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    Gilberto Bercovici

    ENTRE O ESTADO TOTALE O ESTADO SOCIAL

    Atualidade do debate sobre direito, Estado

    e economia na Repblica de Weimar

    Tese de Livre-Docncia apresentada ao

    Departamento de Direito Econmico eFinanceiro rea de Direito Econmicoda Faculdade de Direito da Universidadede So Paulo, nos termos do Edital FD14/2003, publicado no Dirio Oficial doEstado em 16 de abril de 2003.

    So Paulo 2003

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    The best lack all conviction, while the worst

    Are full of passionate intensity.

    W. B. Yeats

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    Dedico memria de meu av,

    ITZHACK BERCOVICI (1911-1996),

    que, entre 1940 e 1945, foi, sem o saber,

    tambm vtima da queda

    da Repblica de Weimar.

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    SUMRIO

    Introduo .................................................................................... 9

    Captulo 1 A Constituio de Weimar

    1.1 O Constitucionalismo Social........................................ 11

    1.2 Os Direitos e Deveres Fundamentais: Constituio deCompromisso?............................................................... 12

    1.3 A Constituio Econmica ........................................... 24

    Captulo 2 Capitalismo Organizado e Democracia Econmica

    2.1 O Estado como Alavanca do Socialismo ................ 37

    2.2 Rudolf Hilferding e o Capitalismo Organizado ......... 40

    2.3 A Democracia Econmica............................................ 44

    Captulo 3 O Estado de Emergncia Econmico e o Estado Total

    3.1 A Exceo e a Unidade Poltica ................................. 513.2 O Estado de Emergncia Econmico e o Guardio da

    Constituio................................................................... 61

    3.3 O Estado Total: Estado Forte e Economia Livre ...... 77

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL8

    Captulo 4 O Estado Social de Direito

    4.1 Socialismo, Estado e Soberania Popular .................... 914.2 Estado Social de Direito ou Ditadura? ....................... 104

    4.3 A Crise Final: Manter, Reformar ou Revogar a Consti-tuio ............................................................................. 117

    Captulo 5 O Debate de Weimar e a Periferia do Capitalismo

    5.1 O Fim da Estatalidade? ............................................ 129

    5.2 O Estado Social e o Estado do Capitalismo Perifrico .. 138

    5.3 A Exceo Econmica Permanente da Periferia do Capi-talismo ........................................................................... 144

    Bibliografia ................................................................................... 151

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    INTRODUO

    A experincia histrica da Repblica de Weimar (1918-1933),segundo Detlev Peukert, marcada por um sistema poltico que perde

    sua legitimidade e capacidade de funcionamento medida em que confrontado com crises profundas no tocante modernizao econmica,social e cultural. A situao scio-econmica de estagnao do perodode Weimar, marcada por estas inmeras crises, impossibilitou aexistncia de uma conjuntura que permitisse a realizao doscompromissos constitucionais sociais com crescimento econmico. Oquestionamento da legitimidade poltica da Constituio foi agravado,portanto, com a crise econmica1.

    Compreender as relaes entre Estado, direito e economia nestecontexto de crise , assim, estudar o ncleo essencial das preocupaesdo perodo. O objetivo deste trabalho exatamente este, buscandocomparar as alternativas colocadas no debate de Weimar e suasperspectivas de concretizao na conjuntura simultnea de criseeconmica e de crise poltica. Deste modo, iniciamos o estudo combreves consideraes sobre a Constituio de Weimar, destacando odebate sobre a sua segunda parte (Dos Direitos e Deveres Fundamentais

    dos Alemes), que inclua, alm dos direitos fundamentais, a ordemeconmica (captulo 1).Foi sobre esta segunda parte da Constituio que se defrontaram

    as opes jurdicas e polticas de interpretao das relaes econmicasem Weimar. O Partido Social-Democrata (SPD SozialdemokratischePartei Deutschlands), sob a influncia do economista Rudolf Hilferding(1877-1941), desenvolveu duas concepes-chave de interpretao daordem econmica constitucional, visando subsidiar a sua atuao

    poltica: as noes de capitalismo organizado e de democracia econmica_____________1Detlev J. K. PEUKERT, Die Weimarer Republik: Krisenjahre der klassischen

    Moderne, reimpr., Frankfurt-am-Main, Suhrkamp, 2002, pp. 23-25, 87 e 122-129.

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    (captulo 2), que pautam o debate no perodo da relativa estabilizaopoltico-econmica da Repblica (1924-1928).

    Com o agravamento da crise econmica, a partir de 1929, a reaodos setores dominantes se volta no s contra as concepes social-democratas, mas tambm contra os direitos e garantias do EstadoSocial previstos na Constituio. neste contexto que ganha umdestaque cada vez maior a teoria de Carl Schmitt (1888-1985),especialmente sua preocupao em torno da idia de estado deexceo econmico e de Estado Total. Para Schmitt, o Estado Totalrepresenta o fim da distino entre Estado e sociedade e entre Estado

    e economia, com a perda do monoplio do poltico por parte do Estado.A alternativa que ele prope, e que agrada a vrios setores doempresariado alemo, a de um Estado forte em uma economia livre2,conforme iremos analisar no captulo 3.

    Contrapondo-se a esta tese, que denomina de liberalismoautoritrio (autoritrer Liberalismus), Hermann Heller (1891-1933) participa do debate como um dos poucos e leais defensores daConstituio e da Repblica. Heller buscou mostrar que havia alternativaao caminho autoritrio defendido por Schmitt, por meio da prpriaordem constitucional de Weimar, cujo aprofundamento levaria aoEstado Social de Direito (captulo 4), que poderia incluir a totalidadeda populao em um sistema de democracia poltica, econmica esocial.

    _____________2Sobre a importncia do econmico no pensamento de Schmitt, especialmente

    na fase final da Repblica de Weimar, vide Lutz-Arwed BENTIN, JohannesPopitz und Carl Schmitt: Zur wirtschaftlichen Theorie des totalen Staates in

    Deutschland, Mnchen, Verlag C. H. Beck, 1972, pp. 119-122.

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    Captulo 1

    A CONSTITUIO DE WEIMAR

    1.1 O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL

    As Constituies elaboradas aps o final da Primeira Guerra Mundialtm algumas caractersticas comuns, como a declarao, ao lado dostradicionais direitos individuais, dos chamados direitos sociais, oudireitos de prestao: direitos ligados ao princpio da igualdade materialque dependem de prestaes diretas ou indiretas do Estado para seremusufrudos pelos cidados. Estas novas Constituies consistem em umatentativa de estabelecer uma democracia social, abrangendo dispositivossobre a ordem econmica e social, famlia, educao e cultura, bem comoinstituindo a funo social da propriedade. As concepes sociais ousocializantes, assim como a determinao de princpios constitucionaispara a interveno estatal nos domnios social e econmico, so, assim,consideradas fundamentos do novo constitucionalismo social que seestabelece em boa parte dos Estados europeus e alguns americanos3.

    A mais clebre destas novas Constituies, que influenciou aselaboradas posteriormente, foi a Constituio de Weimar, de 1919. AConstituio de Weimar foi elaborada sem maiorias claras, em um

    contexto poltico cujo equilbrio era precrio e instvel. Desta forma,no era uma Constituio homognea, monoltica, mas uma expresso

    _____________3 Boris MIRKINE-GUETZVITCH, Les Nouvelles Tendances du Droit

    Constitutionnel, Paris, Marcel-Giard, 1931, pp. 38-43 e 88-90.

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    das relaes entre as foras polticas em disputa em 19194. Nestequadro poltico, de acordo com Detlev Peukert, s seriam possveis

    duas sadas: uma Constituio instrumento de governo, limitando-sea organizar os poderes do Estado, ou uma sntese de contedosconcorrentes, dentro de um quadro de compromisso deliberadamentepluralista. O julgamento (em geral, negativo) da Constituio deWeimar foi feito pela prtica poltica posterior a ela. Ainda de acordocom Peukert, s seria feita justia em relao Constituio se fossemlevadas em considerao as diferentes possibilidades potencialmentecontidas em seu texto e que no puderam se realizar nas condies

    polticas e econmicas da dcada de 1920. A Constituio de Weimarera um compromisso politicamente aberto de renovao democrticana Alemanha. O difcil em sua anlise no demonstrar suasincoerncias, mas definir qual seria a sada satisfatria no contextocomplexo e contraditrio de uma sociedade industrial moderna nascondies alems do ps-Primeira Guerra Mundial5.

    1.2 OS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS:CONSTITUIO DE COMPROMISSO?

    A instabilidade constitucional do perodo aqui estudado muitasvezes atribuda prpria estrutura da Constituio de Weimar,denominada, freqentemente, de constituio de compromisso(Verfassungskompromi) ou constituio programtica, portanto,sem definies polticas que permitiriam o seu cumprimento em

    determinadas direes. A segunda parte da Constituio, especialmente,_____________4Sobre a composio poltico-social da Assemblia Constituinte de Weimar, vide

    Walter JELLINEK, Die Nationalversammlung und ihr Werk in GerhardANSCHTZ & Richard THOMA (orgs.),Handbuch des Deutschen Staatsrechts,reimpr., Tbingen, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1998, vol. 1, pp. 119-123.

    5Detlev J. K. PEUKERT, Die Weimarer Republik cit., pp. 47-52, 60-61 e 269.Em um sentido prximo, vide Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassung,

    Tbingen, J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1997, pp. 78-79. Vide, ainda, sobreas possibilidades da organizao do povo alemo sob a Constituio deWeimar, Hugo PREUSS, Deutschlands republikanische Reichsverfassung, 2.ed., Berlin, Verlag Neuer Staat, 1923, pp. 113-114 e Annie DYMETMAN,Uma Arquitetura da Indiferena: A Repblica de Weimar, So Paulo, Perspectiva,2002, pp. 110-115.

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    foi alvo das mais acirradas polmicas, graas s inovaes queintroduziu, submetendo o individualismo a servio da coletividade e

    protegendo os direitos individuais na medida em que cumpriam seudever social6. Boa parte do clebre debate de mtodos do direitopblico, travado durante a Repblica de Weimar, deu-se em torno doalcance, limites e possibilidades desta segunda parte da Constituio7.

    A Constituio de Weimar buscou legitimar a Repblica por meioda democracia e do Estado Social, o que, segundo Peukert, consistiriauma audcia do projeto constitucional weimariano sempre subestimadapor seus crticos8. De acordo com um contemporneo, o jurista Richard

    _____________6Vide, entre outros, Hugo PREUSS,Deutschlands republikanische Reichsverfassung

    cit., p. 21; Ottmar BHLER,La Constitucin Alemana de 11 Agosto 1919: TextoCompleto, Comentarios, Introduccin Histrica y Juicio General, Barcelona,Editorial Labor, 1931, pp. 109-114; Ren BRUNET,La Constitution Allemandedu 11 Aot 1919, Paris, Payot, 1921, pp. 224-228 e 319-320; Wolfram BAUER,Wertrelativismus und Wertbestimmtheit im Kampf um die Weimarer Demokratie:

    Zur Politologie des Methodenstreites der Staatsrechtslehrer, Berlin, Duncker& Humblot, 1968, pp. 58-62; Manfred FRIEDRICH, Geschichte der deutschenStaatsrechtswissenschaft, Berlin, Duncker & Humblot, 1997, pp. 377-383;Christoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 78-79; HeinrichAugust WINKLER, Weimar 1918-1933: Die Geschichte der ersten deutschen

    Demokratie, Mnchen, Verlag C.H. Beck, 1998, pp. 107-108 e MichaelSTOLLEIS, Geschichte des ffentlichen Rechts in Deutschland, Mnchen,Verlag C.H. Beck, 1999, vol. 3, pp. 86 e 90-91.

