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a mente e a percepção das artes musicais Contextualização Musical no Treinamento Auditivo: Transferindo Memórias à Prática Musical Graziela Bortz [email protected] Universidade Estadual Paulista. Resumo A pesquisa em andamento consiste em explorar as investigações empíricas em cognição musical aplicadas ao treinamento auditivo para propor novas abordagens dos métodos de ensino na área de percepção musical. Os problemas apontados por Covington & Lord (1994) no ensino objetivista da disciplina e suas idéias de ensino construtivista são usadas aqui de maneira crítica para propor estratégias distintas, mas complementares, onde a coexistência das duas abordagens é possível. Os objetivos do trabalho incluem a revisão da literatura na área de cognição musical e treinamento auditivo e a elaboração de estra- tégias de abordagem dos métodos tradicionais combinados com métodos novos. Coving- ton & Lord (1994) descrevem o treinamento auditivo tradicional como essencialmente behaviorista e objetivista, ou seja, baseado na transmissão e repetição de conhecimentos específicos e bem demarcados, e tendo seus procedimentos de avaliações mensurados aritmeticamente. Como vantagens do ensino objetivista nessa disciplina, o artigo assinala a aquisição da habilidade de resgatar as informações adquiridas no treinamento dentro do contexto limitado dos exercícios feitos em classe. Os autores argumentam que, em longo prazo e no contexto real de trabalho, os resultados não são tão convincentes e que os estudantes tornam-se inábeis em transferir os conhecimentos de um universo a outro ao serem treinados em condições simplificadas como se fossem reais. Propõem o uso de um laboratório de informática em que aplicam o que denominam “explorações controla- das”, onde os estudantes podem acessar várias sub-tarefas enquanto buscam o objetivo maior proposto, desenvolvendo a capacidade de planejarem em seu próprio tempo e à sua maneira. Usando gravações de extratos reais de músicas, os estudantes gravam dife- rentes linhas da partitura em faixas de um sequencer. A coexistência das abordagens ob- jetivista e construtivistas, ao contrário do que pensam Covington & Lord, não são, na opinião da autora desta proposta, necessariamente excludentes. O problema da aborda- gem exclusivamente objetivista está na falta do exercício da transferência de um domínio a outro, no que, de fato, consiste a crítica daqueles autores ao objetivismo, ou seja, a falta de contextualização. Esta pesquisa propõe, portanto, a coexistência, o equilíbrio e a inter- face entre as duas abordagens. Introdução De acordo com Covington & Lord (1994), enquanto as pesquisas em cognição mu- sical têm se desenvolvido consideravelmente nos últimos anos, o treinamento audi- 1

Graziela Bortz Ensino de Percepcao Construtivista e Behaviorista

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Page 1: Graziela Bortz Ensino de Percepcao Construtivista e Behaviorista

a mente e a percepção das artes musicais

Contextualização Musical no Treinamento Auditivo:Transferindo Memórias à Prática Musical

Graziela [email protected]

Universidade Estadual Paulista.

ResumoA pesquisa em andamento consiste em explorar as investigações empíricas em cogniçãomusical aplicadas ao treinamento auditivo para propor novas abordagens dos métodosde ensino na área de percepção musical. Os problemas apontados por Covington & Lord(1994) no ensino objetivista da disciplina e suas idéias de ensino construtivista são usadasaqui de maneira crítica para propor estratégias distintas, mas complementares, onde acoexistência das duas abordagens é possível. Os objetivos do trabalho incluem a revisãoda literatura na área de cognição musical e treinamento auditivo e a elaboração de estra-tégias de abordagem dos métodos tradicionais combinados com métodos novos. Coving-ton & Lord (1994) descrevem o treinamento auditivo tradicional como essencialmentebehaviorista e objetivista, ou seja, baseado na transmissão e repetição de conhecimentosespecíficos e bem demarcados, e tendo seus procedimentos de avaliações mensuradosaritmeticamente. Como vantagens do ensino objetivista nessa disciplina, o artigo assinalaa aquisição da habilidade de resgatar as informações adquiridas no treinamento dentro docontexto limitado dos exercícios feitos em classe. Os autores argumentam que, em longoprazo e no contexto real de trabalho, os resultados não são tão convincentes e que osestudantes tornam-se inábeis em transferir os conhecimentos de um universo a outro aoserem treinados em condições simplificadas como se fossem reais. Propõem o uso deum laboratório de informática em que aplicam o que denominam “explorações controla-das”, onde os estudantes podem acessar várias sub-tarefas enquanto buscam o objetivomaior proposto, desenvolvendo a capacidade de planejarem em seu próprio tempo e àsua maneira. Usando gravações de extratos reais de músicas, os estudantes gravam dife-rentes linhas da partitura em faixas de um sequencer. A coexistência das abordagens ob-jetivista e construtivistas, ao contrário do que pensam Covington & Lord, não são, naopinião da autora desta proposta, necessariamente excludentes. O problema da aborda-gem exclusivamente objetivista está na falta do exercício da transferência de um domínioa outro, no que, de fato, consiste a crítica daqueles autores ao objetivismo, ou seja, a faltade contextualização. Esta pesquisa propõe, portanto, a coexistência, o equilíbrio e a inter-face entre as duas abordagens.

