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    CONHECIMENTO EXPLCITO DA LNGUA

    Guio de Implementao do Programa

    Joo CostaAssuno Caldeira Cabral

    Ana SantiagoFilomena Viegas

    Verso 1.0, Outubro de 2009

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    ndice

    Nota introdutria 4

    1. O papel do Conhecimento Explcito da Lngua no Programade Portugus 5

    1.1. O que se entende por Conhecimento Explcito da Lngua?Qual a diferena face ao Funcionamento da Lngua? 6

    1.2. Para qu trabalhar o Conhecimento Explcito no ensino bsico? 13

    1.3. Que mtodos para trabalhar o Conhecimento Explcito da Lngua

    no ensino bsico? 23

    Textos referidos 37

    2. Exemplos de actividades para o Conhecimento Explcito da Lngua 39

    Conjunto 1: Expresso do tempo 41Actividade 11 Ciclo Com que palavras medimos o tempo? 41Actividade 21 Ciclo Como situamos acontecimentos no tempo quandofalamos? 44Actividade 31 Ciclo Como localizo situaes diferentes na linha do

    tempo? 46Actividade 41 Ciclo Como expresso situaes que se sucedem e queso habituais? 48Actividade 52 Ciclo Em que grupo da frase encontro as informaestemporais? 52Actividade 62 Ciclo Como expresso as informaes temporais? 56Actividade 73 Ciclo Sob que formas expresso um modificador com valortemporal? 60Actividade 83 Ciclo Como percebemos a durao do que descritopor um verbo? 64

    Actividade 93 Ciclo Como sei se um autor est a referir um factorealmente acontecido ou a anunciar o que ainda est para acontecer? 70

    Conjunto 2: Funes sintcticas 75Actividade 11 Ciclo Quais so as funes dos grupos mais importantesda frase? 75Actividade 21 Ciclo O sujeito sempre igual? 79Actividade 31 Ciclo O grupo verbal pode incluir outros grupos maispequenos? Qual a sua funo? 81Actividade 41 Ciclo Para alm do verbo e do complemento directo,posso ter outros grupos no predicado? 84Actividade 51 Ciclo H vrgulas proibidas? 85

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    Actividade 62 Ciclo Por que que o sujeito desaparece? 87Actividade 72 Ciclo Qual a funo das palavras que colocamos direitados verbos sere estar? 90Actividade 82 Ciclo Quando quero oferecer alguma coisa a algum,que funo sintctica devo usar na frase? 93

    Actividade 92 Ciclo Que funes sintcticas devo conhecer quandodigo a algum Gosto de ti todos os dias? 95Actividade 103 Ciclo Que formas tm e o que modificam osmodificadores 99Actividade 11 3 Ciclo Como se distingue o modificador do grupo verbaldo complemento oblquo? 102

    Conjunto 3: Registos de Lngua 106Actividade 11 Ciclo Como falamos de forma educada com pessoasdiferentes? 106Actividade 21 Ciclo Os sinnimos so mesmo iguais? 109Actividade 32 Ciclo Como nos dirigimos a quem no tratamos portu? 116Actividade 42 Ciclo Os registos formal e informal tambm se usam nainternet? 124Actividade 53 Ciclo que, em que ou de que? 127Actividade 63 Ciclo A mesma palavra pode pertencer a registos diferentesem lugares diferentes? 132

    3. Bibliografia e recursos 135

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    Nota introdutria

    O presente Guio para a Implementao dos Programas pretende constituir uminstrumento auxiliar para o docente que se encontra a trabalhar os Programas dePortugus, homologados em 2009.

    Neste guio, trabalha-se, em particular a competncia Conhecimento Explcito daLngua. Foi nosso objectivo explicitar o papel e a natureza desta competncia nosprogramas, o que significa ensinar gramtica numa perspectiva articulada com outrascompetncias e quais as implicaes metodolgicas desta concepo do ensino dagramtica para o trabalho de didctica da lngua.

    O guio encontra-se organizado da seguinte forma:1

    Em 1., apresenta-se uma introduo competncia Conhecimento Explcito da Lnguae ao seu papel nos programas, apresentando-se alguns critrios metodolgicos para otrabalho sobre gramtica, bem como breves reflexes sobre prticas tradicionais noensino da gramtica.

    Em 2., so apresentados trs conjuntos de actividades a desenvolver junto dos alunos,organizadas por temas (Expresso do Tempo, Funes Sintcticas e Registos de

    Lngua). Estas actividades pretendem ilustrar como trabalhar a competnciaConhecimento Explcito da Lngua para diferentes fins, tendo-se privilegiado oprincpio da progresso entre ciclos na exemplificao.

    Em 3, apresentada uma lista com bibliografia de apoio ao trabalho sobreConhecimento Explcito, bem como um conjunto de recursos disponveis na Internet,que os docentes podero utilizar criticamente.

    1 As partes 1 e 3 so da responsabilidade de Joo Costa; as actividades sobre Expresso doTempo foram elaboradas por Assuno Caldeira Cabral e Filomena Viegas; as actividadessobre Funes Sintcticas foram elaboradas por Ana Santiago; as actividades sobre Registosde Lngua foram elaboradas por Joo Costa.

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    1. O papel do Conhecimento Explcito da Lngua no Programa de Portugus

    Nos estudos preparatrios que conduziram elaborao dos novos Programa de

    Portugus (DGIDC 2008), foi possvel observar e quantificar alguns dadosamplamente conhecidos:

    i) Os nossos alunos, em final de ciclo, tm dvidas e dificuldades naresoluo de problemas e exerccios que envolvam conhecimento degramtica;

    ii) Os nossos alunos, em final de ciclo, tm dvidas e dificuldades emrealizar tarefas que convoquem explicitao de conhecimentogramatical;

    iii) Muitos docentes acham que o trabalho sobre gramtica menos til doque o trabalho sobre competncias de leitura, escrita e produo e

    expresso oral.

    Perante estes dados, importa entender por que motivo h problemas no ensino eaprendizagem da gramtica e por que motivo estes problemas so to persistentes.2So vrios os trabalhos que se tm dedicado a esta questo e que encontram factoresexplicativos em reas to diversas quanto a formao inicial e contnua dos docentesou o papel dos exames.3 Um dos factores comummente apontados como explicativodos problemas no ensino/aprendizagem da gramtica so as contradies existentesentre os prprios documentos orientadores.

    Tomemos como referncia os Programas de 1991, agora revogados, e o

    Currculo Nacional do Ensino Bsico, publicado em 2001. Conforme discutido emDuarte (1991), os Programas de 1991 atribuem ao estudo da gramtica referidocomo Funcionamento da Lngua - um lugar perifrico, havendo recomendaesexplcitas para o seu estudo ser feito sempre em contexto. Este estatuto perifrico eraat evidente na prpria organizao do documento, que no reservava para adescrio gramatical contedos, mas apenas nveis e processos deoperacionalizao, ao contrrio do que se fazia com as restantes competncias. J noCurrculo Nacional do Ensino Bsico, o estudo da gramtica aqui referido comoConhecimento Explcito da Lngua considerado uma competncia essencial, apar das restantes competncias e uma das reas nucleares do currculo. Nos ltimos

    oito anos, estes dois documentos conviveram com indicaes contraditrias elegitimando prticas divergentes. Veremos adiante que as divergncias so de fundo,uma vez que as pressuposies sobre o trabalho a desenvolver sobre gramtica elngua so muito distintas.

    Quando se l a nota de apresentao do Currculo Nacional do Ensino Bsico,entende-se que este documento no s no dispensa a formulao de programas,como prev que sejam elaborados novos programas para as vrias disciplinas. Os

    2Delgado Martins et al. (1987) e Costa (2008) mostram que, no final do ensino secundrio, os alunos

    tm graves lacunas de conhecimento gramatical. Apesar de haver duas dcadas a separar estes dois

    estudos, os resultados so semelhantes.3

    Duarte (1992, 1996, 2000), entre outros.

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    programas a elaborar deviam especificar as orientaes gerais dadas pelo CurrculoNacional do Ensino Bsico, que serviria como documento enquadrador e orientador decarcter mais geral.

    neste contexto que surgem os Programas de Portugus do Ensino Bsico de

    2009. Estes programas visam dar contedo s linhas orientadoras previstas noCurrculo Nacional e, assim sendo, no dispensam uma leitura daquele documento.Estamos, portanto, perante um documento programtico que assume:

    a) Um trabalho sobre Conhecimento Explcito da Lngua enquanto competnciaautnoma (com um estatuto idntico ao das outras competncias) e noapenas instrumental e transversal.

    b) Um trabalho sobre Conhecimento Explcito da Lngua e no sobreFuncionamento da Lngua.

    Importa, ento, reflectir um pouco sobre estas duas assumpes, para que nos seja

    possvel uma apropriao adequada dos pressupostos do programa, sem a qual setorna difcil uma implementao eficaz.

    Uma vez que, como referimos acima, sabido que muitos docentes noreconhecem a utilidade/interesse do trabalho sobre gramtica, importar tambm reveralguns dos motivos que justificam o investimento sobre esta competncia.

    1.1. O que se entende por Conhecimento Explcito da Lngua? Qual adiferena face ao Funcionamento da Lngua?

    primeira vista, poder parecer indiferente o termo utilizado para referir o trabalhosobre gramtica. Contudo, a distino entre Funcionamento da Lngua eConhecimento Explcito da Lngua, que afasta os programas anteriores do actualprograma, encerra um conjunto de implicaes diferentes sobre o trabalho a fazersobre a lngua. Analisemos as que mais directamente afectam a implementao doprograma:

    O papel do conhecimento implcito e a gramtica que todos os alunossabem.

    O termo Conhecimento Explcito s faz sentido tendo como referncia a ideia deque existe conhecimento implcito sobre a lngua. Por outras palavras, um trabalhosobre conhecimento explcito assume, de forma inequvoca, que os alunos sofalantes competentes, ou seja, utilizadores da lngua que mobilizam de formaautomtica regras gramaticais para gerar e produzir enunciados na sua lngua.Consideremos um exemplo simples: o que acontece quando ouvimos uma frase comoPodes fechar a janela?

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    Aquilo que , de facto, produzido um conjunto de sons (material acstico fsico),que, enquanto falantes competentes, somos capazes de reconhecer como materiallingustico. O nosso CONHECIMENTO FONTICO d-nos instrumentos paradiscriminar os sons que so linguisticamente relevantes dos que no so.