    7 Sobre o debate de Weimar, vide, por todos, Manfred FRIEDRICH, DerMethoden- und Richtungsstreit: Zur Grundlagendiskussion der WeimarerStaatsrechtslehre,Archiv des ffentlichen Rechts, vol. 102, Tbingen, J.C.B.Mohr (Paul Siebeck), 1977, pp. 161-209 e Manfred FRIEDRICH, Geschichteder deutschen Staatsrechtswissenschaft cit., pp. 320-336. Especificamente emrelao ao anti-positivismo do debate de Weimar, vide Peter von OERTZEN,

    Die soziale Funktion des staatsrechtlichen Positivismus: Einewissenssoziologische Studie ber die Entstehung des formalistischen Positivismusin der deutschen Staatsrechtswissenschaft, Frankfurt am Main, Suhrkamp,1974, pp. 7-26 e Michael STOLLEIS, Geschichte des ffentlichen Rechts in

    Deutschland cit., vol. 3, pp. 91-95.8Detlev J. K. PEUKERT,Die Weimarer Republik cit., pp. 133-137. Vide tambm

    Karl Dietrich BRACHER,Die Auflsung der Weimarer Republik: Eine Studiezum Problem des Machtverfalls in der Demokratie, 2. ed., Stuttgart/Dsseldorf,Ring Verlag, 1957, pp. 24-27. Para as mudanas da Administrao Pblicaadvindas com a Constituio de Weimar, vide Bernardo SORDI, Tra Weimar eVienna: Amministrazione Pubblica e Teoria Giuridica nel Primo Dopoguerra,Milano, Giuffr, 1987, pp. 213-249.

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    Thoma, a democracia da Constituio de Weimar era uma democraciana forma e na substncia, pois buscava a incorporao das classes

    trabalhadoras no Estado com base na emancipao poltica completae na igualdade de direitos9. E a determinao substantiva, bem comoa legitimao do novo ordenamento estatal, encontravam-se no pactodos direitos fundamentais, a segunda parte da Constituio10.

    O projeto de Constituio elaborado por Hugo Preuss11 eraneutro politicamente, pois no continha um captulo sobre os direitosfundamentais. Apesar de ser favorvel concepo social da democraciae proteo dos direitos sociais12, Preuss tinha receio que as disputas

    ideolgicas em torno das diferentes vises de direitos fundamentaisameaassem a unidade nacional e a organizao democrtica do povoalemo13. Foi a Assemblia Constituinte de Weimar, com base na

    _____________9 Richard THOMA, Das Reich als Demokratie in Gerhard ANSCHTZ &

    Richard THOMA (orgs.), Handbuch des Deutschen Staatsrechts cit., vol. 1,pp. 188-192. Vide tambm Ren BRUNET,La Constitution Allemande du 11

    Aot 1919 cit., pp. 235-242.

    10 Richard THOMA, Das Reich als Demokratie cit., p. 197.11Segundo Walter Jellinek, o liberal de esquerda Hugo Preuss foi convidado por

    Friedrich Ebert para elaborar o anteprojeto da Constituio por ser o nicojurista alemo prximo da esquerda naquela poca. Cf. Walter JELLINEK,Insbesondere: Entstehung und Ausbau der Weimarer Reichsverfassung inGerhard ANSCHTZ & Richard THOMA (orgs.), Handbuch des DeutschenStaatsrechts cit., vol. 1, p. 127.

    12Preuss defendia a mudana na concepo dos direitos fundamentais, que deveriamser entendidos alm do individualismo, mas com um sentido social, por meio

    da solidariedade social, e como um programa para o futuro. Vide Hugo PREUSS,Deutschlands republikanische Reichsverfassung cit., pp. 90-91 e 94-96.

    13 Cf. Hugo PREUSS, Deutschlands republikanische Reichsverfassung cit., pp.91-93. Vide tambm Walter JELLINEK, Insbesondere: Entstehung undAusbau der Weimarer Reichsverfassungcit., p. 129; Gnther GILLESSEN,

    Hugo Preu: Studien zur Ideen- und Verfassungsgeschichte der WeimarerRepublik, Berlin, Duncker & Humblot, 2000, pp. 108 e 135-137; DetlefLEHNERT, Verfassungsdemokratie als Brgergenossenschaft: Politisches

    Denken, ffentliches Recht und Geschichtsdeutungen bei Hugo Preu

    Beitrge zur demokratischen Institutionenlehre in Deutschland, Baden-Baden,Nomos Verlagsgesellschaft, 1998, pp. 299-305; Sandro MEZZADRA, LaCostituzione del Sociale: Il Pensiero Politico e Giuridico di Hugo Preuss,Bologna, Il Mulino, 1999, pp. 288 e 313-317; Christoph GUSY,Die Weimarer

    Reichsverfassung cit., pp. 71 e 272-273 e Michael STOLLEIS, Geschichte desffentlichen Rechts in Deutschland cit., vol. 3, pp. 83-86.

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    proposta de Friedrich Naumann, que acrescentou a segunda parte daConstituio, que dispunha sobre os direitos e deveres dos alemes14.

    Para Michael Stolleis15, os direitos fundamentais colocaram umasrie de desafios doutrina publicista durante a Repblica de Weimar,com sua mistura de elementos liberais, socialistas, tarefas, garantias,etc. A primeira reao dos juristas, logo aps a promulgao daConstituio, foi crtica, classificando as normas constitucionais quedispunham sobre os direitos e garantias como no jurdicas,assistemticas e meras expresses polticas. A partir de 1923, teria seiniciado uma segunda fase, com a tentativa de sistematizao dos

    direitos na categoria tradicional do direito subjetivo pblico, tentativalevada a cabo especialmente por Gerhard Anschtz e Richard Thoma16.Estes autores buscaram uma interpretao de otimizao dos direitosfundamentais, mas ressalvando a distino entre os direitos liberaisde defesa e os direitos de prestao, relegados como tarefas deconcretizao legislativa17. A terceira fase de interpretao dos direitos

    _____________14

    Walter JELLINEK, Insbesondere: Entstehung und Ausbau der WeimarerReichsverfassung cit., pp. 134-135; Gerhard ANSCHTZ, Die Verfassungdes Deutschen Reichs vom 11. August 1919, reimpr., 14. ed., Aalen, ScientiaVerlag, 1987, pp. 508-510; Ren BRUNET,La Constitution Allemande du 11

    Aot 1919 cit., pp. 221-223; Gnther GILLESSEN,Hugo Preucit., pp. 155-156 e Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 74-75 e 273-275.

    15 Michael STOLLEIS, Geschichte des ffentlichen Rechts in Deutschland cit.,vol. 3, pp. 109-110. Para uma periodizao e interpretao semelhantes, vide

    Christoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 275-280.16Vide, especialmente, Richard THOMA, Das System der subjektiven ffentlichenRechte und Pflichten inGerhard ANSCHTZ & Richard THOMA (orgs.),

    Handbuch des Deutschen Staatsrechts cit., vol. 2, pp. 607-623. Para Anschtze Thoma, o legislador deveria decidir o contedo dos direitos fundamentais.Cf. Peter C. CALDWELL, Popular Sovereignty and the Crisis of GermanConstitutional Law: The Theory and Practice of Weimar Constitutionalism,Durham/London, Duke University Press, 1997, pp. 73-78. Vide tambmChristoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 276-277.

    17

    Para Anschtz estes direitos eram considerados normas programticas, comvalor jurdico, pois como eram um programa para o legislador, deveriam serobservadas na elaborao das leis ordinrias. Cf. Gerhard ANSCHTZ, DieVerfassung des Deutschen Reichs vom 11. August 1919,cit., pp. 514-516. Odireito ao trabalho (Recht auf Arbeit), previsto no artigo 163, por exemplo,no geraria, segundo Anschtz, nenhum direito subjetivo, mas seria uma

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    fundamentais da Constituio de Weimar se daria a partir do GovernoBrning, em 1930, na qual os direitos eram o campo de batalha dos

    decretos de emergncia e da adversidade constitucional que se iniciava.Os partidrios da Constituio defendiam os direitos fundamentaiscomo seu contedo essencial e os opositores da Repblica os viamcomo um obstculo desprezvel, um resqucio da burguesia liberal dosculo XIX, que deveria desaparecer na sociedade alem vindoura18.

    O defensor mais influente desta ltima concepo foi Carl Schmitt.Em sua Teoria da Constituio (Verfassungslehre), de 1928, eleafirmaria que a Constituio de Weimar era uma Constituio por

    conter decises polticas fundamentais sobre a forma de existnciapoltica concreta do povo alemo. No entanto, ela tambm possua emseu texto inmeros compromissos e obscuridades que no representavamdeciso alguma, mas, pelo contrrio, cuja deciso havia sido adiada19.Schmitt tambm se preocupou em estabelecer a relao dos direitosfundamentais com a parte organizacional da Constituio20, emboraconsiderasse a segunda parte da Constituio de Weimar umaproclamao poltica programtica e incoerente (um bloesProgramm)21, realada com a contradio intrnseca que existiria_____________

    medida dirigida ao legislador. Vide Gerhard ANSCHTZ, idem, pp. 740-741.Sobre o direito ao trabalho e normas programticas vide, ainda, ChristophGUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 353-354 e 380-382.

    18 Para a crtica antidemocrtica Constituio de Weimar, vide KurtSONTHEIMER,Antidemokratisches Denken in der Weimarer Republik: Die

    politischen Ideen des deutschen Nationalismus zwischen 1918 und 1933, 4.

    ed., Mnchen, Deutscher Taschenbuch Verlag, 1994, pp. 187-192. Sobre osproblemas da concretizao dos direitos fundamentais da Constituio deWeimar, vide Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 280-286.

    19Carl SCHMITT, Verfassungslehre, 8. ed., Berlin, Duncker & Humblot, 1993,pp. 28-31. Schmitt escreveu, tambm em 1928, que a Constituio de Weimarera uma Constituio que havia nascido pstuma, pois era influenciadafortemente pelos ideais da fracassada Revoluo de 1848. Cf. Carl SCHMITT,Der brgerliche Rechtsstaat inStaat, Groraum, Nomos: Arbeiten aus den

    Jahren 1916-1969, Berlin, Duncker & Humblot, 1995, pp. 44-45.20Carl SCHMITT, Grundrechte und Grundpflichten in VerfassungsrechtlicheAufstze aus den Jahren 1924-1954: Materialien zu einer Verfassungslehre,3. ed., Berlin, Duncker & Humblot, 1985, pp. 189-206.

    21 Carl SCHMITT, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien derReichsverfassung in Verfassungsrechtliche Aufstze cit., pp. 140-143.

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    entre a previso dos direitos individuais e dos direitos sociais nomesmo texto constitucional22. Na sua viso, imperavam dois programas

    distintos na Constituio de Weimar: um, a deciso poltica, voltadopara o Ocidente, representado pelo Estado de Direito burgus datradio de 1789, que estava consagrado na primeira parte(organizacional) da Constituio. O outro, era o programa poltico-social da segunda parte, voltado para a Unio Sovitica23.

