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GOVERNO DO ESTADO DO ACRE
CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
INTERESSADO(A): Associação de Homossexuais do Acre (AHAC)
ASSUNTO: Analisa solicitação da Associação de Homossexuais do Acre (AHAC), do
Grupo Diversidade pela Cidadania LGBT do Acre-GDAC, e da Entidade Lésbica do Acre
pela Cidadania GLBT, para a inclusão do nome social dos travestis e transexuais nos
registros escolares.
RELATORAS: Iris Célia Cabanellas Zannini e Elisete Silva Machado.
PROCESSO CEE/AC Nº 67, de 23 de fevereiro de 2011
PARECER CEE/AC Nº 59/2011
APROVADO PELA PLENÁRIA EM: 05 de agosto de 2011
I – HISTÓRICO:
Por meio da Carta/001/AHAC/GDAC/ELA, de 13 de dezembro de 2010, a Associação
de Homossexuais do Acre (AHAC), o Grupo Diversidade pela Cidadania LGBT do Acre –
GDAC e a Entidade Lésbica do Acre, pela Cidadania LGBT, encaminhou a este Conselho
Estadual de Educação uma solicitação para que este órgão delibere através de uma resolução
específica, para a inclusão do nome social dos travestis e transexuais nos registros escolares
(livros de chamadas, cadernetas escolares, históricos, certificados, declarações e demais
registros escolares das escolas e dos colégios da rede pública estadual do Acre).
À solicitação recebida neste Conselho em 13/12/2010, e formado Processo CEE/AC nº
67 de 23/02/2011 estão anexados seguintes documentos:
Carta/001/AHAC/GDAC/ELA, de 13/12/2010;
Parecer Técnico nº. 141/2009 – CGDH/DEIDHUC/SECAD/MEC – Ministério da
Educação – Secretaria de Educação e Continuada, Alfabetização e Diversidade –
Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania – Coordenação
Geral de Direitos Humanos.
Portaria nº. 233, de 18 de maio de 2010 – Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão - Gabinete do Ministro;
Portaria nº. 16/2008 – Secretaria de Estado da Educação do Estado do Pará –
Gabinete do Secretário.
Resolução CEE/CP nº 5, de 03 de abril de 2009 – Conselho Estadual de Educação
de Goiás;
2
Decreto nº 55.588, de 17 de março de 2010, do Estado de São Paulo;
Parecer nº 277, de 11/08/2009 – Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina;
Cópia do Ofício nº. 731/2009-CG/SEDUC – Secretaria de Estado de Educação –
São Luís/MA;
Lei Ordinária nº 5.916, de 10/11/2009 – Estado do Piauí;
Deliberação CEPE/IFSC nº 006, de 05 de abril de 2010 – Instituto Federal de
Educação de Santa Catarina.
No documento ora analisado, as entidades mencionadas solicitam deste Conselho:
1. Determinar que as escolas do sistema educativo do Acre, em respeito à diversidade,
à dignidade humana e à inclusão social, incluam o nome social de travestis e transexuais, que
acompanhará o nome civil, nos registros escolares, a partir da manifestação por escrito do
interessado que deverá acompanhar seu dossiê escolar, ficando excluídos o diploma e o
histórico escolar.
2. Determinar que todas as mantenedoras assegurem, para as unidades escolares,
acompanhamento especializado aos travestis e transexuais na sua trajetória escolar,
viabilizando as condições de permanência desta população na escola.
3. Orientar que todas as unidades escolares mantenham programa de combate à
homofobia, em suas atividades escolares e de apoio à permanência de todos os alunos
travestis e transexuais na escola.
Os solicitantes justificam o pedido a partir dos seguintes argumentos:
a) O direito constitucional de todos à educação e a dignidade humana;
b) Que este direito, implica não apenas no acesso à escola, mas na permanência e
sucesso escolar;
c) Que cabe à escola contribuir para a superação de preconceitos e discriminações,
como racismo, machismo e homofobia; e
d) A “jurisprudência” estabelecida no direito de travestis e transexuais ao uso do
“nome social”, respeitando-se, assim sua identidade de gênero.