    Em funo de inmeros factores, como a velocidade de elocuo oucaractersticas regionais, pode acontecer que o que , de facto, dito no correspondaa todos os sons interpretados. Para a frase em questo, possvel conceber umapronncia como [p d ar n l ]. Nesta pronncia, a slaba /fe/ omitida. Todavia,isso no afecta a nossa compreenso do enunciado. O nosso CONHECIMENTOFONOLGICO permite-nos, intuitivamente, recuperar sons e estabelecer relaesentre sons.

    O nosso CONHECIMENTO MORFOLGICO permite, por exemplo, que saibamosreconhecer o valor singular da palavra janela, pela ausncia da marca de plural, ouque a frase dirigida a apenas uma pessoa.

    Atravs do CONHECIMENTO SINTCTICO, conseguimos identificardependncias entre as palavras que compem a frase. Por exemplo, sabemos que ajanela depende do verbo fechar, servindo-lhe de complemento e que se, em vez defechar, tivssemos o verbo saltar, a expresso a janela teria de ser precedida dapreposio de.

    Construmos significado recorrendo ao que sabemos sobre cada palavra,activando o nosso CONHECIMENTO LEXICAL, que nos diz, por exemplo, que valoreso verbo poder pode assumir nesta frase, mas tambm analisando a forma como aspalavras se combinam, ou seja, activando o nosso CONHECIMENTO SEMNTICO,atravs do qual podemos, por exemplo, entender que uma frase como Todos oshomens amam uma mulher tem pelo menos duas interpretaes (ou todos amamuma nica mulher ou para qualquer homem existe uma mulher qualquer no mundoque esse homem ama).

    A construo de significado no se esgota contudo numa anlise das partes e dasua combinao. H informaes contextuais que contribuem para a interpretao quefazemos de enunciados. Para entendermos isto, basta vermos que, perante esteenunciado, a resposta esperada que nos movamos e fechemos a janela e no quedemos uma resposta como Posso. Somos capazes de atribuir intenes quilo que

    nos dito em funo do nosso CONHECIMENTO PRAGMTICO E DISCURSIVO.

    Um dos aspectos fascinantes sobre o nosso conhecimento da lngua o facto deactivarmos todos estes nveis gramaticais de forma inconsciente e eficiente.

    Usamos a lngua porque temos conhecimento de regras da gramtica, mas notemos conscincia desse conhecimento. Por exemplo, qualquer criana portuguesacom dois anos, ao juntar um verbo com um complemento, produz enunciados comoquer gua e no gua quer, enquanto uma criana japonesa produzir gua quere no quer gua. Este acerto no padro de ordem de palavras revela que ascrianas, aos dois anos, j sabem qual a ordem de palavras interna ao grupo verbal da

    sua lngua VO ou OV. Contudo, as crianas no tm conscincia deste

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    conhecimento. por este motivo que o conhecimento gramatical referido comoconhecimento implcito.

    O uso que fazemos deste conhecimento gramatical extremamente eficiente. Sepensarmos quantos enunciados ouvimos, lemos ou produzimos em apenas uma hora

    do nosso dia e como somos bem sucedidos nas nossas produes e na forma comointerpretamos a lngua que se produz nossa volta, conseguimos avaliar como onosso conhecimento da lngua funciona de forma eficiente.

    Ao entendermos isto, conseguimos entender que ensinar gramtica no ensinaralgo completamente novo, mas sim tornar os nossos alunos conscientes de umconhecimento que eles tm e aplicam, mas do qual no tm conscincia.

    nesta dimenso que a diferena entre os trabalhos sobre Funcionamento daLngua e sobre Conhecimento Explcito da Lngua se torna evidente. Podemosensinar como funciona um microscpio, como funciona uma espcie animal, como

    funciona a migrao das aves e podemos faz-lo recorrendo a diversas metodologias.Mas, em todos estes casos, pressupomos que estamos a olhar para algo externo aquem aprende, que no tem j qualquer informao sobre aquilo que vai observar esobre o conhecimento que vai construir. Ora, se acabamos de ver que qualquer falantede uma lngua, em idade escolar, um utilizador com conhecimento no consciente demuitas regras gramaticais, descabido no tirar partido do conhecimento implcito dosalunos para uma explicitao desse mesmo conhecimento. Fazendo umacomparao, seria como o professor de Educao Fsica ignorar que os alunos querecebe j correm, saltam, ou se sentam, mesmo que no tenham conscincia dealgumas regras para um bom uso do seu corpo, e fazer todo um trabalho sobre a

    actividade fsica do ser humano como se este fosse um objecto estranho ao prprioser humano.

    Perante estes dados e informaes, torna-se claro que deixam de fazer sentidoafirmaes como os alunos no sabem gramtica nenhuma. Os novos programas deportugus do Ensino Bsico obrigam-nos, enquanto docentes, a:

    a) Investir em descries mais adequadas da gramtica do portugus.Num programa e num currculo que assentam na explicitao de umconhecimento implcito que existe apesar das descries infelizes de algunscompndios gramaticais, necessrio haver um investimento numa descrio

    sria e cuidada da lngua. Deixa de ser possvel trabalhar com base emdescries erradas ou imprecisas, como as que tradicionalmente aparecem emgramticas pedaggicas.Consideremos alguns exemplos: no valer a pena explicitar o conjuntivo comoo modo do que irreal4, quando os alunos usam produtivamente o conjuntivoem contextos factuais como Lamento que tenhas feito isso. No vale a penaexplicitar que as vrgulas servem para marcar pausas pequenas, quandoqualquer falante faz pausas em contextos em que a vrgula proibida. Ou novale a pena explicitar que todos os adjectivos tm grau, quando qualquerfalante se apercebe que h adjectivos que no variam em grau.

    4Propositadamente, no citamos os manuais e gramticas escolares de onde tiramos estas citaes.

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    b) Tomar conscincia do grau de desenvolvimento lingustico dos nossos alunos.Sabemos que grande parte do conhecimento lingustico est estabilizado entrada na escola, mas h domnios de aquisio tardia.5 O docente deveencontrar meios de diagnosticar as reas de dificuldade dos seus alunos para

    poder investir mais nessas reas e funcionar como um agente que se apoia noconhecimento implcito para potenciar o desenvolvimento de novoconhecimento.Por exemplo, sabendo-se que os alunos tm dificuldades na compreenso deconectores como ainda que,6 que, em alguns contextos, tm o mesmosignificado de mas,7 o qual no coloca problemas s crianas, valer a penatirar partido do conhecimento que o aluno tem de mas para construir oconhecimento de ainda que em paralelo.

    c) Tomar conscincia dos aspectos da lngua que no decorrem de uma

    aquisio espontnea.Se, como vimos, h muitos aspectos da lngua sobre os quais temosconhecimento implcito, h outros que tm de ser aprendidos explicitamente.Por exemplo, a colocao de pronomes em contexto mesocltico (como emfar-se- ou ver-te-ei) s aprendida em contexto de instruo. Esta tomadade conscincia importante para podermos saber o que se pode esperar que oaluno saiba ou venha a saber atravs do seu desenvolvimento normal e aquiloque ele s vir a saber se algum lhe ensinar. Alm disso, esta tomada deconscincia tambm importante para diferenciarmos mtodos de ensino spodemos recorrer ao conhecimento implcito quando este existe. Perante

    construes ou regras que s so aprendidas se forem explicitamenteensinadas, impossvel recorrer a um conhecimento inconsciente que noexiste.

    d) Investir num ensino da lngua que capitaliza as regularidades.Se se pretende um trabalho assente na explicitao de um conhecimentoimplcito altamente eficiente, deve dar-se aos alunos a possibilidade deobservarem que a eficincia decorre da existncia de padres regulares muitofrequentes na lngua. Muitas vezes, o ensino da gramtica tem colocadodemasiado enfoque na observao das excepes, esquecendo que a maiorparte do que se passa nas lnguas regular. Se verdade que as excepesrequerem memorizao e aprendizagem explcita, no menos verdade queum trabalho que ignore a regularidade impede que se tome conscincia dosprocessos mais comuns e inviabiliza a sua generalizao na resoluo denovos problemas.

    5Por exemplo, a interpretao de alguns pronomes e cadeias referenciais (Santos 2002), a interpretao

    de algumas oraes relativas (Vasconcelos 1991, Costa et al. 2008), o significado e a produo de algunsconectores contrastivos (Costa 2006), entre outros.6

    Costa (2006).7 Veja-se a semelhana entre Vou praia, ainda que esteja a chover e Est a chover, mas vou praia.

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    e) Orientar o estudo da gramtica em dimenses para alm da mera correco doerro.Assumindo-se que estudar gramtica tornar explcito o conhecimentoimplcito dos alunos, podemos entender que o estudo da gramtica deixa defazer sentido apenas como ferramenta normativa que visa corrigir o erro. Esta

    dimenso no esquecida , alis, explicitada no Programa (p. 16), mas autilizao da gramtica deixa de estar condenada a ocorrer apenas em funoda correco de desvios norma. Alis, se assim fosse, ficaria de fora oestudo de quase todas as regularidades da lngua, que, tipicamente, nogeram tantos desvios norma quanto as irregularidades e excepes (veja-se,por exemplo, o caso do grau dos adjectivos).

    O Conhecimento Explcito da Lngua enquanto competncia.

    Na esteira do Currculo Nacional do Ensino Bsico, os Programas dePortugus do Ensino Bsico assumem claramente que o Conhecimento Explcito daLngua uma competncia a ser trabalhada, tal como a leitura, a escrita ou o oral. Se,

    por exemplo para a leitura, relativamente consensual uma abordagem enquantocompetncia, a tradio tem mostrado que a gramtica apesar do que preconizadono Currculo Nacional continua a ser leccionada em abordagens metodolgicas queno transformam os contedos em saber em uso. Em parte, isto tem explicado a faltade conhecimentos metalingusticos sada da escola: a aprendizagem de gramticatem-se centrado na nomenclatura, sem tempo para treino e reinvestimento dosconhecimentos adquiridos, criando situaes que tornam os contedos adquiridosexcelentes candidatos para um rpido esquecimento.