    Os compromissos da Constituio de Weimar, denominadoscompromissos dilatrios (dilatorischen Formelkompromi) porSchmitt, seriam fruto das disputas partidrias que adiaram a deciso

    sobre certos temas e teriam apenas gerado confuso aos intrpretesconstitucionais. Afinal, para Carl Schmitt, nestes dispositivos, a nicavontade a de no ter, provisoriamente, nenhuma deciso naqueleassunto, no sendo possvel, portanto, interpretar uma vontadeinexistente. Os compromissos dilatrios representam, na verdade,apenas uma vitria ttica obtida por uma coalizo de partidos em ummomento favorvel, cujo objetivo preservar seus interesses particularescontra as variveis maiorias parlamentares. Os compromissos

    dilatrios seriam particularmente perceptveis entre os direitosfundamentais, cuja garantia seria debilitada com a inscrio de programasde reforma social de interesse de certos partidos polticos entre osdireitos propriamente ditos24.

    _____________22Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 181-182 e Jean Franois KERVGAN,

    Hegel, Carl Schmitt: Le Politique entre Spculation et Positivit, Paris, PUF,1992, pp. 49-53.

    23Carl SCHMITT, Der brgerliche Rechtsstaat cit., p. 45. Em um texto de 1929,o social-democrata Otto Kirchheimer, ex-orientando de Schmitt, apresentouuma argumentao bem similar sobre as orientaes da Constituio deWeimar. Vide Otto KIRCHHEIMER, Das Problem der Verfassung inVonder Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflsung der demokratischen

    Rechtsordnung, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1976, pp. 66-68. Para umaanlise das relaes tericas existentes entre Carl Schmitt e Otto Kirchheimerdurante a Repblica de Weimar, vide Alfons SLLNER, Disciples de Gauche

    de la Rvolution Conservatrice: La Thorie Politique dOtto Kirchheimer etde Herbert Marcuse dans les Dernires Anns de la Rpublique de Weimarin Grard RAULET (org.), Weimar ou lExplosion de la Modernit, Paris,Anthropos, 1984, pp. 118-121.

    24Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 18-20 e 31-36. Vide tambm CarlSCHMITT, Legalitt und Legitimitt inVerfassungsrechtliche Aufstze cit.,

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL18

    De acordo com sua classificao, a declarao de direitos daConstituio de Weimar poderia ser dividida entre direitos de liberdade

    dos indivduos, direitos democrticos, direitos socialistas de prestaosocial ou cultural (na realidade, meras pretenses dos indivduos),direitos das organizaes pblicas (especialmente associaes religiosas)contra o Estado, garantias institucionais e garantias de instituto25. Osdireitos de liberdade dos indivduos seriam os direitos fundamentaisem sentido prprio, pois no precisariam ser garantidos por lei26. Osdireitos democrticos, por sua vez, pressupunham o cidado quevivesse no Estado, possuindo um carter essencialmente poltico27.

    Finalmente, os direitos socialistas dependeriam de prestaes positivasdo Estado, no eram ilimitados e, para Schmitt, estariam lgica ejuridicamente em contraposio aos autnticos direitos fundamentais28.

    Os direitos fundamentais, para Schmitt, poderiam servir paraestabelecer o tipo e a estrutura da comunidade nacional homognea.Na sua concepo, contrria s vises liberal e socialista, esta ordemsubstancial seria fundada sobre o casamento, a liberdade religiosa (dos

    catlicos, bem entendido) e a propriedade privada, com base nasegunda parte da Constituio de Weimar, que deveria ser despojadade seus trechos liberais e socialistas, com a incluso de elementosorgnicos para a homogeneizao poltica dos alemes29.

    Para tanto, Schmitt buscou relativizar os direitos clssicos doliberalismo com as garantias institucionais, mencionadas pela primeira

    _____________

    pp. 295-301 e 306-308 e Carlo GALLI, Genealogia della Politica: Carl Schmitte la Crisi del Pensiero Politico Moderno, Bologna, Il Mulino, 1996, pp. 638-639.

    25Carl SCHMITT, Grundrechte und Grundpflichtencit., pp. 207-216. Para umaclassificao semelhante, vide Franz NEUMANN, Libert di Coalizione eCostituzione: La Posizione dei Sindacati nel Sistema Costituzionale inIl

    Diritto del Lavoro fra Democrazia e Dittatura, Bologna, Il Mulino, 1983, pp.160-164.

    26

    Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 164-168.27 Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 168-169.28 Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 169-170.29Olivier BEAUD,Les Derniers Jours de Weimar: Carl Schmitt face lAvnement

    du Nazisme, Paris, Descartes & Cie., 1997, pp. 86-88.

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    19A CONSTITUIO DE WEIMAR

    vez na Teoria da Constituio30. Em um texto posterior, de 193131,Schmitt aprofundou sua conceituao de garantias institucionais,

    diferenciando tais garantias, reservadas s instituies de direitopblico (como a igreja, o exrcito, a autonomia orgnica local, etc),das chamadas garantias de instituto (Institutsgarantien), destinadas sinstituies de direito privado (como casamento, propriedade, etc)32.O conceito de garantia institucional foi elaborado em contraposio clssica noo liberal de direito subjetivo pblico, ou seja, contraa concepo liberal de direitos individuais oponveis ao Estado.

    Anti-liberais e anti-individualistas na concepo schmittiana, as

    garantias institucionais protegeriam os indviduos desde que estespertencessem a alguma instituio, e no porque eles possussemdireitos subjetivos fundamentais: a proteo est ligada instituio,no pessoa33. De acordo com Beaud, as garantias institucionaisconsistiriam em uma construo orgnica que permitia inserir oindivduo dentro de um grupo social ao qual pertencesse, estabelecendouma hierarquia das garantias, vinculadas instituio, sobre a liberdade,ligada ao indivduo.

    Para Schmitt, as garantias institucionais prevaleceriam sobre oschamados direitos de liberdade: nas suas prprias palavras, a liberdadeno uma instituio jurdica (die Freiheit ist kein Rechtsinstitut)34.Ou seja, os direitos de liberdade s poderiam ser garantidos se ligadosa alguma instituio jurdica, prevalecendo, assim, a garantiainstitucional sobre a garantia das liberdades. Ao separar os direitosfundamentais em trs categorias (direitos de liberdade, garantias

    institucionais e garantias de instituto), fazendo prevalecer as duasltimas sobre a primeira, Carl Schmitt deixou muito claro o que ele

    _____________30 Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 170-174.31 Carl SCHMITT, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der

    Reichsverfassungcit., pp. 140-173. Vide tambm Carl SCHMITT, Grundrechteund Grundpflichten cit., pp. 213-215.

    32 Carl SCHMITT, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der

    Reichsverfassung cit., pp. 143 e 160-166 e Carl SCHMITT, Grundrechteund Grundpflichten cit., pp. 215-216.33 Carl SCHMITT, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der

    Reichsverfassung cit., p. 149.34 Carl SCHMITT, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der

    Reichsverfassung cit., p. 167.

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL20

    considera objeto de proteo na Constituio de Weimar: as instituiesmais tradicionais e conservadoras do sistema jurdico-poltico, em

    detrimento dos direitos fundamentais propriamente ditos. Na realidade,Schmitt busca preservar as instituies polticas e sociais tradicionaise mais conservadoras da Alemanha35, subvertendo a lgica dos direitosfundamentais. A interpretao de Schmitt sobre os direitos e deveresfundamentais no se destinava, segundo Stolleis, a realar o carterliberal dos direitos civis, mas era uma tentativa de limitar a esferade atuao do legislador, especialmente no tocante propriedadeprivada. Desta forma, Schmitt teria utilizado o seu institucionalismo

    para cercear a instituio parlamentar36.Os direitos fundamentais da Constituio de Weimar, segundo

    Otto Kirchheimer, no poderiam ser reduzidos ao seu significadoliberal tradicional. A Constituio tinha a clara inteno de dar umadireo e um programa para a atuao do Estado, buscando umavinculao nica das mais variadas correntes polticas em busca daconcretizao de objetivos comuns a todos. No entanto, a marca docompromisso, com a mistura de valores e concepes sociais e

    filosficas distintas, acabou por causar o fracasso na tentativa de_____________35Para exemplos do que Schmitt classifica como garantia institucional, vide Carl

    SCHMITT, Freiheitsrechte und institutionelle Garantien der Reichsverfassungcit., pp. 153-160.

    36 Michael STOLLEIS, Geschichte des ffentlichen Rechts in Deutschland cit.,vol. 3, p. 105. Vide tambm Rudolf SMEND, Brger und Bourgeois imdeutschen Staatsrechtin Staatsrechtliche Abhandlungen und andere Aufstze,

    3. ed., Berlin, Duncker & Humblot, 1994, nota 15, p. 319; George SCHWAB,The Challenge of the Exception: An Introduction to the Political Ideas of CarlSchmitt between 1921 and 1936, 2. ed., Westport/New York, Greenwood Press,1989, pp. 87-88; Reinhard MEHRING, Pathetisches Denken: Carl Schmitts

    Denkweg am Leitfaden Hegels Katholische Grundstellung und antimarxistischeHegelstrategie, Berlin, Duncker & Humblot, 1989, pp. 133-135; Jean FranoisKERVGAN, Hegel, Carl Schmitt cit., pp. 50-51; Andreas KOENEN, DerFall Carl Schmitt: Sein Aufstieg zum Kronjuristen des Dritten Reiches,Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1995, pp. 468-469; Olivier

    BEAUD, Les Derniers Jours de Weimar cit., pp. 88-95 e Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 277-278. Para uma interpretaopositiva das garantias institucionais, entendendo-as como defesa dos direitosfundamentais, vide Mrcio Iorio ARANHA,Interpretao Constitucional e asGarantias Institucionais dos Direitos Fundamentais, 2. ed., So Paulo, Atlas,2000, pp. 191-212.

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    21A CONSTITUIO DE WEIMAR

    criao de um sistema de direitos fundamentais que no fosse ambguo.Alm disto, o carter programtico dos dispositivos econmicos e

    culturais facilitou a sua no concretizao por parte dos poderespolticos37.A Constituio de Weimar, para Kirchheimer, era uma Constituio

    sem deciso (Verfassung ohne Entscheidung). Na sua interpretao,a burguesia alem simplesmente transplantou formas constitucionaisdo sculo XIX para o Estado do sculo XX, embora tenha avanadocom os direitos fundamentais. Desta forma, a possibilidade de umanova ordem social ficava comprometida com um aparato organizacional

    burgus e uma mquina burocrtica tradicional, reduzindo a democracia representao da ordem social existente. Como a burguesia logoabandonou o programa constitucional, o proletariado no teve foraspara criar uma real democracia socialista. Com este impasse,Kirchheimer entendia a Constituio de Weimar como mera regraformal do jogo democrtico, um instrumento das foras polticas maispoderosas em cada momento. A nica alternativa para o proletariadoseria, para ele, a perseguio de uma verdadeira poltica socialista,

    alm da Constituio38.Rudolf Smend criticou as concepes de Schmitt e de Kirchheimer,

    que entendiam ser a Constituio de Weimar uma Constituio semdeciso. Para ele, a razo de ser da Constituio no era decidir sobreum determinado sistema poltico de pensamento, mas ordenar umconjunto de homens na formao de uma comunidade poltica. Nomesmo sentido, seguindo sua concepo da Constituio como fator

    _____________37Otto KIRCHHEIMER, Weimar und was dann? Analyse einer Verfassungin Politik und Verfassung, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1964, pp. 30-33.Em 1932, Kirchheimer rompe com vises schmittianas e vai tentar demonstraro carter positivo das normas programticas da Constituio, cf. OttoKIRCHHEIMER, Bemerkungen zu Carl Schmitts Legalitt und Legitimittin Von der Weimarer Republik zum Faschismus cit., pp. 124-127.

