316
1 UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE MARÍLIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” GREICE FERREIRA DA SILVA O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GÊNEROS DISCURSIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Marília SP 2013

GREICE FERREIRA DA SILVA · 2013. 12. 24. · 3 Silva, Greice Ferreira da S586l O leitor e o re-criador de gêneros discursivos na Educação Infantil / Greice Ferreira da Silva

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Page 1: GREICE FERREIRA DA SILVA · 2013. 12. 24. · 3 Silva, Greice Ferreira da S586l O leitor e o re-criador de gêneros discursivos na Educação Infantil / Greice Ferreira da Silva

1

UNESP ndash UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

CAMPUS DE MARIacuteLIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIEcircNCIAS

ldquoJUacuteLIO DE MESQUITA FILHOrdquo

GREICE FERREIRA DA SILVA

O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GEcircNEROS DISCURSIVOS NA EDUCACcedilAtildeO

INFANTIL

Mariacutelia ndash SP

2013

2

GREICE FERREIRA DA SILVA

O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GEcircNEROS DISCURSIVOS NA EDUCACcedilAtildeO

INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Educaccedilatildeo da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da

Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita

Filhordquo Campus de Mariacutelia na Aacuterea de concentraccedilatildeo

Ensino na Educaccedilatildeo Brasileira ndash Abordagens

Pedagoacutegicas do Ensino de Linguagens para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientador Dagoberto Buim Arena

Mariacutelia

2013

3

Silva Greice Ferreira da

S586l O leitor e o re-criador de gecircneros discursivos

na Educaccedilatildeo Infantil Greice Ferreira da Silva ndash Mariacutelia

2013

315 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de

Filosofia e Ciecircncias Universidade Estadual Paulista 2013

Bibliografia f 253-262

Orientador Dagoberto Buim Arena

1 Leitura (Ensino elementar) 2 Escrita 3 Educaccedilatildeo

de crianccedilas 4 Crianccedilas - Escrita 5 Crianccedilas - Linguagem

I Autor II Tiacutetulo

CDD 3726

4

GREICE FERREIRA DA SILVA

O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GEcircNEROS DISCURSIVOS NA EDUCACcedilAtildeO

INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Educaccedilatildeo da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da

Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita

Filhordquo Campus de Mariacutelia na Aacuterea de concentraccedilatildeo

Ensino na Educaccedilatildeo Brasileira ndash Abordagens

Pedagoacutegicas do Ensino de Linguagens para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientador Dagoberto Buim Arena

Aprovaccedilatildeo Mariacutelia ______ de ________________ de ______

Membros componentes da banca examinadora

Dr Dagoberto Buim Arena (UNESP ndash Mariacutelia-SP) __________________________________

Dra Claacuteudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto ndash (UNIMEP ndash Piracicaba-SP)__________

Dr Irineu Aliprando Viotto Filho (UNESP ndash Presidente Prudente-SP) ___________________

Dra Stela Miller (UNESP ndash Mariacutelia-SP) __________________________________________

Dra Suely Amaral Mello (UNESP ndash Mariacutelia-SP) ___________________________________

Suplentes

Dra Cyntia Graziela Guizelim Simotildees Girotto ndash (UNESP ndash Mariacutelia - SP)

Dra Nanci Laacutezara de Barros Amancio ndash (UFMT ndash Rondonoacutepolis ndash MT)

Dra Renata Junqueira de Souza ndash (UNESP ndash Presidente Prudente ndash SP)

5

A todas as crianccedilas

(SCHULZ 2012 p D4)

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo

A Deus por tudo

A minha matildee Ivelin Tabachini Ferreira que sempre esteve presente com seu apoio

valorizando minhas conquistas Com sua luta e perseveranccedila me deu as condiccedilotildees para alcanccedilar

meus proacuteprios sonhos

Aos meus irmatildeos amados Melrian Ferreira da Silva Simotildees e Kelson Tabachini Ferreira que

nos momentos de alegria compartilharam dos meus sorrisos e nos momentos de desacircnimo me

ajudaram a continuar

Ao meu orientador Prof Dr Dagoberto Buim Arena que me acolheu como sua orientanda

por duas vezes Obrigada por acreditar em mim e por incansavelmente investir na minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo sua atitude responsiva que em todas as situaccedilotildees potencializaram a minha

atuaccedilatildeo docente e acadecircmica Agradeccedilo sua orientaccedilatildeo generosa sua presenccedila sincera intensa e

sensiacutevel e por ser exemplo de educador de trabalho e de competecircncia ldquoQuando eu crescer quero

ser como vocecircrdquo

Agraves crianccedilas que criaram em mim a necessidade de compreender o meu objeto de estudo e por

reiterarem diariamente que aprender eacute uma das melhores coisas que existe

Agrave Profordf Drordf Stela Miller por todas as contribuiccedilotildees valiosas natildeo somente na minha

trajetoacuteria como pesquisadora mas tambeacutem como docente Obrigada por seu olhar criterioso e

cuidadoso com o trabalho de pesquisa A vocecirc dedico meu respeito e gratidatildeo

Ao Profordm Dr Irineu Aliprando Viotto Filho pelas saacutebias palavras e por contribuir de maneira

valorosa com esta tese

Agrave Profordf Drordf Suely Amaral Mello a quem tenho imensa admiraccedilatildeo Obrigada pela confianccedila

de sempre Agradeccedilo por potencializar meus estudos e por me instigar a buscar uma educaccedilatildeo

humanizadora para as nossas crianccedilas

Agrave Profordf Claacuteudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto por fazer parte da banca de defesa e

por sua disponibilidade em ajudar

7

Especialmente agraves professoras Drordf Cyntia Graziela Guizelim Simotildees Girotto Drordf Nanci

Laacutezara de Barros Amacircncio e Drordf Renata Junqueira de Souza pela leitura atenta e pelo apoio

oferecido

A Meire Alice Tonini pelo incentivo apoio e amizade acompanhando com entusiasmo cada

etapa desta tese e agradeccedilo tambeacutem a equipe da escola em que foi realizada a pesquisa

As minhas amigas Adriana Frabetti e Cristiane Maria Martini que me fortalecem sempre com

sua amizade fraterna

A minha querida Flaacutevia Cristina de Oliveira Murbach de Barros pela parceria pelas

reflexotildees e pelo presente da sua amizade iniciada no doutorado

A Silvana Paulino de Souza que com sua generosidade e sabedoria me sustentou em um

momento difiacutecil da caminhada Jamais me esquecerei do seu gesto humanizado que me trouxe

tanto alento

Ao meu amigo querido Alexandro Henrique Paixatildeo que mesmo distante eacute sempre presente

Obrigada por ser essencialmente vocecirc

A Eliana Maria D Romera de Souza pessoa querida presenccedila inestimaacutevel que zela pelos

meus avanccedilos Obrigada por me ajudar a entender tantas coisas

Obrigada a todos que participam da minha vida e da minha formaccedilatildeo e aqueles que direta ou

indiretamente contribuiacuteram para este trabalho

8

Soacute me torno consciente de mim soacute me torno eu mesmo

me revelando para outrem atraveacutes de outrem e com a

ajuda de outrem Os atos mais importantes constitutivos

da consciecircncia de si se determinam por uma relaccedilatildeo

com outra consciecircncia (a um tu) A ruptura o

isolamento o fechamento em si eacute a razatildeo fundamental

da perda de si [] O ser mesmo do homem eacute uma

comunicaccedilatildeo profunda Ser significa comunicar Ser

significa ser para outrem e atraveacutes dele para si O

homem natildeo possui territoacuterio interior soberano ele estaacute

inteiramente e sempre numa fronteira olhando para si

ele olha nos olhos de outrem ou atraveacutes dos olhos de

outrem Eu natildeo posso prescindir de outrem natildeo posso

tornar-me eu mesmo sem outrem eu devo me encontrar

em outrem encontrando outrem em mim (no reflexo na

percepccedilatildeo muacutetua) [] (BAKHTIN 1987 p 287)

9

RESUMO

Esta tese relata a pesquisa que apresenta como objetivo geral analisar como ocorre o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos por meio dos gecircneros

discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos especiacuteficos 1) Analisar como o

ensino dos gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash interfere na

aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos 2) Discutir quais relaccedilotildees

as crianccedilas de cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos ndash

conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas relaccedilotildees atuam no

processo de formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos 3) Identificar condutas proacuteprias de leitor

e de re-criador de textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da

escrita 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros discursivos pode

contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos A

pesquisa ancorou-se nos pressupostos teoacutericos de Bakhtin em diaacutelogo com a Teoria Histoacuterico-

Cultural com a Pedagogia Freinet e estudiosos do tema abordado O trabalho de investigaccedilatildeo

corresponde a uma pesquisa-accedilatildeo com duraccedilatildeo de sete meses compreendidos entre maio e

dezembro de 2010 Participaram 20 crianccedilas com idade de cinco e seis anos de uma turma de

Infantil II de uma escola puacuteblica municipal de Educaccedilatildeo Infantil da cidade de Mariacutelia ndash SP

quatro professoras das crianccedilas dos anos anteriores agrave pesquisa e a professora-pesquisadora Foi

realizado um trabalho pedagoacutegico intencionalmente organizado com enfoque em trecircs gecircneros

discursivos carta relato de vida e notiacutecia de jornal Como instrumento para geraccedilatildeo e coleta de

dados fez-se uso de entrevistas observaccedilotildees e das teacutecnicas Freinet como a correspondecircncia

interescolar o livro da vida o jornal da turma a roda da conversa a aula passeio Os

instrumentos de anaacutelise foram a anaacutelise microgeneacutetica e anaacutelise do discurso na perspectiva

enunciativa discursiva de Bakhtin Os resultados da investigaccedilatildeo indicaram a reconceitualizaccedilatildeo

do ser leitor e do ser re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil A crianccedila eacute concebida como

sujeito de suas aprendizagens em que atua de forma interativa os gecircneros discursivos a forma

como satildeo apresentados e as mediaccedilotildees estabelecidas no seu ensino contribuem para o processo de

apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas pequenas se ocorrerem de forma

dialoacutegica e dinacircmica Aponta-se tambeacutem que as relaccedilotildees com os elementos dos gecircneros

discursivos interferem no processo de formaccedilatildeo leitora e escritora e com essas condiccedilotildees o

trabalho pedagoacutegico orientado pela codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos para o ensino

do ato de escrever e do ato de ler pode ser descartado

Palavras-chave Leitura escrita gecircnero discursivo Teacutecnicas Freinet Educaccedilatildeo Infantil

10

ABSTRACT

This thesis reports research that presents as general objective analyze how occurs the process

of appropriation of reading and writing for children five and six years by means of discursive

genres in the context of Freinet techniques and as specific objectives 1) Analyze how

teaching of discursive genres - letter life stories newspaper article - interferes with the

learning of reading and writing for children five and six years 2) Discuss which relations

children of five and six years to establish the elements of discursives genres - thematic

content style and compositional construction - and how these relations act in the process of

formation of the reader and the re-creator of texts 3) Identify behaviors own reader and re-

creator of texts (oral and written) as part of the appropriation process of reading and writing

4) Investigate how the pedagogical work with different discursives genres can contribute to the

appropriation of reading and writing for children five and six years The research was

anchored on the theoretical principles of Bakhtin in dialogue with the Historical-Cultural

Theory with Freinet Pedagogy and studious of the boarded subject The research corresponds

to an research-action with duration of seven months understood between May and December

of 2010 Participants were 20 children aged five and six years a class of Child II a municipal

public school kindergarten in Mariacutelia - SP four teachers of children in the years preceding the

survey and the teacher-researcher It was performed a pedagogical work intentionally

organized focusing on three genres letter life report and newspaper article As a tool for the

generation and collection of data was made use of interviews observations and techniques

such as matching interscholastic Freinet the book of life the newspaper of the class the wheel

of the conversation class ride The analysis tools were microgenetic analysis and discourse

analysis in the perspective of discursive enunciation Bakhtin The research results indicated

the reconceptualization of being a reader and being re-creator of texts in Early Childhood

Education A child is conceived as the subject of their learning in which it operates

interactively the discursives genres the way they are presented and mediations established in

their teaching contribute to the process of appropriation and objectification of reading and

writing by young children if occur in a dynamic and dialogical It is pointed out that relations

with elements of discursive genres interfere in the formation reader and writer and with these

conditions pedagogical work guided by the encoding and decoding of graphic signs for

teaching of writing and the act of reading can be discarded

Keywords Reading writing discursives genres Freinet techniques Childhood Education

11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes 57

Quadro 2 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes quanto agrave formaccedilatildeo58

Quadro 3 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos crianccedilas59

12

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 190310 ndash Capiacutetulo IV154

Foto 2 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 160510 ndash Capiacutetulo IV157

Foto 3 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 010610 ndash Capiacutetulo IV160

Foto 4 Situaccedilatildeo de leitura de notiacutecia de jornal ndash 140910 ndash Capiacutetulo IV176

Foto 5 Situaccedilatildeo de leitura de notiacutecia de jornal ndash 250910 ndash Capiacutetulo IV183

Foto 6 Situaccedilatildeo de escrita de carta ndash 221110 ndash Capiacutetulo V204

Foto 7 Situaccedilatildeo de escrita de relato de vida ndash 040610 ndash Capiacutetulo V227

13

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Desenho de C1 e observaccedilotildees escritas ndash Capiacutetulo IV169

Figura 2 Carta escrita por C13 em 290910 ndash Capiacutetulo V210

Figura 3 Carta escrita por C13 em 021210 ndash Capiacutetulo V214

14

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO15

CAPIacuteTULO I ndash A PESQUISA E A CRIANCcedilA CAMINHOS DA METODOLOGIA23

11 A concretude da pesquisa23

12 A pesquisa com crianccedilas32

13 Metodologia de pesquisa a pesquisa-accedilatildeo36

131 Geraccedilatildeo coleta e anaacutelise dos dados39

14 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gecircneros discursivos49

15 Crianccedilas e adultos os sujeitos da pesquisa55

CAPIacuteTULO II ndash CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E

DA ESCRITA NA EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DOS PROFESSORES E DAS

CRIANCcedilAS62

21 A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e escrever na Educaccedilatildeo

Infantil63

22 A atividade na leitura e na escrita68

23 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da liacutengua70

24 Os que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os conceitos das

professoras75

241 O ensino do ato de ler e de escrever93

242 O ensino da liacutengua materna97

243 As praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio101

CAPIacuteTULO III ndash A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCACcedilAtildeO INFANTIL

O QUE PENSAM AS CRIANCcedilAS109

31 Os conceitos das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa110

32 Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa132

CAPIacuteTULO IV ndash O ENSINO DA LEITURA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS146

41 A crianccedila e seu estatuto de leitor146

15

42 A leitura do gecircnero discursivo carta152

43 A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida164

44 A leitura do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal173

CAPIacuteTULO V ndash O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GEcircNEROS

DISCURSIVOS188

51 A crianccedila e seu estatuto de criador de textos189

52 A escrita do gecircnero discursivo carta191

521 Evoluccedilatildeo na escrita do gecircnero discursivo carta212

53 A escrita do gecircnero discursivo relatos de vida216

54 A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal230

CONCLUSAtildeO242

REFEREcircNCIAS253

APEcircNDICES

APEcircNDICE A ndash Termo de consentimento livre e esclarecido do professor participante263

APEcircNDICE B ndash Termo de consentimento livre e esclarecido da crianccedila participante265

APEcircNDICE C ndash Roteiro para entrevista semi-estruturada do professor267

APEcircNDICE D ndash Roteiro para entrevista semi-estruturada da crianccedila268

APEcircNDICE E ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das professoras269

APEcircNDICE F ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das crianccedilas (Iniacutecio da pesquisa)280

APEcircNDICE G ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das crianccedilas (Final da pesquisa)309

ANEXOS

ANEXO A ndash Quadro de normas utilizadas na transcriccedilatildeo das entrevistas315

16

INTRODUCcedilAtildeO

Se escrever eacute entendido como o ato de construir sentidos pelo discurso o ato de

ler tambeacutem seria de construir sentido Essa funccedilatildeo transformadora da liacutengua

obriga a didaacutetica da leitura a elaborar novas condutas metodoloacutegicas para

atender a esse novo leitor e agraves funccedilotildees redescobertas do ato de ler (ARENA

2010b p 243)

Satildeo bastante conhecidas e debatidas as praacuteticas mais comuns do ensino da leitura e da

escrita nas creches e preacute-escolas brasileiras Subsiste entre os professores a ideia de que ler e

escrever satildeo habilidades para o domiacutenio das quais os treinos de escrita ndash as coacutepias exerciacutecios de

coordenaccedilatildeo motora de discriminaccedilatildeo visual e auditiva a repeticcedilatildeo dos nomes das letras e das

siacutelabas ndash seriam suficientes (BISSOLI 2009)

A despeito das pesquisas e de iniciativas que se contrapotildeem a essas praacuteticas haacute

profissionais que insistem em limitar a formaccedilatildeo de leitores e de re-criadores1 de textos ainda na

Educaccedilatildeo Infantil ao proporem exerciacutecios de escrita enfadonhos e desvinculados da realidade da

vida e dos interesses infantis Esse fato causa um distanciamento para a crianccedila perceber a liacutengua

em seu funcionamento de estabelecer relaccedilotildees com ela e por meio dela e de ser capaz de usaacute-la

nos mais diversos contextos da sua realizaccedilatildeo concreta nas diferentes formas de comunicaccedilatildeo

verbal que o sistema em uso permite realizar Diante disso o ensino da escrita nem sempre tem

calcado o seu objeto como linguagem escrita o que consequentemente faz com que o foco

recaia nos aspectos formais do sistema linguiacutestico

Essas consideraccedilotildees trazem outro problema Sob o pretexto de evitar uma possiacutevel

desmotivadora experiecircncia com textos cuja compreensatildeo estaria supostamente para aleacutem das

possibilidades das crianccedilas pequenas evidenciando um conceito de crianccedila de educaccedilatildeo de

ensino e de aprendizagem empobrecidos continuam a ser apresentados a elas textos

simplificados artificiais cartilhescos seguidos por exerciacutecios que natildeo permitem que a crianccedila se

1 Neste trabalho optei por utilizar a expressatildeo re-criador de gecircneros discursivos por entender que a crianccedila ao re-

criar gecircneros discursivos cria-os e recria-os a partir do que jaacute foi criado e apropriado da cultura humana Entende-se

que o ato de escrever que envolve a imaginaccedilatildeo a criatividade estaacute diretamente relacionado ao processo de

apropriaccedilatildeo da cultura humana e das experiecircncias que a crianccedila participa A opccedilatildeo pelo uso dessa expressatildeo tambeacutem

se justifica pela tentativa de estar em consonacircncia com os pressupostos teoacutericos assumidos neste trabalho Pensar em

re-criador de gecircneros discursivos eacute entender que o tatildeo absolutamente novo eacute tatildeo inconcebiacutevel como o absolutamente

mesmo (BAKHTIN 1992 2003) Nessa perspectiva compreende-se a liacutengua como algo vivo em movimento que

se daacute nas relaccedilotildees sociais na interaccedilatildeo com o outro como criaccedilatildeo da histoacuteria e da cultura humanas que se renovam

e se reconstroem

17

insira e participe da cultura escrita pela principal via a do significado e do sentido (LEONTIEV

1978)

Formar leitores e re-criadores de textos na Educaccedilatildeo Infantil eis o desafio que esta

pesquisa se propotildee a refletir tendo como fundamentaccedilatildeo teoacuterica as contribuiccedilotildees de Vygotsky2 e

dos estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural de Bakhtin e pesquisadores das concepccedilotildees

bakhtinianas e da Pedagogia Freinet

Essa pesquisa tem origem em minhas inquietaccedilotildees diante desses apontamentos acerca do

ensino da leitura e da escrita e da minha experiecircncia docente Durante dez anos como professora

dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede particular de ensino e atualmente haacute oito anos

como professora na Educaccedilatildeo Infantil na rede puacuteblica municipal sempre me intrigou o ensino da

leitura e da escrita com ecircnfase na codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos apartado da

produccedilatildeo de sentido e da praacutetica cultural histoacuterica e social Esse quadro me instigava a buscar

outros encaminhamentos que pudessem contribuir para a reversatildeo dessa situaccedilatildeo

Ao ingressar no trabalho na Educaccedilatildeo Infantil me deparei com a incumbecircncia de

alfabetizar as crianccedilas para que pudessem ingressar no Ensino Fundamental dominando a leitura

e a escrita para que natildeo encontrassem dificuldades nas aprendizagens nesse segmento e nos

demais Havia uma crenccedila por parte dos pais e dos professores de que quanto mais cedo as

crianccedilas se alfabetizassem melhores condiccedilotildees de sucesso na vida elas teriam e isso era

considerado sinocircnimo de maior competecircncia dos professores que se empenhavam a todo custo

para fazecirc-lo Essas premissas natildeo se coadunavam com o que eu constatava diante da minha

praacutetica porque as crianccedilas natildeo se interessavam de modo geral pelas tarefas que se detinham ao

ensino do ler e do escrever nessas condiccedilotildees

Diante dessa situaccedilatildeo e de outras experiecircncias vividas no magisteacuterio busquei dedicar-me

ao estudo de uma teoria que alicerccedilasse o meu fazer pedagoacutegico Na necessidade de romper com

a dicotomia teoria-praacutetica gradativamente pude ir me apropriando de conhecimentos sobre a

crianccedila como ela aprende em cada idade sobre a leitura sobre a escrita e como a crianccedila se

apropria dessa praacutetica cultural

2 Nas diversas obras do autor russo e naquelas que tecircm seus pressupostos como objeto a grafia de seu nome aparece

de maneira diferenciada Vigotskii Vigotski Vygotsky Vygotski Optei neste trabalho pela grafia Vygotsky

Entretanto para ser fiel agraves indicaccedilotildees presentes nas referecircncias bibliograacuteficas das quais utilizo no caso de citaccedilotildees

diretas ou indiretas manterei a grafia presente nos originais

18

O aprofundamento dessa temaacutetica de forma mais sistemaacutetica principiou-se com a pesquisa

de mestrado3 que se preocupou em estudar como as crianccedilas iniciam o processo de apropriaccedilatildeo

da leitura por meio do gecircnero discursivo histoacuteria em quadrinhos Neste estudo constatei que as

crianccedilas tinham uma experiecircncia de leitura focada na decifraccedilatildeo dos sinais graacuteficos vinculada ao

ensino da leitura a que foram submetidas nos primeiros anos da Educaccedilatildeo Infantil A escolha do

uso do gecircnero discursivo histoacuteria em quadrinhos se deu devido ao fato de a maioria dos sujeitos

da pesquisa desconhecer o gecircnero e demonstrar interesse na ocasiatildeo de um contato inicial com

ele Essa situaccedilatildeo foi modificada quando pensei propor situaccedilotildees reais de leitura que ocorreram

dentro de um contexto dialoacutegico e intencional em que as relaccedilotildees travadas pelas crianccedilas

descartaram a possibilidade de conceber e viver a leitura desde a pequena infacircncia de forma

simulada e teacutecnica Essas constataccedilotildees permitiram perceber que desde a Educaccedilatildeo Infantil

A padronizaccedilatildeo dos comportamentos independentemente da natureza do objeto

ou da finalidade da accedilatildeo praticada constroacutei obstaacuteculos para o aprendiz porque

ele eacute levado a enfrentar todos os objetos e todas as finalidades com as mesmas

ferramentas Ao usar ferramentas inadequadas e colocar em accedilatildeo

comportamentos inadequados em sua relaccedilatildeo com o objeto o aprendiz ndash

independentemente de sua idade e niacutevel de escolaridade ndash seraacute sempre

considerado como quem natildeo sabe ler este ou aquele objeto mas pode ser

considerado como leitor se utilizar adequadamente as ferramentas necessaacuterias

para ler um material especiacutefico Relativiza-se desse modo o conceito de leitor

porque este passa a natildeo ter existecircncia uacutenica e isolada mas vincula-se ao objeto

de sua accedilatildeo (ARENA 2003 p 57)

Com a pesquisa do mestrado foi possiacutevel reconceitualizar o ser leitor na Educaccedilatildeo Infantil

assumindo o conceito de leitura como compreensatildeo produccedilatildeo de sentido como praacutetica cultural

histoacuterica e social (ARENA 2010b) Foi possiacutevel constatar ainda que as crianccedilas natildeo conhecem

diferentes gecircneros discursivos Em geral predomina a leitura dos contos de fadas por natildeo serem

apresentados a elas outros gecircneros de forma mais intencional

Com essas consideraccedilotildees esta pesquisa de doutorado propotildee a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da discussatildeo iniciada no mestrado ao trazer agrave tona a investigaccedilatildeo do processo

de inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura escrita A hipoacutetese que norteia esse trabalho eacute a de que

3 SILVA Greice Ferreira da Formaccedilatildeo de leitores na Educaccedilatildeo Infantil contribuiccedilotildees das histoacuterias em quadrinhos

2009 237f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Universidade Estadual Paulista

Mariacutelia 2009

19

as crianccedilas aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a

liacutengua se manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola

como instrumento de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana Dessa forma

a relevacircncia desta pesquisa reside no fato de propor uma alternativa de trabalho na Educaccedilatildeo

Infantil que envolva a leitura e a escrita que efetivamente contribua para a formaccedilatildeo leitora e re-

criadora de textos das crianccedilas inserindo-as na cultura escrita

Esta pesquisa apresenta como objetivo geral analisar como ocorre o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco anos por meio dos gecircneros discursivos no

contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos especiacuteficos 1) Analisar como o ensino dos

gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash interfere na aprendizagem da

leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos 2) Discutir quais relaccedilotildees as crianccedilas de

cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico

estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo

do leitor e do re-criador de textos 3) Identificar condutas proacuteprias de leitor e de re-criador de

textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita 4)

Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros discursivos pode contribuir

para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos

Para tanto dediquei-me ao estudo dos gecircneros discursivos na perspectiva bakhtiniana para

poder planejar as situaccedilotildees de leitura e de re-criaccedilatildeo de textos Fiz um estudo sobre as

especificidades de cada um dos gecircneros discursivos a ser abordado no trabalho pedagoacutegico ndash

carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash aprofundando os conhecimentos que caracterizam cada

gecircnero Ao tratar sobre os gecircneros discursivos na escola desde a Educaccedilatildeo Infantil considero que

Natildeo daacute para higienizar essa perspectiva com o trabalho com a linguagem Natildeo

daacute para deixar a vida de lado Se isso acontecer perdemos a possibilidade de

pensar em ldquogecircneros do discursordquo porque natildeo teremos mais a linguagem

funcionando como ldquocorreias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a

histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) Natildeo eacute porque estamos na

escola que vamos inventar um trabalho com a linguagem que dispense natildeo

refletir ldquode modo mais imediato preciso e flexiacutevel todas as mudanccedilas que

transcorrem na vida socialrdquo (idem p268) A escola das nuvens lugar de

formaccedilatildeo de um natildeo-lugar tem que ser destruiacuteda e ceder lugar a uma escola

onde cabe a vida (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO

2010 p47)

20

De acordo com estas afirmaccedilotildees os autores ao partilharem as ideias de Bakhtin

esclarecem

E a vida estaacute sempre em movimento se instabiliza pode ser olhada de acircngulos

diferentes se renova constantemente apresenta sentidos atualizados Assim

tambeacutem a linguagem vive esse jogo de ser a mesma e ser diferente ao mesmo

tempo ela joga com as forccedilas centriacutefugas e com as forccedilas centriacutepetas vida e

liacutengua se constituem nos acontecimentos (GRUPO DE ESTUDOS DOS

GEcircNEROS DO DISCURSO 2010 p47)

Por concordar com os pressupostos apresentados eacute que assumo neste trabalho de pesquisa

o conceito de linguagem de leitura de escrita de gecircnero na perspectiva bakhtiniana Para Rojo

(2005 p 185) na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD) a ldquo[] teoria dos gecircneros

do discurso ndash centra-se sobretudo no estudo das situaccedilotildees de produccedilatildeo dos enunciados ou textos

em seus aspectos soacutecio-histoacutericos [] e [a] teoria dos gecircneros de textos ndash na descriccedilatildeo da

materialidade textualrdquo O quadro do ISD (SHNEUWLY E DOLZ 2004 BRONCKART 1997

1999) propotildee uma teoria textual na qual os textos mobilizam gecircneros em outras palavras essa

teoria aborda gecircneros textuais Bakhtin (2003) revela uma teoria discursiva em que os gecircneros

mobilizam textos e desse modo aborda gecircneros discursivos Sobral (2006 p 119) propotildee uma

diferenciaccedilatildeo para gecircnero do discurso e gecircnero textual o primeiro seriam ldquoformas de inserccedilatildeo do

discurso em lugares soacutecio-histoacutericosrdquo e o segundo ldquoformas especiacuteficas de materializaccedilatildeo dessa

inserccedilatildeo sem que haja uma correlaccedilatildeo necessaacuteria entre um dado tipo de textualizaccedilatildeo e um dado

gecircnerordquo Assim

O gecircnero mobiliza mediante o discurso formas textuais mas natildeo eacute mobilizado

por elas que satildeo apenas seu aspecto material um sine qua non necessaacuterio mas

natildeo suficiente para a compreensatildeo e anaacutelise do texto com os olhos do gecircnero O

discurso eacute o espaccedilo em que satildeo mobilizadas as textualidades de acordo com o

gecircnero a que pertence o discurso (SOBRAL 2009 p 130 grifos do autor)

Dessa maneira os gecircneros discursivos satildeo entendidos como praacuteticas sociais relativamente

estaacuteveis de instauraccedilatildeo de eventos de sentido realizando-se pelos discursos Para Sobral (2006)

o gecircnero textual recobriria aspectos da significaccedilatildeo ou seja aspectos relacionados ao sistema da

liacutengua e de composiccedilatildeo da estrutura textual mas natildeo abrangeria nem aspectos relacionados ao

sentido ligados ao sistema de uso da liacutengua nem da estrutura arquitetocircnica dos textos O

21

conceito de gecircnero de Bakhtin abarca os aspectos textuais discursivos e geneacutericos de maneira

integrada e vincula o texto ao gecircnero (SOBRAL 2010) Texto discurso e gecircnero satildeo conceitos

que estatildeo constitutiva e inseparavelmente ligados na teoria de gecircnero bakhtiniana Pelos motivos

expostos assumo neste trabalho o conceito de gecircnero discursivo Esclareccedilo ainda que na

entrevista com as professoras utilizo o termo ldquotipos de textosrdquo porque em entrevista piloto as

professoras desconheciam o termo gecircneros do discurso e este termo foi gerador de duacutevidas

Devido a esse fato e na tentativa de aproximar ao conceito de gecircnero discursivo optei adotar

somente nas entrevistas essa nomenclatura

A pedagogia Freinet e suas teacutecnicas tambeacutem foram alvo de estudos ainda mais

consistentes para que aliados agrave teoria Histoacuterico-Cultural e a teoria bakhtiniana pudessem

contribuir para a efetivaccedilatildeo de uma praacutetica pedagoacutegica promotora de aprendizagens

Nesta pesquisa as teacutecnicas Freinet satildeo compreendidas como um caminho para praacuteticas que

possibilitem a apropriaccedilatildeo da cultura pela crianccedila por seu uso social ou seja para aquilo para o

qual cada objeto da cultura foi criado e eacute utilizado socialmente Desta maneira satildeo vistas como

uma proposta alternativa para o trabalho na Educaccedilatildeo Infantil que natildeo antecipa o processo de

escolarizaccedilatildeo nem entrega ao espontaneiacutesmo o desenvolvimento das crianccedilas

O uso das teacutecnicas Freinet permite que a crianccedila vivencie o papel das praacuteticas sociais e

participe da vida na escola porque a apropriaccedilatildeo da cultura se estabelece com o desenvolvimento

de cada teacutecnica e as propostas tecircm maior possibilidade de se tornarem atividade (LEONTIEV

1988) por envolverem a crianccedila nesse fazer porque os motivos que a levam a agir coincidem

com o resultado previsto para sua accedilatildeo e por essa razatildeo pode produzir sentido positivo aquilo

que realiza Com as teacutecnicas Freinet natildeo haacute necessidade de se criar situaccedilotildees para ensinar a

leitura ou a escrita porque elas satildeo utilizadas para o registro de vivecircncias das crianccedilas o que

garante sua apropriaccedilatildeo pelo proacuteprio uso que a sociedade faz desses objetos culturais

Desse modo este trabalho de pesquisa eacute organizado em cinco capiacutetulos No capiacutetulo I ldquoA

pesquisa e a crianccedila caminhos da metodologiardquo apresento os pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos

desta investigaccedilatildeo ao tratar da pesquisa e sua concretude a aparecircncia e a essecircncia fenomecircnicas e

a superaccedilatildeo da psedoconcreticidade no processo investigativo Busco discutir a pesquisa com

crianccedilas e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo e apresento a metodologia adotada ndash a pesquisa-accedilatildeo ndash e

a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gecircneros discursivos Ao tratar da

metodologia da investigaccedilatildeo adotada descrevo tambeacutem a metodologia de coleta e de anaacutelise de

22

dados Apresento ainda a caracterizaccedilatildeo dos sujeitos participantes da referida pesquisa no

momento histoacuterico e cultural em que se deu a coleta dos dados

No capiacutetulo II ldquoConceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo

Infantil dos professores e das crianccedilasrdquo apresento o aporte teoacuterico dos conceitos basilares e

fundamentais para este trabalho concernentes ao ensino e agrave aprendizagem desenvolvimento

humano cultura escrita atividade gecircnero do discurso dialogismo Realizo uma anaacutelise dos

dados coletados nas entrevistas os conceitos de leitura e de escrita de gecircneros discursivos de

ensino e de aprendizagem das professoras participantes da pesquisa e como eles influenciam os

conceitos ainda em elaboraccedilatildeo pelas crianccedilas Essa anaacutelise eacute ancorada na concepccedilatildeo de

linguagem de liacutengua e de gecircnero discursivo de Bakhtin e na concepccedilatildeo de crianccedila de ensino e

de aprendizagem de leitura e de escrita de Vygotsky e de outros estudiosos da Teoria Histoacuterico-

Cultural

No capiacutetulo III ldquoA leitura e a escrita na escola de Educaccedilatildeo Infantil o que pensam as

crianccedilas pequenasrdquo busco analisar e compreender por meio dos discursos das crianccedilas os

conceitos que elas elaboram sobre a leitura a escrita e os gecircneros discursivos e de que forma os

conceitos das professoras que direcionam as suas praacuteticas interferem nos conceitos e nas

aprendizagens dos sujeitos da pesquisa

No capiacutetulo IV ldquoO ensino da leitura e os gecircneros discursivosrdquo discuto o que eacute ser leitor na

Educaccedilatildeo Infantil como esse trabalho pode ocorrer dentro de um processo dialoacutegico e o conceito

de leitura que norteia essa discussatildeo Em seguida apresento situaccedilotildees de leitura com as crianccedilas

em trecircs momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero discursivo carta por meio

da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo relato de vida por meio do

livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

O capiacutetulo V ldquoO ensino da linguagem escrita e os gecircneros discursivosrdquo destina-se agrave

reflexatildeo sobre o que eacute ser re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Para tanto trago o conceito

de texto e discuto a diferenccedila entre criar textos e fazer redaccedilotildees Realizo ainda neste capiacutetulo a

apresentaccedilatildeo e anaacutelise de situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de textos em trecircs momentos no trabalho

pedagoacutegico como foi proposto no capiacutetulo IV o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero

discursivo carta por meio da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo

relato de vida por meio do livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

23

Devo esclarecer que nos capiacutetulos IV e V nas situaccedilotildees de leitura e de escrita dos gecircneros

discursivos que explicitam o trabalho pedagoacutegico denotando a minha accedilatildeo direta com as crianccedilas

num processo interativo os diaacutelogos apresentados seratildeo escritos em primeira pessoa por ser eu

mesma a professora e a pesquisadora

Ao finalizar a apresentaccedilatildeo dos aportes teoacutericos articulados com a anaacutelise e a discussatildeo

dos dados resultantes da pesquisa elaboro a conclusatildeo desta tese de doutorado com a intenccedilatildeo de

explicar o percurso de sua elaboraccedilatildeo e de apontar alguns caminhos que possam contribuir

possivelmente com o processo de formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos na Educaccedilatildeo

Infantil a sua inserccedilatildeo e participaccedilatildeo ativa na cultura escrita

24

CAPIacuteTULO I

A PESQUISA E A CRIANCcedilA CAMINHOS DA METODOLOGIA

A destruiccedilatildeo da psedoconcreticidade eacute o processo de criaccedilatildeo da realidade

concreta e a visatildeo da realidade da sua concreticidade (KOSIK 1976 p 19)

A ciecircncia se dedica a desvendar o mundo que nos cerca na tentativa de tornar expliacutecito o

conteuacutedo dos fenocircmenos e compreender a realidade ldquoO homem cria em suas relaccedilotildees um

mundo cujos fenocircmenos compotildeem e constituem a esfera do cotidiano do imediato do evidente e

da aparecircnciardquo (ARENA 2010a) Superar a psedoconcreticidade eacute ultrapassar a aparecircncia em

busca do entendimento da realidade concreta da criaccedilatildeo dessa realidade concreta

Baseado nessas afirmaccedilotildees este capiacutetulo se dedica em apresentar os pressupostos teoacuterico-

metodoloacutegicos desta investigaccedilatildeo ao tratar da pesquisa e sua concretude a aparecircncia e a essecircncia

fenomecircnicas e a superaccedilatildeo da psedoconcreticidade no processo investigativo Nesse contexto

busca discutir a pesquisa com crianccedilas e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo e apresenta a metodologia

adotada ndash a pesquisa-accedilatildeo ndash e a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gecircneros

discursivos Em seguida caracteriza os sujeitos participantes da referida pesquisa no momento

histoacuterico e cultural em que se deu a coleta dos dados

11 A concretude da pesquisa

Este trabalho parte do pressuposto de que a crianccedila desde a Educaccedilatildeo Infantil aprende a

liacutengua por meio dos gecircneros discursivos ndash uma vez que a liacutengua se manifesta pelos gecircneros ndash

quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola como instrumento de humanizaccedilatildeo

como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana

Essa investigaccedilatildeo objetiva compreender a pesquisa como um espaccedilo de constituiccedilatildeo do

sujeito como uma atividade da praacutexis humana (SILVA 2009) Entender a pesquisa como

elemento essencial na formaccedilatildeo do sujeito possibilita o desenvolvimento de aspectos

relacionados agrave construccedilatildeo do conhecimento e da emancipaccedilatildeo do homem (SILVA 2009)

25

Compreender a formaccedilatildeo do sujeito eacute compreender o processo de tornar-se humano Para

Vygotsky ndash psicoacutelogo russo e principal representante da Teoria Histoacuterico-Cultural ndash o homem

natildeo nasce humano mas aprende a ser humano agrave medida que atua sobre a realidade e se apropria

da cultura humana e a transforma Entende-se por cultura humana o conjunto da produccedilatildeo do

homem e da natureza que existe fora desse homem objetivamente independente dele Eacute por meio

da relaccedilatildeo com os objetos socialmente criados e com os outros homens presentes e passados ndash e

que deixam a marca de sua atividade nos objetos da cultura historicamente produzidos ndash que o

homem se humaniza (MELLO 1999) O homem se diferencia dos outros animais natildeo apenas

pela sua histoacuteria peculiar no processo de evoluccedilatildeo bioloacutegica mas principalmente porque ao

mesmo tempo em que produz a sua proacutepria histoacuteria eacute produzido por ela ldquoSer homem eacute decorrente

de todo um processo de formaccedilatildeo ocorrido num ambiente denominado culturardquo (SILVA 2009 p

158) O processo de hominizaccedilatildeo eacute resultado de uma passagem agrave vida organizada na base do

trabalho atividade criadora produtiva fundamental que faz do ser humano um ser diferente dos

animais ldquoO homem eacute o uacutenico animal que age intencionalmente em busca de satisfazer suas

necessidades e de transformaccedilatildeordquo (SILVA 2009) Ao fazer isso com a accedilatildeo transformadora

consciente se daacute a criaccedilatildeo de si mesmo uma vez que ao modificar a natureza modifica a si de tal

modo que se torna humano no processo dialeacutetico homem-natureza (SILVA 2009)

Leontiev (1978) fundamentado nos estudos de Marx e Engels afirma que

O desenvolvimento do homem da sua vida exige evidentemente uma interacccedilatildeo

constante do homem como meio natural uma troca de substacircncias entre eles

Esta interacccedilatildeo executa o processo de adaptaccedilatildeo do homem agrave natureza Todavia

o homem adaptar-se agrave natureza circundante natildeo eacute senatildeo produzir os meios da

sua proacuteprias existecircncia Graccedilas a isto o homem diferentemente do animal

mediatiza regula e controla este processo pela sua actividade ele proacuteprio

desempenha em face da natureza o papel de uma potecircncia natural

(LEONTIEV 1978 p 173)

Sobre esses pressupostos Marx e Engels (2006 p 44 ndash 45 grifos dos autores) esclarecem

que

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciecircncia pela religiatildeo ou por

tudo o que se queira No entanto eles proacuteprios comeccedilam a se distinguir dos

animais logo que comeccedilam a produzir seus meios de existecircncia e esse salto eacute

condicionado por sua constituiccedilatildeo corporal Ao produzirem seus meios de

existecircncia os homens produzem indiretamente sua proacutepria vida material

26

E ainda

A forma pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo

da natureza dos meios de vida jaacute encontrados e que eles precisam reproduzir

Natildeo se deve poreacutem considerar tal modo de produccedilatildeo de um uacutenico ponto de

vista ou seja a reproduccedilatildeo da existecircncia fiacutesica dos indiviacuteduos Trata-se muito

mais de uma forma determinada de atividade dos indiviacuteduos de uma forma

determinada de manifestar sua vida um modo de vida determinado Da mesma

maneira como os indiviacuteduos manifestam sua vida assim satildeo eles O que eles satildeo

coincide portanto com sua produccedilatildeo tanto com o que produzem como com o

modo como produzem O que os indiviacuteduos satildeo por conseguinte depende das

condiccedilotildees materiais de sua produccedilatildeo

Ao considerar essas afirmaccedilotildees compreende-se que a primeira atitude histoacuterica dos

homens em relaccedilatildeo aos animais natildeo eacute necessariamente o fato de pensar mas o de produzir seus

meios de sobrevivecircncia e ao produzir seus meios de existecircncia coletivamente desenvolve

linguagem pensamento sentimento consciecircncia Essa eacute uma concepccedilatildeo materialista da

existecircncia humana e esta concepccedilatildeo ndash de como o homem produz a sua existecircncia material ndash

compreende natildeo o indiviacuteduo isolado mas em sociedade onde a sua produccedilatildeo individual eacute

determinada socialmente Desse modo ldquonatildeo eacute o indiviacuteduo natural como produto da natureza

mas o indiviacuteduo social como um resultado histoacuterico natildeo o indiviacuteduo ideal mas o real como uma

particularidade histoacutericardquo (BITENCOURT GAMA sd p 4) Essa materialidade histoacuterica diz

respeito agrave forma de organizaccedilatildeo dos homens em sociedade atraveacutes da histoacuteria ou seja refere-se

agraves relaccedilotildees sociais construiacutedas pela humanidade durante vaacuterios seacuteculos de sua existecircncia Para o

pensamento marxista esta materialidade histoacuterica pode ser compreendida a partir das anaacutelises da

categoria considerada central o trabalho

Aliados aos conceitos expostos Vygostki (1995) e Leontiev (1978) explicitam que a

atividade humana eacute uma mediadora da relaccedilatildeo entre o homem e a natureza e por meio dessa

relaccedilatildeo o homem cria novas atividades em funccedilatildeo de novas necessidades que satildeo criadas Os

conhecimentos adquiridos durante o desenvolvimento das faculdades e propriedades humanas

acumularam-se e transmitiram-se de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e essas aquisiccedilotildees devem

necessariamente ser fixadas (LEONTIEV 1978) Esta nova forma de acumulaccedilatildeo da experiecircncia

filogecircnica ndash entendendo-se por desenvolvimento filogeneacutetico a evoluccedilatildeo da espeacutecie humana no

decorrer da histoacuteria dos homens ndash pode aparecer no homem na medida em que a atividade

27

especificamente humana tem caraacuteter produtivo Essa atividade eacute o trabalho (LEONTIEV 1978)

O trabalho realizando o processo de produccedilatildeo sob duas formas material e intelectual imprime-

se no seu produto

Pode-se dizer que as aptidotildees e outros caracteres especificamente humanos natildeo se

transmitem pela hereditariedade bioloacutegica mas adquirem-se no decorrer da vida em outras

palavras no desenvolvimento ontogeneacutetico que caracteriza o desenvolvimento do indiviacuteduo a

partir do seu nascimento por um processo de apropriaccedilatildeo da cultura criada pelas geraccedilotildees

precedentes Para se apropriar dos objetos ou dos fenocircmenos que satildeo produtos do

desenvolvimento histoacuterico eacute necessaacuterio desenvolver em relaccedilatildeo a eles uma atividade que

reproduza pela sua forma os traccedilos essenciais da atividade cristalizada acumulada no objeto

(LEONTIEV 1978) caracterizando o processo de apropriaccedilatildeo como aquele que cria novas

aptidotildees novas funccedilotildees psiacutequicas

De acordo com o exposto a pesquisa pode ser entendida como uma atividade humana

uma atividade criadora em que o homem produz conhecimento ao mesmo tempo em que eacute

produzido por ele A produccedilatildeo de conhecimento eacute resultado da relaccedilatildeo sujeito e objeto e ambos

se formam neste processo na medida em que se encontram com o objetivo de desvelar o real

Assim sendo a tentativa de explicar o real eacute a busca pela superaccedilatildeo da pseudoconcreticidade

(KOSIK 1976) Essa expressatildeo designa

O complexo dos fenocircmenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera

comum da vida humana que com a sua regularidade imediatismo e evidecircncia

penetram na consciecircncia dos indiviacuteduos agentes assumindo um aspecto

independente e natural (KOSIK 1976 p 11)

Para Kosik (1976 p 9) ldquoa dialeacutetica trata da ldquocoisa em sirdquo Mas a ldquocoisa em sirdquo natildeo se

manifesta imediatamente ao homemrdquo O homem cria o mundo das relaccedilotildees cotidianas que

compotildeem a esfera do aparente do imediato (ARENA 2010a) Esse pressuposto remete a uma

abordagem do real que natildeo o atinge plenamente que se esgota na aparecircncia entendendo por

ldquorealrdquo a forma pela qual o mundo se apresenta Nesse sentido a realidade se reduz agraves suas formas

fenomecircnicas agrave aparecircncia das coisas

O mundo real (ou a totalidade concreta) encontra-se oculto pelo mundo da

pseudoconcreticidade precisando ser descortinado para que se possa ter uma aproximaccedilatildeo com o

real Essas aproximaccedilotildees satildeo sucessivas e permanentes como um ir e vir em relaccedilatildeo ao fenocircmeno

28

analisado ou seja eacute necessaacuterio realizar um detoacuteur (KOSIK 1976 p9) Quanto a essa questatildeo

Kosik afirma que

A atitude primordial e imediata do homem em face da realidade natildeo eacute a de um

sujeito cognoscente de uma mente pensante que examina a realidade

especulativamente poreacutem a de um ser que age objetiva e praticamente de um

indiviacuteduo histoacuterico que exerce a sua atividade praacutetica no trato com a natureza e

com os outros homens tendo em vista a consecuccedilatildeo dos proacuteprios fins e

interesses dentro de um determinado conjunto de relaccedilotildees sociais Portanto a

realidade natildeo se apresenta aos homens agrave primeira vista sob o aspecto de um

objeto que cumpre intuir analisar e compreender teoricamente cujo poacutelo oposto

e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente que existe fora

do mundo e apartado do mundo apresenta-se como o campo em que se exercita

a sua atividade praacutetico-sensiacutevel sobre cujo fundamento surgiraacute a imediata

intuiccedilatildeo praacutetica da realidade (KOSIK 1976 p 10)

Para Kosik (1976) a manifestaccedilatildeo do fenocircmeno ndash pseudo-essecircncia ndash necessita ser

ultrapassada para que se chegue agrave verdadeira essecircncia que pode ser alcanccedilada pelo movimento

dialeacutetico Isto natildeo se manifesta com um conceito de verdade plenamente alcanccedilaacutevel mas com

sucessivas aproximaccedilotildees em sua busca Para o autor (1976 p 19) ldquoa destruiccedilatildeo da

pseudoconcreticidade significa que a verdade natildeo eacute nem inatingiacutevel nem alcanccedilaacutevel de uma vez

para sempre mas que ela se faz logo se desenvolve e se realizardquo Assim pode-se dizer que a

maior aproximaccedilatildeo com a verdade depende do conhecimento sobre esse fenocircmeno que estaacute

relacionado agrave construccedilatildeo histoacuterica do sujeito influenciada por muacuteltiplas relaccedilotildees sociais e com a

proacutepria construccedilatildeo do conhecimento

Kosik (1976) afirma que eacute necessaacuterio utilizar-se da consciecircncia de maneira dialeacutetica uma

vez que ldquoconsciecircncia eacute reflexo e ao mesmo tempo projeccedilatildeo registra e constroacutei toma nota e

planeja reflete e antecipa eacute ao mesmo tempo receptiva e ativardquo (1976 p 26) Tem como

pressuposto uma visatildeo dialeacutetica de mundo pelas pessoas considerada ampliada A partir do

conhecimento do velho eacute possiacutevel alcanccedilar tal visatildeo e atingir um conhecimento novo em que a

histoacuteria eacute o ponto de partida para atingir este conhecimento e desse modo se alcanccedilar a

totalidade concreta Esta totalidade concreta pode ser atingida ao obter-se o conhecimento da

concreticidade do real sempre acrescentando fatos novos dialeticamente Esta realidade eacute um

todo dialeacutetico que natildeo compreende a realidade total mas uma teoria da realidade em que o

conhecimento humano eacute permanentemente acumulado e processado no qual a concretizaccedilatildeo se

29

realiza das unidades para o todo e do todo para as unidades Nesse movimento todo princiacutepio eacute

abstrato e relativo Com relaccedilatildeo a isso vale ressaltar que

O meacutetodo da ascensatildeo do abstrato ao concreto eacute o meacutetodo do pensamento em

outras palavras eacute um movimento que atua nos conceitos no elemento da

abstraccedilatildeo A ascensatildeo do abstrato ao concreto natildeo eacute uma passagem de um plano

(sensiacutevel) para outro plano (racional) eacute um movimento no pensamento e do

pensamento Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao concreto

tem de mover-se no seu proacuteprio elemento isto eacute no plano abstrato que eacute

negaccedilatildeo da imediatidade da evidecircncia e da concreticidade sensiacutevel A ascensatildeo

do abstrato ao concreto eacute um movimento para o qual todo iniacutecio eacute abstrato e cuja

dialeacutetica consiste na superaccedilatildeo dessa abstratividade O progresso da

abstratividade agrave concreticidade eacute por conseguinte em geral da parte para o todo

e do todo para a parte do fenocircmeno para a essecircncia e da essecircncia para o

fenocircmeno da totalidade para a contradiccedilatildeo e da contradiccedilatildeo para a totalidade do

objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto (KOSIK 1976 p 30)

Isto posto entende-se que para conhecer uma realidade desvendar sua essecircncia perceber

suas leis de movimento e funcionamento o pesquisador faz uso da sua capacidade de abstraccedilatildeo e

este recurso agrave abstraccedilatildeo eacute que torna possiacutevel ao pensamento ao pensamento humano decompor o

todo uma vez que o real tal como se apresenta num primeiro momento tem um aspecto uno

direto Faz-se necessaacuterio decompocirc-lo identificar suas unidades fundamentais apontar o que eacute

secundaacuterio para que num segundo momento compreendida a sua coerecircncia interna ele seja

novamente reconstituiacutedo em outros moldes em outro todo Como afirma Kosik (1976 p 14) []

ldquosem decomposiccedilatildeo natildeo haacute conhecimentordquo e explicita ainda que [] ldquoo conceito e a abstraccedilatildeo

em uma concepccedilatildeo dialeacutetica tem o significado de meacutetodo que decompotildee o todo para poder

reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e portanto a coisardquo Em outras palavras pode-se

afirmar que a mente humana precisa fazer uma anaacutelise do objeto e separaacute-lo em partes porque o

real natildeo se daacute a conhecer de forma direta em todo o seu ser Por esse motivo haacute a necessidade de

se recorrer agrave abstraccedilatildeo como um dos movimentos essenciais agrave formulaccedilatildeo do conceito mas que

natildeo eacute este o momento final do conhecimento

Para Kosik (1976) o processo de conhecimento parte do concreto imediato da aparecircncia

das coisas passa pela abstraccedilatildeo (analisando e seccionando o todo) e chega novamente ao

concreto agora compreendido e recomposto em sua real ordem interna Como Kosik explicita

Da vital caoacutetica imediata representaccedilatildeo do todo o pensamento chega aos

conceitos agraves abstratas determinaccedilotildees conceituais mediante cuja formaccedilatildeo se

30

opera o retorno ao ponto de partida desta vez poreacutem natildeo mais como ao vivo

mas incompreendido todo da percepccedilatildeo imediata mas ao conceito do todo

ricamente articulado e compreendido (KOSIK 1976 p 29)

Isto posto Pires (1997) revela que para se compreender o fenocircmeno haacute a necessidade

loacutegica de descobrir nos fenocircmenos a categoria mais simples (o empiacuterico) para chegar agrave categoria

siacutentese de muacuteltiplas determinaccedilotildees (concreto pensado) Quanto mais abstraccedilotildees (teoria) se puder

pensar sobre a categoria simples empiacuterica mais proacuteximo se estaacute da compreensatildeo da realidade

O sujeito nessa perspectiva eacute um ser social que se torna produtivo por meio do

desenvolvimento de suas atividades pelas quais conhece o mundo e se relaciona dialeticamente

com ele Por tal razatildeo eacute necessaacuterio conhecer a realidade social do sujeito o contexto em que estaacute

inserido e em que se datildeo as relaccedilotildees que estabelece para uma maior compreensatildeo do todo Ao

conhecer a realidade do sujeito historicamente construiacutedo aproxima-se da compreensatildeo do todo e

afasta-se da pseudoconcreticidade ateacute a sua superaccedilatildeo sai-se da aparecircncia do fenocircmeno para se

chegar a sua verdadeira objetividade (KOSIK 1976)

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo Silva (2009) esclarece que o problema do

conhecimento estaacute representado no marxismo na relaccedilatildeo dialeacutetica sujeito e objeto ldquoO princiacutepio

da interaccedilatildeo existente entre os eixos da relaccedilatildeo cognitiva eacute produzido no enquadramento da

praacutetica social do sujeito que captura e dialoga com o objeto na e pela sua atividaderdquo (SILVA

2009 p 13) e acrescenta que o conhecimento diz respeito primeiro agrave historicidade do sujeito e do

objeto Nesse sentido a dialeacutetica surge como uma tentativa de superaccedilatildeo da dicotomia da

separaccedilatildeo entre o sujeito e o objeto

Com base nesses pressupostos pode-se dizer que o que se tenta fazer no percurso da

pesquisa eacute explicar o concreto e para isto eacute necessaacuterio transpor pela abstraccedilatildeo o concreto-dado

para o pensamento produzindo assim o concreto-pensado que eacute na realidade o concreto dado

transposto para a mente humana Feita essa transposiccedilatildeo eacute preciso voltar novamente do concreto-

pensado para o concreto-dado uma vez que ambos devem estar em iacutentima relaccedilatildeo pois do

contraacuterio a pesquisa natildeo teria sentido na medida em que natildeo conseguiria explicar a realidade

ldquofim uacuteltimo de qualquer pesquisa compromissada e livrerdquo (SILVA 2009 p 13)

A pesquisa encontra no cotidiano na praacutetica o seu iniacutecio seu ponto de partida No

entanto eacute necessaacuterio que por meio desse ponto de partida desenvolvam-se determinaccedilotildees e

mediaccedilotildees para que possam ser revelados os nexos constitutivos do objeto de estudo para que os

31

sujeitos possam por meio da unidade pensamento-reflexatildeo transformar a realidade e a si

mesmos A dialeacutetica pressupotildee que as interpretaccedilotildees feitas relativas ao mundo devem ser

encaradas como passiacuteveis de modificaccedilotildees e reconstruccedilotildees porque a interpretaccedilatildeo praacutetica de

transformar o mundo em que vivemos desencadeia ao mesmo tempo um processo de

transformaccedilatildeo social em um mundo de constantes e permanentes transformaccedilotildees Este processo eacute

o da autocriacutetica e da criacutetica agrave realidade social

Neste processo investigativo ora apresentado se busca compreender o fenocircmeno

educativo ao descobrir suas mais simples manifestaccedilotildees para que ao analisaacute-las e elaborar

abstraccedilotildees sobre elas possa se aproximar cada vez mais da compreensatildeo do fenocircmeno

observado

Quanto agrave dialeacutetica Kosik (1976 p 33) afirma que eacute ldquoo meacutetodo da reproduccedilatildeo espiritual e

intelectual da realidade eacute o meacutetodo do desenvolvimento e da explicitaccedilatildeo dos fenocircmenos

culturais partindo da atividade praacutetica objetiva do homem histoacutericordquo Nesta vertente existe uma

unicidade entre teoria e praacutetica em outras palavras entre o conhecimento e a accedilatildeo ldquoEacute na unidade

articuladora entre a ideia e a accedilatildeo ou entre a teoria e a praacutetica que se efetiva a historicidade

humana concretizada no movimento de constituiccedilatildeo da realidade socialrdquo (ABRANTES

MARTINS 2007 p 315) Assim

A construccedilatildeo praacutexica do conhecimento nos remete portanto agrave realidade

histoacuterica a se conhecer visto que os indiviacuteduos se desenvolvem em relaccedilotildees de

apropriaccedilatildeo da histoacuteria contida nos objetos produzidos pelo homem e nas

relaccedilotildees estabelecidas entre eles na base de tais produccedilotildees Mas para uma efetiva

compreensatildeo da dimensatildeo praacutexica do homem outro preceito deve ser levado em

conta qual seja a unidade inicial existente entre sujeito e objeto do

conhecimento (ABRANTES MARTINS 2007 p 315)

Kosik (1976 p 30) esclarece que ldquoo processo do abstrato ao concreto como meacutetodo

materialista da realidade eacute a dialeacutetica da totalidade concreta na qual se reproduz idealmente a

realidade em todos os seus planos e dimensotildeesrdquo Por essa razatildeo para o pensamento dialeacutetico haacute

duas formas e dois graus de conhecimento da realidade e por conseguinte duas qualidades da

praacutexis humana (KOSIK 197 p13) Uma delas estaacute relacionada ao fato de que ldquoo conhecimento

da realidade histoacuterica eacute um processo de apropriaccedilatildeo teoacutericardquo eacute criacutetica porque implica interpretar e

avaliar os fatos empiacutericos procurando superar as primeiras impressotildees as representaccedilotildees

fenomecircnicas e chegar ao cerne de suas leis fundamentais Feito pelo pesquisador o trabalho de

32

apropriaccedilatildeo organizaccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos fatos o resultado seraacute o conhecimento objetivo desses

fatos o ldquoconcreto-pensadordquo ldquoAssim eacute que do processo dialeacutetico de conhecimento da realidade

que a transforma no plano do conhecimento e no plano histoacuterico-social resulta uma praacutexis criacutetica

revolucionaacuteria da humanidaderdquo (BITENCOURT GAMA sd p 7)

O outro conhecimento eacute o do senso comum dado pela imediaticidade resultado da

atividade praacutetico-sensiacutevel dentro de um determinado conjunto de relaccedilotildees sociais e eacute esse

conjunto dos fenocircmenos marcado pela regularidade imediatismo e evidecircncia que constitui o

mundo da pseudoconcreticidade Com isso

A praacutexis que adveacutem deste eacute a praacutexis fragmentaacuteria dos indiviacuteduos baseada na

divisatildeo do trabalho na divisatildeo da sociedade em classes e na hierarquia de

posiccedilotildees sociais que sobre ela se ergue e neste contexto eacute historicamente

determinada e unilateral eacute a praacutexis fetichizada dos homens (KOSIK 1976 p

14 ndash 15)

Eacute nessa praacutexis fetichizada dos homens que se daacute o mundo da pseudoconcreticidade e

Kosik (1976 p 11) define o mundo da pseudoconcreticidade como ldquoum claro-escuro de verdade

e enganordquo e explicita que seu elemento proacuteprio eacute o duplo sentido ou seja o fenocircmeno indica a

essecircncia mas tambeacutem a esconde Esclarece ainda que embora a essecircncia se manifeste no

fenocircmeno isso acontece ldquosoacute de modo inadequado parcial ou apenas sob certos acircngulos e

aspectosrdquo (KOSIK 1976 p 11)

Eacute na tentativa de superar a pseudoconcreticidade que o processo de pesquisa deve ocorrer

A tentativa de ultrapassar o aparente em busca da essecircncia no esforccedilo de tentar compreender essa

realidade e poder tambeacutem transformaacute-la Dessa forma pode-se dizer que o caminho do

conhecimento humano eacute uma trajetoacuteria construiacuteda na busca da realidade no rompimento da

pseudoconcreticidade que nunca se esgota totalmente Pelo fato do homem atuar no mundo ndash nele

realizar sua praacutexis ndash a realidade que se desvenda ao conhecer humano nunca estaacute pronta e

acabada natildeo existindo independentemente do homem (BREITBACH 1988 p 121) Nas

palavras de Kosik (1976 p 19) ldquo[] o mundo da realidade eacute o mundo da realizaccedilatildeo da verdade eacute

o mundo em que a verdade natildeo eacute dada e predestinada natildeo estaacute pronta e acabada impressa de

forma imutaacutevel na consciecircncia humana eacute o mundo em que a verdade deveacutemrdquo

Nessa perspectiva o item a seguir aborda a pesquisa com crianccedilas e as suas implicaccedilotildees

na educaccedilatildeo e destaca o conceito de crianccedila e de infacircncia nos quais esse trabalho se apoia Isto se

33

justifica por se tratar de uma pesquisa com e sobre as crianccedilas e que traz em seu cerne formas de

se pensar o trabalho pedagoacutegico de formaccedilatildeo leitora e escritora com crianccedilas na Educaccedilatildeo

Infantil

12 A pesquisa com crianccedilas

A crianccedila e a infacircncia tem sido alvo de muitas pesquisas em diferentes aacutereas do

conhecimento (ARIEgraveS 1978 FARIA 2009 LEONTIEV 1988 MELLO 2007 SARMENTO E

PINTO 1997 VYGOTSKI 1995 entre outros) A presente pesquisa elege como tema o

processo de inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura escrita e o uso dos gecircneros discursivos na

Educaccedilatildeo Infantil uma vez que objetiva pensar em praacuteticas de leitura e de escrita nesse momento

da escolaridade de modo que a crianccedila estabeleccedila relaccedilotildees com o escrito interaja com ele e pense

nos diferentes modos de usar o escrito Objetiva tambeacutem desenvolver praacuteticas de leitura e de

escrita em que as crianccedilas natildeo sendo ainda convencionalmente alfabetizadas pensem sobre a

liacutengua e sobre o seu funcionamento de forma dialoacutegica e dinacircmica

A atitude adotada na pesquisa com as crianccedilas e apresentada neste capiacutetulo eacute a tentativa de

ir aleacutem das aparecircncias do fenocircmeno para aproximar-se da sua essecircncia (KOSIK 1976) dado que

essecircncia e aparecircncia satildeo produzidas pelo mesmo complexo social (MARX 1974)

Assim essa pesquisa se propotildee a pensar as crianccedilas natildeo como sujeitos passivos e

descontextualizados em que somente satildeo percebidas para se estabelecer comparaccedilotildees formando

um conjunto de ldquonegativo que nada nos diz das peculiaridades positivas que diferenciam a

crianccedila do adultordquo (VYGOSTKI 1995 apud MARTINS FILHO 2009 p 82) mas ao contraacuterio

procura entender a crianccedila como sujeito ativo em todo o processo de elaboraccedilatildeo reflexatildeo anaacutelise

e de possiacuteveis transformaccedilotildees Nesse contexto o processo investigativo pretende conhecer as

crianccedilas e suas formas especiacuteficas de se relacionar com o mundo dos instrumentos culturais

objetivos ndash materiais ndash como a leitura a escrita o uso dos objetos humanos ou subjetivos ndash

imateriais ndash como as relaccedilotildees as interaccedilotildees as conceitualizaccedilotildees e os parceiros mais experientes

Isto posto revela uma possibilidade de descartar praacuteticas de pesquisa colonizadoras e

adultocecircntricas em que satildeo evidenciadas as disparidades de poder entre adultos e crianccedilas e se

considera a alteridade da infacircncia e os diferentes aspectos que a distinguem do outro - adulto

34

Nessa perspectiva haacute a necessidade de ultrapassar o discurso esmagador legitimado

historicamente pela razatildeo adultocecircntrica e que ateacute recentemente alimentou as ciecircncias humanas

Em outras palavras eacute pensar na possibilidade de ouvir as crianccedilas de percebecirc-las e de reconhececirc-

las como ldquoatores competentes para falar de si proacutepriosrdquo (BARBOSA MARTINS FILHO sd p

4) Desse modo busca-se uma competecircncia cada vez maior no que se refere agrave comunicaccedilatildeo entre

adultos e crianccedilas principalmente no que diz respeito aos procedimentos teoacuterico-metodoloacutegicos

utilizados em pesquisas

Sobre essa questatildeo Barbosa e Martins Filho (sd p 3) esclarecem que ao contextualizar

historicamente as teorias de metodologias de pesquisas com crianccedilas percebe-se que elas nunca

foram consultadas olhadas ouvidas e muito menos consideradas Segundo Qvortrup (1999) as

crianccedilas nunca foram estudadas por seu proacuteprio meacuterito na histoacuteria da humanidade Para a ciecircncia

teria que prevalecer a racionalidade adultocecircntrica a qual descarta de certa forma as

manifestaccedilotildees das crianccedilas Nesse contexto o que seria indicado pelas crianccedilas natildeo teria

cientificidade ldquoSe hoje podemos criticar as metodologias tradicionais de pesquisas comsobre

crianccedilas muito ainda temos que construir e avanccedilar para garantir a cientificidade do

protagonismo infantilrdquo (MARTINS FILHO BARBOSAnsd p 3) Nesse vieacutes eacute preciso

encontrar uma metodologia que ajude o pesquisador a natildeo projetar o seu olhar sobre as crianccedilas e

colher delas somente aquilo que eacute reflexo dos seus proacuteprios preconceitos e representaccedilotildees Aleacutem

disso haacute ainda o fato de que as metodologias tradicionais em ciecircncias humanas e sociais

acabaram por reproduzir os mesmos criteacuterios e princiacutepios a partir dos consagrados pelas ciecircncias

ldquoexatasrdquo (SARMENTO E PINTO 1997 apud MARTINS FILHO BARBOSA sd p 3)

Ao reconhecer a participaccedilatildeo ativa das crianccedilas no processo de pesquisa reconhecem-se

tambeacutem os padrotildees eacuteticos que envolvem essa participaccedilatildeo Em outras palavras promover a

participaccedilatildeo das crianccedilas nos processos que dizem respeito a elas natildeo pressupotildee responsabilizaacute-

las por decisotildees pertinentes a esses processos (SARMENTO E PINTO 1997)

Problematizar a dimensatildeo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita no tempo da

infacircncia da crianccedila pequena requer discutir o conceito de crianccedila e de infacircncia assumidos nesta

pesquisa Isso exige pensar na crianccedila concreta ndash historicamente situada ndash ldquocom sua proacutepria

biografia carregada de significados e sentidos proacuteprios do tempo e do espaccedilo em que vive das

relaccedilotildees que trava das expectativas a que eacute submetidardquo (BISSOLI 2005 p 60 ndash 61)

35

A crianccedila de hoje com suas expectativas necessidades e maneiras de perceber e atuar no

mundo natildeo eacute a mesma crianccedila de geraccedilotildees anteriores As novas geraccedilotildees satildeo constituiacutedas por se

apropriarem do legado deixado pelas geraccedilotildees anteriores Isso significa que as conquistas

humanas historicamente acumuladas satildeo a base sobre a qual as crianccedilas se humanizam As

crianccedilas se apropriam da cultura existente e produz como sujeitos novas manifestaccedilotildees de

humanidade Nessa vertente Mello (2007 p 88) afirma que

Esse conceito ndash de que o ser humano aprende a ser o que eacute como inteligecircncia ou

personalidade e de que a cultura e as relaccedilotildees com os outros seres humanos

constituem a fonte do desenvolvimento da consciecircncia ndash revoluciona a

compreensatildeo do processo de conhecimento que tiacutenhamos ateacute agora Com a

Teoria Histoacuterico-Cultural aprendemos a perceber que cada crianccedila aprende a ser

um humano O que a natureza lhe provecirc no nascimento eacute condiccedilatildeo necessaacuteria

mas natildeo basta para mover seu desenvolvimento Eacute preciso se apropriar da

experiecircncia humana criada e acumulada ao longo da histoacuteria da sociedade

Apenas na relaccedilatildeo social com parceiros mais experientes as novas geraccedilotildees

internalizam e se apropriam das funccedilotildees psiacutequicas tipicamente humanas ndash da

fala do pensamento do controle sobre a proacutepria vontade da imaginaccedilatildeo da

funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia ndash e formam e desenvolvem sua inteligecircncia e

sua personalidade

Nesse enfoque a crianccedila eacute forte competente e capaz de aprender Eacute capaz de estabelecer

relaccedilotildees de interagir de atuar de criar e de recriar de ser sujeito de suas aprendizagens de

internalizar conhecimentos e atribuir sentido a eles por meio das relaccedilotildees sociais de que participa

e do lugar que ocupa nessas relaccedilotildees e no mundo (LEONTIEV 1988) Desse modo a infacircncia eacute

o momento em que a crianccedila entra na cultura humana e se apropria dela

Mas a infacircncia tal como se pensa nos dias atuais eacute uma conquista recente dos uacuteltimos

duzentos anos da histoacuteria (AgraveRIES 1978 MELLO 2007) A ideia de infacircncia natildeo existiu sempre

e da mesma maneira Essa ideia aparece com a sociedade capitalista urbano-industrial na medida

em que modificam a inserccedilatildeo e o papel da crianccedila na comunidade Na sociedade feudal a crianccedila

exercia um papel produtivo direto ndash um papel ldquode adultordquo ndash assim que ultrapassava o periacuteodo de

alta mortalidade Na sociedade burguesa a crianccedila passa a ser algueacutem que precisa ser cuidada

escolarizada e preparada para uma atuaccedilatildeo futura Este conceito de infacircncia eacute determinado

historicamente pela modificaccedilatildeo nas formas de organizaccedilatildeo da sociedade (KRAMER 1982 p

18) A historicidade da infacircncia implica diferenccedilas fundamentais entre as crianccedilas que vivem em

sociedades diversas considerando que satildeo as condiccedilotildees de vida e educaccedilatildeo (LEONTIEV 1978)

36

de cada espaccedilo e tempo os elementos responsaacuteveis pelo decurso do desenvolvimento das

capacidades humanas (MUKHINA 1996) A concepccedilatildeo de infacircncia quer significar que as

crianccedilas ldquohabitam datildeo cor vida e movimento aos processos de sociabilidades e que pela

interaccedilatildeo com a coletividade modificam as rotinas sociaisrdquo Isto implica afirmar que as crianccedilas

natildeo satildeo apenas consumidoras de culturas mas tambeacutem re-produtoras ativas sendo que o ato de

produzir cultura natildeo eacute neutro e nem natural mas eacute criado nas e pelas relaccedilotildees que satildeo

estabelecidas socialmente (MARTINS FILHO 2011)

A crianccedila eacute um sujeito social e por tal razatildeo na pesquisa a relaccedilatildeo entre adulto e crianccedila

natildeo pode ser uma relaccedilatildeo de submissatildeo mas de mediaccedilatildeo interaccedilatildeo e negociaccedilatildeo Para negociar

eacute preciso construir formas de comunicaccedilatildeo e participaccedilatildeo com para e das crianccedilas (MARTINS

FILHO BARBOSA sd p 5)

As pesquisas acabam muitas vezes subestimando e subutilizando as informaccedilotildees captadas

pelas vozes das crianccedilas ou em contraposiccedilatildeo a isso acabam superestimando as crianccedilas o que

de certo modo eacute isolaacute-las do contexto real No que se refere agrave participaccedilatildeo dos adultos e das

crianccedilas nas pesquisas busca-se uma consonacircncia nessa relaccedilatildeo porque se a crianccedila eacute ativa nesse

processo o adulto natildeo seraacute passivo e o contraacuterio tambeacutem ocorre o que ajuda a identificar a

posiccedilatildeo dos sujeitos nas investigaccedilotildees (MARTINS FILHO BARBOSA sd p 6) Essa

consonacircncia na relaccedilatildeo entre adulto e crianccedila no processo de pesquisa permite sair do

autoritarismo ou do espontaneiacutesmo muitas vezes presentes nas relaccedilotildees pedagoacutegicas e nas

pesquisas

Essas proposiccedilotildees se direcionam para a necessidade de se buscar na pesquisa com as

crianccedilas um processo dialoacutegico O ser humano a crianccedila deve entrar em contato com os

fenocircmenos do mundo circundante por meio de outros homens ou seja num processo de

comunicaccedilatildeo com eles Pela sua funccedilatildeo esse processo eacute portanto um processo de educaccedilatildeo e

produccedilatildeo cultural (VYGOTSKI 1995) Ao assumir essa posiccedilatildeo pretende-se romper nesse

trabalho de investigaccedilatildeo com a ideia de infacircncia como objeto de constante regulaccedilatildeo e controle

sendo necessaacuterio por isso conhecer as especificidades dessa etapa da vida Desta forma

perceber as crianccedilas nas relaccedilotildees que elas travam com o professor com o conhecimento e com

elas mesmas eacute o que orientou todo o processo da pesquisa ora apresentada

Pode-se dizer que a crianccedila eacute sujeito social produto e produtora da sua proacutepria histoacuteria

vivida e construiacuteda nas relaccedilotildees com os adultos a sua volta (VYGOTSKI 1995) Nesta

37

investigaccedilatildeo considera-se a crianccedila como um sujeito potencial competente para falar e informar

aos outros sobre si mesma Pretende-se assim estabelecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica na tentativa de

compreender a crianccedila e as relaccedilotildees que estabelece com o conhecimento no processo de inserccedilatildeo

na cultura escrita

O conceito de crianccedila sob o olhar da Teoria Histoacuterico-Cultural na qual essa pesquisa se

fundamenta e o estudo e a discussatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e

escrita da crianccedila desde a educaccedilatildeo infantil ndash foco desse trabalho ndash natildeo pretende deflagrar uma

ideia de que eacute possiacutevel e desejaacutevel acelerar o desenvolvimento psiacutequico da crianccedila em detrimento

do encurtamento da infacircncia e submetendo-a a uma escolarizaccedilatildeo precoce (ZAPHOROacuteZETS

1987 MELLO 2007) Ao contraacuterio pretende compreender a crianccedila em suas relaccedilotildees com o

mundo respeitando as especificidades do seu desenvolvimento e poder contribuir com outras

formas de se pensar o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita com as crianccedilas na pequena

infacircncia

Envolver as crianccedilas mais diretamente nas pesquisas pode resgataacute-las do silecircncio e da

exclusatildeo e do fato de serem representadas implicitamente como objetos passivos (ALDERSON

apud MICHELLI 2005)

Segundo Sarmento (1997) os estudos da infacircncia mesmo quando se concede agraves crianccedilas

o estatuto de atores sociais tecircm geralmente negligenciado a auscultaccedilatildeo das vozes e

subestimado a capacidade de atribuiccedilatildeo de sentido agraves suas accedilotildees e seus contextos Por essa razatildeo

eacute que se pode afirmar que a participaccedilatildeo das crianccedilas nas pesquisas natildeo se limita aos aspectos

exclusivamente da recolha de suas vozes mas de querer compreender as suas expectativas e

representaccedilotildees de mundo Essa recolha de vozes refere-se aos olhares expressotildees gestos falas

atitudes experiecircncias e opiniotildees das crianccedilas que devem ultrapassar as formas de registros

utilizados na pesquisa tentando compreendecirc-los em sua essecircncia

13 Metodologia de pesquisa a pesquisa ndash accedilatildeo

Para Vygotsky e para Bakhtin noacutes nos tornamos noacutes mesmos por meio das relaccedilotildees que

estabelecemos com o outro Noacutes existimos enquanto tal porque o outro nos completa e nos

orienta Nessa perspectiva Bakhtin (1992) permite pensar que uma situaccedilatildeo de pesquisa eacute sempre

um encontro entre sujeitos um diaacutelogo no qual pesquisador e pesquisado se re-significam Desse

38

modo a pesquisa passa da descriccedilatildeo e compreensatildeo do que o outro apresenta para um encontro

maior que vai aleacutem (FREITAS 2002) O pesquisador eacute aquele que vai ao encontro do outro que

interage com o outro de forma ativa colocando-se em seu lugar para perceber o que ele percebe

mas que volta em seguida ao seu proacuteprio lugar Ao fazer isso teraacute uma real compreensatildeo do

outro promovendo uma resposta agravequilo que foi visto dito e natildeo dito E essa resposta implica

ajudar o outro a avanccedilar a sair do lugar (FREITAS 2002)

Posto isto a pesquisa assume o compromisso de tentar compreender ativamente a

realidade de forma que possibilite transformaccedilotildees em seus participantes Por tal razatildeo a

metodologia adotada na realizaccedilatildeo desta pesquisa eacute caracterizada como uma pesquisa-accedilatildeo A

pesquisa-accedilatildeo eacute um tipo de pesquisa participante engajada que procura unir a pesquisa agrave accedilatildeo ou

praacutetica em outras palavras busca desenvolver o conhecimento e a compreensatildeo como parte da

praacutetica Este tipo de pesquisa surgiu da necessidade de superar a lacuna entre teoria e praacutetica

(ENGELS 2000 p 182)

Nessa perspectiva pode-se definir a pesquisa-accedilatildeo como ldquoum tipo de pesquisa social com

base empiacuterica que eacute concebida e realizada em estreita associaccedilatildeo com uma accedilatildeo ou com uma

resoluccedilatildeo de um problema coletivordquo (THIOLLENT 2003 p14) Para tanto os pesquisadores e

participantes representativos da situaccedilatildeo ou do problema se encontram envolvidos de forma

cooperativa ou participativa A pesquisa-accedilatildeo criacutetica considera a voz do sujeito sua perspectiva

seu sentido mas natildeo meramente para registro e uma interpretaccedilatildeo posterior do pesquisador ldquoA

voz do sujeito faraacute parte da tessitura da metodologia da investigaccedilatildeordquo (FRANCO 2005 p 486)

Desse modo a metodologia natildeo se faz por meio das etapas de um meacutetodo mas se organiza pelas

situaccedilotildees relevantes que emergem no processo Com base nessas afirmaccedilotildees reconhece-se o

caraacuteter formativo dessa modalidade de pesquisa uma vez que o sujeito deve tomar consciecircncia

das transformaccedilotildees que ocorrem em si proacuteprio e no processo Eacute tambeacutem nesse sentido que este

tipo de pesquisa assume o caraacuteter emancipatoacuterio pois mediante a participaccedilatildeo consciente ldquoos

sujeitos da pesquisa passam a ter a oportunidade de se libertar de mitos e preconceitos que

organizam suas defesas agrave mudanccedila e reorganizam a sua autoconcepccedilatildeo de sujeitos histoacutericosrdquo

(FRANCO 2005 p 486)

Os pressupostos epistemoloacutegicos da pesquisa-accedilatildeo caminham na direccedilatildeo de uma

perspectiva dialeacutetica e consideram como fundamentais a priorizaccedilatildeo da dialeacutetica da realidade

social da historicidade dos fenocircmenos da praacutexis das contradiccedilotildees das relaccedilotildees com a

39

totalidade da accedilatildeo dos sujeitos sobre suas circunstacircncias (FRANCO 2005 p 490) Neste caso a

praacutexis deve ser concebida como mediaccedilatildeo baacutesica na construccedilatildeo do conhecimento uma vez que

por meio dela se veicula teoria e praacutetica pensar e agir pesquisar e formar Nestas condiccedilotildees natildeo

haacute como separar sujeito que conhece do objeto a ser conhecido e o conhecimento natildeo se limita agrave

mera descriccedilatildeo mas parte do observaacutevel (aparecircncia) e o ultrapassa na tentativa de compreendecirc-lo

e explicaacute-lo (essecircncia) em busca da destruiccedilatildeo da pseudoconcreticidade (KOSIK 1976) Por esse

motivo a interpretaccedilatildeo dos dados soacute pode ocorrer num contexto determinado e concreto e o saber

produzido eacute necessariamente transformador dos sujeitos e das circunstacircncias (FRANCO 2005 p

490)

Esses pressupostos se coadunam com a concepccedilatildeo de pesquisa apresentada neste trabalho

como um processo de formaccedilatildeo e de emancipaccedilatildeo do sujeito e por tal razatildeo opto pela pesquisa-

accedilatildeo para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

A escolha por esse tipo de pesquisa tambeacutem se justifica diante das minhas experiecircncias

como professora na Educaccedilatildeo Infantil e por perceber nesse segmento da educaccedilatildeo praacuteticas que

denotam uma preocupaccedilatildeo com a alfabetizaccedilatildeo precoce das crianccedilas apoiada na codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Tais praacuteticas descartam a possibilidade de iniciar o processo de

inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita nessa etapa da vida levando em consideraccedilatildeo as

especificidades do desenvolvimento humano e garantindo vivecircncias que possam contribuir para

que as crianccedilas se tornem leitoras e re-criadoras de textos Outro elemento relevante se daacute pelo

fato de que haacute a predominacircncia de alguns poucos gecircneros discursivos ndash em geral contos

narrativos ndash no trabalho pedagoacutegico com as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil limitando por vezes as

possibilidades no ensino da liacutengua Este fato pode ser constatado durante a minha pesquisa de

mestrado quando as crianccedilas participantes da pesquisa demonstraram desconhecer alguns

gecircneros discursivos como as histoacuterias em quadrinhos ndash gecircnero discursivo utilizado na realizaccedilatildeo

da pesquisa com o intuito de investigar como ocorre a formaccedilatildeo leitora das crianccedilas na Educaccedilatildeo

Infantil

131 Geraccedilatildeo coleta e anaacutelise dos dados

Neste trabalho que ora apresento realizei atividades proacuteprias da pesquisa-accedilatildeo e como

pesquisadora e sujeito desta pesquisa provoquei o aparecimento de dados por meio de accedilotildees

40

planejadas intencionalmente com o objetivo de criar necessidades de leitura e de escrita nas

crianccedilas participantes da pesquisa Para gerar os dados foi realizado um trabalho pedagoacutegico

intencionalmente planejado no contexto das teacutecnicas Freinet as quais abarcam diferentes gecircneros

discursivos Eacute necessaacuterio ressaltar que na pesquisa as teacutecnicas Freinet natildeo foram realizadas

integralmente mas foram adaptadas uma vez que a turma de alunos faz parte de uma estrutura

global maior ndash uma unidade escolar ndash que natildeo apresenta como proposta de trabalho a Pedagogia

Freinet Essa perspectiva de trabalho com as teacutecnicas da Pedagogia Freinet faz parte da minha

praacutetica pedagoacutegica como professora e dos estudos desse autor como pesquisadora da infacircncia e

dos processos de ensino e de aprendizagem da liacutengua Todo o processo de geraccedilatildeo dos dados

relacionados ao trabalho pedagoacutegico com as teacutecnicas Freinet seraacute abordado detalhadamente no

item 14 deste capiacutetulo em que seraacute exposta a metodologia do trabalho docente

Inicialmente para compreender a situaccedilatildeo em que se encontram os sujeitos verifiquei

como o ensino da leitura e da escrita e dos gecircneros discursivos foram abordados com as crianccedilas

participantes desde que ingressaram na unidade escolar de Educaccedilatildeo Infantil As crianccedilas fazem

parte de uma turma de Infantil II que corresponde ao uacuteltimo ano da Educaccedilatildeo Infantil no

municiacutepio de Mariacutelia ndash SP Para tanto tive contato direto com os sujeitos na turma em que

ministrava aulas e fiz as primeiras observaccedilotildees em situaccedilotildees de leitura e de escrita Realizei um

levantamento e estudo da bibliografia referente ao problema da pesquisa ndash estado da arte ndash e

iniciei a etapa da coleta de dados

Para a coleta de dados utilizei a entrevista com as professoras e com as crianccedilas e a

observaccedilatildeo Entrevistei as quatro professoras dessa turma de Infantil II (crianccedilas entre cinco e

seis anos) dos anos anteriores ao ano da realizaccedilatildeo da pesquisa desde quando as ingressaram na

unidade escolar portanto as professoras dessa mesma turma no Berccedilaacuterio (quando os sujeitos

tinham entre 1 ano seis meses a dois anos) Maternal I (quando os sujeitos tinham entre dois e trecircs

anos) Maternal II (quando os sujeitos tinham entre trecircs e quatro anos) e Infantil I (quando os

sujeitos tinham entre quatro e cinco anos) A entrevista com as professoras objetivou verificar

seus conceitos de leitura e escrita seus conceitos sobre a inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura

escrita e sobre o trabalho com os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil e tentar perceber

como essas praacuteticas influenciaram a formaccedilatildeo leitora e re-criadora de textos das crianccedilas por

meio dos gecircneros discursivos

41

Prestei as devidas informaccedilotildees agraves professoras participantes quanto aos objetivos da

pesquisa o livre arbiacutetrio para participar ou natildeo ao uso dos dados coletados e o acesso aos

resultados Esse mesmo procedimento de esclarecimento de participaccedilatildeo de consentimento livre e

esclarecido foi feito com pais eou responsaacuteveis dos sujeitos crianccedilas

Duas das professoras foram entrevistadas no periacuteodo contraacuterio ao seu periacuteodo de trabalho

na proacutepria escola para que natildeo houvesse nenhum prejuiacutezo com relaccedilatildeo agraves suas aulas ou

comprometimento quanto ao trabalho com seus alunos E as outras duas professoras foram

entrevistadas numa tarde apoacutes o teacutermino de uma reuniatildeo pedagoacutegica da escola Nesse dia de

reuniatildeo pedagoacutegica realizada em toda rede municipal da cidade de Mariacutelia ndash SP somente a

direccedilatildeo coordenaccedilatildeo professores e funcionaacuterios comparecem agrave unidade escolar natildeo havendo

aula para as crianccedilas e assim as entrevistas se realizaram sem intercorrecircncias em salas de aulas

desocupadas nas ocasiotildees dadas mas houve ruiacutedos de fundo em alguns momentos

Com o objetivo de compreender mais detalhadamente o processo de inserccedilatildeo da crianccedila

pequena na cultura escrita e de compreender como a crianccedila se apropria da leitura e da escrita por

meio dos gecircneros discursivos realizei entrevistas com as crianccedilas em dois momentos do trabalho

pedagoacutegico no iniacutecio da pesquisa no mecircs de maio de 2010 e no final do ano letivo no mecircs de

dezembro de 2010 momento do teacutermino do trabalho pedagoacutegico com as crianccedilas concernente agrave

leitura e escrita dos gecircneros discursivos abordados nesta pesquisa ndash carta relatos de vida por

meio do livro da vida e a notiacutecia de jornal Ao entrevistar as crianccedilas verifiquei quais as ideias e

conceitos sobre leitura e escrita possuiacuteam como lidavam com a leitura e a escrita de que forma a

leitura e a escrita eram usadas em diferentes situaccedilotildees na escola quais os gecircneros discursivos que

conheciam e as informaccedilotildees que tinham sobre eles A decisatildeo de entrevistar as crianccedilas em dois

momentos foi com o objetivo de coletar o maacuteximo de informaccedilotildees e de analisar e avaliar as

variaccedilotildees das respostas em diferentes situaccedilotildees Com esse procedimento buscou-se perceber a

evoluccedilatildeo intelectual das crianccedilas e o ensaio conceitual de leitura e de escrita que apresentaram

em duas situaccedilotildees histoacutericas que denotariam possiacuteveis evoluccedilotildees nos conceitos de leitura e de

escrita

Ao considerar as falas das crianccedilas fundamentais nesse processo de pesquisa propus-me a

ouvi-las e a estabelecer com elas uma relaccedilatildeo dialoacutegica pois ldquotomar o discurso da crianccedila como

uma ldquocoisa em sirdquo independente das condiccedilotildees socioculturais que o determinam eacute objetificaacute-lo

42

como uma ldquocoisardquo eacute destituiacute-lo de sua dimensatildeo dialoacutegica isto eacute de interaccedilatildeo com o outro pela

linguagemrdquo (JOBIM E SOUZA CASTRO 2008 p 77)

Por se tratar de uma pesquisa que pretende colaborar com as aprendizagens das crianccedilas

com as suas apropriaccedilotildees e objetivaccedilotildees da liacutengua materna desde a Educaccedilatildeo Infantil e ainda de

se constituir como um elemento de reelaboraccedilatildeo da minha proacutepria praacutetica eacute que o uso da

entrevista se justifica uma vez que esse instrumento de pesquisa possibilita entrar em contato

com as falas das crianccedilas e com o pensamento infantil A entrevista acontece entre duas ou mais

pessoas no caso o entrevistado e o entrevistador numa situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e tem como

objetivo a muacutetua compreensatildeo mas uma compreensatildeo ativa que para Bakhtin (1992) eacute

responsiva pois jaacute conteacutem em si mesma o geacutermen de uma resposta Segundo Bakhtin (1992) o

enunciado eacute a unidade real da comunicaccedilatildeo discursiva estritamente delimitada pela alternacircncia

dos sujeitos falantes e a compreensatildeo desse enunciado vivo eacute sempre acompanhada de uma

atitude responsiva porque ldquotoda compreensatildeo eacute prenhe de resposta de uma forma ou de outra

forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (BAKHTIN 1992 p 290) Somente esse tipo

de compreensatildeo ativa eacute que permite a apreensatildeo dos sentidos dos enunciados Todo enunciado se

elabora para ir ao encontro da resposta do ouvinte O que constitui um enunciado eacute o fato dele

dirigir-se para algueacutem e de estar voltado para o seu destinataacuterio ldquoNa situaccedilatildeo de entrevista

compreender ativamente o enunciado de outrem significa orientar-se para o outrordquo (FREITAS

2007 p 35)

Cada um de noacutes ocupa um lugar e deste lugar revelamos o nosso modo de ver o outro e o

mundo eacute o que Bakhtin chama de exotopia em outras palavras ldquoeacute a posiccedilatildeo espaccedilo-temporal

uacutenica que ocupamos em relaccedilatildeo aos outros durante a nossa existecircnciardquo (CASTRO 2001 p 65) o

que faz com que o nosso olhar sobre o outro natildeo coincida com o olhar que ele tem de si mesmo eacute

o excedente de visatildeo (BAKHTIN 1992 p 45)

Esse conceito de exotopia a volta ao seu lugar eacute necessaacuterio ao pesquisador pois se isso

natildeo acontece corre-se o risco de se deter somente no aspecto da identificaccedilatildeo (aparecircncia) Ao

voltar para o seu lugar eacute que o entrevistador tem condiccedilotildees ldquode dar forma e acabamento ao que

ouviu e completaacute-lo com o que eacute transcendente agrave sua consciecircnciardquo (FREITAS 2007 p 35) e

todos esses valores que completam a imagem do outro satildeo extraiacutedos do excedente de sua visatildeo

Deste lugar fora do outro portanto exotoacutepico eacute que o entrevistador pode ir construindo suas

43

reacuteplicas que quanto mais numerosas forem indicam uma compreensatildeo mais real e profunda

(BAKHTIN 1992 p 132)

Diante do exposto considera-se a entrevista dentro de uma concepccedilatildeo dialoacutegica pois ela

estabelece uma relaccedilatildeo de sentido entre os enunciados na comunicaccedilatildeo verbal e essa relaccedilatildeo

dialoacutegica eacute marcada por uma relaccedilatildeo de sentido cujos elementos constitutivos soacute podem ser

enunciados completos por traacutes dos quais estaacute um sujeito real ldquoNessa perspectiva a entrevista se

constitui numa relaccedilatildeo entre sujeitos na qual se pesquisa com sujeitos as suas experiecircncias

sociais e culturais compartilhadas com as outras pessoas de seu ambienterdquo (FREITAS 2007 p

36) Desse modo tanto pesquisador como pesquisado se tornam parceiros de uma experiecircncia

dialoacutegica conseguindo se transportarem da linguagem interna de sua percepccedilatildeo para a sua

expressividade externa encontrando-se num processo de muacutetua compreensatildeo No entanto os

sentidos que satildeo criados nessa interlocuccedilatildeo dependem da situaccedilatildeo experenciada dos horizontes

espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado Expliquei agraves crianccedilas o que eacute uma

entrevista o motivo pelo qual eu iria fazecirc-la e como seria realizada Esclareci que seria gravada

em aacuteudio que poderiam responder da forma como desejassem e que ao final poderiam ouvir a

gravaccedilatildeo das nossas falas

Isto posto sobre a situaccedilatildeo de entrevista pode-se sublinhar que eacute um

momento em que se daacute a construccedilatildeo de uma interlocuccedilatildeo reveladora de vaacuterios

sentidos que emergem da proacutepria situaccedilatildeo especiacutefica de diaacutelogo e que delimitam

uma parte dos aspectos presentes na experiecircncia cotidiana dos interlocutores

com o tema tratado Assim a proacutepria anaacutelise deste material discursivo se

constitui em um modo de interlocuccedilatildeo que longe de buscar interpretaccedilotildees

absolutas a partir dos fragmentos selecionados procura desvelar os sentidos

possiacuteveis surgidos nestes encontros entre adulto e crianccedila e assim ampliar e

diversificar os modos de compreensatildeo de um determinado fenocircmeno cultural

(JOBIM E SOUZA CAMERINI MORAIS 2005 p 141)

Nesta pesquisa fiz a entrevista com 20 crianccedilas com idades entre cinco e seis anos

pertencentes a uma turma de Infantil II da Educaccedilatildeo Infantil que frequentou a escola em periacuteodo

parcial da tarde do ano de 2010 Na primeira realizada no iniacutecio do trabalho pedagoacutegico com os

gecircneros discursivos entrevistei as crianccedilas em uma sala ocupada pela auxiliar de direccedilatildeo da

escola que natildeo fazia uso naquela ocasiatildeo com ruiacutedos da parte externa desse ambiente A

segunda realizada no final do processo ocorreu em dois ambientes distintos devido agrave

indisponibilidade de local para esse fim Tal indisponibilidade ocorre devido ao fato de as

44

crianccedilas frequentarem a escola nessa ocasiatildeo no periacuteodo da manhatilde durante trecircs dos cinco dias

da semana para participarem dos ensaios da formatura da rede municipal de ensino desta cidade

Os dois ambientes utilizados na segunda entrevista foram o salatildeo ndash local em que as crianccedilas

brincam realizam atividades relacionadas agrave danccedila assistem a viacutedeos e onde aquelas que

frequentam a escola em periacuteodo integral descansam ou dormem depois do almoccedilo ateacute o iniacutecio das

aulas no periacuteodo da tarde ndash e o caramanchatildeo sala de aula na parte externa da escola

Utilizei a entrevista semi-estruturada que se caracteriza por apresentar um roteiro

previamente elaborado mas que possui certa flexibilidade em sua aplicaccedilatildeo Esse tipo de

entrevista foca em um assunto sobre o qual se elabora um roteiro com perguntas principais

complementadas por outras questotildees inerentes agraves circunstacircncias momentacircneas agrave entrevista

(MANZINI 19901991 p 154) Para o autor esse tipo de entrevista pode fazer emergir

informaccedilotildees de forma mais livre e as respostas natildeo estatildeo condicionadas a uma padronizaccedilatildeo de

alternativas (MANZINI 19901991 p 154) Esse roteiro de questotildees eacute resultado das informaccedilotildees

inicias coletadas sobre o fenocircmeno social que se pretende investigar dos objetivos da pesquisa

dos sujeitos participantes e da teoria em que o pesquisador se apoia

A transcriccedilatildeo das falas das entrevistas ocorre em dois momentos distintos O primeiro

momento eacute quando o entrevistador registrou a fala do entrevistado exatamente da forma como foi

coletada como ela se apresenta com seus modos de dizer dos sujeitos ou seja da forma literal

O momento posterior eacute quando as falas do entrevistado satildeo escritas de acordo com as regras

ortograacuteficas e gramaticais da Liacutengua Portuguesa escrita Ressalta-se que neste trabalho com o

objetivo de garantir maior inteligibilidade as entrevistas foram transcritas considerando as

correccedilotildees necessaacuterias e descritas anteriormente sem contudo alterar o seu sentido Utilizei para a

transcriccedilatildeo dos dados obtidos por meio das entrevistas as normas propostas por Luiz Antocircnio

Marcushi (1986 apud URNABO e PRETI 1988) Tais normas se encontram no ANEXO A

Outro instrumento que utilizei na geraccedilatildeo de dados foi a observaccedilatildeo Este instrumento eacute

uma estrateacutegia metodoloacutegica em que o pesquisador se insere na vida do grupo social em estudo

se constituindo em um ldquoencontro de muitas vozesrdquo (FREITAS 2007 p 33) pois ldquoao se observar

um evento depara-se com diferentes discursos verbais gestuais e expressivos Satildeo discursos que

refletem e refratam a realidade da qual fazem parte construindo uma verdadeira tessitura da vida

socialrdquo (FREITAS 2007 p 33) Na observaccedilatildeo participante os pesquisadores tornam-se um

Outro que observa e eacute tambeacutem observado Desse modo pesquisados e pesquisadores

45

gradativamente estabelecem relaccedilotildees o que favorece as outras relaccedilotildees e o desenvolvimento de

uma participaccedilatildeo sensiacutevel agraves produccedilotildees das crianccedilas (MARTINS FILHO BARBOSA 2011 p

99) A observaccedilatildeo participante tambeacutem possibilita ldquoo acesso dos adultos ao que as crianccedilas

pensam fazem sabem falam e de como vivem esmiuccedilando suas peculiaridades e as

particularidadesrdquo (MARTINS FILHO BARBOSA 2011 p 100)

Por ser pesquisadora e professora da turma de crianccedilas em que ocorreu essa investigaccedilatildeo

a observaccedilatildeo foi um instrumento utilizado em todo contexto da pesquisa com as crianccedilas e no

desenvolvimento do trabalho pedagoacutegico para o ensino dos gecircneros discursivos Na observaccedilatildeo

participante busca-se uma compreensatildeo marcada pela perspectiva da totalidade construiacuteda no

encontro dos diferentes enunciados produzidos entre pesquisador e pesquisado Segundo Bakhtin

(2003) a accedilatildeo fiacutesica do homem precisa ser compreendida como um ato mas um ato que natildeo pode

ser compreendido fora de sua expressatildeo siacutegnica que eacute por noacutes recriada Esclarece que

Noacutes natildeo perguntamos agrave natureza e ela natildeo nos responde Colocamos as

perguntas para noacutes mesmos e de certo modo organizamos a observaccedilatildeo ou a

experiecircncia para obtermos a resposta Quando estudamos o homem procuramos

e encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu

significado (BAKHTIN 2003 p 319)

Nesse sentido a observaccedilatildeo participante eacute caracterizada por sua dimensatildeo de alteridade

uma vez que o pesquisador ao participar do evento observado constitui-se parte dele mas ao

mesmo tempo manteacutem uma posiccedilatildeo exotoacutepica que lhe possibilita o encontro com o outro ldquoE eacute

este encontro que ele procura descrever no seu texto no qual revela outros textos e contextosrdquo

(FREITAS 2007 p 32) A situaccedilatildeo de campo pode ser entendida como ldquouma esfera social de

circulaccedilatildeo de discursos e os textos que dela emergem como um lugar especiacutefico de produccedilatildeo do

conhecimento que se estrutura em torno do eixo da alteridaderdquo (FREITAS 2007 p 32) Ao

considerar essa afirmaccedilatildeo entende-se que a observaccedilatildeo natildeo pode se prender em apenas descrever

os eventos mas procurar as suas possiacuteveis relaccedilotildees integrando o individual com o social Ao

fazer o relato das observaccedilotildees o pesquisador natildeo o faz somente a partir do seu olhar mas

reproduzindo vozes dos outros participantes da situaccedilatildeo investigada captando os sentidos

construiacutedos nessas interlocuccedilotildees O texto ndash relato das observaccedilotildees ndash traz a voz do pesquisador

regendo as outras vozes participantes Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel considerar a observaccedilatildeo numa

perspectiva discursiva dialoacutegica e polifocircnica

46

Diante disso este instrumento metodoloacutegico foi utilizado por se revelar adequado para

descrever a relaccedilatildeo das crianccedilas com a leitura e com a escrita de carta livro da vida e jornal a

interaccedilatildeo das crianccedilas nas situaccedilotildees de leitura e de escrita desses gecircneros discursivos e a atitude

leitora e produtora de textos delas Os registros escritos dos dados coletados por meio das

observaccedilotildees foram feitos em um caderno de anotaccedilotildees Nos primeiros dias fiz as anotaccedilotildees fora

do ambiente de pesquisa Aos poucos passei a efetuar os registros na presenccedila dos sujeitos na

tentativa de conseguir captar detalhadamente as situaccedilotildees observadas de leitura e de escrita Esse

procedimento provocou de iniacutecio o interesse das crianccedilas que buscavam explicaccedilotildees para as

constantes anotaccedilotildees que eu realizava em diferentes ambientes da escola Expus para elas que as

anotaccedilotildees eram importantes porque me ajudavam a lembrar o que havia acontecido com relaccedilatildeo

aos trabalhos realizados as conversas na roda e em outros ambientes Esse caderno de anotaccedilotildees

eacute de uso pessoal e os apontamentos feitos foram organizados cotidianamente destacando as

interlocuccedilotildees entre os sujeitos suas falas gestos expressotildees e situaccedilotildees que denotavam atitude

leitora e re-criadora de textos orais e escritos e as relaccedilotildees estabelecidas com os gecircneros

discursivos

Com o objetivo de investigar como ocorre o processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da

escrita das crianccedilas de cinco e seis anos na Educaccedilatildeo Infantil e de que forma o trabalho

pedagoacutegico intencionalmente planejado pode interferir nesse processo utilizei outros recursos

audiovisuais como o gravador de aacuteudio a cacircmera fotograacutefica e a cacircmera filmadora O uso destes

recursos tem como finalidade coletar indiacutecios que possam identificar atitudes falas expressotildees

que denotem um leitor e um re-criador de textos em formaccedilatildeo

A fotografia eacute um recurso metodoloacutegico que permite a aproximaccedilatildeo da realidade social

histoacuterica e cultural do grupo fotografado Esse recurso ldquoreconstroacutei o proacuteprio olhar do investigador

apresentando-se como outras possibilidades de escrita ndash outros textos ndash da realidade analisadardquo

(MARTINS FILHO 2011 p 98) O uso da fotografia nesse trabalho se justifica por tentar

perceber quais atitudes corporais revelam atitudes mentais relacionadas agrave leitura e agrave escrita

A filmagem eacute uma forma de obter dados o mais proacuteximo possiacutevel ao movimento das

crianccedilas uma vez que a imagem filmada e a sua transcriccedilatildeo simultaneamente articulam entre si

a possibilidade de captar com maior amplitude e expressatildeo o que natildeo eacute perceptiacutevel agrave primeira

vista (MARTINS FILHO 2011 p 99) Desse modo a cada cena assistida e revista percebem-se

novas significaccedilotildees e novas relaccedilotildees

47

Quanto agrave utilizaccedilatildeo desses recursos Jobim e Souza (2007 p 91) afirma que o uso da

videogravaccedilatildeo em pesquisa acadecircmica aleacutem de ser um rico instrumento de coleta de dados

operacionaliza a condiccedilatildeo na qual pesquisador e sujeitos envolvidos poderatildeo construir

conhecimentos sobre as praacuteticas sociais e as representaccedilotildees que ocorrem nas interaccedilotildees com o

cotidiano expressas na linguagem audiovisual

Feita a coleta de dados foram definidos os nuacutecleos temaacuteticos ou categorias (PADILHA

2006 PADILHA JOLY 2009) em consonacircncia com os objetivos da pesquisa que

possibilitassem identificar e analisar indiacutecios denotativos do processo de apropriaccedilatildeo e

objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas pequenas por meio dos gecircneros discursivos as

relaccedilotildees que estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos como carta histoacuterias de vida

(livro da vida) e notiacutecia de jornal e a interferecircncia do trabalho pedagoacutegico intencionalmente

planejado nesse processo de apropriaccedilatildeo Desse modo a escolha dos nuacutecleos temaacuteticos nunca eacute

aleatoacuteria pois qualquer opccedilatildeo eacute ideoloacutegica uma vez que ldquoreflete e refrata uma outra realidade

que lhe eacute exterior Tudo que eacute ideoloacutegico possui significado e remete a algo situado fora de si

mesmordquo (BAKHTIN 1992 p 31) Os nuacutecleos temaacuteticos foram definidos com o objetivo de

garantir maior organizaccedilatildeo dos dados e apresentaccedilatildeo da anaacutelise destes e assim poder mergulhar

nas reaccedilotildees nas falas nos silecircncios e atitudes das crianccedilas que expressam as relaccedilotildees

estabelecidas por elas Para tanto assumo como referecircncia teoacuterica os estudos de Padilha (2006) e

Padilha e Joly (2009) estudiosas de Bakhtin e Vygotsky teoacutericos em que este trabalho se

fundamenta

Foram definidos para a anaacutelise dos dados quatro nuacutecleos temaacuteticos divididos em

subnuacutecleos a saber

Conceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo infantil dos

professores e das crianccedilas ndash A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e

escrever na Educaccedilatildeo Infantil A atividade na leitura e na escrita Aspectos da teoria bakhtiniana

para se pensar o ensino da liacutengua O que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os

conceitos das professoras O ensino do ato de ler e de escrever O ensino da liacutengua materna As

praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio

A leitura e a escrita na escola de Educaccedilatildeo Infantil o que pensam as crianccedilas ndash Os conceitos

das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa

48

O ensino da leitura e os gecircneros discursivos ndash A crianccedila e o seu estatuto de leitor A leitura do

gecircnero discursivo carta A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida A leitura do gecircnero

discursivo notiacutecia de jornal

O ensino da linguagem escrita e os gecircneros discursivos ndash A crianccedila e o seu estatuto de re-

criador de textos A escrita do gecircnero discursivo carta A escrita do gecircnero discursivo relatos de

vida A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal

Para a anaacutelise dos dados detive-me ao foco da pesquisa e busquei as ocorrecircncias uacutenicas

os pequenos indiacutecios coletados que se revelavam nas interaccedilotildees e que muitas vezes poderiam

denotar aparente irrelevacircncia mas que se constituem em indiacutecios carregados de significados e

sentidos Ocorrecircncias singulares das crianccedilas nas relaccedilotildees com os gecircneros discursivos em

situaccedilotildees de leitura e de escrita e detalhes na mediaccedilatildeo da professora com as crianccedilas no ensino

do ato de ler e do ato de escrever Por esta razatildeo optei pela abordagem microgeneacutetica que

segundo Goacutees (2000) pode ser caracterizada como uma abordagem

[] orientada para as minuacutecias detalhes e ocorrecircncias residuais como indiacutecios

pistas signos de aspectos relevantes de um processo em curso que elege

episoacutedios tiacutepicos ou atiacutepicos (natildeo apenas situaccedilotildees prototiacutepicas) que permitem

interpretar o fenocircmeno de interesse que eacute centrada na intersubjetividade e o

funcionamento enunciativo-discursivo dos sujeitos e que se guia por uma visatildeo

indicial e interpretativo-conjetural (GOacuteES 2000 p 21)

A anaacutelise microgeneacutetica refere-se a uma forma de construccedilatildeo de dados muito utilizada na

psicologia que tem sido estendida aos estudos na aacuterea da educaccedilatildeo Encontra sua fundamentaccedilatildeo

teoacuterica nos princiacutepios da Teoria Histoacuterico-Cultural sobre o desenvolvimento da mente humana

Ao explicitar sobre essa metodologia de anaacutelise Goacutees (2003) ressalta o significado da sua

terminologia ao esclarecer que natildeo eacute micro por serem os eventos de curta duraccedilatildeo mas por ser

orientada para as minuacutecias indiciais eacute geneacutetica por buscar a gecircnese dos acontecimentos por ser

histoacuterica por relacionar os eventos singulares com outros planos da cultura Arena (2007) aponta

que a abordagem microgeneacutetica como procedimento metodoloacutegico em pesquisas voltadas para o

ensino da leitura e da escrita ainda eacute recente na pesquisa acadecircmica bem como em trabalhos

voltados para a formaccedilatildeo docente

As situaccedilotildees concretas de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos carta relato de vida

por meio do livro da vida e notiacutecia de jornal vivenciadas pelas crianccedilas as relaccedilotildees que elas

49

travaram com esses gecircneros as mediaccedilotildees feitas pela professora e pelas outras crianccedilas

possibilitaram o uso da anaacutelise microgeneacutetica para orientar e direcionar a atenccedilatildeo para os detalhes

das accedilotildees e interaccedilotildees com o entorno em que ocorreu a pesquisa

Outro procedimento metodoloacutegico utilizado foi a anaacutelise do discurso na perspectiva-

enunciativa discursiva de Bakhtin Para aleacutem da anaacutelise da linguagem os estudos de Bakhtin e

seu ciacuterculo fornecem a base para refletir sobre as vozes infantis seus pensamentos e ideias seus

valores suas visotildees de mundo e para perceber os outros com os quais convivem e que se fazem

presentes em seus discursos (ALESSI 2011) Estes estudos permitem pensar sobre as crianccedilas e

as relaccedilotildees estabelecidas com seus pares e com os adultos Em uma perspectiva dialoacutegica de

linguagem e que considera o homem como ser de linguagem a concepccedilatildeo discursiva enunciativa

de Bakhtin enfatiza a importacircncia da alteridade na constituiccedilatildeo dos sujeitos ou seja a interaccedilatildeo

permanente com o outro contribui para a formaccedilatildeo da consciecircncia do homem (ALESSI 2011)

Desse modo baseio-me no pressuposto de que cada enunciado precisa ser analisado

considerando o contexto em que ele ocorre em outras palavras a situaccedilatildeo histoacuterica e social e

seus interlocutores e tambeacutem os discursos anteriores que contribuiacuteram para a constituiccedilatildeo do

sujeito fatores que tornam este enunciado uacutenico (ALESSI 2011) Nessa direccedilatildeo eacute preciso

ressaltar que

[] A verdadeira substacircncia da liacutengua natildeo eacute constituiacuteda por um sistema abstrato

de formas linguumliacutesticas nem pela enunciaccedilatildeo monoloacutegica isolada nem pelo ato

psicofisioloacutegico de sua produccedilatildeo mas pelo fenocircmeno social da interaccedilatildeo verbal

realizada atraveacutes da enunciaccedilatildeo ou das enunciaccedilotildees A interaccedilatildeo verbal constitui

assim a realidade fundamental da liacutengua (BAKHTIN 1992 p 123 grifos do

autor)

Diante do exposto buscou-se incorporar neste trabalho a anaacutelise do discurso na

perspectiva enunciativa discursiva de Bakhtin na tentativa de compreender as vozes das crianccedilas

seus enunciados suas falas os diaacutelogos travados e os silecircncios que tambeacutem podem revelar

elementos dessa dinacircmica social Essa opccedilatildeo pela orientaccedilatildeo enunciativa discursiva bakhtiniana

se deu porque as falas das crianccedilas satildeo entendidas aqui como uma atitude responsiva satildeo

enunciados que sempre vatildeo ao encontro do enunciado do outro e por esse motivo enfoca a

relaccedilatildeo dialoacutegica relaciona interaccedilatildeo discurso e alteridade (BAKHTIN 1992) e coincide assim

com os objetivos da pesquisa

50

Proponho-me tambeacutem a fazer a anaacutelise dos materiais escritos produzidos durante a

pesquisa em dois momentos o primeiro em que me apresento como professora e escriba das

produccedilotildees orais dos sujeitos e num segundo momento os textos produzidos e escritos por eles

proacuteprios

14 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gecircneros discursivos

[] soacute faremos educaccedilatildeo se deixarmos que cada crianccedila realize a sua proacutepria

experiecircncia e adquira os mecanismos em estreita ligaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo do

seu pensamento de outro modo ela desperdiccedila em puro detrimento da sua

formaccedilatildeo de homem as horas mais preciosas da sua existecircncia E forja o

instrumento da sua escravizaccedilatildeo (FREINET 1977 p 77)

A afirmaccedilatildeo de Freinet ressalta o papel do professor e de seu trabalho pedagoacutegico com as

crianccedilas num processo que considera a educaccedilatildeo como humanizaccedilatildeo (VYGOSTKI 1995

MELLO 1997) e que por isso caminha na contramatildeo de um ensino mecacircnico e impositivo que

desconsidera a crianccedila como sujeito de suas aprendizagens

Desse modo apresento neste item a metodologia de ensino da leitura e da escrita por meio

dos gecircneros discursivos carta relato de vida e notiacutecia de jornal com as crianccedilas Como

pesquisadora e professora da turma esclareccedilo que a minha proacutepria praacutetica docente foi elaborada

com o objetivo de inserir as crianccedilas na cultura escrita mediando situaccedilotildees para que pudessem

estabelecer relaccedilotildees com o escrito e vivenciar os diferentes modos de pensar o escrito de forma

dialoacutegica dentro de um processo interativo

Cada etapa do trabalho realizado as atividades e as situaccedilotildees de leitura e de escrita

propostas foram intencionalmente planejadas para e com as crianccedilas e por meio das falas

atitudes expressotildees gestos que elas apresentavam passei a experimentar e a validar os

procedimentos que orientavam o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio dos

gecircneros discursivos mencionados anteriormente tendo em vista o envolvimento interesse e o

desenvolvimento delas Nessa perspectiva Freinet afirma que ldquose o ensino natildeo interessa ao aluno

eacute porque lhe eacute de alguma maneira inacessiacutevel Eacute lamentaacutevel qualquer meacutetodo que pretenda fazer

beber o cavalo que natildeo estaacute com sederdquo (1985 p16 apud ELIAS 1997 p 38)

O trabalho pedagoacutegico ora apresentado foi realizado no contexto das teacutecnicas da

Pedagogia Freinet com diferentes gecircneros discursivos A escolha por realizar um trabalho

51

baseado no contexto dessa pedagogia se justifica pelo fato de a minha praacutetica pedagoacutegica como

professora das crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil compactuar com os princiacutepios que a norteiam

dentre eles ensino cooperativo que privilegia a expressatildeo humana e a crianccedila como ser capaz e

ativo em seu processo de apropriaccedilatildeo da cultura Aleacutem disso eacute possiacutevel estabelecer aproximaccedilotildees

com as ideias de Vygotsky e de Bakhtin teoacutericos nos quais esse trabalho se fundamenta O uso

das teacutecnicas Freinet tambeacutem se justifica devido ao fato de que por meio delas se ampliam as

fontes de investigaccedilatildeo que as crianccedilas utilizam na escola (SAMPAIO 1994) fazem parte de um

legado cultural e buscam a objetivaccedilatildeo da crianccedila por meio das muacuteltiplas linguagens

Para a Teoria Histoacuterico-Cultural o processo de comunicaccedilatildeo eacute o elemento crucial no

processo de apropriaccedilatildeo da cultura A comunicaccedilatildeo gera uma accedilatildeo que gera comunicaccedilatildeo que

gera outra accedilatildeo que estabelece uma relaccedilatildeo material com o objeto De acordo com Leontiev

(1978 p 273)

A comunicaccedilatildeo quer esta se efectue sob a sua forma exterior inicial de

actividade em comum quer sob a forma de comunicaccedilatildeo verbal ou mesmo

apenas mental eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria e especiacutefica do desenvolvimento do

homem na sociedade

Essas ideacuteias se coadunam com as de Freinet e de Bakhtin

Para Freinet a comunicaccedilatildeo eacute uma necessidade da crianccedila e eacute essa compreensatildeo que

justifica a livre expressatildeo como princiacutepio vertebrador na estruturaccedilatildeo de suas teacutecnicas de ensino

Essa comunicaccedilatildeo que se concretiza por meio de diferentes linguagens tem na expressatildeo verbal

seu elemento central A livre expressatildeo segundo Freinet eacute ldquoa proacutepria manifestaccedilatildeo da vidardquo

(FREINET 1979 p 12)

Para Bakhtin (1992) a linguagem eacute interaccedilatildeo social cujo objetivo eacute a comunicaccedilatildeo entre

falanteouvinte entre um eu e um tu comunicaccedilatildeo que requer a atitude responsiva do outro e

isso pressupotildee um princiacutepio geral a reger toda palavra o de que linguagem eacute diaacutelogo

(BAKHTIN 1992) Toda palavra eacute por natureza dialoacutegica porque sempre pressupotildee o outro - o

outro como destinataacuterio e a quem estaacute voltada toda a locuccedilatildeo o outro como discurso ou discursos

(BRANDAtildeO 2005)

Diante dos apontamentos proferidos pode-se dizer que tanto para a Teoria Histoacuterico-

Cultural como para Freinet e para Bakhtin a comunicaccedilatildeo eacute a forma privilegiada da objetivaccedilatildeo

humana e que por sua vez eacute o que impulsiona o processo de humanizaccedilatildeo As teacutecnicas de ensino

52

elaboradas por Freinet natildeo se constituem em um conjunto de teacutecnicas riacutegidas e ortodoxas e natildeo

podem ser compreendidas como um conjunto de regras isoladas mas serem compreendidas em

sua totalidade As teacutecnicas Freinet se baseiam na livre expressatildeo na cooperaccedilatildeo no trabalho e na

autonomia Eacute necessaacuterio enfatizar que a partir do tateamento experimental da vivecircncia a crianccedila

elabora as suas experiecircncias que satildeo uacutenicas individuais e dessa forma as experiecircncias satildeo

construiacutedas e natildeo copiadas promovendo o desenvolvimento da inteligecircncia

O trabalho pedagoacutegico proposto para essa pesquisa ocorreu no contexto das teacutecnicas

Freinet ndash correspondecircncia interescolar livro da vida e jornal da turma ndash porque os textos das

crianccedilas na Pedagogia Freinet tecircm sempre um destinataacuterio real ndash um ldquooutrordquo ndash satildeo produzidos e

lidos para atender a uma necessidade satildeo carregados de funcionalidade e manifestam um desejo

de expressatildeo e por tal razatildeo os gecircneros estatildeo neles presentes Segundo Freinet (apud FREINET

1978 p 60 grifos do autor) ldquoquanto agrave qualidade dos textos e sobretudo do trabalho essa eacute e

seraacute incomparaacutevel porque os nossos impressos foram vividos e sentidos logo completamente

compreendidosrdquo Entende-se assim que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio

dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet materializam o ldquooutrordquo trazem a clareza

do outro para a crianccedila e permitem que a crianccedila estabeleccedila relaccedilotildees intensas e dialoacutegicas com o

escrito

Esta pesquisa parte do pressuposto de que a crianccedila aprende a ler a escrever a falar ou

seja aprende a liacutengua por meio dos gecircneros discursivos e que a escola desde a pequena infacircncia eacute

ldquotomada como autecircntico lugar de comunicaccedilatildeo e as situaccedilotildees escolares como ocasiotildees de

produccedilatildeorecepccedilatildeo de textos Os alunos encontram-se assim em muacuteltiplas situaccedilotildees em que ela eacute

mesmo necessaacuteriardquo (DOLZ SCHNEUWLY 1999 p 8) Posto isto o proacuteprio funcionamento da

escola pode ser transformado de tal modo que as ocasiotildees de re-criaccedilatildeo de textos e de leitura se

ampliam na classe entre as crianccedilas entre classes de uma mesma escola entre escolas diferentes

produzindo forccedilosamente ldquogecircneros novos uma forma toda nova de comunicaccedilatildeo que produz as

formas linguumliacutesticas que a possibilitamrdquo (DOLZ SCHNEUWLY 1999 p 8 grifos dos autores)

Nesse sentido pode-se dizer que

Freinet eacute sem duacutevida quem foi mais longe nesta via que encara com seriedade a

escola como autecircntico lugar de produccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de textos Pensar-se-aacute aqui

particularmente no texto livre na conferecircncia na correspondecircncia escolar no

jornal de classe nos romances coletivos nos poemas individuais (DOLZ

SCHNEUWLY 1999 p 8 ndash 9)

53

Definido o contexto em que se deu a pesquisa e definidos quais gecircneros seriam abordados

no trabalho pedagoacutegico fiz um levantamento bibliograacutefico sobre a obra de Freinet e sobre os

gecircneros discursivos escolhidos ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal Dediquei-me ao estudo

dos gecircneros discursivos e me apropriei deles compreendendo o seu conteuacutedo temaacutetico estilo e

construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003) o que me possibilitou organizar e planejar formas

adequadas e necessaacuterias de realizar o trabalho pedagoacutegico voltado para o ensino e a

aprendizagem da leitura e da escrita e buscar em cada gecircnero discursivo os aspectos essenciais

que possam envolver as crianccedilas criando nelas o interesse e o desejo de ler e de escrever

A preocupaccedilatildeo em planejar com intencionalidade as situaccedilotildees de leitura e de escrita

envolveu a necessidade de organizar os tempos e os espaccedilos destinados a esse fim para que

desde cedo as crianccedilas percebam que existem determinados materiais determinados modos e

determinados lugares de ler e para que percebam a leitura como uma praacutetica cultural e a escrita

como um instrumento cultural Espaccedilos tempos e materiais organizados intencionalmente

propiciam oportunidades propulsoras de um desenvolvimento amplo da crianccedila e do sentido de

infacircncia que decorre dessas experiecircncias e das produccedilotildees infantis que revelam a sua cultura

(FARIA DEMARTINI PRADO 2002) Assim busquei assumir um dos preceitos tatildeo

defendidos por Freinet ldquonatildeo deve haver separaccedilatildeo entre as aprendizagens do meio escolar e da

realidaderdquo (ELIAS 1997 p 74)

