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I Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do Regional Norte I (Roraima e Amazonas) realizou-se entre os dias 19 e 23 de setembro, em Manaus. Este Encontro serviu de preparação para o 12º Intereclesial Nacional das CEBs, que será realizado em Porto Velho, RO, em 2009, com o lema “CEBs:

Igreja Missionária e Libertadora com rosto amazônico”.Um festival de cores, bandeiras, cantos, danças e faixas,

artesanato indígena e regional, com sementes e fibras naturais criava o ambiente do I Intereclesial. Frases homenageavam Chico Mendes, o índio Marçal e irmã Dorothy Stang, mártires da Amazônia. Participaram cerca de 700 pessoas, entre ribei-rinhos, indígenas, pequenos agricultores, afro-descendentes, moradores das periferias, leigos, agentes de pastoral, religiosos e religiosas, padres e bispos, expressão do Povo de Deus. “Aí vem o trem das CEBs”, cantavam uma e outra vez, enquanto o trem humano serpenteava a pista e as grades da quadra es-portiva. Esse trem caminha acima de dois trilhos: a fé no Cristo Ressuscitado, esperança para o povo e o compromisso com os excluídos e excluídas.

Durante os cinco dias do Intereclesial, os participantes analisa-

O

Acorda Amazôniamostra tua luta!

I Encontro das CEBs do Regional Norte I foi

realizado em Manaus, AM.

ram, discutiram e celebraram a realidade amazônica à luz do método ver-julgar-agir. Seguindo a simbologia da região, a Comunidade São Jorge virou um grande Porto onde cada tarde retornavam os sete “Barcos”, depois de um dia de reflexão. Cada “Barco” era um grupo de trabalho temático. Os sete temas trabalhados foram: destruição dos valores culturais da Amazônia; exclusão social; carência missionária e ecumênica da Igreja amazônica; opressão e massacre dos povos indígenas; situação vivida pela juventude; destruição do meio ambiente; machismo e questão de gênero. Depois de dois dias de trabalho em grupo, o Intereclesial foi encerrado com uma Carta de compromissos. Dois desafios para continuar a serem construídos no cotidiano: primeiro, uma Igreja com rosto amazônico, profética e libertadora, caminhando ao lado dos povos da Amazônia, com toda sua diversidade; e segundo, um compromisso de militância contra a exclusão social, a favor da causa dos povos indígenas e ribeirinhos, em defesa do meio ambiente, da juventude e da mulher.

Dentre as propostas e compromissos assumidos, aposta-se no diálogo ecumênico e inter-religioso, na sabedoria e espiritualidade popular, na teologia índia, no fortalecimento de uma Igreja de relações circulares e participativas, na garantia e segurança das

terras indígenas, na presença da mulher em todos os ministérios, na participação popular nos Conselhos de Direitos e nas reivindicações dos moradores das ocupações habitacionais das cidades.

A Carta final foi acompanhada de duas monções de repúdio: a primeira, contra a presença ilegal de arrozeiros na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Roraima); a segunda, contra a construção das hidrelétricas previstas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) sem consultar as populações atingidas e consi-derar seu impacto ambiental. “Na certeza do Deus da Vida, Pai-Mãe de toda a Criação, proclamamos que a Amazônia é nossa, nela vivemos, existimos e resistimos. Acorda Amazônia, mostra tua luta!” Acorda Amazônia, e acorda-nos contigo!

Luís Ventura Fernández,Leigo Missionário da Consolata.Celebração durante o Intereclesial.

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SUMÁRIONovembro 2007/09

pastoral carcerária -------------------------------04 O rosto de Cristo nos encarcerados Arlindo Pereira Dias

opiNiÃo -------------------------------------------------06 Inculturação como ferramenta para a Missão Francis Njoroge

prÓ-VocaÇÕes ---------------------------------------07 Criados para viver Rosa Clara Franzoi

Volta ao MUNDo ------------------------------------08 Notícias do Mundo CNBB / Fides / Notícias do Planalto / POM

espiritUaliDaDe ---------------------------------------10 Espiritualidade Afro Antônio Aparecido da Silva

testeMUNHo ------------------------------------------12 Uma carta a Irene Ramón Lázaro Esnaola

FÉ e polÍtica ------------------------------------------14 Encontro com políticos Humberto Dantas

ForMaÇÃo MissioNária ---------------------------15 Documento de Aparecida: Chaves de leitura Carlos C. Santos

JUVeNtUDe MissioNária ---------------------------19 Juventude e meio ambiente Patrick Gomes Silva DestaQUe Do MÊs ----------------------------------20 Bem-aventurada irmã Lindalva Aidil Brites e Gigliola Sena

atUaliDaDe ---------------------------------------------22 I Fórum da Igreja Católica no RS Mário De Carli

iNFÂNcia MissioNária ------------------------------24 Me conta uma história?! Roseane de Araújo Silva

a tUrMa Do bibliNcaNDo ------------------------25 COMDEUS

eNtreVista iVo lesbaUpiN --------------------------26 Por trás da violência que se vê Dirceu Benincá

aMaZÔNia ----------------------------------------------28 Marçal Guarani: a voz que não pode ser esquecida Benedito Prezia

Volta ao brasil --------------------------------------30 Notícias do Brasil CCM / CIMI / CNBB / Notícias do Planalto

E D I T O R I A L

A nOSSA cASA cOMUM

1 - Dom Gilio Felicio, bispo de Bagé, RS, celebração com as etnias,

I Fórum da Igreja Católica no RS.Foto: Jaime C. Patias

2 - Marçal de Souza.Foto: Paulo Suess/CIMI

sta edição destaca uma variedade de temas e desafios que por si só revelam a riqueza da missão no plural. Para estudo e formação, propomos o núcleo central do Documento de Aparecida: o discipulado missionário. Um convite para voltar às fontes. De fato, os Evangelhos nos apresentam Jesus

a caminho de Jerusalém, passando por aldeias, povoados, cidades e praias, encontrando-se com pessoas e provocando seguimento ou rejeição. Para os que decidem segui-lo, o estar com Ele gera o discipulado que se prolonga no envio em missão. Os discípulos missionários devem assumir a ação libertadora do Mestre no mun-do, para consolidar o Reino de Deus. Os que desejavam ver um Jesus Rei deste mundo são surpreendidos por um Jesus que se encontra com os pobres, os doentes, os possessos, os pecadores,

os excluídos... Para nos recordar disso, a Conferência de Aparecida reafirma, entre outras, a histórica opção pelos pobres. Neles Jesus revela o rosto misericordioso e compassivo de Deus.

O Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado no dia 20, tem sua origem na conhecida resistência dos negros no Brasil, cujo símbolo maior é o grande líder Zumbi dos Palmares, morto em 1695. O movimento negro hoje é articulado e presente na sociedade,

inspirado nos mesmos ideais de Zumbi: igualdade e liberdade de todos os filhos e filhas da Nação. A Pastoral afro-brasileira soma-se aos diversos movimentos para eliminar os preconceitos e atitudes racistas e partilhar a riqueza da religiosidade do povo originário da África. O tema da espiritualidade deste mês resgata elementos da religiosidade afro, que coloca Cristo ressuscitado como centro.

O sonho de Jesus é o Reino de Deus que se expressa em duas dimensões: um protesto contra o reinado humano, que não é dono de nada; e a proclamação de que tudo é dom de Deus a ser preser-vado e partilhado. Essa afirmação nos coloca diante das questões de Justiça e paz e integridade da Criação: o cuidado com a casa comum. Nesse sentido, os povos indígenas, originários deste chão, têm muito a ensinar. A rubrica Amazônia faz memória da vida e luta de Marçal Guarani, 24 anos após o seu martírio. Marçal Tupâ’í é “uma voz que não pode ser esquecida”.

A realização do I Fórum da Igreja Católica no Rio Grande o Sul, matéria de atualidade, mostra a vitalidade e a riqueza da Igreja na região. A intensa programação vivenciada nos quatro dias do evento revelou a pluralidade e a comunhão da vida eclesial. A Carta divulgada no final do Fórum faz uma referência explícita à necessidade de novas posturas com relação à participação das mulheres, a atenção aos idosos, o respeito ao protagonismo dos leigos, a ação missionária, a formação dos agentes de pastoral, o compromisso com a ecologia e a biodiversidade e a promoção da diversidade étnica e cultural. À luz da Conferência de Aparecida, essa experiência serve de inspiração para que os demais regionais da CNBB no Brasil se articulem em eventos semelhantes.

Estes e outros temas aqui apresentados são convites para encontrar Jesus na diversidade de povos e raças que formam a nossa sociedade plural. Reconhecer as diferenças é um desafio que passa pela vivência do verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Na Eucaristia, Pão da vida na mesa comum do mundo plural, Cristo se oferece como alimento, resgatando nossa condição de filhos e filhas, imagem e semelhança de Deus.

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Ano XXXIV - Nº 09 Novembro 2007

Rua Dom Domingos de Silos, 11002526-030 - São PauloFone/Fax: (11) 6256.8820Site: www.revistamissoes.org.bre-mail: [email protected]

Redação

Diretor: Jaime Carlos Patias

Editor: Maria Emerenciana Raia

Equipe de Redação: José Tolfo,Ramón Cazallas, Patrick Gomes Silva e Rosa Clara Franzoi

Colaboradores: Vitor Hugo Gerhard, Lírio Girardi, Luiz Balsan, Roseane de Araújo Silva, Humberto Dantas, Luiz Carlos Emer, Dirceu Benincá, Ricardo Castro

Agências: Adital, Adista, CIMI,CNBB, Dom Hélder, IPS, MISNA,Pulsar, Vaticano

Diagramação e Arte: Cleber P. Pires

Jornalista responsável:Maria Emerenciana Raia (MTB 17532)

Administração: Eugênio Butti

Sociedade responsável: Instituto Missões Consolata(CNPJ 60.915.477/0001-29)

Impressão: Edições LoyolaFone: (11) 6914.1922

Colaboração anual: R$ 40,00BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2Instituto Missões Consolata(a publicação anual de Missões é de 10 números)

MISSõES é produzida pelosMissionários e Missionárias da ConsolataFone: (11) 6256.7599 - São Paulo/SP (11) 6231.0500 - São Paulo/SP (95) 3224.4109 - Boa Vista/RR

Membro da PREMLA (Federação de Imprensa Missionária Latino-Americana) e da UCBC (União Cristã Brasileira de Comunicação Social)

Novembro 2007 -

Descobre o rosto de Cristoem cada pessoa encarcerada

Congresso Mundial da Pastoral Carcerária exige o

fim da pena de morte.

cidade de Roma, entre 5 e 12 de setembro, foi sede de um importante encontro inter-nacional da Igreja Católica. Sob o tema “Descobre o ros-to de Cristo em cada pessoa

encarcerada”, cerca de 250 delegados enviados pelas Conferências Episcopais de 62 países, entre bispos, presbíteros, religiosas, religiosos e leigos se reuniram na Casa Lassale, para o XII Congresso Mundial da Pastoral Carcerária. O cardeal Nasrallah Pierre Sfeir, do Líbano, patriarca de Antioquia, participou do evento e discur-sou sobre o tema. Durante o Congresso, os participantes tiveram a oportunidade de realizar uma visita a um presídio na cidade de Roma.

O grupo foi recebido pelo papa Bento XVI em audiência privada em Castelgan-dolfo no dia 6. O papa condenou veemen-temente o uso da tortura e afirmou que o ministério prisional requer “paciência e perseverança”; muitas vezes é acompa-nhado de “desilusão e frustração”, mas é uma missão vital. Os presos, disse ele, “podem ser tomados por sentimentos de vergonha e rejeição que ameaçam a esperança e a aspiração de futuro”. “A instituição judiciária e penal – sublinhou – deve ajudar quem errou o caminho a buscar sua reabilitação, e facilitar a transição do desespero à esperança”. O papa salientou com força que “a prática da tortura não pode ser aceita em nenhuma circunstância”.

O austríaco Christian Kuhn, presidente reeleito da Comissão Internacional da Pastoral Carcerária Católica, da qual são membros cerca de 100 países, fez uma saudação ao papa em nome de todos. Durante sua fala, salientou que os con-gressistas desejam “chamar a atenção do

Amundo para as nove milhões de pessoas presas” e enfrentar graves desafios como “o recurso à pena de morte”, o "uso da tortura” e as “condições desumanas de grande número das instituições penais”.

Abolição da pena de morteOs congressistas denunciaram que

“o sistema de justiça criminal vigente tem fracassado em muitos países na satisfação das necessidades da infância em conflito com a lei, assim como em relação os grupos de população especialmente vulneráveis como as pessoas com enfermidades men-tais, os tóxico-dependentes, imigrantes e idosos”. A maioria dos presentes mencio-nou as cadeias superlotadas e os abusos praticados contra os encarcerados como um dos grandes problemas. “Exigimos a abolição da pena de morte, de toda tortura e a observância das regras e Normas das Nações Unidas na esfera da prevenção do delito e da justiça penal”, afirmou de forma categórica a declaração final do Congresso. O cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício "Justiça e Paz", falou sobre a “Pastoral Carcerária e a Missão da Igreja” na manhã do dia 7. Nesse mesmo dia, ele lançou um apelo em favor de Joseph Lave, de 42 anos, um condenado à morte no Texas, EUA.

Dados da América LatinaNa América Latina a problemática de

exclusão social e a concentração de bens nas mãos de poucos é a principal causa dos delitos. Alguns dados apresentados em relatório feito pela Argentina servem de parâmetro para o que acontece em outros países do continente. A Argentina, por exemplo, conta em suas cadeias formais com 67.000 pessoas presas, das quais 65% com sentença provisória. A

de Arlindo Pereira Dias

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Descobre o rosto de Cristoem cada pessoa encarcerada

este numero devem ser acrescentados as 19.600 crianças e adolescentes privados de liberdade, dos quais 87% por causas não-penais. Dos números citados apenas a cidade de Buenos Aires conta com 26.000 presos e uma superlotação de 200%. A gravidade da problemática social pode ser medida pela reincidência que alcança 80%. Tenha-se em conta que os dados apresentados são de caráter mais ou menos oficial. Nas prisões federais, 25% da população masculina e 40% da feminina são pessoas estrangeiras, devido à conexão com o tráfico de drogas e o contrabando. Um dos representantes do Brasil, Miguel Alcides Felix, coordenador da macro-região Sul, manifestou preocupação em relação ao fato de que “o Brasil que em 2003 tinha 285 mil presos, hoje tem 435 mil, 135 mil a mais. Uma das razões primordiais é a falta de emprego, a má distribuição da renda”, enfatiza ele.

Entre os representantes do continente esteve o mexicano Isaias Pina Montiel, há 18 anos capelão da Pastoral Carcerária. Segundo ele o país conta com 200 mil presos e 563 cadeias. Isaias responsabiliza a pobreza, a falta de trabalho e a ausên-cia de educação pela maioria dos casos de prisão e acrescenta que a tortura e a superlotação são os principais problemas das cadeias no país. Não deixa de men-

cionar que na cadeia aprendeu “a simplici-dade por um lado e a paciência por outro. O encontro foi cheio de experiências pelo fato de estarmos represen-tados por quase todo o mundo e serviu para comparar e definir al-gumas metas para o México”, concluiu ele.

