: a Quarta Casa representa a oposio em horscopos polticos, e seus dois regentes (Jpiter e Netuno) esto retrgrados na Primeira Casa.

    Colgio Eleitoral

    Carta 10: Horrio modificado para o comeo da votao em Braslia, 15 de janeiro de 1985, 9:00

  • Uma leitura possvel a de que a oposio chega ao poder: Netuno faz um trgono com o Sol, que simboliza o poder. Mas Jpiter e Netuno esto retrgrados, o que sugere algo como "ganha mas no leva". Eu disse ao dr. Thales que esses dois planetas tambm significavam uma enorme (Jpiter) decepo (Netuno) popular (a Primeira Casa rege a populao em horscopos polticos), e ele reagiu energicamente a essa observao: "O Governo Tancredo no vai provocar decepo no pas, isso eu posso lhe garantir." O futuro mostrou, contudo, que estvamos falando de coisas diferentes: a decepo que o mapa sugeria viria com a morte de Tancredo, e no com o seu governa

    Thales no teve muita pacincia com minhas dvidas, porque ele estava convencido da vitria de Tancredo sobre Maluf no colgio eleitoral composto por senadores e deputados. Mas eu lhe mostrei ento o horscopo para a hora prevista do incio da votao no colgio eleitoral. Nele, Maluf representado pela Dcima Casa no signo de Peixes, porque a Dcima Casa representa o partido da situao, ainda que esse seja tambm o signo natal de Tancredo; e este representado por Virgem na Quarta Casa, embora Virgem seja tambm o signo natal de Maluf. O problema que eu via nesse horscopo que os planetas representando Maluf Jpiter, em conjuno com o Sol so superiores (no sentido de que esto acima) aos que representam Tancredo (Mercrio, que rege Virgem, em conjuno com Netuno). Isso poderia significar derrota, se levssemos a srio a pesquisa j mencionada da astrloga americana Syvia De Long, que d grande nfase superioridade de planetas representando candidatos. O planeta simbolizando Tancredo nesse horscopo, Mercrio, rege tambm o Ascendente, o que lhe d maior popularidade; mas est bem no comeo da Oitava Casa, que significa perdas.

    Caso a eleio fosse marcada para o perodo entre as 9:00 e as 11:00 do mesmo dia, contudo, a situao ficaria invertida e claramente favorvel a Tancredo. Agora a Quarta Casa (que representa a oposio) regida por Gmeos, o outro signo regido por Mercrio, e Mercrio est na Dcima Casa, que representa a situao e o poder: pode-se interpretar isso como a oposio conquistando a situao, ou a oposio no poder. Maluf e a situao esto representados por Jpiter no signo de seu detrimento, Capricrnio, na Casa Onze. A casa dez ou Meio-Cu mais forte por ser um dos quatro ngulos do horscopo, e por representar especificamente o poder que se procura.

    Embora no entenda de astrologia, o dr. Thales um homem de grande espiritualidade, e resolveu levar meus argumentos a sria.

  • Depois de explicar a situao a Tancredo, ele foi autorizado a negociar informalmente com a mesa diretora do Colgio Eleitoral, presidida pelo senador Moacyr Dalla (PDS-ES), um pedido para mudar a hora da eleio. Mas faltava um dos votos da mesa para assegurar a mudana no horrio. Depois de uma fascinante srie de negociaes, cujos detalhes poucas pessoas conhecem, o horrio da eleio foi finalmente mudado para as 10:00.

    Colgio Eleitoral Carta 11: Horrio estimado para o discurso da posse de Tancredo Neves como presidente da Repblica, 15 de maro de 1985, 11:15

  • Cerca de dois anos depois, o jornalista Elio Gaspari, ento diretor adjunto da revista Veja e principal autor da coluna "Radar", ouviu ecos desses acontecimentos de alguma fonte, e publicou uma nota que continha vrias incorrees confundia, por exemplo, a escolha da hora da eleio com a hora da posse.3

    Eis a nota:

    "O jornalista Getulio Bittencourt, que assume nesta semana a Secretaria de Comunicao do governo Sarney, fiel depositrio de um segredo nacional: foi ele quem determinou a mudana da hora da posse de Tancredo Neves, em maro de 1985. Atravs de um amigo comum, Tancredo enviou a Getulio astrlogo diletante os dados necessrios para a composio de seu mapa astral e nele o jornalista viu que de janeiro a abril de 1985 Tancredo entraria numa rea denominada de inferno zodiacal, repleto de maus fluidos. Nesse inferno, porm, Getulio viu um perodo de trgua que ia dos primeiros dias de janeiro s 12:00 do dia 15. A posse de Tancredo foi a marcada pela Mesa do Senado para as 15:00, mas o presidente eleito, por recomendao de Getulio, fez com que fosse transferida para as 10:00. Essa histria, narrada ao presidente Jos Sarney, deixou-o perplexo."