Num segundo momento iniciei o trabalho com as crianccedilas introduzindo os gecircneros

discursivos carta relato de vida por meio do livro da vida e num terceiro momento a notiacutecia de

jornal por meio do jornal da turma A introduccedilatildeo de cada um desses gecircneros teve seu iniacutecio na

roda da conversa que tambeacutem eacute uma teacutecnica Freinet realizada diariamente na turma A roda da

conversa eacute um momento em que todo o grupo ndash crianccedilas e professora ndash apresentam novidades

planejam o que faratildeo no dia negociam situaccedilotildees resolvem problemas discutem assuntos

diversificados sobre o que vivem sobre o que vecircem sobre o que sentem comentam sobre os

estudos e pesquisas contam curiosidades planejam avaliam e redirecionam o trabalho Por essas

razotildees a roda confere a todos os participantes do grupo e especialmente agraves crianccedilas o direito de

falarem e de serem ouvidos por todo o coletivo dando a palavra a cada um dos membros Essa

teacutecnica que acontece em dois momentos da aula ndash no iniacutecio e no final ndash corresponde a uma forma

de estabelecer uma relaccedilatildeo de respeito entre as pessoas do grupo e cria o desejo de expressatildeo nas

crianccedilas

54

O gecircnero discursivo carta foi iniciado quando durante a roda da conversa inicial no mecircs

de abril de 2010 ndash ano da realizaccedilatildeo da coleta de dados ndash a coordenadora da escola em que se deu

a pesquisa entregou agraves crianccedilas uma carta de uma turma de Infantil II de uma escola municipal

de Educaccedilatildeo Infantil da zona sul da mesma cidade A correspondecircncia interescolar com uma

professora dessa unidade escolar da zona sul da cidade jaacute ocorria havia trecircs anos na ocasiatildeo da

pesquisa mas as crianccedilas sujeitos da pesquisa participavam pela primeira vez de um trabalho

envolvendo esse gecircnero discursivo Para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi mantida correspondecircncia

com uma turma de crianccedilas de infantil II da zona sul dessa mesma cidade ndash crianccedilas com idades

de cinco anos ndash como explicitado anteriormente e com uma turma de crianccedilas com idades de

quatro e cinco anos da cidade de Campinas ndash SP Ambas as professoras das turmas

correspondentes apresentavam em suas praacuteticas concordacircncia com as ideias da Pedagogia

Freinet

As cartas recebidas antes de serem lidas por mim na condiccedilatildeo de professora eram

abertas e exploradas pelas crianccedilas que as observavam buscavam indiacutecios para fazerem a leitura

levantavam hipoacuteteses sobre o que estava escrito comparavam nomes analisavam os desenhos e

proferiam inuacutemeras perguntas a respeito Essas perguntas eram sempre conversadas na tentativa

de perceber e de entender o que estava por traacutes desses questionamentos e levar as crianccedilas a

buscar relaccedilotildees com o escrito Sempre da chegada de uma carta eu deixava as crianccedilas

manusearem-na livremente Em seguida eu fazia a leitura das cartas e era discutido passo a

passo como seriam produzidas a cartas respostas Nesse processo de re-criaccedilatildeo de gecircneros

discursivos eram discutidas as ideias a serem escritas e a forma como seriam escritas

O livro da vida eacute um compilado de registros escritos dos acontecimentos mais

significativos da turma Refere-se agrave vida das crianccedilas e da professora e nele satildeo anotadas as

vivecircncias do grupo Satildeo as crianccedilas que dizem o que deve ser escrito no livro da vida e esses

registros foram feitos por mim porque as crianccedilas natildeo eram no iniacutecio do trabalho

convencionalmente alfabetizadas Aleacutem da escrita do texto o livro da vida eacute composto por fotos

desenhos e colagens sempre relacionados ao registro escrito Expliquei para as crianccedilas na roda

da conversa tambeacutem no mecircs de abril de 2010 o que eacute o livro da vida como eacute feito o motivo pelo

qual eacute feito e as re-criaccedilotildees de textos orais foram escritas mantendo o mais fidedignamente os

relatos das crianccedilas Os textos re-criados no livro da vida eram em grande parte coletivos ndash

quando se referiam agraves vivecircncias do grupo ndash ou individuais ndash quando eram assuntos pessoais os

55

quais as proacuteprias crianccedilas solicitavam o registro O livro da vida natildeo foi escrito diariamente mas

seguia uma regularidade de cerca de trecircs vezes por semana e os textos eram lidos depois de re-

criados pelas crianccedilas pelos seus pais e familiares membros da escola e pelos correspondentes

quando ocorria anualmente o encontro entre as turmas

O jornal da turma eacute um jornal produzido e editado cooperativamente pelas crianccedilas Eacute

constituiacutedo de falas curiosidades e opiniotildees das crianccedilas sobre suas vivecircncias e descobertas As

informaccedilotildees trazidas pelas crianccedilas e discutidas principalmente na roda da conversa satildeo

transformadas em notiacutecias do jornal do grupo No trabalho com o jornal primeiramente eu

apresentei na hora da leitura um jornal da cidade com uma reportagem em que eu fazia parte do

artigo A hora da leitura eacute um momento diaacuterio em que leio ou conto uma histoacuteria poesia faacutebula

histoacuteria em quadrinhos dentre outros gecircneros discursivos e utilizo uma cadeira pequena para me

posicionar e as crianccedilas se sentam proacuteximas a mim para poderem visualizar as ilustraccedilotildees ou

fotos e acompanhar a leitura Terminada a leitura e de ouvir as impressotildees sobre o artigo lido dei

agraves crianccedilas vaacuterios outros exemplares do jornal da cidade e do Jornal Estado de Satildeo Paulo

(Estadatildeo) e as observei nos primeiros contatos com esse suporte textual e com esse gecircnero

discursivo Registrei as falas as accedilotildees as impressotildees e com esses indiacutecios fiz a leitura de uma

notiacutecia de jornal para as crianccedilas cerca de trecircs vezes por semana para que pudessem se

familiarizar com esse gecircnero discursivo Selecionei antecipadamente as reportagens artigos e

manchetes que seriam lidas considerando as idades e interesses

Paralelamente a isso propus que elaboraacutessemos o jornal da turma e todas as notiacutecias que

compunham o jornal foram trazidas e selecionadas na roda da conversa Para a produccedilatildeo do

jornal utilizei um computador pessoal (notebook) porque a escola natildeo dispunha de um

computador para uso das crianccedilas na sala de aula Inicialmente eu digitei no computador os textos

que eram re-criados oralmente pelas crianccedilas e elas participavam de cada etapa da re-criaccedilatildeo e

acompanhavam o registro Em seguida ilustravam os textos re-criados e nesse processo ensinei-

as a utilizar o computador e com o tempo passaram a fazer o registro dos textos diretamente

nesse recurso com pouca ajuda da minha parte Sampaio (1994 p 77) ressalta que o Instituto

Cooperativo da Escola Moderna (ICEM) fundado por Freinet

() considera que o emprego do computador na escola natildeo tem somente um

sentido pedagoacutegico tem tambeacutem um sentido ideoloacutegico pois estamos num

mundo que dispotildee de uma tecnologia que avanccedila a passos largos sendo

56

indispensaacutevel que a escola forneccedila os recursos necessaacuterios para enfrentar essa

avalanche de novas descobertas Natildeo se eacute livre quando se eacute ignorante (grifos da

autora)

Para a divulgaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo do jornal da turma os textos foram impressos na

impressora da escola e fotocopiados para que cada crianccedila tivesse o seu exemplar levado para

suas casas e lido por seus familiares que emitiam suas opiniotildees e foi tambeacutem enviado para os

correspondentes No trabalho com cada gecircnero discursivo busquei perceber indiacutecios que

denotam possiacuteveis modificaccedilotildees na conduta leitora e produtora de textos das crianccedilas as relaccedilotildees

que estabelecem com os elementos especiacuteficos de cada gecircnero ndash o conteuacutedo temaacutetico a

construccedilatildeo composicional e o estilo (BAKHTIN 2003) ndash e como lidam com esses elementos

nesse processo inicial de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

A praacutetica docente exposta eacute resultado de uma relaccedilatildeo direta e dialoacutegica com os sujeitos da

pesquisa o que promoveu o redirecionamento em cada etapa do trabalho em busca de um ensino

colaborativo em que as crianccedilas atuassem como sujeitos desse processo

15 Crianccedilas e adultos os sujeitos da pesquisa

As crianccedilas se interessam pela vida do seu meio pelas flutuaccedilotildees da natureza e

dos trabalhos e que gostariam de estudar principalmente aquilo que lhes diz

respeito (FREINET 1969 p 133-134)

Essa afirmaccedilatildeo de Freinet remete ao pressuposto de que a crianccedila eacute desde pequena capaz

de estabelecer relaccedilotildees com o mundo que a cerca se apropriar dos significados e atribuir sentidos

a ele (VIGOTSKII 1988 MELLO 2007) Com base nestas consideraccedilotildees o processo de ensino

com a crianccedila deve ser provocador de suas aprendizagens e do seu desenvolvimento e estar

intimamente relacionado com suas experiecircncias com o seu desejo de expressatildeo seu desejo de

conhecer uma educaccedilatildeo e um ensino desenvolventes (DAVIDOV 1988)

Diante disso proponho-me a apresentar a caracterizaccedilatildeo dos sujeitos da pesquisa

elementos fundamentais para a concretizaccedilatildeo deste trabalho Embora seja uma pesquisa com

crianccedilas investiguei por meio da entrevista as quatro professoras que trabalharam com elas desde

o ingresso na referida escola abrangendo assim as professoras das turmas do Berccedilaacuterio Maternal

I Maternal II e Infantil I para compreender como os conceitos de leitura e de escrita dessas

57

professoras e suas praacuteticas docentes interferiram no processo de apropriaccedilatildeo e de objetivaccedilatildeo da

leitura e da escrita das crianccedilas participantes da pesquisa

De acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para preservar a

identidade dos sujeitos as professoras seratildeo denominadas por PB (Professora do Berccedilaacuterio) PM I

(Professora do Maternal I) PM II (Professora do Maternal II) e PI I (Professora do Infantil I)

58

Quadro 1 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes

Professoras Tempo de

Magisteacuterio

(anos)

Tempo de

serviccedilo na

instituiccedilatildeo em

que foi

realizada a

pesquisa

(anos)

Turma em

que lecionou

nos uacuteltimos

quatro anos

(idade dos

alunos)

Experiecircncia

docente em

diferentes

segmentos da

educaccedilatildeo

PB

15 anos

13 anos

Berccedilaacuterio (entre

1 ano e seis

meses 2 anos) e

Maternal I

(entre 2 e 3

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PM I

15 anos

13 anos

Maternal I

(entre 2 e 3

anos) e

Maternal II

(entre 3 e 4

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PM II

5 anos e 6

meses

5 anos e 6

meses

Maternal II

(entre 3 e 4

anos) e

Maternal I

(entre 2 e 3

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PI I

22 anos e 6

meses

5 anos e 6

meses

Preacute III (entre 5

e 6 anos) e

Infantil I (4

anos)

No Ensino

Fundamental

de 1ordm ao 5ordm ano

durante 22

anos e 6 meses

59

Quadro 2 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes quanto agrave formaccedilatildeo

Professoras Magisteacuterio

(CEFAM)

Pedagogia

(Instituiccedilatildeo

Puacuteblica)

Pedagogia

(Instituiccedilatildeo

Particular)

Especializaccedilatildeo

ou Poacutes-

Graduaccedilatildeo

PB

X

X

PM I

X

X

PM II

X

X

Psicopedagogia

PI I

X

X

Ao realizar uma anaacutelise dos quadros verifica-se que somente uma das professoras possui

menos de 10 anos de magisteacuterio e iniciou sua carreira docente na instituiccedilatildeo em que foi realizada

a pesquisa Verifica-se tambeacutem que durante quatro anos os quatro anos em que as crianccedilas

percorreram do Berccedilaacuterio ao Infantil I as professoras natildeo apresentaram alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo agraves

turmas em que lecionaram permanecendo relativamente com turmas da mesma etapa de crianccedilas

da mesma idade no miacutenimo por dois anos Todas dedicaram a maior parte do tempo dos seus

serviccedilos no magisteacuterio na referida unidade escolar e somente PI I tem a maior parte de sua

experiecircncia docente no Ensino Fundamental de 1ordm ao 5ordm ano em que atuou durante muitos anos

como professora alfabetizadora dos anos iniciais

Com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo profissional todas cursaram o Magisteacuterio (CEFAM ndash Centro

Especiacutefico de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento do Magisteacuterio) se graduaram em Pedagogia (Curso

Superior completo) realizada em universidade puacuteblica e somente PM II tinha especializaccedilatildeo lato

sensu em Psicopedagogia

Esta pesquisa foi realizada com 20 crianccedilas de uma turma de Infantil II da Educaccedilatildeo

Infantil ndash uacuteltima turma antes de ingressarem no Ensino Fundamental ndash de uma escola puacuteblica

municipal da cidade de Mariacutelia ndash SP que frequentavam a escola em periacuteodo parcial sendo o

periacuteodo da tarde A escola por se tratar de uma EMEI Creche (Escola Municipal de Educaccedilatildeo

Infantil e Creche) tambeacutem atende a crianccedilas no periacuteodo integral As crianccedilas seratildeo denominadas

por C1 C2 C3 e assim sucessivamente na intenccedilatildeo de resguardar as identidades sem contudo

lhes negar a autoria da sua participaccedilatildeo

60

Quadro 3 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos crianccedilas

Crianccedilas

Idades

Turma em que ingressou

na unidade escolar da

referida pesquisa

C1 5 anos Berccedilaacuterio

C2 5 anos Berccedilaacuterio

C3 5 anos Berccedilaacuterio

C4 5 anos Berccedilaacuterio

C5 6 anos Berccedilaacuterio

C6 5 anos Berccedilaacuterio

C7 5 anos Berccedilaacuterio

C8 5 anos Berccedilaacuterio

C9 5 anos Berccedilaacuterio

C10 5 anos Maternal I

C11 6 anos Berccedilaacuterio

C12 5 anos Berccedilaacuterio

C13 6 anos Berccedilaacuterio

C14 5 anos Infantil II

C15 5 anos Berccedilaacuterio

C16 5 anos Berccedilaacuterio

C17 5 anos Maternal I

C18 5 anos Infantil II

C19 5 anos Infantil II

C20 6 anos Infantil II

Por meio da anaacutelise do quadro da caracterizaccedilatildeo dos sujeitos verifica-se que das vinte

crianccedilas participantes apenas quatro delas completaram seis anos ainda na Educaccedilatildeo Infantil

Isso ocorreu devido ao fato de que na ocasiatildeo do remanejamento das turmas para atender a

implantaccedilatildeo da lei que institui o Ensino Fundamental de nove anos ndash e portanto as crianccedilas

61

passaram a ingressar nesse segmento com cinco anos e seis meses ndash elas permaneceram na

Educaccedilatildeo Infantil por opccedilatildeo dos pais e por completarem seis anos no segundo semestre do ano de

realizaccedilatildeo da pesquisa Desse modo a turma era formada predominantemente de crianccedilas com

cinco anos

A maioria ndash quatorze delas ndash encontra-se na instituiccedilatildeo escolar em que ocorreu a pesquisa

desde o Berccedilaacuterio (quando tinham entre 1 ano e seis meses e dois anos) duas crianccedilas ingressaram

a partir do Maternal I (quando tinham entre dois e trecircs anos) e quatro delas comeccedilaram na turma

Infantil II (quando tinham entre cinco e seis anos) no ano da realizaccedilatildeo da pesquisa Essas

uacuteltimas vieram transferidas de outras unidades da proacutepria cidade sendo que duas delas

frequentaram outras escolas desde o Maternal I e outras duas crianccedilas desde o Maternal II

(quando tinham entre trecircs e quatro anos)

A maior parte das crianccedilas residia no proacuteprio bairro em que se localizava a escola ou em

bairros bem proacuteximos e uma minoria delas em uma favela ndash apenas duas delas ndash situada nos

arredores Noventa e cinco por cento dos pais natildeo completaram o segundo grau na sua

escolarizaccedilatildeo possuiacuteam baixa renda ndash cerca de um ou dois salaacuterios miacutenimos ndash e a maioria exercia

trabalhos de serviccedilos gerais (diaristas mecacircnicos pintores eletricistas pedreiros distribuidor de

gaacutes de cozinha) eram funcionaacuterios em casas comerciais ou em faacutebricas Somente dois deles

possuiacuteam o ensino superior completo

Neste trabalho atuei como pesquisadora e professora da turma Desempenhei minhas

funccedilotildees no magisteacuterio durante dez anos em uma escola da rede particular de ensino e na ocasiatildeo

da pesquisa fazia cerca de cinco anos e meio que eu havia iniciado minhas funccedilotildees como

professora na rede puacuteblica municipal na aacuterea da Educaccedilatildeo Infantil

O trabalho realizado direcionado ao ensino da leitura e da escrita por meio dos gecircneros

discursivos carta relatos de vida e notiacutecia de jornal com as crianccedilas ocorreu entre os meses de

maio e dezembro do ano de 2010

Vale esclarecer que me proponho a apresentar este trabalho com o entrelaccedilamento da

anaacutelise dos dados e o aporte teoacuterico adotado nesta pesquisa concomitantemente sem a costumeira

divisatildeo em duas partes capiacutetulos destinados agrave discussatildeo mais teoacuterica e capiacutetulo de anaacutelise dos

dados destinado mais agraves questotildees praacuteticas empiacutericas Farei a apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

simultaneamente agrave discussatildeo e ao aprofundamento teoacuterico assumido nessa pesquisa apoiado na

Teoria Histoacuterico-Cultural defendida por Vygotsky e seus colaboradores pela concepccedilatildeo de

62

linguagem e gecircnero discursivo de Bakhtin e pelos estudiosos da leitura e da escrita Essa proposta

ocorre na tentativa de ser coerente com a concepccedilatildeo de pesquisa apresentada no iniacutecio deste

capiacutetulo na busca de superaccedilatildeo da dicotomizaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na minha docecircncia e na

pesquisa apresentada

63

CAPIacuteTULO II

CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA NA

EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DOS PROFESSORES E DAS CRIANCcedilAS

Para o estudo da liacutengua o princiacutepio tradicional estaacute em evitar que a crianccedila

redija antes de ter adquirido um suficiente domiacutenio pelo estudo racional das

regras gramaticais e sintaacutecticas Receia-se que os maus haacutebitos das primeiras

tentativas se gravam definitivamente em regras de vida e que a crianccedila natildeo saiba

seguir em frente Soacute deve pois comeccedilar a escrever palavras quando tiver

aprendido primeiro a traccedilar os seus exerciacutecios caligraacuteficos e a seguir a desenhar

as letras natildeo deve empregar as palavras para exprimir o seu proacuteprio pensamento

antes de lhes conhecer o sentido formal e a ortografia Natildeo deve arriscar-se no

paraacutegrafo e menos ainda no texto antes de ter penetrado nas essenciais regras

sintaacutecticas Tais satildeo as prescriccedilotildees oficiais reflexo das concepccedilotildees ainda

dominantes na pedagogia Eacute uma concepccedilatildeo (FREINET 1977 p 69)

Ao considerar estas afirmaccedilotildees de Freinet quanto ao ensino e a aprendizagem da liacutengua

escrita numa perspectiva tradicional e na eacutepoca em que foram proferidas pode-se dizer que

algumas dessas praacuteticas ainda satildeo reproduzidas desde a Educaccedilatildeo Infantil Um ensino pautado na

identificaccedilatildeo e no traccedilados das letras ou ainda na compreensatildeo das regras gramaticais

ortograacuteficas e sintaacuteticas desvinculadas de um contexto e de um fazer que natildeo condizem com a

necessidade de expressatildeo dos sujeitos aprendentes eacute uma das concepccedilotildees de ensino e de

aprendizagem da liacutengua vigente em nossa sociedade e que simula a aprendizagem da liacutengua

Eacute na contramatildeo dessa concepccedilatildeo de ensino e de aprendizagem da liacutengua escrita que este

trabalho se apresenta e se propotildee a compreender como as crianccedilas de cinco e seis anos se

apropriam e objetivam a leitura e a escrita por meio dos gecircneros discursivos num processo

dialoacutegico e dinacircmico em que essa apropriaccedilatildeo se constitui como uma forma de humanizaccedilatildeo

Para tanto nesse capiacutetulo seratildeo abordados por meio da anaacutelise dos dados coletados nas

entrevistas os conceitos de leitura e de escrita de gecircneros discursivos de ensino e de

aprendizagem das professoras participantes da pesquisa e como eles influenciam os conceitos

ainda em elaboraccedilatildeo pelas crianccedilas

Tal anaacutelise seraacute fundamentada na concepccedilatildeo de linguagem de liacutengua e de gecircnero

discursivo de Bakhtin e na concepccedilatildeo de crianccedila de ensino e de aprendizagem de leitura e de

escrita de Vygotsky e de outros estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural

64

21 A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e escrever na

Educaccedilatildeo Infantil

Vivemos em uma sociedade que se organiza fundamentalmente por meio de praacuteticas

escritas em uma sociedade letrada motivo por que ler e escrever satildeo condiccedilotildees necessaacuterias para

se participar dessa sociedade (BERNARDIN 2003 BRITTO 2003 2005) Durante muito

tempo acreditou-se que conhecer o coacutedigo escrito era suficiente para fazer introduzir a crianccedila na

cultura escrita mas estudos e pesquisas na aacuterea da educaccedilatildeo e da linguiacutestica revelam que apenas

conhecer o coacutedigo escrito natildeo eacute suficiente para se fazer uso da liacutengua escrita nas diferentes

situaccedilotildees cotidianas e introduzir-se nessa cultura escrita

Diante disso depreende-se que a escrita e a leitura fazem parte da vida da crianccedila desde

muito cedo antes que ela comece a frequentar a escola Vigostkii (1988 p 109) ressalta que ldquoa

aprendizagem da crianccedila comeccedila muito antes da aprendizagem escolar A aprendizagem escolar

nunca parte do zero Toda aprendizagem da crianccedila na escola tem uma preacute-histoacuteriardquo Assim as

relaccedilotildees que a crianccedila pequena vai estabelecer com o escrito por meio das vivecircncias de situaccedilotildees

de leitura e de escrita mediadas pelo Outro seratildeo cruciais nesse processo de apropriaccedilatildeo da

liacutengua

A grande preocupaccedilatildeo da escola e em geral dos professores eacute formar leitores e produtores

de textos Tal preocupaccedilatildeo eacute compreensiacutevel desde a Educaccedilatildeo Infantil porque a escrita eacute um

instrumento que permite a participaccedilatildeo das pessoas na cultura letrada e proporciona-lhes o acesso

natildeo somente agraves informaccedilotildees que facilitam o seu dia a dia mas tambeacutem ao conjunto do

conhecimento registrado ao longo da histoacuteria que pode ser usado por elas para melhorar suas

vidas em qualquer lugar em que estejam (MILLER MELLO 2008 p 4)

Mas o que eacute formar o leitor e o re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Como isso

acontece na escola da pequena infacircncia4 Esta pesquisa busca responder estas perguntas na

medida em que tenta compreender como a crianccedila pode participar ativamente da cultura escrita

desde a Educaccedilatildeo Infantil e estabelecer relaccedilotildees intensas com essa cultura Esse argumento natildeo

se coaduna com a escolarizaccedilatildeo precoce da crianccedila mas sugere pensar em formas de se garantir a

ela as vivecircncias necessaacuterias e adequadas na escola de Educaccedilatildeo Infantil a interaccedilatildeo dinacircmica

com a liacutengua em seu funcionamento e o diaacutelogo com o escrito Antecipar a escolarizaccedilatildeo da

4 Por pequena infacircncia refiro-me agraves crianccedilas de 0 a 6 anos que compotildeem a Educaccedilatildeo Infantil

65

crianccedila em detrimento de vivecircncias adequadas e necessaacuterias eacute abreviar a infacircncia e desconsiderar

a crianccedila e as especificidades do aprender e do seu desenvolvimento

Para Vigotskii (1988 p110) ldquoaprendizagem e desenvolvimento natildeo entram em contato

pela primeira vez na idade escolar mas estatildeo ligados entre si desde os primeiros dias de vida da

crianccedilardquo A aceleraccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo (ZAPHOROacuteZETS 1987 MELLO 1999) e a

preocupaccedilatildeo em alfabetizar as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil ndash com ecircnfase no domiacutenio do coacutedigo

linguiacutestico sem fazer o uso social da leitura e da escrita para o cotidiano ndash faz perpetuar

procedimentos de educaccedilatildeo tecnicista (BRITTO 2005) abrevia a infacircncia e influencia todo o

desenvolvimento da inteligecircncia e da personalidade da crianccedila (MUKHINA 1996 MELLO

1999) Dessa maneira o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita natildeo a envolvem porque

satildeo destituiacutedos de sentido para ela e na maioria das vezes natildeo se tornam atividades no sentido

defendido por Leontiev (1988)

A antecipaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo eacute sustentada pela ideia de quanto mais cedo a crianccedila for

introduzida de forma sistemaacutetica nas praacuteticas da escrita quanto mais cedo assumir o estatuto de

aluno maiores seratildeo suas possibilidades de sucesso na escola na vida e no progresso tecnoloacutegico

do paiacutes Isso decorre da pressatildeo dos pais mas principalmente da formaccedilatildeo dos professores que

trabalham com a Educaccedilatildeo Infantil (MELLO 2005)

Com a escolarizaccedilatildeo precoce da crianccedila o tempo que seria ocupado com brincadeiras

faz-de-conta jogos conversa em grupo ndash em que as crianccedilas contam suas novidades comentam

experiecircncias e conferem significados agraves situaccedilotildees vividas ndash daacute lugar a exerciacutecios de escrita agrave

repeticcedilatildeo e agrave oralizaccedilatildeo de letras siacutelabas e palavras Desse modo as atividades de expressatildeo

como o desenho a pintura a brincadeira de faz-de-conta a modelagem a danccedila a muacutesica a

construccedilatildeo a poesia a proacutepria fala satildeo comumente vistas na escola como improdutivas e

desnecessaacuterias mas na verdade satildeo fundamentais para a formaccedilatildeo da identidade da inteligecircncia

e da personalidade da crianccedila e sobretudo constituem as bases para a aquisiccedilatildeo da escrita como

um instrumento cultural complexo (MELLO 2005)

66

De acordo com estas afirmaccedilotildees entende-se que a linguagem escrita se constitui como

linha acessoacuteria e natildeo como linha central do desenvolvimento da crianccedila de cinco e seis anos

Sobre isso Vygotski (1996 p 262 grifos do autor traduccedilatildeo nossa)5 explica

() em cada etapa de idade encontramos sempre uma nova forma central como

uma espeacutecie de guia para todo o processo do desenvolvimento que caracteriza a

reorganizaccedilatildeo de toda a personalidade da crianccedila sobre uma base nova Em

torno da nova formaccedilatildeo central ou baacutesica da idade dada se situam e se agrupam

as restantes novas formaccedilotildees parciais relacionadas com facetas isoladas da

personalidade da crianccedila assim como os processos de desenvolvimento

relacionados com as novas formaccedilotildees de idades anteriores Chamaremos de

linhas centrais de desenvolvimento da idade dada aos processos de

desenvolvimento que se relacionam de maneira mais ou menos imediata com a

nova formaccedilatildeo principal enquanto que todos os demais processos parciais

assim como as mudanccedilas que se produzem em cada idade receberatildeo o nome de

linhas acessoacuterias de desenvolvimento

O autor esclarece ainda que os processos que satildeo linhas centrais em uma idade se

convertem em linhas acessoacuterias de desenvolvimento na idade seguinte e vice-versa ou seja as

linhas acessoacuterias de desenvolvimento de uma idade passam a ser principais em outra porque

ldquomodifica seu significado e seu peso especiacutefico na estrutura geral do desenvolvimento muda sua

relaccedilatildeo com a nova formaccedilatildeo central Na passagem de uma etapa de idade a outra se reconstroacutei

toda sua estrutura Cada idade possui sua proacutepria estrutura especiacutefica uacutenica e irrepetiacutevelrdquo

(VYGOTSKI 1996 p 262)6

Desse modo o tiacutetulo do capiacutetulo ora apresentado eacute pertinente porque a antecipaccedilatildeo da

escolarizaccedilatildeo confere agrave crianccedila uma condiccedilatildeo de aluno na Educaccedilatildeo Infantil e natildeo de crianccedila que

aprende Ela acaba por perder o seu estatuto de crianccedila para assumir o estatuto de aluno Ao tratar

5 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1996 p 262 grifos do autor) () em cada etapa de edad encontramos

siempre una nueva formacioacuten central como una especie de guiacutea para todo el proceso del desarrollo que caracteriza la

reorganizacioacuten de toda la personalidad del nintildeo sobre una base nueva En torno a la nueva formacioacuten central o baacutesica

de la edad dada se situacutean y agrupan las restantes nuevas formaciones parciales relacionadas con facetas aisladas de la

personalidad del nintildeo asiacute como los procesos de desarrollo relacionados com las nuevas formaciones de edades

anteriores Llamaremos liacuteneas centrales de desarrollo de la edad dada a los procesos del desarrollo que se

relacionam de manera maacutes o menos inmediata com la nueva formacioacuten principal mientras que todos los demaacutes

procesos parciales asiacute como los cacircmbios que se producem en dicha edad recibiraacuten el nombre de liacuteneas accesorias de

desarrollo 6 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1996 p 262) () se modifica su significado y peso especiacutefico en la

estructura general del desarrollo cambia su relacioacuten com la nueva formacioacuten central En el paso de una etapa de edad

a outra se reconstruye toda su estructura Cada edad posee su propia estructura especiacutefica uacutenica e irrepetible

67

essa questatildeo natildeo se admite com isso um espontaneiacutesmo no processo de ensino e de

aprendizagem porque para que as aprendizagens aconteccedilam haacute sempre o adulto e o professor

que ensina e que desempenha essa funccedilatildeo haacute a orientaccedilatildeo do professor que planeja

intencionalmente seu trabalho pedagoacutegico e que medeia esse processo O que estaacute em jogo nesta

afirmaccedilatildeo eacute o fato de as praacuteticas pedagoacutegicas vivenciadas pelas crianccedilas pequenas serem

escolarizadas do Ensino Fundamental e repassadas agrave Educaccedilatildeo Infantil natildeo condizentes com os

interesses e necessidades das crianccedilas nesse periacuteodo da vida e negando as especificidades do

aprender e da sua atividade principal de cada idade (LEONTIEV 1988)

Estudos da sociologia da infacircncia afirmam que durante muito tempo a sociologia se

ocupou do aluno e natildeo da crianccedila Reconhecer a crianccedila como tal eacute percebecirc-la como sujeito

ativo competente participativo inteiro (VYGOTSKYI 1995) como ldquoseres soacutecio-histoacutericos-

geograacuteficos (estatildeo presentes em um tempo e um espaccedilo)rdquo (JUIZ DE FORA 2008 p 23) e assim

produtores e influenciadores da cultura e da sociedade Essa crianccedila ativa sujeito de suas

aprendizagens eacute capaz de opinar sobre o seu proacuteprio processo de fazer escolhas de estabelecer

relaccedilotildees de atribuir significados e de produzir sentidos Satildeo seres brincantes e coletivos que se

singularizam na vivecircncia com seus pares e com sujeitos que os cercam (JUIZ DE FORA 2008)

Ao abordar sobre o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pela

crianccedila eacute preciso apresentar a concepccedilatildeo de cultura escrita que fundamenta este trabalho

Cultura escrita eacute de todos os termos o mais amplo e que procura caracterizar

um modo de organizaccedilatildeo social cuja base eacute a escrita ndash algo que natildeo se modificou

em essecircncia mesmo com o advento das novas tecnologias resultantes do modo

de fazer ciecircncia e da organizaccedilatildeo do sistema produtivo que se constituiacuteram na

sociedade ocidental [] Cultura escrita implica valores conhecimentos modos

de comportamento que natildeo se limitam ao uso objetivo do escrito Entre os

toacutepicos proacuteprios de investigaccedilatildeo e de intervenccedilatildeo nessa aacuterea estariam a relaccedilatildeo

da escrita com o desenvolvimento a inter-relaccedilatildeo escritaoralidade as demandas

por habilidades cognitivas e o modo de produccedilatildeo atual (BRITTO 2005 p 15)

Diante desses pressupostos Britto (2005) afirma ainda que

Aiacute estaacute um desafio difiacutecil inserir a crianccedila no mundo da escrita eacute mais que

alfabetizaacute-la se entendermos por alfabetizaccedilatildeo apenas o domiacutenio do coacutedigo ou

eacute iniciar a alfabetizaccedilatildeo se compreendermos por alfabetizaccedilatildeo a inclusatildeo em um

universo cultural complexo em que a escrita aparece como mediadora de valores

68

e de formas de conhecimento Nessa loacutegica o processo de letramento

(alfabetizaccedilatildeo) comeccedila antes do ensino fundamental e natildeo se interrompe sequer

com terminalidade da escolaridade regular Letramento (ou alfabetizaccedilatildeo) nesse

sentido significa viver no mundo da escrita dominar os discursos da escrita ter

condiccedilotildees de operar com os modos de pensar e produzir da cultura escrita

(BRITTO 2005 p 17)

Ferreira (2005) concordando com as ideacuteias apresentadas acrescenta que

[] os primeiros anos devem ser aqueles que permitam que as crianccedilas

imprimam nesta sociedade escrituriacutestica a instabilidade da demarcaccedilatildeo a

estrangeiridade sem fronteiras a fabricaccedilatildeo de uma linguagem De uma

linguagem que acolhe e integra natildeo soacute sua concepccedilatildeo como instrumento de luta

ideoloacutegica como comunicaccedilatildeo ou registro de algo mas principalmente que traz

em seu modo histoacuterico e social o aspecto da constituiccedilatildeo do homem como

sujeito enraizado na coletividade no diaacutelogo de quem se produz no outro na

capacidade do indiviacuteduo de interrogar-se surpreender-se indignar-se

(FERREIRA 2005 sp)

Diante desses pressupostos inserir-se na cultura escrita eacute modificar a relaccedilatildeo com a

linguagem e com o mundo a sua volta (BERNARDIN 2003) Na medida em que a crianccedila

vivencia a experiecircncia dos objetos da cultura escrita os modos como os seus gecircneros satildeo

organizados eacute que encontraraacute sentido nela (BRITTO 2005 p 17) A condiccedilatildeo de participaccedilatildeo

na cultura escrita estaacute intimamente relacionada tanto a discursos que se elaboram em diferentes

instituiccedilotildees e em praacuteticas sociais orais e escritas quanto a muitos objetos procedimentos

atitudes como formas sociais de expressatildeo entre elas a expressatildeo em liacutengua escrita (GOULART

2006 p 450) Assim eacute possiacutevel pensar que eacute na Educaccedilatildeo Infantil que as crianccedilas devem iniciar

esse processo de inserccedilatildeo e participaccedilatildeo na cultura escrita e eacute na escola da pequena infacircncia que

se deve pensar nos modos de se promover vivecircncias para que essa inserccedilatildeo e participaccedilatildeo

ocorram de forma necessaacuteria e adequada

O processo de apropriaccedilatildeo e o de objetivaccedilatildeo da liacutengua escrita satildeo na essecircncia um uacutenico

processo o de internalizaccedilatildeo da liacutengua em seu funcionamento como conjunto siacutegnico de

interaccedilatildeo entre as pessoas Nessa perspectiva natildeo se dicotomiza alfabetizaccedilatildeo e letramento como

dois processos separados mas como um processo discursivo interativo para a humanizaccedilatildeo das

crianccedilas Ao se tratar da formaccedilatildeo leitora e escritora de textos na Educaccedilatildeo Infantil vale ressaltar

que a crianccedila aprende de uma forma especiacutefica em cada idade Para aprender eacute preciso que seja

ativa nesse processo sujeito de suas aprendizagens Aprender envolve dar sentido ao que se

69

aprende Quando a crianccedila compreende o motivo do que lhe eacute proposto e atua motivada por esse

objetivo eacute capaz de atribuir sentidos positivos agrave atividade

22 A atividade na leitura e na escrita

Leontiev (1987 1988) esclarece que o fazer humano tem sempre um objetivo e um

resultado previsto para a accedilatildeo Quando o objetivo que leva agrave accedilatildeo coincide com o resultado a

crianccedila estaacute em atividade e a atividade vai ser definida pelo grau de sentido que aquele fazer tem

para ela porque garante um profundo envolvimento emocional e cognitivo Sobre isso Leontiev

(1987 p 10) esclarece que

A base ontogeneacutetica do desenvolvimento da consciecircncia (psiquismo) do homem

eacute o desenvolvimento de sua atividade durante a realizaccedilatildeo de uma atividade

nova no sujeito surgem umas ou outras funccedilotildees novas da consciecircncia (por

exemplo quando a crianccedila de idade preescolar realiza a atividade de brincar

nele surgem funccedilotildees psiacutequicas tais como a imaginaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo

simboacutelica) A cada periacuteodo evolutivo da vida do homem lhe eacute inerente uma

atividade principal (ou guia) sobre cuja base surgem e se formam as novas

estruturas psicoloacutegicas da idade dada (LEONTIEV 1987 p 10 grifos do autor

traduccedilatildeo nossa)7

A atividade principal eacute a atividade pela qual a crianccedila melhor se relaciona com o mundo

fiacutesico com o mundo dos objetos com que ela organiza e reorganiza os processos de pensamento

de memoacuteria e eacute por ela que a crianccedila promove as mudanccedilas mais significativas nos processos

psiacutequicos e nos traccedilos da sua personalidade

Nessa perspectiva os fazeres propostos para as crianccedilas pela escola tem mais

possibilidades de se estabelecerem como atividades quanto maior for a participaccedilatildeo da crianccedila na

escola e quando o professor criar necessidades humanizadoras ndash necessidade de conhecer de se

expressar de se sentir parte integrante do grupo ndash ao trazer elementos para dar corpo agrave atividade

(MELLO 2005) Nesse processo o professor da infacircncia pode considerar as regularidades do

desenvolvimento infantil e perceber os periacuteodos sensitivos nesse desenvolvimento Vygotski

7 Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV 1987 p 10) La base ontogeneacutetica del desarrollo de la consciencia

(psiquis) del hombre es el desarrollo de su actividad durante la realizacioacuten de una actividad nueva en el sujeto

surgen unas u otras funciones nuevas de la consciencia (por ejemplo cuando el nintildeo de edad preescolar realiza la

actividad de juego en eacutel surgen funciones psiacutequicas tales como la imaginacioacuten y la sustituicioacuten simboacutelica) A cada

periacuteodo evolutivo de la vida del hombre le es inherente una actividad principal (o rectora) sobre cuya base surgen y

se forman las nuevas estructuras psicoloacutegicas de la edad dada

70

(1995) considera que a intervenccedilatildeo do professor sobre o processo de desenvolvimento das

crianccedilas seraacute mais adequada se considerar o momento do desenvolvimento psiacutequico e cultural A

influecircncia da educaccedilatildeo sobre determinada funccedilatildeo psiacutequica seraacute mais efetiva no momento em que

esta funccedilatildeo estiver em desenvolvimento porque este seraacute o momento adequado para influenciar e

potencializar seu desenvolvimento em vez de ser quando uma determinada funccedilatildeo natildeo tem ainda

as bases necessaacuterias para o seu desenvolvimento ou em contrapartida quando uma funccedilatildeo jaacute estaacute

plenamente desenvolvida porque isso implicaria retomar um desenvolvimento jaacute cristalizado

desfazer processos e recuperar desvios (MELLO 2005) Diante do exposto cabe ao professor da

infacircncia considerar as regularidades do desenvolvimento infantil conhecer suas especificidades e

perceber os periacuteodos sensitivos do desenvolvimento Desse modo consideraraacute a forma de

atividade por meio da qual a crianccedila se apropria do mundo nas diferentes etapas do seu

desenvolvimento

Esse pressuposto eacute crucial para o entendimento do processo de ensino e de aprendizagem

desde a Educaccedilatildeo Infantil e assim da apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pela crianccedila pequena

foco desse trabalho Natildeo se trata somente de oferecer grande quantidade de informaccedilotildees porque

isso natildeo garante a apropriaccedilatildeo dessas informaccedilotildees O que se enfatiza satildeo as relaccedilotildees que vatildeo

estabelecer com essas informaccedilotildees e ainda a maneira pela qual estas relaccedilotildees seratildeo mediadas

pelo professor ou por outros

Nesse contexto o processo de ensino e de aprendizagem eacute um diaacutelogo que se estabelece

entre a crianccedila e a cultura Ela natildeo se apropriaraacute da leitura e da escrita somente porque pais e

professores desejam ou porque os professores datildeo tarefas de reproduccedilatildeo repetitiva de grafar as

letras e de oralizaacute-las mas porque poderatildeo se apropriar da leitura e da escrita quando fizerem

sentido para elas quando conviverem com esses atos de forma dialoacutegica e dinacircmica quando o

resultado responde a uma necessidade criada

Nesses processos de ensino aprendizagem e de desenvolvimento entende-se que o sujeito

aprende historicamente num dado contexto cultural dentro das condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo

de que participa (LEONTIEV 1988) e nas relaccedilotildees que estabelece com o outro porque se

constitui nessa relaccedilatildeo Essa afirmaccedilatildeo na perspectiva da Teoria Histoacuterico-Cultural estaacute em

consonacircncia com a concepccedilatildeo bakhtiniana Bakhtin (1992) esclarece que o sujeito se constitui

socialmente por meio de suas interaccedilotildees e de seus diaacutelogos O princiacutepio baacutesico da filosofia

71

bakhtiniana se encontra nessa proposiccedilatildeo ou seja a de o sujeito se constituir na relaccedilatildeo com o

outro

Ao abordar neste trabalho o pressuposto de que as relaccedilotildees com a escrita devem ser

dialoacutegicas e dinacircmicas me apoio na concepccedilatildeo de diaacutelogo para Bakhtin e seu ciacuterculo 8

23 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da liacutengua

A palavra diaacutelogo eacute comumente usada para designar uma determinada forma

composicional em narrativas escritas representando a conversa dos personagens ou ainda para

designar a sequecircncia de fala dos personagens no texto dramaacutetico bem como o desenrolar da

conversaccedilatildeo na interaccedilatildeo face a face (FARACO 2009 p 60) Bakhtin e seu ciacuterculo natildeo assumem

essas posiccedilotildees O diaacutelogo concreto (a conversaccedilatildeo cotidiana a discussatildeo cientiacutefica o debate

poliacutetico entre outros) as relaccedilotildees entre reacuteplicas de tais diaacutelogos satildeo apenas tipos mais simples e

mais visiacuteveis de relaccedilotildees dialoacutegicas mas essas relaccedilotildees natildeo coincidem com as relaccedilotildees entre as

reacuteplicas do diaacutelogo concreto ndash ldquoelas satildeo muito mais amplas mais variadas e mais complexasrdquo

(BAKHTIN 19591960 p 124 apud FARACO 2009 p 61)

As relaccedilotildees dialoacutegicas satildeo relaccedilotildees entre iacutendices sociais de valor que constituem parte

inerente de todo enunciado entendido natildeo mais como unidade da liacutengua mas como unidade da

interaccedilatildeo social ldquonatildeo como um complexo de relaccedilotildees entre palavras mas como um complexo de

relaccedilotildees entre pessoas socialmente organizadasrdquo (FARACO 2009 p 66)

Eacute nesse encontro do eu com o outro que o sujeito se constitui Eacute na relaccedilatildeo do sujeito com

os gecircneros do discurso com o professor com seus pares com a cultura que a crianccedila pequena

inicia esse processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua Eacute na alteridade que o sujeito se reconhece como

tal ldquoque nos potildee diante da inescapaacutevel buscaencontro com o Outro desde o bdquooutro-de-mim‟ ateacute

o Outro que bdquonatildeo sou eu‟ (MIOTELLO 2012 p 12)

O ser se reflete no outro refrata-se A partir do momento que o indiviacuteduo se

constitui ele tambeacutem se altera constantemente E esse processo natildeo surge de

sua proacutepria consciecircncia eacute algo que se consolida socialmente atraveacutes das

8 Segundo Faraco (2009 p 13) por ciacuterculo de Bakhtin entende-se um grupo de intelectuais (boa parte nascida por

volta da metade de 1890) que se reuniu regularmente de 1919 a 1929 primeiro em Nevel e Vitebsk e depois em Satildeo

Petersburgo (agrave eacutepoca rebatizada de Leningrado) Esse grupo era constituiacutedo por pessoas de diversas formaccedilotildees

interesses intelectuais e atuaccedilotildees profissionais que se dedicaram ao estudo de diferentes temas principalmente

relacionados agrave filosofia e agrave linguagem

72

interaccedilotildees das palavras dos signos Constituiacutemo-nos e nos transformamos

sempre atraveacutes do outro Eacute isso tambeacutem que move a liacutengua (GRUPO DE

ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p13 grifos dos

autores)

O trabalho ora apresentado busca compreender esse processo inicial de apropriaccedilatildeo da

leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos e coloca-as em contato direto com textos

quer seja em situaccedilotildees de leitura quer seja em situaccedilotildees de escrita e nesse contexto os textos

lidos e re-criados sempre tinham um destinataacuterio real o outro

Esse processo de participaccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita e de apropriaccedilatildeo da liacutengua

materna ocorreu dentro de um trabalho pedagoacutegico intencionalmente planejado com os gecircneros

discursivos Os gecircneros do discurso satildeo ldquotipos relativamente estaacuteveis de enunciadosrdquo que

produzidos nas diferentes esferas de utilizaccedilatildeo da liacutengua organizam o discurso em outras

palavras em cada esfera de atividade social os falantes utilizam a liacutengua de acordo com gecircneros

especiacuteficos (BAKHTIN 2003) Sem eles a comunicaccedilatildeo seria praticamente impossiacutevel pois a

liacutengua soacute pode se manifestar pelo gecircnero Como a variedade da atividade humana eacute cada vez

maior a diversidade dos gecircneros tambeacutem se amplia e se transforma na medida em que essa

atividade se desenvolve e se amplia (BAKHTIN 2003)

Desse modo os gecircneros discursivos satildeo estaacuteveis e mutaacuteveis ao mesmo tempo Satildeo

estaacuteveis porque conservam traccedilos que os identificam e satildeo mutaacuteveis porque estatildeo em constante

transformaccedilatildeo pois se datildeo nas trocas na relaccedilatildeo com o outro e se alteram a cada vez que satildeo

empregados a ponto de haver casos em que um gecircnero se transforma em outro (SOBRAL 2009

p 115)

Haacute alguns aspectos dentro do caraacuteter estaacutevel-dinacircmico dos gecircneros que precisam ser

considerados O gecircnero possui uma loacutegica orgacircnica em outras palavras natildeo haacute algo que venha

de fora se impor a ele mas uma ldquoaccedilatildeo generificante criadora de suas caracteriacutesticas como

gecircnerordquo (SOBRAL 2009 p 117) O gecircnero tem certo ldquotomrdquo certa ldquolinguagemrdquo que natildeo devem

ser confundidos com foacutermulas fixas ainda que alguns gecircneros possam ser ldquoformulaicosrdquo

(SOBRAL 2009 p 117) Aleacutem disso a loacutegica dos gecircneros natildeo eacute abstrata porque se manifesta

em cada variedade nova em cada nova obra e portanto o gecircnero natildeo eacute riacutegido em sua

normatividade mas dinacircmico e concreto ldquoO gecircnero traz o novo (a singularidade a

impermanecircncia) articulado ao mesmo (a generalidade a permanecircncia) porque natildeo eacute uma

73

abstraccedilatildeo normativa mas um vir-a-ser concreto cujas regras supotildeem uma dada regularidade e natildeo

uma fixidezrdquo (SOBRAL 2009 p 117-118)

Essas ideias sobre o conceito de gecircneros do discurso se vinculam ao movimento com uma

percepccedilatildeo global da arquitetocircnica bakhtiniana em que eacute desenvolvivda a compreensatildeo sobre

totalidade-estabilidade em que a relativa estabilidade de um gecircnero estaria relacionada a sua

historicidade passada (memoacuteria do passado) Os enunciados e seus tipos ou seja os gecircneros

discursivos ldquosatildeo o retrato dos usos jaacute feitos anteriormente em vaacuterias atividades humanas e satildeo a

memoacuteria e o acuacutemulo da histoacuteria de suas utilizaccedilotildeesrdquo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS

DO DISCURSO 2009 p 50 grifos dos autores) Disso depreende-se que os enunciados se

constituem gradativamente em tipos e formas mais consistentes para uso em esferas especiacuteficas

com estilos especiacuteficos temas especiacuteficos e assim se compotildeem com formas especiacuteficas Esses

enunciados relativamente estaacuteveis se constituem ainda ldquocomo lugar de emergecircncia dos sentidos

histoacutericos das comunicaccedilotildees existentes em determinados contextos e com determinadas

significaccedilotildeesrdquo e tambeacutem mantecircm vivas aquelas significaccedilotildees jaacute socialmente consolidadas

(GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p 50)

O conceito de gecircnero discursivo dentro da concepccedilatildeo bakhtiniana requer ainda que se

desenvolva a compreensatildeo sobre a singularidade-instabilidade Essa compreensatildeo se vincula agrave

possibilidade de os gecircneros estarem sempre em movimento se atualizarem se modificarem Isso

se deve ao fato de os gecircneros serem criados nas relaccedilotildees sociais e de o sujeito ter sempre uma

atitude responsiva e de esse trabalho responsivo instabilizar o gecircnero a cada vez que determinado

enunciado eacute empregado em determinada atividade humana Afirma-se ainda que

Esse movimento natildeo nega a historicidade do sentido nem o tipo e a forma jaacute

relativamente estabilizada mas a movimenta para novas possibilidades

instaurando novas formas e novos tipos de enunciados relacionando com tipos e

formas que satildeo usualmente empregados em outras atividades humanas esse

movimento relaciona gecircneros joga um dentro de outro obriga enunciados a

frequumlentar novas atividades e significaacute-las e ao mesmo tempo renova o gecircnero

dentro do qual se enuncia Esse trabalho dialoacutegico responsivo centrado na

alteridade estaacute sempre prenhe de perspectivas e buscas por completudes de

sentidos de identidades de relaccedilotildees sociais sempre inconclusas Esse trabalho

responsivo instaura a renovaccedilatildeo do gecircnero veste novos temas sobre

significaccedilotildees histoacutericas dos enunciados e das palavras faz com que o estilo do

gecircnero se conflite com o estilo individual e vice-versa reconfigura sua

composiccedilatildeo formal (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO

DISCURSO 2009 p 51-52)

74

No percurso que vai do dialogismo ao gecircnero haacute uma mesma concepccedilatildeo diferenccedila ndash

semelhanccedila mudanccedila ndash estabilidade estatildeo em constante tensatildeo no aqui e agora e ao longo do

tempo uma vez que para o Ciacuterculo no mundo humano o ldquoabsolutamente novordquo eacute tatildeo

inconcebiacutevel quanto o ldquoabsolutamente mesmordquo O ldquoabsolutamente novordquo pressuporia sujeitos que

conhecessem tudo o que existe para entatildeo criaacute-lo ou identificaacute-lo O ldquoabsolutamente mesmordquo

pressuporia a total imutabilidade do mundo humano a proacutepria indistinccedilatildeo Dessa forma a

articulaccedilatildeo entre repetiacutevel e o irrepetiacutevel a atividade em geral e os atos especiacuteficos dessa

atividade presentes na concepccedilatildeo do ato percorrem todo esse percurso do dialogismo ao gecircnero

(SOBRAL 2009)

Dentro dessa perspectiva cabe lembrar que o gecircnero eacute uma categoria discursiva da ordem

do enunciado Bakhtin (2003 p 268) afirma que

Os enunciados e seus tipos isto eacute os gecircneros discursivos satildeo correias de

transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagem Nenhum

fenocircmeno novo (foneacutetico leacutexico gramatical) pode integrar o sistema da liacutengua

sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentaccedilatildeo e

elaboraccedilatildeo de gecircneros e estilos

Essa afirmaccedilatildeo se encontra em consonacircncia com a tese segundo a qual as crianccedilas se

apropriam da liacutengua escrita por meio dos gecircneros discursivos quando o professor apresenta a elas

os gecircneros de modo a levaacute-las a interagir e a estabelecer relaccedilotildees intensas com eles Essa tese se

fundamenta na premissa de que ldquoo emprego da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e

escritos) concretos e uacutenicos proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade

humanardquo (BAKHTIN 2003 p 261) A comunicaccedilatildeo humana soacute eacute possiacutevel porque dominamos os

gecircneros empregados naquela atividade verbal ldquoE quanto mais os dominamos mais livres nos

sentimos no seu uso ndash um uso que eacute tambeacutem renovaccedilatildeo pelos diaacutelogos com outros gecircneros ndash e

nas construccedilotildees de sentidos possiacuteveis que nosso projeto de dizer possibilita no jogo com o outro

que tambeacutem se comunica comigordquo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO

2009 p 52)

Ao considerar esses pressupostos afirma-se que eacute desde a Educaccedilatildeo Infantil que a

apresentaccedilatildeo e o ensino de diferentes gecircneros discursivos podem ocorrer de forma dialoacutegica uma

vez que as crianccedilas satildeo capazes de aprender a ter uma atitude responsiva de refletir refratar ou

refutar aquilo que veem ouvem percebem pensam e essa atitude diante do conhecimento da

75

leitura e da escrita contribuiraacute para que elas se constituam como leitoras e re-criadoras de textos

As crianccedilas na pequena infacircncia satildeo capazes de estabelecer relaccedilotildees com os gecircneros seus

elementos constitutivos para iniciarem o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua de forma interativa

Para maior compreensatildeo dos dados analisados a partir do proacuteximo item deste capiacutetulo vale

ainda esclarecer que para Bakhtin (2003) os gecircneros se dividem em dois grupos gecircneros

primaacuterios e gecircneros secundaacuterios Os gecircneros primaacuterios satildeo considerados mais simples em sua

composiccedilatildeo satildeo mais cotidianos ldquose formam nas condiccedilotildees da comunicaccedilatildeo discursiva

imediatardquo (BAKHTIN 2003 p263) Os gecircneros secundaacuterios satildeo mais complexos mais

elaborados e ldquosurgem nas condiccedilotildees de um conviacutevio cultural mais complexo e relativamente mais

desenvolvido e organizadordquo (BAKHTIN 2003 p 263) e se estabelecem ldquocomo relacionais entre

si numa troca infinita de sentidos e renovando continuamente os gecircnerosrdquo (GRUPO DE

ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p 52) Os gecircneros discursivos secundaacuterios

em seu processo de formaccedilatildeo incorporam e reelaboram os diversos gecircneros primaacuterios Esses

gecircneros primaacuterios por sua vez integram os complexos ldquoaiacute se transformam e adquirem um

caraacuteter especial perdem o viacutenculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais

alheiosrdquo (BAKHTIN 2003 p 263)

Os gecircneros discursivos possuem trecircs elementos ndash o conteuacutedo temaacutetico o estilo e a

construccedilatildeo composicional Esses trecircs elementos estatildeo indissoluvelmente ligados no todo do

enunciado e satildeo igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da

comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 2003) O conteuacutedo temaacutetico ou tema natildeo eacute simplesmente ldquoassuntordquo ou

ldquotoacutepicordquo mas sentido concreto contextual Pode existir um nuacutecleo comum que permanece em

todos os usos mas os contextos as situaccedilotildees de uso o alteram imprimindo a uma determinada

palavra novos sentidos A construccedilatildeo composicional ou forma de composiccedilatildeo ldquovinculada com a

forma arquitetocircnica que eacute determinada pelo projeto enunciativo do locutor natildeo se confunde com

um artefato ou forma riacutegida porque pode se alterar de acordo com as alteraccedilotildees dos projetos

enunciativosrdquo (SOBRAL 2009 p 118) O estilo eacute um aspecto do gecircnero que indica sua

mutabilidade ldquoEle eacute a um soacute tempo expressatildeo da comunicaccedilatildeo discursiva especiacutefica do gecircnero e

expressatildeo pessoal mas natildeo subjetiva do autor ao criar uma nova obra no acircmbito de um gecircnerordquo

(SOBRAL 2009 p 118)

Diante desses pressupostos apresento a anaacutelise dos discursos proferidos por professores e

crianccedilas na tentativa de estabelecer um diaacutelogo entre eles Por meio da anaacutelise dos registros dos

76

discursos das accedilotildees observadas e das atitudes proponho-me a interpretar e a complementar o que

os dados aparentam revelar

24 O que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os conceitos das professoras

Ao se olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita com as

crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil e sobre a sua inserccedilatildeo e participaccedilatildeo na cultura escrita percebe-se

que os conceitos que os professores tem de crianccedila de infacircncia de leitura e de escrita direcionam

as praacuteticas educativas nas escolas e nas instituiccedilotildees dedicadas agrave educaccedilatildeo de zero a seis anos

Tais conceitos orientam o fazer pedagoacutegico dos professores embora nem sempre os professores

estejam cientes disso Esse fato revela uma ampliaccedilatildeo na garantia de se promover situaccedilotildees de

aprendizagem mais adequadas e necessaacuterias ou do contraacuterio uma limitaccedilatildeo nessas possibilidades

quando essas praacuteticas ficam enraizadas em conceitos que determinam uma educaccedilatildeo destituiacuteda da

intencionalidade que criaria o interesse de aprender

A seguir apresento alguns registros desses conceitos Como exposto no capiacutetulo I as

entrevistas foram com professoras dos sujeitos da pesquisa nos quatro anos anteriores da turma

de Infantil II de 2010 Seratildeo designadas da seguinte forma PB (Professora do Berccedilaacuterio) PM I

(Professora do Maternal I) PM II (Professora do Maternal II) PI I (Professora do Infantil I) A

pesquisadora seraacute designada somente pela letra P

Ao serem questionadas sobre em qual momento julgam mais adequado iniciar o processo

de ensino de aprendizagem da leitura e da escrita com as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil assim se

manifestam

PB

P PB em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera que seja mais

importante ou mais adequado na verdade para iniciar o ensino ou aprendizagem

da leitura e da escrita E por quecirc

PB seria no processo ou no comeccedilo

P na Educaccedilatildeo Infantil em que momento vocecirc acha que

PB momento com que idade vocecirc quer falar

P eacute ou idade ou que turma poderia acontecer de uma forma

PB somente no Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor

para trabalhar isso que eles jaacute estavam bem maduros neacute

P eles jaacute tinham seis anos

PB tinha seis anos

77

P eles completavam com a gente (refere-se agraves crianccedilas que completavam seis

anos ainda Educaccedilatildeo Infantil)

PB entatildeo vocecirc ia passando uma coisa vocecirc via a resposta neacute agora cinco anos

tem crianccedila que natildeo estaacute maduro psicologicamente neacute elas precisam de algum

tempinho a mais entatildeo eu acho que aiacute tem um pouquinho neacute demora um

pouquinho mais natildeo concordo muito natildeo eu acho que com seis anos que

deve comeccedilar a gente pode comeccedilar antes elas conhecem as letras mas natildeo

eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute mas mais

mesmo eacute com seis anos

PB eacute professora haacute treze anos e sua experiecircncia docente sempre foi na Educaccedilatildeo Infantil

Alguns dados revelam que para PB o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita satildeo mais

adequados a partir do Infantil II (crianccedilas de 5 anos) ou do antigo Preacute III (crianccedilas de seis anos)

Dessa forma PB parece entender que o ensino e a aprendizagem soacute eacute possiacutevel de serem iniciados

a partir dessas turmas nessas idades ou seja que o trabalho pedagoacutegico com a leitura e a escrita

se faz mais eficaz quando a crianccedila tem essas idades Isso se verifica quando diz ldquo somente no

Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor para trabalhar isso que eles

estavam mais maduros neacuterdquo Essa fala denota restriccedilatildeo da possibilidade do trabalho pedagoacutegico

com a leitura e a escrita nos primeiros anos da crianccedila pequena na escola ainda que esse trabalho

seja orientado de forma a respeitar as regularidades do desenvolvimento infantil e seus interesses

especiacuteficos Pode ainda limitar por meio das situaccedilotildees educativas propostas a possibilidade de

colocar a crianccedila em contato com a cultura escrita de forma ativa e de criar nela a necessidade de

ler e de escrever

A ideia de estar ldquomais madurosrdquo traz em seu bojo a compreensatildeo de que a crianccedila precisa

estar ldquoprontardquo para aprender e remete ao princiacutepio de que existe a necessidade de maturaccedilatildeo de

estar biologicamente preparada para essas aquisiccedilotildees PB reitera o conceito de que a crianccedila tem

que estar madura para aprender quando revela ldquo agora cinco ou seis anos tem crianccedila que natildeo

estaacute madura neacute elas precisam de um tempinho a maisrdquo e ainda completa ldquoeu acho que com

seis anos que deve comeccedilarrdquo

Essas ideias natildeo se coadunam com os pressupostos teoacutericos defendidos nesse trabalho de

acordo com a Teoria Histoacuterico-Cultural preconizada por Vygotski e seus colaboradores Sobre

isso Vygotski esclarece que

A tarefa que se coloca hoje para a psicologia eacute a de captar a peculiaridade real da

crianccedila em toda sua plenitude e riqueza de expansatildeo e apresentar o positivo de

78

sua personalidade Entretanto o positivo soacute aparece se modificarmos

radicalmente a concepccedilatildeo de desenvolvimento infantil e se compreendermos que

se trata de um complexo dialeacutetico que se caracteriza por uma complicada

periodicidade pela desproporccedilatildeo no desenvolvimento das diferentes funccedilotildees

pelas metamorfoses ou transformaccedilatildeo qualitativa de umas formas em outras um

entrelaccedilamento complexo de processos evolutivos e involutivos o complexo

entrecruzamento de fatores externos e internos um complexo processo de

superaccedilatildeo de dificuldade e de adaptaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 141 traduccedilatildeo

nossa)9

Disso decorre o conceito de que desenvolvimento infantil apresentado por PB natildeo estaacute em

concordacircncia com a concepccedilatildeo de desenvolvimento que fundamenta este trabalho Para PB o

desenvolvimento infantil e por conseguinte a aprendizagem satildeo biologicamente determinados

O desenvolvimento prepara as condiccedilotildees para a aprendizagem e nesse caso a crianccedila primeiro se

desenvolve para poder depois aprender em desenvolvimento natural

A Teoria Histoacuterico-Cultural daacute lugar agrave concepccedilatildeo da materialidade dos processos

psiacutequicos Natildeo haacute a biologizaccedilatildeo desses processos mas a materialidade deles O

desenvolvimento eacute condicionado pelas condiccedilotildees concretas de vida e educaccedilatildeo e assim o

desenvolvimento decorre de processos de aprendizagem

As ideias da professora do Maternal I (PM I) e da professora do Maternal II (PM II) no

que se refere aos conceitos sobre desenvolvimento infantil de ensino e de aprendizagem e de

crianccedila compactuam com as ideias da professora do Berccedilaacuterio (PB)

PM I

P PM I em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita e por quecirc

PM I olha eu acho assim como eu trabalho sempre com crianccedilas pequenas

com faixa etaacuteria menor assim vocecirc fala assim Eacute ESSE O MOMENTO

P certo

PM I vocecirc vai mantendo a crianccedila em contato com a escrita com a leitura

vocecirc vai oferecendo materiais faz uma releitura (refere-se ao fato de

reconstruir a histoacuteria oralmente) vocecirc trabalha com eles a oralidade e a crianccedila

9 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 141) La tarea que se plantea hoy diacutea a la psicologiacutea es la de captar la

peculiaridad real de la conducta del nintildeo en toda su plenitud y riqueza de expansioacuten y presentar el positivo de su

personalidad Sin embargo el positivo puede hacerse tan soacutelo en el caso de que se modifique de raiacutez la concepcioacuten

sobre el desarrollo infantil y se comprenda que se trata de un complejo proceso dialeacutectico que se distingue por una

complicada periodicidad la desproporcioacuten en el desarrollo de las diversas funciones las metamorfosis o

transformacioacuten cualitativa de unas en otras un entrelazamiento complejo de procesos evolutivos e involutivos el

complejo cruce de factores externos e internos un complejo proceso de superacioacuten de dificultades y de adaptacioacuten

79

vai aos poucos despertando o interesse e tem tambeacutem cada um tem o seu

momento neacute tem crianccedila que estaacute mais aleacutem tem crianccedila que tem o momento

dela que vai despertar cada um tem o seu momento-chave eacute agora

PM II

P em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita

PM II ah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo

mais prontas jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute

reconhecem mais raacutepido jaacute entendem melhor o que a gente ensina se bem

que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar antes no maternal mas no Infantil

II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra ao som

conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou

mostrando trabalho muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu

vou oferecendo mais vou puxando sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro

demais pra elas

Inicialmente PM I declara que o trabalho pedagoacutegico de inserir a crianccedila na cultura escrita

acontece mesmo com as crianccedilas pequeninas quando estatildeo no Maternal I que eacute a turma em que

geralmente trabalha Isto se verifica quando enfatiza ao responder que o momento de se iniciar o

ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo Infantil eacute o momento em que se estaacute

ldquoEacute ESSE O MOMENTOrdquo Admite que manteacutem a crianccedila em contato com a escrita ao oferecer

materiais ao reconstruir oralmente uma histoacuteria ao conversar sobre essa histoacuteria No entanto

conclui que cada crianccedila tem seu momento em que ela vai ldquodespertarrdquo cada crianccedila tem o seu

ldquomomento-chaverdquo

A anaacutelise desses dados sugere em contrapartida que PM I descarta as vivecircncias da crianccedila

as situaccedilotildees de leitura e de escrita intencionalmente planejadas pelo professor bem como as

mediaccedilotildees que ocorrem nesse processo como fatores que interferem decisivamente nas

aprendizagens Dessa forma para PM I as condiccedilotildees bioloacutegicas determinam o desenvolvimento

e a aprendizagem

PM II declara que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita deve ser iniciado nos

uacuteltimos anos da Educaccedilatildeo Infantil pelo fato de as crianccedilas estarem ldquomais prontasrdquo ldquojaacute entendem

melhor o que a gente ensinardquo PM II tambeacutem revela indiacutecios de como realiza seu trabalho com a

leitura e com a escrita Apoia-se em letras palavras e na relaccedilatildeo letra-som grafema e fonema ldquo

jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepidordquo E continua

mas no Infantil II para as crianccedilas fica mais faacutecil elas jaacute relacionam a letra ao som conseguem

80

perceber issordquo Essa fala remete ao conceito de leitura e de escrita como codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos e revela um conceito redutor do processo de apropriaccedilatildeo da

liacutengua

O problema natildeo reside no fato de as crianccedilas se alfabetizarem ainda na Educaccedilatildeo Infantil

mas na forma como isso eacute conduzido de forma fragmentada em que a teacutecnica se sobrepotildee agrave

criaccedilatildeo de sentidos e ao desejo de expressatildeo Parece ser justo que as crianccedilas sejam alfabetizadas

dentro de propostas pedagoacutegicas consistentes e organizadas mas eacute preciso ter clareza de que

alfabetizar natildeo eacute aprender o domiacutenio de uma teacutecnica mas ao contraacuterio eacute pocircr o sujeito no mundo

da escrita de modo que ele possa transitar pelos discursos ter condiccedilotildees de operar criticamente

com os modos de pensar e co-criar a cultura escrita (BRITTO 2005)

Ao analisar esses dados de acordo com a perspectiva teoacuterica baseada na Teoria Histoacuterico-

Cultural ressalta-se que o sujeito eacute um ser social porque todas as suas produccedilotildees humanas que se

encontram fora das pessoas e que constituem o requisito fundamental para a humanizaccedilatildeo das

novas geraccedilotildees satildeo produtos da vida social Em outras palavras ldquoo que caracteriza a atividade

humana enquanto uma atividade social natildeo eacute o fato do indiviacuteduo agir de forma imediatamente

coletiva mas sim o fato de que os elementos constitutivos da atividade satildeo objetivaccedilotildees sociaisrdquo

(DUARTE1993 p77)

Vygotsky introduziu na Psicologia a ideia de que o principal mecanismo do

desenvolvimento psiacutequico na crianccedila eacute o mecanismo da apropriaccedilatildeo das diferentes espeacutecies e

formas sociais de actividade historicamente constituiacuteda (LEONTIEV 1978 p 155) e essa

categoria se contrapotildee ao conceito de adaptaccedilatildeo e equilibraccedilatildeo para explicar o desenvolvimento

do psiquismo Para Leontiev (1978 p 320)

[] A apropriaccedilatildeo eacute um processo que tem por resultado a reproduccedilatildeo pelo

indiviacuteduo de caracteres faculdades e modos de comportamento humanos

formados historicamente Por outros termos eacute o processo graccedilas ao qual se

produz na crianccedila o que no animal eacute devido agrave hereditariedade a transmissatildeo ao

indiviacuteduo das aquisiccedilotildees do desenvolvimento da espeacutecie

Isto posto o conceito de desenvolvimento apresentado pelas professoras entrevistadas se

distancia dos pressupostos que fundamentam essa pesquisa O desenvolvimento humano e a

aprendizagem natildeo satildeo determinados pela heranccedila bioloacutegica simplesmente embora as

caracteriacutesticas bioloacutegicas hereditaacuterias da crianccedila sejam apenas a condiccedilatildeo necessaacuteria da formaccedilatildeo

81

das faculdades e funccedilotildees (LEONTIEV 1987 p 320) A anaacutelise das falas das professoras denota

ainda o conceito que possuem de crianccedila um ser passivo e incapaz quando exprimem a ideia de

que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita satildeo mais adequados quando a crianccedila estaacute

mais madura supostamente mais apta para compreender e aprender capaz de estabelecer

relaccedilotildees

A concepccedilatildeo de crianccedila defendida neste trabalho eacute a de crianccedila como ser capaz

competente ativo e sujeito de suas aprendizagens (VYGOTSKI 1995 MELLO 1997) A

crianccedila eacute desde pequena capaz de se relacionar com as pessoas com os objetos com o mundo a

sua volta

[] crianccedila como algueacutem que experimenta o mundo que se sente uma parte do

mundo desde o momento do nascimento uma crianccedila que estaacute cheia de

curiosidade cheia de desejo de viver uma crianccedila que tem muito desejo e

grande capacidade de se comunicar desde o iniacutecio da vida uma crianccedila que eacute

capaz de criar mapas para sua proacutepria orientaccedilatildeo simboacutelica afetiva cognitiva

social e pessoal Por causa de tudo isso uma crianccedila pequena pode reagir com

um competente sistema de habilidades estrateacutegias de aprendizagem e formas de

organizar seus relacionamentos (RINALDI 2002 p 76 ndash 77)

Ao se considerar as contribuiccedilotildees de Vygotskii e de estudiosos da teoria ressalta o

princiacutepio de que a apropriaccedilatildeo da escrita implica modificaccedilotildees profundas nos processos

psiacutequicos A forma como a escrita eacute apresentada desde cedo as vivecircncias com e na cultura escrita

e a relaccedilotildees que a crianccedila vai estabelecer com essa cultura satildeo cruciais nesse processo e natildeo se

devem somente ao fato de ela estar biologicamente preparada Quanto a isso Vygotskii esclarece

que

Aprender a usar uma maacutequina de escrever significa na realidade estabelecer um

certo nuacutemero de haacutebitos que por si soacutes natildeo alteram absolutamente as

caracteriacutesticas psicointelectuais do homem Uma aprendizagem deste gecircnero

aproveita um desenvolvimento jaacute elaborado e completo e justamente por isso

contribui muito pouco para o desenvolvimento geral

O processo de aprender a escrever eacute muito diferente Algumas pesquisas

demonstraram que este processo ativa uma fase de desenvolvimento dos

processos psicointelectuais inteiramente nova e muito complexa e que o

aparecimento desses processos origina uma mudanccedila radical das caracteriacutesticas

gerais psicointelectuais da crianccedila da mesma forma aprender a falar marca

uma etapa fundamental na passagem da infacircncia para a pueriacutecia (VYGOTSKII

1988 p 116)

82

A aprendizagem da escrita provoca um salto qualitativo no desenvolvimento da

inteligecircncia de quem aprende a ler e a escrever uma vez que essa aprendizagem amplia e

desenvolve os mecanismos cerebrais usados para pensar porque a escrita eacute um instrumento

cultural complexo

PB aparenta revelar que a inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita por meio de um trabalho

pedagoacutegico pode comeccedilar antes que tenha cinco ou seis anos como se verifica nessa fala ldquo a

gente (refere-se aos professores) pode comeccedilar antes elas conhecem as letras mas natildeo eacute uma

coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute Mas mais mesmo eacute com seis

anosrdquo Se por um lado essas falas de PB aparentam reconhecer que a Educaccedilatildeo Infantil natildeo eacute

responsaacutevel por alfabetizar quando afirma que ldquonatildeo eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa naturalrdquo

por outro lado essa espontaneidade e naturalidade natildeo podem implicar uma visatildeo simplista de

deixar que a crianccedila aprenda sozinha no tempo em que estiver com maturidade suficiente para tal

A crianccedila na escola da infacircncia tem necessidade de viver experiecircncias que contribuam para que

estabeleccedila relaccedilotildees positivas com o conhecimento e crie para si novas necessidades inclusive a

de ler e de escrever (MELLO 2005)

A professora do Infantil I (PI I) tambeacutem eacute professora do Ensino Fundamental do 1ordm ao 5ordm

ano haacute vinte e dois anos e meio (no periacuteodo da manhatilde) e possui cinco anos e meio de experiecircncia

docente na Educaccedilatildeo Infantil (no periacuteodo da tarde) Das professoras participantes esta eacute a uacutenica

que possui experiecircncia em outro segmento da educaccedilatildeo no Ensino Fundamental

PI I

P que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita

PI I que momento

P Eacute

PI I eu acho jaacute no Infantil I daacute porque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as

muacutesicas e eles jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves

vezes eu falo pra eles onde estaacute escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala

que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o siacutembolo da palavra jaacute percebe

pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a palavra antes de eu

mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra entatildeo eu

acho que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem

letras iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute

daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute quando eles vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu

vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com o dedinho cantando e vai assim o dedinho

(faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em linha reta da esquerda para

a direita como a indicar leitura) entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute

83

comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo

tendo contato com a escrita neacute

P certo

PI I eu acho que tudo jaacute comeccedila a aprendizagem dali neacute minha sobrinha tem

um ano e meio e coloco-a no computador jaacute a coloco na letrinha como ela

adora BARBIE (nome de uma boneca) o site da BARBIE ela procura qual

eacute o B no teclado e comeccedilo perguntando qual eacute o B qual que eacute o B ela faz

assim com o dedo (faz o gesto indicando que a crianccedila passa o dedo sobre cada

letra no teclado do computador) procura e aperta o B entatildeo acho que natildeo tem

uma idade definida mas eu acho que o trabalho em si seria no Infantil II mas

pode comeccedilar firme no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na muacutesica

eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil neacute

PI I aparenta revelar uma proximidade de conceito de desenvolvimento infantil com as

demais professoras entrevistadas ao concordar com o fato de a crianccedila de cinco e seis anos estar

mais preparada para iniciar o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita

Contudo tal ensino parece se dar por meio do ensino de letras e palavras Isso se verifica quando

afirma ldquoporque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as muacutesicas e eles jaacute estatildeo procurando as

letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles onde estaacute escrito o pintinho jaacute

tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o siacutembolo da palavrardquo

O discurso apresentado por PI I sugere ainda que nesse trabalho de ensino de letras e

palavras haacute o ensino da relaccedilatildeo letrandashsom a identificaccedilatildeo de palavras por meio de ldquopistasrdquo como

o proacuteprio tamanho das palavras e dos espaccedilos correspondentes a elas num texto lacunado ou seja

o texto (muacutesica) possui espaccedilos para que sejam escritas as palavras que faltam no original

memorizado pelas crianccedilas Esses espaccedilos ndash lacunas ndash tecircm o mesmo tamanho da palavra para que

a crianccedila encontre com maior facilidade qual palavra deveraacute ser escrita em cada respectivo

espaccedilo Assim como PI I explica ldquojaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que

cabe a palavra antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra

entatildeo eu acho que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras

iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute

quando eles vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com

o dedinho cantando e vai assim o dedinho (faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em

linha reta da esquerda para a direita como a indicar leitura)rdquo

PI I aborda o uso de livros de alfabetizaccedilatildeo desde o Maternal I e Maternal II e aponta que

o uso desses materiais eacute uma forma de colocar as crianccedilas em contato com a escrita Cabe

lembrar que a unidade em que foi realizada a entrevista natildeo adota livros didaacuteticos ou apostilas

84

No entanto a professora faz uso desses materiais na elaboraccedilatildeo dos conteuacutedos em seu trabalho

pedagoacutegico

Segundo Arena (1992) a concepccedilatildeo de linguagem interfere na escolha dos materiais e

estrateacutegias utilizadas no ensino por essa razatildeo eacute necessaacuterio estabelecer uma coerecircncia entre a

concepccedilatildeo de linguagem de educaccedilatildeo e de crianccedila uma vez que as accedilotildees atitudes e concepccedilotildees

do professor refletem-se na qualidade de intervenccedilatildeo (mediaccedilatildeo) nesse processo Sendo assim

Arena (1992 p 75 ndash 76) afirma que

Eacute possiacutevel colocar para a crianccedila o signo linguiacutestico e a enunciaccedilatildeo linguiacutestica

plenos de significaccedilatildeo contextualizados e marcados pela vivecircncia Essa

aproximaccedilatildeo pode restituir ao ensino e agrave aprendizagem da liacutengua a proacutepria

liacutengua antes destruiacuteda fragmentada e reduzida agrave sinalidade pelos ldquotextosrdquo das

cartilhas (ARENA 1992 p 80 ndash 81)

PI I continua a esclarecer que natildeo haacute uma idade determinada para que o ensino da leitura e

da escrita seja iniciado no entanto exemplifica sua opiniatildeo com a situaccedilatildeo de sua sobrinha de

um ano e meio A ela ensina a procurar a letra inicial do nome da personagem da boneca Barbie

no teclado do computador quando visita o site Mas reafirma que o ensino sistemaacutetico da escrita

e da leitura deve ocorrer mesmo a partir do Infantil II ldquomas eu acho que o trabalho em si seria

no Infantil II mas pode comeccedilar firme no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na

muacutesica eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil neacuterdquo

Esses discursos proferidos pelas professoras tambeacutem revelam o conceito de ensino da

liacutengua e de linguagem que subsidiam as suas praacuteticas na Educaccedilatildeo Infantil Reportam-se sempre

ao ensino de letras e palavras mas natildeo tratam em seu trabalho pedagoacutegico no que se refere ao

ensino da liacutengua propriamente da sua utilizaccedilatildeo da leitura e da re-criaccedilatildeo de textos Sobre isso

ao recorrer agraves contribuiccedilotildees de Vygotski (1995) e Bakhtin (1992) depreende-se que ldquoo fato de se

acreditar que primeiro eacute preciso que as crianccedilas aprendam a sinalidade da linguagem para

somente apoacutes essa etapa aprender a trataacute-la como signo eacute apenas incorrer contra a proacutepria

linguagem mas com a proacutepria loacutegica dos leitores aprendizesrdquo (CRUVINEL 2010 p 129)

Para Bakhtin (1992) a liacutengua eacute viva dinacircmica e se transforma constantemente por causa

de sua historicidade do uso cotidiano e portanto natildeo pode ser separada do fluxo da

comunicaccedilatildeo verbal A liacutengua em sua totalidade concreta viva em seu uso real tem a

propriedade de ser dialoacutegica Desse modo a linguagem eacute fruto da interaccedilatildeo verbal entre os

85

sujeitos em outras palavras a relaccedilatildeo entre os interlocutores funda a linguagem nas trocas e na

atitude responsiva do outro

A teoria da enunciaccedilatildeo de Bakhtin ressalta a produccedilatildeo da linguagem na perspectiva da

enunciaccedilatildeo e a natureza social da situaccedilatildeo de produccedilatildeo de discursos ldquoNesse lugar os feixes de

sentidos constroem-se dialogam e disputam espaccedilo instaurando-se como signos ideoloacutegicosrdquo

(GOULART 2006) O outro eacute parte constitutiva da situaccedilatildeo social de enunciaccedilatildeo e atua de forma

que o sujeito tambeacutem seja parte constitutiva dessa organizaccedilatildeo Nessa perspectiva o diaacutelogo eacute

condiccedilatildeo fundamental para que se conceba a linguagem Bakhtin concebe o dialogismo como o

princiacutepio constitutivo da linguagem e a condiccedilatildeo do sentido do discurso (BARROS 2003 p 2)

Independentemente de sua dimensatildeo todos os enunciados no processo de comunicaccedilatildeo

satildeo dialoacutegicos Existe neles uma dialogizaccedilatildeo interna da palavra que eacute perpassada sempre pela

palavra do outro e eacute sempre e inevitavelmente tambeacutem a palavra do outro Para constituir um

discurso o enunciador considera o discurso de outrem que estaacute presente no seu proacuteprio Por isso

todo discurso eacute ocupado atravessado pelo discurso alheio O dialogismo eacute caracterizado pelas

relaccedilotildees de sentido que se estabelecem entre dois enunciados (FIORIN 2006 p 19) A realidade

eacute sempre mediada pela linguagem ou seja o real se apresenta pra noacutes sempre semioticamente

linguisticamente Com relaccedilatildeo a isso

Um objeto qualquer do mundo interior ou exterior mostra-se sempre perpassado

por ideias gerais por pontos de vista por apreciaccedilotildees dos outros daacute-se a

conhecer para noacutes desacreditado contestado avaliado exaltado categorizado

iluminado pelo discurso alheio Natildeo haacute nenhum objeto que natildeo apareccedila cercado

envolto embebido em discursos Por isso todo discurso que fale de qualquer

objeto natildeo estaacute voltado para a realidade em si mas para os discursos que a

circundam Por conseguinte toda palavra dialoga com outras palavras

constituindo-se a partir de outras palavras estaacute rodeada de outras palavras

(FIORIN 2006 p 20)

Essas afirmaccedilotildees esclarecem que na teoria bakhtiniana natildeo satildeo as unidades da liacutengua que

satildeo dialoacutegicas mas os enunciados ldquoAs unidades da liacutengua satildeo os sons as palavras e as oraccedilotildees

enquanto os enunciados satildeo as unidades reais da comunicaccedilatildeordquo (FIORIN 2006 p 20) As

unidades da liacutengua satildeo repetiacuteveis satildeo fechadas e acabadas em si mesmas os enunciados satildeo

irrepetiacuteveis satildeo acontecimentos uacutenicos que a cada vez possui um acento uma apreciaccedilatildeo uma

entonaccedilatildeo proacuteprios

86

O que diferencia um enunciado de uma unidade da liacutengua eacute que o enunciado eacute a reacuteplica de

um diaacutelogo porque cada vez que se produz um enunciado o que ocorre eacute a participaccedilatildeo de um

diaacutelogo com outros discursos e o que delimita a sua dimensatildeo eacute a alternacircncia dos sujeitos O

enunciado natildeo existe fora das relaccedilotildees dialoacutegicas ldquoNele estatildeo sempre presentes ecos e

lembranccedilas de outros enunciados com que ele conta que refuta confirma completa pressupotildee e

assim por diante Um enunciado ocupa sempre uma posiccedilatildeo numa esfera de comunicaccedilatildeo de um

dado problemardquo (FIORIN 2006 p 21)

Ao considerar neste trabalho essa premissa como fundamental para se pensar o ensino da

liacutengua materna natildeo se admite o ensino da leitura e da escrita engessado em letras siacutelabas e

palavras como supostamente apresentado pelas professoras entrevistadas A escrita eacute um

instrumento cultural usado para comunicar para informar e se informar para se lembrar de algo

importante para expressar sentimentos pensamentos accedilotildees desejos e portanto seu ensino e sua

aprendizagem implicam saber o porquecirc e o para quecirc se escreve implicam perceber desde o iniacutecio

que sua apropriaccedilatildeo eacute uma forma de humanizaccedilatildeo

Ao compreender que o ensino da liacutengua se daacute por meio de enunciados de gecircneros de

situaccedilotildees dialoacutegicas entende-se que o ensino da leitura e da escrita desde a Educaccedilatildeo Infantil

pode ocorrer de forma a provocar as crianccedilas a pensar sobre a escrita a estabelecer relaccedilotildees

intensas com ela a dialogar em situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo em outras palavras em situaccedilotildees

uacutenicas de comunicaccedilatildeo em que a existecircncia do outro eacute uma condiccedilatildeo

Bakhtin natildeo nega a existecircncia da liacutengua como sistema e natildeo condena seu estudo Ao

contraacuterio considera-o necessaacuterio para entender as unidades de formaccedilatildeo da liacutengua Contudo

mostra que a fonologia a morfologia ou a sintaxe natildeo explicam o seu funcionamento real

(FIORIN 2006)

Ressalta-se que

A liacutengua enquanto produto desta histoacuteria e enquanto condiccedilatildeo de produccedilatildeo da

histoacuteria presente vem marcada pelos seus usos e pelos espaccedilos sociais destes

usos neste sentido a liacutengua nunca pode ser estudada ou ensinada como um

produto acabado fechado em si mesmo de um lado porque sua ldquoapreensatildeordquo

demanda aprender no seu interior as marcas de sua exterioridade constitutiva (e

por isso se internaliza) de outro lado porque o produto histoacuterico ndash resultante do

trabalho discursivo passado ndash eacute hoje condiccedilatildeo de produccedilatildeo do presente que

tambeacutem fazendo histoacuteria participa da construccedilatildeo deste mesmo produto sempre

inacabado sempre em construccedilatildeo (GERALDI 1996 p 28)

87

Compreender a liacutengua como algo vivo em movimento que se daacute nas relaccedilotildees sociais na

interaccedilatildeo com o outro a liacutengua como produto da histoacuteria e da cultura humana que se renova e se

reconstroacutei requer pensar que o seu ensino deve considerar essa historicidade essa dinamicidade

A crianccedila desde pequena pode aprender a liacutengua escrita em seu funcionamento vivenciar

situaccedilotildees de uso em que seja criada a necessidade de iniciar esse processo de inserccedilatildeo e de

participaccedilatildeo na cultura escrita A crianccedila desde pequena pode conviver com os textos reais que

condizem com seus interesses com sua curiosidade que criam cada vez mais a necessidade de

aprender o que descarta a possibilidade do uso de textos descontextualizados elaborados com a

finalidade de ensinar a crianccedila a ler e a escrever em que a repeticcedilatildeo de letras siacutelabas e palavras eacute

privilegiada

Outro aspecto abordado nas entrevistas foi o de entender como as professoras percebem

que as crianccedilas jaacute sabem ler e escrever e quais as manifestaccedilotildees das crianccedilas denotam isso

PB

P como que vocecirc chega agrave conclusatildeo que uma crianccedila sabe ler e escrever quais

satildeo as manifestaccedilotildees que essa crianccedila apresenta que vocecirc fala nossa estaacute

lendo e escrevendo o que vocecirc observa que te garante que aquela crianccedila jaacute

aprendeu a ler e a escrever

PB lendo alguma coisa mas geralmente crianccedila dessa idade comeccedila a ler

coisas que estatildeo em placas mostrando eacute cartazes sabe Eles passam e

comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute escrito natildeo sei o que olha laacute

estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute e escrevendo

uma hora eles vatildeo escrever mesmo ou uma muacutesica ou uma coisa ateacute mesmo na

areia agraves vezes eles escrevem geralmente os maiores neacute eacute o nome

principalmente o nomeconsegue neacute

P comeccedila por aiacute

PB eacute mas daiacute natildeo seria leitura e nem escrita tambeacutem seria somente do

nome mas eacute mais pra frente que eles fazem neacute

P ta normalmente comeccedila escrever coisas assim produzir um texto maior

que olha

PB que jaacute deu neacute que ele consiga ler e entender entatildeo vocecirc pode perguntar

que ele natildeo vai te responder

PM I

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta

que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe ler e escrever

PM I quando ela domina eu acho que a crianccedila comeccedila a despertar o interesse

para tudo que ela vecirc olha taacute escrito ta olha eu jaacute sei escrever tal palavra

88

quando ela comeccedila ter o interesse a dar razatildeo aquilo que taacute escrito neacute porque

chega o momento que a crianccedila desperta o divisoacuterio o concreto as figuras

uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair essa ideia ela

comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aquijaacute sei ler issojaacute sei

fazer isso

P E com a escrita

PM I com a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou

escrever o meu nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu

nome vocecirc fala jaacute estaacute despertando e vai com a maturidade ela vai

deslanchando

P e quando vocecirc percebe que ela jaacute sabe ler mesmo que ela jaacute aprendeu de

que forma essa crianccedila se manifesta e vocecirc fala que jaacute sabe ler e escrever

PM I pela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir

ajuda quando ela tem aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute

(risos) (refere-se agrave crianccedila que jaacute consegue ler e escrever)

PM II

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta

que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe ler e escrever

PM II ah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal

coisasabe ela comeccedila ler as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua

essas coisas a crianccedila chega num momento que ela desperta mesmo e ela

comeccedila a ler e a escrever

P mas como vocecirc percebe isso Quais as manifestaccedilotildees dela Vocecirc observa

outros indiacutecios

PM II a crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer

isso o tempo todo isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante

porque jaacute consegue fazer isso e agraves vezes as outras ainda natildeo

Os discursos aparentam revelar que as professoras percebem que as crianccedilas jaacute sabem ler

e escrever quando elas falam que jaacute sabem ou que dizem que vatildeo fazecirc-lo As crianccedilas se

objetivam mais claramente para as professoras por meio de suas proacuteprias falas como ressalta PB

ldquoEles passam e comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute escrito natildeo sei o que olha laacute

estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute e escrevendordquo PM I tambeacutem

concorda ldquocom a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou escrever o meu

nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu nome e vocecirc fala jaacute estaacute

despertando e vai com a maturidade ela vai deslanchando Essa mesma forma de objetivar eacute

declarada por PM II ldquoah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal coisasabe

ela comeccedila ler as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua essas coisas a crianccedila chega

num momento que ela desperta mesmo e ela comeccedila a ler e a escreverrdquo

89

No entanto PB acrescenta que a crianccedila escreve mesmo na areia ndash no tanque de areia ndash

quando se encontra numa situaccedilatildeo de brincadeira e escreve seu nome Embora afirme que a

aprendizagem da leitura e da escrita comece com a escrita do nome ressalta que somente esse

fato natildeo prova que seja leitura e escrita propriamente e que a crianccedila faraacute isso ldquomais pra frenterdquo

Essa fala de PB parece demonstrar que mesmo quando a crianccedila lecirc e entende que estaacute escrito seu

proacuteprio nome natildeo se trata de leitura e de escrita para a professora

PB PM I PM II datildeo indiacutecios de que a crianccedila sabe ler e escrever quando eacute capaz de fazer

essas accedilotildees sem pedir ajuda ou seja sozinha As professoras parecem atribuir essa apropriaccedilatildeo agrave

autonomia que a crianccedila tem para realizar essas accedilotildees no entanto natildeo se referem em suas falas

como a crianccedila consegue ter essa autonomia e quais os fatores que as levam a conseguirem fazer

isso como quando PM I diz ldquopela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir

ajuda quando ela tem aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute (risos) (refere-se a

crianccedila que jaacute consegue ler e escrever)rdquo Isso tambeacutem pode se verificar na fala de PI I a seguir

PI I

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que uma crianccedila jaacute se apropriou disso

PI I quando ela sozinha consegue ler e entender o que ela estaacute lendo quando

ela consegue escrever histoacuterias criar e conseguir o que ela escreveu

P certo eacute que eu iria perguntar que manifestaccedilatildeo dela com a leitura que te leva

a concluir que ela aprendeu a ler por exemplo

PI I eacute porque agraves vezes a crianccedila decodifica vocecirc pergunta o que vocecirc leu e

natildeo consegue explicarentatildeo eu acho que quando ela aprender mesmo eacute quando

ela entendeu o que ela leu neacute porque na verdade a leitura se vocecirc entender

como uma decodificaccedilatildeo aqui estaacute escrito BOLA e ela lecirc BOLA ela sabe

decodificar mas natildeo prestou atenccedilatildeo no que estaacute lendo entatildeo eu considero

que ela tem que entender o que estaacute lendo tambeacutem por exemplotem que ser

um complemento neacute a escrita tambeacutem tem que saber passar sabe escrever e

entender o que ela quis passar pra mim neacute outra pessoa lecirc que tenha

coerecircncia uma coisa eacute entender pode ter erros de ortografia e tudo mas isso

eacute normal neacute

P ainda mais que isso eacute normal

PI I Isso eacute tem bastante erro mas daacute pra entender o que a crianccedila quis

passar neacute

As professoras aparentam admitir que a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita confere agrave

crianccedila um status diferente uma condiccedilatildeo vantajosa e necessaacuteria para se tornar parte integrante

da sociedade escrita em que vivemos confere a crianccedila uma autonomia antes natildeo experimentada

90

como esclarece PM II ldquoa crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer

isso o tempo todo isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante porque jaacute

consegue fazer isso e agraves vezes as outras ainda natildeordquo Desse modo Britto (2005 p XV ndash XVI)

afirma que

O que se propotildee como princiacutepio que deve orientar a accedilatildeo educativa eacute que entrar

no universo da escrita eacute operar com signos e significados dentro de um mundo

pleno de valores e de sentidos historicamente produzidos e socialmente

marcados portanto operar com esses discursos em particular quando se pensa

em um sujeito autocircnomo inserido e indignado supotildee que se possa sempre pocircr

em questatildeo as formas de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo

E continua

Aiacute estaacute o desafio da educaccedilatildeo infantil que natildeo eacute o de ensinar letras mas o de

construir as bases para que as crianccedilas possam desenvolver-se como pessoas

plenas e de direito e assim participar criticamente da cultura escrita

convivendo com essa organizaccedilatildeo discursiva experimentar de diferentes

formas os modos de pensar tiacutepicos do escrito Antecipar o ensino das letras em

vez de trazer o debate da cultura escrita no cotidiano eacute inverter o processo e

aumentar a diferenccedila

Diante do exposto eacute na Educaccedilatildeo Infantil que se constroem as bases para a apropriaccedilatildeo

da leitura e da escrita e por tal razatildeo eacute na escola da pequena infacircncia que esses modos de ver a

escrita e de operar com ela podem ser ensinados por meio de um ensino intencionalmente

planejado que considere as especificidades de cada etapa do desenvolvimento infantil e crie a

necessidade de aprender

PM I indica compreender a escrita como algo que requer uma abstraccedilatildeo do pensamento

que se refere a algo simboacutelico ldquoporque chega o momento que a crianccedila desperta o divisoacuterio o

concreto as figuras uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair essa ideia ela

comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aqui jaacute sei ler isso jaacute sei fazer issordquo No

entanto embora aparentemente reconheccedila a existecircncia de uma abstraccedilatildeo do pensamento no ato

de ler e de escrever ainda atribui isso ao ato teacutecnico ao relatar que a crianccedila vai juntando as

letrinhas Dessa forma Arena (2009 p 169) assinala que ao ensinar a ler o foco da escola natildeo

deveria ser o sistema alfabeacutetico de escrita como objeto em si a ser apropriado mas ldquoo sentido que

pode ser conseguido por meio delerdquo Isolar a aprendizagem desse sistema por acreditar ser este

91

um preacute-requisito para algueacutem se tornar leitor eacute contribuir para a aprendizagem de uma liacutengua

morta artificial que natildeo propicia ao aprendiz reconhecer-se como leitor Com isso cabe agrave escola

ensinar o sistema de escrita no fluxo da linguagem uma vez que ldquoa apropriaccedilatildeo desse

conhecimento se daacute em seu proacuteprio uso em textos vivos e em pleno funcionamento carregados

de significados produzidos pelas relaccedilotildees entre todos os que vivem no contexto em que se situam

[]rdquo (ARENA 2009 p 172)

Vygotski (1995) criticou os processos de apresentaccedilatildeo escolar da escrita para as crianccedilas

em sua eacutepoca ndash deacutecada de 20 do seacuteculo XX ndash e essa criacutetica ainda eacute bastante atual Para o autor o

ensino da escrita em geral eacute um haacutebito motor realizado de forma artificial e esse ensino

mecacircnico da teacutecnica prevalece sobre a compreensatildeo do funcionamento e da utilizaccedilatildeo racional e

social da escrita Desse modo

() o ensino da linguagem escrita se baseia em uma aprendizagem artificial que

exige enorme atenccedilatildeo e esforccedilos por parte do professor e do aluno e devido a tal

esforccedilo se transforma em algo independente em algo que se basta a si mesmo

enquanto a linguagem escrita viva passa a um plano posterior () Nosso ensino

da escrita natildeo se baseia no desenvolvimento natural das necessidades da crianccedila

nem em sua proacutepria iniciativa lhe chega de fora das matildeos do professor e lembra

a aquisiccedilatildeo de um haacutebito teacutecnico como por exemplo tocar piano (VYGOSTKI

1995 p 183 traduccedilatildeo nossa)10

Apropriar-se da escrita significa dominar um sistema simboacutelico extremamente complexo

A escrita eacute um sistema de signos que representa outro sistema de signos e por tal razatildeo eacute um

simbolismo de segundo grau uma representaccedilatildeo de segunda ordem Como esclarece Vygotski

(1995 p 184 traduccedilatildeo nossa) a escrita ldquose forma por um sistema de signos que identificam

convencionalmente os sons e palavras da linguagem oral que satildeo por sua vez signos de objetos e

relaccedilotildees reaisrdquo11

Em outras palavras a escrita representa a fala que por sua vez representa a

realidade Ao escrever eacute representado o som da fala mas esse som natildeo eacute apenas um som ele tem

10

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 183) () la ensentildeanza del lenguaje escrito se basa en un

aprendizaje artificial que exige enorme atencioacuten y esfuerzos por parte del maestro y del alumno debido a lo cual se

convierte en algo independiente en algo que se basta a si mismo el lenguaje escrito vivo pasa a un plano posterior

() Nuestra ensentildeanza de la escritura no se basa auacuten en el desarrollo natural de las necesidades del nintildeo ni en su

propia iniciativa le llega desde fuera de manos del maestro y recuerda el aprendizaje de un haacutebito teacutecnico como

por ejemplo tocar el piano 11

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 184) (hellip) el lenguaje escrito estaacute formado por un sistema de

signos que identifican convencionalmente los sonidos y las palabras del lenguaje oral que son a su vez signos de

objetos y relaciones reales

92

um significado e eacute esse significado que representa a realidade ou seja as coisas que satildeo faladas

as ideias os sentimentos as informaccedilotildees Para que a aquisiccedilatildeo da escrita ocorra de forma efetiva

eacute necessaacuterio que o nexo intermediaacuterio ndash representado pela linguagem oral ndash desapareccedila

gradativamente e a escrita se transforme em um sistema de signos que simbolizem diretamente os

objetos e as situaccedilotildees designadas ndash uma representaccedilatildeo de primeira ordem

A aquisiccedilatildeo da linguagem escrita eacute resultado de um longo processo de desenvolvimento

das funccedilotildees superiores do comportamento infantil que possui uma longa e complexa histoacuteria

iniciada muito antes de a crianccedila comeccedilar a estudar a escrita na escola Segundo Luria (1988 p

143)

O momento em que uma crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros exerciacutecios

escolares em seu caderno de anotaccedilotildees natildeo eacute na realidade o primeiro estaacutegio do

desenvolvimento da escrita As origens deste processo remontam a muito antes

ainda na preacute-histoacuteria do desenvolvimento das formas superiores do

comportamento infantil podemos ateacute mesmo dizer que quando uma crianccedila

entra na escola ela jaacute adquiriu um patrimocircnio de habilidades e destrezas que a

habilitaraacute a aprender a escrever em um tempo relativamente curto

Esse patrimocircnio de habilidades e destrezas que habilitaraacute a crianccedila a aprender a escrever

como afirma Luria reporta no caso da crianccedila na Educaccedilatildeo Infantil agrave formaccedilatildeo das bases

orientadoras para a aprendizagem da escrita ndash o controle da vontade e da conduta (a auto-

disciplina) a percepccedilatildeo antecipada do resultado da atividade a necessidade de expressatildeo a

funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia a necessidade de ler e escrever A esse processo Vygotski

(1995) chama de preacute-histoacuteria da linguagem escrita ndash que eacute a histoacuteria das formas de expressatildeo da

crianccedila ndash e eacute constituiacuteda por ligaccedilotildees em geral natildeo perceptiacuteveis agrave simples observaccedilatildeo e comeccedila

com a escrita no ar com o gesto da crianccedila ao qual os adultos atribuem um significado O gesto

eacute o primeiro signo visual eacute a escrita no ar assim pode-se dizer que os signos escritos satildeo

frequentemente simples gestos que foram fixados Entre o gesto e o signo escrito haacute dois

elementos que se interpotildeem o desenho e o faz de conta

O desenho eacute uma continuidade do gesto inicialmente eacute uma representaccedilatildeo graacutefica do

gesto que aos poucos se torna uma representaccedilatildeo simboacutelica e graacutefica do objeto ldquo() o desenho

infantil eacute uma etapa preacutevia agrave linguagem escrita Por sua funccedilatildeo psicoloacutegica o desenho infantil eacute

uma linguagem graacutefica peculiar um relato graacutefico sobre algo (VYGOTSKI 1995 p 192

93

traduccedilatildeo nossa)12

O desenho comeccedila quando a linguagem oral jaacute alcanccedilou grande

desenvolvimento e se tornou habitual A fala predomina no geral e modela a vida interior

submetendo-a as suas leis O mesmo ocorre com o desenho O desenho eacute uma linguagem graacutefica

que tem por base a linguagem verbal Quando a crianccedila revela seus reservatoacuterios de memoacuteria por

meio do desenho ela o faz como se estivesse contando uma histoacuteria Desse modo ldquoa teacutecnica do

desenho demonstra sem duacutevida que na realidade se trata de um relato graacutefico ou seja uma

peculiar linguagem escritardquo (VYGOTSKI 1995 p 192 traduccedilatildeo nossa)13

O mesmo ocorre com o faz-de-conta uma vez que a ausecircncia de alguns objetos

necessaacuterios agrave brincadeira eacute compensada por objetos que passam a representar os objetos ausentes

e gradativamente se convertem em signos que representam os objetos ausentes Natildeo importa

exatamente a semelhanccedila entre o objeto verdadeiro e o representado mas a possibilidade de

representar com a ajuda do novo objeto o gesto representativo do objeto ausente ldquoDe fato eacute o

gesto que atribui a funccedilatildeo de signo ao objeto e ao longo de exerciacutecio do faz-de-conta graccedilas ao

uso prolongado o novo significado se transfere ao objeto e este passa a representar o novo objeto

para a crianccedila independente do gesto (MELLO 2005)

Desse modo ao longo da idade preacute-escolar com a ajuda do desenho e do faz-de-conta a

crianccedila torna mais elaborada a forma como utiliza as formas de representaccedilatildeo e eacute por tal razatildeo

que se entende o desenho e o faz-de-conta como constituintes de uma etapa e uma forma de

linguagem que leva agrave linguagem escrita compotildeem uma linha uacutenica do desenvolvimento que vai

do gesto ndash a forma mais inicial da comunicaccedilatildeo ndash agraves formas superiores da linguagem escrita Essa

forma superior da linguagem escrita deve ser entendida como o momento em que o elemento

intermediaacuterio entre a realidade e a escrita ou seja a linguagem oral desaparece e a escrita se

torna diretamente simboacutelica representa diretamente a realidade (VYGOTSKI 1995 MELLO

2005)

12

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 192) () el dibujo infantil es una etapa previa al lenguaje

escrito Por su funcioacuten psicoloacutegica el dibujo infantil es un lenguaje graacutefico peculiar un relato sobre algo 13

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 192) La teacutecnica del dibujo infantil demuestra sin lugar a duda

que en realidad se trata de un relato graacutefico es decir un peculiar leguaje escrito

94

241 O ensino do ato de ler e de escrever

Por se compreender a liacutengua escrita como instrumento cultural complexo eacute que ela deve

ser apresentada agraves crianccedilas desde a Educaccedilatildeo Infantil de forma adequada e natildeo somente como um

ato motor Eacute complexo porque natildeo se aprende simplesmente por imitaccedilatildeo como alguns

instrumentos ou por repeticcedilatildeo mas exige de quem aprende o exerciacutecio de um conjunto de

funccedilotildees intelectuais e como exposto a articulaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia do

pensamento da memoacuteria da atenccedilatildeo das percepccedilotildees

O ensino da linguagem escrita precisa ser intencionalmente planejado pelo professor e

exige uma dedicaccedilatildeo especiacutefica de quem aprende Por tal razatildeo Vygotski (1995) afirma que a

linguagem escrita precisa ser apresentada desde o iniacutecio agrave crianccedila como um instrumento que tem

como funccedilatildeo social comunicar informaccedilotildees ideias sentimentos

Noacutes natildeo negamos que seja possiacutevel ensinar a ler e a escrever as crianccedilas de

idade preacute-escolar inclusive consideramos conveniente que a crianccedila saiba jaacute ler

e escrever ao ingressar na escola Mas o ensino deve organizar-se de forma que a

leitura e a escrita sejam necessaacuterias de algum modo para a crianccedila () a escrita

deve ter sentido para a crianccedila deve ser provocada por necessidade natural

como uma tarefa vital que eacute imprescindiacutevel Unicamente entatildeo estaremos

seguros de que a escrita se desenvolveraacute na crianccedila natildeo como um haacutebito de matildeos

e dedos mas como um tipo realmente novo e complexo de linguagem

(VYGOSTKI 1995 p 201 traduccedilatildeo nossa)14

As professoras datildeo indiacutecios de aceitarem o ensino de letras ndash identificaccedilatildeo e junccedilatildeo ndash

siacutelabas e palavras de forma natural espontacircnea com o qual a crianccedila ldquovai despertandordquo

ldquodeslanchando com a maturidaderdquo o que acaba por descartar a intencionalidade do ensino a

mediaccedilatildeo do professor e a compreensatildeo de que dominar a escrita significa ldquouma transformaccedilatildeo

criacutetica em todo o desenvolvimento cultural da crianccedilardquo (VYGOTSKI 1995 p 184 traduccedilatildeo

nossa)15

14

Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 201) Nosotros no negamos que sea posible ensentildear a leer y escribir

a nintildeos de edad preescolar incluso consideramos conveniente que el nintildeo sepa ya leer y escribir al ingresar en la

escuela Pero la ensentildeanza debe organizarse de forma que la lectura y la escritura sean necesarias de alguacuten modo para

el nintildeo () la escrita debe tener sentido para el nintildeo que debe ser provocada por necesidad natural como una tarea

vital que le es imprescindible Unicamente entonces estaremos seguros de que se desarrollaraacute en el nintildeo no coacutemo un

haacutebito de de sus manos y dedos sino como un tipo realmente nuevo y complejo del lenguaje 15

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 184) () significa un viraje criacutetico en todo el desarrollo cultural

del nintildeo

95

Com relaccedilatildeo agrave leitura PI I considera que natildeo adianta decodificar e que a crianccedila precisa

ler e entender o que lecirc Acrescenta ainda que a crianccedila decodifica letra por letra de uma palavra

mas que agraves vezes natildeo presta atenccedilatildeo ao que lecirc e que o mesmo acontece com a escrita Nas

palavras da professora lecirc ldquoquando ela sozinha consegue ler e entender o que estaacute lendo quando

ela consegue escrever histoacuterias consegue criar e consegue entender o que ela escreveurdquo

Diante dessas afirmaccedilotildees emergem duas situaccedilotildees que merecem serem ressalvadas A primeira

se relaciona ao fato de que ler e entender parecem duas etapas distintas do ato de ler o que natildeo

condiz com a concepccedilatildeo de leitura que entende a leitura como compreensatildeo como produccedilatildeo de

sentido e como praacutetica social histoacuterica e cultural (ARENA 1992 CHARMEAUX 1997

JOLIBERT 1994 SOUZA 2004)

Arena (2010b) esclarece que ler

eacute a accedilatildeo de atribuir sentido por meio de sinais graacuteficos em situaccedilotildees elaboradas

pela cultura humana Essas atitudes constituintes do entorno satildeo vitais para a

formaccedilatildeo do leitor e satildeo desenvolvidas nas relaccedilotildees com os gecircneros

enunciativos porque satildeo as relaccedilotildees culturais que orientam os modos de ler Eacute

importante entender que ensinar o sistema linguumliacutestico natildeo eacute ensinar a ler ensinar

a ler eacute ensinar as proacuteprias praacuteticas sociais e culturais que exigem o domiacutenio

desse sistema (ARENA 2010b p 242)

Nessa perspectiva ler eacute uma forma de apropriar-se da cultura humana e seu ensino

ultrapassa a mera decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos e a vocalizaccedilatildeo e se relaciona agraves formas de

desenvolvimento do pensamento Ao ensinar a ler a atitude seria de ensinar a proacutepria liacutengua natildeo

somente como um instrumento de comunicaccedilatildeo mas como um instrumento do pensamento

(ARENA 2010b FOUCAMBERT 1998 VYGOTSKY 2000)

Segundo Arena (2010b p 242 ndash 243)

Aprender a ler eacute necessaacuterio para a transformaccedilatildeo contiacutenua progressiva para um

modo cada vez mais abstrato e profundo de pensar que somente a relaccedilatildeo com

essa tecnologia chamada escrita pode proporcionar ao homem Vista do acircngulo

da antropologia a escrita apropriada pelo leitor revela-se como um

poderosiacutessimo instrumento de desenvolvimento da mente humana das funccedilotildees

psiacutequicas superiores constituintes do progressivo processo de humanizaccedilatildeo de

acordo com o pensamento de Vygotsky (2000)

96

O que se enfatiza natildeo eacute somente a natureza comunicativa da liacutengua escrita mas ldquoo aspecto

transformador das funccedilotildees psiacutequicas superiores que permitem a inserccedilatildeo do homem diretamente

nas relaccedilotildees humanas permeadas pelo graacutefico atualmente potencializado pelos processadores

eletrocircnicosrdquo (ARENA 2010b p 243) Ler eacute a accedilatildeo de produzir sentidos e essa funccedilatildeo

transformadora da liacutengua exige que seu ensino seja compatiacutevel com essa exigecircncia em outras

palavras ldquoobriga a didaacutetica da leitura a elaborar novas condutas metodoloacutegicas para atender a

esse novo leitor e agraves novas funccedilotildees redescobertas no ato de lerrdquo (ARENA 2010b p 243)

Com isso considera-se que o ensino da liacutengua do ato de ler e de escrever requer do

professor condutas metodoloacutegicas que possibilitem a produccedilatildeo de sentido a aprendizagem e o

desenvolvimento da crianccedila Essas formas de se pensar o trabalho pedagoacutegico para a sua inserccedilatildeo

na cultura escrita de colocaacute-la no fluxo dessa liacutengua de modo que ela pense sobre a liacutengua

estabeleccedila relaccedilotildees e perceba seu funcionamento de modo a utilizaacute-la conforme seus interesses e

necessidades eacute o desafio que esse trabalho se propotildee

O professor ensina o ato de ler para que a crianccedila possa criar leitura porque a leitura

acontece no momento em que o leitor a realiza ela se daacute na relaccedilatildeo entre o leitor e o texto A

leitura natildeo eacute um objeto uma coisa Ela existe no momento em que a realiza ldquosomente ganha

existecircncia quando o leitor a cria na relaccedilatildeo entre o que ele eacute o que sabe e o que o texto criado

pelo outro estaacute a oferecerrdquo (ARENA 2010b p243) Dessa forma o professor ensina ldquoo modo

como o leitor em formaccedilatildeo deve agir sobre o texto para criar a leiturardquo (ARENA 2010b p 243)

e por essa razatildeo natildeo se ensina a leitura mas se ensina o aluno a ler

como ato cultural para criar a sua proacutepria leitura nos limites de sua

potencialidade na sua relaccedilatildeo com os diferentes gecircneros e suportes textuais que

possibilitam a formaccedilatildeo crescente e permanente de modos de pensar cada vez

mais abstratos (ARENA 2010b p 243)

Esses pressupostos fundamentam a tese de que as crianccedilas aprendem a liacutengua por meio

dos gecircneros discursivos quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola desde a

Educaccedilatildeo Infantil como instrumentos de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura

humana

Diante disso pode-se inferir que PI I ao afirmar que a crianccedila ao ler agraves vezes natildeo presta

atenccedilatildeo ao que leu ou seja que natildeo entendeu o que leu distingue a leitura da produccedilatildeo de

sentido separa o ler do entender como duas etapas desse processo Arena (2010b) esclarece que eacute

97

uma expressatildeo comum nos planos escolares que diagnostica os alunos como incapazes de ler de

compreender e de interpretar Este fato revela em sua gecircnese uma visatildeo do ato de ensinar a ler

que envolve essas trecircs etapas distintas em que a primeira eacute ler a segunda eacute compreender e a

terceira eacute interpretar Essa visatildeo do ato de ensinar a ler estaacute relacionada agrave proacutepria tradiccedilatildeo

histoacuterica do ensino das liacutenguas alfabeacuteticas em nosso caso do portuguecircs em que a ecircnfase do

ensino do ato de ler eacute colocada sobre a relaccedilatildeo grafofocircnica como o essencial a ser dominado

isolado do aspecto semacircntico que seria uma consequecircncia natural dessa relaccedilatildeo ou seja havia

uma ecircnfase no ensino do coacutedigo da relaccedilatildeo letra-som da vocalizaccedilatildeo num primeiro momento

para depois e como consequecircncia desse primeiro atribuir sentido ao que foi vocalizado

(ARENA 2010b)

Assim de acordo com esse ponto de vista a primeira etapa a de ler seria a de ler para

pronunciar ler sem atribuir sentido a segunda etapa seria a de compreender nas linhas e na

superfiacutecie o que o autor do texto quis dizer de forma ateacute literal e a terceira etapa a de interpretar

seria a capacidade do leitor de fazer inferecircncias e relaccedilotildees com o conhecimento organizado em

sua mente e com possiacutevel criticidade (ARENA 2010b) De acordo com os fundamentos teoacutericos

desse trabalho ler eacute compreender eacute produzir sentido eacute uma praacutetica social histoacuterica e cultural

Ler se entende sempre como uma atitude de compreensatildeo de estabelecer um diaacutelogo com o texto

e consigo mesmo de construir e desconstruir o texto no interior do pensamento de fazer

perguntas ao texto (ARENA1992 CHARMEAUX1994 JOLIBERT 1994)

A segunda situaccedilatildeo que se apresenta das afirmaccedilotildees de PI I com relaccedilatildeo ao ensino do ato

de ler e por conseguinte ao ensino da liacutengua eacute a contradiccedilatildeo que aparece em seu discurso PI I

revela que ler natildeo eacute apenas decodificar letras siacutelabas ou palavras mas entender o que se lecirc No

entanto como foi analisado anteriormente em sua entrevista em seu trabalho pedagoacutegico no que

se refere ao ensino da liacutengua enfatiza a sinalidade e natildeo a significaccedilatildeo

Bakhtin (1992) e Vygotsky (1995) concebem a palavra como signo Quando a escola natildeo

realiza um trabalho com a leitura e a escrita a partir das enunciaccedilotildees deixa de conceber a palavra

como signo e passa a consideraacute-la como sinal ldquoO sinal constitui-se num aspecto teacutecnico que

sozinho nada diz apenas quando eacute absorvido pelo signo eacute que pode comunicar-se tornar-se

linguagemrdquo (CRUVINEL 2010 p 65) Diante dessas consideraccedilotildees a liacutengua materna a ser

ensinada na escola desde a pequena infacircncia natildeo eacute a mediada pela relaccedilatildeo grafema-fonema mas a

mediada pela significaccedilatildeo A palavra escrita eacute signo por isso sempre significa e natildeo pode ser

98

lida como sinal Eacute siacutembolo visual que soacute adquire sentido quando inserida num contexto quando

corresponde ou pertence a uma enunciaccedilatildeo (BAKHTIN 1992)

242 O ensino da liacutengua materna

Na tentativa de compreender como entendem o processo de inserccedilatildeo das crianccedilas

pequenas na cultura escrita as professoras foram indagadas durante a entrevista sobre o que

pensam sobre alfabetizaccedilatildeo e letramento

PB

P PB o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PB sabe que natildeo ouvi falar muito de letramento natildeo mas eu acho que

letramento seja a crianccedila que conheccedila as letras que talvez monte (refere-se as

letras) mas alfabetizaccedilatildeo jaacute natildeo ela eacute incorporada porque tem palavra que

tem duplo sentido entatildeo a crianccedila jaacute vai natildeo soacute na palavra que vocecirc vai lendo

nas placas nos siacutembolos neacute entatildeo eacute diferente mas natildeo sei se eacute bem isso

P natildeo eacute a sua opiniatildeo mesmo

PB acho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo neacute porque entender e escrever e

ler aiacute vocecirc tem uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a leitura sem

entender o que estaacute lendo somente juntando as palavras ou sabendo o

alfabeto inteiro mais ou menos acho que eacute isso

P ah obrigada

PM I

P o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PM I na minha concepccedilatildeo na minha ideia alfabetizar e letrar eu acho que

caminham juntas uma crianccedila letrada estaacute alfabetizada neacute ou pode estar

letrada conhecer as letras e natildeo ter o domiacutenio assim alfabetiZADA MESMO

quando natildeo consegue ter a proacutepria autonomia se virar sozinha mesmo

P alfabetizar pelo que vocecirc estaacute me dizendo pra vocecirc seria a crianccedila que jaacute

domina a leitura com a escrita

PM I isso

P de forma mais autocircnoma

PM I isso

P e letrada eacute quando ela jaacute conhece tem noccedilotildees

PMI mas ela ainda natildeo tem aquela autonomia de ficar fazendo sozinho essa

letra e essa escrita

P certo

PM I minha ideia de ficar analisando a fundo neacute

P e na Educaccedilatildeo Infantil esses processos de alfabetizaccedilatildeo e de letramento satildeo

adequados

99

PM I desde que a crianccedila esteja assim se ela desperta pra isso neacute vocecirc natildeo

vai queimar etapas eacute atropelar eacute forccedilar a situaccedilatildeo e tambeacutem vocecirc natildeo vai

provar a crianccedila se ela tem o interesse se ela se envolver se ela tem vaacuterios

recursos na famiacutelia pra estimular vai despertar antes que outros mas vocecirc natildeo

vai pular (etapa) para aprender agora vocecirc natildeo vai escrever vocecirc natildeo vai

segurar a crianccedila e vocecirc tambeacutem natildeo vai forccedilar a situaccedilatildeo assim entatildeo se

acontece

P vocecirc trabalha em cima do que ela vivencia

PM I eacute essa eacute mais ativa ela que vai se tornar eacute depende da situaccedilatildeo

vocecirc natildeo vai forccedilar

P ah estaacute bem muito obrigada

PM I de nada

PM II

P o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PM II ah eacute uma coisa meio complicada neacute mas pra mim alfabetizaccedilatildeo eacute

quando a crianccedila sabe codificar e decodificar sabe o que estaacute escrito e sabe

escrever agora letramento eacute eu acho que eacute quando a crianccedila sabe usar

isso de algum jeito sabe usar de maneira mais funcional eu acho que eacute isso

neacute

PI I

P e o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PI I ai eu natildeo sei eu jaacute li sobre isso mas na minha cabeccedila ficou a mesma

coisa letrar alfabetizar ficou a mesma coisa

P e pra vocecirc o que eacute alfabetizar

PI I alfabetizar entatildeo eacute isso que acabei de falar eacute vocecirc ensinar a crianccedila a

ler a escrever a poder utilizar isso ela pegar um jornal e saber usar o jornal

como lecirc como que entende o que estaacute escrito laacute na vida dela se ela precisa de

uma receita ela vai laacute e ela sabe procurar um livro de receitas ela vai lecirc

sozinha sem ajuda de ningueacutem ela consegue fazer sozinha neacute lecirc uma

histoacuteria lecirc pro amiguinho lecirc uma bula de remeacutedio saber o que ela estaacute

lendo ela quer fazer um brinquedo lecirc um texto e lecirc sabe o que estaacute

escrito e lecirc sabe escrever um bilhete pra algueacutem uma carta uma histoacuteria

P obrigada

PM I eacute isso neacute

P muito obrigada

Pela anaacutelise do registro da transcriccedilatildeo das entrevistas das professoras marcadas pela

presenccedila frequente de dois pontos e das reticecircncias pode-se inferir que as professoras hesitam em

abordar o assunto por possivelmente natildeo terem uma ideia clara sobre esses conceitos PB

quando questionada inicia com uma ideia e em seguida a reelabora criando outra definiccedilatildeo

100

Relaciona letramento ao fato de a crianccedila conhecer as letras o alfabeto inteiro o fato de saber ler

e escrever mas sem entender o que se lecirc e o que se escreve Atribui agrave alfabetizaccedilatildeo um processo

mais complexo em que a crianccedila entende lecirc e escreve ldquoacho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo

neacute porque entender e escrever e ler aiacute vocecirc tem uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a

leitura sem entender o que estaacute lendo somente juntando as palavras ou sabendo o alfabeto

inteiro mais ou menos acho que eacute issordquo

PM I inicialmente declara que alfabetizar e letrar satildeo processos que acontecem juntos

poreacutem satildeo distintos porque a crianccedila pode estar letrada ndash que em seu conceito estar letrado eacute

ldquoconhecer as letrasrdquo ndash mas natildeo estar alfabetizada ainda que para PM I eacute dominar a leitura e a

escrita de forma que a crianccedila consiga se valer delas de forma autocircnoma PM I declara que a

alfabetizaccedilatildeo e o letramento podem acontecer na Educaccedilatildeo Infantil desde que a crianccedila

ldquodesperterdquo pra isso desde que demonstre interesse mas que natildeo pode ser algo imposto exigir da

crianccedila que ela seja alfabetizada e letrada que natildeo se pode ldquopular etapasrdquo Essas afirmaccedilotildees de

PM I satildeo denotativas de duas situaccedilotildees jaacute abordadas anteriormente nesse trabalho a primeira se

refere agrave alfabetizaccedilatildeo precoce das crianccedilas (ZAPHOROacuteZETS 1987 MELLO 2005) em que PM

