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GILBERTO FREYRE, PROTAGONISTA E CRÍTICO DO MODERNISMO, REINVENTA O BRASIL Eduardo Diatahy B. de Menezes Prossor Titur Sociologia UFC e UECE Pes- quisador 1-A CNPq. Membro do Instituto Histórico Ceará e Academia Cearense de Letr. I Preliminares «Sobre o como e o porque minha condiç esctor. Po o que pncalmente sou é estor. O sociógo, o antropógo, o histo o cienta social são mim ancires esctor. Se bom ou mau esctor é outro sunto. » Gilberto F (1965: 6) A produção simbólica ou discursiva, tais como a poét ica, a dramaturgia, a crônica, a prosa de ficção, etc., no Brasil, parece marcada por um desiderato permanente que reside no esforço incessante de nos decifrar como país, povo e nação. Noutros termos, tudo isso que cons- titui nossa tradição artuna, a saber, nossa ensaística cultural, nossa crítica literária e nossa própria literatura, estão sempre voltadas para a missão de dizer o que somos, e que, sob muitos aspectos, é amplamente 45

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GILBERTO FREYRE, PROTAGONISTA E CRÍTICO DO MODERNISMO,

REINVENTA O BRASIL

Eduardo Diatahy B. de Menezes Professor Titular de Sociologia da UFC e UE CE. Pes­

quisador 1-A do CNPq. Membro do Instituto Histórico do Ceará e da Academia Cearense de Letras.

I

Preliminares

«Sobre o como e o porque de minha condiçiúJ de escritor. Pois o que principalmente sou é escritor. O sociólogo, o antropólogo, o historiador, o cientista social são em mim ancilares do escritor. Se bom ou mau escritor é outro assunto.»

Gilberto FREYRE (1965: 6)

A produção simbólica ou discursiva, tais como a poética, a dramaturgia, a crônica, a prosa de ficção, etc., no Brasil, parece marcada por um desiderato permanente que reside no esforço incessante de nos decifrar como país, povo e nação. Noutros termos, tudo isso que cons­titui nossa tradição afortunada, a saber, nossa ensaística cultural, nossa crítica literária e nossa própria literatura, estão sempre voltadas para a missão de dizer o que somos, e que, sob muitos aspectos, é amplamente

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superior em alcance interpretativo e criativo de nossa realidade do que toda a nossa produção em economia, sociologia, ciência política, etc. Há muito mais captação de nossa gênese e de nosso caráter nacional num Gregório de Matos Guerra, nos Inconfidentes, num Antônio José (o Judeu- trucidado pela Inquisição), num Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Mário de Andrade, J. Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, etc. do que em nossas ciências so­ciais, exceção feita para a ensaística e a história social sobretudo a de inspiração antropológica e do modernismo para cá. Seria mister acres­centar, igualmente, que toda a riquíssima produção de nossa cultura

popular traz sua inegável contribuição para essa desmesurada tarefa de construir um quadro consistente como resposta a nossa aporia ôntica, como sociedade e como cultura, em sua singularidade. Em suma, é da fusão de suas mitologias e narrativas múltiplas que nasce a invenção de um país, produto de ciência e arte, trabalho e devaneio, análise e utopia, aventura e rotina. Creio fazer justiça a este grande espírito da cultura brasileira, que foi Gilberto Freyre, ao afirmar que ele se insere nessa perspectiva, aqui apenas esboçada, como protagonista e como crítico atuante de nosso modernismo.

Mas exploremos um pouco os desdobramentos ou implicações dessa premissa exposta de forma sumária, posto que não pretenda eu mais que indicar apenas alguns aspectos que me parecem mais relevan­tes da imensa contribuição de Gilberto Freyre.

E como, além de sua ação cultural e de líder de uma geração de estudiosos e escritores, deixou ele produção cuja riqueza e variedade estende-se por uma parte nuclear constituída já por sua inovadora con­tribuição a uma história da sociedade patriarcal no Brasil (cuja arquitetônica se compõe de ensaios que se tornaram clássicos do pensa­mento brasileiro e que sublinham nossa dialética polar em Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos, e Ordem e Progresso, aos quais se segui­ria um quarto estudo constituído por jazigos e Covas Rasas, dedicado ao culto dos mortos entre nós, mas que ficou inacabado) e por um conjun­to de satélites à volta do ponto central, conjunto constituído de nume­rosa e variada produção de ensaios historiográficos, biográficos,

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socioantropológicos, filosóficos, de crítica literária e cultural, e de cria­ção ficcional, poética e artística (caricaturas, desenhos e pinturas) , etc. Assim, o exame dessa obra múltipla e marcante exigiria o trabalho não de um especialista mas a dedicação prolongada e cuidadosa de uma equipe numerosa e competente.

Além disso, conforme sublinham Joaquim Falcão e Rosa Maria Barboza de Araújo - que, dentre os inúmeros eventos de 2000, ano do centenário de nascimento de Gilberto Freyre, organizaram o substanci­al seminário Gilberto Freyre, patrimônio brasileiro, de 1 4 a 1 7 de agosto, com suas atividades realizadas na Academia Brasileira de Letras, na UniverCidade (Rio) , na Folha de São Paulo e na Universidade de São Paulo, e de que resultou publicação em livro1 - para entender este cria­dor multiforme, instigador e fecundo, não bata ter lido todos os seus livros, artigos, entrevistas e depoimentos, nem mesmo ter tido o privi­légio do convívio pessoal com ele em seu refúgio de Apipucos; seria preciso conhecer razoavelmente o Brasil de seu tempo e a constelação de intelectuais e artistas com quem conviveu, e com os quais disputou a primazia de «imperador das Idéias» ao formular sua interpretação abrangente de nossa formação sociocultural; ele que, desde 1 930 e mes­mo antes, em meio a tantos grandes estudiosos, melhor talvez tenha respondido à nossa indagação crucial: <<Quem somos nós, os brasilei­ros?»; é preciso portanto conhecer e escutar o próprio G. Freyre, seus interlocutores e seus opositores. E acrescentam:

«Gilberto Freyre abriu caminhos. Deu-nos a chance de ler melhor o Brasil. A partir de 1933, com a publicação de Casa-Grande & Senzala, o Brasil passou a olhar para si mesmo com outros olhos, percebendo a diversidade de ritmos, de atores e ambientes. Pôde reconhecer-se como mestiço e sincrético. Explicitou-se a denúncia do racismo como teoria anticientíflca.

1 Cf.: FALCÃO, Joaquim e ARAÚJO, Rosa M• Barboza (orgs.): O Imperador das Idéias - Gilberto Freyre em questão. Rio de Janeiro: Colégio do Brasil I UniverCidade I Fundação Roberto Marinho I Topbooks, 2001.

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A inovação de Freyre começa no método, explode na aná­lise e concretiza-se nas conclusões, por vezes precipitadas, se­jam por ele, sejam por seus intérpretes. O peso da cultura, da natureza, do meio e da estrutura social em sua obra é resulta­do de um sistemático trabalho de pesquisa. Os documentos são localizados, indiferentemente, nos vários momentos da História, apresentando novas fontes e novos atares. A origina­lidade do Brasil é vista como resultado das misturas genéticas e culturais. Adotando a especial visão do tempo tríbio, onde passado, presente e futuro interagem, Freyre articula as raízes das tradições à modernidade.» [200 1 : 1 1 - 1 2] .