    38Otto KIRCHHEIMER, Weimar und was dann? Analyse einer Verfassungcit., pp. 52-56. Vide tambm Angelo BOLAFFI, Costituzione senza Sovrano

    inIl Crepuscolo della Sovranit: Filosofia e Politica nella Germania delNovecento, Roma, Donzelli, 2002, pp. 34-35 e 37-39 e Carlos MiguelHERRERA, La Social-Dmocratie et la Notion dtat de Droit WeimarinOlivier JOUANJAN (org.), Figures de ltat de Droit: Le Rechtsstaat danslHistoire Intellectuelle et Constitutionnelle de lAllemagne, Strasbourg, PressesUniversitaires de Strasbourg, 2001, pp. 359-360.

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL22

    e instrumento da integrao poltica39, Smend no entendia correta aidia de Constituio de compromisso, pois, na sua viso, a Constituio

    no teria sentido se fosse reduzida mera constitucionalizao deinteresses setoriais para, a partir destes interesses, continuar a luta dosvrios grupos pelo poder. A Constituio, para Smend, s teria sentidose formasse a unidade poltica, por meio do processo continuamenterenovado da integrao poltica40.

    O debate sobre a declarao de direitos da Constituio deWeimar, de acordo com Rudolf Smend, se colocou mal desde o incio,dada a nfase em definir a sua concepo ideolgica burguesa ou

    socialista. Este equvoco deve-se, em sua opinio, repartio, decarter formal (e no material, como defendia Schmitt), da Constituioem duas partes. Smend defendia a ntima conexo entre os direitose deveres e a parte organizacional da Constituio de Weimar. Paraele, o ponto de partida para a interpretao dos direitos fundamentaisprevistos no texto constitucional era a inteno de dotar os diferentesgrupos sociais de liberdades e garantias como condio indispensvelpara o exerccio real, no apenas formal, dos direitos de cidadania em

    uma democracia41.Para Smend, os direitos fundamentais no poderiam ser reduzidos

    a meros limites de atuao do Poder Pblico, como muitas interpretaestradicionais defendiam. Na sua opinio, os direitos fundamentais, deum lado, pretendiam regular um sistema de valores, um sistemacultural; de outro, afirmavam o carter nacional do sistema de direitosfundamentais, ao ser conferido, por meio deles, um status material

    nico aos membros do Estado, convertendo-os, assim, em um povo,em relao a si mesmos e aos outros povos. Os direitos fundamentais,assim, representariam um sistema de valores concretos, que resumiriao sentido da vida estatal na Constituio. Significariam, ao mesmotempo, uma vontade de integrao material e a legitimao da ordem_____________39 Vide, sobre a sua Teoria da Integrao, Rudolf SMEND, Verfassung und

    Verfassungsrecht inStaatsrechtliche Abhandlungen und andere Aufstze cit.,

    pp. 188-196.40 Rudolf SMEND, Verfassung und Verfassungsrecht cit., p. 274 e RudolfSMEND, Brger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht cit., pp. 322-324e nota 15, pp. 319-320.

    41 Rudolf SMEND, Brger und Bourgeois im deutschen Staatsrecht cit., pp.318-319.

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    23A CONSTITUIO DE WEIMAR

    positiva jurdico-estatal: esta ordem jurdica seria vlida enquantorepresentasse este sistema de valores formado pelos direitos

    fundamentais, convertendo-se, por isso, em legtima42

    .Em defesa da segunda parte da Constituio, Hermann Heller se

    manifestou considerando os direitos sociais e a ordem econmica comograndes avanos constitucionais43. Para Heller, as idias liberais edemocrticas do texto constitucional, por serem direitos culturais, nonaturais, conseguiram se fazer presentes na cultura poltica e narealidade social. J as idias socialistas ainda no teriam obtido umaexistncia material concreta, o que justificaria o maior nmero de

    normas programticas na ordem econmica constitucional. Embora osdispositivos programticos, para Heller, no dispusessem de forajurdica vinculante, eles continham a resposta para a polmica entrea concepo capitalista e a reforma socialista da economia, buscandoa conciliao e o acordo recproco para uma distribuio mais justados recursos44.

    Tambm favorvel aos direitos constitucionais, Franz Neumannressaltou a integrao entre direitos fundamentais e democracia,entendendo ser perfeitamente compatveis as duas partes daConstituio de Weimar. Neumann destaca o fato de os direitosfundamentais no serem entendidos mais nos tradicionais moldesliberais. Afinal, a Constituio de Weimar era, em boa parte, umaobra da classe operria e, portanto, no haveria nenhuma possibilidadede entend-la como uma garantia da liberdade e propriedade burguesas.O objeto dos direitos fundamentais da Constituio no era a proteo

    _____________42Vide Rudolf SMEND, Verfassung und Verfassungsrecht cit., pp. 262-268. Aindasobre a concepo dos direitos fundamentais como valores, vide WolframBAUER, Wertrelativismus und Wertbestimmtheit im Kampf um die Weimarer

    Demokratie cit., pp. 310-320; Peter C. CALDWELL, Popular Sovereignty andthe Crisis of German Constitutional Law cit., pp. 134-137; Christoph GUSY,

    Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 278-279 e Michael STOLLEIS,Geschichte des ffentlichen Rechts in Deutschland cit., vol. 3, pp. 111-112.

    43Hermann HELLER, Grundrechte und Grundpflichten inGesammelte Schriften,

    2. ed., Tbingen, J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1992, vol. 2, pp. 286-287 e 291-292.44 Hermann HELLER, Grundrechte und Grundpflichten cit., p. 312. Vide

    tambm Carlos Miguel HERRERA, Hermann Heller, ConstitutionnalisteSocialiste inCarlos Miguel HERRERA (org.), Les Juristes de Gauche sousla Rpublique de Weimar, Paris, ditions Kim, 2002, pp. 78-79.

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL24

    da propriedade privada, mas a proteo do homem que trabalha ea garantia de sua emancipao. Ao interpretar positivamente o texto

    constitucional weimariano, Neumann destaca que a doutrinaconstitucionalista socialista deveria utilizar concretamente a segundaparte da Constituio. No foi toa que, ao questionamento daConstituio feito por Kirchheimer, Weimar... e depois?(Weimar...und was dann?), Neumann respondeu: Ainda Weimar! (Ersteinmal Weimar!)45.

    1.3 A CONSTITUIO ECONMICA

    Podemos considerar a Constituio de Weimar como uma dasprimeiras Constituies Econmicas46, com o seu captulo denominadoA Vida Econmica (Das Wirtschaftsleben, artigos 151 a 165)47. A

    _____________45 Franz NEUMANN, Il Significato Sociale dei Diritti Fondamentali nella

    Costituzione di Weimar inIl Diritto del Lavoro fra Democrazia e Dittaturacit., pp. 123-125, 133 e 138-139 e Franz NEUMANN, Libert di Coalizionee Costituzione: La Posizione dei Sindacati nel Sistema Costituzionale cit.,pp. 185 e 194-195. Vide tambm Angelo BOLAFFI, Costituzione senzaSovrano cit., pp. 52-55 e Carlos Miguel HERRERA, La Social-Dmocratieet la Notion dtat de Droit Weimar cit., pp. 360-362 e 364-365.

    46Para uma anlise dos possveis sentidos da idia de Constituio Econmica,vide Washington Peluso Albino de SOUZA, Teoria da Constituio Econmica,Belo Horizonte, Del Rey, 2002, pp. 13-16, 21-24 e 37-43; Vital MOREIRA,

    Economia e Constituio: Para o Conceito de Constituio Econmica, 2. ed.,Coimbra, Coimbra Ed., 1979, pp. 145-185 e Eros Roberto GRAU, A OrdemEconmica na Constituio de 1988 (Interpretao e Crtica), 4. ed., SoPaulo, Malheiros, 1998, pp. 60-68.

    47Sobre a ordem econmica na Constituio de Weimar, vide Gerhard ANSCHTZ,Die Verfassung des Deutschen Reichs vom 11. August 1919 cit., pp. 697-750;Ren BRUNET, La Constitution Allemande du 11 Aot 1919 cit., pp. 265-318; Boris MIRKINE-GUETZVITCH, Les Nouvelles Tendances du DroitConstitutionnel cit., pp. 41-42 e 90-95; Vital MOREIRA, Economia e

    Constituio cit., pp. 78-80 e Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassungcit., pp. 342-369. Para uma comparao entre a ordem econmica da Constituiode Weimar e a ordem econmica da Constituio de 1934, vide Marco AurelioPeri GUEDES, Estado e Ordem Econmica e Social: A ExperinciaConstitucional da Repblica de Weimar e a Constituio Brasileira de 1934,Rio de Janeiro, Renovar, 1998, pp. 113-138.

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    Constituio de Weimar, como as demais Constituies Econmicasdo sculo XX, no pretendia receber a estrutura econmica existente,

    mas alter-la. O que inovador neste tipo de Constituio no apreviso de normas que disponham sobre contedo econmico, mas a positivao das tarefas a serem realizadas pelo Estado e pelasociedade no mbito econmico, buscando atingir certos objetivosdeterminados, tambm, no texto constitucional. A Constituio deWeimar, na realidade, buscava estabelecer uma nova ordem econmica,alterando a existente na poca de sua elaborao48.

    Alguns aspectos, no entanto, ainda precisam ficar claros quando

    nos referimos Constituio de Weimar como uma ConstituioEconmica. Em primeiro lugar, a Constituio Econmica no podeser separada da totalidade da Constituio, ela no a Constituioda economia, mas a expresso do econmico no plano poltico. Destafeita, no pode haver dualidade entre Constituio Poltica eConstituio Econmica49. Outro ponto essencial o fato de aexpresso ordem econmica no ter significado jurdico algum. Aordem econmica apenas indica em que parte do texto constitucional

    concentram-se as disposies que tratam do papel do Estado nodomnio econmico (e, mesmo assim, no inclui todas)50. Feitas estasressalvas, ainda consideramos til a anlise da Constituio Econmicade Weimar, pois ela nos permite, como destacou Vital Moreira,estudar a totalidade da formao social, com todas as suas contradies,tornando mais clara a ligao da Constituio e da poltica com aestrutura social51.

    _____________48 Vital MOREIRA, Economia e Constituio cit., pp. 87-95 e 101-125.49Vital MOREIRA, Economia e Constituio cit., pp. 173-185 e Eros Roberto

    GRAU, A Ordem Econmica na Constituio de 1988 cit., pp. 57-68. Emsentido contrrio, entendendo existir a dualidade entre Constituio da Economiae Constituio do Estado, posio equivocada em nosso entendimento, videas concepes dos autores da escola ordo-liberal, como, por exemplo, FranzBHM, Wirtschaftsordnung und Staatsverfassung, Tbingen, J. C. B. Mohr(Paul Siebeck), 1950, pp. 5-8, 39 e 64-70.

    50

    Sobre a ambigidade da expresso ordem econmica, vide Eros RobertoGRAU, A Ordem Econmica na Constituio de 1988 cit., pp. 41-57 e 68-72.

    51 Vital MOREIRA, Economia e Constituio cit., pp. 183-185. Em defesa daConstituio Econmica como fator material de integrao poltica que vivificaa comunidade e legitima o Estado, vide Miguel Herrero de MION, La

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL26

    Segundo Franz Neumann, em virtude da sua soberania, o Estadotem ilimitado poder de direo tambm no campo do direito econmico.

    A dominao da economia pelos dos agentes econmicos privados deu-se por um ato de soberania, pois o Estado separou o governo daeconomia e o cedeu iniciativa privada durante o liberalismo. Noentanto, no contexto da atuao de uma Constituio Econmica, comoa de Weimar, esta relao se altera, com a deciso final sobre todasas questes essenciais de poltica econmica voltando a ser reservadaao Estado e, conseqentemente, ao Parlamento eleito democraticamente.Desta forma, Neumann entende a Constituio Econmica como o

    sistema normativo que regula a interveno estatal e social sobre aliberdade econmica, que apenas liberdade jurdica, portanto,submetida lei. A Constituio Econmica tem, ainda, um duploordenamento: um voltado organizao de categorias, que serve representao dos vrios setores econmicos no confronto no Estado,e outro voltado organizao dos mercados, com o objetivo dedominar e controlar o mercado52.