Para confirmar o desejo os solicitantes informam no documento encaminhado que em
abril de 2008, na 1ª. Conferência Estadual de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais do Acre, cujo tema “Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para
garantir a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”, ficou pactuado
entre a sociedade civil e o governo, a seguinte proposta para a educação no estado do Acre,
pela garantia de direitos da comunidade LGBT: Art 19 – Propor a inclusão de medidas que
assegurem a estudantes e profissionais da educação, a travestis e transexuais, o direito
de terem seus nomes sociais nos documentos das instituições de ensino e de usufruírem
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das estruturas dos espaços em igualdade de condições e em conformidade com suas
identidades de gênero, para cuja justificativa inclui:
- Os artigos 5º, 205 e 206, da Constituição Federal - CF, respectivamente:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
(...)
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
- Os artigos 2º e 3º, incisos I, II, III e IV, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional Lei 9394/96:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
(...)
O Parecer Técnico nº 141/2009 – CGDH/DEIDHUC/SECAD/MEC – que responde à
Comunicação Interna nº. 652/2009 do Gabinete da SECAD e encaminha o Memo.
4911/2009/GABSEB, que trata da solicitação da Associação Brasileira de Gays Lésbicas,
Travestis e Transexuais ABGLT ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para que se
manifeste por meio de Resolução favoravelmente à medida que vem sendo adotada por
estados e município de adoção do nome social nos registros escolares.
Ressalte-se que no referido parecer consta trecho do Parecer nº 786/2009 –
CGEPD/CONJUR emitido pela Consultoria Jurídica do MEC (CONJUR/GM), no qual
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declara que a competência para emissão de normativa sobre a inclusão do nome social nos
registros escolares é de atribuição dos sistemas de ensino, afirmando que:
“A abordagem adotada no presente parecer aponta os aspectos legais que
envolvem a alteração no registro civil, revelando que a matéria está situada fora da
esfera de competência do CNE. Por outro lado, do ponto de vista das normas
educacionais, a utilização nos estabelecimentos de ensino do nome social como
alternativa ao nome constante do registro civil, é tema que deve ser objeto de
deliberação dos sistemas de ensino, já que uma eventual resolução do CNE poderia
suscitar controvérsias a partir da alegação de invasão de competência, tendo em vista o
disposto no Art. 10 e o Art. 17 da Lei nº 9.394/96.”
Cita ainda, outros documentos de manifestação de alguns Estados, a saber:
- A Portaria nº. 016/2008-GS, da Secretaria de Estado de Educação do Pará,
fundamentada nos princípios da igualdade e da isonomia assegurados pela Constituição
Cidadã de 1988, estabelece que “a partir de 02 de janeiro de 2009, todas as Unidades
Escolares da Rede Pública Estadual do Pará passarão a registrar, no ato da matrícula dos
alunos, o pré-nome social de travestis e transexuais”.
- A Resolução CEE/CP nº 05, de 03/04/2009 do Conselho Estadual de Educação do
Estado de Goiás, que determina a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos
registros escolares, da seguinte maneira:
“Art. 1º - Determinar que as escolas do sistema educativo de Goiás que, em respeito a
cidadania, aos direitos humanos, a diversidade, ao pluralismo, a dignidade humana, incluam o
nome social de travestis e transexuais, nos registros escolares para garantir o acesso, a
permanência e o êxito desses cidadãos no processo de escolarização e de aprendizagem.”
- A Resolução CME/BH Nº 002/2008, do Conselho Municipal de Educação de Belo
Horizonte, que dispõe sobre os parâmetros para inclusão do nome social de travestis e
transexuais no registro escolar, assegurando que:
“Art. 1º - A partir de 2009, todas as unidades escolares da RME/BH deverão incluir
nos registros dos diários de turma, nos boletins escolares e demais registros internos das
instituições de ensino, entre parênteses, na frente do nome constante do registro civil, o nome
social, pelo qual a travesti e o/a transexual se identifica.”
Menciona que outras Unidades da Federação estão em processo de discussão e
elaboração de instrumentos normativos que contemplem o pleito, como o estado de Santa
Catarina, onde o Conselho Estadual de Educação emitiu o Parecer nº 277/2009, e de Mato
Grosso, estado no qual o Conselho Estadual exarou o Parecer nº 010/2009 favorável à
inclusão, no sistema educacional do Estado de Mato Grosso, no “nome social” de travestis e
transgêneros nos registros acadêmicos.
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Cita ainda, que o Ministério da Educação participa do Programa Brasil Sem
Homofobia (2004) por meio do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria nº 4.032, de
24/11/2005, cujo objetivo é acompanhar a implantação do mencionado Programa nesta pasta.
