Goodbye Brazil Primeiro Capitulo

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    OS GAROTOS(E AS GAROTAS) DO BRASIL

    [] o Brasil um pas de olhos voltados, totalmente voltados para fora.Carecemos do sentimento de autorreconhecimento dos nossos legtimos valores

    e por isso no temos identidade prpria ou maturidade.Somos como o jovem que ainda no sabe quem ele

    e fica procurando modelos de comportamento fora de casa.Bastava olhar para a gerao dos pais.

    (Silviano Santiago, Stella Manhattan,1985: 125)

    domingo, 6 de setembro de 2009, e o 25 Dia do Brasil em NovaYork, em comemorao ao Sete de Setembro, Dia da Independncia,est em pleno vapor na rua Little Brazil e adjacncias, no corao deMidtown Manhattan. Bandeiras do pas esto dependuradas de um ladoa outro da Rua 46 e, acima, avistam-se enormes placas de Visite o Bra-sil; o ritmo de msica brasileira ecoa forte de vrios pontos e um telode TVna Sexta Avenida passa o show de um artista se apresentandopara uma multido que dana animada. Enquanto isso, centenas devendedores ambulantes assediam quem passa pelas barracas, montadasnas ruas laterais, para comprarem seus produtos. A diversidade de itensvaria de po de queijo, pastel, guaran, feijo e outras especialidades

    brasileiras a artigos tpicos de feiras ao ar livre como bijuteria, meia ecachorro-quente com molho acebolado. No meio de tudo, h camelsexibindo camisetas de futebol verdes e amarelas, chapus, bolsas, bi-

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    juteria e chaveiros adornados com bandeiras do pas, alm de biqunisminsculos o mais perfeito traje de banho brasileiro.

    Enquanto isso, milhares e milhares de brasileiros, exuberantes em seus

    trajes verdes e amarelos, misturam-se a americanos locais aficionados peloBrasil e turistas estupefatos estrangeiros e domsticos querendo sabero que aquilo em que acabam de se meter. O festival uma imagematraente e instantnea de uma das ondas mais recentes e praticamenteveladas de imigrantes para os Estados Unidos. Dezenas de milhares debrasileiros de todos os recantos do nordeste dos Estados Unidos vo emmassa ao evento anual a maior celebrao da etnicidade brasileira noexterior. At 2009, cerca de 1 milho de pessoas j haviam participado

    do Dia do Brasil e a Rede Globo transmitiu a grande festa aos seus teles-pectadores. Esse no o nico evento dessa natureza. H desfiles carna-valescos em So Francisco, Nova Orleans e Londres, celebraes do Diada Independncia em Boston, Toronto e Tquio, e festanas animadas eespontneas em diversas cidades dos EUA, Europa e Japo quando o pasganha um jogo de futebol durante a Copa do Mundo. Todos esses even-tos indicam o mesmo fenmeno: a sada da terra natal de brasileiros embusca de prosperidade no exterior (S, 2009).

    O Brasil sempre foi uma nao de imigrantes e node emigrantes. Em

    termos histricos, uma quantidade muito maior de pessoas chegou aoBrasil do que se mudou para outros pases. No sculo XIXe incio doXX,apenas os Estados Unidos e a Argentina receberam nmeros maiores deimigrantes da Europa. De fato, aps o golpe militar no Brasil em 1964, ecom a represso imposta pelo regime liberdade de expresso e de im-prensa, centenas de professores e pesquisadores universitrios, msicos,artistas e polticos fugiram do pas para os EUA, Europa e vrios pases daAmrica Latina (Green, 2010). Contudo, at 1980, demgrafos brasileiros

    acreditavam que no houvera nem imigrao, nem emigrao do pas,mas, a partir do final dos anos 1980 mais de trs dcadas at agora ,brasileiros deixaram o pas em funo de uma srie de crises econmicasintensas que assolaram a nao. Apenas nos ltimos anos, o Brasil voltoua ter estabilidade e crescimento econmicos. Portanto, cabe o seguintequestionamento: as condies econmicas que, de incio, levaram tantosbrasileiros a deixar a terra natal foram revertidas? Em caso afirmativo,esses cidados esto agora voltando para casa? E quanto s dezenas demilhares de folies brasileiros to evidentes no festival do Dia do Brasil

    em Nova York e em outros eventos do gnero em outras localidades? Es-tariam presentes hoje, mas deixaro de estar amanh? So essas perguntasque pretendo responder neste livro.