Imigração e cadeiaO conferencista Damase Masabe, do

Burundi, da Ordem dos Mercedários, que trabalhou nos campos de refugiados do Congo, desenvolveu o tema “A Pastoral Carcerária como desafio para as Congre-gações e Ordens Religiosas” na manhã do dia 10. Declarou que a principal causa é a pobreza que gera a delinqüência e a desigualdade entre os países desenvolvi-dos e em via de desenvolvimento. A irmã Michael Nolan, advogada e assessora jurídica da Pastoral Carcerária, do Povo da Rua e do CIMI, Brasil, se disse surpresa ao constatar os efeitos da globalização no aprisionamento de estrangeiros. Em alguns dos países europeus mais de 70% dos presos são estrangeiros e muitos deles porque entraram no país ilegalmente ou

à procura de trabalho. Margarete Gaffney, religiosa da Coordenação Estadual de São Paulo salientou a importância de o cardeal Martino haver lembrado a situação precária das mulheres na prisão. Ela se sentiu enriquecida pelo contato com pes-soas que trabalham com mulheres presas em outros países. “O Brasil, por exemplo, conta com a presença de mulheres presas de 46 países. Somente da África do Sul existem 83 mulheres”, salientou.

Sinais de esperançaEntre as partilhas não faltaram, porém,

sinais de esperança. O padre austríaco Gunther Zgubik, coordenador nacional da Pastoral Carcerária no Brasil, que há muitos anos tem papel importante na vida dos presos no país, recordou que o Congresso “articula um compromisso da Igreja Católica no mundo e da Pastoral Carcerária na de-fesa dos direitos humanos. Entre os sinais de esperança citou o exemplo da doutora Vera, senhora de classe média do Rio de Janeiro, cujo filho era campeão mundial de hipismo juvenil e foi assassinado. “Em reação a esta tragédia ela decidiu criar uma obra de ajuda e proteção às crianças vítimas da violência na sociedade. Ela quis se aproximar deles como uma mãe vítima para levar reconciliação e se tornar a mãe de nossos presos naquela cidade”, decla-rou. Miguel Alcides Felix lembrou que as cooperativas para os egressos da prisão têm tido bons resultados. Segundo ele, o estado do Rio Grande do Sul já conta com sete delas e pode ser uma experiência a ser partilhada.

Arlindo Pereira Dias é missionário do Verbo Divino. Formado em Comunicação Social, vive atualmente em Roma.

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Congressistas discutem sistema prisional.

Celebração durante o encontro.

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inculturação é uma ferramenta básica e indispensável para a Missão. Consiste em um longo processo de aproximação entre as culturas, em suas mais variadas formas de vida, costumes, crenças, práticas religiosas, idiomas e culinária. Por meio da inculturação fazemos compreensível e visível o Evangelho para os povos

onde somos enviados.A dificuldade de todo esse processo está no fato de chegar

à outra cultura carregados com nossa história, nosso mundo, nossa forma de ver as coisas e encontrar outro mundo com toda sua complexidade e sistema de vida, com aspectos tão variados e complicados como a economia, a política e as ine-vitáveis ideologias.

Interpretando minha experiência como queniano na Venezuela, depois de oito anos de vida e trabalho no país, posso dizer que a inculturação exige, como primeiro passo, um grande esforço para conhecer em profundidade a cultura do outro. A inserção é o meio privilegiado para chegar a adquirir este conhecimento básico para a evangelização. É preciso inserir-se como hóspede,

de Francis Njoroge

A

Inculturaçãocomo ferramenta para a MissãoMergulhar na cultura do outro é despojar-se de si mesmo e viver em plenitude o Evangelho.

fazendo-se um entre tantos, irmão com o outro. A humildade e a proximidade ao povo são necessárias para aprender a sua língua e conhecer seus costumes, suas problemáticas, sua maneira de entender a realidade histórica e social. Para avançar nesse caminho sem provocar um “choque” cultural é preciso paciência para com você mesmo, boa vontade, ética missionária e disciplina; mas, sobretudo, muito amor ao povo, às pessoas.

DespojamentoÉ muito importante despojar-se dos prejuízos e dos precon-

ceitos. Na minha terra existe um provérbio que diz: “ninguém cozinha melhor que minha mãe”. Se quisermos entrar no espaço dos outros (povos e culturas), nós temos que romper esses es-quemas para aprender a partilhar, inclusive a cozinha dos povos a quem somos enviados. Isso custa e causa dor, mas, é também muito enriquecedor. O missionário torna-se um pouco como uma criança e vai aprendendo com os próprios erros. Por exemplo: na aprendizagem da língua, as pessoas, quando se sentem livres e não são atemorizadas pela autoridade do missionário, corrigem com alegria os erros que fazemos, tornando-se uma grande ajuda para tudo.

A inculturação não se realiza em poucos dias; leva tempo e depende também da metodologia, dos avanços e dos limites do próprio missionário, das condições históricas e sociais. Não chegaremos nunca a uma inculturação total e completa, porque cada um de nós leva sempre consigo sua herança cultural, a qual não se pode deixar de lado. Simplesmente, trata-se de avançar cada dia um pouco mais para nos aproximarmos, de forma me-tódica das pessoas e das culturas às quais somos enviados. Não

importa o esforço que eu faça, como queniano, nunca chegarei a ser um afro-venezuelano. Minha história pessoal está marcada pela minha cultura e meu passado. A força do evangelizador está também na alteridade e na diferença. Pois o Evangelho não se assemelha a nenhuma cultura e chama todas à conversão.

Esta é a tarefa da evangelização. Para isso, à luz da fé cristã e utilizando os valores culturais do povo, o mis-sionário saberá anunciar o projeto de Jesus como “Boa Notícia” relevante para o povo e sua cultura. Em tudo, nós temos que confiar sempre no amor e na força do Espírito Santo (o prota-gonista da Missão) e na companhia de Jesus Cristo que caminha na história da humanidade, inculturado como o primeiro missionário do Pai.

Francis Njoroge, imc, queniano émissionário na Venezuela.

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Fórum Social Mundial, Nairóbi, Quênia.

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Criados para viver

de Rosa Clara Franzoi

m novembro comemoramos o “Dia de Finados”. A morte é sempre uma realidade que nos entristece e faz sofrer. Por isso, resistimos a pensar nela. Quando as circuns-tâncias nos colocam frente a frente com a morte, ao levar do nosso convívio entes queridos, ainda assim tentamos nos convencer que ela só bate à porta do vizinho. Bem

no fundo, porém, sabemos que, queiramos ou não, não poderemos escapar do primeiro e do último capítulo da existência, porque esta é uma lei da natureza humana. A rejeição que sentimos pela

EQuer ser um missionário/a?

Irmãs Missionárias da consolata - ir. Dinalva MoratelliAv. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui02611-001 - São Paulo - SPTel. (11) 6231-0500 - e-mail: [email protected]

centro Missionário “José Allamano” - pe. José tolfoRua Itá, 381 - Pedra Branca02636-030 - São Paulo - SPTel. (11) 6232-2383 - e-mail: [email protected]

Missionários da consolata - pe. césar avellanedaRua da Igreja, 70-A - CXP 325369072-970 - Manaus - AMTel. (92) 624-3044 - e-mail: [email protected]

morte é natural e tem explicação: fomos criados para viver e não para morrer. Por isso nossa reflexão neste mês será sobre a Vida, dom precioso que recebemos gratuitamente de Deus e ao qual nem sempre sabemos dar a devida importância. Não precisamos ir muito longe; é só olhar ao nosso redor: quantos no mundo da droga, da violência, do vício, acabam transformando a própria existência num verdadeiro pesadelo, prejudicando-se a si mesmos e envolvendo tantos outros?

Com o que devemos nos preocuparA única preocupação que devemos ter é analisar como nos

posicionamos diante da vida. O que é que devemos levar em conta para podermos vivê-la intensa e plenamente? Descobrir os instrumentos que nos ajudem a manejar inteligente e positivamente os ingredientes dos quais ela é feita. Sabemos que Deus nos criou para sermos felizes. O que nos surpreende é vermos que, apesar do progresso e das mais altas tecnologias e descobertas, o ser humano continua um eterno insatisfeito. Com uma ansiedade incontrolável vai se agarrando a tudo o que lhe pode prometer uma migalha de prazer e satisfação, esquecendo-se totalmente do essencial...

Cuide das gotas de óleoDiz uma lenda, que um jovem estava aflito em busca do segredo

de uma vida bem vivida, feliz. Atravessou campos e cidades, até que um dia, alguém lhe disse que ali morava um sábio; e que cer-tamente, ele poderia ajudá-lo. Apresentando-se ao sábio, o jovem lhe expôs o motivo da visita. O sábio colocou em suas mãos uma pequena colher com algumas gotas de óleo e lhe disse: “Dê umas voltas pela minha casa e pelo meu jardim; depois de duas horas volte aqui. Só lhe peço uma coisa: cuide bem para não derramar o óleo”. Depois de duas horas o jovem estava de volta. O sábio perguntou: “Você apreciou os tapetes da minha sala de jantar? Gostou das flores do jardim?” O jovem, envergonhado, disse não ter visto nada daquilo, pois sua única preocupação foi a de não derramar o óleo. E o sábio: “Meu jovem! Volte agora, e observe o mundo com tudo o que ele tem de maravilhoso; depois retorne”. E o jovem assim fez. Ao voltar, contou minuciosamente tudo o que vira. O sábio porém, não tirava os olhos da colher. No final disse seriamente:“E as gotinhas de óleo que eu tanto lhe recomendei, onde estão?” O jovem ficou muito desapontado. O sábio continuou: “Mas, já que você quer mesmo viver bem a sua vida, dou-lhe este conselho: aceita com gratidão a vida que lhe foi dada, sem ficar olhando a dos outros; e se esforce o máximo, para endireitar tudo o que nela estiver torto. Isto lhe causará algum sofrimento; mas nada comparável à serenidade e alegria que você experimentará na hora em que lhe será pedida conta dela. A vida é como uma ponte; atravesse-a sem nela fixar morada”.

Você também está buscando o essencial? Leia a Carta de Paulo aos Filipenses 3, 8-16.

Rosa Clara Franzoi, MC, é animadora vocacional.

A vida é como uma ponte:atravesse-a, sem nela fixar morada.

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Romapresidência da cNbb visita o papa

O papa Bento XVI recebeu, em audiência, no dia 8 de outubro, a presidência da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha (presidente); dom Luiz Soares Vieira (vice-presidente) e dom Dimas Lara Barbosa (secretário-geral). Dom Dimas avaliou o encontro como “muito bom”. Segundo disse, Bento XVI lembrou “com cari-nho” sua visita ao Brasil. “O papa é muito acolhedor e nos deixou à vontade para falar-lhe sobre a Igreja no Brasil. Lembrou com carinho vários momentos de sua visita ao nosso país, particularmente o encontro com os jovens no Pacaembu, a visita à Fazenda da Esperança e o encontro com os bispos na Catedral da Sé”, conta dom Dimas. A presidência da CNBB, por sua vez, agradeceu ao Santo Padre sua viagem ao Brasil e sua participação na abertura da V Conferência do Episcopado Latino-Americano e Caribenho. “Ex-pressamos nosso agradecimento por sua mensagem inspiradora, particularmente seu discurso de abertura à V Conferência, que foi fundamental para o andamento dos trabalhos”, lembra o secretário-geral.

Argentinaencontro de Missionários leigos

Com vistas a tratar do "acompanhamento, formação e envio de missionários leigos para servir à Missão universal", e como fruto de três Encontros Continentais dos Leigos Missionários, realizou-se de 27 a 30 de se-tembro, em Buenos Aires, o 2° Encontro de Missionários Leigos dos Países do Cone Sul, sob o tema Vocação, Formação e Envio dos Missionários Leigos Ad Gentes”. Representando os cinco países da região – Brasil, Uru-guai, Paraguai, Argentina e Chile –, estavam presentes alguns leigos e os Diretores Nacionais das Pontifícias Obras Missionárias. Os objetivos específicos do encontro foram: conhecer a realidade da promoção e formação missionária Ad Gentes dos leigos; definir linhas para a promoção, acompanhamento e formação do missionário Ad Gentes; preparar o envio de missionários leigos Ad Gentes latino-americanos durante o CAM 3–Comla 8. Sentiu-se a necessidade de resgatar a vocação mis-sionária Fidei Donum para os leigos, à luz dos 50 anos da publicação da encíclica de Pio XII. Orientados pelas reflexões "O que significa ser Discípulo e Missionário de Jesus Cristo para um Leigo Missionário Ad Gentes, à luz da Sagrada Escritura, do Magistério Conciliar e Pontifício e, especialmente, da Igreja Latino-Americana" Fontes: CNBB, Fides, Notícias do Planalto, POM.

e "Qual deve ser o perfil do Missionário Leigo hoje", o grupo comprometeu-se a trabalhar pela promoção, animação, formação e acompanhamento da vocação missionária Fidei Donum para leigos e sacerdotes, em âmbito nacional e de Cone Sul.

Estados UnidosNobel da paz e ecologia

O comitê do Nobel premiou o maior rival político do presidente americano, George W. Bush, e o painel de cientistas que ele achou que tinha sob seu controle - Rajendra Pachauri, presidente do IPCC (Intergovern-mental Panel on Climate Change). Em 2002, um ano após rejeitar o protocolo de Kyoto, Bush lançou uma grande ofensiva contra o IPCC. O painel era então presidido por Robert Watson, conhecido por sua defesa estridente do corte imediato e profundo das emissões de gases de efeito estufa. Watson era indicado político da administração Clinton-Gore e uma pedra no sapato dos republicanos e das empresas de petróleo que os apoiavam. Naquele ano, quando o IPCC realizaria eleições, um memorando da Exxon à Casa Branca perguntava: "Será que Watson pode ser substituído agora, a pedido dos EUA?" Pedido atendido. E os EUA passaram a fazer campanha para que Pachauri fosse escolhido para a presidência do painel. O lobby tinha o claro objetivo de enfraquecer o órgão. Relativamente desconhecido, Pachauri trabalhava para a indústria do carvão mineral na Índia, o ramo da economia que mais polui. A expectativa de Washington era que o economista indiano permanecesse fiel às suas origens e silenciasse o IPCC. Uma vez na liderança do painel, no entanto, Pachauri se viu cercado pelas evidências. E teve de se render a elas. Estudo após estudo, de-sastre natural após desastre natural, o quadro que se configurava era o de que o aquecimento global era real e causado, sobretudo, pela queima de combus-tíveis fósseis por seres humanos. Essas conclusões teriam de ficar bem explícitas no Quarto Relatório de Avaliação do Conhecimento sobre a Mudança Global do Clima, cuja produção o indiano liderou com retidão e transparência. E ficaram.