    Bem, qualquer pessoa que se aprofunde um pouco no estudo de

    astrologia sabe que "inferno zodiacal" o perodo de trinta dias que antecede o aniversrio da pessoa. Considero esse termo infeliz porque o simbolismo que acontece nesse perodo o da entrada do Sol na dcima Segunda Casa em relao posio natal; o sentido o da concluso de um ciclo, um perodo para se terminar em vez de comear coisas, com as dificuldades inerentes mas s, no necessariamente um inferno. E a eleio de Tancredo aconteceu em janeiro, enquanto seu assim chamado "inferno zodiacal" foi de 4 de fevereiro a 3 de maro de 1985.

    Tancredo nunca tratou do assunto da eleio diretamente comigo; nosso intermedirio sempre foi o dr. Thales. Durante sua viagem ao exterior, em fevereiro de 1985, j como presidente eleito, tive oportunidade de tocar uma vez no assunto da astrologia com ele, e Tancredo disse apenas que "me falam bastante tambm na astrologia chinesa". Mas

    3 "O inferno zodiacal de Tancredo", em "Radar", Veja, So Paulo, 21 de janeiro de 1987.

  • logo outras pessoas aproximaram-se, e mudamos de assunto. Ele no entanto comeou sua conversa com o presidente americano Ronald Reagan no salo oval da Casa Branca tratando exatamente desse tema, segundo o testemunho do embaixador Rubens Ricupero, que assistiu ao dilogo: "Eu sou de Aqurio", informou Reagan. "Eu sou de Peixes", replicou Tancredo.

    A questo da hora da posse de Tancredo Neves realmente me preo-cupou, e acabou provocando dois meses de separao entre mim e o dr. Thales, que me deixaram bastante triste, embora eu compreenda os motivos naturalmente emocionais que o afastaram. Com o candidato da Aliana Democrtica j eleito, fiz ento o horscopo da hora prevista para a posse, uma figura que me deixou realmente abalado. Fui outra vez explorar a hospitalidade de d. Helena, e narrei minhas especulaes ao dr. Thales. "De acordo com esse mapa", afirmei, "o presidente Tancredo no vai tomar posse no dia 15 de maro. Nesse dia, ele vai estar num hospital ou preso." Eu deveria talvez ter medido minhas palavras. Meu interlocutor ficou furioso. "Tancredo vai tomar posse, sim", garantiu Thales. possvel que ele tenha interpretado o que eu disse como alguma reao militar (priso) ou algum atentado (hospital) contra o presidente eleito, um homem to querido pelo povo brasileiro e to respeitado pelos militares que tornava essa previso to agourenta quanto improvvel. Por causa disso, ficamos sem nos falar at o dia 15 de maro de 1985, quando se confirmou que minha leitura daquele horscopo infeliz fora precisa.

    Estimei o incio do discurso de posse de Tancredo na presidncia da Repblica que marcaria efetivamente o comeo do seu governo para as 11:15 do dia 15 de maro de 1985. Nessa hora, o Meio-Cu estava no oitavo grau de Peixes, e o co-regente desse signo, Netuno, no quarto grau de Capricrnio, exatamente no incio da Oitava Casa, que tem vrios significados cirurgia e morte, dentre eles. Netuno significa, entre outras coisas, priso e doenas em geral, mas infeces em particular.