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    NMEROS

    Em primeiro lugar, alguns nmeros que podem dar uma ideia mais

    concreta do tamanho da dispora brasileira no mundo. Em 2011, o Minis-trio das Relaes Exteriores do Brasil estimou que grandes concentraesde cidados se encontravam residindo nos seguintes pases (Tabela 1):

    Tabela 1.Brasileiros residentes no exterior:principais concentraes populacionais em 2011

    AMRICA DO NORTE

    Estados Unidos 1.380.000Canad 30.000

    AMRICA DO SUL

    Paraguai 200.000Bolvia 50.000Argentina 37.000Uruguai 30.000Venezuela 26.000Suriname 20.000Guiana Francesa 8.000

    EUROPA

    Inglaterra 180.000

    Espanha 159.000Portugal 136.000Alemanha 91.000Itlia 85.000Frana 80.000Sua 57.000Repblica da Irlanda 18.000

    PACFICO

    Japo 230.000Austrlia 45.000

    OUTROS PASES 238.000Total 3.100.000

    Fonte: Ministrio das Relaes Exteriores (2011).

    Em um esforo para avaliar a magnitude do xodo, embaixadas econsulados do Brasil coletaram esses nmeros em todo o mundo. Emcontraposio evidente a tais dados, o Censo de 2010 tentou determinaro tamanho da populao do pas morando no exterior ao incluir, na

    pesquisa feita nos domiclios, uma pergunta que verificava se algumque antes morava naquela residncia mudou-se para outro pas. A in-vestigao, que foi amplamente criticada, apurou um resultado muitssi-

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    mo baixo de brasileiros residentes no exterior, ou seja, 491.645 pessoas,total que incluiria os brasileiros residentes em todosos pases estrangei-ros! (IBGE, 2011).

    Nmeros precisos so, com certeza, difceis de obter, em especialem pases como os Estados Unidos, onde muitos brasileiros uma esti-mativa de 63% em 2007 so residentes ilegais. Na realidade, at 2009o Brasil estava entre os dez pases que mais enviaram migrantes noautorizados para os EUA. Ao mesmo tempo, cerca de 44% dos brasileirosresidentes no Canad, a maioria ilegal, no foram registrados no Censo,e aproximadamente metade dos que moravam na Espanha no tinha adocumentao necessria para trabalhar naquele pas. Mais difcil ainda

    de quantificar o nmero de brasileiros que mora em pases de frontei-ra com o Brasil, como, por exemplo, os garimpeiros de ouro e diamantena Bolvia e Venezuela (O Globo, 2007; Marcelli et al., 2009; Goza, 1994;Noguera e Coelho, 2005; Almeida, 1995).

    Quem mora ilegalmente em um pas reluta em se apresentar e se dei-xar ser contabilizado em censos e pesquisas, da uma das razes de taisnmeros serem problemticos. Assim, exceo do Japo, os nmerosanteriormente citados representam os pontos mdios das estimativas do

    tamanho da populao brasileira em um dado pas. Em contraste, no Ja-po, desde o incio dos anos 1990, a vasta maioria dos brasileiros qua-se todos de ascendncia nipnica foi legalmente autorizada a residir etrabalhar naquele pas, podendo-se considerar, ento, que os nmeros,nesse caso, sejam mais exatos (Margolis, 1995a).

    Haveria outras estatsticas, alm das oficiais, que pudessem lanarluz sobre a magnitude da emigrao brasileira? Algumas comparaespodem ser teis. Embora em 2011 o Censo norte-americano tenha con-tabilizado apenas 280 mil brasileiros em todo o territrio dos Estados

    Unidos, a TV Globo, disponvel em solo norte-americano desde 1999,estima que tenha cerca de 420 mil assinantes individuais naquele pas.E se, no mnimo, dois ou trs brasileiros morassem na casa de cadaassinante? Isso significaria algo em torno de 850 mil a 1,2 milho debrasileiros. Ou faa-se uma estatstica semelhante, embora s em nvellocal. Um representante da TV Globo alega ter instalado mais de 20 milantenas parablicas apenas na regio de Atlanta desde 2000. Calculan-do-se, de novo, dois ou trs telespectadores para cada assinatura da TV

    Globo, pode-se chegar a um total acima de 60 mil brasileiros na rea,ao contrrio dos meros 7.677 registrados pelo Censo de 2011 para todoo estado da Gergia (Kottak, 2009; Marcus, 2009b).