Embora sem deixar de utilizar velhos conceitos caros à nossa tra­dição letrada, que tão bem conhecia, tais como homem brasileiro, caráter nacional, cultura brasileira, nação, etc., porém renovando radical e pro­fundamente a semântica cientificista de outros conceitos como raça e cultura, para os quais inverte a sua dialética; empregando para tanto um aproche ao mesmo tempo de antropologia cultural, de psicologia funci­onal e social, de estética, de literatura e de filosofia, para elaborar a busca dos antecedentes europeus, orientais, indígenas, africanos, etc., de nossa formação étnica, ele acentua a originalidade e a relativa harmo­nia dessa nova experiência de civilização nos trópicos, mesmo que não desconhecesse os subjacentes antagonismos de classe e de raça, bem como as relações de dominação que não podem ser dissimuladas. Para ilustrar o novo painel que resulta de suas investigações e reflexões, não teme multiplicar os assuntos, ultrapassar os temas canônicos de nossas tradições intelectuais, e mesmo fragmentar as análises na temerária ten­tativa de descobrir o permanente e o mais fundo na aparência do pito­resco e do episódico. É um continuador evidente de Capistrano de Abreu ao enfatizar o valor do meio e sobretudo da vida social e do povo como personagens centrais de nossa historiografia renovada e moderna, mul­tiplicando para isso a utilização de fontes variadas, inclusive as popula­res e os documentos privados, tais como cartas, diários, etc .. Ainda nes­sa perspectiva, produz clara deseroicização de nossa historiografia, to-

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mando como unidade básica a família e pondo o fulcro de seu interesse analítico na história íntima e doméstica. Constrói assim, pioneiramen­te, as bases de uma história do desejo e da sexualidade, tão hipocrita­mente dissimulados ou negados. Foi, portanto, o primeiro a ter a ousa­dia de juntar os fragmentos dessa história, sobretudo nos seus vícios, nos seus erros, misérias e perversões, mas também nas suas criações, alegrias e lazeres, para produzir um novo retrato do Brasil.

Esse caráter inovador da obra gilbertofreyriana, que tem sido su­blinhado por inúmeros estudiosos, foi admiravelmente apanhado num ensaio primoroso de Evaldo Cabral de Mello, historiador de estilo ele­gante e erudito2•

Depois de confessar não ser fácil para ele falar da obra de Gilber­to Freyre, em virtude simplesmente da dificuldade que sente em acom­panhar os modismos intelectuais do Brasil , isto é, as oscilações bruscas e intempestivas a que nossos produtos culturais são submetidos, como se fosse uma bolsa de valores, em que os autores passam de repente e ao sabor de caprichos políticos e ideológicos, de i rrecuperáveis reacionários a gênios da raça, o historiador pernambucano afirma ter lido e relido seus livros, sem jamais se convencer de que suas idéias fossem entranha­damente conservadoras como se tenta fazer crer, nem tão-pouco que outros autores que se têm dedicado à ingente tarefa de explicar e inter­pretar o Brasil, detenham o monopólio das obras sociopoliticamente avançadas escritas a esse respeito. Em seguida, ele indaga em que consis­te a originalidade e a importância da obra gilberrofreyriana, para ofere­cer sua própria resposta, assinalando o fato de que, em 1933, quando G. Freyre publicou Casa-Grande & Senzala, a reflexão a respeito da formação nacional brasileira estava absorvida por dois grandes temas: o primeiro se referia à inadequação entre nossas instituições políticas e a realidade brasileira; já o segundo dizia respeito aos pretensos efeitos negativos que a mestiçagem trouxera para o futuro do país. E ele acres­centa este juízo de síntese esclarecedor:

2 Cf.: «0 "Ovo de Colombo" Gilberriano», in FALCÃO, Joaquim e ARAÚJO, Rosa M• B. de (orgs.): Op. cit., pp. 17-31.

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<�0 ovo de Colombo gilbertiano consistiu, como todo ovo de Colombo, numa operação simples: a de transtrocar os da­dos de um problema, no tocante ao primeiro, deslocando a análise sociológica do público para o privado, e, quanto ao segundo, transformando a miscigenação de hipoteca em lu­cro. » [200 1 : 20].

Em suma, não somente aprendemos a nos redescobrir ou reinventar na obra de Gilberto Freyre, mas também, intensamente, ela nos fez aprender a nos vermos como realmente somos e isso sob um olhar, uma forma, uma linguagem e um espírito novos, ao nos despojar das vestimentas antigas impostas por uma interpretação recalcitrante­mente, rigidamente fixada, a fim de reivindicar a convergência entre a alma de nosso povo e nossa mestiçagem nascida do confronto de etnias e de culturas na sua reposição no Novo Mundo tropical. É nesse sentido que sua obra atualizou no ritmo da modernidade a representação coletiva que a sociedade brasileira possuía de si mesma.

Mas esse grande espírito de observador e criador, com sua visão da história se construindo num tempo não linear, mas antes fusional, este espírito arguto profundamente comprometido com a contemporaneidade, embora buscasse situar-se sempre <�além do apenas moderno», era também uma espécie de humanista do Renascimento, capaz de se extasiar com a poética mística de uma Tereza d'Ávila, este homem conseguia sobrenadar nas paixões e antagonismos do momen­to , sem deixar que isso contaminasse a obra para qual se sentia vocacionado. Eis por que sua profunda consciência trans-histórica in­cluía sempre o mergulho possível no passado, desde o presente intensa­mente vivido, e orientando-se pela perspectiva de futuro de que estava prenhe a sua concepção de tempo, em sua lógica de simultaneidade. Daí que sua ampla e duradoura ação cultural esteve sempre iluminada por rara sensibilidade, que o fazia agudamente atento ao profundo valor das coisas e dos acontecimentos, mesmo os mais aparentemente banais, porque estava convencido de que <�tudo se completa nas grandes formas do espírito e que o menor objeto que fazemos ou com que convivemos ajuda a

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explicar nossa maneira de ser e nossa própria vida. Por isso mesmo, pôde ensinar-nos a revalorizar a integridade de nossa herança e abriu-nos as por­tas do entendimento para as forças criadoras da região e da tradição. ( . .) Ensinou-nos, assim, a ser pernambucanos, nordestinos, brasileiros, luso-indo­africanos, e tropicais, para sermos homens do mundo. »3

* * *

Conforme assinalei acima, o ponto nodal da obra de Gilberto Freyre é constituído pelo conjunto de textos que ensaiaram a construção da his­tória da formação da sociedade patriarcal no Brasil, os quais lhe assegu­ram a consagração e o posto de honra que ocupa na cultura brasileira. Mas nenhum destes superou o impacto inicial e seus efeitos duradouros provenientes do lançamento de Casa-Grande & Senza!d em 1933.

Dou a esse respeito uma pequena amostra de testemunhos que configuram a rica recepção que essa obra mereceu. Por exemplo, este depoimento de um escritor requintado e crítico arguto, como Antonio Candido, seu contemporâneo:

«para minha geração, ele funcionou nos anos de 1930 e 1940 como um mestre de radicalidade. O que nos fasci­nava era a maneira extremamente liberta com que des­montou a concepção solene de História Social, falando com desafogo de sexo, relações de família, alimentação, roupas. Era o discernimento iluminado com que sugeria a importância dos traços menores, dos fatos humildes: o cumprimento, a receita de doce, a festa do padroeiro, o bigode, o anúncio de jornal, a anedota. Era sobretudo a franqueza com que mostrou a presença do negro no cerne de nossa vida, chamando a atenção de todos para a neces­sidade de estudá-lo, revolver a sua contribuição cultural e social, marcar o seu papel na formação do Brasil. O 1ll

3 Cf. Mário Gibson BARBOSA: •<Gil berro Freyre, Homem d o seu e dos outros Tem­pos>>, in FREYRE, Gilberto: Além do Apenas Moderno, 2• ed. Prefácio de José Gui­lherme Merquior. Rio de Janeiro: Topbooks I UniverCidade editora, 2001, p. 18.