    O vice-presidente em exerccio e futuro presidente Jos Sarney acabou lendo o discurso que Tancredo preparou para a posse no Congresso s 10:25 de 15 de maro. Nessa hora, o Ascendente ou Primeira Casa estava no vigsimo terceiro grau de Touro (o signo solar de Sarney), e o regente do signo, Vnus, estava retrgrado no vigsimo terceiro grau de ries indicando um acontecimento que teria que ser refeito. Planetas retrgrados sempre simbolizam aes que tero que ser feitas outra vez,

  • ou a retomada de aes j iniciadas anteriormente. O Meio-Cu ou Dcima Casa desse horscopo est em Aqurio, e o co-regente desse signo, Saturno, est tambm retrgrado no signo de Escorpio, que associado a transformaes de toda espcie (a morte sendo uma delas); o Meio-Cu ou Dcima Casa, por sua vez, representa o poder no caso, o presidente da Repblica. O simbolismo geral continuava a, agora modificado para representar a realidade da posse do vice-presidente Sarney no impedimento do presidente eleito.

    II A eternidade para descansar

    No incio de maro de 1985, recebi um telegrama de Mauro Bento Dias Sanes, o publicitrio que assessorava Tancredo, convidando-me para uma conversa com o presidente eleito em Braslia, poucos dias antes da posse, junto com um grupo selecionado de jornalistas. Na vspera desse encontro, outro telegrama de Mauro cancelava a conversa, devido a um "resfriado" do presidente eleito. O jornalista Dirceu Brisola, que leu o telegrama comigo a caminho do elevador da Gazeta Mercantil, no se conteve e manifestou seu prtico Saturno na Stima Casa: "Presidente no fica resfriado. Quando o presidente est resfriado, ningum fala nada. Mas se dizem que est resfriado, porque deve estar com cncer."

    Fui a Braslia no dia 14 de maro para assistir missa de consagrao do novo governo, e consegui um lugar prximo s cordas que protegiam a passagem do presidente eleito. Minha esperana era conseguir trocar umas palavras com ele para escrever um artigo mais interessante sobre a posse no dia seguinte; Tancredo sempre brincava comigo quando me via. Na viagem ao exterior como candidato, por exemplo, ele veio at a classe econmica onde viajvamos os jornalistas, no avio comercial da Varig, e quando me viu deu uma risada e disse: "Getulio, ento a policia deixou voc entrar?" Mas que nada. Ele passou rpido e direto a caminho da igreja, sem olhar para os lados, com um olhar que me pareceu lacrimejante, e nem tomou conhecimento de quem estava dos lados. Decepcionado, recolhi a minha tpica vaidade de jornalista e pensei que a vida era assim mesmo: presidentes da Repblica so outro tipo de gente, e no olham mais para os lados. O presidente eleito, de fato, j sentia uma dor profunda, provocada talvez pela crise de diverticulite que lhe diagnosticaram quando deu entrada no Hospital de

  • Base de Braslia, s 22:25 daquela mesma noite de 14 de maro. O que admira no que ele no olhasse para os lados, mas simplesmente que caminhasse, e depressa.

    O Brasil inteiro sofreu repetidos choques emocionais com a srie de operaes a que Tancredo foi submetido nas cinco semanas seguintes. Ningum queria perder a esperana na sua recuperao, ainda acompanhando um dos lemas de sua brilhante campanha eleitoral: "No vamos

    Tancredo Neves

    Carta 12: Momento da sua internao no Hospital de Base, Braslia, 14 de maro de 1985, 22:25

  • nos dispersar." Fui seguindo aquela tragdia longa, uma agonia que aquele homem bom e inteligente no merecia, triste como os outros brasileiros. Mas Deus tem l os seus caminhos, no ? A paixo de Tancredo consolidou o regime democrtico no Brasil, silenciando at os seus adversrios mais impenitentes.

    O horscopo de Tancredo contm trs aspectos geralmente associados com acontecimentos cuja exata compreenso nos escapa: um quincncio (150 graus de separao) envolvendo os planetas Vnus e Netuno, outro quincncio envolvendo o Sol e Jpiter, e mais outro quincncio envolvendo Urano e Pluto. Minha interpretao para a trplice repetio desses quincncios na vida de Tancredo sua associao com reviravoltas que o foraram a deixar importantes obras inacabadas. Essa peculiaridade foi usada por integrantes da candidatura Maluf para tentar desacredit-lo durante a campanha eleitoral indireta para a presidncia. Entre outros eventos desse tipo, Tancredo deixou o posto de chefe de governo (como primeiro-ministro do Governo Joo Goulart, durante o regime parlamentarista) para disputar o governo de Minas, e perdeu inesperadamente a eleio para Magalhes Pinto; e depois deixou o governo de Minas para disputar e vencer a eleio presidencial indireta, mas morreu sem tomar posse.