    Carlos Miguel Herrera defende a existncia de trs nveis na ordem

    econmica da Constituio de Weimar. O primeiro nvel seria o dosdireitos fundamentais sociais e econmicos, como o direito ao trabalho(artigo 163), a proteo ao trabalho (artigo 157), o direito assistnciasocial (artigo 161) e o direito de sindicalizao (artigo 159). Outronvel seria o do controle da ordem econmica capitalista por meio dafuno social da propriedade (artigo 153) e da possibilidade desocializao (artigo 156). Finalmente, o terceiro nvel seria o domecanismo de colaborao entre trabalhadores e empregadores pormeio dos conselhos (artigo 165). Com esta organizao, a ordemeconmica de Weimar tinha o claro propsito de buscar a transformaosocial, dando um papel central aos sindicatos para a execuo destatarefa53. Neste mesmo sentido, Neumann afirmava que os artigos da

    _____________Constitucin Econmica: Desde la Ambigedad a la Integracin, RevistaEspaola de Derecho Constitucional n. 57, Madrid, Centro de Estudios

    Polticos y Constitucionales, setembro/dezembro de 1999, pp. 11 e 29-32.52 Franz NEUMANN, Libert di Coalizione e Costituzione: La Posizione deiSindacati nel Sistema Costituzionale cit., pp. 195-201.

    53Carlos Miguel HERRERA, Constitution et Social-Dmocratie Weimar: Pourune Priodisation inCarlos Miguel HERRERA (org.),Les Juristes de Gauchesous la Rpublique de Weimar cit., pp. 34-35.

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    ordem econmica que tratavam da reforma agrria (artigo 155),socializao (artigo 156)54, direito de sindicalizao (artigo 159),

    previdncia e assistncia sociais (artigo 161) e democracia econmica(artigo 165), representavam a base para a construo do Estado Socialde Direito, cujo fim ltimo era a realizao da liberdade social. E estaliberdade social significava a liberdade dos trabalhadores decidirempor si mesmos o destino de seu prprio trabalho55.

    Uma das crticas mais comuns que se fez Constituio Econmicade Weimar, fundada nos limites da justia e da existncia digna (artigo151), foi a de no ter optado entre o socialismo e o capitalismo. Para

    Anschtz, essa falta de opo gerou como conseqncia o fato de querestaria ao Parlamento decidir entre as duas opes56. Em sentidocontrrio, autores social-democratas, como Hermann Heller e FranzNeumann, entendiam que a Constituio havia expressamente excludoa sacralidade dos princpios liberais tpicos do capitalismo. O mesmoartigo 151, to criticado por Anschtz, significava a concretadeterminao ao ordenamento econmico da finalidade de garantir atodos uma existncia digna, ou seja, apenas neste mbito eram

    garantidos os direitos capitalistas de liberdade contratual, propriedadeprivada e direito de herana. E, mesmo assim, estes direitos eramgarantidos constitucionalmente de uma forma limitada, pois aConstituio deixava o legislador livre para limit-los57.

    _____________54Sobre a socializao, vide Hermann HELLER, Grundrechte und Grundpflichten

    cit., p. 313 e Otto KIRCHHEIMER, Weimar und was dann? Analyse einer

    Verfassung cit., pp. 36-38. Vide tambm Gerhard ANSCHTZ,Die Verfassungdes Deutschen Reichs vom 11. August 1919 cit., pp. 725-729 e Ren BRUNET,La Constitution Allemande du 11 Aot 1919 cit., pp. 298-310.

    55 Franz NEUMANN, Il Significato Sociale dei Diritti Fondamentali nellaCostituzione di Weimar cit., pp. 134-138.

    56Gerhard ANSCHTZ,Die Verfassung des Deutschen Reichs vom 11. August1919 cit., pp. 697-701. No mesmo sentido, vide Ottmar BHLER, LaConstitucin Alemana de 11 Agosto 1919 cit., pp. 139-141. Para uma anliseatual, vide Christoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 342-

    343 e 348-350.57Hermann HELLER,Die politischen Ideenkreise der GegenwartinGesammelteSchriften cit., vol. 1, pp. 404-405; Hermann HELLER, Grundrechte undGrundpflichten cit., pp. 312-313 e Franz NEUMANN, Il Significato Socialedei Diritti Fondamentali nella Costituzione di Weimar cit., pp. 133-134. Vide,no mesmo sentido, Otto KIRCHHEIMER, Die Grenzen der Enteignung: Ein

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    O artigo 153, por exemplo, era expresso na limitao do direitode propriedade pela lei, alm de consagrar a funo social da propriedade

    com a clebre frase: A propriedade obriga(Eigentum verpflichtet).A propriedade poderia, ainda, ser desapropriada a qualquer momentopela lei, eventualmente at sem indenizao. Ou seja, a propriedadeprivada deixou de ser um direito inviolvel e sagrado com a Constituiode Weimar58. Apesar desta previso da funo social da propriedadeno texto constitucional, Kirchheimer demonstrou que os tribunaisalemes entendiam as relaes de propriedade nos mesmos moldes doliberalismo clssico do sculo XIX, protegendo os proprietrios contra

    as determinaes estatais, vistas como ingerncias indevidas doEstado na autonomia individual59.

    A grande inovao, segundo Ren Brunet, da ConstituioEconmica de Weimar est na idia dos conselhos, consagrados noartigo 165 da Constituio60. Isto se deve aos acontecimentos daRevoluo de Novembro de 1918, quando surgiram, rpida eespontaneamente, em toda a Alemanha os Conselhos de Trabalhadorese Soldados. Esta manifestao da organizao dos trabalhadores

    facilitou, em 15 de novembro de 1918, a obteno de um acordo_____________

    Beitrag zur Entwicklungsgeschichte des Enteignungsinstituts und zur Auslegungdes Artigo 153 der Weimarer Verfassung inFunktionen des Staats und derVerfassung: 10 Analysen, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1972, pp. 251-254e Carlos Miguel HERRERA, Constitution et Social-Dmocratie Weimar:Pour une Priodisation cit., pp. 38-39.

    58Sobre a funo social da propriedade na Constituio de Weimar, vide Hermann

    HELLER, Grundrechte und Grundpflichten cit., p. 313; Otto KIRCHHEIMER,Weimar und was dann? Analyse einer Verfassung cit., pp. 35-36; OttoKIRCHHEIMER, Die Grenzen der Enteignung: Ein Beitrag zurEntwicklungsgeschichte des Enteignungsinstituts und zur Auslegung des Artigo153 der Weimarer Verfassung cit., pp. 259-279; Otto KIRCHHEIMER,Eigentumsgarantie in Reichsverfassung und Rechtsprechung inFunktionendes Staats und der Verfassung cit., pp. 7-9, 11-12 e 15-19; Gerhard ANSCHTZ,

    Die Verfassung des Deutschen Reichs vom 11. August 1919 cit., pp. 740-741e Christoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 343-348.

    59

    Otto KIRCHHEIMER, Die Grenzen der Enteignung: Ein Beitrag zurEntwicklungsgeschichte des Enteignungsinstituts und zur Auslegung des Artigo153 der Weimarer Verfassung cit., pp. 280-295 e Otto KIRCHHEIMER,Eigentumsgarantie in Reichsverfassung und Rechtsprechung cit., pp. 19-27.

    60 Ren BRUNET, La Constitution Allemande du 11 Aot 1919 cit., p. 265.Texto do artigo 165 da Constituio de Weimar:

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    29A CONSTITUIO DE WEIMAR

    entre empresrios e sindicatos, firmado por Carl Legien (chefe dacentral sindical alem, a ADGB Allgemeiner Deutscher

    Gewerkschaftsbund) e Hugo Stinnes (lder dos empresrios), propondoa colaborao atravs da Comunidade de Trabalho(Arbeitsgemeinschaft), com o estabelecimento da paridade narepresentao, a renncia imediata socializao dos meios deproduo e o reconhecimento dos sindicatos pelos empresrios paraa resoluo das questes trabalhistas. Apesar da influncia doexemplo sovitico, ocorrido pouco mais de um ano antes, osconselhos foram dominados pelo SPD e pelo USPD (Unabhngige

    Sozialdemokratische Partei Deutschlands Partido Social Democrata_____________

    Os trabalhadores e empregados so chamados a colaborar, com os mesmosdireitos que os empresrios, na regulao das condies de salrio e de trabalho,assim como no desenvolvimento econmico total das foras produtivas. Soreconhecidas as organizaes de ambas as partes e seus convnios.Os trabalhadores e empregados tero, para a defesa de seus interesses sociaise econmicos, representao legal nos Conselhos Operrios de Empresa, nos

    Conselhos Operrios de Circunscrio e em um Conselho do Trabalho doReich. Os Conselhos Operrios de Circunscrio e o Conselho do Trabalhodo Reich se reuniro para a realizao dos fins econmicos gerais e paracolaborar com o cumprimento das leis de socializao, com as representaesdos empresrios e outros setores nacionais interessados, formando com elasConselhos Econmicos de Circunscrio e um Conselho Econmico do Reich.Os Conselhos Econmicos de Circunscrio e o Conselho Econmico do Reichdevem estruturar-se de maneira que tenham representao, em seu seio, detodos os grupos profissionais importantes, de acordo com seu significado

    econmico e social. Todos os projetos de lei poltico-sociais ou poltico-econmicas de importncia fundamental devem passar pelo crivo do ConselhoEconmico do Reich antes de serem apresentados. O Conselho Econmico doReich tem, inclusive, o direito de apresentar projetos de lei por sua prpriainiciativa. Se o Governo do Reich no estiver de acordo com o projeto, deverapresent-lo mesmo assim ao Reichstag, expondo o seu ponto de vista. OConselho Econmico do Reich poder defender o projeto perante o Reichstagpor um de seus membros. Podem ser delegadas aos Conselhos Operrios eEconmicos funes de controle e administrao dentro daqueles setores que

    sejam de sua competncia. competncia exclusiva do Reich a regulao daestrutura e funes dos Conselhos Operrios e Econmicos, assim como suarelao com outras corporaes sociais autnomas.

    61O USPD foi uma dissidncia esquerda do SPD, fundada em abril de 1917,por se opor aprovao de novos crditos de guerra, obtida naquela ocasiocom os votos de boa parte dos deputados do SPD. Em 1922, o USPD e o

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    ENTRE O ESTADO TOTAL E O ESTADO SOCIAL30

    Independente)61, no pela esquerda radical. Com a majoritria influnciado SPD, a vertente constitucionalista dos conselhos isolou a

    extrema-esquerda e conteve a radicalizao do movimento. Destemodo, os conselhos se auto-definiram como temporrios at a eleioda Assemblia Constituinte62.