I parece ser contraacuteria a essa ideia ndash assim como se defende nesta pesquisa ndash ao declarar que natildeo

pode ser algo imposto porque as crianccedilas ainda precisam desenvolver as bases orientadoras Por

outro lado como segunda situaccedilatildeo que emerge dessa fala de PM I haacute o indiacutecio de que a crianccedila

vai ldquodespertarrdquo em algum momento que o interesse pela leitura e pela escrita eacute natural que por

esse motivo eacute destituiacutedo de intencionalidade da necessidade da mediaccedilatildeo que as condiccedilotildees

concretas de vida e de educaccedilatildeo natildeo interferem nesse processo e ainda que a aprendizagem

decorre do desenvolvimento e natildeo o contraacuterio

PM II apresenta a ideia de que alfabetizar eacute dominar o coacutedigo eacute conseguir codificar e

decodificar os signos linguiacutesticos sendo que o letramento se refere ao uso social da leitura e da

escrita Apesar de ter declarado que em sua praacutetica pedagoacutegica trabalha com o ensino de letras e

palavras com as crianccedilas a resposta de PI se revelou diferente das demais professoras ao abordar

esses conceitos porque natildeo distingue alfabetizaccedilatildeo de letramento e afirma que para ela ldquoeacute a

mesma coisardquo Vincula a alfabetizaccedilatildeoletramento ao saber ler e escrever e ao saber fazer o uso

social da leitura e da escrita

A preocupaccedilatildeo desta pesquisa natildeo eacute a de aprofundar a discussatildeo desses conceitos mas

trazecirc-los agrave tona para compreender melhor os conceitos de liacutengua e de linguagem que permeiam a

101

praacutetica pedagoacutegica dessas professoras para que se possa pensar na trajetoacuteria vivenciada pelos

sujeitos da pesquisa com relaccedilatildeo ao processo inicial de apropriaccedilatildeo e de objetivaccedilatildeo da leitura e

da escrita

Ao considerar as ideias de liacutengua linguagem de leitura e de liacutengua escrita apresentadas

ao longo do capiacutetulo eacute necessaacuterio reiterar que alfabetizaccedilatildeo e letramento referem-se a um uacutenico

processo o processo de internalizaccedilatildeo da liacutengua em seu funcionamento como elemento de

interaccedilatildeo entre as pessoas e por assim dizer um processo discursivo interativo para a

humanizaccedilatildeo das crianccedilas O que estaacute em jogo eacute o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da

liacutengua uma liacutengua viva oriunda da concepccedilatildeo de linguagem essencialmente dialoacutegica vista em

seu uso na atitude responsiva do outro Sobre isso Geraldi (1997 p 5 ndash 6 grifos do autor)

esclarece que

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar

o processo educacional exige instauraacute-lo sobre a singularidade dos sujeitos em

contiacutenua constituiccedilatildeo e sobre a precariedade da proacutepria temporalidade que o

especiacutefico do momento implica Trata-se de erigir como inspiraccedilatildeo a

disponibilidade para mudanccedila Focalizar a interaccedilatildeo verbal como lugar da

produccedilatildeo da linguagem e dos sujeitos que neste processo se constituem pela

linguagem significa admitir a) que a liacutengua (no sentido linguiacutestico do termo)

natildeo estaacute de antematildeo pronta dada como um sistema de que o sujeito se apropria

para usaacute-la segundo suas necessidades especiacuteficas do momento de interaccedilatildeo

mas que o proacuteprio processo interlocutivo na atividade da linguagem a cada vez

a (re)constroacutei b) que os sujeitos se constituem como tais agrave medida que

interagem com os outros sua consciecircncia e seu conhecimento de mundo

resultam como ldquoprodutordquo deste mesmo processo Neste sentido o sujeito eacute

social jaacute que a linguagem natildeo eacute o trabalho de um artesatildeo mas trabalho social e

histoacuterico seu e dos outros e eacute para os outros e com os outros que ela se constitui

Tambeacutem natildeo haacute um sujeito dado pronto que entra na interaccedilatildeo mas um sujeito

se completando e se construindo nas suas falas c) que as interaccedilotildees natildeo se datildeo

fora de um contexto social e histoacuterico mais amplo na verdade elas se tornam

possiacuteveis enquanto acontecimentos singulares no interior e nos limites de uma

determinada formaccedilatildeo social sofrendo as interferecircncias os controles e as

seleccedilotildees impostas por esta Tambeacutem natildeo satildeo em relaccedilatildeo a estas condiccedilotildees

inocentes Satildeo produtivas e histoacutericas e como tais acontecendo no interior e nos

limites do social constroem por sua vez limites novos

Entender a apropriaccedilatildeo e a objetivaccedilatildeo da liacutengua como um processo interlocutivo eacute

entender que somos seres histoacutericos e sociais em constante transformaccedilatildeo que somos produto e

produtores da cultura humana que a liacutengua eacute algo vivo porque se constitui na interaccedilatildeo com o

outro e que nos constituiacutemos nela dentro de um dado contexto situacional Apropriar-se da liacutengua

102

nessa perspectiva eacute uma construccedilatildeo histoacuterica social e cultural e por essa razatildeo eacute humanizar-se

A liacutengua como produto da histoacuteria eacute marcada pelo uso e pelo espaccedilo social deste uso Assim a

liacutengua nunca pode ser estudada e ensinada como um produto fechado em si mesmo porque o

externo se internaliza participando da construccedilatildeo deste mesmo produto

243 As praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio

Ao analisar as entrevistas das professoras quanto agraves praacuteticas de produccedilatildeo de textos de

leitura e o trabalho com os gecircneros discursivos com as crianccedilas pequenas os dados revelaram

vaacuterios aspectos a saber

PB

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PB leio mas agraves vezes eu conto porque eles satildeo muito pequenos entatildeo agraves

vezes leio o livro primeiro e nisso eu vou contando pra eles

P certo

PB senatildeo eles natildeo prestam atenccedilatildeo aiacute no uacuteltimo ano dependendo da turma jaacute

daacute pra dar uma lida em livros pequenos mas a maioria eacute contada

P certo e que tipos de textos vocecirc costuma ler para eles

PB ai eu gosto de ler tudo assim principalmente livros neacute histoacuterias conto

de faacutebula faacutebulas eacute conto de fada faacutebulas poesias eacute mais isso

P certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os seus alunos

PB costumo soacute que satildeo pequenos entatildeo natildeo daacute pra fazer uma coisa muito

grande tem que ficar dando muita dica neacute pra tirar mas pequenos textos datildeo

pra fazer

P Eacute

PB depois de uma histoacuteria talvez o reconte da histoacuteria no momento que

aconteceu eles vatildeo falando

P certo

PB alguma coisa que aconteceu o que a gente fez entatildeo como que foi neacute

P sei sei

PB eacute mais assim

P e como eacute feita essa produccedilatildeo

PB coletando o primeiro momento se for uma histoacuteria que natildeo tem lousa eu

vou escrevendo no papel mas se eacute numa sala eu vou marcando na lousa e

depois eu passo para o papel e depois para o cartaz geralmente gosto de ver

eles perto porque aquilo que foi falado foi passado na lousa passado no papel e

num cartaz grande aiacute eles desenham eu dou um giz grande eles desenham

debaixo do cartaz entendeu

P sim

PB foram eles que fizeram neacute

P e depois o que vocecirc faz com essa produccedilatildeo escrita

103

PB deixo na parede aiacute eles jaacute sabem neacute o que estaacute escrito o que natildeo estaacute

quem desenhou

P entendi

PB mesmo natildeo sabendo mas eles apontam e falam como se estivessem lendo

neacute fica bonito

PM I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM I leio

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler pra eles

PM I entatildeo a literatura infantil leio bastante todos os dias leio um livro

uma histoacuteria seleciono leio sempre assim com um objetivo de trabalhar

sentimento eacute trabalhar famiacutelia ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre

seleciono uma histoacuteria assim que de alguma forma vai tocar eles eles vatildeo viver

uma situaccedilatildeo aqui da escola tambeacutem

P e vocecirc percebe assim algum tipo de texto que eles se interessam mais De

quais histoacuterias que eles se interessam mais

PM I que eacute das histoacuterias neacute geralmente eles se interessam bastante e tem

insistecircncia

P as que tem o personagem malvado

PM I tem o bonzinho

P sei

PM I as preferidas tem ateacute que induzi-los a um outro tipo de histoacuteria porque

eles querem sempre o mesmo

P o mesmo

PM I o mesmo

P e vocecirc costuma produzir textos eacute escritos por escritos com os alunos

PM I nessa classe ainda natildeo eu sou mais oralmente vocecirc conta a histoacuteria e

P sim

PM I eles relatam o que aconteceu

P aiacute recupera essa histoacuteria

PB e PM I revelam que leem com frequecircncia histoacuterias para suas crianccedilas e aparentam ter

uma praacutetica de leitura contudo PM I natildeo apresenta uma praacutetica de produccedilatildeo de textos escritos

com as crianccedilas mas geralmente faz a reconstruccedilatildeo oral da histoacuteria lida PM I parece utilizar a

leitura dos livros que escolhe como pretexto (LAJOLO 1986) para abordar a formaccedilatildeo de

valores de condutas ou de sentimentos como revela ldquoentatildeo a literatura infantil leio bastante

todos os dias leio um livro uma histoacuteria seleciono leio sempre assim com um objetivo de

trabalhar sentimento eacute trabalhar famiacutelia ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre seleciono

uma histoacuteria assim que de alguma forma vai tocar eles eles vatildeo viver uma situaccedilatildeo aqui da

escola tambeacutemrdquo

104

Com relaccedilatildeo agrave forma como os gecircneros discursivos chegaram ateacute os sujeitos da pesquisa

verificou-se que na maioria das vezes foi por meio da transmissatildeo vocal (BAJARD 2007) do

texto pelo professor Essa praacutetica era frequente entre as professoras entrevistadas Outro

procedimento utilizado pelas professoras em relaccedilatildeo agrave literatura infantil era o contato direto das

crianccedilas com os livros seu manuseio e observaccedilatildeo No entanto esta era uma praacutetica menos

frequente pois as professoras principalmente das crianccedilas pequenininhas como PB e PM I

temiam que as crianccedilas ldquoestragassem os livrosrdquo como relataram ao terminarem a entrevista

Se as sessotildees de transmissatildeo vocal das histoacuterias lidas e de outros gecircneros discursivos

fossem realizadas como parte da rotina do trabalho com as crianccedilas pequenas poderiam

constituir-se como oportunidades significativas a um desenvolvimento mais amplo da infacircncia

aleacutem de gerar sentido agrave aprendizagem do ato de ler e de escrever (LIMA 2005) uma vez que

ldquoatraiacuteda pelo mundo da literatura graccedilas agraves imagens e agrave voz do mediador que confere vida agraves

histoacuterias adormecidas nos livros talvez a crianccedila chegue a desejar o poder de saber ler detido

pelo adultordquo (BAJARD 2007 p 87)

A leitura eacute uma via de acesso para participar da cultura escrita e desse modo ler se

constitui numa necessidade essencial para garantir o pertencimento e a atuaccedilatildeo ativa nessa

sociedade Nessa perspectiva a literatura o gecircnero literaacuterio deve aparecer no cenaacuterio escolar de

modo a contribuir na formaccedilatildeo de leitores e natildeo de ldquoledoresrdquo Perrotti (1999 apud SOUZA

GIROTTO 2008 p 66) distingue o ledor do leitor ao ressaltar que

O ledor prefigura aquele ser passivo imobilizado que pouco ou nada acrescenta

ao ato de ler O texto para o ledor natildeo tem aberturas porque ele decifra

mecanicamente os seus sinais Natildeo haacute misteacuterio nem criaccedilatildeo A leitura eacute

definitiva O leitor no entanto eacute moacutevel e tem um olhar indefinido errante e

criativo sobre o texto que se permite ler em suas linhas e entrelinhas

desvelando seus sinais visuais e invisiacuteveis Isto soacute ocorre quando se daacute o pacto

entre texto e leitor que o ledor natildeo se arrisca a fazer

O enfoque dado no aspecto fiacutesico do signo subsidia muitas praacuteticas educativas no iniacutecio

da aprendizagem da leitura Pode-se inferir que a preocupaccedilatildeo excessiva com a foneacutetica e com a

decodificaccedilatildeo forma crianccedilas ledoras mas natildeo leitoras Satildeo crianccedilas que apenas repetem ou

pronunciam as palavras e frases que compotildeem um texto mas que natildeo conseguem compreendecirc-

105

las e natildeo participam dialogicamente do processo de significaccedilatildeo da leitura pelas proacuteprias

condiccedilotildees educativas a que estatildeo submetidas

A literatura o gecircnero literaacuterio implica diaacutelogo interaccedilatildeo com o texto com a esteacutetica e

por isso requer para si leitores e natildeo ledores A literatura exige do leitor uma interlocuccedilatildeo

envolvimento exige esforccedilo para atuar no texto e com o texto ao lidar intensamente com os

enunciados que desvelam e revelam em si o conteuacutedo temaacutetico o estilo e a construccedilatildeo

composicional (BAKHTIN 2003 p 261) Esse esforccedilo os ledores natildeo datildeo conta de fazer

PB realiza situaccedilotildees de escrita com as crianccedilas pequenas declara que faz essas produccedilotildees

na presenccedila das crianccedilas ao coletar as falas e as informaccedilotildees dadas por elas Acrescenta que as

crianccedilas desenham apoacutes o texto ter sido escrito num cartaz que esse texto fica exposto na sala e

que por essa razatildeo imitam o gesto de leitura da professora reproduzem esse gesto humano de

ler

A anaacutelise dos trechos a seguir denota aspectos que precisam ser considerados no que se

relaciona ao ensino e agrave aprendizagem da leitura e da escrita e dos gecircneros discursivos

PM II

P e vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM II sim

P eacute e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PM II primeiro vou te contar o tipo de leitura que eu faccedilo em alguns

momentos eu leio conforme a histoacuteria do livro neacute leio as letras do livro

mesmo a histoacuteria do livro mas em outros momentos eu costumo contar a

histoacuteria tambeacutem Faccedilo o momento da histoacuteria contada porque dependendo da

faixa etaacuteria os pequenos no comeccedilo do ano de eu soacute ler livros pra eles natildeo se

interessam tanto eles se dispersam neacute desviam a atenccedilatildeo e eacute entatildeo que em

alguns momentos eu leio ou em outros eu conto para eles irem se habituando agrave

leitura do livro natildeo contar a histoacuteria assim simplesmente entatildeo eacute leio dessa

forma entatildeo eacute eu leio mais os contos ou eacute eu trabalho lendas neles eacute o

que mais leio satildeo faacutebulas mas aiacute eu natildeo enfoco tanto a moral porque eles ainda

natildeo entendem neacute (risos) mas eu natildeo costumo trabalhar assim por exemplo

com histoacuterias em quadrinhos porque satildeo muito pequenos entatildeo eacute assim pra

essa faixa etaacuteria neacute quando eu penso nos maiores daacute

P aiacute jaacute daacute

PM II aiacute jaacute daacute pra trabalhar outros gecircneros porque a poesia tambeacutem eacute

complicada pra eles entenderem o que taacute falando ali porque eacute uma linguagem

mais eacute mais conotativa

P hum estaacute certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os alunos em

quais atividades se isso acontece em quais atividades isso acontece

PM II textos deixa-me pensar entatildeo eacute difiacutecil porque crianccedila pequena

produz texto assim em alguns momentos que eu escrevo os momentos que eu

106

escrevo que eles falam mais quando assim a gente estaacute por exemplo natildeo

satildeo textos satildeo palavras geralmente por exemplo assim se eles estatildeo se dou

uma opccedilatildeo de duas histoacuterias ou trecircs histoacuterias pra turma escolher eu posso fazer

uma votaccedilatildeo entatildeo eu vou perguntando vocecirc qual histoacuteria gostaria de

ouvir eu ponho o nome da histoacuteria na lousa de repente surge outra histoacuteria

que natildeo eacute nenhuma daquelas que eu separei para as crianccedilas escolherem entatildeo

eu marco na lousa aiacute a gente faz a contagem ou de repente a gente vai falar

sobre ou ateacute mesmo falar o nome da histoacuteria o nome das crianccedilas mas assim

texto mesmo eacute quase o Maternal II eacute meio complicado

PI I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PI I costumo

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PI I eacute a maioria satildeo histoacuterias infantis mesmo contos de fada historinhas em

si infantis hum a gente lecirc muitas muacutesicas tambeacutem mas como eu escrevo na

lousa a gente acaba lendo a muacutesica neacute

P certo

PI I mas histoacuteria mesmo satildeo contos de fada

P e vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos

PI I natildeo

P sei

PI I com o Preacute III eu fazia

P certo

PI I com o Infantil I eu ainda natildeo fiz natildeo

P uma produccedilatildeo oral que vocecirc vai registrando

PI I ano passado eu fiz sabe

P eacute

PI I eu fiz brincadeiras a gente brincava na quadra e escrevia a brincadeira neacute

P certo

PI I com eles eu fiz mas com esse ano natildeo fiz natildeo

P certo e tem algum motivo especial assim por que natildeo fez ainda esse ano

PI I natildeo

Pode-se inferir que PM II e PI I tambeacutem apresentam uma praacutetica de leitura mas natildeo uma

praacutetica de re-criaccedilatildeo de textos escritos de registro de situaccedilotildees vividas de ideias de opiniotildees ou

de informaccedilotildees Quando se reporta agrave escrita com as crianccedilas refere-se agrave escrita de palavras de

nomes

Eacute possiacutevel depreender ainda que as professoras priorizam o gecircnero narrativo dos contos de

fadas e as faacutebulas Pelos elementos constitutivos desses gecircneros e pela constacircncia em que esse

gecircnero eacute lido as crianccedilas solicitam as repetidas leituras natildeo somente desse gecircnero mas

especificamente de algumas histoacuterias desse gecircnero discursivo Isso pode ser constatado ainda nos

trechos seguintes

107

PB

P e vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto e

qual tipo de texto seria esse

PB eles gostam mais de histoacuterias

P sim

PB e os pequenos gostam mais de histoacuterias com animais

P eacute mesmo

PB eacute dos animais todos eles amam pode ser qualquer histoacuteria uma

narrativa mas que tenha animais

P certo

PB mas agora os maiores jaacute natildeo eacute um conto de fada uma faacutebula eles

gostam os maiores gostam de faacutebula porque eles podem falar para o amiguinho

tambeacutem

PM II

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por um tipo de texto por

algum tipo de texto qual sua opiniatildeo

PM II Nessa faixa etaacuteria eacute soacute os claacutessicos neacute os claacutessicos

P Ah sei

PM II e geralmente eles gostam das histoacuterias que tem eacute o Lobo Mau que tem

a bruxa entatildeo tem que ter esse tipo de personagem

P e como vocecirc percebe que eles se interessam mais por esse tipo de texto

PM II olha eu acredito que seja por conta da imaginaccedilatildeo que eles tecircm que a

imaginaccedilatildeo deles eacute bem feacutertil neacute eles contam diversas histoacuterias eles

inventam eles criam eacute mesmo que de repente vocecirc comeccedila contar uma

histoacuteria de cada o que aconteceu em casa eles satildeo de repente natildeo contam

exatamente contam o que aconteceu e depois eles comeccedilam a contar inventar

criar imaginar as coisas ou uma situaccedilatildeo que eles gostariam eu acho que eacute

por isso porque os contos claacutessicos as histoacuterias de fadas e de princesas assim

mexem muito com a imaginaccedilatildeo da crianccedila

PI I

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto

PI I que eles gostam mais

P eacute tem algum tipo que causa mais que causa mais interesse

PI I eles pedem mais os que tecircm lobo que tenha mais personagem do tipo do

lobo neacute tenha bruxa eles adoram OS TREcircS PORQUINHOS neacute

P Ah Os Trecircs Porquinhos

PI I eacute o que eles mais gostam A Bela e a Fera eles adoram

P sim

PI Iacho que tem esse elemento que causa esse tipo de medo natildeo sei

108

Os registros das entrevistas de PM II denotam uma concepccedilatildeo de crianccedila incapaz

ldquoimaturardquo passiva diante daquilo que eacute ensinado porque por diversas vezes afirma que natildeo

apresenta outros gecircneros por ela ainda natildeo ter condiccedilotildees de entendecirc-los como as histoacuterias em

quadrinhos e a poesia Nessas afirmaccedilotildees encontram-se tambeacutem a limitaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico na pequena infacircncia com os diferentes gecircneros discursivos natildeo somente porque o

professor desconsidera a possibilidade da crianccedila de interagir com eles desde pequena por meio

de um ensino intencionalmente planejado mas denota possivelmente tambeacutem um

desconhecimento sobre o funcionamento dos gecircneros e suas caracteriacutesticas Desse modo vale

lembrar que

Desde o princiacutepio do processo educativo eacute necessaacuterio que a professora se

dedique ao estudo dos gecircneros discursivos e se aproprie deles compreendendo o

seu conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003)

uma vez que essa apropriaccedilatildeo possibilitaraacute organizar e planejar as formas mais

adequadas e necessaacuterias de realizar o trabalho pedagoacutegico voltado para o ensino

e a aprendizagem da leitura e buscar em cada gecircnero discursivo os aspectos

essenciais que possam envolver as crianccedilas criando nelas o interesse e o desejo

de ler (SILVA 2009 p183)

Os gecircneros do discurso podem ser uma importante ferramenta do professor para introduzir

a crianccedila agrave cultura escrita para orientar o trabalho pedagoacutegico no ensino do ato de ler e de

escrever pois ensinar a liacutengua eacute ensinar a dominar a diversidade dos gecircneros discursivos de

forma que ao reconhecerem seu conteuacutedo temaacutetico seu estilo e sua construccedilatildeo composicional as

crianccedilas possam dar-lhes sentidos em outras palavras possam ler e escrever Quando o ensino do

ato de ler e de escrever eacute realizado por meio dos enunciados natildeo eacute a leitura e a escrita como sinal

que se enfatiza natildeo eacute a decodificaccedilatildeo e a codificaccedilatildeo que se prioriza em detrimento do sentido

construiacutedo mas a leitura e a escrita como praacutetica cultural oriunda de uma concepccedilatildeo de

linguagem dialoacutegica de um conceito de liacutengua como construccedilatildeo social e ideoloacutegica que dotada

de um sistema de signos sempre pressupotildee uma atitude responsiva do outro com quem se fala

para quem se escreve Haacute uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre os discursos e entre os interlocutores

possiacutevel por meio da interaccedilatildeo social entre os sujeitos

Os dados apresentados e analisados por meio das entrevistas com as professoras permitem

tentar compreender a seguir como esses conceitos direcionadores do fazer pedagoacutegico

interferem nos conceitos que as crianccedilas tecircm sobre a leitura a escrita e os gecircneros discursivos

Com essa anaacutelise eacute possiacutevel inferir como as relaccedilotildees e os conceitos que as crianccedilas estabelecem

109

podem ser modificados dependendo das condiccedilotildees concretas de vida e de educaccedilatildeo das quais

participam

No capiacutetulo III seraacute realizada uma anaacutelise dos conceitos que as crianccedilas tecircm sobre leitura

e escrita e gecircnero discursivo cotejando-se com as respostas no iniacutecio e no final do trabalho

pedagoacutegico

110

CAPIacuteTULO III

A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCACcedilAtildeO INFANTIL O QUE

PENSAM AS CRIANCcedilAS PEQUENAS

(QUINO Mafalda no jardim-de-infacircncia Satildeo PauloMartins Fontes 1999 p 3)

O diaacutelogo dos personagens da tira remete ao processo de ensino e de aprendizagem da

escrita e seu desenvolvimento na escola desde a pequena infacircncia A liacutengua consiste num sistema

de signos simboacutelicos complexos em vez de um processo superficial de identificaccedilatildeo de letras

siacutelabas e palavras isoladas O valor de qualquer enunciado natildeo eacute determinado pela liacutengua como

sistema puramente linguiacutestico mas pelas formas de interaccedilatildeo que ela estabelece com a realidade

com sujeitos falantes com outros enunciados Todo enunciado eacute um diaacutelogo e faz parte de um

enunciado ininterrupto por esse motivo a linguagem eacute interaccedilatildeo eacute um fenocircmeno social

inseparaacutevel do fluxo da comunicaccedilatildeo verbal (BAKHTIN 1992 p 90) A liacutengua nesse cenaacuterio eacute

concebida como uma atividade de construccedilatildeo de sentidos entre os falantes

Uma crianccedila submetida apenas a um ensino teacutecnico da escrita aprende a codificar e a

decodificar mas natildeo se apropria da linguagem escrita com o objetivo pelo qual ela foi criada

para comunicar informar expressar ideias vontades e contribuir para o desenvolvimento

intelectual do homem

Como afirma Vygotski (1995) ensinam as crianccedilas as letras as siacutelabas e as palavras mas

natildeo a linguagem escrita muito mais complexa e muito mais que o aspecto teacutecnico representado

pela correspondecircncia entre letras e sons ldquoO treino de ldquoescritardquo num momento em que a crianccedila

111

natildeo estaacute preparada para essa aprendizagem torna-se lento e demorado exige um esforccedilo enorme

da crianccedila e por isso acaba por tomar a maior parte do tempo na escolardquo (MELLO 2007 p 6)

Quando a linguagem escrita eacute ensinada como uma teacutecnica se reduz agrave sinalidade e se torna

um objeto escolar A crianccedila natildeo aprende a manejar os signos erdquoaleacutem disso na maior parte das

vezes acaba sendo uma experiecircncia de fracasso pois em geral ela natildeo cumpre a expectativa da

professora ndash que eacute inadequada para a idade da crianccedilardquo (MELLO 2007 p6) As aprendizagens

da crianccedila bem como a formaccedilatildeo leitora e produtora de textos estatildeo relacionadas agraves vivecircncias

que possui agraves condiccedilotildees concretas de vida e de educaccedilatildeo das quais ela participa A vivecircncia eacute a

unidade miacutenima do psiacutequico eacute determinada pelos conjuntos das experiecircncias do sujeito pelas

situaccedilotildees concretas e pelo sentido que ela atribui (VIGOTSKI 2010)

Ao refletir sobre os registros dos dados das entrevistas das professoras concernentes aos

conceitos de leitura escrita gecircneros discursivos e sobre suas praacuteticas pedagoacutegicas trago alguns

enunciados das crianccedilas que revelam seus conceitos em dois momentos o primeiro no iniacutecio

desta pesquisa antes da realizaccedilatildeo da proposta de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos

carta relatos por meio do livro da vida e notiacutecia por meio do jornal No segundo momento

apresento os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa apoacutes a realizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros explicitados com o objetivo de perceber as possiacuteveis mudanccedilas bem

como identificar os motivos que as provocaram

31 Os conceitos das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa

C14

P C14 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C14 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e por que vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C14 tarefa

P eacute e vocecirc vai usar essa escrita pra que mais por que as pessoas tem que saber

escrever C14

C 14 pra fazer tudo

P tudo tudo o quecirc

C14 fazer as tarefas

P tarefas o que mais a gente faz quando a gente sabe escrever

C14 desenho

P desenho o que mais

C14 eacute desenho de carro

P C14 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C14 eacute tarefa

112

P quando que algueacutem jaacute sabe ler vocecirc sabe ler jaacute

C14 ((afirma com a cabeccedila))

P e como vocecirc descobriu que sabia ler

C14 minha matildee me ensinou

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu ou como vocecirc percebe que algueacutem jaacute

sabe ler

C14 natildeo sei

P estaacute bem obrigada C14

C8

P C8 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever por quecirc

C8 eacute porque eacute muito importante pra gente ler

P o que fazemos quando aprendemos a escrever o que a gente pode fazer

C8 ela faz tarefa

P podemos fazer tarefa o que mais

C8 matemaacutetica

P matemaacutetica o que mais

C8 ler livro

P ah certo e o que eacute saber ler C8

C8 saber ler eacute quem aprende mais coisas

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C8 uma crianccedila jaacute sabe ler quando ela sabe ler quando ela descobre quando

ela vai para outra escola

P aqui na escola tem algumas crianccedilas que jaacute sabem ler

C8 ((afirma com a cabeccedila))

P entatildeo natildeo precisa mudar de escola precisa

C8 natildeo mas semana que vem tem que mudar de escola (refere-se ao

proacuteximo ano em que ingressaratildeo na escola de Ensino Fundamental)

P e quando vocecirc vecirc uma crianccedila e fala assim ldquonossa aquele meu amiguinho

jaacute aprendeu a lerrdquo quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C8 porque a minha matildee me ensina a ler

P e como que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabe ler

C8 eu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a ler

P ah e eacute importante aprender a ler tambeacutem

C8 uhum

P certo obrigada viu C8

C8 de nada

Pelas falas de C14 e de C8 depreende-se que a escrita eacute utilizada para realizar tarefas

escolares e natildeo como uma forma de expressatildeo humana As crianccedilas parecem perceber que eacute

importante aprender a escrever e a ler porque se faz ldquotarefas matemaacutetica se faz tudordquo

Vygotski (1996) afirma que a escola eacute a instituiccedilatildeo por excelecircncia responsaacutevel por

garantir a apropriaccedilatildeo do saber que foi historicamente produzido e organizado pela humanidade

com o objetivo de promover a humanizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e consequentemente responsaacutevel pelo

113

ensino da leitura e da escrita e por possibilitar a apropriaccedilatildeo e a objetivaccedilatildeo desses objetos

culturais Dessa forma no processo de ensino e de aprendizagem do ato de ler e de escrever o

professor seria o principal mediador nessa instacircncia No entanto as falas indicam que as crianccedilas

atribuem agraves pessoas da famiacutelia a funccedilatildeo de ensinar-lhes o ato de ler e de escrever em vez do

professor e da escola como comumente se pensa As famiacutelias leem para as crianccedilas livros ou

outros materiais de leitura em casa e assumem o papel de mediadores que de acordo com as falas

das proacuteprias crianccedilas parecem mais eficazes que da professora da escola como C8 e C14 ldquoa

minha matildee me ensina a lerrdquo ldquoeu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a lerrdquo No

caso destas crianccedilas natildeo quer dizer que jaacute soubessem ler mas de que as famiacutelias assumiram o

papel que a escola natildeo conseguia realizar ou seja a escola dentro das condiccedilotildees concretas de

educaccedilatildeo oferecidas e vividas pelas crianccedilas ateacute aquele momento natildeo contemplava os interesses

nem mesmo criava a necessidade de virem a aprender a ler num futuro proacuteximo

No ensino do ato de ler e de escrever aleacutem da crianccedila participar de situaccedilotildees reais de

leitura e de escrita a mediaccedilatildeo do outro eacute crucial Por essa razatildeo possivelmente as crianccedilas natildeo

atribuem agrave escola a tarefa de ensinaacute-las a ler uma vez que as praacuteticas de inserccedilatildeo na cultura

escrita do ensino do ato de ler e de escrever escolares sejam ocupadas por exerciacutecios teacutecnicos

artificiais da liacutengua relacionados agrave foneacutetica Os materiais de leitura ndash livros didaacuteticos utilizados na

elaboraccedilatildeo das aulas como se verifica no capiacutetulo II na fala de PI I por exemplo ou ainda os

livros de literatura infantil natildeo satildeo utilizados para saber o que estava escrito para se informar

mas para fazer a identificaccedilatildeo de letras a correspondecircncia com os sons a formaccedilatildeo das siacutelabas e

de palavras Diante disso o que se verifica eacute que a escola propotildee exerciacutecios de codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo enquanto os atos de ler e de escrever satildeo ensinados em casa

As crianccedilas buscam o sentido do que estaacute diante dos olhos e natildeo tecem uma

distinccedilatildeo entre ler na escola e ler fora dela porque para elas as praacuteticas de leitura

satildeo praacuteticas culturais referem-se ao manejo do signo linguumliacutestico natildeo no

tratamento da palavra como sinal Assim enquanto a escola dirige o processo de

alfabetizaccedilatildeo como domiacutenio do sistema de codificaccedilatildeo acreditando estar

ensinando as crianccedilas a ler do ponto de vista dos sujeitos a aprendizagem desta

atividade ou natildeo estaacute ocorrendo ou estaacute poreacutem aleacutem de seus muros porque a

instituiccedilatildeo escolar natildeo apresenta o ler como elemento do jogo da crianccedila como

acontece nas situaccedilotildees de leitura vivenciadas em casa ou na rua (CRUVINEL

2010 p 137)

114

No processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da linguagem escrita enfatiza-se a sua utilizaccedilatildeo

para registrar vivecircncias expressar sentimentos e emoccedilotildees comunicar-se ldquoCom isso jaacute se

percebe que as atividades que em geral satildeo utilizadas para ensinar a escrever pecam por sua

finalidade e pelo sentido que imprimem agrave atividaderdquo (MELLO 2005 p29) Desse modo a

escrita se constitui como tarefa como algo eminentemente escolar como uma tarefa de estudo

em razatildeo de o ensino da escrita valorizar o ensino de letras e siacutelabas na correspondecircncia entre

letra e som desde a Educaccedilatildeo Infantil como foi analisado nos registros das entrevistas com as

professoras no capiacutetulo anterior Ao se fazer isso parece que se busca uma forma de tornar o

processo de apropriaccedilatildeo da escrita mais simples mas os resultados demonstram o contraacuterio Ao

se acreditar que ensinar primeiramente letras e siacutelabas para num momento posterior chegar aos

processos de comunicaccedilatildeo e expressatildeo deixa-se de utilizar a escrita com a funccedilatildeo para a qual foi

criada

Os exerciacutecios de escrita que de um modo geral preenchem boa parte do tempo

das crianccedilas nos uacuteltimos anos da educaccedilatildeo infantil e no iniacutecio do ensino

fundamental satildeo em geral tarefas de treino de escrita de letras siacutelabas e

palavras que natildeo constituem atividade de expressatildeo De um modo geral insiste-

se no reconhecimento das letras ndash com as quais a crianccedila natildeo lecirc nada Esse

trabalho com letras e siacutelabas dificulta a percepccedilatildeo pela crianccedila de que a escrita eacute

um instrumento cultural Escrever em lugar de expressar uma informaccedilatildeo uma

emoccedilatildeo ou um desejo de comunicaccedilatildeo toma para a crianccedila o sentido de

atividade que se faz na escola para atender a exigecircncia do professor Da mesma

forma se daacute com a leitura E esse sentido marca a relaccedilatildeo que a crianccedila vai

estabelecer com a escrita no futuro ao enfatizar o aspecto teacutecnico comeccedilando

pelo reconhecimento das letras e gastando um periacuteodo longo numa atividade que

natildeo expressa informaccedilatildeo ideia ou desejo pessoal de comunicaccedilatildeo ou expressatildeo

a escola acaba por ensinar agrave crianccedila que escrever eacute desenhar as letras quando de

fato escrever eacute registrar e expressar informaccedilotildees ideias e sentimentos (MELLO

2005 p 30)

A afirmaccedilatildeo de que por meio desse ensino do coacutedigo a escola acaba por ensinar a

desenhar as letras remete agrave fala de C14 quando ao ser indagada sobre o que mais eacute possiacutevel fazer

quando se aprende a escrever aleacutem de fazer tarefa responde ldquodesenhordquo E ao retomar a

pergunta ldquodesenho o que maisrdquo responde ldquoeacute desenho de carrordquo Essas falas aparentam

revelar que desenhar letras e desenhar objetos pertencem agrave mesma accedilatildeo A crianccedila natildeo

compreende que a escrita serve para dizer coisas para registrar para ler depois para se lembrar

de algo para comunicar e expressar ideias Para C14 se aprende a ler para fazer tarefas

115

Embora C8 afirme que eacute importante aprender a escrever para fazer tarefa revela que uma

crianccedila jaacute sabe ler quando descobre que pode ir para a escola do Ensino Fundamental Essas

afirmaccedilotildees relacionam-se ao discurso das professoras que na intenccedilatildeo de ldquoprepararemrdquo as

crianccedilas para essa modalidade de ensino introduzem o ensino do ato de ler e de escrever focado

na sinalidade e na sonorizaccedilatildeo Nesse contexto a Educaccedilatildeo Infantil se reduz a uma etapa da vida

da crianccedila em que ela recebe na escola da pequena infacircncia os conhecimentos que falsamente se

julgam necessaacuterios para ingressar e ser bem sucedida no Ensino Fundamental A leitura e a

escrita objetos da cultura passam a ser objetos de escola (CRUVINEL 2010) Acredita-se que

se a crianccedila for submetida a esse ensino preparatoacuterio poderaacute supostamente aprender a ler e a

escrever para natildeo envergonhar-se e natildeo envergonhar a escola diante de pessoas estranhas

C1

P vocecirc acha importante C1 saber escrever

C1 eu sei mas somente o meu nome

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P acha e por que vocecirc acha importante a gente saber escrever

C1 porque eu natildeo sei

P por que vocecirc acha que isso eacute importante para que a gente precisa aprender a

escrever

C1 porque a gente vai crescendo e vai aprendendo

P eacute e pra fazer o que depois com essa escrita

C1 eacute ((silencia))

P e o que vocecirc vai usar por exemplo quando vocecirc aprender a escrever vocecirc

vai usar para que isso

C1 porque sim

P pra que a gente aprende a escrever

C1 porque nossos pais fazem a gente escrever

P ah C1 o que eacute saber ler

C1 eacute para aprender

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C1 tem que ter seis anos para saber ler

P ah quando tem seis anos mas tem gente que aprende antes dos seis anos

natildeo aprende

C1 a hatilde

P e aiacute

C1 hum

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler quando que vocecirc olha para um

amiguinho e diz aquela pessoa jaacute sabe ler como eacute que vocecirc percebe isso

C1 eacute porque um dia a V ((refere-se a uma colega da turma)) conseguiu ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu que ela fez isso

C1 porque ela estava vendo o livrinho e prestando atenccedilatildeo nos desenhos

P eacute mesmo

116

C1 e a professora deu um pontinho

P quando foi isso

C1 ah quando a gente estudava com a outra professora ((refere-se a professora

do ano anterior)

P muito obrigada viu C1

C1 taacute obrigada

A expectativa dos pais em querer que seus filhos se alfabetizem precocemente na

Educaccedilatildeo Infantil pode ser verificada na fala de C1 ldquoporque nossos pais fazem a gente escreverrdquo

Essa crianccedila possivelmente era submetida em casa a exerciacutecios de leitura e de escrita na tentativa

dos pais de alfabetizaacute-la possivelmente de uma forma impositiva Admite que sabe escrever

somente o nome A ideia de quanto mais cedo se escolarizar mais chances a crianccedila teraacute de

alcanccedilar o sucesso na vida profissional leva natildeo somente os professores da Educaccedilatildeo Infantil

mas tambeacutem os pais a terem praacuteticas de ensino da leitura e da escrita artificiais que

desconsideram os interesses e as especificidades do desenvolvimento infantil Disso resulta que a

inserccedilatildeo na cultura escrita ocorre de forma a natildeo contemplar a crianccedila nas relaccedilotildees em que ela

pode estabelecer com a escrita e com a leitura e que esse processo pode ser destituiacutedo de sentido

positivo a sua apropriaccedilatildeo

C1 afirma que a colega de turma jaacute sabe ler porque a viu observando os desenhos do livro

Esse fato revela as ideias que C1 apresenta sobre a leitura Para ler eacute preciso buscar indiacutecios

pistas no texto as ilustraccedilotildees satildeo elementos importantes porque dizem coisas datildeo informaccedilotildees e

dialogam com o leitor e com o texto Ao afirmar que V sabe ler porque viu o livrinho e prestou

atenccedilatildeo nos desenhos provavelmente identificou nessa colega condutas de um leitor

C1 ainda afirma que quando sua colega apresentou essa mesma conduta que remetia ao

ato de ler quando estava na turma do ano anterior sua professora deu um ldquopontinhordquo Ao analisar

essa fala pode-se inferir que desde cedo jaacute na Educaccedilatildeo Infantil a leitura eacute motivada por

ldquopontinhosrdquo e recompensas quando as crianccedilas leem o que eacute pedido ou da forma como eacute

solicitado Nesse caso natildeo se trata de criar a necessidade de ler mas a vontade de ganhar uma

possiacutevel recompensa pelos esforccedilos em decodificar ainda tatildeo precocemente Essa fala de C1 estaacute

em consonacircncia com as falas das professoras e de suas praacuteticas do ensino do ato de ler Quanto a

isso Arena (2010b p 244 ndash 245 grifos do autor) explica que

A grande diferenccedila estaacute na atitude de ensinar a ler O sistema linguumliacutestico do

portuguecircs ou de outras liacutenguas ocidentais pode ser considerado uma tecnologia

117

elaborada cultural social e historicamente em profunda e contiacutenua evoluccedilatildeo

porque natildeo estaacute congelada em abstrato mas pelo contraacuterio estaacute viva na relaccedilatildeo

entre os seus usuaacuterios e seus escritores na Europa na Aacutesia na Aacutefrica e na

Ameacuterica Esse sistema eacute apropriado pela crianccedila na escola porque essa crianccedila

tambeacutem eacute um ser cultural histoacuterico e social que motivada por essas relaccedilotildees

quer conhecer o mundo por esse sistema Nessa linha de raciociacutenio os elementos

teacutecnicos dessa tecnologia cultural devem ser dominados porque existe uma

atitude de leitor que busca o sentido esse sim o motivo que cria a necessidade de

a crianccedila querer aprender a ler A liacutengua escrita soacute pode ser lida porque haacute nela

um sentido a ser recriado por um sujeito cultural A diferenccedila estaacute pois na

atitude do leitor orientada pelo professor que sempre tenta atribuir um sentido e

natildeo o sentido (FOUCAMBERT 1998) embora para isso seja preciso dominar o

funcionamento do sistema linguumliacutestico e das relaccedilotildees entre as letras sem descuido

da atitude primeira para a formaccedilatildeo do leitor a de atribuir sentido

Essas afirmaccedilotildees remetem ainda ao fato de que a leitura para a crianccedila nesse contexto

corre o risco de ser somente uma tarefa e natildeo se tornar uma atividade (LEONTIEV 1988) uma

vez que a crianccedila se esforccedila para alcanccedilar uma recompensa e natildeo para satisfazer uma curiosidade

para conhecer para se informar para se divertir O motivo que levou a crianccedila a ler natildeo coincide

com o resultado previsto para a accedilatildeo

Haacute ainda outro aspecto que pode ser considerado em relaccedilatildeo ao ldquopontinhordquo Ao mesmo

tempo em que usa esse recurso para avaliar a ldquoleiturardquo daacute agrave crianccedila um retorno positivo

indicativo de que teve sucesso nessa accedilatildeo Natildeo se pode afirmar que ela nessas condiccedilotildees

aprendeu a ler mas eacute uma forma de mostrar seu ecircxito por meio dessa accedilatildeo docente

C11

P C11 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C 11 eu acho

P e por que vocecirc acha que eacute

C11 eu queria quando crescer ser um escritor de histoacuterias

P ah quando vocecirc crescer vocecirc quer ser um escritor que maravilhoso C11 e

por que vocecirc acha que eacute importante pra gente escrever

C11 porque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar inteligente

P eacute e o que daacute pra gente fazer quando a gente jaacute sabe escrever o que a gente

pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C11 ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu

mais gosto

P natildeo o que

C11 eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleia

P nossa satildeo vaacuterios neacute ((risos)) C11 e pra vocecirc o que eacute saber ler quando

uma crianccedila jaacute sabe ler

C11 eacute quando ela tem uns oito anos dez anos

P mas vocecirc jaacute disse que jaacute estaacute comeccedilando a ler natildeo estaacute

118

C11 to

P e vocecirc jaacute tem oito anos

C11 natildeo

P natildeo entatildeo natildeo precisa ter oito anos para aprender a ler precisa

C11 natildeo eacute soacute juntar as palavrinhas que jaacute consegue ler

P eacute mesmo e vocecirc jaacute faz isso entatildeo

C11 hum hum ((afirma com a cabeccedila))

P ah taacute entatildeo estaacute bem

C11 minha matildee escreve no guarda roupa pra mim e eu tenho que ler aiacute eu leio

GUAR-DA-ROU-PA mamatildee natildeo sabe escrever tudo

P natildeo mas algueacutem pode ajudaacute-la quando souber

C11 meu pai sabe escrever tudo

P eacute mesmo

C11 eacute sim

Pela anaacutelise da fala de C11 depreende-se que a crianccedila reconhece a escrita como uma

forma de saber coisas de ter acesso ao conhecimento de se apropriar da cultura elaborada e por

tal razatildeo aparenta reconhecer a necessidade de se apropriar da cultura escrita ao dizer ldquoeu queria

quando crescer ser um escritor de histoacuteriasrdquo e quando reitero a pergunta sobre por que acha

importante saber escrever responde ldquoporque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar

inteligenterdquo Como abordado anteriormente a escrita por ser um instrumento cultural complexo

(VYGOTSKI 1995) resulta de um longo processo de desenvolvimento das funccedilotildees superiores do

comportamento infantil que Vygotski denominou de preacute-histoacuteria da linguagem escrita Quando

C11 diz que acha importante saber escrever porque fica inteligente eacute porque aparenta perceber

que aprender a escrever eacute algo complexo que exige dela um esforccedilo ensinado por algueacutem mais

experiente pelo pai pela matildee ou algueacutem da famiacutelia Com isso deduz-se que natildeo se aprende a

escrever soacute por imitaccedilatildeo e que esse instrumento serve para comunicar suas ideias quando diz que

deseja ser um escritor de histoacuterias Por outro lado C11 pode ter declarado que deseja ser um

escritor de histoacuterias porque isso lhe confere prestiacutegio social Saber ler e escrever lhe confere um

status diante da proacutepria famiacutelia dos colegas da professora e garante supostamente que ela

participe da cultura de forma mais ativa

A escrita comeccedila entre o gesto e o signo escrito haacute dois elementos que se interpotildeem o

desenho e o faz-de conta (VYGOTSKI 1995) Esse processo pode ser constatado na fala de C11

quando revela ldquo ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu mais

gosto eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleiardquo Em outras palavras a crianccedila aparenta demonstrar

119

que o desenho representa ideias e que num passo seguinte a escrita o faraacute Segundo Vygotski

(1995 p 192 ndash 193 traduccedilatildeo nossa)

Por tudo isso podemos considerar que o desenho infantil eacute uma etapa preacutevia agrave

linguagem escrita Por sua funccedilatildeo psicoloacutegica o desenho infantil eacute uma

linguagem graacutefica peculiar um relato graacutefico sobre algo A teacutecnica do desenho

infantil demonstra sem deixar duacutevida que na realidade se trata de um relato

graacutefico ou seja uma peculiar linguagem escrita16

Pode-se inferir que C11 entende que para ler eacute preciso juntar palavras unidades de

sentido e a matildee tambeacutem tenta ensinar a crianccedila a ler ao escrever Por exemplo pode escrever a

palavra guarda-roupa num papel fixaacute-la no proacuteprio moacutevel que o corresponde e solicitar que a

crianccedila leia Disso decorre que aprender a linguagem escrita como um sistema de codificaccedilatildeo natildeo

eacute suficiente para que as crianccedilas possam se apropriar dessa linguagem participar da cultura

escrita e se tornar leitoras e escritoras

C6

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C6 importante

P eacute vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C6 eu acho

P e por que eacute importante aprender a escrever

C6 hum para a gente aprender mais

P aprender mais e o que a gente pode fazer depois que a gente aprende a

escrever

C6 escreve

P escreve o quecirc por exemplo

C6 escreve para professora para o amiguinho

P ah escreve para a professora para os amigos eacute

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P hum C6 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 somente quando estuda na outra escola dos grandes (refere-se agraves crianccedilas

com mais de seis anos e a escola de Ensino Fundamental)

P somente quando vai para laacute e antes natildeo pode aprender

C6 antes aprende tambeacutem

P entatildeo e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 quando estiver em outras escolas assim

16

Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 192 ndash 193) Por todo ello podemos considerar que el dibujo infantil

es una etapa previa al lenguaje escrito Por su funcioacuten psicoloacutegica el dibujo infantil es un lenguaje graacutefico peculiar

un relato graacutefico sobre algo La teacutecnica del dibujo infantil demuestra sin lugar a duda que en realidad se trata de un

relato graacutefico es decir un peculiar lenguaje escrito

120

P vocecirc tem alguma amiguinha aqui na nossa escola que jaacute sabe ler

C6 natildeo

P nenhuma

C6 nenhuma

P ah e quando uma pessoa jaacute sabe ler vocecirc fala assim nossa aquela crianccedila

ali jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem estava lendo

C6 eu jaacute sei ler

P e como eacute que vocecirc sabe o que vocecirc faz quando vocecirc lecirc como vocecirc faz pra

ler

C6 eu fico juntando as letrinhas (novamente discurso da professora ou da

matildee)

P ah vocecirc fica juntando as letrinhas e vai conseguindo ler

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P eacute assim

C11 eacute

P ah entendi entatildeo jaacute aprendeu

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P que bom obrigada viu C6

C6 de nada

Eacute possiacutevel dizer pela anaacutelise das falas de C6 que ela percebe a funccedilatildeo social da escrita e

que essa linguagem assim como a leitura se faz na interaccedilatildeo com o outro de forma dialoacutegica

Em outras palavras se escreve para algueacutem ler para um destinataacuterio real com o intuito de

informar algo de dizer algo ldquoescreve para a professora para os amigosrdquo Esta crianccedila tambeacutem

sugere por meio de sua fala como as falas jaacute apresentadas que a aprendizagem da escrita ocorre

quando satildeo maiores quando possuem mais idade e estatildeo no Ensino Fundamental apesar de

admitirem que saibam ler ainda na Educaccedilatildeo Infantil

Os discursos das professoras se encontram presentes nos discursos das crianccedilas Percebe-

se que por meio das vivecircncias das praacuteticas do ensino do ato de ler e do escrever na escola da

pequena infacircncia o estatuto de crianccedila para o de aluno natildeo se modifica quando elas ingressam no

Ensino Fundamental porque satildeo forccediladas a assumir o estatuto de aluno jaacute na Educaccedilatildeo Infantil

com a consequente abreviaccedilatildeo da infacircncia (ZAPOROacuteZHETS 1987) aleacutem de contribuir para que

o processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita se tornem um possiacutevel fracasso para a crianccedila

No entanto ao ser indagada como faz para ler explica que ldquofica juntando as letrinhasrdquo O

problema natildeo reside no fato de a crianccedila aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil mas na

forma como isso acontece destituiacuteda de sentido positivo sem que entenda a finalidade dessa

aprendizagem Focar o ensino da liacutengua desde o iniacutecio no ensino de letras siacutelabas e palavras

desconexas em detrimento do trabalho com textos que trazem ideias eacute dificultar todo o processo

121

de apropriaccedilatildeo da liacutengua porque ldquodificulta a percepccedilatildeo pela crianccedila que a escrita eacute um

instrumento culturalrdquo (MELLO 2005 p 30) Escrever de forma teacutecnica artificial em vez de

expressar um desejo de expressatildeo uma informaccedilatildeo uma emoccedilatildeo ldquotoma para a crianccedila o sentido

de atividade que se faz na escola para atender agrave exigecircncia do professor Da mesma forma se daacute

com a leiturardquo (MELLO 2005 p 30)

C16

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C16 acho

P por que vocecirc acha importante saber escrever

C16 porque ensina mais

P quem

C16 vocecirc ((refere-se a mim que sou professora da turma e pesquisadora))

P e vocecirc o que vocecirc vai poder fazer quando vocecirc souber escrever

C16 eacute carta

P carta Olha eacute mesmo que legal o que mais a gente pode fazer aleacutem de

escrever cartas

C16 a gente tambeacutem pode fazer uma histoacuteria

P pode escrever uma histoacuteria eacute mesmo neacute hum muito bem e o que eacute saber

ler

C16 eacute quando as pessoas fazem algum tipo de histoacuteria

P quando vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C16 quando ele estaacute contando uma histoacuteria

P ah eacute e como vocecirc sabe que isso acontece

C16 por que ah eu natildeo lembro

P quando que vocecirc olha e falanossa aquele meu amiguinho ali jaacute sabe ler

como que vocecirc percebe o que esse amiguinho agraves vezes faz que vocecirc percebe

que ele jaacute sabe ler

C16 eu acho que ele treina

P treina e como

C16 ele pega algum livrinho emprestado e comeccedila a ler

P eacute e como eacute que faz pra treinar

C16 treinar eacute soacute juntar as letras

P ah e vai juntando as letras assim

C16 aham

P e vai aprendendo e vai treinando

C16 Aham

P certoentatildeo estaacute bom obrigada

Embora a entrevista realizada com os sujeitos no iniacutecio da pesquisa tenha sido realizada

em maio de 2010 ndash no quarto mecircs de trabalho com essa turma ndash C16 afirma que acha importante

aprender a escrever porque a professora (no caso eu mesma) ensina mais Ao ser indagada sobre

o que vai poder fazer quando souber escrever afirma que poderaacute escrever cartas e histoacuterias Essa

122

crianccedila jaacute havia assim como as demais da turma recebido cartas de uma turma de crianccedilas de

outra escola e participado de algumas situaccedilotildees de escrita de histoacuterias coletivamente como parte

do trabalho pedagoacutegico realizado o que muito possivelmente possa ter influenciado a sua

resposta Eacute possiacutevel perceber as marcas das accedilotildees e dos discursos docentes na fala dessa crianccedila

como nas demais e essas marcas atuam diretamente nos conceitos que elaboram

Em contrapartida para C16 a leitura eacute algo que exige treino e esse treino se constitui em

juntar as letras Ao juntar letras treina e aprende a ler Esta afirmaccedilatildeo coincide com as falas das

professoras que como foi analisado no item anterior possuem conceitos que interferem

diretamente em suas praacuteticas de ensino da leitura e da escrita e consequentemente nas

aprendizagens Isso se verifica nas falas das professoras retomadas para perceber essa

interferecircncia PM II ldquoah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo

mais prontas jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepido

jaacute entendem melhor o que a gente ensina se bem que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar

antes no maternal mas no Infantil II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra

ao som conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou mostrando

trabalho muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu vou oferecendo mais vou

puxando sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro demais pra elasrdquo Ou ainda como explicita

PI I ldquoeles jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles

onde estaacute escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute

acha o siacutembolo da palavra jaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a

palavra antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra eles jaacute

comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com

tal letra entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do

Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo tendo contato com a escrita neacuterdquo

Nesse contexto cabe lembrar que

Partindo desse pressuposto no qual a apropriaccedilatildeo da linguagem (que no caso a

escrita) age como mola propulsora para o desenvolvimento humano eacute que natildeo

podemos concordar com a alfabetizaccedilatildeo sendo ldquoensinadardquo ou melhor

ldquotreinadardquo como se fosse um conhecimento mecacircnico norteado por exerciacutecios

repetitivos e descontextualizados como se a aprendizagem ocorresse quando

estes procedimentos didaacuteticos esteacutereis fossem completados com ldquoecircxitordquo Esta eacute

uma forma de considerar que a aprendizagem ocorre de ldquodentro para forardquo

123

reduzido unicamente por caracteres bioloacutegicos ndash espontacircneos (CHAVES

GRACILIANO GROTH 2011 p 5)

E continua

A preocupaccedilatildeo algumas vezes tem sido manifestada na praacutetica escolar em

ensinar a decodificaccedilatildeo de letras gerandodesencadeando uma leitura mecacircnica

ndash amortizada ndash ignorando o papel fundamental que ela proporciona ao

desenvolvimento intelectualcognitivo cultural e emocional da crianccedila

(CHAVES GRACILIANO GROTH 2011 p 5)

C16 afirma que algueacutem jaacute sabe ler quando ldquoele estaacute contando uma histoacuteria bem certardquo

Pode-se inferir que contar uma histoacuteria bem certa refere-se possivelmente agrave manifestaccedilatildeo da

leitura em voz alta que C16 jaacute presenciou algueacutem fazer Ao se referir a ldquocontarrdquo quer dizer que

ouviu e viu algueacutem fazer isso e de forma ldquobem certardquo porque a pessoa leu uma histoacuteria num livro

a histoacuteria em seu suporte e por isso natildeo era algo inventado mas lido tal e qual fora escrito

Essa manifestaccedilatildeo do ato de ler pela leitura em voz alta tambeacutem

pode ser percebida nos trechos a seguir

C12

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler C12

C12 hum

P quando que algueacutem jaacute sabe ler a sua irmatilde jaacute sabe ler

C12 sabe

P e como eacute que vocecirc sabe que ela jaacute sabe ler o que vocecirc percebeu que ela faz

que te mostra que ela jaacute sabe ler

C12 ela leu a histoacuteria do Saci na minha casa

P ela leu a histoacuteria do saci na sua casa

C12 eacute

P e como eacute que vocecirc viu que ela estava lendo

C12 ah porque ela contou pra mim

P ela contou pra vocecirc

C12 eacute

P ah certo e vocecirc gostou

C12 gostei

P obrigada

C20

P C20 o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C20 de anos

124

P quando vocecirc acha que algueacutem aprendeu a ler que vocecirc olha assim e fala

olha aquela garota jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 porque eles ficam falando porque eles pegam uma folha e ficam

falando

P ah eacute falam alto

C20 eacute

P aiacute vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 eacute

P ah certo muito obrigada

C20 taacute

Os dados apresentados aparentam revelar que as crianccedilas mencionadas percebem que a

leitura eacute algo que ocorre no interior do pensamento mas que eacute objetivada na medida em que se

fala em que se oraliza Contudo natildeo eacute possiacutevel afirmar que a irmatilde de C12 e as pessoas as quais

C16 e C20 dizem ler de fato estatildeo lendo porque ler natildeo eacute apenas oralizar natildeo eacute fazer uma versatildeo

oral do escrito (FOUCAMBERT 1994) natildeo eacute somente decodificar Ler segundo o conceito

assumido neste trabalho eacute compreender eacute produzir sentido eacute questionar o texto como elucida

Arena (2004 sp) ldquoler eacute compreenderrdquo E saber pronunciar natildeo eacute saber ler E ver letra por letra

ou siacutelaba por siacutelaba natildeo eacute saber lerrdquo Ler eacute dialogar com o texto eacute interagir dialogicamente ldquoeacute

fazer perguntas desejadas para a linguagem organizada em sua modalidade escrita com a

perspectiva de encontrar respostas precaacuterias ou satisfatoacuterias para perguntas fragilmente

elaboradasrdquo (ARENA 2004 sp)

Segundo Charmeux (apud BAJARD 2005) a oralizaccedilatildeo eacute uma emissatildeo vocal que nasce

da decifraccedilatildeo e eacute anterior agrave produccedilatildeo de sentido e por essa razatildeo dificulta a aprendizagem

ldquoQuando o aprendizado da leitura se faz pela decifraccedilatildeo a produccedilatildeo sonora traduz o domiacutenio das

relaccedilotildees grafo-foneacuteticasrdquo (BAJARD 2005 p 76) Nessa perspectiva de aprendizagem a

compreensatildeo se daacute com a sonorizaccedilatildeo do texto ou seja pela oralizaccedilatildeo e a construccedilatildeo do sentido

pertence ao campo do oral e natildeo do escrito A oralizaccedilatildeo permite avaliar essa habilidade de

transformar os signos escritos em signos sonoros Entretanto essa habilidade eacute insuficiente para o

aprendizado da leitura porque natildeo pressupotildee a compreensatildeo a produccedilatildeo de sentido Para Bajard

(2007 p32)

Desde o nascimento do alfabeto a praacutetica da leitura estaacute fortemente associada agrave

emissatildeo sonora do texto Esse caraacuteter vocal da leitura estaacute estreitamente

relacionado a outros aspectos do uso da escrita que vatildeo se modificando pouco a

pouco sob a influecircncia das transformaccedilotildees sociais

125

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que C12 declara que a irmatilde leu a histoacuteria do Saci na casa

dela mas quando se pergunta como ela percebeu que ela lera a histoacuteria C12 responde que ela

contou a histoacuteria a ela Essa fala indica a existecircncia de duas accedilotildees a de ler e a de contar

C3

P C3 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C3 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute eacute importante aprender a escrever e por que vocecirc acha que eacute importante

C3 por quecirc eacute para poder escrever as cartas no dia do aniversaacuterio para poder

dar para os amigos (refere-se agrave convites de aniversaacuterio)

P ah entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode escrever cartas para os

amigos convites de aniversaacuterios o que mais a gente pode fazer quando a

gente sabe escrever

C3 a gente tambeacutem pode dar para as professoras coisa boa que estaacute escrita

P eacute mesmo e que tipo de coisas boas assim

C3 elogios de amor de felicidade

P nossa que gostoso entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode fazer

um montatildeo de coisas neacute

Gabriela eacute

P C3 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C3 eacute eu natildeo sei quais os dias

P natildeo os dias natildeo mas como que vocecirc percebe que algueacutem sabe ler

C3 eacute porque minha matildee conta histoacuterias pra mim todos os dias aiacute eu ouccedilo

P vocecirc conhece algueacutem que sabe ler a sua matildee por exemplo sabe ler

C3 o meu avocirc

P o seu avocirc tem amiguinhos seus que jaacute sabem ler

C3 tem

P tem

C3 a minha amiga G e minha outra amiga que chama D

P e como eacute que vocecirc sabe que elas jaacute sabem ler

C3 porque elas satildeo grandes

P ah eacute mas uma crianccedila menor pode aprender a ler natildeo pode

C3 pode minha matildee me ensina

P entatildeo mas como eacute que vocecirc fala assim nossa aquela pessoa ali jaacute sabe

ler

C3 eacute porque eu fico estudando todos os dias lendo eu fico falando o alfabeto

assim oacute Q E M A B

P Ah e aiacute falando as letras vocecirc vai aprendendo

C3 eacute

P a ler falando o alfabeto

C3 eacute

P entendi muito obrigada viu

C3 parece compreender que a escrita eacute algo necessaacuterio para comunicar para informar

para expressar vontades desejos ideias sentimentos quando diz que eacute importante escrever

126

porque pode se escrever cartas (refere-se a convites) de aniversaacuterio para dar aos amigos ou ainda

para comunicar a professora o que pensa ou sente por ela ldquoa gente tambeacutem pode dar para as

professoras coisa boa que estaacute escrita elogios de amor de felicidaderdquo Possivelmente esta

crianccedila afirma que se podem escrever cartas ou elogios para as pessoas de quem se gosta porque

no ano da realizaccedilatildeo da pesquisa jaacute havia presenciado ainda que de forma inicial situaccedilotildees de

leitura e de escrita com alguns gecircneros discursivos com destinataacuterios reais em que as crianccedilas

participaram de todo o processo de discussatildeo escolha e re-criaccedilatildeo dos textos movidas por um

objetivo e um projeto coletivo ou individual

Apesar de ter participado na ocasiatildeo da entrevista no iniacutecio da pesquisa de algumas

poucas situaccedilotildees de leitura e escrita percebe-se em contrapartida que o enunciado de C3 com

relaccedilatildeo ao aprendizado da leitura e da escrita estaacute diretamente relacionado aos enunciados das

professoras entrevistadas suas concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas quando revela que para

aprender a ler repete oralmente as letras o alfabeto Essa fala de C3 remete a pesquisadora para

as praacuteticas escolarizadas de leitura que possivelmente estatildeo presentes desde cedo na Educaccedilatildeo

Infantil Vygotski (1995 p 201) afirma que o ensino da escrita pode ocorrer jaacute na preacute-escola

desde que seja apresentado para a crianccedila de forma natural com significado e organizado para

que estes conhecimentos sejam necessaacuterios a ela pois do contraacuterio corre-se o risco de fazer

acontecer uma praacutetica puramente teacutecnica

Desse modo o que se enfatiza natildeo eacute o fato de as crianccedilas aprenderem a ler e a escrever na

Educaccedilatildeo Infantil mas como isso ocorre isto eacute de forma forccedilada impositiva como indicam as

praacuteticas pedagoacutegicas das professoras Se essas praacuteticas satildeo focadas nos exerciacutecios motores no

caso da leitura nada exprimem da essecircncia da praacutetica social da leitura e da escrita cuja funccedilatildeo e

valor estatildeo culturalmente determinados (BRITTO 2005)

A crianccedila a seguir C5 tambeacutem aparenta compreender a funccedilatildeo da escrita

C5

P C5 vocecirc acha importante aprender a escrever ou saber escrever

C5 eu jaacute sei

P vocecirc jaacute sabe escrever mesmo o que vocecirc faz agora por vocecirc jaacute sabe escrever

C5 ler histoacuteria pra minha irmatilde dormir

P ah que legal vocecirc lecirc histoacuterias para sua irmatilde dormir e ela gosta

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute mesmo C5 o que a gente pode fazer quando a gente aprende a escrever

C5 falar coisas para os amigos

127

P eacute falar ou escrever

C5 escrever

P eacute que tipo de coisas

C5 uma coisa que eles natildeo sabem depois vocecirc fala

P escreve

C5 depois vocecirc fala o que eacute se natildeo sabe

P ah aiacute vocecirc estaacute lendo natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever entatildeo

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e o que eacute saber ler

C5 eacute que aprende muitas coisas

P e quando que uma crianccedila jaacute sabe ler vocecirc por exemplo vocecirc falou pra

mim que jaacute sabe ler natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P quando que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabia ler

C5 aquele dia que eu fui falar as letras

P ah vocecirc foi falando e foi aiacute que vocecirc percebeu

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute como que vocecirc faz pra ler C5

C5 fala as letras e depois eu adivinho

P ah vocecirc fala as letras e depois adivinha hum entatildeo estaacute bem muito

obrigado viu

A crianccedila revela que por saber escrever auxilia os amigos e a irmatilde que ainda natildeo sabem

Escreve coisas e depois as lecirc para que essas pessoas fiquem sabendo participando assim desse

ato comunicativo da cultura escrita Ao declarar que lecirc histoacuterias para a irmatilde dormir C5 realiza

um costume cultural o ato cultural de ler (ARENA 2010b) que foi aprendido apropriado por ela

mas esse ato cultural foi ensinado supostamente pela matildee ou algum outro familiar e natildeo pela

escola

Essas falas de C5 tambeacutem remetem ao fato de que a escrita e a leitura satildeo dialoacutegicas

acontecem na relaccedilatildeo com o outro A dimensatildeo do dialoacutegico que envolve as relaccedilotildees sociais o

espaccedilo social e as matrizes geradoras de educaccedilatildeo satildeo ressaltadas nesse trabalho de ensino e de

aprendizagem da leitura e da escrita considerando-se o contexto em que esse processo se daacute

Nesse vieacutes o ensino da liacutengua soacute ocorre se se considerar essa dimensatildeo ou seja se se considerar

o processo interativo da linguagem com trocas linguiacutesticas dinacircmicas entre as pessoas e os

valores proacuteprios da cultura e da sua historicidade

C5 diz que fala letras e depois adivinha Isso demonstra que para ler eacute necessaacuterio

ldquoadivinharrdquo e essa afirmaccedilatildeo se refere ao fato de ser necessaacuterio buscar pistas no texto C5 ainda

128

diz que ldquoadivinhardquo porque eacute preciso esforccedilo para compreender e nesse processo eacute preciso arriscar

verificar confirmar ou natildeo voltar e tentar novamente validar

Aleacutem dos conceitos de leitura e de escrita abordados seratildeo apresentados e analisados os

dados sobre os gecircneros discursivos com o intuito de compreender como esse processo de se daacute no

contexto especiacutefico deste trabalho

C6

P C6 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C6 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C6 mais gosto eacute Cinderela

P hum e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C6 porque eu acho mais bonito

P eacute e o que elas tem que deixa mais bonita a histoacuteria

C6 eacute porque a fada transforma num vestido rosa

P C6 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

reportagens poesias notiacutecias

P tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C6 histoacuteria conheccedilo da Chapeuzinho Vermelho

P qual mais

C6 Ahn deixa eu ver Branca de Neve

P certo

C6 Pequena Sereia

P certo

C6 E

P mais alguma

C6 natildeo

C2

P C2 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C2 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C2 Os Trecircs Porquinhos

P Os Trecircs Porquinhos eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C2 porque Os Trecircs Porquinhos fazem uma Os Trecircs Porquinhos eacute um eacute burro

e outro eacute esperto

P ah eacute C2 aleacutem de histoacuterias tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C2 O caso do bolinho (refere-se a histoacuteria de autoria de Tatiana Belinky)

P O caso do bolinho eacute outra histoacuteria neacute mas sem ser histoacuterias poesias por

exemplo vocecirc conhece jaacute ouviu algumas poesias alguma vez

C2 eacute A Branca de Neve

P A Branca de Neve hum e vocecirc costuma usar livros na escola vocecirc natildeo

costuma pegar livros na caixinha da leitura

C2 somente gosto de pegar o livro do Aladim e do catildeo

129

P mas entatildeo vocecirc usa livros na escola

C2 ((afirma com a cabeccedila))

P e em casa vocecirc usa livros vocecirc tem livros na sua casa

C2 uhum

P tem

C2 meu irmatildeo daacute pra eu ler

P e quais livros ele daacute pra vocecirc ler

C2 aquele que tem a Barba Azul

P ah certo C2 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem

histoacuterias poesias ou outros textos aleacutem dos livros

C2 Aquela da bruxa ruim que daacute a maccedilatilde ruim pra Branca de Neve

Pela anaacutelise das falas pode-se inferir que haacute uma predominacircncia do gecircnero discursivo

contos de fada que faz parte da rotina das crianccedilas e da praacutetica de leitura das professoras Esse

gecircnero eacute comumente abordado na Educaccedilatildeo Infantil por supostamente condizer com os interesses

infantis e por seus elementos constitutivos atraiacuterem as crianccedilas ndash seu conteuacutedo temaacutetico seu

estilo sua construccedilatildeo composicional as caracteriacutesticas dos personagens o heroacutei e o vilatildeo o

conflitosituaccedilatildeo de tensatildeo elemento ldquomaravilhosordquo fantaacutestico o bem que vence o mal o

reequiliacutebrio a resoluccedilatildeo do problema

O problema natildeo estaacute em apresentar os contos de fadas agraves crianccedilas ao contraacuterio eacute um

gecircnero discursivo literaacuterio que possui elementos enunciativos ndash discursivos relevantes e

necessaacuterios ao processo de formaccedilatildeo leitora e escritora das crianccedilas Contudo o que se enfatiza eacute

o fato de se priorizar apenas um ou poucos gecircneros discursivos limitando o trabalho pedagoacutegico

e o contato com outros gecircneros Pelas falas das crianccedilas apresentadas pode-se depreender que em

decorrecircncia do exposto as crianccedilas natildeo conhecem outros gecircneros discursivos e por tal razatildeo natildeo

podem estabelecer relaccedilotildees e pensar sobre o funcionamento de outros e da proacutepria liacutengua

C20

P C20 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C20 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C20 Lobo Mau

P ah histoacuterias que tem o Lobo Mau e por que vocecirc gosta mais desse tipo de

histoacuterias

C20 que tem bicho

P eacute e vocecirc gosta os que tecircm bicho

C20 ((afirma com a cabeccedila))

P C20 aleacutem das histoacuterias tem outros tipos de texto que vocecirc conhece

C20 ((nega com a cabeccedila))

130

P C20 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler ou contar histoacuterias pra vocecirc

C20 costumava

P e que tipo de histoacuterias elas liam ou contavam

C20 contavam da Branca de Neve

P da Branca de Neve qual mais

C20 contava dos Trecircs Porquinhos

P dos Trecircs Porquinhos tem mais alguma que vocecirc lembra que elas contavam

C20 ((nega com a cabeccedila))

C9

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 Gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C9 do coelhinho que tenho laacute em casa

P como chama essa histoacuteria Lembra

C9 Coelhinho Tatau

P Ah O coelhinho Tatau tem outros tipos de histoacuterias que vocecirc gosta

C9 Chapeuzinho Vermelho

P ah eacute

C9 mas do Lobo Mau o porquinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C9 porque tem o Lobo que faz as coisas com os porquinhos e aiacute o Lobo se

ferra

P nossa e por que isso acontece com ele

C9 porque ele apronta e aiacute os porquinhos sabem que o Lobo estava atraacutes deles

e aiacute eles pegam e jogam o caldeiratildeo embaixo da chamineacute e ele natildeo sente calor

entra pela chamineacute e sai correndo na hora que cai no caldeiratildeo cheio de aacutegua

quente

P eacute nossa

C9 aiacute ele aprende que natildeo pode mexer com os porquinhos

P hum entendi C9 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc

conhece Poesias notiacutecias reportagens trava-liacutenguas

C9 natildeo

C10

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C10 gosto

P gosta e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C10 do Lobo Mau

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C10 porque o meu tio conta sempre pra mim

P ah eacute seu tio conta sempre

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece por

exemplo as poesias as notiacutecias de jornal tem algum outro tipo de texto que

vocecirc conhece

131

C10 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar os livros na escola

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e na sua casa tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C10 tenho ((fala quase inaudiacutevel))

P ah entatildeo fala pertinho (aproximo o gravador da crianccedila para tentar gravar

melhor a sua voz) tem

C10 tenho

P hum e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias

poesias ou outros textos aleacutem dos livros

C10 natildeo

P vocecirc natildeo conhece algum material escrito igual os livros que tem coisas

escritas

C10 natildeo

P somente conhece os livros

P e quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler histoacuterias pra vocecirc

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P costumavam e que tipo de histoacuterias

C10 Lobo Mau Chapeuzinho Vermelho e Trecircs Porquinhos

As crianccedilas declaram que gostam de ouvir histoacuterias e que suas professoras as leem No

entanto ao serem questionadas sobre quais satildeo lidas ou quais os tipos que mais gostam C2

refere-se tambeacutem agrave histoacuteria ldquoO caso do bolinhordquo de Tatiana Belinky e C9 a histoacuteria ldquoCoelhinho

Tataurdquo

Essas falas das crianccedilas estatildeo em consonacircncia com as das professoras entrevistadas ao

elegerem os contos de fadas como o gecircnero mais lido uma vez que segundo dizem as crianccedilas

os preferem Tais falas trazem marcas das vivecircncias de leitura na escola e em ambientes natildeo

necessariamente escolares considerando as enunciaccedilotildees e o contexto em que a linguagem ocorre

Com a anaacutelise das entrevistas das professoras e das crianccedilas pode-se perceber que o

trabalho com os diferentes gecircneros discursivos na escola de Educaccedilatildeo Infantil em que se realizou

a pesquisa era restrito e se constituiacutea muitas vezes como um recurso didaacutetico com um fim em si

mesmo e natildeo como instrumentos que tornam possiacutevel a comunicaccedilatildeo discursiva Desse modo

toda introduccedilatildeo de um gecircnero na escola eacute o resultado de uma decisatildeo didaacutetica

que visa a objetivos precisos de aprendizagem que satildeo sempre de dois tipos

trata-se de aprender a dominar o gecircnero primeiramente para melhor conhececirc-lo

ou apreciaacute-lo para melhor saber compreendecirc-lo para melhor produzi-lo na

escola ou fora dela e em segundo lugar de desenvolver capacidades que

ultrapassem o gecircnero e que satildeo transferiacuteveis para outros gecircneros proacuteximos ou

distantes Isso implica uma transformaccedilatildeo pelo menos parcial do gecircnero para

132

que esses objetivos sejam atingidos e atingiacuteveis com o maacuteximo de eficaacutecia

simplificaccedilatildeo do gecircnero ecircnfase em certas dimensotildeesetc (DOLZ

SCHNEUWLY 2010 p 69)

E ainda

pelo fato de que o gecircnero funciona num outro lugar social diferente daquele em

que foi originado ele sofre forccedilosamente uma transformaccedilatildeo Ele natildeo tem mais

o mesmo sentido ele eacute principalmente sempre ndash noacutes acabamos de dizecirc-lo ndash

gecircnero a aprender embora permaneccedila gecircnero para comunicar Eacute o

desdobramento do qual falamos mais acima que constitui o fator de

complexificaccedilatildeo principal dos gecircneros na escola e de sua relaccedilatildeo particular com

as praacuteticas de linguagem Trata-se de colocar os alunos em situaccedilotildees de

comunicaccedilatildeo que sejam o mais proacuteximas possiacuteveis de verdadeiras situaccedilotildees de

comunicaccedilatildeo que tenham um sentido para eles a fim de melhor dominaacute-las

como realmente satildeo ao mesmo tempo sabendo o tempo todo que os objetivos

visados satildeo (tambeacutem) outros (DOLZ SCHNEUWLY 2010 p 69)

De acordo com essas consideraccedilotildees cabe ao professor conhecer os diferentes gecircneros

discursivos se apropriar de suas caracteriacutesticas especiacuteficas e planejar intencionalmente o trabalho

pedagoacutegico Apropriar-se dos gecircneros eacute tornar possiacutevel a produccedilatildeo ou a compreensatildeo dos

enunciados e por isso constituem-se tambeacutem em instrumentos para o ensino da leitura e da

escrita As crianccedilas aprendem a ler e a escrever a partir de tipos relativamente estaacuteveis de

enunciados Cada conjunto de enunciados organizados de acordo com seu conteuacutedo sua estrutura

e suas marcas linguiacutesticas requerem do leitorescritor condutas diferentes porque natildeo se lecirc ou se

escreve uma carta da mesma maneira que se lecirc ou se escreve uma poesia uma receita ou um

conto de fadas (CRUVINEL 2010) Se a escola concebe a linguagem como um sinal e ensina

apenas uma forma de ler ou de escrever algo impede que as crianccedilas operem com os gecircneros

discursivos que elas se comuniquem de diferentes formas com diferentes objetivos dificultando

a formaccedilatildeo leitora e produtora de textos

Com essas consideraccedilotildees eacute possiacutevel compreender que a escola ndash lugar de apropriaccedilatildeo da

cultura mais elaborada do conhecimento cultural produzido e organizado ndash seja responsaacutevel por

introduzir a crianccedila na cultura escrita por meio dos gecircneros discursivos O trabalho pedagoacutegico

com os gecircneros amplia o universo discursivo das crianccedilas Por esse motivo os gecircneros natildeo se

constituem apenas como instrumentos de comunicaccedilatildeo como tambeacutem instrumentos de ensino e

de aprendizagem da linguagem porque sem eles natildeo haacute comunicaccedilatildeo e portanto natildeo haacute o ensino

133

da liacutengua Desse modo o ensino dos gecircneros e a mediaccedilatildeo do professor satildeo fundamentais no

processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da liacutengua escrita pelas crianccedilas

Para a Teoria Histoacuterico-Cultural ndash concepccedilatildeo assumida neste trabalho ndash o homem constroacutei

e eacute construiacutedo pela sua proacutepria histoacuteria e desse modo as caracteriacutesticas humanas satildeo apropriadas

Por esse motivo a intencionalidade do professor orientada pelo conhecimento das regularidades

do processo de desenvolvimento bioloacutegico e cultural direcionada para a apropriaccedilatildeo das

maacuteximas qualidades humanas eacute condiccedilatildeo essencial ainda que natildeo suficiente para a formaccedilatildeo das

marcas do humano nas crianccedilas (MELLO 2005) Disso decorre que o professor tem um papel

fundamental no processo de humanizaccedilatildeo pois de forma intencional e por meio do processo de

ensino faz avanccedilar o niacutevel de desenvolvimento jaacute alcanccedilado pela crianccedila Segundo Saviani

(2003 p 13)

() o trabalho educativo eacute o ato de produzir direta e intencionalmente em cada

indiviacuteduo singular a humanidade que eacute produzida histoacuterica e coletivamente pelo

conjunto dos homens Assim o objeto da educaccedilatildeo diz respeito de um lado agrave

identificaccedilatildeo dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos

indiviacuteduos da espeacutecie humana para que eles se tornem humanos e de outro lado

concomitantemente agrave descoberta das formas mais adequadas para atingir esse

objetivo

Nessa perspectiva o professor organiza intencionalmente a vida da crianccedila na escola para

provocar a sua maacutexima humanizaccedilatildeo e assume seu papel de mediador no processo educativo

Assim cabe a ele descobrir e estar atento agraves formas mais adequadas para iniciar essa

humanizaccedilatildeo jaacute na pequena infacircncia

32 Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa

Seratildeo analisados os dados coletados por meio das entrevistas com as crianccedilas no final da

pesquisa para perceber possiacuteveis mudanccedilas nas respostas apoacutes a realizaccedilatildeo de um trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros discursivos e em quais aspectos essas mudanccedilas ocorreram

C9

P C9 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta C9

134

C9 dos Trecircs Porquinhos

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C9 porque o Lobo queima o traseiro

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 uhum

P como as poesias as receitas

C9 eu conheccedilo as receitas

P eacute somente a receita tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C9 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar livros na escola

C9 costumo

P e na sua casa

C9 tambeacutem

P tambeacutem

C9 eu tenho um livrinho que minha matildee comprou ela fez uma surpresa pra

mim com o livro

P que bom que livro eacute

C9 eacute do coelhinho Tataacute e de um cachorrinho

P certo vocecirc conhece outros materiais escritos C9 que tambeacutem tem histoacuterias

textos

C9 jornal

P jornal qual mais aleacutem dos livros do jornal

C9 revista

P revistas tem mais algum que vocecirc se lembra que vocecirc conhece

C9 natildeo

P C9 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam contar histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 contar

P vocecirc acha mais legal contar por quecirc

C9 porque gosto que conte as histoacuterias pra mim

P e por que vocecirc prefere mais quando algueacutem conta mais a histoacuteria

C9 porque ele tambeacutem sabe da histoacuteria quando ele lecirc

P C9 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens dos desenhos por

exemplo

C9 dos desenhos eu gosto do Mickey

P eacute e dos livros vocecirc gosta mais

C9 do Pato Donald

P C9 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 uhum

P e por quecirc

C9 porque aiacute a gente pode escrever um monte de coisas como cartas

P eacute mesmo e o que mais

C9 e a gente tambeacutem pode ler as coisas

P hum entatildeo a gente pode usar a escrita pra escrever uma seacuterie de coisas

importantes

C9 somente usar a nossa liacutengua para falar

P e o que eacute saber ler C9 na sua opiniatildeo quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 eu percebo porque eu vejo os outros lendo

P vocecirc sabe ler

135

C9 ((afirma com a cabeccedila))

P sabe e como que vocecirc faz pra ler

C9 eu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacute

P ahcerto entatildeo obrigada viu

Pela anaacutelise da fala de C9 pode-se depreender que embora C9 continue com sua

preferecircncia pelo gecircnero discursivo conto de fadas declara conhecer outros gecircneros como a

receita Declara ainda que os reconhece em outros suportes como o jornal e a revista e desse

modo aparenta perceber que podem estar presentes em outros lugares natildeo somente os livros

como afirmara na entrevista realizada no comeccedilo da pesquisa

O conceito de escrita que C9 apresenta apoacutes a realizaccedilatildeo de um trabalho pedagoacutegico

intencionalmente planejado com os gecircneros se coaduna com o conceito de escrita defendido

neste trabalho a escrita como um instrumento cultural de humanizaccedilatildeo das pessoas (ARENA

1992 2010b MELLO MILLER 2008 VYGOTSKI 1995) C9 revela que se escreve para

comunicar para expressar ideias sentimentos e que a carta eacute uma forma de fazer isso C9 parece

entender que por meio desse gecircnero discursivo eacute possiacutevel dizer coisas importantes de escrever

vaacuterias coisas bem como de iniciar o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua materna como explica

Bakhtin (2003 p 282- 283 grifos do autor)

Falamos apenas atraveacutes de determinados gecircneros do discurso isto eacute todos os

nossos enunciados possuem formas relativamente estaacuteveis e tiacutepicas de

construccedilatildeo do todo () Esses gecircneros do discurso nos satildeo dados quase da

mesma forma que nos eacute dada a liacutengua materna a qual dominamos livremente ateacute

comeccedilarmos o estudo teoacuterico da gramaacutetica A liacutengua materna ndash sua composiccedilatildeo

vocabular e sua estrutura gramatical ndash natildeo chega ao nosso conhecimento a partir

de dicionaacuterios e gramaacuteticas mas de enunciaccedilotildees concretas que noacutes mesmos

ouvimos e noacutes mesmos reproduzimos na comunicaccedilatildeo discursiva viva com as

pessoas que nos rodeiam Noacutes assimilamos as formas da liacutengua somente nas

formas das enunciaccedilotildees e justamente com essas formas As formas da liacutengua e as

formas tiacutepicas dos enunciados isto eacute os gecircneros do discurso chegam agrave nossa

experiecircncia e agrave nossa consciecircncia em conjunto e estreitamente vinculadas

Ao considerar essas afirmaccedilotildees depreende-se que os gecircneros discursivos satildeo formas de

comunicaccedilatildeo humana e por tal razatildeo por meios deles as pessoas se apropriam da liacutengua materna

e nesse sentido eacute que o ensino da leitura e da escrita desde a Educaccedilatildeo Infantil pode ocorrer por

meio do ensino dos diferentes gecircneros discursivos na escola

136

Outro aspecto relevante apresentado nessa entrevista relaciona-se agrave mudanccedila do conceito

de leitura de C9 A crianccedila revela que jaacute sabe ler e ao ser indagada sobre como faz para ler

responde ldquoeu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacuterdquo Esse

conceito de leitura se coaduna com o conceito de leitura assumido neste trabalho em que ler eacute

compreender eacute produzir sentido eacute uma praacutetica cultural (ARENA 1992 CHARMEUX 1997

FOUCAMBERT 1994 JOLIBERT 1994 LAJOLO 1986 SOUZA 2004)

C9 percebe quando algueacutem jaacute sabe ler ao dizer ldquoeu percebo porque eu vejo os outros

lendordquo Essa fala revela possivelmente que C9 reconheceu atitudes leitoras em outras pessoas

que conhece possivelmente na famiacutelia Essas pessoas apresentaram indiacutecios manifestaccedilotildees que a

fizeram reconhecer nelas a leitura como uma praacutetica cultural com seus modos e lugares de ler

A seguir apresento paralelamente as duas entrevistas da mesma crianccedila antes e depois do

trabalho com os gecircneros discursivos intencionalmente planejados com o intuito de perceber as

mudanccedilas nos conceitos

C13

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 da Bela Adormecida

P ah eacute por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C13 porque eu gosto muito de princesa

P ah entatildeo histoacuterias com princesas satildeo as suas preferidas

C13 uhum

P muito bem aleacutem dessas histoacuterias tem algum outro tipo de histoacuteria ou texto

que vocecirc conhece

C13 eu gosto mais da poesia da Bailarina

P ah da Ceciacutelia Meireles

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P ah certo tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C13 uhum eu conheccedilo alguns soacute que eu gosto mais desse da Bailarina

P certo C13 vocecirc costuma usar os livros na sua casa

C13 costumo

P e na escola

C13 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C13 tenho

P certo e vocecirc conhece algum outro tipo de material escrito aleacutem dos livros

que tambeacutem tem histoacuterias que tem poesias e que tem outros escritos

C13 algumas cartas alguns envelopes que vem escrito alguma mensagem neacute

P eacute mesmo tem livros tem envelopes tem cartas

C13 revistas

P tem mais algum tipo de material que vocecirc conhece

137

C13 caderninhos

P certo

C13 um monte de coisas

P C13 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam contar histoacuterias pra vocecirc

C13 eu acho que natildeo viu

P natildeo

C13 ((confirma negando com a cabeccedila))

P eacute natildeo se lembra de nenhuma

C13 natildeo me lembro natildeo me lembro porque jaacute faz muito tempo que eu era

bebezinha

P certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 que leiam

P e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C13 porque tem desenhos nas historinhas pega um livrinho natildeo eacute

P eacute aiacute daacute pra ver as ilustraccedilotildees

C13 eacute eu gosto mais

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C13 o que eu mais gosto como assim

P das personagens ou dos desenhos

C13 olha o que eu gosto mais eacute de histoacuteria soacute que dos desenhos sabe do

que eu gosto mais

P natildeo o que

C13 os desenhos eu gosto mais do desenho animado que passa laacute no Bom Dia e

Companhia ((refere-se a um programa infantil de televisatildeo)) As Super

Poderosas que eacute mais legal A minha personagem predileta eacute a Florzinha (refere-

se ao nome de um desenho animado que eacute transmitido pela televisatildeo)

P e nos livros por exemplo

C13 A Bela Adormecida

P mas aiacute entatildeo vocecirc prefere as personagens ou as ilustraccedilotildees

C13 uhum eu prefiro as personagens

P ah certo e vocecirc acha importante saber escrever

C13 acho

P e por quecirc

C13 porque a gente aprende mais coisas neacute

P Eacute mesmo e o que daacute pra fazer depois que a gente aprende a escrever

C13 a gente pode fazer um monte de coisas

P que tipo de coisas

C13 assim ensinar umas criancinhas que ainda que natildeo saibam neacute a gente pode

ajudar um pouco neacute

P pra que elas aprendam tambeacutem a escrever

C13 uhum

P muito bem C13 o que eacute saber ler

C13 ler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escrito

P ah certo e vocecirc jaacute sabe ler

C13 sei ler algumas coisinhas

P eacute e como eacute que vocecirc faz pra ler

C13 ah eu vou juntando pra ver o que estaacute escrito

P e vocecirc consegue fazer isso entatildeo

C13 uhum

P e quando uma crianccedila entatildeo sabe ler

138

C13 uma crianccedila quando sabe ler como assim eu natildeo entendo muito bem

isso

P quando eacute que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C13 vixi eu soacute percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu

percebo sabe como eu percebo

P como

C13 com as crianccedilas que jaacute tecircm anos mais altos que as crianccedilas mais novinhas

P ah mas uma crianccedila mais nova pode aprender a ler

C13 eacute como eu

P isso como vocecirc muito obrigada C13

C13 tchau

(Entrevista com C13 no iniacutecio da pesquisa)

Pode-se inferir pelas falas de C13 que haacute uma preferecircncia pelo gecircnero conto de fadas

contudo a crianccedila conhece outro gecircnero como a poesia Ela parece ter provavelmente outros

mediadores nesse processo de formaccedilatildeo leitora aleacutem da professora que satildeo as pessoas de sua

famiacutelia pois declara que natildeo se lembra das professoras dos anos anteriores lerem ou contarem

histoacuterias a ela Esse fato se deve supostamente pela leitura natildeo ser uma praacutetica frequente ou

talvez diaacuteria na escola

C13 demonstra perceber a funccedilatildeo da escrita quando diz que com a escrita ldquoa gente

aprende um monte de coisasrdquo ou ainda ldquoa gente pode fazer um monte de coisas‟ ateacute ldquoensinar

umas criancinhas que ainda natildeo saibamrdquo Essas falas denotam que a escrita eacute necessaacuteria

essencial para viver numa sociedade culturalmente baseada na escrita e que ao saber escrever

ela mesmo sendo uma crianccedila pode ensinar outras Dessa forma atuaraacute tambeacutem como parceira

de outras nesse processo de apropriaccedilatildeo da escrita

O conceito de leitura nesse momento de C13 estaacute vinculado agraves condiccedilotildees das quais

participou ou dos discursos que ouviu Afirma que para ler eacute preciso juntar letras que eacute algo

complexo que precisa aprender bastante e se aprende a ler quando se tem mais idade como se

verifica nesses trechos ldquoler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escritordquo ldquoeu soacute

percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu percebo sabe como eu percebo com as

crianccedilas que jaacute tecircm anos mais altos que as crianccedilas mais novinhasrdquo

Um aspecto a ser ressaltado na fala dessa e de outras crianccedilas anteriormente analisadas no

iniacutecio da pesquisa eacute que parecem natildeo estabelecer fronteiras entre saber e natildeo saber ler Algumas

afirmaram que jaacute sabiam ler mas suas atitudes no iniacutecio do trabalho pedagoacutegico

139

intencionalmente planejado denotavam o contraacuterio Haacute uma linha fraacutegil que indica que isso estaacute

relacionado ao conceito que as crianccedilas possuem sobre o que eacute ler

Pode-se afirmar que as crianccedilas que declararam que jaacute sabiam ler mas que natildeo realizavam

esse ato de fato se referiam aos atos de leitura das quais participavam e que supostamente

alcanccedilavam sucesso Em outras palavras as crianccedilas afirmavam que sabiam ler quando

decodificavam quando diziam letras siacutelabas e essas atitudes eram as atitudes inicialmente

esperadas pelas professoras em resposta ao ensino por elas proposto

A entrevista a seguir realizada no final do trabalho com os gecircneros discursivos oferece

subsiacutedios para ampliar as discussotildees anteriormente feitas

C13

P C13 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 ADORO

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 eu gosto de contos de fadas

P ah eacute mesmo e por quecirc por que vocecirc gosta desse tipo de histoacuteria

C13 eacute porque pra mim elas satildeo muito legais

P e o que elas tecircm que faz com que as histoacuterias sejam bem legais

C13 um monte de coisas que nem daacute pra falar direito

P ((risos)) de tantas que tecircm

C13 aham

P mas conta uma delas por exemplo

C13 algumas coisas

P eacute

C13 eacute porque do jeito que as histoacuterias satildeo algumas tecircm piadas ((refere-se as

situaccedilotildees engraccediladas presentes nas histoacuterias))

P eacute mesmo

C13 aham

P que legal

C13 eacute por isso que eu gosto dos contos de fadas

P muito bem e aleacutem de histoacuterias tem alguns outros tipos de textos que vocecirc

conhece

C13 eu gosto das poesias que vocecirc fala

P eacute mesmo

C13 aham

P eacute mesmo e vocecirc conhece outros textos aleacutem das poesias e das histoacuterias

C13 bom por enquanto eu somente conheccedilo as suas

P e receitas vocecirc conhece

C13 eu conheccedilo receita de bolo de cenoura de goiabada o de cenouras pra

mim natildeo esqueccedilo ((refere-se agraves receitas que li e preparei com as crianccedilas da

turma na escola))

P que a gente fez aqui natildeo eacute

C13eacute

P e textos de hum jornal notiacutecias

140

C13 notiacutecias quando as notiacutecias satildeo muito legais neacute

Por meio deste trecho da entrevista de C13 no final do trabalho pode-se inferir que a

crianccedila conhece diferentes gecircneros discursivos aleacutem daqueles abordados especificamente nesta

pesquisa como a receita a poesia Por meio do discurso de C13 reitera-se a influecircncia das accedilotildees

e do discurso docentes nas aprendizagens da crianccedila e na formaccedilatildeo de conceitos Isso pode se

verificar quando C13 declara ldquoeu gosto das poesias que vocecirc falardquo ldquobom por enquanto eu

somente conheccedilo as suasrdquo (refere-se as histoacuterias lidas pela professora) Verifica-se tambeacutem

quando a crianccedila afirma conhecer o gecircnero discursivo receitas e refere-se a todas as receitas lidas

e preparadas na escola (bolo de cenouras de goiabada) Haacute que ressaltar ainda que o trabalho

intencionalmente planejado com os gecircneros e principalmente as vivecircncias adequadas promovem

aprendizagens como se pode perceber na fala de C13 ao falar da receita do bolo de cenoura ldquoo

de cenouras pra mim natildeo esqueccedilordquo

E continua

P uhum vocecirc consegue ler

C13 bom algumas eu junto agraves palavrinhas pra conseguir ler

P vocecirc jaacute consegue fazer isso

C13 eu fico tentando eu fico soletrando para ver como se faz

P C13 vocecirc costuma ler livros na escola

C13 costumo usar mais os contos de fadas que eu vejo que eacute legal

P e em casa vocecirc usa livros tambeacutem

C13 uso eu tenho alguns

P e vocecirc conhece outros tipos de materiais escritos que tambeacutem tecircm histoacuterias

poesias

C13 conheccedilo livros jornais revistas cadernos

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler histoacuterias pra vocecirc

C13 bom eu natildeo lembro mas acho que sim

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 como assim ler eacute com o livro

P isso quando a pessoa estaacute com o material escrito na matildeo pode ser um livro

ou uma revista um bilhete

C13 eu gosto quando estaacute com alguma coisa na matildeoeacute mais legal

P e por que eacute mais legal

C13 porque tem desenhos natildeo eacute mostra os desenhos sendo mais legal

P hum entendi e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou

das ilustraccedilotildees

C13 das ilustraccedilotildees eu gosto bom das histoacuterias dos contos de fadas eu gosto

mais das princesas

141

Ao afirmar que para ler junta-se as palavrinhas C13 revela que tenta encontrar o caminho

sozinha para ler porque provavelmente por meio das situaccedilotildees de leitura das quais participou ela

criou para si a necessidade de fazecirc-lo

Quando a crianccedila eacute indagada se prefere que leiam ou contem histoacuterias para ela responde

com outra pergunta na intenccedilatildeo de se certificar sobre o que eacute ler ldquocomo assim ler eacute com o

livro A crianccedila aparenta perceber que quando algueacutem lecirc uma histoacuteria esta o faz presa ao livro eacute

a transmissatildeo vocal a liacutengua oral que revela a liacutengua escrita (BAJARD 2007)

P certo e vocecirc acha importante C13 saber escrever

C13 eacute muito importante natildeo eacute

P e por que vocecirc acha importante

C13 eacute porque a gente aprende as coisas assim escrevendo vai aprendendo

mais coisas natildeo vai

P e sempre que a gente precisa da escrita em que podemos usaacute-la

C13 para escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode esquecer

neacute

P de jeito algum e pra que mais a gente usa a escrita pra que a gente pode

usar as coisas que a gente escreve

C13 bom a resposta natildeo sei natildeo heim mas eu acho assim pode ser pra

algumas coisas importantes neacute

P coisas importantes

C13 umas coisas importantes

P quais coisas importantes por que ou para que a gente escreve

C13 escreve para aprender pra aprender muitas coisas

P muitas coisas

C13 e aprender eacute muito importante e gostoso

P eacute mesmo vocecirc escreve bastante coisa jaacute

C13 estou aprendendo algumas eu estou escrevendo mais ou menos

P muito bem e o que vocecirc geralmente gosta de escrever

C13 gosto mais de escrever carta cartas para professora G (refere-se a atual

professora da turma e pesquisadora no caso eu mesma)

P ai que maravilha

C13 eu jaacute escrevi uma pra vocecirc

P eu gostei muito daquela

C13 jaacute colocou no livro da vida ou natildeo

P jaacute coloquei no livro da vida sim

C13 aquela daacute pra ver atraacutes e na frente

P e todas as pessoas que lerem e consultarem o nosso livro da vida iratildeo ver laacute

registrado essa linda cartinha que vocecirc me escreveu

C13 todo mundo vai saber o que eu escrevi quando ler

P sim todos poderatildeo saber ao lerem C13 o que eacute saber ler quando que

uma crianccedila jaacute sabe ler em sua opiniatildeo

C13 bom a crianccedila quem eu conheccedilo sabe ler bastante

P eacute quando que vocecirc acha que algueacutem jaacute sabe ler

C13 bom eu acho a M a minha irmatilde

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc sabe que ela sabe ler

142

C13 porque eu a vejo lendo e escrevendo

P eacute

C13 aham

P e o que ela faz que vocecirc fala nossa minha irmatilde jaacute sabe ler ou algum

outro amigo seu que vocecirc conhece

C13 bom pra falar a verdade eu natildeo conheccedilo nenhum amigo que saiba

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra

pergunta pra ver se combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso

mas eu soacute li de verdade quando eu entendi o que estaacute escrito

P entatildeo obrigada C13

(Entrevista com C13 no final da pesquisa)

Esse registro permite inferir que a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pela crianccedila se

ampliou porque ela esteve em contato frequente com uma praacutetica de leitura e de escrita

intencional planejada e dialoacutegica Embora desde o iniacutecio do trabalho de leitura e de escrita

proposto conhecesse alguns outros gecircneros discursivos como a poesia e a carta atuando muitas

vezes nesse processo como uma crianccedila mais avanccedilada junto agraves demais crianccedilas participantes eacute

possiacutevel assinalar uma modificaccedilatildeo no proacuteprio conceito de C13 no iniacutecio da pesquisa como se

verifica na anaacutelise da entrevista anterior Pode-se dizer que o conceito de leitura e de escrita de

C13 no final do processo se coaduna com o conceito de leitura e de escrita defendidos neste

trabalho o de leitura como compreensatildeo como produccedilatildeo de sentido como praacutetica cultural

(ARENA 1992 2010 CHARMEUX 1997 FOUCAMBERT 1994 JOLIBERT 1994

LAJOLO 1986 SOUZA 2004) e o de escrita como instrumento cultural complexo para a

humanizaccedilatildeo das pessoas (VYGOTSKI 1995 MELLO 2005)

C13 demonstra estabelecer relaccedilotildees com o gecircnero discursivo carta relato de vida por

meio do livro da vida e notiacutecia de jornal respondendo a ela e a si proacutepria de forma interativa

demonstra que consegue pensar a escrita sendo interlocutora ativa ou seja leitora e escritora e

que apesar de iniciante jaacute participa da cultura escrita

143

C13 parece compreender a funccedilatildeo social da escrita e da leitura Ao objetivar por meio de

sua fala que se usa a escrita ldquopara escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode

esquecer neacuterdquo em outras palavras a escrita serve tambeacutem para registrar algo importante para

lembrar depois Acrescenta que a escrita eacute usada para aprender muitas coisas que com ela se tem

acesso a inuacutemeras informaccedilotildees e que ldquoaprender eacute muito importante e gostosordquo Com essa

afirmaccedilatildeo denota que foi criada a necessidade de aprender e que entende o porquecirc e para quecirc se

escreve Por essa razatildeo aprender torna-se algo que impulsiona a crianccedila que garante novas

aprendizagens Com relaccedilatildeo a isso Vygotskii (1988 p 115) esclarece que

[] a aprendizagem natildeo eacute em si mesma desenvolvimento mas uma correta

organizaccedilatildeo da aprendizagem da crianccedila conduz ao desenvolvimento mental

ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento e esta ativaccedilatildeo natildeo

poderia produzir-se sem a aprendizagem Por isso a aprendizagem eacute um

momento intrinsicamente necessaacuterio e universal para que se desenvolvam na

crianccedila essas caracteriacutesticas humanas natildeo-naturais mas formadas

historicamente

Ao considerar essa proposiccedilatildeo ressalta-se assim o ensino como esteio da formaccedilatildeo dos

processos psicoloacutegicos superiores e a necessaacuteria e adequada mediaccedilatildeo do professor ou do adulto

Atuar como professor mediador eacute reconhecer que as crianccedilas satildeo capazes e competentes para

aprenderem quando satildeo auxiliadas de maneira adequada e intencional pelo adulto Desse modo eacute

possiacutevel dizer que o conhecimento das crianccedilas bem como seus modos de aprender se

constituem na dinacircmica das relaccedilotildees sociais

A crianccedila aponta para o fato de que gosta de escrever cartas para a professora da turma do

Infantil II atual professora da turma no momento da pesquisa e ao perguntar se a professora jaacute

colocara a carta que ela escreveu no livro da vida atribui um valor agrave escrita reconhece que para

se comunicar com a professora e expressar suas ideias e sentimentos se utiliza de um gecircnero

discursivo ndash a carta ndash e compreende que o livro da vida natildeo eacute soacute uma teacutecnica de ensino mas um

suporte textual que permite agraves pessoas fazer consultas sempre que desejarem para conhecerem ou

saberem daquilo que vivido na escola

O contato com a carta relato de vida e notiacutecia de jornal na escola se daacute por intermeacutedio da

professora do Infantil II uma vez que as professoras dos anos anteriores agrave pesquisa natildeo

realizavam leituras ou escrita desses gecircneros conforme constatado pelas entrevistas No entanto

144

o entorno familiar aliado ao escolar vivenciado durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da proposta de

leitura e de produccedilatildeo de texto dos gecircneros mencionados aparece como crucial para a apropriaccedilatildeo

da leitura da crianccedila que encontra nesses entornos as condiccedilotildees necessaacuterias e adequadas Posto

isto depreende-se que as condiccedilotildees histoacutericas e sociais determinam esse processo de apropriaccedilatildeo

da leitura e da escrita (LEONTIEV 1988 VYGOTSKII 1988)

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra

pergunta pra ver se combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso

mas eu soacute leio de verdade quando eu entendo o que estaacute escrito

Com a anaacutelise dos dados depreende-se que a crianccedila reconhece que eacute necessaacuterio dominar

o coacutedigo linguiacutestico para ler e para escrever ao revelar que soletra e para isso junta vogais e

consoantes depois pensa e fala a pergunta pra ver se combina No entanto natildeo se prende ao

coacutedigo apenas num mero exerciacutecio de codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Ela tenta

apropriar-se do coacutedigo e supera-o quando ressalta ldquomas eu soacute leio de verdade quando eu entendo

o que estaacute escritordquo Dessa maneira pode-se inferir que a crianccedila entende a leitura como

compreensatildeo como produccedilatildeo de sentido pois do contraacuterio quando ela natildeo entende o que leu

natildeo realizou a leitura soacute decodificou Outro ponto a destacar nesta afirmaccedilatildeo de C13 eacute a possiacutevel

influecircncia do conceito do ato de ler da professora-pesquisadora que emerge em sua praacutetica

pedagoacutegica em seus discursos proferidos no processo de ensino e de aprendizagem da leitura na

apresentaccedilatildeo e no trabalho com os gecircneros discursivos C13 ao participar de situaccedilotildees de ensino

e de aprendizagem da leitura de forma interativa por vivenciar situaccedilotildees diretas de mediaccedilatildeo da

professora-pesquisadora revela ter se apropriado desses conceitos e os objetivado

C5

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever C5

C5 acho

P e por que vocecirc acha

145

C5 porque tambeacutem eacute legal

P o que a gente aprende quando sabe escrever O que a gente pode fazer

quando a gente sabe escrever

C5 ler

P a gente pode ler tambeacutem mas para que vocecirc pode usar a escrita

C5 em livro

P aleacutem dos livros o que a gente pode escrever

C5 aiacute a pessoa fala que sabe ler

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C5 ela eacute quando uma pessoa que jaacute aprendeu tudo

P eacute e quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler como que vocecirc

percebeu que realmente aprendeu a ler

C5 porque que estaacute lendo

P e como que vocecirc sabe que ela estaacute lendo ela pode estar somente falando

natildeo pode

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como que vocecirc tem certeza que ela estaacute lendo o que essa pessoa faz que

mostra pra vocecirc que ela realmente estaacute lendo

C5 ah (dirige o olhar para o alto)

P vocecirc jaacute sabe ler

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e o que vocecirc faz pra ler

C5 eu vou juntando as letras e vendo as ideias

P eacute mesmo entatildeo pra vocecirc o que eacute ler

C5 eacute aprender

P Obrigada C5

As falas de C5 denotam que ela percebe a escrita e a leitura como parte de um mesmo

processo o de internalizaccedilatildeo da liacutengua quando reafirma por diversas vezes que com a escrita as

pessoas podem ler Ela parece reconhecer que a leitura possibilita participar da cultura escrita

uma vez que afirma que algueacutem jaacute sabe ler quando uma pessoa jaacute aprendeu tudo e com isso

pode-se compreender a leitura como um instrumento cultural (VYGOTSKI 1995 MELLO

MILLER 2005)

Quando C5 aponta que para ler ldquovai juntando as letras e vendo as ideiasrdquo pode-se inferir

que a crianccedila percebe que ao ler lecirc-se ideacuteias e que ao escrever escrevem-se ideias e natildeo

simplesmente letras siacutelabas e palavras desconexas muito embora para expressar as ideias por

meio da leitura e da escrita seja necessaacuterio fazer uso do coacutedigo de representaccedilatildeo da escrita

Desse modo a crianccedila demonstra iniciar seu processo de apropriaccedilatildeo lendo e escrevendo o que

pensa sente percebe ouve e vecirc por meio de textos e natildeo de exerciacutecios repetitivos de codificaccedilatildeo

e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Como explica Miller (2009 p45)

146

O processo de aquisiccedilatildeo da base alfabeacutetica da escrita o domiacutenio do sistema de

representaccedilatildeo satildeo partes importantes do processo de aprender a ler e escrever

mas esse processo natildeo pode se restringir a esses conhecimentos sob pena de o

aluno dominar a teacutecnica da escrita das palavras mas natildeo saber como utilizar essa

teacutecnica para compreender os textos escritos e para escrever textos adequados agraves

mais diversas situaccedilotildees em que eles satildeo produzidos e lidos O ensino da escrita

soacute se torna um caminho que leva o aluno a ler com compreensatildeo e a escrever

textos coerentes quando se faz com sentido para o aluno E isso se consegue

quando o ler e o escrever satildeo necessidades para o aluno ou seja quando o

ensino da escrita se organiza de modo a que o aluno sinta a necessidade de ler e

de escrever

Baseado nesse pressuposto natildeo significa que natildeo se deve ensinar o coacutedigo de

representaccedilatildeo da escrita agraves crianccedilas mas atendendo a uma necessidade que foi criada pelas

condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo das quais participa No capiacutetulo a seguir seraacute abordado o ensino

e a aprendizagem da leitura por meio do gecircnero discursivo carta relato de vida e notiacutecia de

jornal em que seratildeo analisadas situaccedilotildees de leitura do trabalho pedagoacutegico realizado

147

CAPIacuteTULO IV

O ENSINO DA LEITURA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS

Observem diante de um livro ou de uma paacutegina do jornal a crianccedila que

aprendeu a ler segundo o meacutetodo tradicional faz um grande esforccedilo de

reconhecimento das peccedilas a desmontar que combina laboriosamente A

mecacircnica funciona lecirc de uma maneira certa sem erros de pronuacutencia Mas

perguntam-lhe o sentido daquilo que leu teraacute de reler o texto para compreender

porque o lera da primeira vez para decifrar A operaccedilatildeo faz-se em dois tempos

fazer andar a mecacircnica tentar compreender em seguida Mas a crianccedila pode

muito bem contentar-se em fazer andar a mecacircnica sem compreender No

entanto a isto chamaraacute ler (FREINET 1977 p 54)

Esta proposiccedilatildeo traz em seu bojo o conceito escolarizado de leitura subjacente a muitas

praacuteticas do ensino do ato de ler isto eacute a ensino focado no aspecto fiacutesico dos signos linguiacutesticos

que resulta em pronunciaccedilatildeo correta mas apartada da compreensatildeo Tais praacuteticas de ensino do

ato de ler estatildeo presentes na escolarizaccedilatildeo precoce das crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil quando o

professor prioriza a decifraccedilatildeo Essas praacuteticas se sustentam na univocidade do sentido e nas

interpretaccedilotildees legitimadas

Nesse contexto surgem as indagaccedilotildees Como formar o leitor na Educaccedilatildeo infantil Como

garantir que a crianccedila pequena participe ativamente da cultura escrita sem que esteja ainda

convencionalmente alfabetizada Neste capiacutetulo seratildeo apresentadas possiacuteveis respostas a essas

questotildees na medida em que seratildeo analisadas situaccedilotildees de leitura com as crianccedilas em trecircs

momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero discursivo carta por meio da

correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo relato de vida por meio do

livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

41 A crianccedila e o seu estatuto de leitor

Este trabalho de pesquisa compreende a leitura em seu movimento discursivo isto eacute a

leitura como um lugar privilegiado de encontro com a palavra alheia Essa concepccedilatildeo de leitura

adveacutem do conceito de liacutengua e de linguagem para Bakhtin (1992) em que a liacutengua eacute um

fenocircmeno social dirigida para o outro Disso decorre que natildeo haacute diaacutelogo entre sentenccedilas mas

148

entre pessoas Existe infinita mobilidade para diferentes interpretaccedilotildees e significaccedilotildees que tornam

a palavra permanente fluida no contexto das transformaccedilotildees culturais e histoacutericas

Para Bakhitn (1992) a categoria principal da linguagem eacute a interaccedilatildeo verbal cuja

realidade fundamental eacute o seu caraacuteter ideoloacutegico Toda enunciaccedilatildeo eacute um diaacutelogo e faz parte de

um processo de comunicaccedilatildeo ininterrupto Desse modo a interaccedilatildeo verbal se realiza no diaacutelogo

que em sentido mais amplo ocorre na leitura e na escrita O caraacuteter ideoloacutegico do diaacutelogo remete

ao contexto histoacuterico e cultural uma vez que os diaacutelogos e os discursos satildeo envolvidos pelos

interesses pelos valores e pelas intenccedilotildees definidas por um grupo ou classe social em

determinado tempo

A linguagem tem dimensotildees dialoacutegicas e ideoloacutegicas determinadas historicamente A

palavra territoacuterio comum entre eu e o outro (locutor interlocutor) eacute prenhe de significados e

intenccedilotildees (BAKHTIN 1992) possui valor semioacutetico sendo percebida como um signo

ideoloacutegico ldquoarena de confronto de diferentes valores sociais de diferentes vozes sociais

(RAMOS SHAPPER 2009) Por essa razatildeo o sujeito se constitui discursivamente ao interagir

com as vozes sociais que constituem a comunidade semioacutetica de que participa Essas vozes em

inter-relaccedilatildeo dialoacutegica possibilitam encontro entre consciecircncias marcado por movimentos de

sentidos que ldquoora instituem a reproduccedilatildeo do discurso alheio ora possibilitam que ele se abra para

novas construccedilotildees discursivasrdquo (RAMOS SHAPPER 2009 p 2)

No movimento de produccedilatildeo e negociaccedilatildeo de sentido que demarca a leitura como praacutetica

social e cultural faz-se necessaacuterio compreender as formas de discurso que relacionam a palavra

do leitor agrave palavra alheia expressa no texto uma vez que o sujeito fala por meio da palavra dos

outros e todo enunciado eacute uma reacuteplica de um diaacutelogo que incorpora e se apropria do discurso de

outrem Os enunciados satildeo sempre dependentes daquilo que jaacute foi dito e soacute podem ser

compreendidos no fluxo da cadeia de interaccedilatildeo verbal Desse modo

A palavra (em geral qualquer signo) eacute interindividual Tudo o que eacute dito o que eacute

expresso se encontra fora da ldquoalmardquo do falante natildeo pertence apenas a ele A

palavra natildeo pode ser entregue apenas ao falante O autor (falante) tem os seus

direitos inalienaacuteveis sobre a palavra mas o ouvinte tambeacutem tem os seus direitos

tem tambeacutem os seus direitos aqueles cujas vozes estatildeo na palavra encontrada de

antematildeo pelo autor (porque natildeo haacute palavra sem dono) () Se natildeo esperamos

nada da palavra se sabemos de antematildeo tudo o que ela pode dizer ela sai do

diaacutelogo e se coisifica (BAKHTIN 2003 p 327 ndash 328)

149

A palavra eacute por assim dizer dialoacutegica pois pressupotildee o outro pressupotildee em si mesma

uma resposta

Isso decorre da natureza da palavra que sempre quer ser ouvida sempre procura

uma compreensatildeo responsiva e natildeo se deteacutem na compreensatildeo imediata mas abre

caminho sempre mais e mais agrave frente (de forma ilimitada)

Para a palavra (e consequentemente para o homem) natildeo existe nada mais terriacutevel

do que a irresponsividade Nem a palavra deliberadamente falsa eacute absolutamente

falsa e sempre pressupotildee uma instacircncia que a compreende e a justifica ainda

que seja na forma ldquono meu lugar qualquer um mentiriardquo (BAKHTIN 2003 p

333 grifos do autor)

Este trabalho discute a leitura na perspectiva bakhtiniana da teoria enunciativa da

linguagem que traz uma entonaccedilatildeo outra ao universo da relaccedilatildeo do leitor com o texto A

percepccedilatildeo dialeacutetica da linguagem preconizada pelo autor permite pensar a leitura como produccedilatildeo

de sentido instacircncia discursivo-simboacutelica mediadora das relaccedilotildees entre sujeitos Nesse panorama

teoacuterico Bakhtin (1983) explicita dois tipos de palavras alheias que adquirem um sentido

fundamental no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no mundo a palavra de autoridade e

a palavra internamente persuasiva Por meio dessas palavras o autor objetiva mostrar a

complexidade do processo de apropriaccedilatildeo linguiacutestico-discursiva que natildeo se funda somente na

repeticcedilatildeo e no reconhecimento da palavra alheia mas em sua re-elaboraccedilatildeo repercutindo de

forma diferente e sob uma nova perspectiva Assim se de um lado haacute discursos assumidos como

vozes de autoridade por outro lado haacute discursos que satildeo assumidos como vozes internamente

persuasivas

O discurso autoritaacuterio se estabelece no estatuto de verdade plena absoluta e consolida-se

ou reforccedila significados fixos que natildeo se modificam em contato com outras vozes Por ser

vinculado agrave autoridade (moral poliacutetica religiosa paterna do professor) eacute encontrado ao exigir

do homem o seu reconhecimento incondicional Aleacutem disso a palavra de autoridade se

materializa no discurso proferido natildeo existindo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo ou

contestaccedilatildeo pois

a palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitida Sua ineacutercia

sua perfeiccedilatildeo semacircntica e rigidez sua singularizaccedilatildeo aparente e afetada a

impossibilidade de sua livre estilizaccedilatildeo tudo isto exclui a possibilidade da

representaccedilatildeo artiacutestica da palavra autoritaacuteria (BAKHTIN 1983 p 144)

150

Em contraposiccedilatildeo ao discurso de autoridade a palavra internamente persuasiva natildeo eacute

finita e riacutegida mas abre-se para muitas possibilidades de inferecircncia no discurso interior Eacute

dialoacutegica carrega em si parte da palavra proacutepria e parte da palavra do outro e em decorrecircncia

disso propicia negociaccedilotildees de significados encadeando a produccedilatildeo de novos sentidos Conforme

Bakhtin (1983 p144)

a estrutura semacircntica da palavra interiormente persuasiva natildeo eacute terminada

permanece aberta eacute capaz de revelar sempre todas as novas possibilidades

semacircnticas em cada um de seus novos contextos dialogizados () Noacutes a

introduzimos em novos contextos a aplicamos a um novo material noacutes a

colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dela novas respostas novos

esclarecimentos sobre o seu sentido e novas palavras ldquopara noacutesrdquo (uma vez que a

palavra produtiva do outro engendra dialogicamente em resposta uma nova

palavra nossa)

Conforme exposto a linguagem eacute algo vivo mutaacutevel e estaacute em constante movimento

porque se daacute nas relaccedilotildees na troca na atitude responsiva A leitura nesse contexto eacute entendida

como um processo dialoacutegico e dinacircmico e o ensino do ato de ler numa perspectiva que considera

a responsividade a palavra internamente persuasiva e por assim dizer coloca constantemente a

crianccedila em diaacutelogo com o texto e com o outro A atitude responsiva na leitura requer a

compreensatildeo ativa e segundo Bakhtin (1992 p 131 ndash 132) ldquoqualquer tipo genuiacuteno de

compreensatildeo ativa deve conter jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite

apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo pode ser aprendida senatildeo com a ajuda do outro processo

evolutivordquo

Essas afirmaccedilotildees remetem agrave ideia de que ldquoeacute especialmente por meio da linguagem que as

pessoas agem umas sobre as outras num processo contiacutenuo de autotransformaccedilatildeo Por isso a

linguagem eacute uma das mais importantes criaccedilotildees da humanidaderdquo (GONTIJO 2007 p 22) e a

liacutengua soacute pode ser analisada tendo em vista sua complexidade quando considerada como um

fenocircmeno socioideoloacutegico e apreendida dialeacutetica e dialogicamente no fluxo da histoacuteria

(BAKHTIN 1992 2003)

Ao tratar sobre a linguagem Bakhtin (1992) esclarece que a realidade psiacutequicainterior eacute a

do signo e eacute por meio deste que o organismo e o mundo se encontram O signo eacute um fenocircmeno

do mundo exterior resultado das praacuteticas sociais humanas e por esse motivo o conteuacutedo da

atividade psiacutequica origina-se da realidade exterior e estaacute impregnada por ela ldquoOs signos soacute

151

podem aparecer em um terreno interindividualrdquo (BAKHTIN 1992 p 35) No entanto natildeo basta

que dois homens estejam presentes face a face nesse mesmo terreno para que os signos se

constituam ldquoEacute fundamental que esses dois indiviacuteduos estejam socialmente organizados que

formem um grupo (uma unidade social) soacute assim um sistema de signos pode constituir-serdquo

(BAKHTIN 1992 p 35) Se o conteuacutedo do psiquismo eacute o signo constituiacutedo no terreno

interindividual a explicaccedilatildeo para o psiquismo para a atividade psiacutequica deve ser elaborada a

partir dessa realidade De acordo com Bakhtin (1992 p 35 ndash 36)

A consciecircncia adquire forma e existecircncia nos signos criados por um grupo

organizado no curso de suas relaccedilotildees sociais Os signos satildeo o alimento da

consciecircncia individual a mateacuteria de seu desenvolvimento e ela reflete sua

loacutegica e suas leis A loacutegica da consciecircncia eacute a loacutegica da comunicaccedilatildeo ideoloacutegica

da interaccedilatildeo semioacutetica de um grupo social Se privarmos a consciecircncia de seu

conteuacutedo semioacutetico e ideoloacutegico natildeo sobra nada A imagem a palavra o gesto

significante etc constituem seu uacutenico abrigo Fora desse material haacute apenas o

simples ato fisioloacutegico natildeo esclarecido pela consciecircncia desprovido de sentido

que os signos lhe conferem

Segundo Bakhtin (1992) a palavra a linguagem eacute o material semioacutetico da vida interior

da consciecircncia A palavra resulta do consenso entre indiviacuteduos constitui material veiculaacutevel pelo

corpo Disso decorre que a realidade psiacutequica eacute definida em termos da significaccedilatildeo pois esta eacute a

funccedilatildeo do signo ldquosem isso o signo natildeo eacute signo e a palavra natildeo eacute palavra Sem a significaccedilatildeo natildeo

existe atividade psiacutequicardquo (GONTIJO 2007 p 21)

Com essas afirmaccedilotildees acerca da constituiccedilatildeo da consciecircncia humana Bakhtin (1992 p

36) esclarece que ldquo[] a realidade dos fenocircmenos ideoloacutegicos eacute a realidade objetiva dos signos

sociais [] as leis dessa realidade satildeo diretamente determinadas pelo conjunto das leis sociais e

econocircmicasrdquo Desse modo o signo existe na materializaccedilatildeo social e seu aspecto semioacutetico

aparece de forma completa na linguagem ldquoKarl Marx dizia que soacute uma ideia enunciada em

palavras se torna pensamento real para o outro e soacute assim para mim mesmordquo (BAKHTIN 2003

p 334) No entanto esse outro natildeo eacute apenas o outro imediato (o destinataacuterio segundo) ldquoa palavra

avanccedila cada vez mais agrave procura da compreensatildeo responsivardquo (BAKHTIN 2003 p 334) A

constituiccedilatildeo humana para Bakhtin eacute revestida por um princiacutepio dialoacutegico que se define pela

alteridade em outras palavras pela impossibilidade de pensar o homem fora das relaccedilotildees com o

outro

152

Eacute nesse contexto das relaccedilotildees dialoacutegicas que a leitura se situa Ler eacute compreender eacute

produzir sentido eacute uma praacutetica social histoacuterica e cultural (ARENA 1992 2010b