    Acho que ningum ousava pensar que Tancredo ia morrer, durante as semanas de internao hospitalar. O horscopo de sua entrada no Hospital de Base, porm, no oferecia muito alento. A Quarta Casa, que rege como as coisas terminam, est no signo de Aqurio, e o co-regente desse signo, Saturno, est na dcima Segunda Casa (que simboliza doenas, hospitalizaes), retrgrado (indicando que o que est sendo feito ser refeito), em conjuno com o Ascendente (e portanto angular, importante), e no signo de Escorpio (transformaes em geral, entre elas a morte). A Oitava Casa, que indica as circunstncias da morte, se houver morte, est no primeiro grau de Cncer, e a Lua, que rege Cncer entre os signos e o estmago entre as partes do corpo, est em frgil situao no signo oposto de Capricrnio, em conjuno com Netuno, o planeta associado com infeces.

    Todas as cirurgias a que Tancredo foi submetido, em Braslia e depois no Hospital do Corao em So Paulo, aconteceram com smbolos retrgrados em posio proeminente nos horscopos, indicando que outra cirurgia teria que acontecer. Quando a quarta operao foi marcada pelo dr. Henrique Pinotti e sua equipe, o ento vice-presidente executivo da Gazeta Mercantil, Roberto Mller Filho, cedeu curiosidade e me

  • pediu que fizesse um horscopo para responder pergunta se Tancredo conseguiria escapar com vida de tudo isso. Essa uma pergunta terrvel, como j ficou demonstrado no primeiro captulo. Certamente, como regra geral, melhor no tentar respond-la. Um motivo bvio vem da imperfeio que caracteriza o ser humano, o que significa que um astrlogo sempre pode errar em sua avaliao da figura; outro deriva do fato de que mesmo quando o astrlogo acerta na resposta a esse tipo de pergunta, nenhuma satisfao acompanha o acerto.

    Talvez por acaso, Deus permitiu que minha avaliao fosse correta neste caso. Visto a posteriori, parecia bvio: Tancredo tinha 75 anos; havia feito recentemente um esforo enorme, recusando pausas na campanha e na formao do governo porque tinha "toda a eternidade para descansar"; e j havia sido submetido a trs operaes desesperadas, com uma quarta a caminho. So raros os casos como este em que as circunstncias parecem inexorveis. Normalmente difcil responder a uma questo terminal assim com astrologia porque a linguagem astrolgica simblica. Isso quer dizer que quando uma pessoa se transforma profundamente (por exemplo, Tancredo deixando de ser governador para ser presidente ou qualquer pessoa mudando radicalmente de profisso), ou quando ela morre fisicamente, o simbolismo astrolgico pode ser muito semelhante.

    Outros fatores que levei em considerao no julgamento da pergunta vieram do horscopo do presidente eleito. Com o Ascendente em Aqurio, a Oitava Casa, que indica as circunstncias da morte, est no signo de Virgem, que representa os intestinos entre as partes do corpo (diverticulite a putrefao de um segmento do intestino). A Quarta Casa, que indica o fim da vida, contm o planeta Marte (cirurgias, danos) em quadratura com o Ascendente e Mercrio na Primeira Casa (ambos representam o corpo).

    Mas antes de responder pergunta de Mller, conferi tambm os aspectos que os planetas no cu faziam em relao ao horscopo natal de Tancredo. Jpiter em trnsito fazia conjuno com Vnus; essa a mais benfica das conjunes, e se nem isso conseguia extrair boas notcias da equipe mdica, porque a melhor notcia possvel seria a de que Tancredo finalmente poderia descansar. Observei tambm que algumas semanas depois, na noite de 21 de abril de 1985, o planeta Marte em trnsito fazia uma oposio exata com Saturno em trnsito e a oposio desses dois planetas disputa o ttulo de mais destrutivo dos aspectos. Alm disso, Marte no cu estava em trnsito pela Quarta Casa

  • de Tancredo, que continha assim esse planeta duas vezes (o Marte natal e o Marte em trnsito). Saturno em trnsito no cu, portanto, fazia oposio simultaneamente ao Marte natal de Tancredo e ao Marte em trnsito uma assinatura celestial duplamente mortfera. Conclu que se ele conseguisse sobreviver a tudo isso, nada mais poderia mat-lo. Foi a data que informei a Roberto Mller como a do provvel passamento de Tancredo Neves.