    Os acontecimentos de novembro de 1918 no poderiam deixar deinfluenciar na Assemblia Constituinte. Foram propostos dois tipos deconselho: o Conselho de Trabalhadores e o Conselho Econmico. Ajustificativa foi dada por Hugo Sinzheimer, deputado constituinte doSPD e pai do direito do trabalho alemo, ao afirmar que a vida

    econmica tem uma oposio e uma comunho. A oposio se d entreo capital e o trabalho, como os interesses capitalistas esto representadospor vrios rgos, se fazia necessria a criao de uma representaopblica para os interesses dos trabalhadores, que seriam os Conselhosde Fbrica. J o Conselho Econmico representaria a comunho deinteresses, os deveres de produo comuns acordados por todas asclasses sociais63. J na viso de Hugo Preuss, o Conselho Econmicodo Reich e os conselhos dos trabalhadores iriam auxiliar, ao lado da

    representao poltica tradicional, a organizao do trabalho com o_____________

    SPD se fundiram novamente em um s partido. Rudolf Hilferding, entomembro do USPD, chegou a afirmar na poca: Nicht Rtesystem oder

    Demokratie, sondern Rtesystem und Demokratie. Sobre a defesa do sistemados Conselhos por Hilferding, vide Wilfried GOTTSCHALCH,Strukturvernderungen der Gesellschaft und politisches Handeln in der Lehrevon Rudolf Hilferding, Berlin, Duncker & Humblot, 1962, pp. 161-168.

    62

    Ren BRUNET,La Constitution Allemande du 11 Aot 1919 cit., pp. 265-273;Detlev J. K. PEUKERT, Die Weimarer Republik cit., pp. 38-39 e 44-45;Christoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 42-54 e HeinrichAugust WINKLER, Weimar 1918-1933 cit., pp. 37-38, 50-53 e 72-86. Parao debate historiogrfico sobre as alternativas e possibilidades de aprofundarou no a Revoluo de 1918, vide Eberhard KOLB, Die Weimarer Republik,6. ed., Mnchen, R. Oldenbourg Verlag, 2002, pp. 169-178 e AndreasWIRSCHING, Die Weimarer Republik: Politik und Gesellschaft, Mnchen,R. Oldenbourg Verlag, 2000, pp. 52-54.

    63

    Cf. Hugo SINZHEIMER, Relazione allAssemblea Costituente in GianniARRIGO & Gaetano VARDARO (orgs.), Laboratorio Weimar: Conflitti eDiritto del Lavoro nella Germania Prenazista, Roma, Edizioni Lavoro, 1982,pp. 45-46. Vide tambm Gerhard ANSCHTZ,Die Verfassung des Deutschen

    Reichs vom 11. August 1919 cit., p. 747 e Ren BRUNET, La ConstitutionAllemande du 11 Aot 1919 cit., pp. 273-276.

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    objetivo do desenvolvimento social64. O artigo 165 da Constituiotinha, seguindo a opinio de Christoph Gusy, a natureza de um pacto

    social, uma parceria entre capital e trabalho, como contraponto socializao, prevista no artigo 15665.

    A instituio dos Conselhos pela Constituio de Weimarsignificava, para Ernst Fraenkel, a integrao do Parlamento, que operaem uma dimenso puramente poltica, com instituies guiadas porvaloraes econmicas e sociais, ou seja, uma integrao da democraciapoltica com as foras econmicas. Este processo se manifestaria como complemento da democracia individual com a democracia coletiva

    (kollektive Demokratie). Ernst Fraenkel entendia a democraciacoletiva, no como superao da democracia poltica, mas forma departicipao do povo na formao da vontade do Estado, no apenasnas eleies, mas tambm, com suas formas de organizao coletiva,no processo de integrao do Estado real. A democracia coletiva era,assim, uma forma de cooperao entre as classes, sem ignorar a lutade classes. A idia contida no artigo 165 da Constituio de Weimarseria a da integrao das foras econmicas democracia, reunindo

    a democracia individual com a coletiva e democratizando aAdministrao Pblica com a participao popular66. Fraenkel faz

    _____________64 Cf. Hugo PREUSS, Deutschlands republikanische Reichsverfassung cit., pp.

    86-87.65Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassung cit., p. 36. Vide, ainda, sobre

    o artigo 165 da Constituio de Weimar, Gerhard ANSCHTZ,Die Verfassungdes Deutschen Reichs vom 11. August 1919 cit., pp. 742-750 e Heinrich August

    WINKLER, Weimar 1918-1933 cit., pp. 102-103.66Ernst FRAENKEL, Kollektive Demokratie inGesammelte Schriften, Baden-Baden, Nomos Verlaggesellschaft, 1999, vol. 1, pp. 351-357; Ernst FRAENKEL,Abschied von Weimar? inGesammelte Schriften cit., vol. 1, pp. 485-486;Giacomo MARRAMAO, Poltica e Complexidade: o Estado Tardo-Capitalistacomo Categoria e como Problema Terico in Eric HOBSBAWN (org.),

    Histria do Marxismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, vol. 12, pp. 173-182 e Hubertus BUCHSTEIN, Von Max Adler zu Ernst Fraenkel: Demokratieund pluralistische Gesellschaft in der sozialistischen Demokratietheorie der

    Weimarer Republik in Christoph GUSY (org.), Demokratisches Denken inder Weimarer Republik, Baden-Baden, Nomos Verlagsgesellschaft, 2000, pp.582-585. Para uma viso prxima, vide tambm Franz NEUMANN, TheChange in the Function of Law in Modern Society in The Democratic andthe Authoritarian State: Essays in Political and Legal Theory, Glencoe, TheFree Press, 1957, pp. 48-49.

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    questo de diferenciar a democracia coletiva do corporativismo fascista.A democracia coletiva era um novo tipo de formao da vontade

    poltica que conferia s organizaes do povo uma influncia diretasobre a formao da vontade do Estado, sobre a realizao da prpriaessncia do Estado. No se tratava de uma Constituio Socialautnoma, paralela estatal, mas a democracia coletiva era parteintegrante da Constituio do Estado67.

    O Conselho Econmico do Reich (Reichswirtschaftsrat) nunca foiinstitudo. Foi criado, pelo Decreto de 4 de maio de 1920, um ConselhoEconmico Provisrio, com 326 membros, cuja funo era construiras bases do futuro Conselho Econmico do Reich. O ConselhoEconmico, de acordo com a Constituio, teria o poder de examinaros projetos de lei importantes em matria econmica e social, devendoo Governo submet-los para sua anlise antes de encaminh-los parao Parlamento. Apesar disto, o Conselho Econmico no era um rgorepresentativo, portanto, no poderia se contrapor ao Parlamento. Suacompetncia era limitada, meramente consultiva, sem direito de deciso.Na opinio de Leibholz, o Conselho Econmico do Reich, com estembito de atuao jurdica e poltica limitado, no poderia substituiro Parlamento no seu significado poltico-constitucional68.

    A exceo a esta interpretao, em desacordo com toda a doutrinapublicista da poca, era de Friedrich Glum, que entendia que oConselho Econmico falava em nome da economia alem, sendouma representao da economia no Estado, buscando a integraoestatal por meio da economia69. A justificativa do Conselho Econmico

    _____________67 Ernst FRAENKEL, Kollektive Demokratie cit., pp. 354-355.68Hugo SINZHEIMER, Relazione allAssemblea Costituente cit., pp. 46-47;

    Gerhard ANSCHTZ,Die Verfassung des Deutschen Reichs vom 11. August1919 cit., p. 749; Ren BRUNET,La Constitution Allemande du 11 Aot 1919cit., pp. 291-298; Gerhard LEIBHOLZ,Das Wesen der Reprsentation und derGestaltwandel der Demokratie im 20. Jahrhundert, 3. ed., Berlin, Walter deGruyter & Co., 1966, pp. 191-195; Franz NEUMANN, Libert di Coalizione

    e Costituzione: La Posizione dei Sindacati nel Sistema Costituzionale cit., pp.198-199 e Christoph GUSY,Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 366-369.Vide tambm Carl SCHMITT, Verfassungslehre cit., pp. 298-299.

    69 Friedrich GLUM, Der Reichswirtschaftsrat in Gerhard ANSCHTZ &Richard THOMA (orgs.), Handbuch des Deutschen Staatsrechts cit., vol. 1,pp. 578 e 582-583.

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    33A CONSTITUIO DE WEIMAR

    seria, segundo Glum, o seu carter representativo, possuindo o Conselhoa funo integradora que o Parlamento, ao se dispersar entre interesses

    individualistas, teria perdido70

    .A discusso sobre o Conselho Econmico do Reich, de acordo

    com Christoph Gusy, foi desproporcional ao seu significado poltico.Concepes extremamente distintas estavam em choque neste debate:a democracia econmica dos socialistas, o conceito liberal de auto-organizao econmica (wirtschaftlicher Selbsverwaltung) e a idiaconservadora do corporativismo (Korporatismus). O nico ponto emcomum era a tentativa de tornar o Conselho uma alternativa ao sistema

    democrtico-representativo. Tentativa que no saiu do papel71.Os Conselhos de Empresa, na viso de Hugo Sinzheimer,

    representavam um direito de co-deciso dos trabalhadores, com aexpresso de sua vontade coletiva sobre as condies de trabalho, desalrio e sobre sua atuao dentro da empresa. Deste modo, osConselhos constituam um direito fundamental da classe trabalhadora,ampliando a sua esfera de poder ao acrescentar poder social existncia fsica e econmica dos trabalhadores72. Para HermannHeller, os Conselhos representavam o pensamento mais original daConstituio. Na sua opinio, os Conselhos serviriam para a participaodos trabalhadores, em igualdade com os empresrios, na direo daeconomia. Os Conselhos seriam uma forma de se alcanar a democraciaeconmica e o socialismo73.

    A regulamentao dos Conselhos de Empresa, previstos no artigo165 da Constituio, deu-se com a Lei de 4 de fevereiro de 1920. Esta

    _____________70Friedrich GLUM, Der Reichswirtschaftsratcit., pp. 584-585. No sentido de

    contrapor o Conselho Econmico ao Parlamento, vide tambm Ottmar BHLER,La Constitucin Alemana de 11 Agosto 1919 cit., pp. 168-169.

    71 Christoph GUSY, Die Weimarer Reichsverfassung cit., pp. 368-369.72Hugo SINZHEIMER, Die Demokratisierung des Arbeitsverhltnisses inFritz

    NAPHTALI (org.), Wirtschaftsdemokratie: Ihr Wesen, Weg und Ziel, 4. ed.,Kln/Frankfurt-am-Main, Europische Verlagsanstalt, 1977, pp. 156-158. Vide

    tambm Otto KIRCHHEIMER, Weimar und was dann? Analyse einerVerfassung cit., pp. 38-39 e Franz NEUMANN, Libert di Coalizione eCostituzione: La Posizione dei Sindacati nel Sistema Costituzionale cit., pp.196-197.

    73 Hermann HELLER, Grundrechte und Grundpflichten cit., pp. 314-316 eHermann HELLER, Die politischen Ideenkreise der Gegenwart cit., p. 403.

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    lei, segundo Fraenkel, foi a lei mais discutida na histria do movimentooperrio alemo, estando muito presente na conscincia dos

    trabalhadores. Em todas as empresas com mais de 20 trabalhadoresdeveria haver um rgo representativo dos trabalhadores e dosempregadores, o Conselho de Empresa (ou Conselho de Fbrica). Almdo Conselho, haveria uma Assemblia da Empresa quando o patroou um quarto dos trabalhadores a convocassem. As atribuies doConselho eram condicionadas s finalidades da empresa e pazdentro da empresa e, em sua maioria, eram deliberativas, devendoobservar a execuo da legislao, dos contratos coletivos e das

    sentenas em favor dos trabalhadores, auxiliar no combate aos acidentesde trabalho e colaborar na gesto de fundos de penso, alm de teracesso documentao da empresa, balano, prestao de contas, etc.O empregador no podia criar novas condies de trabalho sem aanuncia do Conselho. Alm disto, competia ao Conselho colaborarpara fixar salrios e condies que no estivessem previstas em acordocoletivo, sempre com auxlio do sindicato, alm de fixar, em conjuntocom os empregadores, regras de admisso de novos empregados.