    Torna-se, portanto, evidente que, ao implementar os Programas de Portuguspara o Ensino Bsico, ser necessrio rever prticas que imponham um trabalho sobre

    gramtica que faam do conhecimento explcito da lngua um conjunto de saberes a

    PISTAS PARA FORMAO:Para aprofundar estes tpicos, ser interessante que os grupos dedocentes explorem em conjunto:

    - Gramtica da Lngua Portuguesa perspectivas descritivas vs.perspectivas normativas

    - Descries adequadas de fenmenos da gramtica do portugusconfronto com descries e definies em gramticas tradicionais.

    - Aquisio da Linguagem que aspectos decorrem da aquisioespontnea e que aspectos precisam de ensino explcito?

    - Aquisio tardia que aspectos da lngua s so adquiridos naadolescncia?

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    que os alunos podem recorrer em contextos de uso diversificados, tornando-seutilizadores mais conscientes do uso que fazem da lngua.Por exemplo, nesta perspectiva, torna-se evidente como o estudo das funessintcticas dever preceder a sistematizao de regras de pontuao (No pr vrgulaentre o sujeito e o predicado, No separar o verbo dos seus complementos por

    vrgula, etc.). Para que este tipo de trabalho possa ser realizado, tm de ser criadosmomentos em que se explicita o conhecimento gramatical e momentos em que esseconhecimento, depois de estar bem consolidado, recuperado e mobilizado emsituaes de uso.

    Note-se que esta uma abordagem completamente diferente da prevista nosprogramas de 1991, em que se preconizava o recurso gramtica se o uso assim ojustificasse, numa perspectiva funcional e ldica. Aqui, prev-se um trabalho sobre agramtica que se consolida atravs da sua mobilizao em situaes de uso ou dereinvestimento na comparao com novos dados ou novas situaes. Evidentemente,nem sempre encontraremos situaes de uso ou desvio norma em que se torneevidente o reinvestimento do conhecimento construdo. Nesses casos, cabe aodocente procurar estratgias de mobilizao do conhecimento gramatical construdo,por exemplo na comparao com outras reas. Veja-se, por exemplo, a actividade desubclasses de nomes construda em Duarte (2008) para o 1 ciclo, no mbito doPNEP, que tem como ponto de partida a comparao entre o funcionamento dasclasses de palavras e das classes de animais.

    O Conhecimento Explcito da Lngua competncia nuclear.

    J foi referido acima, mas importa enfatizar, que, conforme previsto noCurrculo Nacional do Ensino Bsico, o Conhecimento Explcito da Lngua , nestesprogramas, uma competncia nuclear da disciplina de Lngua Portuguesa, estando osseus descritores de desempenho, contedos, processos de operacionalizao, etc. apar dos que se encontram previstos para o trabalho sobre produo e compreensooral, leitura e escrita.

    Esta chamada de ateno importante face ao grande peso que a tradioescolar tem atribudo, desde os anos 70, a um ensino em que a gramtica no existeenquanto competncia autnoma, mal assumida ou explicitamente vista como uma

    competncia que s deve surgir para complementar o trabalho que se faz naoralidade, leitura e escrita.

    comum ouvir-se dizer que a gramtica uma competncia transversal,porque til a todas as outras, e que, face a essa sua natureza, assume umadimenso eminentemente instrumental e no carece de um trabalho autnomo.Contudo, os riscos associados a esta concepo so evidentes:

    a) Esta foi a prtica durante dcadas e resultou nos cenrios j descritos de noaprendizagem da gramtica;

    b) A caracterizao da gramtica como instrumental e transversal redutora, uma

    vez que aparenta esquecer que, na verdade, todas as competnciastrabalhadas na aula de Lngua Portuguesa so transversais e tm dimenses

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    instrumentais. No faz, portanto, sentido reservar para a gramtica este papelespecial.

    c) Sob ponto de vista metodolgico, esta assuno implica no reservarmomentos de trabalho especficos s para trabalhar a gramtica, o que, naprtica, conduziu a que as planificaes da resultantes no reservassem

    tempo suficiente para o trabalho de treino e sistematizao que o estudo dagramtica requer, uma vez que se queimavam etapas, partindo-se cedodemais para (falsas) aplicaes de conhecimento (ainda no) construdo.

    Assumir a nuclearidade do Conhecimento Explcito da Lngua revalorizar o seu papele, consequentemente, conceber um trabalho sobre a gramtica que implicaabordagens autnomas, com tempo e centradas no desenvolvimento destacompetncia.

    A explicitao das diferenas entre um trabalho sobre Funcionamento daLngua e sobre Conhecimento Explcito parece-nos importante, uma vez que sepoderia pensar que estes programas so iguais aos anteriores, mas com maisgramtica. Na verdade, vemos que so programas em que a concepo sobre oestudo da gramtica se apoia no que se encontrava previsto no Currculo Nacional doEnsino Bsico. Assim, se se implementar este programa com prticas idnticass anteriores ou sem uma apropriao dos pressupostos inerentes a estasdiferenas, corremos o risco de estar a fazer uma falsa implementao doprograma.

    Na tabela seguinte, sumariam-se algumas das principais diferenas entre asduas concepes sobre ensino da gramtica:

    Funcionamento da Lngua(concepo 1991)

    Conhecimento Explcito da Lngua(concepo 2009)

    No se estabelece uma relao coerenteentre o conhecimento implcito dosfalantes e o papel do ensino dagramtica.

    Conscencializao do conhecimentoimplcito e inconsciente dos alunos.

    Trabalho orientado para correco doerro em situao comunicativa, comaprendizagem em uso.

    Trabalho orientado para deteco deregularidades da lngua, com mobilizaopara situaes de uso aps

    sistematizao.Contedos organizados em funo docontexto de uso.

    Organizao de contedos em funo demobilizao e de etapas dedesenvolvimento do conhecimentolingustico.

    Competncia transversal, deoperacionalizao em contexto funcionale ldico.

    Competncia nuclear.

    Face ao exposto, uma correcta implementao do programa implicar:

    Um diagnstico do conhecimento lingustico dos alunos.

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    Uma programao (anual) e uma planificao de sequncias didcticas em que otrabalho de explicitao da lngua feito com tempo e a partir do conhecimentolingustico dos alunos.

    Uma programao que preveja o reinvestimento do conhecimento construdo

    noutras competncias.

    1.2. Para qu trabalhar o Conhecimento Explcito no ensino bsico?

    Como foi referido acima, importa, para uma adequada implementao doprograma, que seja reconhecido pelos prprios docentes que o trabalho sobre

    Conhecimento Explcito da Lngua til e vantajoso. Como se viu no estudopreparatrio sobre posies dos docentes face disciplina de Lngua Portuguesa(DGIDC: 2008), h dvidas e hesitaes sobre a utilidade deste trabalho, quandocomparado com o posicionamento perante as restantes competncias.

    No Currculo Nacional do Ensino Bsico, em Sim-Sim, Duarte e Ferraz (1997) e emDuarte (2008), so enunciadas, muito claramente, algumas das principais vantagensdo trabalho sobre esta competncia. Em particular, no trabalho desenvolvido para oPNEP, Duarte (2008) organiza os benefcios de um trabalho sobre o ConhecimentoExplcito da Lngua em trs eixos:

    - Objectivos instrumentais;

    - Objectivos atitudinais;

    - Objectivos cognitivos gerais e especficos.

    Faamos a reviso de cada um destes eixos, acrescentando aos exemplos de Duarte(2008) alguns que se adeqem aos contextos de 2 e 3 ciclo. Paralelamente, vejamosque tipo de trabalho tem de ser desenvolvido para que estes objectivos possam ser

    atingidos.

    PISTAS PARA FORMAO:Para aprofundar estes tpicos, ser interessante que os grupos dedocentes explorem em conjunto:

    - Instrumentos para o diagnstico do conhecimento gramatical implcitoe explcito dos alunos.

    - Critrios locais para programao e distribuio dos descritores de

    desempenho por ano e por turma, em funo dos perfis de alunos, deescola e dos diagnsticos.

    - Cenrios de mobilizao do conhecimento gramatical.

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    Objectivos instrumentais

    comum ouvir-se dizer que o estudo da gramtica faz muita falta, porque ajuda a ler ea escrever melhor. H, de facto, vrios estudos que apontam para correlaespositivas entre conscincia lingustica e hbitos de reflexo sobre a lngua, por umlado, e desempenhos na leitura, na escrita e na oralidade, por outro. Consideremos osseguintes exemplos extrados e adaptados de Costa (2008):

    a) Escrita:

    Um bom domnio da escrita envolve o planeamento e o uso controlado de diversasestratgias. Ao nvel da micro-estrutura textual, a ortografia e a pontuao soaspectos bsicos para a construo de um texto. Um desvio frequente encontrado nasprodues escritas atesta-se num mau uso da pontuao. So frequentes casos deuso da vrgula entre o sujeito e o predicado, como em (1), ou de hesitaes napontuao de elementos ps-verbais, como em (2), e de oraes adverbiais, como em(3):

    (1) a. Pontuao incorrecta:O problema que tem vindo a ser discutido no parlamento desde as ltimaseleies, tem gerado inmeras reaces.b. Pontuao correcta:O problema que tem vindo a ser discutido no parlamento desde as ltimaseleies tem gerado inmeras reaces.

    (2) a. Pontuao incorrecta:Os deputados falaram, de forma eloquente sobre os problemas do pas.b. Pontuao correcta:Os deputados falaram, de forma eloquente, sobre os problemas do pas.

    (3) a. Pontuao incorrecta:As crianas, quando aprendem a falar generalizam regras gramaticais.As crianas quando aprendem a falar, generalizam regras gramaticais.b. Pontuao correcta:As crianas, quando aprendem a falar, generalizam regras gramaticais.