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Congresso Afro-Brasileiro foi planejado e orientado por ele no Recife no ano de 1934, logo depois de Casa-Grande & Senzala ter revolucionado a visão do brasileiro sobre a sua própria realidade. ( . . . ) tudo [Casa-Grande & Senzala, Nordeste e Sobrados e Mucambos] por meio de uma escrita surpreendentemente nova, de uma beleza que não se ti­nha visto até então nem se veria depois nos estudos soci­ais, tornando pálidos os estilos à sua volta.»4

Por sua vez, Josué Montello, em <<Ü Espelho das Cartas>>, prefá­cio que escreveu para um volume de correspondência de Gilberto Freyre, ao acentuar a importância de tais cartas, conclui: «Elas são indispensáveis à sua biografia, como acentuei. E mais indispensáveis ainda à história da cultu­ra brasileira, dada a circunstância de ser Gilberto, sem favor algum, uma das figuras patrimoniais dessa cultura. E aquela que, em nossa geração, mais ex­

tema e profundamente ensinou o Brasil aos brasileiros.» [1978: 9]. Já de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João

Cabral de Mello Neto teremos testemunhos poéticos respectivos; ora em tom jocoso, como na admirável síntese do primeiro; ora em tom mais coloquial, como no caso dos dois outros:

Casa-Grande & Senzala, Grande livro que fala Desta nossa leseira

Brasileira.

Mas com aquele forte Cheiro e sabor do Norte - Dos engenhos de cana

(M assangana!)

4 <<Aquele Gilberto>>, Folha de S. Paulo. 19 de julho de 1987.

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Com fuxicos danados E chamegos safados De mulecas fulôs

Com sinhôs.

A mania ariana Do Oliveira Viana Leva aqui a sua lambada

Bem puxada.

Se nos brasis abunda Genipapo na bunda, Se somos todos uns

Octoruns,

Que importa? É lá desgraça? Essa história de raça, Raças más, raças boas

- Diz o Boas-

É coisa que passou Com o franciú Gobineau. Pois o mal do mestiço

Não está nisso.

Está em causas sociais, De higiene e outras que tais; Assim pensa, assim fala

Casa-Grande & Senzala.

A alma de brasileiro Que o porruga femeeiro Fez e o mau fado quis

Infeliz!5

5 Embora escrito por BANDEIRA em 1934, após a leitura do livro de Gilberto Freyre, este poema apareceu em livro em 1948, no seu Mafod do Malungo.

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* * *

A casa-grande; a senzala inda os remorsos mais vivos - tudo ressurge e me fala grande Gilberto em teu livro. 6

* * *

Ninguém escreveu em português no brasileiro de sua língua: esse à vontade que é o da rede, dos alpendres, da alma mestiça, medindo sua prosa de sesta, ou prosa de quem espreguiça.7

Não obstante, quando hoje se tem como tela de fundo o adensamento cultural e científico desses quase 70 anos de estudos, so­bretudo com os avanços da antropologia e da história social, ulteriores àquela publ icação de 1933, com suas conquistas teóricas e epistemológicas que ajudaram a transmudar profundamente o descortino de nosso olhar e de nossa mentalidade, aí então, essa obra de Gilberto Freyre reduz-se a proporções mais limitadas, ocupando por certo um lugar significativo e elevado, porém no inter ior de um quadro hermenêutico bem mais amplo. Quando, todavia, tomamos em consi­deração o estreito horizonte intelectual vigente à época em que essa obra arrombou as portas da inteligência nacional, então é fácil de ima­ginar o enorme abalo que provocou em nossas certezas vetustas e em geral pessimistas quanto às possibilidades do país e de seu povo.

Como quer que seja, posto esteja hoje reduzida às suas propor­ções relativas, como texto porém, como obra esteticamente valiosa, como

6 DRUMMOND, apudVamireh CHACON [1993: 293]. 7 João Cabral de MELLO NETO, apudVamireh CHACON, ibid.

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algo inovador em seu estilo cognitivo e literário, ela perdurará como um clássico do pensamento social brasileiro, ao mesmo título que Os Sertões de Euclydes da Cunha, os Capítulos de História Colonial de Capistrano de Abreu, ou Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda - são elas as pilastras que dão sustentação à arquit�tônica da epopéia nacional. Além disso, por sua prosa bem brasileira e por sua grandeza poética esta é uma obra que perdurará como um clássico de nossa literatura. Sua ciência, ainda atual, é perecível, porque faz parte do conhecimento ci­entífico superar-se e contestar-se; sua arte porém permanecerá enquan­to houver memória desses valores mais permanentes.

Ora, o trabalho da ciência tem como um de seus principais resul­tados a transformação de nosso olhar e a transfiguração de nossa sensi­bilidade. E isso Gilberto Freyre conseguiu numa dimensão elevada e inovadora. Ele teve a ousadia jovem de pensar por si mesmo e contra certas correntes dominantes de seu tempo entre nós. Não estacionou num culto de vassalagem a um pensador estrangeiro, como costuma em geral fazer o nosso intelectual, em busca de legitimidade, de prestígio e de consagração. Gilberto Freyre é um dos raros pensadores do Brasil efetivamente brasileiro em sua autenticidade e originalidade; e brasilei­ro sem xenofobia, porque universal. Ou, conforme ele próprio declarou por ocasião de uma homenagem que lhe prestavam intelectuais e figu­ras representativas de diversas correntes de nossa paisagem cultural:

«Sou um combatente para quem nem negro, nem judeu, nem china, nem mouro, nem mulato, nem filho natural são ex­pressões pejorativas. »

Essa autodefinição de nosso autor, eu a retirei de um texto de Roberto Alvim Correa, um dos mais competentes críticos de sua gera­ção, justamente porque pretendo concluir esta parte preliminar de mi­nha exposição arrolando alguns significativos depoimentos e análises de alguns desses intelectuais que ainda agora exaltam o observador atento da produção cultural e literária tanto estrangeira quanto nacional, ou que operavam nesse território, ao tempo da atuação mais intensa Gil­berto Freyre, construtora de sua efetiva imagem como escritor e como

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crítico. Aliás, não é difícil capturar essa sua dimensão criativa, visto que ela se revela assim nas suas obras de caráter mais sócio-histórico onde um estilo saborosamente moderno, fluente e inovador envolve o leitor na rica teia de suas imagens e comparações, como naquelas em que exercita o ofício da crítica de cujo estilo analítico jamais está ausente seu agudo faro socioantropológico de par com sua sensibilidade estética e literária apoiada em refinada erudição. Isso porque a prevalência de seu nome como o intérprete do Brasil, de Casa-Grande & Senzala e suas demais obras do gênero, é de tal monta que chega a obscurecer o valor e a importância fundamentais para a cultura brasileira dessa outra ver­tente de sua produção, que, na verdade, está inelutavelmente imbricada na primeira num processo interfecundante. Todavia, dos estudiosos de nossa vida cultural e mais especificamente literária, não são desconheci­das as atuações gilbertofreyrianas tanto por suas contribuições substan­ciais na área8, quanto por sua presença inspiradora de inúmeros movi­mentos e eventos que liderou ou promoveu, em especial como figura nuclear do regionalismo-modernista cujos principais protagonistas es­timulou e apoiou de forma marcante e criativa9.