    Embora o Conselho pudesse se opor s demisses, no podia participarda luta sindical, pois, em tese, era um rgo de todos os integrantesda empresa (embora os sindicatos, de fato, controlassem os Conselhos).Apesar de todas estas atribuies, os Conselhos de Fbrica foram alvode insatisfao tanto do empresariado (que concordava com o debate,mas no com a participao dos trabalhadores na gesto da empresa)quanto da esquerda mais radical. Seu impacto, apesar de tudo, acabousendo mais simblico que efetivo74.

    A edificao de uma nova Constituio Econmica a partir doartigo 165 no se completou, segundo Fraenkel. A nica tentativa foia legislao de 1920, que falhou na sua tentativa de garantir aostrabalhadores uma participao ativa no governo da economia. Na sua

    _____________74Gerhard ANSCHTZ, Die Verfassung des Deutschen Reichs vom 11. August

    1919 cit., pp. 748-749; Ottmar BHLER, La Constitucin Alemana de 11

    Agosto 1919 cit., pp. 149-150; Ren BRUNET,La Constitution Allemande du11 Aot 1919 cit., pp. 277-291; Ernst FRAENKEL, Zehn JahreBetriebsrtegesetz inGesammelte Schriften cit., vol. 1, p. 384; Detlev J. K.PEUKERT,Die Weimarer Republik cit., pp. 114-115; Christoph GUSY, DieWeimarer Reichsverfassung,cit., pp. 364-366 e Heinrich August WINKLER,Weimar 1918-1933 cit., pp. 111-112.

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    opinio, o fracasso da concretizao da Constituio Econmica deWeimar deu-se com a convico errnea de que os objetivos das

    empresas seriam no apenas os interesses privados dos capitalistas,mas, tambm, coletivos. Os Conselhos de Fbrica, deste modo, forammoldados para uma economia que no existia, com a no substituioda economia privada capitalista por uma economia coletiva, controladapelos trabalhadores75.

    Apesar dos desvios, a implantao dos Conselhos no esvaziouou neutralizou os sindicatos, como queriam muitos empregadores.Alm disto, Fraenkel afirmava que os Conselhos poderiam servir para

    despertar a conscincia do proletariado e a luta pela expanso dosistema de conselhos poderia ter um papel anlogo ao da campanhapela universalizao do sufrgio, tendo como objetivo ampliar acidadania poltica dos trabalhadores para a cidadania econmica76. Estefoi o tema central dos debates da social-democracia alem na dcadade 1920: a democracia econmica.

    _____________75 Ernst FRAENKEL, Kollektive Demokratie cit., pp. 349-351; Ernst

    FRAENKEL, Zehn Jahre Betriebsrtegesetz cit., pp. 385-387 e ErnstFRAENKEL, Abschied von Weimar? inGesammelte Schriften cit., p. 487.

    76Ernst FRAENKEL, Zehn Jahre Betriebsrtegesetz cit., pp. 390-393 e 396.

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    Captulo 2

    CAPITALISMO ORGANIZADO

    E DEMOCRACIA ECONMICA

    2.1 O ESTADO COMO ALAVANCA DO SOCIALISMO

    Aps a Primeira Guerra Mundial, de acordo com Giacomo Marramao,h uma viragem poltica e terica no marxismo, especialmente nossetores ligados social-democracia alem e austraca, que se preocupacom a construo de uma teoria positiva do Estado77. O ingresso dasmassas operrias no sistema poltico era um elemento qualitativamentenovo que potencializou, ao invs de uma ruptura revolucionria, ascapacidades de adaptao e modernizao do sistema poltico-

    institucional. Com a constatao destes tericos, particularmente Karl_____________77Foi justamente a falta de preocupao com o Estado e com a poltica que explica

    a crtica que Kelsen fez parte da teoria marxista da dcada de 1920,notadamente s teses de Max Adler, comparando-a s posies tericas deFerdinand Lassalle, que via no Estado um instrumento de integrao da classeoperria e que poderia possibilitar, pelo voto, a criao da repblica democrticae socialista. A proposta de Kelsen aos marxistas era a de volta a Lassalle

    (zurck zu Lassalle). Cf. Hans KELSEN, Sozialismus und Staat: EineUntersuchung der politischen Theorie des Marxismus, 3. ed., Wien, Verlagvon Wiener Volksbuchhandlung, 1965, pp. 24-33 e 170-174. Sobre as crticasde Kelsen ao marxismo, vide Giacomo MARRAMAO, O Poltico e asTransformaes: Crtica do Capitalismo e Ideologias da Crise entre os Anos

    Vinte e Trinta, Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1990, pp. 183-186.

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    Renner e Rudolf Hilferding, de que as transformaes da dinmicacapitalista tambm se refletiam por meio das formas poltico-

    institucionais, teria cado a distino clssica entre base e superestrutura.A transio para o socialismo passa a ser considerada como um projetopoltico consciente, que seria realizada por meio do Estado Democrtico,objeto da luta entre a classe capitalista e a classe operria. A tarefa domovimento operrio deveria ser a obteno do controle democrtico daeconomia atravs do Estado. A transio para o socialismo coincidiriacom a progressiva libertao do Estado das condicionantes scio-econmicas do capitalismo privado monopolista. O Estado, assim,

    passaria a ser a alavanca do socialismo, um instrumento potencial datransformao socialista e o fiador do processo de transio, sendo ademocracia a forma poltica prpria desta fase de transio para osocialismo78.

    De acordo com a teoria do capitalismo organizado, o sistemacapitalista poderia ser reformado, pois sua tendncia seria a estabilizaoe a racionalizao79 na medida em que o Estado promovesse as suasintervenes. A estatizao da economia seria o passo decisivo no

    rumo do socialismo. Desta forma, segundo Hilferding, as relaes entreo Estado e o proletariado teriam se modificado profundamente: deinstrumento de dominao de classe, o Estado passou a ser o centro_____________78Giacomo MARRAMAO, O Poltico e as Transformaes cit., pp. 25-26 e 162-

    166. Vide tambm Hermann HELLER, Staat, Nation und Sozialdemokratiein Gesammelte Schriften cit., vol. 1, pp. 530-531; Hermann HELLER, Diepolitischen Ideenkreise der Gegenwart cit., pp. 389-391; Giacomo

    MARRAMAO, Entre Bolchevismo e Social-Democracia: Otto Bauer e aCultura Poltica do Austromarxismo in Eric HOBSBAWN (org.), Histriado Marxismo cit., vol. 5, pp. 318-322; Elmar ALTVATER, O Capitalismose Organiza: O Debate Marxista desde a Guerra Mundial at a Crise de 1929in Eric HOBSBAWN (org.), Histria do Marxismo cit., vol. 8, pp. 24-30;Manuel GARCA-PELAYO,Las Transformaciones del Estado Contemporneo,2. ed., Madrid, Alianza Editorial, 1995, pp. 83-91 e Jos Reinaldo de LimaLOPES,Direito e Transformao Social: Ensaio Interdisciplinar das Mudanasno Direito, Belo Horizonte, Nova Alvorada, 1997, pp. 119-121. Para a evoluo

    do pensamento marxista entre 1900 e 1930, vide, por todos, Perry ANDERSON,Consideraes sobre o Marxismo Ocidental, reimpr. da 2. ed., So Paulo,Brasiliense, 1999, pp. 18-39.

    79 Para uma comparao entre as concepes de racionalizao de Weber,Schumpeter e Hilferding, vide Giacomo MARRAMAO, O Poltico e asTransformaes cit., pp. 26-37.

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    39CAPITALISMO ORGANIZADO E DEMOCRACIA ECONMICA

    da poltica do movimento socialista, algo que Marx no teria comoprever, pois tinha em mente o Estado Liberal80. Com a democracia,

    surgiu a necessidade de uma nova compreenso do Estado pelossocialistas. O Estado, para Hilferding, no era um instrumento dedominao, mas a representao da totalidade social, numa visosemelhante, como veremos, de Hermann Heller. O socialismo, assim,seria atingido com o auxlio do Estado Democrtico81.

    O austraco Karl Renner, por exemplo, tambm tinha, comoHilferding, uma viso positiva do Estado Democrtico, entendendo quequem ocupasse o Estado poderia alterar as relaes jurdicas e polticas

    que sustentavam o poder econmico da classe capitalista. Rennerentendia que o proletariado tinha duas misses: concluir a democraciapoltica e iniciar o socialismo, para tanto, o caminho do socialismopassava pela tomada do poder do Estado82. Na sua viso, o Estadodeveria garantir, ao mesmo tempo, a expanso econmica e a distribuiode poder e riqueza pela democracia e pelo socialismo. Renneridentificava o mesmo significado para a transio rumo ao socialismono avano do controle do Estado sobre a economia e na ascenso da

    classe trabalhadora ao sistema poltico democrtico83._____________80Rudolf HILFERDING, Probleme der Zeit inCora STEPHAN (org.),Zwischen

    den Sthlen oder ber die Unvereinbarkeit von Theorie und Praxis: Schriften

    Rudolf Hilferdings 1904 bis 1940, Berlin/Bonn, Verlag Dietz, 1982, pp. 175-178.Vide, ainda, Gnter KNKE, Organisierter Kapitalismus, Sozialdemokratieund Staat: Eine Studie zur Ideologie der sozialdemokratischen Arbeiterbewegung

    in der Weimarer Republik (1924-1932), Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1987,

    pp. 48-49 e Elmar ALTVATER, O Capitalismo se Organiza: O Debate Marxistadesde a Guerra Mundial at a Crise de 1929cit., pp. 55-58.81 Wilfried GOTTSCHALCH, Strukturvernderungen der Gesellschaft und

    politisches Handeln in der Lehre von Rudolf Hilferding cit., pp. 204-207. Paraa proximidade das teses sobre o Estado de Hilferding e de Heller, vide PeterGOLLER, Hermann Heller: Historismus und Geschichtswissenschaft imStaatsrecht (1919-1933), Frankfurt-am-Main/New York, Peter Lang, 2002, p.118 e Carlos Miguel HERRERA, Hermann Heller, ConstitutionnalisteSocialiste cit., p. 77.

    82

    Karl RENNER, Wege der Verwirklichung: Beitrachtungen ber politischeDemokratie, Wirtschaftsdemokratie und Sozialismus, insbesondere ber dieAufgaben der Genossenschaften und der Gewerkschaften, Berlin, Verlag vonJ. H. W. Dietz, 1929, pp. 12-13, 17 e 26-34.

    83Karl RENNER, Wege der Verwirklichung cit., pp. 128-129 e 132-136; GiacomoMARRAMAO, O Poltico e as Transformaes cit., pp. 186-191

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    A Revoluo Inacabada de 1918, de certo modo, encerrou operodo do socialismo revolucionrio na Alemanha. Alm disto, o

    sucesso da estabilizao econmica entre 1923 e 1924, estimulou umprojeto amplo de racionalizao da economia alem. O progressotcnico comeou a ser visto como caminho das melhorias sociaisfuturas, estimulando a atuao cooperativa dos sindicatos. Esta visode reestruturao progressiva e racional da sociedade por meio doEstado se expressou de maneira muito forte nas concepes docapitalismo organizado, defendidas por Rudolf Hilferding durante todaa dcada de 1920. O que Hilferding buscava, como iremos analisar

    detidamente, era a transio pacfica para o socialismo por meio dademocracia84.