IntroduçãoDe acordo com Covington & Lord (1994), enquanto as pesquisas em cognição mu-sical têm se desenvolvido consideravelmente nos últimos anos, o treinamento audi-

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tivo em sala de aula tem sido frustrante para professores e alunos. Estes últimos de-monstram dificuldades em aplicar o conteúdo aprendido — que se concentra prin-cipalmente no estudo de alturas e ritmo, com a quase que total exclusão de outrosaspectos musicais — a seu cotidiano musical, onde a complexidade do material en-volve uma gama de possibilidades muito maior que a oferecida durante os estudosde percepção. Os autores descrevem o treinamento auditivo tradicional como essencialmente be-haviorista e objetivista, ou seja, baseado na transmissão e repetição de conhecimentosespecíficos e bem demarcados. Como os conhecimentos, os procedimentos de ava-liações também são mensuráveis aritmeticamente. Assim, quando a capacidade dosalunos em reconhecer determinados intervalos isolados, por exemplo, é colocada aprova, tem-se uma possibilidade de avaliação quantitativa. Covington & Lord ob-servam que o método objetivo de ensino e avaliação tem sido aplicado em todas asdisciplinas de conhecimento humano. No entanto, enquanto em outras áreas a edu-cação tem sido fortemente influenciada por pensadores construtivistas, o mesmonão ocorre na disciplina de percepção musical. Como vantagens do ensino objetivista nessa disciplina, o artigo assinala três pontosprincipais, a saber: (1) a aquisição de conhecimentos e habilidades específicas; (2) ahabilidade de resgatar as informações adquiridas no treinamento; (3) “sucesso dentrodo contexto limitado dos exercícios de treino auditivo isolados”, de onde se pode in-ferir que “aqueles alunos que se desempenham bem parecem desenvolver um tipode rede esquemática ou um sistema de expertise desejado” (Covington & Lord, 1994,p. 162). No entanto, o texto acrescenta que, em longo prazo e no contexto real detrabalho, os resultados não são tão convincentes. O fato de um estudante ser capaz, por exemplo, de decodificar um intervalo de trí-tono isolado não significa que ele automaticamente desenvolva a capacidade de di-ferenciar esse mesmo intervalo num contexto musical em que ele apareça formadopelo quarto e sétimo graus, exercendo a função de dominante com sétima, ou entreo segundo e sexto graus em modo menor, exercendo a função de harmonia inter-mediária (acorde de II grau como subdominante).

Elementos isolados de seu contexto natural enfatizam a separação dos elementosmais que sua integração. . . . De fato, pesquisas em outros domínios têm demons-trado que tal treinamento pode, na verdade, desenvolver barreiras entre tipos deesquema ao invés de desenvolver a consciência de sua interconexão (Covington& Lord, 1994, p. 162).

Os autores do artigo consideram ainda que o aprendizado de intervalos condicio-nados a uma determinada peça pode ser prejudicial, pois o caminho para recuperara informação é lento. Talvez se possa comparar este exemplo ao aprendizado da lei-tura da clave de fá condicionada à clave de sol. Decodificar diretamente uma clavequalquer a partir da visualização das distâncias formadas entre linhas ou espaços é