8 Remeto o leitor para a Bibliografia, no final deste texto, onde arrolo alguns títulos que com pendiam trabalhos seus mais significativos, em especial suas antológicas e lúcidas interpretações de nomes como José Alencar, Joaquim Nabuco, Euclydes da Cunha, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Farias Brito, Augusto dos Anjos, Lima Barreto, Ribeiro Couro, Augusto Schmidt, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Antônio Torres, Guimarães Rosa, e muitos outros, para não mencionar os inúmeros aurores estrangeiros cuja obra examinou ou sua intensa análise da produção artística ou de assuntos temáticos. V. por exemplo: 1955, 1965,

1968, 1977, 1979, 1980 a, 1980 b, 1980 c, 1981, 1987 a, 1987 b, 1990, etc. 9 Em relação ao movimento regionalista tradicionalista que Gilberto Freyre liderou,

em meados dos anos de 1920, com alguma rejeição às manifestações dos moder­nistas paulistas, bem como de um célebre Manifesto Regionalista de 1926 que ca­racterizaria um pioneirismo nordestino quanto ao modernismo, as discussões perduram até hoje. A despeito da ponderada reflexão de BOSI sobre tais questões e do reconhecimento de seus méritos («o Modernismo do Nordeste foi uma reali­dade poderosa com o fdcies próprio da região e deu o tom ao melhor romance dos anos 30 e de 40." [ 1978: 388]), Wilson MARTINS assume posição mais crítica em face da superestimação de tais manifestações: <<O mesmo acontecendo, mas por motivos diferentes, com o chamado Movimento Regionalista do Recife, cu)o úni­co defeito é jamais ter ocorrido, conforme demonstraram pesquisas recentes. Esse

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Com efeito, no seu primeiro livro de ensaios críticos, Roberto Alvim Corrêa, inclui a análise que publicara antes na imprensa, por ocasião dos 10 anos do aparecimento de Casa-Grande &Senzala. Intitulado «Ü Proust da Sociologia))10, esse primoroso ensaio intui agudamente o sen­tido profundo da obra que Gilberto Freyre estava a construir, e mal resisto a tentação de citá-lo integralmente aqui, porque seria desmesu­rado em virtude de sua extensão. Dou assim apenas pequenas passagens de sua apreciação crítica, na esperança de resumir sem deformar o qua­dro de sua leitura iluminadora, e que o leitor me perdoe se abuso hou­ver nesta desproporcional citação, pois será recompensado pela beleza de seu argumento:

«G. Freyre aprofUndou com a própria personalidade uma ciência que ele libertou da especialidade para levd-la ao vasto rio da vida. E sucedeu que, por isso mesmo, líamos seus livros como os dos maiores escritores. Traziam-nos eles o sopro atordoante da revelação. Era de repente a visão nova do Bra­sil colonial e do século XIX Sentia-se-lhe bater a alma verda­deira. Surgia enfim diante de nós o imenso afresco do meio patriarcal onde se formou o cardter de nossos avós, graças a que se despertou o instinto ancestral .. em que dormia o longo sono da inconsciência. Neles [nos mais jovens] acordaram os livros do ilustre pernambucano o senso étnico no sentido mais largo da palavra, aquele que a um tempo enraíza e prolonga, eleva e humaniza nosso estado de brasileiros. E essa revelação só se podia fazer através de um grande escritor.

Entendamo-nos. Não temos em G. F. um "purista" da lín­gua nem de coisa alguma; mas sim, e é grande a diferença, um escritor autêntico. O mérito de um escritor não consiste

"movimenro" e o famoso manifesro que o teria lançado em 1926 são reconstruções históricas posteriores a 1941; o congresso regionalista, que eferivameme se realizou, embora sem nenhuma repercussão nem finalidades artísticas de qualquer natureza, estava voltado para a "região" e para a "tradição", e era tão "passadista'' quanto uma parte da poesia que então se publicava ... >> [1978, vol. VI: 378).

10 Cf.: Anteu e a Crítica: ensaios literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948, pp. 196-213.

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em escrever como os melhores que o precederam, mas antes em obter da língua possibilidades que a associam a novas experiên­cias da inteligência e da sensibilidade. ( . .) ter um modo pessoal de pensar e de sentir. O fato é tão raro que se contariam nos dedos os escritores de quem se possa dizer o mesmo nest�s cinqüenta últimos anos. Nem são muito mais numerosos os que, como ele, tendo uma imensa cultura sabem, quando preciso, deliberadamente esquecê-la em beneficio da realidade, vendo as coisas como são e não necessariamente como lhe ensinaram, e que possuem a faculdade de considerá-1m com um olhar novo, excepcionalmente intuitivo como na idade, para outros sem volta, em que descobriam o mundo e suas maravilhas.

E foi assim que incorporou à sociologia e à literatura uma realidade antes ignorada ou desprezada. Outorgou cidadania a homens e mulheres, coisas e palavras consideradas até então infiriores. Dignificou-as. Será um dos seus títulos de glória ter considerado com respeito toda uma parte de Brasil e ter visto o que havia de grande e de belo na humildade laboriosa do anonimato. Há várias maneiras de descobrir o Brasil O amor à terra teve papel preponderante no modo de G. F, servido por qualidades que fazem que jamais nada lhe escape. ( . .) Tem o olhar do pintor que num relance escruta e desven­da uma alma. A apreciação nele deve ser instantânea. Possui a intuição e a espontaneidade do artista mas não em detri­mento da paciência, nele sempre ficunda, a um tempo cientí­fica e filina. ( .. ).

( .. ) Nada de convencional no seu estilo. Ainda menos de artificial. Conservou o contato com a terra e o povo dos quais nada de brasileiro se afasta impunemente, embora não exclua tal contato aspirações altas e generosas. Pelo contrário. O esti­lo de G. F conserva apesar das exigências profissionais, que não são poucas, o reflexo do húmus, do ar, da luz do Brasil. ( .. ) É um estilo de pioneiro, de descobridor, de trabalhador, um estilo sustentado deliberadamente por repetições de pala-

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vras e por ritmos peculiares . . . jd era o que é no seu primeiro grande livro, Casa-Grande & Senzala que permanece até o hoje o centro de sua obra.

( . . ). Eis uns dos motivos pelos quais Casa-Grande & Senzala é

um dos três ou quatro maiores livros de literatura brasileira .. . ( . . ). O grande mérito de G. E foi mesmo ter introduzido o

realismo psicológico na história sociológica, e também ter fei­to com que não se saiba mais com ele, se é a arte que se trans­forma em ciência, ou a ciência em arte. O que importa, por ora, é o resultado. A arte é a alma da ciência; representa o elemento subjetivo e emocional. É este que ilumina e aquece o livro de G. E. E como não se fala proficuamente dos outros sem dar muito de si mesmo, é a alma do próprio G. E que temos através do povo brasileiro na sua época de formação. ( .. )

( . .). O livro não conclui. E isto por não se limitar ao assunto

tratado. Como em toda grande obra, hd nele o assunto e o espírito do livro . ..

( . . ). E nesse trabalho de descobrimento todos atualmente de­

vem alguma coisa a G. E. jd serviram vdrios setores de nossa cultura os seus dons múltiplos entre os quais apreciamos par­ticularmente a sua desordem aparente, esse encabrestamento dos temas em cada capítulo, esses galhos que se espalham em todas as direçóes, mas pertencentes a um tronco bem sólido, se bem que nem todos o vejam. Relembra o caso de G. E o de Proust, cuja obra foi acusada de falta de composição até que um belo dia, como no conto de Andersen, viu-se que aquele que se considerava um pato mal conformado era um cisne maravilhoso. Mas para isso foi necessdrio que Proust pusesse o ponto final à sua obra, na véspera de sua morte. Embora se

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espere que G. F. ponha o seu o mais tarde possível há desde já, assim mesmo, no seu processo de composição algo de proustiano. Talvez seja ele um dia o Proust da sociologia . . .

Por sua vez, Antonio Candido, que possui o dom de enriquecer tudo de que se ocupa, nas belas páginas que escreveu para uma obra coletiva sobre o nosso autor, páginas intituladas <<Gilberto Freyre Críti­co Literário» 11 , caracteriza essa vertente de seu ofício como escritor mediante alguns traços fundamentais. Assevera ele que sua atividade crítica revela uma diversidade fecunda em seu pluralismo; não dissimu­la um nacionalismo de inclinação romântica; mostra-se empenhado na busca «incessante de 'conteúdos', para poder avaliar ( . . . ) a densidade humana e o significado social da obra»; combina, de modo permanen­te, a análise com a intuição; faz uso intenso de imagens; e se preocupa mais com os autores que com os livros.