Cabe salientar que as Portarias que designam os membros do GT, Portaria nº 928/2006 e
Portaria nº 1.267/2007, incluem o nome social dos Travestis e Transexuais participantes.
Reforçando a perspectiva do acolhimento das identidades pelas políticas públicas,
destaca, ainda, a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, formulada pelo Ministério da
Saúde (Sistema Único de Saúde – SUS), Conselho Nacional da Saúde e a Comissão Integrada
Tripartite, que em seu terceiro princípio (assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e
livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento e a uma relação mais pessoal
e saudável) determina que: É direito do cidadão atendimento acolhedor na rede de serviços de
saúde de forma humanizada, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em função
de idade, raça, cor, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, características de genéticas,
condições econômicas ou sociais, estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa
vivendo com deficiência, garantindo-lhes a identificação pelo nome e sobrenome, devendo
existir em todo documento de identificação do usuário um campo para se registrar o nome
pelo qual prefere ser chamado, independentemente do registro civil, não podendo ser tratado
por número, nome da doença, códigos, de modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso.
Como se pode observar através dos documentos que instruem o presente processo, a
inclusão do nome social vem sendo debatida, e vários órgãos públicos já se manifestaram
sobre o assunto com atos regulatórios que levam em consideração a tendência de inclusão do
nome social em documentos não oficiais, ou seja, documentos internos, a fim de evitar
qualquer tipo de preconceito.
Conclui em seu documento, que os regulamentos acima mencionados evidenciam a
competência dos sistemas estaduais e municipais de educação para exarar normativas que
disciplinem a inclusão do nome social nos registros dos estabelecimentos de ensino.
II – ANÁLISE
A análise da presente solicitação evidencia a competência com que aquelas
instituições lutam pelos direitos humanos o que leva a este Conselho a cumprimentá-las e
empenhar-se no aprofundamento de tão importante questão e no respeito às considerações
abordadas.
Com a devida permissão das instituições esta análise sem pretender questionamentos
deve acrescentar aspectos do Código Civil Brasileiro, no que tange ao tratamento da questão
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que segundo o qual „o nome civil, constituído por prenome e sobrenome, é um dos principais
direitos de personalidade ou direitos personalíssimos e assim se expressa:
“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.”
“Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o
sobrenome.”
Nesse sentido, por se tratar de direito irrenunciável, a alteração do nome civil da
pessoa física, somente poderá ser feita em casos específicos, autorizados por lei e após
decisão judicial.
A Lei nº 6.015/1973, que dispõe sobre os Registros Públicos no Brasil, prevê algumas
exceções para alteração do nome civil e que somente pode ocorrer por decisão motivada do
juiz após manifestação do Ministério Público, conforme seu Art. 57.
“Art. 57 - Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e
motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por
sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandato e
publicando-se a alteração pela imprensa (grifos postos).”
Porém, apesar de, em regra, ser proibido a alteração do nome civil, a própria lei
contempla algumas exceções, que possibilitam a alteração de nome no caso dos transexuais
submetidos à cirurgia de transgenitalização.
O Código Civil reserva, também, dispositivo em ralação a capacidade civil e nos
termos de seu Artigo V, assim disciplina a maioridade civil: “A menoridade cessa aos 18 anos
completos, quando a pessoa fica habilitada à pratica de todos os atos da vida civil”.
Dessa forma, os menores de 18 anos, em todos os atos da vida civil devem ser
representados ou assistidos por seus representantes legais; e, em alguns casos, se faz
necessário, para a prática de alguns atos, a autorização judicial, como por exemplo, a venda de
imóveis pertencentes a menores.
Há quem diga que nos documentos legais não existe normas positivas que determinem
a inclusão do nome social nos registros acadêmicos, o que não significa, necessariamente o
negativo do pleito tendo em vista que o ordenamento jurídico não é composto apenas de
regras. Prova disso é existir na própria Constituição do nosso país princípios com força
normativa e vários outros princípios constitucionais que consagram a liberdade e a igualdade
como valores supremos da sociedade brasileira fraterna, pluralistas sem preconceitos.
No caso em pauta, é relevante considerar o artigo 3º, inciso IV, da Constituição
Brasileira que traz como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
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outras formas de discriminação”, e o artigo 5º, em seu inciso XLI, estabelece, que: “a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Todas as instituições citadas neste Parecer e que se pronunciaram a favor da
solicitação em pauta, beberam na mesma fonte de águas perenes do principio da igualdade e
da liberdade cláusula pétria da Constituição Brasileira, a que melhor consagra os direitos
humanos.