CHARMEAUX 1997 JOLIBERT 1994 SOUZA 2004) Ler eacute dialogar com o texto eacute

questionaacute-lo eacute construir e reconstruir o texto no interior do pensamento e estabelecer relaccedilotildees

ativas e dinacircmicas com ele Durante a leitura o sujeito leva em consideraccedilatildeo o discurso do outro

que estaraacute sempre presente no seu A leitura ocorre na atividade da proacutepria liacutengua em seu uso nas

relaccedilotildees sociais na interaccedilatildeo do escritor com o leitor na palavra interna persuasiva Nessa

perspectiva ndash perspectiva defendida neste trabalho ndash a leitura eacute um objeto da cultura e como tal

precisa ser ensinada agraves crianccedilas como algo que se contraponha ao ensino da leitura de forma

estaacutetica acabada em si mesma que nada refuta nada reflete nada refrata e que reduz o discurso

escrito a um compilado de letras siacutelabas palavras e frases portanto o natildeo-discurso Quando a

crianccedila dialoga com o texto atua nele e tem uma atitude responsiva ela assume pra si o estatuto

de leitor

Segundo Jolibert (1994 p 31) ldquoa vida cotidiana estaacute cheia de oportunidades de leiturardquo e

muitos satildeo os motivos e situaccedilotildees que provocam a necessidade de ler nas crianccedilas ldquoque levam as

crianccedilas a lerem pra valerrdquo ler para responder agrave necessidade de viver com os outros para se

comunicar para descobrir as informaccedilotildees das quais se necessita para fazer (brincar construir

levar a termo um projeto-empreendimento) para alimentar o imaginaacuterio para documentar uma

pesquisa em andamento na turma Essas satildeo situaccedilotildees reais de leitura nas quais as crianccedilas satildeo

provocadas por um interesse uma necessidade criada um desejo

Jolibert (2006 p 183 grifos do autor) ao tratar do ensino e da aprendizagem da leitura

esclarece que

Ler eacute ler de saiacuteda compreensivamente desenvolvendo ndash em uma situaccedilatildeo real de

uso ndash uma intensa busca do sentido do texto [] O leitor procura desde o

iniacutecio o sentido do texto utilizando ndash para construiacute-lo ndash diferentes processos

mentais e coordenando muitos tipos de indiacutecios (contexto tipo de texto tiacutetulo

marcas gramaticais significativas palavras letras etc) Na escola ler eacute ler ldquode

verdaderdquo desde o iniacutecio textos autecircnticos completos em situaccedilotildees reais de uso

e relacionados aos projetos necessidades e desejos em pauta

Diante desses pressupostos eacute possiacutevel afirmar que as crianccedilas aprendem a ler e se

tornaratildeo leitoras se realmente estiverem motivadas se sentirem necessidade de ler de conhecer

de se expressar se tiverem disponiacuteveis agrave matildeo os escritos sociais os escritos da realidade

153

42 A leitura do gecircnero discursivo carta

Neste item seratildeo apresentados os dados e sua anaacutelise relacionados agraves situaccedilotildees de leitura

com o gecircnero discursivo carta

Como foi exposto no capiacutetulo I o trabalho pedagoacutegico com a carta iniciou-se na roda da

conversa no mecircs de abril de 2010 A coordenadora da escola em que se deu a pesquisa entregou

para as crianccedilas uma carta de uma turma de Infantil II de uma escola municipal de Educaccedilatildeo

Infantil da zona sul da mesma cidade A correspondecircncia interescolar com uma professora dessa

unidade escolar da cidade jaacute ocorria havia trecircs anos mas com as crianccedilas era a primeira vez que

participavam de um trabalho envolvendo esse gecircnero discursivo A professora da turma

correspondente apresentava em suas praacuteticas concordacircncia com as ideias da Pedagogia Freinet

Assim que a primeira carta foi recebida conversei com as crianccedilas

P Pessoal recebemos uma carta quem seraacute que escreveu

C5 Eu acho que eacute do correio

A12 Eu acho que eacute da diretora

P Mas por que a diretora nos escreveria uma carta se ela estaacute aqui na escola

C12 Ah eacute mesmo neacute Entatildeo eu natildeo sei

P Vocecircs jaacute receberam uma carta alguma vez aqui na escola

Todas Natildeo

P Algueacutem de vocecircs jaacute recebeu uma carta em casa

Todas Natildeo

P Para que vocecircs acham que algueacutem escreve uma carta para outra pessoa

C13 Hum eu acho que eacute pra contar coisas

P Quais coisas

C13 Ah eu acho que eacute pra contar coisas que a gente quer que a outra pessoa

fique sabendo

P Ah eacute

P O que mais vocecircs acham que pode ter uma carta O que pode estar escrito

nela

Todas (As crianccedilas silenciaram e estavam atentas ao envelope grande que eu

segurava nas matildeos)

C11 Que cartona que a gente recebeu neacute pro (referia-se ao tamanho e volume

do envelope)

P Sim o envelope eacute grande (deixo que as crianccedilas tambeacutem o manuseiem)

C9 Deve ter mais coisas aqui aleacutem da carta eu acho porque o envelope estaacute

gordo

C4 Eacute mesmo (a crianccedila manuseia tambeacutem o envelope e concorda com o colega

da turma)

P Hum eu acho que temos vaacuterias coisas a descobrir quem mandou a carta por

que nos mandou essa carta o que diz a carta e o que tem dentro do envelope

aleacutem da carta

Todas Eacute mesmo

154

C11 Pro acho que no envelope estaacute escrito quem mandou a carta

P E onde vocecirc acha que deve estar escrito

Todas (As crianccedilas apontam para o lado do envelope que estava voltado para

elas)

P (viro e mostro o envelope do outro lado)

C7 Eacute mesmo E agora Como eacute que a gente vai saber quem mandou a carta se

tem coisa escrita dos dois lados (do envelope)

C13 Eacute soacute a professora ler ueacute Lecirc pro leia logo porque todo mundo quer saber

o que estaacute escrito aiacute

Em seguida li para as crianccedilas os dados presentes no envelope e expliquei que para uma

carta chegar ao seu destino precisa conter os dados completos do destinataacuterio e do remetente

Mostrei no envelope os dados de quem enviara e os dados da nossa turma Expliquei que se

tratava de crianccedilas da mesma idade delas de uma escola localizada na regiatildeo sul da nossa cidade

e que se chamava ldquoTurma do Dedo Verderdquo ndash como constava no envelope ndash e que eu conhecia a

professora

Abri o envelope e orientei que ficassem agrave vontade para observarem a carta e os presentes

recebidos ndash desenhos de auto-retrato feitos pelas crianccedilas individualmente e o mapa do bairro da

escola Durante cerca de 30 minutos fizeram observaccedilotildees expressadas por meio de falas e

atitudes Provoquei-as a observar cada aspecto e fiz diversos questionamentos ldquoQuando seraacute que

foi escritardquo ldquoO que seraacute que essa turma nos contardquo As fotos a seguir trazem contribuiccedilotildees para

compreender a situaccedilatildeo de leitura descrita anteriormente e o ensino e a aprendizagem por meio

desse gecircnero discursivo

155

(Foto 1 - Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 190310)

Na foto 1 estatildeo observando a primeira carta recebida da Turma do Dedo Verde Como a

carta eacute longa com desenhos feitos pelas crianccedilas correspondentes que ilustram cada assunto

abordado por elas e por ter fotos eles se sentam dos dois lados e comentam tudo o que veem

Uma menina sentada proacutexima agrave parede em que estaacute fixado o iniacutecio aponta para algo escrito logo

abaixo de um desenho Outra garota do mesmo lado da menina observa as fotos atentamente e

entre elas duas trecircs meninos conversam entre si Quando os questiono sobre o que veem

respondem

C9 Que carta da hora neacute pro

P Vocecircs gostaram

C12 Eacute mor legal (Expressatildeo que indica ser ldquomuito legalrdquo) Parece uma carta

gigante

P E por que seraacute que a ldquoTurma do Dedo Verderdquo nos escreveu uma carta tatildeo

grande

156

C9 Ah ela deve estar falando um monte de coisas pra gente natildeo estaacute pro Eu

acho que estaacute sim

P E o que seraacute que as crianccedilas dessa turma estatildeo falando pra gente O que elas

teriam para nos contar

C5 Eu acho que elas estatildeo contando um monte de coisas que elas sabem que a

nossa turma eacute a ldquoTurma do Solrdquo acho que estatildeo falando os nomes delas no

final da carta

P Por que vocecirc acha isso

C5 Porque elas desenharam um sol bem grande logo no comeccedilo da carta e no

final tem um monte de nomes eu acho que eacute o nome delas pra gente saber

quem satildeo elas

C12 Pro lecirc logo pra gente Todo mundo quer saber

E depois de terem observado e conversado sobre suas observaccedilotildees li para as

crianccedilas a carta Ao final da leitura C1 diz

C1 A gente precisa escrever uma carta pra essa turma tambeacutem Pro Agora as

crianccedilas de laacute vatildeo ficar esperando a nossa carta

P Vocecircs concordam com C1

Todas Oba Sim

C7 A gente tambeacutem tem um monte de coisas pra contar pra elas

O relato da observaccedilatildeo da foto 1 e dos diaacutelogos com as crianccedilas antes e depois da leitura

da carta demonstram minha intencionalidade como professora no ensino da leitura e da

apresentaccedilatildeo do gecircnero discursivo carta Tal intencionalidade se revela na forma como organizo

o espaccedilo da sala o tempo para a observaccedilatildeo das crianccedilas e minha interaccedilatildeo com o gecircnero e o

suporte Tambeacutem se revela nos questionamentos desde o momento em que recebi o envelope nas

matildeos instigando-as a pensarem sobre a carta sobre a sua finalidade e sobre o seu funcionamento

como se verifica em minhas perguntas ldquoPara que vocecircs acham que algueacutem escreve uma carta

para outra pessoardquo ldquoO que mais vocecircs acham que pode ter uma cartardquo ldquoO que pode estar

escrito nelardquo ldquoHum eu acho que temos vaacuterias coisas a descobrir quem mandou a carta por que

nos mandou essa carta o que diz a carta e o que tem dentro do envelope aleacutem da cartardquo Com

esse procedimento pode-se inferir que eu como professora ensino as crianccedilas a questionarem o

texto a buscarem indiacutecios a elaborarem suas hipoacuteteses a dialogar com o texto desde o princiacutepio

e a ter uma atitude responsiva que pode ser constatada desde o iniacutecio desse processo quando uma

crianccedila depois da leitura feita por mim declara ldquoA gente precisa escrever uma carta pra essa

turma tambeacutem Pro Agora as crianccedilas de laacute vatildeo ficar esperando a nossa cartardquo

A atitude responsiva eacute percebida desde a conversa inicial da chegada da carta e marca o

caraacuteter dialoacutegico das relaccedilotildees que satildeo estabelecidas ndash da professora com as crianccedilas das crianccedilas

com a carta das crianccedilas com a linguagem e das crianccedilas com o outro com o outro real Assim

157

O ato da linguagem eacute determinante para o engendramento de aspectos

ideoloacutegicos culturais histoacutericos nas mais variadas esferas sociais tais aspectos

sobrepesam a configuraccedilatildeo e o funcionamento do ato na accedilatildeo comunicativa De

certo modo haacute paracircmetros sociais seguidos de maneira ritualiacutestica que acabam

por oferecer o arsenal de escolhas possiacuteveis para a interaccedilatildeo verbal Poder-se-ia

afirmar que essa relaccedilatildeo descrita essencialmente dialoacutegica eacute garantida ou

traduzida pelo que Bakhtin (2003) definiu como gecircnero do discurso (RIBEIRO

2010 p 55)

Pode-se dizer que desde a conversa inicial e com os diaacutelogos travados entre as crianccedilas e

eu entre as proacuteprias crianccedilas a comunicaccedilatildeo eacute feita sempre por meio de um gecircnero discursivo e

por meio desse gecircnero mais simples em sua composiccedilatildeo a professora introduz o ensino de outro

gecircnero a carta Por essa razatildeo haacute a necessidade de identificar os aspectos constitutivos do

gecircnero ndash ldquoas condiccedilotildees de sua produccedilatildeo os campos de atividade humana nos quais ele eacute

construiacutedo os possiacuteveis papeacuteis assumidos pelos participantes desse campo a sua funccedilatildeo social

(RIBEIRO 2010 p 55) ndash uma vez que ldquoateacute mesmo no bate-papo mais descontraiacutedo e livre noacutes

moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gecircnero agraves vezes padronizadas e

estereotipadas agraves vezes mais flexiacuteveis plaacutesticas e criativasrdquo (BAKHTIN 2003 p 282)

Pela conversa inicial percebe-se que as crianccedilas nunca tinham recebido elas mesmas

cartas na escola ou em casa Depois de observarem o envelope e a carta aberta na sala

reconheceram a professora como a pessoa experiente que poderia mediar a sua relaccedilatildeo com os

enunciados enviados pelas outras crianccedilas Isso se verifica ao solicitarem a leitura da carta em

diferentes momentos ldquoEacute soacute a professora ler ueacute Lecirc pro leia logo porque todo mundo quer

saber o que estaacute escrito aiacuterdquo ldquoPro lecirc logo pra gente Todo mundo quer saberrdquo

Outro aspecto relevante merece ser ressaltado C1 sugere e os demais concordam que

seja escrita uma resposta aos correspondentes e C7 acrescenta ldquoA gente tambeacutem tem um monte

de coisas pra contar pra elasrdquo Essa fala denota que a crianccedila possivelmente deseja partilhar

expressar comunicar temas e acontecimentos e com isso reafirma o processo de apropriaccedilatildeo da

linguagem escrita que como tem sido defendido neste trabalho nasce do desejo de expressatildeo do

sujeito

No ato de ler e escrever aleacutem de mobilizar o conjunto dessas funccedilotildees

intelectuais a crianccedila tambeacutem precisa ter vontade de expressar ou comunicar

alguma experiecircncia vivida ou a vontade de conhecer a experiecircncia dos outros

contadas num texto (MILLER MELLO 2008 p 6 ndash 7)

158

A

foto 2 refere-se tambeacutem a uma situaccedilatildeo de leitura da carta recebida dos correspondentes da

ldquoTurma do Dedo Verderdquo Como costumeiramente era feito antes que eu fizesse a leitura para

eles eu conversava sobre o que os correspondentes poderiam ter escrito para a Turma do Sol e

assim iam levantando suas hipoacuteteses buscando sempre novos indiacutecios e baseados nas cartas

anteriores e no diaacutelogo contiacutenuo estabelecido por meio dessa interlocuccedilatildeo faziam previsotildees

sempre confirmadas ou natildeo agrave medida que eu lia oralmente Com as sucessivas leituras que se

tornaram frequentes e com as discussotildees dos elementos constitutivos desse gecircnero discursivo as

crianccedilas comeccedilaram a estabelecer relaccedilotildees durante a audiccedilatildeo

(Foto 2 ndash Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 160510)

Nessa foto 2 as crianccedilas observam os nomes escritos ndash as assinaturas ndash dos

correspondentes e um dos garotos apontando para um dos nomes diz aos colegas

C2 Olha algueacutem escreveu o meu nome aqui

159

C13 Eacute que tem algueacutem laacute daquela turma que tem o mesmo nome que o seu

vocecirc se esqueceu Tem gente que tem o mesmo nome da gente natildeo eacute pro

P Sim haacute pessoas que tecircm o mesmo nome da gente Leia se haacute o sobrenome na

frente desse primeiro nome C2

(C2 e as outras crianccedilas sentadas ao seu lado olham atentamente para o escrito)

C2 Hum natildeo tem nada mas na proacutexima carta eu quero escrever meu nome

inteiro assim ningueacutem fica pensando que eu sou ele Vocecirc me ensina pro a

escrever meu nome inteiro

P Claro C2 assim vocecirc poderaacute escrevecirc-lo sempre que for necessaacuterio

C2 Aiacute quando elas forem ler a carta que a gente mandar e elas forem ler os

nomes de quem mandou a carta elas vatildeo saber direito que C2 que eacute

C11 Mas eu acho que elas natildeo sabem ler ainda C2

C2 Mas a professora delas pode ler pra elas igual a nossa faz e aiacute elas tambeacutem

vatildeo aprendendo

Por meio da observaccedilatildeo e leitura da carta pode-se perceber que as crianccedilas estabelecem

relaccedilotildees com a escrita e com o outro e que essas relaccedilotildees provocam outras aprendizagens como

se verifica nessa fala de C2 ldquo mas na proacutexima carta eu quero escrever meu nome inteiro assim

ningueacutem fica pensando que eu sou ele Vocecirc me ensina pro a escrever meu nome inteirordquo

Nessa fala pode-se inferir tambeacutem que as crianccedilas percebem a minha mediaccedilatildeo como professora

nesse processo de apropriaccedilatildeo da leitura e eu as instigo frequentemente a buscar elementos que

possam pensar sobre o que veem e ouvem ldquoSim haacute pessoas que tecircm o mesmo nome da gente

Leia se haacute o sobrenome na frente desse primeiro nome C2rdquo A professora ao questionar e a

ensinar a questionar o texto ao criar situaccedilotildees de leitura em que interajam e dialoguem com o

escrito permite que criem para si necessidades para ler e para escrever assim como nesta fala

ldquoAiacute quando elas forem ler a carta que a gente mandar e elas forem ler os nomes de quem mandou

a carta elas vatildeo saber direito que C2 que eacuterdquo Ou ainda quando C11 diz ldquoMas eu acho que elas

natildeo sabem ler ainda C2rdquo e C2 responde ldquoMas a professora delas pode ler pra elas igual a nossa

faz e aiacute elas tambeacutem vatildeo aprendendordquo

Dos discursos proferidos pelas crianccedilas nessa situaccedilatildeo de leitura ressalta o papel do

sentido nas relaccedilotildees que os sujeitos estabelecem com o mundo que aos poucos conhece e nas

aprendizagens que gradativamente faz Leontiev (1981) afirma que o conhecimento eacute

indubitavelmente fator de desenvolvimento e humanizaccedilatildeo no processo ontogeneacutetico mas

ressalta que para que o conhecimento eduque eacute preciso antes educar no sujeito sua atitude em

relaccedilatildeo ao conhecimento (LEONTIEV 1981)

Leontiev (1981) ao abordar sobre a formaccedilatildeo da atitude frente ao conhecimento se refere

ao sentido que as crianccedilas atribuem aos objetos da cultura com os quais se defrontam ao longo da

160

infacircncia ldquoEsse sentido condiciona toda relaccedilatildeo que estabelecem com esses objetos a partir de

entatildeo ndash num processo dinacircmico de formaccedilatildeo e desenvolvimento de sentido - em outras palavras

condiciona a atitude da crianccedila frente a esses objetosrdquo (MELLO 2011 p 2) Disso decorre que

essa atitude da crianccedila constitui-se como uma resposta sua ao objeto ldquosua atitude depende do que

o objeto significa para ela como ela o entende como o objeto a afeta e quanto a afetardquo (MELLO

2011 p 2) Para Leontiev (1981 p 234 traduccedilatildeo nossa) o sentido eacute ldquoesse aspecto da consciecircncia

do indiviacuteduo determinado por suas relaccedilotildees vitais proacutepriasrdquo 17

Em outras palavras a atitude das

crianccedilas frente aos objetos condicionada pelo que eles significam para elas natildeo eacute algo que se

ensina como um produto mas eacute elemento da consciecircncia que se forma como um processo Com

base nessas afirmaccedilotildees no processo de ensino e de aprendizagem o planejamento intencional das

situaccedilotildees de leitura a organizaccedilatildeo do tempo e do espaccedilo destinado a isso a mediaccedilatildeo do

professor e principalmente as relaccedilotildees que satildeo estabelecidas com esse objeto cultural contribuem

para que as crianccedilas atribuam um sentido para a leitura e para a sua atitude de aprender a ler

Ainda que o sentido seja formado intencionalmente na escola o sentido que uma crianccedila

atribui a um objeto ldquonatildeo se ensina se educardquo18

(LEONTIEV 1981 p 234 traduccedilatildeo nossa) se

constitui como produto das relaccedilotildees estabelecidas com os objetos da cultura histoacuterica e

socialmente elaborada

Podemos dizer que a intencionalidade do outro nesse aprender precisa considerar

as relaccedilotildees reais que as crianccedilas estabelecem com os objetos da cultura na escola

e a complexidade desse processo de atribuiccedilatildeo de sentido pelas crianccedilas

(MELLO 2011 p 2)

Desse modo as situaccedilotildees vivenciadas e as relaccedilotildees estabelecidas com o gecircnero com os

interlocutores e com a escrita criam atitudes positivas diante do conhecimento necessidade de

saber de aprender

Outra situaccedilatildeo de leitura de carta eacute apresentada para se compreender o processo de

apropriaccedilatildeo de leitura por meio do gecircnero carta Com o objetivo de ampliar as experiecircncias para

que compreendessem todo o processo de emissatildeo e de recepccedilatildeo da correspondecircncia fiz com elas

uma aula-passeio agrave agecircncia central dos Correios As aulas-passeio satildeo tambeacutem uma das teacutecnicas

17

Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV1981 p 234) [] que aquel aspecto de la conciencia del individuo

determinado por sus relaciones vitales propias es el sentido 18

Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV1981 p 234) El sentido no se ensentildea el sentido se educa

161

da Pedagogia Freinet Satildeo saiacutedas ao ar livre ndash aulas de campo ndash que oportunizam maior contato

com o proacuteprio meio permitindo descobertas que motivam a re-criaccedilatildeo dos textos livres

Antes de postarem a carta aos correspondentes ndash pesaram verificaram o valor e fizeram o

pagamento da taxa Em seguida foram conhecer por meio de um responsaacutevel a parte interna e o

trabalho dos funcionaacuterios Em meio a conversas e explicaccedilotildees de um monitor que nos

acompanhavam nesse passeio trecircs crianccedilas pararam numa caixa em que as correspondecircncias jaacute

estavam separadas para que o carteiro fizesse a entrega

(Foto 3 - Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 010610)

C7 Olha C6 que carta linda Acho que eacute uma carta de amor (as crianccedilas riem)

C6 Por que vocecirc acha isso

C7 Porque tem um monte de adesivos de coraccedilatildeo grudados no envelope e o

envelope eacute vermelho

C13 Ah mas pode ser uma carta de amigas ou de amigos

C7 Hum natildeo parece parece de amor

C13 Daacute pra ler quem mandou (C13 lecirc o nome do destinataacuterio) eacute nome de

homem

C6 Ih mas e quem que estaacute mandando A gente precisava saber

C13 Nem precisa olha aqui (aponta com o dedo indicador direito) estaacute

escrito aqui em cima ldquoPara o meu amorrdquo (as crianccedilas riem novamente)

162

A anaacutelise da foto e dos dados apresentados pela conversa entre as crianccedilas denota que ao

criar necessidades de leitura o interesse por ler se manifesta em diferentes situaccedilotildees e que se

aprende a ler em situaccedilotildees reais (JOLIBERT 1994 2006)

Quando as cartas satildeo redigidas e os envelopes satildeo preenchidos as crianccedilas

entram em contato com modelos convencionais de escrita [] Como se pode

perceber com esse tipo de texto escrito as crianccedilas tecircm oportunidade de se

apropriar de conteuacutedos culturais dos quais necessitaraacute para inserir-se no processo

de comunicaccedilatildeo com outras pessoas Isso inclui natildeo soacute saber qual a funccedilatildeo da

carta como eacute o seu tracircnsito de pessoa a pessoa quanto custa esse tracircnsito mas

tambeacutem quais os recursos de escrita satildeo necessaacuterios para que esse veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo se concretize o que implica a assimilaccedilatildeo de certos conceitos

envolvidos nesse processo (MILLER MELLO 2005 p 13 ndash 14)

Na situaccedilatildeo analisada as crianccedilas levantam suas hipoacuteteses para saber se se trata de uma

carta de amor por meio dos questionamentos que fazem no escrito do envelope e de outros

elementos natildeo verbais como os adesivos de coraccedilatildeo e a cor No processo inicial de apropriaccedilatildeo

da leitura as crianccedilas buscam indiacutecios no envelope para descobrirem informaccedilotildees e realizarem a

leitura Quanto a isto ressalta-se que

A interpretaccedilatildeo de um signo natildeo pode coincidir somente com sua identificaccedilatildeo

mas tambeacutem requer compreensatildeo ativa O sentido de um signo consiste em algo

mais no que diz respeito aos elementos que permitem seu reconhecimento Eacute

feito desses aspectos semacircntico-ideoloacutegicos que satildeo em certo sentido uacutenicos

que tem algo de peculiar e de indissoluvelmente ligado ao contexto situacional

da semiose A compreensatildeo do signo eacute uma compreensatildeo ativa pelo fato de que

requer uma resposta uma tomada de posiccedilatildeo nasce de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e

provoca uma relaccedilatildeo dialoacutegica vive como resposta a um diaacutelogo (PONZIO

2011 p 186 ndash 187)

Ao considerar esses pressupostos pode-se inferir que as crianccedilas tecircm uma atitude

responsiva uma atitude leitora uma vez que observam os elementos presentes no envelope

fazem inferecircncias questionam opinam dialogam com os dados percebidos e elaboram uma

contrapalavra Ao compreenderem os signos participam de uma compreensatildeo ativa

A situaccedilatildeo a seguir denota o caraacuteter dialoacutegico das crianccedilas com o gecircnero carta e seus

elementos constitutivos

163

Numa tarde antes das crianccedilas chegarem agrave escola afixei na parede da sala de aula em que

estavam outros textos de diferentes gecircneros ndash receita poesia carta histoacuteria em quadrinhos conto

ndash uma carta diferente das outras recebidas de nossos correspondentes escrita em uma uacutenica folha

de sulfite recebida por e-mail de uma amiga geoacutegrafa em resposta a uma pergunta feita pelas

crianccedilas em nossas pesquisas sobre um fenocircmeno que ocorre no Oriente chamado ldquoSol da meia-

noiterdquo Assim que chegou o e-mail o imprimi e o levei para as crianccedilas Natildeo fiz nenhum

comentaacuterio inicialmente e aguardei que observassem e se manifestassem Enquanto

organizaacutevamos o espaccedilo da sala de aula como costumeiramente faziacuteamos duas crianccedilas

perceberam o novo texto na parede e me perguntaram

C6 Ocirc pro foi vocecirc quem colocou isso aqui (refere-se ao novo texto afixado)

P Sim fui eu O que acharam

C13 Hum isso aqui estaacute me cheirando uma carta

P E por que vocecirc acha que eacute uma carta

C13 Porque logo aqui em cima no comeccedilo acho que estaacute escrito ldquoProfessora G e

Turma do Solrdquo (referia-se agrave saudaccedilatildeo ou cumprimento) aiacute depois tem umas

coisinhas escritas uma mensagem Natildeo eacute uma mensagem Eu acho que eacute

simparece (silencia por alguns instantes e seus olhos movimentam-se em

direccedilatildeo ao escrito como se estivesse a ler) e depois dessas coisas escritas tem

uma despedida Olha soacute Aqui estaacute escrito ldquoAbraccedilos amigosrdquo

P Mas natildeo tem a data de quando foi escrita a carta

C6 Tem que ter neacute professora

P Onde estaacute

C13 e C6 observam atentamente direcionam o olhar por toda a folha e depois de

alguns instantes C13 diz

C13 Achei Ela estaacute aqui oacute (aponta com o dedo indicador na folha) eacute que eacute a

data econocircmica (refere-se a data abreviada registrada somente com nuacutemeros ndash

dia mecircs e ano)

P Sim eacute verdade Mas se eacute uma carta quem a escreveu

C13 Hum ah (volta a dirigir o olhar por toda a folha pensa silencia e diz)

C13 Jaacute sei eacute esse nome que estaacute aqui debaixo dos ldquoabraccedilos amigosrdquo (aponta

com o dedo indicador direito o nome encontrado) olha e eacute igual ao nome da

PA (refere-se a coordenadora da escola)

P Realmente eacute igual ao nome da PA

C13 Natildeo falei que eacute uma carta

Com o contato frequente com cartas com as situaccedilotildees de leitura vivenciadas por meio

desse gecircnero e com as relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas pode-se dizer que as crianccedilas natildeo

somente identificam os elementos que a compotildeem ndash conteuacutedo temaacutetico construccedilatildeo

164

composicional e estilo (BAKHTIN 2003) ndash mas compreendem o seu funcionamento e a sua

dinacircmica

C13 ao observar o novo texto afixado na parede revela logo de iniacutecio antes da leitura a

ser feita pela professora sua hipoacutetese de que se trata de uma carta ao dizer ldquoHum isso aqui estaacute

me cheirando uma cartardquo Ao tentar responder agraves perguntas da professora e orientada por seu

interesse e necessidade em saber que texto eacute esse que se apresenta ela lecirc o texto e ao dialogar

com ele encontra as respostas ao perceber a construccedilatildeo composicional vinculada com a forma

arquitetocircnica determinada pelo projeto enunciativo do locutor que natildeo se confunde com uma

forma riacutegida porque pode se alterar de acordo os projetos enunciativos (SOBRAL 2009) Em

outras palavras a crianccedila percebe que eacute uma carta ainda que esse gecircnero natildeo tenha se

apresentado na forma costumeira elaborada recebida pelos correspondentes

Pode-se inferir que a crianccedila ao analisar o texto tambeacutem percebe o estilo um aspecto do

gecircnero que indica fortemente sua mutabilidade ldquopois eacute a um soacute tempo expressatildeo da comunicaccedilatildeo

discursiva especiacutefica do gecircnero e expressatildeo pessoal mas natildeo subjetiva do autor ao criar uma

nova obra no acircmbito de um gecircnerordquo (SOBRAL 2009 p 119) Os dados tambeacutem revelam que a

crianccedila percebe o conteuacutedo temaacutetico ou tema elemento esse que natildeo se confunde com ldquoassuntordquo

uma vez que pode se falar de um determinado assunto e ter outro tema (SOBRAL 2009 p 119)

Esses elementos satildeo percebidos quando reconhece cada parte mesmo que a data por exemplo

tambeacutem esteja escrita soacute em nuacutemeros (dia mecircs e ano) e natildeo por extenso (nome da cidade dia

mecircs e ano) como as crianccedilas costumam ler e escrever nas cartas recebidas e enviadas ainda que

natildeo esteja logo no iniacutecio mas no rodapeacute da folha impressa uma vez que ateacute aquele momento natildeo

tinham tido acesso a e-mails e por conseguinte natildeo utilizavam ou participavam desse tipo de

suporte do gecircnero conhecido em outro o papel no interior de um envelope

A crianccedila aponta que depois da saudaccedilatildeo haacute uma mensagem e aparenta esforccedilo para ler

possivelmente porque as explicaccedilotildees dadas pela geoacutegrafa traziam termos natildeo antes vistos ou

sabidos pela crianccedila sobre o fenocircmeno ldquoSol da meia-noiterdquo que posteriormente foi pesquisado

Esse fato revela o estilo da autora do texto que ao abordar um assunto ateacute aquele momento

desconhecido escreve de uma forma peculiar dentro de sua escolha e de sua condiccedilatildeo

profissional na elucidaccedilatildeo das informaccedilotildees abordadas Outro aspecto relevante eacute que a hipoacutetese

da crianccedila desde o comeccedilo eacute de que o texto se tratava de uma carta e a reconhece no meio de

165

vaacuterios outros textos de outros gecircneros discursivos tambeacutem afixados na parede junto a esse ndash

poesia receita conto entrevista

Com a anaacutelise do dado apresentado ressalta-se que ldquoo texto exibe indiacutecios (ou marcas) de

gecircnero de modo imediato mas natildeo de maneira transparente e a discursividade eacute assim uma

mediaccedilatildeo constitutiva entre gecircnero e texto ou seja o discurso eacute mobilizado pelo gecircnero e

mobiliza o textordquo (SOBRAL 2010 p 15) Por meio do trabalho intencional de leitura da carta e

das relaccedilotildees que a crianccedila estabelece com ela com seus elementos constitutivos e com o outro a

crianccedila eacute capaz de se apropriar gradativamente do gecircnero e dos modos de operar com a escrita

43 A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida

As situaccedilotildees de leitura analisadas a seguir correspondem ao gecircnero discursivo relatos de

vida relacionados aos fatos vividos pelas crianccedilas escritos no livro da vida um compilado de

textos produzidos pelas crianccedilas que conta o que se passa na vida do grupo Eacute uma teacutecnica

Freinet voltada para o trabalho com a leitura e a escrita mas que apresenta antes de tudo uma

preocupaccedilatildeo em permitir que as crianccedilas expressem suas ideias impressotildees sensaccedilotildees

sentimentos opiniotildees Trata-se de um livro de registros escritos e desenhados dos acontecimentos

mais relevantes ocorridos no dia da turma Satildeo vivecircncias cotidianas expressatildeo de acontecimentos

reais que a marcaram de alguma forma

Os registros no livro da vida iniciaram-se no mecircs de marccedilo de 2010 Expliquei na roda da

conversa o seu funcionamento alguns dos textos criados seriam de toda a turma ndash textos criados

coletivamente com as experiecircncias de todo o grupo ndash e outros poderiam ser escritos

individualmente conforme quisessem ou sentissem a necessidade de fazecirc-lo Essa teacutecnica

Freinet aleacutem de ser utilizada para gerar dados tambeacutem faz parte do contexto em que o meu

trabalho pedagoacutegico como professora pesquisadora se realizou Todos os textos escritos e lidos

tornam-se materiais de leitura e ficam expostos na sala para consulta assim como as

correspondecircncias e outros materiais produzidos por elas ou natildeo como jornais livros gibis

revistas infantis enciclopeacutedias folhetos mapas O livro da vida tambeacutem eacute lido pelos pais quando

participam das reuniotildees pelos funcionaacuterios da escola quando se sentem instigados para saber dos

registros comentados pelas crianccedilas em situaccedilotildees diversas e pelos correspondentes da turma por

ocasiatildeo da visita ou ainda pelas proacuteprias cartas enviadas A situaccedilatildeo de leitura de relato de vida

166

analisada a seguir traz diferentes aspectos sobre a relevacircncia desse gecircnero discursivo na formaccedilatildeo

de leitores e re-criadores de textos

Em comemoraccedilatildeo ao dia das matildees e com o trabalho de correspondecircncia jaacute iniciado com a

turma fiz com as crianccedilas uma aula-passeio ao correio quando puderam conhecer o processo de

envio postagem e recebimento de cartas escritas para as suas matildees com seus desenhos a elas

dedicados Ao voltarmos na escola C13 propocircs que escrevecircssemos nossa aula passeio no livro da

vida Terminado o texto fiz a sua leitura oral

Mariacutelia 29 de abril de 2010

Hoje a nossa turma fez um passeio no Correio junto com a turma da

professora L e por isso a gente veio no periacuteodo da manhatilde para a escola

A gente foi de ocircnibus e viu um monte de coisas no caminho Eacute super legal

andar de ocircnibus

A gente foi ao Correio levar as cartinhas que a gente escreveu para as

nossas matildees

Laacute no Correio o moccedilo que ficava recebendo as cartas deixou cada um

colar o selo na sua proacutepria carta e depois ele carimbava

A gente levou dinheiro para pagar o selo e ainda sobrou troco

Depois a gente conheceu o Correio todo e o moccedilo que trabalha laacute explicou

como eacute que as cartas chegam ao lugar que a gente quer

A gente conversou com os carteiros e viu eles separando as

correspondecircncias

Todo mundo gostou do passeio

Turma do Sol ndash Infantil II

Depois da leitura do texto conversei com as crianccedilas sobre o que eu havia transmitido a

eles oralmente

P Pessoal haacute alguma coisa a mais que vocecircs gostariam de colocar nesse texto

C1 Hum acho que natildeo pro mas toda hora repete a gente

P Vocecircs concordam com C1

Todas (ningueacutem faz comentaacuterio)

P Bem eu vou ler novamente o texto e vocecircs me falam se vocecircs acham que C1

tem razatildeo tudo bem

Todas (Todas concordam)

Terminada a segunda leitura pergunto

P O que vocecircs acham

C13 Nossa pro eacute verdade toda hora a gente escreveu a gente

P E o que podemos fazer para o nosso texto ficar melhor e natildeo repetir tanto a

gente

167

C13 A gente pode trocar a gente por ldquonoacutesrdquo eacute a mesma coisa natildeo eacute Aiacute natildeo fica

toda hora falando do mesmo jeito

P Sim eacute uma boa ideia Faremos isso no texto de amanhatilde

C5 Pro eacute muito legal ler as coisas do livro da vida neacute

P Eacute E por que vocecirc acha legal

C5 Porque a gente pode contar coisas bem legais a gente pode escrever as

coisas aiacute e todo mundo vai poder ler qualquer hora Vocecirc deixa minha matildee ler

quando ela vier na reuniatildeo (refere-se agrave leitura do livro da vida pela matildee na

ocasiatildeo da Reuniatildeo de Pais e Mestres na escola)

P Claro que sim seus pais e quem mais quiser (e todas as demais crianccedilas

pediram para que eu deixasse seus familiares tambeacutem lerem)

O livro da vida eacute a documentaccedilatildeo do dia a dia da turma e o relato de vida emerge dessa

situaccedilatildeo de realizar essa documentaccedilatildeo Na anaacutelise da situaccedilatildeo descrita a crianccedila parece se

reconhecer como sujeito desse processo em que vive e que registra sua proacutepria histoacuteria Agrave medida

que faz isso tambeacutem interage com a liacutengua e percebe gradativamente seu funcionamento como

se verifica nessa fala de C1 quando questiono sobre a leitura do texto produzido ldquoHum acho

que natildeo pro mas toda hora repete a genterdquo ou ainda na fala de C13 ldquoNossa pro eacute verdade toda

hora a gente escreveu a genterdquo e ainda propotildee ldquoA gente pode trocar a gente por noacutes eacute a mesma

coisa natildeo eacute Aiacute natildeo fica toda hora falando do mesmo jeitordquo

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que C13 aparenta se reconhecer e reconhecer o grupo

como re-criador do texto lido uma vez que afirma terem escrito o texto mesmo que tenham tido a

professora como escriba dos enunciados das ideias Isso se apresenta na mesma fala ldquoNossa pro

eacute verdade toda hora a gente escreveu a genterdquo

Por se sentirem sujeitos desse processo as crianccedilas criam para si a necessidade de ler e de

escrever de se apropriarem desse instrumento cultural Colocam-se em situaccedilatildeo real de uso da

leitura e da escrita e sabem que a produccedilatildeo escrita seraacute lida por outra pessoa um destinataacuterio real

Ao se utilizar relato de vida conquistam a sua autonomia porque dizem coisas que vivem que

ouvem que experimentam e o registro escrito das conversas das vivecircncias e das histoacuterias das

crianccedilas eacute uma forma de contato com o gecircnero discursivo Por ele retomam o sentido histoacuterico de

registro da comunicaccedilatildeo

Na situaccedilatildeo apresentada pode-se inferir que as crianccedilas reconhecem a leitura como uma

forma de expressatildeo de dizer de contar coisas de comunicar de informar e de se informar A

teacutecnica livro da vida constitui e caracteriza o relato de vida agrave medida que o livro da vida ldquoeacute (ou

tenta ser) um relato e a marca do que acontece do que se vive se diz se realiza no decorrer dos

diasrdquo (GROUPE MATERNEL LIEGEOIS sd p 15) Desse modo o fato de a crianccedila pedir agrave

168

professora que deixe sua matildee ler o livro por ocasiatildeo da reuniatildeo de pais denota que reconhecem a

leitura como uma forma de expressatildeo humana de partilhar informaccedilotildees e que teratildeo a garantia de

que os escritos seratildeo socializados em outras palavras que os escritos seratildeo lidos por outros

(outras crianccedilas os pais durante as reuniotildees a proacutepria professora pelos funcionaacuterios ou pelos

correspondentes na ocasiatildeo dos encontros entre as turmas) e que a livre expressatildeo eacute e seraacute

privilegiada

Pode-se dizer que o relato de vida eacute um gecircnero primaacuterio (BAKHTIN 2003) uma vez que

os gecircneros primaacuterios satildeo os gecircneros da vida cotidiana ldquoSatildeo predominantemente mas natildeo

exclusivamente orais Pertencem agrave comunicaccedilatildeo verbal espontacircnea e tem relaccedilatildeo direta com o

contexto mais imediatordquo (FIORIN 2006 p 70) Por isso os gecircneros primaacuterios correspondem a

um espectro diversificado da atividade linguiacutestica humana relacionada com os discursos da

oralidade em seus mais variados niacuteveis (do diaacutelogo cotidiano ao discurso didaacutetico filosoacutefico ou

sociopoliacutetico) (MACHADO 2005 p 144)

Com relaccedilatildeo agrave leitura do gecircnero discursivo relato de vida eacute apresentada outra situaccedilatildeo

C1 ao se dirigir a mim no local em que as crianccedilas satildeo recepcionadas diariamente ndash no galpatildeo

entregou-me uma folha com um desenho e algumas coisas escritas Quando perguntei do que se

tratava respondeu

C1 Pro eu fiz esse desenho ontem na minha casa e eu trouxe para vocecirc pocircr no

livro da vida Eu contei tudinho pra minha matildee ontem o que noacutes pesquisamos

sobre o Sol e eu pedi pra minha matildee escrever Aiacute depois eu desenhei e trouxe

para vocecirc por no livro da vida pra todo mundo ler

P Que bom C1 Mas acho que podemos primeiro contar no livro da vida por

que vocecirc teve essa ideia para que todo mundo possa entender o desenho e as

coisas que a sua matildee escreveu O que vocecirc acha E entatildeo colamos essa folha

nele tambeacutem

C1 Estaacute bom pro Mas vocecirc pode ler pra todo mundo porque quase ningueacutem da

nossa turma sabe ler neacute

(Situaccedilatildeo observada e registrada no dia 120510)

Dirigi-me para a sala e depois de negociado na roda o nosso plano de trabalho do dia as

crianccedilas realizavam uma tarefa de pintura enquanto C1 produzia o texto que ao terminar foi lido

para toda a turma bem como o escrito com o desenho que foi afixado no livro da vida

169

Mariacutelia 12 de maio de 2010

A nossa turma se chama Turma do Sol e a gente aprendeu um monte de

coisas sobre ele

Aiacute eu cheguei em casa e contei pra minha matildee o que eu aprendi na escola

e pedi pra ela escrever num papel agrave noite

Quem ler o que a minha matildee escreveu no papel vai saber um monte de

coisas sobre o Sol tambeacutem

C1

170

(Desenho trazido por C1 com observaccedilotildees escritas por sua matildee ndash 120510)

171

Por meio da leitura do texto de C1 e do desenho com o registro escrito das explicaccedilotildees

que dera a sua matildee eacute possiacutevel inferir que C1 percebe a escola como o lugar da cultura mais

elaborada (MELLO 2010) em outras palavras como um lugar em que a crianccedila se apropria da

cultura humana do conhecimento e das formas mais elaboradas da cultura uma vez que ao

pesquisar na escola informaccedilotildees sobre o Sol ndash pesquisa decorrente do nome da turma ndash solicita agrave

matildee mais informaccedilotildees aleacutem do que pesquisara com a professora e os colegas Segundo Davidov

(1988 p 57) quando analisamos os processos de educaccedilatildeo de ensino temos a reproduccedilatildeo e a

apropriaccedilatildeo das capacidades construiacutedas historicamente como ponto central e este movimento eacute

gerador do desenvolvimento psiacutequico do homem

Eacute possiacutevel perceber ainda que a matildee ao atender a solicitaccedilatildeo da filha preocupa-se em

escrever exatamente da forma como a crianccedila disse e resguarda assim a historicidade desse

momento por meio da escrita Na tentativa de supostamente materializar esse conhecimento e de

atribuir a ele um valor leva esse registro para a escola e o incorpora ao seu relato de vida

partilhado por toda a turma no momento da leitura oral C1 reconhece a professora como o adulto

que pode fazer a mediaccedilatildeo quando C1 diz ldquoMas vocecirc pode ler pra todo mundo porque quase

ningueacutem da nossa turma sabe ler neacuterdquo Ler para C1 eacute uma forma de comunicar de se expressar

de informar de estabelecer relaccedilotildees ldquoQuem ler o que a minha matildee escreveu no papel vai saber

um monte de coisas sobre o Sol tambeacutemrdquo

A seguir eacute apresentada outra situaccedilatildeo de leitura do relato de vida

Numa tarde enquanto as crianccedilas faziam uma tarefa C7 terminou rapidamente a tarefa e

solicitou-me para que eu escrevesse com ela no livro da vida Disse-me que queria muito que

ficasse escrito o que ela ia contar Desse modo atendi a sua solicitaccedilatildeo

Mariacutelia 4 de junho de 2010

Amanhatilde eu vou viajar para Aparecida do Norte com a minha matildee e com o

meu pai Meus irmatildeos tambeacutem vatildeo

Noacutes vamos viajar de ocircnibus e a minha matildee vai levar a Santinha pra laacute

Eu vou ter que escovar os dentes no posto de gasolina porque em

Aparecida natildeo tem banheiro

A minha matildee vai levar aacutegua refrigerante e bolacha Vai levar tambeacutem

talquinho pra eu ficar bem cheirosinha Vai ser bem legal

C7

172

Ao terminar o relato natildeo foi possiacutevel fazer a leitura dele no mesmo momento como de

costume porque o horaacuterio havia acabado e deveriacuteamos reorganizar a sala para que outra

professora pudesse entrar com sua turma Dirigi-me com as crianccedilas para o tanque de areia e por

isso natildeo houve a possibilidade de fazer a leitura do texto produzido por C7 agraves outras crianccedilas

naquele local e naquele dia

No dia seguinte enquanto todas as crianccedilas brincavam com jogos de construccedilatildeo C6 se

retira do grupo no qual brincava se dirige ao fundo da sala pega o livro da vida e passa cerca de

vinte minutos a observar somente o registro feito por C7 no dia anterior Em seguida coloca

novamente o livro no local em que o encontrara e se dirige a mim

C6 Pro C7 foi hoje para Aparecida do Norte neacute Por isso que ela faltou na

escola

P Como eacute que vocecirc sabe disso Ela te contou

C6 Natildeo eu li agora no livro da vida Eacute verdade que laacute em Aparecida natildeo tem

banheiro

P Tem sim eacute preciso ter porque muitas pessoas vatildeo laacute visitar

C6 Ueacute mas C7 disse que vai ter que ir no banheiro do posto de gasolina Hum

acho que eacute por isso que ela escreveu que a matildee dela vai levar talquinho pra ela

ficar bem cheirosinha porque se natildeo tem banheiro natildeo vai dar para tomar

banho Eacute pro eu sei porque eu li tudo tudo mesmo

Pela anaacutelise do dado apresentado pode-se inferir que as falas de C6 revelam a concepccedilatildeo

de leitura defendida neste trabalho a de leitura como interlocuccedilatildeo como compreensatildeo como

produccedilatildeo de sentido (ARENA 1992 2010b CHARMEAUX 1997 JOLIBERT 1994 SOUZA

2004) a leitura como lugar de encontro com a palavra alheia como diaacutelogo que requer uma

atitude responsiva (BAKHTIN 1992 2003)

C6 compreende o que a colega escreveu e sua atitude responsiva a essa leitura se verifica

na conversa que estabelece com a professora e com as relaccedilotildees que estabelece com o texto ao

dizer que sabe que C7 viajara para a cidade de Aparecida do Norte e que por tal razatildeo natildeo

comparecera agrave aula naquele dia Outro indiacutecio dessa atitude responsiva se revela no fato de C6

perguntar se nessa cidade natildeo teria banheiro porque C7 escrevera que usaria o banheiro do posto

de combustiacuteveis aleacutem do fato de a matildee de C7 ter de levar talquinho para que ela ficasse

cheirosinha

Essa atitude responsiva atitude leitora eacute demonstrada ateacute mesmo quando C6 toma a

iniciativa de recorrer ao livro da vida para ler o que fora escrito pela colega sem que a professora

173

o fizesse uma vez que no dia anterior ndash momento em que C7 produziu o texto ndash natildeo foi possiacutevel

devido ao tempo que a professora realizasse a leitura para a turma como costumeiramente era

feito C6 provocada por uma necessidade criada faz a leitura sem a mediaccedilatildeo direta sem

oralizaccedilatildeo dialogando com o texto A crianccedila participa desse ato comunicativo como

interlocutora ativa e compreende o que C7 escrevera porque participa do contexto situacional

Desse modo

Compreender eacute participar de um diaacutelogo com o texto mas tambeacutem com seu

destinataacuterio uma vez que a compreensatildeo natildeo se daacute sem que entremos numa

situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e ainda com outros textos sobre a mesma questatildeo Isso

quer dizer que a leitura de uma obra eacute social mas tambeacutem individual Na medida

em que o leitor se coloca como participante do diaacutelogo que se estabelece em

torno de um determinado texto a compreensatildeo natildeo surge da sua subjetividade

Ela eacute tributaacuteria de outras compreensotildees Ao mesmo tempo como o leitor

participa desse diaacutelogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material

uma resposta ativa sua leitura eacute singular (FIORIN 2006 p 6)

Pode-se inferir ainda que C6 realiza a leitura do texto com responsividade porque

tambeacutem conhece o gecircnero discursivo relato de vida e seus elementos constitutivos dessa forma

gera sentido quando lecirc

O gecircnero somente ganha sentido quando se percebe a correlaccedilatildeo entre formas e

atividades Assim ele natildeo eacute um conjunto de propriedades formais isolado de

uma esfera de accedilatildeo que se realiza em determinadas coordenadas espaccedilo-

temporais na qual os parceiros da comunicaccedilatildeo manteacutem certo tipo de relaccedilatildeo

Os gecircneros satildeo meios de apreender a realidade (FIORIN 2006 p 69)

Ao considerar esses pressupostos pode-se dizer que C6 realizou a leitura do texto de C7

porque faz parte do contexto situacional em que ocorreu a enunciaccedilatildeo conhece o gecircnero relato de

vida por participar com frequecircncia de situaccedilotildees de leitura e de escrita que envolvem esse gecircnero

e por estabelecer relaccedilotildees com as especificidades que ele apresenta como o registro de

acontecimentos do cotidiano das crianccedilas da turma da qual faz parte Nessa situaccedilatildeo apresentada

C6 demonstra que se apropria da leitura que consegue pensar o escrito que eacute leitora embora

iniciante e por isso participa da cultura escrita

Esse registro permite inferir que a apropriaccedilatildeo da leitura pela crianccedila se ampliou porque

ela esteve em contato frequente com uma praacutetica de leitura intencional planejada e dialoacutegica

174

Essa crianccedila desde o iniacutecio do trabalho proposto de leitura e de escrita de diferentes gecircneros

participou ativamente contudo nessa situaccedilatildeo especiacutefica denotou que sua apropriaccedilatildeo da leitura

ocorreu por meio dos gecircneros discursivos os quais vivenciou e estabeleceu relaccedilotildees intensas ao

confirmar ldquoEacute pro eu sei porque eu li tudo tudo mesmordquo A apropriaccedilatildeo da liacutengua por meio dos

gecircneros discursivos estaacute em concordacircncia com Freinet ao esclarecer que

A crianccedila sabe ler sem exerciacutecio de leitura Sabe ler porque reconhece sob o

grafismo manuscrito ou impresso o pensamento que laacute fora depositado eacute como

se ouvisse agrave distacircncia a palavra dos ausentes ou afastada no tempo a dos

mortos Que importa se ainda natildeo eacute capaz de ler correctamente e em voz alta Se

isso natildeo passa afinal de contas de um exerciacutecio fastidioso e quase

soberanamente inuacutetil que a Escola sempre tem iccedilado ao niacutevel de uma

necessidade porque eacute impotente para avaliar a compreensatildeo muda (FREINET

1969 p 57)

De acordo com estes pressupostos pode-se dizer que C6 se apropria da leitura da liacutengua

porque atua nela percebe seu funcionamento estabelece diaacutelogo com o escrito sem ter que

participar de exerciacutecios de leitura de repeticcedilotildees orais de letras siacutelabas e palavras de fazer

locuccedilotildees de oralizar por oralizar

No proacuteximo item desse capiacutetulo seratildeo apresentadas e analisadas situaccedilotildees de leitura com

o gecircnero discursivo notiacutecias de jornal por meio do jornal escolar

44 A leitura do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal

A tira acima ilustra possivelmente leitores de jornal que direcionam sua leitura a

diferentes partes do jornal e a diferentes gecircneros discursivos ndash do qual o jornal eacute portador ndash de

acordo com suas necessidades preferecircncias e interesses

175

A notiacutecia de jornal natildeo eacute um gecircnero comumente abordado na Educaccedilatildeo Infantil com as

crianccedilas pequenas como os contos de fada e as faacutebulas por exemplo como pode se verificar pela

anaacutelise dos dados no capiacutetulo II e especiacuteficamente com as crianccedilas da presente pesquisa Os

dados analisados neste trabalho foram gerados por meio de um trabalho intencional de leitura e

escrita de notiacutecias por meio da teacutecnica Freinet jornal da turma e da leitura de jornal da cidade e

de um nacional O jornal da turma eacute um jornal produzido e editado de forma cooperativa pelas

crianccedilas Eacute constituiacutedo de falas curiosidades e opiniotildees sobre suas vivecircncias e descobertas As

informaccedilotildees trazidas e discutidas principalmente na roda da conversa satildeo transformadas em

notiacutecias do jornal do grupo Segundo Freinet (1974 p 85) ldquoo jornal escolar eacute um inqueacuterito

permanente que nos coloca a escuta do mundo e eacute uma janela ampla e aberta sobre o trabalho e a

vida [] eacute o arquivo vivo da aulardquo

O jornal editado pela crianccedila da Escola Freinet era baseado no texto livre e impresso no

limoacutegrafo ou imprensa escolar Freinet sugeria o uso de jornal (mural escrito ou falado) como

substituto dos manuais didaacuteticos da liccedilatildeo de casa imposta pelo adulto e previa assim as

vantagens de seu uso para abordar a realidade e os programas escolares Ele permitia agraves crianccedilas

se apropriarem de diferentes formas de linguagem e dos diferentes gecircneros do discurso

Na Escola Freinet os jornais natildeo satildeo imitaccedilotildees nem substitutos dos jornais de adultos

Satildeo produccedilotildees originais cujo conteuacutedo atende aos verdadeiros interesses das crianccedilas tal como

satildeo expressos nos textos livres e traz como conteuacutedos elementos da vida de exteriorizaccedilatildeo do

pensamento Sua originalidade e importacircncia consistem numa seleccedilatildeo de textos produzidos e

impressos pelas crianccedilas e agrupados numa encadernaccedilatildeo especial para os correspondentes

familiares comunidade escolar

Cabe lembrar que o jornal escolar se tornou um importante instrumento de ensino e de

aprendizagem de linguagem em muitos paiacuteses desde a experiecircncia seminal de Freinet (1974)

iniciada em 1924 No Brasil contudo apenas mais recentemente se tem investido em

experiecircncias desse tipo ldquoAleacutem disso existem poucas pesquisas que relatem e analisem essas

experiecircncias de modo que ainda pouco se sabe sobre como satildeo produzidos esses jornais e que

lugar ocupam no conjunto dos conteuacutedos ensinados na disciplina de Liacutengua Portuguesardquo

(BONINI 2011 p 149)

Para abordar o gecircnero primeiramente eu apresentei na hora da leitura um jornal da cidade

com uma notiacutecia em que eu era citada Optei por fazecirc-lo porque as crianccedilas me conheciam e

176

possivelmente poderia provocar interesse saber do que se tratava a notiacutecia e por que eu fazia parte

dela Fiz a leitura dessa notiacutecia na durante o momento diaacuterio em que leio ou conto uma histoacuteria

poesia faacutebula histoacuteria em quadrinhos dentre outros gecircneros discursivos Utilizo uma cadeira

pequena para me posicionar as crianccedilas se sentam proacuteximas a mim para poderem visualizar as

ilustraccedilotildees ou fotos e acompanharem a leitura

Terminada a leitura e depois de ouvir as impressotildees sobre a notiacutecia lido organizei

inicialmente a sala de aula como todos os dias fazia deixando o centro dela livre com as

carteiras nas laterais de modo que houvesse espaccedilo disponiacutevel para que as crianccedilas pudessem

manusear analisar e fazer observaccedilotildees acerca das notiacutecias Dei a elas vaacuterios outros exemplares

do jornal da cidade e do Jornal Estado de Satildeo Paulo (Estadatildeo) e as observei nos primeiros

contatos com esse suporte textual e com esse gecircnero discursivo Durante cerca de quarenta

minutos fizeram observaccedilotildees e expressaram suas impressotildees por meio de falas e atitudes e em

seguida disse que diariamente eu faria a leitura de uma notiacutecia para que pudeacutessemos saber das

novidades que aconteciam na cidade e em diferentes lugares do mundo

Durante a leitura das notiacutecias eu apresentei suas caracteriacutesticas e especificidades na

medida em que o diaacutelogo com o texto e com as crianccedilas acontecia Semanalmente eram

escolhidas duas notiacutecias que mais haviam causado interesse na turma e faziam parte de um painel

que havia na sala Esse painel tambeacutem se constituiacutea em material de leitura Houve a produccedilatildeo de

notiacutecias e a elaboraccedilatildeo do jornal da Turma do Sol

A foto a seguir traz contribuiccedilotildees para se pensar no processo de ensino e de aprendizagem

da leitura do gecircnero

177

(Foto 4 ndash Situaccedilatildeo fotografada em 140810)

Nessa foto um dos meninos ndash o segundo da direita para a esquerda ndash observa uma notiacutecia

no jornal e solicita que o quarto menino da direita para a esquerda o ajude a ler Quando esse

uacuteltimo se dirige ao colega na tentativa de realizar a leitura outros dois garotos tambeacutem se dirigem

ao primeiro e se voltam todos atentamente ao jornal Nesse momento um quinto garoto se dirige

aos quatro colegas de turma e mostra uma foto do jornal que tem em suas matildeos Contudo os

meninos envolvidos com a notiacutecia que queriam ler natildeo interrompem o que fazem para observar a

foto indicada pelo colega que permanece proacuteximo aos demais ouvindo os comentaacuterios

C2 Eu quero saber o que estaacute escrito aqui Deve ser alguma coisa sobre o Timatildeo

(refere-se ao time de futebol e aponta com o dedo indicador direito para a foto

no jornal dos jogadores uniformizados)

C5 Vamos tentar ler

C10 Vixi seraacute que estaacute escrito que ele vai jogar Contra quem

C4 Vai ver que estaacute escrito que ele jaacute jogou e que perdeu

C11 Olha direito alguma coisa vai dar para saber Deve estar tudo escrito aiacute

Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu vou poder falar pra ele o que aconteceu

178

C5 Oacute aqui em cima escrito bem grande e bem preto eacute o nome da notiacutecia o

tiacutetulo neacute

C2 Por isso que eu quero aprender a ler logo aiacute eu fico sabendo de tudo

C5 Eu jaacute sei ler soacute que eacute soacute um pouquinho

C2 Entatildeo lecirc pra mim

(C5 continua com o olhar voltado fixamente para o jornal e silencia)

C11 Vamos pedir para a professora ler pra gente

C5 Aqui estaacute escrito Corinthians vence em casa (aponta o dedo indicador

direito para o tiacutetulo da notiacutecia)

C2 Lecirc tudo C5

C5 Vou pedir para a professora ajudar a gente

Os meninos solicitam que eu faccedila a leitura da notiacutecia e em seguida dizem

C2 Estava certinho o que vocecirc leu no comeccedilo da notiacutecia C5 e o Timatildeo venceu

mesmo

C5 Eacute jaacute estou aprendendo neacute pro (refere-se agrave professora) Pelo menos uma

parte da notiacutecia eu consegui ler

P E como vocecirc conseguiu ler o tiacutetulo da notiacutecia

C5 Eu olhei bem aiacute eu fiquei pensando aiacute eu fiquei lembrando das outras

coisas que vocecirc sempre lecirc pra gente um pouquinho eu jaacute sei eu jaacute aprendi eu

penso nas coisas escritas nas coisas que ah tem alguma ideia escrita

P Tem alguma ideia Como assim

C5 Ueacute Tem alguma coisa contando alguma coisa escrita mesmo algueacutem estaacute

contando alguma coisa eacute uma notiacutecia natildeo eacute

P Sim eacute uma notiacutecia

C5 Entatildeo tem alguma novidade

(Situaccedilatildeo registrada no dia 140810)

O relato da observaccedilatildeo da foto 4 referente agrave leitura de notiacutecia de jornal enfatiza o papel

dos gecircneros discursivos na apropriaccedilatildeo da liacutengua materna uma vez que as pessoas se comunicam

por meio dos gecircneros A situaccedilatildeo apresentada relata leitura de notiacutecia de jornal comum e natildeo

propriamente da leitura de notiacutecias do jornal da turma que como abordado anteriormente eacute uma

forma de retratar os fatos e acontecimentos da vida das crianccedilas em que os conteuacutedos satildeo

diretamente ligados aos interesses e necessidades de expressatildeo delas Contudo essa situaccedilatildeo

demonstra que o contato com os gecircneros discursivos a reflexatildeo sobre eles a forma como satildeo

apresentados nas diferentes situaccedilotildees de ensino criam a vontade de ler de se informar de se

comunicar por meio deles como se verifica nessas falas ldquoEu quero saber o que estaacute escrito aqui

Deve ser alguma coisa sobre o Timatildeordquo ldquoVamos tentar lerrdquo ldquoVixi seraacute que estaacute escrito que ele

vai jogar Contra quemrdquo ldquoVai ver que estaacute escrito que ele jaacute jogou e que perdeurdquo ldquoOlha direito

179

alguma coisa vai dar para saber Deve estar tudo escrito aiacute Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu

vou poder falar pra ele o que aconteceurdquo

A leitura do jornal comum tambeacutem contribuiu no processo de re-criaccedilatildeo escrita e de

leitura de notiacutecias do jornal da turma A notiacutecia de jornal natildeo era um gecircnero comumente lido e

escrito pelas crianccedilas sujeitos da pesquisa como se verifica nos capiacutetulos II e III No entanto a

praacutetica de leitura de diferentes gecircneros discursivos a re-criaccedilatildeo escrita desses gecircneros e a

compreensatildeo de seu funcionamento pela apresentaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas permitem inferir

que as crianccedilas satildeo capazes de estabelecer relaccedilotildees intensas com eles A forma como seguram o

jornal como o observam suas expressotildees e seus enunciados proferidos satildeo denotativos da

apropriaccedilatildeo do gesto humano de ler da leitura como uma praacutetica histoacuterico-cultural que envolve a

evoluccedilatildeo de conceitos na relaccedilatildeo dialoacutegica estabelecida por meio da linguagem que se modifica

de acordo com o lugar com os materiais de leitura com o tempo histoacuterico com os interesses e

necessidades do leitor

As crianccedilas da situaccedilatildeo analisada buscam indiacutecios pistas visuais elaboram hipoacuteteses que

ao final da leitura da professora se confirmam ou natildeo Apresentam atitudes leitoras ao

interrogarem o que possivelmente poderia estar escrito no texto Segundo Jolibert (2006 p 53 ndash

54 grifos do autor)

Falar em ldquointerrogarrdquo um texto em vez de apenas ldquolecirc-lordquo ou ldquolecirc-lo de maneira

interpretativardquo eacute uma maneira de enfatizar o que agora sabemos sobre o processo

de leitura ndash e de explicitar o que as crianccedilas tecircm de aprender desde a educaccedilatildeo

infantil para aprender a ler Se ler eacute interrogar um texto em funccedilatildeo de um

contexto de um propoacutesito de um projeto para dar resposta a uma necessidade

entatildeo corresponde a uma interaccedilatildeo ativa curiosa aacutevida direta entre um leitor e

um texto No caso das crianccedilas ateacute 4ordf seacuterie natildeo se trata de responder a perguntas

propostas pelo professor satildeo as crianccedilas que interrogam o texto e natildeo o

professor que interroga os alunos Em vez de somente identificar letras e

siacutelabas trata-se de que elas busquem e coordenem as variadas pistas que um

texto oferece para compreendecirc-lo Essa busca corresponde a uma atividade

muito complexa que necessita tornar-se objeto de aprendizagens

Ao interrogar o texto a crianccedila busca produzir sentido a ele busca compreendecirc-lo e por

assim dizer inicia seu processo de formaccedilatildeo leitora Desse modo a cada indagaccedilatildeo feita cada

crianccedila compotildee o conjunto de possibilidades apoiadas nas pistas que possui e avanccedila com a

mediaccedilatildeo do outro

180

No caso analisado C5 uma crianccedila mais avanccedilada no processo de leitura naquele

momento indica o que deveriam tentar ler ao observar a localizaccedilatildeo do tiacutetulo reconhecendo que

este se apresenta com uma forma plaacutestica em destaque (letras em tamanho maior que o corpo do

texto e em negrito) e ao ler o proacuteprio tiacutetulo da notiacutecia ldquoCorinthians vence em casardquo C5 ao

declarar que sabe ler soacute um pouquinho assinala possivelmente que iniciou seu processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e que o que hoje faz com alguma ajuda num futuro proacuteximo faraacute sozinho

Esse fato se apresenta quando lecirc o tiacutetulo mas em seguida solicita que a professora mediadora

desse processo complemente os sentidos em construccedilatildeo e confirme suas hipoacuteteses Assim

A atividade mediada eacute constituiacuteda a partir de um processo interpsicoloacutegico

Desde os primeiros momentos de vida da crianccedila o desenvolvimento das

funccedilotildees psicoloacutegicas superiores eacute sempre mediado pelo outro que aponta atribui

eou restringe os processos de significaccedilatildeo da realidade Atraveacutes dos diferentes

processos de mediaccedilatildeo social a crianccedila se apropria dos caracteres das

faculdades dos modos de comportamento e da cultura representativos da

histoacuteria da humanidade Agrave medida em que estes processos satildeo internalizados

passando a ocorrer sem intervenccedilatildeo de outras pessoas a atividade mediada

transforma-se em um processo intrapsicoloacutegico dando origem agrave atividade

voluntaacuteria (NOGUEIRA 1995 p16)

Ao se tratar da mediaccedilatildeo da professora e da crianccedila mais avanccedilada que ocorre nesse

processo de apropriaccedilatildeo da leitura haacute ainda que se considerar a mediaccedilatildeo dos signos linguiacutesticos

uma vez que a leitura ocorre e se faz por meio deles A minha mediaccedilatildeo como professora tambeacutem

pode ser percebida por meio da minha atitude de garantir acesso e contato com os diferentes

gecircneros discursivos nos diferentes suportes e materiais do tempo que ofereccedilo agraves crianccedilas para

manusear observar e elaborar suas hipoacuteteses de leitura por meio de praacuteticas coloco a crianccedila em

contato com o gecircnero e com a liacutengua em funcionamento de modo a estabelecer relaccedilotildees

dialoacutegicas Esse fato pode ser percebido nas falas de C5 quando a professora no caso eu mesma

indago como conseguira ler o tiacutetulo da notiacutecia e C5 responde ldquoEu olhei bem aiacute eu fiquei

pensando aiacute eu fiquei lembrando das outras coisas que vocecirc sempre lecirc pra genterdquo

Nesse trabalho pedagoacutegico com o ensino da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos um

aspecto a ressaltar eacute que C5 percebe algumas caracteriacutesticas da notiacutecia que aleacutem da apresentaccedilatildeo

do tiacutetulo que se destaca em negrito se trata de uma informaccedilatildeo

A notiacutecia se caracteriza pelo novo pela novidade Em inglecircs notiacutecia eacute news em francecircs eacute

nouvelle e aleacutem de ldquonotiacuteciardquo essas palavras significam tambeacutem ldquonovasrdquo ldquonovidadesrdquo

181

ldquoinformaccedilatildeordquo (BARBOSA 2001 p 22 grifos do autor) A partir do significado desses termos

pode-se dizer que uma das caracteriacutesticas das notiacutecias eacute apresentar algo que seja novo e esse

interesse ou curiosidade pelo novo pela novidade eacute algo que parece caracterizar a humanidade haacute

muito tempo (BARBOSA 2001 p 22)

A anaacutelise da situaccedilatildeo da foto 4 permite inferir que as condiccedilotildees de vida e educaccedilatildeo que o

sujeito possui satildeo cruciais no processo de apropriaccedilatildeo da cultura especificamente nesse caso na

apropriaccedilatildeo da leitura pelas crianccedilas pequenas porque as crianccedilas aparentam perceber que se

apropriar da leitura eacute se apropriar de conhecimentos eacute saber coisas eacute se informar eacute informar o

outro eacute se fazer entender e compreender o outro eacute estabelecer relaccedilotildees eacute aprender Essa

afirmaccedilatildeo se evidencia nas falas das crianccedilas ldquoOlha direito alguma coisa vai dar para saber

Deve estar tudo escrito aiacute Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu vou poder falar pra ele o que

aconteceurdquo ldquoPor isso que eu quero aprender a ler logo aiacute eu fico sabendo de tudordquo ldquoEacute jaacute estou

aprendendo neacute pro (refere-se agrave professora) Pelo menos uma parte da notiacutecia eu consegui lerrdquo

C5 ao considerar que para ler ldquopensa nas coisas escritas nas coisas que tem alguma ideia

escritardquo revela o seu conceito de leitura revela o que essa crianccedila pensa depois de iniciado o

trabalho pedagoacutegico com os gecircneros discursivos Esse conceito de C5 se coaduna com o conceito

de leitura deste trabalho que eacute a de leitura como interaccedilatildeo dialoacutegica como produccedilatildeo de sentido

como uma praacutetica histoacuterico-cultural (ARENA 2010b) que permite a comunicaccedilatildeo humana Essa

crianccedila parece indicar que para ler ela natildeo se prende somente aos signos linguiacutesticos e agrave

decodificaccedilatildeo mas se preocupa em compreender as ideias em produzir sentidos

Por isso quando lemos lemos ideias e natildeo letras siacutelabas e palavras Lemos ideias

informaccedilotildees opiniotildees que se apresentam nos textos e nos valemos tambeacutem do coacutedigo

linguiacutestico como um elemento a mais na composiccedilatildeo do sentido do texto Quando eu indago C5

na tentativa de que ele explique com detalhes o que fez para ler e a qual ideia ele se refere

explica ldquoUeacute Tem alguma coisa contando alguma coisa escrita mesmo algueacutem estaacute contando

alguma coisa eacute uma notiacutecia natildeo eacuterdquo Eu afirmo que se tratava de uma notiacutecia e entatildeo C5

continua ldquoEntatildeo tem alguma novidaderdquo Desse modo o que se enfatiza natildeo eacute a letra a siacutelaba ou

a palavra como unidades de sentido mas o enunciado como ldquounidade real da comunicaccedilatildeo

discursivardquo (BAKHTIN 2003 p 296)

Ao tratar o enunciado como unidade da atividade comunicativa Bakhtin (2003) contrapotildee

a ideia de enunciado agrave de oraccedilatildeo sendo que essa uacuteltima natildeo considera a alternacircncia dos sujeitos

182

do discurso o contexto de produccedilatildeo os enunciados alheios e por assim dizer natildeo suscitaria a

atitude responsiva dos interlocutores Nessa perspectiva a oraccedilatildeo eacute entendida como unidade da

liacutengua e por essa razatildeo estaacute circunscrita agrave esfera gramatical O enunciado por sua vez fundado

nos pressupostos dialoacutegicos incorpora o contexto verbal e o extraverbal (aspectos histoacutericos

situacionais ideoloacutegicos) Em outras palavras o enunciado materializa concomitantemente o

que haacute de peculiar da situaccedilatildeo enunciativa concreta e elementos sociodiscursivos estabilizados

nas e pelas interaccedilotildees ao longo da histoacuteria (BAKHTIN 2003)

O enunciado sob o prisma bakhtiniano eacute o garantidor do espaccedilo do outro na

dinacircmica discursiva e por conseguinte constitui-se do fluxo de muacuteltiplas vozes

que ecoam da alternacircncia dos sujeitos do discurso nas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo

Ademais por figurar como unidade da comunicaccedilatildeo discursiva o enunciado

elucida especificidades das esferas sociais nas quais ele se constituiu

(RIBEIRO 2010 p 56)

E continua

Nesse sentido se considerado sob o plano individual o enunciado carrega traccedilos

particulares agrave situaccedilatildeo comunicativa jaacute que eacute concreto e uacutenico Analisando-o

sob uma perspectiva mais ampla calcada no plano coletivo o enunciado ganha

uma relativa estabilidade decorrente dos usos em uma dada esfera social Eacute

desse ponto de vista que Bakhtin anuncia a concepccedilatildeo de gecircnero do discurso

mencionando que se trata de tipos relativamente estaacuteveis de enunciados

(RIBEIRO 2010 p 56 grifos do autor)

Essas proposiccedilotildees assumidas neste trabalho fundamentam a tese de que as crianccedilas

aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a liacutengua se

manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor os introduz na escola como instrumento de

humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana As crianccedilas podem aprender a

liacutengua em sua dinamicidade ao estabelecer desde o iniacutecio relaccedilotildees dialoacutegicas com ela porque a

liacutengua natildeo eacute fechada engessada A liacutengua eacute histoacuterica e culturalmente construiacuteda se faz na relaccedilatildeo

com o outro e portanto estaacute em movimento e em constante modificaccedilatildeo Quando as crianccedilas

aprendem a pensar sobre a liacutengua desde a pequena infacircncia em situaccedilotildees reais de uso aprendem a

interagir dialogicamente com ela e ampliam as possibilidades de comunicaccedilatildeo

183

A situaccedilatildeo a seguir tambeacutem contribui para compreender as relaccedilotildees que as crianccedilas

estabelecem com os gecircneros e com o gecircnero discursivo notiacutecia

Numa tarde depois de realizarem uma tarefa que envolvia recorte e colagem cada crianccedila

geriu sua proacutepria tarefa Algumas se dedicaram a brincar com brinquedos disponiacuteveis na sala

outras organizaram os livros e gibis que eu havia trazido naquele dia para a escola e algumas se

dedicaram agrave leitura especialmente de jornais

Uma das crianccedilas foi ateacute ao fundo da sala observou os vaacuterios jornais dispostos folheou

alguns deles escolheu um deles afastou-se das demais colocou-o sobre uma das carteiras no

fundo da sala e natildeo se sentou Debruccedilou-se observou atentamente uma das notiacutecias passou o

dedo indicador direito por cima do tiacutetulo e permaneceu durante vinte minutos a repetir esse

mesmo gesto nas linhas de toda a notiacutecia Natildeo estabeleceu contato algum com as demais crianccedilas

e natildeo apresentou nenhuma reaccedilatildeo com qualquer outro evento ocorrido nesse periacuteodo nem

mesmo com as conversas dos colegas ao seu redor

Durante esse tempo recebemos a visita na sala de uma funcionaacuteria que deu oralmente um

recado a todos da turma sobre o lanche e em seguida da coordenadora da escola que tambeacutem

proferiu um recado Ambas as pessoas que estiveram na sala cumprimentaram as crianccedilas e

conversaram em poucas palavras com elas cumprindo o objetivo de suas visitas a nossa turma

Contudo a crianccedila da situaccedilatildeo analisada natildeo desviou o olhar sequer uma vez do jornal

184

(Foto 5 ndash Situaccedilatildeo de leitura fotografada e registrada no dia 250910)

Passado esse periacuteodo de vinte minutos a crianccedila dirigiu-se a mim e disse-me

C2 Eu gostei da notiacutecia do jornal que eu peguei pro

P Eacute mesmo E sobre o que eacute a notiacutecia

C2 Ah eu natildeo sei direito mas eu acho que fala que faz tempo que natildeo chove e

que estaacute estragando tudo as plantaccedilotildees

P Eacute mesmo

C2 Ocirc pro a notiacutecia do jornal eacute diferente da carta neacute

P Porque vocecirc acha que elas satildeo diferentes O que elas tecircm de diferente

C2 Ah (olha pra o teto silencia por alguns segundos) eacute que a notiacutecia

parece que a pessoa que fala estaacute brava

P Brava Por que brava Como assim

C2 Parece que estaacute brava mesmo natildeo sei parece que estaacute mandando

falando as coisas raacutepido natildeo sei

P Por que vocecirc acha isso Como vocecirc percebe isso Onde vocecirc viu

C2 abre o jornal dirige seu olhar para esse material novamente e depois de

alguns segundos me disse

C2 Acho que a pessoa que escreveu a notiacutecia estaacute estaacute brava mesmo ela

conta meio brava sei laacute pro mas agora que eu vi a notiacutecia eu entendi tudinho

o que estaacute escrito laacute eu adivinhei tudinho

P Vocecirc natildeo adivinhouvocecirc leu C2

185

C2 sorriu

(Situaccedilatildeo registrada no dia 250910)

A anaacutelise da foto 5 tambeacutem refere-se agrave leitura de notiacutecia de jornal comum e faz parte de

uma situaccedilatildeo ocorrida no processo de leitura de notiacutecias de contato e diaacutelogo com este gecircnero A

anaacutelise da foto permite inferir uma atitude leitora da crianccedila que tambeacutem inicia seu processo de

apropriaccedilatildeo do ato cultural de ler jornais C2 parecia isolado de tudo o que estava acontecendo na

sala O fato de natildeo interromper sua leitura em nenhum momento durante vinte minutos em que se

manteve dedicado a isso e de natildeo estabelecer contato com outras crianccedilas datildeo indiacutecios da

importacircncia desse ato para a crianccedila Ela se interessou pelo material teve iniciativa para buscaacute-lo

e escolhecirc-lo a sua proacutepria postura fiacutesica e sua conduta intelectual de leitor denotam o seu

absoluto envolvimento Pode-se dizer que a leitura de notiacutecia se tornou uma atividade para essa

crianccedila nesse momento pois conforme Leontiev (1988) a atividade eacute a forma pela qual a crianccedila

melhor se relaciona com o mundo e eacute por meio dela que ocorrem as mudanccedilas mais significativas

no conhecimento do mundo nos processos e nos seus traccedilos da personalidade (MELLO 2007)

Leontiev (1988 p 68) caracteriza a atividade como

aqueles processos que realizando as relaccedilotildees do homem com o mundo

satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele Noacutes natildeo chamamos

de atividade um processo como por exemplo a recordaccedilatildeo porque ela em si

mesma natildeo realiza via de regra nenhuma relaccedilatildeo independente com o mundo e

natildeo satisfaz qualquer necessidade especial Por atividade designamos processos

psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo como um todo se

dirige (seu objeto) coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a

executar esta atividade isto eacute o motivo

Dessa forma o que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma crianccedila eacute

a sua proacutepria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida em outras palavras o

desenvolvimento da sua atividade A disponibilidade de diferentes materiais a leitura diaacuteria de

diferentes gecircneros discursivos o diaacutelogo estabelecido as relaccedilotildees que satildeo travadas com os

gecircneros provocam a necessidade de ler

Outro aspecto relevante consiste no fato de C2 perceber diferenccedilas entre os gecircneros

discursivos carta e notiacutecia Pode-se inferir que C2 reconhece que por meio de ambos os gecircneros

discursivos as pessoas dizem coisas falam coisas contam coisas mas de formas diferentes ou

seja ainda que possuam a funccedilatildeo de comunicar de fundar a linguagem cada gecircnero discursivo

186

especificamente possui estilo construccedilatildeo composicional e conteuacutedo temaacutetico diferentes e que em

cada situaccedilatildeo especiacutefica em cada esfera de atividade humana as pessoas se utilizam de um

gecircnero do discurso (BAKHTIN 2003)

Ao tentar explicar a diferenccedila que existe entre os dois gecircneros carta e notiacutecia C2 diz que

ldquoeacute que a notiacutecia parece que a pessoa que fala estaacute bravardquo Quando peccedilo que me explique ainda

mais sobre o que percebe reitera ldquoAcho que a pessoa que escreveu a notiacutecia estaacute estaacute brava

mesmo ela conta meio brava sei laacute prordquo Essas afirmaccedilotildees indicam que possivelmente se

refira a alguns elementos especiacuteficos caracteriacutesticos da notiacutecia como por exemplo o fato dos

verbos se apresentarem muitas vezes no tempo presente no tiacutetulo e a notiacutecia jornaliacutestica eacute

marcada pela imparcialidade o que supostamente tenha sugerido a C2 que a pessoa que fala na

notiacutecia o faz de forma ldquobravardquo Por ser um gecircnero que pretende informar com clareza precisatildeo e

objetividade os fatos e por se caracterizar pela dinamicidade a notiacutecia em decorrecircncia do fluxo

de acontecimentos do dia a dia perde seu status de novidade com relativa rapidez o que sugeriu

C2 ao declarar ldquoParece que estaacute brava mesmo natildeo sei parece que estaacute mandando falando as

coisas raacutepido natildeo seirdquo

C2 afirma que entendeu a notiacutecia que adivinhara tudo e quando afirmo que ele lera reage

com um sorriso aparentando possiacutevel satisfaccedilatildeo por ter ganhado uma nova condiccedilatildeo a condiccedilatildeo

de quem aprendeu a ler e que faz parte de forma ainda mais ativa da cultura escrita A situaccedilatildeo a

ser apresentada pode corroborar para a reflexatildeo de como pode ocorrer o ensino e a aprendizagem

da leitura por meio do gecircnero discursivo notiacutecia pelo jornal da turma

A introduccedilatildeo do gecircnero teve seu iniacutecio na roda da conversa como todos os demais

gecircneros apresentados Diariamente as crianccedilas escolhiam uma notiacutecia para compor o jornal da

Turma do Sol usando como criteacuterio o interesse causado no grupo a novidade a surpresa a

curiosidade e ainda algum fato engraccedilado da vivecircncia das crianccedilas na escola ou fora dela mas

que era trazida para a roda da conversa para o conhecimento de todos

Numa tarde depois de escrever a notiacutecia relatada por C6 transmiti a todos oralmente o

texto a seguir

PESCARIA DO PAI DE C6 ACABA EM RISADA

O pai de C6 resolveu ir pescar com os amigos no final de semana passado

Quando ele contou que iria pescar para a matildee de C6 ela ficou uma fera e natildeo

gostou nadinha disso

187

No dia da pescaria o pai de C6 saiu cedinho com os amigos dele e foram

no rio pescar mas quando eles chegaram laacute comeccedilou a chover sem parar Eles

esperaram bastante e quando a chuva passou soacute um pouquinho o pai de C6 e os

amigos dele saiacuteram do carro correndo para sentar perto do rio mas o pai de C6

levou um baita tombo e teve que voltar pra casa sem peixe nenhum

Quando chegou em casa ele contou tudo pra famiacutelia o que tinha

acontecido e foi soacute risada

(Texto criado e lido no dia 230910)

A notiacutecia foi dada por C6 na roda da conversa mas no momento de re-criaccedilatildeo textual as

crianccedilas participaram dando sugestotildees opiniotildees de como deveria ser escrito o texto para ser

colocado no jornal da Turma do Sol que cada crianccedila depois de produzido e editado

cooperativamente recebeu um exemplar para ser levado para casa e ser lido com os familiares

No dia seguinte na roda da conversa contaram sobre as impressotildees dos familiares

C6 Professora meu pai ficou espantado com o olho arregalado quando eu li pra

ele a notiacutecia do jornal que eu contei da pescaria dele

P E por que ele ficou espantado C6

C6 A minha matildee disse que ele estava com vergonha de todo mundo saber o que

tinha acontecido na pescaria dele Mas ele disse que ficou espantado porque ele

natildeo sabia que eu jaacute sei ler porque eu li a notiacutecia toda pra ele e aquela da C13

tambeacutem

P Nossa mas essa eacute uma surpresa muito boa natildeo eacute C6

C6 Eacute sim pro agora eu consigo ler qualquer coisa

(Situaccedilatildeo registrada no dia 101010)

Pela anaacutelise da situaccedilatildeo apresentada pode-se inferir que a notiacutecia do jornal da turma

assim como os relatos de vida do livro da vida e a carta provocaram o desejo de expressatildeo

criaram a necessidade de ler e de escrever porque retratam diretamente o que pensam vivem

sentem e percebem aleacutem dos textos terem sempre um destinataacuterio real o outro

Os gecircneros que surgem das teacutecnicas Freinet possibilitam que a crianccedila esteja

constantemente em contato com a cultura escrita e que participe dela na medida em que percebe

seu funcionamento por meio das relaccedilotildees que ocorrem de forma dialoacutegica e dinacircmica tornando-se

assim produto e produtor dessa cultura

Por se tratar de fatos que foram vividos pelas crianccedilas os textos lidos e criados satildeo

carregados de significados e sentidos porque pressupotildeem por parte dos sujeitos uma compreensatildeo

ativa e responsiva (BAKHTIN 1992) Eacute no processo da compreensatildeo ativa que ocorre a distinccedilatildeo

188

entre sentido e significado uma vez que a compreensatildeo ativa eacute uma forma de diaacutelogo que

possibilita ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica

Diante do exposto o significado eacute reiteraacutevel e idecircntico a cada repeticcedilatildeo da palavra e

funda-se sobre uma convenccedilatildeo natildeo tendo existecircncia concreta independente Em contrapartida o

sentido (tema) eacute aberto agrave multiplicidade potencialmente infinito sendo determinado natildeo apenas

pelas formas linguiacutesticas (as palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as

entonaccedilotildees) como ocorre na significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena

discursiva (BAKHTIN 1992) O sentido eacute o conjunto de todos os eventos psicoloacutegicos que a

palavra desperta em nossa consciecircncia O significado eacute dicionarizaacutevel mais estaacutevel e preciso eacute

apenas uma das faces do sentido (BAKHTIN 1992)

Por meio da anaacutelise das falas de C6 ldquoMas ele disse que ficou espantado porque ele natildeo

sabia que eu jaacute sei ler porque eu li a notiacutecia toda pra ele e aquela da C13 tambeacutemrdquo e ainda

ldquoagora eu consigo ler qualquer coisardquo pode-se inferir que assume pra si o estatuto de leitor ainda

que seja um leitor iniciante Ao dizer que agora consegue ler qualquer coisa sugere a ideia de que

agora consegue ler os escritos sociais que atribui sentido por meio de sinais graacuteficos em

situaccedilotildees elaboradas pela cultura humana (ARENA 2010b) que consegue compreender a liacutengua

escrita numa atitude responsiva e que portanto consegue fazer parte de forma mais ativa da

cultura escrita

No capiacutetulo a seguir proponho a anaacutelise de situaccedilotildees de produccedilatildeo de textos que

possibilitam uma reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo do re-criador de textos desde a Educaccedilatildeo Infantil por

meio dos gecircneros discursivos

189

CAPIacuteTULO V

O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS

A escrita soacute tem sentido se nos sentimos obrigados a recorrer a ela a fim de

comunicarmos o nosso pensamento fora do alcance da voz para aleacutem das portas

da escola (FREINET 1969 p 53)

Esta proposiccedilatildeo freinetiana remete agrave ideia da necessidade da escrita na vida das pessoas

que vivem numa sociedade que lecirc e escreve Como um instrumento cultural complexo a escrita se

manteacutem e se reorganiza constantemente pela necessidade de expressatildeo do sujeito Vygotski

(1995) se aproxima da afirmaccedilatildeo de Freinet ao reiterar que o ensino da linguagem escrita deve

organizar-se de forma que o ato de ler e o ato de escrever sejam necessaacuterios provocados por uma

necessidade social como atos vitais e imprescindiacuteveis

Intentar inserir a crianccedila na cultura escrita apenas oferecendo materiais e situaccedilotildees em que

se depara com uma liacutengua morta estanque pronta e acabada eacute incorrer num risco de ensinar

ldquohaacutebitos motoresrdquo (VYGOTSKI 1995) e reduzir o seu ensino agrave mera codificaccedilatildeo accedilatildeo

insuficiente para que se aproprie e participe ativamente dessa cultura O que orienta a apropriaccedilatildeo

da escrita satildeo as relaccedilotildees dialoacutegicas que a crianccedila estabelece com ela por meio das mediaccedilotildees e

situaccedilotildees promotoras de aprendizagem Diante disso um desafio se apresenta o de iniciar a

formaccedilatildeo do re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil de modo que a crianccedila desde pequena

aprenda a pensar sobre a escrita a perceber seu funcionamento por meio de seu uso em diferentes

situaccedilotildees para atender a seus interesses e necessidades e a utilizar a escrita como um instrumento

de humanizaccedilatildeo

Neste capiacutetulo seratildeo abordados caminhos possiacuteveis que cumpram esse desafio em

consonacircncia com a fundamentaccedilatildeo teoacuterica defendida neste trabalho Para tanto seratildeo analisadas

situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de textos em trecircs momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o

gecircnero discursivo carta por meio da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero

discursivo relato de vida por meio do livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal

escolar

190

51 A crianccedila e seu estatuto de re-criador de textos

Ao tratar do processo inicial de apropriaccedilatildeo da cultura escrita pela crianccedila considera-se

que ela tenha experiecircncias na escola e que possa ser provocado o desejo de expressatildeo Esse

desejo ocorre quando vive situaccedilotildees em que pode conhecer coisas pensar sobre elas e expressar-

se por meio de diferentes linguagens como a danccedila a muacutesica o teatro a pintura o faz-de-conta

Nessas condiccedilotildees o trabalho pedagoacutegico privilegia na pequena infacircncia a experiecircncia com

diferentes conhecimentos constituiacutedos culturalmente entendendo-os tanto na sua dimensatildeo de

produccedilatildeo nas relaccedilotildees sociais cotidianas como de produccedilatildeo historicamente acumulada presente

nas artes na literatura no cinema na produccedilatildeo artiacutestica de modo geral

Desse modo as experiecircncias vividas por meio das diferentes linguagens e da brincadeira

garantem agrave crianccedila a possibilidade de formar conceitos selecionar ideias estabelecer relaccedilotildees

loacutegicas integrar percepccedilotildees fazer estimativas planejar accedilotildees Eacute nesse emaranhado de

linguagens brincadeiras textualidades vozes que a crianccedila tambeacutem se apropria gradativamente

da linguagem escrita

Ler e escrever satildeo atividades altamente complexas que envolvem o conhecimento de

linguagens sociais (BAKHTIN 1983 p 154 ndash 155) que historicamente e culturalmente foram

organizadas oralmente e por escrito por meio de recursos expressivos como modos de dizer os

conhecimentos das diferentes esferas sociais criadas pelo homem As linguagens sociais

apresentam os conhecimentos especiacuteficos em cada esfera de atividade humana com sintaxes e

repertoacuterios lexicais que as caracterizam relacionadas aos gecircneros do discurso que foram se

elaborando para contemplar as necessidades humanas nas situaccedilotildees sociais (GOULART 2006)

O trabalho na escola tem se caracterizado cada vez mais pela presenccedila do texto quer

enquanto objeto de leituras quer enquanto trabalho de produccedilatildeo (GERALDI 1997) A produccedilatildeo

de textos orais e escritos eacute considerada nesta pesquisa como ponto de partida e ponto de chegada

(GERALDI 1997) de todo o processo de ensino e de aprendizagem da liacutengua escrita Nessa

perspectiva eacute desprezado o ensino focado em letras siacutelabas e palavras em que a prioridade eacute a

sinalidade e consequentemente a codificaccedilatildeo

Em contraposiccedilatildeo a isso o que se propotildee eacute pensar a liacutengua escrita nas suas relaccedilotildees na

sua dialogicidade de forma interativa viva e em movimento na interlocuccedilatildeo com os falantes que

requer sempre uma atitude responsiva (BAKHTIN 1992) Por esse motivo criar textos com as

191

crianccedilas e ensinaacute-las a criar os seus proacuteprios eacute garantir que elas possam expressar ideias

sentimentos escolhas opiniotildees e a operar com os signos Eacute no texto que a liacutengua se manifesta

que se revela na sua totalidade seja como conjunto de formas seja como discurso que remete a

uma relaccedilatildeo intersubjetiva constituiacuteda no proacuteprio processo de enunciaccedilatildeo marcada pela

temporalidade e suas dimensotildees (GERALDI 1997) Natildeo haacute texto sem o outro sem um

interlocutor dessa forma

O outro eacute a medida eacute para o outro que se produz o texto E o outro natildeo se

inscreve no texto apenas no seu processo de produccedilatildeo de sentidos na leitura O

outro insere-se jaacute na produccedilatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria para que o texto

exista E porque se sabe do outro que um texto acabado natildeo eacute fechado em si

mesmo Seu sentido por maior precisatildeo que lhe queira dar seu autor e ele o

sabe eacute jaacute na produccedilatildeo um sentido construiacutedo a dois (GERALDI 1997 p 102

grifo do autor)

Ao considerar essas afirmaccedilotildees este trabalho se propotildee a pensar o processo de

apropriaccedilatildeo da escrita ndash como o da leitura abordado no capiacutetulo IV ndash de forma dialoacutegica com

textos reais que satildeo endereccedilados ao outro Os textos produzidos correspondem agraves situaccedilotildees

vividas pelas crianccedilas na escola e fora dela em que lidam com a liacutengua em seu funcionamento

Desse modo o ato comunicativo que se estabelece sempre pressupotildee o outro com a sua

contrapalavra sua atitude responsiva (BAKHTIN 1992) na busca do sentido Por isso

No processo de compreensatildeo ativa e responsiva a presenccedila da fala do outro

deflagra uma espeacutecie de ldquoinevitabilidade de busca de sentidordquo esta busca por

seu turno deflagra que quem compreende se oriente para a enunciaccedilatildeo do outro

(GERALDI 1997 p 19)

De acordo com Bakhtin (2003 p 307) ldquoo texto eacute a realidade imediata (realidade do

pensamento e das vivecircncias) () onde natildeo haacute texto natildeo haacute objeto de pesquisa e pensamentordquo Ao

tratar neste capiacutetulo sobre a formaccedilatildeo do produtor de texto no interior da escola de Educaccedilatildeo

Infantil enfatiza-se a diferenccedila entre textos e redaccedilotildees O primeiro refere-se a textos criados na

escola e as redaccedilotildees referem-se a textos produzidos para a escola (GERALDI 1997) Considera-

se que para produzir um texto eacute preciso ter o que dizer ter motivos para dizer o que se quer dizer

ter o outrointerlocutor e a escolha das estrateacutegias para se dizer o que se quer dizer e da forma que

se pretende fazer isso Em contrapartida os textos quando satildeo produzidos para a escola

192

apresentam muita escrita e pouco texto (discurso) precisamente porque se constroem no ato de

escrever para cumprir uma exigecircncia escolar uma tarefa imposta pelo professor em que satildeo

descartados os aspectos que a produccedilatildeo de texto valida (GERALDI 1997)

Esses pressupostos se coadunam com as ideias de Jolibert (2006 p 19) ao esclarecer que

Escrever eacute produzir mensagens reais com intencionalidade e destinataacuterios reais

Natildeo se trata de transcrever (copiar) nem de praticar caligrafia Tampouco se

trata de escrever ldquocomposiccedilotildees ou ldquoredaccedilotildeesrdquo do tipo escolar com a intenccedilatildeo de

mostrar ao professor que sabe ou natildeo sabe

A re-criaccedilatildeo de texto nessas condiccedilotildees se configura como um processo carregado de

historicidade construiacutedo pelos sujeitos em diferentes momentos e condiccedilotildees de interaccedilatildeo que

expressam ideias opiniotildees desejos Um processo interativo discursivo que potildee em jogo os

conhecimentos jaacute apropriados sobre a liacutengua e cria a necessidade de novas apropriaccedilotildees

Nesse processo a crianccedila atua como sujeito e natildeo como objeto Ela participa intensamente

do discurso e de forma ativa eacute capaz de dialogar com o outro tornando-se tambeacutem parceira num

ato comunicativo Quando isso acontece a crianccedila assume o estatuto de re-criador de textos

52 A escrita do gecircnero discursivo carta

As situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto apresentadas e analisadas neste item satildeo relacionadas

ao gecircnero discursivo carta Um garoto da turma ao ter a sua vez de falar na Roda da Conversa

faz o seguinte relato ao dialogar comigo sua professora

C8 Professora hoje eu tenho uma super notiacutecia pra contar na roda da conversa

P Entatildeo pode nos contar qual eacute Jaacute estamos todos curiosos

C8 Sabe pro minha voacute estaacute estudando agrave noite numa escola Ela me falou que

isso era o maior sonho da vida dela aprender a ler e escrever Ela me contou que

quando ela era pequena ela tinha que trabalhar pra ganhar dinheiro e natildeo podia ir

para a escola Aiacute depois que ela cresceu e se casou com meu vocirc ela tambeacutem natildeo

podia ir porque meu vocirc natildeo deixava porque ele tinha ciuacutemes dela E ela falou

que isso era a maior tristeza da vida dela Agora ela anda feliz da vida porque ela

estaacute aprendendo um monte de coisas que ela queria Aiacute eu ateacute ensino ela

escrever umas coisas tambeacutem

P Ah eacute E o que vocecirc ensina ela a escrever

C8 Eu ensino tudo o que eu sei e ela aprende tudinho

P Mas o que (vocecirc ensina) por exemplo

193

C8 Eu ensino ela a escrever o nome dela da minha matildee do meu irmatildeo eu ateacute

ensinei ela a escrever uma carta igual a gente faz aqui na escola

P E como vocecirc a ensinou a escrever a carta

C8 Eu expliquei pra ela que tinha que comeccedilar pela data depois tinha que

cumprimentar a pessoa (saudaccedilatildeo) e depois ir escrevendo cada coisa que queria

contar A data eu mesmo escrevi aiacute chamei meu irmatildeo e ele foi escrevendo pra

gente o que a gente ia falando No fim da carta eu falei pra minha voacute que tinha

que colocar a despedida e escrever o nome dela

P E pra quem era essa carta que vocecircs escreveram

C8 Era pra irmatilde da minha voacute que mora bem longe e que a minha voacute natildeo vecirc faz

um tempatildeo Minha voacute estava com saudade dela e aiacute eu falei que ela podia

escrever uma carta Agora toda vez minha voacute fica me falando pra gente estudar

junto

P E vocecirc gosta de estudar com sua voacute

C8 Eu gosto Ontem minha voacute ganhou uma receita da vizinha dela e eu li a

receita pra ela Sabe do que era a receita Era de bolo gelado A minha voacute nem

acreditou que eu li a receita inteirinha

P Eacute mesmo E por que ela natildeo acreditou

C8 Porque ela natildeo sabia que eu jaacute aprendi a ler Ela acha que eu sou pequeno

mas eu ateacute falei pra ela que daqui a pouco ela vai ler como eu

(Situaccedilatildeo observada em 040810)

Por meio do diaacutelogo apresentado pode-se inferir que aprender a ler e a escrever para a

avoacute do garoto sempre foi uma forma de inserir-se e de pertencer agrave cultura escrita porque a

inserccedilatildeo lhe foi negada por ter que trabalhar na infacircncia e juventude e ainda na idade adulta por

natildeo ter a permissatildeo do marido A avoacute denota compreender a funccedilatildeo da escola como um lugar

privilegiado em que essas aprendizagens ocorrem e ao mesmo tempo percebe que sua

aprendizagem de ler e de escrever tambeacutem se daacute fora da escola ndash no caso em sua casa ndash com a

ajuda de seu neto Isso se verifica quando o garoto diz ldquoAgora toda vez minha voacute fica me falando

pra gente estudar juntordquo Desse modo para a avoacute a leitura e a escrita natildeo satildeo tarefas

eminentemente escolares mas servem para atender a seus interesses e necessidades

O diaacutelogo estabelecido entre o garoto e sua avoacute e as accedilotildees desencadeadas a partir desse

diaacutelogo encontram alicerce nas ideias de Bakhtin (1992) em que a linguagem natildeo se restringe a

ser um meio um instrumento capaz de transmitir a algueacutem uma determinada mensagem A

linguagem eacute uma forma de interaccedilatildeo humana e segundo Kramer (1993 p 103) ldquoeacute produccedilatildeo

humana acontecida na histoacuteria produccedilatildeo que ndash construiacuteda nas interaccedilotildees sociais nos diaacutelogos

vivos ndash permite pensar as demais accedilotildees e a si proacutepria constituindo a consciecircnciardquo

O garoto atua junto agrave avoacute tambeacutem como mediador dessas aprendizagens da leitura e da

escrita na medida em que a ensina a escrever seu proacuteprio nome o nome dos familiares a escrever

194

uma carta e ainda quando lecirc para a avoacute a receita que acabara de ganhar de uma vizinha Eacute

possiacutevel dizer que reconhece a funccedilatildeo social da leitura e da escrita quando propotildee que a avoacute

escreva para a sua irmatilde que mora longe da qual sentia saudades percebe que a escrita dessa carta

cumpre seu papel de comunicar de expressar de estabelecer relaccedilotildees e de interagir com o outro

Haacute um destinataacuterio real numa situaccedilatildeo real da qual a avoacute se vale tambeacutem para aprender

Considera-se que a linguagem eacute fruto da interaccedilatildeo verbal entre os sujeitos (BAKHTIN

1992) e deve ser vista em seu uso na atitude responsiva do outro e por esse motivo deve ser

compreendida a partir de sua natureza soacutecio-histoacuterica Desse modo a concepccedilatildeo bakhtiniana de

linguagem decorre do pressuposto de que o sujeito se constitui na medida em que se relaciona

com o outro agrave medida que vai ao encontro do outro Nesse sentido a linguagem pressupotildee trocas

linguiacutesticas dinacircmicas numa situaccedilatildeo num lugar histoacuterico e num lugar social concretos (BRAIT

2005) Haacute ainda a presenccedila do irmatildeo do garoto que atua de forma colaborativa nessa situaccedilatildeo

como escriba para a avoacute aluna da EJA e para o irmatildeo aluno da Educaccedilatildeo Infantil ambos no

iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita que re-criavam o texto oralmente

Por meio da fala do garoto ldquo eu ateacute ensinei ela a escrever uma carta igual a gente faz

aqui na escolardquo eacute possiacutevel perceber que a crianccedila vivencia situaccedilotildees reais de leitura e de

escrita na escola (JOLIBERT 1994) Diante desse apontamento vale ressaltar que para

Vygotsky ldquoO aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e potildee

em movimento vaacuterios processos de desenvolvimento que de outra forma seriam impossiacuteveis de

acontecerrdquo (VYGOTSKY apud FREITAS 1994 p 95) Desse modo pode-se inferir que o

conhecimento das crianccedilas jovens ou adultos bem como seus modos de aprender vatildeo se

constituindo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais

Percebe-se tambeacutem que a crianccedila se apropria da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos

(DOLZ SCHNEUWLY 1999 BAKHTIN 2003) como a carta Na situaccedilatildeo descrita ela orienta

a avoacute durante a produccedilatildeo do texto carta ao explicar a ela as partes especiacuteficas que a compotildeem

(data saudaccedilatildeo mensagem despedida e assinatura) ao escrever a data ao propor o que pode ser

escrito e ao fazer isso pode-se dizer que estabelece relaccedilotildees com os elementos que compotildeem os

gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003)

Vale ressaltar que os gecircneros discursivos nesse trabalho satildeo concebidos como praacuteticas

soacutecio-histoacutericas e culturais em que a liacutengua eacute tratada em seus aspectos discursivos e enunciativos

em vez de serem meramente observados seus aspectos formais e estruturais Dessa maneira a

195

liacutengua eacute vista como uma atividade social histoacuterica e cultural na qual os gecircneros referem-se aos

discursos em circulaccedilatildeo em nosso dia a dia e apresentam caracteriacutesticas soacutecio-comunicativas

(MACHADO 2005) Pode-se inferir ainda que a crianccedila instiga a avoacute a pensar sobre o complexo

processo que envolve o ato de ler e de escrever pelo qual ambos mobilizam vaacuterios

conhecimentos de que ler e escrever implicam tambeacutem o domiacutenio do coacutedigo a mediaccedilatildeo do

outro no interior do pensamento

A concepccedilatildeo bakhtiniana entende a linguagem como uma abordagem histoacuterica em que o

foco eacute a interaccedilatildeo verbal e cuja realidade fundamental eacute o seu caraacuteter dialoacutegico Aprender a ler e

a escrever pressupotildee uma relaccedilatildeo dialoacutegica a atitude responsiva do outro a interaccedilatildeo ativa com o

texto com o mediador e consigo mesmo que atua tambeacutem como o outro nesse processo

(BAKHTIN 1992) Portanto ler e escrever implicam lidar com uma liacutengua viva dinacircmica em

constante movimento

Pode-se inferir que o garoto se apropria da leitura e da escrita por meio da leitura e da

escrita de textos ndash este fato pode ser constatado quando trata da re-criaccedilatildeo da carta e da leitura da

receita ndash e natildeo por meio da repeticcedilatildeo de letras e siacutelabas Essa interaccedilatildeo e diaacutelogo que ele parece

travar por meio de suas vivecircncias contribuem para que ele faccedila o mesmo com a avoacute ao re-criar

com ela a carta e ao ler para ela a receita Linguagem eacute interaccedilatildeo (BAKHTIN 1992) e ao se

partir dessa premissa entende-se que se aprende a ler e a escrever lendo e escrevendo textos que

tecircm contextos situacionais que os organizam linguisticamente

A situaccedilatildeo ora apresentada denota que a crianccedila percebe a leitura e a escrita como atos

necessaacuterios para poder pertencer e atuar na cultura escrita Isto se verifica quando revela que a

avoacute se surpreende que ela embora pequena jaacute saiba ler e quando afirma que ela logo saberaacute

tambeacutem ldquoA minha voacute nem acreditou que eu li a receita inteirinhardquo ldquoPor que ela natildeo sabia que

eu jaacute aprendi a ler Ela acha que eu sou pequeno mas eu ateacute falei pra ela que daqui a pouco ela

vai ler como eurdquo

O dado a ser apresentado a seguir pode corroborar com a reflexatildeo sobre o ensino da

liacutengua por meio do gecircnero discursivo carta com as crianccedilas pequenas Ao planejarmos a tarde de

trabalho daquele dia com as crianccedilas na roda da conversa propus que respondecircssemos a carta de

nossos correspondentes da cidade de Campinas ndash SP

P Pessoal hoje noacutes vamos responder a carta da professora L e da Turma dos

Coelhinhos porque noacutes estamos atrasados com a nossa correspondecircncia Faz

196

tanto tempo que elas escreveram essa cartinha (mostra a carta agraves crianccedilas) e

hoje por e-mail a professora L me pediu muito para noacutes respondermos porque

as crianccedilas e ela estatildeo querendo demais receber a nossa resposta Eacute como noacutes

quando escrevemos para a para a Turma do Dedo Verde natildeo eacute Quando

escrevemos natildeo daacute vontade de recebermos logo a resposta dela

Todas Daacute

P Entatildeo a Turma dos Coelhinhos eacute como a nossa As crianccedilas estatildeo muito

ansiosas esperando a nossa resposta e olhem passou tanto tempo e noacutes com

tantas atividades com tantas coisas para fazermos natildeo conseguimos responder a

cartinha ainda Entatildeo noacutes vamos fazer isso hoje Combinado

Todas Combinado

C13 Pro comeccedila com a data

C13 natildeo eacute ouvida por mim porque atendia a uma crianccedila que propunha que eu

lesse a carta novamente para que pudessem ter ideia do que responder Entatildeo

fala novamente

C13 Pro comeccedila com a data

P Pessoal C13 deu a ideia de comeccedilarmos com a data O que acham

C13 Estaacute certo ou estaacute errado

Todas Certo

C6 A carta sempre comeccedila com a data

P Bem entatildeo vou escrever o local e a data assim elas vatildeo saber onde e quando

foi escrita essa carta ldquoMariacutelia 12 de agosto de 2010

O planejamento diaacuterio (FREINET 1973) do que seraacute feito no dia indica uma participaccedilatildeo

das crianccedilas no processo educativo Ao planejarem junto com a professora o que seraacute feito

semanalmente diariamente as crianccedilas propotildeem opinam ouvem satildeo ouvidas buscam soluccedilotildees

O procedimento de fazer com elas e natildeo por elas orienta o fazer pedagoacutegico com o objetivo de

tornaacute-las sujeitos desse processo Nessas condiccedilotildees o ensino eacute colaborativo pois aleacutem do

planejamento intencional haacute a negociaccedilatildeo em busca de contemplar seus interesses e criar novas

necessidades de aprender

No processo de re-criaccedilatildeo de texto da carta elas aparentam perceber a sua construccedilatildeo

composicional (BAKHTIN 2003) ao indicarem que a data ndash um dos seus elementos

caracteriacutesticos ndash deveria ser escrita logo de iniacutecio

C13 Olha soacute a professora faz umas letras diferentes natildeo eacute pro (refere-se agrave

dupla caixa como a carta recebida da Turma dos Coelhinhos e da professora L)

P Eacute sim E que letra seraacute que eacute essa

C11 Eacute de focircrma (refere-se agrave letra dupla caixa As crianccedilas e eu usaacutevamos

somente a caixa alta para escrever conforme orientaccedilatildeo da Secretaria Municipal

da Educaccedilatildeo no periacuteodo da pesquisa e a carta da Turma dos Coelhinhos estava

escrita em dupla caixa)

P Letra de focircrma Mas as letras que usamos tambeacutem natildeo satildeo letras de focircrma

C6 Hum agora complicou

C5 Eacute de focircrma mas eacute diferente

197

P As letras que noacutes usamos (refiro-me a caixa alta) aparecem na carta que noacutes

recebemos da Turma dos Coelhinhos Vamos ver

Todas As crianccedilas se voltam para a carta recebida afixada no mural da sala e a

observam

C5 Aparece soacute de vez em quando

P Quando elas aparecem Onde

C1 No comeccedilo de Mariacutelia

P Onde mais

C7 No comeccedilo do nome da professora L

P Certo

C3 Aqui oacute (Aponta para o comeccedilo da frase)

P Aparece em mais algum lugar

C2 Nos nomes deles aqui embaixo tambeacutem (observa as letras iniciais dos nomes

das crianccedilas da Turma dos Coelhinhos ao findar a carta suas assinaturas)

P Pessoal elas usam as letras maiuacutesculas e as minuacutesculas Soacute que as letras

maiuacutesculas noacutes usamos em situaccedilotildees como essas que vocecircs me mostraram (eu

pego o envelope escrito da carta recebida) A professora L usou a letra

maiuacutescula no comeccedilo dos nomes das pessoas no comeccedilo do nome da nossa

cidade

C2 Mariacutelia neacute pro

P Exato Ela usou tambeacutem quando no (a crianccedila interrompe a minha fala)

C13 Engraccedilado pro

P O que eacute engraccedilado C13

C13 Na carta que elas escreveram depois do ponto final elas escreveram com

letra maiuacutescula

P Eacute mesmo

C13 Eacute mesmo pro vem caacute ver (aponta com o dedo indicador da matildeo direita

para a carta)

P Vocecircs concordam com C13

Todas (Concordam com a cabeccedila depois de observarem a proacutepria crianccedila

mostrando em toda carta quando isso ocorria)

P Bem observado C13 Todas agraves vezes que organizamos nossas ideias quando

escrevemos e colocamos o ponto final em seguida iniciamos com a letra

maiuacutescula

C11 Pro Campinas eacute longe daqui

P Eacute longe satildeo cerca de 6 a 7 horas de viagem de ocircnibus

C9 Que longe

C13 De aviatildeo chega no mesmo dia neacute

P De carro tambeacutem chegamos no mesmo dia dependendo da hora que sairmos

daqui soacute que demora mais tempo que de aviatildeo Bem reparem aqui no envelope

que elas nos enviaram A professora L escreveu o iniacutecio do nome da nossa

cidade com letra maiuacutescula o iniacutecio do nome da nossa rua com letra maiuacutescula

o iniacutecio do nome do bairro com letra maiuacutescula

C5 Mas o resto elas escreveram com letra minuacutescula

P Eacute por isso que eu vou escrever como a professora L Pode ser

Todas Pode

C2 Assim a gente vai aprendendo

198

Por meio da anaacutelise desse trecho do ato de re-criaccedilatildeo de texto as crianccedilas insistem em

lidar com a linguagem escrita de forma dialoacutegica por meio do gecircnero discursivo apresentado e

por meio da minha mediaccedilatildeo como professora que as instigo a pensar sobre a escrita sem dar

respostas prontas e acabadas Ao contraacuterio provoco a atitude responsiva ao indagaacute-las sobre o

que vecircem a observarem e a elaborarem hipoacuteteses sobre essas observaccedilotildees para num momento

posterior pelo uso e pelo diaacutelogo travado validaacute-las ou natildeo

C13 observa que eu uso a dupla caixa para escrever a carta resposta para os

correspondentes como eles o fizeram No entanto usaacutevamos somente a caixa alta ndash ateacute aquele

momento ndash recomendada pela Secretaria da Educaccedilatildeo da cidade no periacuteodo de realizaccedilatildeo da

pesquisa Esse fato causou surpresa durante a escrita da carta mas por esse motivo foi possiacutevel

estabelecer relaccedilotildees que envolvem diretamente o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita

C13 observa que a outra professora escrevia com uma ldquoletra diferenterdquo Quando pergunto

qual letra era aquela C11 responde que eacute letra de focircrma Ao pretender aprofundar essa questatildeo

pergunto ldquoMas as letras que usamos natildeo satildeo de focircrmardquo Ao que C5 responde Eacute de focircrma mas eacute

diferente Essas falas reafirmam o pressuposto de que ldquoa liacutengua escrita natildeo eacute apenas um registro

da liacutengua oral Linguagem nova que multiplica a capacidade de pensar e agir do homem a escrita

eacute uma heranccedila diante da qual a crianccedila deve se deter para dela se apropriarrdquo (BAJARD 2012 p

54) Para este autor o uso da tipografia ndash somente a maiuacutescula (caixa alta) ndash natildeo permite que a

especificidade da escrita se manifeste Isso se verifica por exemplo na grafia das palavras ldquorosardquo

e ldquoRosardquo em que a primeira pode se referir agrave flor ou agrave cor e a segunda ao nome de uma pessoa o

que seria inviaacutevel perceber se para designar essas duas situaccedilotildees a grafia fosse ldquoROSArdquo

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que as crianccedilas percebem o uso da letra maiuacutescula quando

satildeo levadas a observar o uso que os correspondentes fizeram dela e quando passam a usaacute-la para

expressarem as suas ideias por meio da escrita com a tipografia dupla caixa ldquoO uso da maiuacutescula

eacute indiacutecio de um funcionamento da escrita que vai aleacutem das relaccedilotildees som-letrardquo (BAJARD 2012

p 83) pois assume uma funccedilatildeo fundamental na leitura ldquonatildeo somente manifesta no corpo do

texto a presenccedila de personagem como tambeacutem sinaliza para os olhos o indiacutecio da frase e

consequentemente o seu fimrdquo (BAJARD 2012 p 83) Este fato pode ser observado quando C13

revela ldquoNa carta que elas escreveram depois do ponto final elas escreveram com letra

maiuacutesculardquo E a professora com a intenccedilatildeo de refletir sobre esse uso pergunta ldquoEacute mesmordquo ao

199

que C13 responde ldquoEacute mesmo pro vem caacute verrdquo (aponta com o dedo indicador da matildeo direita para

a carta)

A partir desse momento todas as escritas foram grafadas com a tipografia dupla caixa

uma vez que as proacuteprias crianccedilas solicitavam seu uso por compreenderem que os escritos sociais

em sua maioria se apresentam dessa forma e natildeo somente com a caixa alta como nos livros

revistas e outros materiais ndash com exceccedilatildeo das histoacuterias em quadrinhos que em geral satildeo escritas

em caixa alta

Aleacutem do uso da caixa alta para marcar o iniacutecio de frases a situaccedilatildeo de escrita da carta

ainda possibilitou a reflexatildeo sobre o uso da maiuacutescula em outras situaccedilotildees por exemplo quando

mostro o envelope escrito pelos correspondentes e as situaccedilotildees em que ela aparece como na

escrita de substantivos proacuteprios apesar de natildeo ter cogitado essa nomenclatura especificamente e

de natildeo ser esse o objetivo mas de perceber o funcionamento da escrita ldquoA professora L escreveu

o iniacutecio do nome da nossa cidade com letra maiuacutescula o iniacutecio do nome da nossa rua com letra

maiuacutescula o iniacutecio do nome do bairro com letra maiuacutesculardquo Com isso ldquorejeitar o iacutendice

maiuacutesculaminuacutescula com o pretexto de que ele natildeo corresponde a nenhum iacutendice sonoro resulta

em apagar a mais evidente marca sintaacutetica da fraserdquo (BAJARD 2012 p 83)

P Bem entatildeo vamos continuar O que escrevemos depois da data

C13 Que tal Olaacute amigos queridos da Turma dos Coelhinhos

P Ah a saudaccedilatildeo Isso mesmo Noacutes vamos iniciar a carta saudando as

pessoas cumprimentando as pessoas para comeccedilarmos a escrever as nossas

novidades O que vocecircs acham da ideia de C13

C8 Certo

Eu escrevo a sugestatildeo da crianccedila na carta Olaacute amigos novos da Turma dos

Coelhinhos e professora (sou interrompida)

C18 Natildeo se esquece de escrever o nome da professora L com letra maiuacutescula

pro

P Muito bem farei isso (e entatildeo eu escrevo)

C13 Nossa o L de C7 eacute igual da professora L (a crianccedila observa que a letra

inicial do nome da colega de turma eacute o mesmo da professora da carta)

P Eacute verdade o dois nomes comeccedilam com a mesma letra

C7 Escreve que ela eacute linda

P Sim podemos escrever isso Mas antes de tudo eu acho que noacutes devemos nos

desculpar pela demora da carta vocecircs natildeo acham E contar os motivos porque

natildeo pudemos escrever antes

C10 Hatilde hatilde

C4 Eacute mesmo

P E como podemos escrever isso

C7 Potildee ldquoDesculpardquo Desculpa neacute professora

P Mas precisamos escrever porque estamos pedindo desculpas

200

C5 Escreve assim pro ldquoDesculpa pela demora da carta Soacute deu pra gente

escrever agora porque a gente tinha muitas coisas para fazer e aconteceram

muitas coisasrdquo

P Hum O que vocecircs acharam da sugestatildeo de C5

C12 Eacute acho que estaacute bom assim

Escrevo na carta e as crianccedilas acompanham

C7 Pro eu tive uma ideia Noacutes tambeacutem podemos mandar uns desenhos pra elas

C13 Eu sei desenhar coelhinhos A gente pode mandar de presente pra turma

Todas concordam

C8 Escreve que noacutes gostamos do nome da turma delas

P Como podemos escrever isso na carta

C7 Escreve assim pro ldquoNoacutes gostamos muito do nome da turma de vocecircsrdquo

Continuo a escrever

C9 ldquoE noacutes ama vocecircsrdquo (Sugere a crianccedila que seja escrito)

C5 Natildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute pro

P Isso mesmo porque natildeo eacute soacute uma pessoa da nossa turma que os ama mas

algumas pessoas que os ama satildeo as pessoas da nossa turma Bem e o que vocecircs

querem que eles saibam O que mais podemos escrever na carta

As falam sugerem que as crianccedilas aprendem a pensar sobre a liacutengua por meio dos gecircneros

discursivos e consequentemente a se comunicar por meio deles As discussotildees travadas

permitem inferir que a liacutengua eacute vista em seu uso e que as marcas da escrita incluindo a gramaacutetica

e a ortografia acontecem concomitantes nesse processo natildeo de forma imposta teacutecnica ndash porque

seria contrapor-se ao que eacute defendido nesse trabalho com relaccedilatildeo ao proacuteprio ensino da liacutengua ao

respeito agrave crianccedila e agraves regularidades de seu desenvolvimento ndash mas como uma apropriaccedilatildeo

dialoacutegica dela que requer situaccedilotildees reais de uso em que a crianccedila atua de forma ativa Essa

atuaccedilatildeo promove constantes interesses e cria a necessidade de aprender Pode-se perceber isso

quando C9 diz ldquoE noacutes ama vocecircsrdquo (Sugere a crianccedila que seja escrito) E imediatamente numa

atitude responsiva C5 afirma ldquoNatildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute prordquo

Eacute possiacutevel depreender tambeacutem que as crianccedilas percebem a minha mediaccedilatildeo como

professora e minha participaccedilatildeo como uma interlocutora ativa tambeacutem desse processo uma vez

que as crianccedilas frequentemente se voltam a mim na tentativa de se certificarem do que pensam e

dizem ldquoNatildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute prordquo E ao ser indagada esclareccedilo

ldquoIsso mesmo porque natildeo eacute soacute uma pessoa da nossa turma que os ama mas algumas pessoas que

os ama satildeo as pessoas da nossa turmardquo E dou continuidade ao processo de re-criaccedilatildeo de texto

ldquoBem e o que vocecircs querem que eles saibam O que mais podemos escrever na cartardquo

A discussatildeo sobre a maiuacutescula e seu uso traz agrave tona sua apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo pelas

crianccedilas quando a professora no caso eu mesma ao escrever a saudaccedilatildeo e colocar o nome da

201

outra professora eacute orientada por C18 ldquoNatildeo se esquece de escrever o nome da professora L com

letra maiuacutescula prordquo

C1 Pro potildee o nome da nossa turma agora

Todas Turma do Sol (Todas falam juntas)

P Como eacute que podemos escrever isso

C1 Hum escreve assim O nome da nossa turma eacute Turma do Sol

Todas concordam e eu escrevo

C1 Coloca aiacute que a gente aprendeu um monte de coisas sobre o Sol

P Como podemos escrever isso

C1 Ah escreve ldquoe noacutes aprendemos um monte de coisas sobre o Sol

C5 ldquoEle eacute uma mistura de gases Eacute uma bola de fogordquo

C17 ldquoEle eacute quente quente quenterdquo

C16 ldquoSem o Sol natildeo ia ter vida na Terra porque todo mundo precisa dele Se

natildeo tivesse o Sol ia ser tudo escurordquo

C7 ldquoSem o Sol natildeo poderiacuteamos viverrdquo

P Isso mesmo C7

C13 ldquoSem o Sol nada daria certordquo

P Que beleza Satildeo informaccedilotildees importantes Acho que eles vatildeo gostar muito de

saber de tudo isso

Escrevo as informaccedilotildees sobre o Sol pesquisadas pela turma ateacute aquele momento

C14 Ocirc pro a gente pode desenhar o Sol com planetinhas

P Claro que sim Assim que terminarmos a carta vocecircs podem ilustraacute-la como

vocecircs sempre fazem Cada um vai escolher qual parte dela quer desenhar estaacute

bem

Todas Oba

As crianccedilas participam todo o tempo do processo de re-criaccedilatildeo porque tecircm o que dizer o

que contar uma vez que eacute a continuidade de um diaacutelogo jaacute estabelecido com a outra turma A

escrita surge nesse processo de re-criaccedilatildeo textual como uma forma dizer coisas de informar de

comunicar Isso ocorre porque as crianccedilas tecircm muitas experiecircncias na escola porque a escola eacute o

lugar da cultura mais elaborada (MELLO FARIA 2010)