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mais eficiente que recuperar a informação indireta na transferência de uma leitura àoutra. A pesquisa de Burns & Ward (1982, p. 264-265), embora reconheça que a percepçãode intervalos é uma ferramenta analítica importante para a transcrição de melodias,confirma a teoria de que o treinamento da memorização de intervalos isolados frag-menta a cognição melódica. Comentam que “a percepção de intervalos melódicosisolados pode ter pouca relação com a percepção da melodia.” Mais tarde, acrescen-tam que “há evidência considerável de que melodias são percebidas como Gestaltsou padrões, e não uma sucessão de intervalos individualizados e que a magnitudeintervalar é apenas um pequeno fator na percepção total.” Da mesma maneira, Deutsch (1982, p. 287-291) demonstra como padrões de con-torno melódico são reconhecidos no discurso musical como equivalentes, ainda quese preserve apenas o contorno, e não os intervalos exatos. Afirma que, em longoprazo, a memória tende a reter informações classificadas hierarquicamente em níveismais profundos de abstração, lembrando que este modelo se aproxima da teoria ana-lítica de Heinrich Schenker (1868-1935), que utiliza um modelo de escuta, onde onível da superfície funciona como um “prolongamento” dos níveis estruturais maisprofundos. Edlung (1974, p. 7) vê como necessidade premente a contextualização musical notreinamento auditivo quando afirma que, “para que as relações tonais nas melodiassejam entendidas de maneira apropriada, deve ser requisitado [no treinamento] maisdo que a mera facilidade em cantar intervalos melódicos isolados”. Pode-se recuperarmais prontamente, na música tonal, a memória da função de uma altura em relaçãoa outras hierarquicamente mais importantes numa tonalidade do que o intervaloexato formado entre duas notas. A escuta dirigida às funções melódicas, tais como:uma nota que funciona como ornamentação, dirigindo-se por salto a outra for-mando uma escapada, ou de uma nota que funciona como conexão de outras sepa-radas por terça (nota de passagem), ou ainda uma bordadura, esclarece o discursomusical, ao invés de fragmentá-lo. Em música não-tonal, os intervalos tampouco seapresentam como elementos isolados. Alguns compositores preferem sonoridadesformadas por grupos de notas que se tornam familiares ao ouvido à medida quefaçam parte do treinamento contextualizado. Edlung (1963) trabalha sempre comgrupos intervalares, nunca individualizados, na música não-tonal, à maneira seme-lhante com que Berkowtiz et al (1960) e Edlung (1974) apresentam intervalos apartir de sua função na música tonal. Neste sentido, é pertinente a crítica ao ensino exclusivamente objetivista da percep-ção musical. Faz-se necessária a contextualização constante para que os níveis deabstração sejam percebidos e relacionados e para que a ocorra a transferência de co-nhecimentos do treinamento auditivo à prática real. Intervalos podem ser trabalha-dos em melodias tonais ou não-tonais globalmente.

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ObjetivosEmbora se busque uma visão ampla no enfoque da disciplina percepção neste tra-balho, a ênfase é dada à percepção de alturas. Logicamente, o contexto rítmico e tex-tural não são excluídos, mas a título de limitar o objeto de pesquisa, o enfoque recainos parâmetros de altura (melodia e harmonia).São utilizados dados de experiências na área de cognição musical, tais como: Deutsch,(1982, 2006), Krumhansl (1990,2006), Sloboda (2008), Levitin (2006, 2007), Co-vington & Lord (1994), entre outros, para elaborar novas abordagens e estratégiasde ensino na disciplina de percepção musical.

Os objetivos desta proposta são:Fazer uma ampla revisão da literatura na área de cognição musical aplicada ao trei-namento auditivo de alunos de nível de graduação, incluindo trabalhos que tenhamfoco em outras práticas musicais, mas que possam contribuir indiretamente para oestudo da percepção (improvisação, estudos de memória para instrumentistas, pianocomplementar, o estudo de harmonia no teclado, entre outros). Propor uma nova abordagem dos exercícios de solfejo e ditado melódicos em con-textos tonais e não-tonais, procurando um diálogo constante com os diversos tiposde métodos: trabalhos com melodias escritas especialmente para solfejo e ditado(estruturas simplificadas) combinadas com melodias do repertório organizadas emmétodos de solfejo (estruturas intermediárias), além de exercícios de solfejo e ditadoa partir de contextos musicais reais (estruturas complexas — um extrato de uma sin-fonia ou de uma sonata, por exemplo), buscando transferir constantemente as asso-ciações obtidas em contextos simplificados e intermediários àqueles mais complexos. Propor, para o trabalho de solfejo, a análise prévia das estruturas melódicas apresen-tadas de maneira a antecipar os desafios propostos nas estruturas simplificadas, in-termediárias e complexas, buscando conectar a teoria à prática (de fato, a teoria àpercepção que, embora comumente associadas nas grades curriculares, resultam se-paradas na tradição do ensino objetivista).Finalmente, buscar uma visão holística da disciplina de percepção, evitando distor-ções conseqüentes do trabalho com materiais exclusivamente abstratos (intervalosfora de contexto musical, por exemplo). A proposta visa, através da constante con-textualização prática e analítica, integrar as diferentes atividades musicais dos alunose do curso de graduação em música, de modo a tornar a disciplina menos árida.