    Tradicionalmente, ensina-se que a vrgula marca uma pausa pequena, ignorando-se ofacto de no haver uma correlao perfeita entre prosdia e pontuao, conformeprovado em Freitas (1990) e Mata (2000). Ignora-se tambm o facto de as regras douso da vrgula serem, em grande maioria, de natureza sintctica. Assim se explica que

    sejam, frequentemente, colocadas vrgulas em contextos de fronteira entoacional,apesar de o contexto sintctico o proibir. As regras de colocao da vrgula so

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    simples, podendo, nestes casos, ser descritas da seguinte forma: (i) no se colocavrgula entre o sujeito e o predicado; (ii) o verbo e os seus complementos no soseparados por vrgulas; (iii) os modificadores preposicionais do verbo podem,opcionalmente, ser intercalados por vrgulas; (iv) as oraes adverbiais internas frase so intercaladas por vrgulas. Parece evidente que, para estas regras poderem

    ser utilizadas, pressuposto que os alunos saibam identificar o sujeito e o predicado eque saibam distinguir complementos de modificadores verbais. Daqui decorre que,numa perspectiva meramente normativa, qualquer pessoa que necessite de esclareceruma dvida quanto ao uso da vrgula numa gramtica ou num pronturio s consegueresolver o seu problema se conhecer classificao gramatical suficiente para poderconsultar estes instrumentos de normalizao lingustica.

    Um problema semelhante coloca-se no uso de vrgulas aps conjunes. Doiserros frequentes ocorrem em construes adversativas, ao colocar-se vrgula depoisde conjuno, como em (4) ou na no colocao de vrgula aps palavras comoporm, todaviaou contudoem incio de perodo, como em (5):

    (4) a. Pontuao incorrecta:O Pedro tem febre, mas, acha que pode sair.

    b. Pontuao correcta:O Pedro tem febre, mas acha que pode sair.

    (5) a. Pontuao incorrecta:O Pedro tem febre. Todavia acha que pode sair.

    b. Pontuao correcta:O Pedro tem febre. Todavia, acha que pode sair.

    Tal como no caso anterior, a regra de pontuao simples: as conjunes no soseguidas de vrgula, ao contrrio do que acontece com os advrbios conectivos emincio de perodo ou intercalados. A formulao e uso desta regra pressupem,portanto, que se conhece a diferena entre advrbios e conjunes (no possvelconhecer a lista de cor, uma vez que os advrbios so uma classe aberta) e,consequentemente, que se sabem distinguir nexos entre frases estabelecidos atravsde relaes de coordenao ou atravs de advrbios. O conhecimento destasdiferenas , ainda, importante para a construo de diferentes tipos de texto.Espera-se que os alunos, sada do Ensino Bsico, sejam autnomos na capacidade

    de reviso dos seus textos, adequando o seu estilo de escrita a diferentes tipos detexto e a diferentes registos. Consequentemente, os alunos devero saber que devemdiversificar as formas de estabelecimento de nexos entre frases em funo do tipo detexto que esto a escrever, no transpondo para a escrita a tendncia, presente noregisto oral informal, para usar apenas a coordenao com mas.

    b) Leitura:

    Conforme explicitado nos Programas de Lngua Portuguesa, ler , em larga

    medida, extrair informao de um texto. Esta actividade de extraco de informaopode ser mais ou menos facilitada em funo da orientao que feita e do

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    conhecimento que existe sobre as caractersticas do texto. Conforme enfatizado emvrios trabalhos sobre leitura, os bons leitores so os que lem bem, muito erapidamente. Para tal, necessrio ter presente que, ao lermos, activamos uma sriede mecanismos cognitivos, mesmo antes de comearmos a lidar com o contedo dotexto em concreto. Por exemplo, ao olharmos para as imagens abaixo,

    predispomo-nos para a leitura de uma carta quando olhamos para a da esquerda epara a leitura de um poema, quando olhamos para a da direita, apesar de noconseguirmos ler o texto.

    Conseguimos faz-lo, porque conhecemos aspectos macro-textuais destes tipos detexto, que facilitam o trabalho de leitura e que nos foram explicitamente ensinados.Entendemos, assim, que o trabalho explcito sobre aspectos e propriedades dos textos fundamental para facilitar os desempenhos na leitura.

    De igual modo, a leitura de um texto pode ser facilitada se houver trabalho

    prvio sobre padres sintcticos complexos, conforme mostrado nos trabalhos deArmanda Costa. Vejamos alguns exemplos de padres que geram dificuldades naleitura:

    - Recuperao do referente de pronomes:

    A recuperao do antecedente da forma este difcil para um leitor pouco experientee requer um trabalho de orientao explcita, que deve ser precedido de umaexplicitao sobre as possibilidades referenciais dos pronomes.

    Outro exemplo de orientao da leitura passar pela ateno a dar a estruturasem que a ordem directa no se verifica, como em algumas oraes relativas:

    - Olhe, o meu casamento no tem histria. Quando eu e Emlia estvamos juntos, durante a longaintimidade de trs meses, falvamos de livros, de cozinha, do que dizia o Ilustrado, um pouco dereligio, muito das senhoras da Granja, de arte, de ces, da cultura da beterraba e uma ou outra vezdo Fontes. E foi quando nos separmos que, de repente, batendo cada um por seu lado na testa,exclammos a toda esta distncia: - verdade, esqueceu-nos de dizer que devamos unir os nossos

    destinos!. este o nico lado pitoresco.In www.vidaslusofonas.pt

    Aponta-me, ento, as pessoas que os guardas atacaram.

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    sabido que oraes relativas em que o pronome relativo complemento directo somais difceis de processar e entender do que aquelas em que o pronome relativo sujeito (Vasconcelos 1991, Costa et al. 2008). Caber, ento, ao docente tornar os

    alunos conscientes das estruturas que so, naturalmente, mais difceis para ospredispor para uma leitura mais atenta e para o desenvolvimento de estratgias para aresoluo de problemas, chamando a ateno (ou seja, orientando a leitura) para osaspectos estruturais que sero, em princpio, geradores de dificuldade.

    O desenvolvimento destas estratgias de leitura atravs do conhecimentoexplcito criar, certamente, leitores mais hbeis, mais capazes de tratar a informaolida de forma diferenciada. Por exemplo, os alunos precisaro de distinguir hipteses,descries, argumentos e opinies para extrair informao e organizar o seu estudo. Oreconhecimento de estratgias utilizadas em diferentes tipos de texto fortalecer osentido crtico dos alunos, que podem, com instrumentos deste tipo, distinguir fontes

    de informao credveis de textos meramente opinativos. Esta uma competnciafundamental num momento em que o acesso a textos se tornou extremamente fcil,graas Internet. Um leitor competente deve ser capaz de interpretar, de formadistinta, o que asserido, o que sugerido e a informao da qual o autor sedistancia, como nos exemplos em (6):

    (6) a. Os preos vo aumentar no prximo trimestre.b. Os preos iro aumentar no prximo semestre.c. Diz-se que os preos vo aumentar no prximo trimestre.

    O valor modal associado a cada uma das frases de (6) diferente. Uma interpretaoadequada de um texto escrito implica o reconhecimento destes diferentes valores,uma vez que o autor do texto pretende suscitar diferentes reaces no leitor, aoescolher (mesmo que de forma inconsciente) os diferentes marcadores demodalidade. O estudo da modalidade permite, neste sentido, dotar os alunos deferramentas que permitem uma leitura mais eficiente e crtica pelo que menosimpressionista dos diferentes textos com que interagem.

    c) Oralidade:

    Consideremos agora o domnio da expresso oral. Ser desejvel que, sadado Ensino Bsico, os alunos sejam capazes de adequar o registo oral a diferentescontextos de formalidade e que dominem formas e expresses que no tornem o seuuso da lngua factor de excluso social.

    H desvios norma frequentes que decorrem da falta de hbito de reflexo sobre aestrutura da lngua: as dificuldades em flexionar o verbo intervir, o acento mal

    colocado na primeira pessoa do plural do presente do conjuntivo, ou a dificuldade emutilizar a mesclise podem ser facilmente colmatadas se se formularem regras. Estas

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    regras implicam ter em conta a estrutura morfolgica das vrias formas. Por exemplo,nenhum falante tem dificuldade em conjugar o verbo vir no pretrito perfeito, pelo quea tomada de conscincia de que o verbo intervir um derivado de vir facilitar oseu uso.

    Um outro aspecto bsico da oralidade reside no domnio das formas de tratamento.Tradicionalmente, ensinam-se as diferenas entre pronomes formais e informais(voc vs tu), mas no se explicita que o uso mais formal implica o uso da formanula do pronome na posio de sujeito (veja-se a diferena entre Viu os meusculos? e Voc viu os meus culos?). A explicitao das formas pronominaisassociadas a diferentes funes sintcticas e, em particular, a descrio dos contextosem que um sujeito pode ser nulo possibilitam, assim, a formulao de uma regrasimples que permitir a adequao das diferentes formas pronominais a diferentescontextos discursivos.

    Finalmente, conforme explicitado em Mata (1990) e Mateus (2007), entre

    outros, uma exposio oral formal implica um controlo de aspectos prosdicos, como,por exemplo, a gesto das pausas (que, quando sistematicamente preenchidas,prejudicam a qualidade da exposio). Tal como nos casos anteriores, a explicitaode contornos entoacionais e da gesto das fronteiras entre constituintes prosdicospermite a formulao de regras generalizveis.

    Note-se que todos estes exemplos ilustram aspectos meramente instrumentaisdo trabalho sobre o conhecimento explcito, que acabam por ser os mais consensuais.No obstante, so, ousamos dizer, os menos trabalhados. H uma tradio detrabalho da gramtica ao servio de outras competncias que no , muitas vezes,mais do que um conjunto de boas intenes. Para se conseguir atingir os objectivosinstrumentais enunciados, necessrio desenvolver sequncias de actividades quecumpram pelo menos duas etapas:

    1. Tomada de conscincia e sistematizao de propriedades lingusticas.2. Mobilizao dos conhecimentos gramaticais em situaes de uso.

    Este no o percurso feito na maior parte das sequncias de aprendizagemoferecidas tradicionalmente aos alunos. Na tradio escolar, ou se trabalha agramtica como uma rea completamente autnoma, sem haver qualquerreinvestimento do conhecimento gramatical em contexto de uso, ou se assiste a falsasmobilizaes, de que so exemplo prototpico as unidades didcticas oferecidas emmanuais, em que ocorrem algumas questes de gramtica depois de perguntas decompreenso de um texto para, supostamente, ajudar leitura. Na maior parte dasvezes, se retirssemos essas questes de gramtica, o resultado para o desempenhona leitura seria o mesmo, o que significa que estamos perante casos depseudo-mobilizao do conhecimento gramatical.