Esse desejo de expressatildeo que se materializa nesse caso com a escrita da carta acontece

tambeacutem por meio do desenho em que por diversas vezes eacute proposto pelas crianccedilas ldquoC14 Ocirc pro

a gente pode desenhar o Sol com planetinhasrdquo ou como foi visto no trecho analisado

anteriormente com as falas de C7 e C13 ldquoPro eu tive uma ideia Noacutes tambeacutem podemos mandar

uns desenhos pra elasrdquo ldquoEu sei desenhar coelhinhos A gente pode mandar de presente pra

turmardquo

C12 Pro escreve que noacutes gostamos das brincadeiras que eles ensinaram pra

gente

P Turma que tal a ideia da C12

202

C20 Legal Pode escrever

P Entatildeo me ajudem como posso escrever isso aqui

C20 Escreve assim pro ldquoAs brincadeiras que vocecircs ensinaram a gente satildeo

legaisrdquo

C13 Ueacute natildeo sei natildeo

P O que C13

C13 Eacute melhor escrever assim Noacutes gostamos das brincadeiras que vocecircs

ensinaram para a nossa turma

P Por que vocecirc acha melhor dessa forma e natildeo como C20 disse

C13 Ueacute pro Porque desde o comeccedilo da carta escrevemos ldquonoacutesrdquo e natildeo a

ldquogenterdquo Ai eu acho que eacute melhor neacute

P Vocecircs concordam com C13

Todas concordam

As falas das crianccedilas no trecho acima sinalizam que elas se apropriam e se objetivam da

liacutengua de forma dialoacutegica viva em seu funcionamento por meio dos gecircneros discursivos Ao

fazerem isso percebem que

O texto portanto eacute o espaccedilo de escolha dos recursos linguiacutesticos e estiliacutesticos

que depende da relaccedilatildeo enunciativa manifesta no discurso a partir do gecircnero

em vez de ser uma unidade autocircnoma O texto eacute tomado como unidade apenas

na condiccedilatildeo de espeacutecime do gecircnero (SOBRAL 2009 p 131)

Por tal razatildeo as crianccedilas escolhem como e quais recursos da liacutengua preferem usar na re-

criaccedilatildeo do texto e adotam criteacuterios como propotildee C13 ao sugerir outra maneira de escrever a ideia

de C20 ao apontar ldquoEacute melhor escrever assim Noacutes gostamos das brincadeiras que vocecircs

ensinaram para a nossa turmardquo Quando pergunto por que considera melhor da forma que ela

propotildee e natildeo a de C20 esclarece ldquoUeacute pro Porque desde o comeccedilo da carta escrevemos ldquonoacutesrdquo e

natildeo ldquoa genterdquo Ai eu acho que eacute melhor neacuterdquo

Para finalizar a carta proponho

P Qual brincadeira vocecircs mais gostaram

C5 A do homem de fogo

Todas Eacute mesmo

Escrevo e pergunto em seguida

P E qual brincadeira noacutes podemos ensinar para elas (refere-se agraves crianccedilas da

Turma dos Coelhinhos)

C10 Coelhinho sai da Toca

C6 A menina que estaacute na roda

Entatildeo escrevo com as crianccedilas como se brinca cada uma das brincadeiras

citadas

203

P O que vocecircs acham de escrevermos que noacutes estamos mandando um presente

para elas

C2 Eacute mesmo pro E a gente precisa terminar o presente (refere-se agraves pinturas

que cada crianccedila fez com pincel e tinta para cada uma das crianccedilas da outra

turma)

P Entatildeo vamos laacute ldquoEstamos mandando uns presentes para vocecircs Esperamos

que gostemrdquo Algo mais a escrever turma

C6 A despedida pro

P Como podemos escrever a despedida

C5 ldquoRespondam logo por favor Um abraccedilo da Turma do Solrdquo

P O que vocecircs acham da ideia de C5

Todas Legal

C9 Boa

Termino de escrever e em seguida leio a carta toda para as crianccedilas

P O que acharam Haacute algo mais a escrever ou a mudar na carta

C14 Agora eacute soacute assinar a carta

E Cada crianccedila escreve seu nome ao final da carta

Ao re-criar a carta com as crianccedilas e por ser esse ato de escrita um ato interlocutivo

discursivo comum na minha praacutetica pedagoacutegica como professora as crianccedilas fazem inferecircncias

opinam e se sentem motivadas a participarem porque este fazer para elas condiz com os seus

interesses Em decorrecircncia disso as crianccedilas se apropriam cada vez mais do gecircnero discursivo

carta e de seus elementos constitutivos como o conteuacutedo temaacutetico a construccedilatildeo composicional e

o estilo (BAKHTIN 2003) Desde o iniacutecio as crianccedilas percebem cada elemento da carta sua

funccedilatildeo e funcionamento ndash data saudaccedilatildeo mensagem despedida assinatura ndash de modo que

sugerem como cada um desses elementos pode ser escrito considerando o contexto situacional

em que foram criados

Dentro do gecircnero discursivo carta surge outro gecircnero as regras das brincadeiras a serem

ensinadas para os correspondentes de caraacuteter mais instrucional mas que cumprem sua funccedilatildeo

dentro do contexto

Os assuntos eleitos para serem abordados satildeo diretamente relacionados a suas

experiecircncias aos interesses diretos como a brincadeira considerada a atividade principal

(LEONTIEV 1988) das crianccedilas dessa idade Eacute por meio do brincar que ocorre o

desenvolvimento da inteligecircncia da personalidade da funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia da

atenccedilatildeo da memoacuteria do controle da proacutepria conduta que se apropria da cultura humana e por

isso mesmo se humaniza Eacute por meio dessa atividade que a crianccedila melhor se relaciona com o

mundo a sua volta que atribui significados e sentidos que elabora explicaccedilotildees para fenocircmenos e

fatos e eacute quando que se constituem as bases orientadoras necessaacuterias para a apropriaccedilatildeo da

204

leitura e da escrita (LEONTIEV 1988 VYGOTSKI 1995 MELLO 2005) Por essa razatildeo essa

atividade surge como elemento a ser partilhado entre as crianccedilas da proacutepria turma e da turma

correspondente Essa atividade surge tambeacutem como motivo entre as crianccedilas para re-criarem seus

textos para comunicarem por meio da escrita o que natildeo podem fazer pela linguagem oral ndash no

caso ensinar agraves crianccedilas de outra cidade de outra cultura com sua proacutepria histoacuteria a histoacuteria e a

cultura da sua localidade Paralelamente agrave carta a escrita de outro gecircnero com o objetivo de

ensinar as brincadeiras agraves crianccedilas correspondentes cria a necessidade de re-criar outro texto e

assim conhecer outro gecircnero que atenda aos interesses que se fazem naquele momento

A correspondecircncia interescolar promove aprendizagens porque intensifica as relaccedilotildees e as

experiecircncias das crianccedilas com o outro com a leitura com a escrita e com a cultura humana

porque as crianccedilas trocam informaccedilotildees sobre as pesquisas que realizam na escola suas leituras

suas descobertas e trocam presentes criados por elas por meio de diferentes linguagens como por

exemplo o envio de outras re-criaccedilotildees como a poesia regras de brincadeira jogos desenhos

pinturas jogos com sucatas bonecos de papel machecirc Pode-se constatar esse fato quando eu

sugiro que escrevam na carta sobre o presente a ser enviado aos correspondentes e C2 responde

ldquoEacute mesmo pro E a gente precisa terminar o presenterdquo (refere-se agraves pinturas que cada crianccedila fez

com pincel e tinta para cada um de seus colegas)

As crianccedilas datildeo sinais de que lidam com os elementos que compotildeem o gecircnero discursivo

carta quando respondem que falta a despedida e a assinatura propondo oralmente a melhor

maneira de escrever e assumindo a participaccedilatildeo pelo texto re-criado

A anaacutelise da foto 6 e do diaacutelogo apresentado em seguida sobre uma situaccedilatildeo de re-criaccedilatildeo

de carta contribui com a reflexatildeo sobre a apropriaccedilatildeo da escrita por meio desse gecircnero

discursivo

205

(Foto 6 ndash Situaccedilatildeo fotografada e registrada no dia 221110)

Depois de terminada a re-criaccedilatildeo da carta resposta aos correspondentes da turma do Dedo

Verde de uma escola da zona sul da cidade e jaacute com as ilustraccedilotildees das crianccedilas compondo cada

parte da carta fiz uma uacuteltima leitura estendi a carta no chatildeo da sala propus que a observassem e

fizessem por conta proacutepria qualquer alteraccedilatildeo que julgassem necessaacuteria por exemplo acrescentar

ou retirar algo antes que a colocaacutessemos no envelope para ser postada Algumas crianccedilas se

ocuparam da tarefa de terminar os presentes para serem enviados juntos com ela ndash presentes

referentes a algum assunto pesquisado pelas turmas ou com a finalidade de provocar um desafio

mapas desenhos adivinhas pinturas livros e fantoches com material reciclaacutevel C1 C3 C6 C7

C8 C13 e C16 preferiram analisar a carta as informaccedilotildees contidas nela os desenhos e ateacute

mesmo as assinaturas

Dez minutos depois C1 que tinha em sua matildeo direita um laacutepis debruccedila-se sobre a carta e

conversa com C13

206

C1 Eu vou escrever uma coisa aqui na carta que eu quero perguntar pra Turma

do Dedo Verde Vocecirc me ajuda

C13 Ajudo o que eacute que vocecirc vai escrever

C1 Espera aiacute

C1 escreve na carta ldquoOnde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar

Agente quer saberrdquo

C7 se aproxima para acompanhar o que ocorria Terminada a escrita C13 lecirc o

que C1 escreveu e diz

C13 Nossa Que boa ideia

C1 Eu escrevi porque todo mundo da nossa turma quer saber mais sobre isso

agora estaacute todo mundo curioso Se a gente souber logo a gente nem precisa

esperar eles responderem a carta pra ficar sabendo A gente pode pesquisar com

a pro a gente mesmo

C7 Eacute mesmo neacute

C13 dirige seu olhar novamente para a escrita de C1 e diz C13 Ih olha aqui o que vocecirc escreveu C1 (aponta para a palavra escrita

ldquoagenterdquo)

C1 digire seu olhar para a escrita observa e pergunta

C1 O que eacute que estaacute errado

C13 Lembra que a pro jaacute explicou que AGENTE junto eacute agente secreto e que

A GENTE separado quer dizer noacutes as pessoas

C7 Eacute mesmo Tem um monte disso (refere-se agrave ldquoa genterdquo) escrito nessa carta

C1 observa novamente apaga com a borracha e escreve separado seguindo a

orientaccedilatildeo de C13

C13 Tem que prestar atenccedilatildeo na hora de escrever C1 porque uma coisa eacute uma

coisa e outra coisa eacute outra coisa neacute pro

P Sim bem lembrado C13 Vamos dar uma olhada em tudo o que vocecirc escreveu

C1 Vamos ver se haacute algo mais que podemos melhorar

C1 concorda e com as crianccedilas que acompanhavam foi feita a correccedilatildeo

(Situaccedilatildeo observada e registrada em 091110)

Mariacutelia 7 de novembro de 2010

Olaacute amigos da Turma do Dedo Verde e Professora E

Tudo bem

A gente fez a maior festa quando recebeu a cartinha de vocecircs e quando viu

os presentes que vocecircs mandaram

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Semana passada a gente plantou os girassoacuteis com as sementes que vocecircs

mandaram e agora todos os dias a gente cuida para que os girassoacuteis cresccedilam

raacutepido

A pro falou que depois que essas plantas crescerem uns 15 centiacutemetros a

gente jaacute vai poder levar os vasinhos para casa Aiacute todos os dias a gente mede

com a reacutegua aqui na escola E falta pouco porque a maioria jaacute estaacute medindo 5

centiacutemetros mais ou menos

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

207

Ah as duas muacutesicas sobre os girassoacuteis que vocecircs mandaram gravadas no

CD pra gente tambeacutem satildeo bem legais A gente ateacute vai pesquisar mais sobre o

Viniacutecius de Morais e sobre o grupo Cidade Negra

Pena que natildeo deu pra gente ir agrave Feira de Ciecircncias da escola de vocecircs mas

as coisas que vocecircs pesquisaram sobre as cores satildeo demais A gente fez aqui

tambeacutem algumas das experiecircncias que vocecircs ensinaram Nossa foi muito legal

Vocecircs podem contar pra gente mais coisas sobre o que vocecircs descobriram sobre

as cores

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Onde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar Agente quer

saber (Parte escrita por C1)

A gente colocou as fotos de vocecircs no mural da nossa sala Vocecircs estatildeo

lindos A professora ldquoErdquo eacute uma princesa

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

A gente estaacute mandando outra poesia pra vocecircs e tambeacutem os fantoches das

personagens da histoacuteria preferida da nossa turma ldquoO caso do Bolinhordquo da

Tatiana Belinky A gente mesmo quem fez os fantoches pra vocecircs

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

No livro que estaacute junto tambeacutem tem um monte de coisas sobre o Sol Eacute soacute

vocecircs lerem ou pedirem para a pro de vocecircs lerem Tem muitas coisas novas

sobre o Sol e vocecircs vatildeo gostar de saber

Aqui estaacute todo mundo louco de vontade de chegar logo o dia do nosso

encontro Tomara que chegue logo A gente pode brincar de umas brincadeiras

novas e legais O lanchinho a gente ainda estaacute decidindo qual vai ser taacute

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Um abraccedilo bem grande da Turma do Sol e Professora G

(Cada crianccedila escreveu seu nome e a professora tambeacutem)

A anaacutelise da foto 6 e da situaccedilatildeo relatada permite inferir que C1 criou para si a

necessidade de aprender de saber de se expressar o que a mobilizou escrever na carta jaacute re-

criada pela turma algo que julgava necessaacuterio e que supostamente natildeo atenderia somente ao seu

desejo mas o de todos os seus colegas ldquoOnde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar

A gente quer saberrdquo e quando explica o motivo que a levou a escrever ldquoEu escrevi porque todo

mundo da nossa turma quer saber mais sobre isso agora estaacute todo mundo curioso Se a gente

souber logo a gente nem precisa esperar elas responderem a carta pra ficar sabendo A gente

pode pesquisar com a pro a gente mesmordquo

Diante das palavras de C1 pode-se dizer que haacute nelas a palavra de seus colegas

carregadas de vontades de opiniotildees de impressotildees decorrentes das experiecircncias vividas Ribeiro

(2010 p 58) lembra que

A palavra para Bakhtin (2003 p 350) eacute um ponto convergente de vozes Ela

natildeo eacute neutra Estatildeo ali latentes experiecircncias diversas dos sujeitos sociais

208

Mesmo conferindo os creacuteditos da escolha e utilizaccedilatildeo da palavra ao autor a

palavra natildeo lhe pertence com exclusividade jaacute que eacute fruto da Histoacuteria e sendo

assim pertenceria a todos Nesse sentido a palavra existe para o falante em trecircs

acircmbitos como palavra da liacutengua neutra e natildeo pertencente a ningueacutem como

palavra alheia dos outros cheia de ecos de outros enunciados e por uacuteltimo

como a minha palavra (BAKHTIN 2003 p 294)

Dessa forma quando C1 escreve a mensagem na carta e justifica sua atitude o seu

discurso oral e o escrito refletem vaacuterias vozes a dela proacutepria a de seus colegas a minha como

professora e que instiga as crianccedilas por meio da situaccedilotildees vivenciadas e ainda as vozes dos

correspondentes e da professora dessa turma que jaacute pesquisaram sobre os assunto e os comunica

provocando a necessidade no outro tambeacutem de saber

Apesar de a mensagem escrita pela crianccedila ter sido discutida e corrigida na ocasiatildeo em

que ocorreu com ela proacutepria e com as demais que participavam para que elas pudessem pensar

sobre essa escrita a iniciativa de escrever algo naquele momento de finalizaccedilatildeo do texto denota

uma atitude positiva diante do conhecimento revelada pelo fato de a crianccedila de ser a ldquoporta-vozrdquo

dela e dos colegas por ter criado uma atitude investigativa diante do que se queria conhecer Eacute

possiacutevel perceber que com essa atitude de C1 a crianccedila aparenta saber como para quecirc e por quecirc

pesquisar ao solicitar que os correspondentes telefonem para a escola em que ocorreu a pesquisa

para solicitar a fonte dos estudos por eles realizados Nas cartas recebidas e enviadas sempre

eram comunicadas as descobertas feitas pelas turmas os estudos os resultados A mensagem

escrita por C1 denota urgecircncia em obter informaccedilotildees ndash no caso sobre as cores ndash porque solicita

um telefonema por parte dos correspondentes contrariando a dinacircmica comumente estabelecida

de aguardar a resposta da carta A crianccedila revela o iniacutecio de sua apropriaccedilatildeo da escrita por meio

do gecircnero discursivo carta e ainda demonstra que se humaniza Desse modo

[] quando a inserccedilatildeo da crianccedila na heranccedila cultural da humanidade responde a

necessidades de conhecimento criada na crianccedila melhor ela se envolve no que

faz e aprende Oa professora pode organizar de modo intencional e consciente

as experiecircncias propostas na educaccedilatildeo Infantil para provocar o encontro da

crianccedila com a cultura de modo a favorecer a apropriaccedilatildeo pelas crianccedilas da

heranccedila cultural da humanidade e por meio desta a reproduccedilatildeo pelas crianccedilas

das maacuteximas qualidades humanas criadas ao longo da histoacuteria Para isso o

conhecimento das regularidades do desenvolvimento das crianccedilas em nossa

sociedade ndash isto eacute da forma como a crianccedila melhor se relaciona com a cultura

nas diferentes idades e aprende ndash eacute condiccedilatildeo essencial (MELLO 2010 p58)

209

Pode-se inferir que o ensino planejado e organizado intencionalmente e as relaccedilotildees

dialoacutegicas estabelecidas entre as crianccedilas entre as crianccedilas e a professora e entre as crianccedilas e o

espaccedilo garantem participaccedilatildeo ativa na elaboraccedilatildeo dos gecircneros discursivos cria a necessidade de

aprender e provoca o desenvolvimento humano Eacute possiacutevel perceber a mediaccedilatildeo de C13 nessa

situaccedilatildeo natildeo somente quando C1 decide escrever algo e pede a sua ajuda mas tambeacutem quando a

crianccedila percebe o que a colega escreveu e faz a distinccedilatildeo entre ldquoagenterdquo e ldquoa genterdquo Ao explicar

essa diferenccedila C13 solicita a confirmaccedilatildeo da professora no caso eu mesma que tambeacutem atuo

como mediadora C13 ao esclarecer C1 sobre a diferenccedila entre ldquoagenterdquo e ldquoa genterdquo medeia a

situaccedilatildeo trazendo agrave tona uma explicaccedilatildeo que eu jaacute fizera em outra ocasiatildeo

Haacute outros mediadores nesse processo que satildeo os proacuteprios correspondentes e a professora

dessa turma que ao elaborarem suas cartas e enviaacute-las agraves crianccedilas provocam novas necessidades

por meio dos desafios lanccedilados por meio das informaccedilotildees partilhadas sobre os conteuacutedos

diversos e por meio das relaccedilotildees estabelecidas entre as turmas

Outro aspecto a ressaltar eacute que C13 ao observar que C1 havia escrito ldquoagenterdquo denota

compreender que a presenccedila ou a ausecircncia do espaccedilo em branco entre ldquoa genterdquo altera

completamente o seu significado e que natildeo se trata somente de uma questatildeo graacutefica mas de

significaccedilatildeo Para Bajard (2012 p 78) ldquoo espaccedilo tem uma grande importacircncia na escrita

modernardquo Esclarece que ldquopor causa do espaccedilo em branco dois nomes escritos aparecem

separadamente enquanto na fala um uacutenico nome eacute ouvidordquo O espaccedilo em branco eacute considerado

um caracter e por essa razatildeo e por sua funccedilatildeo na escrita natildeo pode ser desprezado

A correspondecircncia interescolar como todas as outras teacutecnicas da Pedagogia Freinet

priorizam o ensino cooperativo em que a comunicaccedilatildeo eacute privilegiada Valoriza-se o processo e

natildeo somente o resultado Freinet (1973) esclarece que ao modificar as teacutecnicas de trabalho satildeo

modificadas automaticamente as condiccedilotildees de vida na escola ldquomelhoramos as relaccedilotildees entre as

crianccedilas e o meio entre as crianccedilas e os professores Eacute com certeza o benefiacutecio mais importante

com que contribuiacutemos para o progresso da educaccedilatildeo e da culturardquo (FREINET 1973 46) Isto se

verifica na organizaccedilatildeo das proacuteprias crianccedilas em que algumas delas optaram por terminar os

presentes que seriam enviados e outras que se encarregaram de terminar os desenhos e outros

detalhes da carta antes de ser colocada no envelope

210

A situaccedilatildeo apresentada a seguir trata de uma re-criaccedilatildeo de texto elaborado por uma

crianccedila sem ajuda

Numa tarde quando as crianccedilas realizavam diferentes tarefas nos cantos organizados na

sala ndash ateliers espaccedilos organizados com materiais especiacuteficos de pintura modelagem desenho

digitaccedilatildeo no computador impressatildeo jogos ndash C13 se dirige para o canto da sala em que ficavam

as mochilas das crianccedilas da turma retira duas folhas de papel com linhas que trouxe de sua casa e

se senta sozinha no canto do desenho Por quarenta minutos permanece nesse local utilizando

alguns materiais Passado esse tempo se dirige a mim entrega o envelope e diz

C13 Pro eu escrevi para vocecirc essa carta Eu escrevi sozinha

Abro o envelope feito pela crianccedila leio o que escreveu e respondo

P Que linda carta C13 Gostei muito muito mesmo

C13 Eu jaacute sei escrever cartas (Situaccedilatildeo observada no dia 270910)

211

(Carta escrita por C13 em 290910)

212

A anaacutelise deste dado permite inferir que C13 daacute indiacutecios de ter se apropriado de dados no

iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita por meio do gecircnero discursivo carta ao

tomar a iniciativa de escrevecirc-la para a professora Indica tambeacutem que a crianccedila percebe a funccedilatildeo

da escrita como instrumento de comunicaccedilatildeo e o ato de escrever a carta denota que foi criado o

desejo de se expressar por meio da escrita e do desenho Ela natildeo somente escreve e ilustra o seu

texto como tambeacutem confecciona o envelope fechando as laterais com grampos de grampeador

Ao fazer isso aparenta perceber que natildeo somente compreende a funccedilatildeo da escrita o

funcionamento do gecircnero discursivo como tambeacutem o seu suporte

O texto re-criado trata-se de um texto livre segundo Freinet (1976 p 21) ldquoum texto livre

deve ser realmente livre Quer isto dizer que escrevemos quando temos alguma coisa a dizer

quando sentimos a necessidade de exprimir escrevendo ou desenhando aquilo que em noacutes

agitardquo Vale ressaltar que os textos re-criados ocorreram dentro dessa perspectiva em que as

crianccedilas participavam das criaccedilotildees textuais fazendo suas escolhas de como o quecirc quando e para

quem queriam escrever As situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto e de leitura eram intencionalmente

planejadas com o objetivo de provocar a necessidade de aprender a ler e a escrever para que elas

pudessem num futuro proacuteximo fazerem sozinhas o que naquele momento ainda precisavam de

ajuda para realizaacute-lo

Freinet (1976 p 22 ndash 23) ao defender a utilizaccedilatildeo de suas teacutecnicas e da imprensa na

escola afirma que as crianccedilas satildeo motivadas a escrever porque o texto escrito nessas condiccedilotildees

tem ldquoum objetivo e uma funccedilatildeo que eacute a de comunicar com os outros companheiros e adultos

proacuteximos ou afastados e a crianccedila sente naturalmente a necessidade de escrever de se exprimir

tal como um bebecirc sente a necessidade de palrarrdquo

C13 escreve sua primeira carta sem ajuda do outro mas se arrisca a fazecirc-lo porque se

sente capaz para isso e se sente motivada a fazer Desse modo

Atraveacutes desta teacutecnica natural de trabalho a proacutepria crianccedila sente muito cedo a

necessidade de escrever e aparece entatildeo o primeiro texto livre ou a primeira

carta A crianccedila com a caneta que ainda maneja dificilmente escreve o que tem

vontade de dizer ao professor ou aos companheiros Esta escrita eacute naturalmente

de um gecircnero muito especial e temos de nos treinar a lecirc-la (FREINET 1976 p

29 ndash 30)

213

Nessa carta ela natildeo escreve a saudaccedilatildeo e a despedida poreacutem a inicia com a escrita de seu

proacuteprio nome a data escreve uma mensagem coerente e finaliza com a assinatura do seu nome

completo

(Escreve seu nome completo)

Mariacutelia 29 de setembro de 2010

(Escreve seu nome completo)

Professora Greici

A mais linda bailarina

Que eu mais gosto

De vocecirc professora Greici

(Escreve seu nome completo novamente)

A carta de C13 apresenta marcas da linguagem oral contudo jaacute se caracteriza como um

texto do gecircnero discursivo Possenti (1996 p 32) afirma que ldquoos grandes problemas escolares

estatildeo no domiacutenio do texto natildeo no da gramaacuteticardquo Explica que embora a finalidade da escola seja

a de ensinar a norma culta padratildeo essa instituiccedilatildeo o faz de maneira afastada do uso que o sujeito

faz da linguagem em diferentes situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo Em consonacircncia com essa

afirmaccedilatildeo Geraldi (1996 1997) explica que o fracasso do ensino da produccedilatildeo escrita e da leitura

eacute a artificialidade com que essas atividades satildeo propostas na escola

Ao considerar tais afirmaccedilotildees pode-se inferir que o texto de C13 se estabelece na

contramatildeo desse ensino artificial da produccedilatildeo escrita pois C13 apesar de ter apenas cinco anos

natildeo soacute participa de situaccedilotildees de escrita com a mediaccedilatildeo da professora em situaccedilotildees reais de uso

mas tambeacutem aprende a pensar a escrita no seu funcionamento de forma dialoacutegica desde a

Educaccedilatildeo Infantil num ensino que privilegia a expressatildeo sendo a crianccedila sujeito desse processo

Em decorrecircncia da inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita o dado a ser apresentado poderaacute

contribuir com a reflexatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita por meio do

gecircnero discursivo carta

521 Evoluccedilatildeo na escrita do gecircnero discursivo carta

Haacute poucos dias do teacutermino das atividades escolares e do ingresso no periacuteodo de feacuterias as

crianccedilas geriam seu proacuteprio tempo em tarefas variadas como pintura modelagem e desenho C13

214

que inicialmente havia se juntado agraves crianccedilas que desenhavam pegou uma folha de sulfite e em

vez de desenhar conforme se pensava que faria comeccedilou a escrever Manteve-se nessa escrita

durante 35 minutos e todas as vezes que era interpelada pelos colegas sobre o que escrevia

explicava que se tratava de uma ldquocarta importanterdquo contudo manteve segredo sobre o conteuacutedo e

o destinataacuterio

O seu teacutermino coincidiu com o momento de reorganizar a sala para que outra professora

pudesse utilizaacute-la uma vez que nos dirigiriacuteamos para o tanque de areia C13 ajudou os amigos a

guardar os materiais e a reorganizar a sala mas dobrou o papel que escrevera e o guardou em seu

bolso sem nada comentar Brincou normalmente com as demais e chegada a hora de ir embora

para casa se dirige agrave professora retira o papel do bolso e o entrega a ela dizendo

C13 Professora isso aqui eacute pra vocecirc (entrega o papel que guardara no bolso

durante todo o tempo depois que o escrevera)

P Mas o que eacute isso C13

C13 Eacute uma carta importante que eu escrevi para vocecirc

P Uma carta importante pra mim

C13 Eacute pro eacute de umas coisinhas que eu queria te falar de umas coisas que

vocecirc PRECISA saber

P Nossa eacute mesmo

C13 Hatilde hatilde (afirma movimentando a cabeccedila)

P Hum eu vou ler agora mesmo

C13 Amanhatilde vocecirc me fala o que vocecirc achou taacute pro

P Claro que sim Estou muito curiosa para saber o que vocecirc escreveu nessa

carta

C13 foi embora com sua matildee mas enquanto caminhava em direccedilatildeo agrave sua casa

voltava-se para traacutes na intenccedilatildeo de ver se a professora estaria possivelmente

lendo a carta que escrevera

(Situaccedilatildeo observada no dia 021210)

No dia seguinte assim que chegou agrave escola deu um beijo de boa tarde e a professora diz

P Muito obrigada pela carta C13 Fiquei muito feliz e emocionada ao saber das

coisas importantes que vocecirc queria me dizer Eu vou guardar para sempre sua

carta comigo para que eu me lembre sempre de vocecirc e das coisas bonitas que

vocecirc aprendeu quando estivemos juntas

C13 Ainda bem que eu escrevi neacute pro Porque assim natildeo daacute pra esquecer e

toda vez que vocecirc quiser se lembrar eacute soacute vocecirc pegar essa carta e ler de novo

(Situaccedilatildeo observada no dia 031210)

215

(Carta escrita por C13 em 021210)

216

Pode-se inferir que a carta escrita por C13 no final da pesquisa denota evoluccedilatildeo em suas

apropriaccedilotildees da liacutengua materna em relaccedilatildeo agrave carta apresentada e analisada anteriormente tambeacutem

escrita por C13 no mecircs de setembro do mesmo ano Por meio do texto livre originado da

necessidade de expressar o que pensa e sente eacute capaz de criar sem a ajuda de outro colega ou de

outro adulto o seu proacuteprio texto na tentativa deliberada de deixar registrado algo que para si

possui um sentido uacutenico ldquoEacute uma carta importante que eu escrevi para vocecircrdquo ldquoEacute pro eacute de umas

coisinhas que eu queria te falar de umas coisas que vocecirc PRECISA saberrdquo Ela aparenta

perceber que a escrita legitima as coisas e que por meio dela o que ldquoeacute importanterdquo permanece

para ser lembrado em qualquer tempo ou circunstacircncia Isso se verifica quando diz ldquoAinda bem

que eu escrevi neacute pro Porque assim natildeo daacute pra esquecer e toda vez que vocecirc quiser se lembrar eacute

soacute vocecirc pegar essa carta e ler de novordquo

A anaacutelise dos dados remete ao princiacutepio de que a linguagem eacute um objeto social e a

comunicaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel por meio de enunciados completos passiacuteveis de respostas em um

determinado contexto discursivo No processo de comunicaccedilatildeo verbal os enunciados pressupotildeem

o outro e o interlocutor espera a posiccedilatildeo responsiva ativa do outro alternando as posiccedilotildees num

processo dialoacutegico ou seja toma a posiccedilatildeo de enunciador em determinados momentos

A alternacircncia dos sujeitos do discurso que emoldura o enunciado e cria para ele

a massa firme rigorosamente delimitada dos outros enunciados a ele vinculados

eacute a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como unidade da

comunicaccedilatildeo discursiva que o distingue da unidade da liacutengua (BAKHTIN

2003 p 279 ndash 280)

A segunda peculiaridade eacute a conclusividade especiacutefica do enunciado uma espeacutecie de

aspecto interno da alternacircncia dos sujeitos do discurso ldquoessa alternacircncia pode ocorrer

precisamente porque o falante disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou sob

dadas condiccedilotildees (BAKHTIN 2003 p 280 grifo do autor) De acordo com o autor o primeiro e

mais importante criteacuterio de conclusibilidade do enunciado eacute a possibilidade de responder a ele

em outras palavras eacute a possibilidade de ocupar em relaccedilatildeo ao enunciado uma posiccedilatildeo responsiva

(BAKHTIN 2003 p 280 grifo do autor) Esse fato ocorre quando eu depois de ler a carta que

C13 entregara a mim tenho uma atitude responsiva aos enunciados proferidos por meio do

discurso escrito da crianccedila ao dizer no dia seguinte ldquoMuito obrigada pela carta C13 Fiquei

217

muito feliz e emocionada ao saber das coisas importantes que vocecirc queria me dizer Eu vou

guardar para sempre sua carta comigo para que eu me lembre sempre de vocecirc e das coisas

bonitas que vocecirc aprendeu quando estivemos juntasrdquo Essa alternacircncia de sujeitos da

interlocuccedilatildeo e a constante atitude responsiva entre eles pode ser percebida tambeacutem na escrita da

carta O fato de C13 ser capaz de re-criar o seu proacuteprio texto jaacute eacute uma atitude responsiva agraves

situaccedilotildees vivenciadas por ela na escola resultado das condiccedilotildees concretas objetivas que ela

participou

A carta que C13 escreve para o seu destinataacuterio real ndash no caso a professora ndash traz as

caracteriacutesticas e as especificidades do gecircnero em seus elementos constitutivos A construccedilatildeo

composicional ndash data saudaccedilatildeo mensagem despedida assinatura ndash aparece contemplada no

texto que demonstra organizaccedilatildeo de ideias pela presenccedila dos paraacutegrafos do uso da pontuaccedilatildeo

marcado pelo ponto final com tamanho acentuado O conteuacutedo temaacutetico eacute delineado pela voz do

sujeito que expressa as ideias a serem lidas pelo outro e o estilo eacute privilegiado pelas

caracteriacutesticas proacuteprias da crianccedila ao permitir que suas experiecircncias com a escrita se faccedilam

presentes O estilo ainda eacute observado pela forma como escolhe dizer o que tem a dizer com os

recursos da liacutengua dos quais dispotildee

O gecircnero discursivo carta escolhido pela crianccedila para comunicar suas ideias desejos e

vontades cumpre sua funccedilatildeo de instrumento de comunicaccedilatildeo A crianccedila desde a Educaccedilatildeo

Infantil parece compreender que nos comunicamos por meio de textos que trazem ideias e natildeo

por meio de letras siacutelabas e palavras soltas e descontextualizadas As palavras e oraccedilotildees como

unidades do sistema da liacutengua natildeo possuem expressividade natildeo carregam por si soacutes o sentido

completo Dessa forma eacute somente na cadeia da comunicaccedilatildeo verbal no interior do enunciado

que ela adquire determinada expressatildeo ao ouvinte

53 A escrita do gecircnero discursivo relatos de vida

Neste item seratildeo apresentadas e analisadas situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto escrito do

gecircnero discursivo relatos de vida que oferecem indiacutecios das relaccedilotildees que as crianccedilas estabelecem

com os seus elementos constitutivos e a mediaccedilatildeo da professora nesse processo

218

Depois de realizar a roda da conversa como era feito todos os dias C6 e C11 solicitam a

minha ajuda para escreverem no livro da vida As crianccedilas realizavam a construccedilatildeo de brinquedos

com sucata para presentearem os correspondentes da Turma do Dedo Verde turma da escola da

zona sul da cidade e essas duas crianccedilas preferiram criar o texto do gecircnero discursivo relato de

vida

P Entatildeo vamos comeccedilar

C6 Vamos

P E sobre o que vocecircs querem escrever

C6 A data

P Primeiro a data

C6 Esqueceu da data neacute

P Eacute a data ldquoMariacutelia E pra que noacutes colocamos a data

C6 Pra saber neacute Que dia que a gente fez neacute Que cidade eacute que mecircs que eacute neacute

P Certo Entatildeo ldquoMariacutelia 23 de

C11 ldquode agostordquo

P Agosto

C6 Setembro

P Mariacutelia 23 de setembro de 2010 E jaacute que colocamos a data sobre o que

vocecircs querem escrever

C6 Bom vocecirc tem alguma ideia C11

C11 Tenho Eu posso escrever sobre aquela novidade que eu trouxe hoje pra

vocecirc

P Claro E eu sugiro que a gente faccedila entatildeo dois textos um sobre o que vocecirc vai

contar e outro da C6

C6 ISSO (A crianccedila aplaude)

C11 Legal pro

P Quem quer comeccedilar

C6 Eu Ah qual eacute a minha novidade mesmo Ah O GIRASSOL

P O que vocecirc quer contar aqui

C6 Bom primeiro escreve (A crianccedila olha para o papel e aponta com o dedo

indicador da matildeo direita o lugar onde eu devo comeccedilar a escrever o que vai

falar) ldquoEu arrumei dois jeitos de plantar o girassolrdquo Escreve aqui em cima vai

(indica novamente com o dedo indicando o espaccedilo inicial que eu deveria deixar

para marcar o iniacutecio do paraacutegrafo)

Depois que escrevo a crianccedila diz

C6 Olha aqui o E o E e o U Olha aqui o Eu vocecirc escreveu Eu

A crianccedila continua a me observar a escrever o que disse

C6 Ocirc pro o J e o E escreve JE G de Gabriela de Gabriel

P Mas o J eacute diferente do G

C6 Eacute que o G com o I tem o som de J neacute pro

P Sim C6

C6 Pro eu amo o girassol Eu vou contar igual a gente fez aqui (refere-se ao

plantio do girassol realizado na escola com a professora)

ldquoPrimeiro pro vocecirc pega vocecirc lava um potinho de danoninhordquo (refere-se ao

potinho descartaacutevel de iogurte) Escreve aqui pro (a crianccedila indica novamente o

lugar em que devo escrever o que acaba de dizer)

Escrevo o que a crianccedila diz e C6 observa

219

C6 Olha aqui o vo de vovocirc Olha aqui o da de dado

P Entatildeo ldquoPrimeiro vocecirc pega o potinho de danoninho e coloca terrardquo

C6 O primeiro jeito neacute

P Sim

C6 ldquoDepoisrdquo (eu interrompo)

P Aqui eu coloco um ponto final e aiacute vou continuar escrevendo o que vocecirc vai

falar Eacute isso

C6 Isso ldquoDepois vocecirc joga as sementinhas laacute dentro e rega elasrdquo Pontinho final

neacute pro

Escrevo o que a crianccedila diz e pergunto

P Por que vocecirc quer que eu coloque o ponto final

C6 Porque sim neacute Porque eacute o final

P Final de quecirc

C6 Dessa ideia que eu contei

P Ah sim ldquoDepois vocecirc joga as sementinhas laacute dentro e rega elasrdquo (eu coloco

o ponto final)

C6 Escreve aiacute pro ldquoDeixa no solrdquo

P O que

C6 A plantinha Olha o x Xuriccedilo tambeacutem eacute com x

P Entatildeo vamos escrever assim ldquoDeixa as sementinhas que foram plantadas no

solrdquo porque a plantinha ainda natildeo nasceu Vocecirc concorda

C6 Concordo Fica melhor mesmo Mas coloca o ponto final depois disso

P Acabou de contar a ideia

C6 Acabou mas agora tem a outra parte neacute

P Certo Entatildeo vamos laacute

Por meio da anaacutelise do processo de re-criaccedilatildeo de texto de C6 com a minha mediaccedilatildeo

como professora pode-se inferir que a crianccedila aprende a liacutengua em seu funcionamento de forma

dinacircmica e dialoacutegica C6 aprende a pensar sobre o que quer dizer e a forma como quer dizer Eacute

por meio dessa relaccedilatildeo dialoacutegica que eacute inserida na cultura escrita O desejo de querer dizer de C6

se realiza acima de tudo na escolha de um gecircnero discursivo Essa escolha eacute determinada em

funccedilatildeo da especificidade de uma dada esfera da comunicaccedilatildeo humana das necessidades de uma

temaacutetica do parceiro do ato comunicativo Feito isso o intuito discursivo do locutor sem

renunciar a sua individualidade e a sua subjetividade ajusta-se ao gecircnero escolhido compotildee-se e

desenvolve-se na forma do gecircnero determinado (BAKHTIN 2003)

C6 participa ativamente da re-criaccedilatildeo de texto ao escolher o gecircnero de que se utilizaraacute o

momento para essa re-criaccedilatildeo o assunto a ser abordado a forma como a escrita desse texto pode

se dar Esses elementos todos caracterizam o texto livre (FREINET 1976) C6 revela ter se

apropriado de alguns conhecimentos sobre a linguagem escrita ao indicar para a professora onde

deve escrever ndash iniciar os paraacutegrafos ndash quando deve finalizar os enunciados e iniciar outros ndash uso

220

da pontuaccedilatildeo ndash mas principalmente manteacutem a coerecircncia das ideias ao organizaacute-las

espacialmente e temporalmente no texto

Durante a escrita realizada por mim C6 algumas vezes ressalta as relaccedilotildees que percebe

sobre as unidades da liacutengua sobre o coacutedigo escrito sobre a presenccedila de letras e de siacutelabas que

compotildeem as palavras No entanto natildeo se prende agrave sinalidade mas avanccedila no manejo dos signos

O signo na perspectiva bakhtiniana constitui-se como uma atitude responsiva ativa de um

determinado sujeito em relaccedilatildeo a algo e para ser compreendido ldquoexige tambeacutem uma atitude

dialoacutegica de um outro sujeito o qual produz signos num exerciacutecio de aproximaccedilatildeo entre o signo

em observaccedilatildeo e outros jaacute conhecidosrdquo (DI FANTI 2003 p 100)

Dentre a ampla (e densa) pertinecircncia da reflexatildeo bakhtiniana sobre o signo a de

consideraacute-lo ideoloacutegico ndash apresentar iacutendices de valor de cunho social ndash eacute a que

possibilita juntamente com a noccedilatildeo de dialogismo a ampliaccedilatildeo da noccedilatildeo de

signo linguumliacutestico proporcionando uma nova relaccedilatildeo com o sistema Sistema este

que deixa de ser linguumliacutestico estrito no sentido de possuir unidades significantes

neutras e sem expressividade para ser linguumliacutestico-ideoloacutegico-dialoacutegico no

sentido de apresentar signos que se formam como enunciados (imbricam verbal

e natildeo-verbal dito e natildeo dito) e que implicam uma atitude ativa responsiva do

sujeito a qual desencadearaacute outros enunciados Sendo assim entendemos que

esse sistema ampliado dialoacutegico se inscreve em um sistema enunciativo-

discursivo uma vez que se constitui de uma complexidade de enunciados que

estatildeo em relaccedilatildeo dialoacutegico-discursiva (DI FANTI 2003 p 100)

Ao remeter essas consideraccedilotildees a C6 eacute possiacutevel dizer que as relaccedilotildees que a crianccedila faz ao

longo do processo da re-criaccedilatildeo natildeo se restringem agrave sinalidade inexpressiva e teacutecnica da liacutengua

mas ao contraacuterio estabelece relaccedilotildees com o coacutedigo elevando-o agrave condiccedilatildeo de signo e por essa

razatildeo natildeo interrompe a re-criaccedilatildeo para codificar e decodificar as letras e siacutelabas mas para se

apropriar da liacutengua escrita e colocaacute-lo agrave serviccedilo das suas necessidades e interesses para expressar

seu pensamento e suas ideias

E C6 continua

C6 Escreve aiacute pro ldquoProacuteximo jeito proacuteximo jeito vairdquo

Escrevo como a crianccedila pediu e ela continua

C6 ldquoProacuteximo jeito de plantar os girassoacuteisrdquo

P Muito bem aqui ao final eu vou colocar dois pontos porque agora vocecirc vai

explicar o segundo jeito

C6 Taacute Entatildeo vocecirc vai escrever igual no comecinho assim ldquoPrimeiro vocecirc lava

o potinho de danoninho Depois vocecirc joga um algodatildeozinho laacute dentrordquo Esse eacute o

221

jeito que eu fiz em casa depois que eu plantei com terra aqui na escola Eu

plantei com algodatildeo por causa que natildeo tinha terra na minha casa

P Ah porque vocecirc natildeo tinha terra

C6 Eacute

P Entendi Entatildeo vou ler ateacute aqui para ver como podemos seguir com o texto

estaacute bem

C6 Taacute

Leio o texto e retomo

P ldquoDepois vocecirc joga o algodatildeozinho laacute dentrordquo E agora

C6 ldquoDepois coloca as sementinhasrdquo

P Mas escreve depois de novo

C6 Eacute

P Teria uma outra forma de a gente escrever isso sem repetir depois Olha eu

vou ler esse trecho ldquoDepois vocecirc joga o algodatildeozinho laacute dentrordquo

C6 ldquoe coloca as sementinhasrdquo

P Ah acho que ficou melhor

C6 Agora escreve pro ldquoEntatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhasrdquo

Escrevo e leio novamente com a intenccedilatildeo de concluir a ideia

P ldquoEntatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhasrdquo

E a crianccedila conclui

C6 ldquoque foram plantadasrdquo

Entatildeo escrevo

C16 Agora eu posso escrever o meu nome

P Tem mais alguma coisa para escrever no texto

C6 Escrever meu nome

A crianccedila escreve o seu nome no final do texto e diz

C6 Agora eacute a vez de C11

C6 Pro eu vou segurar o meu texto Eu vou ficar com ele

Mariacutelia 23 de setembro de 2010

Eu arrumei dois jeitos de plantar os girassoacuteis

Primeiro vocecirc pega lava um potinho de danoninho e coloca terra Depois vocecirc

joga as sementinhas laacute dentro e rega elas Deixa as sementinhas que foram

plantadas no sol

Proacuteximo jeito de plantar os girassoacuteis Primeiro vocecirc lava o potinho de

danoninho Depois vocecirc joga um algodatildeozinho laacute dentro e coloca as

sementinhas Entatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhas que foram

plantadas

C6

Ao considerar que as condiccedilotildees objetivas de vida e educaccedilatildeo que o sujeito possui

influenciam diretamente as aprendizagens (LEONTIEV 1978) pode-se dizer que a minha

mediaccedilatildeo como professora contribui nesse processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita porque

planejo intencionalmente as situaccedilotildees de escrita e de leitura os tempos e espaccedilos os objetos da

cultura material e natildeo material bem como a forma de intervenccedilatildeo ao propor perguntas sugestotildees

222

sem dar respostas definitivas e acabadas Ao fazer isso o espaccedilo dialoacutegico entre a crianccedila e o

professor se amplia e se estende de modo a promover aprendizagens Diante disso enfatiza-se

que

Eacute oa professora ainda quem - ao conhecer a importacircncia da relaccedilatildeo que a

crianccedila estabelece com a cultura para a sua apropriaccedilatildeo ndash pode intencionalmente

buscar as formas adequadas para provocar nas crianccedilas o estabelecimento de

uma relaccedilatildeo com a cultura que favoreccedila o desenvolvimento das maacuteximas

qualidades humanas nas diferentes etapas de seu desenvolvimento (MELLO

2009 p8)

Outro aspecto a ressaltar no final da re-criaccedilatildeo de texto de C6 eacute que ela insiste em

escrever seu nome no texto e ainda deseja seguraacute-lo enquanto C11 inicia o seu texto com a

professora Essa insistecircncia denota que a crianccedila se sentiu sujeito desse processo que assume sua

re-criaccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de re-criadora de textos

Outra situaccedilatildeo de escrita do gecircnero discursivo relatos de vida

P Estaacute bem C20 Sobre o que vocecirc quer que eu te ajude a escrever no Livro da

vida

C20 Eu quero escrever sobre o meu baleacute

P E como vocecirc quer comeccedilar o seu texto O que vamos escrever primeiro

C20 A data

P Certo (Escrevo a data na parte superior da folha ldquoMariacuteliardquo)

C20 Eacute igual ao meu nome pro

P Ateacute em qual parte o nome da nossa cidade parece o seu nome

C20 Ateacute aqui (aponta com o dedo indicador direito ateacute a quarta letra ndash Mari)

P Vocecirc tem razatildeo Bem e como vamos comeccedilar o seu texto

C20 (a crianccedila silencia olha para o alto)

P Quando que vocecirc comeccedilou a fazer baleacute

C20 Foi aquele dia que a minha matildee conversou com vocecirc aiacute a minha matildee

achou muito caro e ela natildeo tinha dinheiro Aiacute depois ela foi numa escola que

dava pra ela pagar Aiacute eu comecei a fazer baleacute laacute

P E desde quando vocecirc decidiu fazer baleacute

C20 Desde que eu tinha quatro aninhos

P Eacute mesmo

C20 Hum hum

P Entatildeo vamos comeccedilar o texto assim

C20 Vamos ldquoEu queria fazer baleacute desde que eu tinha quatro aninhosrdquo

Escrevo

P Muito bem O que vocecirc vai me contar agora Como que podemos continuar

esse texto

C20 ldquoEu pedi para a minha matildee me levar no baleacuterdquo

Continuo a escrever

P E depois C20

223

C20 ldquoDepois que eu pedi ela me levou de ocircnibus e laacute na escola de baleacute a minha

matildee ficou numa salinhardquo

P Fazendo o que

C20 Ficou numa salinha me esperando enquanto eu ensaiava

(Escrevo novamente)

P E agora C20 O que vocecirc aprendeu laacute que vocecirc pode contar aqui no texto

C20 Eu aprendi o plieacute (refere-se a um passo de baleacute)

P Hum mas o que vocecirc acha que podemos fazer aqui no texto Eu continuo a

escrever isso que vocecirc me disse aqui na frente mesmo ou comeccedilo embaixo

C20 Coloca ponto final aqui e comeccedila a escrever embaixo

P Por que vocecirc acha melhor fazer isso C20

C20 Porque eu vou comeccedilar a contar outra parte eacute uma outra coisa sobre o

baleacute que eu quero escrever agora

A situaccedilatildeo apresentada eacute marcada pela presenccedila da mediaccedilatildeo do adulto no caso a

professora que permite agrave crianccedila organizar as ideias para que elas sejam escritas de forma coesa

Ela hesita em alguns momentos em expressar oralmente o que deseja escrever e na medida em

que eu indico possibilidades por meio do diaacutelogo C20 consegue objetivar o seu pensamento e

criar o seu texto C20 aparenta se apropriar do gecircnero discursivo relatos de vida ao propor

abordar em seu texto um acontecimento da sua vida uma experiecircncia do seu dia a dia que revela

seus desejos e emoccedilotildees Desse modo pode-se afirmar que o processo de comunicaccedilatildeo eacute o

elemento crucial no processo de apropriaccedilatildeo da cultura humana

De acordo com Leontiev (1978 p 273)

A comunicaccedilatildeo quer esta se efectue sob a sua forma exterior inicial de

actividade em comum quer sob a forma de comunicaccedilatildeo verbal ou mesmo

apenas mental eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria e especiacutefica do desenvolvimento do

homem na sociedade

Essas ideias se coadunam com as de Freinet e de Bakhtin Para Freinet a comunicaccedilatildeo eacute

uma necessidade da crianccedila e eacute essa compreensatildeo que justifica a livre expressatildeo como princiacutepio

vertebrador na estruturaccedilatildeo de suas teacutecnicas de ensino Essa comunicaccedilatildeo que se concretiza por

meio de diferentes linguagens tem na expressatildeo verbal seu elemento central A livre expressatildeo

segundo Freinet eacute ldquoa proacutepria manifestaccedilatildeo da vidardquo (FREINET 1979 p 12)

Para Bakhtin (1992) a linguagem eacute interaccedilatildeo social cujo objetivo eacute a comunicaccedilatildeo entre

falanteouvinte entre um eu e um tu que requer a atitude responsiva do outro e isso pressupotildee

um princiacutepio geral a reger toda palavra o de que linguagem eacute diaacutelogo (BAKHTIN 1992) Toda

224

palavra eacute por natureza dialoacutegica porque sempre pressupotildee o outro - o outro como destinataacuterio a

quem estaacute voltada toda alocuccedilatildeo o outro como discurso ou discursos (BRANDAtildeO 2005)

Ao considerar esses pressupostos reitera-se a tese aqui defendida de que as crianccedilas

aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a liacutengua se

manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola como

instrumento de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana

P Estaacute bem mas eacute preciso explicar no texto para quem natildeo estuda baleacute o que eacute

o plieacute Como vocecirc acha que podemos escrever isso

C20 Hum (olha para o alto novamente e silencia)

P O que vocecirc acha de colocar assim ldquoEu aprendirdquo (C20 interrompe a

professora e continua a ideia a ser colocada no texto)

C20 ldquoEu aprendi o plieacute que eacute um passo de baleacute e foi a minha professora que me

ensinourdquo (refere-se agrave professora de baleacute de C20)

P Vocecirc estaacute gostando de fazer baleacute

C20 Nossa muito

P E como eacute que a gente pode escrever isso aqui

C20 Ai escreve assim Eacute muito legal danccedilar baleacute Eu gosto muito de aprender

baleacute

P Antes de escrever isso eu vou ler todo o texto ateacute aqui Tudo bem

C20 Tudo

A professora lecirc todo o texto e C20 diz

C20 Ai tem um monte de vezes escrito baleacute baleacute baleacute

P Acho que noacutes podemos arrumar um pouco isso natildeo eacute Vamos retomar a sua

ideia para terminar o texto sem repetir novamente a mesma palavra

C20 Eacute

P Entatildeo poderia ficar assim ldquoEacute muito legal danccedilarrdquo (C20 interrompe a

professora e continua)

C20 ldquoEacute muito legal danccedilar igual bailarina A minha professora vai deixar eu

danccedilar com aquela roupa linda e com a sapatilha Vou amarrdquo

A professora escreve e C20 pergunta

C20 Por que vocecirc pocircs esse negoacutecio aqui (refere-se ao ponto de exclamaccedilatildeo) e

natildeo o ponto final

P Esse ponto eacute o ponto de exclamaccedilatildeo que serve para quando a gente escreve

algo que mostra entusiasmo surpresa como vocecirc fez agora

C20 Hum Pro agora eu posso escrever meu nome no meu texto e depois

desenhar eu na aula de baleacute

P Claro que sim

Mariacutelia 29 de novembro de 2010

Eu queria fazer baleacute desde que eu tinha quatro aninhos Eu pedi para a

minha matildee me levar no baleacute

Depois que eu pedi ela me levou de ocircnibus e laacute na escola de baleacute a minha

matildee ficou numa salinha me esperando enquanto eu ensaiava

225

Eu aprendi o plieacute que eacute um passo de baleacute e foi a minha professora que me

ensinou

Eacute muito legal danccedilar igual bailarina A minha professora vai deixar eu

danccedilar com aquela roupa linda e com a sapatilha Vou amar

C20

C20 aprende a pensar a escrita e lida com o gecircnero discursivo ao re-criaacute-lo na relaccedilatildeo

dialoacutegica que se estabelece com a professora com o texto com ela mesma Isso se verifica

durante todo o processo de re-criaccedilatildeo na interlocuccedilatildeo e na contrapalavra que apresenta ldquoAi tem

um monte de vezes escrito baleacute baleacute baleacuterdquo ao que eu respondo ldquoAcho que noacutes podemos

arrumar um pouco isso natildeo eacute Vamos retomar a sua ideia para terminar o texto sem repetir

novamente a mesma palavrardquo E entatildeo na atitude responsiva cria uma forma que atenda agrave

situaccedilatildeo discursiva revelada

De acordo com o exposto cabe enfatizar que o ensino da liacutengua focado na codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos retira da crianccedila a possibilidade de estabelecer relaccedilotildees intensas

com a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil e consequentemente de iniciar o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita de forma viva dinacircmica e dialoacutegica Nesse vieacutes eacute descartado o

uso de textos simplificados artificiais cartilhescos que se destinam a ldquoensinarrdquo a crianccedila a ler e

escrever porque natildeo condizem dentro da perspectiva apresentada neste trabalho com o conceito

de liacutengua de linguagem de crianccedila e de educaccedilatildeo assumidos Com relaccedilatildeo a isso Arena (2009

p 170) esclarece que

A apresentaccedilatildeo de textos simplificados e artificialmente inventados daacute a falsa

ideacuteia de que a escola estaria realizando uma aproximaccedilatildeo entre aluno e a liacutengua

escrita de maneira que a apropriaccedilatildeo se fizesse completamente Haacute em sintonia

com o que venho comentando uma contradiccedilatildeo nessa conduta porque a

aproximaccedilatildeo deveria dar-se na direccedilatildeo da liacutengua viva usada no cotidiano

trazendo com ela o que dela natildeo poderia ser apartado os matizes ideoloacutegicos a

contextualizaccedilatildeo as suas finalidades e funccedilotildees a necessidade de uso []

Por meio da praacutetica dialoacutegica de re-criaccedilatildeo de textos C20 percebe gradativamente

elementos da linguagem escrita e suas funccedilotildees ndash como por exemplo o ponto de exclamaccedilatildeo ndash

que sem a situaccedilatildeo de re-criaccedilatildeo textual natildeo seria possiacutevel ocorrer Por essa razatildeo

Compreender gecircneros do discurso a partir das leituras das obras do Ciacuterculo de

Bakhtin eacute compreender o texto como parte fundante das atividades humanas dos

226

sujeitos Essa compreensatildeo revela um sujeito produtor de linguagem de

enunciados e de discursos e tambeacutem nos mostra que o texto eacute fundamental natildeo

somente para os estudos da liacutengua mas para a proacutepria reconstruccedilatildeo da

compreensatildeo do homem e das Ciecircncias Humanas (GRUPO DE ESTUDOS

DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p52 ndash 53 grifos dos autores)

Com o ensino da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos comunicamos com o outro as

ideias vividas percebidas sentidas pensadas que se materializam nos enunciados no discurso

Seraacute apresentado outro dado sobre a re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo relato de vida por

meio do livro da vida

Apoacutes a roda da conversa em que as crianccedilas se dividiram para realizar suas tarefas nos

ateliers ou cantos de trabalho C6 se dirige a mim e diz

C6 Pro sabe o que eu contei na roda da conversa

P Sim sei sim

C6 Eu quero escrever no livro da vida

P E por que vocecirc quer escrever o que vocecirc contou hoje na roda da conversa no

livro da vida

C6 Porque todo mundo vai ler ateacute a minha matildee quando ela vier na reuniatildeo

(Refere-se agrave Reuniatildeo de Pais e Mestres que ocorre periodicamente na escola)

Atendi ao pedido de C6 e iniciamos a re-criaccedilatildeo do seu relato de vida

P Muito bem entatildeo vamos comeccedilar

C6 Vamos

P Como vocecirc quer comeccedilar seu texto

C6 Primeiro a data pro

Entatildeo escrevo a data ldquoMariacutelia 4 de junho de 2010rdquo

P E agora

C6 Pode escrever assim oacute ldquoOntem eu fui de ocircnibus com a minha matildee na casa

da minha tiardquo

Eu escrevo o que C6 diz e em seguida ela me indaga

C6 Pro por que vocecirc natildeo comeccedilou a escrever grudadinho no comeccedilo da folha

P Porque esse pequeno espaccedilo mostra que estamos iniciando um paraacutegrafo uma

ideia que comeccedila a ser escrita

C6 Hum

P Bem o que mais seraacute colocado aqui

C6 Eacute escreve assim pro ldquoNo caminho eu vi o lugar onde o meu pai trabalha

que eacute a DORI (refere-se agrave uma faacutebrica de doces) Eacute tatildeo grande E tambeacutem vi a

fumacinha do lugar onde o meu tio trabalha que eacute na BELrdquo

P O que eacute a BEL Acho que eacute melhor explicar porque nem todas as pessoas que

vatildeo ler o texto sabem o que eacute a BEL e Bel pode ser a abreviaccedilatildeo do nome de

uma pessoa de Isabel um apelido carinhoso para quem tem esse nome

227

C6 Eacute uma faacutebrica de doces

Escrevo o que C6 sugeriu

P Bem o que mais vocecirc quer escrever

C6 ldquoAiacute quando eu vim embora eu vi na loja uma boneca no balanccedilo e eu pedi

para a minha matildee comprar ela pra mim no dia do meu aniversaacuteriordquo

Entatildeo escrevo o que C6 diz e ela me interrompe

C6 Pro tem um monte de espaccedilo que sobrou na frente de onde vocecirc estava

escrevendo Por que vocecirc escreveu embaixo Olha aiacute oacute (Aponta o indicador

direito para a folha em que eu escrevia)

P Por que vocecirc acha que eu escrevi embaixo e natildeo na frente ateacute preencher o

espaccedilo

C6 Ah por que Hum (C6 observa o que foi escrito dirige o olhar para o

teto silencia por alguns segundos) Ai eu natildeo sei

P Eu comecei embaixo escrevendo grudadinho no comeccedilo da folha ou eu deixei

um espaccedilo para indicar um novo paraacutegrafo

C6 Deixou espaccedilo e comeccedilou um novo paraacutegrafo

P Hum e por que seraacute que eu fiz isso

C6 Ai eu natildeo sei direito mas eu vou contar agora outra parte do meu passeio

P Isso mesmo e por ser outra parte do seu passeio por ser outra ideia que vocecirc

estaacute dizendo eu comecei outro paraacutegrafo para organizar tudo melhor

C6 Ah taacute entendi

P Entatildeo vamos retomar a sua ideia (Releio o que eu havia escrito ateacute aquele

momento e C6 continua)

C6 Soacute falta escrever assim pro ldquoMas ela disse que eu jaacute tenho bonecas demaisrdquo

Terminada a escrita do relato de vida de C6 organizei com as crianccedilas rapidamente a sala

para que outra professora pudesse ocupaacute-la com sua turma e dirige-me com as crianccedilas ao

refeitoacuterio porque jaacute estaacutevamos poucos minutos atrasados para o lanche As crianccedilas se

acomodaram no refeitoacuterio e percebi que C6 natildeo estava junto agrave turma para lanchar Solicitei a uma

funcionaacuteria que pudesse atender as crianccedilas e fui agrave procura de C6 Voltei agrave sala em que

momentos antes ocupaacutevamos e encontrei C6 escrevendo seu nome no texto que acabara de re-

criar Permaneci em silecircncio e assim que terminou de escrever seu nome no texto C6 me explica

C6 Eu natildeo podia ir para o lanche sem escrever o meu nome no texto pro

P Que bom que vocecirc se lembrou de fazer isso C6

C6 Eu tinha que escrever meu nome para todo mundo saber que fui eu quem fiz

A ilustraccedilatildeo eu faccedilo amanhatilde taacute Eu soacute queria escrever o meu nome no meu

texto

P Combinado Amanhatilde vocecirc faz a ilustraccedilatildeo do seu texto

C6 entatildeo guardou o livro da vida no armaacuterio e fomos juntas para o refeitoacuterio

228

(Foto 7 ndash Situaccedilatildeo fotografada e registrada no dia 040610)

Pela anaacutelise da situaccedilatildeo apresentada C6 aparenta perceber que a escrita legitima as coisas

que se escreve para que possa ser lido e lembrado em qualquer outro momento e que se escreve

porque quer comunicar algo para um outro real um destinataacuterio real Escreve porque tem a

intenccedilatildeo que o outro leia porque quer se expressar Isso se verifica quando a crianccedila se direciona

a mim e diz ldquoEu quero escrever no livro da vidardquo e quando eu pergunto o motivo porque quer

escrever no livro da vida justifica ldquoPorque todo mundo vai ler ateacute a minha matildee quando ela vier

na reuniatildeordquo

Eacute possiacutevel perceber que C6 aprende a liacutengua em movimento na relaccedilatildeo com o outro

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo (GERALDI 2003) e nessa perspectiva

pensar o processo educacional enquanto produccedilatildeo da linguagem e dos sujeitos significa admitir

que a liacutengua natildeo estaacute pronta e acabada (BAKHTIN 1992) mas que o proacuteprio processo

interlocutivo na atividade da linguagem (re)constroacuteem os sujeitos que a constituem agrave medida em

que interagem uns com os outros O sujeito ldquomergulhado nas muacuteltiplas relaccedilotildees e dimensotildees da

interaccedilatildeo socioideoloacutegica vai se constituindo discursivamente assimilando vozes sociais e ao

229

mesmo tempo suas inter-relaccedilotildees dialoacutegicas (FARACO 2009 p84) Por essa razatildeo que

figurativamente Bakhtin diz ldquoque natildeo tomamos nossas palavras do dicionaacuterio mas dos laacutebios

dos outrosrdquo (FARACO 2009 p 84)

Um aspecto a ser ressaltado eacute que C6 se reconhece como autora como a re-criadora do

texto como algueacutem que sabe escrever mesmo que naquela ocasiatildeo ainda natildeo escrevesse

convencionalmente sem a ajuda da professora que atuou como escriba Pode-se perceber desde o

iniacutecio da conversa quando solicita que quer ldquoescreverrdquo no livro da vida o que havia contado na

roda da conversa e na situaccedilatildeo final em que volta para a sala para assinar o texto re-criado

enquanto toda a turma se encontrava no refeitoacuterio para o lanche Desse modo pode-se dizer que

Por autor o Ciacuterculo19

designa natildeo somente o autor de obras literaacuterias ou natildeo mas

tambeacutem o autor de enunciados o que se justifica se pensarmos que embora

reconhecendo a especificidade dos discursos aos quais se costuma atribuir um

autor o Ciacuterculo considera os atos de discurso parte do conjunto dos atos

humanos em geral ndash e todo agente de um ato humano eacute nesse sentido ldquoautorrdquo

de seus atos Assim falar de autor no acircmbito das teorias do Ciacuterculo implica

pensar no contexto de accedilatildeo dos sujeitos e nas complexas tarefas que realizam ao

enunciar Implica considerar como afirmei alhures de um lado o princiacutepio

dialoacutegico (que segue a direccedilatildeo do interdiscursivo da relaccedilatildeo com o outro) e do

outro os elementos sociais histoacutericos etc que formam o contexto da interaccedilatildeo e

que incidem sobre a accedilatildeo autoral Trata-se de elementos que estatildeo contidos na

proacutepria superfiacutecie dos discursos e que soacute aiacute nos satildeo acessiacuteveis mas que natildeo se

esgotam nessa superfiacutecie (SOBRAL 2009 p 61 ndash 62)

C6 revela a necessidade de escrever seu nome no texto para que as pessoas que o lessem

soubessem que se tratava de uma re-criaccedilatildeo sua A crianccedila denota por sua atitude e por sua fala

que a escrita se torna gradativamente para ela uma necessidade Por essa razatildeo diz ldquoEu tinha

que escrever meu nome para todo mundo saber que fui eu quem fizrdquo ldquoEu soacute queria escrever o

meu nome no meu textordquo Pode-se inferir tambeacutem que para C6 a escrita do seu proacuteprio nome

garante a sua autoria Por isso voltar para escrevecirc-lo naquele momento natildeo deixando para o dia

posterior se constitui como fundamental uma vez que o desenho a ilustraccedilatildeo do texto re-criado

comumente realizada pelas crianccedilas em todos os textos re-criados possivelmente natildeo se

apresentou crucial como a escrita para C6 nesta situaccedilatildeo ao dizer ldquoA ilustraccedilatildeo eu faccedilo amanhatilde

taacuterdquo

19

Refere-se ao Ciacuterculo de Bakhtin ndash Vide nota 8 Capiacutetulo II

230

Por meio da re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo as crianccedilas aprendem a liacutengua de forma

dinacircmica aprendem a pensar sobre ela e sobre o seu funcionamento de maneira responsiva Por

meio da relaccedilatildeo dialoacutegica estabelecida entre C6 e a professora no caso eu mesma a crianccedila no

processo inicial de apropriaccedilatildeo da escrita pensa sobre a ideia o conceito de paraacutegrafo e

principalmente a sua funccedilatildeo no texto Como se verifica nesse trecho

C6 Pro por que vocecirc natildeo comeccedilou a escrever grudadinho no comeccedilo da folha

P Porque esse pequeno espaccedilo mostra que estamos iniciando um paraacutegrafo uma

ideia que comeccedila a ser escrita

E ainda

C6 Pro tem um monte de espaccedilo que sobrou na frente de onde vocecirc estava

escrevendo Por que vocecirc escreveu embaixo Olha aiacute oacute (Aponta o indicador

direito para a folha em que eu escrevia)

P Por que vocecirc acha que eu escrevi embaixo e natildeo na frente ateacute preencher o

espaccedilo

C6 Ah por que Hum (C6 observa o que foi escrito dirige o olhar para o

teto silencia por alguns segundos) Ai eu natildeo sei

P Eu comecei embaixo escrevendo grudadinho no comeccedilo da folha ou eu deixei

um espaccedilo para indicar um novo paraacutegrafo

C6 Deixou espaccedilo e comeccedilou um novo paraacutegrafo

P Hum e por que seraacute que eu fiz isso

C6 Ai eu natildeo sei direito mas eu vou contar agora outra parte do meu passeio

P Isso mesmo e por ser outra parte do seu passeio por ser outra ideia que vocecirc

estaacute dizendo eu comecei outro paraacutegrafo para organizar tudo melhor

C6 Ah taacute entendi

Pode-se dizer que a crianccedila aprende pensar a liacutengua em movimento uma liacutengua viva que

ocorre nas relaccedilotildees estabelecidas e natildeo numa liacutengua morta vazia que nada se pode refletir

refratar ou refutar As crianccedilas apesar de pequenas satildeo capazes de aprender a liacutengua

dialogicamente quando as situaccedilotildees de ensino e de aprendizagem satildeo planejadas

intencionalmente satildeo reais e ocorrem num contexto dialoacutegico interlocutivo

Aspectos da gramaacutetica da ortografia satildeo abordados com as crianccedilas devido as situaccedilotildees

que surgem no processo de re-criaccedilatildeo dos gecircneros discursivos e geralmente surgem por meio da

minha mediaccedilatildeo como professora e da observaccedilatildeo das proacuteprias crianccedilas que vivem

frequentemente situaccedilotildees de escrita e de leitura dos gecircneros discursivos

231

Ao pensar no destinataacuterio real ressalta-se que eu a professora solicito que a crianccedila

explicite o que eacute ldquoBELrdquo porque apesar das pessoas que moram na cidade em que ocorreu a

pesquisa terem mais provavelmente conhecimento do que seja ldquoBELrdquo o objetivo era que C6

pudesse se fazer entender por qualquer e todo leitor Em outras palavras que C6 em qualquer

situaccedilatildeo de escrita de re-criaccedilatildeo possa estabelecer uma relaccedilatildeo responsiva um diaacutelogo com o

outro com o leitor seja ele quem for Que a crianccedila possa compreender a palavra alheia mas que

possa permitir que o outro compreenda ativamente a sua palavra uma vez que para Bakhtin

(1992 p 131 ndash 132) ldquocompreender a enunciaccedilatildeo de outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a

ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondenterdquo

54 A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia

Seratildeo apresentados neste item dados de situaccedilotildees de escrita do gecircnero discursivo notiacutecia

que contribuam na compreensatildeo de como pode ocorrer o processo inicial da apropriaccedilatildeo da

escrita com as crianccedilas pequenas por meio desse gecircnero

Apoacutes a roda da conversa em que as crianccedilas contaram novidades acontecimentos fatos

que viveram ou souberam por algueacutem escolhemos nesse dia duas notiacutecias da turma para criar

textos que fariam parte do jornal A primeira notiacutecia era resultado de uma situaccedilatildeo de pesquisa

sobre o Sol ndash devido ao nome da Turma do Sol ndash que motivou inuacutemeras discussotildees entrevistas

investigaccedilotildees das crianccedilas na escola e que repercutiu nas accedilotildees pedagoacutegicas e no envolvimento

de toda a comunidade escolar ao envolver natildeo somente as crianccedilas mas os professores

funcionaacuterios diretora coordenadora e os familiares dos sujeitos da pesquisa

A escolha da notiacutecia pelas crianccedilas foi unacircnime sendo o texto criado coletivamente

PESQUISA SOBRE O SOL DEIXA TODO MUNDO CURIOSO NA

ESCOLA

A nossa Turma do Sol fez uma pesquisa que deixou todo mundo curioso

na nossa escola Essa pesquisa foi por causa de um cartatildeo postal que noacutes

recebemos de uma amiga que viaja muito chamada Suely Ela foi para um lugar

que se chama Satildeo Petersburgo laacute na Ruacutessia e que eacute bem longe daqui mas longe

mesmo

Nesse lugar quando eacute veratildeo o sol se potildee agraves 11horas da noite e nasce agraves 4

horas da manhatilde Por que isso acontece

232

Ningueacutem na escola sabe responder essa pergunta e olha que noacutes

perguntamos para um montatildeo de gente Nem os nossos pais sabem mas agora

noacutes jaacute sabemos porque noacutes pesquisamos com a nossa professora

Vocecirc quer saber No proacuteximo jornal noacutes vamos contar tudo Natildeo percam

(Texto criado em 261010)

Terminada a escrita do texto criado pelas crianccedilas as negociaccedilotildees sobre os procedimentos

seguintes ocorreram

P Pessoal a primeira notiacutecia que vocecircs escolheram na roda da conversa para

escrevermos no jornal da nossa turma eacute sobre a pesquisa sobre o Sol certo

Todas Certo

C5 Pro vocecirc deixa eu C11 e C13 escrever esse texto no computador

P Por mim tudo bem Vocecircs concordam que eles faccedilam isso turma

Todas Concordamos

C6 Entatildeo na hora de imprimir vocecirc deixa eu te ajudar a fazer isso

C2 e C9 Eu tambeacutem quero

P Estaacute certo Depois quando formos fazer a separaccedilatildeo das folhas e montarmos

o jornal vamos precisar de mais ajuda

C1 C7 C4 Eu ajudo

Ao iniciar a digitaccedilatildeo C5 diz

C5 Como eu faccedilo para colocar a letra maiuacutescula pro (olha para o teclado do

computador e eu o oriento)

C5 digita quase inteiro o texto acompanhado de C11 e C13 quando em dado

momento C13 diz

C13 C5 vocecirc escreveu ldquoerdquo e natildeo ldquoeacuterdquo

C5 Eu escrevi sim

C11 Natildeo escreveu natildeo Olha aqui vocecirc escreveu ldquoNesse lugar quando e

veratildeordquo

C13 Eacute verdade

C5 Mas onde eu escrevi isso

(C11 aponta com o dedo indicador)

C5 Ah mas eacute a mesma coisa

C13 Natildeo eacute natildeo

C5 Soacute esqueci do acento

C11 Ah mas se natildeo potildee o acento vira outra coisa

C5 Ueacute Como assim

C13 Eu acho que o ldquoErdquo eacute para falar as coisas e juntar o que estaacute falando O ldquoEacuterdquo

eacute quando vocecirc fala que alguma coisa eacute assim que eacute daquele jeito sabe

C5 Hum sei laacute

(C11 modifica e coloca o acento)

C13 Assim eacute melhor Assim todo mundo vai entender direito a nossa notiacutecia e

vai querer que a gente escreva logo no outro jornal

C11 Por enquanto vai ser soacute uma surpresinha essa notiacutecia sobre a pesquisa

sobre o Sol

233

A escolha da notiacutecia e principalmente a forma como ela eacute escrita denotam apropriaccedilatildeo do

gecircnero discursivo notiacutecia Segundo Jolibert (2006 p 109) ldquonotiacutecias satildeo informaccedilotildees sobre

acontecimentos eventos vigentes dos quais se quer dar conhecimento aos leitores do jornalrdquo

Dessa forma pode-se dizer que as crianccedilas comunicaram por meio da notiacutecia re-criada um

acontecimento vivido por elas e que possivelmente teve um sentido positivo promotor de

aprendizagens dada a concordacircncia de todas para que a notiacutecia fosse escrita e levada a puacuteblico

por meio do jornal Elas lidam com os elementos da notiacutecia de forma interativa e aparentam

perceber caracteriacutesticas especiacuteficas desse gecircnero Isso pode ser observado no uso do discurso

indireto em que ldquoos iacutendices de valoraccedilatildeo do autor satildeo mais visiacuteveis por tratar-se de uma

transmissatildeo analiacutetica do discurso do outro Eacute a marca direta do dialogismo e que aparece com

mais frequumlecircncia na notiacuteciardquo (SILVA 2008 p 11 ndash 12) O discurso direto tem um estilo mais

marcado porque tem a sua fala separada da do autor por aspas ou por dois pontos com travessatildeo

No discurso indireto esses limites satildeo ldquoapagadosrdquo funde-se com a fala do autor

Como todo gecircnero discursivo a notiacutecia tambeacutem se orienta para a resposta ativa do

destinataacuterio e se realiza a partir dessa atitude responsiva porque as relaccedilotildees dialoacutegicas se datildeo em

razatildeo do outro do interlocutor uma vez que eacute em funccedilatildeo do destinataacuterio real vivo responsivo

que se constroacutei o discurso Essa premissa eacute percebida no texto re-criado ldquoNingueacutem na escola

sabe responder essa pergunta e olha que noacutes perguntamos para um montatildeo de gente Nem os

nossos pais sabem mas agora noacutes jaacute sabemos porque noacutes pesquisamos com a nossa professora

Vocecirc quer saber No proacuteximo jornal noacutes vamos contar tudo Natildeo percamrdquo

Haacute que se destacar que as crianccedilas trabalham de forma colaborativa cooperativa e que por

essa razatildeo a interaccedilatildeo entre elas com a professora com as pessoas presentes na escola com o

meio e com os materiais promove aprendizagens porque elas estabelecem relaccedilotildees intensas

Nesse contexto satildeo ouvidas e por meio das negociaccedilotildees feitas entre elas e a professora no caso

eu mesma e organizam o trabalho pedagoacutegico e as experiecircncias a serem vividas Esse fato eacute

observado quando toda a turma participa da re-criaccedilatildeo do texto coletivo e se encarrega em

seguida das tarefas para a publicaccedilatildeo do jornal que portaraacute a notiacutecia criada C5 C11 e C13 se

prontificam para digitarem o texto C6 C2 C9 desejam participar da impressatildeo C1 C7 C4

solicitam separar as folhas para a montagem do jornal

Sobre o uso das teacutecnicas e da organizaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico de forma cooperativa

Freinet (1978 p 113) revela que ldquoa crianccedila que se apercebe de que seu trabalho tem um objetivo

234

e que pode abandonar-se completamente a uma actividade natildeo jaacute escolar mas simplesmente

social e humana sente-se invadida por uma forte necessidade de agir de procurar de criarrdquo A

livre expressatildeo faz emergir na turma um clima de liberdade autodisciplina e confianccedila (ELIAS

1997) Ao solicitarem para digitar o texto C5 C11 e C13 querem utilizar o meu computador que

ficava na sala para esse fim bem como a impressora que tinha a funccedilatildeo de reproduzir os textos

para que todas pudessem ter o seu exemplar Esse recurso corresponde agrave imprensa escolar Para

Freinet (1978 p 112) ldquoa imprensa estaacute na base de um novo comportamento e de uma nova

orientaccedilatildeo da crianccedila e do educador e por conseguinte de toda a pedagogiardquo E ainda afirma que

A Tipografia na Escola fez com que a expressatildeo livre e a actividade criadora dos

nossos alunos passasse para o domiacutenio da praacutetica quotidiana Atraveacutes da

experiecircncia mais eficaz do que todos os raciociacutenios pretensamente cientiacuteficos

juntos abriu novos horizontes a uma pedagogia baseada no interesse autecircntico

fonte de vida e de trabalho Restabeleceu de uma assentada a unidade do

pensamento da actividade e da vida infantis como assinalaacutevamos no nosso

uacuteltimo artigo integrou a escola no processo normal de evoluccedilatildeo individual e

social dos alunos (FREINET 1978 p 113)

Apesar de Freinet se referir aos alunos da escola primaacuteria sua pedagogia e teacutecnicas de

ensino podem adequar-se agrave pequena infacircncia e a qualquer outro niacutevel de ensino porque satildeo

calcadas em atitudes e valores humanizadores O trabalho com a imprensa o texto livre

permitiram que pudessem discutir sobre elementos da liacutengua e pensar em diferentes aspectos

sobre ela C5 digita o texto acompanhado por C11 e C13 que o alerta sobre a diferenccedila entre ldquoerdquo

e ldquoeacuterdquo Inicialmente C5 diz que digitou corretamente por natildeo perceber essa diferenccedila quando diz

ldquoAh mas eacute a mesma coisardquo No entanto C11 e C13 esclarecem que natildeo se trata da mesma coisa

e que a diferenccedila entre elas altera o significado e o sentido do enunciado e por consequecircncia a

compreensatildeo do que se quer expressar C13 tenta explicar a diferenccedila que existe entre ldquoerdquo e ldquoeacuterdquo e

aparenta compreender que ldquoerdquo une as ideias dentro do texto ndash conjunccedilatildeo ndash e que ldquoeacuterdquo indica o

estado de algo ndash o verbo ser

C5 Soacute esqueci do acento

C11 Ah mas se natildeo potildee o acento vira outra coisa

C5 Ueacute Como assim

C13 Eu acho que o ldquoErdquo eacute para falar as coisas e junta o que estaacute falando O ldquoEacuterdquo eacute

quando vocecirc fala que alguma coisa eacute assim que eacute daquele jeito sabe

C5 Hum sei laacute

(C11 modifica e coloca o acento)

235

C13 Assim eacute melhor Assim todo mundo vai entender direito a nossa notiacutecia e

vai querer que a gente escreva logo no outro jornal

O trabalho com os diferentes caracteres presentes no teclado do computador possibilita o

manuseio da liacutengua escrita e seus matizes O leitor e o re-criador de textos do seacuteculo XXI podem

ter esse encaminhamento tambeacutem na escola jaacute que lida com essa diversidade fora dela por meio

de telefones celulares de pessoas proacuteximas da famiacutelia por exemplo Bajard (2012 p 86) explica

que Freinet (1969) ldquohaacute quase um seacuteculo preconizava a utilizaccedilatildeo da imprensa na escola para

incentivar a conquista da escrita a partir do manuseio taacutetil de caracteres controlado pelos olhosrdquo

Por meio do manuseio dos caracteres no computador C5 percebe que a ldquopresenccedila da letra

maiuacutescula favorece a descoberta do sentido da escrita jaacute que a primeira letra fica sempre agrave

esquerdardquo (BAJARD 2012 p 84 ndash 85) Isso se verifica quando a crianccedila solicita agrave professora

que o ensine a colocar a letra maiuacutescula no iniacutecio do textodo paraacutegrafo ldquoPor essa

particularidade o objeto graacutefico natildeo se comporta exatamente como um objeto comum Aleacutem

dessa ldquolateralizaccedilatildeordquo da escrita a crianccedila eacute levada a discriminar outras variaacuteveis pertinentes

como os acentosrdquo (BAJARD 2012 p 89 ndash 90) conforme ocorre com a situaccedilatildeo apresentada com

C5 C11 e C13 Para esse autor os caracteres satildeo capazes de acarretar uma mudanccedila de sentido e

haacute ainda que se considerar que ldquotodos os caracteres possuem um valor visual enquanto apenas

uma parte desse conjunto apresenta um valor sonorordquo (BAJARD 2012 p86)

O uso da caixa alta no tiacutetulo apresenta a intenccedilatildeo de destacar o assunto a ser tratado de

chamar a atenccedilatildeo do leitor e que distingue do corpo da notiacutecia ldquoHaacute uma hierarquia muito

evidente na tipografia maiuacutesculas minuacutesculas tamanho largura disposiccedilatildeo no espaccedilordquo

(JOLIBERT 2006 p 110)

A segunda notiacutecia escolhida e criada pelas crianccedilas na Roda da conversa eacute apresentada a

seguir

BOLO DE CHOCOLATE NA TURMA DO SOL

A receita que a nossa turma mais gostou de fazer ateacute hoje foi a de bolo de

chocolate

Todo mundo ajudou a fazer e o bolo ficou uma deliacutecia Ateacute quebrar os

ovos a professora ensinou Eacute meio difiacutecil fazer isso mas eacute legal

A professora colocou cobertura de brigadeiro por cima e chocolate

granulado

236

A receita eacute faacutecil e daacute ateacute pra ensinar as nossas matildees em casa

Quando a gente foi comer o bolo fez ateacute ldquobigoderdquo na gente por causa da

cobertura de brigadeiro O C5 lambeu os beiccedilos

Depois de criado o texto a professora fez a sua transmissatildeo vocal agraves crianccedilas E

perguntou

P Qual tiacutetulo que daremos a essa notiacutecia

C9 O bolo de chocolate

C15 O bolo de chocolate ficou uma deliacutecia

C1 Ah esses nomes natildeo tem jeito de nome de notiacutecia

P E por que natildeo C1

C1 Porque o nome da notiacutecia tem que ser bem bem com jeito de notiacutecia

P E que jeito eacute esse

C1 Ah (silencia por alguns segundos) ah natildeo pode parecer que eacute outra

coisa outro texto sabe

P E qual nome vocecirc acha que seria melhor para a nossa notiacutecia sobre o bolo de

chocolate que fizemos aqui na escola

C1 Bolo de chocolate na Turma do Sol

Todas aplaudem

C1 Pro deixa eu tentar escrever o nome da notiacutecia (quer escrever no papel em

que a professora escrevia o texto criado)

Eu permito e a crianccedila junto com as demais que se juntaram a sua volta

escreveu o tiacutetulo

A situaccedilatildeo apresentada aparenta revelar que as crianccedilas percebem os elementos

constitutivos de cada gecircnero e suas especificidades como jaacute analisado nos dados anteriores

Nesse caso C1 propotildee outro tiacutetulo para a notiacutecia porque em sua opiniatildeo as sugestotildees dadas natildeo

condiziam com o gecircnero abordado ao dizer ldquoAh esses nomes natildeo tecircm jeito de nome de

notiacuteciardquo E quando a professora indaga C1 na tentativa de verificar os motivos que a fazem pensar

dessa forma C1 responde ldquoAh (silencia por alguns segundos) ah natildeo pode parecer que eacute

outra coisa outro texto saberdquo Pode-se inferir que C1 deseja que o tiacutetulo requeira uma

correspondecircncia agraves especificidades do gecircnero discursivo notiacutecia e que cada gecircnero tem um

ldquojeitordquo um estilo uma construccedilatildeo composicional um conteuacutedo temaacutetico especiacutefico que o

constitui Essa especificidade de cada gecircnero discursivo eacute apropriada e objetivada quando os

gecircneros satildeo apresentados e vividos de forma interativa dinacircmica dialoacutegica em que as relaccedilotildees

com eles satildeo estabelecidas de modo reflexivo e funcional

C1 propotildee outro tiacutetulo agrave notiacutecia ndash BOLO DE CHOCOLATE NA TURMA DO SOL ndash e

recebe a aprovaccedilatildeo de todas as demais crianccedilas da turma por supostamente tambeacutem concordarem

que o tiacutetulo sugerido possui em sua elaboraccedilatildeo elementos condizentes com o gecircnero re-criado

237

As crianccedilas lidam com os gecircneros e os utilizam como instrumento de comunicaccedilatildeo devido

agraves condiccedilotildees objetivas das quais participam promovidas pelo trabalho pedagoacutegico

intencionalmente organizado pelas relaccedilotildees estabelecidas com eles por meio da mediaccedilatildeo da

professora e do outro mais avanccedilado pelo contato com os materiais diversos pelas situaccedilotildees

reais de leitura e de escrita propostas

Elas denotam compreender que o conteuacutedo temaacutetico refere-se ao domiacutenio de sentido de

que se ocupa o gecircnero que a construccedilatildeo composicional corresponde ao modo como os

enunciados satildeo estruturados que o estilo se relaciona agrave seleccedilatildeo dos meios linguumliacutesticos necessaacuterios

ao enunciado em funccedilatildeo do destinataacuterio e de como se espera sua compreensatildeo responsiva ativa

A notiacutecia do jornal da turma traz ainda subjacente que as crianccedilas conhecem outros

gecircneros aleacutem daqueles apresentados nesse trabalho Isso se verifica ao revelarem por meio do

texto re-criado por elas que a receita que mais gostaram de fazer na turma ateacute aquele momento

fora a receita de bolo de chocolate assim como o dado analisado no item 52 sobre a escrita de

cartas em que eacute mencionada a re-criaccedilatildeo do texto que ensina os correspondentes as brincadeiras e

suas regras

Ao me solicitar para escrever o tiacutetulo da notiacutecia no papel em que ela acabara de escrever

C1 denota que se sente motivada a escrever que a escrita ldquosoacute eacute procurada e desenvolvida quando

utilizada para um fim adequado e evidente motivada por uma necessidade orgacircnica [] Por

meio dessa atitude de quer escrever ela mesma o tiacutetulo da notiacutecia C1 revela que ldquocompreende

agora o valor expressivo e comunicativo da escritardquo (FREINET 1969 p 53)

Apresentarei dados sobre a re-criaccedilatildeo de notiacutecia de jornal denotativa da apropriaccedilatildeo desse

gecircnero discursivo pelas crianccedilas

Terminada a hora da leitura realizada apoacutes a roda da conversa as crianccedilas abordaram a

necessidade de aumentar o acervo da biblioteca da sala A hora da leitura eacute um momento diaacuterio

em que satildeo lidas ou contadas histoacuterias e outros gecircneros discursivos Essa iniciativa se deu devido

ao fato de as crianccedilas usarem diariamente os materiais de leitura e por essa razatildeo apresentarem o

desejo de ampliar a quantidade de materiais O acervo da biblioteca da sala eacute composto por

materiais que eu mesma professora da turma providenciara para uso haacute alguns anos O acervo eacute

renovado periodicamente por mim e esporadicamente com doaccedilotildees de pessoas conhecidas A

238

escola possui um acervo que tambeacutem eacute utilizado pelas professoras contudo esses livros natildeo estatildeo

disponiacuteveis para empreacutestimos das crianccedilas ainda que sejam utilizados com elas

C11 Pro a gente podia ter mais livros e gibis na nossa sala neacute

Eu jaacute conheccedilo todos os que tecircm por aqui (refere-se aos livros e gibis)

C3 C17 C20 C8 Eacute mesmo pro

P Bem eu concordo mas o que noacutes podemos fazer para conseguirmos mais

livros e gibis aleacutem daqueles que eu sempre trago

(As crianccedilas silenciam)

C13 Ocirc pro eu jaacute sei A gente pode pedir para as pessoas que tem livros que natildeo

usam mais para dar para a nossa turma

C5 Se a gente pedir quem quiser dar daacute ueacute Se tiver algum

C9 A minha matildee outro dia fez faxina em casa e deu uma sacolona cheinha de

coisas A sacolona estava quase rasgando de tanta coisa que tinha nela hum

mas eu acho que natildeo tinha livros

P Mas para noacutes conseguirmos mais materiais de leitura noacutes temos que divulgar

noacutes temos que dizer isso para muitas pessoas e explicar o porquecirc noacutes estamos

pedindo esse material e como noacutes vamos usaacute-lo Como esses livros e gibis nos

ajudaratildeo aprender mais coisas

C6 Noacutes podemos perguntar para as nossas matildees e para os nossos pais se eles

tecircm algum livro pra doar neacute

C13 Pro pro pro Eu tenho uma ideia melhor ainda Adivinha qual eacute

P Natildeo seiQual eacute C13

C13 Hatilde hatilde Vamos escrever uma notiacutecia para pocircr no nosso jornal Todo mundo

vai ler O que vocecircs acham pessoal

Todas Eba

(Situaccedilatildeo registrada no dia 301010)

P Vamos escrever a notiacutecia

Todas Vamos

P Como podemos comeccedilar a notiacutecia

C5 Coloca assim pro ldquoA nossa turma a Turma do Sol precisa de mais livros e

de mais gibis para pocircr na biblioteca da salardquo

P Vocecircs concordam

Todas Sim

(Eu escrevo a sugestatildeo de C5)

P Precisamos explicar o motivo desse pedido para que as pessoas entendam e

percebam se podem nos ajudar

C1 Escreve que noacutes queremos saber mais coisas que noacutes estamos aprendendo a

ler e a escrever tambeacutem

P E vocecircs gostam de saber de coisas novas e de aprender a ler e a escrever

C11 Claro neacute pro

P E como podemos entatildeo escrever a ideia dada por C1

C6 Escreve assim ldquoA Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber

das coisas que gosta de aprenderrdquo

(Escrevo a sugestatildeo de C6)

P E o que mais

239

C13 Escreve pro ldquoEacute uma turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de

pesquisar e de escrever coisas importantesrdquo Escreve pro

(Escrevo a sugestatildeo de C13)

P Precisamos escrever que temos poucos materiais Como podemos escrever

isso na notiacutecia

C18 ldquoEssa turma tem poucos gibis e livros na bibliotecardquo

P Em qual biblioteca

Todas Da sala

P E o que mais

C20 Escreve que ldquotodo mundo jaacute conhece todos os livros que tem nessa

bibliotecardquo

P Por isso (sou interrompida por C10 que diz)

C10 ldquoEacute que a Turma do Sol quer ter mais livros pra lerrdquo

(Escrevo as sugestotildees de C20 e C10)

P Precisamos escrever como as pessoas podem nos ajudar e em qual lugar

podem fazer suas doaccedilotildees

C7 Pro pro escreve assim ldquoQuem tiver livros e gibis usados para dar para a

Turma do Sol entrega na escola ou para algueacutem da turmardquo

(Escrevo a sugestatildeo de C7)

P Turma vou ler a notiacutecia para vocecircs verem se haacute algo que precisamos

acrescentar certo

Todas Certo

(Realizo a leitura)

P Tem algo a mais a acrescentar ou a mudar O que vocecircs acham

C13 Soacute para terminar pro que tal vocecirc escrever assim ldquoA Turma do Sol vai

ficar super feliz e vai aprender mais coisas com a ajuda de vocecircsrdquo

(Escrevo a sugestatildeo de C13)

P E qual o tiacutetulo da nossa notiacutecia

C11 ldquoTurma do Sol pede mais livros e gibis para a biblioteca da salardquo

P Vocecircs concordam com o tiacutetulo de C11

Todas Concordamos

TURMA DO SOL PEDE MAIS LIVROS E GIBIS PARA A BIBLIOTECA

DA SALA

A nossa turma a Turma do Sol precisa de mais livros e de mais gibis para

pocircr na biblioteca da sala

A Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber das coisas que

gosta de aprender Eacute uma turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de pesquisar

e de escrever coisas importantes

Essa turma tem poucos gibis e livros na biblioteca da sala e todo mundo jaacute

conhece todos os livros que tem nessa biblioteca por isso que a Turma do Sol

quer ter mais livros pra ler

Quem tiver livros e gibis usados para dar para a Turma do Sol entrega na

escola ou para algueacutem da turma

A Turma do Sol vai ficar super feliz e vai aprender mais coisas com a

ajuda de vocecircs

(Texto criado no dia 301010)

240

A anaacutelise dos dados revela que as crianccedilas estabeleceram uma relaccedilatildeo positiva com o

conhecimento que criaram para si a necessidade de aprender As experiecircncias que viveram na

escola e a participaccedilatildeo ativa em situaccedilotildees reais de leitura e re-criaccedilatildeo de gecircneros discursivos

permitiram que elas natildeo somente iniciassem o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua mas tambeacutem a

apropriaccedilatildeo da cultura elaborada provocando aprendizagens e desenvolvendo a sua humanidade

o conjunto das qualidades humanas Isso se verifica na atitude que assumem ao proporem que o

acervo de livros e gibis da sala fosse ampliado na justificativa que apresentam para fazerem essa

solicitaccedilatildeo na forma como elaboram a soluccedilatildeo desse problema

A solicitaccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo do acervo da biblioteca da sala pelas crianccedilas eacute decorrente

do uso constante dos materiais de leitura que o compotildeem Esse fato natildeo implica o desuso dos

materiais jaacute existentes mesmo que estejam em frequente circulaccedilatildeo entre as crianccedilas mas na

ampliaccedilatildeo de contato com diferentes gecircneros discursivos que garantem outras leituras outras re-

criaccedilotildees outras experiecircncias novas relaccedilotildees novas apropriaccedilotildees As crianccedilas especialmente

C13 parece perceber a funccedilatildeo da escrita ao propor que seja criada uma notiacutecia para pedir

doaccedilotildees para a turma e aparenta perceber tambeacutem as peculiaridades do gecircnero notiacutecia de jornal

que tem a especificidade de divulgar de promover de informar de tornar puacuteblico um

acontecimento um fato ldquoPro pro pro Eu tenho uma ideia melhor ainda Adivinha qual eacuterdquo

Por desconhecer sua ideia pergunto qual eacute e em seguida responde ldquoHatilde hatilde Vamos escrever uma

notiacutecia para pocircr no nosso jornal Todo mundo vai ler O que vocecircs acham pessoalrdquo

C13 aleacutem de denotar conhecer a funccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia traz subjacente em

sua fala a responsividade (BAKHTIN 1992) do destinataacuterio real porque ao propor que

escrevecircssemos uma notiacutecia tinha supostamente como objetivo o de levar a puacuteblico a solicitaccedilatildeo

da turma e consequentemente obter a doaccedilatildeo de materiais de leitura para a biblioteca da sala

Com isso pode-se inferir que as situaccedilotildees expostas neste trabalho de inserccedilatildeo da crianccedila na

cultura escrita natildeo se constituiacuteram em situaccedilotildees artificiais teacutecnicas que visavam agrave leitura e a re-

criaccedilatildeo de gecircneros discursivos para o cumprimento de uma tarefa ou ainda situaccedilotildees que

buscavam simular o ensino da liacutengua mas ao contraacuterio buscou-se colocar a crianccedila no fluxo das

comunicaccedilotildees na interlocuccedilatildeo na condiccedilatildeo de sujeito de suas aprendizagem ao participar

ativamente de todo o processo se constituindo na relaccedilatildeo com o outro

Durante o processo de re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia pode-se dizer que as

crianccedilas denotam compreender o funcionamento desse gecircnero e elaboram o texto com coerecircncia

241

e objetividade nas ideias movidas natildeo somente pelo propoacutesito de conseguir novos livros e gibis

mas pelo desejo de aprender Esse fato pode ser percebido na fala de C1 ldquoEscreve que noacutes

queremos saber mais coisas que noacutes estamos aprendendo a ler e a escrever tambeacutemrdquo E para

me certificar sobre o que dizia perguntei ldquoE vocecircs gostam de saber de coisas novas e de

aprender a ler e a escreverrdquo e imediatamente C11 responde ldquoClaro neacute prordquo denotando

obviedade diante da pergunta feita Essas afirmaccedilotildees satildeo confirmadas no texto re-criado ldquoA

Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber das coisas que gosta de aprender Eacute uma

turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de pesquisar e de escrever coisas importantesrdquo

Na re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia as crianccedilas participam ativamente tecendo

seus enunciados que gradativamente o compotildeem Esses enunciados satildeo proferidos num dado

contexto situacional que pressupotildee sempre a alteridade Sobre isso Ribeiro (2010 p 56)

esclarece que

A noccedilatildeo de enunciado por sua vez fundada nos pressupostos dialoacutegicos

incorpora o contexto verbal e o contexto extraverbal (aspectos situacionais

histoacutericos ideoloacutegicos) ou seja ele materializa concomitantemente o que haacute de

peculiar da situaccedilatildeo enunciativa concreta e elementos sociodiscursivos

estabilizados nas e pelas interaccedilotildees ao longo da Histoacuteria O enunciado sob o

prisma bakhtiniano eacute o garantidor do espaccedilo do outro na dinacircmica discursiva e

por conseguinte constitui-se do fluxo de muacuteltiplas vozes que ecoam da

alternacircncia dos sujeitos do discurso nas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Ademais por

figurar como unidade da comunicaccedilatildeo discursiva o enunciado elucida

especificidades das esferas sociais nas quais ele se constituiu

Com base nesses pressupostos pode-se dizer que as crianccedilas estabelecem uma relaccedilatildeo

dialoacutegica entre elas entre elas e a professora entre elas e o gecircnero discursivo re-criado As

crianccedilas sugerem opinam elaboram enunciados que atendem aos interesses e objetivos da turma

e agraves caracteriacutesticas do gecircnero discursivo notiacutecia Cabe lembrar que ldquoa despeito do caraacuteter

regulador da forma do gecircnero haacute espaccedilo para a expressatildeo do sujeito visto que ao participar das

atividades de linguagem ele (re)elabora (re)cria (re)formula formas de gecircnerordquo (RIBEIRO

2010 p 60) Dessa maneira ldquoinstaura um processo de atualizaccedilatildeo dos diversos gecircneros do

discurso presentes na sociedaderdquo (RIBEIRO 2010 p 60)

Por essa razatildeo pode-se dizer que as crianccedilas se apropriam da liacutengua por meio dos gecircneros

discursivos porque

242

Os gecircneros satildeo meios de apreender a realidade Novos modos de ver e de

conceptualizar a realidade implicam o aparecimento de novos gecircneros e a

alteraccedilatildeo dos jaacute existentes Ao mesmo tempo novos gecircneros ocasionam novas

maneiras de ver a realidade A aprendizagem dos modos sociais de fazer leva

concomitantemente ao aprendizado dos modos sociais de dizer os gecircneros

Mesmo que algueacutem domine bem uma liacutengua sentiraacute dificuldade de participar de

determinada esfera de comunicaccedilatildeo se natildeo tiver controle do(s) gecircnero(s) que ela

requer Eacute por isso que haacute pessoas que conversam brilhantemente mas satildeo

incapazes de participar de um debate puacuteblico ou de discursar para uma grande

plateia A falta de domiacutenio do gecircnero eacute a falta de vivecircncia de determinadas

atividades de certa esfera Fala-se e escreve-se sempre por gecircneros e portanto

aprender a falar e a escrever eacute antes de mais nada aprender gecircneros (FIORIN

2006 p 69)

A situaccedilatildeo apresentada e analisada exemplifica o ensino e a aprendizagem da liacutengua por

meio dos gecircneros discursivos desde a Educaccedilatildeo Infantil em que as crianccedilas de forma interativa e

dialoacutegica atuam ativamente nesse processo aprendem se desenvolvem e se humanizam

243

CONCLUSAtildeO

Considero que natildeo haacute haacutebito a ser formado nem gosto a ser criado nem prazer a

ser desenvolvido ou despertado nas praacuteticas das leituras Haacute necessidades

provocadas pelas circunstacircncias criadas pelas relaccedilotildees entre os homens

ancoradas no conhecimento que tem o leitor sobre o proacuteprio conhecimento

sobre a liacutengua e sobre as operaccedilotildees que estabelecem a relaccedilatildeo grafo-semacircntica

entre o leitor e o escrito (ARENA 2003 p 60)

Formar leitores e re-criadores de textos na Educaccedilatildeo Infantil se constitui numa

preocupaccedilatildeo sempre atual que envolve pesquisadores professores e pais Inuacutemeros satildeo os

aspectos que provocam a reflexatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita e sobre a

relaccedilatildeo com os espaccedilos escolares as praacuteticas pedagoacutegicas e as especificidades do ensinar e do

aprender na pequena infacircncia

Ao relevar esses aspectos surgem vaacuterias indagaccedilotildees Como iniciar a inserccedilatildeo da crianccedila

na cultura escrita Como criar a necessidade de ler e de escrever Que atividades satildeo adequadas

para promover a formaccedilatildeo da crianccedila interessada pelos textos Como trabalhar de modo a

respeitar o momento de desenvolvimento em que a crianccedila se encontra sem negligenciar a criaccedilatildeo

de novas necessidades tarefa preciacutepua dos professores Como caracterizar o trabalho com a

leitura e a escrita na Educaccedilatildeo Infantil de modo a superar a visatildeo simplista do processo de

apropriaccedilatildeo da linguagem escrita

Na introduccedilatildeo anunciei que estas questotildees orientariam este trabalho de pesquisa na

tentativa de compreender o que eacute formar o leitor e o re-criador de textos na pequena infacircncia sem

com isso valorizar a alfabetizaccedilatildeo precoce com a aceleraccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo mas ao contraacuterio

compreender como a crianccedila pode inserir-se e participar da cultura escrita de forma ativa

dinacircmica e dialoacutegica mesmo natildeo sendo convencionalmente alfabetizada e ainda respeitando as

regularidades do seu desenvolvimento Com essa intenccedilatildeo busquei compreender o processo de

apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita como um processo discursivo interativo para a

humanizaccedilatildeo por meio dos gecircneros discursivos Procurei redimensionar o ensino e a

aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo infantil por compreender que a crianccedila desde

pequena eacute capaz de aprender eacute sujeito de suas aprendizagens Nesse contexto a leitura e a escrita

natildeo satildeo consideradas tarefas eminentemente escolares apesar de a escola ser o espaccedilo em que

comumente essas aprendizagens sejam ensinadas de forma mais sistematizada e frequente Nesse

244

percurso busquei tambeacutem compreender como as crianccedilas leem e escrevem os gecircneros

discursivos que relaccedilotildees elas estabelecem com os seus elementos constitutivos e de que forma o

trabalho pedagoacutegico intencionalmente planejado e dialoacutegico pode contribuir para na formaccedilatildeo

leitora e re-criadora de textos

Para tanto trouxe no capiacutetulo I a opccedilatildeo metodoloacutegica que direcionou o trabalho de

pesquisa ndash pesquisa-accedilatildeo ndash os procedimentos de pesquisa os recursos utilizados na tentativa de

compreender o meu objeto de pesquisa e ultrapassar a pseudoconcreticidade em busca de uma

proximidade com a sua essecircncia Nesse capiacutetulo busco traccedilar natildeo somente o percurso a ser

realizado como pesquisadora mas tambeacutem como sujeito participante da pesquisa como

professora dos sujeitos crianccedilas Nesse momento descrevo a trajetoacuteria que seria percorrida e as

propostas educativas que orientariam o processo inicial de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e

da escrita na pequena infacircncia Esse periacuteodo foi revelador de grandes esforccedilos devido ao

aprofundamento teoacuterico que exigia uma articulaccedilatildeo com a minha praacutetica sustentando-a Alcanccedilar

apropriaccedilotildees mais aprofundadas sobre a Teoria Histoacuterico-Cultural sobre o universo bakhtiniano

e sobre a Pedagogia Freinet natildeo foi (e natildeo eacute) tarefa simples porque requereu coerecircncia para se

pensar em aproximaccedilotildees entre essas vertentes e o movimento reflexivo de minha parte a cada

etapa do trabalho docente proposto Contudo isso se converteu em um desafio para mim e dado

o meu envolvimento e interesse nesse fazer gradativamente esse desafio se tornou uma atividade

(LEONTIEV 1988)

Desenvolvi a pesquisa em uma escola que natildeo tinha como proposta pedagoacutegica a

Pedagogia Freinet e apesar de ter obtido todo o apoio da Direccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do meu fazer

pedagoacutegico e da minha investigaccedilatildeo cientiacutefica encontrei alguns entraves nesse processo Um

deles corresponde agrave organizaccedilatildeo do tempo e do espaccedilo que natildeo era compartilhada por outra

professora que ocupava a mesma sala por exemplo A sala em que a maioria das situaccedilotildees de

leitura e de escrita descritas neste trabalho ocorreu era ocupada no mesmo periacuteodo por outra

professora que natildeo compactuava com essa organizaccedilatildeo Desse modo todos os dias era preciso

organizar a sala para que as minhas praacuteticas se efetivassem ndash disposiccedilatildeo dos moacuteveis dos

materiais ateliers ndash e voltaacute-las a organizaccedilatildeo original para que outra professora pudesse tambeacutem

utilizaacute-la em seguida Devido a isso o tempo era algo que exigia tambeacutem uma organizaccedilatildeo pelo

motivo jaacute exposto e porque muitas vezes as tarefas que se tornavam atividades para as crianccedilas

eram interrompidas porque tiacutenhamos que dispor de outro espaccedilo para dar continuidade ao que

245

havia sido iniciado Se por um lado isso se mostrou como um entrave a ser superado por outro

lado exigiu das crianccedilas e de mim maior flexibilidade e estrateacutegias para organizar o espaccedilo e

maior autonomia das crianccedilas para gerirem o tempo

No capiacutetulo II explicitei quais os conceitos que as professoras das crianccedilas nos quatro

anos anteriores da pesquisa desde a turma do Berccedilaacuterio ao Infantil I possuem sobre leitura

escrita alfabetizaccedilatildeo gecircneros discursivos e de que forma esses conceitos interferem nas

aprendizagens das crianccedilas Esses conceitos foram investigados porque revelam em seu bojo

outros conceitos como o de crianccedila de ensino e de aprendizagem de desenvolvimento humano

que subsidiam as praacuteticas pedagoacutegicas agraves quais as crianccedilas foram submetidas

No capiacutetulo III me propus a compreender quais os conceitos que as crianccedilas tinham sobre

leitura escrita gecircneros discursivos porque dessa forma eu pretendia organizar o trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros e verificar no final desse processo se ocorreram mudanccedilas nesses

conceitos iniciais das crianccedilas quais eram estas mudanccedilas e por que elas ocorreram ou natildeo

Nestes dois capiacutetulos foi possiacutevel refletir sobre as implicaccedilotildees pedagoacutegicas no processo de

ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas na pequena infacircncia A anaacutelise dos

dados revelou que os conceitos das professoras participantes da pesquisa sobre infacircncia leitura e

escrita estatildeo ajustados ao preparo da crianccedila para o Ensino Fundamental As tarefas propostas

concernentes agrave leitura e agrave escrita satildeo direcionadas para corresponderem supostamente agraves

expectativas da etapa seguinte da Educaccedilatildeo Infantil Haacute uma ecircnfase no ensino do coacutedigo

linguiacutestico desvinculado de um contexto situacional real concreto de uso A codificaccedilatildeo e a

decodificaccedilatildeo se sobrepotildeem agrave produccedilatildeo de significado e de sentido e as propostas em sala de

aula satildeo voltadas ao domiacutenio da relaccedilatildeo grafema-fonema e do traccedilado das letras Desse modo a

expressatildeo dos sujeitos aprendizes a comunicaccedilatildeo de ideias e desejos natildeo satildeo consideradas

fundamentais nesse processo mas relegadas ao segundo plano Disso decorre que a leitura e a

escrita para as professoras participantes se configuram como objetos escolares Haacute

preponderacircncia no ensino do aspecto fiacutesico do signo (ARENA 1990) que reduz em suas praacuteticas

docentes as possibilidades de as crianccedilas conviverem com formas mais elaboradas dessas

atividades

Haacute uma tendecircncia em apresentar para as crianccedilas poucos gecircneros discursivos em geral os

contos de fada por existir uma crenccedila por parte das professoras de que as crianccedilas se interessam

mais por esse gecircnero As professoras conhecem os diferentes gecircneros discursivos seus elementos

246

constitutivos e suas especificidades possivelmente com relativa superficialidade o que limita a

sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica Nesse contexto os gecircneros discursivos satildeo apenas objetos didaacuteticos

produto que enquadra os tipos relativamente estaacuteveis de enunciados (Bakhtin 2003) numa

perspectiva normativa e desse modo natildeo emergem como instrumentos de comunicaccedilatildeo de

interlocuccedilatildeo entre as pessoas

Pode-se constatar que os conceitos os discursos e as praacuteticas educativas das professoras

interferem diretamente nos conceitos dos sujeitos crianccedilas e nas relaccedilotildees que elas estabelecem

com a leitura e com a escrita Essa afirmaccedilatildeo eacute percebida pela anaacutelise dos dados no iniacutecio da

pesquisa antes de as crianccedilas participarem de um trabalho pedagoacutegico intencional dinacircmico e

interativo com os gecircneros discursivos Haacute um distanciamento entre a praacutetica do ler e do escrever

na escola e uma praacutetica do ler e do escrever como objeto da cultura

Um elemento que me surpreendeu durante a anaacutelise dos dados foi constatar que os

sujeitos da pesquisa ndash por vivenciarem praacuteticas artificiais do ensino do ato de ler e do ato de

escrever ndash natildeo atribuem agrave escola a tarefa de ensinaacute-las a fazer isso mas agrave proacutepria famiacutelia que

assume esse papel que a escola natildeo consegue realizar como foi verificado pelos discursos nas

entrevistas Pais avoacutes irmatildeos ou outros familiares na expectativa de ajudarem as suas crianccedilas a

aprenderem a ler e a escrever se dedicam a essa funccedilatildeo mediando situaccedilotildees de leitura e de

escrita em casa Nessas condiccedilotildees a escola natildeo apresenta o ler e o escrever como elemento do

jogo do interesse da crianccedila como acontece nas situaccedilotildees de leitura e de escrita vivenciadas em

casa ou na rua (CRUVINEL 2010) Os textos quando abordados pelas professoras natildeo surgem

como elementos de comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo de expressatildeo humana mas como recursos

didaacuteticos com um fim em si mesmos A escola por aderir a essas praacuteticas teacutecnicas do ler e do

escrever acaba por natildeo desempenhar uma funccedilatildeo a qual se julga de sua responsabilidade ou seja

natildeo garante que as crianccedilas se apropriem da leitura e da escrita e nem oferece nessas condiccedilotildees

as possibilidades para que isso aconteccedila

Apesar de algumas crianccedilas terem afirmado no iniacutecio da pesquisa que jaacute sabiam ler ndash

supostamente do ponto de vista da escola ndash verificou-se que somente o domiacutenio de um

mecanismo natildeo garante que elas o soubessem de fato porque esse domiacutenio natildeo permite que

objetivem essa atividade nas relaccedilotildees sociais em ambientes extra-escolares e em diferentes

situaccedilotildees que se faccedilam necessaacuterias

247

Nos capiacutetulos IV e V pus em discussatildeo o que eacute ser leitor e re-criador de textos na

Educaccedilatildeo Infantil e como a crianccedila assume esses estatutos Apresentei situaccedilotildees de leitura e de

escrita dos gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal ndash e por meio da minha

accedilatildeo pedagoacutegica intencional e planejada destaquei as relaccedilotildees que as crianccedilas estabelecem com

os elementos dos gecircneros discursivos como leem e criam textos e desse modo como elas

iniciam a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

No iniacutecio do processo as crianccedilas assinalavam por seus discursos e atitudes a

interferecircncia e a reproduccedilatildeo desses conceitos advindos das condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo das

quais participavam Entretanto ao vivenciarem propostas de leitura e de escrita de gecircneros

discursivos planejadas intencionalmente de modo a priorizar a interlocuccedilatildeo assumem o papel de

sujeito e natildeo de objeto desse processo Essas consideraccedilotildees podem ser constatadas pelo relato das

observaccedilotildees feitas durante as propostas de leitura e de escrita de gecircneros discursivos e pela

entrevista no final do trabalho pedagoacutegico

Conforme passavam a participar de situaccedilotildees de leitura e de escrita cada vez mais

dialoacutegicas reflexivas que privilegiam a contrapalavra do outro se sentiam motivadas a se

expressar por meio da escrita e compreendiam que essa eacute uma das formas pelas quais eacute possiacutevel

se expressar natildeo a uacutenica porque tambeacutem experimentavam concomitantemente a expressatildeo por

meio de outras linguagens como a danccedila a muacutesica a dramatizaccedilatildeo a pintura a modelagem Com

isso revelava-se com essas propostas a intenccedilatildeo de formar pessoas capazes de utilizar as mais

diferentes formas de conhecer e de produzir saberes criados historicamente pela humanidade

Esse entendimento me fez refletir como a Educaccedilatildeo Infantil tem organizado o seu

curriacuteculo e como o ensino da liacutengua se configura nas praacuteticas docentes no universo da pequena

infacircncia Desse modo propus um trabalho pedagoacutegico para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

com o propoacutesito de criar nas crianccedilas o desejo de expressatildeo e para isso intentei desenvolver com

elas situaccedilotildees de leitura e de escrita que permitissem a ampliaccedilatildeo de seus conhecimentos que

intensificassem suas relaccedilotildees com as pessoas com os objetos da cultura e com o entorno e que

valorizassem a sua capacidade expressiva como princiacutepio de um trabalho de ensino e de

aprendizagem efetivamente desenvolvente (DAVIDOV 1988)

Ao trabalhar as possibilidades expressivas da crianccedila pretendia interferir positivamente

sobre o processo de desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita Por essa razatildeo

organizei os tempos e os espaccedilos em que as situaccedilotildees de leitura e de escrita ocorreram e

248

estabeleci uma relaccedilatildeo dinacircmica e dialoacutegica com as crianccedilas provocando-as a elaborarem

hipoacuteteses a pensarem sobre a escrita a acionarem sua curiosidade seus ldquoconhecimentos

imprecisosrdquo (ZAPOROacuteSHETZ 1997) que mais tarde por meio do diaacutelogo e na confrontaccedilatildeo

com os conhecimentos precisos apresentados pela professora no caso eu mesma e por outros

adultos e crianccedilas mais avanccediladas esses conhecimentos tambeacutem se tornaram precisos

Pela anaacutelise dos dados eacute possiacutevel perceber meu fundamental papel como mediadora no

processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita uma vez que criei as mediaccedilotildees e fiz

a mediaccedilatildeo de situaccedilotildees de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos desafiando as crianccedilas a

pensarem sobre a escrita e o seu funcionamento sobre os elementos que compotildeem os gecircneros e

principalmente a fazer uso da leitura e da escrita como um instrumento de comunicaccedilatildeo de

expressatildeo e de participaccedilatildeo numa sociedade que lecirc e escreve Nessa perspectiva as crianccedilas

tinham vez e voz em todas as etapas do trabalho que de acordo com os pressupostos teoacutericos

assumidos por mim nesta pesquisa se deram dentro de um ensino cooperativo (FREINET 1973

1974 1976) e colaborativo (VYGOTSKI 1995)

Nesse processo dialoacutegico em que se deu o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita

destaco como participante ativa e tambeacutem sujeito desse processo que todas as accedilotildees educativas

planejadas por mim os diaacutelogos e as relaccedilotildees travadas foram promotoras de novas apropriaccedilotildees

como professora e como pesquisadora colaborando com meu processo de humanizaccedilatildeo Como

docente me impulsionava constantemente a perceber que aliar teoria e praacutetica eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para se garantir aprendizagens efetivas das crianccedilas porque amplia as possibilidades

de trabalho em busca de um ensino potencializador E como pesquisadora a geraccedilatildeo de novas

duacutevidas reflexotildees e aprofundamento teoacuterico orientaram outras e maiores apropriaccedilotildees Enfatizo

nesse processo a atuaccedilatildeo do meu orientador que por meio de sua mediaccedilatildeo contribuiu

intensamente para a apropriaccedilatildeo dos referenciais teoacutericos assumidos neste trabalho da

problematizaccedilatildeo e reflexatildeo natildeo somente das minhas accedilotildees educativas mas da minha formaccedilatildeo

como pesquisadora

Os dados indicam que as crianccedilas natildeo conheciam muitos gecircneros discursivos e quando

eram apresentados se constituiacuteam como um conjunto de propriedades formais isolado da esfera

de accedilatildeo Os gecircneros nessas condiccedilotildees eram apresentados como objetos didaacuteticos e natildeo como

instrumento de comunicaccedilatildeo o que contradiz os pressupostos teoacutericos defendidos neste trabalho

de que os gecircneros discursivos requerem que sejam vistos na sua funccedilatildeo de interaccedilatildeo porque satildeo a

249

realidade da comunicaccedilatildeo humana satildeo instrumentos que tornam possiacutevel a comunicaccedilatildeo

discursiva (BAKHTIN 2003) Novos modos de ver e de conceituar a realidade implicam o

aparecimento de novos gecircneros e alteraccedilatildeo dos jaacute existentes (FIORIN 2006)

Outro aspecto a destacar eacute que a utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet no trabalho pedagoacutegico

natildeo serviu apenas para fazer o aparecimento dos gecircneros discursivos que seriam abordados

especificamente nesta pesquisa ndash a carta os relatos de vida notiacutecia de jornal ndash mas permitiu a

organizaccedilatildeo do fazer educativo de modo a possibilitar a interaccedilatildeo entre as crianccedilas delas comigo

com os materiais criando uma aprendizagem provocadora de necessidades humanizadoras Com

a utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet foi possiacutevel promover uma aproximaccedilatildeo com a ideias de

Vygotski (1995) e de Bakhtin (1992) ndash teoacutericos que fundamentam este trabalho ndash jaacute que todos

eles concebem a expressatildeo do sujeito e a relaccedilatildeo com o outro como elementos fundamentais da

sua proacutepria constituiccedilatildeo como seres histoacutericos sociais e culturais

A utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet tambeacutem permitiu maior autonomia das crianccedilas para

gerirem o tempo e as atividades para opinarem decidirem discutirem investigarem

pesquisarem sobre os diferentes assuntos que se faziam de interesse delas porque essas teacutecnicas

promovem a aproximaccedilatildeo da crianccedila com a cultura primando pela expressividade Diante disso

os dados revelam que o trabalho com os gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet

contribuiu para criar necessidades de ler e de escrever porque as crianccedilas sempre tinham o que

dizer e para quem dizer

No final da pesquisa creio que as crianccedilas se apropriaram dos gecircneros discursivos

abordados porque os utilizavam em diferentes situaccedilotildees e de forma que denotava certa

autonomia Os gecircneros discursivos abordados ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal ndash tiveram

uma dimensatildeo para aleacutem dos horizontes da turma Funcionaacuterios e professores da escola em que

ocorreu a pesquisa participaram indiretamente do processo ao solicitarem frequentemente a

leitura das cartas recebidas e enviadas do livro da vida e das notiacutecias do jornal da turma dado o

interesse das crianccedilas que faziam comentaacuterios em diferentes ambientes e situaccedilotildees como no

horaacuterio do lanche da brincadeira no parque ou na areia por exemplo aleacutem tambeacutem de

comunicarem suas aprendizagens por meio das teacutecnicas e dos gecircneros

Houve uma modificaccedilatildeo nos objetivos iniciais dos pais que denotavam preocupaccedilatildeo de

seus filhos serem alfabetizados na Educaccedilatildeo Infantil jaacute que se tratava do ano que antecedia o

ingresso de seus filhos no Ensino Fundamental Essa preocupaccedilatildeo foi esclarecida no decorrer do

250

ano com a realizaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico e principalmente diante dos argumentos das

proacuteprias crianccedilas como ldquoEu natildeo posso faltar na escola porque noacutes temos que escrever uma carta

para os nossos amigos da outra escolardquoldquo Vocecirc vai se arrepiar com as notiacutecias que noacutes

escrevemos em nosso jornal mas eacute surpresinhardquo ou aindardquo Eu jaacute sei escrever carta Vocecirc sabe

ou quer que eu te ajude matildeerdquo Esses dados natildeo foram apresentados na pesquisa mas foram

registrados por serem indiacutecios do iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas

crianccedilas Na uacuteltima reuniatildeo na escola do ano de realizaccedilatildeo da pesquisa os pais relataram sobre o

envolvimento de seus filhos nesse processo o interesse pelo conhecimento e as reaccedilotildees que

apresentavam diante das experiecircncias com a leitura e a escrita Segundo eles seus filhos

comeccedilaram a se interessar a ler diferentes materiais em diferentes situaccedilotildees e a ensaiar a escrita

de forma mais autocircnoma

Acredito ter alcanccedilado os meus objetivos com esta pesquisa natildeo somente pelas razotildees

expostas anteriormente mas porque foi possiacutevel constatar que as crianccedilas desde pequenas satildeo

capazes de estabelecer relaccedilotildees intensas com a leitura e a escrita por meio dos gecircneros

discursivos quando satildeo introduzidos no ensino como instrumentos de comunicaccedilatildeo humana de

apropriaccedilatildeo da cultura como foi descrito nos capiacutetulos desta tese As crianccedilas aprendem a usar a

liacutengua em diferentes situaccedilotildees A liacutengua escrita natildeo chegou agraves crianccedilas na ocasiatildeo da pesquisa de

forma pronta acabada mas ao contraacuterio se sentiram provocadas a pensar sobre ela em sua

dialogicidade em movimento para que pudessem cada vez mais dispor dela quando onde e

como queriam

Foi possiacutevel tambeacutem perceber que os gecircneros requerem que sejam ensinados desde a