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    Enquanto dvidas pairam sobre a exatido das estatsticas, fica evi-dente que o fluxo migratrio de brasileiros para diversos pases divergeem particularidades. Portanto, enquanto a migrao brasileira para o

    Japo , em essncia, legal e sancionada por governo e indstria ja-poneses, uma parcela significativa dos brasileiros em Portugal no tempermisso para trabalhar l. Por isso, j que a comunicao no umproblema, muito mais provvel que trabalhem em algo em que te-nham se especializado no Brasil do que os imigrantes brasileiros quetenham ido para outros pases como o Japo. Embora relativamente mo-desta em tamanho, a comunidade de imigrantes brasileiros em Portugalse agiganta em virtude da pequena populao nativa daquele pas e das

    profisses de prestgio que os imigrantes brasileiros conseguem manterna sociedade portuguesa. Muitos trabalham em propaganda, marketing,computao e produo televisiva. E h, tambm, o caso, muito noticia-do na mdia, dos dentistas brasileiros que trabalham em Portugal, umaonda de imigrantes que ficou conhecida como a invaso dos dentis-tas. Como em Portugal, muitos imigrantes brasileiros na Austrlia sode classe mdia e empregam-se como mdicos, dentistas, advogados eprofessores (Soares, 1997; Rocha, 2006).

    Tais exemplos sugerem que os imigrantes brasileiros em Portugale Austrlia em contraste com os de outros pases em geral conse-guem trabalhar nas reas em que se formaram. No Japo, por outrolado, apesar de muitos terem diploma de nvel superior, os nipo-brasi-leiros esto empregados no chamado setor dos trs Ks da economiajaponesa: tm empregos que so kitui(rduos), kitanai (sujos) e kiken(perigosos), dos quais os prprios japoneses se esquivam. A aceitaode brasileiros nipodescendentes foi considerada uma forma de ajudara resolver a falta de mo de obra em servios indesejveis pelos japo-

    neses, sem diluir o forte sentimento da populao nativa de pertencera uma raa distinta.

    Mais uma vez, cabe contrastar essa situao com a dos imigrantesbrasileiros no Paraguai. A ida de brasileiros para esse e outros pasesfronteirios foi impulsionada em meados dos anos 1980, na mesma po-ca em que aumentou o xodo para os Estados Unidos e outros pasesindustrializados. No entanto, a emigrao de brasileiros para naes vi-zinhas da Amrica do Sul teve razes diferentes primordialmente a falta

    de reforma agrria para os sem-terra das que levaram brasileiros pararegies mais distantes. Do incio dos anos 1970 em diante, a mecaniza-o da agricultura e a consolidao das terras no estado do Paran re-

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    dundaram na expulso de trabalhadores rurais e o deslocamento dessaspessoas para uma regio adjacente no Paraguai (Margolis, 1973). Muitospequenos fazendeiros paranaenses venderam suas propriedades rurais

    e compraram extenses maiores de terra no Paraguai, onde o preo porunidade um dcimo do valor no Paran. Outros imigrantes brasileirosno Paraguai encontraram trabalho como boias-frias ou arrendatrios ru-rais. De maneira semelhante, seringueiros, mineiros e agricultores meeiros,arrendatrios e pequenos proprietrios rurais tambm cruzaram fron-teiras internacionais no norte e oeste da Amaznia e no Cone Sul. Emsuma, as motivaes da sada para pases limtrofes da terra natal forammuito diferentes daquelas da migrao brasileira para naes distantes

    e desenvolvidas.

    POR QUE VO EMBORA

    Quais seriam, ento, as razes por que os brasileiros deixaram e con-tinuam deixando o Brasil e se dirigindo a pases industrializados na Am-rica do Norte, Europa e sia? Para entender os fluxos migratrios interna-cionais, devemos olhar para a causa do fluxo original, como tambm para

    os fatores que o mantm. Antes de mais nada, quais so as condies nopas de origem, no caso o Brasil, que causaram a emigrao?Como mencionado no incio deste captulo, o Brasil sofreu uma s-

    rie de crises econmicas nas trs ltimas dcadas. A partir de meadosdos anos 1980, os brasileiros vinham lutando contra altos ndices dedesemprego e subemprego, baixos salrios, custo de vida alto e, at1994, inflao fora de controle. A classe mdia brasileira, em particular,foi atingida severamente por essas condies, tornando difcil demaismanter o padro de vida e minando, assim, suas expectativas.