Serra Leoacristãos e muçulmanos

“Cristãos e muçulmanos dividem uma história de bem, mas também de dolorosas memórias. O diálogo cristão-muçulmano é o único modo para recordar juntos os períodos nos quais as comunidades viviam em paz, mas oferece também espaços para ouvir histórias e experiências dolorosas, de controvérsias e dissidências que condicionam o presente”, afirmaram os bispos da Associação das Conferências Episcopais dos Países Anglófonos da África Ocidental (AECAWA): Gana, Libéria, Serra Leoa, Gâmbia e Nigéria, em um comu-nicado divulgado no final da 11° Assembléia Plenária da Associação, que se realizou em Freetown, em Serra Leoa entre os dias 8 e 13 de outubro de 2007, com o tema "A Igreja e a colaboração entre cristãos e islâmicos na África Ocidental". “Queremos aprofundar o nosso diálogo para que possamos ir ao coração da questão: a promoção da paz na nossa região da África ocidental", afirma o documento.

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Crianças sul-coreanas.

ASETT, Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo, torna pública sua solidariedade e apoio ao povo da Birmânia em sua justa reclamação por liberdade diante da penosa ditadura que vem suportando há décadas e

expressa seu desejo de que sua espiritualidade budista o sustente nesta luta até a consecução de seu objetivo. Nosso apoio dirige-se também aos monges budistas pelo serviço que estão prestando a seu povo ao encabeçar seu protesto e avalizar com sua credi-bilidade monástica a vivência espiritual desta resistência contra a ditadura, em favor da liberdade e da democracia. Nos sentimos unidos a vocês nesta luta e convocamos todos os cidadãos do mundo a secundar os esforços de vocês para que a Birmânia consiga a tão desejada democracia e, com ela, a liberdade, a justiça, a transparência e a superação da pobreza.

Desejamos que esta valente ação de vocês, monges budis-tas da Birmânia, seja o início de uma nova etapa na história de

INTENÇÃO MISSIONÁRIA"A fim de que na Península Coreana aumente o

espírito de reconciliação e de paz”.

Texto e foto de Álvaro Pacheco

magine que você vive em São Paulo e que no Rio de Janeiro estão alguns parentes seus: um irmão, seu pai ou mãe, um tio ou sobrinho... Imagine também que está morrendo de saudades deles, pois faz 50 anos que não os vê! Como assim? Mas vivem tão perto! Inacreditável,

não é? Isso acontece na Coréia do Sul e na do Norte. Lá vivem ainda milhares de pessoas separadas pelas fronteiras. E com o

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passar dos anos, a dor da separação vai aumentando. Bastariam poucas horas para percorrer os quilômetros que os separam, mas por enquanto isso é impossível. Porém, no ano 2000 surgiu uma esperança: os governos das duas Coréias reuniram-se pela primeira vez após a separação e um dos resultados foram os encontros entre as famílias separadas. Desde então ocorre-ram encontros esporádicos entre familiares, tendo sido dada a prioridade aos de maior idade. Alguns encontros foram feitos no Sul, outros no Norte e outros por videoconferência. O governo da Coréia do Sul tem feito esforços para que estes encontros sejam regulares devido a idade avançada de muitas pessoas. Este é um autêntico drama!

A Coréia era originalmente um único país, mas após a guerra entre os anos 1950-53, a relação entre as duas facções ficou caracterizada por um armistício de paz. Isso significa que, tecnica-mente, as duas nações permanecem em estado de guerra, dado que ainda não assinaram nenhum acordo de paz. Os mais idosos são os que rezam e anseiam pela reunificação dos dois países, mas apesar dos esforços feitos a nível diplomático, a previsão é de que isso vai custar muito a chegar. A esperança é de que a reunificação um dia aconteça. Basta olhar para a Alemanha, país que esteve também dividido em dois por muitos anos. E a Igreja Católica na Coréia do Sul associa-se, naturalmente, a esta esperança que o povo coreano carrega no coração, organizando iniciativas de ajuda, sobretudo econômica, aos irmãos e irmãs do Norte, bem como participando em iniciativas várias de reflexão e promoção da reunificação, entre outras.

Somos então convidados, durante este mês, a colocar esta nação dividida no centro da nossa oração, partilhando a angústia e a esperança do povo. Peçamos a Deus que abençoe esta terra tão sofrida e lhe conceda o dom da paz, do perdão e da reconciliação, para que as crianças de hoje possam construir, num futuro próximo, uma só Coréia.

Álvaro Pacheco é missionário, diretor da revista Consolata na Coréia do Sul.

Solidariedade ao povo da Birmâniae aos monges budistas

seu país e seja também a ocasião para começar uma relação estreita de cooperação entre vocês e a Eatwot, tanto no campo da espiritualidade comprometida com as grandes causas da humanidade, como no da reflexão teológica e no da busca inter-religiosa da paz, da justiça e da qualidade espiritual de toda a humanidade.

Assinam a declaração: Rohan Silva, presidente, Sri Lanka. Emmanuel Marthym, vice-presidente, Ghana. Luiza E. Tomita, secretária-executiva, Brasil. Murniati Nunuk, coordenadora da região asiática, Indonésia. Ramathate Dolamo, coordenador regio-nal da África, South Africa. Maricel Mena, coordenadora regional da América Latina, Colômbia. José-Maria Vigil, coordenador da comissão teológica internacional, Panamá. Anthoniraj Thumma, Asian coordenador da comissão teológica da Ásia, Índia. Jung Ha Kim, coordenadora da comissão teológica de US-Eatwot’s Groups e Marcelo Barros, monje católico beneditino, Brasil.

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Novembro 2007 -

Dia 20 de novembro recordamos Zumbi e o Dia Nacional da Consciência Negra.

de Antônio Aparecido da Silva

s povos que estão na origem da sociedade brasileira trazem as ancestrais heranças de pro-fundas espiritualidades. Assim acontece com os indígenas que constituem a população

originária no continente, os afros que para cá foram trazidos e segmentos populacio-nais de diversas partes da Europa que aqui aportaram em busca das ambições provocadas pelo novo mundo. Embora as práticas religiosas e espirituais trazidas por esses diferentes povos tenham sido trata-das de modos muito diferentes, entretanto, permanece em todo o continente uma aura de espiritualidade como característica fundamental de nossa gente. A maneira pela qual as pessoas vêem e sentem a realidade é, sobretudo, com sentimento religioso e espiritual.

Este verdadeiro patrimônio espiritual que está enraizado em todo o continente e de maneira muito marcante em nossa realidade brasileira tem muito a ver com as tradições africanas. Na Bahia, uma das principais localidades das tradições afro no Brasil, tudo expressa sentimentos religiosos e espirituais: no vestir-se, nos alimentos, nas atitudes e, sobretudo no falar. Diante das mais desafiadoras dificul-dades, inclusive da árdua luta pela vida, o povo baiano não se dá por vencido e diz: “Deus é mais!”

A espiritualidade afro-brasileira tem duas grandes influências: as heranças africanas e as tradições do catolicismo po-pular. A primeira foi trazida pelos africanos bantus e nagôs; enquanto que a segunda foi vivenciada aqui entre nós desde a

O

AfroEspiritualidade

Colônia. Bantu e nagô, cada um destes povos e culturas são marcados por um tipo de espiritualidade. Aliás, todo o povo africano é profundamente religioso.

Os nagôs e a espiritualidadeAssim como o povo da Bíblia tinha

vários nomes atribuídos a Deus (Adonai, Goel, Javé), os nagôs também utilizavam diversos nomes para se referir a Deus. Um dos termos bastante freqüentes para designar a divindade suprema é Olorum que quer dizer “Senhor do céu e da terra”, portanto, Senhor de tudo. Para os nagôs tudo o que existe é sagrado porque tudo foi criado por Deus (Olorum). Conseqüen-

temente a espiritualidade é a linguagem, ou seja, o elemento de compreensão da realidade. Deus no seu ato criador o fez através de uma mediação espiritual infun-dindo nas coisas criadas a força do seu Axé. Por isso mesmo, tudo o que existe no mundo animal, vegetal e mineral está carregado do Axé de Deus.

O Axé é fundamentalmente a energia vital, o sopro de Deus. Para senti-lo e enriquecer-se com sua energia é preciso uma atitude eminentemente espiritual colocando-se em sintonia com Deus, mormente através dos Orixás. O Axé está presente em tudo: nas plantas, nas águas e até nas pedras. Entretanto, como não

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Representantes da Pastoral Afro no I Fórum da Igreja Católica no Rio Grande do Sul, PUC/RS, Porto Alegre.

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Padre Toninho preside celebração Afro.

poderia ser diferente, onde o Axé está abun-dantemente presente é no ser humano, sobretudo na mulher. Ela é por excelência o receptáculo do Axé de Deus.

A vivência espiritual de cada pessoa passa pela mediação do seu Orixá, ou dos Orixás. Toda pessoa tem um Orixá que zela por ela. A vida espiritual mediada pelos Orixás é um fator de equilíbrio para as pessoas. Zelar pela vida espiritual, portanto, é cuidar do próprio equilíbrio. Não há equilíbrio sem espiritualidade. A origem de todo o mal está no desequilíbrio. A mediação espiritual dos Orixás possibilita o re-equilíbrio das ações desordenadas.

Espiritualidade e vida para os nagôs constituem uma unidade inseparável. Não há qualquer possibilidade de um procedi-mento dualista que separe corpo e alma. Por isso mesmo a espiritualidade é um dado efetivo e afetivo. Ela mostra a afeição de Deus para com as suas criaturas e, por outro lado, comunica-lhes a sua energia vital (Axé). A vida conduzida pela vivência espiritual possibilita o equilíbrio aqui nesta terra e, após a morte, o convívio eterno junto a Olorum (Deus).

Espiritualidade bantuA cultura bantu é bastante difusa, como

também a sua religiosidade e espirituali-dade. Entretanto é importante assinalar algumas de suas características. O ponto de partida é sempre a compreensão de Deus. Assim como para os nagôs, também para os bantus, Deus é o Ser Supremo. Chamado de Zambi ou Zambe, Ele é o criador e condutor de todas as coisas. Zambi no seu ato criador, primeiro criou o coletivo: Mãe, Pai e Filhos, ou seja, criou a família. Portanto, pelo ato criador de Deus o coletivo adquire a centralidade na função ética e conseqüentemente no procedimento espiritual. A espiritualidade bantu passa pela vivência comunitária. Quem vive comunitariamente mantém-se em permanente união com Deus (Zambi) e dele recebe os benefícios. Ao contrário, quem não vive comunitariamente determina a sua própria maldição.

Outra dimensão importante da espi-ritualidade bantu é a ancestralidade. O ancestro não é simplesmente o morto, mas o antepassado vivente. Exatamente porque viveu comunitariamente o ante-passado tornou-se ancestro. E, como tal, continua presente na vivência (história) da comunidade. O ancestro liga o passado ao presente e projeta o futuro. A ancestralidade valoriza a história e, ao mesmo tempo a transcende. O ancestro é um mediador espiritual. Antes das funções litúrgicas ou dos atos religiosos evoca-se a memória dos ancestros. Tudo começa por ali. A invocação dos ancestros faz com que as

gerações atuais percebam que a história lhes é anterior e será também posterior. Cada geração não é começo nem fim é um elo, e isso se dá não de maneira isolada, mas comunitariamente.

Na concepção espiritual bantu, vida e morte são igualmente importantes. Viver com dignidade, morrer com dignidade. O que assegura o viver com dignidade é a vivência comunitária, que não suprime o valor do indivíduo descambando em coletivismo, mas o qualifica como ser de relações. A vivência comunitária é o salvo-conduto para a vida eterna e para a condição de ancestro. Portanto, a morte é vista com pesar, sem dúvida, porém, com muito respeito porque ela é acima de tudo o grande trânsito espiritual. Por isso, inclusive, o devido respeito e até veneração para com o morto, depositando cuidadosamente o seu corpo na terra, porém, com a certeza de que pela sua vivência comunitária ele está junto de Zambi, na sua glória eterna.

Espiritualidade afro-brasileiraHá uma espiritualidade cultivada por

alguns seguimentos religiosos no Brasil que se mantém fiel às originárias tradições e religiões africanas, sobretudo dos povos nagôs. Entretanto a maioria do nosso povo tem uma vivência religiosa caracterizada pela prática do catolicismo popular amal-gamada com tradições culturais africanas, sobretudo, com os elementos da religiosi-dade bantu (reizados, congados etc.). Hoje, sob o olhar da inculturação, ou seja, de uma maneira legítima de entender a fé cristã a partir do gênio próprio de cada cultura, a Igreja valoriza esses elementos culturais de origem que estejam em sintonia com os ensinamentos cristãos. A esse propósito, diz o documento da Assembléia do CE-LAM em Aparecida que “a Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os povos, especialmente dos oprimidos,

indefesos e marginalizados”, e reafirma que “conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja” (DA, 532).

A espiritualidade afro vivida nos am-bientes populares ou em outras instâncias, tem como referência não só os elementos das tradições culturais, mas, inclusive a história de sofrimento e de luta da co-munidade negra que vai da escravidão à libertação e na incessante busca atual por participação e igualdade. O centro da espiritualidade afro é o Cristo ressuscita-do. Não por acaso os grandes centros de manifestação da religiosidade e espirituali-dade afro são dedicados a Cristo debaixo de vários nomes, como por exemplo: Bonfim, na Bahia; Matozinho, em Minas; Senhor dos Milagres, em Lima, Peru, e outros. Portanto, é uma espiritualidade eminentemente cristológica.

A devoção mariana tem lugar es-pecial na espiritualidade afro. O ícone maior desta espiritualidade é Aparecida, a negra Mariama. Ela representa a opção de Deus para com os negros, os pobres mais pobres nos tempos da escravidão, quando ela apareceu toda negra. Ainda hoje ela continua solidária com aqueles que são os mais marginalizados e ex cluídos da sociedade, os negros, que ainda são maioria. Na V Conferência Geral do Epis-copado Latino-Americano e do Caribe em Aparecida, os bispos concluíram que “o seguimento de Jesus no continente passa também pelo reconhecimento dos afro-americanos como desafio que interpela a viver o verdadeiro amor a Deus e ao próximo” (DA, 532).

Antônio Aparecido da Silva é sacerdote orionita, professor de Teologia no Itesp-SP, Assessor da Pastoral Afro, Membro da Equipe Teológica da CRB-Nacional e Presidente do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, SP.

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de Ramón Lázaro Esnaola

uerida Irene, quero-te muito! Permita que te lembre um pouco da minha história em relação a ti, no fervor dos meus 20 anos. Realmente, me seduziste com teu jeito

de ser e teu fascínio. No teu bom enten-dimento com as pessoas, tornavas fácil o difícil; construías onde reinava sofrimento e desolação; perdoavas toda espécie de ofensa. Conseguias tornar tudo tão bonito ao teu redor. A verdade é que acabei me apaixonando por ti. Lembras quando tudo começou? Eu vivia na minha cidade, Zaragoza, perto de Madri, Espanha, e diante de certas situações de injustiça e violência no mundo, comecei a sentir uma

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Uma carta a IreneAo escrever este artigo, padre Ramón Lázaro Esnaola, 40 anos, espanhol, usando uma linguagem metafórica e poética, descreve sua progressiva paixão pela Missão, comparando-a às etapas do namoro, noivado e casamento. O nome fictício Irene (em grego: paz) dado à Missão é muito significativo para ele, pois a sua vocação nasceu quando ele se comprometeu a trabalhar por Irene (paz).

inquietude, um forte desejo de conhecer-te mais em profundidade. Amigos, leituras, movimentos, ajudaram a me aproximar de Deus... Tudo ia me orientando para Ele e para um sério compromisso com os irmãos. Na busca, tu te fizeste acessível e me proporcionaste a oportunidade de conhecer o Grupo dos Leigos Missioná-rios da Consolata da minha cidade e de tornar-me um de seus membros efetivos. Desde então, passaste a ocupar um lugar de destaque no meu coração. Progressi-vamente, fui conhecendo-te mais e mais; já tu não saias da minha mente. A tua, era uma presença forte e até as pessoas começaram a perceber o nosso namoro. Senti que me pedias um projeto de vida a dois; já não era uma amizade como as demais: tu me querias todo e só para ti. Ah! Irene! Confesso que foi muito difícil

tomar uma decisão. Comecei a comentar meus sentimentos e aspirações com pes-soas de minha confiança. Elas me davam toda a atenção e me acompanhavam no difícil discernimento. Lembro que rezei muito para que Deus me iluminasse; pois não conseguia ver as coisas claramente e também, não tinha a certeza de que iria conseguir ser-te fiel a vida inteira. Criei coragem e um pouco às cegas, não totalmente convencido, me arrisquei e te disse “sim”. Estava disposto a começar contigo um novo caminho.