Enfim, Antônio Dimas, que nos dá, num curto ensaio, uma das melhores análises das relações permanentes de Gilberto Freyre com a atividade da crítica literária e cultural, ao longo de todo seu itinerário intelectual. Com efeito, retrocedendo a um artigo que Gilberto Freyre enviou para o Diário de Pernambuco, no seu tempo de jovem estudante nos EUA, em que faz a crítica de Senhora de Engenho, romance de Má­rio Sette, publicado naquele ano de 1921, e prosseguindo a ilustrar seu argumento pelo exame de outros de seus trabalhos críticos (sobre Monteiro Lobato, Euclydes da Cunha, Alencar e Machado de Assis), Antonio Dimas conclui seu garimpo, enfatizando o ponto de vista de A. Candido, mas com este acréscimo esclarecedor: <<a utilidade social da crítica de Gilberto, que não se limita a avaliar a obra, nem se contenta com a linguagem pasteurizada e impessoal que tomou conta da produ­ção acadêmica destes últimos tempos, sobretudo depois do uso abusivo da crítica formalista e de modelos teóricos nos quais deve caber, à força, qualquer texto. Muito longe dessa homogeneização crítica, que se espoja no jargão valetudinário, pronto a acolher não importa qual poema ou

11 ln Gilberto Freyre: Sua Ci�ncia, Sua Filosofia, Sua Arte [1962: 120-124].

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romance, a crítica de Gilberto ensina a especificidade cultural da obra escolhida, atribuindo-lhe nicho próprio e contextualizando-a com pertinência no processo cultural brasileiro. Diante do texto de que se ocupa, com duas ou três menções certeiras, G. Freyre configura o autor, suas idiossincrasias, suas tendências pessoais, suas preferências cultu­rais, os hábitos sociais da sua época, oferecendo-nos um quadro o mais próximo da abrangência, sem nunca perder de vista a imperiosa condi­ção estética da poesia, nem a personalidade humana e os aspectos subjetivos da vida e da cultura. Com rara perícia lastreada na subjetividade, sua crítica mistura o pessoal com o textual para que um encaminhe e ilustre a compreensão do outro, em forte reciprocidade. Reciprocidade que é construída, de preferência, sobre o discurso analógico e metafórico, car­regado de componentes sensoriais e de sensualidade manifesta. ( . . . ) Mais que simplesmente literária, portanto, a crítica de Gilberto se alarga, se expande e se converte em aula de uma matéria difícil, cada vez mais difícil, chamada Brasil.»12

É deste combatente múltiplo da cultura, rebelde que um dia fu­giu de casa com seis anos de idade, leitor impenitente cuja biblioteca tive a alegria de conhecer e perceber sua curiosidade onívora, cavaleiro andante que percorreu mundos à cata de enriquecer suas próprias idéias e utopias de Brasil, que, na esteira das agitações de vanguarda dos anos 20 do século passado, soube superá-las moldando à sua maneira e estilo uma obra que subverteu a inteligência brasileira, a partir dos anos 30 do mesmo século, reinventando o Brasil no ritmo de uma modernidade de todos os tempos e grávida de futuros, é desse combatente-rebelde ao seu modo, repito, que tentarei ainda dizer algo, sublinhando-lhe alguns traços significativos para completar a minha fala.

12 Cf.: «Gilberto Freyre e a Critica Literária>>, in FALCÃO e ARAÚJO, op. cit., pp. 98-100.

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II

Gilberto Freyre e seu estilo cognitivo: uma dialética da medianiz ou sua acrobacia hermenêutica

«Gilberto Freyre não procura fabricar uma unidade ideal dos ftnômenos isolados em si mesmos, mas busca, de um modo que deve servir de exemplo (aos sociólogos europeus}, a unida­de efttiva desses ftnômenos, seguindo uma pluralidade de métodos-chave. »

Jean POUILLON (Paris)

Dizia Karl Jaspers, referindo-se a Max Weber, que «a maneira de honrar a um grande homem está em apropriar-se de sua obra e tentar trabalhar em suas idéias para prosseguir a realização, que ele tornou possível, de cada uma de suas distintas partes. >> [ 1953: 1 ] .

Portanto, não prestam tal homenagem ao seu real valor aqueles que se excedem ao qualificar Gilberto Freyre com hipérboles do tipo desta: «O descobridor do Brasil»- visto que só por amnésia cultural pro­funda é possível apagar rodas as gerações que o precederam nessa tarefa ingente de esclarecimento de nossa formação, de quem ele era o primei­ro a reconhecer a contribuição.

Doutor honoris causa de uma dezena de universidades america­nas e européias, professor convidado de quase rodas as grandes univer­sidades da Europa e das Américas, recipiendário de numerosos Prêmios literários e científicos, membro honorário das mais importantes socie­dades científicas em ciências humanas, poucos intelectuais souberam administrar tão bem, como Gilberto Freyre, a própria imagem, e isso desde cedo até sua morte.

Não saberia eu avaliar se o mais importante - e até desconfio que carecemos de tal escala métrica -, mas por certo, dentre os cultores das Ciências Sociais no Brasil, nenhum supera Gilberto Freyre em volume e variedade de homenagens, comendas e referências: a maioria destas, elogiosas, algumas porém cáusticas ou preconceituosas. Guerreiro Ra-

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mos, por exemplo, em seus cursos, no finado ISEB, sempre se referia a Gilberto Freyre como «O romancista de Apipucos»: pretendia ele com isso menosprezar sua obra sociológica, sem saber que prestava a maior ho­menagem a quem fora antes de tudo excelente escritor.

Mas cheguemos mais próximo do nosso autor. Gilberto Freyre é sobretudo um escritor saboroso e envolvente. Mestre em enumerações pitorescas e ilustrações, muita vez de perfil folclórico, que no entanto operam um efeito de sedução sobre o leitor. Mesmo quando este é mais crítico e discorda de várias de suas concepções, não há negar o encanto ou o fascínio que a riqueza plurívoca e temática de seu pensamento exerce sobre ele.

Eis por que intitulei este tópico de minha fala com a expressão «acrobacia hermenêutica». De fato, nas suas elaborações teóricas, ele se move num espaço epistêmico que inclui sempre o território da história, iluminado pela perspectiva socioantropológica, estética, literária, psico­lógica, etc. - ele até se aventura a freqüentes ousadias de interpretações psicanalíticas, quase sempre o seu tanto inconsistentes -, ou seja, ele é livremente multidisciplinar. Seu estilo cognitivo é dominantemente es­tético e se elabora num movimento metodológico do quase, do talvez e sobretudo do semi-, inclinação metodológica que se expressa na cons­tância com que emprega esses termos, que são os mais freqüentes de seu discurso intencionalmente oscilante, sinuoso, nietzschiano e talvez dialético. Uma dialética da medianiz, pois, como sabemos, a medianiz é o espaço em branco entre duas linhas ou entre duas páginas impressas, aquele espaço em torno da costura. Tomo pois a sugestão metafórica da costura dos extremos para ilustrar essa capacidade de Gilberto Freyre de se apropriar dos interstícios do pensamento a fim de construir sua própria interpretação. Eis a sua acrobacia hermenêutica.

Além disso, seus termos dizem sempre mais do que impõem as tradições semânticas sedimentadas. Tudo se passa como se em sua luci­dez intuitiva, visasse aos tons em claro-escuro, entre o preto e o branco, entre o bem e o mal, entre o lícito e o proibido, entre esquerda e direita,

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entre tradição e transformação, entre estrutura e processo, aventura e rotina. Uma espécie de dialética particular que tenta apanhar uma reali­dade cambiante e pendular, como o Brasil, com o jogo de cintura seme­lhante ao de nossas carnavalescas mulatas: refiro-me a isso que foi fixa­do num momento arquitetônico, naquela forma levíssima e bela com que Oscar Niemeyer fechou a praça da apoteose, no sambódromo do Rio, evocando por trás o movimento da passista que se curvasse para tocar o chão telúrico de seu país natal.