    A hiperinflao um bom exemplo de um dos problemas enfrenta-dos pela classe mdia do Brasil durante a primeira dcada de emigraosignificativa do pas mais ou menos de 1985 a 1994. Embora a inflaoalta fosse uma velha conhecida do povo brasileiro, no final dos anos1980 e incio de 1990, o ndice subiu de maneira dramtica e, poucoantes de 1994, chegou a atingir mais de 2.500% ao ano. Ento, em 1994o governo lanou o plano Real que diminuiu o ndice inflacionrio, mas,em questo de meses, os preos de bens e servios j haviam subido de

    forma vertiginosa, evidenciando amplamente que a classe mdia volta-va a sofrer. Tais condies se tornaram mais srias ainda em razo doprocesso de declnio dos salrios, h tempos em curso. Desde o incio

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    do novo plano econmico, em meados dos anos 1990, descontando-seos efeitos da inflao, a renda dos trabalhadores, no decorrer da pr-xima dcada, perderia um tero do poder aquisitivo real (Cohen, 1988;

    Brooke, 1990, 1991a, 1991b, 1994a, 1994b).O desemprego, em particular entre os jovens, foi outro estmulo

    emigrao. Em 1991, 15% dos que tinham entre 18 e 24 anos de idadeestavam sem emprego na Grande So Paulo, a regio mais rica do pas.Um dcada depois, esse ndice saltou para 25% em So Paulo e 30% emoutras reas metropolitanas do pas (Brooke, 1991c).

    Alm de preos altos, baixos salrios e desemprego, a dificuldade demuitos brasileiros de encontrarem colocao nas reas em que se for-

    maram foi outro incentivo poderoso para deixarem o pas. Nas cidadesde Nova York, Boston, Lisboa, Nagoya (Japo) e outras destinaes deemigrantes, um nmero significativo de portadores de diploma universi-trio alguns com o devido treinamento profissional no conseguiu,no Brasil, emprego com salrio decente nas reas em que se especiali-zaram. Embora, como nunca, um nmero cada vez maior de brasileirosesteja estudando em universidades e recebendo diplomas, a quantidadede empregos de nvel superior no vem crescendo na mesma proporo

    do nmero de jovens que os procuram. As dificuldades econmicas danao, surgidas em meados dos anos 1980, redundaram na criao demenos postos de trabalho que demandassem formao superior. Assim,muitos brasileiros com diploma universitrio s conseguiam encontrartrabalho de salrio e prestgio mais baixos do que esperavam em funoda formao educacional que tiveram (Castro, 1989).

    Todas essas condies salrios inadequados, alto custo de vida,poucas oportunidades de bons empregos e a permanente incerteza eco-nmica tornaram sombrios os horizontes de muitos brasileiros. Quan-

    do pensavam no futuro e sentiam pouqussima esperana de melhorada situao econmica do Brasil, emigrar tornava-se cada vez mais umasada do tipo no tenho nada a perder. Como disse um pesquisadorsobre o assunto, inmeros brasileiros j no encontram no seu prpriopas perspectivas para uma sobrevivncia digna e segura (Carvalho,1996: 13). Todos esse fatores que empurram a emigrao sero anali-sados, em mais detalhe, no prximo captulo.

    Quem so esses emigrantes? Nos primeiros anos da emigrao, a

    primeira onda de imigrantes brasileiros foi primordialmente de homens;correspondia a 70% das pessoas que haviam sumido do Censo de1990, presumindo-se que tivessem deixado o pas. Nos anos de 1990,

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    mais e mais mulheres comearam a buscar oportunidade de vida me-lhor no exterior, e, at a virada do novo milnio, a proporo entre ossexos j se equilibrava mais ou menos o mesmo nmero de homens e

    mulheres havia deixado a terra natal.1Esses primeiros emigrantes eramtambm jovens. Mais uma vez, de longe o maior contingente que ficoude fora do Censo de 1990 tinha entre 20 e 44 anos de idade. E muitostinham boa instruo. Dos 1 milho e 300 mil brasileiros que desapare-ceram do pas entre 1991 e 2000, a maioria tinha, pelo menos, o ensinomdio completo e muitos tambm contavam com diploma de nvel su-perior. O pas est desperdiando suas mentes mais brilhantes, lamen-tou um professor universitrio brasileiro.