Primeiros passosTudo ia bem e eu estava muito feliz

com a opção feita. Porém, surgiu um grave problema: eu ainda não havia falado aos meus pais desta minha decisão. Eu tinha toda a certeza, que tu não eras o que eles haviam pensado para mim e o meu futuro. Não que eles não gostassem de ti... Ademais, eles estavam divorciados. Realmente, fiquei numa situação difícil. Porém, minha irmã e meu irmão menor estavam dando apoio; de forma que a meus pais, não restava outra alternativa, a não ser aceitar a minha decisão, embora eu percebesse que eles não estavam acreditando em mim. Tinham a certeza, que depois de algum tempo, eu me can-saria de ti e voltaria para eles. É que eles não te conheciam! Afinal, eles acabaram abençoando a nossa união. Os primeiros anos foram de aprofundamento da nova vida. O tempo ia passando, já passara o namoro e o noivado, e eu comecei a tomar conhecimento das minhas limitações (e das tuas); das minhas fraquezas (e das tuas); das minhas incoerências (e das tuas). Houve momentos de perplexida-de; mas eu devia tomar consciência que

Padre Ramón com paroquianos em Dianra, Costa do Marfim.

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Uma carta a Ireneestava lidando com realidades humanas que não são perfeitas. Assim, apesar de tudo, juntos, fomos seguindo o caminho. Já não era mais aquele amor explosivo do início; porém, agora, o meu amor por ti era mais autêntico, mais sincero. Eu já não estava preso apenas à tua beleza exterior; sentia-me atraído mais pela interior.

Os frutos da MissãoDesta vez foi pra valer. Decidimos

entrelaçar nossas vidas. Serei sempre grato a Deus e a ti por tê-lo feito. Da nossa união, nasceram dois filhos: um menino e uma menina: Tetuan e Dianra. Tetuan (minha primeira missão) era um bairro ao norte de Madri, habitado por trabalhadores, pessoas humildes que viviam em casas pequenas e que tinham que lutar muito pela sobrevivência das próprias famílias. Geralmente, eram pes-soas vindas do Equador para tentar na Espanha uma vida melhor. Imigrantes que precisavam ser acompanhados, até conseguirem se adaptar à nova realidade, se organizar, reivindicando seus direitos

básicos. Lembras? Por algum tempo, ali acompanhamos jovens em busca de um futuro melhor; e conseguimos ser para eles, apoio fraterno e esperança. Aqueles três anos foram muito preciosos. Mas, depois chegou Dianra (outra missão, além-fronteiras). Dianra, está situada ao norte da Costa do Marfim, África. Tenho que confessar-te, Irene, que esta é a minha preferida. Desde 2001 até o presente, estou partilhando a minha vida com os Senufó. Dianra mostrou-me as savanas arborizadas, as plantações de algodão, as pequenas plantações de inhame, o milho e arroz que eu já conhecia na Espanha. Ela me ensinou a lidar com o harmatta, vento gélido que vem do deserto do Sul, de novembro a janeiro e que todos os dias ao desaparecer do sol deixa tudo congelado até a manhã seguinte. Mas, sobretudo, Dianra me apresentou aos Senufó, povo organizado em mais de 300 subgrupos, espalhados na região norte da Costa de Marfim. É um povo muito trabalhador, tanto as mulheres como os homens; com uma diferença: aos homens paga-se uma

miséria e as mulheres, de vez em quando, recebem umas migalhas irrisórias. Os Senufó, são os primeiros moradores da Costa do Marfim. Eles estão organizados ao redor do Poro, que tem a duração de quase sete anos. É a iniciação tradicional que lhes proporciona um aprendizado progressivo e que os torna incrivelmente resistentes para a sobrevivência.

Coragem de doar a vidaAs características desse povo são

fortes: o respeito e a obediência aos mais velhos; o sentido de pertença ao grupo; a aliança com a família; a harmonia com Deus, com os antepassados e com a natureza... Para eles, os funerais fazem parte da vida; são preparados e muito bem celebrados. Sem dúvida, devo dizer-te, Irene, que está sendo muito importante para mim esta experiência entre os Se-nufó. Eles me ajudaram a fazer inúmeras descobertas; porém, a mais importante é a da reciprocidade de amor dado e cor-respondido. Eles me querem muito e eu igualmente os quero e por eles continuo aqui. É certo que não faltaram alguns sofrimentos, especialmente durante a guerra (2001-2005), e a crise posterior que persiste até hoje. Porém, estou vi-vendo todo esse tempo de incertezas, com grande confiança no Deus da vida que me acompanhou até esta hora, me protegeu a cada passo, mesmo sem eu perceber. Sinto que tudo me levou a cres-cer muito no amor, na fé, na coragem de anunciar, na doação desinteressada, na partilha. Dianra me ensinou que na vida, há situações e pessoas especiais, pelas quais vale a pena viver; pelas quais vale a pena dar a vida. Não quero que me julgues tão trágico; porém, quero assegurar-te, que me sinto feliz por ter feito toda esta caminhada na família da Consolata.

Ramón Lázaro Esnaola, imc, é missionário naCosta de Marfim, África.Jovens da comunidade São José, Dianra, Costa do Marfim.

República da Costa do MarfimCapital: Abijan Superfície: 322.463 km2População: 15.980.950Nacionalidade: marfinensesIdiomas: Francês (oficial), diula, baulê.Religião: Islamismo 38,7%, cristianismo 26,1%(católicos 20,8%, protestantes 5,3%),animismo 17%, outras 18,2%Expectativa de vida: 47 anosAnalfabetismo: 53,2% Moeda: franco CFA

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ítica

Reforma política e compra de votosEm São Paulo, dia 29 de setembro, tive a oportunidade de

fechar o encontro falando sobre reforma política. Apontei que todos os pontos da reforma guardam relação direta com o for-talecimento dos partidos e do Legislativo, mas que infelizmente essas instituições não gozam de significativa credibilidade junto à sociedade, muito pelo contrário. Assim, diante de tal questão, os esforços para consolidar as mudanças como algo benéfico serão significativos. E muito do que se pretende alterar não representará uma guinada no sentido da honestidade, da moral e da ética, mas apenas mudanças nas regras. Para alterar de maneira significativa o ambiente político nacional seriam necessárias ações de edu-cação e alteração no envolvimento do brasileiro com a política. Estamos muito distantes disso, sobretudo porque dependemos

de parlamentares que não enxergam na sociedade a solução, e sim em suas capa-cidades de alterar o quadro. A apresentação contou com apoios, mas também gerou insatisfação significativa daqueles que não concordam com as idéias apresentadas. A despeito de tal condição, esse é o espírito da democracia.

Em São José do Rio Preto, dia 5 de outubro, a palestra teve como tema central a Lei 9.840/99, aprovada graças aos esforços da CNBB e de diversas organizações que conduziram o trabalho de sensibilização da sociedade e, pressionando o Legislativo Nacional, aprovou seu projeto. O objetivo foi mostrar que apesar dos esforços da sociedade, o Comitê 9.840 apresentou dados no início de outubro que mostravam que “apenas” 663 políticos foram cassados desde 2000 por compra de voto e uso ina-dequado da máquina pública em benefício de campanhas – temas principais da Lei. A cultura política do país entenderia esse

número como extremamente relevante, principalmente por conter governadores e senador. Mas em 2006 a ONG Transparência Brasil estimou em quase 10 milhões o número de brasileiros que receberam proposta de compra de voto. A distância entre o possível e o desejado é grande, mas passa pela consciência dos candidatos. E os postulantes que se apresentam à sociedade levando o nome da Igreja não podem se desfazer dos esforços de nossa organização com honestidade e lisura eleitoral. Que os católicos continuem se organizando e discutindo com cidadãos a importância da política! Estamos à disposição.

Humberto Dantas é cientista político, professor do Centro Universitário São Camilo. Co-autor do livro Introdução à Política Brasileira, Paulus, 2007.

ntre o final de setembro e o início de outubro tive a oportunidade de participar em dois encontros de ve rea-dores católicos. O primeiro deles, na capital paulista, foi realizado na Câmara Municipal e destinado a todos os parlamentares do estado. O segundo ocorreu em São José do Rio Preto, SP, e contou com a participação de

legisladores locais de diversas cidades. Importante salientar que o grande compromisso do encontro foi com o debate de questões fundamentais. Pesa positivamente o fato de a Igreja se mostrar absolutamente preocupada com aspectos gerais de

nosso cenário político e os relacionar com princípios gerais da ética cristã. As discussões caminharam no sentido de debater desde a doutrina social da Igreja até a reforma política. Em todos os casos os presentes puderam se manifestar e as discussões, por vezes, se acaloraram.

A despeito de tais características, o interesse dos legislado-res ainda não é tão significativo quanto o da Igreja em mostrar o quanto temos para discutir, debater e firmar compromissos. O plenário de São José do Rio Preto e a sala utilizada em São Paulo não estavam lotadas, apesar de contarem com bons públicos. Como palestrante convidado dos dois eventos, abor-dei temas diferentes e expressivamente relevantes ao cenário político nacional.

de Humberto Dantas

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Católicos se encontram com vereadores, numa demonstração

de amadurecimento e consciência política.

Encontrocom políticos

Humberto Dantas (esq.), Marco Antônio Matheus, padre Geomar Alves dos Santos, São José do Rio Preto, SP.

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15- Novembro 2007

de Carlos C. Santos

Conferência de Aparecida foi a primeira Assembléia do CELAM em conexão aberta e direta com a “aldeia glo-bal”, através da tecnologia de ponta que disponibiliza

hoje as mais diversificadas vias, quais sejam o celular, a internet, e todos os elos que, a partir daí, podem ser articulados. Com este estar permanen-temente “plugado”, já não é possível fazer nada às escondidas. Aconteceu lá, e a notícia chegou online cá. Não há mais como conceber uma Assembléia privada ou secreta isenta deste tráfico de influências.

O ambiente em que se realizou a Conferência também foi original: um santuário aberto ao povo, aos pobres, às romarias, à religião e à cultura popu-lar, em um cenário que mantém no ar o “espetáculo” praticamente 24 horas por dia, favorecendo a aproximação, encontros, contatos diretos e o diálogo. Uma realidade, portanto, que, por si

A

Chavesde leituraSurge um dos projetos missionários mais bem articulados dos últimos tempos.

só, no mínimo, questiona, desinstala e faz pensar. Dos 268 participantes da Assembléia, mais da metade não eram bispos. Mais de 50% da Assembléia, portanto, apesar de não terem tido direito a voto, tiveram direito à voz, participando efetivamente de todo o processo, falando e sendo ouvidos.

A usurpação de poderO Documento de Aparecida (DA)

original, votado, aprovado e consagrado pela Assembléia no dia 31 de maio, para além de todos os matizes relativos ao seu contexto, constitui um todo harmônico belíssimo que consolida a tradição teo-lógica e eclesial da América Latina e do Caribe, tendo encontrado respaldo até mesmo da teologia mais crítica, como a representada, por exemplo, pelo padre José Comblin, em seu artigo sobre “o projeto de Aparecida”. Não obstante, como já adverte o ditado, “há algo de podre no reino da Dinamarca”. E Oxalá fosse só no da Dinamarca...

Enviado ao papa para aprovação final, o texto retornou com diversas modificações entre cortes e acréscimos,

A Conferência de AparecidaFORMAÇÃO mISSIONÁRIA

As surpresas do Espírito

Durante a V Conferência, o sopro suave do Espírito, que faz novas todas as coisas (cf. Ap 21,5), influenciou, desconcertou e surpreendeu . Eventos acentuadamente eclesiais, não para-lelos, conforme suspeita e acusação de alguns, mas complementares, ex-pressaram sintonia e comunhão com a Assembléia, tornando-se momentos fortes de oração, de contemplação, de fé comprometida e espiritualidade liber-tadora. Entre eles estão: o Seminário de Teologia, promovido pelo Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB; o Fórum de Participação, mobilizando pastorais, movimentos, organismos e entidades; a Romaria das CEBs, jun-tamente com a Pastoral da Juventude e a Pastoral Operária; a Tenda dos Mártires; a Tenda da Vida Consagrada, organizada pela CRB; e a presença e assessoria da Ameríndia, uma rede de católicos das Américas com espírito ecumênico e aberta ao diálogo e à cooperação inter-religiosa.

Diferentemente do que esperavam setores conservadores, o Discurso Inaugural do papa foi marcado por ingredientes que combinam conheci-mento da realidade, leitura crítica da conjuntura, denúncia dos sistemas de corrupção e de morte e orientação para uma opção concreta e eficaz pelos pobres e excluídos. Mesmo à postura equivocada segundo a qual “... o anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma impo-sição de uma cultura estranha”, (DA, p. 268) correspondeu, a partir das reações de comunidades indígenas e afro, a correção de Bento XVI: “...a memória de um passado glorioso não pode ignorar as sombras que acom-panharam a obra da evangelização do continente latino-americano... os sofrimentos e as injustiças que os colonizadores infligiram à população indígena, frequentemente pisoteada em seus direitos fundamentais... condena-dos, já então, por missionários como Bartolomeu de las Casas e teólogos como Francisco de Vitória”.

O conjunto dessas influências re-percutiu muito mais positiva do que negativamente no Documento Final de Aparecida.

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16 Novembro 2007 -

de entregá-lo a Bento XVI, mais tarde se justificaram com declarações e cartas, sem, porém, levar a bom termo a questão que continua em aberto. A CNBB, de início, igualmente surpresa, condenou a manipulação do texto original, na palavra abalizada de bispos como o cardeal Geraldo Majella Agnelo, dom Raymundo Damasceno Assis, atual presidente do CELAM, dom Luiz Soares Vieira, dom Demétrio Valentini, entre

outros, lembrando que “o papa respei-taria o que os bispos decidissem” (O Estado de S. Paulo, 16/08/2007). Mais adiante, perante o impasse provocado pela obscuridade das notícias, a CNBB optou por uma posição de conciliação, disponibilizando em seu site uma Co-municação à Imprensa através da qual dom Andrés Stanovnik transferiu toda a responsabilidade das modificações para a Santa Sé.