MétodoCovington & Lord emprestam os conceitos de well-structuredness e ill-structuredness(Spiro et. al. apud Covington & Lord, 1994, p. 163-164) de estudos em educaçãopara descrever o primeiro como o contexto localizado da aula de percepção tradi-

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cional e o segundo como a obra musical real. “Compositores podem utilizar dife-renças contextuais como meio de manipulação das expectativas dos ouvintes. . . . Amúsica como é percebida auditivamente não é absolutamente previsível”. Nesta pesquisa, as expressões: estruturas simplificadas e estruturas complexas serãoutilizadas para descrever o contexto de aula onde o conhecimento é filtrado (well-structured) e aquele em que o estudo da música real (ill-structured) ocorre. Será uti-lizada, ainda, a expressão ‘estruturas intermediárias’ para se referir àquelas em queuma camada de uma estrutura complexa (uma melodia, harmonia ou um ritmo, porexemplo) apresenta-se isolada da textura musical original. Embora seja, por essarazão, mais simples, pode apresentar desafios particulares que merecem o tratamentodiferenciado. Enquanto os termos: estruturas simplificadas, intermediárias e com-plexas serão utilizados para determinar os materiais empregados, duas estratégiasserão aplicadas para a abordagem desses materiais: análise e montagem/remonta-gem.Enquanto as ferramentas de estruturas simplificadas utilizam a idéia de seleção, aabordagem de estruturas complexas explora a idéia de montagem (“assembly”) ouremontagem (“reassembly”) ao explorar conhecimentos adquiridos anteriormentee remontá-los num novo contexto (Covington & Lord, 1994, p. 165). Para os auto-res, a perspectiva construtivista, ao contrário da objetivista, oferece a possibilidadede tornar a prática da percepção útil ao estudante através da montagem. Eles acre-ditam que a experiência particular de cada aluno, quando transposta a um novo con-texto de estrutura complexa, “não é simplesmente recuperada intacta; é, antes,reconstruída especificamente para o caso em questão”. Assim, o produto final émenos importante que o “processo de aplicar a experiência pré-existente em novassituações”. Os autores crêem que os recursos para os estudos em cognição musical precisam seraprimorados e que as pesquisas nessa área explicam melhor a aquisição de conheci-mento em estruturas simplificadas que em complexas, embora o aprendizado sejaoposto nessas diferentes condições. Acrescentam que os estudantes tornam-se iná-beis em transferir os conhecimentos de um universo a outro ao serem treinados emcondições simplificadas como se fossem reais. Sugerem que uma grande “variedadede dimensões abstratas” deva ser aplicada para que se promova essa habilidade detransferência (Spiro et. al. apud Covington & Lord, 1994, p. 165). Propõem o que eles chamam de “explorações controladas”, onde “se pode acessar vá-rias sub-tarefas enquanto se busca um trabalho maior e mais abrangente, provendo[o aprendiz] não somente de uma vivência variada, como também da oportunidadede planejar estratégias para completar o trabalho por inteiro, ou seja, controlandoo aprendizado” (Covington & Lord, 1994, p. 166). Em seu laboratório de tecnolo-gia musical, eles descrevem sua experiência com os estudantes da Universidade deKentucky. Usando gravações de extratos reais de músicas, pedem aos estudantes que

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gravem diferentes linhas da partitura, por exemplo, o baixo, a melodia ou outra linhade algum instrumento qualquer, em outras faixas do sequencer. Para isso, os estu-dantes têm a seu dispor, teclados midi, computadores e softwares individuais, alémde fones de ouvido. Relatam os resultados como extremamente positivos tanto naaquisição e transferência de habilidades e conhecimentos, quanto no envolvimentodos alunos na tarefa. Algumas dificuldades comuns, como ouvir e recuperar na me-mória a linha do baixo, são superadas através do esforço e aplicação de estratégiaspessoais de acordo com a experiência e velocidade particular de cada aluno. Alémdisso, é possível que o estudante sinta-se menos pressionado por não ter suas difi-culdades expostas e comparadas com aqueles que têm maior facilidade.