    O dia 21 de abril de 1985 caiu num domingo, e a edio de segunda-feira do jornal ficou aberta na expectativa de alguma notcia fnebre. Eu avisei ao diretor de redao da Gazeta Mercantil, Sidnei Basile, no final da tarde de domingo, que mantivesse o jornal aberto o mais que pudesse, confirmando minha previso de que a morte aconteceria nesse dia. "E se ele no morrer?", indagou Sidnei. "Se ele passar de hoje, talvez viva por muitos anos, mas acho que ele no tem chance", insisti. Mas Sidnei tinha que tomar uma deciso prtica: ordenar a impresso do jornal, na poca feita na grfica de O Estado de S. Paulo, antes da entrada do Jornal da Tarde s 19:00, para evitar um grande atraso da Gazeta Mercantil. E foi o que ele fez.

    Enviado pela Gazeta Mercantil, segui o emocionante velrio do presidente em Belo Horizonte com meu colega Jos Casado, e fomos acompanh-lo em sua ltima jornada at o cemitrio atrs da belssima Igreja de So Francisco da Penitncia, com a fachada desenhada pelo gnio do Aleijadinho, em So Joo del Rey uma das cidades que os mineiros construram no alto dos morros, segundo Tancredo, para ficarem mais perto de Deus. Depois de escrevermos a matria, fomos jantar. Consegui um prato com o ltimo frango ao molho pardo do restaurante, para despedir-me do presidente em grande estilo.

  • 3 SARNEY, O HOMEM QUE VEIO DE LONGE

    Eu j ouvira falar muito de Jos Sarney em meados da dcada de 1970, atravs das primorosas colunas polticas de Carlos Castello Branco no Jornal do Brasil. Mas ele cruzou minha carreira de jornalista pela primeira vez em janeiro de 1977, quando o diretor de redao da Folha de S. Paulo, Cludio Abramo, me enviou a So Lus do Maranho para cobrir a crise poltica que quase culminou na cassao do governador Oswaldo Nunes Freire, sob acusaes de corrupo. As acusaes vinham da oposio, isto , de Sarney.

    Exceto pelo excelente cozido dos restaurantes locais, capaz de rivalizar com a verso muito mais cara do elegante Hotel Ca d'Oro em So Paulo, aproveitei muito pouco da tranqila paisagem da capital maranhense, fundada por franceses no sculo XVII. Estava tenso porque Cludio Abramo no escondia sua irritao com a pobreza da cobertura da crise maranhense. E no era para menos. Nunes Freire estava viajando, e ningum no Palcio dos Lees parecia saber para onde. Sarney estava em Braslia. Eu no sabia onde estava Victorino Freire, o outro piv da crise, e nem o conhecia: se descobrisse seu esconderijo, era improvvel que falasse comigo. Tudo parecia perdido, inclusive o meu emprego no jornal da famlia Frias.

    De repente, sem ter o que fazer em So Lus, lembrei-me de uma srie de artigos sobre as eleies maranhenses na Revista Brasileira de Estudos Polticos, da Universidade Federal de Minas Gerais, escritos por um professor da Universidade Federal do Maranho chamado Jos Ribamar de Chaves Caldeira. Foi a minha salvao. Marquei uma conversa e fui entrevist-lo em seu gabinete de trabalho. O resultado foi um painel da poltica maranhense no ps-guerra, que o jornal publicou em uma pgina inteira, com chamada na capa).1 A certa altura, Caldeira

    1 Getulio Bittencourt, "Para entender a crise do Maranho", Folha de S. Paulo, 16 de janeiro de 1977, 14 Caderno, pg. 8.

  • observou que o Maranho no tem propriamente uma classe mdia, e est dividido entre os ricos e os pobres. Num Estado assim, mdicos terminam ricos, e segundo ele, Sarney ascendeu socialmente casando-se com a filha de um mdico, d. Marly.