Manifestações e protestosEsta controvertida manipulação de

partes do texto original trouxe para o centro do debate uma série de contribuições, manifestações, reflexões e protestos, o que, com certeza, pode e deve ser considerado um bem, no contexto não só do legítimo direito à discordância, como também à defesa de uma ética de transparência. Afinal, filha da discórdia e da crise que brotou já nas origens do cristianismo com as também controverti-das, e até contraditórias, eclesiologias de Pedro e Paulo, que, por vias diferentes, chegaram ao Senhor, “um pela cruz, e outro pela espada”.

Há, porém, uma questão de fundo que a alteração do texto original de Aparecida lança, embora não explicite. Não é a primeira vez que um documento desta importância é adulterado à re-velia de uma Assembléia validamente constituída, como é o caso das Con-ferências Episcopais, que têm normas pré-estabelecidas, entre as quais a que determina que somente o papa pode modificar o conteúdo do documento votado e aprovado, deliberando ou não sobre sua publicação.

O processo funciona, então, mais ou menos assim: a manipulação e as modificações executadas no documento original são como uma dor de cabeça, que nada mais é do que o sintoma de um mal maior no organismo podendo ser estômago, fígado, rins, que serão, então, a causa do sintoma. De igual maneira, a mudança arbitrária do texto é tão somente sintoma de uma causa que, esta, sim, precisa ser combatida e erradicada, a saber, a estrutura de poder, ou o modo como esse poder é exercido na comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus, que não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mc 10, 45), e impõe como condição para seu seguimento que, o maior

seja o servidor (cf. Mt 23, 11). Esta é a questão central ou nevrálgica, da qual não se pode mais fugir e que, se enfrentada com honestidade, poderá varrer definitivamente da nossa histó-ria, da nossa teoria e militância todo despotismo e sede de poder que não coadunam, em nenhuma hipótese, com o seguimento de Jesus.

Nesta perspectiva se excluem, por conseguinte, as justificativas, pois, além de não convencerem, tampouco atacam a causa ou o mal pela raiz. Desculpas como as que foram propaladas, alegan-do forma, estética, ou seja lá o que for do texto alterado, não resolvem o problema de fundo que permanece: alguém que, seja quem for, auto-suficiente, abusa do poder relacionado ao cargo que ocupa, e muda, conforme seus próprios critérios e interesses, o que fora apro-vado e votado por uma maioria. Assim compreendida, a questão não é pura e simplesmente a da volta ou não do texto original, mas a da reconstituição de um processo em que o poder absolutista falou mais alto que o poder serviço do Evangelho, abafando e entristecendo o Espírito Santo (cf. Ef 4, 30).

Na atual conjuntura socioeconômica e política, em que a Igreja tem criticado com veemência e condenado profe-ticamente a avalanche de corrupção em todos os níveis, denunciando o acintoso abuso de poder que despreza e exclui os pobres, não deverá partir dela, em primeiro lugar, o testemunho evangélico de uma ética transparente e condizente com o espírito do Evan-gelho que é Boa Nova da verdade que liberta? (cf. Jo 8, 32)

Por outro lado, como já se alertou, seria irresponsável uma supervaloriza-ção deste aspecto negativo, prescindin-do do rico patrimônio da fé cristã que arranca agora de Aparecida.

junções e disjunções, comprometendo, visivelmente, entre outros, os itens con-cernentes às CEBs (DA, texto original: 193-196; cf. texto oficial: 178-180).

O presidente e o secretário-geral do CELAM na ocasião, respectivamen-te, o cardeal chileno Francisco Javier Errázuriz Ossa e seu colega, Andrés Stanovnik, da Argentina que, em princí-pio, direta ou indiretamente, admitiram ter mudado o documento original antes

11º Intereclesial das CEBs, Ipatinga, MG.

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FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

Para o leitor atento, não será difícil perceber que o texto do DA, seja o original ou o oficial, traz uma série de ambigüidades e contradições, o que, até certo ponto, é natural por tratar-se, como vimos, de um documento redigi-do a partir de uma diversidade muito grande de contribuições, intervenções, acordos e influências que, somadas, negociadas e votadas, resultaram, então, no documento final. Visto no seu conjunto, no entanto, o DA não representa retrocesso, legitimando, por exemplo, conforme se esperava, o conservadorismo ou os arautos de uma neocristandade em curso, em determinados campos da sociedade e

da Igreja. Ao contrário, professando e propondo, desde o início, continuidade afinada e, ao mesmo tempo, atualizada, com o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) e as Conferências pre-cedentes do Rio de Janeiro (1955), Medellín (1968), Puebla (1979) e Santo Domingo (1992), o DA não fundamenta suas conclusões em verdades absolutas ou em um pretenso senhorio da verdade, mas assume com humildade a condição de parceria, inserindo-se no quadro das grandes transformações atuais, (Cf. DA 33) que faz da Igreja uma instância a mais, entre muitas outras, de serviço à construção do Reino e, portanto, de “outro mundo possível”.

O fio condutor de Aparecida

Mantendo postura crítica em relação aos modelos eclesiológicos e doutrinais que destoam do espírito do Concílio (Cf. DA 100b), o DA convoca os cristãos e as cristãs para a inaudita tarefa de assumir a cultura atual, como meio imprescindí-vel de conhecer, falar e compreender a linguagem contemporânea, (Cf. DA 480) e mergulhar sem medo na era da modernidade, respeitando a legítima autonomia do temporal e das ciências, em nosso mundo marcadamente plu-ralista. Neste contexto, centrar toda a ação evangelizadora na convivência dialogal e respeitosa com o diferente e consolidar a emancipação da tutela da Igreja, enquanto sacramento do Reino, é condição indispensável para que ela cumpra sua missão de caminhar solidariamente com toda a humanidade

peregrina, (Cf. DA 384 e Lc 34, 13ss) e resgate a credibilidade histórica. Com este pano de fundo, no conteúdo como na forma, o DA se apresenta atraente e criativo e, conjugando harmonia, beleza

e profundidade pastoral e teológica, parece ser um dos projetos missioná-rios mais bem articulados dos últimos tempos. Nas palavras de frei Clodovis Boff, “uma surpresa do Espírito” e “o ponto mais alto do Magistério da Igreja Latino-Americana”.

Não temos nenhuma pretensão de ser ou ter a última palavra em relação a um assunto que, por sua própria natureza, é prioritariamente comunitário e deve ser amplamente socializado. Diante da densa e rica proposta expressa no DA, o Espírito suscitará, como já vem suscitan-do, muitas outras reflexões. Daí, nossa opção por lançar sobre o Documento de Aparecida um olhar de conjunto, tentando realçar nele, os principais aportes que encorajam e sustentam a missão das cristãs e dos cristãos.

Visão de conjunto

As linhas mestras do DAOptamos por colocar em destaque

aqueles traços que, a nosso ver, pa-recem ser os mais característicos ou fundamentais do DA, constituam eles novidade em relação ao novo projeto de evangelização proposto para o con-tinente ou, simplesmente, reafirmação de conquistas anteriores. Nas trilhas do método “ver-julgar-agir”, o DA rea-presenta a já conhecida proposta de “partir da realidade que precisa e deve ser transformada, à luz do projeto de Deus, pela ação libertadora dos(as) discípulos(as) missionários(as)”. Nesta

perspectiva, sobressaem, entre outros, 10 grandes eixos que apresentamos a seguir:

1. “encontrei Jesus!”A realidade de uma experiência

pessoal e comunitária, concreta, exis-tencial, de encontro afetivo e efetivo com Alguém, que está por trás desta expressão comumente usada por irmãs e irmãos evangélicos, é como que a “força motora” do DA.

Cristo foi, é e será sempre (cf. Hb 13, 8) aquele que chama (cf. Mt 4, 18-22),

acolhe (Lc 7, 36ss; Jo 4, 7ss), convive (cf. Lc 10, 38-42), educa (cf. Mt 20, 17ss) e envia (cf. Mc 6, 6b-13; 16, 15) para o discipulado missionário (cf. Jo 20, 21). É o Crucificado-Ressuscitado que, por fidelidade ao projeto do Pai, obsessão incontida pelo Reino e amor aos pobres e oprimidos, caminha decididamente para Jerusalém (cf. Lc 13, 33), onde vai desmascarar e deslegitimar os poderes socioeconômico e político-religioso, para consumar seu Ofertório de Vida para que todos tenham vida. Jesus não é, portanto, em primeira

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FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

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instância, um conjunto de normas e doutrinas às quais se está obrigado a submeter, mas uma pessoa real, concreta – o Irmão Maior que nos foi dado – à qual se deve aderir e seguir por ser Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14, 6). Tendo enfrentado e vencido corajosamente as forças do mal e da morte, traz-nos a esperança-certeza de que mudar é possível, confiando-nos seu Espírito (cf. Jo 20, 22) que nos enche da mesma coragem para seguir seus passos, repetindo o que Ele fez (Cf. DA 31). “Trata-se de con-firmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pes-soal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missioná-rios... homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade, como discípulos e missionários de seu Reino, protagonistas de uma vida nova para uma América Latina que deseja reconhecer-se com a luz e a força do Espírito” (DA 11).

Mais: no espírito da gratuidade e das bem-aventuranças evangélicas (cf. Mt 5, 1ss), não só repetir o que Ele fez, mas como Ele fez: “No Evangelho aprendemos a sublime lição de ser pobres seguindo a Jesus pobre (cf. Lc 6, 20; 9, 58), e a de anunciar o Evan-gelho da paz sem bolsa ou alforje, sem colocar nossa confiança no dinheiro nem no poder deste mundo (cf. Lc 10, 4ss)” (DA 31).

2. A perspectiva “reinocêntrica”A trajetória histórica que, em espe-

cial, a partir de Kant, com o princípio da razão autônoma, colocou o ser humano no centro do universo (antropocen-trismo) não conseguiu responder aos grandes anseios de liberdade e felicida-de humanas, tendo sido substituído, à época pós-conciliar, pelo cristocentrismo (Cristo é o centro de tudo).

Hoje, contudo, amparados por reflexões de uma teologia sadia e mais coerente, é possível chegar a compreender que um encontro pessoal e comunitário com Jesus de Nazaré não pode estar restrito aos limites de uma experiência de fé meramente intimista, individualista, sentimentalis-ta, espiritualista ou moralista. Nesta perspectiva, se tem defendido muito apropriadamente que, mais do que aderir à fé em Jesus, é preciso aderir à fé de Jesus, que fez de toda sua vida, morte e ressurreição, compromisso incondicional para construir e tornar presente o Reino na história (cf. Mc 1, 15; Mt 13).

É evidente que esta mudança de ótica torna o desafio ainda maior, pois aderir à fé de Jesus implicará, em termos práticos, continuar sua palavra profética e sua ação libertadora no mundo, prolongando suas opções e seu compromisso, em muitos casos, até à morte, para consolidar o Reino como destino último da humanidade e do mundo. E aqui nos confrontamos

novamente com o ponto conflitante relacionado aos poderes constituídos que já foi objeto da advertência, por exemplo, de Paul Tillich, quando recorda que o Reino de Deus é “o símbolo mais importante e o mais difícil do pensa-mento cristão e ainda mais – um dos mais críticos, tanto para o absolutismo político quanto eclesiástico” (Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas/Si-nodal, 1984:658).

“Os povos da América Latina e do Caribe vivem hoje uma realidade mar-cada por grandes mudanças que afe-tam profundamente suas vidas. Como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos desafiados a discernir os ‘sinais dos tempos’, à luz do Espírito Santo, para colocar-nos a serviço do Reino, anuncia-do por Jesus, que veio para que todos tenham vida e ‘para que a tenham em plenitude’ (Jo 10,10)” (DA 33).

3. vida nova e plenaA urgência do advento do Reino,

enquanto realidade que porá termo às forças do mal, impõe o tema que atravessa todo o DA e é como que sua alma: o da defesa de uma genuína cultura da vida que conheça, enfrente e vença os sistemas de morte.

“Conduzida por uma tendência que privilegia o lucro e estimula a concorrên-cia, a globalização segue uma dinâmica de concentração de poder e de riqueza nas mãos de poucos. Concentração não só dos recursos físicos e monetários, mas, sobretudo, da informação e dos recursos humanos, o que produz a exclusão de todos aqueles não sufi-cientemente capacitados e informados, aumentando as desigualdades que marcam tristemente nosso continente e que mantêm na pobreza uma multidão de pessoas” (DA 62).

Defender e garantir direitos, digni-dade e vida humana, social e ecológica em todas as suas etapas, circunstâncias e dimensões, na denúncia corajosa e profética do sistema de globalização neoliberal que pretende submeter tudo e todos às leis iníquas do mercado, eis a vocação primordial dos discípu-los missionários que encontraram e experimentaram Jesus, comunicador do Reino e Vida em abundância.

(Continua na próxima edição)

Carlos C. Santos é sacerdote e assessor das CEBs (Co-munidades Eclesiais de Base) da Arquidiocese de Juiz de Fora, MG.Romaria dos Mártires, Ribeirão Cascalheira, Prelazia de São Félix do Araguaia, MT.

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Juventudemeio ambiente

O Dia Nacional da Juventude deste ano fez todos refletirem sobre a problemática ambiental.

de Patrick Gomes Silva

Dia Nacional da Juventude 2007, celebrado em 28 de outubro, teve como tema "Juventude e meio am-biente". O evento pretendeu motivar a juventude para comemorar o dia de uma forma jovem, descontraída e comprometida com a realidade social em que está inserida, tendo como base e centro Jesus Cristo e

seu projeto de vida. Recentes estudos e notícias sobre o meio ambiente têm sido alarmantes. Anos atrás, certas catástrofes eram profetizadas, mas poucos acreditavam no que se dizia. Hoje acordamos para esta situação. A alteração climática, por exemplo, é uma realidade que não nos pode deixar indiferentes, pois afeta a todos.

Se, no passado, olhávamos para a natureza como fonte ines-gotável de recursos, agora percebemos mais e mais que ela está em perigo. Cuidar do meio ambiente é cuidar da vida como um todo. Não é simplesmente um modismo, mas uma questão muito séria. Estudo publicado há pouco mostra que os mais prejudicados com as mudanças climáticas são os pobres, exatamente porque são os que mais dependem das condições do clima. Mahatma Gandhi, libertador da Índia, afirmou: “A natureza pode suprir to-das as necessidades da humanidade, menos sua ganância”. Foi

exatamente esta ganância que levou à situação onde nos encontramos, com

um planeta que pede urgentemente ajuda. É tempo de reverter a situação!

Papel dos jovensOs jovens de hoje são mais sensíveis à

necessidade de mudança de mentalidade com relação ao meio ambiente. Alguns já estão enga-

jados em atividades de defesa do planeta. O jovem católico não pode ficar indiferente a esta temática.