    A lio que pretendemos que se retire desta reflexo , portanto, simples. Aimplementao de um programa assente no Currculo Nacional do Ensino Bsico, em

    que o trabalho sobre Conhecimento Explcito da Lngua pretende atingir objectivosinstrumentais, deve obedecer aos seguintes princpios:

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    Objectivos atitudinais

    Em Duarte (2008), exemplifica-se como correlato positivo de um trabalho slidosobre conscincia lingustica o desenvolvimento da autoconfiana lingustica e dorespeito e tolerncia lingustica. Estes so aspectos importantssimos, que no podemser descurados ao longo de todo o Ensino Bsico. Vejamos alguns exemplos defactores a ter em conta:

    a) A variao lingustica:

    A escola portuguesa tem recebido, nos ltimos 30 anos, cada vez mais alunos queno tm o portugus como lngua materna. S recentemente sobretudo com asondas de imigrao da Europa de Leste se ganhou conscincia das dificuldadesdestes alunos e da necessidade de uma interveno consciente. H relatos de escolasem que alguns destes alunos no progridem mais rapidamente por terem medo defalar e de usar a lngua, por terem medo de errar perante os seus colegas, que sopouco tolerantes perante um uso desviante da lngua. Esta atitude de intolerncia,embora pontual, preocupante e manifesta-se, algumas vezes, tambm perante

    falantes de variedades brasileiras ou africanas do portugus, que so vtimas dediscriminao por parte dos outros alunos. Curiosamente, alguns alunos aliamcomportamentos intolerantes a uma insegurana muito grande, sendo difcil encontraralunos que se voluntariem para fazer uma apresentao oral espontnea comqualidade, para fazer uma leitura no preparada em voz alta, etc.

    Como em outras reas do saber, a insegurana e a intolerncia decorrem dodesconhecimento. No caso particular da lngua, decorrem, sobretudo, da falta dehbitos de tomada de conscincia e de reflexo sobre a prpria lngua e sobre aspossibilidades de variao entre lnguas. Algumas pequenas actividades deobservao do uso de fala espontnea, em situaes de oral no formal, de exposioa registos formais ou poticos de outras variedades da lngua, de observao dos

    Quando se pretendem atingir objectivos instrumentais, devemprivilegiar-se contedos mobilizveis em contexto de uso, i.e., que voser necessariamente retomados em contexto de uso.

    S pode ser mobilizado em contexto de uso o que j foi

    suficientemente trabalhado, i.e., a mobilizao requer trabalho prvio.

    A mobilizao de conhecimento gramatical requer trabalho articuladoentre as competncias, i.e., tm de ser planificadas sequncias deaprendizagem conducentes a reinvestimento do conhecimento gramaticalem situaes de uso.

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    limites da variao entre as lnguas do mundo ou a mera constatao da diversidadelingustica abriro, certamente, os horizontes dos alunos, tornando-os conscientes doque o plurilinguismo e de quo desajustadas so as posies dogmticas sobre ouso da lngua por outros.

    Em Bernaus et al. (2008), so propostas vrias actividades muito simples quepodem ser desenvolvidas em tempos bastante curtos, que visam chamar a atenodos alunos para a diversidade lingustica no mundo.

    b) O controlo de registos de lngua:

    Todos usamos a lngua de forma diferente em funo de contextos diferentes. Aforma como falamos numa reunio de trabalho diferente da forma como falamos

    num jantar com amigos. A forma como falamos com um adulto diferente da formacomo falamos com uma criana de dois anos. O cuidado que temos na preparao deum texto que vai ser lido por outros diferente do que temos a elaborar uma lista decoisas a fazer que se destina apenas a ser lida por ns prprios. Tudo isto normal,sendo portanto de esperar que, em alguns destes contextos, haja desvios aos usosformais da lngua. O que se torna pouco natural adoptar uma atitude dogmticaperante esta ou aquela construo, que se diga aos alunos isto no se diz, quandoos alunos ouvem a construo sua volta a toda a hora. O que poder pensar umaluno a quem dito que no se diz aquilo que ele ouve dizer em casa desde quenasceu? Que o melhor ficar calado, para no dizer o que no se diz. Um trabalhobem dirigido sobre variao sociolectal, sobre o domnio dos diferentes registospoder levar o aluno a tomar conscincia dos contextos em que as diferentes formas econstrues so adequadas, em funo do contexto discursivo (o que inclui situao,interlocutores, etc.).

    Desta forma, certamente se conseguir que os alunos ganhem uma maiorconscincia do uso que fazem da lngua, adequando-o a diferentes situaes.Obviamente, este trabalho requer explicitao, uma vez que no possvel semsistematizao e sem alguma metalinguagem que permita estabelecer generalizaessobre conjuntos de construes.

    Para que a prossecuo destes objectivos seja possvel, no basta ensinargramtica. Tal como vimos para os objectivos instrumentais, necessriodesenvolver um trabalho sobre Conhecimento Explcito que seja capitalizado paraestes fins. Crucialmente, este trabalho obriga a que o docente adopte uma atitudesobre o conhecimento gramatical semelhante ao que um docente de cincias temsobre a natureza no uma atitude dogmtica, mas sim uma atitude descritiva, dequem est disposto a descrever a lngua enquanto objecto que existe e que pode sercolocado ao servio do utilizador para melhorar as suas atitudes. Retenhamos, ento,os seguintes aspectos:

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    Objectivos cognitivos gerais e especficos:

    Quer o Currculo Nacional do Ensino Bsico, quer Duarte (2008) enfatizam umaspecto que evidente, mas infelizmente tem de ser sempre relembrado: um dos

    objectivos do ensino da gramtica , tambm, que os alunos estudem e aprendamgramtica. Significa isto assumir que, para alm dos objectivos instrumentais eatitudinais, o conhecimento da lngua um fim em si mesmo. Ou seja, tal como aescola desafia os alunos a saberem mais sobre a constituio das clulas, a formaodos terrenos, a histria da humanidade, as operaes aritmticas, o funcionamento doaparelho respiratrio, tambm os desafia a conhecer aspectos da lngua que falam eusam. De novo, torna-se evidente que no vale a pena insistir num ensino decaractersticas que no correspondem ao que as lnguas de facto so. Tem de separtir de uma descrio correcta, adequada e real da lngua, que permita aos alunosuma observao dos dados que tm ao seu dispor. Deste modo, os alunos podero

    tambm desenvolver competncias de recolha, organizao e anlise de dados, quelhes sero teis para outras reas disciplinares.

    Como qualquer outro conjunto de saberes especficos, os contedosgramaticais podem ser mais interessantes e apelativos para uns alunos do que paraoutros, podem fascinar alguns e parecer absurdos a outros. Caber ao docentedesenvolver estratgias que tornem os contedos gramaticais interessantes. Talpassar por, semelhana do que se faz em outras reas do saber, como as Cinciasda Natureza, privilegiar metodologias de estudo que permitam a observao dosdados e a experimentao em detrimento de abordagens centradas na memorizaode taxionomias, que rapidamente sero esquecidas. Parece-nos, assim, importanteque sejam colocados verdadeiros desafios de aprendizagem aos alunos na

    Quando se pretendem atingir objectivos atitudinais, no se podeadoptar uma atitude dogmtica sobre a lngua.

    O desenvolvimento de tolerncia lingustica passa pela observao elegitimao da naturalidade da variedade lingustica, ou seja, pelaconstatao de que todas as variedades tm uma gramtica.

    O desenvolvimento da autoconfiana lingustica passa pelo respeitopela diversidade e pela aceitao e controlo de diferentes registos, o querequer sistematizao.

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    aprendizagem da gramtica, tal como lhes so colocados desafios em outras reas dosaber. Ora, para que estes desafios sejam possveis, tem de ser claro quer para oprofessor, quer para o aluno qual a questo a que se pretende responder quando seestuda um determinado aspecto da gramtica. Tomar como ponto de partida aformulao de questes parece-nos um bom princpio para um maior sucesso na

    procura de respostas.

    Eis alguns exemplos de questes, retiradas de Costa (2009), indicando-seentre parnteses os planos que a explorao destas questes permitem trabalhar:

    Como posso saber quando que a palavra alto um advrbio ou um

    adjectivo?(classes de palavras, sintaxe)

    Qual a diferena entre perguntar Tu s idiota? e Tu sers idiota?

    (morfologia, semntica, pragmtica)

    Por que motivo posso criar uma palavra nova como abre-computadores, mas

    no abre-muitas-latas?(morfologia, lexicologia)

    Quantas palavras diferentesexistem na frase: O rapaz nada porque a rapariga

    tambm nadou.?(morfologia, lexicologia, lexicografia)

    A quantos sons corresponde a letra x?(representao grfica, fonologia)

    Em que zonas do pas e do mundo se pode usar a forma voc sem ofender?

    (variao, classe de palavras, pragmtica)

    Quando que mos se escreve com ou sem hfen? (morfologia, classes de

    palavras, representao grfica)

    Como sei se um autor est a dar uma opinio ou a relatar factos? (pragmtica,

    lingustica textual, anlise do discurso)

    Como soava o portugus no tempo de Cames?(variao, fonologia)

    A que construes posso recorrer para expressar contra-argumentos?

    (lingustica textual, pragmtica)

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    Ketchup uma palavra inglesa ou portuguesa?(lexicologia)

    A formulao de questes ajuda os alunos, na medida em que podem encontrar algumdesafio no estudo da gramtica. Por outro lado, parece-nos poder ser til para osprprios docentes, na medida em que permitir definir melhor os objectivos do estudoe a estruturao das actividades.

    So, assim, de reter os seguintes aspectos:

    1.3. Que mtodos para trabalhar o Conhecimento Explcito da Lngua noEnsino Bsico?

    J vimos o que se entende por Conhecimento Explcito e quais os objectivos evantagens do trabalho sobre esta competncia. Importar, agora, rever brevementealguns princpios metodolgicos que podero ditar o sucesso ou insucesso do trabalhosobre Conhecimento Explcito da Lngua, de acordo com os pressupostos doprograma.

    , antes de mais, importante explicitar alguns princpios do que no nos parece serum trabalho sobre gramtica compatvel com os pressupostos dos Programas:

    O conhecimento gramatical um objecto de estudo, constituindo umobjectivo em si mesmo.