    Algumas semanas depois, numa passagem por Braslia a servio do jornal, fui convidado pelo jornalista Ruy Lopes para ir a uma festa em que estava o casal Sarney. Sorridente, o lder poltico maranhense virou-se

    Jos Sarney Carta Natal 13: Pinheiro (MA), 24 de abril de 1930, 7:30

  • se para mim e queixou-se: "Ento foi voc quem disse que eu subi na vida dando o golpe do ba." Eu tentei explicar que a declarao de fato era do socilogo Chaves Caldeira, mas d. Marly me interrompeu e respondeu no meu lugar: "Mas a pura verdade, Jos!" Comeamos a um relacionamento de jornalista e fonte que se aprofundou entre 1980 e 1981, quando chefiei a sucursal da Veja em Braslia. Devido necessidade da revista de dispor de material indito, introduzi o hbito americano de marcar desjejuns, almoos e jantares com os principais lideres polticos do pas. Era tambm uma forma de tir-los do telefone do escritrio, uma inveno que interrompe entrevistas seguidamente.

    Sarney preferia conversar durante o caf da manh em seu prprio apartamento, com deliciosos produtos do Nordeste, e nossas entrevistas eram freqentemente testemunhadas por sua filha Roseana. Meu objetivo era convenc-lo a se tornar para mim uma fonte to boa quanto era para Carlos Castello Branco. Um projeto ambicioso, considerando que Castellinho era o jornalista poltico mais influente do pas, e conhecia Sarney fazia mais de vinte anos. No consegui. O senador Sarney, tambm presidente do PDS, raramente me dava uma notcia. Por duas vezes, me deu quadros (uma gara, um sobrado de So Lus), resultado de suas horas de lazer, e foi sempre muito simptico; mas nada de notcias.

    Em 1984, durante a campanha presidencial indireta da Aliana Democrtica, convidei Sarney candidato vice-presidncia na chapa de Tancredo para dar uma entrevista no programa de televiso "Crtica & Autocrtica". J havamos entrevistado os dois candidatos, Tancredo e Maluf, e ele aceitou. O resultado foi um desastre. Meu colega Dirceu Brisola o mesmo que tem Saturno na Stima Casa, e desconfia que presidentes no ficam gripados fez uma pergunta sobre a construo de uma ponte em So Lus quando Sarney era governador, sugerindo que houve furto do errio. O candidato de Tancredo vice-presidncia ficou desconcertado. Mais tarde, numa kombi que nos levou a todos para jantar no restaurante Rodeio, ele no escondia sua irritao. Virou-se para mim, que o havia convidado a dar a entrevista, e fuzilou: "Como que vocs fizeram isso comigo no ar, uma coisa que no fizeram nem com o Maluf?"

    Logo depois da pergunta de Brisola, pedi a palavra ao moderador Roberto Mller Filho e coloquei uma longa questo para Sarney, que a meu ver estava sendo vtima de rejeio pelo PMDB de Tancredo uma rejeio perigosa, porque punha em risco o equilbrio e a eficcia

  • da Aliana Democrtica que competia com Maluf no colgio eleitoral. "Senador", comecei, "pouca gente sabe disso, mas o senhor salvou po-lticos da oposio ameaados pela ditadura militar, escondendo-os em seu automvel para lev-los a uma embaixada amiga; o senhor colocou como diretor do seu jornal um poeta comunista, Bandeira Tribuzzi; e o senhor ajudou a financiar o filme de Glauber Rocha Terra em Transe (1967) , contratando-o para fazer um documentrio sobre o Maranho.

    Marly Sarney Carta Natal 14: So Lus (MA), 4 de dezembro de 1931, 8:00

  • Como que se sente agora, sendo rejeitado pela esquerda sem memria no Brasil?" Estou citando de memria, mas o sentido geral era esse. Sarney ficou um pouco mais aliviado. O resultado geral foi uma entrevista interessante.

    Pouco depois, Sarney me convidou para participar de um pequeno grupo que estava reunindo para assessor-lo. Eu agradeci, mas recusei: achava que poderia ajudar mais o meu pas do lado de fora. Numa de suas visitas a Tancredo no Hospital do Corao, como presidente em exerccio, ele repetiu o convite. Eu continuei resistindo: o trabalho de jornalista muito mais atraente. E como presidente da Repblica, Sarney foi uma excelente fonte. Agora ningum tinha mais notcias do que ele, e s vezes ele as dava. Trs dias antes de anunciar o Plano Cruzado, por exemplo, ele me deu uma entrevista que deixaria o ministro da Fazenda, Dlson Funaro, furioso porque se tratava de um segredo de Estado. O ttulo da manchete da Gazeta Mercantil para a reportagem foi proftico: "Podem vir medidas drsticas." Com o plano, Sarney tornou-se de repente o presidente mais popular da histria do pas, desde que esse tipo de pesquisa comeou a ser feito na segunda metade da dcada de 1950. Depois da eleio de 1986 e do fim do congelamento de preos, porm, a popularidade do presidente caiu. Ento eu achei que estava na hora de dar uma contribuio: telefonei para o presidente no final de dezembro, e assumi a secretaria especial de Comunicao Social que ele criou para mim em janeiro.