Cremos que Deus criou o mundo em que vivemos e nos entregou para sermos “administradores”, não

donos para fazermos o bem entendemos. Precisamos nos empenhar para realizar uma boa administração daquilo

que nos foi entregue. O livro da Gênesis diz: “E Deus viu que tudo era bom”. Tudo na Criação é bom, mas necessita de preservação. Está na hora de passarmos à ação concreta. Não bastam palavras e boas intenções. São necessárias ações para reverter a situação em que nos encontramos

Diante desta realidade é preciso que sejamos profetas. Sig-nifica falar desta realidade a todos. Muitas pessoas ainda não estão convencidas da problemática. É importante conscientizá-las sobre o cuidado e preservação da vida e do meio ambiente. É fundamental também o nosso testemunho. Não adianta dizer uma coisa e fazer outra. Cremos na sensibilidade, capacidade e empenho dos jovens nesta missão essencial.

entre outras atitudes concretas, vale lembrar: ● Reduzir (o consumo), reutilizar e reciclar (materiais);● Não jogar óleo lubrificante no esgoto; ● Evitar comprar produtos oriundos de recursos naturais não

renováveis;● Não desmatar e sim contribuir com o reflorestamento (ár-

vores nativas);● Economizar os recursos naturais (água, energia, etc.);● Informar-se sobre o tema e participar de organizações e

movimentos que atuam nesta causa;● Promover iniciativas de conscientização na comunidade.

Patrick Gomes Silva é missionário, membro da equipe de formação do Centro de Animação Missionário José Allamano, SP.

O

roteiro de encontroTema do mês: “DNJ e meio Ambiente”a) Acolhidab) Invocação do Espírito Santoc) Dinâmicad) Apresentação do tema, questionamentos e debatee) Pai Nosso Missionáriof ) Oração conclusiva

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20 Novembro 2007 -

de Aidil Brites e Gigliola Sena

m 1993, irmã Lindalva Justo de Oliveira, 39 anos, foi assassinada por um dos internos do Abrigo Dom Pedro II, em Salvador. No dia 2 de dezembro será beatifi-cada, durante missa celebrada

no Ginásio Manoel Barradas, situado na cidade onde a missionária vivia a sua vocação quando sofreu o martírio. Uma oportunidade ímpar, já que milhares de fiéis estarão reunidos com padres e religiosos para renovar o compromisso missionário. “Desejamos chamar atenção para o fato de que a santidade é o testemunho que a missão exige”, explica o bispo auxiliar Dom Josafá Menezes.

O rito próprio da beatificação aconte-cerá dentro da Celebração Eucarística. Após o Ato Penitencial, será lida a história da religiosa, além do decreto e da fórmula própria de reconhecimento do estado de bem-aventurança. As Filhas da Caridade, como também são chamadas as religiosas da congregação de irmã Lindalva esperam pela beatificação “num clima de alegria e expectativa, mas também de oração e ação de graças”, como afirma a atual superiora do Abrigo Dom Pedro II, irmã Cristina da Silva.

Para a ocasião, a Província de Recife confeccionou velas denominadas “Chama da Caridade” com o objetivo de divulgar a virtude exercitada pela irmã e o testemunho cristão deixado por ela. As velas percor-rem as paróquias onde a congregação atua até o dia 23 de novembro. Nessa data, as Filhas da Caridade de diversas províncias reunidas em Salvador farão o encerramento da peregrinação. “O exemplo de vida que irmã Lindalva deixou anima a nossa fidelidade a Deus e nos encoraja a enfrentar os desafios cotidianos”, declara irmã Cristina.

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Irmã LindalvaBem-aventurada do BrasilReligiosa da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo será beatificada em Salvador, BA, em dezembro.

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Caminho vocacionalLindalva nasceu no município de Açu,

localizado no Estado do Rio Grande do Norte. “Quero ter uma felicidade celestial. Transbordar de alegria e ajudar o próximo. Ser incansável em fazer o bem”. Estas palavras estão na carta de pedido de ingresso da então vocacionada. Em 1987, aos 33 anos, ela decidiu seguir a vida de religiosa na Companhia das Filhas da Caridade. Seu pedido foi aceito. A iden-tificação com a nova forma de vida era tanta que chegou a escrever: “em todos os momentos das minhas orações, sinto um desejo tão grande do amor de Deus que um dia vou conseguir, nem que seja no último dia da minha vida”.

Quem conviveu com a religiosa confir-ma a dedicação dela aos idosos e à oração. Desde o início da vida consagrada já se podia perceber em Lindalva a busca pela santidade. “Era obediente e compreensiva. Esforçava-se constantemente para corrigir-se dos defeitos e crescer no caminho da perfeição”, descreve a irmã Ivanir de Araújo que foi diretora do noviciado da futura Bem-aventurada.

O Abrigo Dom Pedro II, em Salvador, foi sua primeira e única missão pastoral, que iniciou em 26 de janeiro de 1991. Co-ordenava o pavilhão masculino, tendo sob seus cuidados 40 idosos. “As pessoas que conheceram irmã Lindalva sempre falam do zelo e delicadeza com que ela tratava

o próximo, especialmente os velhinhos”, informa a atual coordenadora das salas do Abrigo, irmã Lucimar Pereira do Nas-cimento. E revela que para melhor servir aos idosos, Lindalva chegou a aprender a dirigir e conclui com as palavras de autoria da mártir: “O coração é meu, pode sofrer, mas o semblante é do outro e deve estar sempre sorridente”.

O martírioNa sexta-feira da Paixão do ano de

1993, dia 9 de abril, após participar de uma via-sacra na paróquia da Boa Viagem, irmã Lindalva vai realizar seus afazeres de rotina. Enquanto prepara o café da manhã dos velhinhos, alguém toca os ombros dela, solicitando atenção. Ao virar-se, é surpreendida pelo interno Augusto da Silva Peixoto, então com 46 anos, que lhe desfere um golpe de facão, atingindo a veia aorta. Lindalva cai, ensangüentada. Mesmo assim, é imobilizada pelo agressor e ainda recebe mais 43 facadas. Alguns idosos ainda tentam impedir o assassinato, mas Augusto ameaça de morte quem se aproxima. Quando chega o socorro mé-dico, a irmã já está morta. Tudo porque a religiosa recusou-se a corresponder à paixão alimentada por ele. Desde o momento em que o interno a conheceu, Lindalva passou a ser alvo de constantes declarações amorosas e insinuações. Fato que foi comentado por ela com as freiras mais próximas e com a própria superiora

da época. “Prefiro que meu sangue seja derramado, do que afastar-me daqui”. Estas pala-vras foram proferi-das por irmã Lin-dalva. Ela referia-se à possibilidade de ser transferida do Abrigo, hipó-tese levantada por outra religio-sa ao saber das dificuldades com o assédio do in-terno. Resposta que não deixava dúvidas da con-vicção da futura Bem-aventurada. De acordo com o

laudo médico-legal, Lindalva recebeu 44 feridas de golpes em seu corpo. Número de feridas da flagelação de Cristo, além das cinco chagas.

As palavras da homilia da missa de corpo presente, presidida pelo cardeal ar-cebispo de Salvador na época, dom Lucas Moreira Neves, já sinalizavam o potencial de santidade da religiosa: “Linda alva é a

do seu hábito azul de irmã de caridade, agora alvejado no Sangue do Cordeiro (Ap 7, 14) ao qual se misturou o seu sangue; Linda alva é a límpida aurora da Páscoa de Jesus, que raiou para ela três dias depois de sua trágica Sexta-feira Santa. Límpida aurora-linda alva da sua própria páscoa”. Dom Lucas ainda comentou que foram precisos poucos anos de vida religiosa para que ela recebesse a graça do martírio. Augusto cumpriu os 10 anos da pena em um manicômio judiciário. Hoje, ele se mostra arrependido e mora em um centro de recuperação para de-pendentes químicos no município baiano de Simões Filho.

A beatificaçãoSegundo dom Josafá Menezes, a

solicitação de abertura do processo partiu da cidade onde houve o assassinato. “Ao assumir a arquidiocese de Salvador em 1999, dom Geraldo Magella tomou conheci-mento das circunstâncias da morte de irmã Lindalva e acreditou haver ali indícios de um martírio autêntico”, revela o bispo. Os documentos necessários para abertura do processo de beatificação foram reunidos e enviados ao Prefeito da Congregação para as causas dos santos, cardeal José Saraiva de Martins, no Vaticano.

“Os mártires de ontem e os do nosso tempo dão a vida livre e conscientemente. Num supremo ato de caridade, testemunham a sua fidelidade a Cristo, ao Evangelho, à Igreja”, é o que ensina o papa Bento XVI, na mensagem dirigida à Congregação que cuida das Causas dos Santos, durante a reunião plenária realizada no Vaticano em abril do ano passado. Tudo isso foi encon-trado na história da religiosa e finalmente o papa aprovou a beatificação de irmã Lindalva através do decreto promulgado em 16 de dezembro de 2006.

Para dom Josafá, esta beatificação representa o reconhecimento e incentivo ao alto nível do seguimento de Cristo que a Igreja do Brasil já faz em diversos seto-res. Isto tanto para religiosos quanto para leigos brasileiros. Junto com o anúncio da beatificação de irmã Lindalva, também foi comunicada a da catarinense Alber-tina Berkenbrock e a do padre espanhol Manuel Gomes González e seu coroinha, Adílio Daronch, ambos martirizados no Rio Grande do Sul (cfr. Missões de outubro de 2007).

Aidil Brites é jornalista, radialista, mestranda na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e membro da Comunidade Católica Shalom. Gigliola Sena é jornalista, aluna especial do mestrado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), atua na Pastoral da Comunicação de Salvador. É consagrada na Comunidade Católica Shalom.

"O coração é meu, pode sofrer, mas o semblante é do outro e deve estar sempre sorridente".

Abrigo Dom Pedro II em Salvador.

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22 Novembro 2007 -

de Mário De Carli

ntre os dias 20 e 23 de setembro, na Pontifícia Universidade Ca-tólica de Porto Alegre, realizou-se o I Fórum da Igreja Católica do Rio Grande do Sul. O evento foi convocado pelos bispos do

estado, em parceria com a Conferência dos Religiosos do Brasil e preparado ao longo de dois anos nas 17 dioceses da região, paróquias e comunidades, com o envolvimento de padres, religiosos e religiosas, institutos seculares, agentes de pastoral e Institutos de Teologia. O tema central do Fórum foi “A Vida e a Missão da Igreja no Rio Grande do Sul”, à luz do lema: “A Vida se manifestou, nós a vimos e a testemunhamos” (1 Jo 1,1-2). Segundo os organizadores, cerca de 100 mil pes-soas participaram. Percebeu-se que era necessário fazer uma parada significativa na caminhada para auscultar o coração das pessoas e os desejos do povo. Dar a cara e mostrar quem é a Igreja, capaz de

Eantes sonhados que estavam guardados no coração de Deus. Desejamos criar laços de amizade e fraternidade, viver a comunhão. Queremos ser Igreja dos pobres, que luta pela justiça social. Pois, se não há esperança para os pobres, não há para ninguém”, concluiu.

As conferênciasSob o tema: “A Vida e a Missão da

Igreja na História do Rio Grande do Sul”, os conferencistas da primeira palestra abordaram a presença da Igreja Católica no estado, mostrando os acontecimentos históricos desde o início da evangelização dos povos indígenas até os dias atuais.

A segunda conferência proferida pelo padre Inácio Neutzlin, sj, teve como tema: “Mudança de época, época de mudanças? Novos cenários para a vida e a missão da Igreja no estado”. “Estamos num mundo em transição de uma época para outra, onde novos desafios são colocados para a Igreja”, afirmou padre Inácio. “Teremos que pensar também como ser Igreja numa sociedade pós-social, que se rege pela in-

assumir os desafios que a sociedade revela. Por isso, o Fórum no Rio Grande do Sul, explicou padre Tarcísio Rech, membro da equipe de organização, “procurou ser um espaço de diálogo interno na Igreja e com a sociedade”. Era visível a participação e o interesse de quem chegou para ver e sentir o pulsar do coração desta Igreja. Foram sete os momentos celebrativos, quatro Conferências, seis seminários transver-

sais, 101 grupos de trabalho em oficinas temáticas, 46 apresentações artísticas e 172 tendas, mostrando a vida e a missão das dioceses. A abertura do evento coube a dom José Mário Stroeher, bispo de Rio Grande e presidente do Regional Sul 3 da CNBB. Suas palavras evocaram a memória de dom Ivo Loischeider, declarado Patrono do Fórum: “Aqui viveremos dias nunca

do Rio Grande do Sul

“A Vida se manifestou, nós a vimos e a testemunhamos”

(1Jo 1,1-2).

I Fórum da Igreja Católica

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23- Novembro 2007

Cristo Morto e Crucificado, na de Nossa Senhora da Glória, no Senhor do Bonfim, e na imagem de um ícone mais brando, como no “Coração Eucarístico de Jesus”, cujo refrão é um dos mais cantados pelo povo: “Coração santo, tu reinarás, tu, nosso encanto, sempre serás”. Porém, na vida real e concreta, o rosto do Servo Inocente e Sofredor está na narrativa do negro escravo onde aparece todo o absurdo da sua existência: o sofrimento, a solidão e a escravidão.

Frei Luís Carlos Susin concluiu esta conferência, trazendo à tona a narrativa heróica do índio Sepé Tiaraju, que lutou por seu povo, representada na imagem do Cristo Redentor que sobe aos céus bradando: “Alto lá! Esta terra tem dono!”. Falaram ainda o padre Érico Hammes e a Irmã Lúcia Weiler.

Na quarta conferência, professores e pesquisadores do Instituto Missioneiro de Teologia de Santo Ângelo e do Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo apresentaram o resultado de uma pesquisa realizada nas cidades de Santo Ângelo e Passo Fundo, sobre a visão que a socie-dade civil tem da Igreja Católica, alguns desafios e perspectivas, e sua ação evange-lizadora. “Eles olham para a Igreja e vêem as ações sociais e em outros momentos, a relação com os pobres. A credibilidade da Igreja na sociedade ainda é muito forte. Ela é interpretada como atrasada, fora da realidade, mas ao mesmo tempo, marca a sociedade e é sempre confiável”, concluíram os pesquisadores.

Oficinas e tendasNo meio do vai e vem das pessoas,

havia uma tenda dedicada à oração. No silêncio, olhos fechados, mãos postas, corações unidos ao Mestre, os participantes faziam suas súplicas e louvores.

As várias pastorais e movimentos organizaram mais de 100 oficinas de debate e reflexão em torno de temas, tais como: a migração, economia soli-dária, povos indígenas, a sociedade em diálogo com a Igreja, cultura, paz, educa-ção, juventude, direitos humanos, mulher etc. A contribuição dos açorianos para a evangelização e a constituição da Igreja no Rio Grande do Sul também foi tema de debate. A Pastoral Afro, fazendo uma leitura do povo negro na Bíblia apresentou cinco oficinas para ajudar a Igreja a fim de ser mais profética e acolhedora para com os negros. O Conselho Missionário do Regional Sul 3 da CNBB estendeu sua tenda, mostrando a validade do Projeto Missionário “Igrejas Solidárias com a diocese de Nampula, em Moçambique”. Coordenado pelo padre Camilo Pauletti, a equipe relatou a experiência missionária

que já dura mais de dez anos. Um vídeo produzido pela Rede Vida mostrou os desafios da missão em Moçambique e a importância de continuar o projeto como expressão missionária da Igreja.