Educaccedilatildeo Infantil num contexto interativo e dinacircmico porque se natildeo acontecer nessas condiccedilotildees

perdem a funccedilatildeo para a qual eles se destinam a funccedilatildeo de expressar de interagir de comunicar

E desse modo assumem o papel de objeto didaacutetico Quando isso acontece deixam de ser gecircneros

discursivos porque perdem sua essecircncia flexiacutevel dialoacutegica mutaacutevel e consequentemente as

crianccedilas natildeo conseguem se utilizar deles nos diversos contextos sociais e discursivos Por meio

de uma accedilatildeo docente intencional dinacircmica e dialoacutegica revelaram que percebem o conteuacutedo

temaacutetico a construccedilatildeo composicional e o estilo de cada gecircnero objetivando-se pelos discursos

que expressam seus pensamentos impressotildees e opiniotildees Elas iniciam o conhecimento da

estrutura da liacutengua em seus diferentes aspectos ndash gramaacutetica ortografia coerecircncia coesatildeo por

251

exemplo ndash pelo uso e reflexatildeo desse uso e natildeo por exerciacutecios impostos de memorizaccedilatildeo

repeticcedilatildeo nem por exerciacutecios motores de coordenaccedilatildeo

A crianccedila para iniciar o seu processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo

Infantil natildeo precisa ser escolarizada precocemente e ser destituiacuteda do seu estatuto de crianccedila para

assumir o estatuto de aluno Esta tese veio constatar que a crianccedila pode participar ativamente do

seu processo de inserccedilatildeo na cultura escrita mesmo ainda natildeo sendo convencionalmente

alfabetizada e sem esse fato ser condiccedilatildeo para que isso aconteccedila Afirma que a crianccedila inicia o

processo de internalizaccedilatildeo da liacutengua pelas relaccedilotildees que ela estabelece com a proacutepria liacutengua em

seu funcionamento com a professora com os colegas com os materiais com os gecircneros

discursivos A leitura e a escrita nascem do desejo de expressatildeo criado na crianccedila pelas condiccedilotildees

de vida e de educaccedilatildeo das quais participa (LEONTIEV 1978)

Diante do exposto eacute possiacutevel apontar alguns caminhos no trabalho com os gecircneros

discursivos para a formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Dedicar-se

ao estudo dos gecircneros desde o princiacutepio do processo educativo conhecer seus elementos

constitutivos ndash construccedilatildeo composicional conteuacutedo temaacutetico e estilo (BAKHTIN 2003) ndash e seu

funcionamento possibilita aos professores alargar as possibilidades do seu ensino e planejar

intencionalmente as formas mais adequadas de realizar o trabalho pedagoacutegico porque eacute por meio

dos gecircneros que o sujeito se apropria da linguagem e a objetiva Natildeo eacute suficiente apenas estudar

os gecircneros discursivos do ponto de vista normativo nem levaacute-los para a sala de aula sem que eles

sejam vividos em situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo de interaccedilatildeo e de diaacutelogo porque desse modo

eles perdem a sua essecircncia e a funccedilatildeo a que se destinam Ensinar os gecircneros discursivos eacute

apreender a realidade porque eles acontecem no fluxo da comunicaccedilatildeo na troca na atitude

responsiva vinculados agrave vida em seus contextos histoacutericos sociais e culturais Operar

teoricamente metodologicamente e didaticamente com essa noccedilatildeo de gecircnero redimensiona toda a

praacutetica educativa e o ensino da leitura e da escrita porque implica necessariamente ao tratar do

ensino da liacutengua materna considerar-se sujeito do discurso na relaccedilatildeo constante com o outro que

reflete refrata ou refuta discurso alheio Satildeo vozes compreendidas como manifestaccedilatildeo de

consciecircncias que dialogam debatem concordam discordam silenciam a voz do outro ou a si

proacuteprio expressando valores plurais ou natildeo personificaccedilatildeo de diferentes sujeitos de diferentes

visotildees (BAKHTIN 2003)

252

Cabe agrave escola ndash lugar por excelecircncia de apropriaccedilatildeo da cultura produzida e organizada

pela humanidade ndash considerar os gecircneros primaacuterios que as crianccedilas jaacute conhecem e tomaacute-los como

referecircncia para novas apropriaccedilotildees discursivas introduzindo o trabalho com os gecircneros

secundaacuterios na intenccedilatildeo de alcanccedilar a apropriaccedilatildeo de enunciados mais complexos Formar

leitores e re-criadores de gecircneros discursivos eacute um desafio possiacutevel quando o professor considera

a historicidade e a dinamicidade da liacutengua e situa a crianccedila nesse movimento vivo em que ao re-

criar eacute tambeacutem re-criada

A organizaccedilatildeo do tempo e o espaccedilo para a realizaccedilatildeo da praacutetica promovem a interaccedilatildeo as

relaccedilotildees e a dialogicidade aleacutem de revelar os conceitos que o professor possui sobre crianccedila

infacircncia ensino e aprendizagem Organizar o tempo e o espaccedilo na escola da pequena infacircncia eacute

entender que esses elementos satildeo cruciais no processo e interferem diretamente nas

aprendizagens e nas relaccedilotildees que podem ou natildeo ser estabelecidas

Ao planejar intencionalmente o trabalho pedagoacutegico consideram-se ndash dentro da

perspectiva apresentada neste trabalho ndash os interesses das crianccedilas respeitando as especificidades

do aprender de cada idade e as regularidades do seu desenvolvimento A utilizaccedilatildeo das teacutecnicas

Freinet por exemplo como a correspondecircncia interescolar o livro da vida o jornal escolar a

aula passeio a roda de conversa satildeo formas de aproximar a crianccedila do universo da escrita porque

permitem o acesso e a re-criaccedilatildeo dos diferentes gecircneros discursivos em que a autoria das crianccedilas

eacute incentivada e coloca em jogo novos conceitos do que significa ler e escrever

Promover na escola de Educaccedilatildeo Infantil experiecircncias necessaacuterias e adequadas que

permitam agraves crianccedilas se expressarem por diferentes linguagens como a danccedila o desenho a

pintura a muacutesica o teatro a modelagem eacute uma experiecircncia necessaacuteria As experiecircncias com as

diferentes linguagens criam o desejo de expressatildeo de aprender de conhecer porque assim teratildeo

o que dizer e para que possam dizecirc-lo tambeacutem por meio da escrita Ampliar o universo de

significaccedilatildeo das crianccedilas criar novas necessidades inclusive a sua expressividade eacute garantir por

meio de condiccedilotildees objetivas que ela inicie o seu processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura

e da escrita

Concluo que a crianccedila quando submetida ao ensino da liacutengua como sistema restrito agrave

codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos tem limitada as possibilidades de apropriaccedilatildeo e

objetivaccedilatildeo da proacutepria liacutengua e reduzidas as possibilidades de desenvolvimento humano Em

contrapartida o trabalho pedagoacutegico com os gecircneros discursivos amplia as possibilidades de seu

253

desenvolvimento e de sua compreensatildeo sobre o funcionamento da liacutengua implica uma nova

visatildeo do que seja seu proacuteprio processo de aprendizagem e a instrumentaliza para atuar como

cidadatildeo

Considero que a fundamentaccedilatildeo teoacuterica calcada em Bakhtin e seu ciacuterculo em diaacutelogo com

Vygotsky e estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural e com a Pedagogia Freinet assinala a

possibilidade de se rever as propostas de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita com as

crianccedilas pequenas em busca de um ensino desenvolvente que privilegie a interlocuccedilatildeo e a

crianccedila como sujeito desse processo que constroacutei e eacute construiacutedo pela sua histoacuteria

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SOBRAL A Elementos sobre a formaccedilatildeo de gecircneros discursivos a fase ldquoparasitaacuteria de uma

vertente do gecircnero de auto-ajuda Tese de doutorado Satildeo Paulo LAELPUC-SP 2006

______ Do dialogismo ao gecircnero as bases do pensamento do ciacuterculo de Bakhtin Campinas SP

Mercado de Letras 2009 Seacuterie ideias sobre linguagem

______ Texto discurso gecircnero alguns elementos teoacutericos e praacuteticos Nonada Letras em

Revista Porto Alegre ano 13 n 15 p 9-29 2010

THIOLLENT M Metodologia da pesquisa-accedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 1986

URBANO H PRETI D Entrevistas diaacutelogos entre informantes e documentador In

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2010 21(4) p 681 ndash 701

VYGOTSKI L S Obras escogidas Madrid Visor v 3 1995

______ Obras escogidas Madrid Visor v 4 1996

WATTERSON B O melhor de Calvin O Estado de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Quadrinhos Caderno

2 12 nov2012 p D4

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personalidad infantil In DAVIDOV V SHUARE M (Orgs) La Psicologiacutea Evolutiva y

Pedagoacutegica em la URSS (Antologia) Moscou Editorial Progreso 1987 p 228 ndash 249

264

APEcircNDICE A ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO

PROFESSOR PARTICIPANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou realizando uma pesquisa na EMEI Creche Beija-Flor intitulada ldquoO processo de

letramento e os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e

Vygotskyrdquo e gostaria que participasse da mesma Solicito sua participaccedilatildeo na realizaccedilatildeo de uma

entrevista acerca de suas concepccedilotildees e praacuteticas de leitura e escrita A pesquisa tem como objetivo

geral Verificar como ocorre o processo de letramento na Educaccedilatildeo Infantil com crianccedilas de 5 e 6

anos por meio dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos

especiacuteficos 1) Verificar como o ensino por meio dos gecircneros discursivos ndash carta livro da vida

jornal da turma ndash interfere na aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de 5 e 6 anos 2)

Discutir quais as relaccedilotildees que as crianccedilas de 5 e 6 anos estabelecem com os elementos dos

gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma

estas relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo do leitor e do produtor de textos 3) Identificar

condutas proacuteprias de leitor e de produtor de textos (orais e escritos) como parte do processo de

letramento nas crianccedilas de 5 e 6 anos 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os

diferentes gecircneros discursivos pode contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas

crianccedilas de 5 e 6 anos

Os procedimentos que seratildeo empregados para a obtenccedilatildeo de dados com as professoras das

classes de berccedilaacuterio a infantil I seratildeo entrevistas

Caso aceite participar dessa pesquisa gostaria que soubesse que

A) SUA PARTICIPACcedilAtildeO Eacute VOLUNTAacuteRIA E QUE PODERAacute DESISTIR DE

PARTICIPAR EM QUALQUER MOMENTO

B) VOCEcirc PODERAacute ACEITAR OU RECUSAR A RESPONDER QUAISQUER

PERGUNTAS QUE LHE FOREM FEITAS

C) As informaccedilotildees obtidas atraveacutes da sua colaboraccedilatildeo na entrevista seratildeo

DOCUMENTADASDESCRITAS em relatoacuterio de pesquisa (Tese) feito por mim

265

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo da

Faculdade de Filosofia e Ciecircncias ndash Campus de MariacuteliaSP

D) OS RESULTADOS PODERAtildeO SER DIVULGADOS EM EVENTOS

CIENTIacuteFICOS E REVISTAS E QUE ME COMPROMETO A MANTER EM

ABSOLUTO SIGILO A IDENTIDADE DOS PARTICIPANTES E

ENTREVISTADOS

Caso necessite de esclarecimentos adicionais coloco-me agrave disposiccedilatildeo atraveacutes do telefone (14)

3454 ndash 2887

Greice Ferreira da Silva

Doutoranda em Educaccedilatildeo

Universidade Estadual Paulista ndash UNESP

Mariacutelia ndash SP

Eu _______________________________________ portados do RG _____________

ACEITO PARTICIPAR da pesquisa intitulada ldquoO processo de Letramento e os gecircneros

discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e Vygotskyrdquo que eacute

realizada na EMEI Creche Beija-Flor na classe do Infantil II ndash Parcial ndash Periacuteodo da tarde deste

ano de 2010 Declaro estar ciente de que a participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e que fui devidamente

esclarecido (a) quanto aos objetivos e procedimentos desta pesquisa

Data _____ _____ _____

_________________________________

Professor participante

266

APEcircNDICE B ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA

CRIANCcedilA PARTICIPANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezados pais

Estou realizando uma pesquisa na EMEI Creche Beija-Flor intitulada ldquoO processo de

letramento e os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e

Vygotskyrdquo e solicito dos senhores a autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de uma entrevista com seu

(sua) filho (a) a utilizaccedilatildeo de colocaccedilotildees orais e escritas feitas por ele (ela) como tambeacutem a

utilizaccedilatildeo de fotos e filmagens que registram as atividades realizadas no decorrer deste ano de

2010

Este material seraacute utilizado para expressar dados concretos em um relatoacuterio de pesquisa

(Tese) feito por mim para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias ndash Campus de Mariacutelia O objetivo geral desta pesquisa eacute

Verificar como ocorre o processo de letramento na Educaccedilatildeo Infantil com crianccedilas de 5 e 6 anos

por meio dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e os objetivos especiacuteficos satildeo

1) Verificar como o ensino por meio dos gecircneros discursivos ndash carta livro da vida jornal da

turma ndash interfere na aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de 5 e 6 anos 2) Discutir

quais as relaccedilotildees que as crianccedilas de 5 e 6 anos estabelecem com os elementos dos gecircneros

discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas

relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo do leitor e do produtor de textos 3) Identificar condutas

proacuteprias de leitor e de produtor de textos (orais e escritos) como parte do processo de letramento

nas crianccedilas de 5 e 6 anos 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros

discursivos pode contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de 5 e 6 anos

Declaro ainda que fica assegurado agrave crianccedila que em nenhum momento do relatoacuterio seraacute

feita a identificaccedilatildeo da mesma por nome garantindo-lhe nenhum tipo de constrangimento ou

danos morais

267

Certa de poder contar com a sua autorizaccedilatildeo coloco-me agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos

atraveacutes do telefone (14) 3454 ndash 2887

Greice Ferreira da Silva

Doutoranda em Educaccedilatildeo

Universidade Estadual Paulista-UNESP

Mariacutelia-SP

Autorizo data _______________

______________________________ ________________________________

Responsaacutevel Nome do aluno

268

APEcircNDICE C ndash ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DO

PROFESSOR

Nome _____________________________________________________

Formaccedilatildeo Magisteacuterio ( ) Superior ( ) Curso _________________

Instituiccedilatildeo formadora ________________________________________

Poacutes-Graduaccedilatildeo Especializaccedilatildeo ( ) Curso _______________________

Mestrado ( ) Doutorado ( )

Instituiccedilatildeo formadora ________________________________________

Tempo de serviccedilo ___________________________________________

Tempo de serviccedilo nessa escola _________________________________

Turmas em que lecionou nos uacuteltimos dois anos ____________________

1 Vocecirc costuma ler para seus alunos

2 Que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

3 Vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos Em quais atividades isso

acontece Como eacute feita essa produccedilatildeo E o que eacute feito com o texto que foi produzido

4 Vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto Qual Como

vocecirc percebe isso

5 Quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar em seu trabalho com as crianccedilas Por

quecirc

6 Vocecirc disponibiliza na sala materiais de leitura para as crianccedilas e os empresta para que as

crianccedilas os levem para casa

7 Em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para iniciar o

ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita Por quecirc

8 Para vocecirc como vocecirc chega agrave conclusatildeo de que que uma crianccedila saber ler e escrever

Quais satildeo as manifestaccedilotildees dela com a leitura e com a escrita que te levam a concluir

que ela ldquoaprendeu a lerrdquo

9 O que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

269

APEcircNDICE D ndash ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DA CRIANCcedilA

Escola ________________________________________ Infantil II

Nome ______________________________________________

Idade ______________________________________________

1 Vocecirc gosta de ouvir histoacuterias Que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

2 Por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

3 Aleacutem de histoacuterias haacute outro tipos de textos que vocecirc conhece Quais

4 Vocecirc costuma usar os livros na escola E em casa

5 Vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros Quais

6 Quando vocecirc estava no maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc Que tipo de histoacuterias

7 Vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc Por que

8 O que vocecirc mais gosta nas histoacuterias Das personagens Dos desenhos

9 Vocecirc acha importante saber escrever Por que

10 O que eacute saber ler Quando que uma crianccedila sabe ler

270

APEcircNDICE E ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS DAS PROFESSORAS

PB ndash PROFESSORA DO BERCcedilAacuteRIO

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PB leio mas agraves vezes eu conto porque eles satildeo muito pequenos entatildeo agraves vezes leio o livro

primeiro e nisso eu vou contando pra eles

P certo

PB senatildeo eles natildeo prestam atenccedilatildeo aiacute no uacuteltimo ano dependendo da turma jaacute daacute pra dar uma

lida em livros pequenos mas a maioria eacute contada

P certo e que tipos de textos vocecirc costuma ler para eles

PB ai eu gosto de ler tudo assim principalmente livros neacute histoacuterias conto de faacutebula

faacutebulas eacute conto de fada faacutebulas poesias eacute mais isso

P certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os seus alunos

PB costumo soacute que satildeo pequenos entatildeo natildeo daacute pra fazer uma coisa muito grande tem que

ficar dando muita dica neacute pra tirar mas pequenos textos datildeo pra fazer

P Eacute

PB depois de uma histoacuteria talvez o reconte da histoacuteria no momento que aconteceu eles vatildeo

falando

P certo

PB alguma coisa que aconteceu o que a gente fez entatildeo como que foi neacute

P sei sei

PB eacute mais assim

P e como eacute feita essa produccedilatildeo

PB coletando o primeiro momento se for uma histoacuteria que natildeo tem lousa eu vou escrevendo no

papel mas se eacute numa sala eu vou marcando na lousa e depois eu passo para o papel e depois

para o cartaz geralmente gosto de ver eles perto porque aquilo que foi falado foi passado na

lousa passado no papel e num cartaz grande aiacute eles desenham eu dou um giz grande eles

desenham debaixo do cartaz entendeu

P sim

PB foram eles que fizeram neacute

P e depois o que vocecirc faz com essa produccedilatildeo escrita

PB deixo na parede aiacute eles jaacute sabem neacute o que estaacute escrito o que natildeo estaacute quem desenhou

P entendi

P e vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto e qual tipo de

texto seria esse

PB eles gostam mais de histoacuterias

P sim

PB e os pequenos gostam mais de histoacuterias com animais

P eacute mesmo

PB eacute dos animais todos eles amam pode ser qualquer histoacuteria uma narrativa mas que

tenha animais

P certo

271

PB mas agora os maiores jaacute natildeo eacute um conto de fada uma faacutebula eles gostam os maiores

gostam de faacutebula porque eles podem falar para o amiguinho tambeacutem

P e como vocecirc conta a histoacuteria

PB a moral

P Eacute por conta disso

PB a moral da histoacuteria aquele laacute eacute o fulano que fez isso neacute o coelho dormiu e a tartaruga

passou na frente entatildeo eles vatildeo falando do dia a dia e falando das histoacuterias que eles fizeram

P certo

PB mas os menores satildeo mais assim histoacuterias curtas de animais eles gostam mais

P quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar no seu trabalho com as crianccedilas E por que

vocecirc costuma utilizar mais esse tipo de material de leitura Quando digo material envolve tudo

taacute Tudo que vocecirc tiver livro revista gibi o que tiver

PB eu revisto trecircs (refere-se a encapar os livros) para eles manterem contato com a linguagem

expressa neacute natildeo tem preccedilo neacute o livrinho de histoacuteria eu dou pra eles tambeacutem eu tenho alguns

separados que satildeo pra eles lerem entatildeo eles vatildeo eles estatildeo lendo aiacute de vez em quando eu

pego um livro e natildeo leio soacute que daiacute todo mundo quer aquele livro neacute

P ((risos)) por que

PB mas eles gostam de ler eles ficam assim falando da paacutegina como se estivessem lendo

ficam contando para o amigo como que foi e vem contando pra mim como que foi eles gostam

muito de mim eu gosto muito de dar livros para eles principalmente quando eu falo que eles

natildeo podem rasgar senatildeo natildeo vou poder contar histoacuteria que natildeo vai ter mais livrinho entatildeo isso

pra eles eacute mico eacute para eles irem percebendo

P eles levam livros para casa vocecirc tem esse costume de emprestar

PB alguns eu jaacute mandei eles adoravam

P eacute mas natildeo desde o Berccedilaacuterio

PB ano passado eu mandei no Maternal I

P certo

PB e o Maternal II o Berccedilaacuterio as matildees natildeo entendem o problema natildeo satildeo eles satildeo as

matildees

P entendo

PB teve matildee que achou que eu tinha mandado bilhete elas acharam que tinham dado algumas

outras eu pedi pra crianccedila desenhar aiacute elas desenharam figuras eu queria aquilo eu queria o

rabisco da crianccedila o que a crianccedila fizesse queria da matildee que ela (refere-se agrave crianccedila)

desenhasse neacute e depois trouxesse o livro que daiacute eu ia contar junto com elas aiacute elas iriam ver

que a matildee contou o livro neacute iria ter esse intercacircmbio neacute entre os pais e eu no Berccedilaacuterio as

matildees natildeo agora o Maternal II que jaacute sabe falar mais falavam cobravam mais das matildees e foi

assim eu fiz uma lista de livros e eles foram levando cada semana um

P certo

PB entatildeo eles natildeo iam repetindo agraves vezes eles queriam pegar o que jaacute tinham lido mas aiacute eu

falava esse aiacute vocecirc jaacute levou e todos passavam por todos os livrinhos

P ah entendi

PB eles adoravam

P eu imagino

PB eles trouxeram de volta apesar de serem integral eles trouxeram os livros bem natildeo

estragou nenhum agraves vezes tinha um que esquecia demorava trazia um rasgado

P mas no geral vocecirc teve uma boa resposta

Professora tive

272

P PB em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera que seja mais importante ou mais

adequado na verdade para iniciar o ensino ou aprendizagem da leitura e da escrita E por quecirc

PB seria no processo ou no comeccedilo

P na Educaccedilatildeo Infantil em que momento vocecirc acha que

PB momento com que idade vocecirc quer falar

P eacute ou idade ou que turma poderia acontecer de uma forma

PB somente no Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor para trabalhar

isso que eles jaacute estavam bem maduros neacute

P eles jaacute tinham seis anos

PB tinha seis anos

P eles completavam com a gente (refere-se agraves crianccedilas que completavam seis anos ainda

Educaccedilatildeo Infantil)

PB entatildeo vocecirc ia passando uma coisa vocecirc via a resposta neacute agora cinco anos tem crianccedila que

natildeo estaacute maduro psicologicamente neacute elas precisam de algum tempinho a mais entatildeo eu acho

que aiacute tem um pouquinho neacute demora um pouquinho mais natildeo concordo muito natildeo eu acho

que com seis anos que deve comeccedilar a gente pode comeccedilar antes elas conhecem as letras

mas natildeo eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute mas mais mesmo eacute

com seis anos

P como que vocecirc chega agrave conclusatildeo que uma crianccedila sabe ler e escrever quais satildeo as

manifestaccedilotildees que essa crianccedila apresenta que vocecirc fala nossa estaacute lendo e escrevendo o que

vocecirc observa que te garante que aquela crianccedila jaacute aprendeu a ler e a escrever

PB lendo alguma coisa mas geralmente crianccedila dessa idade comeccedila a ler coisas que estatildeo em

placas mostrando eacute cartazes sabe eles passam e comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute

escrito natildeo sei o que olha laacute estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute

e escrevendo uma hora eles vatildeo escrever mesmo ou uma muacutesica ou uma coisa ateacute mesmo na

areia agraves vezes eles escrevem geralmente os maiores neacute eacute o nome principalmente o

nomeconsegue neacute

P comeccedila por aiacute

PB eacute mas daiacute natildeo seria leitura e nem escrita tambeacutem seria somente do nome mas eacute mais

pra frente que eles fazem neacute

P ta normalmente comeccedila escrever coisas assim produzir um texto maior que olha

PB que jaacute deu neacute que ele consiga ler e entender entatildeo vocecirc pode perguntar que ele natildeo vai te

responder

P PB o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PB sabe que natildeo ouvir falar muito de letramento natildeo mas eu acho que letramento seja a crianccedila

que conheccedila as letras que talvez monte (refere-se as letras) mas alfabetizaccedilatildeo jaacute natildeo ela eacute

incorporada porque tem palavra que tem duplo sentido entatildeo a crianccedila jaacute vai natildeo soacute na

palavra que vocecirc vai lendo nas placas nos siacutembolos neacute entatildeo eacute diferente mas natildeo sei se eacute

bem isso

P natildeo eacute a sua opiniatildeo mesmo

PB acho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo neacute porque entender e escrever e ler aiacute vocecirc tem

uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a leitura sem entender o que estaacute lendo somente

juntando as palavras ou sabendo o alfabeto inteiro mais ou menos acho que eacute isso

P ah obrigada

273

PM I ndash PROFESSORA DO MATERNAL I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM I leio

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler pra eles

PM I entatildeo a literatura infantil leio bastante todos os dias leio um livro uma histoacuteria

seleciono leio sempre assim com um objetivo de trabalhar sentimento eacute trabalhar famiacutelia

ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre seleciono uma histoacuteria assim que de alguma forma vai

tocar eles eles vatildeo viver uma situaccedilatildeo aqui da escola tambeacutem

P e vocecirc percebe assim algum tipo de texto que eles se interessam mais De quais histoacuterias que

eles se interessam mais

PM I que eacute das histoacuterias neacute geralmente eles se interessam bastante e tem insistecircncia

P as que tem o personagem malvado

PM I tem o bonzinho

P sei

PM I as preferidas tem ateacute que induzi-los a um outro tipo de histoacuteria porque eles querem

sempre o mesmo

P o mesmo

PM I o mesmo

P e vocecirc costuma produzir textos eacute escritos por escritos com os alunos

PM I nessa classe ainda natildeo eu sou mais oralmente vocecirc conta a histoacuteria e

P sim

PM I eles relatam o que aconteceu

P aiacute recupera essa histoacuteria

PM I recupera assim oralmente

P vocecirc percebe que as crianccedilas entatildeo se interessam pelas histoacuterias que tem mais

PM I Clima de suspense

P Tem o mal

PM I tem o mal aiacute no final o bem supera o mal ((risos))

P e como eacute que vocecirc percebe isso que eles gostam mais desse tipo de histoacuterias de que maneira

eles demonstram

PM I A expressatildeo facial deles neacute a satisfaccedilatildeo com aquele final o desfecho neacute e os

comentaacuterios

P Ah sim

PM I os comentaacuterios o Maternal quando envolve bastante oralidade eles deslancham assim na

oralidade

P eacute mesmo

PM I eles contam bastante (refere-se as histoacuterias)

P seisei

PM I eacute eles ateacute se antecipam com o acontecimento

P eacute mesmo

PM I eacute muito bom o Maternal

P e quais materiais de leitura que vocecirc costuma utilizar no seu trabalho com as crianccedilas

PM I eu gosto de usar o livro eu gosto de usar o oral como elemento surpresaeu gosto de usar

uma caixa

P caixa

274

PM I tirando assim alguns objetos agraves vezes que eu crio um evento uma histoacuteria e invento

bastantetem que ter esse elemento surpresa pra estar trabalhando a oralidade para eles

ampliarem o vocabulaacuterio neacute a imaginaccedilatildeo

P e seriam aquelas caixas de histoacuterias

PM I Isso

P certo

PM I eu te mostrei

P natildeo

PM I eu tenho duas caixas e um bauzinho que coloco vaacuterios objetos que esse daiacute eu invento

P daiacute vocecirc vai mudando os objetos do bauacute

PM I geralmente eu aproveito as histoacuterias jaacute conhecidas deles que jaacute conhecem e em cima

dessa histoacuteria crio outra histoacuteria com eles agraves vezes escutando vaacuterias histoacuterias pegando outros

personagens de histoacuterias e eles gostam muito

P e tem algum outro material ou seria esse mesmo com as crianccedilas seriam mais os livros e as

caixas neacute

PM I as caixas e paineacuteis tambeacutem

P Ah ta vocecirc usa tambeacutem os paineacuteis

P PM I em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita e por quecirc

PM I olha eu acho assim como eu trabalho sempre com crianccedilas pequenas com faixa etaacuteria

menor assim vocecirc fala assim Eacute ESSE O MOMENTO

P certo

PM I vocecirc vai mantendo a crianccedila em contato com a escrita com a leitura vocecirc vai oferecendo

materiais faz uma releitura ( refere-se ao ato de reconstruir a histoacuteria oralmente) vocecirc trabalha

com eles a oralidade e a crianccedila vai aos poucos despertando o interesse e tem tambeacutem cada um

tem o seu momento neacute tem crianccedila que estaacute mais aleacutem tem crianccedila que tem o momento dela

que vai despertar cada um tem o seu momento chave eacute agora

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe

ler e escrever

PM I quando ela domina eu acho que a crianccedila comeccedila a despertar o interesse para tudo que

ela vecirc olha taacute escrito ta olha eu jaacute sei escrever tal palavra quando ela comeccedila ter o

interesse a dar razatildeo aquilo que taacute escrito neacute porque chega o momento que a crianccedila desperta

o divisoacuterio o concreto as figuras uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair

essa ideia ela comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aquijaacute sei ler issojaacute sei

fazer isso

P E com a escrita

PM I com a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou escrever o meu

nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu nome vocecirc fala jaacute estaacute

despertando e vai com a maturidade ela vai deslanchando

P e quando vocecirc percebe que ela jaacute sabe ler mesmo que ela jaacute aprendeu de que forma essa

crianccedila se manifesta e vocecirc fala que jaacute sabe ler e escrever

PM I pela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir ajuda quando ela tem

aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute (risos) (refere-se agrave crianccedila que jaacute

consegue ler e escrever)

P o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

275

PM I na minha concepccedilatildeo na minha ideia alfabetizar e letrar eu acho que caminham juntas

uma crianccedila letrada estaacute alfabetizada neacute ou pode estar letrada conhecer as letras e natildeo ter o

domiacutenio assim alfabetiZADA MESMO quando natildeo consegue ter a proacutepria autonomia se

virar sozinha mesmo

P alfabetizar pelo que vocecirc estaacute me dizendo pra vocecirc seria a crianccedila que jaacute domina a leitura

com a escrita

PM I isso

P de forma mais autocircnoma

PM I isso

P e letrada eacute quando ela jaacute conhece tem noccedilotildees

PMI mas ela ainda natildeo tem aquela autonomia de ficar fazendo sozinho essa letra e essa

escrita

P certo

PM I minha ideia de ficar analisando a fundo neacute

P e na Educaccedilatildeo Infantil esses processos de alfabetizaccedilatildeo e de letramento satildeo adequados

PM I desde que a crianccedila esteja assim se ela desperta pra isso neacute vocecirc natildeo vai queimar

etapas eacute atropelar eacute forccedilar a situaccedilatildeo e tambeacutem vocecirc natildeo vai provar a crianccedila se ela tem o

interesse se ela se envolver se ela tem vaacuterios recursos na famiacutelia pra estimular vai despertar

antes que outros mas vocecirc natildeo vai pular (etapa) para aprender agora vocecirc natildeo vai escrever

vocecirc natildeo vai segurar a crianccedila e vocecirc tambeacutem natildeo vai forccedilar a situaccedilatildeo assim entatildeo se

acontece

P vocecirc trabalha em cima do que ela vivencia

PM I eacute essa eacute mais ativa ela que vai se tornar eacute depende da situaccedilatildeo vocecirc natildeo vai

forccedilar

P ah estaacute bem muito obrigada

PM I de nada

PM II ndash PROFESSORA DO MATERNAL II

P e vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM II sim

P eacute e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PM II primeiro vou te contar o tipo de leitura que eu faccedilo em alguns momentos eu leio

conforme a histoacuteria do livro neacute leio as letras do livro mesmo a histoacuteria do livro mas em

outros momentos eu costumo contar a histoacuteria tambeacutem Faccedilo o momento da histoacuteria contada

porque dependendo da faixa etaacuteria os pequenos no comeccedilo do ano de eu soacute ler livros pra eles

natildeo se interessam tanto eles se dispersam neacute desviam a atenccedilatildeo e eacute entatildeo que em alguns

momentos eu leio ou em outros eu conto para eles irem se habituando agrave leitura do livro natildeo

contar a histoacuteria assim simplesmente entatildeo eacute leio dessa forma entatildeo eacute eu leio mais os

contos ou eacute eu trabalho lendas neles eacute o que mais leio satildeo faacutebulas mas aiacute eu natildeo enfoco tanto

a moral porque eles ainda natildeo entendem neacute (risos) mas eu natildeo costumo trabalhar assim por

exemplo com histoacuterias em quadrinhos porque satildeo muito pequenos entatildeo eacute assim pra essa

faixa etaacuteria neacute quando eu penso nos maiores daacute

P aiacute jaacute daacute

276

PM II aiacute jaacute daacute pra trabalhar outros gecircneros porque a poesia tambeacutem eacute complicada pra eles

entenderem o que taacute falando ali porque eacute uma linguagem mais eacute mais conotativa

P hum estaacute certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os alunos em quais

atividades se isso acontece em quais atividades isso acontece

PM II textos deixa-me pensar entatildeo eacute difiacutecil porque crianccedila pequena produz texto assim em

alguns momentos que eu escrevo os momentos que eu escrevo que eles falam mais quando

assim a gente estaacute por exemplo natildeo satildeo textos satildeo palavras geralmente por exemplo assim

se eles estatildeo se dou uma opccedilatildeo de duas histoacuterias ou trecircs histoacuterias pra turma escolher eu posso

fazer uma votaccedilatildeo entatildeo eu vou perguntando vocecirc qual histoacuteria gostaria de ouvir eu ponho

o nome da histoacuteria na lousa de repente surge outra histoacuteria que natildeo eacute nenhuma daquelas que eu

separei para as crianccedilas escolherem entatildeo eu marco na lousa aiacute a gente faz a contagem ou de

repente a gente vai falar sobre ou ateacute mesmo falar o nome da histoacuteria o nome das crianccedilas

mas assim texto mesmo eacute quase o Maternal II eacute meio complicado

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por um tipo de texto por algum tipo de

texto qual sua opiniatildeo

PM II Nessa faixa etaacuteria eacute soacute os claacutessicos neacute os claacutessicos

P Ah sei

PM II e geralmente eles gostam das histoacuterias que tem eacute o Lobo Mau que tem a bruxa entatildeo

tem que ter esse tipo de personagem

P e como vocecirc percebe que eles se interessam mais por esse tipo de texto

PM II olha eu acredito que seja por conta da imaginaccedilatildeo que eles tecircm que a imaginaccedilatildeo deles

eacute bem feacutertil neacute eles contam diversas histoacuterias eles inventam eles criam eacute mesmo que de

repente vocecirc comeccedila contar uma histoacuteria de cada o que aconteceu em casa eles satildeo de

repente natildeo contam exatamente contam o que aconteceu e depois eles comeccedilam a contar

inventar criar imaginar as coisas ou uma situaccedilatildeo que eles gostariam eu acho que eacute por isso

porque os contos claacutessicos as histoacuterias de fadas e de princesas assim mexem muito com a

imaginaccedilatildeo da crianccedila

P e quais materiais de leitura vocecirc disponibiliza para as crianccedilas que material que vocecirc costuma

utilizar no seu trabalho

PM II de leitura

P eacute com as crianccedilas

PM II olha eu preciso utilizar os livros de histoacuterias eu gosto de livros natildeo soacute assim eu

acho que a leitura pra crianccedila pequena eacute muito importante que seja feita junto com o livro neacute

porque eacute eu sinto muito que eles precisam de um modelo por que agraves vezes quando vocecirc estaacute

contando uma histoacuteria vocecirc tem que ter aquele apoio visual que eacute muito mais faacutecil pra crianccedila

compreender e agraves vezes ateacute pra despertar o eu acho a imaginaccedilatildeo das crianccedilas que nem por

exemplo eu posso contar a histoacuteria da Chapeuzinho Vermelho com um livro e depois contar

com outro livro e eles iratildeo ter desenhos diferentes e de repente a histoacuteria muda um pouco entatildeo

eles iratildeo ter que se concentrar mais ficam mais por conta da imagem (5) Entatildeo eles ficam por

mais tempo eles ficam mais eu vejo que eacute um modelo de desenharem porque quando a

gente soacute conta histoacuteria pra crianccedila pequena principalmente depois eles ficam meio perdidos

eles dizem Ocirc tia natildeo tem um desenho da formiga Natildeo sei como desenha o Lobo Natildeo sei

como desenha sei laacute a Chapeuzinho Vermelho entatildeo elas acham importante o apoio visual

eacute eu costumo trabalhar com eles assim eles vatildeo ter contato com as letras com as imagens

eacute os livros que conteacutem os desenhos agora agora as revistas contecircm fotografias natildeo tem soacute

desenhos tem alguns desenhos tambeacutem mas contecircm fotos imagens diferentes tem tambeacutem

as marcas dos produtos que eles vatildeo ter contatos

277

P entendi

PM II entatildeo uma placa que eles veem na rua pode ver na revista tambeacutem entatildeo eu trabalho

mais com o livro e com a revista e os livros tambeacutem eu gosto quando eu tenho um atrativo a

mais como por exemplo o livro do Coelhinho Fofinho para as crianccedilas da Vaquinha

Mimosa que tem texturas ou livros que decirc pra vocecirc Um Caracol que eu li tambeacutem que daacute

pra colocar os dedos nos olhinhos para se mexerem um atrativo a mais pra crianccedila pequena

P em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita

PM II ah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo mais prontas

jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepido jaacute entendem

melhor o que a gente ensina se bem que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar antes no

maternal mas no Infantil II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra ao som

conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou mostrando trabalho

muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu vou oferecendo mais vou puxando

sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro demais pra elas

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe

ler e escrever

PM II ah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal coisasabe ela comeccedila ler

as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua essas coisas a crianccedila chega num momento

que ela desperta mesmo e ela comeccedila a ler e a escrever

P mas como vocecirc percebe isso Quais as manifestaccedilotildees dela Vocecirc observa outros indiacutecios

PM II a crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer isso o tempo todo

isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante porque jaacute consegue fazer isso e agraves

vezes as outras ainda natildeo

P o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PM II ah eacute uma coisa meio complicada neacute mas pra mim alfabetizaccedilatildeo eacute quando a crianccedila

sabe codificar e decodificar sabe o que estaacute escrito e sabe escrever agora letramento eacute eu

acho que eacute quando a crianccedila sabe usar isso de algum jeito sabe usar de maneira mais

funcional eu acho que eacute isso neacute

PI I ndash PROFESSORA DO INFANTIL I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PI I costumo

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PI I eacute a maioria satildeo histoacuterias infantis mesmo contos de fada historinhas em si infantis

hum a gente lecirc muitas muacutesicas tambeacutem mas como eu escrevo na lousa a gente acaba lendo a

muacutesica neacute

P certo

PI I mas histoacuteria mesmo satildeo contos de fada

P e vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos

PI I natildeo

P sei

PI I com o Preacute III eu fazia

278

P certo

PI I com o Infantil I eu ainda natildeo fiz natildeo

P uma produccedilatildeo oral que vocecirc vai registrando

PI I ano passado eu fiz sabe

P eacute

PI I eu fiz brincadeiras a gente brincava na quadra e escrevia a brincadeira neacute

P certo

PI I com eles eu fiz mas com esse ano natildeo fiz natildeo

P certo e tem algum motivo especial assim por que natildeo fez ainda esse ano

PI I natildeo

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto

PI I que eles gostam mais

P eacute tem algum tipo que causa mais que causa mais interesse

PI I eles pedem mais os que tecircm lobo que tenha mais personagem do tipo do lobo neacute tenha

bruxa eles adoram OS TREcircS PORQUINHOS neacute

P ah Os Trecircs Porquinhos

PI I eacute o que eles mais gostam A Bela e a Fera eles adoram

P sim

PI I acho que tem esse elemento que causa esse tipo de medo natildeo sei

P e quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar em seu trabalho com as crianccedilas

PI I que eles leiam vocecirc fala ou o que leio pra eles

P o que vocecirc lecirc pra eles o que vocecirc costuma usar

PI I somente livros de histoacuterias infantis mesmo

P e por que vocecirc prioriza esse uso desse tipo de material

PI I natildeo sei eu acho que estou errada nisso porque tem que usar todos mas eu acabo presa

nisso uma falha minha

P eacute uma falha

PI I eu acho que eacute uma falha que nem a produccedilatildeo de textos eu dou muito pouco porque eles

vatildeo ditando pra mim e eu vou escrevendo na lousa aiacute seria uma produccedilatildeo mas natildeo um texto

que eles criaram neacute eacute um texto pronto que eles vatildeo falando que letra vocecircs acham que tem que

pocircr ou eu sento falo onde estaacute tal palavra na muacutesica do Pintinho Amarelinho eles vatildeo

procurar eles vatildeo procurando jaacute entatildeo eles tecircm bastante isso neacute

P certo

PI I eu natildeo faccedilo a produccedilatildeo para eles criarem neacute

P certo

PI I eacute uma parte que eu estou falhando que teria que rever neacute

P e vocecirc disponibiliza materiais de leitura para as crianccedilas

PI I somente livros de histoacuterias

P somente livros de histoacuterias e vocecirc os empresta para elas levarem pra casa esses livros de

histoacuteria

PI I natildeo tenho emprestado

P natildeo

PI I Eacute Eu tenho emprestado em anos anteriores sabe por quecirc

P natildeo por que

PI I eu fico sempre eacute assim eu planejei fazer de uma forma que eu tinha que mandar bilhetinhos

para os pais e sabe quando vocecirc vai deixando de uma semana para outra e acaba natildeo

mandando eacute uma falha que a gente vai tendo neacute

279

P que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita

PI I que momento

P Eacute

PI I eu acho jaacute no Infantil I daacute porque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as muacutesicas e eles

jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles onde estaacute

escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o

siacutembolo da palavra jaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a palavra

antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra entatildeo eu acho

que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras iguais nos

nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute quando eles

vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com o dedinho

cantando e vai assim o dedinho (faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em linha reta da

esquerda para a direita como a indicar leitura) entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute

comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo tendo contato

com a escrita neacute

P certo

PI I eu acho que tudo jaacute comeccedila a aprendizagem dali neacute minha sobrinha tem um ano e meio e

coloco-a no computador jaacute a coloco na letrinha como ela adora BARBIE (nome de uma

boneca) o site da BARBIE ela procura qual eacute o B no teclado e comeccedilo perguntando qual eacute o

B qual que eacute o B ela faz assim com o dedo (faz o gesto indicando que a crianccedila passa o dedo

sobre cada letra no teclado do computador) procura e aperta o B entatildeo acho que natildeo tem uma

idade definida mas eu acho que o trabalho em si seria no Infantil II mas pode comeccedilar firme

no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na muacutesica eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil

neacute

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que uma crianccedila jaacute se apropriou disso

PI I quando ela sozinha consegue ler e entender o que ela estaacute lendo quando ela consegue

escrever histoacuterias criar e conseguir o que ela escreveu

P certo eacute que eu iria perguntar que manifestaccedilatildeo dela com a leitura que te leva a concluir que

ela aprendeu a ler por exemplo

PI I eacute porque agraves vezes a crianccedila decodifica vocecirc pergunta o que vocecirc leu e natildeo consegue

explicarentatildeo eu acho que quando ela aprender mesmo eacute quando ela entendeu o que ela leu neacute

porque na verdade a leitura se vocecirc entender como uma decodificaccedilatildeo aqui estaacute escrito BOLA e

ela lecirc BOLA ela sabe decodificar mas natildeo prestou atenccedilatildeo no que estaacute lendo entatildeo eu

considero que ela tem que entender o que estaacute lendo tambeacutem por exemplotem que ser um

complemento neacute a escrita tambeacutem tem que saber passar sabe escrever e entender o que ela quis

passar pra mim neacute outra pessoa lecirc que tenha coerecircncia uma coisa eacute entender pode ter erros

de ortografia e tudo mas isso eacute normal neacute

P ainda mais que isso eacute normal

PI I Isso eacute tem bastante erro mas daacute pra entender o que a crianccedila quis passar neacute

P e o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PI I ai eu natildeo sei eu jaacute li sobre isso mas na minha cabeccedila ficou a mesma coisa letrar

alfabetizar ficou a mesma coisa

P e pra vocecirc o que eacute alfabetizar

PI I alfabetizar entatildeo eacute isso que acabei de falar eacute vocecirc ensinar a crianccedila a ler a escrever

a poder utilizar isso ela pegar um jornal e saber usar o jornal como lecirc como que entender o

280

que estaacute escrito laacute na vida dela se ela precisa de uma receita ela vai laacute e ela sabe procurar um

livro de receitas ela vai lecirc sozinha sem ajuda de ningueacutem ela consegue fazer sozinha neacute

lecirc uma histoacuteria lecirc pro amiguinho lecirc uma bula de remeacutedio saber o que ela estaacute lendo ela

quer fazer um brinquedo lecirc um texto e lecirc sabe o que estaacute escrito e lecirc sabe escrever um

bilhete pra algueacutem uma carta uma histoacuteria

P obrigada

PM I eacute isso neacute

P muito obrigada

281

APEcircNDICE F ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI ndashESTRUTURADAS DAS CRIANCcedilAS (INIacuteCIO DA PESQUISA)

C1 ndash 5 anos

P C1 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C1 eu gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C1 todas que eu tenho

P todas que vocecirc tem e quais satildeo as que vocecirc tem

C1 a que tem vaacuterias histoacuterias e a do Peacute de Feijatildeo

P ah que tem vaacuterias histoacuterias num livro

C1 num DVD

P Ah num DVD e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C1 porque eu comecei a ouvir e gostei

P ah eacute o que elas tecircm assim de especiais

C1 muitas histoacuterias legais

P aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece

Beatriz Uhum

P quais tipos de textos que vocecirc jaacute conhece

C1 Chapeuzinho Vermelho Os Trecircs Porquinhos eu natildeo sei mais

P tem outro tipo de histoacuteria diferente que vocecirc conhece de textos que vocecirc conhece

C1 tem

P aleacutem dessas histoacuterias que vocecirc jaacute conhece tem outros tipos como poesia por exemplo

C1 Uhum

P vocecirc gosta o que mais que vocecirc gosta que as pessoas leiam ou contem histoacuterias pra vocecirc

C1 o livro de histoacuterias que meu pai conta

P ah eacute mesmo o livro de histoacuterias biacuteblicas eacute o seu pai que conta pra vocecirc que legal vocecirc

costuma usar os livros na escola

C1 costumo

P tem bastante na sua sala

C1 tem

P e na sua casa

C1 tambeacutem

P e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros textos

aleacutem dos livros

C1 conheccedilo

P conhece que outros materiais escritos tecircm

C1 poesias

P tem poesias mas que materiais olha temos os livros neacute aleacutem dos livros vocecirc tem outro

tipo de material que vocecirc usa

C1 tem

P qual o que vocecirc conhece

C1 eu tenho um livro que conheccedilo

P qual

C1 somente natildeo sei o nome

282

P mas e revistas

C1 tem uma revista laacute em casa

P ah eacute aleacutem de revistas tem outro tipo de materiais na sua casa que tem coisas escritas

C1 jornal

P jornal eacute mesmo tem mais algum outro que vocecirc conhece

C1 revista de TV

P ah revista de TV

Beatriz tem as pessoas que aparecem na TV

P C1 quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C1 costumava

P e que tipo de histoacuteria elas liam

C1 qualquer uma

P qual por exemplo

C1 da Chapeacuteu

P qual

C1 da Chapeuzinho Vermelho Os Trecircs Porquinhos Cinderela

P e vocecirc prefere mais que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C1 que contem histoacuterias pra mim

P por que vocecirc prefere que contem e natildeo que leiam

C1 eacute porque eu gosto de histoacuterias

P eacute mas qual que eacute a diferenccedila quando algueacutem estaacute lendo de algueacutem estaacute contando pra vocecirc

por que vocecirc gosta mais somente conta

C1 porque cai bem contar porque eu gosto

P eacute tem alguma coisa de diferente na hora de contar

C1 eacute que naquele livro de histoacuterias na terra tinha somente pulo

P Ah

C1 eacute lenda

P ah eacute Nossa e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C1 dos desenhos que as pessoas fazem

P ah eacute

C1 do Adatildeo e Eva

P vocecirc gosta mais das ilustraccedilotildees entatildeo dos desenhos

C1 uhum

P vocecirc acha importante C1 saber escrever

C1 eu sei mas somente o meu nome

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P acha e por que vocecirc acha importante a gente saber escrever

C1 porque eu natildeo sei

P por que vocecirc acha que isso eacute importante para que a gente precisa aprender a escrever

C1 porque a gente vai crescendo e vai aprendendo

P eacute e pra fazer o que depois com essa escrita

C1 eacute ((silencia))

P e o que vocecirc vai usar por exemplo quando vocecirc aprender a escrever vocecirc vai usar para

que isso

C1 porque sim

283

P pra que a gente aprende a escrever

C1 porque nossos pais fazem a gente escrever

P ah C1 o que eacute saber ler

C1 eacute para aprender

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C1 tem que ter seis anos para saber ler

P ah quando tem seis anos mas tem gente que aprende antes dos seis anos natildeo aprende

C1 a hatilde

P e aiacute

C1 hum

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler quando que vocecirc olha para um amiguinho e diz aquela

pessoa jaacute sabe ler como eacute que vocecirc percebe isso

C1 eacute porque um dia a V ((refere-se a uma colega da turma)) conseguiu ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu que ela fez isso

C1 porque ela estava vendo o livrinho e prestando atenccedilatildeo nos desenhos

P eacute mesmo

C1 e a professora deu um pontinho

P quando foi isso

C1 ah quando a gente estudava com a outra professora ((refere-se a professora do ano

anterior))

P muito obrigada C1

C1 taacute obrigada

C2 ndash 5 anos

P C2 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C2 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C2 Os Trecircs Porquinhos

P Os Trecircs Porquinhos eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C2 porque Os Trecircs Porquinhos fazem uma Os Trecircs Porquinhos eacute um eacute burro e outro eacute

esperto

P ah eacute C2 aleacutem de histoacuterias tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C2 O caso do bolinho ((refere-se a histoacuteria de autoria de Tatiana Belinky))

P O caso do bolinho eacute outra histoacuteria neacute mas sem ser histoacuterias poesias por exemplo vocecirc

conhece jaacute ouviu algumas poesias alguma vez

C2 eacute A Branca de Neve

P A Branca de Neve hum e vocecirc costuma usar livros na escola vocecirc natildeo costuma pegar

livros na caixinha da leitura

C2 somente gosto de pegar o livro do Aladim e do catildeo

P mas entatildeo vocecirc usa livros na escola

C2 ((afirma com a cabeccedila))

P e em casa vocecirc usa livros vocecirc tem livros na sua casa

C2 uhum

P tem

C2 meu irmatildeo daacute pra eu ler

284

P e quais livros ele daacute pra vocecirc ler

C2 aquele que tem a Barba Azul

P ah certo C2 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros textos aleacutem dos livros

C2 Aquela da bruxa ruim que daacute a maccedilatilde ruim pra Branca de Neve

P ah mas vocecirc conhece outros materiais por exemplo vocecirc falou que jaacute conhece os livros

aleacutem dos livros vocecirc conhece outros materiais escritos ou natildeo

C2 conheccedilo

P quais outros que vocecirc conhece aleacutem dos livros

C2 livro

P entatildeo sem ser

C2 eacute mais gostoso pra ler

P os livros satildeo mais gostosos de ler mas vocecirc conhece outros materiais tem outros materiais de

leitura na sua casa ou aqui na escola que vocecirc gosta de ver

C2 o aquele laacute do Mickey e Donald

P ah mas aquele laacute eacute o gibi neacute e vocecirc conhecia ou natildeo o gibi

C2 ((nega com cabeccedila))

P natildeo

C2 eu somente conheci quando o assisti no salatildeo

Pesquisadora Ah taacute

C2 e aquele que tem o ratinho que pega um montatildeo de coco e aiacute ele vai pra casinha dele na

aacutervore

P certo ah entatildeo vocecirc conhece livros conhece gibis e conhece mais o que

C2 revista

P C2 quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C2 costumavam

P e quais histoacuterias elas liam que tipo de histoacuterias elas liam

C2 A Branca de Neve

P somente essa somente esse tipo de histoacuteria que elas liam

C2 aa Chapeuzinho

P ah da Chapeuzinho Vermelho e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C2 leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam as histoacuterias

C2 porque eacute melhor

P e por que eacute melhor quando algueacutem estaacute lendo por que vocecirc acha que eacute melhor do que ler ou

somente contar

C2 porque contar natildeo se pode fazer nada somente pode ficar quieto

P e quando estaacute lendo pode

C2 ((nega com a cabeccedila))

P natildeo e por que entatildeo eacute mais legal quando algueacutem estaacute lendo

C2 eacute mais da hora aiacute mostra os desenhos

P e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C2 do desenhos

P e por que

C2 porque o desenho passa muito e as histoacuterias passam pouco

P ah eacute mas passa muito como

285

C2 porque o meu amigo Indiana tem aquele cachorratildeo e aquele ratinho

P ah sim C2 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever e por que vocecirc acha que eacute

importante saber escrever

C2 porque eacute aprende

P entatildeo porque a gente tem que aprender a escrever

C2 eacute melhor

P e o que fazemos quando aprendemos a escrever o que podemos fazer quando sabe escrever

C2 noacutes trabalhamos

P trabalhamos de que jeito

C2 fazendo portatildeo

P entatildeo quando a pessoa sabe escrever ela pode trabalhar e o que mais

C2 Aiacute

P por que a gente escreve as coisas

C2 eacute tem que escrever muito pra saber

P pra saber pra conhecer saber o que

C2 filme

P filme

C2 filme e trabalhar

P e o que mais a gente pode fazer quando sabemos escrever

C2l desenhar o filme

P C2 o que eacute saber ler

C2 que natildeo eacute bonito que noacutes aprendemos muito

P e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C2 aiacute ele vai lendo para outra pessoa

P ah eacute quando uma pessoa aprende a ler ela lecirc para ajudar outra pessoa tambeacutem e quando vocecirc

jaacute sabe que uma pessoa jaacute sabe ler

C2 C13 e C5 jaacute sabem

P C13 e C5 jaacute sabem ler e o como eacute que vocecirc sabe que os dois jaacute sabem ler

C2 porque eles lecircem o livrinho

P eles leram pra quem

C2 eacute pra eles quando vocecirc daacute livrinhos pra eles eles ficam lendo

P eacute mesmo e como que vocecirc olha e fala assim eles jaacute sabem ler esses meus amigos aqui jaacute

sabem ler como eacute que vocecirc percebe que eles jaacute sabem ler

C2 Porque eacute ele estaacute lendo o livrinho alto

P ah ele estaacute lendo alto aiacute daacute pra perceber que ele estaacute lendo mesmo

C2 uhum

P entatildeo estaacute bem obrigada viu

C3 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C3 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C3 do caso do bolinho

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C3 porque eacute mais legal a muacutesica

286

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C3 natildeo

P natildeo vocecirc costuma usar os livros na escola

C3 sim

P e na sua casa

C3 tambeacutem

P tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C3 tenho UM MILHAtildeO

P nossa quantos e quais livros vocecirc tem na sua casa

C3 Um montatildeo

P fala o nome de alguns

C3 uma eacute da joaninha e outra da borboleta

P Ah

C3 os outros eu natildeo me lembro

P C3 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros

C3 eu natildeo

P vocecirc natildeo conhece nenhum material de leitura

C3 conheccedilo

P tem os livros e tem outros materiais que tem coisas escritas natildeo tem

C3 tem

P que outros materiais vocecircs conhecem que tem coisas escritas

C3 ah eu natildeo sei tem um montatildeo de coisas tem jornal

P tem jornal entatildeo vocecirc conhece o jornal tem o jornal tem os livros e o que mais

C3 revistas

P revistas tem mais algum material escrito que vocecirc conhece

C3 natildeo

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler ou

contar histoacuterias pra vocecirc

C3 sim

P e quais histoacuterias elas contavam que tipo de histoacuterias elas contavam

C3 eacute da Chapeuzinho Vermelho dos Trecircs Porquinhos

P tem mais algum outro tipo de histoacuteria

C3 os outros eu natildeo me lembro

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 contem

P e por que vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 porque eacute bom para ouvir

P Entatildeo porque vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 porque eacute legal porque conta porque mostra os desenhos

P mas aiacute eacute quando a pessoa lecirc natildeo eacute

C3 uma vez eu leio para as minhas bonecas

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos por exemplo

C3 dos desenhos

P e por que vocecirc prefere os desenhos

C3 porque eacute legal

P e o que eles tem de legal

287

C3 satildeo engraccedilados

P C3 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C3 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute eacute importante aprender a escrever e por que vocecirc acha que eacute importante

C3 por quecirc eacute para poder escrever as cartas no dia do aniversaacuterio para poder dar para os

amigos ((refere-se agrave convites de aniversaacuterio))

P ah entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode escrever cartas para os amigos

convites de aniversaacuterios o que mais a gente pode fazer quando a gente sabe escrever

C3 a gente tambeacutem pode dar para as professoras coisa boa que estaacute escrita

P eacute mesmo e que tipo de coisas boas assim

C3 elogios de amor de felicidade

P nossa que gostoso entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode fazer um montatildeo de

coisas neacute

Gabriela eacute

P C3 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C3 eacute eu natildeo sei quais os dias

P natildeo os dias natildeo mas como que vocecirc percebe que algueacutem sabe ler

C3 eacute porque minha matildee conta histoacuterias pra mim todos os dias aiacute eu ouccedilo

P vocecirc conhece algueacutem que sabe ler a sua matildee por exemplo sabe ler

C3 o meu avocirc

P o seu avocirc tem amiguinhos seus que jaacute sabem ler

C3 tem

P tem

C3 a minha amiga G e minha outra amiga que chama D

P e como eacute que vocecirc sabe que elas jaacute sabem ler

C3 porque elas satildeo grandes

P ah eacute mas uma crianccedila menor pode aprender a ler natildeo pode

C3 pode minha matildee me ensina

P entatildeo mas como eacute que vocecirc fala assim nossa aquela pessoa ali jaacute sabe ler

C3 eacute porque eu fico estudando todos os dias lendo eu fico falando o alfabeto assim oacute Q

E M A B

P Ah e aiacute falando as letras vocecirc vai aprendendo

C3 eacute

P a ler falando o alfabeto

C3 eacute

P entendi muito obrigada

C 5 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C5 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C5 O caso do bolinho

P Caso do bolinho e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C5 (6) porque eacute legal

P O que essa histoacuteria tem que eacute tatildeo legal

288

C5 a primeira parte

P e qual eacute

C5 que o avocirc acorda

P ah o avocirc acorda e pede o que

C5 bolinho

P pra quem

C5 para a avoacute

P aleacutem de histoacuterias haacute algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C5 natildeo

P somente conhece histoacuterias natildeo conhecem poesias outros tipos de textos

C5 natildeo

P vocecirc costuma usar os livros na escola

C5 (4) costumo

P e na sua casa

C5 natildeo porque natildeo tem

P natildeo tem livros em casa nenhum

C5 eu tenho minha irmatilde

P a sua irmatilde tem

C5 um monte

P ah entatildeo vocecirc tem livros em casa

C5 soacute que meu pai natildeo lecirc

P natildeo lecirc pra vocecirc

C5 nem minha matildee

P e vocecirc tenta ler sozinho

C5 uhum

P e consegue

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como eacute que vocecirc faz pra ler

C5 vejo as ilustraccedilotildees

P ah Isso vai lhe ajudando a ler somente com as ilustraccedilotildees que vocecirc consegue

C5 uhum

P hum C5 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros tipos de textos aleacutem dos livros

C5 natildeo

P vocecirc natildeo conhece revistas ou outros materiais de leitura que tem coisas escritas

C5 natildeo

P natildeo

C5 Professora

P Sim C5

C5 amanhatilde vocecirc me deixa ler aquele livro que aparece a caverna

P deixo vocecirc quer ler deixo sim quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas

professoras costumavam ler ou contar histoacuterias pra vocecirc

C5 natildeo

P Natildeo Nenhuma

C5 davam livros somente pra gente ler sozinhos

P ah eacute mas elas natildeo liam pra vocecircs

C5 natildeo

289

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 contem

P eacute e por que vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 porque tem algumas coisas que eu natildeo sei

P ah ta entatildeo aiacute eacute melhor que as pessoas contem do que elas leiam

C5 eacute

P C5 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C5 dos desenhos

P e por que vocecirc prefere os desenhos

C5 porque eacute legal

P eacute e o que eles tecircm assim que deixa a histoacuteria tatildeo bacana legal

C5 a muacutesica

P muacutesica

P C5 vocecirc acha importante aprender a escrever ou saber escrever

C5 eu jaacute sei

P vocecirc jaacute sabe escrever mesmo o que vocecirc faz agora por vocecirc jaacute sabe escrever

C5 ler histoacuteria pra minha irmatilde dormir

P ah que legal vocecirc lecirc histoacuterias para sua irmatilde dormir e ela gosta

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute mesmo C5 o que a gente pode fazer quando a gente aprende a escrever

C5 falar coisas para os amigos

P eacute falar ou escrever

C5 escrever

P eacute que tipo de coisas

C5 uma coisa que eles natildeo sabem depois vocecirc fala

P escreve

C5 depois vocecirc fala o que eacute se natildeo sabe

P ah aiacute vocecirc estaacute lendo natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever entatildeo

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e o que eacute saber ler

C5 eacute que aprende muitas coisas

P e quando que uma crianccedila jaacute sabe ler vocecirc por exemplo vocecirc falou pra mim que jaacute sabe

ler natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P quando que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabia ler

C5 aquele dia que eu fui falar as letras

P ah vocecirc foi falando e foi aiacute que vocecirc percebeu

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute como que vocecirc faz pra ler C5

C5 fala as letras e depois eu adivinho

P ah vocecirc fala as letras e depois adivinha hum entatildeo estaacute bem muito obrigado viu

290

C6 ndash 5 anos

P C6 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C6 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C6 mais gosto eacute Cinderela

P hum e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C6 porque eu acho mais bonito

P eacute e o que elas tem que deixa mais bonita a histoacuteria

C6 eacute porque a fada transforma num vestido rosa

P C6 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece reportagens poesias

notiacutecias

P tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C6 histoacuteria conheccedilo da Chapeuzinho Vermelho

P qual mais

C6 ahn deixa eu ver Branca de Neve

P certo

C6 Pequena Sereia

P certo

C6 E

P mais alguma

C6 natildeo

P vocecirc costuma usar os livros aqui na escola

C6 costumo

P e na sua casa

C6 na minha casa somente fico brincando

P ((risos)) somente brincando e natildeo usa livros na sua casa natildeo

C6 natildeo

P mas vocecirc tem livros em casa

C6 natildeo

P natildeo C6 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros textos aleacutem dos livros

C6 aleacutem dos livros

P eacute algum material de leitura aleacutem dos livros algum outro material que tenha coisas escritas

C6 aham

P que tipo quais materiais que vocecirc conhece

C6 hum o jornal

P o jornal qual mais

C6 livro

P livro quais outros

C6 como eacute professora mesmo

P que materiais que vocecirc conhece que tem coisas escritas aleacutem dos livros

C6 coisas escritas

P vocecirc falou jornal livros o que mais vocecirc se lembra de mais algum

C6 natildeo

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

291

C6 hum natildeo

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C6 contem

P contem eacute melhor contar do que ler

C6 uhum

P vocecirc prefere e por que vocecirc prefere que as pessoas contem

C6 hum

P por que eacute mais legal contar do que ler

C6 hum porque eacute mais legal

P eacute mais legal o que tem de diferente nisso

C6 diferente

P ler eacute diferente de contar

C6 ah natildeo

P eacute a mesma se eu ler uma histoacuteria ou se eu contar uma histoacuteria eacute a mesma coisa

C6 eacute

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C6 dos desenhos

P dos desenhos e por que vocecirc gosta mais dos desenhos

C6 porque eles satildeo ilustraccedilotildees

P ah e as ilustraccedilotildees satildeo boas

C6 satildeo

P e vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C6 importante

P eacute vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C6 eu acho

P e por que eacute importante aprender a escrever

C6 hum para a gente aprender mais

P aprender mais e o que a gente pode fazer depois que a gente aprende a escrever

C6 escreve

P escreve o que por exemplo

C6 escreve para professora para o amiguinho

P ah escreve para a professora para os amigos

C6 uhum

P o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 somente quando estuda e vai para a escola

P somente quando vai para laacute e antes natildeo pode aprender

C6 antes aprende tambeacutem

P entatildeo e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 quando estiver em outras escolas assim

P vocecirc tem alguma amiguinha aqui na nossa escola que jaacute sabe ler

C6 natildeo

P nenhuma

C6 nenhuma

P e quando uma pessoa jaacute sabe ler vocecirc fala assim nossa aquela crianccedila ali jaacute sabe ler

como que vocecirc percebe que algueacutem estava lendo

C6 eu jaacute sei ler

P e como eacute que vocecirc sabe o que vocecirc faz quando vocecirc ler como que vocecirc faz pra ler

292

C6 eu fico juntando as letrinhas

P ah vocecirc fica juntando as letrinhas e vai conseguindo ler

C6 uhum

P eacute assim

C6 eacute

P entatildeo vocecirc jaacute aprendeu

C6 uhum

P Obrigada C6

C6 de nada

C8 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C8 sim

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C8 eu gosto do saci

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C8 eu gosto mais da histoacuteria que ele vai agrave fazenda e se transforma num cavalo

P ah eacute e quem contou essas histoacuterias pra vocecirc

C8 eu vi na televisatildeo

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C8 eacute por isso que o saci sempre faz coisas legais na casa do fazendeiro

P aleacutem de histoacuterias tem outro tipo de texto que vocecirc conhece quais

C8 matemaacutetica

P ah matemaacutetica eacute um texto

C8 texto de adulto

P de adulto como eacute que vocecirc sabe disso

C8 eacute pra isso que se trabalha em matemaacutetica para poder ir para outra escola

P mas a gente natildeo faz matemaacutetica aqui na escola

C8 sim

P entatildeo eacute somente dos adultos

C8 somente para os adultos e para crianccedila tambeacutem

P entatildeo tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C8 eu conheccedilo

P aleacutem das histoacuterias

C8 eu conheccedilo aleacutem das histoacuterias a Girafa sem sono ((refere-se ao nome de um livro de Liliana

Iacocca))

P e vocecirc costuma usar os livros aqui na escola

C8 sim

P e na sua casa

C8 na minha casa tem livrinho

P tem tambeacutem e vocecirc costuma usar livros laacute

C8 sim

P certo e quem usa com vocecirc

C8 minha avoacute e minha matildee

P certo

293

C8 e ateacute o meu pai

P e vocecirc conhece outros materiais escritos que tem histoacuterias poesias ou outros tipos de textos

aleacutem do livro materiais escritos assim que tem coisas escritas

C8 uhum

P quais materiais que vocecirc conhece

C8 eu conheccedilo matemaacutetica e coisa de adulto

P entatildeo e coisas escritas que nem os livros tem histoacuterias escritas natildeo tem as revistas tem

tambeacutem natildeo tem

C8 tem

P que outros materiais tem coisas escritas

C8 coisas escritas que tecircm eacute o livro

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C8 uhum

P eacute e que tipo de histoacuterias elas contavam

C8 ela contava do Ursinho Memel

P ah eacute

C8 A PI I

P ela contava alguma outra histoacuteria que vocecirc lembra

C8 Eu me lembro da I ((refere-se a uma ex-professora da escola)) ela vem na festa junina

P eacute mesmo eacute verdade que tipo de histoacuterias a professora I contava

C8 Ela contava qualquer uma contava da Girafa sem sono tambeacutem

P vocecirc prefere que as pessoas leiam ou somente contem histoacuterias pra vocecirc

C8 que leiam e me contem as histoacuterias

P mas qual dos dois vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C8 leiam

P que leiam e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam histoacuterias pra vocecirc

C8 eacute por isso que estou andando de ocircnibus

P mas por que vocecirc prefere que leiam uma histoacuteria pra vocecirc

C8 eu sei disso por isso que a minha avoacute sabe ler

P ah eacute e vocecirc prefere que ela leia por quecirc

C8 ela lecirc muito bem

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C8 eu gosto das personagens

P eacute e por quecirc

C8 porque eacute muito legal

P e o que elas tem que chamam atenccedilatildeo

C8 ah nem sei

P C8 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever por quecirc

C8 eacute porque eacute muito importante pra gente ler

P o que fazemos quando aprendemos a escrever o que a gente pode fazer

C8 ela faz tarefa

P podemos fazer tarefa o que mais

C8 matemaacutetica

P matemaacutetica o que mais

C8 ler livro

P ah certo e o que eacute saber ler C8

294

C8 saber ler eacute quem aprende mais coisas

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C8 uma crianccedila jaacute sabe ler quando ela sabe ler quando ela descobre quando ela vai para outra

escola

P aqui na escola tem algumas crianccedilas que jaacute sabem ler

C8 ((afirma com a cabeccedila))

P entatildeo natildeo precisa mudar de escola precisa

C8 natildeo mas semana que vem tem que mudar de escola ((refere-se ao proacuteximo ano em que

ingressaratildeo na escola de Ensino Fundamental))

P e quando vocecirc vecirc uma crianccedila e fala assim nossa aquele meu amiguinho jaacute aprendeu a ler

quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C8 porque a minha matildee me ensina a ler

P e como que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabe ler

C8 eu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a ler

P ah e eacute importante aprender a ler tambeacutem

C8 uhum

P certo obrigada viu C8

C8 de nada

C9 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C9 do coelhinho que tenho laacute em casa

P como chama essa histoacuteria lembra

C9 Coelhinho Tatau

P tem outros tipos de histoacuterias que vocecirc gosta

C9 Chapeuzinho Vermelho

P ah eacute

C9 mas a do Lobo Mal O porquinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C9 porque tem o Lobo que faz as coisas com os porquinhos e aiacute o Lobo se ferra

P nossa e por que isso acontece com ele

C9 porque ele apronta e aiacute os porquinhos sabem que o Lobo estava atraacutes deles e aiacute eles pegam

e jogam o caldeiratildeo na lareira e aiacute ele natildeo sente calor entra pela chamineacute e sai correndo na

hora ele cai no caldeiratildeo cheio de aacutegua quente

P eacute

C9 aiacute ele aprende que natildeo pode mexer com os porquinhos

P hum entendi C9 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 hum acho que natildeo

P vocecirc costuma usar livros na escola

C9 uhum

P e na sua casa

C9 sim os que eu ganhei da minha escola eu leio todo dia em casa

P eacute mesmo e vocecirc lecirc sozinho ou algueacutem lecirc pra vocecirc

295

C9 algueacutem lecirc

P quem

C9 o meu irmatildeo o meu pai e a minha matildee

P e vocecirc conhece outros materiais escritos aleacutem dos livros que tambeacutem tem histoacuterias poesias

ou outros textos Materiais que tem coisas escritas

C9 folha

P folhas que tipos de folhas

C9 folha que sai da maacutequina e jaacute taacute escrito

P tem mais algum tipo de material de leitura que tem coisas escritas que vocecirc conhece

C9 jornal

P jornal eacute mesmo tem mais algum

C9 revista

P revistas jornais

C9 natildeo tem mais

P quando vocecirc estava laacute no Maternal e no Infantil I as suas professoras costumavam ler livros

pra vocecirc contar histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P natildeo costumava contar nem quando vocecirc estava no Infantil I

C9 Hum hum

P e vocecirc prefere que as pessoas leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 leiam

P que leiam e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C9 porque eu aprendo mais

P e por que vocecirc aprende mais

C9 porque eu jaacute sei contar tirar a liccedilatildeo do caso do bolinho e tambeacutem sei contar do Coelhinho

Tatau e do meu cachorrinho

P eacute mesmo

C9 soacute que natildeo me lembro do nome do cachorrinho

P entatildeo vocecirc prefere entatildeo que as pessoas leiam histoacuterias pra vocecirc natildeo que contem e por que

eacute mais legal quando algueacutem lecirc

C9 porque aiacute

P vocecirc se diverte mais quando algueacutem conta

C9 uhum aiacute eu fico aprendendo

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias Das personagens dos desenhos ou de alguma outra

coisa

C9 da Peneacutelope

P ah a Peneacutelope eacute uma personagem de uma histoacuteria

C9 natildeo

P natildeo

C9 da televisatildeo

P ah mas e nos livros vocecirc prefere mais as personagens ou os desenhos que tem nos livros

nas histoacuterias

C9 livro

P vocecirc prefere mais as personagens que tem laacute na histoacuteria do livro ou vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

do livro o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C9 as ilustraccedilotildees

P as ilustraccedilotildees e por que

296

C9 porque eu natildeo sei quem que eacute

P quem eacute o que

C9 quando eu to vendo eu tambeacutem natildeo sei quem eacute

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 aham

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C9 porque aiacute a gente pega e escreve aiacute se a gente quiser mandar uma carta pra pessoa

P hum

C9 noacutes mandamos

C9 a gente pode escrever uma carta pra algueacutem se a gente precisar ou quiser natildeo eacute e o que mais

a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever aleacutem de escrever uma carta

C9 carta de amor

P uma carta de amor tambeacutem

C9 coraccedilatildeo

P tem mais coisas que a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C9 e a gente tambeacutem pode copiar o de algueacutem

P copiar a carta de algueacutem ou escrita de algueacutem e pra usar pra que

C9 pra mandar pra algueacutem

P ah sei

C9 mandar para o correio

P o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 porque eacute legal porque a crianccedila aprende e fica feliz

P e quando algueacutem jaacute aprendeu a ler como vocecirc jaacute sabe que algueacutem jaacute sabe ler

C9 porque eu sinto

P de que forma

C9 eacute quando eacute que eacute assim se algueacutem taacute aproximando eu sinto tambeacutem

P mas quando vocecirc olha pra algueacutem assim e diz nossa essa pessoa jaacute sabe ler como eacute que

vocecirc percebe isso que ela jaacute sabe ler o que essa pessoa faz que vocecirc percebe que ela sabe ler

C9 porque eu vejo que ela escreve

P ela escreve mas como que vocecirc jaacute sabe que ela jaacute lecirc

C9 porque eu uso a imaginaccedilatildeo

P mas o que essa pessoa faz que vocecirc olha e fala nossa jaacute sabe ler mesmo

C9 porque vai que algueacutem taacute empurrando

P como

C9 aiacute algueacutem chega e lecirc a pessoa lecirc

P sei

C9 escrevendo

P mas e se ela estiver assim quietinha como eacute que vocecirc sabe se ela estaacute lendo

C9 porque aiacute porque eu sei porque taacute assim neacute eu coloco um pedaccedilo da folha pra caacute Que a

pessoa

P e como eacute que vocecirc sabe que ela leu de verdade

C9 porque aiacute eu pego e uso a minha imaginaccedilatildeo

P Obrigada C9

C9 Taacute

297

C10 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C10 gosto

P gosta e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C10 do Lobo Mau

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C10 porque o meu tio conta sempre pra mim

P ah eacute seu tio conta sempre

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece por exemplo as poesias

as notiacutecias de jornal tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C10 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar os livros na escola

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e na sua casa tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C10 tenho ((fala quase inaudiacutevel))

P ah entatildeo fala pertinho (aproximo o gravador da crianccedila para tentar gravar melhor a sua

voz) tem

C10 tenho

P hum e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros

C10 natildeo

P vocecirc natildeo conhece algum material escrito igual os livros que tem coisas escritas

C10 natildeo

P somente conhece os livros

P e quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P costumavam e que tipo de histoacuterias

C10 Lobo Mau Chapeuzinho Vermelho e Trecircs Porquinhos

P ah certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C10 lecirc

P que leiam e por que vocecirc prefere que leiam histoacuterias pra vocecirc

C10 porque eacute melhor

P e por que eacute melhor

C10 porque sim

P o que eacute diferente na hora de ler e na hora de contar

C10 porque ler eacute melhor do que contar

P e por que vocecirc gosta mais quando lecirc

C10 porque sim porque o meu tio tambeacutem faz

P ele lecirc tambeacutem pra vocecirc

C10 lecirc

P e quando ele lecirc o que vocecirc mais presta atenccedilatildeo

C10 a parte do Lobo

P ah eacute a parte do Lobo tem algo mais que te chama atenccedilatildeo

298

C10 natildeo

P mas quando lecirc tem

C10 tem

P Hum estaacute bem o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou das ilustraccedilotildees

C10 das ilustraccedilotildees

P ah eacute por que vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

C10 eacute porque daacute pra ver as coisas

P e que tipo de coisas daacute pra ver

C10 satildeo eles brincando

P eles quem

C10 eles que fazem parte da histoacuteria

P ah ta e vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C10 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente escrever

C10 porque a gente aprende escrever

P e depois que a gente aprendeu o que a gente pode fazer quando a gente sabe escrever

C10 trabalhar

P trabalhar de que maneira

C10 qualquer coisa

P ah daacute um exemplo pra professora o que a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C10 eacute ler

P ler a gente pode ler e o que mais a gente pode fazer depois que a gente escreve

C10 assistir televisatildeo

P hum mas para isso precisa aprender a escrever para assistir televisatildeo precisa saber escrever

C10 precisa

P e por que

C10 porque sim

P e tem mais uma coisa assim que a gente pode usar a escrita depois que a gente sabe escrever

por que a gente escreve as coisas

C10 pra aprender

P aprender o que

C10 qualquer coisa

P o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C10 natildeo sei

P vocecirc tem algum amiguinho que jaacute sabe ler

C10 tenho

P tem e como que vocecirc percebe que ele jaacute sabe ler

C10 porque ele eacute grande

P e somente os amigos grandes eacute quem sabem ler os pequenos natildeo sabem mas podem aprender

C10 pode

P tem algueacutem da sua sala que jaacute sabe ler

C10 natildeo

P e o seu tio como eacute que vocecirc sabe que ele sabe ler

C10 porque ele tem nove anos

P mas como eacute que vocecirc percebeu que ele jaacute sabe ler

C10 porque ele leu a histoacuteria pra mim

299

P ah porque ele leu uma histoacuteria pra vocecirc aiacute vocecirc viu que ele sabe ler mesmo e como eacute que

ele fez pra ler

C10 ele foi agrave escola e aprendeu

P muito obrigado C10

C10 de nada

C11 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C11 ADORO

P eacute mesmo

C11 Minha matildee conta todas as noites histoacuteria pra mim

P Eacute mesmo e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C11 do cavalinho que chama Roni

P ah eacute de um livro que vocecirc tem na sua casa

C11 minha matildee tem uma caixa grande que eacute cheia de livrinhos

P eacute mesmo e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C11 porque ele tem bastante paacuteginas aiacute eu gosto de ficar ouvindo porque tem um monte de

muacutesicas no final

P ah sei aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C11 eacute um texto que a minha matildee me ensinou eu tenho mas esqueci sei laacute eu soacute tenho um

pedaccedilo assim ((cantando)) eu gosto de comer batata a batata amassadinha como que fala

aquele negoacutecio de amassar

P espremedor

C11 eacute aiacute depois gritando na panela comendo assim ((faz o gesto de levar o alimento agrave boca e

mastiga)) ela pica aiacute daacute pra eu comer aiacute eu como aiacute depois que eu como ela fala estava

gostoso aiacute eu falo estava deliciosa ela potildee sal

P hum ateacute eu fiquei com vontade agora de comer ((risos)) C11 tem alguns outros tipos de

textos aleacutem das histoacuterias que vocecirc conhece

C11 soacute tem mais uma histoacuteria duas quer dizer

P quais

C11 uma do Pequeno Polegar

P certo

C11 aiacute a matildee dele e o pai dele tinham sete filhos aiacute natildeo dava pra dar comida pra eles aiacute eles

estavam falando na cozinha aiacute o Pequeno Polegar escutou aiacute ele pegou um pedaccedilo de patildeo

para fazer as migalhas no caminho soacute que quando ele voltou estava cheio de passarinhos que

tinham comido tudo aiacute eles encontraram um castelo do gigante aiacute a moccedila falou assim antes

do gigante chegar vocecircs fujam pela janela

P aham

C11 aiacute o Pequeno Polegar pegou as botas do gigante e virou um pequeno inteligente e ganhou

um monte de dinheiro

P entatildeo essas satildeo histoacuterias tambeacutem neacute outras histoacuteria vocecirc jaacute conhece

C11 cinco

P e aleacutem desse tipo de histoacuterias e textos eacute vocecirc conhece um texto diferente como as poesias

por exemplo

C11 natildeo

300

P e tem algum outro texto que vocecirc assim lembra

C11 eu me lembro de uma histoacuteria que minha avoacute contava pra mim

P ah

C11 quando eu vivia na casa dela

P sei

C11 eacute uma histoacuteria bem antiga quando eu tinha uns trecircs aninhos eacute uma histoacuteria de um livro

desse tamanho ((abre os braccedilos na tentativa de demonstrar o tamanho)) era do dos

anotildeezinhos aiacute os anotildeezinhos pegavam e iam pra floresta e encontravam um passarinho que

falava assim oi anotildeezinhos vocecircs sabem aonde eacute a minha casa aiacute eles o levavam pra casa

deles aiacute quando chegava na casa deles tinha um elevador que falava

P vocecirc lembra o nome dessa histoacuteria

C11 eu lembro que eram os anatildeozinhos doidos

P certo vocecirc costuma usar livros aqui na escola

C11 uhum

P e na sua casa

C11 gosto na minha casa eu pego o meu caderno eu vou vendo as paacuteginas dos livros eu vou

escrevendo no meu caderno

P ah eacute

C11 aiacute depois eu copio assim os desenhos

P ah

C11 vocecirc quer que eu traga o meu caderno pra vocecirc ver

P claro pode trazer

C11 entatildeo eu vou terminar o livro do ratinho e do cavalinho Roni

P taacute bom aiacute quando ficar pronto vocecirc traz pra eu ver ok vocecirc conhece outros materiais assim

escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outro tipo de texto aleacutem dos livros

C11 conheccedilo

P o que vocecirc conhece aleacutem dos livros

C11 eacute uma

P materiais que tenham coisas assim escritas

C11 meu avocirc que me deu uma folha desse tamanho com um monte de eacute poesias

P ah eacute mas ela eacute uma folha assim solta avulsa

C11 satildeo duas folhas assim ((mostra com o dedo indicador e meacutedio da matildee direita a quantidade))

P ah

C11 aiacute tinha assim uns negoacutecios soacute lembro-me de uma uma poesia que era assim vocecirc

conhece uma moccedila que tem um brinco redondo aiacute depois falava assim eacute a Cinderela aiacute

depois falava assim a Cinderela conseguiu um cavalo e o cavalo comeccedilou a dar coice no vilatildeo

e caiu de boca no chatildeo

P sei aleacutem dessa folha dos livros que tem coisas escritas tem alguns outros materiais escritos

que vocecirc conhece aleacutem disso

C11 ai natildeo

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C11 nem lembro soacute lembro que ela costumava contar uma da Branca de Neve

P ah eacute Eessa vocecirc lembra tem mais alguma outra que elas contavam

C11 a tia I ((ex professora da escola))

P certo

301

C11 ela contava um monte de histoacuterias cada dia ela falava assim que histoacuteria vocecirc quer aiacute eu

falava assim do Pequeno Polegar e ela contava

P entendi

C11 aiacute depois a gente ia pro quiosque aiacute a gente brincava de peacute na lata

P vocecirc prefere que as pessoas leiam ou que elas contem histoacuterias pra vocecirc

C11 leiam

Pe por que vocecirc prefere que leiam

C11 porque eu gosto

P do que

C11 de ler livro eu adoro eu pergunto pra minha matildee como faz pra juntar as palavrinhas pra

ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc estaacute fazendo estaacute conseguindo ler

C11 to jaacute to conseguindo ler minha matildee pocircs um livrinho assim ela soacute deixou o escrito

assim o pe-que-no anatildeozinho

P Olha

C11 ela comprou

P vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler entatildeo

C11 uhum

P E o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias vocecirc prefere as personagens ou os desenhos o que

vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C11 dos desenhos

P dos desenhos das ilustraccedilotildees e por que vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

C11 porque eu gosto de desenhar muito

P ah sei

C11 sempre eu acabo com as folhas do meu caderno pra eu desenhar

P eacute mesmo

C11 aiacute quando acabam as aulas eu faccedilo essas tarefas que faltam (refere-se as fichas com

exerciacutecios dados pelas professoras que satildeo anexadas em branco quando a crianccedila falta junto com

as demais)eu vou apagar o que faltei eu vou fazer elas

P C11 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C 11 eu acho

P e por que vocecirc acha que eacute

C11 eu queria quando crescer ser um escritor de histoacuterias

P ah quando vocecirc crescer vocecirc quer ser um escritor que maravilhoso C11 e por que vocecirc

acha que eacute importante pra gente escrever

C11 porque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar inteligente

P eacute e o que daacute pra gente fazer quando a gente jaacute sabe escrever o que a gente pode fazer quando

a gente jaacute sabe escrever

C11 ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu mais gosto

P natildeo o que

C11 eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleia

P nossa satildeo vaacuterios neacute ((risos)) C11 e pra vocecirc o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute

sabe ler

C11 eacute quando ela tem uns oito anos dez anos

P mas vocecirc jaacute disse que jaacute estaacute comeccedilando a ler natildeo estaacute

C11 to

P e vocecirc jaacute tem oito anos

302

C11 natildeo

P natildeo entatildeo natildeo precisa ter oito anos para aprender a ler precisa

C11 natildeo eacute soacute juntar as palavrinhas que jaacute consegue ler

P eacute mesmo e vocecirc jaacute faz isso entatildeo

C11 hum hum ((afirma com a cabeccedila))

P ah taacute entatildeo estaacute bem

C11 minha matildee escreve no guarda roupa pra mim e eu tenho que ler aiacute eu leio GUAR-DA-

ROU-PA mamatildee natildeo sabe escrever tudo

P natildeo mas algueacutem pode ajudaacute-la quando souber

C11 meu pai sabe escrever tudo

P eacute mesmo

C11 eacute sim

C12 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C12 eu gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C12 do bolinho

P O caso do bolinho ((refere-se a histoacuteria escrita por Tatiana Belinky)) e por que vocecirc gosta

mais desse tipo de histoacuteria

C12 porque eacute muito legal

P e o que ela tem assim de tatildeo legal o que vocecirc mais gosta

C12 a parte da raposa

P a parte da raposa

C12 eacute

P e por que essa parte eacute a mais legal

C12 natildeo sei

P o que vocecirc acha que eacute bem bacana

C12 eacute porque ela eacute legal

P aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc jaacute conhece

C12 natildeo

P vocecirc somente conhece histoacuterias vocecirc natildeo conhece poesias por exemplo

C12 eu conheccedilo somente uma

P algumas poesias

C12 somente uma

P somente uma qual que vocecirc conhece

C12 eacute daquela

P qual

C12 aa vizinha

P ah A liacutengua do Nhem da Ceciacutelia Meireles

C12 eacute

P e vocecirc costuma usar os livros na escola

C12 costumo

P e na sua casa

C12 eu tambeacutem

303

P vocecirc tem livros em casa

C12 eu tenho

P e vocecirc conhece outros materiais escritos aleacutem dos livros que tambeacutem tem histoacuterias poesias

ou outros textos

C12 soacute livros

P natildeo tem nenhum outro material de leitura que tem coisas escritas

C12 natildeo

P natildeo conhece revistas

C12 somente revistas

P somente revistas o que mais que vocecirc conhece

C12 soacute

P que tipo de material que tem coisas escritas

C12 hum somente essas

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C12 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam pra vocecirc

C12 hum nem sei

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C12 que

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C12 que leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C12 porque mostra os desenhos

P e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias C12 das personagens ou dos desenhos

C12 dos desenhos

P e por quecirc

C12 porque eu gosto

P ((risos)) o que os desenhos tem que satildeo tatildeo legais assim

C12 as ilustraccedilotildees

P vocecirc acha que eacute importante a gente aprender a escrever

C12 acho

P acha

C12 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante

C12 porque eacute pra gente aprender

P e em que a gente vai usar isso depois que a gente aprender a escrever No que a gente pode

usar a escrita Por que eacute importante as pessoas aprenderem a escrever

C12 aprende a mate

P a ma

C12 a matemaacutetica

P matemaacutetica quando a gente aprende a escrever a gente pode aprender a matemaacutetica

C12 eacute

P o que mais

C12 eacute

P pra que a gente escreve

C12 pra aprender

304

P por que eacute importante a gente aprender a escrever

C12 pra gente aprender

P certo e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler C12

C12 hum

P quando que algueacutem jaacute sabe ler a sua irmatilde jaacute sabe ler

C12 sabe

P e como eacute que vocecirc sabe que ela jaacute sabe ler o que vocecirc percebeu que ela faz que te mostra que

ela jaacute sabe ler

C12 ela leu a histoacuteria do Saci na minha casa

P ela leu a histoacuteria do saci na sua casa

C12 eacute

P e como eacute que vocecirc viu que ela estava lendo

C12 ah porque ela contou pra mim

P ela contou pra vocecirc

C12 eacute

P ah certo e vocecirc gostou

C12 gostei

P obrigada

C13 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 da Bela Adormecida

P ah eacute por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C13 porque eu gosto muito de princesa

P ah entatildeo histoacuterias com princesas satildeo as suas preferidas

C13 uhum

P muito bem aleacutem dessas histoacuterias tem algum outro tipo de histoacuteria ou texto que vocecirc conhece

C13 eu gosto mais da poesia da Bailarina

P ah da Ceciacutelia Meireles

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P ah certo tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C13 uhum eu conheccedilo alguns soacute que eu gosto mais desse da Bailarina

P certo C13 vocecirc costuma usar os livros na sua casa

C13 costumo

P e na escola

C13 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C13 tenho

P certo e vocecirc conhece algum outro tipo de material escrito aleacutem dos livros que tambeacutem tem

histoacuterias que tem poesias e que tem outros escritos

C13 algumas cartas alguns envelopes que vem escrito alguma mensagem neacute

P eacute mesmo tem livros tem envelopes tem cartas

C13 revistas

305

P tem mais algum tipo de material que vocecirc conhece

C13 caderninhos

P certo

C13 um monte de coisas

P C13 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam

contar histoacuterias pra vocecirc

C13 eu acho que natildeo viu

P natildeo

C13 ((confirma negando com a cabeccedila))

P eacute natildeo se lembra de nenhuma

C13 natildeo me lembro natildeo me lembro porque jaacute faz muito tempo que eu era bebezinha

P certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 que leiam

P e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C13 porque tem desenhos nas historinhas pega um livrinho natildeo eacute

P eacute aiacute daacute pra ver as ilustraccedilotildees

C13 eacute eu gosto mais

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C13 o que eu mais gosto como assim

P das personagens ou dos desenhos

C13 olha o que eu gosto mais eacute de histoacuteria soacute que dos desenhos sabe do que eu gosto mais

P natildeo o que

C13 os desenhos eu gosto mais do desenho animado que passa laacute no Bom Dia e Companhia

((refere-se a um programa infantil de televisatildeo)) As Super Poderosas que eacute mais legal A minha

personagem predileta eacute a Florzinha (refere-se ao nome de um desenho animado que eacute transmitido

pela televisatildeo)

P e nos livros por exemplo

C13 A Bela Adormecida

P mas aiacute entatildeo vocecirc prefere as personagens ou as ilustraccedilotildees

C13 uhum eu prefiro as personagens

P ah certo e vocecirc acha importante saber escrever

C13 acho

P e por quecirc

C13 porque a gente aprende mais coisas neacute

P Eacute mesmo e o que daacute pra fazer depois que a gente aprende a escrever

C13 a gente pode fazer um monte de coisas

P que tipo de coisas

C13 assim ensinar umas criancinhas que ainda que natildeo saibam neacute a gente pode ajudar um

pouco neacute

P pra que elas aprendam tambeacutem a escrever

C13 uhum

P muito bem C13 o que eacute saber ler

C13 ler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escrito

P ah certo e vocecirc jaacute sabe ler

C13 sei ler algumas coisinhas

P eacute e como eacute que vocecirc faz pra ler

C13 ah eu vou juntando pra ver o que estaacute escrito

306

P e vocecirc consegue fazer isso entatildeo

C13 uhum

P e quando uma crianccedila entatildeo sabe ler

C13 uma crianccedila quando sabe ler como assim eu natildeo entendo muito bem isso

P quando eacute que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C13 vixi eu soacute percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu percebo sabe como eu

percebo

P como

C13 com as crianccedilas que jaacute tem anos mais altos que as crianccedilas mais novinhas

P ah mas uma crianccedila mais nova pode aprender a ler

C13 eacute como eu

P isso como vocecirc muito obrigada C13

C13 tchau

C16 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C16 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C16 Do caso do bolinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C16 porque eacute legal

P e o que ela tem que eacute tatildeo legal

C16 porque ele vai comer o bolinho

P quem

C16 a raposa

P e ela come ou natildeo

C16 comehellip

P aleacutem das histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece tem algum outro tipo de texto

aleacutem de histoacuterias que vocecirc jaacute conhece

C16 tem

P que tipo de texto que tem

C16 eacute Cinderela

P ah Cinderela e vocecirc costuma usar livros na escola

C16 aham

P e na sua casa

C16 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C16 eu coleciono

P coleciona E quais tipos de livros vocecirc coleciona

C16 Chapeuzinho Vermelho tambeacutem O caso do bolinho e Cinderela

P vocecirc conhece algum outro material escrito que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros tipos

de textos aleacutem dos livros Materiais de leitura que tem coisas escritas vocecirc conhece algum

outro aleacutem dos livros

C16 conheccedilo

P quais materiais que tecircem coisas escritas que vocecirc conhece

307

C16 tambeacutem de quadrinhos

P que tem histoacuterias em quadrinhos vocecirc sabe como chama aquelas revistas

C16 da Mocircnica

P Isso satildeo os gibis aleacutem dos gibis dos livros tem algum outro material que vocecirc conhece

C16 aham

P qual

C16 o Cebolinha

P que tambeacutem eacute um personagem que tem no gibi natildeo eacute tem mais algum outro material

C16 o da Cinderela

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C16 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam

C16 tambeacutem do Chapeuzinho Vermelho

P e vocecirc gostava

C16 aham

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C16 que leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C16 porque quando eu estava no Berccedilaacuterio eu natildeo sabia ler

Pesquisadora ah

C16 aiacute eu pedia pra elas leem tambeacutem

P entendi

C16 Pra um monte de professora ler

P eacute melhor ler que soacute contar histoacuterias vocecirc prefere que leiam

C16 aham

P tem alguma coisa especial quando a pessoa lecirc

C16 tem

P ou alguma coisa diferente quando ela conta

C16 tem

P O que vocecirc acha que eacute diferente

C16 eacute diferente

P o que

C16 quando a Chapeuzinho vecirc o Lobo

P e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C16 eacute quando tem a parte mais engraccedilada

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C16 acho

P por que vocecirc acha importante saber escrever

C16 porque ensina mais

P quem

C16 vocecirc ((refere-se a mim que sou professora da turma e pesquisadora))

P e vocecirc o que vocecirc vai poder fazer quando vocecirc souber escrever

C16 eacute carta

P carta Olha eacute mesmo que legal o que mais a gente pode fazer aleacutem de escrever cartas

C16 a gente tambeacutem pode fazer uma histoacuteria

P pode escrever uma histoacuteria eacute mesmo neacute hum muito bem e o que eacute saber ler

308

C16 eacute quando as pessoas fazem algum tipo de histoacuteria

P quando vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C16 quando ele estaacute contando uma histoacuteria

P ah eacute e como vocecirc sabe que isso acontece

C16 por que ah eu natildeo lembro

P quando que vocecirc olha e falanossa aquele meu amiguinho ali jaacute sabe ler como que vocecirc

percebe o que esse amiguinho agraves vezes faz que vocecirc percebe que ele jaacute sabe ler

C16 eu acho que ele treina

P treina e como

C16 ele pega algum livrinho emprestado e comeccedila a ler

P eacute e como eacute que faz pra treinar

C16 treinar eacute soacute juntar as letras

P ah e vai juntando as letras assim

C16 aham

P e vai aprendendo e vai treinando

C16 Aham

P certoentatildeo estaacute bom obrigada

C20 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C20 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C20 Lobo Mau

P Ah histoacuterias que tem o Lobo Mau e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C20 que tem bicho

P aleacutem das histoacuterias tem outros tipos de texto que vocecirc conhece

C20 sim

P e na sua casa

C20 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa e vocecirc lecirc esses livros em casa ou algueacutem lecirc pra vocecirc

C20 a minha matildee lecirc

P vocecirc conhece alguns outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros tem algum outro tipo de material escrito que vocecirc conhece

C20 tem o jornal

P jornal que mais

C20 hum eu natildeo sei

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C20 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam

C20 contavam da Branca de Neve

Pda Branca de Neve qual mais

C20 contava dos Trecircs Porquinhos

P dos Trecircs Porquinhos tem mais alguma que vocecirc lembra que elas contavam

C20 natildeo

309

P C20 vocecirc prefere que leiam ou contem histoacuterias pra vocecirc

C20 contem

P e por que vocecirc prefere que contem

C20 porque daacute pra fazer as coisas

P que coisas

C20 as coisas que aparecem nos livros que eles lecircem

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias vocecirc prefere as personagens ou os desenhos

C20 os personagens

P e por que vocecirc prefere os personagens

C20 porque eacute muito legal ficar vendo eles

P e o que elas tecircm assim de diferente de especial que faz vocecirc gostar

C20 que satildeo de verdade

P vocecirc acha importante saber escrever

C20 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C20 pra aprender a ler

P aprender a ler

C20 aprender a escrever o nome

P e o que mais a gente pode fazer de importante quando a gente aprende a escrever

C20 a gente pode escrever o nome pode escrever a gente pode fazer desenho

P certo e C20 o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C20 de anos

P quando vocecirc acha que algueacutem aprendeu a ler que vocecirc olha assim e fala olha aquela

garota jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 porque eles ficam falando porque eles pegam uma folha e ficam falando

P ah eacute falam alto

C20 eacute

P aiacute vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 eacute

P ah certo muito obrigada

C20 taacute

310

APEcircNDICE G ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS DAS CRIANCcedilAS (FINAL DA PESQUISA)

C5 ndash 6 anos (no final da pesquisa)

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias C5

C5 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C5 a da flecha

P a da flecha qual eacute

C5 aquela laacute do Aladim

P do Aladim Ah e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C5 porque eacute legal

P e o que faz essa histoacuteria ser legal em sua opiniatildeo

C5 Que ela eacute boa mesmo eacute do livro

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece C5

C5 notiacuteciacarta

P vocecirc costuma usar livros na escola

C5 gosto

P e em casa vocecirc usa livros

C5 natildeo

P natildeo vocecirc natildeo costuma

C5 eu natildeo tenho

P vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros tipos de

textos

C5 jornal

P jornal qual mais C5

C5 soacute

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C5 porque eacute legal

P o que vocecirc vecirc assim de diferente quando uma pessoa lecirc ou quando uma pessoa conta uma

histoacuteria

C5 ela estaacute contando da um dia minha matildee estava contando a do Dumbo

P e quando ela conta a mamatildee usa o livro

C5 usa

P entatildeo ela estava lendo

C5 mas agraves vezes ela natildeo usa

Peacute mesmo

C5 agraves vezes ela natildeo usa mas agraves vezes ela usa

P ah entatildeo algumas vezes ela lecirc e algumas vezes ela conta as histoacuterias natildeo eacute

C5 eacute

P e vocecirc prefere que leiam

C5 eacute

311

P e por que vocecirc prefere que leiam

C5 porque aiacute eu consigo ler

P certo e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens das ilustraccedilotildees o que vocecirc

mais gosta

C5 das personagens

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever C5

C5 acho

P e por que vocecirc acha

C5 porque tambeacutem eacute legal

P o que a gente aprende quando sabe escrever O que a gente pode fazer quando a gente sabe

escrever

C5 ler

P a gente pode ler tambeacutem mas para que vocecirc pode usar a escrita

C5 em livro

P aleacutem dos livros o que a gente pode escrever

C5 aiacute a pessoa fala que sabe ler

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C5 ela eacute quando uma pessoa que jaacute aprendeu tudo

P eacute e quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler como que vocecirc percebeu que realmente

aprendeu a ler

C5 porque que estaacute lendo

P e como que vocecirc sabe que ela estaacute lendo ela pode estar somente falando natildeo pode

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como que vocecirc tem certeza que ela estaacute lendo o que essa pessoa faz que mostra pra vocecirc

que ela realmente estaacute lendo

C5 ah (dirige o olhar para o alto)

P vocecirc jaacute sabe ler

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e o que vocecirc faz pra ler

C5 eu vou juntando as letras e vendo as ideias

P eacute mesmo entatildeo pra vocecirc o que eacute ler

C5 eacute aprender

P Obrigada C5

C9 - 5 anos

P C9 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta C9

C9 dos Trecircs Porquinhos

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C9 porque o Lobo queima o traseiro

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 uhum

P como as poesias as receitas

312

C9 eu conheccedilo as receitas

P eacute somente a receita tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C9 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar livros na escola

C9 costumo

P e na sua casa

C9 tambeacutem

P tambeacutem

C9 eu tenho um livrinho que minha matildee comprou ela fez uma surpresa pra mim com o livro

P que bom que livro eacute

C9 eacute do coelhinho Tataacute e de um cachorrinho

P certo vocecirc conhece outros materiais escritos C9 que tambeacutem tem histoacuterias textos

C9 jornal

P jornal qual mais aleacutem dos livros do jornal

C9 revista

P revistas tem mais algum que vocecirc se lembra que vocecirc conhece

C9 natildeo

P C9 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 contar

P vocecirc acha mais legal contar por quecirc

C9 porque gosto que conte as histoacuterias pra mim

P e por que vocecirc prefere mais quando algueacutem conta mais a histoacuteria

C9 porque ele tambeacutem sabe da histoacuteria quando ele lecirc

P C9 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens dos desenhos por exemplo

C9 dos desenhos eu gosto do Mickey

P eacute e dos livros vocecirc gosta mais

C9 do Pato Donald

P C9 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 uhum

P e por quecirc

C9 porque aiacute a gente pode escrever um monte de coisas como cartas

P eacute mesmo e o que mais

C9 e a gente tambeacutem pode ler as coisas

P hum entatildeo a gente pode usar a escrita pra escrever uma seacuterie de coisas importantes

C9 somente usar a nossa liacutengua para falar

P e o que eacute saber ler C9 na sua opiniatildeo quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 eu percebo porque eu vejo os outros lendo

P vocecirc sabe ler

C9 ((afirma com a cabeccedila))

P sabe e como que vocecirc faz pra ler

C9 eu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacute

P ahcerto entatildeo obrigada viu

313

C13 ndash 6 anos (no final da pesquisa)

P C13 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 ADORO

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 eu gosto de contos de fadas

P ah eacute mesmo e por quecirc por que vocecirc gosta desse tipo de histoacuteria

C13 eacute porque pra mim elas satildeo muito legais

P e o que elas tecircm que faz com que as histoacuterias sejam bem legais

C13 um monte de coisas que nem daacute pra falar direito

P ((risos)) de tantas que tecircm

C13 aham

P mas conta uma delas por exemplo

C13 algumas coisas

P eacute

C13 eacute porque do jeito que as histoacuterias satildeo algumas tecircm piadas ((refere-se as situaccedilotildees

engraccediladas presentes nas histoacuterias))

P eacute mesmo

C13 aham

P que legal

C13 eacute por isso que eu gosto dos contos de fadas

P muito bem e aleacutem de histoacuterias tem alguns outros tipos de textos que vocecirc conhece

C13 eu gosto das poesias que vocecirc fala

P eacute mesmo

C13 aham

P eacute mesmo e vocecirc conhece outros textos aleacutem das poesias e das histoacuterias

C13 bom por enquanto eu somente conheccedilo as suas

P e receitas vocecirc conhece

C13 eu conheccedilo receita de bolo de cenoura de goiabada o de cenouras pra mim natildeo

esqueccedilo (refere-se agraves receitas que li e preparei com as crianccedilas da turma na escola)

P que a gente fez aqui natildeo eacute

C13eacute

P e textos de hum jornal notiacutecias

C13 notiacutecias quando as notiacutecias satildeo muito legais neacute

P uhum vocecirc consegue ler

C13 bom algumas eu junto agraves palavrinhas pra conseguir ler

P vocecirc jaacute consegue fazer isso

C13 eu fico tentando eu fico soletrando para ver como se faz

P C13 vocecirc costuma ler livros na escola

C13 costumo usar mais os contos de fadas que eu vejo que eacute legal

P e em casa vocecirc usa livros tambeacutem

C13 uso eu tenho alguns

P e vocecirc conhece outros tipos de materiais escritos que tambeacutem tecircm histoacuterias poesias

C13 conheccedilo livros jornais revistas cadernos

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C13 bom eu natildeo lembro mas acho que sim

314

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 como assim ler eacute com o livro

P isso quando a pessoa estaacute com o material escrito na matildeo pode ser um livro ou uma revista

um bilhete

C13 eu gosto quando estaacute com alguma coisa na matildeoeacute mais legal

P e por que eacute mais legal

C13 porque tem desenhos natildeo eacute mostra os desenhos sendo mais legal

P hum entendi e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou das ilustraccedilotildees

C13 das ilustraccedilotildees eu gosto bom das histoacuterias dos contos de fadas eu gosto mais das

princesas

P certo e vocecirc acha importante C13 saber escrever

C13 eacute muito importante natildeo eacute

P e por que vocecirc acha importante

C13 eacute porque a gente aprende as coisas assim escrevendo vai aprendendo mais coisas natildeo vai

P e sempre que a gente precisa da escrita em que podemos usaacute-la

C13 para escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode esquecer neacute

P de jeito algum e pra que mais a gente usa a escrita pra que a gente pode usar as coisas que a

gente escreve

C13 bom a resposta natildeo sei natildeo heim mas eu acho assim pode ser pra algumas coisas

importantes neacute

P coisas importantes

C13 umas coisas importantes

P quais coisas importantes por que ou para que a gente escreve

C13 escreve para aprender pra aprender muitas coisas

P muitas coisas

C13 e aprender eacute muito importante e gostoso

P eacute mesmo vocecirc escreve bastante coisa jaacute

C13 estou aprendendo algumas eu estou escrevendo mais ou menos

P muito bem e o que vocecirc geralmente gosta de escrever

C13 gosto mais de escrever carta cartas para professora G (refere-se a atual professora da

turma e pesquisadora no caso eu mesma)

P ai que maravilha

C13 eu jaacute escrevi uma pra vocecirc

P eu gostei muito daquela

C13 jaacute colocou no livro da vida ou natildeo

P jaacute coloquei no livro da vida sim

C13 aquela daacute pra ver atraacutes e na frente

P e todas as pessoas que lerem e consultarem o nosso livro da vida iratildeo ver laacute registrado essa

linda cartinha que vocecirc me escreveu

C13 todo mundo vai saber o que eu escrevi quando ler

P sim todos poderatildeo saber ao lerem C13 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe

ler em sua opiniatildeo

C13 bom a crianccedila quem eu conheccedilo sabe ler bastante

P eacute quando que vocecirc acha que algueacutem jaacute sabe ler

C13 bom eu acho a M a minha irmatilde

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc sabe que ela sabe ler

C13 porque eu a vejo lendo e escrevendo

315

P eacute

C13 aham

P e o que ela faz que vocecirc fala nossa minha irmatilde jaacute sabe ler ou algum outro amigo seu que

vocecirc conhece

C13 bom pra falar a verdade eu natildeo conheccedilo nenhum amigo que saiba

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra pergunta pra ver se

combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso mas eu soacute li de

verdade quando eu entendi o que estaacute escrito

P entatildeo obrigada C13

316

ANEXO A ndash Quadro de normas utilizadas na transcriccedilatildeo das entrevistas

Page 2: GREICE FERREIRA DA SILVA · 2013. 12. 24. · 3 Silva, Greice Ferreira da S586l O leitor e o re-criador de gêneros discursivos na Educação Infantil / Greice Ferreira da Silva

2

GREICE FERREIRA DA SILVA

O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GEcircNEROS DISCURSIVOS NA EDUCACcedilAtildeO

INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Educaccedilatildeo da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da

Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita

Filhordquo Campus de Mariacutelia na Aacuterea de concentraccedilatildeo

Ensino na Educaccedilatildeo Brasileira ndash Abordagens

Pedagoacutegicas do Ensino de Linguagens para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientador Dagoberto Buim Arena

Mariacutelia

2013

3

Silva Greice Ferreira da

S586l O leitor e o re-criador de gecircneros discursivos

na Educaccedilatildeo Infantil Greice Ferreira da Silva ndash Mariacutelia

2013

315 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de

Filosofia e Ciecircncias Universidade Estadual Paulista 2013

Bibliografia f 253-262

Orientador Dagoberto Buim Arena

1 Leitura (Ensino elementar) 2 Escrita 3 Educaccedilatildeo

de crianccedilas 4 Crianccedilas - Escrita 5 Crianccedilas - Linguagem

I Autor II Tiacutetulo

CDD 3726

4

GREICE FERREIRA DA SILVA

O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GEcircNEROS DISCURSIVOS NA EDUCACcedilAtildeO

INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Educaccedilatildeo da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da

Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita

Filhordquo Campus de Mariacutelia na Aacuterea de concentraccedilatildeo

Ensino na Educaccedilatildeo Brasileira ndash Abordagens

Pedagoacutegicas do Ensino de Linguagens para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientador Dagoberto Buim Arena

Aprovaccedilatildeo Mariacutelia ______ de ________________ de ______

Membros componentes da banca examinadora

Dr Dagoberto Buim Arena (UNESP ndash Mariacutelia-SP) __________________________________

Dra Claacuteudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto ndash (UNIMEP ndash Piracicaba-SP)__________

Dr Irineu Aliprando Viotto Filho (UNESP ndash Presidente Prudente-SP) ___________________

Dra Stela Miller (UNESP ndash Mariacutelia-SP) __________________________________________

Dra Suely Amaral Mello (UNESP ndash Mariacutelia-SP) ___________________________________

Suplentes

Dra Cyntia Graziela Guizelim Simotildees Girotto ndash (UNESP ndash Mariacutelia - SP)

Dra Nanci Laacutezara de Barros Amancio ndash (UFMT ndash Rondonoacutepolis ndash MT)

Dra Renata Junqueira de Souza ndash (UNESP ndash Presidente Prudente ndash SP)

5

A todas as crianccedilas

(SCHULZ 2012 p D4)

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo

A Deus por tudo

A minha matildee Ivelin Tabachini Ferreira que sempre esteve presente com seu apoio

valorizando minhas conquistas Com sua luta e perseveranccedila me deu as condiccedilotildees para alcanccedilar

meus proacuteprios sonhos

Aos meus irmatildeos amados Melrian Ferreira da Silva Simotildees e Kelson Tabachini Ferreira que

nos momentos de alegria compartilharam dos meus sorrisos e nos momentos de desacircnimo me

ajudaram a continuar

Ao meu orientador Prof Dr Dagoberto Buim Arena que me acolheu como sua orientanda

por duas vezes Obrigada por acreditar em mim e por incansavelmente investir na minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo sua atitude responsiva que em todas as situaccedilotildees potencializaram a minha

atuaccedilatildeo docente e acadecircmica Agradeccedilo sua orientaccedilatildeo generosa sua presenccedila sincera intensa e

sensiacutevel e por ser exemplo de educador de trabalho e de competecircncia ldquoQuando eu crescer quero

ser como vocecircrdquo

Agraves crianccedilas que criaram em mim a necessidade de compreender o meu objeto de estudo e por

reiterarem diariamente que aprender eacute uma das melhores coisas que existe

Agrave Profordf Drordf Stela Miller por todas as contribuiccedilotildees valiosas natildeo somente na minha

trajetoacuteria como pesquisadora mas tambeacutem como docente Obrigada por seu olhar criterioso e

cuidadoso com o trabalho de pesquisa A vocecirc dedico meu respeito e gratidatildeo

Ao Profordm Dr Irineu Aliprando Viotto Filho pelas saacutebias palavras e por contribuir de maneira

valorosa com esta tese

Agrave Profordf Drordf Suely Amaral Mello a quem tenho imensa admiraccedilatildeo Obrigada pela confianccedila

de sempre Agradeccedilo por potencializar meus estudos e por me instigar a buscar uma educaccedilatildeo

humanizadora para as nossas crianccedilas

Agrave Profordf Claacuteudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto por fazer parte da banca de defesa e

por sua disponibilidade em ajudar

7

Especialmente agraves professoras Drordf Cyntia Graziela Guizelim Simotildees Girotto Drordf Nanci

Laacutezara de Barros Amacircncio e Drordf Renata Junqueira de Souza pela leitura atenta e pelo apoio

oferecido

A Meire Alice Tonini pelo incentivo apoio e amizade acompanhando com entusiasmo cada

etapa desta tese e agradeccedilo tambeacutem a equipe da escola em que foi realizada a pesquisa

As minhas amigas Adriana Frabetti e Cristiane Maria Martini que me fortalecem sempre com

sua amizade fraterna

A minha querida Flaacutevia Cristina de Oliveira Murbach de Barros pela parceria pelas

reflexotildees e pelo presente da sua amizade iniciada no doutorado

A Silvana Paulino de Souza que com sua generosidade e sabedoria me sustentou em um

momento difiacutecil da caminhada Jamais me esquecerei do seu gesto humanizado que me trouxe

tanto alento

Ao meu amigo querido Alexandro Henrique Paixatildeo que mesmo distante eacute sempre presente

Obrigada por ser essencialmente vocecirc

A Eliana Maria D Romera de Souza pessoa querida presenccedila inestimaacutevel que zela pelos

meus avanccedilos Obrigada por me ajudar a entender tantas coisas

Obrigada a todos que participam da minha vida e da minha formaccedilatildeo e aqueles que direta ou

indiretamente contribuiacuteram para este trabalho

8

Soacute me torno consciente de mim soacute me torno eu mesmo

me revelando para outrem atraveacutes de outrem e com a

ajuda de outrem Os atos mais importantes constitutivos

da consciecircncia de si se determinam por uma relaccedilatildeo

com outra consciecircncia (a um tu) A ruptura o

isolamento o fechamento em si eacute a razatildeo fundamental

da perda de si [] O ser mesmo do homem eacute uma

comunicaccedilatildeo profunda Ser significa comunicar Ser

significa ser para outrem e atraveacutes dele para si O

homem natildeo possui territoacuterio interior soberano ele estaacute

inteiramente e sempre numa fronteira olhando para si

ele olha nos olhos de outrem ou atraveacutes dos olhos de

outrem Eu natildeo posso prescindir de outrem natildeo posso

tornar-me eu mesmo sem outrem eu devo me encontrar

em outrem encontrando outrem em mim (no reflexo na

percepccedilatildeo muacutetua) [] (BAKHTIN 1987 p 287)

9

RESUMO

Esta tese relata a pesquisa que apresenta como objetivo geral analisar como ocorre o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos por meio dos gecircneros

discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos especiacuteficos 1) Analisar como o

ensino dos gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash interfere na

aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos 2) Discutir quais relaccedilotildees

as crianccedilas de cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos ndash

conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas relaccedilotildees atuam no

processo de formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos 3) Identificar condutas proacuteprias de leitor

e de re-criador de textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da

escrita 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros discursivos pode

contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos A

pesquisa ancorou-se nos pressupostos teoacutericos de Bakhtin em diaacutelogo com a Teoria Histoacuterico-

Cultural com a Pedagogia Freinet e estudiosos do tema abordado O trabalho de investigaccedilatildeo

corresponde a uma pesquisa-accedilatildeo com duraccedilatildeo de sete meses compreendidos entre maio e

dezembro de 2010 Participaram 20 crianccedilas com idade de cinco e seis anos de uma turma de

Infantil II de uma escola puacuteblica municipal de Educaccedilatildeo Infantil da cidade de Mariacutelia ndash SP

quatro professoras das crianccedilas dos anos anteriores agrave pesquisa e a professora-pesquisadora Foi

realizado um trabalho pedagoacutegico intencionalmente organizado com enfoque em trecircs gecircneros

discursivos carta relato de vida e notiacutecia de jornal Como instrumento para geraccedilatildeo e coleta de

dados fez-se uso de entrevistas observaccedilotildees e das teacutecnicas Freinet como a correspondecircncia

interescolar o livro da vida o jornal da turma a roda da conversa a aula passeio Os

instrumentos de anaacutelise foram a anaacutelise microgeneacutetica e anaacutelise do discurso na perspectiva

enunciativa discursiva de Bakhtin Os resultados da investigaccedilatildeo indicaram a reconceitualizaccedilatildeo

do ser leitor e do ser re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil A crianccedila eacute concebida como

sujeito de suas aprendizagens em que atua de forma interativa os gecircneros discursivos a forma

como satildeo apresentados e as mediaccedilotildees estabelecidas no seu ensino contribuem para o processo de

apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas pequenas se ocorrerem de forma

dialoacutegica e dinacircmica Aponta-se tambeacutem que as relaccedilotildees com os elementos dos gecircneros

discursivos interferem no processo de formaccedilatildeo leitora e escritora e com essas condiccedilotildees o

trabalho pedagoacutegico orientado pela codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos para o ensino

do ato de escrever e do ato de ler pode ser descartado

Palavras-chave Leitura escrita gecircnero discursivo Teacutecnicas Freinet Educaccedilatildeo Infantil

10

ABSTRACT

This thesis reports research that presents as general objective analyze how occurs the process

of appropriation of reading and writing for children five and six years by means of discursive

genres in the context of Freinet techniques and as specific objectives 1) Analyze how

teaching of discursive genres - letter life stories newspaper article - interferes with the

learning of reading and writing for children five and six years 2) Discuss which relations

children of five and six years to establish the elements of discursives genres - thematic

content style and compositional construction - and how these relations act in the process of

formation of the reader and the re-creator of texts 3) Identify behaviors own reader and re-

creator of texts (oral and written) as part of the appropriation process of reading and writing

4) Investigate how the pedagogical work with different discursives genres can contribute to the

appropriation of reading and writing for children five and six years The research was

anchored on the theoretical principles of Bakhtin in dialogue with the Historical-Cultural

Theory with Freinet Pedagogy and studious of the boarded subject The research corresponds

to an research-action with duration of seven months understood between May and December

of 2010 Participants were 20 children aged five and six years a class of Child II a municipal

public school kindergarten in Mariacutelia - SP four teachers of children in the years preceding the

survey and the teacher-researcher It was performed a pedagogical work intentionally

organized focusing on three genres letter life report and newspaper article As a tool for the

generation and collection of data was made use of interviews observations and techniques

such as matching interscholastic Freinet the book of life the newspaper of the class the wheel

of the conversation class ride The analysis tools were microgenetic analysis and discourse

analysis in the perspective of discursive enunciation Bakhtin The research results indicated

the reconceptualization of being a reader and being re-creator of texts in Early Childhood

Education A child is conceived as the subject of their learning in which it operates

interactively the discursives genres the way they are presented and mediations established in

their teaching contribute to the process of appropriation and objectification of reading and

writing by young children if occur in a dynamic and dialogical It is pointed out that relations

with elements of discursive genres interfere in the formation reader and writer and with these

conditions pedagogical work guided by the encoding and decoding of graphic signs for

teaching of writing and the act of reading can be discarded

Keywords Reading writing discursives genres Freinet techniques Childhood Education

11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes 57

Quadro 2 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes quanto agrave formaccedilatildeo58

Quadro 3 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos crianccedilas59

12

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 190310 ndash Capiacutetulo IV154

Foto 2 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 160510 ndash Capiacutetulo IV157

Foto 3 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 010610 ndash Capiacutetulo IV160

Foto 4 Situaccedilatildeo de leitura de notiacutecia de jornal ndash 140910 ndash Capiacutetulo IV176

Foto 5 Situaccedilatildeo de leitura de notiacutecia de jornal ndash 250910 ndash Capiacutetulo IV183

Foto 6 Situaccedilatildeo de escrita de carta ndash 221110 ndash Capiacutetulo V204

Foto 7 Situaccedilatildeo de escrita de relato de vida ndash 040610 ndash Capiacutetulo V227

13

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Desenho de C1 e observaccedilotildees escritas ndash Capiacutetulo IV169

Figura 2 Carta escrita por C13 em 290910 ndash Capiacutetulo V210

Figura 3 Carta escrita por C13 em 021210 ndash Capiacutetulo V214

14

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO15

CAPIacuteTULO I ndash A PESQUISA E A CRIANCcedilA CAMINHOS DA METODOLOGIA23

11 A concretude da pesquisa23

12 A pesquisa com crianccedilas32

13 Metodologia de pesquisa a pesquisa-accedilatildeo36

131 Geraccedilatildeo coleta e anaacutelise dos dados39

14 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gecircneros discursivos49

15 Crianccedilas e adultos os sujeitos da pesquisa55

CAPIacuteTULO II ndash CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E

DA ESCRITA NA EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DOS PROFESSORES E DAS

CRIANCcedilAS62

21 A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e escrever na Educaccedilatildeo

Infantil63

22 A atividade na leitura e na escrita68

23 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da liacutengua70

24 Os que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os conceitos das

professoras75

241 O ensino do ato de ler e de escrever93

242 O ensino da liacutengua materna97

243 As praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio101

CAPIacuteTULO III ndash A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCACcedilAtildeO INFANTIL

O QUE PENSAM AS CRIANCcedilAS109

31 Os conceitos das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa110

32 Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa132

CAPIacuteTULO IV ndash O ENSINO DA LEITURA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS146