    De onde, no Brasil, vm esses imigrantes? Nos primeiros anos deemigrao, se a pergunta fosse feita a qualquer brasileiro, a respostaseria automtica: So mineiros, claro. E estaria correto. A maioria dosemigrantes pioneiros veio desse estado. Mas a partir dos anos 1990 maise mais brasileiros de outras partes do pas comearam a deixar a terranatal em busca de prosperidade no exterior e, desde 2000, a emigraotornou-se um fenmeno verdadeiramente nacional. Uma pesquisadoraescreve:

    No seria um exagero supor que, exceo das regies mais po-bres do Brasil, no h quem no tenha ouvido discusses sobre oassunto, ou que no possua [...] algum conhecido, amigo, ou pa-rente que, nos ltimos 15 anos, tenha ido morar em outro pas.(Martes, 2010: 4)

    Minas Gerais, o estado que a maioria dos pioneiros chama de casa,, tambm, o local da famosa comunidade remetente de imigrantes, Go-vernador Valadares, por vezes chamada de Governador Valadlares,em virtude das grandes somas de dinheiro remetidas para l pelos nati-vos da cidade que moram e trabalham nos Estados Unidos. No decorrerdas duas ltimas dcadas, talvez um quarto da populao da cidade de230 mil habitantes como tambm os muitos milhares de brasileiros deregies vizinhas emigraram para os Estados Unidos e Europa. E naspalavras dos prprios brasileiros, o imigrante brasileiro por excelncia valadarense, ou seja, nasceu em Governador Valadares. Embora, emescala nacional, a remessa de dinheiro que volta para o Brasil no tenha

    sido mais do que uma gota-dgua no oceano, devido vasta dimensoda economia e populao brasileiras at 2012 considerada a sexta maioreconomia do mundo2com menos de 2% de seus quase 200 milhes de

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    cidados residindo no exterior , em lugares como Governador Valadares,com nmeros expressivos de emigrantes, indstrias inteiras cresceram ese tornaram dependentes do dinheiro remetido de volta cidade. A cons-

    truo e reforma de casas e apartamentos so dois exemplos bvios, mash, tambm, um setor inteiro da economia local que se desenvolveu paraatender aos j emigrantes e aos que tm tal pretenso casas de cmbio,agncias de viagem e remessa de dinheiro e cnsules, membros da elitelocal que mantm relaes de negcio com os chamados coiotes3mexi-canos e organizam as viagens do Brasil para o Mxico ou Guatemala e,de l, para os Estados Unidos e Canad. Governador Valadares no estsozinha nessa especialidade de exportao de imigrantes. Cidades como

    Cricima, no estado de Santa Catarina, e Piracanjuba, em Gois, tambmtm visto muitos de seus prprios cidados viajarem para o exterior e, damesma maneira, ambas tm culturas de migrao que incutem, na po-pulao jovem, a expectativa de um dia migrarem para fora do pas (Assis,2003; Inman, 2011; Prada, 2010; Marcus, 2008b).

    IDENTIDADE E COMUNIDADE

    Enquanto variam as condies especficas, os catalisadores e perodosdo xodo do Brasil para outros pases, algumas questes parecem susci-tar problemas semelhantes a todos os emigrantes, independentemente deonde residam. Uma delas a da identidade tnica dentro do contexto damigrao internacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, os imigrantesbrasileiros reclamam, com veemncia, do fato de os norte-americanos osconfundirem, de maneira sistemtica, com os hispnicos, e insistem que nopertencem a essa etnia porque falam portugus, e no espanhol. Os pes-quisadores tm observado as frequentes tentativas, por parte de imigrantesbrasileiros, de se diferenciarem da populao hispano-falante naquele pas.Na mesma linha, muitos brasileiros de ascendncia nipnica, residentes noJapo, ficam irritados quando os nativos os confundem com imigrantes doPeru, que tambm possui cidados descendentes de japoneses.