Momentos celebrativosNo dia 20, uma celebração marcou

a abertura do dia e a “Missa Crioula”, de tradição gaúcha encerrou o primeiro dia de trabalho. Compareceram à Celebração Ecumênica na manhã do dia 21, duas mil pessoas que tinham como objetivo cele-brar a vida, independentemente da crença religiosa. Salientou-se o pedido de perdão e o Dia da Árvore. No final do dia foi a vez das etnias celebrarem a pluralidade dos povos que formam o Rio Grande do Sul. Destacaram-se os negros e os guaranis com seus cânticos, ritmos e danças.

O terceiro dia do Fórum começou com uma oração pela paz conduzida pelo Grupo de Diálogo Inter-Religioso de Porto Alegre. Líderes do Islamismo, Budismo, Fé Baha'i, Umbanda, Igreja Evangélica de Confissão Luterana e da Igreja Católica, com discur-sos em forma de oração, fizeram pedidos de perdão pela intolerância, o fanatismo e o fundamentalismo, que dificultam a paz. A transformação do mundo começa dentro de cada pessoa desenvolvendo a ética da compaixão, da misericórdia e o amor pela verdade. O Fórum teve ainda mais de 60 apresentações culturais, das mais diversas expressões que compõem o estado, envolvendo peças teatrais, shows, declamações, canto coral, voz e violão, num total de 853 participantes. "A Vida se manifestou, nós a vimos e a testemunha-mos", conduzidos pelo Hino do Fórum, mais de três mil pessoas entraram no clima da Solene Vigília, no sábado à noite.

Domingo pela manhã foi lida a Carta do Fórum na qual “a Igreja do Rio Grande do Sul assumiu o compromisso solidário e inadiável com os excluídos e de denúncia das situações de violência que ameaçam a vida”. A Carta reconheceu as falhas cometidas no passado com os indíge-nas e negros e acentuou sua presença humanizadora na sociedade. Priorizou a formação qualificada do povo e de seus agentes de pastoral, ao mesmo tempo em que se propôs a reavaliar a presença da Igreja nas pequenas e grandes cidades.

A Carta abordou ainda, a questão das mulheres, dos idosos e dos jovens e rea-firmou a esperança no engajamento dos leigos, para que as discussões do Fórum sejam colocadas em prática. O Fórum foi encerrado no domingo dia 23, com a Celebração da Eucaristia reunindo três mil fiéis, mais de 100 padres e 20 bispos.

Mário De Carli, imc, é animador missionário em Portugal.

dividualização do sujeito. Como poderemos pensar numa ação evangelizadora nesse contexto? Eis aí o grande desafio da Igreja Católica”, destacou o teólogo, que é diretor do Instituto Humanitas Unisinos.

A terceira conferência fez pensar sobre os vários rostos de “Jesus Cristo na Vida e Missão da Igreja no Rio Grande do Sul”. Pa-dre Ângelo Lôndero enfatizou que devemos ser discípulos missionários de Jesus, e qual bom samaritano, ver que o marginalizado que vive à beira do caminho é o próprio rosto do Senhor desfigurado.

Padre José Bonifácio Schmidt des-creveu que no tempo de Jesus, a religião privilegiava a lei e excluía os pobres, as viúvas e os doentes. Neste contexto, Cristo surpreende a todos ao curar os leprosos e instaura o Reino de Deus de uma forma que ninguém esperava, colocando o ser humano no centro do seu agir.

Na piedade popular e na simbologia barroca, o rosto do “Servo Inocente e Sofredor” de Jesus aparece nas imagens sacras, absorvendo a dramaticidade do sofrimento e da dor, como na imagem de

I Fórum da Igreja Católica

Diversas etnias representadas no Fórum.

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24 Novembro 2007 -

ueremos registrar neste mês de novembro duas datas bem significativas: o Dia da Consciência Negra (20), que comemora os 312 anos da morte do herói negro Zumbi dos Palmares e o Dia Internacional da Tolerância (16), instituído pela UNESCO há 12 anos a partir de uma Declaração de Princípios sobre a Tolerância, um dos grandes desafios da humanidade. O grupo Rappa

nos recorda uma parte da nossa história, onde seres humanos foram arrancados de sua terra natal e levados para uma terra des-conhecida, onde foram tratados de forma desumana, sem respeito e sem direitos reconhecidos, enfim, onde não eram considerados nem gente. Como conseqüência deste passado até hoje temos uma realidade de discriminação e desigualdades.

Ao contar um pouco dessa história, recordamos também uma parte da herança africana em nossos dias, que é a "contação de histórias". Quem não se lembra de ter ouvido inúmeras histórias antes de dormir ou mesmo ao redor de uma fogueira? Esse cos-tume antigo é um legado da cultura africana presente em nosso cotidiano. Da mesma forma, existem outros diferentes elementos da mesma cultura. Através das histórias contadas e recontadas por nossos antepassados, chegamos aos nossos dias e assim

Q

“O tempo passa mais lento pro negão (...) todo camburão tem um pouco de navio negreiro!” (Marcelo Yuka - Rappa)

de Roseane de Araújo Silva

foi também com a cultura afro-brasileira, perseguida e resistente por séculos. É um marco importante a luta contra a negação da identidade afro-brasileira, as tentativas de branqueamento e a resistência das religiões de matriz africana, associadas muitas vezes às “coisas do mal” ou “coisas do diabo”. Estas religiões são combatidas incessantemente e sem dúvida nenhuma se configuram como símbolos de resistência e guardiãs da memória dos nossos antepassados oriundos da mãe África.

A história contadaAntes da existência do nosso livro mais importante e mais

lido do mundo (a Bíblia), todas as suas histórias eram contadas oralmente, ou seja, eram transmitidas às novas gerações pelos anciãos e sábios que viviam no meio do povo, como por exemplo, Estevão que resume a história do povo e a aliança de Deus com este povo (At 7, 1-53). Era costume de Jesus também falar às pessoas através de parábolas, que são formas de refletir a realidade asso-ciando à outra realidade. Nosso compromisso como missionários e missionárias da IAM também nos desafia a “manter-nos bem informados sobre os acontecimentos que envolvem as pessoas de todos os continentes” (6º Mandamento da Criança Missionária) e mais especificamente do nosso continente e do nosso país. Ainda temos muito a descobrir do nosso passado e da nossa história. O primeiro passo é estarmos abertos e abertas a ouvi-la a partir das histórias contadas por nossos pais, avós, tios e tias, enfim, das pessoas que já viveram antes da gente, sem receio e sem se envergonhar deste passado. Tomando emprestado a poesia do grupo Rappa, reafirmo que “os jornais não informam mais e as imagens não são tão claras como a vida. Vou aliviar a dor e não perder as crianças de vista”. De todas as crianças do mundo – sempre amigas!

Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.

Me conta uma história?!

Sugestão para o grupoAcolhidamotivação (objetivo): levar ao grupo a importância da tradição oral e o registro da mesma, através do exemplo de Jesus Cristo e suas parábolas, refletindo também a influência africana em nosso país.oração: Deus Todo Poderoso presente em nossas vidas, abençoai os nossos idosos, verdadeiros guardiões da nossa história e memória viva de nossa comunidade. Abençoai também a todas as pessoas que lutam por um mundo mais igual para todos, independente da cor da sua pele.Partilha dos compromissos semanaisLeitura da Palavra de Deus: Marcos 4, 1-9 e 13-20 A Missão de JesusCompromissos missionários: No mês da Consciência Negra possamos valorizar a herança africana que recebemos, procu-rando conhecer um pouco mais sobre esta influência em nosso dia-a-dia. Organizar cartazes e afixar no Mural da paróquia ou comunidade. Recontar a história da comunidade, fazendo um levantamento com os moradores mais antigos, organizando a visita em suas casas com antecedência. Com o apoio do animador do grupo, organizar a história com fotos antigas ou desenhos no Mural para o mês de dezembro ou para o mês de aniversário da comunidade (caso não seja comemorado ainda, propor esta comemoração na reunião com as lideranças da comunidade ou paróquia).momento de agradecimento ao Deus da Vida, por sua ação na história e na caminhada do seu povo, animando-nos e fortalecendo-nos. Agradecemos também pela riqueza da pre-sença africana em nossa cultura.Canto e despedida.

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e 6 de agosto a 28 de setem-bro, o CESEP (Centro Ecumê-nico de Serviços à Evangeli-zação e Educação Popular) realizou, em São Paulo, o Curso Latino-Americano de

Formação Pastoral para discutir o tema da urbanização e o fenômeno da violência. Provenientes da Bolívia, Colômbia, El Salvador, Moçambique, República Do-minicana e de quatro estados do Brasil, os participantes também refletiram sobre os desafios culturais, sociais, políticos e pastorais emergentes desta realidade.

As verdadeiras causas da violência que desafia e assusta a sociedade.Texto e fotos de Dirceu Benincá

Por trás da violênciaque se vê

Entre os assessores, esteve Ivo Lesbau-pin, nosso entrevistado. Ivo é sociólogo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador de um núcleo de pesquisa sobre prefeituras democráticas-populares e membro do Iser/Assessoria – uma Organização Não-Governamental do Rio de Janeiro que presta assessoria à pastoral popular e movimentos populares em nível nacional.

Ao longo da história, a violência emerge como um sério problema para os indivíduos e para as sociedades. Onde está a sua origem e por que ela se propaga tanto?

Não há uma causa única: existe uma série de fatores que contribuem para o crescimento da violência. Um estudo da ONU sobre a desigualdade social no mundo, publicado em 2005, dá conta de que a desigualdade cresceu muito nos últimos 20 anos. O relatório afirma que isso se deve à adoção de políticas neoliberais, que priorizam o capital finan-ceiro, em detrimento do bem-estar social. Segundo a ONU, existem dois fatores associados que contribuem de forma significativa para o aumento dos índices de violência: a crescente desigualdade social e a diminuição das perspectivas de melhoria de vida. Os jovens percebem

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que dificilmente conseguirão emprego e, se o conseguirem, ele será precário e com baixo salário. Essa insegurança extrema é um caldo de cultura para o aumento da violência. Não se pode esquecer também o crescimento do espírito de competição na sociedade. O sistema social vigente proclama que a riqueza depende da com-petência dos indivíduos e que a pobreza é resultado da incompetência – em outras palavras, da pouca escolaridade, dos estudos insuficientes.

O que leva pessoas da classe mé-dia, como os jovens que espancaram uma empregada doméstica no Rio de Janeiro, a serem violentas? Que outros fatores, além do econômico, estimulam a violência?

Nas últimas décadas, nota-se uma acentuada perda de valores, de referências morais. Cultivam-se valores individualistas, ao invés da solidariedade e da ação coletiva. Segundo a ideologia neoliberal, cada um deve vencer na vida por si mesmo. Ora, se os meios legais não oferecem condi-ções para uma vida melhor, a tentação será buscar saídas por vias ilegais. Os meios de comunicação social exaltam o esforço individual e, quanto muito, a

solidariedade entre uma pessoa e outra: não valorizam a solidariedade coletiva. Com isso, quebram-se valores morais e éticos. Essa concepção vai crescendo na sociedade em geral e vai aparecer também em jovens da classe média – pessoas que têm acesso a boas condições de vida – porque o enriquecimento vai se tornando o ideal a ser atingido de qualquer maneira. A presença da violência não é exclusiva nos setores sociais empobrecidos, nem é gerada pela pobreza. Ela aparece não quando existe pobreza, mas quando existe acentuada desigualdade social e reduzidas chances de melhora de vida. Há outros fatores que contribuem para o aumento da violência social, como é a "banda podre" dentro dos próprios órgãos encarregados do controle social. Sabemos que setores da polícia estão comprometidos com o tráfico de drogas, com os jogos, a prostituição, etc. Eu costumo dizer que no Brasil não

há máfia, como na Itália, por exemplo, porque a “máfia” aqui é um setor da pró-pria polícia. Isso complica enormemente o controle da violência.

O sistema de mercado procura cul-pabilizar os pobres por seu fracasso social. Em sua opinião, ao dizer que o pobre é um incapaz, o capitalismo estimula a violência ou a contém?

O tipo de capitalismo que está se desenvolvendo atualmente só reforça a violência. Diferente do período de 1945 a 1975, quando tivemos um capitalismo mais preocupado em atender às neces-sidades sociais (o Estado de Bem-Estar Social), agora vivemos um capitalismo neoliberal, que é intrinsecamente injus-to e gerador de injustiça social. Até a denominação “capitalismo de rosto hu-mano”, usada para caracterizar aquela fase, desapareceu. Nem se fala mais do “capitalismo selvagem”, que seria o seu oposto – referente à fase inicial, do século XIX. Por que? Porque o que temos hoje é o capitalismo tal como ele é, em sua essência, selvagem. Naturalmente, os capitalistas não querem que as pessoas tomem consciência disso. Na verdade, o capitalismo é por natureza “selvagem”, uma vez que se baseia na exploração de uns pelos outros. O homem se torna “lobo do homem”, como dizia Thomas Hobbes. É a

lógica do “subir na vida a qualquer custo”. O capitalismo só contribui para aumentar o esgarçamento do tecido social, fazendo as pessoas se voltarem umas contra as outras. O exemplo que o Estado está dando é de irresponsabilidade diante das mazelas sociais e isso influencia as pessoas a também serem irresponsáveis com as outras.

De que maneira o Estado e a socie-dade civil organizada podem contribuir para uma cultura de paz?

Todas as vezes que acontece um surto de violência ou um caso mais grave, como foi o ataque do PCC a São Paulo, ou o episódio da criança arrastada por um carro no Rio de Janeiro, a reação imediata dos meios de comunicação é querer aumentar a repressão. Se for menor de idade, logo se fala em redução da maioridade penal, aumento do efetivo policial e das armas nas mãos da polícia, bem como a insti-tuição da pena de morte. Nem sempre nos damos conta que a pena de morte já existe: é só observar o crescente número de pessoas que são mortas por policiais a cada ano. É claro que é necessário um controle policial maior e uma polícia menos corrupta. Porém, isso é insuficiente. É preciso atacar as causas do aumento da criminalidade, o que implica a mudança de políticas públicas, especialmente da política econômica, que é a responsável pelo desenvolvimento (ou não-desenvol-vimento), pela geração de emprego (ou de desemprego). Embora no governo Lula o desemprego tenha diminuído um pouco, segundo o IBGE ainda estamos com uma taxa em torno de 10%. Em São Paulo temos cerca de 1 milhão e 500 mil desempregados. Conforme Márcio Pochmann, 90% dos empregos gerados nos últimos quatro anos foram precários, de alta rotatividade e renda de até dois salários mínimos. A meu ver, só haverá diminuição da violência quando o Estado assumir seu papel, desenvolvendo políticas públicas de emprego, saúde, educação e moradia para toda a população. Quando houver uma política econômica capaz de reduzir efetivamente o desemprego. Nós temos programas sociais importantes como o Bolsa-Família, mas isso não basta. Esta é uma política compensatória, não gera emprego. Também não é com violência (repressão) que se resolve o problema da violência. Só fortalecendo valores como solidariedade, colaboração mútua, participação e ação coletiva será possível garantir uma cultura de paz.

Dirceu Benincá é sacerdote e doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP. Assessor do CESEP - Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular.

A violência aparece não quando existe pobreza, mas

quando existe acentuada desigualdade social.