41 A crianccedila e seu estatuto de leitor146

15

42 A leitura do gecircnero discursivo carta152

43 A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida164

44 A leitura do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal173

CAPIacuteTULO V ndash O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GEcircNEROS

DISCURSIVOS188

51 A crianccedila e seu estatuto de criador de textos189

52 A escrita do gecircnero discursivo carta191

521 Evoluccedilatildeo na escrita do gecircnero discursivo carta212

53 A escrita do gecircnero discursivo relatos de vida216

54 A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal230

CONCLUSAtildeO242

REFEREcircNCIAS253

APEcircNDICES

APEcircNDICE A ndash Termo de consentimento livre e esclarecido do professor participante263

APEcircNDICE B ndash Termo de consentimento livre e esclarecido da crianccedila participante265

APEcircNDICE C ndash Roteiro para entrevista semi-estruturada do professor267

APEcircNDICE D ndash Roteiro para entrevista semi-estruturada da crianccedila268

APEcircNDICE E ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das professoras269

APEcircNDICE F ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das crianccedilas (Iniacutecio da pesquisa)280

APEcircNDICE G ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das crianccedilas (Final da pesquisa)309

ANEXOS

ANEXO A ndash Quadro de normas utilizadas na transcriccedilatildeo das entrevistas315

16

INTRODUCcedilAtildeO

Se escrever eacute entendido como o ato de construir sentidos pelo discurso o ato de

ler tambeacutem seria de construir sentido Essa funccedilatildeo transformadora da liacutengua

obriga a didaacutetica da leitura a elaborar novas condutas metodoloacutegicas para

atender a esse novo leitor e agraves funccedilotildees redescobertas do ato de ler (ARENA

2010b p 243)

Satildeo bastante conhecidas e debatidas as praacuteticas mais comuns do ensino da leitura e da

escrita nas creches e preacute-escolas brasileiras Subsiste entre os professores a ideia de que ler e

escrever satildeo habilidades para o domiacutenio das quais os treinos de escrita ndash as coacutepias exerciacutecios de

coordenaccedilatildeo motora de discriminaccedilatildeo visual e auditiva a repeticcedilatildeo dos nomes das letras e das

siacutelabas ndash seriam suficientes (BISSOLI 2009)

A despeito das pesquisas e de iniciativas que se contrapotildeem a essas praacuteticas haacute

profissionais que insistem em limitar a formaccedilatildeo de leitores e de re-criadores1 de textos ainda na

Educaccedilatildeo Infantil ao proporem exerciacutecios de escrita enfadonhos e desvinculados da realidade da

vida e dos interesses infantis Esse fato causa um distanciamento para a crianccedila perceber a liacutengua

em seu funcionamento de estabelecer relaccedilotildees com ela e por meio dela e de ser capaz de usaacute-la

nos mais diversos contextos da sua realizaccedilatildeo concreta nas diferentes formas de comunicaccedilatildeo

verbal que o sistema em uso permite realizar Diante disso o ensino da escrita nem sempre tem

calcado o seu objeto como linguagem escrita o que consequentemente faz com que o foco

recaia nos aspectos formais do sistema linguiacutestico

Essas consideraccedilotildees trazem outro problema Sob o pretexto de evitar uma possiacutevel

desmotivadora experiecircncia com textos cuja compreensatildeo estaria supostamente para aleacutem das

possibilidades das crianccedilas pequenas evidenciando um conceito de crianccedila de educaccedilatildeo de

ensino e de aprendizagem empobrecidos continuam a ser apresentados a elas textos

simplificados artificiais cartilhescos seguidos por exerciacutecios que natildeo permitem que a crianccedila se

1 Neste trabalho optei por utilizar a expressatildeo re-criador de gecircneros discursivos por entender que a crianccedila ao re-

criar gecircneros discursivos cria-os e recria-os a partir do que jaacute foi criado e apropriado da cultura humana Entende-se

que o ato de escrever que envolve a imaginaccedilatildeo a criatividade estaacute diretamente relacionado ao processo de

apropriaccedilatildeo da cultura humana e das experiecircncias que a crianccedila participa A opccedilatildeo pelo uso dessa expressatildeo tambeacutem

se justifica pela tentativa de estar em consonacircncia com os pressupostos teoacutericos assumidos neste trabalho Pensar em

re-criador de gecircneros discursivos eacute entender que o tatildeo absolutamente novo eacute tatildeo inconcebiacutevel como o absolutamente

mesmo (BAKHTIN 1992 2003) Nessa perspectiva compreende-se a liacutengua como algo vivo em movimento que

se daacute nas relaccedilotildees sociais na interaccedilatildeo com o outro como criaccedilatildeo da histoacuteria e da cultura humanas que se renovam

e se reconstroem

17

insira e participe da cultura escrita pela principal via a do significado e do sentido (LEONTIEV

1978)

Formar leitores e re-criadores de textos na Educaccedilatildeo Infantil eis o desafio que esta

pesquisa se propotildee a refletir tendo como fundamentaccedilatildeo teoacuterica as contribuiccedilotildees de Vygotsky2 e

dos estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural de Bakhtin e pesquisadores das concepccedilotildees

bakhtinianas e da Pedagogia Freinet

Essa pesquisa tem origem em minhas inquietaccedilotildees diante desses apontamentos acerca do

ensino da leitura e da escrita e da minha experiecircncia docente Durante dez anos como professora

dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede particular de ensino e atualmente haacute oito anos

como professora na Educaccedilatildeo Infantil na rede puacuteblica municipal sempre me intrigou o ensino da

leitura e da escrita com ecircnfase na codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos apartado da

produccedilatildeo de sentido e da praacutetica cultural histoacuterica e social Esse quadro me instigava a buscar

outros encaminhamentos que pudessem contribuir para a reversatildeo dessa situaccedilatildeo

Ao ingressar no trabalho na Educaccedilatildeo Infantil me deparei com a incumbecircncia de

alfabetizar as crianccedilas para que pudessem ingressar no Ensino Fundamental dominando a leitura

e a escrita para que natildeo encontrassem dificuldades nas aprendizagens nesse segmento e nos

demais Havia uma crenccedila por parte dos pais e dos professores de que quanto mais cedo as

crianccedilas se alfabetizassem melhores condiccedilotildees de sucesso na vida elas teriam e isso era

considerado sinocircnimo de maior competecircncia dos professores que se empenhavam a todo custo

para fazecirc-lo Essas premissas natildeo se coadunavam com o que eu constatava diante da minha

praacutetica porque as crianccedilas natildeo se interessavam de modo geral pelas tarefas que se detinham ao

ensino do ler e do escrever nessas condiccedilotildees

Diante dessa situaccedilatildeo e de outras experiecircncias vividas no magisteacuterio busquei dedicar-me

ao estudo de uma teoria que alicerccedilasse o meu fazer pedagoacutegico Na necessidade de romper com

a dicotomia teoria-praacutetica gradativamente pude ir me apropriando de conhecimentos sobre a

crianccedila como ela aprende em cada idade sobre a leitura sobre a escrita e como a crianccedila se

apropria dessa praacutetica cultural

2 Nas diversas obras do autor russo e naquelas que tecircm seus pressupostos como objeto a grafia de seu nome aparece

de maneira diferenciada Vigotskii Vigotski Vygotsky Vygotski Optei neste trabalho pela grafia Vygotsky

Entretanto para ser fiel agraves indicaccedilotildees presentes nas referecircncias bibliograacuteficas das quais utilizo no caso de citaccedilotildees

diretas ou indiretas manterei a grafia presente nos originais

18

O aprofundamento dessa temaacutetica de forma mais sistemaacutetica principiou-se com a pesquisa

de mestrado3 que se preocupou em estudar como as crianccedilas iniciam o processo de apropriaccedilatildeo

da leitura por meio do gecircnero discursivo histoacuteria em quadrinhos Neste estudo constatei que as

crianccedilas tinham uma experiecircncia de leitura focada na decifraccedilatildeo dos sinais graacuteficos vinculada ao

ensino da leitura a que foram submetidas nos primeiros anos da Educaccedilatildeo Infantil A escolha do

uso do gecircnero discursivo histoacuteria em quadrinhos se deu devido ao fato de a maioria dos sujeitos

da pesquisa desconhecer o gecircnero e demonstrar interesse na ocasiatildeo de um contato inicial com

ele Essa situaccedilatildeo foi modificada quando pensei propor situaccedilotildees reais de leitura que ocorreram

dentro de um contexto dialoacutegico e intencional em que as relaccedilotildees travadas pelas crianccedilas

descartaram a possibilidade de conceber e viver a leitura desde a pequena infacircncia de forma

simulada e teacutecnica Essas constataccedilotildees permitiram perceber que desde a Educaccedilatildeo Infantil

A padronizaccedilatildeo dos comportamentos independentemente da natureza do objeto

ou da finalidade da accedilatildeo praticada constroacutei obstaacuteculos para o aprendiz porque

ele eacute levado a enfrentar todos os objetos e todas as finalidades com as mesmas

ferramentas Ao usar ferramentas inadequadas e colocar em accedilatildeo

comportamentos inadequados em sua relaccedilatildeo com o objeto o aprendiz ndash

independentemente de sua idade e niacutevel de escolaridade ndash seraacute sempre

considerado como quem natildeo sabe ler este ou aquele objeto mas pode ser

considerado como leitor se utilizar adequadamente as ferramentas necessaacuterias

para ler um material especiacutefico Relativiza-se desse modo o conceito de leitor

porque este passa a natildeo ter existecircncia uacutenica e isolada mas vincula-se ao objeto

de sua accedilatildeo (ARENA 2003 p 57)

Com a pesquisa do mestrado foi possiacutevel reconceitualizar o ser leitor na Educaccedilatildeo Infantil

assumindo o conceito de leitura como compreensatildeo produccedilatildeo de sentido como praacutetica cultural

histoacuterica e social (ARENA 2010b) Foi possiacutevel constatar ainda que as crianccedilas natildeo conhecem

diferentes gecircneros discursivos Em geral predomina a leitura dos contos de fadas por natildeo serem

apresentados a elas outros gecircneros de forma mais intencional

Com essas consideraccedilotildees esta pesquisa de doutorado propotildee a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da discussatildeo iniciada no mestrado ao trazer agrave tona a investigaccedilatildeo do processo

de inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura escrita A hipoacutetese que norteia esse trabalho eacute a de que

3 SILVA Greice Ferreira da Formaccedilatildeo de leitores na Educaccedilatildeo Infantil contribuiccedilotildees das histoacuterias em quadrinhos

2009 237f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Universidade Estadual Paulista

Mariacutelia 2009

19

as crianccedilas aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a

liacutengua se manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola

como instrumento de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana Dessa forma

a relevacircncia desta pesquisa reside no fato de propor uma alternativa de trabalho na Educaccedilatildeo

Infantil que envolva a leitura e a escrita que efetivamente contribua para a formaccedilatildeo leitora e re-

criadora de textos das crianccedilas inserindo-as na cultura escrita

Esta pesquisa apresenta como objetivo geral analisar como ocorre o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco anos por meio dos gecircneros discursivos no

contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos especiacuteficos 1) Analisar como o ensino dos

gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash interfere na aprendizagem da

leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos 2) Discutir quais relaccedilotildees as crianccedilas de

cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico

estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo

do leitor e do re-criador de textos 3) Identificar condutas proacuteprias de leitor e de re-criador de

textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita 4)

Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros discursivos pode contribuir

para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos

Para tanto dediquei-me ao estudo dos gecircneros discursivos na perspectiva bakhtiniana para

poder planejar as situaccedilotildees de leitura e de re-criaccedilatildeo de textos Fiz um estudo sobre as

especificidades de cada um dos gecircneros discursivos a ser abordado no trabalho pedagoacutegico ndash

carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash aprofundando os conhecimentos que caracterizam cada

gecircnero Ao tratar sobre os gecircneros discursivos na escola desde a Educaccedilatildeo Infantil considero que

Natildeo daacute para higienizar essa perspectiva com o trabalho com a linguagem Natildeo

daacute para deixar a vida de lado Se isso acontecer perdemos a possibilidade de

pensar em ldquogecircneros do discursordquo porque natildeo teremos mais a linguagem

funcionando como ldquocorreias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a

histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) Natildeo eacute porque estamos na

escola que vamos inventar um trabalho com a linguagem que dispense natildeo

refletir ldquode modo mais imediato preciso e flexiacutevel todas as mudanccedilas que

transcorrem na vida socialrdquo (idem p268) A escola das nuvens lugar de

formaccedilatildeo de um natildeo-lugar tem que ser destruiacuteda e ceder lugar a uma escola

onde cabe a vida (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO

2010 p47)

20

De acordo com estas afirmaccedilotildees os autores ao partilharem as ideias de Bakhtin

esclarecem

E a vida estaacute sempre em movimento se instabiliza pode ser olhada de acircngulos

diferentes se renova constantemente apresenta sentidos atualizados Assim

tambeacutem a linguagem vive esse jogo de ser a mesma e ser diferente ao mesmo

tempo ela joga com as forccedilas centriacutefugas e com as forccedilas centriacutepetas vida e

liacutengua se constituem nos acontecimentos (GRUPO DE ESTUDOS DOS

GEcircNEROS DO DISCURSO 2010 p47)

Por concordar com os pressupostos apresentados eacute que assumo neste trabalho de pesquisa

o conceito de linguagem de leitura de escrita de gecircnero na perspectiva bakhtiniana Para Rojo

(2005 p 185) na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD) a ldquo[] teoria dos gecircneros

do discurso ndash centra-se sobretudo no estudo das situaccedilotildees de produccedilatildeo dos enunciados ou textos

em seus aspectos soacutecio-histoacutericos [] e [a] teoria dos gecircneros de textos ndash na descriccedilatildeo da

materialidade textualrdquo O quadro do ISD (SHNEUWLY E DOLZ 2004 BRONCKART 1997

1999) propotildee uma teoria textual na qual os textos mobilizam gecircneros em outras palavras essa

teoria aborda gecircneros textuais Bakhtin (2003) revela uma teoria discursiva em que os gecircneros

mobilizam textos e desse modo aborda gecircneros discursivos Sobral (2006 p 119) propotildee uma

diferenciaccedilatildeo para gecircnero do discurso e gecircnero textual o primeiro seriam ldquoformas de inserccedilatildeo do

discurso em lugares soacutecio-histoacutericosrdquo e o segundo ldquoformas especiacuteficas de materializaccedilatildeo dessa

inserccedilatildeo sem que haja uma correlaccedilatildeo necessaacuteria entre um dado tipo de textualizaccedilatildeo e um dado

gecircnerordquo Assim

O gecircnero mobiliza mediante o discurso formas textuais mas natildeo eacute mobilizado

por elas que satildeo apenas seu aspecto material um sine qua non necessaacuterio mas

natildeo suficiente para a compreensatildeo e anaacutelise do texto com os olhos do gecircnero O

discurso eacute o espaccedilo em que satildeo mobilizadas as textualidades de acordo com o

gecircnero a que pertence o discurso (SOBRAL 2009 p 130 grifos do autor)

Dessa maneira os gecircneros discursivos satildeo entendidos como praacuteticas sociais relativamente

estaacuteveis de instauraccedilatildeo de eventos de sentido realizando-se pelos discursos Para Sobral (2006)

o gecircnero textual recobriria aspectos da significaccedilatildeo ou seja aspectos relacionados ao sistema da

liacutengua e de composiccedilatildeo da estrutura textual mas natildeo abrangeria nem aspectos relacionados ao

sentido ligados ao sistema de uso da liacutengua nem da estrutura arquitetocircnica dos textos O

21

conceito de gecircnero de Bakhtin abarca os aspectos textuais discursivos e geneacutericos de maneira

integrada e vincula o texto ao gecircnero (SOBRAL 2010) Texto discurso e gecircnero satildeo conceitos

que estatildeo constitutiva e inseparavelmente ligados na teoria de gecircnero bakhtiniana Pelos motivos

expostos assumo neste trabalho o conceito de gecircnero discursivo Esclareccedilo ainda que na

entrevista com as professoras utilizo o termo ldquotipos de textosrdquo porque em entrevista piloto as

professoras desconheciam o termo gecircneros do discurso e este termo foi gerador de duacutevidas

Devido a esse fato e na tentativa de aproximar ao conceito de gecircnero discursivo optei adotar

somente nas entrevistas essa nomenclatura

A pedagogia Freinet e suas teacutecnicas tambeacutem foram alvo de estudos ainda mais

consistentes para que aliados agrave teoria Histoacuterico-Cultural e a teoria bakhtiniana pudessem

contribuir para a efetivaccedilatildeo de uma praacutetica pedagoacutegica promotora de aprendizagens

Nesta pesquisa as teacutecnicas Freinet satildeo compreendidas como um caminho para praacuteticas que

possibilitem a apropriaccedilatildeo da cultura pela crianccedila por seu uso social ou seja para aquilo para o

qual cada objeto da cultura foi criado e eacute utilizado socialmente Desta maneira satildeo vistas como

uma proposta alternativa para o trabalho na Educaccedilatildeo Infantil que natildeo antecipa o processo de

escolarizaccedilatildeo nem entrega ao espontaneiacutesmo o desenvolvimento das crianccedilas

O uso das teacutecnicas Freinet permite que a crianccedila vivencie o papel das praacuteticas sociais e

participe da vida na escola porque a apropriaccedilatildeo da cultura se estabelece com o desenvolvimento

de cada teacutecnica e as propostas tecircm maior possibilidade de se tornarem atividade (LEONTIEV

1988) por envolverem a crianccedila nesse fazer porque os motivos que a levam a agir coincidem

com o resultado previsto para sua accedilatildeo e por essa razatildeo pode produzir sentido positivo aquilo

que realiza Com as teacutecnicas Freinet natildeo haacute necessidade de se criar situaccedilotildees para ensinar a

leitura ou a escrita porque elas satildeo utilizadas para o registro de vivecircncias das crianccedilas o que

garante sua apropriaccedilatildeo pelo proacuteprio uso que a sociedade faz desses objetos culturais

Desse modo este trabalho de pesquisa eacute organizado em cinco capiacutetulos No capiacutetulo I ldquoA

pesquisa e a crianccedila caminhos da metodologiardquo apresento os pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos

desta investigaccedilatildeo ao tratar da pesquisa e sua concretude a aparecircncia e a essecircncia fenomecircnicas e

a superaccedilatildeo da psedoconcreticidade no processo investigativo Busco discutir a pesquisa com

crianccedilas e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo e apresento a metodologia adotada ndash a pesquisa-accedilatildeo ndash e

a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gecircneros discursivos Ao tratar da

metodologia da investigaccedilatildeo adotada descrevo tambeacutem a metodologia de coleta e de anaacutelise de

22

dados Apresento ainda a caracterizaccedilatildeo dos sujeitos participantes da referida pesquisa no

momento histoacuterico e cultural em que se deu a coleta dos dados

No capiacutetulo II ldquoConceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo

Infantil dos professores e das crianccedilasrdquo apresento o aporte teoacuterico dos conceitos basilares e

fundamentais para este trabalho concernentes ao ensino e agrave aprendizagem desenvolvimento

humano cultura escrita atividade gecircnero do discurso dialogismo Realizo uma anaacutelise dos

dados coletados nas entrevistas os conceitos de leitura e de escrita de gecircneros discursivos de

ensino e de aprendizagem das professoras participantes da pesquisa e como eles influenciam os

conceitos ainda em elaboraccedilatildeo pelas crianccedilas Essa anaacutelise eacute ancorada na concepccedilatildeo de

linguagem de liacutengua e de gecircnero discursivo de Bakhtin e na concepccedilatildeo de crianccedila de ensino e

de aprendizagem de leitura e de escrita de Vygotsky e de outros estudiosos da Teoria Histoacuterico-

Cultural

No capiacutetulo III ldquoA leitura e a escrita na escola de Educaccedilatildeo Infantil o que pensam as

crianccedilas pequenasrdquo busco analisar e compreender por meio dos discursos das crianccedilas os

conceitos que elas elaboram sobre a leitura a escrita e os gecircneros discursivos e de que forma os

conceitos das professoras que direcionam as suas praacuteticas interferem nos conceitos e nas

aprendizagens dos sujeitos da pesquisa

No capiacutetulo IV ldquoO ensino da leitura e os gecircneros discursivosrdquo discuto o que eacute ser leitor na

Educaccedilatildeo Infantil como esse trabalho pode ocorrer dentro de um processo dialoacutegico e o conceito

de leitura que norteia essa discussatildeo Em seguida apresento situaccedilotildees de leitura com as crianccedilas

em trecircs momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero discursivo carta por meio

da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo relato de vida por meio do

livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

O capiacutetulo V ldquoO ensino da linguagem escrita e os gecircneros discursivosrdquo destina-se agrave

reflexatildeo sobre o que eacute ser re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Para tanto trago o conceito

de texto e discuto a diferenccedila entre criar textos e fazer redaccedilotildees Realizo ainda neste capiacutetulo a

apresentaccedilatildeo e anaacutelise de situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de textos em trecircs momentos no trabalho

pedagoacutegico como foi proposto no capiacutetulo IV o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero

discursivo carta por meio da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo

relato de vida por meio do livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

23

Devo esclarecer que nos capiacutetulos IV e V nas situaccedilotildees de leitura e de escrita dos gecircneros

discursivos que explicitam o trabalho pedagoacutegico denotando a minha accedilatildeo direta com as crianccedilas

num processo interativo os diaacutelogos apresentados seratildeo escritos em primeira pessoa por ser eu

mesma a professora e a pesquisadora

Ao finalizar a apresentaccedilatildeo dos aportes teoacutericos articulados com a anaacutelise e a discussatildeo

dos dados resultantes da pesquisa elaboro a conclusatildeo desta tese de doutorado com a intenccedilatildeo de

explicar o percurso de sua elaboraccedilatildeo e de apontar alguns caminhos que possam contribuir

possivelmente com o processo de formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos na Educaccedilatildeo

Infantil a sua inserccedilatildeo e participaccedilatildeo ativa na cultura escrita

24

CAPIacuteTULO I

A PESQUISA E A CRIANCcedilA CAMINHOS DA METODOLOGIA

A destruiccedilatildeo da psedoconcreticidade eacute o processo de criaccedilatildeo da realidade

concreta e a visatildeo da realidade da sua concreticidade (KOSIK 1976 p 19)

A ciecircncia se dedica a desvendar o mundo que nos cerca na tentativa de tornar expliacutecito o

conteuacutedo dos fenocircmenos e compreender a realidade ldquoO homem cria em suas relaccedilotildees um

mundo cujos fenocircmenos compotildeem e constituem a esfera do cotidiano do imediato do evidente e

da aparecircnciardquo (ARENA 2010a) Superar a psedoconcreticidade eacute ultrapassar a aparecircncia em

busca do entendimento da realidade concreta da criaccedilatildeo dessa realidade concreta

Baseado nessas afirmaccedilotildees este capiacutetulo se dedica em apresentar os pressupostos teoacuterico-

metodoloacutegicos desta investigaccedilatildeo ao tratar da pesquisa e sua concretude a aparecircncia e a essecircncia

fenomecircnicas e a superaccedilatildeo da psedoconcreticidade no processo investigativo Nesse contexto

busca discutir a pesquisa com crianccedilas e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo e apresenta a metodologia

adotada ndash a pesquisa-accedilatildeo ndash e a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gecircneros

discursivos Em seguida caracteriza os sujeitos participantes da referida pesquisa no momento

histoacuterico e cultural em que se deu a coleta dos dados

11 A concretude da pesquisa

Este trabalho parte do pressuposto de que a crianccedila desde a Educaccedilatildeo Infantil aprende a

liacutengua por meio dos gecircneros discursivos ndash uma vez que a liacutengua se manifesta pelos gecircneros ndash

quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola como instrumento de humanizaccedilatildeo

como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana

Essa investigaccedilatildeo objetiva compreender a pesquisa como um espaccedilo de constituiccedilatildeo do

sujeito como uma atividade da praacutexis humana (SILVA 2009) Entender a pesquisa como

elemento essencial na formaccedilatildeo do sujeito possibilita o desenvolvimento de aspectos

relacionados agrave construccedilatildeo do conhecimento e da emancipaccedilatildeo do homem (SILVA 2009)

25

Compreender a formaccedilatildeo do sujeito eacute compreender o processo de tornar-se humano Para

Vygotsky ndash psicoacutelogo russo e principal representante da Teoria Histoacuterico-Cultural ndash o homem

natildeo nasce humano mas aprende a ser humano agrave medida que atua sobre a realidade e se apropria

da cultura humana e a transforma Entende-se por cultura humana o conjunto da produccedilatildeo do

homem e da natureza que existe fora desse homem objetivamente independente dele Eacute por meio

da relaccedilatildeo com os objetos socialmente criados e com os outros homens presentes e passados ndash e

que deixam a marca de sua atividade nos objetos da cultura historicamente produzidos ndash que o

homem se humaniza (MELLO 1999) O homem se diferencia dos outros animais natildeo apenas

pela sua histoacuteria peculiar no processo de evoluccedilatildeo bioloacutegica mas principalmente porque ao

mesmo tempo em que produz a sua proacutepria histoacuteria eacute produzido por ela ldquoSer homem eacute decorrente

de todo um processo de formaccedilatildeo ocorrido num ambiente denominado culturardquo (SILVA 2009 p

158) O processo de hominizaccedilatildeo eacute resultado de uma passagem agrave vida organizada na base do

trabalho atividade criadora produtiva fundamental que faz do ser humano um ser diferente dos

animais ldquoO homem eacute o uacutenico animal que age intencionalmente em busca de satisfazer suas

necessidades e de transformaccedilatildeordquo (SILVA 2009) Ao fazer isso com a accedilatildeo transformadora

consciente se daacute a criaccedilatildeo de si mesmo uma vez que ao modificar a natureza modifica a si de tal

modo que se torna humano no processo dialeacutetico homem-natureza (SILVA 2009)

Leontiev (1978) fundamentado nos estudos de Marx e Engels afirma que

O desenvolvimento do homem da sua vida exige evidentemente uma interacccedilatildeo

constante do homem como meio natural uma troca de substacircncias entre eles

Esta interacccedilatildeo executa o processo de adaptaccedilatildeo do homem agrave natureza Todavia

o homem adaptar-se agrave natureza circundante natildeo eacute senatildeo produzir os meios da

sua proacuteprias existecircncia Graccedilas a isto o homem diferentemente do animal

mediatiza regula e controla este processo pela sua actividade ele proacuteprio

desempenha em face da natureza o papel de uma potecircncia natural

(LEONTIEV 1978 p 173)

Sobre esses pressupostos Marx e Engels (2006 p 44 ndash 45 grifos dos autores) esclarecem

que

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciecircncia pela religiatildeo ou por

tudo o que se queira No entanto eles proacuteprios comeccedilam a se distinguir dos

animais logo que comeccedilam a produzir seus meios de existecircncia e esse salto eacute

condicionado por sua constituiccedilatildeo corporal Ao produzirem seus meios de

existecircncia os homens produzem indiretamente sua proacutepria vida material

26

E ainda

A forma pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo

da natureza dos meios de vida jaacute encontrados e que eles precisam reproduzir

Natildeo se deve poreacutem considerar tal modo de produccedilatildeo de um uacutenico ponto de

vista ou seja a reproduccedilatildeo da existecircncia fiacutesica dos indiviacuteduos Trata-se muito

mais de uma forma determinada de atividade dos indiviacuteduos de uma forma

determinada de manifestar sua vida um modo de vida determinado Da mesma

maneira como os indiviacuteduos manifestam sua vida assim satildeo eles O que eles satildeo

coincide portanto com sua produccedilatildeo tanto com o que produzem como com o

modo como produzem O que os indiviacuteduos satildeo por conseguinte depende das

condiccedilotildees materiais de sua produccedilatildeo

Ao considerar essas afirmaccedilotildees compreende-se que a primeira atitude histoacuterica dos

homens em relaccedilatildeo aos animais natildeo eacute necessariamente o fato de pensar mas o de produzir seus

meios de sobrevivecircncia e ao produzir seus meios de existecircncia coletivamente desenvolve

linguagem pensamento sentimento consciecircncia Essa eacute uma concepccedilatildeo materialista da

existecircncia humana e esta concepccedilatildeo ndash de como o homem produz a sua existecircncia material ndash

compreende natildeo o indiviacuteduo isolado mas em sociedade onde a sua produccedilatildeo individual eacute

determinada socialmente Desse modo ldquonatildeo eacute o indiviacuteduo natural como produto da natureza

mas o indiviacuteduo social como um resultado histoacuterico natildeo o indiviacuteduo ideal mas o real como uma

particularidade histoacutericardquo (BITENCOURT GAMA sd p 4) Essa materialidade histoacuterica diz

respeito agrave forma de organizaccedilatildeo dos homens em sociedade atraveacutes da histoacuteria ou seja refere-se

agraves relaccedilotildees sociais construiacutedas pela humanidade durante vaacuterios seacuteculos de sua existecircncia Para o

pensamento marxista esta materialidade histoacuterica pode ser compreendida a partir das anaacutelises da

categoria considerada central o trabalho

Aliados aos conceitos expostos Vygostki (1995) e Leontiev (1978) explicitam que a

atividade humana eacute uma mediadora da relaccedilatildeo entre o homem e a natureza e por meio dessa

relaccedilatildeo o homem cria novas atividades em funccedilatildeo de novas necessidades que satildeo criadas Os

conhecimentos adquiridos durante o desenvolvimento das faculdades e propriedades humanas

acumularam-se e transmitiram-se de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e essas aquisiccedilotildees devem

necessariamente ser fixadas (LEONTIEV 1978) Esta nova forma de acumulaccedilatildeo da experiecircncia

filogecircnica ndash entendendo-se por desenvolvimento filogeneacutetico a evoluccedilatildeo da espeacutecie humana no

decorrer da histoacuteria dos homens ndash pode aparecer no homem na medida em que a atividade

27

especificamente humana tem caraacuteter produtivo Essa atividade eacute o trabalho (LEONTIEV 1978)

O trabalho realizando o processo de produccedilatildeo sob duas formas material e intelectual imprime-

se no seu produto

Pode-se dizer que as aptidotildees e outros caracteres especificamente humanos natildeo se

transmitem pela hereditariedade bioloacutegica mas adquirem-se no decorrer da vida em outras

palavras no desenvolvimento ontogeneacutetico que caracteriza o desenvolvimento do indiviacuteduo a

partir do seu nascimento por um processo de apropriaccedilatildeo da cultura criada pelas geraccedilotildees

precedentes Para se apropriar dos objetos ou dos fenocircmenos que satildeo produtos do

desenvolvimento histoacuterico eacute necessaacuterio desenvolver em relaccedilatildeo a eles uma atividade que

reproduza pela sua forma os traccedilos essenciais da atividade cristalizada acumulada no objeto

(LEONTIEV 1978) caracterizando o processo de apropriaccedilatildeo como aquele que cria novas

aptidotildees novas funccedilotildees psiacutequicas

De acordo com o exposto a pesquisa pode ser entendida como uma atividade humana

uma atividade criadora em que o homem produz conhecimento ao mesmo tempo em que eacute

produzido por ele A produccedilatildeo de conhecimento eacute resultado da relaccedilatildeo sujeito e objeto e ambos

se formam neste processo na medida em que se encontram com o objetivo de desvelar o real

Assim sendo a tentativa de explicar o real eacute a busca pela superaccedilatildeo da pseudoconcreticidade

(KOSIK 1976) Essa expressatildeo designa

O complexo dos fenocircmenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera

comum da vida humana que com a sua regularidade imediatismo e evidecircncia

penetram na consciecircncia dos indiviacuteduos agentes assumindo um aspecto

independente e natural (KOSIK 1976 p 11)

Para Kosik (1976 p 9) ldquoa dialeacutetica trata da ldquocoisa em sirdquo Mas a ldquocoisa em sirdquo natildeo se

manifesta imediatamente ao homemrdquo O homem cria o mundo das relaccedilotildees cotidianas que

compotildeem a esfera do aparente do imediato (ARENA 2010a) Esse pressuposto remete a uma

abordagem do real que natildeo o atinge plenamente que se esgota na aparecircncia entendendo por

ldquorealrdquo a forma pela qual o mundo se apresenta Nesse sentido a realidade se reduz agraves suas formas

fenomecircnicas agrave aparecircncia das coisas

O mundo real (ou a totalidade concreta) encontra-se oculto pelo mundo da

pseudoconcreticidade precisando ser descortinado para que se possa ter uma aproximaccedilatildeo com o

real Essas aproximaccedilotildees satildeo sucessivas e permanentes como um ir e vir em relaccedilatildeo ao fenocircmeno

28

analisado ou seja eacute necessaacuterio realizar um detoacuteur (KOSIK 1976 p9) Quanto a essa questatildeo

Kosik afirma que

A atitude primordial e imediata do homem em face da realidade natildeo eacute a de um

sujeito cognoscente de uma mente pensante que examina a realidade

especulativamente poreacutem a de um ser que age objetiva e praticamente de um

indiviacuteduo histoacuterico que exerce a sua atividade praacutetica no trato com a natureza e

com os outros homens tendo em vista a consecuccedilatildeo dos proacuteprios fins e

interesses dentro de um determinado conjunto de relaccedilotildees sociais Portanto a

realidade natildeo se apresenta aos homens agrave primeira vista sob o aspecto de um

objeto que cumpre intuir analisar e compreender teoricamente cujo poacutelo oposto

e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente que existe fora

do mundo e apartado do mundo apresenta-se como o campo em que se exercita

a sua atividade praacutetico-sensiacutevel sobre cujo fundamento surgiraacute a imediata

intuiccedilatildeo praacutetica da realidade (KOSIK 1976 p 10)

Para Kosik (1976) a manifestaccedilatildeo do fenocircmeno ndash pseudo-essecircncia ndash necessita ser

ultrapassada para que se chegue agrave verdadeira essecircncia que pode ser alcanccedilada pelo movimento

dialeacutetico Isto natildeo se manifesta com um conceito de verdade plenamente alcanccedilaacutevel mas com

sucessivas aproximaccedilotildees em sua busca Para o autor (1976 p 19) ldquoa destruiccedilatildeo da

pseudoconcreticidade significa que a verdade natildeo eacute nem inatingiacutevel nem alcanccedilaacutevel de uma vez

para sempre mas que ela se faz logo se desenvolve e se realizardquo Assim pode-se dizer que a

maior aproximaccedilatildeo com a verdade depende do conhecimento sobre esse fenocircmeno que estaacute

relacionado agrave construccedilatildeo histoacuterica do sujeito influenciada por muacuteltiplas relaccedilotildees sociais e com a

proacutepria construccedilatildeo do conhecimento

Kosik (1976) afirma que eacute necessaacuterio utilizar-se da consciecircncia de maneira dialeacutetica uma

vez que ldquoconsciecircncia eacute reflexo e ao mesmo tempo projeccedilatildeo registra e constroacutei toma nota e

planeja reflete e antecipa eacute ao mesmo tempo receptiva e ativardquo (1976 p 26) Tem como

pressuposto uma visatildeo dialeacutetica de mundo pelas pessoas considerada ampliada A partir do

conhecimento do velho eacute possiacutevel alcanccedilar tal visatildeo e atingir um conhecimento novo em que a

histoacuteria eacute o ponto de partida para atingir este conhecimento e desse modo se alcanccedilar a

totalidade concreta Esta totalidade concreta pode ser atingida ao obter-se o conhecimento da

concreticidade do real sempre acrescentando fatos novos dialeticamente Esta realidade eacute um

todo dialeacutetico que natildeo compreende a realidade total mas uma teoria da realidade em que o

conhecimento humano eacute permanentemente acumulado e processado no qual a concretizaccedilatildeo se

29

realiza das unidades para o todo e do todo para as unidades Nesse movimento todo princiacutepio eacute

abstrato e relativo Com relaccedilatildeo a isso vale ressaltar que

O meacutetodo da ascensatildeo do abstrato ao concreto eacute o meacutetodo do pensamento em

outras palavras eacute um movimento que atua nos conceitos no elemento da

abstraccedilatildeo A ascensatildeo do abstrato ao concreto natildeo eacute uma passagem de um plano

(sensiacutevel) para outro plano (racional) eacute um movimento no pensamento e do

pensamento Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao concreto

tem de mover-se no seu proacuteprio elemento isto eacute no plano abstrato que eacute

negaccedilatildeo da imediatidade da evidecircncia e da concreticidade sensiacutevel A ascensatildeo

do abstrato ao concreto eacute um movimento para o qual todo iniacutecio eacute abstrato e cuja

dialeacutetica consiste na superaccedilatildeo dessa abstratividade O progresso da

abstratividade agrave concreticidade eacute por conseguinte em geral da parte para o todo

e do todo para a parte do fenocircmeno para a essecircncia e da essecircncia para o

fenocircmeno da totalidade para a contradiccedilatildeo e da contradiccedilatildeo para a totalidade do

objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto (KOSIK 1976 p 30)

Isto posto entende-se que para conhecer uma realidade desvendar sua essecircncia perceber

suas leis de movimento e funcionamento o pesquisador faz uso da sua capacidade de abstraccedilatildeo e

este recurso agrave abstraccedilatildeo eacute que torna possiacutevel ao pensamento ao pensamento humano decompor o

todo uma vez que o real tal como se apresenta num primeiro momento tem um aspecto uno

direto Faz-se necessaacuterio decompocirc-lo identificar suas unidades fundamentais apontar o que eacute

secundaacuterio para que num segundo momento compreendida a sua coerecircncia interna ele seja

novamente reconstituiacutedo em outros moldes em outro todo Como afirma Kosik (1976 p 14) []

ldquosem decomposiccedilatildeo natildeo haacute conhecimentordquo e explicita ainda que [] ldquoo conceito e a abstraccedilatildeo

em uma concepccedilatildeo dialeacutetica tem o significado de meacutetodo que decompotildee o todo para poder

reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e portanto a coisardquo Em outras palavras pode-se

afirmar que a mente humana precisa fazer uma anaacutelise do objeto e separaacute-lo em partes porque o

real natildeo se daacute a conhecer de forma direta em todo o seu ser Por esse motivo haacute a necessidade de

se recorrer agrave abstraccedilatildeo como um dos movimentos essenciais agrave formulaccedilatildeo do conceito mas que

natildeo eacute este o momento final do conhecimento

Para Kosik (1976) o processo de conhecimento parte do concreto imediato da aparecircncia

das coisas passa pela abstraccedilatildeo (analisando e seccionando o todo) e chega novamente ao

concreto agora compreendido e recomposto em sua real ordem interna Como Kosik explicita

Da vital caoacutetica imediata representaccedilatildeo do todo o pensamento chega aos

conceitos agraves abstratas determinaccedilotildees conceituais mediante cuja formaccedilatildeo se

30

opera o retorno ao ponto de partida desta vez poreacutem natildeo mais como ao vivo

mas incompreendido todo da percepccedilatildeo imediata mas ao conceito do todo

ricamente articulado e compreendido (KOSIK 1976 p 29)

Isto posto Pires (1997) revela que para se compreender o fenocircmeno haacute a necessidade

loacutegica de descobrir nos fenocircmenos a categoria mais simples (o empiacuterico) para chegar agrave categoria

siacutentese de muacuteltiplas determinaccedilotildees (concreto pensado) Quanto mais abstraccedilotildees (teoria) se puder

pensar sobre a categoria simples empiacuterica mais proacuteximo se estaacute da compreensatildeo da realidade

O sujeito nessa perspectiva eacute um ser social que se torna produtivo por meio do

desenvolvimento de suas atividades pelas quais conhece o mundo e se relaciona dialeticamente

com ele Por tal razatildeo eacute necessaacuterio conhecer a realidade social do sujeito o contexto em que estaacute

inserido e em que se datildeo as relaccedilotildees que estabelece para uma maior compreensatildeo do todo Ao

conhecer a realidade do sujeito historicamente construiacutedo aproxima-se da compreensatildeo do todo e

afasta-se da pseudoconcreticidade ateacute a sua superaccedilatildeo sai-se da aparecircncia do fenocircmeno para se

chegar a sua verdadeira objetividade (KOSIK 1976)

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo Silva (2009) esclarece que o problema do

conhecimento estaacute representado no marxismo na relaccedilatildeo dialeacutetica sujeito e objeto ldquoO princiacutepio

da interaccedilatildeo existente entre os eixos da relaccedilatildeo cognitiva eacute produzido no enquadramento da

praacutetica social do sujeito que captura e dialoga com o objeto na e pela sua atividaderdquo (SILVA

2009 p 13) e acrescenta que o conhecimento diz respeito primeiro agrave historicidade do sujeito e do

objeto Nesse sentido a dialeacutetica surge como uma tentativa de superaccedilatildeo da dicotomia da

separaccedilatildeo entre o sujeito e o objeto

Com base nesses pressupostos pode-se dizer que o que se tenta fazer no percurso da

pesquisa eacute explicar o concreto e para isto eacute necessaacuterio transpor pela abstraccedilatildeo o concreto-dado

para o pensamento produzindo assim o concreto-pensado que eacute na realidade o concreto dado

transposto para a mente humana Feita essa transposiccedilatildeo eacute preciso voltar novamente do concreto-

pensado para o concreto-dado uma vez que ambos devem estar em iacutentima relaccedilatildeo pois do

contraacuterio a pesquisa natildeo teria sentido na medida em que natildeo conseguiria explicar a realidade

ldquofim uacuteltimo de qualquer pesquisa compromissada e livrerdquo (SILVA 2009 p 13)

A pesquisa encontra no cotidiano na praacutetica o seu iniacutecio seu ponto de partida No

entanto eacute necessaacuterio que por meio desse ponto de partida desenvolvam-se determinaccedilotildees e

mediaccedilotildees para que possam ser revelados os nexos constitutivos do objeto de estudo para que os

31

sujeitos possam por meio da unidade pensamento-reflexatildeo transformar a realidade e a si

mesmos A dialeacutetica pressupotildee que as interpretaccedilotildees feitas relativas ao mundo devem ser

encaradas como passiacuteveis de modificaccedilotildees e reconstruccedilotildees porque a interpretaccedilatildeo praacutetica de

transformar o mundo em que vivemos desencadeia ao mesmo tempo um processo de

transformaccedilatildeo social em um mundo de constantes e permanentes transformaccedilotildees Este processo eacute

o da autocriacutetica e da criacutetica agrave realidade social

Neste processo investigativo ora apresentado se busca compreender o fenocircmeno

educativo ao descobrir suas mais simples manifestaccedilotildees para que ao analisaacute-las e elaborar

abstraccedilotildees sobre elas possa se aproximar cada vez mais da compreensatildeo do fenocircmeno

observado

Quanto agrave dialeacutetica Kosik (1976 p 33) afirma que eacute ldquoo meacutetodo da reproduccedilatildeo espiritual e

intelectual da realidade eacute o meacutetodo do desenvolvimento e da explicitaccedilatildeo dos fenocircmenos

culturais partindo da atividade praacutetica objetiva do homem histoacutericordquo Nesta vertente existe uma

unicidade entre teoria e praacutetica em outras palavras entre o conhecimento e a accedilatildeo ldquoEacute na unidade

articuladora entre a ideia e a accedilatildeo ou entre a teoria e a praacutetica que se efetiva a historicidade

humana concretizada no movimento de constituiccedilatildeo da realidade socialrdquo (ABRANTES

MARTINS 2007 p 315) Assim

A construccedilatildeo praacutexica do conhecimento nos remete portanto agrave realidade

histoacuterica a se conhecer visto que os indiviacuteduos se desenvolvem em relaccedilotildees de

apropriaccedilatildeo da histoacuteria contida nos objetos produzidos pelo homem e nas

relaccedilotildees estabelecidas entre eles na base de tais produccedilotildees Mas para uma efetiva

compreensatildeo da dimensatildeo praacutexica do homem outro preceito deve ser levado em

conta qual seja a unidade inicial existente entre sujeito e objeto do

conhecimento (ABRANTES MARTINS 2007 p 315)

Kosik (1976 p 30) esclarece que ldquoo processo do abstrato ao concreto como meacutetodo

materialista da realidade eacute a dialeacutetica da totalidade concreta na qual se reproduz idealmente a

realidade em todos os seus planos e dimensotildeesrdquo Por essa razatildeo para o pensamento dialeacutetico haacute

duas formas e dois graus de conhecimento da realidade e por conseguinte duas qualidades da

praacutexis humana (KOSIK 197 p13) Uma delas estaacute relacionada ao fato de que ldquoo conhecimento

da realidade histoacuterica eacute um processo de apropriaccedilatildeo teoacutericardquo eacute criacutetica porque implica interpretar e

avaliar os fatos empiacutericos procurando superar as primeiras impressotildees as representaccedilotildees

fenomecircnicas e chegar ao cerne de suas leis fundamentais Feito pelo pesquisador o trabalho de

32

apropriaccedilatildeo organizaccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos fatos o resultado seraacute o conhecimento objetivo desses

fatos o ldquoconcreto-pensadordquo ldquoAssim eacute que do processo dialeacutetico de conhecimento da realidade

que a transforma no plano do conhecimento e no plano histoacuterico-social resulta uma praacutexis criacutetica

revolucionaacuteria da humanidaderdquo (BITENCOURT GAMA sd p 7)

O outro conhecimento eacute o do senso comum dado pela imediaticidade resultado da

atividade praacutetico-sensiacutevel dentro de um determinado conjunto de relaccedilotildees sociais e eacute esse

conjunto dos fenocircmenos marcado pela regularidade imediatismo e evidecircncia que constitui o

mundo da pseudoconcreticidade Com isso

A praacutexis que adveacutem deste eacute a praacutexis fragmentaacuteria dos indiviacuteduos baseada na

divisatildeo do trabalho na divisatildeo da sociedade em classes e na hierarquia de

posiccedilotildees sociais que sobre ela se ergue e neste contexto eacute historicamente

determinada e unilateral eacute a praacutexis fetichizada dos homens (KOSIK 1976 p

14 ndash 15)

Eacute nessa praacutexis fetichizada dos homens que se daacute o mundo da pseudoconcreticidade e

Kosik (1976 p 11) define o mundo da pseudoconcreticidade como ldquoum claro-escuro de verdade

e enganordquo e explicita que seu elemento proacuteprio eacute o duplo sentido ou seja o fenocircmeno indica a

essecircncia mas tambeacutem a esconde Esclarece ainda que embora a essecircncia se manifeste no

fenocircmeno isso acontece ldquosoacute de modo inadequado parcial ou apenas sob certos acircngulos e

aspectosrdquo (KOSIK 1976 p 11)

Eacute na tentativa de superar a pseudoconcreticidade que o processo de pesquisa deve ocorrer

A tentativa de ultrapassar o aparente em busca da essecircncia no esforccedilo de tentar compreender essa

realidade e poder tambeacutem transformaacute-la Dessa forma pode-se dizer que o caminho do

conhecimento humano eacute uma trajetoacuteria construiacuteda na busca da realidade no rompimento da

pseudoconcreticidade que nunca se esgota totalmente Pelo fato do homem atuar no mundo ndash nele

realizar sua praacutexis ndash a realidade que se desvenda ao conhecer humano nunca estaacute pronta e

acabada natildeo existindo independentemente do homem (BREITBACH 1988 p 121) Nas

palavras de Kosik (1976 p 19) ldquo[] o mundo da realidade eacute o mundo da realizaccedilatildeo da verdade eacute

o mundo em que a verdade natildeo eacute dada e predestinada natildeo estaacute pronta e acabada impressa de

forma imutaacutevel na consciecircncia humana eacute o mundo em que a verdade deveacutemrdquo

Nessa perspectiva o item a seguir aborda a pesquisa com crianccedilas e as suas implicaccedilotildees

na educaccedilatildeo e destaca o conceito de crianccedila e de infacircncia nos quais esse trabalho se apoia Isto se

33

justifica por se tratar de uma pesquisa com e sobre as crianccedilas e que traz em seu cerne formas de

se pensar o trabalho pedagoacutegico de formaccedilatildeo leitora e escritora com crianccedilas na Educaccedilatildeo

Infantil

12 A pesquisa com crianccedilas

A crianccedila e a infacircncia tem sido alvo de muitas pesquisas em diferentes aacutereas do

conhecimento (ARIEgraveS 1978 FARIA 2009 LEONTIEV 1988 MELLO 2007 SARMENTO E

PINTO 1997 VYGOTSKI 1995 entre outros) A presente pesquisa elege como tema o

processo de inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura escrita e o uso dos gecircneros discursivos na

Educaccedilatildeo Infantil uma vez que objetiva pensar em praacuteticas de leitura e de escrita nesse momento

da escolaridade de modo que a crianccedila estabeleccedila relaccedilotildees com o escrito interaja com ele e pense

nos diferentes modos de usar o escrito Objetiva tambeacutem desenvolver praacuteticas de leitura e de

escrita em que as crianccedilas natildeo sendo ainda convencionalmente alfabetizadas pensem sobre a

liacutengua e sobre o seu funcionamento de forma dialoacutegica e dinacircmica

A atitude adotada na pesquisa com as crianccedilas e apresentada neste capiacutetulo eacute a tentativa de

ir aleacutem das aparecircncias do fenocircmeno para aproximar-se da sua essecircncia (KOSIK 1976) dado que

essecircncia e aparecircncia satildeo produzidas pelo mesmo complexo social (MARX 1974)

Assim essa pesquisa se propotildee a pensar as crianccedilas natildeo como sujeitos passivos e

descontextualizados em que somente satildeo percebidas para se estabelecer comparaccedilotildees formando

um conjunto de ldquonegativo que nada nos diz das peculiaridades positivas que diferenciam a

crianccedila do adultordquo (VYGOSTKI 1995 apud MARTINS FILHO 2009 p 82) mas ao contraacuterio

procura entender a crianccedila como sujeito ativo em todo o processo de elaboraccedilatildeo reflexatildeo anaacutelise

e de possiacuteveis transformaccedilotildees Nesse contexto o processo investigativo pretende conhecer as

crianccedilas e suas formas especiacuteficas de se relacionar com o mundo dos instrumentos culturais

objetivos ndash materiais ndash como a leitura a escrita o uso dos objetos humanos ou subjetivos ndash

imateriais ndash como as relaccedilotildees as interaccedilotildees as conceitualizaccedilotildees e os parceiros mais experientes

Isto posto revela uma possibilidade de descartar praacuteticas de pesquisa colonizadoras e

adultocecircntricas em que satildeo evidenciadas as disparidades de poder entre adultos e crianccedilas e se

considera a alteridade da infacircncia e os diferentes aspectos que a distinguem do outro - adulto

34

Nessa perspectiva haacute a necessidade de ultrapassar o discurso esmagador legitimado

historicamente pela razatildeo adultocecircntrica e que ateacute recentemente alimentou as ciecircncias humanas

Em outras palavras eacute pensar na possibilidade de ouvir as crianccedilas de percebecirc-las e de reconhececirc-

las como ldquoatores competentes para falar de si proacutepriosrdquo (BARBOSA MARTINS FILHO sd p

4) Desse modo busca-se uma competecircncia cada vez maior no que se refere agrave comunicaccedilatildeo entre

adultos e crianccedilas principalmente no que diz respeito aos procedimentos teoacuterico-metodoloacutegicos

utilizados em pesquisas

Sobre essa questatildeo Barbosa e Martins Filho (sd p 3) esclarecem que ao contextualizar

historicamente as teorias de metodologias de pesquisas com crianccedilas percebe-se que elas nunca

foram consultadas olhadas ouvidas e muito menos consideradas Segundo Qvortrup (1999) as

crianccedilas nunca foram estudadas por seu proacuteprio meacuterito na histoacuteria da humanidade Para a ciecircncia

teria que prevalecer a racionalidade adultocecircntrica a qual descarta de certa forma as

manifestaccedilotildees das crianccedilas Nesse contexto o que seria indicado pelas crianccedilas natildeo teria

cientificidade ldquoSe hoje podemos criticar as metodologias tradicionais de pesquisas comsobre

crianccedilas muito ainda temos que construir e avanccedilar para garantir a cientificidade do

protagonismo infantilrdquo (MARTINS FILHO BARBOSAnsd p 3) Nesse vieacutes eacute preciso

encontrar uma metodologia que ajude o pesquisador a natildeo projetar o seu olhar sobre as crianccedilas e

colher delas somente aquilo que eacute reflexo dos seus proacuteprios preconceitos e representaccedilotildees Aleacutem

disso haacute ainda o fato de que as metodologias tradicionais em ciecircncias humanas e sociais

acabaram por reproduzir os mesmos criteacuterios e princiacutepios a partir dos consagrados pelas ciecircncias

ldquoexatasrdquo (SARMENTO E PINTO 1997 apud MARTINS FILHO BARBOSA sd p 3)

Ao reconhecer a participaccedilatildeo ativa das crianccedilas no processo de pesquisa reconhecem-se

tambeacutem os padrotildees eacuteticos que envolvem essa participaccedilatildeo Em outras palavras promover a

participaccedilatildeo das crianccedilas nos processos que dizem respeito a elas natildeo pressupotildee responsabilizaacute-

las por decisotildees pertinentes a esses processos (SARMENTO E PINTO 1997)

Problematizar a dimensatildeo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita no tempo da

infacircncia da crianccedila pequena requer discutir o conceito de crianccedila e de infacircncia assumidos nesta

pesquisa Isso exige pensar na crianccedila concreta ndash historicamente situada ndash ldquocom sua proacutepria

biografia carregada de significados e sentidos proacuteprios do tempo e do espaccedilo em que vive das

relaccedilotildees que trava das expectativas a que eacute submetidardquo (BISSOLI 2005 p 60 ndash 61)

35

A crianccedila de hoje com suas expectativas necessidades e maneiras de perceber e atuar no

mundo natildeo eacute a mesma crianccedila de geraccedilotildees anteriores As novas geraccedilotildees satildeo constituiacutedas por se

apropriarem do legado deixado pelas geraccedilotildees anteriores Isso significa que as conquistas

humanas historicamente acumuladas satildeo a base sobre a qual as crianccedilas se humanizam As

crianccedilas se apropriam da cultura existente e produz como sujeitos novas manifestaccedilotildees de

humanidade Nessa vertente Mello (2007 p 88) afirma que

Esse conceito ndash de que o ser humano aprende a ser o que eacute como inteligecircncia ou

personalidade e de que a cultura e as relaccedilotildees com os outros seres humanos

constituem a fonte do desenvolvimento da consciecircncia ndash revoluciona a

compreensatildeo do processo de conhecimento que tiacutenhamos ateacute agora Com a

Teoria Histoacuterico-Cultural aprendemos a perceber que cada crianccedila aprende a ser

um humano O que a natureza lhe provecirc no nascimento eacute condiccedilatildeo necessaacuteria

mas natildeo basta para mover seu desenvolvimento Eacute preciso se apropriar da

experiecircncia humana criada e acumulada ao longo da histoacuteria da sociedade

Apenas na relaccedilatildeo social com parceiros mais experientes as novas geraccedilotildees

internalizam e se apropriam das funccedilotildees psiacutequicas tipicamente humanas ndash da

fala do pensamento do controle sobre a proacutepria vontade da imaginaccedilatildeo da

funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia ndash e formam e desenvolvem sua inteligecircncia e

sua personalidade

Nesse enfoque a crianccedila eacute forte competente e capaz de aprender Eacute capaz de estabelecer

relaccedilotildees de interagir de atuar de criar e de recriar de ser sujeito de suas aprendizagens de

internalizar conhecimentos e atribuir sentido a eles por meio das relaccedilotildees sociais de que participa

e do lugar que ocupa nessas relaccedilotildees e no mundo (LEONTIEV 1988) Desse modo a infacircncia eacute

o momento em que a crianccedila entra na cultura humana e se apropria dela

Mas a infacircncia tal como se pensa nos dias atuais eacute uma conquista recente dos uacuteltimos

duzentos anos da histoacuteria (AgraveRIES 1978 MELLO 2007) A ideia de infacircncia natildeo existiu sempre

e da mesma maneira Essa ideia aparece com a sociedade capitalista urbano-industrial na medida

em que modificam a inserccedilatildeo e o papel da crianccedila na comunidade Na sociedade feudal a crianccedila

exercia um papel produtivo direto ndash um papel ldquode adultordquo ndash assim que ultrapassava o periacuteodo de

alta mortalidade Na sociedade burguesa a crianccedila passa a ser algueacutem que precisa ser cuidada

escolarizada e preparada para uma atuaccedilatildeo futura Este conceito de infacircncia eacute determinado

historicamente pela modificaccedilatildeo nas formas de organizaccedilatildeo da sociedade (KRAMER 1982 p

18) A historicidade da infacircncia implica diferenccedilas fundamentais entre as crianccedilas que vivem em

sociedades diversas considerando que satildeo as condiccedilotildees de vida e educaccedilatildeo (LEONTIEV 1978)

36

de cada espaccedilo e tempo os elementos responsaacuteveis pelo decurso do desenvolvimento das

capacidades humanas (MUKHINA 1996) A concepccedilatildeo de infacircncia quer significar que as

crianccedilas ldquohabitam datildeo cor vida e movimento aos processos de sociabilidades e que pela

interaccedilatildeo com a coletividade modificam as rotinas sociaisrdquo Isto implica afirmar que as crianccedilas

natildeo satildeo apenas consumidoras de culturas mas tambeacutem re-produtoras ativas sendo que o ato de

produzir cultura natildeo eacute neutro e nem natural mas eacute criado nas e pelas relaccedilotildees que satildeo

estabelecidas socialmente (MARTINS FILHO 2011)

A crianccedila eacute um sujeito social e por tal razatildeo na pesquisa a relaccedilatildeo entre adulto e crianccedila

natildeo pode ser uma relaccedilatildeo de submissatildeo mas de mediaccedilatildeo interaccedilatildeo e negociaccedilatildeo Para negociar

eacute preciso construir formas de comunicaccedilatildeo e participaccedilatildeo com para e das crianccedilas (MARTINS

FILHO BARBOSA sd p 5)

As pesquisas acabam muitas vezes subestimando e subutilizando as informaccedilotildees captadas

pelas vozes das crianccedilas ou em contraposiccedilatildeo a isso acabam superestimando as crianccedilas o que

de certo modo eacute isolaacute-las do contexto real No que se refere agrave participaccedilatildeo dos adultos e das

crianccedilas nas pesquisas busca-se uma consonacircncia nessa relaccedilatildeo porque se a crianccedila eacute ativa nesse

processo o adulto natildeo seraacute passivo e o contraacuterio tambeacutem ocorre o que ajuda a identificar a

posiccedilatildeo dos sujeitos nas investigaccedilotildees (MARTINS FILHO BARBOSA sd p 6) Essa

consonacircncia na relaccedilatildeo entre adulto e crianccedila no processo de pesquisa permite sair do

autoritarismo ou do espontaneiacutesmo muitas vezes presentes nas relaccedilotildees pedagoacutegicas e nas

pesquisas

Essas proposiccedilotildees se direcionam para a necessidade de se buscar na pesquisa com as

crianccedilas um processo dialoacutegico O ser humano a crianccedila deve entrar em contato com os

fenocircmenos do mundo circundante por meio de outros homens ou seja num processo de

comunicaccedilatildeo com eles Pela sua funccedilatildeo esse processo eacute portanto um processo de educaccedilatildeo e

produccedilatildeo cultural (VYGOTSKI 1995) Ao assumir essa posiccedilatildeo pretende-se romper nesse

trabalho de investigaccedilatildeo com a ideia de infacircncia como objeto de constante regulaccedilatildeo e controle

sendo necessaacuterio por isso conhecer as especificidades dessa etapa da vida Desta forma

perceber as crianccedilas nas relaccedilotildees que elas travam com o professor com o conhecimento e com

elas mesmas eacute o que orientou todo o processo da pesquisa ora apresentada

Pode-se dizer que a crianccedila eacute sujeito social produto e produtora da sua proacutepria histoacuteria

vivida e construiacuteda nas relaccedilotildees com os adultos a sua volta (VYGOTSKI 1995) Nesta

37

investigaccedilatildeo considera-se a crianccedila como um sujeito potencial competente para falar e informar

aos outros sobre si mesma Pretende-se assim estabelecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica na tentativa de

compreender a crianccedila e as relaccedilotildees que estabelece com o conhecimento no processo de inserccedilatildeo

na cultura escrita

O conceito de crianccedila sob o olhar da Teoria Histoacuterico-Cultural na qual essa pesquisa se

fundamenta e o estudo e a discussatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e

escrita da crianccedila desde a educaccedilatildeo infantil ndash foco desse trabalho ndash natildeo pretende deflagrar uma

ideia de que eacute possiacutevel e desejaacutevel acelerar o desenvolvimento psiacutequico da crianccedila em detrimento

do encurtamento da infacircncia e submetendo-a a uma escolarizaccedilatildeo precoce (ZAPHOROacuteZETS

1987 MELLO 2007) Ao contraacuterio pretende compreender a crianccedila em suas relaccedilotildees com o

mundo respeitando as especificidades do seu desenvolvimento e poder contribuir com outras

formas de se pensar o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita com as crianccedilas na pequena

infacircncia

Envolver as crianccedilas mais diretamente nas pesquisas pode resgataacute-las do silecircncio e da

exclusatildeo e do fato de serem representadas implicitamente como objetos passivos (ALDERSON

apud MICHELLI 2005)

Segundo Sarmento (1997) os estudos da infacircncia mesmo quando se concede agraves crianccedilas

o estatuto de atores sociais tecircm geralmente negligenciado a auscultaccedilatildeo das vozes e

subestimado a capacidade de atribuiccedilatildeo de sentido agraves suas accedilotildees e seus contextos Por essa razatildeo

eacute que se pode afirmar que a participaccedilatildeo das crianccedilas nas pesquisas natildeo se limita aos aspectos

exclusivamente da recolha de suas vozes mas de querer compreender as suas expectativas e

representaccedilotildees de mundo Essa recolha de vozes refere-se aos olhares expressotildees gestos falas

atitudes experiecircncias e opiniotildees das crianccedilas que devem ultrapassar as formas de registros

utilizados na pesquisa tentando compreendecirc-los em sua essecircncia

13 Metodologia de pesquisa a pesquisa ndash accedilatildeo

Para Vygotsky e para Bakhtin noacutes nos tornamos noacutes mesmos por meio das relaccedilotildees que

estabelecemos com o outro Noacutes existimos enquanto tal porque o outro nos completa e nos

orienta Nessa perspectiva Bakhtin (1992) permite pensar que uma situaccedilatildeo de pesquisa eacute sempre

um encontro entre sujeitos um diaacutelogo no qual pesquisador e pesquisado se re-significam Desse

38

modo a pesquisa passa da descriccedilatildeo e compreensatildeo do que o outro apresenta para um encontro

maior que vai aleacutem (FREITAS 2002) O pesquisador eacute aquele que vai ao encontro do outro que

interage com o outro de forma ativa colocando-se em seu lugar para perceber o que ele percebe

mas que volta em seguida ao seu proacuteprio lugar Ao fazer isso teraacute uma real compreensatildeo do

outro promovendo uma resposta agravequilo que foi visto dito e natildeo dito E essa resposta implica

ajudar o outro a avanccedilar a sair do lugar (FREITAS 2002)

Posto isto a pesquisa assume o compromisso de tentar compreender ativamente a

realidade de forma que possibilite transformaccedilotildees em seus participantes Por tal razatildeo a

metodologia adotada na realizaccedilatildeo desta pesquisa eacute caracterizada como uma pesquisa-accedilatildeo A

pesquisa-accedilatildeo eacute um tipo de pesquisa participante engajada que procura unir a pesquisa agrave accedilatildeo ou

praacutetica em outras palavras busca desenvolver o conhecimento e a compreensatildeo como parte da

praacutetica Este tipo de pesquisa surgiu da necessidade de superar a lacuna entre teoria e praacutetica

(ENGELS 2000 p 182)

Nessa perspectiva pode-se definir a pesquisa-accedilatildeo como ldquoum tipo de pesquisa social com

base empiacuterica que eacute concebida e realizada em estreita associaccedilatildeo com uma accedilatildeo ou com uma

resoluccedilatildeo de um problema coletivordquo (THIOLLENT 2003 p14) Para tanto os pesquisadores e

participantes representativos da situaccedilatildeo ou do problema se encontram envolvidos de forma

cooperativa ou participativa A pesquisa-accedilatildeo criacutetica considera a voz do sujeito sua perspectiva

seu sentido mas natildeo meramente para registro e uma interpretaccedilatildeo posterior do pesquisador ldquoA

voz do sujeito faraacute parte da tessitura da metodologia da investigaccedilatildeordquo (FRANCO 2005 p 486)

Desse modo a metodologia natildeo se faz por meio das etapas de um meacutetodo mas se organiza pelas

situaccedilotildees relevantes que emergem no processo Com base nessas afirmaccedilotildees reconhece-se o

caraacuteter formativo dessa modalidade de pesquisa uma vez que o sujeito deve tomar consciecircncia

das transformaccedilotildees que ocorrem em si proacuteprio e no processo Eacute tambeacutem nesse sentido que este

tipo de pesquisa assume o caraacuteter emancipatoacuterio pois mediante a participaccedilatildeo consciente ldquoos

sujeitos da pesquisa passam a ter a oportunidade de se libertar de mitos e preconceitos que

organizam suas defesas agrave mudanccedila e reorganizam a sua autoconcepccedilatildeo de sujeitos histoacutericosrdquo

(FRANCO 2005 p 486)

Os pressupostos epistemoloacutegicos da pesquisa-accedilatildeo caminham na direccedilatildeo de uma

perspectiva dialeacutetica e consideram como fundamentais a priorizaccedilatildeo da dialeacutetica da realidade

social da historicidade dos fenocircmenos da praacutexis das contradiccedilotildees das relaccedilotildees com a

39

totalidade da accedilatildeo dos sujeitos sobre suas circunstacircncias (FRANCO 2005 p 490) Neste caso a

praacutexis deve ser concebida como mediaccedilatildeo baacutesica na construccedilatildeo do conhecimento uma vez que

por meio dela se veicula teoria e praacutetica pensar e agir pesquisar e formar Nestas condiccedilotildees natildeo

haacute como separar sujeito que conhece do objeto a ser conhecido e o conhecimento natildeo se limita agrave

mera descriccedilatildeo mas parte do observaacutevel (aparecircncia) e o ultrapassa na tentativa de compreendecirc-lo

e explicaacute-lo (essecircncia) em busca da destruiccedilatildeo da pseudoconcreticidade (KOSIK 1976) Por esse

motivo a interpretaccedilatildeo dos dados soacute pode ocorrer num contexto determinado e concreto e o saber

produzido eacute necessariamente transformador dos sujeitos e das circunstacircncias (FRANCO 2005 p

490)

Esses pressupostos se coadunam com a concepccedilatildeo de pesquisa apresentada neste trabalho

como um processo de formaccedilatildeo e de emancipaccedilatildeo do sujeito e por tal razatildeo opto pela pesquisa-

accedilatildeo para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

A escolha por esse tipo de pesquisa tambeacutem se justifica diante das minhas experiecircncias

como professora na Educaccedilatildeo Infantil e por perceber nesse segmento da educaccedilatildeo praacuteticas que

denotam uma preocupaccedilatildeo com a alfabetizaccedilatildeo precoce das crianccedilas apoiada na codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Tais praacuteticas descartam a possibilidade de iniciar o processo de

inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita nessa etapa da vida levando em consideraccedilatildeo as

especificidades do desenvolvimento humano e garantindo vivecircncias que possam contribuir para

que as crianccedilas se tornem leitoras e re-criadoras de textos Outro elemento relevante se daacute pelo

fato de que haacute a predominacircncia de alguns poucos gecircneros discursivos ndash em geral contos

narrativos ndash no trabalho pedagoacutegico com as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil limitando por vezes as

possibilidades no ensino da liacutengua Este fato pode ser constatado durante a minha pesquisa de

mestrado quando as crianccedilas participantes da pesquisa demonstraram desconhecer alguns

gecircneros discursivos como as histoacuterias em quadrinhos ndash gecircnero discursivo utilizado na realizaccedilatildeo

da pesquisa com o intuito de investigar como ocorre a formaccedilatildeo leitora das crianccedilas na Educaccedilatildeo

Infantil

131 Geraccedilatildeo coleta e anaacutelise dos dados

Neste trabalho que ora apresento realizei atividades proacuteprias da pesquisa-accedilatildeo e como

pesquisadora e sujeito desta pesquisa provoquei o aparecimento de dados por meio de accedilotildees

40

planejadas intencionalmente com o objetivo de criar necessidades de leitura e de escrita nas

crianccedilas participantes da pesquisa Para gerar os dados foi realizado um trabalho pedagoacutegico

intencionalmente planejado no contexto das teacutecnicas Freinet as quais abarcam diferentes gecircneros

discursivos Eacute necessaacuterio ressaltar que na pesquisa as teacutecnicas Freinet natildeo foram realizadas

integralmente mas foram adaptadas uma vez que a turma de alunos faz parte de uma estrutura

global maior ndash uma unidade escolar ndash que natildeo apresenta como proposta de trabalho a Pedagogia

Freinet Essa perspectiva de trabalho com as teacutecnicas da Pedagogia Freinet faz parte da minha

praacutetica pedagoacutegica como professora e dos estudos desse autor como pesquisadora da infacircncia e

dos processos de ensino e de aprendizagem da liacutengua Todo o processo de geraccedilatildeo dos dados

relacionados ao trabalho pedagoacutegico com as teacutecnicas Freinet seraacute abordado detalhadamente no

item 14 deste capiacutetulo em que seraacute exposta a metodologia do trabalho docente

Inicialmente para compreender a situaccedilatildeo em que se encontram os sujeitos verifiquei

como o ensino da leitura e da escrita e dos gecircneros discursivos foram abordados com as crianccedilas

participantes desde que ingressaram na unidade escolar de Educaccedilatildeo Infantil As crianccedilas fazem

parte de uma turma de Infantil II que corresponde ao uacuteltimo ano da Educaccedilatildeo Infantil no

municiacutepio de Mariacutelia ndash SP Para tanto tive contato direto com os sujeitos na turma em que

ministrava aulas e fiz as primeiras observaccedilotildees em situaccedilotildees de leitura e de escrita Realizei um

levantamento e estudo da bibliografia referente ao problema da pesquisa ndash estado da arte ndash e

iniciei a etapa da coleta de dados

Para a coleta de dados utilizei a entrevista com as professoras e com as crianccedilas e a

observaccedilatildeo Entrevistei as quatro professoras dessa turma de Infantil II (crianccedilas entre cinco e

seis anos) dos anos anteriores ao ano da realizaccedilatildeo da pesquisa desde quando as ingressaram na

unidade escolar portanto as professoras dessa mesma turma no Berccedilaacuterio (quando os sujeitos

tinham entre 1 ano seis meses a dois anos) Maternal I (quando os sujeitos tinham entre dois e trecircs

anos) Maternal II (quando os sujeitos tinham entre trecircs e quatro anos) e Infantil I (quando os

sujeitos tinham entre quatro e cinco anos) A entrevista com as professoras objetivou verificar

seus conceitos de leitura e escrita seus conceitos sobre a inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura

escrita e sobre o trabalho com os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil e tentar perceber

como essas praacuteticas influenciaram a formaccedilatildeo leitora e re-criadora de textos das crianccedilas por

meio dos gecircneros discursivos

41

Prestei as devidas informaccedilotildees agraves professoras participantes quanto aos objetivos da

pesquisa o livre arbiacutetrio para participar ou natildeo ao uso dos dados coletados e o acesso aos

resultados Esse mesmo procedimento de esclarecimento de participaccedilatildeo de consentimento livre e

esclarecido foi feito com pais eou responsaacuteveis dos sujeitos crianccedilas

Duas das professoras foram entrevistadas no periacuteodo contraacuterio ao seu periacuteodo de trabalho

na proacutepria escola para que natildeo houvesse nenhum prejuiacutezo com relaccedilatildeo agraves suas aulas ou

comprometimento quanto ao trabalho com seus alunos E as outras duas professoras foram

entrevistadas numa tarde apoacutes o teacutermino de uma reuniatildeo pedagoacutegica da escola Nesse dia de

reuniatildeo pedagoacutegica realizada em toda rede municipal da cidade de Mariacutelia ndash SP somente a

direccedilatildeo coordenaccedilatildeo professores e funcionaacuterios comparecem agrave unidade escolar natildeo havendo

aula para as crianccedilas e assim as entrevistas se realizaram sem intercorrecircncias em salas de aulas

desocupadas nas ocasiotildees dadas mas houve ruiacutedos de fundo em alguns momentos

Com o objetivo de compreender mais detalhadamente o processo de inserccedilatildeo da crianccedila

pequena na cultura escrita e de compreender como a crianccedila se apropria da leitura e da escrita por

meio dos gecircneros discursivos realizei entrevistas com as crianccedilas em dois momentos do trabalho

pedagoacutegico no iniacutecio da pesquisa no mecircs de maio de 2010 e no final do ano letivo no mecircs de

dezembro de 2010 momento do teacutermino do trabalho pedagoacutegico com as crianccedilas concernente agrave

leitura e escrita dos gecircneros discursivos abordados nesta pesquisa ndash carta relatos de vida por

meio do livro da vida e a notiacutecia de jornal Ao entrevistar as crianccedilas verifiquei quais as ideias e

conceitos sobre leitura e escrita possuiacuteam como lidavam com a leitura e a escrita de que forma a

leitura e a escrita eram usadas em diferentes situaccedilotildees na escola quais os gecircneros discursivos que

conheciam e as informaccedilotildees que tinham sobre eles A decisatildeo de entrevistar as crianccedilas em dois

momentos foi com o objetivo de coletar o maacuteximo de informaccedilotildees e de analisar e avaliar as

variaccedilotildees das respostas em diferentes situaccedilotildees Com esse procedimento buscou-se perceber a

evoluccedilatildeo intelectual das crianccedilas e o ensaio conceitual de leitura e de escrita que apresentaram

em duas situaccedilotildees histoacutericas que denotariam possiacuteveis evoluccedilotildees nos conceitos de leitura e de

escrita

Ao considerar as falas das crianccedilas fundamentais nesse processo de pesquisa propus-me a

ouvi-las e a estabelecer com elas uma relaccedilatildeo dialoacutegica pois ldquotomar o discurso da crianccedila como

uma ldquocoisa em sirdquo independente das condiccedilotildees socioculturais que o determinam eacute objetificaacute-lo

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como uma ldquocoisardquo eacute destituiacute-lo de sua dimensatildeo dialoacutegica isto eacute de interaccedilatildeo com o outro pela

linguagemrdquo (JOBIM E SOUZA CASTRO 2008 p 77)

Por se tratar de uma pesquisa que pretende colaborar com as aprendizagens das crianccedilas

com as suas apropriaccedilotildees e objetivaccedilotildees da liacutengua materna desde a Educaccedilatildeo Infantil e ainda de

se constituir como um elemento de reelaboraccedilatildeo da minha proacutepria praacutetica eacute que o uso da

entrevista se justifica uma vez que esse instrumento de pesquisa possibilita entrar em contato

com as falas das crianccedilas e com o pensamento infantil A entrevista acontece entre duas ou mais

pessoas no caso o entrevistado e o entrevistador numa situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e tem como

objetivo a muacutetua compreensatildeo mas uma compreensatildeo ativa que para Bakhtin (1992) eacute

responsiva pois jaacute conteacutem em si mesma o geacutermen de uma resposta Segundo Bakhtin (1992) o

enunciado eacute a unidade real da comunicaccedilatildeo discursiva estritamente delimitada pela alternacircncia

dos sujeitos falantes e a compreensatildeo desse enunciado vivo eacute sempre acompanhada de uma

atitude responsiva porque ldquotoda compreensatildeo eacute prenhe de resposta de uma forma ou de outra

forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (BAKHTIN 1992 p 290) Somente esse tipo

de compreensatildeo ativa eacute que permite a apreensatildeo dos sentidos dos enunciados Todo enunciado se

elabora para ir ao encontro da resposta do ouvinte O que constitui um enunciado eacute o fato dele

dirigir-se para algueacutem e de estar voltado para o seu destinataacuterio ldquoNa situaccedilatildeo de entrevista

compreender ativamente o enunciado de outrem significa orientar-se para o outrordquo (FREITAS

2007 p 35)

Cada um de noacutes ocupa um lugar e deste lugar revelamos o nosso modo de ver o outro e o

mundo eacute o que Bakhtin chama de exotopia em outras palavras ldquoeacute a posiccedilatildeo espaccedilo-temporal

uacutenica que ocupamos em relaccedilatildeo aos outros durante a nossa existecircnciardquo (CASTRO 2001 p 65) o

que faz com que o nosso olhar sobre o outro natildeo coincida com o olhar que ele tem de si mesmo eacute

o excedente de visatildeo (BAKHTIN 1992 p 45)

Esse conceito de exotopia a volta ao seu lugar eacute necessaacuterio ao pesquisador pois se isso

natildeo acontece corre-se o risco de se deter somente no aspecto da identificaccedilatildeo (aparecircncia) Ao

voltar para o seu lugar eacute que o entrevistador tem condiccedilotildees ldquode dar forma e acabamento ao que

ouviu e completaacute-lo com o que eacute transcendente agrave sua consciecircnciardquo (FREITAS 2007 p 35) e

todos esses valores que completam a imagem do outro satildeo extraiacutedos do excedente de sua visatildeo

Deste lugar fora do outro portanto exotoacutepico eacute que o entrevistador pode ir construindo suas

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reacuteplicas que quanto mais numerosas forem indicam uma compreensatildeo mais real e profunda

(BAKHTIN 1992 p 132)

Diante do exposto considera-se a entrevista dentro de uma concepccedilatildeo dialoacutegica pois ela

estabelece uma relaccedilatildeo de sentido entre os enunciados na comunicaccedilatildeo verbal e essa relaccedilatildeo

dialoacutegica eacute marcada por uma relaccedilatildeo de sentido cujos elementos constitutivos soacute podem ser

enunciados completos por traacutes dos quais estaacute um sujeito real ldquoNessa perspectiva a entrevista se

constitui numa relaccedilatildeo entre sujeitos na qual se pesquisa com sujeitos as suas experiecircncias

sociais e culturais compartilhadas com as outras pessoas de seu ambienterdquo (FREITAS 2007 p

36) Desse modo tanto pesquisador como pesquisado se tornam parceiros de uma experiecircncia

dialoacutegica conseguindo se transportarem da linguagem interna de sua percepccedilatildeo para a sua

expressividade externa encontrando-se num processo de muacutetua compreensatildeo No entanto os

sentidos que satildeo criados nessa interlocuccedilatildeo dependem da situaccedilatildeo experenciada dos horizontes

espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado Expliquei agraves crianccedilas o que eacute uma

entrevista o motivo pelo qual eu iria fazecirc-la e como seria realizada Esclareci que seria gravada

em aacuteudio que poderiam responder da forma como desejassem e que ao final poderiam ouvir a

gravaccedilatildeo das nossas falas

Isto posto sobre a situaccedilatildeo de entrevista pode-se sublinhar que eacute um

momento em que se daacute a construccedilatildeo de uma interlocuccedilatildeo reveladora de vaacuterios

sentidos que emergem da proacutepria situaccedilatildeo especiacutefica de diaacutelogo e que delimitam

uma parte dos aspectos presentes na experiecircncia cotidiana dos interlocutores

com o tema tratado Assim a proacutepria anaacutelise deste material discursivo se

constitui em um modo de interlocuccedilatildeo que longe de buscar interpretaccedilotildees

absolutas a partir dos fragmentos selecionados procura desvelar os sentidos

possiacuteveis surgidos nestes encontros entre adulto e crianccedila e assim ampliar e

diversificar os modos de compreensatildeo de um determinado fenocircmeno cultural

(JOBIM E SOUZA CAMERINI MORAIS 2005 p 141)

Nesta pesquisa fiz a entrevista com 20 crianccedilas com idades entre cinco e seis anos

pertencentes a uma turma de Infantil II da Educaccedilatildeo Infantil que frequentou a escola em periacuteodo

parcial da tarde do ano de 2010 Na primeira realizada no iniacutecio do trabalho pedagoacutegico com os

gecircneros discursivos entrevistei as crianccedilas em uma sala ocupada pela auxiliar de direccedilatildeo da

escola que natildeo fazia uso naquela ocasiatildeo com ruiacutedos da parte externa desse ambiente A

segunda realizada no final do processo ocorreu em dois ambientes distintos devido agrave

indisponibilidade de local para esse fim Tal indisponibilidade ocorre devido ao fato de as

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crianccedilas frequentarem a escola nessa ocasiatildeo no periacuteodo da manhatilde durante trecircs dos cinco dias

da semana para participarem dos ensaios da formatura da rede municipal de ensino desta cidade

Os dois ambientes utilizados na segunda entrevista foram o salatildeo ndash local em que as crianccedilas

brincam realizam atividades relacionadas agrave danccedila assistem a viacutedeos e onde aquelas que

frequentam a escola em periacuteodo integral descansam ou dormem depois do almoccedilo ateacute o iniacutecio das

aulas no periacuteodo da tarde ndash e o caramanchatildeo sala de aula na parte externa da escola

Utilizei a entrevista semi-estruturada que se caracteriza por apresentar um roteiro

previamente elaborado mas que possui certa flexibilidade em sua aplicaccedilatildeo Esse tipo de

entrevista foca em um assunto sobre o qual se elabora um roteiro com perguntas principais

complementadas por outras questotildees inerentes agraves circunstacircncias momentacircneas agrave entrevista

(MANZINI 19901991 p 154) Para o autor esse tipo de entrevista pode fazer emergir

informaccedilotildees de forma mais livre e as respostas natildeo estatildeo condicionadas a uma padronizaccedilatildeo de

alternativas (MANZINI 19901991 p 154) Esse roteiro de questotildees eacute resultado das informaccedilotildees

inicias coletadas sobre o fenocircmeno social que se pretende investigar dos objetivos da pesquisa

dos sujeitos participantes e da teoria em que o pesquisador se apoia

A transcriccedilatildeo das falas das entrevistas ocorre em dois momentos distintos O primeiro

momento eacute quando o entrevistador registrou a fala do entrevistado exatamente da forma como foi

coletada como ela se apresenta com seus modos de dizer dos sujeitos ou seja da forma literal

O momento posterior eacute quando as falas do entrevistado satildeo escritas de acordo com as regras

ortograacuteficas e gramaticais da Liacutengua Portuguesa escrita Ressalta-se que neste trabalho com o

objetivo de garantir maior inteligibilidade as entrevistas foram transcritas considerando as

correccedilotildees necessaacuterias e descritas anteriormente sem contudo alterar o seu sentido Utilizei para a

transcriccedilatildeo dos dados obtidos por meio das entrevistas as normas propostas por Luiz Antocircnio

Marcushi (1986 apud URNABO e PRETI 1988) Tais normas se encontram no ANEXO A

Outro instrumento que utilizei na geraccedilatildeo de dados foi a observaccedilatildeo Este instrumento eacute

uma estrateacutegia metodoloacutegica em que o pesquisador se insere na vida do grupo social em estudo

se constituindo em um ldquoencontro de muitas vozesrdquo (FREITAS 2007 p 33) pois ldquoao se observar

um evento depara-se com diferentes discursos verbais gestuais e expressivos Satildeo discursos que

refletem e refratam a realidade da qual fazem parte construindo uma verdadeira tessitura da vida

socialrdquo (FREITAS 2007 p 33) Na observaccedilatildeo participante os pesquisadores tornam-se um

Outro que observa e eacute tambeacutem observado Desse modo pesquisados e pesquisadores

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gradativamente estabelecem relaccedilotildees o que favorece as outras relaccedilotildees e o desenvolvimento de

uma participaccedilatildeo sensiacutevel agraves produccedilotildees das crianccedilas (MARTINS FILHO BARBOSA 2011 p

99) A observaccedilatildeo participante tambeacutem possibilita ldquoo acesso dos adultos ao que as crianccedilas

pensam fazem sabem falam e de como vivem esmiuccedilando suas peculiaridades e as

particularidadesrdquo (MARTINS FILHO BARBOSA 2011 p 100)

Por ser pesquisadora e professora da turma de crianccedilas em que ocorreu essa investigaccedilatildeo

a observaccedilatildeo foi um instrumento utilizado em todo contexto da pesquisa com as crianccedilas e no

desenvolvimento do trabalho pedagoacutegico para o ensino dos gecircneros discursivos Na observaccedilatildeo

participante busca-se uma compreensatildeo marcada pela perspectiva da totalidade construiacuteda no

encontro dos diferentes enunciados produzidos entre pesquisador e pesquisado Segundo Bakhtin

(2003) a accedilatildeo fiacutesica do homem precisa ser compreendida como um ato mas um ato que natildeo pode

ser compreendido fora de sua expressatildeo siacutegnica que eacute por noacutes recriada Esclarece que

Noacutes natildeo perguntamos agrave natureza e ela natildeo nos responde Colocamos as

perguntas para noacutes mesmos e de certo modo organizamos a observaccedilatildeo ou a

experiecircncia para obtermos a resposta Quando estudamos o homem procuramos

e encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu

significado (BAKHTIN 2003 p 319)

Nesse sentido a observaccedilatildeo participante eacute caracterizada por sua dimensatildeo de alteridade

uma vez que o pesquisador ao participar do evento observado constitui-se parte dele mas ao

mesmo tempo manteacutem uma posiccedilatildeo exotoacutepica que lhe possibilita o encontro com o outro ldquoE eacute

este encontro que ele procura descrever no seu texto no qual revela outros textos e contextosrdquo

(FREITAS 2007 p 32) A situaccedilatildeo de campo pode ser entendida como ldquouma esfera social de

circulaccedilatildeo de discursos e os textos que dela emergem como um lugar especiacutefico de produccedilatildeo do

conhecimento que se estrutura em torno do eixo da alteridaderdquo (FREITAS 2007 p 32) Ao

considerar essa afirmaccedilatildeo entende-se que a observaccedilatildeo natildeo pode se prender em apenas descrever

os eventos mas procurar as suas possiacuteveis relaccedilotildees integrando o individual com o social Ao

fazer o relato das observaccedilotildees o pesquisador natildeo o faz somente a partir do seu olhar mas

reproduzindo vozes dos outros participantes da situaccedilatildeo investigada captando os sentidos

construiacutedos nessas interlocuccedilotildees O texto ndash relato das observaccedilotildees ndash traz a voz do pesquisador

regendo as outras vozes participantes Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel considerar a observaccedilatildeo numa

perspectiva discursiva dialoacutegica e polifocircnica

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Diante disso este instrumento metodoloacutegico foi utilizado por se revelar adequado para

descrever a relaccedilatildeo das crianccedilas com a leitura e com a escrita de carta livro da vida e jornal a

interaccedilatildeo das crianccedilas nas situaccedilotildees de leitura e de escrita desses gecircneros discursivos e a atitude

leitora e produtora de textos delas Os registros escritos dos dados coletados por meio das

observaccedilotildees foram feitos em um caderno de anotaccedilotildees Nos primeiros dias fiz as anotaccedilotildees fora

do ambiente de pesquisa Aos poucos passei a efetuar os registros na presenccedila dos sujeitos na

tentativa de conseguir captar detalhadamente as situaccedilotildees observadas de leitura e de escrita Esse

procedimento provocou de iniacutecio o interesse das crianccedilas que buscavam explicaccedilotildees para as

constantes anotaccedilotildees que eu realizava em diferentes ambientes da escola Expus para elas que as

anotaccedilotildees eram importantes porque me ajudavam a lembrar o que havia acontecido com relaccedilatildeo

aos trabalhos realizados as conversas na roda e em outros ambientes Esse caderno de anotaccedilotildees

eacute de uso pessoal e os apontamentos feitos foram organizados cotidianamente destacando as

interlocuccedilotildees entre os sujeitos suas falas gestos expressotildees e situaccedilotildees que denotavam atitude

leitora e re-criadora de textos orais e escritos e as relaccedilotildees estabelecidas com os gecircneros

discursivos

Com o objetivo de investigar como ocorre o processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da

escrita das crianccedilas de cinco e seis anos na Educaccedilatildeo Infantil e de que forma o trabalho

pedagoacutegico intencionalmente planejado pode interferir nesse processo utilizei outros recursos

audiovisuais como o gravador de aacuteudio a cacircmera fotograacutefica e a cacircmera filmadora O uso destes

recursos tem como finalidade coletar indiacutecios que possam identificar atitudes falas expressotildees

que denotem um leitor e um re-criador de textos em formaccedilatildeo

A fotografia eacute um recurso metodoloacutegico que permite a aproximaccedilatildeo da realidade social

histoacuterica e cultural do grupo fotografado Esse recurso ldquoreconstroacutei o proacuteprio olhar do investigador

apresentando-se como outras possibilidades de escrita ndash outros textos ndash da realidade analisadardquo

(MARTINS FILHO 2011 p 98) O uso da fotografia nesse trabalho se justifica por tentar

perceber quais atitudes corporais revelam atitudes mentais relacionadas agrave leitura e agrave escrita

A filmagem eacute uma forma de obter dados o mais proacuteximo possiacutevel ao movimento das

crianccedilas uma vez que a imagem filmada e a sua transcriccedilatildeo simultaneamente articulam entre si

a possibilidade de captar com maior amplitude e expressatildeo o que natildeo eacute perceptiacutevel agrave primeira

vista (MARTINS FILHO 2011 p 99) Desse modo a cada cena assistida e revista percebem-se

novas significaccedilotildees e novas relaccedilotildees

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Quanto agrave utilizaccedilatildeo desses recursos Jobim e Souza (2007 p 91) afirma que o uso da

videogravaccedilatildeo em pesquisa acadecircmica aleacutem de ser um rico instrumento de coleta de dados

operacionaliza a condiccedilatildeo na qual pesquisador e sujeitos envolvidos poderatildeo construir

conhecimentos sobre as praacuteticas sociais e as representaccedilotildees que ocorrem nas interaccedilotildees com o

cotidiano expressas na linguagem audiovisual

Feita a coleta de dados foram definidos os nuacutecleos temaacuteticos ou categorias (PADILHA

2006 PADILHA JOLY 2009) em consonacircncia com os objetivos da pesquisa que

possibilitassem identificar e analisar indiacutecios denotativos do processo de apropriaccedilatildeo e

objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas pequenas por meio dos gecircneros discursivos as

relaccedilotildees que estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos como carta histoacuterias de vida

(livro da vida) e notiacutecia de jornal e a interferecircncia do trabalho pedagoacutegico intencionalmente

planejado nesse processo de apropriaccedilatildeo Desse modo a escolha dos nuacutecleos temaacuteticos nunca eacute

aleatoacuteria pois qualquer opccedilatildeo eacute ideoloacutegica uma vez que ldquoreflete e refrata uma outra realidade

que lhe eacute exterior Tudo que eacute ideoloacutegico possui significado e remete a algo situado fora de si

mesmordquo (BAKHTIN 1992 p 31) Os nuacutecleos temaacuteticos foram definidos com o objetivo de

garantir maior organizaccedilatildeo dos dados e apresentaccedilatildeo da anaacutelise destes e assim poder mergulhar

nas reaccedilotildees nas falas nos silecircncios e atitudes das crianccedilas que expressam as relaccedilotildees

estabelecidas por elas Para tanto assumo como referecircncia teoacuterica os estudos de Padilha (2006) e

Padilha e Joly (2009) estudiosas de Bakhtin e Vygotsky teoacutericos em que este trabalho se

fundamenta

Foram definidos para a anaacutelise dos dados quatro nuacutecleos temaacuteticos divididos em

subnuacutecleos a saber

Conceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo infantil dos

professores e das crianccedilas ndash A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e

escrever na Educaccedilatildeo Infantil A atividade na leitura e na escrita Aspectos da teoria bakhtiniana

para se pensar o ensino da liacutengua O que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os

conceitos das professoras O ensino do ato de ler e de escrever O ensino da liacutengua materna As

praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio

A leitura e a escrita na escola de Educaccedilatildeo Infantil o que pensam as crianccedilas ndash Os conceitos

das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa

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O ensino da leitura e os gecircneros discursivos ndash A crianccedila e o seu estatuto de leitor A leitura do

gecircnero discursivo carta A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida A leitura do gecircnero

discursivo notiacutecia de jornal

O ensino da linguagem escrita e os gecircneros discursivos ndash A crianccedila e o seu estatuto de re-

criador de textos A escrita do gecircnero discursivo carta A escrita do gecircnero discursivo relatos de

vida A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal

Para a anaacutelise dos dados detive-me ao foco da pesquisa e busquei as ocorrecircncias uacutenicas

os pequenos indiacutecios coletados que se revelavam nas interaccedilotildees e que muitas vezes poderiam

denotar aparente irrelevacircncia mas que se constituem em indiacutecios carregados de significados e

sentidos Ocorrecircncias singulares das crianccedilas nas relaccedilotildees com os gecircneros discursivos em

situaccedilotildees de leitura e de escrita e detalhes na mediaccedilatildeo da professora com as crianccedilas no ensino

do ato de ler e do ato de escrever Por esta razatildeo optei pela abordagem microgeneacutetica que

segundo Goacutees (2000) pode ser caracterizada como uma abordagem

[] orientada para as minuacutecias detalhes e ocorrecircncias residuais como indiacutecios

pistas signos de aspectos relevantes de um processo em curso que elege

episoacutedios tiacutepicos ou atiacutepicos (natildeo apenas situaccedilotildees prototiacutepicas) que permitem

interpretar o fenocircmeno de interesse que eacute centrada na intersubjetividade e o

funcionamento enunciativo-discursivo dos sujeitos e que se guia por uma visatildeo

indicial e interpretativo-conjetural (GOacuteES 2000 p 21)

A anaacutelise microgeneacutetica refere-se a uma forma de construccedilatildeo de dados muito utilizada na

psicologia que tem sido estendida aos estudos na aacuterea da educaccedilatildeo Encontra sua fundamentaccedilatildeo

teoacuterica nos princiacutepios da Teoria Histoacuterico-Cultural sobre o desenvolvimento da mente humana

Ao explicitar sobre essa metodologia de anaacutelise Goacutees (2003) ressalta o significado da sua

terminologia ao esclarecer que natildeo eacute micro por serem os eventos de curta duraccedilatildeo mas por ser

orientada para as minuacutecias indiciais eacute geneacutetica por buscar a gecircnese dos acontecimentos por ser

histoacuterica por relacionar os eventos singulares com outros planos da cultura Arena (2007) aponta

que a abordagem microgeneacutetica como procedimento metodoloacutegico em pesquisas voltadas para o

ensino da leitura e da escrita ainda eacute recente na pesquisa acadecircmica bem como em trabalhos

voltados para a formaccedilatildeo docente

As situaccedilotildees concretas de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos carta relato de vida

por meio do livro da vida e notiacutecia de jornal vivenciadas pelas crianccedilas as relaccedilotildees que elas

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travaram com esses gecircneros as mediaccedilotildees feitas pela professora e pelas outras crianccedilas

possibilitaram o uso da anaacutelise microgeneacutetica para orientar e direcionar a atenccedilatildeo para os detalhes

das accedilotildees e interaccedilotildees com o entorno em que ocorreu a pesquisa

Outro procedimento metodoloacutegico utilizado foi a anaacutelise do discurso na perspectiva-

enunciativa discursiva de Bakhtin Para aleacutem da anaacutelise da linguagem os estudos de Bakhtin e

seu ciacuterculo fornecem a base para refletir sobre as vozes infantis seus pensamentos e ideias seus

valores suas visotildees de mundo e para perceber os outros com os quais convivem e que se fazem

presentes em seus discursos (ALESSI 2011) Estes estudos permitem pensar sobre as crianccedilas e

as relaccedilotildees estabelecidas com seus pares e com os adultos Em uma perspectiva dialoacutegica de

linguagem e que considera o homem como ser de linguagem a concepccedilatildeo discursiva enunciativa

de Bakhtin enfatiza a importacircncia da alteridade na constituiccedilatildeo dos sujeitos ou seja a interaccedilatildeo

permanente com o outro contribui para a formaccedilatildeo da consciecircncia do homem (ALESSI 2011)

Desse modo baseio-me no pressuposto de que cada enunciado precisa ser analisado

considerando o contexto em que ele ocorre em outras palavras a situaccedilatildeo histoacuterica e social e

seus interlocutores e tambeacutem os discursos anteriores que contribuiacuteram para a constituiccedilatildeo do

sujeito fatores que tornam este enunciado uacutenico (ALESSI 2011) Nessa direccedilatildeo eacute preciso

ressaltar que

[] A verdadeira substacircncia da liacutengua natildeo eacute constituiacuteda por um sistema abstrato

de formas linguumliacutesticas nem pela enunciaccedilatildeo monoloacutegica isolada nem pelo ato

psicofisioloacutegico de sua produccedilatildeo mas pelo fenocircmeno social da interaccedilatildeo verbal

realizada atraveacutes da enunciaccedilatildeo ou das enunciaccedilotildees A interaccedilatildeo verbal constitui

assim a realidade fundamental da liacutengua (BAKHTIN 1992 p 123 grifos do

autor)

Diante do exposto buscou-se incorporar neste trabalho a anaacutelise do discurso na

perspectiva enunciativa discursiva de Bakhtin na tentativa de compreender as vozes das crianccedilas

seus enunciados suas falas os diaacutelogos travados e os silecircncios que tambeacutem podem revelar

elementos dessa dinacircmica social Essa opccedilatildeo pela orientaccedilatildeo enunciativa discursiva bakhtiniana

se deu porque as falas das crianccedilas satildeo entendidas aqui como uma atitude responsiva satildeo

enunciados que sempre vatildeo ao encontro do enunciado do outro e por esse motivo enfoca a

relaccedilatildeo dialoacutegica relaciona interaccedilatildeo discurso e alteridade (BAKHTIN 1992) e coincide assim

com os objetivos da pesquisa

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Proponho-me tambeacutem a fazer a anaacutelise dos materiais escritos produzidos durante a

pesquisa em dois momentos o primeiro em que me apresento como professora e escriba das

produccedilotildees orais dos sujeitos e num segundo momento os textos produzidos e escritos por eles

proacuteprios

14 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gecircneros discursivos

[] soacute faremos educaccedilatildeo se deixarmos que cada crianccedila realize a sua proacutepria

experiecircncia e adquira os mecanismos em estreita ligaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo do

seu pensamento de outro modo ela desperdiccedila em puro detrimento da sua

formaccedilatildeo de homem as horas mais preciosas da sua existecircncia E forja o

instrumento da sua escravizaccedilatildeo (FREINET 1977 p 77)

A afirmaccedilatildeo de Freinet ressalta o papel do professor e de seu trabalho pedagoacutegico com as

crianccedilas num processo que considera a educaccedilatildeo como humanizaccedilatildeo (VYGOSTKI 1995

MELLO 1997) e que por isso caminha na contramatildeo de um ensino mecacircnico e impositivo que

desconsidera a crianccedila como sujeito de suas aprendizagens

Desse modo apresento neste item a metodologia de ensino da leitura e da escrita por meio

dos gecircneros discursivos carta relato de vida e notiacutecia de jornal com as crianccedilas Como

pesquisadora e professora da turma esclareccedilo que a minha proacutepria praacutetica docente foi elaborada

com o objetivo de inserir as crianccedilas na cultura escrita mediando situaccedilotildees para que pudessem

estabelecer relaccedilotildees com o escrito e vivenciar os diferentes modos de pensar o escrito de forma

dialoacutegica dentro de um processo interativo

Cada etapa do trabalho realizado as atividades e as situaccedilotildees de leitura e de escrita

propostas foram intencionalmente planejadas para e com as crianccedilas e por meio das falas

atitudes expressotildees gestos que elas apresentavam passei a experimentar e a validar os

procedimentos que orientavam o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio dos

gecircneros discursivos mencionados anteriormente tendo em vista o envolvimento interesse e o

desenvolvimento delas Nessa perspectiva Freinet afirma que ldquose o ensino natildeo interessa ao aluno

eacute porque lhe eacute de alguma maneira inacessiacutevel Eacute lamentaacutevel qualquer meacutetodo que pretenda fazer

beber o cavalo que natildeo estaacute com sederdquo (1985 p16 apud ELIAS 1997 p 38)

O trabalho pedagoacutegico ora apresentado foi realizado no contexto das teacutecnicas da

Pedagogia Freinet com diferentes gecircneros discursivos A escolha por realizar um trabalho

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baseado no contexto dessa pedagogia se justifica pelo fato de a minha praacutetica pedagoacutegica como

professora das crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil compactuar com os princiacutepios que a norteiam

dentre eles ensino cooperativo que privilegia a expressatildeo humana e a crianccedila como ser capaz e

ativo em seu processo de apropriaccedilatildeo da cultura Aleacutem disso eacute possiacutevel estabelecer aproximaccedilotildees

com as ideias de Vygotsky e de Bakhtin teoacutericos nos quais esse trabalho se fundamenta O uso

das teacutecnicas Freinet tambeacutem se justifica devido ao fato de que por meio delas se ampliam as

fontes de investigaccedilatildeo que as crianccedilas utilizam na escola (SAMPAIO 1994) fazem parte de um

legado cultural e buscam a objetivaccedilatildeo da crianccedila por meio das muacuteltiplas linguagens

Para a Teoria Histoacuterico-Cultural o processo de comunicaccedilatildeo eacute o elemento crucial no

processo de apropriaccedilatildeo da cultura A comunicaccedilatildeo gera uma accedilatildeo que gera comunicaccedilatildeo que

gera outra accedilatildeo que estabelece uma relaccedilatildeo material com o objeto De acordo com Leontiev

(1978 p 273)

A comunicaccedilatildeo quer esta se efectue sob a sua forma exterior inicial de

actividade em comum quer sob a forma de comunicaccedilatildeo verbal ou mesmo

apenas mental eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria e especiacutefica do desenvolvimento do

homem na sociedade

Essas ideacuteias se coadunam com as de Freinet e de Bakhtin

Para Freinet a comunicaccedilatildeo eacute uma necessidade da crianccedila e eacute essa compreensatildeo que

justifica a livre expressatildeo como princiacutepio vertebrador na estruturaccedilatildeo de suas teacutecnicas de ensino

Essa comunicaccedilatildeo que se concretiza por meio de diferentes linguagens tem na expressatildeo verbal

seu elemento central A livre expressatildeo segundo Freinet eacute ldquoa proacutepria manifestaccedilatildeo da vidardquo

(FREINET 1979 p 12)

Para Bakhtin (1992) a linguagem eacute interaccedilatildeo social cujo objetivo eacute a comunicaccedilatildeo entre

falanteouvinte entre um eu e um tu comunicaccedilatildeo que requer a atitude responsiva do outro e

isso pressupotildee um princiacutepio geral a reger toda palavra o de que linguagem eacute diaacutelogo

(BAKHTIN 1992) Toda palavra eacute por natureza dialoacutegica porque sempre pressupotildee o outro - o

outro como destinataacuterio e a quem estaacute voltada toda a locuccedilatildeo o outro como discurso ou discursos

(BRANDAtildeO 2005)

Diante dos apontamentos proferidos pode-se dizer que tanto para a Teoria Histoacuterico-

Cultural como para Freinet e para Bakhtin a comunicaccedilatildeo eacute a forma privilegiada da objetivaccedilatildeo

humana e que por sua vez eacute o que impulsiona o processo de humanizaccedilatildeo As teacutecnicas de ensino

52

elaboradas por Freinet natildeo se constituem em um conjunto de teacutecnicas riacutegidas e ortodoxas e natildeo

podem ser compreendidas como um conjunto de regras isoladas mas serem compreendidas em

sua totalidade As teacutecnicas Freinet se baseiam na livre expressatildeo na cooperaccedilatildeo no trabalho e na

autonomia Eacute necessaacuterio enfatizar que a partir do tateamento experimental da vivecircncia a crianccedila

elabora as suas experiecircncias que satildeo uacutenicas individuais e dessa forma as experiecircncias satildeo

construiacutedas e natildeo copiadas promovendo o desenvolvimento da inteligecircncia

O trabalho pedagoacutegico proposto para essa pesquisa ocorreu no contexto das teacutecnicas

Freinet ndash correspondecircncia interescolar livro da vida e jornal da turma ndash porque os textos das

crianccedilas na Pedagogia Freinet tecircm sempre um destinataacuterio real ndash um ldquooutrordquo ndash satildeo produzidos e

lidos para atender a uma necessidade satildeo carregados de funcionalidade e manifestam um desejo

de expressatildeo e por tal razatildeo os gecircneros estatildeo neles presentes Segundo Freinet (apud FREINET

1978 p 60 grifos do autor) ldquoquanto agrave qualidade dos textos e sobretudo do trabalho essa eacute e

seraacute incomparaacutevel porque os nossos impressos foram vividos e sentidos logo completamente

compreendidosrdquo Entende-se assim que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio

dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet materializam o ldquooutrordquo trazem a clareza

do outro para a crianccedila e permitem que a crianccedila estabeleccedila relaccedilotildees intensas e dialoacutegicas com o

escrito

Esta pesquisa parte do pressuposto de que a crianccedila aprende a ler a escrever a falar ou

seja aprende a liacutengua por meio dos gecircneros discursivos e que a escola desde a pequena infacircncia eacute

ldquotomada como autecircntico lugar de comunicaccedilatildeo e as situaccedilotildees escolares como ocasiotildees de

produccedilatildeorecepccedilatildeo de textos Os alunos encontram-se assim em muacuteltiplas situaccedilotildees em que ela eacute

mesmo necessaacuteriardquo (DOLZ SCHNEUWLY 1999 p 8) Posto isto o proacuteprio funcionamento da

escola pode ser transformado de tal modo que as ocasiotildees de re-criaccedilatildeo de textos e de leitura se

ampliam na classe entre as crianccedilas entre classes de uma mesma escola entre escolas diferentes

produzindo forccedilosamente ldquogecircneros novos uma forma toda nova de comunicaccedilatildeo que produz as

formas linguumliacutesticas que a possibilitamrdquo (DOLZ SCHNEUWLY 1999 p 8 grifos dos autores)

Nesse sentido pode-se dizer que

Freinet eacute sem duacutevida quem foi mais longe nesta via que encara com seriedade a

escola como autecircntico lugar de produccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de textos Pensar-se-aacute aqui

particularmente no texto livre na conferecircncia na correspondecircncia escolar no

jornal de classe nos romances coletivos nos poemas individuais (DOLZ

SCHNEUWLY 1999 p 8 ndash 9)

53

Definido o contexto em que se deu a pesquisa e definidos quais gecircneros seriam abordados

no trabalho pedagoacutegico fiz um levantamento bibliograacutefico sobre a obra de Freinet e sobre os

gecircneros discursivos escolhidos ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal Dediquei-me ao estudo

dos gecircneros discursivos e me apropriei deles compreendendo o seu conteuacutedo temaacutetico estilo e

construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003) o que me possibilitou organizar e planejar formas

adequadas e necessaacuterias de realizar o trabalho pedagoacutegico voltado para o ensino e a

aprendizagem da leitura e da escrita e buscar em cada gecircnero discursivo os aspectos essenciais

que possam envolver as crianccedilas criando nelas o interesse e o desejo de ler e de escrever

A preocupaccedilatildeo em planejar com intencionalidade as situaccedilotildees de leitura e de escrita

envolveu a necessidade de organizar os tempos e os espaccedilos destinados a esse fim para que

desde cedo as crianccedilas percebam que existem determinados materiais determinados modos e

determinados lugares de ler e para que percebam a leitura como uma praacutetica cultural e a escrita

como um instrumento cultural Espaccedilos tempos e materiais organizados intencionalmente

propiciam oportunidades propulsoras de um desenvolvimento amplo da crianccedila e do sentido de

infacircncia que decorre dessas experiecircncias e das produccedilotildees infantis que revelam a sua cultura

(FARIA DEMARTINI PRADO 2002) Assim busquei assumir um dos preceitos tatildeo

defendidos por Freinet ldquonatildeo deve haver separaccedilatildeo entre as aprendizagens do meio escolar e da

realidaderdquo (ELIAS 1997 p 74)

Num segundo momento iniciei o trabalho com as crianccedilas introduzindo os gecircneros

discursivos carta relato de vida por meio do livro da vida e num terceiro momento a notiacutecia de

jornal por meio do jornal da turma A introduccedilatildeo de cada um desses gecircneros teve seu iniacutecio na

roda da conversa que tambeacutem eacute uma teacutecnica Freinet realizada diariamente na turma A roda da

conversa eacute um momento em que todo o grupo ndash crianccedilas e professora ndash apresentam novidades

planejam o que faratildeo no dia negociam situaccedilotildees resolvem problemas discutem assuntos

diversificados sobre o que vivem sobre o que vecircem sobre o que sentem comentam sobre os

estudos e pesquisas contam curiosidades planejam avaliam e redirecionam o trabalho Por essas

razotildees a roda confere a todos os participantes do grupo e especialmente agraves crianccedilas o direito de

falarem e de serem ouvidos por todo o coletivo dando a palavra a cada um dos membros Essa

teacutecnica que acontece em dois momentos da aula ndash no iniacutecio e no final ndash corresponde a uma forma

de estabelecer uma relaccedilatildeo de respeito entre as pessoas do grupo e cria o desejo de expressatildeo nas

crianccedilas

54

O gecircnero discursivo carta foi iniciado quando durante a roda da conversa inicial no mecircs

de abril de 2010 ndash ano da realizaccedilatildeo da coleta de dados ndash a coordenadora da escola em que se deu

a pesquisa entregou agraves crianccedilas uma carta de uma turma de Infantil II de uma escola municipal

de Educaccedilatildeo Infantil da zona sul da mesma cidade A correspondecircncia interescolar com uma

professora dessa unidade escolar da zona sul da cidade jaacute ocorria havia trecircs anos na ocasiatildeo da

pesquisa mas as crianccedilas sujeitos da pesquisa participavam pela primeira vez de um trabalho

envolvendo esse gecircnero discursivo Para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi mantida correspondecircncia

com uma turma de crianccedilas de infantil II da zona sul dessa mesma cidade ndash crianccedilas com idades

de cinco anos ndash como explicitado anteriormente e com uma turma de crianccedilas com idades de

quatro e cinco anos da cidade de Campinas ndash SP Ambas as professoras das turmas

correspondentes apresentavam em suas praacuteticas concordacircncia com as ideias da Pedagogia

Freinet

As cartas recebidas antes de serem lidas por mim na condiccedilatildeo de professora eram

abertas e exploradas pelas crianccedilas que as observavam buscavam indiacutecios para fazerem a leitura

levantavam hipoacuteteses sobre o que estava escrito comparavam nomes analisavam os desenhos e

proferiam inuacutemeras perguntas a respeito Essas perguntas eram sempre conversadas na tentativa

de perceber e de entender o que estava por traacutes desses questionamentos e levar as crianccedilas a

buscar relaccedilotildees com o escrito Sempre da chegada de uma carta eu deixava as crianccedilas

manusearem-na livremente Em seguida eu fazia a leitura das cartas e era discutido passo a

passo como seriam produzidas a cartas respostas Nesse processo de re-criaccedilatildeo de gecircneros

discursivos eram discutidas as ideias a serem escritas e a forma como seriam escritas

O livro da vida eacute um compilado de registros escritos dos acontecimentos mais

significativos da turma Refere-se agrave vida das crianccedilas e da professora e nele satildeo anotadas as

vivecircncias do grupo Satildeo as crianccedilas que dizem o que deve ser escrito no livro da vida e esses

registros foram feitos por mim porque as crianccedilas natildeo eram no iniacutecio do trabalho

convencionalmente alfabetizadas Aleacutem da escrita do texto o livro da vida eacute composto por fotos

desenhos e colagens sempre relacionados ao registro escrito Expliquei para as crianccedilas na roda

da conversa tambeacutem no mecircs de abril de 2010 o que eacute o livro da vida como eacute feito o motivo pelo

qual eacute feito e as re-criaccedilotildees de textos orais foram escritas mantendo o mais fidedignamente os

relatos das crianccedilas Os textos re-criados no livro da vida eram em grande parte coletivos ndash

quando se referiam agraves vivecircncias do grupo ndash ou individuais ndash quando eram assuntos pessoais os

55

quais as proacuteprias crianccedilas solicitavam o registro O livro da vida natildeo foi escrito diariamente mas

seguia uma regularidade de cerca de trecircs vezes por semana e os textos eram lidos depois de re-

criados pelas crianccedilas pelos seus pais e familiares membros da escola e pelos correspondentes

quando ocorria anualmente o encontro entre as turmas

O jornal da turma eacute um jornal produzido e editado cooperativamente pelas crianccedilas Eacute

constituiacutedo de falas curiosidades e opiniotildees das crianccedilas sobre suas vivecircncias e descobertas As

informaccedilotildees trazidas pelas crianccedilas e discutidas principalmente na roda da conversa satildeo

transformadas em notiacutecias do jornal do grupo No trabalho com o jornal primeiramente eu

apresentei na hora da leitura um jornal da cidade com uma reportagem em que eu fazia parte do

artigo A hora da leitura eacute um momento diaacuterio em que leio ou conto uma histoacuteria poesia faacutebula

histoacuteria em quadrinhos dentre outros gecircneros discursivos e utilizo uma cadeira pequena para me

posicionar e as crianccedilas se sentam proacuteximas a mim para poderem visualizar as ilustraccedilotildees ou

fotos e acompanhar a leitura Terminada a leitura e de ouvir as impressotildees sobre o artigo lido dei

agraves crianccedilas vaacuterios outros exemplares do jornal da cidade e do Jornal Estado de Satildeo Paulo

(Estadatildeo) e as observei nos primeiros contatos com esse suporte textual e com esse gecircnero

discursivo Registrei as falas as accedilotildees as impressotildees e com esses indiacutecios fiz a leitura de uma

notiacutecia de jornal para as crianccedilas cerca de trecircs vezes por semana para que pudessem se

familiarizar com esse gecircnero discursivo Selecionei antecipadamente as reportagens artigos e

manchetes que seriam lidas considerando as idades e interesses

Paralelamente a isso propus que elaboraacutessemos o jornal da turma e todas as notiacutecias que

compunham o jornal foram trazidas e selecionadas na roda da conversa Para a produccedilatildeo do

jornal utilizei um computador pessoal (notebook) porque a escola natildeo dispunha de um

computador para uso das crianccedilas na sala de aula Inicialmente eu digitei no computador os textos

que eram re-criados oralmente pelas crianccedilas e elas participavam de cada etapa da re-criaccedilatildeo e

acompanhavam o registro Em seguida ilustravam os textos re-criados e nesse processo ensinei-

as a utilizar o computador e com o tempo passaram a fazer o registro dos textos diretamente

nesse recurso com pouca ajuda da minha parte Sampaio (1994 p 77) ressalta que o Instituto

Cooperativo da Escola Moderna (ICEM) fundado por Freinet

() considera que o emprego do computador na escola natildeo tem somente um

sentido pedagoacutegico tem tambeacutem um sentido ideoloacutegico pois estamos num

mundo que dispotildee de uma tecnologia que avanccedila a passos largos sendo

56

indispensaacutevel que a escola forneccedila os recursos necessaacuterios para enfrentar essa

avalanche de novas descobertas Natildeo se eacute livre quando se eacute ignorante (grifos da

autora)

Para a divulgaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo do jornal da turma os textos foram impressos na

impressora da escola e fotocopiados para que cada crianccedila tivesse o seu exemplar levado para

suas casas e lido por seus familiares que emitiam suas opiniotildees e foi tambeacutem enviado para os

correspondentes No trabalho com cada gecircnero discursivo busquei perceber indiacutecios que

denotam possiacuteveis modificaccedilotildees na conduta leitora e produtora de textos das crianccedilas as relaccedilotildees

que estabelecem com os elementos especiacuteficos de cada gecircnero ndash o conteuacutedo temaacutetico a

construccedilatildeo composicional e o estilo (BAKHTIN 2003) ndash e como lidam com esses elementos

nesse processo inicial de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

A praacutetica docente exposta eacute resultado de uma relaccedilatildeo direta e dialoacutegica com os sujeitos da

pesquisa o que promoveu o redirecionamento em cada etapa do trabalho em busca de um ensino

colaborativo em que as crianccedilas atuassem como sujeitos desse processo

15 Crianccedilas e adultos os sujeitos da pesquisa

As crianccedilas se interessam pela vida do seu meio pelas flutuaccedilotildees da natureza e

dos trabalhos e que gostariam de estudar principalmente aquilo que lhes diz

respeito (FREINET 1969 p 133-134)

Essa afirmaccedilatildeo de Freinet remete ao pressuposto de que a crianccedila eacute desde pequena capaz

de estabelecer relaccedilotildees com o mundo que a cerca se apropriar dos significados e atribuir sentidos

a ele (VIGOTSKII 1988 MELLO 2007) Com base nestas consideraccedilotildees o processo de ensino

com a crianccedila deve ser provocador de suas aprendizagens e do seu desenvolvimento e estar

intimamente relacionado com suas experiecircncias com o seu desejo de expressatildeo seu desejo de

conhecer uma educaccedilatildeo e um ensino desenvolventes (DAVIDOV 1988)

Diante disso proponho-me a apresentar a caracterizaccedilatildeo dos sujeitos da pesquisa

elementos fundamentais para a concretizaccedilatildeo deste trabalho Embora seja uma pesquisa com

crianccedilas investiguei por meio da entrevista as quatro professoras que trabalharam com elas desde

o ingresso na referida escola abrangendo assim as professoras das turmas do Berccedilaacuterio Maternal

I Maternal II e Infantil I para compreender como os conceitos de leitura e de escrita dessas

57

professoras e suas praacuteticas docentes interferiram no processo de apropriaccedilatildeo e de objetivaccedilatildeo da

leitura e da escrita das crianccedilas participantes da pesquisa

De acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para preservar a

identidade dos sujeitos as professoras seratildeo denominadas por PB (Professora do Berccedilaacuterio) PM I

(Professora do Maternal I) PM II (Professora do Maternal II) e PI I (Professora do Infantil I)

58

Quadro 1 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes

Professoras Tempo de

Magisteacuterio

(anos)

Tempo de

serviccedilo na

instituiccedilatildeo em

que foi

realizada a

pesquisa

(anos)

Turma em

que lecionou

nos uacuteltimos

quatro anos

(idade dos

alunos)

Experiecircncia

docente em

diferentes

segmentos da

educaccedilatildeo

PB

15 anos

13 anos

Berccedilaacuterio (entre

1 ano e seis

meses 2 anos) e

Maternal I

(entre 2 e 3

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PM I

15 anos

13 anos

Maternal I

(entre 2 e 3

anos) e

Maternal II

(entre 3 e 4

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PM II

5 anos e 6

meses

5 anos e 6

meses

Maternal II

(entre 3 e 4

anos) e

Maternal I

(entre 2 e 3

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PI I

22 anos e 6

meses

5 anos e 6

meses

Preacute III (entre 5

e 6 anos) e

Infantil I (4

anos)

No Ensino

Fundamental

de 1ordm ao 5ordm ano

durante 22

anos e 6 meses

59

Quadro 2 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes quanto agrave formaccedilatildeo

Professoras Magisteacuterio

(CEFAM)

Pedagogia

(Instituiccedilatildeo

Puacuteblica)

Pedagogia

(Instituiccedilatildeo

Particular)

Especializaccedilatildeo

ou Poacutes-

Graduaccedilatildeo

PB

X

X

PM I

X

X

PM II

X

X

Psicopedagogia

PI I

X

X

Ao realizar uma anaacutelise dos quadros verifica-se que somente uma das professoras possui

menos de 10 anos de magisteacuterio e iniciou sua carreira docente na instituiccedilatildeo em que foi realizada

a pesquisa Verifica-se tambeacutem que durante quatro anos os quatro anos em que as crianccedilas

percorreram do Berccedilaacuterio ao Infantil I as professoras natildeo apresentaram alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo agraves

turmas em que lecionaram permanecendo relativamente com turmas da mesma etapa de crianccedilas

da mesma idade no miacutenimo por dois anos Todas dedicaram a maior parte do tempo dos seus

serviccedilos no magisteacuterio na referida unidade escolar e somente PI I tem a maior parte de sua

experiecircncia docente no Ensino Fundamental de 1ordm ao 5ordm ano em que atuou durante muitos anos

como professora alfabetizadora dos anos iniciais

Com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo profissional todas cursaram o Magisteacuterio (CEFAM ndash Centro

Especiacutefico de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento do Magisteacuterio) se graduaram em Pedagogia (Curso

Superior completo) realizada em universidade puacuteblica e somente PM II tinha especializaccedilatildeo lato

sensu em Psicopedagogia

Esta pesquisa foi realizada com 20 crianccedilas de uma turma de Infantil II da Educaccedilatildeo

Infantil ndash uacuteltima turma antes de ingressarem no Ensino Fundamental ndash de uma escola puacuteblica

municipal da cidade de Mariacutelia ndash SP que frequentavam a escola em periacuteodo parcial sendo o

periacuteodo da tarde A escola por se tratar de uma EMEI Creche (Escola Municipal de Educaccedilatildeo

Infantil e Creche) tambeacutem atende a crianccedilas no periacuteodo integral As crianccedilas seratildeo denominadas

por C1 C2 C3 e assim sucessivamente na intenccedilatildeo de resguardar as identidades sem contudo

lhes negar a autoria da sua participaccedilatildeo

60

Quadro 3 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos crianccedilas

Crianccedilas

Idades

Turma em que ingressou

na unidade escolar da

referida pesquisa

C1 5 anos Berccedilaacuterio

C2 5 anos Berccedilaacuterio

C3 5 anos Berccedilaacuterio

C4 5 anos Berccedilaacuterio

C5 6 anos Berccedilaacuterio

C6 5 anos Berccedilaacuterio

C7 5 anos Berccedilaacuterio

C8 5 anos Berccedilaacuterio

C9 5 anos Berccedilaacuterio

C10 5 anos Maternal I

C11 6 anos Berccedilaacuterio

C12 5 anos Berccedilaacuterio

C13 6 anos Berccedilaacuterio

C14 5 anos Infantil II

C15 5 anos Berccedilaacuterio

C16 5 anos Berccedilaacuterio

C17 5 anos Maternal I

C18 5 anos Infantil II

C19 5 anos Infantil II

C20 6 anos Infantil II

Por meio da anaacutelise do quadro da caracterizaccedilatildeo dos sujeitos verifica-se que das vinte

crianccedilas participantes apenas quatro delas completaram seis anos ainda na Educaccedilatildeo Infantil

Isso ocorreu devido ao fato de que na ocasiatildeo do remanejamento das turmas para atender a

implantaccedilatildeo da lei que institui o Ensino Fundamental de nove anos ndash e portanto as crianccedilas

61

passaram a ingressar nesse segmento com cinco anos e seis meses ndash elas permaneceram na