    Tais tentativas, por parte de imigrantes brasileiros, de se distingui-rem, em termos lingusticos e culturais, de outros latino-americanos nosurgem apenas de experincias especficas nos Estados Unidos e Japo;so, tambm, resultantes de atitudes trazidas do prprio Brasil, onde

    so ntidos os sentimentos de orgulho cultural e de distino de umaraa brasileira, como dizem. Como observou, h muitos anos, o an-troplogo Darcy Ribeiro (2000), os brasileiros se veem como um povo

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    nico, singular. A observao ajuda a explicar por que to difcil, parao brasileiro, aceitar a incluso em outros grupos.

    Quem quer que se preocupe com o fato de a populao brasileira nos

    Estados Unidos ser maior do que revelam os dados oficiais no pode dei-xar de fazer referncia questo da identidade brasileira. Tal identidade uma categoria vaga e ambgua dentro do contexto imigratrio, o queajuda a explicar a invisibilidade geral das comunidades brasileiras nosEstados Unidos e em outros locais. A confuso em torno dessa identidadetambm tem consequncias prticas. Embora os brasileiros rejeitem o r-tulo de hispnicos e afirmem uma identidade nacional singular, vale inda-gar sobre as consequncias de tal rejeio no cotidiano poltico. medida

    que cresce a populao hispnica nos Estados Unidos e as atividades eorganizaes polticas desse grupo se multiplicam, ser que os brasileiroscontinuaro a se separar de tais esforos?

    Uma outra questo amplamente mencionada por pesquisadores anatureza fragmentada de muitas comunidades imigrantes brasileiras. V-rias fissuras que inibem a solidariedade comunitria esto presentes noseio das populaes brasileiras nos EUAe em outros pases. As evidnciassugerem, por exemplo, que os brasileiros que chegaram no incio da cor-

    rente migratria digamos, duas dcadas atrs tendem a depreciar osque chegaram depois por terem menos instruo e origem mais modestado que os compatriotas pioneiros. Os brasileiros que esto em lugaresonde a imigrao comeou mais cedo s vezes fazem uma imagem ne-gativa dos recm-chegados, a quem consideram oportunistas, sem sensocomunitrio. Ciso semelhante existe entre os poucos brasileiros, em ter-mos relativos, que se tornaram cidados americanos e os que no. Taisamericanos-brasileiros s vezes atribuem as mesmas caractersticas ne-gativas populao imigrante brasileira como um todo que os brasileiros,

    de um modo geral, conferem aos hispnicos. Em outras palavras, aquelesoutros brasileiros no so de confiana e s pensam em si mesmos.

    Mais uma vez, tais fissuras no so exclusivas de comunidades bra-sileiras nos Estados Unidos. H tambm registros entre os brasileiros naInglaterra, onde as distines tm base no status social e legal, na ori-gem e no emprego. Em Londres, a linha divisria entre a elite polticae econmica funcionrios da Embaixada, do Consulado e de grandesempresas do Brasil e o imigrante comum, a maioria constituda de

    ilegais no pas (Torresan, 1994).Nos Estados Unidos, a questo problemtica do senso de comunidade

    entre os imigrantes brasileiros e das instituies de base comunitria ou

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    melhor, da falta de ambos foi apelidada de brasfobia. Envolve o quedenomino de o discurso de brasileiros falando mal uns dos outros(Margolis, 2003). Parte do discurso a recusa de alguns que residem nos

    Estados Unidos de se identificarem como brasileiros. Encontrei isso nacomunidade brasileira na cidade de Nova York e outros pesquisadorestambm observaram o fato em Boston e na Flrida (Margolis, 1994a;Martes, 2000; Resende, 2002, 2005).

    Os prprios imigrantes brasileiros reclamam da falta de etos comu-nitrio e, nesse ponto, se comparam, de maneira desfavorvel, a outrosgrupos de imigrantes. Contudo, o comportamento real contradiz, em par-te, a ladainha de reclamaes, ou seja, na verdade, os brasileiros quase

    no conseguiriam sobreviver experincia da imigrao sem a ajuda eo consolo de outros compatriotas. Um dos traos mais salientes das po-pulaes imigrantes brasileiras a aparente contradio entre ideologiae comportamento. Embora haja exemplos de atitudes no comunitrias, tambm verdade que a maioria esmagadora conta com o apoio mtuopara suplantar os mltiplos obstculos da vida de imigrante.