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A vozque não pode

ser esquecidaMarçal Guarani continua vivo na luta de seu povo, 24 anos depois de sua morte!

de Benedito Prezia

a abertura do I Seminário Sul-mato-grossense de Estudos Indigenistas, em Campo Gran-de, em abril de 1980, o gran-de antropólogo Darcy Ribeiro prestava uma homenagem ao

igualmente grande Marçal de Souza, conhecido também como Marçal Tupã’i, que três anos depois teria a voz silenciada por uma bala assassina: “Marçal, meu companheiro, meu colega intelectual!... Tenho um alto respeito por você, como meu colega. Eu não saúdo muita gente como colega, mas eu saúdo você, Marçal! Você é um momento de lucidez do seu povo e do povo brasileiro!”

A trajetória de MarçalMarçal nasceu no dia 24 de dezembro

de 1920, em Rincão Júlio, na região de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. Como toda criança guarani, recebeu de Nhanderu, o grande Deus, nosso pai, o significativo nome Tupã’i, o pequeno Tupã, o pequeno senhor do trovão. Mesmo deslocando-se constantemente, os guaranis nunca deixa-ram de viver em seu território tradicional, que abarcava o atual Paraguai, Sul e Su-deste da Bolívia, Norte da Argentina, Oeste do Uruguai e parte do Brasil, como Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O pai de Marçal devia trabalhar nos ervais da região de Ponta Porã, com outros guaranis. Em 1923, sua família mudou-se para Tey’kuê, no atual município de Caarapó, uns 50 quilômetros de Dourados. Picado por uma cobra, em

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1926, Marçal foi levado ao Hospital Caiouá, da Missão Presbiteriana de Dourados, onde permaneceu vários meses em tratamento. Nessa época seus pais morreram e ele, com 6 anos, foi parar no orfanato indígena, o nhanderoga (nossa casa). Aos 12 anos, foi morar em Campo Grande, com uma família presbiteriana. Desse período não teve boas recordações. Completando 18 anos, foi viver com a família de um oficial do Exército, que estava se mudando para Recife, mas dois anos mais tarde, em 1940, estava de volta a Dourados. A educação presbiteriana marcou-o muito, sobretudo do ponto de vista religioso. Ao chegar do Nordeste, já era um pregador evangélico. Vendo suas capacidades, os dirigentes da missão o enviaram para o Instituto Bíblico Dr. Eduardo Lanide, em Patrocínio, MG,

onde permaneceu por três anos. Ali, cresceu em ardor e eloqüência, encontrando no canto a maneira de dar vazão à sua índole religiosa. Chegou a gravar um disco, coisa rara na época. Voltando para Dourados, passou a visitar as aldeias. Nos cultos, sempre lia a Bíblia em guarani, tornando-se o grande intérprete dos pastores. Diante do quadro de miséria e de exploração, Marçal procurava dirigir mensagens de esperança, com teor evangélico, no qual a resignação ao mundo terrestre mau e a busca da perfeição pessoal pereciam ser as únicas saídas. Durante dez anos viveu a cultura ocidental e a vida evangélica mesclada com o seu guarani, sem muitos conflitos. Contudo, não deixava de guardar, no seu íntimo, a cultura tradicional. Formado pela Organização Mundial da Saúde tornou-se

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Domingos Veríssimo e Marçal de Souza, em Manaus, AM, 1980.

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um competente auxiliar de enfermagem. Sua inteligência, bom senso e sabedoria inata fizeram com que, aos poucos, aquela alma de pregador fosse redescobrindo a realidade indígena e a cultura de seu povo. Marçal passou muitas informações aos pesquisadores e antropólogos e eles o ajudaram a retornar às suas raízes. Deu-se então o caminho da volta ao ser guarani. Em 1963, Marçal foi eleito (capitão) cacique da Reserva Indígena de Dourados.

Dedicou-se, então, a conscientizar seus parentes sobre as necessidades de preservar a própria cultura, estimulando os indígenas que viviam dispersos nas cidades e fazendas, a retornar à área indígena. Essa nova postura começou a incomodar os funcionários da Funai, órgão que com a ditadura militar, em 1964, passou do Ministério da Agricultura para o Ministério do Interior. Naquela altura, foi criado um serviço de informação indígena para con-trolar a presença de elementos estranhos nas áreas indígenas e autorizar a entrada de missionários. Devido à linha pastoral da Igreja Católica, as igrejas evangélicas passaram a receber mais apoio por parte do governo militar, pois tinham a mesma visão de integração rápida, tornando os indígenas cristãos, com o abandono da língua e das tradições.

Por sua prática conscientizadora, em 1972, Marçal foi afastado do cargo de capitão, passando a exercer apenas a função de atendente de enfermagem. Era uma maneira de diminuir sua influência. Por sua vez, Marçal afastou-se da Igreja presbiteriana, deixando de ser membro da Missão Evangélica Caiouá, a qual servira por 30 anos.

Voltou a Tey’kuê, onde passara sua primeira infância. Ali exerceu novamente suas funções de auxiliar de enfermagem. Em 1976, conheceu o CIMI, órgão empe-nhado em ajudar a organização indígena, apoiando assembléias de caciques e lideranças. Em abril de 1977, Marçal teve uma experiência que marcaria a sua vida, ao participar da 8ª Assembléia de Chefes Indígenas, nas ruínas de São Miguel das Missões, no RS. Ali, em 7 de fevereiro de 1756, o líder guarani Sepé Tiaraju e outros 1,2 mil guaranis foram mortos pelos exércitos português e espanhol. Aquele passado guerreiro deve ter dado muita ins-piração para Marçal. Nessa Assembléia foi redigido um documento, apresentando os problemas que as comunidades indígenas enfrentavam e propondo algumas suges-tões. Em 1978, foi criado, em Dourados, o CIMI - Regional Mato Grosso do Sul, tendo Marçal como assessor de saúde. Assim, o Conselho Indigenista Missionário torna-se o espaço que ele precisava para dar voz às reivindicações dos guaranis e

caiouás. Entre 7 e 9 de junho de 1980, em Campo Grande, foi criada a União das Nações Indígenas - UNI. De 26 a 30 de junho, daquele ano, foi realizada em Brasília uma Assembléia com 54 líderes, de 25 povos de 14 Estados brasileiros, e um representante da nação shuar, do Equador. Essa Assembléia, além das discussões da nova organização indígena, preparou uma mensagem para ser lida ao papa João Paulo II, na sua primeira visita ao Brasil.

O clamor chega ao papaO encontro com o papa inicialmente

marcado para Brasília aconteceu em Manaus, Amazonas, no dia 10 de julho de 1980. Na ocasião, além de Lino Cordeiro, do povo marinha, falaram Terêncio Macuxi, Mário Juruna e Marçal. A voz do trovão fez-se ouvir: “Eu sou representante da grande tribo guarani, quando, nos primór-dios, com o descobrimento desta pátria, nós éramos uma grande nação. E hoje, como representante desta nação, que vive à margem da chamada civilização, Santo Padre, não poderíamos nos calar pela

sua visita ao país. (...) Somos uma nação subjugada pelos potentes (poderosos), uma nação espoliada, uma nação que está morrendo aos poucos sem encontrar caminho, porque aqueles que nos tomaram este chão não têm dado condições para a nossa sobrevivência. (...) Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte dos nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam o nosso chão, aquilo que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado um país cristão. (...) Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto, não, Santo Padre, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas (...). Nunca foi contada essa verdadeira história

do nosso povo. Eu deixo aqui o meu apelo de 200 mil indígenas que habitam e lutam pela sua sobrevivência neste país tão grande e tão pequeno para nós”.

O Brasil estava sob a ditadura militar sustentada pelos fazendeiros e industriais, com ostensivo apoio do governo dos Esta-dos Unidos. Pouca gente imaginava que aquele franzino guarani, com um pouco mais de um metro e meio, banguela, pu-desse, de improviso, sintetizar 500 anos de violência contra os povos indígenas. Por várias vezes, seu discurso foi inter-rompido pelo público que gritava: “João, João, João, o índio é nosso irmão”.

Em 1980 Marçal deixou na reserva de Dourados sua esposa mestiça, dona Aristídia, com seus 10 filhos, dos quais três adotivos, indo viver à moda guarani junto aos caiouás, numa pequena área, em Campestre, no município de Antônio João, próximo à fronteira do Paraguai.

No dia 25 de novembro de 1983, numa sexta-feira à noite, ao abrir a porta a alguém que pedia remédio para o pai doente, dois indivíduos precipitaram-se sobre Marçal, descarregando o revólver Taurus, calibre 38, matando-o com cinco tiros, à queima-roupa.

Agora, após 24 anos de processo judi-cial, a Justiça pode decretar sua segunda morte, deixando impunes seus assassinos. Os acusados já foram inocentados em dois julgamentos na Justiça de Mato Grosso do Sul, agora o caso foi transferido para a Justiça Federal e o término do processo foi prorrogado para o próximo ano.

Se os homens públicos de nossa terra não forem capazes de fazer justiça e condenar seus assassinos, deverá o povo indígena não esquecer esta figura que não teve medo de enfrentar a morte por um ideal. Um pouco mais de um mês antes de morrer, declarou: “eu sou uma pessoa, marcada para morrer. Mas, por uma causa justa a gente morre! Tenho uma tristeza em minha vida: o fato de ser bastante idoso. Eu queria ser um moço bem novo, com todas as forças que tive em minha juventude. Mas gostaria de ter tido então essa consciência, esse amor que tenho em meu coração, agora, nessa idade. Mas levantarão outros que terão o mesmo idealismo e que continuarão o trabalho que hoje nós começamos. Isso eu deixo para vocês!”

Os povos guarani e caiouá tiveram e ainda têm momentos difíceis. A voz e a mensagem de Marçal não foram silenciadas com sua morte.

Benedito Prezia é assessor do CIMI, autor de vários livros, entre eles “Caminhando na luta e na esperança” (org.), Loyola, 2003; “Marçal Guarani: a voz que não pode ser esquecida”, Expressão Popular, 2006.

Encontro com o papa João Paulo II.

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São Paulo - SPencontro de organismos Missionários

A Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial e o Conse-lho Missionário Nacional promoverão o VII Encontro Nacional de Organismos e Instituições Missionários (Enoim), de 15 a 17 de novembro, no Centro Educativo de Assistência Social La Salle, na Vila Guilhermina, São Paulo, SP. O encontro reunirá responsáveis por organismos e instituições missionárias ou relacionadas à Dimensão Missionária da Igreja no Brasil. Entre os temas a serem debatidos estão "Missão: paradigma da V Conferência" e "Recepção Missionária do Do-cumento de Aparecida".

As assessorias serão do bispo da prelazia de Tefé e presidente da Comissão para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Sérgio Castriani; doutor em Teologia e pós-graduado em missiologia, padre Paulo Suess; doutor em Ciências Teológicas, padre Agenor Brighenti, teólogo e presidente do Instituto Nacional de Pastoral e do mestre em Teologia e diretor do Centro Xaveriano de Animação Missionária, padre Estevão Raschietti.

Brasília - DFagenda dos povos indígenas

Reunidos durante os dias 10 e 11 de outubro, os membros indígenas, governamentais e de entida-des não-governamentais que compõem a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) discutiram, dentre outras questões, a agenda social para os povos indígenas proposta pelo governo federal. A agenda foi lançada no dia 21 de setembro, em São Gabriel da Cachoeira, AM, pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira. Porém, as lideranças indígenas integrantes da CNPI reclamaram o fato de a agenda ter sido apresentada sem ser submetida à Comissão e aos povos indígenas como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Vários pontos da agenda social foram contestados pelas lideranças como a falta de indicação dos territórios indígenas impactados pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento); a não apresentação da listagem de terras indígenas a serem demarcadas; os critérios de prioridade de ações desti-nadas a determinados povos em detrimento de outros; esclarecimentos sobre as parcerias para o projeto de documentação das línguas indígenas, previsto pelo governo. Na reunião, também foi apresentada a proposta de reestruturação da Funai e definido que, na próxima reunião da Comissão – prevista para dezembro – será apresentado o texto de anteprojeto de lei que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista.

AmazôniaDesmatamento ilegal

Sobrevoando a Amazônia e analisando informações de órgãos encarregados de conter e fiscalizar prejuízos ambientais, a Organização Não-Governamental (ONG) Greenpeace, concluiu que 90% do desmatamento na Amazônia, ocorre de maneira ilegal. A análise reuniu dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e das secre-

tarias estaduais do meio ambiente de seis dos nove estados que fazem parte da Amazônia.

Os números oficiais apontam que entre agosto de 2006 e julho deste ano, a área autorizada de floresta para desmatamento nos seis estados foi de aproxi-madamente 930 quilômetros quadrados, porém, as estatísticas do Ministério do Meio Ambiente mostram que o desmatamento real foi de quase 10 mil quilô-metros quadrados. No sudeste do Pará, os represen-

tantes do Greenpeace encontraram queimadas criminosas na intenção de formar novas pasta-gens. É o exemplo da Floresta Nacional do Jamanxin, no município de Novo Progresso. Só

neste ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais de mil focos de incêndios nesta unidade de conservação.

No dia 3 de outubro, nove ONGs lançaram em Brasília, DF, o Pacto Nacional pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia. O pacto pede o comprometimento de vários setores do governo brasileiro e da sociedade, para a realização de medidas como as de fiscalização. A estimativa é de que seja necessário em torno de um bilhão de reais por ano, para estas ações.

Belém - PAseminário discute a amazônia

O Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara (CEFEP) realizará, de 9 a 11 de novembro, em Belém, PA, o Seminário Fé e Política na Amazônia, com o tema Protagonismo do Cristão na Amazônia. Com a realização do Seminário, o Cepef pretende promover a discussão dos atuais modelos de desenvolvimento em andamento na Amazônia, debater a democracia, o poder e o papel do Estado e sua implicação no espaço amazônico; incentivar a criação e fortalecimento das escolas e cursos de reflexão de fé e política e partilhar as ações proféticas das pastorais sociais, comunida-des e movimentos sociais no contexto amazônico. O evento destina-se às lideranças das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), pastorais e movimentos sociais, ONGs, estudantes de teologia, congregações religiosas, participantes das escolas de fé e política, universitários e interessados.

Durante o Seminário serão realizadas mesas redondas e palestras sobre questões relacionadas ao desenvolvimento da Amazônia, democracia e ação profética da Igreja na Região. A ministra do Meio Am-biente, Marina Silva; o doutor em geografia humana e coordenador do Núcleo de Meio Ambiente da Uni-versidade Federal do Pará, Gilberto Rocha; o bispo emérito de Ji-Paraná, RO, dom Antônio Possamai; o bispo da Igreja Anglicana, dom Saulo Barros estão entre os palestrantes do evento, que conta com o apoio do Conselho Nacional do Laicato do Brasil do Regional Norte 2, do Instituto de Pastoral Regional, da Associa-ção Amazônica de Ciências Humanas e Religião, da Pastoral da Juventude e das CEBs do Norte 2.

Fontes: CCM, CIMI, CNBB, Notícias do Planalto.

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paróquias, empresas,associações e outros.ATIvIDADeS Do mêS De Novembro

Dias 9 a 11: Encontro Vocacional IMCDia 25: Encontro de Jovens

ATIvIDADeS Do mêS De DezembroDias 16 a 23: Escola MissionáriaDia 30: Encontro de Jovens

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