    Um conhecimento gramatical slido deve ser apoiado em descriesrigorosas suportadas por evidncias empricas - e no impressionistasou infundadas, potenciando a observao de dados e a formulao dehipteses.

    A estruturao de actividades para o desenvolvimento deconhecimento gramatical deve basear-se na formulao de questesprecisas que motivem os alunos para o aprofundamento do seuconhecimento e no em meros exerccios taxionmicos.

    PISTAS PARA FORMAO:Para aprofundar estes tpicos, ser interessante que os grupos dedocentes explorem em conjunto:

    - Observao de materiais utilizados em anos anteriores quais osobjectivos do trabalho sobre gramtica nesses materiais?

    - Seleco de descritores de desempenho em funo de objectivos deacordo com os trs eixos de desenvolvimento enunciados(instrumentais, atitudinais e cognitivos gerais e especficos).

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    Ensino por definies: Alguma tradio pedaggica tenta fazer um ensino dagramtica partindo de definies. Estas so, por natureza, incompletas e dedifcil generalizao, no permitindo um trabalho de observao dos dados,invertendo um percurso desejvel, em que a sistematizao ocorre no final de

    um percurso de observaes. Por exemplo, ao dizer-se ao aluno o nome uma palavra com as propriedades X, Y e Z, retira-se-lhe a capacidade deobservar e descobrir as propriedades dos nomes e de ser ele a formularhipteses que se aproximem de sistematizaes. Alm disso, a tradiopedaggica tem mostrado que a maior parte das definies utilizadas soerradas (como o sujeito quem pratica a aco, os verbos so palavras quedenotam aces, o presente o tempo do agora e outras incorrecessemelhantes).

    Pedagogia do Erro: Como j afirmmos acima, a Pedagogia do Erro, em voganos anos 70 e, em grande parte, assumida nos Programas de 1991, incompatvel com os actuais Programas. Um trabalho sobre ConhecimentoExplcito no pode ser feito apenas a propsito do erro ou do desvio norma,uma vez que tal deixaria muitos aspectos do conhecimento gramatical portrabalhar, impediria a sistematizao e, crucialmente, limitaria a prossecuodos objectivos que se prendem com o aprofundamento de conhecimento sobrea lngua.

    Metodologias nicas: comum, em alguns momentos, assistir-se a algum

    deslumbramento com esta ou aquela metodologia. Por exemplo, poder-se-iapensar que, face aos pressupostos dos Programas, o ensino da gramtica terde ser centrado em actividades pela descoberta, como a Oficina Gramatical.H, contudo, descritores de desempenho para os quais esta no , certamente,a interveno didctica mais adequada. Por exemplo, se se pretender que osalunos saibam conjugar verbos irregulares em vrios tempos verbais, elestero de memorizar tabelas de conjugao verbal, no havendo nada adescobrir nesta actividade. Ser, portanto, necessrio adequar o tipo deactividade ao objectivo que se pretende atingir, diversificando as metodologiasde ensino.

    Os Programas de Portugus do Ensino Bsico sugerem explicitamente que seponham em prtica actividades de aprendizagem pela descoberta e laboratriosgramaticais. Importa, portanto, explicitar o que se entende por este tipo deactividade e por que motivo esta recomendao feita nos programas. Contudo,importar tambm entender que esta abordagem didctica no se adequa a todosos fins. Como o prprio nome indica, uma actividade pela descoberta implica queh algo a descobrir. Havendo aspectos que tm de ser memorizados, formalmenteensinados, porque no decorrem de conhecimento implcito, no ser possvel

    recorrer a este tipo de estratgias de ensino em alguns contextos.

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    As actividades pela descoberta dedicam-se a construo de conhecimento,no sendo adequadas para avaliao. Em Hudson (1992) e Duarte (1992), soexplicitados alguns dos princpios que estas actividades devem seguir. Asactividades de aprendizagem pela descoberta fazem sentido numa abordagem dagramtica centrada na conscincia lingustica e no Conhecimento Explcito, uma

    vez que assumem que most of the data needed for a grammar lesson arealready in the childrens heads, so the teachers role is mainly to guide them

    in exploring the patterns in the data and in gradually expanding their

    linguistic horizons (Hudson: 1992, 10). Quer isto dizer que, neste tipo deactividade, se pretende que os alunos observem dados para descobrirem padresregulares. A observao de regularidades altamente compatvel com aperspectiva assumida nos Programas sobre Conhecimento Explcito, j que, comovimos, a explicitao do conhecimento gramatical implcito passa por reconhecerque este um conhecimento altamente regular e sobre o qual temos intuiesclaras.

    Resumidamente, uma actividade de aprendizagem pela descoberta e, emparticular de laboratrio gramatical (ou oficina gramatical), deve, de acordo comHudson (1992), Duarte (1992, 1998), incluir as seguintes etapas:

    planificao (escolha e preparao dos dados);

    observao e descrio dos dados (formulao de hipteses etestagem com novos dados)

    treino;

    avaliao.

    A planificao essencial para o sucesso de uma actividade pela descoberta e aquela em que o papel do docente fundamental. Na seco seguinte, apresentamosuma lista de verificao de aspectos a ter em conta na preparao de uma actividade,que tambm se adequa preparao de uma actividade pela descoberta. Importasalientar o cuidado especial que necessrio ter com os dados, questo a quevoltaremos adiante. Os dados que so apresentados tm de ser simples, organizadose conter a informao essencial para que os nossos alunos faam as observaes quepretendemos. No devem, portanto, conter informao redundante ou acessria.

    A fase de observao e descrio dos dados a fase crucial do trabalho do aluno,em que ele orientado na observao dos dados, para poder tirar pequenasconcluses, formular hipteses e generalizaes e verificar a validade das suashipteses atravs da observao de novos dados.Aps terem sido formuladas as hipteses, os alunos precisam de ter oportunidadepara treinar os conhecimentos adquiridos. Muitos dos conhecimentos gramaticaisexplcitos nunca so, de facto, aprendidos, porque no dado tempo suficiente aosalunos para treinarem e exercitarem o que foi aprendido, passando-sedemasiadamente rpido para a avaliao. A fase de avaliao final e consiste naaferio dos conhecimentos construdos e permite que alunos e docentes verifiquem

    se os objectivos enunciados foram adquiridos.

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    Vejamos um exemplo de laboratrio gramatical construdo por Ana Costa eDulce Martins, no mbito de uma aco de formao sobre o Dicionrio Terminolgicoda DGIDC em 2008, com comentrios acrescentados por ns:

    Objectivos

    claros para

    os alunos

    Os dados orientam osalunos para a

    observao de um

    aspecto em concreto.

    Novos dados

    formam par

    mnimo com osanteriores.

    Pequenos

    passos queconduzem

    concluso.

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    Mobilizao

    em contextode escrita.

    Formulao

    de hiptese.

    Treino.

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    Quisemos mostrar este exemplo de actividade por nos parecer incluir todas as fasesde um laboratrio gramatical, podendo servir de modelo. Note-se que nem todas asactividades pela descoberta incluem todas as fases de um laboratrio gramatical. Nasegunda parte deste guio, daremos alguns exemplos de outras actividades deaprendizagem pela descoberta.

    Ao preparar uma actividade: lista de verificao.

    Pareceu-nos til oferecer neste guio uma lista de verificao de aspectos queimporta ter em conta quando se prepara uma actividade ou sequncia deaprendizagem para o trabalho sobre Conhecimento Explcito da Lngua. Cada um dosaspectos da lista seguido de um breve comentrio.

    1. Qual o tipo de actividade?- Construo de conhecimento?- Treino?- Avaliao?- Mobilizao de conhecimento gramatical para outras competncias?

    Muito frequentemente, as actividades que pretendem trabalhar contedos degramtica resumem-se a actividades de verificao/avaliao de conhecimentospreviamente adquiridos. Isto acontece mesmo em actividades em que se pretendeconstruir conhecimento. Por vezes, observam-se saltos demasiado rpidos paramomentos de avaliao sem que tenha havido aprendizagem. Isto deve-se a umaindefinio sobre o tipo de actividade que se est a construir, devendo ser clara afinalidade da actividade.

    O problema deste tipo de indefinio pode ser ilustrado pelo seguinte excerto deactividade que apresenta incoerncias metodolgicas:

    Objectivo: Aprender a identificar prefixos e sufixos.Destinatrios: alunos do 2 ciclo

    1. Considera as seguintes palavras:

    A. refazer B. hospitalidade C. impossvel D. felizmente

    1.1. Separa as palavras nas partes que as compem, assinalando os prefixos esufixos.

    Problema: a etapa 1.1.treina o conhecimentosobre sufixos e prefixos,que nodeve aindaexistir face ao objectivoda actividade.

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    2. O que se pretende com a actividade?

    Estabelecida a finalidade geral da actividade, interessa tornar bem claro qual oobjectivo especfico que se pretende atingir, em particular:

    - A actividade tem como meta que descritor(es) de desempenho doprograma?

    Estando os Programas centrados em descritores de desempenho, importa que asactividades propostas sejam orientadas em funo desses descritores. Isto ajudar osdocentes a estruturar as actividades tendo em vista o que essencial para osdesempenhos esperados, eliminando informao acessria. Desta forma, tornar-se-talvez mais clara a finalidade do ensino da gramtica.

    - colocada aos alunos uma questo especfica que constitua um desafiointeressante para a prossecuo da actividade?

    Se, para os docentes, deve ser claro o fim especfico da actividade, para os alunos, aactividade deve ter um objectivo preciso. Se no houver desafio de aprendizagem,para alm do mero vamos fazer uma ficha, dificilmente conseguiremos envolver osalunos na situao de aprendizagem. A formulao de um desafio de aprendizagempermite, ainda, que os alunos consigam, no final da actividade, avaliar se os objectivosde aprendizagem foram atingidos. frequente observarmos actividades sobregramtica em que se passa de um domnio para outro, sem que haja grandearticulao entre as partes constituintes da actividade, porque lhes falta um fiocondutor, uma questo orientadora que assegure a coerncia da actividade.

    3. H identificao clara dos conhecimentos pressupostos?

    - So dadas instrues claras aos alunos sobre quais os conhecimentosque se pressupe que eles j dominam e como podem rev-los ourecuper-los?