    Conversei poucas vezes com o presidente Sarney sobre astrologia. Meu ponto que ele me convidara para assessor-lo como jornalista; decidi que se ele fizesse perguntas sobre astrologia, responderia com todo prazer, mas no me pareceu tico tomar a iniciativa. E como se pode deduzir do horscopo do presidente, ele tomar a iniciativa algo que dificilmente aconteceria. No entanto, fiz uma leitura detalhada dessa carta natal para ele, que em geral concordou com a descrio. O leitor talvez possa concordar tambm.

    No horscopo de Sarney, o Meio-Cu ou Dcima Casa (que representa o poder) est no signo de Aqurio, e o regente tradicional desse signo, o planeta Saturno, est em seu segundo signo (Capricrnio), na Oitava Casa (que simboliza todas as transformaes, inclusive a morte), e retrgrado, ou aparentemente movendo-se para trs visto da Terra. Isso pode ser interpretado como uma pessoa que herda o poder (Meio-Cu) atravs da morte (Oitava Casa); herda igualmente um poder que j est exercendo (Saturno est retrgrado, um indcio de volta ao passado

  • que no caso simboliza o poder que Sarney j estava temporariamente exercendo). O signo de Aqurio na Dcima Casa representa enfim uma pessoa capaz de exercer um poder coletivo (Sarney teve que dividir o poder com o PMDB), e cujas relaes com o poder passam de um ex-tremo a outro (ele foi tanto o mais popular quanto um dos mais impopulares presidentes brasileiros). Alm disso, a Lua est na Casa Dez, sugerindo popularidade e um papel importante da me na sua vida (eu a vi

    Roseana Sarney Carta Natal 15: So Lus (MA), 1 de junho de 1953, 8:20

  • muitas vezes no Palcio do Alvorada, tratada como uma rainha pelo presidente); mas a Lua est tambm no signo de Peixes, algo que pode tornar o poder uma priso da qual ele gostaria de escapar.

    O Ascendente, o Sol, Mercrio, o Nodo Lunar e Vnus esto em Touro. A nfase no signo fixo do elemento terra sugere um homem prtico (a primeira coisa que me perguntava quando eu lhe trazia pesquisas de opinio pblica era: "Para que serve isso?"), cauteloso, capaz de continuar fazendo coisas at o limite mas no de come-las, preocupado com a forma e a aparncia. Algum que gosta de ver as coisas tomando forma antes de agir. Visto como uma qualidade, trata-se de uma pessoa cuidadosa; visto como um defeito, trata-se de uma pessoa lenta. Os outros tendem a v-lo como uma pessoa lenta, mas talvez no sejam to cuidadosos quanto ele. Mercrio no Ascendente indica uma extrema curiosidade, e facilidade de comunicao; Vnus a acrescenta um certo charme e vaidade, e transforma Sarney num espelho: ele percebe a iniciativa como uma coisa externa. Tudo o que faz sempre reagir, responder ao estmulo exterior. Isso explica um pouco a admirao dele pelos homens de ao.

    O Sol est na Casa Doze, indicando uma pessoa que se sente um pouco deslocada onde quer que esteja, e que pode sentir-se to estrangeiro no seu Maranho natal (ele depois se elegeu senador por Roraima) quanto em Braslia ou Nova York. "Esse um sentimento comum na minha vida", concordou Sarney. E Saturno na Oitava Casa corresponde a uma vida marcada por crises sucessivas: a pessoa aprende principalmente com as crises, e por isso, quando no h crise alguma, ela mesma cria uma. Sarney riu, significando que estava de acordo. Saturno a tambm corresponde a uma resistncia a mudanas. Mudar fica parecido com morrer. Mas quando a pessoa enfrenta essa resistncia e resolve implementar mudanas, pode faz-las a um nvel histrico. Sarney primeiro mudou a si mesmo (inclusive seu prprio nome), e depois mudou o pas com os nove meses de sucesso do Plano Cruzado.