    2.2 RUDOLF HILFERDING E O CAPITALISMOORGANIZADO

    Em 1910, com seu livro O Capital Financeiro(Das Finanzkapital),Hilferding85 j havia constatado que o fenmeno da substituio dalivre concorrncia pela concentrao de capital havia modificado asrelaes da classe capitalista com o poder do Estado. A burguesia, antescontrria ao Estado, percebeu a importncia do mesmo para a suaprpria manuteno. Para tanto, o Estado precisaria ser politicamentepoderoso, tanto para garantir o mercado nacional, como para poderse expandir em busca de novos mercados (imperialismo). Os

    _____________e Jos Reinaldo de Lima LOPES, Direito e Transformao Social cit., pp.127-130 e 133-134. Vide tambm Hans KELSEN, Sozialismus und Staat cit.,pp. 104-105.

    84 Wilfried GOTTSCHALCH, Strukturvernderungen der Gesellschaft undpolitisches Handeln in der Lehre von Rudolf Hilferding cit., pp. 189-190 eDetlev J. K. PEUKERT, Die Weimarer Republik cit., pp. 116-117. Para ascaractersticas do capitalismo organizado, vide Jrgen KOCKA, OrganisierterKapitalismus oder Staatsmonopolistischer Kapitalismus? Begriffliche

    Vorbemerkungen in Heinrich August WINKLER (org.), OrganisierterKapitalismus: Voraussetzungen und Anfnge, Gttingen, Vandenhoeck &Ruprecht, 1974, pp. 19-23.

    85 Para uma anlise das fases do pensamento de Hilferding, vide WilfriedGOTTSCHALCH, Strukturvernderungen der Gesellschaft und politischesHandeln in der Lehre von Rudolf Hilferding cit., pp. 190-196 e 262-267.

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    41CAPITALISMO ORGANIZADO E DEMOCRACIA ECONMICA

    conglomerados representavam o interesse do capital pelo fortalecimentodo poder estatal, modificando radicalmente a poltica econmica. Para

    Hilferding, a cartelizao unificou o poder econmico e elevou suaeficcia poltica, ao fazer com que se apresentasse de forma mais coesaperante o Estado86. Com o Estado controlado pela oligarquia capitalista,a tarefa do proletariado, segundo Hilferding, passava a ser a luta peladesapropriao desta oligarquia, tomando o Estado. O aumento dopapel do Estado na economia assinalou que o proletariado precisariaconquistar o poder estatal para acabar com sua explorao, desta forma,a conquista do poder poltico se tornou a condio prvia da emancipao

    econmica87.A primeira vez que Hilferding utilizou a expresso capitalismo

    organizado (organisierter Kapitalismus) foi em um texto de 1915,denominado Arbeitsgemeinschaft der Klassen?, publicado em DerKampf, rgo terico dos socialistas austracos. Neste texto, Hilferdingafirmava que a anarquia produtiva da livre concorrncia estava sendosubstituda pela organizao capitalista. O Estado, conseqentemente,

    se fortaleceu com estas mudanas, mas a sociedade se viu com umaeconomia organizada hierarquicamente, no democraticamente. Aopo do futuro, para Hilferding, se daria entre o capitalismo organizadoe o socialismo democrtico88. Como a mudana do capitalismo parao socialismo, na sua viso, era qualitativa, a transio para a sociedadesocialista era uma tarefa poltica, no necessariamente revolucionria.Com a reduo das possibilidades de uma transformao revolucionria,os trabalhadores deveriam lutar unidos pelos direitos democrticos,

    _____________86Rudolf HILFERDING, O Capital Financeiro, 2. ed., So Paulo, Nova Cultural,

    1985, pp. 283, 312-314 e 317-318.87Rudolf HILFERDING, O Capital Financeiro cit., pp. 343-346. Para uma anlise

    das teorias de Hilferding expostas em seu livro O Capital Financeiro, videWilfried GOTTSCHALCH, Strukturvernderungen der Gesellschaft undpolitisches Handeln in der Lehre von Rudolf Hilferding cit., pp. 94-114 e 125-135 e Gnter KNKE, Organisierter Kapitalismus, Sozialdemokratie und

    Staat cit., pp. 51-56.88Rudolf HILFERDING, Arbeitsgemeinschaft der Klassen? inCora STEPHAN(org.), Zwischen den Sthlen cit., pp. 66-67. Esta argumentao foi reforadaem um outro texto de Hilferding, em 1920. Vide Rudolf HILFERDING, Diepolitischen und konomischen Machtverhltnisse und die Sozialisierung inCora STEPHAN (org.), Zwischen den Sthlen cit., pp. 116-118.

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    com a perspectiva da mudana qualitativa e evolutiva rumo aosocialismo89.

    O tema do capitalismo organizado foi retomado em 1924, j naAlemanha, para onde Hilferding havia se mudado em 1918, com o artigoProbleme der Zeit, em que se vislumbravam novas perspectivas paraa classe trabalhadora com a evoluo do capitalismo organizado. Coma centralizao e concentrao do capital90, a classe trabalhadora deverialutar pela substituio da economia hierarquicamente organizada pelaeconomia democraticamente organizada, especialmente por meio dossindicatos e Conselhos de Fbrica91. A partir deste texto, Hilferding

    comeou a destacar os pontos polticos da teoria do capitalismoorganizado, na tentativa de mostrar a viabilidade do controle dosmonoplios privados pelo proletariado e o potencial planificador docapitalismo organizado, que facilitaria a transio para o socialismo92.

    Hilferding afirmava que os tericos do capitalismo sempredefenderam que apenas a livre concorrncia poderia estimular aeconomia e possiblitar inovaes tecnolgicas, criticando os socialistaspor se posicionarem contra a concorrncia. Com a livre concorrnciasendo substituda por grandes conglomerados, dotados de mtodos deplanejamento, o capitalismo teria abdicado, assim, da sua principalobjeo ao socialismo. Deste modo, o capitalismo organizado consistiriana substituio do princpio capitalista da livre concorrncia peloprincpio socialista da produo planificada93.

    _____________89Rudolf HILFERDING, Arbeitsgemeinschaft der Klassen? cit., p. 70 e Rudolf

    HILFERDING, Die politischen und konomischen Machtverhltnisse und dieSozialisierungcit., pp. 128-132. Vide tambm Heinrich August WINKLER,Einleitende Bemerkungen zu Hilferdings Theorie des OrganisiertenKapitalismus inHeinrich August WINKLER (org.), Organisierter Kapitalismuscit., pp. 9-10 e Gnter KNKE, Organisierter Kapitalismus, Sozialdemokratieund Staat cit., pp. 56-57.

    90 Rudolf HILFERDING, Probleme der Zeit cit., pp. 168-169.91 Rudolf HILFERDING, Probleme der Zeit cit., pp. 169 e 171-174.92Gnter KNKE, Organisierter Kapitalismus, Sozialdemokratie und Staat cit.,

    pp. 57-62.93 Organisierter Kapitalismus bedeutet also in Wirklichkeit den prinzipiellenErsatz des kapitalistischen Prinzips der freien Konkurrenz durch das

    sozialistische Prinzip planmiger Produktion inRudolf HILFERDING,DieAufgaben der Sozialdemokratie in der Republik, Berlin, ProtokollSozialdemokratisches Parteitag Kiel 1927, 1927, p. 5.

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    O capitalismo organizado substitui o capitalismo da livreconcorrncia. Esta economia organizada est sujeita influncia da

    sociedade, ou de modo mais preciso, interveno da nica organizaosocial consciente e dotada de poderes de coero: o Estado94. As premissasdo socialismo, segundo Hilferding, j se encontrariam nos elementos deorganizao existentes naquela fase de desenvolvimento do capitalismo.Mas, para a transio at a economia totalmente planificada, era necessrioum projeto poltico consciente, pois esta transio no era certa ouautomtica. Neste projeto, o Estado era a instncia decisiva para oexerccio e o cumprimento do programa socialista, pois a classe operria,

    caso controlasse o Estado, controlaria o sistema produtivo e transformaria,com o auxlio estatal, a economia organizada e dirigida pelos capitalistasem uma economia dirigida pelo Estado Democrtico95.

    Na viso de Hilferding, a sociedade no disporia de outro instrumentoque pudesse atuar conscientemente que no o Estado, o que fez comque o movimento socialista sempre defendesse a interveno do Estadoe a sua ampliao para a poltica social, poltica econmica eadministrao da economia. O Estado no era apenas uma estrutura

    poltica, mas compunha-se do governo, da mquina administrativa edos cidados. Mas, para Hilferding, o elemento essencial do Estadomoderno eram os partidos polticos, pois os cidados s poderiamtornar efetivos seus desejos por meio dos partidos, alm do fato de aluta dos partidos polticos, em sua opinio, expressar a luta de classes.E, em relao ao Estado do capitalismo organizado, esta luta partidriatinha um contedo bem preciso: ganhar influncia sobre a administraoda economia. Deste modo, Hilferding achava que a tendncia da

    sociedade capitalista seria sucumbir perante a influncia da classe_____________94Rudolf HILFERDING, Die politischen und konomischen Machtverhltnisse

    und die Sozialisierungcit., p. 116; Rudolf HILFERDING, Gesellschaftsmachtoder Privatmacht ber die Wirtschaft in Cora STEPHAN (org.), Zwischenden Sthlen cit., pp. 240-244 e Rudolf HILFERDING, Die Aufgaben derSozialdemokratie in der Republik cit., pp. 3-6. Vide, ainda, Heinrich AugustWINKLER, Einleitende Bemerkungen zu Hilferdings Theorie des Organisierten

    Kapitalismus cit., pp. 10-11 e Elmar ALTVATER, O Capitalismo seOrganiza: O Debate Marxista desde a Guerra Mundial at a Crise de 1929cit., pp. 30-33, 48-50 e 66-67.

    95Rudolf HILFERDING,Die Aufgaben der Sozialdemokratie in der Republik cit.,pp. 5-6 e Giacomo MARRAMAO, O Poltico e as Transformaes cit., pp.111-112 e 161-162.

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    operria e, para isso, o proletariado deveria utilizar o Estado como meiopara a administrao e o controle da economia no interesse de todos96.

    J o papel poltico dos sindicatos, no capitalismo organizado, erao de lutar pela democracia de fbrica (Betriebsdemokratie) e pelademocracia econmica, tambm para submeter os interesses econmicosprivados aos interesses sociais97. Finalmente, para Hilferding, a tarefada social-democracia na Repblica era a prevista no Manifesto doPartido Comunista: organizar a classe trabalhadora em um partidopoltico. E isto, na sua opinio, era mais crucial ainda, pois ainterdependncia entre Estado e economia mostrava bem o significado

    da poltica para os trabalhadores, ou seja, o proletariado deveria tomaro poder do Estado para a realizao do socialismo98.

    A tomada do poder do Estado, de acordo com a tese de Hilferding,se daria pela democracia, arrancada da burguesia pela luta do proletariado.Por isso no haveria qualquer sentido na distino entre democraciaburguesa e democracia social. A democracia no poderia ser nuncaburguesa, pois ela s existiria onde fosse apoiada por fortes organizaesproletrias dotadas de conscincia poltica. A democracia, com seusignificado intrnseco para cada trabalhador, no entanto, teria queenfrentar o problema da igualdade poltica e da desigualdade social.A igualdade de possiblidades era considerada o problema-chave dademocracia, o que levaria reflexo sobre a democracia econmica99.

    2.3 A DEMOCRACIA ECONMICA

    A democracia econmica (Wirtschaftsdemokratie) era aconseqncia necessria do capitalismo organizado, como parte do

    _____________96Rudolf HILFERDING,Die Aufgaben der Sozialdemokratie in der Republik cit.,

    pp. 7-8 e 14.97Rudolf HILFERDING,Die Au