    Sabemos que o Conhecimento Explcito se constri de forma gradual e que novasaprendizagens podem depender crucialmente de conhecimentos anteriores. Porexemplo, s possvel trabalhar funes sintcticas quando os alunos j tm

    conhecimento das classes de palavras e dos grupos que constituem a frase. Muitofrequentemente, algumas actividades falham, por no haver certezas sobre osconhecimentos prvios que so necessrios para o sucesso da actividade. Assim,cabe ao docente listar os conhecimentos que os alunos devem dominar e deve serclaro para os alunos o que pressuposto antes de iniciarem a actividade (sendodadas indicaes claras sobre como recuperar os conhecimentos, casos estejamesquecidos ou no consolidados).

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    4. Dados.

    Os dados apresentados aos alunos so uma das principais fontes de insucesso naaprendizagem da gramtica. Pense-se na tradicional actividade de gramtica, em quese pede ao aluno que, perante um texto, recolha todos os adjectivos ou todas as

    oraes subordinadas. O mais provvel que o texto que o aluno vai trabalharcontenha adjectivos ou oraes de dificlima classificao, que no encaixam emnenhuma categoria tradicional, que vo gerar dificuldades para alunos e professores eque vo suscitar dvidas desnecessrias, desviando a ateno dos alunos dosaspectos essenciais de uma determinada construo. Uma preparao prvia dosdados suficiente para evitar que estes problemas surjam. Vejamos os principaisaspectos a ter em conta:

    - Qual a origem dos dados?

    a) Produes dos alunos?

    b) Texto oral ou escrito fornecido pelo professor?

    c) Texto oral ou escrito recolhido pelos alunos?

    O primeiro factor a considerar a fonte. Que dados vamos trabalhar? A resposta aesta questo depende muito dos objectivos que se pretendem atingir. Por exemplo, seo objectivo for a observao de dados que visem melhorias no desempenho naescrita, pode ser motivador levar os alunos a observar as suas prprias produestextuais. Pode-se, por outro lado, pretender que os alunos recolham produestextuais com determinadas caractersticas, treinando simultaneamente tcnicas depesquisa e a sua ateno para determinadas construes. Pode, ainda, ser necessriofornecer dados organizados em paradigmas completos e estruturados que favoreama observao e a construo de hipteses.

    - tirado partido do conhecimento gramatical implcito dos alunos?

    - Em caso afirmativo, estamos seguros de que as construes que sepretende que os alunos manipulem so casos em que h conhecimentoimplcito?

    Vimos que o trabalho sobre o Conhecimento Explcito pressupe que se explore oconjunto de intuies e conhecimentos adquiridos de forma no consciente pelosfalantes. , assim, oportuno prever que as actividades planeadas o faam. Contudo, crucial garantir que, quando os alunos so convidados a manipular dados, tm acessoao conhecimento necessrio. Por exemplo, possvel pedir a um aluno que faa umatarefa simples de substituio, como no seguinte exemplo:

    Verifica se podes substituir a expresso sublinhada pelo pronome eles

    Os teus primos que moram na minha rua foram de frias.

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    Esta tarefa exequvel, uma vez que os alunos conseguem fazer a tarefa desubstituio recorrendo sua intuio sobre a lngua. H, contudo, domnios sobre osquais os alunos no tm intuies. Por exemplo, a colocao dos pronomes em

    contexto mesocltico requer aprendizagem explcita. Perante uma tarefa como aseguinte, no se pode esperar que os alunos sejam capazes de chegar a um resultadocerto de acordo com a sua intuio:

    Em casos deste tipo, tem de ser o docente a apresentar os dados, mostrando que,neste caso concreto, a forma dar-lhes-ei e conduzindo os alunos a generalizaesa partir das dos dados fornecidos.

    - Os dados fornecidos so os necessrios?

    - Os dados fornecidos so suficientes?

    A quantidade de dados uma questo importante a considerar. Os dados fornecidosdevem ser em quantidade suficiente para garantir que os alunos retiram as conclusesque pretendemos que retirem. Por exemplo, se queremos que os alunos concluam que

    as oraes adverbiais podem ser finitas ou no finitas, temos de garantir que os dadosfornecidos contm os dois tipos de orao. Por outro lado, no valer a pena incluir noconjunto de dados construes que no sejam relevantes para o que se pretendeobservar. Por exemplo, no caso dado, no valer a pena incluir oraes que nosejam adverbiais.

    - Os dados fornecidos so simples ou contm informao que dispersaateno?

    - Os dados fornecidos permitem uma hierarquizao da informao apartir dos casos mais simples para os mais complexos e a constituio

    de pares mnimos?

    Os dados apresentados aos alunos devem ser simples e garantir que a ateno dosalunos orientada para os aspectos mais relevantes. Por exemplo, se se quiserensinar a diferena entre complemento directo e indirecto, podem construir-se doispares de frases com estes dois tipos de complemento:

    Substitui a expresso sublinhada pelo pronome -lhes

    Darei uma prenda aos teus primos que moram na minha rua.

    A. Vi todos os rapazes que tu conheces.

    Dei uma prenda filha da tua vizinha.

    B. Vi [o Pedro].

    Telefonei [ao Pedro].

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    Em ambos os pares, h complementos directos e indirectos. Contudo, parece-nos queo par B mais adequado para um contexto de aprendizagem. Se repararmos nasfrases do par A, podemos observar que o complemento directo da primeira frase

    bastante complexo, contendo uma orao relativa. J o complemento indirecto dasegunda frase do par, embora mais simples, tambm contm dois nomes (filha evizinha), o que pode criar problemas de segmentao, e encontra-se numa frase quetambm inclui um complemento directo (uma prenda). As frases do par B so bastantemais simples, na medida em que formam um par mnimo. A frase A contm apenasum complemento directo, devidamente destacado. Na frase B, temos um complementoindirecto, tambm assinalado. Os constituintes que desempenham esta funo sosimples, contendo apenas um nome e um determinante no grupo nominal. A suasimplicidade permite observar que as nicas alteraes nas frases so a mudana deverbo e a consequente introduo da preposio ana segunda frase. O segundo parpermite, portanto, uma focalizao nos aspectos que so essenciais para acomparao entre as duas funes sintcticas que se pretende trabalhar.

    Note-se que, ao comear-se a trabalhar com casos simples como estes, sepoder fazer uma evoluo gradual para casos mais complexos (como os do par A).Neste caso concreto, aps entenderem as diferenas entre funes sintcticas comcasos simples, os alunos podero comear a trabalhar com unidadesprogressivamente maiores e com uma complexidade estrutural mais elevada. De certaforma, podemos comparar o que se faz neste tipo de trabalho com a aprendizagem daleitura: os alunos comeam com palavras simples, como patoou menina, com padressilbicos bastante simples, e no com palavras como astro, que requerem que um

    trabalho prvio sobre padres mais elementares tenha sido feito e consolidado.

    5. A actividade construda de tal forma que os alunos possam tirar conclusesem pequenos passos?

    Este critrio para a construo de sequncias de aprendizagem , sobretudo,relevante para a elaborao de actividades pela descoberta. frequente observarmosactividades em que se pede aos alunos que dem passos demasiadamente rpido oupara os quais ainda no dispem de informao suficiente. Consideremos o seguinte

    exemplo, que apresenta insuficincias metodolgicas:

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    No exemplo dado, dado um salto demasiado rpido. Para os alunos poderemidentificar as formas verbais que surgem acompanhadas de pronome, precisogarantir que:

    a) os alunos conseguem identificar, com base em algum critrio, as formaspronominais;

    b) foi dada aos alunos alguma forma de distinguir as formas verbais com pronomedas formas verbais sem pronome.

    O problema do exemplo dado que, ao no explicitar conhecimentos pressupostos eao conduzir os alunos de imediato para uma concluso, se transforma uma actividadede aprendizagem (conforme explicitado no desafio para os alunos) numa actividade detreino de conhecimentos j adquiridos. A mesma actividade pode ser conseguida deforma mais eficiente se se transformar um passo demasiado rpido em etapas curtasque permitam que os alunos retirem concluses parciais, conforme se ilustra deseguida:

    Nesta actividade, vamos aprender quando as formas verbais se escrevem com ou sem

    hfen.

    Observa os seguintes pares de formas verbais:

    fala-se falasse disse-se dissesse comesse come-se

    Verificas que, em alguns casos, as formas verbais surgem acompanhadas de um

    pronome. Identifica-as.

    Nesta actividade, vamos aprender quando as formas verbais se escrevem com ou sem

    hfen.

    1. Observa as seguintes frases:

    A. Come-se muito em Portugal. B. Se eu comesse mais

    1.1. Escreve as frases na forma negativa.

    1.2. Regista as alteraes que fizeste.

    1.3. Em que caso a forma se ocorre antes do verbo? Quando escrita com hfen ou

    sem hfen?

    1.4. Formula uma regra sobre uso do hfen com base nas tuas observaes.

    1.5. Verifica se a tua regra funciona nos seguintes exemplos:

    A. Se ele falasse, era mais feliz. B. Fala-se francs na Blgica.

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    Esta reformulao da actividade, inspirada num trabalho realizado por Ana Pedro,Nomia Santos, Edite Prada e Ana Santos num curso de Criao de Materiais para oEnsino da Gramtica da FCSH, em 2009, permite que os alunos cheguem mesmaconcluso. Crucialmente, no necessrio recorrer a metalinguagem (tornando-sedispensvel saber se os alunos identificam pronomes o que pode ser mobilizado

    mais tarde se for oportuno) e os alunos so orientados em pequenos passos parachegar formulao de uma hiptese mediante um critrio oferecido.8

    6. Os alunos tm oportunidade de construir hipteses e verificar a sua validademediante a apresentao de novos dados?

    Vimos nos exemplos acima que os pequenos passos so cruciais para a formulaode hipteses. Para efeitos de construo de conhecimento explcito, fundamentalque os alunos se habituem a que as hipteses e regras que constroem no so

    vlidas por si s ou apenas porque algum as declarou (o professor, um livro, umagramtica), mas sim porque so confirmadas quando testadas perante novos dados.Este um passo fundamental para o desenvolvimento de competncias gerais deanlise de dados e de metodologia de trabalho cientfico e, alm disso, para a criaode um hbito de reflexo sobre a lngua baseado na observao de dados e no nacrena em regras dogmaticamente impostas. Assim, importa garantir que as hiptesesque os alunos colocam so confirmadas ou infirmadas mediante a testagem face anovos dados, conforme ilustrado na reformulao acima.