Estratégia 1: AnáliseAo iniciar uma leitura à primeira vista, o estudante muitas vezes se depara com ‘sur-presas’ no decorrer do solfejo. O olhar analítico antes de se iniciar o exercício é desuma importância para que se possam prever os desafios inerentes ao extrato emquestão. Com a experiência, as dificuldades são superadas e a leitura se torna poucoa pouco fluente. É importante que o professor utilize diferentes materiais de leitura,embora possa adotar um material-base. Berkowitz, Frontier & Kraft (1960) e Ott-man (1995) são materiais com estruturas particulares previstas para cada seção.Assim, os primeiros capítulos abordam somente melodias diatônicas, inserindo to-nicizações e modulações à dominante e outras harmonias cromáticas pouco a pouco.São excelentes materiais-base, mas é importante inserir alternativas a essas estruturasprevisíveis para que o estudante desenvolva a versatilidade e capacidade de previsãoanterior à leitura. Edlung (1974) oferece um material misto de estruturas previsíveise não-previsíveis nas diferentes seções e pode ser uma boa opção para esse propó-sito.No extrato abaixo, a primeira frase da melodia se encontra em Lá menor, modulandoà dominante na segunda parte da frase seguinte. A terceira frase se inicia com amesma melodia que a primeira, no entanto, dirige-se à subdominante da tonalidadeoriginal através de sua dominante individual, usando, ainda, o rebaixamento do se-gundo grau para acessá-la. Em seguida, na quarta frase, retorna-se a Lá menor atravésda dominante para voltar a esta última harmonia na semicadência. O extrato é in-terrompido na harmonia de tônica maior.

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Figura 1.1 — Extrato do repertório (Haydn) como apresentado no livro de solfejoModus Vetus de Lars Edlung, p. 112

O uso das ferramentas de análise é imprescindível para que o estudante possa preveros caminhos por onde a melodia poderá encaminhá-lo durante a leitura. Além dapura conscientização teórica, é necessário que ele ouça esses caminhos antes de ini-ciar o solfejo. Pode-se inclusive cantarolar as alterações, por exemplo, da sensível dadominante e do segundo grau rebaixado seguido da V/ IV para ‘sentir’ essas altera-ções e localizar as funções melódicas desses graus alterados.

Estratégia 2: Montagem e remontagem: Escuta de estruturas complexas— Uma abordagem construtivista

Esta é a estratégia descrita por Covington & Lord (1994) como vivência direta comas estruturas complexas e que os autores chamam de montagem (assembly) e remon-tagem (reassembly). Uma vez que os estudantes tenham a oportunidade de escolhera ordem e as estratégias particulares usadas para decodificar o material, são orienta-dos a gravar numa faixa do sequencer o que ouviram.

ConclusõesA coexistência das abordagens objetivista e construtivistas, ao contrário do que pen-sam Covington & Lord (1994), não são, na opinião da autora desta proposta, ne-cessariamente excludentes. O problema da abordagem exclusivamente objetivistaestá na falta do exercício da transferência de um domínio a outro, no que, de fato,consiste a crítica daqueles autores ao objetivismo. Uma fórmula aritmética não é, emsi, um problema ao estudante de matemática. O problema é não ser oferecido aoaluno o conhecimento de sua origem, a informação: ‘de onde vem?’ Se, ao contrário,como professores e pesquisadores, oferecermos aos alunos a possível conexão às tex-turas complexas da música, respeitando suas próprias experiências e dirigindo-as demaneira que eles mesmos possam aplicá-las em seu treinamento auditivo, o estudoda percepção pode se tornar menos árido e mais interessante. Esta pesquisa se en-contra em andamento, sendo aplicada aos alunos de primeiro e segundo anos de gra-duação em música do Instituto de Artes da Unesp.

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Agradecimentos

À FUNDUNESP, por financiar a apresentação desta pesquisa no Simpósio de Cognição eArtes Musicais (SIMCAM VI).

Referências

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Ottman, Robert W. Music for Sight Singing. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1995.

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