    Outro assunto que tem recebido muita ateno a participao reli-giosa dos brasileiros no exterior. A maioria dos que fazem pesquisa nas

    comunidades brasileiras nos EUAespanta-se com o nmero crescente deigrejas, em particular das evanglicas. Apenas um exemplo: um grupode pesquisadores da Universidade da Flrida localizou 39 igrejas comcongregaes de brasileiros em um nico condado no sul da Flrida,sendo apenas uma catlica; o restante era protestante, a maioria evan-glica (Alves e Ribeiro, 2002).

    Do mesmo modo, h pelo menos trs igrejas evanglicas a servioda comunidade brasileira em Londres. Na pequena Gort, cidadezinha deuns 3 mil habitantes, no oeste da Repblica da Irlanda, onde de 30% a

    40% dos residentes locais so compostos de brasileiros, a missa cele-brada em portugus na igreja catlica da localidade, e foi fundada umaigreja da Assembleia de Deus para servir aos brasileiros da regio(Healy, 2008). E em vrias cidades no Japo, com populaes brasi-leiras, cultos e missas em lngua portuguesa so celebrados em igrejasbatistas, da Assembleia de Deus e catlicas.

    Como explicar tal pletora de instituies religiosas? Parte do apelodessas igrejas de base tnica que no esto limitadas a uma dimenso

    apenas religiosa, mas tambm exercem um importante papel social e deapoio. As igrejas tnicas fomentam a vida social atravs de diferentestipos de atividades recreativas festas, encontros comunitrios, celebra-

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    es nacionais, eventos esportivos e outras do gnero. Tais atividadesajudam a construir uma identidade tnica em espaos pblicos de formaque, em essncia, recriam a brasilidade em um contexto estrangeiro.

    Alm do mais, as igrejas costumam ser fontes de informao crucialsobre emprego, habitao e outros tipos de auxlio para os imigrantesbrasileiros. O papel social das igrejas, como fonte de informao e so-lidariedade, pode explicar por que, nos Estados Unidos em contrastecom o Brasil , quase o mesmo nmero de homens e mulheres participade servios religiosos. E o apoio pode ser bem especfico. Os imigrantesde uma mesma igreja ou cidade no Brasil podem receber assistnciamaterial de membros da igreja da mesma regio (Alves e Ribeiro, 2002).

    Em Boston, as igrejas no so apenas centros de convvio social, mastambm de muita ajuda prtica aos imigrantes. O sucesso das igrejasevanglicas, em particular, talvez ocorra porque em termos financeiroselas dependam da exclusivamente dos prprios membros, em contrastecom a Igreja Catlica. Em consequncia, suas estruturas so menos hie-rrquicas e centralizadas do que as catlicas. Como os prprios evan-glicos fornecem os recursos para a instalao das igrejas, existe umsentimento forte de que aquele espao lhes pertence, que foi construdo

    especialmente para os crentes brasileiros. Alm do mais, a religio queemana de tais igrejas no territorial e, portanto, se adequa bem situao dos imigrantes transnacionais porque no est subordinada aum local especfico e no depende de um clrigo profissional altamenteespecializado ou de estruturas eclesisticas nacionais, como as dioceses.Por ltimo,observa-se queo discursoreal das igrejas evanglicas con-fortante para os imigrantes: ao estimular o trabalho rduo e enaltecer aprosperidade e a mobilidade social, o discurso religioso se harmoniza,de maneira decisiva, aos anseios da prpria congregao (Freston, 2008;

    Martes, 2010).

    HOJE AQUI E AMANH NO?