Sem dúvida, o pensamento gilbertofreyriano é sinuoso e nada linear, sem conotação pejorativa, já que se trata de deliberada astúcia de seu espírito, que bebeu, talvez, nos oximoros da obra-prima de Euclydes da Cunha, seu parceiro de ginástica mental, para dar conta de uma realidade que exprime a tortuosa aventura histórica de um povo e não um teorema de elementar geometria. Assim, ao longo de seus textos, ele costuma afirmar algo, para logo em seguida negá-lo sob outra forma; reafirmando mais tarde o anterior, para negá-lo mais uma vez, e assim, sucessivamente, ele vai construindo um quadro claudicante que é ex­pressão do nosso próprio movimento histórico e social. Sua argumenta­ção nasce da lógica da fi nesse pascaliana, existencial, cultural, e não da­quela do rigor formal e cartesiano. Seu pensamento distancia-se da lógi­ca dicotômica, de termos mutuamente exclusivos. O que eu chamei sua dia/ética da medianiz admite o terceiro excluído mediante a costura do 'é' e do 'não é' , do sim e do não, espécie de terceira margem do rio eqüidistante dos extremos.

Tudo se passa, em seu estilo cognitivo, como se adotasse como fio condutor na construção de sua obra o aforismo do Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas: «Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.»

Eis por que, decerto, ele causa incômodo às mentes acantonadas em suas fortalezas ideológicas.

Enfim, a vigência cultural de sua contribuição teve um efeito inovador sobretudo em nova historiografia de perfil socioantropológico. Nossa historiografia tradicional e semi-oficial, até então, tinha como espinha dorsal seu eixo político-administrativo, que tendia a ocultar todas as demais dimensões que entretecem a trama da existência coletiva. Embora utilizando conceitos de ampla semântica e do nosso senso co-

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mum- nação, raça, cultura, homem brasileiro, caráter nacional, cultura brasileira, etc. -; embora usando de preferência um estilo ensaístico em busca de harmonias criadoras que, posto não desconheça a tradição marxista, deixam de lado as análises histórico-estruturais que privilegi­am o modo de produção, o conflito, os antagonismos de classe e as relações de dominação; suas contribuições renovaram de forma inusita­da o modo de escrever nossa história.

Nesse sentido, foi um continuador de Capistrano de Abreu, en­riquecendo-o pela acentuação do valor da dimensão sociocultural, da vida quotidiana, do povo, da mulher, das crianças, do negro, da misci­genação, no modo de considerar a historiografia brasileira, tomando a família como unidade básica, empregando amplamente as fontes múlti­plas de informação e documentação, em especial as populares e a litera­tura dos viajantes, e acentuando outros focos de interesse como a vida íntima e privada, o estilo de moradia, a arquitetura, a terra, a paisagem, os animais, as plantas, etc. Foi, sem dúvida, o primeiro a juntar tantos elementos novos e inusitados, para construir, ainda que imperfeita, ori­ginal interpretação do Brasil.

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III

lnterpretación de Brasil- primeiro ensaio de síntese

«0 estudo da literatura e da arte não há de reservar-se exclu­sivamente à crítica literária ou estética; incide também no campo do sociólogo, do historiador social, do antropólogo e do psicólogo social: através de sua literatura e de sua arte é que os homens mais parecem revelar sua personalidade e seu êthos

nacional Através das artes eles descrevem as condições sociais mais angustiosas e revelam seus desejos mais revolucionários. E ainda, através das artes, exprimem os aspectos particular­mente contidos, tanto como os mais vigorosamente dinâmicos de sua personalidade e de seu êthos nacional. "

Gilberto FREYRE (1 945: 1 65)

Não podemos esquecer que, na inteligência brasileira, Gilberto Freyre é um dos maiores exemplos de fidelidade a uma paixão e a um projeto concebido desde a juventude, visto que dedicou toda a sua vida consciente à tarefa de compreensão e interpretação empática, mas tam­bém analítica, deste país em sua complexidade, na unidade de sua vari­edade, conforme costumava dizer. E de sua rica e numerosa obra, eu escolhi um dos seus livros, talvez um dos menos conhecidos, para ilus­trar, em contraponto, a minha tese.

Portanto, deliberadamente, não elegi trabalhar com Casa-Gran­de & Senzala, visto como essa estrada real está repleta de estudos e en­saios. Não é, pois, por aí que quero desenrolar meu percurso mais mo­desto. Pretendo simplesmente empreender uma releitura de um livro seu, um só, que caiu em minhas mãos, quando ainda jovem estudante, já lá vão mais de quatro décadas, adquirido, se não abuso da memória, numa livraria do Recife, à extremidade oriental da Ponte da Imperatriz. Refiro-me a lnterpretación de Brasil, assim mesmo em sua versão em espanhol, editado no Fondo de Cultura Económica, do México, em 1945, e que traz esta nota editorial: <<Traducción dei original inédito por Teodoro Ortiz>>. A edição original em inglês sairia no mesmo ano,

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pois que o livro resultara das notas de aula do curso que Gilberto Freyre ministrara na Universidade de Indiana, no ano anterior.

Sabe-se que um princípio básico de leitura reside em tomar em consideração as condições de produção de uma obra. Assim, a um pri­meiro exame, estranha a ausência de fontes brasileiras nas referências do autor. Todavia, se atentarmos ao fato de que este texto se destinava na origem, fundamentalmente, a um público norte-americano, entendere­mos por que ele menciona sobretudo trabalhos em língua inglesa. Além disso, face à riqueza de informações e temas que compõem Casa-Gran­de & Senzala, o presente livro se apresenta bem mais modesto, já que pretendia em particular realizar uma primeira síntese interpretativa, es­pécie de balanço resultante dos seus estudos anteriores.

Como quer que seja, uma leitura atenta constata inevitavelmen­te estranho silêncio do autor em relação a outros estudiosos brasileiros que exploravam problemática semelhante, e cuja obra por certo ele não ignorava. Menciono, para ilustrar, apenas dois casos significativos. O primeiro é o sergipano Manoel Bomfim que, muito antes dele, assestou como um cruzado seus instrumentos analíticos contra o racismo domi­nante da inteligência brasileira de então, como chave desqualificada da explicação de nosso atraso cultural. Com efeito, ele o fez desde 1905, logo após a obra de Euclydes da Cunha, no seu A América Latina -males de origem. É verdade que, com base em fundamentos históricos da mesma origem, ele chega a conclusões radicalmente opostas às de Gil­berto Freyre: enquanto este engrandece a experiência colonizadora de Portugal; aquele, movido de intensa lusofobia, põe no legado português a causa dos defeitos de nossa formação. O outro caso é a obra original e pioneira de Pedro Calmon - História Social do Brasil - cujo primeiro tomo, dedicado ao «Espírito da Sociedade Colonial», foi publicado na mesma época de Casa-Grande & Senzala, com uma perspectiva analíti­ca muito próxima, porém bem menos rica, e examinando temas seme­lhantes aos desta obra, posto que sem a mesma grandeza e finura.

O escopo desta obra, objeto deste derradeiro tópico, enquadra­se numa espécie de tese geral adotada por Gilberto Freyre, segundo a qual ele realiza a «tentativa de interpretar não apenas o Brasil, como tal porém como expressão pioneira de um novo tipo de cultura e de civilização

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- civilização moderna ao mesmo tempo que ecológica - em desenvolvimento em espaço ou dentro de ambiente tropical» [ 1971: prefácio, p. XVII] . Tan­to é assim que, no título da nova versão aumentada e modificada deste livro, o autor enfatiza um dos eixos argumentativos da tese: Novo Mun­do nos Trópicos. Título que amplifica sua generalidade, porém com a omissão de tratar-se de uma síntese interpretativa do Brasil. Eis por que dou preferência, em minha análise, à versão original que primeiro me veio às mãos e onde esse desiderato é claro desde logo.