    Usei idias extradas desse perfil astrolgico em artigos que escrevi para a imprensa quando secretrio de Comunicaes da Presidncia da Repblica. Meu diagnstico bsico sobre o Governo Sarney o de que ele ficou preso na estratgia eleitoral de Tancredo Neves. Entre os dois candidatos indiretos presidncia da Repblica em 1985, Paulo Maluf tinha um programa de governo; Tancredo, no. "Em meu governo, s vou fazer o que for consensual; o que no for consensual eu no vou poder fazer", disse-me Tancredo durante a campanha. Mas tudo que

  • era consensual, e fora prometido no "Compromisso com a Nao" de 7 de agosto de 1984, tambm foi rapidamente cumprido. Logo o governo ficou sem bandeiras, sem a popularidade que o Plano Cruzado fornecera, e submetido aos superpoderes da Assemblia Nacional Constituinte de 1987.

    O primeiro aspecto que procurei ressaltar no perfil de Sarney o da sua receptividade. Por uma gerao, o Brasil fora governado ditatorialmente

    Joo Sayad Carta Natal 16: So Paulo, 10 de outubro de 1945, 20:00

  • por generais presidentes. Generais so treinados para dar ordens. E nas ditaduras, a nfase est na deciso que vem de cima. No comeo, ningum as discute; no final, todos as discutem, e por isso que as ditaduras caem. Com o regime democrtico, a nfase passa para a discusso: primeiro se discute, depois se decide. Meu ponto que Sarney, com a pacincia que lhe do o Ascendente e o Sol em Touro, era o presidente ideal para a transio democrtica, porque comparado com os generais presidentes ele parecia um antipresidente: algum que por natureza e formao ouve e muito antes de decidir. Mas na cabea da populao, o perfil do presidente continuava a ser o de um general; o que o Brasil precisava no era o que o Brasil queria.

    A imobilizao do Governo Sarney pela Constituinte era previsvel. Tancredo me dissera durante a campanha presidencial indireta que no convocaria uma Constituinte; apenas faria reformas na Constituio vigente, como o presidente Ral Alfonsn fizera na Argentina. Mas Tancredo vinha da oposio. A populao que fora s ruas pedir eleies diretas ficaria satisfeita com ele, porque Tancredo representava mudana e mudana era o que a maioria realmente desejava. Sarney vinha de uma recente dissidncia da situao. A ele faltava a legitimidade de Tancredo, e por isso teve que convocar a Constituinte, para dar legitimidade ao processo poltico como um todo.

    Isso ficou visvel para mim quando disse ao presidente Sarney, certa vez, que no horscopo do Brasil o maior problema a educao do povo. Quando d. Pedro deu o grito do Ipiranga, no qual se comemora a independncia do Brasil, o planeta Saturno (que representa lentido e dificuldades) estava na Terceira Casa (educao primria, comunicaes), e fazia oposio ou 180 graus de separao, um aspecto tenso e difcil com o planeta Marte (que simboliza militares, guerras, violncia). O presidente respondeu que sabia disso: "O Japo progrediu depois da restaurao Meiji na segunda metade do sculo passado, que educou o povo japons. Aqui no podemos fazer isso, porque a elite brasileira no quer", disse Sarney.

    Escrevi um livro que continua indito sobre o Governo Sarney, e por isso no vou repetir aqui as consideraes que esto l, e sim fazer breves digresses de "pequena Histria" que tenham a ver com astrologia, ou possam ser iluminadas por esse tipo de informao. Tive curiosidade, por exemplo, de pedir os dados de nascimento de vrios ministros do governo, e alguns me pediram um horscopo comentado de presente. Foi o caso de Joo Sayad, ministro do Planejamento, que me

  • procurou no Palcio do Planalto s vsperas de sua sada do governo Sarney. Eu o conhecia desde sua passagem pela secretaria de Planejamento do governo Montoro em So Paulo. Ele queria saber, por curiosidade, "o que as estrelas diziam".

    O que chamou imediatamente minha ateno, ao examinar os trnsitos correntes sobre o horscopo do ministro, foi a presena de Saturno pela Oitava Casa (mudanas, transformaes e perdas). O planeta j

    Ivan de Souza Mendes Carta Natal 17: Cordeiro (RJ), 23 de fevereiro de 1922, 2:00

  • estava ali