    Em vista dos nmeros envolvidos, deixar o Brasil para tentar umavida melhor em outro pas no mais uma deciso isolada, tomadapor alguns indivduos ou um pequeno grupo de pessoas. Ao contrrio, uma tendncia social. Embora a emigrao atinja apenas entre 1%

    e 2% dos cerca de 200 milhes que compem a populao do Brasil,isso significa um deslocamento de um grande nmero de pessoas. Narealidade, j em meados dos anos 1990, os estudos sobre os brasilei-

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    Os garotos (e as garotas) do Brasil

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    ros residentes no exterior e as remessas de dinheiro que faziam paracasa frustraram as esperanas de que o fenmeno fosse transitrio.O retrato que se delineou de tais estudos sugere que as colnias de

    emigrantes brasileiros criaram razes no exterior (Klintowitz, 1996: 26).Assim, a pergunta a se fazer a seguinte: os brasileiros esto hoje

    aqui ou seja, em Nova York, Boston, Miami, Los Angeles, Toronto, Lis-boa, Londres, Tquio e outros lugares e amanh no? Ou vo se tornarpeas fixas e permanentes de uma ampla dispora? difcil dizer, porquenos prximos anos muito vai depender das condies econmicas doBrasil, como tambm daquelas dos pases para os quais os brasileirosemigraram. Ser que a economia brasileira vai manter o mesmo ritmo

    de crescimento obtido no final dos anos 2000? E, mais importante ainda, talcrescimento redundar em empregos que paguem bem? O que o futuroreserva s economias da Espanha e do Japo, por exemplo, relevantesdestinaes de imigrantes brasileiros? Ser que o crescente desempregonesses pases vai estimular os brasileiros a retornarem para casa?

    Alm de fatores econmicos, questes familiares costumam ser cen-trais na deciso de ficar ou ir. Qual o papel da segunda gerao deimigrantes brasileiros em tais decises? Isto , ser que os filhos de pais

    brasileiros, nascidos no pas anfitrio ou levados para os EUA, Portugal,Itlia, ou Japo ainda bebs ou criancinhas, estariam dispostos a retornarpara o Brasil, um pas que quase no conhecem e cuja lngua talvez nofalem bem? E, por sua vez, ser que a falta de vontade dos filhos de irpara casa ir prender, com mais firmeza, os pais e talvez outros parentesnos pases para os quais emigraram? Mais uma vez, ainda muito cedopara dizer. O fato de a emigrao brasileira ser relativamente recente sig-nifica que apenas agora a gerao 1.5 de brasileiros e a segunda gerao4esto chegando na idade de tomar decises to pesadas.

    A ltima questo relativa estabilidade da dispora brasileira deordem poltica. O que o futuro reserva para aqueles que no possuema documentao que lhes permita morar e trabalhar legalmente nas na-es do mundo industrializado? A represso ps-11 de setembro contraimigrantes sem visto de permanncia nos Estados Unidos continuar ouo Congresso norte-americano ir, no final das contas, aprovar legislaopermitindo que tais pessoas surjam das sombras? As ameaas constantesda Al-Qaeda e as medidas polticas para cont-las iro amortecer os mo-

    vimentos daqueles que buscam melhorar de vida atravs da emigrao?E ser que as fronteiras dos Estados-naes vo se tornar cada vez maisfortificadas e difceis de cruzar?

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    Goodbye, Brazil

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    Nenhuma dessas indagaes tem resposta definitiva. Mas nas pginasque se seguem aprenderemos muito mais sobre quem so esses emigran-tes, por que deixaram suas casas, que meios usaram para viajar para o

    exterior, para onde emigraram e com o que se depararam nas destinaesfinais. Investigaremos a natureza das mais distantes comunidades e insti-tuies comunitrias brasileiras, assim como enfocaremos uma das maisafamadas comunidades remetentes no Brasil. Analisaremos, tambm, aresposta do governo brasileiro a esse fenmeno. Por fim, revisitaremosa pergunta feita anteriormente: os brasileiros so peregrinos, a ponto deestarem um dia aqui e amanh no, ou so verdadeiros imigrantes, queconsideram que a vida e o futuro esto nas terras que adotaram?

    NOTAS1 Segundo os dados mais recentes disponveis, 51% dos brasileiros nos EUAso mulheres e 49%

    so homens, e mais da metade (56%) so casados (Lima, 2009).2 At 2016, o Brasil espera tornar-se a quinta maior economia do mundo. Ainda assim, o Produto

    Interno Bruto (PIB)per capita o 70 no mundo (Whitefield, 2011).3 Indivduos pagos para transportar imigrantes clandestinos para os EUA, a maioria das vezes atra-

    vs do Mxico.4 A expresso gerao 1.5 refere-se aos que emigraram para o pas anfitrio quando bebs ou

    crianas; a segunda gerao define aqueles que nasceram l.