    7. H momentos de treino?

    amplamente sabido e j o comentmos neste guio que h problemas naaprendizagem de contedos gramaticais e na sua mobilizao para outrascompetncias. Em aparente contradio, os alunos e docentes queixam-se de que hmuita repetio no ensino da gramtica que todos os anos ensinam/estudam asmesmas matrias. Este fenmeno explica-se facilmente: os contedos so ensinadosrepetidamente, mas no so aprendidos, porque, por um lado, no so utilizados e,por outro, porque, muitas vezes, no dado tempo suficiente para treino dosconhecimentos construdos. Ou se passa demasiadamente cedo para o treino, semque tenha havido, de facto, construo de conhecimento, como j exemplificmosacima, ou no dada oportunidade de treino. A consolidao dos conhecimentosgramaticais passa por muita repetio em novas situaes e treino, para odesenvolvimento de automatismos na anlise, pelo que estes momentos tm de estarpresentes nas sequncias de aprendizagem.

    8 Note-se que este um dos casos em que necessrio aferir primeiro o conhecimento

    implcito dos alunos. Tal como est, esta actividade no resultaria bem no 1 ciclo, porquemuitos alunos espontaneamente ainda no colocam o pronome em posio pr-verbal emcontextos negativos nestas idades. Nesses casos, os dados teriam de ser dados peloprofessor.

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    8. H reinvestimento do conhecimento construdo em diferentes contextos deuso?

    Comemos este guio por explicitar as caractersticas de um trabalho centrado noConhecimento Explcito da Lngua enquanto competncia. Uma abordagem curricular

    em competncias pressupe que os conhecimentos sejam convocados para uso eintegrao em situaes problematizadoras (Roldo: 2009). Nesta medida, umasequncia de aprendizagem ou uma actividade deve prever que os conhecimentosconstrudos so aplicados em contextos de uso, de forma articulada com as outrascompetncias leitura, escrita e compreenso e produo do oral. Haver,certamente, casos de aplicao e reinvestimento mais evidentes e outros casos emque a mobilizao s poder ser feita aps vrios conhecimentos estaremconsolidados. Nestes casos, deve tornar-se claro para o aluno de que forma osconhecimentos anteriormente construdos contribuem para a situao de uso que seexplora. Parece-nos, contudo, importante que no nos apoiemos na ideia de que oreinvestimento algo que vir sempre mais tarde e que pensemos como a informaoque estamos a trabalhar pode ser reinvestida na prpria actividade, sem que se deixepassar demasiado tempo.

    PISTAS PARA FORMAO:Para aprofundar estes tpicos, ser interessante que os grupos dedocentes explorem em conjunto:

    - Materiais a desenvolver em funo de diferentes descritores dedesempenho.

    - Oficinas de produo de materiais com partilha inter-pares. Avaliaodos materiais com base na lista de verificao proposta.

    - Actividades de constituio de corporapara o estudo de diferentesdomnios e organizao de paradigmas.

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    SNTESE

    Lista de aspectos a considerar na construo de umaactividade para construo de conhecimento gramatical:

    1. Qual o tipo de actividade?- Construo de conhecimento?- Treino?

    - Avaliao?- Mobilizao de conhecimento gramatical para outras competncias?

    2. O que se pretende com a actividade?

    - A actividade tem como meta que descritor(es) de desempenho doprograma?

    - colocada aos alunos uma questo especfica que constitua um desafiointeressante para a prossecuo da actividade?

    3. H identificao clara dos conhecimentos pressupostos?

    - So dadas instrues claras aos alunos sobre quais os conhecimentosque se pressupe que eles j dominam e como podem rev-los ourecuper-los?

    4. Dados.

    - Qual a origem dos dados?

    a) Produes dos alunos?

    b) Texto oral ou escrito fornecido pelo professor?

    c) Texto oral ou escrito recolhido pelos alunos?

    - tirado partido do conhecimento gramatical implcito dos alunos?

    - Em caso afirmativo, estamos seguros de que as construes que sepretende que os alunos manipulem so casos em que h conhecimentoimplcito?

    - Os dados fornecidos so os necessrios?

    - Os dados fornecidos so suficientes?

    - Os dados fornecidos so simples ou contm informao que dispersaateno?

    - Os dados fornecidos permitem uma hierarquizao da informao apartir dos casos mais simples para os mais complexos e a constituio depares mnimos?

    5. A actividade construda de tal forma que os alunos possam tirar conclusesem pequenos passos?

    6. Os alunos tm oportunidade de construir hipteses e verificar a sua validademediante a apresentao de novos dados?

    7. H momentos de treino?

    8. H reinvestimento do conhecimento construdo em diferentes contextos de uso?

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    Portuguesa de Lingustica: Textos seleccionados. Colibri: LisboaCosta, J. (2002). Ser que a lingustica generativa pode ser til aos professores deportugus? In C. Mello et al. (orgs.) II Jornadas Cientfico-Pedaggicas dePortugus, Coimbra: Livraria Almedina, 2002, pp. 225-243

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    Conferncia Internacional sobre o Ensino do Portugus, Lisboa: Ministrio daEducao, 149-165Costa, J. (2009) Gramtica na sala de aula: o fim das humanidades? A publicar em Palavras.

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    Vasconcelos , Manuela (1991). Compreenso e produo de frases com oraes relativas :um estudo experimental com crianas dos trs anos e meio aos oito anos e meio.

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    Dissertao de Mestrado, Universidade de Lisboa

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    2. Exemplos de actividades para o Conhecimento Explcito da Lngua

    As actividades propostas como exemplo para o trabalho sobre Conhecimento Explcitoda Lngua obedecem aos seguintes pressupostos:

    a) Pretendeu-se oferecer uma diversidade grande de actividades pequenas emdetrimento de grandes sequncias de actividades, para se exemplificaremdiferentes metodologias.

    b) Sugerem-se actividades que ilustrem a progresso desde o 1 ao 3 ciclo,cumprindo o enfoque colocado nos Programas evoluo em termos de

    resultados esperados.

    c) Procurou-se que as macro-sequncias apresentadas privilegiassem trs tipos detrabalho:

    - O Conhecimento Explcito da Lngua enquanto trabalho de conscincialingustica, que cruza vrios planos do conhecimento gramatical (lexical,morfolgico, semntico, textual, discursivo e pragmtico). Prope-se um conjuntode actividades em torno do tema EXPRESSO DO TEMPO, que tentam ilustrarcomo um mesmo tema pode ser aproveitado para explorar vrios planos doconhecimento lingustico de forma articulada, contrariando alguma tendncia para

    trabalhar os planos de anlise lingustica como compartimentos estanques.

    - O Conhecimento Explcito da Lngua enquanto trabalho para a construo deconhecimentos sobre a lngua e para o domnio de metalinguagem especfica doconhecimento gramatical. Oferecem-se, para este fim, actividades em torno dotema FUNES SINTCTICAS, por nos parecer que exemplificam um domnioem que necessrio um trabalho cuidado na planificao e organizao dosdados, na hierarquizao da informao, na construo gradual de informao eno estabelecimento de conhecimentos pressupostos.

    - O Conhecimento Explcito da Lngua enquanto trabalho que ser,

    preferencialmente, capitalizado ao servio de outras competncias. O temaescolhido para este conjunto de actividades, REGISTOS DE LNGUA, privilegia oestudo de caractersticas da lngua para mobilizao em situaes de uso, quer naescrita, quer na oralidade.

    d) Cada actividade precedida de informaes sobre o tipo de actividade, osdescritores de desempenho que a actividade trabalha, os pr-requisitos, a questoespecfica a que responde (formulada na ptica do aluno) e a durao estimada(esta obviamente varivel em funo dos perfis de turma e de aluno). Sempreque relevante, so oferecidos cenrios de resposta, assinalados numa cor

    diferenciada. Algumas das actividades que privilegiam a interaco oralencontram-se assinaladas por um pequeno balo de fala.

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    importante notar que, embora o programa se encontre organizado por ciclos, emalgumas actividades, apresentamos propostas especficas de anos a que omaterial se destina. Pretendemos, desta forma, contribuir para mostrar comocontedos e descritores de desempenho podem ser utilizados para pr o programaem prtica em diferentes nveis. Obviamente, estas propostas no so

    vinculativas, podendo diferentes escolas trabalhar os descritores especficos emanos diferentes.

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    Conjunto 1: Expresso do tempo

    ACTIVIDADE 1 1 CICLO

    1. Tipo de actividade: construo de conhecimento (1 ano)

    2. Descritores de desempenho: usar vocabulrio adequado ao tema e situao; apropriar-se de novos vocbulos; integrar sistematicamentenovas palavras no seu lxico

    3. Pr-requisitos: os alunos tm conscincia da existncia de diferentesintervalos de tempo e que os acontecimentos se situam numa linha dotempo.

    4. Questo a que responde: com que palavras medimos o tempo?

    5. Durao estimada: 1h30m

    NOTA: as instrues devem ser lidas em voz alta pelo professor.

    1. Observa a imagem.

    1.1Escreve o nmero do ano e o nome do ms que esto na folha do calendrio

    Ano _______ Ms_____

    1.2. Rodeia com uma cor os nmeros dos dias do ms que so no domingo.

    1.3 Diz o nome dos dias da semana que comeam por s.

    Com que palavras medimos o tempo?

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    Para indicar o dia certo em que se deu um acontecimento, usamos o nmerodo dia, os nomes do dia da semana e do ms e o nmero do ano. Todos estes

    dados reunidos numa certa ordem formam uma data no calendrio.

    TREINAR (Reinvestir em diferentes contextos de uso)

    1.4 Escreve a data indicada na folha do calendrio, seguindo a ordem:nome do dia da semana, nmero do dia do ms, nome do ms, ano.

    1.5 Escreve agora a data do teu nascimento utilizando a mesma ordem.

    1.6 As palavras da coluna A servem para medir o tempo. Liga-as s da coluna Bque lhe correspondem e que pertencem ao mesmo grupo.

    A Bano dirioms semanalsemana mensaldia anual

    O calendrio mostra a folha do dia 15 de Outubro de 2009. um calendrio dirio.Aquilo que fazemos todos os dias tambm dirio. Podemos dizer que uma