Contudo, “a orientação sexual é hoje um dos exemplos mais pungente de
discriminação”. Sabe-se que Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, no Brasil,
ainda, sofrem preconceitos por parte de vários segmentos da sociedade. Dentre os mais
preconceituosos, estão os que ocorrem em ambientes escolares o que acaba por atingir o
direito à educação do cidadão, fato este que, muitas vezes, resulta na exclusão escolar. Por
esta razão o tema em pauta é de extrema importância. Por parte dos solicitantes, para dar
visibilidade a causa e por parte da escola, além de estar na esfera dos direitos humanos,
conforme citam os documentos expedidos por diversos órgãos normativos brasileiro, para que
a inclusão escolar em todos os níveis de educação dignifique o cidadão.
Para ilustrar vamos citar duas pesquisas feitas pela UNESCO em 2004 que
demonstram a gravidade do problema de preconceito nas escolas: uma delas, entre os alunos,
descobriu que 40% dos meninos brasileiros não querem um colega homossexual sentado na
carteira ao lado; outra, realizada com professores, mostrou que 60% deles consideram
“inadmissível” que uma pessoa mantenha relações com gente do mesmo sexo.
As pesquisas apresentadas comprovam a existência de comportamentos de resistência
à convivência homossexual, com ênfase ao índice de professores por se tratar de profissionais
que atuam diretamente com a transmissão e consolidação de valores e práticas culturais, os
quais são apropriados pelos alunos e podem contribuir para consolidação de personalidades
agentes de segregação.
Os princípios norteadores para a educação em direitos humanos na educação básica,
segundo o PNEDH evidenciam que:
A educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos humanos em
todos os espaços sociais; a escola, como espaço privilegiado para a construção e consolidação
da cultura de direitos humanos, deve assegurar que os objetivos e as práticas a serem adotados
sejam coerentes com os valores e princípios da educação em direitos humanos; a educação em
direitos humanos, por seu caráter coletivo, democrático e participativo, deve ocorrer em
espaços marcados pelo entendimento mútuo, respeito e responsabilidade; a educação em
direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo a
cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade etnicorracial, religiosa,
cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção
8
política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação; a educação em direitos
humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e permear o currículo, a
formação inicial e continuada dos profissionais da educação, o Projeto Político Pedagógico da
escola, os materiais didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação; a prática escolar
deve ser orientada para a educação em direitos humanos, assegurando o seu caráter
transversal e a relação dialógica entre os diversos atores sociais( BRASIL,PNEDH,2006,
p.32)
Entre as ações programáticas previstas no PNEDH para a educação básica destacamos
algumas que servem de referencia para que o processo de sua efetivação possa ganhar
concretude nos sistemas de ensino e em cada uma das escolas:
1. Propor a inserção da educação em direitos humanos nas diretrizes curriculares da educação
básica; 2. Integrar os objetivos da educação em direitos humanos aos conteúdos, recursos
metodológicos e formas de avaliação dos sistemas de ensino; 3. Estimular junto aos
profissionais da educação básica, suas entidades de classe e associações, a reflexão teórico-
metodológica acerca da educação em direitos humanos; [...] 7. Tornar a educação em direitos
humanos um elemento relevante para a vida dos(as)alunos(as) e dos(as) trabalhadores(as) da
educação, envolvendo-os(as) um diálogo sobre maneiras de aplicar os direitos humanos em
sua prática cotidiana; 8. Promover a inserção da educação em direitos humanos nos processos
de formação inicial e continuada dos(as trabalhadores(as) em educação, nas redes de ensino e
nas unidades de internação e atendimento de adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, incluindo, dentre outros(as), docentes, não-docentes, gestores(as) e leigos(as)
(BRASIL, PNEDH, 2006, p. 33 – grifos nossos).
A adolescência é uma fase de construção da personalidade cujas características de
busca de identidade, independência, juízo crítico e auto-afirmação, sexualidade, dentre outros,
fazem dessa fase do desenvolvimento humano uma importante etapa em que as políticas
públicas culturais podem repercutir na construção de práticas comportamentais, segundo
Doras (1992). Portanto é preciso oferecê-las.
Contudo, avanços tem sido alcançados no seio da sociedade. Em recente pesquisa
realizada pelo IBOP (2011) no que diz respeito a reações à presença de homossexuais
encontramos que nas regiões Norte/Centro-Oeste 72% dos entrevistados não se afastariam de
amigos se descobrissem serem eles homossexuais; na região Nordeste esse índice é de 66%;
na região Sudeste 79% e na região Sul 70%.