Ora, os primeiros críticos do Gilberto Freyre de Casa-Grande & Senzala, como o sergipano João Ribeiro, acusavam-na de ser uma obra sem conclusões. E o próprio autor reconhece que o espírito que presidia aquela fase de seu trabalho era sua tendência «principalmente analítica ou indagadora, em face do assunto jd, naqueles dias, de sua mdxima preocu­pação: o Brasil como país - e como cultura - situado em espaço, quase todo, tropical; o Brasil como cultura, quase toda mestiça... O que mais buscou naquele livro foi analisar, compreender, fixar sob nova perspectiva, uma situação complexa da qual, como brasileiro, se sentia parte e sobre a qual, como antropólogo e como sociólogo e um tanto historiador, se sentia no dever científico de ser, quanto possível, objetivo. Daí uma perspectiva empdtica, ao mesmo tempo que objetiva, de andlise. Um tanto, jd de andlise interpretativa. Mas não ainda de síntese . .. >• [ 1971: XVIII] . Portanto, o livro, de que darei aqui meu contraponto crítico, nasceu do desafio proveniente da recepção à sua obra maior.

Esquematicamente, esta obra, que realiza uma primeira síntese interpretativa do seu pensamento sobre o Brasil, compõe-se de seis ca­pítulos tratando das seguintes matérias: as raízes européias da história brasileira; a fronteira e as plantations no Brasil; unidade e diversidade regional brasileira; condições étnicas e sociais no Brasil moderno·; a po­lítica externa e a situação étnica, cultural e geográfica; e a literatura moderna13 e os problemas sociais. Não me move, porém, a pretensão de resumir aqui a riqueza de aspectos que ele explora neste ensaio curto mas denso. Respigarei apenas aqui e ali um ou outro ponto que forneça

1 3 O grifado é meu, para pôr em desraque a novidade deste capítulo dos mais fecun­dos do livro.

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os elementos básicos de sua argumentação e que me permitam algum comentário mais significativo.

No que tange ao tema inicial, o autor sublinha desde logo o caráter ibérico e católico do Brasil. Na seqüência, porém, do seu desdobramento, ele vai matizando e enriquecendo essas duas características, primeiro mos­trando a complexa formação étnica dos povos ibéricos e do português em especial, acentuando em particular seu intenso intercâmbio com mouros e árabes, bem como a forte presença judia, sem esquecer as condições físicas e geográficas. Há um trecho que, no meu entender, sintetiza sua argumentação e expressa o típico de seu estilo: «A diversidade regional das condições peninsulares do solo, da situação geográfica e do clima é algo que devem ter em conta todos os que estudem as raízes européias da história brasi­leira, raízes que não são puramente européias, senão também africanas; não só cristãs, senão assim mesmo judias e islâmicas; não só agrárias, como o indica a importância dos agricultores nos primeiros tempos de Portugal senão igual­mente militares; não só industriais, como as desenvolveram os árabes e os mouros, senão ainda marítimas e comerciais, que desenvolveram nórdicos e judeus; notáveis não só pela capacidade para o trabalho penoso, contínuo e monótono, e pela inclinação à vida sedentária da agricultura, mas também o espírito de aventura ... e o desdém pelo trabalho agrícola. '' [ 1945: 1 2 e 17] . Estas duas últimas características evocam idéias desenvolvidas por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil.

Além disso, insiste o autor em que, por maior que tenha sido o papel das camadas dominantes portuguesas, «deve-se repetir uma vez mais que a força criadora mais constante [em nossa colonização] foi provavel­mente a dos camponeses analfabetos, alguns de sangue norte-africano: árabe, mouro e ainda negro. O resultado de sua obra pode apresentar-se hoje ao mundo como um dos esforços mais afortunados de colonização, não já euro­peus, senão semi-europeus, na América tropical: no Brasil. » [Ib. : 29-30] . E ele conclui asseverando que na história social do Brasil está por fazer-se ainda a tarefa de reunir informação suficiente sobre a vida, a atividade e a influência das massas populares, informes sobre os contactos socioculturais básicos, que permitam obter um conhecimento adequado do nosso de­senvolvimento. Contudo, entre alguns reparos que se pode fazer à sua exposição, está por exemplo o fato de que ele repete constantemente equí-

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vocos de Sílvio Romero e sua geração ao qualificar como "sistema feudal" nosso modo de produção colonial agro-exportador.

O capítulo seguinte, posto contenha como sempre algumas obser­vações preciosas, decepciona um pouco o leitor pela não correspondência ao seu título que promete tratar de "fronteira e plantations". Na realidade, o autor dedica duas ou três páginas ao primeiro tema. Todo o resto do texto é dedicado a uma apologia, um tanto nostálgica, do regime senho­rial dos engenhos, entremeada de observações folclóricas: festa de São João, bolos, briga de galo, banhos de rio, corrida de cavalo, etc. - adotando um andamento meio dispersivo, em que qualquer coisa serve a divaga­ções, às vezes antropológicas, porém de perfil caleidoscópio.

Inegavelmente é o terceiro capítulo, sobre a unidade e diversida­de regional brasileira, que constitui um dos mais interessantes e densos do livro. Partindo de definições e distinções conceptuais relativamente rigorosas, ele analisa as características de nossas diferenças regionais e os ajustamentos e antagonismos entre uniformidade e divergência, centralismo e autonomia, etc. Percorre o perfil psicológico de cada re­gião principal do Brasil, destacando o caráter dominante em cada uma delas, e chega a sugerir a curiosa hipótese da construção de uma tipologia regional brasileira em função do modo como cada área festeja o Carna­val. Mais de meio século depois, com as atuais pressões globalizadoras, ainda mantêm gritante atualidade algumas de suas observações, como esta: «Alguns dos que têm estudado a situação social internacional que se desenvolveu no mundo após a Revolução industrial na Europa - a conquis­ta industrial do mundo baseada em ideais de estandardização de todos os lugares de acordo com os padrões dos estados capitalistas mais poderosos -têm reconhecido a necessidade de um regionalismo criador em oposição aos numerosos excessos de centralização e unificação política da cultura estimu­ladas pelos interesses e pelas forças política e economicamente imperialistas. (. . .) O estudo da história social brasileira e das condições sociais parece indi­car que no Brasil como em outras nações vastas e complexas, deve permitir­se a cada um desenvolver uma lealdade particular para sua comunidade bdsica, sua região ou sua província. Ainda que em seus ajetos transnacionais possa ir tão longe que chegue a converter-se num verdadeiro cidadão do mundo, contudo, sua condição como membro de um grupo primdrio local

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parece ser essencial para a saúde pessoal e social. » [pp. 7 4 e 96] . Na verdade, o capítulo que se segue, acerca das condições étnicas e

sociais do Brasil moderno, é um desdobramento do antecedente, e é tão denso quanto o outro. O autor tem aqui a oportunidade de desenvolver seus argumentos a favor da miscigenação e contra a antropologia racista, de que cita alguns autores para contestá-los com exemplos e testemunhos significativos. Expõe a divisão das regiões brasileiras segundo princípios ecológicos, inclusive de ecologia humana, tal como foi proposta por von Ihering, daí derivando longa argumentação em defesa de nossa miscige­nação e da fundamental contribuição africana para a nossa formação como povo e cultura. Situa-se no quadro da Velha República, para estudar as transformações daí decorrentes e caracterizar os grupos em disputa pela liderança política do país e na realização de seus projetas de progresso material, diferenciando-os por sua composição étnica, por seus interesses económicos e intelectuais, e por sua origem social. Aqui, ele formula crí­ticas a essas elites políticas que no fundo perseguiam os mesmos propósi­tos, sem realizarem um efetivo contacto «com a realidade brasileira huma­na, social e cultural. Creram que se revelariam comumados mestres na arte de governo realista tratando de resolver os aspectos mesquinhamente econômicos e os tecnicamente financeiros e materiais dos problemas sociais brasileiros. Des­cuidaram seus aspectos humanos e étnicos, por exemplo, o importantíssimo de conduzir a transição de um grande número de brasileiros do trabalho escravo ao trabalho livre. (. . .) Daí por que concentraram sua atenção em problemas de progresso material, numa política de empréstimos e de edificações, e de atração do capital estrangeiro ... » [p. 1 13] . Segue-se ainda longa discussão da política de migrações para o país e da ingerência das potências estran­geiras, bem como da velha questão da assimilação de índios, negros e outros grupos à cultura brasileira, que ele examina criticamente desde as posições dos Jesuítas e passando pelo plano apresentado por José Bonifácio para integração dos índios. Isso lhe fornece a ocasião de examinar e elogi­ar abertamente a obra desenvolvida pelo Marechal Rondon nesse sentido.