No âmbito das religiões, também, houve considerável avanço, senão vejamos: entre os
católicos entrevistados 75% aceitam ser amigos de homossexuais; protestantes/evangélicos
67%; de outras religiões 89%; ateus e sem religião 73%.
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Para tanto, o Estado tem implementado políticas públicas que promovam, além do
acesso à educação, formas de manter os alunos na escola, conforme o que está acima
estabelecido, combinados com o que institui o princípio contido no inciso I do art. 206 da
Constituição Federal, repetido pelo inciso I do artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.
Os atos do Conselho Estadual de Educação, referentes a currículo tem, repetidamente,
orientado essas questões para a escola.
III – DO MÉRITO
Ao tratar a solicitação da Associação de Homossexuais do Acre (AHAC), o Conselho
Estadual de Educação, através deste documento, vislumbra a oportunidade de aprofundar
estudos para que professores e demais profissionais de educação, pais e alunos encontrem
subsídios e motivação na reflexão desses aspectos.
A matéria de referência aos direitos humanos, encontra eco na Constituição Brasileira,
na Constituição do Estado, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e em Decretos
Federais. Portanto, é dever do poder público orientar as instituições escolares para que
busquem nos princípios éticos, políticos e estéticos e nos conteúdos que demandam das áreas
do currículo, orientados nas Diretrizes Curriculares Nacionais, os instrumentos para a
formação de valores e transformação da escola num espaço de acolhimento, solidariedade,
respeito e amor. No tocante à diversidade, entendemos que o ensino e a aprendizagem têm por
objetivos, conhecer a história das várias etnias e culturas, valorizá-las e respeitá-las,
repudiando a discriminação por diferenças de raça, religião, classe social, nacionalidade, sexo,
reconhecendo os traços da própria cultura e exigindo respeito para si e para os outros;
No que se refere a sexualidade do indivíduo, Louro, G. L. (1997), afirma que a escola
e a família tem “verdades” que são discutíveis e contraditórias como a idéia de
heterossexualidade, sendo a única forma normal e natural de sexualidade e controlam os
indivíduos para que dela não se desviem pressupondo que em algum momento da vida os
sujeitos se “definam” e fixem uma determinada identidade sexual para o resto da vida.
“Contrariando essas proposições diz ainda a cientista, que é possível compreender todas as
identidades heterossexual, homossexual e bissexual como sendo socialmente construídas e
negociadas”. As diversas formas de sexualidade fazem-se no contexto das relações sociais.
Para vivê-las, podem se combinar marcas biológicas, psicológicas, sociais do sujeito. A
exposição de qualquer das identificações pode engessar uma marca. Nessa hipótese uma não
cuidadosa não utilização do “nome social” de crianças e adolescentes no ambiente escolar, em
alguns momentos da vida acadêmica dos alunos, pode, ao contrário, se constituir, numa
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prática preconceituosa. É bem melhor fortalecer a consciência cidadã, base de construção da
prática afirmativa de acolhimento, promovendo a inclusão e a sua permanência com sucesso.
Uma das formas pacíficas de tratar essa questão é a de um pacto social, onde as
questões sejam acordadas livres e conscientemente, como em diversas situações em que
aparece nome social-caso de artistas, por exemplo.
Nesse sentido, ainda, a escola e a família devem andar juntas para decisões conjuntas e
em aspectos dessa natureza é importante a aceitação da família para que os menores tenham
referenciais, segurança e apoio.
Quando nos reportamos aos direitos humanos a orientação vem da própria
Constituição Federal que em seu artigo 227 assim explicita:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
comunitária, além de colocá-los salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência e opressão.”
À escola cabe, portanto, proporcionar o conhecimento que dê base à compreensão que
se espera da família que consiste, primeiramente, em romper com concepções mais rígidas de
valores tradicionais e ter a disposição de enfrentar a luta contra o preconceito e a ignonímia.
A integração escola, família e sociedade pode ser a grande alavanca para o processo de
paz entre os cidadãos, valorizando na diversidade a harmonia, o respeito e o amor.
Para Louro, G. L. (1997), as ações e metas de responsabilidades da Secretaria de
Educação, órgão gestor do sistema devem valorizar essas questões da educação, a partir de
indagações como:
Que ações fundamentais podem atender o princípio constitucional da garantia dos
direitos humanos, nesse aspecto, objeto de estudo? Que é justiça nas relações pedagógicas?