A política exterior e a situação étnica, cultural e geográfica, que constitui o tema do quinto capítulo, inicia-se por afirmações que são o resultado das reflexões desenvolvidas nos capítulos precedentes: «0 status nacional do Brasil não é a expressão de uma consciência de raça, pois não o

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fez uma raça única . . . Sua mística de unidade ou pureza foi de status religi­oso ou de religião - a religião católica romana ou o status cristão - e não de raça. O status nacional do Brasil é etnicamente negativo. Poucas nações modernas são tão heterogéneas do ponto de vista étnico como a única repú­blica de fala portuguesa do continente americano. No Brasil, nenhuma minoria ou maioria étnica exerce realmente uma dominação absoluta, sis­temática e permanente, cultural e social, sobre elementos da população po­lítica e economicamente menos ati vos.» [p. 1 3 1 ] . Mas em seguida, depois de comparar o Brasil, nesse particular, à União Soviética, ele faz o repa­ro de que não se deve ver em sua visão a pretensão de apresentar o Brasil como uma perfeita democracia étnica e social.

Todo este longo capítulo é uma retomada de seus argumentos e novas ilustrações de sua conhecida posição nesse campo, por isso volta a contestar as opiniões de autores racistas contra a mestiçagem, reforçan­do-se com referências a autores científicos que lhe são favoráveis, inclu­indo alguns estudiosos brasileiros como Roquete Pinto. Retoma a ques­tão das migrações estrangeiras e das novas relações decorrentes do de­senvolvimento industrial, para terminar profeticamente projetando uma posição de liderança do Brasil sobre o conjunto do mundo lusófono e do seu papel civilizatório por sua experiência singular: «Parece que o Brasil tem que fornecer uma contribuição peculiar ao desenvolvimento da personalidade humana no mundo moderno. Essa contribuição virá prova­velmente do tipo extra-europeu de civilização que estão desenvolvendo os grupos mais dinâmicos e criativos da população brasileira, apesar das inú­meras dificuldades com que tropeçam. ( .. ) [e o maior grau de tolerância das jovens gerações brasileiras em relação ao caráter mestiço da nação constitui prova] de que existe uma capacidade de construir uma civiliza­ção nova e original no continente americano . . . » [pp. 1 59 e 1 6 1 ] . Idéia esta longamente acalentada, também, por Darcy Ribeiro.

Antes de passar ao último capítulo, gostaria de sublinhar o fato de que, em nenhum momento deste livro, Gilberto Freyre fala de "de­mocracia racial" no Brasil. Aliás, do mesmo modo que o "homem cor­dial" de Sérgio Buarque de Holanda, esta expressão tem padecido da incompreensão de muitos de seus críticos. Na verdade, sempre que se refere à questão, ele emprega sistematicamente o termo «democracia

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étnica e social». Ora, para quem viveu a experiência da clivagem racial profunda dos EE. UU., como ele, é fácil supor a significação que ele atribui à sua visão na relatividade comparativa de sua semântica, inclu­sive pela fluidez com que usa o conceito de democracia quase como sinônimo de tolerância. Todavia, mais do que um argumento, este corolário de sua tese geral sobre o Brasil vem repetido por ele como um Leitmotiv no conjunto de sua obra, como se ele fosse uma espécie de pastor evangélico que se vê na obrigação de pregar essa nova revelação oportune et importune.

O capítulo final, por sua própria temática - a literatura moderna e os problemas sociais- é indubitavelmente o mais saboroso do livro por sua riqueza e fecundidade de reflexão. Por isso epigrafei o início deste tópico com a citação de seu primeiro parágrafo. Na dificuldade de resumi-lo aqui, sublinho que se trata de suas reflexões originais sobre arte e literatu­ra no Brasil em suas relações com a substância social e cultural da nação: são observações preciosas sobre Gregório de Matos, uma aguda análise política da estética de Aleijadinho, apreciações fecundas sobre várias ex­pressões da ci.dturà popular, ou o destaque que atribui à caricatura e à sátira como aspectos dominantes de várias de nossas expressões culturais, ou quando aponta as deformações de visão de nossos intelectuais medi­ante a análise que empreende do Canaã, de Graça Aranha, ou enfim seus reparos sobre o movimento modernista e a originalidade do regionalismo nordestino do período. Esta reflexão é, por certo, uma das boas demons­trações da visão generosa, erudita e estética que tinha do Brasil.

* * *

Preciso concluir esta comunicação. Mas, também aqui, Gilberto Freyre não apresenta bem conclusões, merecendo provavelmente os mesmos reparos dos críticos de Casa-Grande & Senza/4. Ou seja, seu esforço de interpretação do Brasil continuará sendo uma obra aberta. Por isso, para fechar sem con­cluir, gostaria de poder transcrever aqui o lúcido e provocante prefácio de Monteiro Lobato, seu contemporâneo que talvez melhor compreendeu o significado ou o espírito de sua obra, prefácio que escreveu para o livro biográ­fico sobre Gilberto Freyre que fez Diogo de Melo Meneses [ 1944]. Como se

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trata, porém, de um texto muito longo, menciono apenas alguns fragmentos:

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«Em todos esses capítulos . . . outra coisa não fiz G. F senão revelar-nos a nós mesmos, contar o que somos e porque somos assim e não de outro modo. Toma-nos a mão, e vai nos ensi­nando a ver claro nas coisas do Brasil.

G. F tem o destino dos Grandes Esclarecedores. Antes de sua amável e pitoresca lição vivíamos num caos impressionista, atrapalhadíssimos com os nossos ingredientes raciais, uns a negá-los, como os que têm como "patriótico" esconder o negro, clarear o mulato e atribuir virtudes romanas aos índios; ou­tros a condenar isto em nome daquilo - tudo impressionismo duma ingenuidade absoluta e muito revelador da mais com­pleta ausência de cultura científica em nossa gente culta e até em nossos sábios. ( . . )

G. F ensinou . .. essa deliciosa composição que é a ciência misturada com a arte- com todas as artes, inclusive a culiná­ria, tão vital nos destinos humanos, e a erótica, a mais culti­vada de todas. E tornou-se o Grande Desasnador, o delicioso mestre da verdadeira ciência sociológica como a entendem os homens de gênio. ( .. )

A grande inimiga de Gilberto tem sido sempre a medio­cridade - na crítica, no governo, no leitor comum . . . Podemos até dizer que o melhor teste quanto ao valor duma inteligên­cia é pô-la diante de um livro de Gilberto. A inteligência medíocre fatalmente o repelirá com o mesmo ímpeto com que o acolherá a inteligência de escol. "

Fortaleza, 16 de Agosto de 2002.

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NOTA - Este texto é uma versão preliminar de trabalho maior ainda

em elaboração.

Endereço do Autor: Rua Tomás Acioly, 1 505 - 60 1 3 5- 1 80 Fortaleza, CE. Tel. : (085) 26 1 -7968 I 26 1 -9027 I Cel.: 9969 6284. E-mail: [email protected]. br

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