Como o conhecimento é criado, usado e transformado na educação? O que tem a ver o
conhecimento com a constituição da liberdade? Como educamos para a diversidade?
Procuramos entender a homossexualidade na adolescência no contexto de cada individuo? A
escola está pronta a colaborar para a produção de uma cultura de respeito aos direitos sexuais
como direitos humanos, na direção do combate as formas de produção de sofrimento psíquico
nos jovens não heterossexuais, causadas, inclusive, pela própria escola? Como concebe as
diferenças sexuais?
Tais aspectos, quando trabalhados por todos na rotina escolar, pode tornar a escola o
ambiente acolhedor na diversidade e na realidade de cada um dos seus membros fazendo com
que todos sejam capazes de gestos solidários e fraternos sem o peso da crítica e da iniquidade
no julgo das diferenças.
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Nesse sentido, é preciso que se promovam ações que valorizem as diferenças, no dia a
dia da escola, entre as quais: a formação continuada dos professores, a inclusão nos currículos
escolares de conteúdos que contemplem a pluralidade cultural na ótica da psicologia social da
sexologia e da biologia. Essas ciências tratam também as diferentes formas e fases de
manifestação de sexualidade. Para Vigotski, L.S (2001) aos 14 anos o adolescente está pronto
para essa aprendizagem.
Aos órgãos executivos dos sistemas de ensino compete, ainda, a produção e a
disseminação de materiais subsidiários ao trabalho docente, que contribuam para a eliminação
de discriminações, racismo, sexismo, homofobia e outras formas de preconceitos e que
conduzam à adoção de comportamentos responsáveis e solidários em relação aos outros e ao
meio ambiente. Desta forma a escola estará preparada para atender a solicitação constante
deste parecer.
IV – PARECER
Com base nos aspectos gerais apresentados neste documento e no respeito a autonomia
das instituições de ensino e considerando que a escola é uma instituição que convive com a
prática de registros formais, o Conselho Estadual de Educação faz as seguintes
recomendações:
1) O Estado deve assegurar a inclusão de todos no Sistema Educacional, cabendo à
escola envidar esforços no sentido de romper com as barreiras que impeçam o
acesso e a permanência, com dignidade e respeito à individualidade do cidadão.
2) Assegurar, para as unidades escolares da rede pública e orientar as da rede
privada, acompanhamento especializado aos travestis e transexuais na sua
trajetória escolar, viabilizando as condições de permanência desta população na
escola.
3) Assegurar, em todos os níveis, séries e modalidades da educação básica
programas e atividades, permanentes, de combate à homofobia e a qualquer
tratamento desigual e discriminatório por preconceito de raça, cor, religião,
nacionalidade, político, gênero e sexo.
4) Atender, a quem de direito, em respeito à diversidade, à dignidade humana e à
inclusão social, a solicitação de inclusão do nome social de travestis e transexuais,
que acompanhará nos registros escolares a partir da manifestação por escrito do
interessado observando que:
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Na fase da adolescência a Lei preserva ao menor o direito de não decisão em causas
que requeiram a legalidade civil. Portanto, os registros dos documentos escolares dos
menores devem preservar o nome constante do registro civil.
Os maiores de 18 anos que, de acordo com a legislação vigente, alcançaram a
capacidade civil, poderão solicitar, a qualquer momento da vida escolar, através de
requerimento, o registro do nome “social”, o qual deverá constar, apenas nas
cadernetas escolares.
Rio Branco-AC, 05 de agosto de 2011.
Relatoras:
Consª. Íris Célia Cabanellas Zannini
Consª. Elisete Silva Machado
Bibliografia:
BRITZMAN, Deborah P. Sexualidade e cidadania democrática,
Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de proteção à Educação, Parecer
04/2009- COAPEduc, Curitiba-PR, 21 de setembro de 2009.
Diferencia: respeito versus preconceito, Reportagem da Revista Nova Escola dezembro de
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DOCUMENTO DE REFERÊNCIA ORIENTAÇÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DA
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PRELIMINAR, Brasília, 2010.
FILHO, Alípio de Souza, Educação sem preconceito: A família e a homossexualidade, boca da
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SANTOS, Élcio Nogueira dos Adolescência, homossexualidade, gênero: a psicologia sócio-
histórica como novo caminha, Pontifica Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.