Educaccedilatildeo Infantil por opccedilatildeo dos pais e por completarem seis anos no segundo semestre do ano de

realizaccedilatildeo da pesquisa Desse modo a turma era formada predominantemente de crianccedilas com

cinco anos

A maioria ndash quatorze delas ndash encontra-se na instituiccedilatildeo escolar em que ocorreu a pesquisa

desde o Berccedilaacuterio (quando tinham entre 1 ano e seis meses e dois anos) duas crianccedilas ingressaram

a partir do Maternal I (quando tinham entre dois e trecircs anos) e quatro delas comeccedilaram na turma

Infantil II (quando tinham entre cinco e seis anos) no ano da realizaccedilatildeo da pesquisa Essas

uacuteltimas vieram transferidas de outras unidades da proacutepria cidade sendo que duas delas

frequentaram outras escolas desde o Maternal I e outras duas crianccedilas desde o Maternal II

(quando tinham entre trecircs e quatro anos)

A maior parte das crianccedilas residia no proacuteprio bairro em que se localizava a escola ou em

bairros bem proacuteximos e uma minoria delas em uma favela ndash apenas duas delas ndash situada nos

arredores Noventa e cinco por cento dos pais natildeo completaram o segundo grau na sua

escolarizaccedilatildeo possuiacuteam baixa renda ndash cerca de um ou dois salaacuterios miacutenimos ndash e a maioria exercia

trabalhos de serviccedilos gerais (diaristas mecacircnicos pintores eletricistas pedreiros distribuidor de

gaacutes de cozinha) eram funcionaacuterios em casas comerciais ou em faacutebricas Somente dois deles

possuiacuteam o ensino superior completo

Neste trabalho atuei como pesquisadora e professora da turma Desempenhei minhas

funccedilotildees no magisteacuterio durante dez anos em uma escola da rede particular de ensino e na ocasiatildeo

da pesquisa fazia cerca de cinco anos e meio que eu havia iniciado minhas funccedilotildees como

professora na rede puacuteblica municipal na aacuterea da Educaccedilatildeo Infantil

O trabalho realizado direcionado ao ensino da leitura e da escrita por meio dos gecircneros

discursivos carta relatos de vida e notiacutecia de jornal com as crianccedilas ocorreu entre os meses de

maio e dezembro do ano de 2010

Vale esclarecer que me proponho a apresentar este trabalho com o entrelaccedilamento da

anaacutelise dos dados e o aporte teoacuterico adotado nesta pesquisa concomitantemente sem a costumeira

divisatildeo em duas partes capiacutetulos destinados agrave discussatildeo mais teoacuterica e capiacutetulo de anaacutelise dos

dados destinado mais agraves questotildees praacuteticas empiacutericas Farei a apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

simultaneamente agrave discussatildeo e ao aprofundamento teoacuterico assumido nessa pesquisa apoiado na

Teoria Histoacuterico-Cultural defendida por Vygotsky e seus colaboradores pela concepccedilatildeo de

62

linguagem e gecircnero discursivo de Bakhtin e pelos estudiosos da leitura e da escrita Essa proposta

ocorre na tentativa de ser coerente com a concepccedilatildeo de pesquisa apresentada no iniacutecio deste

capiacutetulo na busca de superaccedilatildeo da dicotomizaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na minha docecircncia e na

pesquisa apresentada

63

CAPIacuteTULO II

CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA NA

EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DOS PROFESSORES E DAS CRIANCcedilAS

Para o estudo da liacutengua o princiacutepio tradicional estaacute em evitar que a crianccedila

redija antes de ter adquirido um suficiente domiacutenio pelo estudo racional das

regras gramaticais e sintaacutecticas Receia-se que os maus haacutebitos das primeiras

tentativas se gravam definitivamente em regras de vida e que a crianccedila natildeo saiba

seguir em frente Soacute deve pois comeccedilar a escrever palavras quando tiver

aprendido primeiro a traccedilar os seus exerciacutecios caligraacuteficos e a seguir a desenhar

as letras natildeo deve empregar as palavras para exprimir o seu proacuteprio pensamento

antes de lhes conhecer o sentido formal e a ortografia Natildeo deve arriscar-se no

paraacutegrafo e menos ainda no texto antes de ter penetrado nas essenciais regras

sintaacutecticas Tais satildeo as prescriccedilotildees oficiais reflexo das concepccedilotildees ainda

dominantes na pedagogia Eacute uma concepccedilatildeo (FREINET 1977 p 69)

Ao considerar estas afirmaccedilotildees de Freinet quanto ao ensino e a aprendizagem da liacutengua

escrita numa perspectiva tradicional e na eacutepoca em que foram proferidas pode-se dizer que

algumas dessas praacuteticas ainda satildeo reproduzidas desde a Educaccedilatildeo Infantil Um ensino pautado na

identificaccedilatildeo e no traccedilados das letras ou ainda na compreensatildeo das regras gramaticais

ortograacuteficas e sintaacuteticas desvinculadas de um contexto e de um fazer que natildeo condizem com a

necessidade de expressatildeo dos sujeitos aprendentes eacute uma das concepccedilotildees de ensino e de

aprendizagem da liacutengua vigente em nossa sociedade e que simula a aprendizagem da liacutengua

Eacute na contramatildeo dessa concepccedilatildeo de ensino e de aprendizagem da liacutengua escrita que este

trabalho se apresenta e se propotildee a compreender como as crianccedilas de cinco e seis anos se

apropriam e objetivam a leitura e a escrita por meio dos gecircneros discursivos num processo

dialoacutegico e dinacircmico em que essa apropriaccedilatildeo se constitui como uma forma de humanizaccedilatildeo

Para tanto nesse capiacutetulo seratildeo abordados por meio da anaacutelise dos dados coletados nas

entrevistas os conceitos de leitura e de escrita de gecircneros discursivos de ensino e de

aprendizagem das professoras participantes da pesquisa e como eles influenciam os conceitos

ainda em elaboraccedilatildeo pelas crianccedilas

Tal anaacutelise seraacute fundamentada na concepccedilatildeo de linguagem de liacutengua e de gecircnero

discursivo de Bakhtin e na concepccedilatildeo de crianccedila de ensino e de aprendizagem de leitura e de

escrita de Vygotsky e de outros estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural

64

21 A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e escrever na

Educaccedilatildeo Infantil

Vivemos em uma sociedade que se organiza fundamentalmente por meio de praacuteticas

escritas em uma sociedade letrada motivo por que ler e escrever satildeo condiccedilotildees necessaacuterias para

se participar dessa sociedade (BERNARDIN 2003 BRITTO 2003 2005) Durante muito

tempo acreditou-se que conhecer o coacutedigo escrito era suficiente para fazer introduzir a crianccedila na

cultura escrita mas estudos e pesquisas na aacuterea da educaccedilatildeo e da linguiacutestica revelam que apenas

conhecer o coacutedigo escrito natildeo eacute suficiente para se fazer uso da liacutengua escrita nas diferentes

situaccedilotildees cotidianas e introduzir-se nessa cultura escrita

Diante disso depreende-se que a escrita e a leitura fazem parte da vida da crianccedila desde

muito cedo antes que ela comece a frequentar a escola Vigostkii (1988 p 109) ressalta que ldquoa

aprendizagem da crianccedila comeccedila muito antes da aprendizagem escolar A aprendizagem escolar

nunca parte do zero Toda aprendizagem da crianccedila na escola tem uma preacute-histoacuteriardquo Assim as

relaccedilotildees que a crianccedila pequena vai estabelecer com o escrito por meio das vivecircncias de situaccedilotildees

de leitura e de escrita mediadas pelo Outro seratildeo cruciais nesse processo de apropriaccedilatildeo da

liacutengua

A grande preocupaccedilatildeo da escola e em geral dos professores eacute formar leitores e produtores

de textos Tal preocupaccedilatildeo eacute compreensiacutevel desde a Educaccedilatildeo Infantil porque a escrita eacute um

instrumento que permite a participaccedilatildeo das pessoas na cultura letrada e proporciona-lhes o acesso

natildeo somente agraves informaccedilotildees que facilitam o seu dia a dia mas tambeacutem ao conjunto do

conhecimento registrado ao longo da histoacuteria que pode ser usado por elas para melhorar suas

vidas em qualquer lugar em que estejam (MILLER MELLO 2008 p 4)

Mas o que eacute formar o leitor e o re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Como isso

acontece na escola da pequena infacircncia4 Esta pesquisa busca responder estas perguntas na

medida em que tenta compreender como a crianccedila pode participar ativamente da cultura escrita

desde a Educaccedilatildeo Infantil e estabelecer relaccedilotildees intensas com essa cultura Esse argumento natildeo

se coaduna com a escolarizaccedilatildeo precoce da crianccedila mas sugere pensar em formas de se garantir a

ela as vivecircncias necessaacuterias e adequadas na escola de Educaccedilatildeo Infantil a interaccedilatildeo dinacircmica

com a liacutengua em seu funcionamento e o diaacutelogo com o escrito Antecipar a escolarizaccedilatildeo da

4 Por pequena infacircncia refiro-me agraves crianccedilas de 0 a 6 anos que compotildeem a Educaccedilatildeo Infantil

65

crianccedila em detrimento de vivecircncias adequadas e necessaacuterias eacute abreviar a infacircncia e desconsiderar

a crianccedila e as especificidades do aprender e do seu desenvolvimento

Para Vigotskii (1988 p110) ldquoaprendizagem e desenvolvimento natildeo entram em contato

pela primeira vez na idade escolar mas estatildeo ligados entre si desde os primeiros dias de vida da

crianccedilardquo A aceleraccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo (ZAPHOROacuteZETS 1987 MELLO 1999) e a

preocupaccedilatildeo em alfabetizar as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil ndash com ecircnfase no domiacutenio do coacutedigo

linguiacutestico sem fazer o uso social da leitura e da escrita para o cotidiano ndash faz perpetuar

procedimentos de educaccedilatildeo tecnicista (BRITTO 2005) abrevia a infacircncia e influencia todo o

desenvolvimento da inteligecircncia e da personalidade da crianccedila (MUKHINA 1996 MELLO

1999) Dessa maneira o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita natildeo a envolvem porque

satildeo destituiacutedos de sentido para ela e na maioria das vezes natildeo se tornam atividades no sentido

defendido por Leontiev (1988)

A antecipaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo eacute sustentada pela ideia de quanto mais cedo a crianccedila for

introduzida de forma sistemaacutetica nas praacuteticas da escrita quanto mais cedo assumir o estatuto de

aluno maiores seratildeo suas possibilidades de sucesso na escola na vida e no progresso tecnoloacutegico

do paiacutes Isso decorre da pressatildeo dos pais mas principalmente da formaccedilatildeo dos professores que

trabalham com a Educaccedilatildeo Infantil (MELLO 2005)

Com a escolarizaccedilatildeo precoce da crianccedila o tempo que seria ocupado com brincadeiras

faz-de-conta jogos conversa em grupo ndash em que as crianccedilas contam suas novidades comentam

experiecircncias e conferem significados agraves situaccedilotildees vividas ndash daacute lugar a exerciacutecios de escrita agrave

repeticcedilatildeo e agrave oralizaccedilatildeo de letras siacutelabas e palavras Desse modo as atividades de expressatildeo

como o desenho a pintura a brincadeira de faz-de-conta a modelagem a danccedila a muacutesica a

construccedilatildeo a poesia a proacutepria fala satildeo comumente vistas na escola como improdutivas e

desnecessaacuterias mas na verdade satildeo fundamentais para a formaccedilatildeo da identidade da inteligecircncia

e da personalidade da crianccedila e sobretudo constituem as bases para a aquisiccedilatildeo da escrita como

um instrumento cultural complexo (MELLO 2005)

66

De acordo com estas afirmaccedilotildees entende-se que a linguagem escrita se constitui como

linha acessoacuteria e natildeo como linha central do desenvolvimento da crianccedila de cinco e seis anos

Sobre isso Vygotski (1996 p 262 grifos do autor traduccedilatildeo nossa)5 explica

() em cada etapa de idade encontramos sempre uma nova forma central como

uma espeacutecie de guia para todo o processo do desenvolvimento que caracteriza a

reorganizaccedilatildeo de toda a personalidade da crianccedila sobre uma base nova Em

torno da nova formaccedilatildeo central ou baacutesica da idade dada se situam e se agrupam

as restantes novas formaccedilotildees parciais relacionadas com facetas isoladas da

personalidade da crianccedila assim como os processos de desenvolvimento

relacionados com as novas formaccedilotildees de idades anteriores Chamaremos de

linhas centrais de desenvolvimento da idade dada aos processos de

desenvolvimento que se relacionam de maneira mais ou menos imediata com a

nova formaccedilatildeo principal enquanto que todos os demais processos parciais

assim como as mudanccedilas que se produzem em cada idade receberatildeo o nome de

linhas acessoacuterias de desenvolvimento

O autor esclarece ainda que os processos que satildeo linhas centrais em uma idade se

convertem em linhas acessoacuterias de desenvolvimento na idade seguinte e vice-versa ou seja as

linhas acessoacuterias de desenvolvimento de uma idade passam a ser principais em outra porque

ldquomodifica seu significado e seu peso especiacutefico na estrutura geral do desenvolvimento muda sua

relaccedilatildeo com a nova formaccedilatildeo central Na passagem de uma etapa de idade a outra se reconstroacutei

toda sua estrutura Cada idade possui sua proacutepria estrutura especiacutefica uacutenica e irrepetiacutevelrdquo

(VYGOTSKI 1996 p 262)6

Desse modo o tiacutetulo do capiacutetulo ora apresentado eacute pertinente porque a antecipaccedilatildeo da

escolarizaccedilatildeo confere agrave crianccedila uma condiccedilatildeo de aluno na Educaccedilatildeo Infantil e natildeo de crianccedila que

aprende Ela acaba por perder o seu estatuto de crianccedila para assumir o estatuto de aluno Ao tratar

5 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1996 p 262 grifos do autor) () em cada etapa de edad encontramos

siempre una nueva formacioacuten central como una especie de guiacutea para todo el proceso del desarrollo que caracteriza la

reorganizacioacuten de toda la personalidad del nintildeo sobre una base nueva En torno a la nueva formacioacuten central o baacutesica

de la edad dada se situacutean y agrupan las restantes nuevas formaciones parciales relacionadas con facetas aisladas de la

personalidad del nintildeo asiacute como los procesos de desarrollo relacionados com las nuevas formaciones de edades

anteriores Llamaremos liacuteneas centrales de desarrollo de la edad dada a los procesos del desarrollo que se

relacionam de manera maacutes o menos inmediata com la nueva formacioacuten principal mientras que todos los demaacutes

procesos parciales asiacute como los cacircmbios que se producem en dicha edad recibiraacuten el nombre de liacuteneas accesorias de

desarrollo 6 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1996 p 262) () se modifica su significado y peso especiacutefico en la

estructura general del desarrollo cambia su relacioacuten com la nueva formacioacuten central En el paso de una etapa de edad

a outra se reconstruye toda su estructura Cada edad posee su propia estructura especiacutefica uacutenica e irrepetible

67

essa questatildeo natildeo se admite com isso um espontaneiacutesmo no processo de ensino e de

aprendizagem porque para que as aprendizagens aconteccedilam haacute sempre o adulto e o professor

que ensina e que desempenha essa funccedilatildeo haacute a orientaccedilatildeo do professor que planeja

intencionalmente seu trabalho pedagoacutegico e que medeia esse processo O que estaacute em jogo nesta

afirmaccedilatildeo eacute o fato de as praacuteticas pedagoacutegicas vivenciadas pelas crianccedilas pequenas serem

escolarizadas do Ensino Fundamental e repassadas agrave Educaccedilatildeo Infantil natildeo condizentes com os

interesses e necessidades das crianccedilas nesse periacuteodo da vida e negando as especificidades do

aprender e da sua atividade principal de cada idade (LEONTIEV 1988)

Estudos da sociologia da infacircncia afirmam que durante muito tempo a sociologia se

ocupou do aluno e natildeo da crianccedila Reconhecer a crianccedila como tal eacute percebecirc-la como sujeito

ativo competente participativo inteiro (VYGOTSKYI 1995) como ldquoseres soacutecio-histoacutericos-

geograacuteficos (estatildeo presentes em um tempo e um espaccedilo)rdquo (JUIZ DE FORA 2008 p 23) e assim

produtores e influenciadores da cultura e da sociedade Essa crianccedila ativa sujeito de suas

aprendizagens eacute capaz de opinar sobre o seu proacuteprio processo de fazer escolhas de estabelecer

relaccedilotildees de atribuir significados e de produzir sentidos Satildeo seres brincantes e coletivos que se

singularizam na vivecircncia com seus pares e com sujeitos que os cercam (JUIZ DE FORA 2008)

Ao abordar sobre o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pela

crianccedila eacute preciso apresentar a concepccedilatildeo de cultura escrita que fundamenta este trabalho

Cultura escrita eacute de todos os termos o mais amplo e que procura caracterizar

um modo de organizaccedilatildeo social cuja base eacute a escrita ndash algo que natildeo se modificou

em essecircncia mesmo com o advento das novas tecnologias resultantes do modo

de fazer ciecircncia e da organizaccedilatildeo do sistema produtivo que se constituiacuteram na

sociedade ocidental [] Cultura escrita implica valores conhecimentos modos

de comportamento que natildeo se limitam ao uso objetivo do escrito Entre os

toacutepicos proacuteprios de investigaccedilatildeo e de intervenccedilatildeo nessa aacuterea estariam a relaccedilatildeo

da escrita com o desenvolvimento a inter-relaccedilatildeo escritaoralidade as demandas

por habilidades cognitivas e o modo de produccedilatildeo atual (BRITTO 2005 p 15)

Diante desses pressupostos Britto (2005) afirma ainda que

Aiacute estaacute um desafio difiacutecil inserir a crianccedila no mundo da escrita eacute mais que

alfabetizaacute-la se entendermos por alfabetizaccedilatildeo apenas o domiacutenio do coacutedigo ou

eacute iniciar a alfabetizaccedilatildeo se compreendermos por alfabetizaccedilatildeo a inclusatildeo em um

universo cultural complexo em que a escrita aparece como mediadora de valores

68

e de formas de conhecimento Nessa loacutegica o processo de letramento

(alfabetizaccedilatildeo) comeccedila antes do ensino fundamental e natildeo se interrompe sequer

com terminalidade da escolaridade regular Letramento (ou alfabetizaccedilatildeo) nesse

sentido significa viver no mundo da escrita dominar os discursos da escrita ter

condiccedilotildees de operar com os modos de pensar e produzir da cultura escrita

(BRITTO 2005 p 17)

Ferreira (2005) concordando com as ideacuteias apresentadas acrescenta que

[] os primeiros anos devem ser aqueles que permitam que as crianccedilas

imprimam nesta sociedade escrituriacutestica a instabilidade da demarcaccedilatildeo a

estrangeiridade sem fronteiras a fabricaccedilatildeo de uma linguagem De uma

linguagem que acolhe e integra natildeo soacute sua concepccedilatildeo como instrumento de luta

ideoloacutegica como comunicaccedilatildeo ou registro de algo mas principalmente que traz

em seu modo histoacuterico e social o aspecto da constituiccedilatildeo do homem como

sujeito enraizado na coletividade no diaacutelogo de quem se produz no outro na

capacidade do indiviacuteduo de interrogar-se surpreender-se indignar-se

(FERREIRA 2005 sp)

Diante desses pressupostos inserir-se na cultura escrita eacute modificar a relaccedilatildeo com a

linguagem e com o mundo a sua volta (BERNARDIN 2003) Na medida em que a crianccedila

vivencia a experiecircncia dos objetos da cultura escrita os modos como os seus gecircneros satildeo

organizados eacute que encontraraacute sentido nela (BRITTO 2005 p 17) A condiccedilatildeo de participaccedilatildeo

na cultura escrita estaacute intimamente relacionada tanto a discursos que se elaboram em diferentes

instituiccedilotildees e em praacuteticas sociais orais e escritas quanto a muitos objetos procedimentos

atitudes como formas sociais de expressatildeo entre elas a expressatildeo em liacutengua escrita (GOULART

2006 p 450) Assim eacute possiacutevel pensar que eacute na Educaccedilatildeo Infantil que as crianccedilas devem iniciar

esse processo de inserccedilatildeo e participaccedilatildeo na cultura escrita e eacute na escola da pequena infacircncia que

se deve pensar nos modos de se promover vivecircncias para que essa inserccedilatildeo e participaccedilatildeo

ocorram de forma necessaacuteria e adequada

O processo de apropriaccedilatildeo e o de objetivaccedilatildeo da liacutengua escrita satildeo na essecircncia um uacutenico

processo o de internalizaccedilatildeo da liacutengua em seu funcionamento como conjunto siacutegnico de

interaccedilatildeo entre as pessoas Nessa perspectiva natildeo se dicotomiza alfabetizaccedilatildeo e letramento como

dois processos separados mas como um processo discursivo interativo para a humanizaccedilatildeo das

crianccedilas Ao se tratar da formaccedilatildeo leitora e escritora de textos na Educaccedilatildeo Infantil vale ressaltar

que a crianccedila aprende de uma forma especiacutefica em cada idade Para aprender eacute preciso que seja

ativa nesse processo sujeito de suas aprendizagens Aprender envolve dar sentido ao que se

69

aprende Quando a crianccedila compreende o motivo do que lhe eacute proposto e atua motivada por esse

objetivo eacute capaz de atribuir sentidos positivos agrave atividade

22 A atividade na leitura e na escrita

Leontiev (1987 1988) esclarece que o fazer humano tem sempre um objetivo e um

resultado previsto para a accedilatildeo Quando o objetivo que leva agrave accedilatildeo coincide com o resultado a

crianccedila estaacute em atividade e a atividade vai ser definida pelo grau de sentido que aquele fazer tem

para ela porque garante um profundo envolvimento emocional e cognitivo Sobre isso Leontiev

(1987 p 10) esclarece que

A base ontogeneacutetica do desenvolvimento da consciecircncia (psiquismo) do homem

eacute o desenvolvimento de sua atividade durante a realizaccedilatildeo de uma atividade

nova no sujeito surgem umas ou outras funccedilotildees novas da consciecircncia (por

exemplo quando a crianccedila de idade preescolar realiza a atividade de brincar

nele surgem funccedilotildees psiacutequicas tais como a imaginaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo

simboacutelica) A cada periacuteodo evolutivo da vida do homem lhe eacute inerente uma

atividade principal (ou guia) sobre cuja base surgem e se formam as novas

estruturas psicoloacutegicas da idade dada (LEONTIEV 1987 p 10 grifos do autor

traduccedilatildeo nossa)7

A atividade principal eacute a atividade pela qual a crianccedila melhor se relaciona com o mundo

fiacutesico com o mundo dos objetos com que ela organiza e reorganiza os processos de pensamento

de memoacuteria e eacute por ela que a crianccedila promove as mudanccedilas mais significativas nos processos

psiacutequicos e nos traccedilos da sua personalidade

Nessa perspectiva os fazeres propostos para as crianccedilas pela escola tem mais

possibilidades de se estabelecerem como atividades quanto maior for a participaccedilatildeo da crianccedila na

escola e quando o professor criar necessidades humanizadoras ndash necessidade de conhecer de se

expressar de se sentir parte integrante do grupo ndash ao trazer elementos para dar corpo agrave atividade

(MELLO 2005) Nesse processo o professor da infacircncia pode considerar as regularidades do

desenvolvimento infantil e perceber os periacuteodos sensitivos nesse desenvolvimento Vygotski

7 Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV 1987 p 10) La base ontogeneacutetica del desarrollo de la consciencia

(psiquis) del hombre es el desarrollo de su actividad durante la realizacioacuten de una actividad nueva en el sujeto

surgen unas u otras funciones nuevas de la consciencia (por ejemplo cuando el nintildeo de edad preescolar realiza la

actividad de juego en eacutel surgen funciones psiacutequicas tales como la imaginacioacuten y la sustituicioacuten simboacutelica) A cada

periacuteodo evolutivo de la vida del hombre le es inherente una actividad principal (o rectora) sobre cuya base surgen y

se forman las nuevas estructuras psicoloacutegicas de la edad dada

70

(1995) considera que a intervenccedilatildeo do professor sobre o processo de desenvolvimento das

crianccedilas seraacute mais adequada se considerar o momento do desenvolvimento psiacutequico e cultural A

influecircncia da educaccedilatildeo sobre determinada funccedilatildeo psiacutequica seraacute mais efetiva no momento em que

esta funccedilatildeo estiver em desenvolvimento porque este seraacute o momento adequado para influenciar e

potencializar seu desenvolvimento em vez de ser quando uma determinada funccedilatildeo natildeo tem ainda

as bases necessaacuterias para o seu desenvolvimento ou em contrapartida quando uma funccedilatildeo jaacute estaacute

plenamente desenvolvida porque isso implicaria retomar um desenvolvimento jaacute cristalizado

desfazer processos e recuperar desvios (MELLO 2005) Diante do exposto cabe ao professor da

infacircncia considerar as regularidades do desenvolvimento infantil conhecer suas especificidades e

perceber os periacuteodos sensitivos do desenvolvimento Desse modo consideraraacute a forma de

atividade por meio da qual a crianccedila se apropria do mundo nas diferentes etapas do seu

desenvolvimento

Esse pressuposto eacute crucial para o entendimento do processo de ensino e de aprendizagem

desde a Educaccedilatildeo Infantil e assim da apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pela crianccedila pequena

foco desse trabalho Natildeo se trata somente de oferecer grande quantidade de informaccedilotildees porque

isso natildeo garante a apropriaccedilatildeo dessas informaccedilotildees O que se enfatiza satildeo as relaccedilotildees que vatildeo

estabelecer com essas informaccedilotildees e ainda a maneira pela qual estas relaccedilotildees seratildeo mediadas

pelo professor ou por outros

Nesse contexto o processo de ensino e de aprendizagem eacute um diaacutelogo que se estabelece

entre a crianccedila e a cultura Ela natildeo se apropriaraacute da leitura e da escrita somente porque pais e

professores desejam ou porque os professores datildeo tarefas de reproduccedilatildeo repetitiva de grafar as

letras e de oralizaacute-las mas porque poderatildeo se apropriar da leitura e da escrita quando fizerem

sentido para elas quando conviverem com esses atos de forma dialoacutegica e dinacircmica quando o

resultado responde a uma necessidade criada

Nesses processos de ensino aprendizagem e de desenvolvimento entende-se que o sujeito

aprende historicamente num dado contexto cultural dentro das condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo

de que participa (LEONTIEV 1988) e nas relaccedilotildees que estabelece com o outro porque se

constitui nessa relaccedilatildeo Essa afirmaccedilatildeo na perspectiva da Teoria Histoacuterico-Cultural estaacute em

consonacircncia com a concepccedilatildeo bakhtiniana Bakhtin (1992) esclarece que o sujeito se constitui

socialmente por meio de suas interaccedilotildees e de seus diaacutelogos O princiacutepio baacutesico da filosofia

71

bakhtiniana se encontra nessa proposiccedilatildeo ou seja a de o sujeito se constituir na relaccedilatildeo com o

outro

Ao abordar neste trabalho o pressuposto de que as relaccedilotildees com a escrita devem ser

dialoacutegicas e dinacircmicas me apoio na concepccedilatildeo de diaacutelogo para Bakhtin e seu ciacuterculo 8

23 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da liacutengua

A palavra diaacutelogo eacute comumente usada para designar uma determinada forma

composicional em narrativas escritas representando a conversa dos personagens ou ainda para

designar a sequecircncia de fala dos personagens no texto dramaacutetico bem como o desenrolar da

conversaccedilatildeo na interaccedilatildeo face a face (FARACO 2009 p 60) Bakhtin e seu ciacuterculo natildeo assumem

essas posiccedilotildees O diaacutelogo concreto (a conversaccedilatildeo cotidiana a discussatildeo cientiacutefica o debate

poliacutetico entre outros) as relaccedilotildees entre reacuteplicas de tais diaacutelogos satildeo apenas tipos mais simples e

mais visiacuteveis de relaccedilotildees dialoacutegicas mas essas relaccedilotildees natildeo coincidem com as relaccedilotildees entre as

reacuteplicas do diaacutelogo concreto ndash ldquoelas satildeo muito mais amplas mais variadas e mais complexasrdquo

(BAKHTIN 19591960 p 124 apud FARACO 2009 p 61)

As relaccedilotildees dialoacutegicas satildeo relaccedilotildees entre iacutendices sociais de valor que constituem parte

inerente de todo enunciado entendido natildeo mais como unidade da liacutengua mas como unidade da

interaccedilatildeo social ldquonatildeo como um complexo de relaccedilotildees entre palavras mas como um complexo de

relaccedilotildees entre pessoas socialmente organizadasrdquo (FARACO 2009 p 66)

Eacute nesse encontro do eu com o outro que o sujeito se constitui Eacute na relaccedilatildeo do sujeito com

os gecircneros do discurso com o professor com seus pares com a cultura que a crianccedila pequena

inicia esse processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua Eacute na alteridade que o sujeito se reconhece como

tal ldquoque nos potildee diante da inescapaacutevel buscaencontro com o Outro desde o bdquooutro-de-mim‟ ateacute

o Outro que bdquonatildeo sou eu‟ (MIOTELLO 2012 p 12)

O ser se reflete no outro refrata-se A partir do momento que o indiviacuteduo se

constitui ele tambeacutem se altera constantemente E esse processo natildeo surge de

sua proacutepria consciecircncia eacute algo que se consolida socialmente atraveacutes das

8 Segundo Faraco (2009 p 13) por ciacuterculo de Bakhtin entende-se um grupo de intelectuais (boa parte nascida por

volta da metade de 1890) que se reuniu regularmente de 1919 a 1929 primeiro em Nevel e Vitebsk e depois em Satildeo

Petersburgo (agrave eacutepoca rebatizada de Leningrado) Esse grupo era constituiacutedo por pessoas de diversas formaccedilotildees

interesses intelectuais e atuaccedilotildees profissionais que se dedicaram ao estudo de diferentes temas principalmente

relacionados agrave filosofia e agrave linguagem

72

interaccedilotildees das palavras dos signos Constituiacutemo-nos e nos transformamos

sempre atraveacutes do outro Eacute isso tambeacutem que move a liacutengua (GRUPO DE

ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p13 grifos dos

autores)

O trabalho ora apresentado busca compreender esse processo inicial de apropriaccedilatildeo da

leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos e coloca-as em contato direto com textos

quer seja em situaccedilotildees de leitura quer seja em situaccedilotildees de escrita e nesse contexto os textos

lidos e re-criados sempre tinham um destinataacuterio real o outro

Esse processo de participaccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita e de apropriaccedilatildeo da liacutengua

materna ocorreu dentro de um trabalho pedagoacutegico intencionalmente planejado com os gecircneros

discursivos Os gecircneros do discurso satildeo ldquotipos relativamente estaacuteveis de enunciadosrdquo que

produzidos nas diferentes esferas de utilizaccedilatildeo da liacutengua organizam o discurso em outras

palavras em cada esfera de atividade social os falantes utilizam a liacutengua de acordo com gecircneros

especiacuteficos (BAKHTIN 2003) Sem eles a comunicaccedilatildeo seria praticamente impossiacutevel pois a

liacutengua soacute pode se manifestar pelo gecircnero Como a variedade da atividade humana eacute cada vez

maior a diversidade dos gecircneros tambeacutem se amplia e se transforma na medida em que essa

atividade se desenvolve e se amplia (BAKHTIN 2003)

Desse modo os gecircneros discursivos satildeo estaacuteveis e mutaacuteveis ao mesmo tempo Satildeo

estaacuteveis porque conservam traccedilos que os identificam e satildeo mutaacuteveis porque estatildeo em constante

transformaccedilatildeo pois se datildeo nas trocas na relaccedilatildeo com o outro e se alteram a cada vez que satildeo

empregados a ponto de haver casos em que um gecircnero se transforma em outro (SOBRAL 2009

p 115)

Haacute alguns aspectos dentro do caraacuteter estaacutevel-dinacircmico dos gecircneros que precisam ser

considerados O gecircnero possui uma loacutegica orgacircnica em outras palavras natildeo haacute algo que venha

de fora se impor a ele mas uma ldquoaccedilatildeo generificante criadora de suas caracteriacutesticas como

gecircnerordquo (SOBRAL 2009 p 117) O gecircnero tem certo ldquotomrdquo certa ldquolinguagemrdquo que natildeo devem

ser confundidos com foacutermulas fixas ainda que alguns gecircneros possam ser ldquoformulaicosrdquo

(SOBRAL 2009 p 117) Aleacutem disso a loacutegica dos gecircneros natildeo eacute abstrata porque se manifesta

em cada variedade nova em cada nova obra e portanto o gecircnero natildeo eacute riacutegido em sua

normatividade mas dinacircmico e concreto ldquoO gecircnero traz o novo (a singularidade a

impermanecircncia) articulado ao mesmo (a generalidade a permanecircncia) porque natildeo eacute uma

73

abstraccedilatildeo normativa mas um vir-a-ser concreto cujas regras supotildeem uma dada regularidade e natildeo

uma fixidezrdquo (SOBRAL 2009 p 117-118)

Essas ideias sobre o conceito de gecircneros do discurso se vinculam ao movimento com uma

percepccedilatildeo global da arquitetocircnica bakhtiniana em que eacute desenvolvivda a compreensatildeo sobre

totalidade-estabilidade em que a relativa estabilidade de um gecircnero estaria relacionada a sua

historicidade passada (memoacuteria do passado) Os enunciados e seus tipos ou seja os gecircneros

discursivos ldquosatildeo o retrato dos usos jaacute feitos anteriormente em vaacuterias atividades humanas e satildeo a

memoacuteria e o acuacutemulo da histoacuteria de suas utilizaccedilotildeesrdquo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS

DO DISCURSO 2009 p 50 grifos dos autores) Disso depreende-se que os enunciados se

constituem gradativamente em tipos e formas mais consistentes para uso em esferas especiacuteficas

com estilos especiacuteficos temas especiacuteficos e assim se compotildeem com formas especiacuteficas Esses

enunciados relativamente estaacuteveis se constituem ainda ldquocomo lugar de emergecircncia dos sentidos

histoacutericos das comunicaccedilotildees existentes em determinados contextos e com determinadas

significaccedilotildeesrdquo e tambeacutem mantecircm vivas aquelas significaccedilotildees jaacute socialmente consolidadas

(GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p 50)

O conceito de gecircnero discursivo dentro da concepccedilatildeo bakhtiniana requer ainda que se

desenvolva a compreensatildeo sobre a singularidade-instabilidade Essa compreensatildeo se vincula agrave

possibilidade de os gecircneros estarem sempre em movimento se atualizarem se modificarem Isso

se deve ao fato de os gecircneros serem criados nas relaccedilotildees sociais e de o sujeito ter sempre uma

atitude responsiva e de esse trabalho responsivo instabilizar o gecircnero a cada vez que determinado

enunciado eacute empregado em determinada atividade humana Afirma-se ainda que

Esse movimento natildeo nega a historicidade do sentido nem o tipo e a forma jaacute

relativamente estabilizada mas a movimenta para novas possibilidades

instaurando novas formas e novos tipos de enunciados relacionando com tipos e

formas que satildeo usualmente empregados em outras atividades humanas esse

movimento relaciona gecircneros joga um dentro de outro obriga enunciados a

frequumlentar novas atividades e significaacute-las e ao mesmo tempo renova o gecircnero

dentro do qual se enuncia Esse trabalho dialoacutegico responsivo centrado na

alteridade estaacute sempre prenhe de perspectivas e buscas por completudes de

sentidos de identidades de relaccedilotildees sociais sempre inconclusas Esse trabalho

responsivo instaura a renovaccedilatildeo do gecircnero veste novos temas sobre

significaccedilotildees histoacutericas dos enunciados e das palavras faz com que o estilo do

gecircnero se conflite com o estilo individual e vice-versa reconfigura sua

composiccedilatildeo formal (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO

DISCURSO 2009 p 51-52)

74

No percurso que vai do dialogismo ao gecircnero haacute uma mesma concepccedilatildeo diferenccedila ndash

semelhanccedila mudanccedila ndash estabilidade estatildeo em constante tensatildeo no aqui e agora e ao longo do

tempo uma vez que para o Ciacuterculo no mundo humano o ldquoabsolutamente novordquo eacute tatildeo

inconcebiacutevel quanto o ldquoabsolutamente mesmordquo O ldquoabsolutamente novordquo pressuporia sujeitos que

conhecessem tudo o que existe para entatildeo criaacute-lo ou identificaacute-lo O ldquoabsolutamente mesmordquo

pressuporia a total imutabilidade do mundo humano a proacutepria indistinccedilatildeo Dessa forma a

articulaccedilatildeo entre repetiacutevel e o irrepetiacutevel a atividade em geral e os atos especiacuteficos dessa

atividade presentes na concepccedilatildeo do ato percorrem todo esse percurso do dialogismo ao gecircnero

(SOBRAL 2009)

Dentro dessa perspectiva cabe lembrar que o gecircnero eacute uma categoria discursiva da ordem

do enunciado Bakhtin (2003 p 268) afirma que

Os enunciados e seus tipos isto eacute os gecircneros discursivos satildeo correias de

transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagem Nenhum

fenocircmeno novo (foneacutetico leacutexico gramatical) pode integrar o sistema da liacutengua

sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentaccedilatildeo e

elaboraccedilatildeo de gecircneros e estilos

Essa afirmaccedilatildeo se encontra em consonacircncia com a tese segundo a qual as crianccedilas se

apropriam da liacutengua escrita por meio dos gecircneros discursivos quando o professor apresenta a elas

os gecircneros de modo a levaacute-las a interagir e a estabelecer relaccedilotildees intensas com eles Essa tese se

fundamenta na premissa de que ldquoo emprego da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e

escritos) concretos e uacutenicos proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade

humanardquo (BAKHTIN 2003 p 261) A comunicaccedilatildeo humana soacute eacute possiacutevel porque dominamos os

gecircneros empregados naquela atividade verbal ldquoE quanto mais os dominamos mais livres nos

sentimos no seu uso ndash um uso que eacute tambeacutem renovaccedilatildeo pelos diaacutelogos com outros gecircneros ndash e

nas construccedilotildees de sentidos possiacuteveis que nosso projeto de dizer possibilita no jogo com o outro

que tambeacutem se comunica comigordquo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO

2009 p 52)

Ao considerar esses pressupostos afirma-se que eacute desde a Educaccedilatildeo Infantil que a

apresentaccedilatildeo e o ensino de diferentes gecircneros discursivos podem ocorrer de forma dialoacutegica uma

vez que as crianccedilas satildeo capazes de aprender a ter uma atitude responsiva de refletir refratar ou

refutar aquilo que veem ouvem percebem pensam e essa atitude diante do conhecimento da

75

leitura e da escrita contribuiraacute para que elas se constituam como leitoras e re-criadoras de textos

As crianccedilas na pequena infacircncia satildeo capazes de estabelecer relaccedilotildees com os gecircneros seus

elementos constitutivos para iniciarem o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua de forma interativa

Para maior compreensatildeo dos dados analisados a partir do proacuteximo item deste capiacutetulo vale

ainda esclarecer que para Bakhtin (2003) os gecircneros se dividem em dois grupos gecircneros

primaacuterios e gecircneros secundaacuterios Os gecircneros primaacuterios satildeo considerados mais simples em sua

composiccedilatildeo satildeo mais cotidianos ldquose formam nas condiccedilotildees da comunicaccedilatildeo discursiva

imediatardquo (BAKHTIN 2003 p263) Os gecircneros secundaacuterios satildeo mais complexos mais

elaborados e ldquosurgem nas condiccedilotildees de um conviacutevio cultural mais complexo e relativamente mais

desenvolvido e organizadordquo (BAKHTIN 2003 p 263) e se estabelecem ldquocomo relacionais entre

si numa troca infinita de sentidos e renovando continuamente os gecircnerosrdquo (GRUPO DE

ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p 52) Os gecircneros discursivos secundaacuterios

em seu processo de formaccedilatildeo incorporam e reelaboram os diversos gecircneros primaacuterios Esses

gecircneros primaacuterios por sua vez integram os complexos ldquoaiacute se transformam e adquirem um

caraacuteter especial perdem o viacutenculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais

alheiosrdquo (BAKHTIN 2003 p 263)

Os gecircneros discursivos possuem trecircs elementos ndash o conteuacutedo temaacutetico o estilo e a

construccedilatildeo composicional Esses trecircs elementos estatildeo indissoluvelmente ligados no todo do

enunciado e satildeo igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da

comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 2003) O conteuacutedo temaacutetico ou tema natildeo eacute simplesmente ldquoassuntordquo ou

ldquotoacutepicordquo mas sentido concreto contextual Pode existir um nuacutecleo comum que permanece em

todos os usos mas os contextos as situaccedilotildees de uso o alteram imprimindo a uma determinada

palavra novos sentidos A construccedilatildeo composicional ou forma de composiccedilatildeo ldquovinculada com a

forma arquitetocircnica que eacute determinada pelo projeto enunciativo do locutor natildeo se confunde com

um artefato ou forma riacutegida porque pode se alterar de acordo com as alteraccedilotildees dos projetos

enunciativosrdquo (SOBRAL 2009 p 118) O estilo eacute um aspecto do gecircnero que indica sua

mutabilidade ldquoEle eacute a um soacute tempo expressatildeo da comunicaccedilatildeo discursiva especiacutefica do gecircnero e

expressatildeo pessoal mas natildeo subjetiva do autor ao criar uma nova obra no acircmbito de um gecircnerordquo

(SOBRAL 2009 p 118)

Diante desses pressupostos apresento a anaacutelise dos discursos proferidos por professores e

crianccedilas na tentativa de estabelecer um diaacutelogo entre eles Por meio da anaacutelise dos registros dos

76

discursos das accedilotildees observadas e das atitudes proponho-me a interpretar e a complementar o que

os dados aparentam revelar

24 O que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os conceitos das professoras

Ao se olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita com as

crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil e sobre a sua inserccedilatildeo e participaccedilatildeo na cultura escrita percebe-se

que os conceitos que os professores tem de crianccedila de infacircncia de leitura e de escrita direcionam

as praacuteticas educativas nas escolas e nas instituiccedilotildees dedicadas agrave educaccedilatildeo de zero a seis anos

Tais conceitos orientam o fazer pedagoacutegico dos professores embora nem sempre os professores

estejam cientes disso Esse fato revela uma ampliaccedilatildeo na garantia de se promover situaccedilotildees de

aprendizagem mais adequadas e necessaacuterias ou do contraacuterio uma limitaccedilatildeo nessas possibilidades

quando essas praacuteticas ficam enraizadas em conceitos que determinam uma educaccedilatildeo destituiacuteda da

intencionalidade que criaria o interesse de aprender

A seguir apresento alguns registros desses conceitos Como exposto no capiacutetulo I as

entrevistas foram com professoras dos sujeitos da pesquisa nos quatro anos anteriores da turma

de Infantil II de 2010 Seratildeo designadas da seguinte forma PB (Professora do Berccedilaacuterio) PM I

(Professora do Maternal I) PM II (Professora do Maternal II) PI I (Professora do Infantil I) A

pesquisadora seraacute designada somente pela letra P

Ao serem questionadas sobre em qual momento julgam mais adequado iniciar o processo

de ensino de aprendizagem da leitura e da escrita com as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil assim se

manifestam

PB

P PB em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera que seja mais

importante ou mais adequado na verdade para iniciar o ensino ou aprendizagem

da leitura e da escrita E por quecirc

PB seria no processo ou no comeccedilo

P na Educaccedilatildeo Infantil em que momento vocecirc acha que

PB momento com que idade vocecirc quer falar

P eacute ou idade ou que turma poderia acontecer de uma forma

PB somente no Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor

para trabalhar isso que eles jaacute estavam bem maduros neacute

P eles jaacute tinham seis anos

PB tinha seis anos

77

P eles completavam com a gente (refere-se agraves crianccedilas que completavam seis

anos ainda Educaccedilatildeo Infantil)

PB entatildeo vocecirc ia passando uma coisa vocecirc via a resposta neacute agora cinco anos

tem crianccedila que natildeo estaacute maduro psicologicamente neacute elas precisam de algum

tempinho a mais entatildeo eu acho que aiacute tem um pouquinho neacute demora um

pouquinho mais natildeo concordo muito natildeo eu acho que com seis anos que

deve comeccedilar a gente pode comeccedilar antes elas conhecem as letras mas natildeo

eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute mas mais

mesmo eacute com seis anos

PB eacute professora haacute treze anos e sua experiecircncia docente sempre foi na Educaccedilatildeo Infantil

Alguns dados revelam que para PB o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita satildeo mais

adequados a partir do Infantil II (crianccedilas de 5 anos) ou do antigo Preacute III (crianccedilas de seis anos)

Dessa forma PB parece entender que o ensino e a aprendizagem soacute eacute possiacutevel de serem iniciados

a partir dessas turmas nessas idades ou seja que o trabalho pedagoacutegico com a leitura e a escrita

se faz mais eficaz quando a crianccedila tem essas idades Isso se verifica quando diz ldquo somente no

Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor para trabalhar isso que eles

estavam mais maduros neacuterdquo Essa fala denota restriccedilatildeo da possibilidade do trabalho pedagoacutegico

com a leitura e a escrita nos primeiros anos da crianccedila pequena na escola ainda que esse trabalho

seja orientado de forma a respeitar as regularidades do desenvolvimento infantil e seus interesses

especiacuteficos Pode ainda limitar por meio das situaccedilotildees educativas propostas a possibilidade de

colocar a crianccedila em contato com a cultura escrita de forma ativa e de criar nela a necessidade de

ler e de escrever

A ideia de estar ldquomais madurosrdquo traz em seu bojo a compreensatildeo de que a crianccedila precisa

estar ldquoprontardquo para aprender e remete ao princiacutepio de que existe a necessidade de maturaccedilatildeo de

estar biologicamente preparada para essas aquisiccedilotildees PB reitera o conceito de que a crianccedila tem

que estar madura para aprender quando revela ldquo agora cinco ou seis anos tem crianccedila que natildeo

estaacute madura neacute elas precisam de um tempinho a maisrdquo e ainda completa ldquoeu acho que com

seis anos que deve comeccedilarrdquo

Essas ideias natildeo se coadunam com os pressupostos teoacutericos defendidos nesse trabalho de

acordo com a Teoria Histoacuterico-Cultural preconizada por Vygotski e seus colaboradores Sobre

isso Vygotski esclarece que

A tarefa que se coloca hoje para a psicologia eacute a de captar a peculiaridade real da

crianccedila em toda sua plenitude e riqueza de expansatildeo e apresentar o positivo de

78

sua personalidade Entretanto o positivo soacute aparece se modificarmos

radicalmente a concepccedilatildeo de desenvolvimento infantil e se compreendermos que

se trata de um complexo dialeacutetico que se caracteriza por uma complicada

periodicidade pela desproporccedilatildeo no desenvolvimento das diferentes funccedilotildees

pelas metamorfoses ou transformaccedilatildeo qualitativa de umas formas em outras um

entrelaccedilamento complexo de processos evolutivos e involutivos o complexo

entrecruzamento de fatores externos e internos um complexo processo de

superaccedilatildeo de dificuldade e de adaptaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 141 traduccedilatildeo

nossa)9

Disso decorre o conceito de que desenvolvimento infantil apresentado por PB natildeo estaacute em

concordacircncia com a concepccedilatildeo de desenvolvimento que fundamenta este trabalho Para PB o

desenvolvimento infantil e por conseguinte a aprendizagem satildeo biologicamente determinados

O desenvolvimento prepara as condiccedilotildees para a aprendizagem e nesse caso a crianccedila primeiro se

desenvolve para poder depois aprender em desenvolvimento natural

A Teoria Histoacuterico-Cultural daacute lugar agrave concepccedilatildeo da materialidade dos processos

psiacutequicos Natildeo haacute a biologizaccedilatildeo desses processos mas a materialidade deles O

desenvolvimento eacute condicionado pelas condiccedilotildees concretas de vida e educaccedilatildeo e assim o

desenvolvimento decorre de processos de aprendizagem

As ideias da professora do Maternal I (PM I) e da professora do Maternal II (PM II) no

que se refere aos conceitos sobre desenvolvimento infantil de ensino e de aprendizagem e de

crianccedila compactuam com as ideias da professora do Berccedilaacuterio (PB)

PM I

P PM I em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita e por quecirc

PM I olha eu acho assim como eu trabalho sempre com crianccedilas pequenas

com faixa etaacuteria menor assim vocecirc fala assim Eacute ESSE O MOMENTO

P certo

PM I vocecirc vai mantendo a crianccedila em contato com a escrita com a leitura

vocecirc vai oferecendo materiais faz uma releitura (refere-se ao fato de

reconstruir a histoacuteria oralmente) vocecirc trabalha com eles a oralidade e a crianccedila

9 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 141) La tarea que se plantea hoy diacutea a la psicologiacutea es la de captar la

peculiaridad real de la conducta del nintildeo en toda su plenitud y riqueza de expansioacuten y presentar el positivo de su

personalidad Sin embargo el positivo puede hacerse tan soacutelo en el caso de que se modifique de raiacutez la concepcioacuten

sobre el desarrollo infantil y se comprenda que se trata de un complejo proceso dialeacutectico que se distingue por una

complicada periodicidad la desproporcioacuten en el desarrollo de las diversas funciones las metamorfosis o

transformacioacuten cualitativa de unas en otras un entrelazamiento complejo de procesos evolutivos e involutivos el

complejo cruce de factores externos e internos un complejo proceso de superacioacuten de dificultades y de adaptacioacuten

79

vai aos poucos despertando o interesse e tem tambeacutem cada um tem o seu

momento neacute tem crianccedila que estaacute mais aleacutem tem crianccedila que tem o momento

dela que vai despertar cada um tem o seu momento-chave eacute agora

PM II

P em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita

PM II ah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo

mais prontas jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute

reconhecem mais raacutepido jaacute entendem melhor o que a gente ensina se bem

que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar antes no maternal mas no Infantil

II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra ao som

conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou

mostrando trabalho muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu

vou oferecendo mais vou puxando sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro

demais pra elas

Inicialmente PM I declara que o trabalho pedagoacutegico de inserir a crianccedila na cultura escrita

acontece mesmo com as crianccedilas pequeninas quando estatildeo no Maternal I que eacute a turma em que

geralmente trabalha Isto se verifica quando enfatiza ao responder que o momento de se iniciar o

ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo Infantil eacute o momento em que se estaacute

ldquoEacute ESSE O MOMENTOrdquo Admite que manteacutem a crianccedila em contato com a escrita ao oferecer

materiais ao reconstruir oralmente uma histoacuteria ao conversar sobre essa histoacuteria No entanto

conclui que cada crianccedila tem seu momento em que ela vai ldquodespertarrdquo cada crianccedila tem o seu

ldquomomento-chaverdquo

A anaacutelise desses dados sugere em contrapartida que PM I descarta as vivecircncias da crianccedila

as situaccedilotildees de leitura e de escrita intencionalmente planejadas pelo professor bem como as

mediaccedilotildees que ocorrem nesse processo como fatores que interferem decisivamente nas

aprendizagens Dessa forma para PM I as condiccedilotildees bioloacutegicas determinam o desenvolvimento

e a aprendizagem

PM II declara que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita deve ser iniciado nos

uacuteltimos anos da Educaccedilatildeo Infantil pelo fato de as crianccedilas estarem ldquomais prontasrdquo ldquojaacute entendem

melhor o que a gente ensinardquo PM II tambeacutem revela indiacutecios de como realiza seu trabalho com a

leitura e com a escrita Apoia-se em letras palavras e na relaccedilatildeo letra-som grafema e fonema ldquo

jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepidordquo E continua

mas no Infantil II para as crianccedilas fica mais faacutecil elas jaacute relacionam a letra ao som conseguem

80

perceber issordquo Essa fala remete ao conceito de leitura e de escrita como codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos e revela um conceito redutor do processo de apropriaccedilatildeo da

liacutengua

O problema natildeo reside no fato de as crianccedilas se alfabetizarem ainda na Educaccedilatildeo Infantil

mas na forma como isso eacute conduzido de forma fragmentada em que a teacutecnica se sobrepotildee agrave

criaccedilatildeo de sentidos e ao desejo de expressatildeo Parece ser justo que as crianccedilas sejam alfabetizadas

dentro de propostas pedagoacutegicas consistentes e organizadas mas eacute preciso ter clareza de que

alfabetizar natildeo eacute aprender o domiacutenio de uma teacutecnica mas ao contraacuterio eacute pocircr o sujeito no mundo

da escrita de modo que ele possa transitar pelos discursos ter condiccedilotildees de operar criticamente

com os modos de pensar e co-criar a cultura escrita (BRITTO 2005)

Ao analisar esses dados de acordo com a perspectiva teoacuterica baseada na Teoria Histoacuterico-

Cultural ressalta-se que o sujeito eacute um ser social porque todas as suas produccedilotildees humanas que se

encontram fora das pessoas e que constituem o requisito fundamental para a humanizaccedilatildeo das

novas geraccedilotildees satildeo produtos da vida social Em outras palavras ldquoo que caracteriza a atividade

humana enquanto uma atividade social natildeo eacute o fato do indiviacuteduo agir de forma imediatamente

coletiva mas sim o fato de que os elementos constitutivos da atividade satildeo objetivaccedilotildees sociaisrdquo

(DUARTE1993 p77)

Vygotsky introduziu na Psicologia a ideia de que o principal mecanismo do

desenvolvimento psiacutequico na crianccedila eacute o mecanismo da apropriaccedilatildeo das diferentes espeacutecies e

formas sociais de actividade historicamente constituiacuteda (LEONTIEV 1978 p 155) e essa

categoria se contrapotildee ao conceito de adaptaccedilatildeo e equilibraccedilatildeo para explicar o desenvolvimento

do psiquismo Para Leontiev (1978 p 320)

[] A apropriaccedilatildeo eacute um processo que tem por resultado a reproduccedilatildeo pelo

indiviacuteduo de caracteres faculdades e modos de comportamento humanos

formados historicamente Por outros termos eacute o processo graccedilas ao qual se

produz na crianccedila o que no animal eacute devido agrave hereditariedade a transmissatildeo ao

indiviacuteduo das aquisiccedilotildees do desenvolvimento da espeacutecie

Isto posto o conceito de desenvolvimento apresentado pelas professoras entrevistadas se

distancia dos pressupostos que fundamentam essa pesquisa O desenvolvimento humano e a

aprendizagem natildeo satildeo determinados pela heranccedila bioloacutegica simplesmente embora as

caracteriacutesticas bioloacutegicas hereditaacuterias da crianccedila sejam apenas a condiccedilatildeo necessaacuteria da formaccedilatildeo

81

das faculdades e funccedilotildees (LEONTIEV 1987 p 320) A anaacutelise das falas das professoras denota

ainda o conceito que possuem de crianccedila um ser passivo e incapaz quando exprimem a ideia de

que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita satildeo mais adequados quando a crianccedila estaacute

mais madura supostamente mais apta para compreender e aprender capaz de estabelecer

relaccedilotildees

A concepccedilatildeo de crianccedila defendida neste trabalho eacute a de crianccedila como ser capaz

competente ativo e sujeito de suas aprendizagens (VYGOTSKI 1995 MELLO 1997) A

crianccedila eacute desde pequena capaz de se relacionar com as pessoas com os objetos com o mundo a

sua volta

[] crianccedila como algueacutem que experimenta o mundo que se sente uma parte do

mundo desde o momento do nascimento uma crianccedila que estaacute cheia de

curiosidade cheia de desejo de viver uma crianccedila que tem muito desejo e

grande capacidade de se comunicar desde o iniacutecio da vida uma crianccedila que eacute

capaz de criar mapas para sua proacutepria orientaccedilatildeo simboacutelica afetiva cognitiva

social e pessoal Por causa de tudo isso uma crianccedila pequena pode reagir com

um competente sistema de habilidades estrateacutegias de aprendizagem e formas de

organizar seus relacionamentos (RINALDI 2002 p 76 ndash 77)

Ao se considerar as contribuiccedilotildees de Vygotskii e de estudiosos da teoria ressalta o

princiacutepio de que a apropriaccedilatildeo da escrita implica modificaccedilotildees profundas nos processos

psiacutequicos A forma como a escrita eacute apresentada desde cedo as vivecircncias com e na cultura escrita

e a relaccedilotildees que a crianccedila vai estabelecer com essa cultura satildeo cruciais nesse processo e natildeo se

devem somente ao fato de ela estar biologicamente preparada Quanto a isso Vygotskii esclarece

que

Aprender a usar uma maacutequina de escrever significa na realidade estabelecer um

certo nuacutemero de haacutebitos que por si soacutes natildeo alteram absolutamente as

caracteriacutesticas psicointelectuais do homem Uma aprendizagem deste gecircnero

aproveita um desenvolvimento jaacute elaborado e completo e justamente por isso

contribui muito pouco para o desenvolvimento geral

O processo de aprender a escrever eacute muito diferente Algumas pesquisas

demonstraram que este processo ativa uma fase de desenvolvimento dos

processos psicointelectuais inteiramente nova e muito complexa e que o

aparecimento desses processos origina uma mudanccedila radical das caracteriacutesticas

gerais psicointelectuais da crianccedila da mesma forma aprender a falar marca

uma etapa fundamental na passagem da infacircncia para a pueriacutecia (VYGOTSKII

1988 p 116)

82

A aprendizagem da escrita provoca um salto qualitativo no desenvolvimento da

inteligecircncia de quem aprende a ler e a escrever uma vez que essa aprendizagem amplia e

desenvolve os mecanismos cerebrais usados para pensar porque a escrita eacute um instrumento

cultural complexo

PB aparenta revelar que a inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita por meio de um trabalho

pedagoacutegico pode comeccedilar antes que tenha cinco ou seis anos como se verifica nessa fala ldquo a

gente (refere-se aos professores) pode comeccedilar antes elas conhecem as letras mas natildeo eacute uma

coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute Mas mais mesmo eacute com seis

anosrdquo Se por um lado essas falas de PB aparentam reconhecer que a Educaccedilatildeo Infantil natildeo eacute

responsaacutevel por alfabetizar quando afirma que ldquonatildeo eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa naturalrdquo

por outro lado essa espontaneidade e naturalidade natildeo podem implicar uma visatildeo simplista de

deixar que a crianccedila aprenda sozinha no tempo em que estiver com maturidade suficiente para tal

A crianccedila na escola da infacircncia tem necessidade de viver experiecircncias que contribuam para que

estabeleccedila relaccedilotildees positivas com o conhecimento e crie para si novas necessidades inclusive a

de ler e de escrever (MELLO 2005)

A professora do Infantil I (PI I) tambeacutem eacute professora do Ensino Fundamental do 1ordm ao 5ordm

ano haacute vinte e dois anos e meio (no periacuteodo da manhatilde) e possui cinco anos e meio de experiecircncia

docente na Educaccedilatildeo Infantil (no periacuteodo da tarde) Das professoras participantes esta eacute a uacutenica

que possui experiecircncia em outro segmento da educaccedilatildeo no Ensino Fundamental

PI I

P que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita

PI I que momento

P Eacute

PI I eu acho jaacute no Infantil I daacute porque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as

muacutesicas e eles jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves

vezes eu falo pra eles onde estaacute escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala

que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o siacutembolo da palavra jaacute percebe

pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a palavra antes de eu

mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra entatildeo eu

acho que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem

letras iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute

daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute quando eles vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu

vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com o dedinho cantando e vai assim o dedinho

(faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em linha reta da esquerda para

a direita como a indicar leitura) entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute

83

comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo

tendo contato com a escrita neacute

P certo

PI I eu acho que tudo jaacute comeccedila a aprendizagem dali neacute minha sobrinha tem

um ano e meio e coloco-a no computador jaacute a coloco na letrinha como ela

adora BARBIE (nome de uma boneca) o site da BARBIE ela procura qual

eacute o B no teclado e comeccedilo perguntando qual eacute o B qual que eacute o B ela faz

assim com o dedo (faz o gesto indicando que a crianccedila passa o dedo sobre cada

letra no teclado do computador) procura e aperta o B entatildeo acho que natildeo tem

uma idade definida mas eu acho que o trabalho em si seria no Infantil II mas

pode comeccedilar firme no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na muacutesica

eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil neacute

PI I aparenta revelar uma proximidade de conceito de desenvolvimento infantil com as

demais professoras entrevistadas ao concordar com o fato de a crianccedila de cinco e seis anos estar

mais preparada para iniciar o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita

Contudo tal ensino parece se dar por meio do ensino de letras e palavras Isso se verifica quando

afirma ldquoporque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as muacutesicas e eles jaacute estatildeo procurando as

letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles onde estaacute escrito o pintinho jaacute

tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o siacutembolo da palavrardquo

O discurso apresentado por PI I sugere ainda que nesse trabalho de ensino de letras e

palavras haacute o ensino da relaccedilatildeo letrandashsom a identificaccedilatildeo de palavras por meio de ldquopistasrdquo como

o proacuteprio tamanho das palavras e dos espaccedilos correspondentes a elas num texto lacunado ou seja

o texto (muacutesica) possui espaccedilos para que sejam escritas as palavras que faltam no original

memorizado pelas crianccedilas Esses espaccedilos ndash lacunas ndash tecircm o mesmo tamanho da palavra para que

a crianccedila encontre com maior facilidade qual palavra deveraacute ser escrita em cada respectivo

espaccedilo Assim como PI I explica ldquojaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que

cabe a palavra antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra

entatildeo eu acho que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras

iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute

quando eles vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com

o dedinho cantando e vai assim o dedinho (faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em

linha reta da esquerda para a direita como a indicar leitura)rdquo

PI I aborda o uso de livros de alfabetizaccedilatildeo desde o Maternal I e Maternal II e aponta que

o uso desses materiais eacute uma forma de colocar as crianccedilas em contato com a escrita Cabe

lembrar que a unidade em que foi realizada a entrevista natildeo adota livros didaacuteticos ou apostilas

84

No entanto a professora faz uso desses materiais na elaboraccedilatildeo dos conteuacutedos em seu trabalho

pedagoacutegico

Segundo Arena (1992) a concepccedilatildeo de linguagem interfere na escolha dos materiais e

estrateacutegias utilizadas no ensino por essa razatildeo eacute necessaacuterio estabelecer uma coerecircncia entre a

concepccedilatildeo de linguagem de educaccedilatildeo e de crianccedila uma vez que as accedilotildees atitudes e concepccedilotildees

do professor refletem-se na qualidade de intervenccedilatildeo (mediaccedilatildeo) nesse processo Sendo assim

Arena (1992 p 75 ndash 76) afirma que

Eacute possiacutevel colocar para a crianccedila o signo linguiacutestico e a enunciaccedilatildeo linguiacutestica

plenos de significaccedilatildeo contextualizados e marcados pela vivecircncia Essa

aproximaccedilatildeo pode restituir ao ensino e agrave aprendizagem da liacutengua a proacutepria

liacutengua antes destruiacuteda fragmentada e reduzida agrave sinalidade pelos ldquotextosrdquo das

cartilhas (ARENA 1992 p 80 ndash 81)

PI I continua a esclarecer que natildeo haacute uma idade determinada para que o ensino da leitura e

da escrita seja iniciado no entanto exemplifica sua opiniatildeo com a situaccedilatildeo de sua sobrinha de

um ano e meio A ela ensina a procurar a letra inicial do nome da personagem da boneca Barbie

no teclado do computador quando visita o site Mas reafirma que o ensino sistemaacutetico da escrita

e da leitura deve ocorrer mesmo a partir do Infantil II ldquomas eu acho que o trabalho em si seria

no Infantil II mas pode comeccedilar firme no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na

muacutesica eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil neacuterdquo

Esses discursos proferidos pelas professoras tambeacutem revelam o conceito de ensino da

liacutengua e de linguagem que subsidiam as suas praacuteticas na Educaccedilatildeo Infantil Reportam-se sempre

ao ensino de letras e palavras mas natildeo tratam em seu trabalho pedagoacutegico no que se refere ao

ensino da liacutengua propriamente da sua utilizaccedilatildeo da leitura e da re-criaccedilatildeo de textos Sobre isso

ao recorrer agraves contribuiccedilotildees de Vygotski (1995) e Bakhtin (1992) depreende-se que ldquoo fato de se

acreditar que primeiro eacute preciso que as crianccedilas aprendam a sinalidade da linguagem para

somente apoacutes essa etapa aprender a trataacute-la como signo eacute apenas incorrer contra a proacutepria

linguagem mas com a proacutepria loacutegica dos leitores aprendizesrdquo (CRUVINEL 2010 p 129)

Para Bakhtin (1992) a liacutengua eacute viva dinacircmica e se transforma constantemente por causa

de sua historicidade do uso cotidiano e portanto natildeo pode ser separada do fluxo da

comunicaccedilatildeo verbal A liacutengua em sua totalidade concreta viva em seu uso real tem a

propriedade de ser dialoacutegica Desse modo a linguagem eacute fruto da interaccedilatildeo verbal entre os

85

sujeitos em outras palavras a relaccedilatildeo entre os interlocutores funda a linguagem nas trocas e na

atitude responsiva do outro

A teoria da enunciaccedilatildeo de Bakhtin ressalta a produccedilatildeo da linguagem na perspectiva da

enunciaccedilatildeo e a natureza social da situaccedilatildeo de produccedilatildeo de discursos ldquoNesse lugar os feixes de

sentidos constroem-se dialogam e disputam espaccedilo instaurando-se como signos ideoloacutegicosrdquo

(GOULART 2006) O outro eacute parte constitutiva da situaccedilatildeo social de enunciaccedilatildeo e atua de forma

que o sujeito tambeacutem seja parte constitutiva dessa organizaccedilatildeo Nessa perspectiva o diaacutelogo eacute

condiccedilatildeo fundamental para que se conceba a linguagem Bakhtin concebe o dialogismo como o

princiacutepio constitutivo da linguagem e a condiccedilatildeo do sentido do discurso (BARROS 2003 p 2)

Independentemente de sua dimensatildeo todos os enunciados no processo de comunicaccedilatildeo

satildeo dialoacutegicos Existe neles uma dialogizaccedilatildeo interna da palavra que eacute perpassada sempre pela

palavra do outro e eacute sempre e inevitavelmente tambeacutem a palavra do outro Para constituir um

discurso o enunciador considera o discurso de outrem que estaacute presente no seu proacuteprio Por isso

todo discurso eacute ocupado atravessado pelo discurso alheio O dialogismo eacute caracterizado pelas

relaccedilotildees de sentido que se estabelecem entre dois enunciados (FIORIN 2006 p 19) A realidade

eacute sempre mediada pela linguagem ou seja o real se apresenta pra noacutes sempre semioticamente

linguisticamente Com relaccedilatildeo a isso

Um objeto qualquer do mundo interior ou exterior mostra-se sempre perpassado

por ideias gerais por pontos de vista por apreciaccedilotildees dos outros daacute-se a

conhecer para noacutes desacreditado contestado avaliado exaltado categorizado

iluminado pelo discurso alheio Natildeo haacute nenhum objeto que natildeo apareccedila cercado

envolto embebido em discursos Por isso todo discurso que fale de qualquer

objeto natildeo estaacute voltado para a realidade em si mas para os discursos que a

circundam Por conseguinte toda palavra dialoga com outras palavras

constituindo-se a partir de outras palavras estaacute rodeada de outras palavras

(FIORIN 2006 p 20)

Essas afirmaccedilotildees esclarecem que na teoria bakhtiniana natildeo satildeo as unidades da liacutengua que

satildeo dialoacutegicas mas os enunciados ldquoAs unidades da liacutengua satildeo os sons as palavras e as oraccedilotildees

enquanto os enunciados satildeo as unidades reais da comunicaccedilatildeordquo (FIORIN 2006 p 20) As

unidades da liacutengua satildeo repetiacuteveis satildeo fechadas e acabadas em si mesmas os enunciados satildeo

irrepetiacuteveis satildeo acontecimentos uacutenicos que a cada vez possui um acento uma apreciaccedilatildeo uma

entonaccedilatildeo proacuteprios

86

O que diferencia um enunciado de uma unidade da liacutengua eacute que o enunciado eacute a reacuteplica de

um diaacutelogo porque cada vez que se produz um enunciado o que ocorre eacute a participaccedilatildeo de um

diaacutelogo com outros discursos e o que delimita a sua dimensatildeo eacute a alternacircncia dos sujeitos O

enunciado natildeo existe fora das relaccedilotildees dialoacutegicas ldquoNele estatildeo sempre presentes ecos e

lembranccedilas de outros enunciados com que ele conta que refuta confirma completa pressupotildee e

assim por diante Um enunciado ocupa sempre uma posiccedilatildeo numa esfera de comunicaccedilatildeo de um

dado problemardquo (FIORIN 2006 p 21)

Ao considerar neste trabalho essa premissa como fundamental para se pensar o ensino da

liacutengua materna natildeo se admite o ensino da leitura e da escrita engessado em letras siacutelabas e

palavras como supostamente apresentado pelas professoras entrevistadas A escrita eacute um

instrumento cultural usado para comunicar para informar e se informar para se lembrar de algo

importante para expressar sentimentos pensamentos accedilotildees desejos e portanto seu ensino e sua

aprendizagem implicam saber o porquecirc e o para quecirc se escreve implicam perceber desde o iniacutecio

que sua apropriaccedilatildeo eacute uma forma de humanizaccedilatildeo

Ao compreender que o ensino da liacutengua se daacute por meio de enunciados de gecircneros de

situaccedilotildees dialoacutegicas entende-se que o ensino da leitura e da escrita desde a Educaccedilatildeo Infantil

pode ocorrer de forma a provocar as crianccedilas a pensar sobre a escrita a estabelecer relaccedilotildees

intensas com ela a dialogar em situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo em outras palavras em situaccedilotildees

uacutenicas de comunicaccedilatildeo em que a existecircncia do outro eacute uma condiccedilatildeo

Bakhtin natildeo nega a existecircncia da liacutengua como sistema e natildeo condena seu estudo Ao

contraacuterio considera-o necessaacuterio para entender as unidades de formaccedilatildeo da liacutengua Contudo

mostra que a fonologia a morfologia ou a sintaxe natildeo explicam o seu funcionamento real

(FIORIN 2006)

Ressalta-se que

A liacutengua enquanto produto desta histoacuteria e enquanto condiccedilatildeo de produccedilatildeo da

histoacuteria presente vem marcada pelos seus usos e pelos espaccedilos sociais destes

usos neste sentido a liacutengua nunca pode ser estudada ou ensinada como um

produto acabado fechado em si mesmo de um lado porque sua ldquoapreensatildeordquo

demanda aprender no seu interior as marcas de sua exterioridade constitutiva (e

por isso se internaliza) de outro lado porque o produto histoacuterico ndash resultante do

trabalho discursivo passado ndash eacute hoje condiccedilatildeo de produccedilatildeo do presente que

tambeacutem fazendo histoacuteria participa da construccedilatildeo deste mesmo produto sempre

inacabado sempre em construccedilatildeo (GERALDI 1996 p 28)

87

Compreender a liacutengua como algo vivo em movimento que se daacute nas relaccedilotildees sociais na

interaccedilatildeo com o outro a liacutengua como produto da histoacuteria e da cultura humana que se renova e se

reconstroacutei requer pensar que o seu ensino deve considerar essa historicidade essa dinamicidade

A crianccedila desde pequena pode aprender a liacutengua escrita em seu funcionamento vivenciar

situaccedilotildees de uso em que seja criada a necessidade de iniciar esse processo de inserccedilatildeo e de

participaccedilatildeo na cultura escrita A crianccedila desde pequena pode conviver com os textos reais que

condizem com seus interesses com sua curiosidade que criam cada vez mais a necessidade de

aprender o que descarta a possibilidade do uso de textos descontextualizados elaborados com a

finalidade de ensinar a crianccedila a ler e a escrever em que a repeticcedilatildeo de letras siacutelabas e palavras eacute

privilegiada

Outro aspecto abordado nas entrevistas foi o de entender como as professoras percebem

que as crianccedilas jaacute sabem ler e escrever e quais as manifestaccedilotildees das crianccedilas denotam isso

PB

P como que vocecirc chega agrave conclusatildeo que uma crianccedila sabe ler e escrever quais

satildeo as manifestaccedilotildees que essa crianccedila apresenta que vocecirc fala nossa estaacute

lendo e escrevendo o que vocecirc observa que te garante que aquela crianccedila jaacute

aprendeu a ler e a escrever

PB lendo alguma coisa mas geralmente crianccedila dessa idade comeccedila a ler

coisas que estatildeo em placas mostrando eacute cartazes sabe Eles passam e

comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute escrito natildeo sei o que olha laacute

estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute e escrevendo

uma hora eles vatildeo escrever mesmo ou uma muacutesica ou uma coisa ateacute mesmo na

areia agraves vezes eles escrevem geralmente os maiores neacute eacute o nome

principalmente o nomeconsegue neacute

P comeccedila por aiacute

PB eacute mas daiacute natildeo seria leitura e nem escrita tambeacutem seria somente do

nome mas eacute mais pra frente que eles fazem neacute

P ta normalmente comeccedila escrever coisas assim produzir um texto maior

que olha

PB que jaacute deu neacute que ele consiga ler e entender entatildeo vocecirc pode perguntar

que ele natildeo vai te responder

PM I

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta

que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe ler e escrever

PM I quando ela domina eu acho que a crianccedila comeccedila a despertar o interesse

para tudo que ela vecirc olha taacute escrito ta olha eu jaacute sei escrever tal palavra

88

quando ela comeccedila ter o interesse a dar razatildeo aquilo que taacute escrito neacute porque

chega o momento que a crianccedila desperta o divisoacuterio o concreto as figuras

uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair essa ideia ela

comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aquijaacute sei ler issojaacute sei

fazer isso

P E com a escrita

PM I com a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou

escrever o meu nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu

nome vocecirc fala jaacute estaacute despertando e vai com a maturidade ela vai

deslanchando

P e quando vocecirc percebe que ela jaacute sabe ler mesmo que ela jaacute aprendeu de

que forma essa crianccedila se manifesta e vocecirc fala que jaacute sabe ler e escrever

PM I pela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir

ajuda quando ela tem aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute

(risos) (refere-se agrave crianccedila que jaacute consegue ler e escrever)

PM II

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta

que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe ler e escrever

PM II ah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal

coisasabe ela comeccedila ler as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua

essas coisas a crianccedila chega num momento que ela desperta mesmo e ela

comeccedila a ler e a escrever

P mas como vocecirc percebe isso Quais as manifestaccedilotildees dela Vocecirc observa

outros indiacutecios

PM II a crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer

isso o tempo todo isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante

porque jaacute consegue fazer isso e agraves vezes as outras ainda natildeo

Os discursos aparentam revelar que as professoras percebem que as crianccedilas jaacute sabem ler

e escrever quando elas falam que jaacute sabem ou que dizem que vatildeo fazecirc-lo As crianccedilas se

objetivam mais claramente para as professoras por meio de suas proacuteprias falas como ressalta PB

ldquoEles passam e comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute escrito natildeo sei o que olha laacute

estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute e escrevendordquo PM I tambeacutem

concorda ldquocom a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou escrever o meu

nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu nome e vocecirc fala jaacute estaacute

despertando e vai com a maturidade ela vai deslanchando Essa mesma forma de objetivar eacute

declarada por PM II ldquoah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal coisasabe

ela comeccedila ler as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua essas coisas a crianccedila chega

num momento que ela desperta mesmo e ela comeccedila a ler e a escreverrdquo

89

No entanto PB acrescenta que a crianccedila escreve mesmo na areia ndash no tanque de areia ndash

quando se encontra numa situaccedilatildeo de brincadeira e escreve seu nome Embora afirme que a

aprendizagem da leitura e da escrita comece com a escrita do nome ressalta que somente esse

fato natildeo prova que seja leitura e escrita propriamente e que a crianccedila faraacute isso ldquomais pra frenterdquo

Essa fala de PB parece demonstrar que mesmo quando a crianccedila lecirc e entende que estaacute escrito seu

proacuteprio nome natildeo se trata de leitura e de escrita para a professora

PB PM I PM II datildeo indiacutecios de que a crianccedila sabe ler e escrever quando eacute capaz de fazer

essas accedilotildees sem pedir ajuda ou seja sozinha As professoras parecem atribuir essa apropriaccedilatildeo agrave

autonomia que a crianccedila tem para realizar essas accedilotildees no entanto natildeo se referem em suas falas

como a crianccedila consegue ter essa autonomia e quais os fatores que as levam a conseguirem fazer

isso como quando PM I diz ldquopela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir

ajuda quando ela tem aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute (risos) (refere-se a

crianccedila que jaacute consegue ler e escrever)rdquo Isso tambeacutem pode se verificar na fala de PI I a seguir

PI I

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que uma crianccedila jaacute se apropriou disso

PI I quando ela sozinha consegue ler e entender o que ela estaacute lendo quando

ela consegue escrever histoacuterias criar e conseguir o que ela escreveu

P certo eacute que eu iria perguntar que manifestaccedilatildeo dela com a leitura que te leva

a concluir que ela aprendeu a ler por exemplo

PI I eacute porque agraves vezes a crianccedila decodifica vocecirc pergunta o que vocecirc leu e

natildeo consegue explicarentatildeo eu acho que quando ela aprender mesmo eacute quando

ela entendeu o que ela leu neacute porque na verdade a leitura se vocecirc entender

como uma decodificaccedilatildeo aqui estaacute escrito BOLA e ela lecirc BOLA ela sabe

decodificar mas natildeo prestou atenccedilatildeo no que estaacute lendo entatildeo eu considero

que ela tem que entender o que estaacute lendo tambeacutem por exemplotem que ser

um complemento neacute a escrita tambeacutem tem que saber passar sabe escrever e

entender o que ela quis passar pra mim neacute outra pessoa lecirc que tenha

coerecircncia uma coisa eacute entender pode ter erros de ortografia e tudo mas isso

eacute normal neacute

P ainda mais que isso eacute normal

PI I Isso eacute tem bastante erro mas daacute pra entender o que a crianccedila quis

passar neacute

As professoras aparentam admitir que a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita confere agrave

crianccedila um status diferente uma condiccedilatildeo vantajosa e necessaacuteria para se tornar parte integrante

da sociedade escrita em que vivemos confere a crianccedila uma autonomia antes natildeo experimentada

90

como esclarece PM II ldquoa crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer

isso o tempo todo isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante porque jaacute

consegue fazer isso e agraves vezes as outras ainda natildeordquo Desse modo Britto (2005 p XV ndash XVI)

afirma que

O que se propotildee como princiacutepio que deve orientar a accedilatildeo educativa eacute que entrar

no universo da escrita eacute operar com signos e significados dentro de um mundo

pleno de valores e de sentidos historicamente produzidos e socialmente

marcados portanto operar com esses discursos em particular quando se pensa

em um sujeito autocircnomo inserido e indignado supotildee que se possa sempre pocircr

em questatildeo as formas de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo

E continua

Aiacute estaacute o desafio da educaccedilatildeo infantil que natildeo eacute o de ensinar letras mas o de

construir as bases para que as crianccedilas possam desenvolver-se como pessoas

plenas e de direito e assim participar criticamente da cultura escrita

convivendo com essa organizaccedilatildeo discursiva experimentar de diferentes

formas os modos de pensar tiacutepicos do escrito Antecipar o ensino das letras em

vez de trazer o debate da cultura escrita no cotidiano eacute inverter o processo e

aumentar a diferenccedila

Diante do exposto eacute na Educaccedilatildeo Infantil que se constroem as bases para a apropriaccedilatildeo

da leitura e da escrita e por tal razatildeo eacute na escola da pequena infacircncia que esses modos de ver a

escrita e de operar com ela podem ser ensinados por meio de um ensino intencionalmente

planejado que considere as especificidades de cada etapa do desenvolvimento infantil e crie a

necessidade de aprender

PM I indica compreender a escrita como algo que requer uma abstraccedilatildeo do pensamento

que se refere a algo simboacutelico ldquoporque chega o momento que a crianccedila desperta o divisoacuterio o

concreto as figuras uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair essa ideia ela

comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aqui jaacute sei ler isso jaacute sei fazer issordquo No

entanto embora aparentemente reconheccedila a existecircncia de uma abstraccedilatildeo do pensamento no ato

de ler e de escrever ainda atribui isso ao ato teacutecnico ao relatar que a crianccedila vai juntando as

letrinhas Dessa forma Arena (2009 p 169) assinala que ao ensinar a ler o foco da escola natildeo

deveria ser o sistema alfabeacutetico de escrita como objeto em si a ser apropriado mas ldquoo sentido que

pode ser conseguido por meio delerdquo Isolar a aprendizagem desse sistema por acreditar ser este

91

um preacute-requisito para algueacutem se tornar leitor eacute contribuir para a aprendizagem de uma liacutengua

morta artificial que natildeo propicia ao aprendiz reconhecer-se como leitor Com isso cabe agrave escola

ensinar o sistema de escrita no fluxo da linguagem uma vez que ldquoa apropriaccedilatildeo desse

conhecimento se daacute em seu proacuteprio uso em textos vivos e em pleno funcionamento carregados

de significados produzidos pelas relaccedilotildees entre todos os que vivem no contexto em que se situam

[]rdquo (ARENA 2009 p 172)

Vygotski (1995) criticou os processos de apresentaccedilatildeo escolar da escrita para as crianccedilas

em sua eacutepoca ndash deacutecada de 20 do seacuteculo XX ndash e essa criacutetica ainda eacute bastante atual Para o autor o

ensino da escrita em geral eacute um haacutebito motor realizado de forma artificial e esse ensino

mecacircnico da teacutecnica prevalece sobre a compreensatildeo do funcionamento e da utilizaccedilatildeo racional e

social da escrita Desse modo

() o ensino da linguagem escrita se baseia em uma aprendizagem artificial que

exige enorme atenccedilatildeo e esforccedilos por parte do professor e do aluno e devido a tal

esforccedilo se transforma em algo independente em algo que se basta a si mesmo

enquanto a linguagem escrita viva passa a um plano posterior () Nosso ensino

da escrita natildeo se baseia no desenvolvimento natural das necessidades da crianccedila

nem em sua proacutepria iniciativa lhe chega de fora das matildeos do professor e lembra

a aquisiccedilatildeo de um haacutebito teacutecnico como por exemplo tocar piano (VYGOSTKI

1995 p 183 traduccedilatildeo nossa)10

Apropriar-se da escrita significa dominar um sistema simboacutelico extremamente complexo

A escrita eacute um sistema de signos que representa outro sistema de signos e por tal razatildeo eacute um

simbolismo de segundo grau uma representaccedilatildeo de segunda ordem Como esclarece Vygotski

(1995 p 184 traduccedilatildeo nossa) a escrita ldquose forma por um sistema de signos que identificam

convencionalmente os sons e palavras da linguagem oral que satildeo por sua vez signos de objetos e

relaccedilotildees reaisrdquo11

Em outras palavras a escrita representa a fala que por sua vez representa a

realidade Ao escrever eacute representado o som da fala mas esse som natildeo eacute apenas um som ele tem

10

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 183) () la ensentildeanza del lenguaje escrito se basa en un

aprendizaje artificial que exige enorme atencioacuten y esfuerzos por parte del maestro y del alumno debido a lo cual se

convierte en algo independiente en algo que se basta a si mismo el lenguaje escrito vivo pasa a un plano posterior

() Nuestra ensentildeanza de la escritura no se basa auacuten en el desarrollo natural de las necesidades del nintildeo ni en su

propia iniciativa le llega desde fuera de manos del maestro y recuerda el aprendizaje de un haacutebito teacutecnico como

por ejemplo tocar el piano 11

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 184) (hellip) el lenguaje escrito estaacute formado por un sistema de

signos que identifican convencionalmente los sonidos y las palabras del lenguaje oral que son a su vez signos de

objetos y relaciones reales

92

um significado e eacute esse significado que representa a realidade ou seja as coisas que satildeo faladas

as ideias os sentimentos as informaccedilotildees Para que a aquisiccedilatildeo da escrita ocorra de forma efetiva

eacute necessaacuterio que o nexo intermediaacuterio ndash representado pela linguagem oral ndash desapareccedila

gradativamente e a escrita se transforme em um sistema de signos que simbolizem diretamente os

objetos e as situaccedilotildees designadas ndash uma representaccedilatildeo de primeira ordem

A aquisiccedilatildeo da linguagem escrita eacute resultado de um longo processo de desenvolvimento

das funccedilotildees superiores do comportamento infantil que possui uma longa e complexa histoacuteria

iniciada muito antes de a crianccedila comeccedilar a estudar a escrita na escola Segundo Luria (1988 p

143)

O momento em que uma crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros exerciacutecios

escolares em seu caderno de anotaccedilotildees natildeo eacute na realidade o primeiro estaacutegio do

desenvolvimento da escrita As origens deste processo remontam a muito antes

ainda na preacute-histoacuteria do desenvolvimento das formas superiores do

comportamento infantil podemos ateacute mesmo dizer que quando uma crianccedila

entra na escola ela jaacute adquiriu um patrimocircnio de habilidades e destrezas que a

habilitaraacute a aprender a escrever em um tempo relativamente curto

Esse patrimocircnio de habilidades e destrezas que habilitaraacute a crianccedila a aprender a escrever

como afirma Luria reporta no caso da crianccedila na Educaccedilatildeo Infantil agrave formaccedilatildeo das bases

orientadoras para a aprendizagem da escrita ndash o controle da vontade e da conduta (a auto-

disciplina) a percepccedilatildeo antecipada do resultado da atividade a necessidade de expressatildeo a

funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia a necessidade de ler e escrever A esse processo Vygotski

(1995) chama de preacute-histoacuteria da linguagem escrita ndash que eacute a histoacuteria das formas de expressatildeo da

crianccedila ndash e eacute constituiacuteda por ligaccedilotildees em geral natildeo perceptiacuteveis agrave simples observaccedilatildeo e comeccedila

com a escrita no ar com o gesto da crianccedila ao qual os adultos atribuem um significado O gesto

eacute o primeiro signo visual eacute a escrita no ar assim pode-se dizer que os signos escritos satildeo

frequentemente simples gestos que foram fixados Entre o gesto e o signo escrito haacute dois

elementos que se interpotildeem o desenho e o faz de conta

O desenho eacute uma continuidade do gesto inicialmente eacute uma representaccedilatildeo graacutefica do

gesto que aos poucos se torna uma representaccedilatildeo simboacutelica e graacutefica do objeto ldquo() o desenho

infantil eacute uma etapa preacutevia agrave linguagem escrita Por sua funccedilatildeo psicoloacutegica o desenho infantil eacute

uma linguagem graacutefica peculiar um relato graacutefico sobre algo (VYGOTSKI 1995 p 192

93

traduccedilatildeo nossa)12

O desenho comeccedila quando a linguagem oral jaacute alcanccedilou grande

desenvolvimento e se tornou habitual A fala predomina no geral e modela a vida interior

submetendo-a as suas leis O mesmo ocorre com o desenho O desenho eacute uma linguagem graacutefica

que tem por base a linguagem verbal Quando a crianccedila revela seus reservatoacuterios de memoacuteria por

meio do desenho ela o faz como se estivesse contando uma histoacuteria Desse modo ldquoa teacutecnica do

desenho demonstra sem duacutevida que na realidade se trata de um relato graacutefico ou seja uma

peculiar linguagem escritardquo (VYGOTSKI 1995 p 192 traduccedilatildeo nossa)13

O mesmo ocorre com o faz-de-conta uma vez que a ausecircncia de alguns objetos

necessaacuterios agrave brincadeira eacute compensada por objetos que passam a representar os objetos ausentes

e gradativamente se convertem em signos que representam os objetos ausentes Natildeo importa

exatamente a semelhanccedila entre o objeto verdadeiro e o representado mas a possibilidade de

representar com a ajuda do novo objeto o gesto representativo do objeto ausente ldquoDe fato eacute o

gesto que atribui a funccedilatildeo de signo ao objeto e ao longo de exerciacutecio do faz-de-conta graccedilas ao

uso prolongado o novo significado se transfere ao objeto e este passa a representar o novo objeto

para a crianccedila independente do gesto (MELLO 2005)

Desse modo ao longo da idade preacute-escolar com a ajuda do desenho e do faz-de-conta a

crianccedila torna mais elaborada a forma como utiliza as formas de representaccedilatildeo e eacute por tal razatildeo

que se entende o desenho e o faz-de-conta como constituintes de uma etapa e uma forma de

linguagem que leva agrave linguagem escrita compotildeem uma linha uacutenica do desenvolvimento que vai

do gesto ndash a forma mais inicial da comunicaccedilatildeo ndash agraves formas superiores da linguagem escrita Essa

forma superior da linguagem escrita deve ser entendida como o momento em que o elemento

intermediaacuterio entre a realidade e a escrita ou seja a linguagem oral desaparece e a escrita se

torna diretamente simboacutelica representa diretamente a realidade (VYGOTSKI 1995 MELLO

2005)

12

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 192) () el dibujo infantil es una etapa previa al lenguaje

escrito Por su funcioacuten psicoloacutegica el dibujo infantil es un lenguaje graacutefico peculiar un relato sobre algo 13

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 192) La teacutecnica del dibujo infantil demuestra sin lugar a duda

que en realidad se trata de un relato graacutefico es decir un peculiar leguaje escrito

94

241 O ensino do ato de ler e de escrever

Por se compreender a liacutengua escrita como instrumento cultural complexo eacute que ela deve

ser apresentada agraves crianccedilas desde a Educaccedilatildeo Infantil de forma adequada e natildeo somente como um

ato motor Eacute complexo porque natildeo se aprende simplesmente por imitaccedilatildeo como alguns

instrumentos ou por repeticcedilatildeo mas exige de quem aprende o exerciacutecio de um conjunto de

funccedilotildees intelectuais e como exposto a articulaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia do

pensamento da memoacuteria da atenccedilatildeo das percepccedilotildees

O ensino da linguagem escrita precisa ser intencionalmente planejado pelo professor e

exige uma dedicaccedilatildeo especiacutefica de quem aprende Por tal razatildeo Vygotski (1995) afirma que a

linguagem escrita precisa ser apresentada desde o iniacutecio agrave crianccedila como um instrumento que tem

como funccedilatildeo social comunicar informaccedilotildees ideias sentimentos

Noacutes natildeo negamos que seja possiacutevel ensinar a ler e a escrever as crianccedilas de

idade preacute-escolar inclusive consideramos conveniente que a crianccedila saiba jaacute ler

e escrever ao ingressar na escola Mas o ensino deve organizar-se de forma que a

leitura e a escrita sejam necessaacuterias de algum modo para a crianccedila () a escrita

deve ter sentido para a crianccedila deve ser provocada por necessidade natural

como uma tarefa vital que eacute imprescindiacutevel Unicamente entatildeo estaremos

seguros de que a escrita se desenvolveraacute na crianccedila natildeo como um haacutebito de matildeos

e dedos mas como um tipo realmente novo e complexo de linguagem

(VYGOSTKI 1995 p 201 traduccedilatildeo nossa)14

As professoras datildeo indiacutecios de aceitarem o ensino de letras ndash identificaccedilatildeo e junccedilatildeo ndash

siacutelabas e palavras de forma natural espontacircnea com o qual a crianccedila ldquovai despertandordquo

ldquodeslanchando com a maturidaderdquo o que acaba por descartar a intencionalidade do ensino a

mediaccedilatildeo do professor e a compreensatildeo de que dominar a escrita significa ldquouma transformaccedilatildeo

criacutetica em todo o desenvolvimento cultural da crianccedilardquo (VYGOTSKI 1995 p 184 traduccedilatildeo

nossa)15

14

Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 201) Nosotros no negamos que sea posible ensentildear a leer y escribir

a nintildeos de edad preescolar incluso consideramos conveniente que el nintildeo sepa ya leer y escribir al ingresar en la

escuela Pero la ensentildeanza debe organizarse de forma que la lectura y la escritura sean necesarias de alguacuten modo para

el nintildeo () la escrita debe tener sentido para el nintildeo que debe ser provocada por necesidad natural como una tarea

vital que le es imprescindible Unicamente entonces estaremos seguros de que se desarrollaraacute en el nintildeo no coacutemo un

haacutebito de de sus manos y dedos sino como un tipo realmente nuevo y complejo del lenguaje 15

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 184) () significa un viraje criacutetico en todo el desarrollo cultural

del nintildeo

95

Com relaccedilatildeo agrave leitura PI I considera que natildeo adianta decodificar e que a crianccedila precisa

ler e entender o que lecirc Acrescenta ainda que a crianccedila decodifica letra por letra de uma palavra

mas que agraves vezes natildeo presta atenccedilatildeo ao que lecirc e que o mesmo acontece com a escrita Nas

palavras da professora lecirc ldquoquando ela sozinha consegue ler e entender o que estaacute lendo quando

ela consegue escrever histoacuterias consegue criar e consegue entender o que ela escreveurdquo

Diante dessas afirmaccedilotildees emergem duas situaccedilotildees que merecem serem ressalvadas A primeira

se relaciona ao fato de que ler e entender parecem duas etapas distintas do ato de ler o que natildeo

condiz com a concepccedilatildeo de leitura que entende a leitura como compreensatildeo como produccedilatildeo de

sentido e como praacutetica social histoacuterica e cultural (ARENA 1992 CHARMEAUX 1997

JOLIBERT 1994 SOUZA 2004)

Arena (2010b) esclarece que ler

eacute a accedilatildeo de atribuir sentido por meio de sinais graacuteficos em situaccedilotildees elaboradas

pela cultura humana Essas atitudes constituintes do entorno satildeo vitais para a

formaccedilatildeo do leitor e satildeo desenvolvidas nas relaccedilotildees com os gecircneros

enunciativos porque satildeo as relaccedilotildees culturais que orientam os modos de ler Eacute

importante entender que ensinar o sistema linguumliacutestico natildeo eacute ensinar a ler ensinar

a ler eacute ensinar as proacuteprias praacuteticas sociais e culturais que exigem o domiacutenio

desse sistema (ARENA 2010b p 242)

Nessa perspectiva ler eacute uma forma de apropriar-se da cultura humana e seu ensino

ultrapassa a mera decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos e a vocalizaccedilatildeo e se relaciona agraves formas de

desenvolvimento do pensamento Ao ensinar a ler a atitude seria de ensinar a proacutepria liacutengua natildeo

somente como um instrumento de comunicaccedilatildeo mas como um instrumento do pensamento

(ARENA 2010b FOUCAMBERT 1998 VYGOTSKY 2000)

Segundo Arena (2010b p 242 ndash 243)

Aprender a ler eacute necessaacuterio para a transformaccedilatildeo contiacutenua progressiva para um

modo cada vez mais abstrato e profundo de pensar que somente a relaccedilatildeo com

essa tecnologia chamada escrita pode proporcionar ao homem Vista do acircngulo

da antropologia a escrita apropriada pelo leitor revela-se como um

poderosiacutessimo instrumento de desenvolvimento da mente humana das funccedilotildees

psiacutequicas superiores constituintes do progressivo processo de humanizaccedilatildeo de

acordo com o pensamento de Vygotsky (2000)

96

O que se enfatiza natildeo eacute somente a natureza comunicativa da liacutengua escrita mas ldquoo aspecto

transformador das funccedilotildees psiacutequicas superiores que permitem a inserccedilatildeo do homem diretamente

nas relaccedilotildees humanas permeadas pelo graacutefico atualmente potencializado pelos processadores

eletrocircnicosrdquo (ARENA 2010b p 243) Ler eacute a accedilatildeo de produzir sentidos e essa funccedilatildeo

transformadora da liacutengua exige que seu ensino seja compatiacutevel com essa exigecircncia em outras

palavras ldquoobriga a didaacutetica da leitura a elaborar novas condutas metodoloacutegicas para atender a

esse novo leitor e agraves novas funccedilotildees redescobertas no ato de lerrdquo (ARENA 2010b p 243)

Com isso considera-se que o ensino da liacutengua do ato de ler e de escrever requer do

professor condutas metodoloacutegicas que possibilitem a produccedilatildeo de sentido a aprendizagem e o

desenvolvimento da crianccedila Essas formas de se pensar o trabalho pedagoacutegico para a sua inserccedilatildeo

na cultura escrita de colocaacute-la no fluxo dessa liacutengua de modo que ela pense sobre a liacutengua

estabeleccedila relaccedilotildees e perceba seu funcionamento de modo a utilizaacute-la conforme seus interesses e

necessidades eacute o desafio que esse trabalho se propotildee

O professor ensina o ato de ler para que a crianccedila possa criar leitura porque a leitura

acontece no momento em que o leitor a realiza ela se daacute na relaccedilatildeo entre o leitor e o texto A

leitura natildeo eacute um objeto uma coisa Ela existe no momento em que a realiza ldquosomente ganha

existecircncia quando o leitor a cria na relaccedilatildeo entre o que ele eacute o que sabe e o que o texto criado

pelo outro estaacute a oferecerrdquo (ARENA 2010b p243) Dessa forma o professor ensina ldquoo modo

como o leitor em formaccedilatildeo deve agir sobre o texto para criar a leiturardquo (ARENA 2010b p 243)

e por essa razatildeo natildeo se ensina a leitura mas se ensina o aluno a ler

como ato cultural para criar a sua proacutepria leitura nos limites de sua

potencialidade na sua relaccedilatildeo com os diferentes gecircneros e suportes textuais que

possibilitam a formaccedilatildeo crescente e permanente de modos de pensar cada vez

mais abstratos (ARENA 2010b p 243)

Esses pressupostos fundamentam a tese de que as crianccedilas aprendem a liacutengua por meio

dos gecircneros discursivos quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola desde a

Educaccedilatildeo Infantil como instrumentos de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura

humana

Diante disso pode-se inferir que PI I ao afirmar que a crianccedila ao ler agraves vezes natildeo presta

atenccedilatildeo ao que leu ou seja que natildeo entendeu o que leu distingue a leitura da produccedilatildeo de

sentido separa o ler do entender como duas etapas desse processo Arena (2010b) esclarece que eacute

97

uma expressatildeo comum nos planos escolares que diagnostica os alunos como incapazes de ler de

compreender e de interpretar Este fato revela em sua gecircnese uma visatildeo do ato de ensinar a ler

que envolve essas trecircs etapas distintas em que a primeira eacute ler a segunda eacute compreender e a

terceira eacute interpretar Essa visatildeo do ato de ensinar a ler estaacute relacionada agrave proacutepria tradiccedilatildeo

histoacuterica do ensino das liacutenguas alfabeacuteticas em nosso caso do portuguecircs em que a ecircnfase do

ensino do ato de ler eacute colocada sobre a relaccedilatildeo grafofocircnica como o essencial a ser dominado

isolado do aspecto semacircntico que seria uma consequecircncia natural dessa relaccedilatildeo ou seja havia

uma ecircnfase no ensino do coacutedigo da relaccedilatildeo letra-som da vocalizaccedilatildeo num primeiro momento

para depois e como consequecircncia desse primeiro atribuir sentido ao que foi vocalizado

(ARENA 2010b)

Assim de acordo com esse ponto de vista a primeira etapa a de ler seria a de ler para

pronunciar ler sem atribuir sentido a segunda etapa seria a de compreender nas linhas e na

superfiacutecie o que o autor do texto quis dizer de forma ateacute literal e a terceira etapa a de interpretar

seria a capacidade do leitor de fazer inferecircncias e relaccedilotildees com o conhecimento organizado em

sua mente e com possiacutevel criticidade (ARENA 2010b) De acordo com os fundamentos teoacutericos

desse trabalho ler eacute compreender eacute produzir sentido eacute uma praacutetica social histoacuterica e cultural

Ler se entende sempre como uma atitude de compreensatildeo de estabelecer um diaacutelogo com o texto

e consigo mesmo de construir e desconstruir o texto no interior do pensamento de fazer

perguntas ao texto (ARENA1992 CHARMEAUX1994 JOLIBERT 1994)

A segunda situaccedilatildeo que se apresenta das afirmaccedilotildees de PI I com relaccedilatildeo ao ensino do ato

de ler e por conseguinte ao ensino da liacutengua eacute a contradiccedilatildeo que aparece em seu discurso PI I

revela que ler natildeo eacute apenas decodificar letras siacutelabas ou palavras mas entender o que se lecirc No

entanto como foi analisado anteriormente em sua entrevista em seu trabalho pedagoacutegico no que

se refere ao ensino da liacutengua enfatiza a sinalidade e natildeo a significaccedilatildeo

Bakhtin (1992) e Vygotsky (1995) concebem a palavra como signo Quando a escola natildeo

realiza um trabalho com a leitura e a escrita a partir das enunciaccedilotildees deixa de conceber a palavra

como signo e passa a consideraacute-la como sinal ldquoO sinal constitui-se num aspecto teacutecnico que

sozinho nada diz apenas quando eacute absorvido pelo signo eacute que pode comunicar-se tornar-se

linguagemrdquo (CRUVINEL 2010 p 65) Diante dessas consideraccedilotildees a liacutengua materna a ser

ensinada na escola desde a pequena infacircncia natildeo eacute a mediada pela relaccedilatildeo grafema-fonema mas a

mediada pela significaccedilatildeo A palavra escrita eacute signo por isso sempre significa e natildeo pode ser

98

lida como sinal Eacute siacutembolo visual que soacute adquire sentido quando inserida num contexto quando

corresponde ou pertence a uma enunciaccedilatildeo (BAKHTIN 1992)

242 O ensino da liacutengua materna

Na tentativa de compreender como entendem o processo de inserccedilatildeo das crianccedilas

pequenas na cultura escrita as professoras foram indagadas durante a entrevista sobre o que

pensam sobre alfabetizaccedilatildeo e letramento

PB

P PB o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PB sabe que natildeo ouvi falar muito de letramento natildeo mas eu acho que

letramento seja a crianccedila que conheccedila as letras que talvez monte (refere-se as

letras) mas alfabetizaccedilatildeo jaacute natildeo ela eacute incorporada porque tem palavra que

tem duplo sentido entatildeo a crianccedila jaacute vai natildeo soacute na palavra que vocecirc vai lendo

nas placas nos siacutembolos neacute entatildeo eacute diferente mas natildeo sei se eacute bem isso

P natildeo eacute a sua opiniatildeo mesmo

PB acho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo neacute porque entender e escrever e

ler aiacute vocecirc tem uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a leitura sem

entender o que estaacute lendo somente juntando as palavras ou sabendo o

alfabeto inteiro mais ou menos acho que eacute isso

P ah obrigada

PM I

P o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PM I na minha concepccedilatildeo na minha ideia alfabetizar e letrar eu acho que

caminham juntas uma crianccedila letrada estaacute alfabetizada neacute ou pode estar

letrada conhecer as letras e natildeo ter o domiacutenio assim alfabetiZADA MESMO

quando natildeo consegue ter a proacutepria autonomia se virar sozinha mesmo

P alfabetizar pelo que vocecirc estaacute me dizendo pra vocecirc seria a crianccedila que jaacute

domina a leitura com a escrita

PM I isso

P de forma mais autocircnoma

PM I isso

P e letrada eacute quando ela jaacute conhece tem noccedilotildees

PMI mas ela ainda natildeo tem aquela autonomia de ficar fazendo sozinho essa

letra e essa escrita

P certo

PM I minha ideia de ficar analisando a fundo neacute

P e na Educaccedilatildeo Infantil esses processos de alfabetizaccedilatildeo e de letramento satildeo

adequados

99

PM I desde que a crianccedila esteja assim se ela desperta pra isso neacute vocecirc natildeo

vai queimar etapas eacute atropelar eacute forccedilar a situaccedilatildeo e tambeacutem vocecirc natildeo vai

provar a crianccedila se ela tem o interesse se ela se envolver se ela tem vaacuterios

recursos na famiacutelia pra estimular vai despertar antes que outros mas vocecirc natildeo

vai pular (etapa) para aprender agora vocecirc natildeo vai escrever vocecirc natildeo vai

segurar a crianccedila e vocecirc tambeacutem natildeo vai forccedilar a situaccedilatildeo assim entatildeo se

acontece

P vocecirc trabalha em cima do que ela vivencia

PM I eacute essa eacute mais ativa ela que vai se tornar eacute depende da situaccedilatildeo

vocecirc natildeo vai forccedilar

P ah estaacute bem muito obrigada

PM I de nada

PM II

P o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PM II ah eacute uma coisa meio complicada neacute mas pra mim alfabetizaccedilatildeo eacute

quando a crianccedila sabe codificar e decodificar sabe o que estaacute escrito e sabe

escrever agora letramento eacute eu acho que eacute quando a crianccedila sabe usar

isso de algum jeito sabe usar de maneira mais funcional eu acho que eacute isso

neacute

PI I

P e o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PI I ai eu natildeo sei eu jaacute li sobre isso mas na minha cabeccedila ficou a mesma

coisa letrar alfabetizar ficou a mesma coisa

P e pra vocecirc o que eacute alfabetizar

PI I alfabetizar entatildeo eacute isso que acabei de falar eacute vocecirc ensinar a crianccedila a

ler a escrever a poder utilizar isso ela pegar um jornal e saber usar o jornal

como lecirc como que entende o que estaacute escrito laacute na vida dela se ela precisa de

uma receita ela vai laacute e ela sabe procurar um livro de receitas ela vai lecirc

sozinha sem ajuda de ningueacutem ela consegue fazer sozinha neacute lecirc uma

histoacuteria lecirc pro amiguinho lecirc uma bula de remeacutedio saber o que ela estaacute

lendo ela quer fazer um brinquedo lecirc um texto e lecirc sabe o que estaacute

escrito e lecirc sabe escrever um bilhete pra algueacutem uma carta uma histoacuteria

P obrigada

PM I eacute isso neacute

P muito obrigada

Pela anaacutelise do registro da transcriccedilatildeo das entrevistas das professoras marcadas pela

presenccedila frequente de dois pontos e das reticecircncias pode-se inferir que as professoras hesitam em

abordar o assunto por possivelmente natildeo terem uma ideia clara sobre esses conceitos PB

quando questionada inicia com uma ideia e em seguida a reelabora criando outra definiccedilatildeo

100

Relaciona letramento ao fato de a crianccedila conhecer as letras o alfabeto inteiro o fato de saber ler

e escrever mas sem entender o que se lecirc e o que se escreve Atribui agrave alfabetizaccedilatildeo um processo

mais complexo em que a crianccedila entende lecirc e escreve ldquoacho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo

neacute porque entender e escrever e ler aiacute vocecirc tem uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a

leitura sem entender o que estaacute lendo somente juntando as palavras ou sabendo o alfabeto

inteiro mais ou menos acho que eacute issordquo

PM I inicialmente declara que alfabetizar e letrar satildeo processos que acontecem juntos

poreacutem satildeo distintos porque a crianccedila pode estar letrada ndash que em seu conceito estar letrado eacute

ldquoconhecer as letrasrdquo ndash mas natildeo estar alfabetizada ainda que para PM I eacute dominar a leitura e a

escrita de forma que a crianccedila consiga se valer delas de forma autocircnoma PM I declara que a

alfabetizaccedilatildeo e o letramento podem acontecer na Educaccedilatildeo Infantil desde que a crianccedila

ldquodesperterdquo pra isso desde que demonstre interesse mas que natildeo pode ser algo imposto exigir da

crianccedila que ela seja alfabetizada e letrada que natildeo se pode ldquopular etapasrdquo Essas afirmaccedilotildees de

PM I satildeo denotativas de duas situaccedilotildees jaacute abordadas anteriormente nesse trabalho a primeira se

refere agrave alfabetizaccedilatildeo precoce das crianccedilas (ZAPHOROacuteZETS 1987 MELLO 2005) em que PM

I parece ser contraacuteria a essa ideia ndash assim como se defende nesta pesquisa ndash ao declarar que natildeo

pode ser algo imposto porque as crianccedilas ainda precisam desenvolver as bases orientadoras Por

outro lado como segunda situaccedilatildeo que emerge dessa fala de PM I haacute o indiacutecio de que a crianccedila

vai ldquodespertarrdquo em algum momento que o interesse pela leitura e pela escrita eacute natural que por

esse motivo eacute destituiacutedo de intencionalidade da necessidade da mediaccedilatildeo que as condiccedilotildees

concretas de vida e de educaccedilatildeo natildeo interferem nesse processo e ainda que a aprendizagem

decorre do desenvolvimento e natildeo o contraacuterio

PM II apresenta a ideia de que alfabetizar eacute dominar o coacutedigo eacute conseguir codificar e

decodificar os signos linguiacutesticos sendo que o letramento se refere ao uso social da leitura e da

escrita Apesar de ter declarado que em sua praacutetica pedagoacutegica trabalha com o ensino de letras e

palavras com as crianccedilas a resposta de PI se revelou diferente das demais professoras ao abordar

esses conceitos porque natildeo distingue alfabetizaccedilatildeo de letramento e afirma que para ela ldquoeacute a

mesma coisardquo Vincula a alfabetizaccedilatildeoletramento ao saber ler e escrever e ao saber fazer o uso

social da leitura e da escrita

A preocupaccedilatildeo desta pesquisa natildeo eacute a de aprofundar a discussatildeo desses conceitos mas

trazecirc-los agrave tona para compreender melhor os conceitos de liacutengua e de linguagem que permeiam a

101

praacutetica pedagoacutegica dessas professoras para que se possa pensar na trajetoacuteria vivenciada pelos

sujeitos da pesquisa com relaccedilatildeo ao processo inicial de apropriaccedilatildeo e de objetivaccedilatildeo da leitura e

da escrita

Ao considerar as ideias de liacutengua linguagem de leitura e de liacutengua escrita apresentadas

ao longo do capiacutetulo eacute necessaacuterio reiterar que alfabetizaccedilatildeo e letramento referem-se a um uacutenico

processo o processo de internalizaccedilatildeo da liacutengua em seu funcionamento como elemento de

interaccedilatildeo entre as pessoas e por assim dizer um processo discursivo interativo para a

humanizaccedilatildeo das crianccedilas O que estaacute em jogo eacute o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da

liacutengua uma liacutengua viva oriunda da concepccedilatildeo de linguagem essencialmente dialoacutegica vista em

seu uso na atitude responsiva do outro Sobre isso Geraldi (1997 p 5 ndash 6 grifos do autor)

esclarece que

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar

o processo educacional exige instauraacute-lo sobre a singularidade dos sujeitos em

contiacutenua constituiccedilatildeo e sobre a precariedade da proacutepria temporalidade que o

especiacutefico do momento implica Trata-se de erigir como inspiraccedilatildeo a

disponibilidade para mudanccedila Focalizar a interaccedilatildeo verbal como lugar da

produccedilatildeo da linguagem e dos sujeitos que neste processo se constituem pela

linguagem significa admitir a) que a liacutengua (no sentido linguiacutestico do termo)

natildeo estaacute de antematildeo pronta dada como um sistema de que o sujeito se apropria

para usaacute-la segundo suas necessidades especiacuteficas do momento de interaccedilatildeo

mas que o proacuteprio processo interlocutivo na atividade da linguagem a cada vez

a (re)constroacutei b) que os sujeitos se constituem como tais agrave medida que

interagem com os outros sua consciecircncia e seu conhecimento de mundo

resultam como ldquoprodutordquo deste mesmo processo Neste sentido o sujeito eacute

social jaacute que a linguagem natildeo eacute o trabalho de um artesatildeo mas trabalho social e

histoacuterico seu e dos outros e eacute para os outros e com os outros que ela se constitui

Tambeacutem natildeo haacute um sujeito dado pronto que entra na interaccedilatildeo mas um sujeito

se completando e se construindo nas suas falas c) que as interaccedilotildees natildeo se datildeo

fora de um contexto social e histoacuterico mais amplo na verdade elas se tornam

possiacuteveis enquanto acontecimentos singulares no interior e nos limites de uma

determinada formaccedilatildeo social sofrendo as interferecircncias os controles e as

seleccedilotildees impostas por esta Tambeacutem natildeo satildeo em relaccedilatildeo a estas condiccedilotildees

inocentes Satildeo produtivas e histoacutericas e como tais acontecendo no interior e nos

limites do social constroem por sua vez limites novos

Entender a apropriaccedilatildeo e a objetivaccedilatildeo da liacutengua como um processo interlocutivo eacute

entender que somos seres histoacutericos e sociais em constante transformaccedilatildeo que somos produto e

produtores da cultura humana que a liacutengua eacute algo vivo porque se constitui na interaccedilatildeo com o

outro e que nos constituiacutemos nela dentro de um dado contexto situacional Apropriar-se da liacutengua

102

nessa perspectiva eacute uma construccedilatildeo histoacuterica social e cultural e por essa razatildeo eacute humanizar-se

A liacutengua como produto da histoacuteria eacute marcada pelo uso e pelo espaccedilo social deste uso Assim a

liacutengua nunca pode ser estudada e ensinada como um produto fechado em si mesmo porque o

externo se internaliza participando da construccedilatildeo deste mesmo produto

243 As praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio

Ao analisar as entrevistas das professoras quanto agraves praacuteticas de produccedilatildeo de textos de

leitura e o trabalho com os gecircneros discursivos com as crianccedilas pequenas os dados revelaram

vaacuterios aspectos a saber

PB

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PB leio mas agraves vezes eu conto porque eles satildeo muito pequenos entatildeo agraves

vezes leio o livro primeiro e nisso eu vou contando pra eles

P certo

PB senatildeo eles natildeo prestam atenccedilatildeo aiacute no uacuteltimo ano dependendo da turma jaacute

daacute pra dar uma lida em livros pequenos mas a maioria eacute contada

P certo e que tipos de textos vocecirc costuma ler para eles

PB ai eu gosto de ler tudo assim principalmente livros neacute histoacuterias conto

de faacutebula faacutebulas eacute conto de fada faacutebulas poesias eacute mais isso

P certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os seus alunos

PB costumo soacute que satildeo pequenos entatildeo natildeo daacute pra fazer uma coisa muito

grande tem que ficar dando muita dica neacute pra tirar mas pequenos textos datildeo

pra fazer

P Eacute

PB depois de uma histoacuteria talvez o reconte da histoacuteria no momento que

aconteceu eles vatildeo falando

P certo

PB alguma coisa que aconteceu o que a gente fez entatildeo como que foi neacute

P sei sei

PB eacute mais assim

P e como eacute feita essa produccedilatildeo

PB coletando o primeiro momento se for uma histoacuteria que natildeo tem lousa eu

vou escrevendo no papel mas se eacute numa sala eu vou marcando na lousa e

depois eu passo para o papel e depois para o cartaz geralmente gosto de ver

eles perto porque aquilo que foi falado foi passado na lousa passado no papel e

num cartaz grande aiacute eles desenham eu dou um giz grande eles desenham

debaixo do cartaz entendeu

P sim

PB foram eles que fizeram neacute

P e depois o que vocecirc faz com essa produccedilatildeo escrita

103

PB deixo na parede aiacute eles jaacute sabem neacute o que estaacute escrito o que natildeo estaacute

quem desenhou

P entendi

PB mesmo natildeo sabendo mas eles apontam e falam como se estivessem lendo

neacute fica bonito

PM I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM I leio

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler pra eles

PM I entatildeo a literatura infantil leio bastante todos os dias leio um livro

uma histoacuteria seleciono leio sempre assim com um objetivo de trabalhar

sentimento eacute trabalhar famiacutelia ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre

seleciono uma histoacuteria assim que de alguma forma vai tocar eles eles vatildeo viver

uma situaccedilatildeo aqui da escola tambeacutem

P e vocecirc percebe assim algum tipo de texto que eles se interessam mais De

quais histoacuterias que eles se interessam mais

PM I que eacute das histoacuterias neacute geralmente eles se interessam bastante e tem

insistecircncia

P as que tem o personagem malvado

PM I tem o bonzinho

P sei

PM I as preferidas tem ateacute que induzi-los a um outro tipo de histoacuteria porque

eles querem sempre o mesmo

P o mesmo

PM I o mesmo

P e vocecirc costuma produzir textos eacute escritos por escritos com os alunos

PM I nessa classe ainda natildeo eu sou mais oralmente vocecirc conta a histoacuteria e

P sim

PM I eles relatam o que aconteceu

P aiacute recupera essa histoacuteria

PB e PM I revelam que leem com frequecircncia histoacuterias para suas crianccedilas e aparentam ter

uma praacutetica de leitura contudo PM I natildeo apresenta uma praacutetica de produccedilatildeo de textos escritos

com as crianccedilas mas geralmente faz a reconstruccedilatildeo oral da histoacuteria lida PM I parece utilizar a

leitura dos livros que escolhe como pretexto (LAJOLO 1986) para abordar a formaccedilatildeo de

valores de condutas ou de sentimentos como revela ldquoentatildeo a literatura infantil leio bastante

todos os dias leio um livro uma histoacuteria seleciono leio sempre assim com um objetivo de

trabalhar sentimento eacute trabalhar famiacutelia ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre seleciono

uma histoacuteria assim que de alguma forma vai tocar eles eles vatildeo viver uma situaccedilatildeo aqui da

escola tambeacutemrdquo

104

Com relaccedilatildeo agrave forma como os gecircneros discursivos chegaram ateacute os sujeitos da pesquisa

verificou-se que na maioria das vezes foi por meio da transmissatildeo vocal (BAJARD 2007) do

texto pelo professor Essa praacutetica era frequente entre as professoras entrevistadas Outro

procedimento utilizado pelas professoras em relaccedilatildeo agrave literatura infantil era o contato direto das

crianccedilas com os livros seu manuseio e observaccedilatildeo No entanto esta era uma praacutetica menos

frequente pois as professoras principalmente das crianccedilas pequenininhas como PB e PM I

temiam que as crianccedilas ldquoestragassem os livrosrdquo como relataram ao terminarem a entrevista

Se as sessotildees de transmissatildeo vocal das histoacuterias lidas e de outros gecircneros discursivos

fossem realizadas como parte da rotina do trabalho com as crianccedilas pequenas poderiam

constituir-se como oportunidades significativas a um desenvolvimento mais amplo da infacircncia

aleacutem de gerar sentido agrave aprendizagem do ato de ler e de escrever (LIMA 2005) uma vez que

ldquoatraiacuteda pelo mundo da literatura graccedilas agraves imagens e agrave voz do mediador que confere vida agraves

histoacuterias adormecidas nos livros talvez a crianccedila chegue a desejar o poder de saber ler detido

pelo adultordquo (BAJARD 2007 p 87)

A leitura eacute uma via de acesso para participar da cultura escrita e desse modo ler se

constitui numa necessidade essencial para garantir o pertencimento e a atuaccedilatildeo ativa nessa

sociedade Nessa perspectiva a literatura o gecircnero literaacuterio deve aparecer no cenaacuterio escolar de

modo a contribuir na formaccedilatildeo de leitores e natildeo de ldquoledoresrdquo Perrotti (1999 apud SOUZA

GIROTTO 2008 p 66) distingue o ledor do leitor ao ressaltar que

O ledor prefigura aquele ser passivo imobilizado que pouco ou nada acrescenta

ao ato de ler O texto para o ledor natildeo tem aberturas porque ele decifra

mecanicamente os seus sinais Natildeo haacute misteacuterio nem criaccedilatildeo A leitura eacute

definitiva O leitor no entanto eacute moacutevel e tem um olhar indefinido errante e

criativo sobre o texto que se permite ler em suas linhas e entrelinhas

desvelando seus sinais visuais e invisiacuteveis Isto soacute ocorre quando se daacute o pacto

entre texto e leitor que o ledor natildeo se arrisca a fazer

O enfoque dado no aspecto fiacutesico do signo subsidia muitas praacuteticas educativas no iniacutecio

da aprendizagem da leitura Pode-se inferir que a preocupaccedilatildeo excessiva com a foneacutetica e com a

decodificaccedilatildeo forma crianccedilas ledoras mas natildeo leitoras Satildeo crianccedilas que apenas repetem ou

pronunciam as palavras e frases que compotildeem um texto mas que natildeo conseguem compreendecirc-

105

las e natildeo participam dialogicamente do processo de significaccedilatildeo da leitura pelas proacuteprias

condiccedilotildees educativas a que estatildeo submetidas

A literatura o gecircnero literaacuterio implica diaacutelogo interaccedilatildeo com o texto com a esteacutetica e

por isso requer para si leitores e natildeo ledores A literatura exige do leitor uma interlocuccedilatildeo

envolvimento exige esforccedilo para atuar no texto e com o texto ao lidar intensamente com os

enunciados que desvelam e revelam em si o conteuacutedo temaacutetico o estilo e a construccedilatildeo

composicional (BAKHTIN 2003 p 261) Esse esforccedilo os ledores natildeo datildeo conta de fazer

PB realiza situaccedilotildees de escrita com as crianccedilas pequenas declara que faz essas produccedilotildees

na presenccedila das crianccedilas ao coletar as falas e as informaccedilotildees dadas por elas Acrescenta que as

crianccedilas desenham apoacutes o texto ter sido escrito num cartaz que esse texto fica exposto na sala e

que por essa razatildeo imitam o gesto de leitura da professora reproduzem esse gesto humano de

ler

A anaacutelise dos trechos a seguir denota aspectos que precisam ser considerados no que se

relaciona ao ensino e agrave aprendizagem da leitura e da escrita e dos gecircneros discursivos

PM II

P e vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM II sim

P eacute e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PM II primeiro vou te contar o tipo de leitura que eu faccedilo em alguns

momentos eu leio conforme a histoacuteria do livro neacute leio as letras do livro

mesmo a histoacuteria do livro mas em outros momentos eu costumo contar a

histoacuteria tambeacutem Faccedilo o momento da histoacuteria contada porque dependendo da

faixa etaacuteria os pequenos no comeccedilo do ano de eu soacute ler livros pra eles natildeo se

interessam tanto eles se dispersam neacute desviam a atenccedilatildeo e eacute entatildeo que em

alguns momentos eu leio ou em outros eu conto para eles irem se habituando agrave

leitura do livro natildeo contar a histoacuteria assim simplesmente entatildeo eacute leio dessa

forma entatildeo eacute eu leio mais os contos ou eacute eu trabalho lendas neles eacute o

que mais leio satildeo faacutebulas mas aiacute eu natildeo enfoco tanto a moral porque eles ainda

natildeo entendem neacute (risos) mas eu natildeo costumo trabalhar assim por exemplo

com histoacuterias em quadrinhos porque satildeo muito pequenos entatildeo eacute assim pra

essa faixa etaacuteria neacute quando eu penso nos maiores daacute

P aiacute jaacute daacute

PM II aiacute jaacute daacute pra trabalhar outros gecircneros porque a poesia tambeacutem eacute

complicada pra eles entenderem o que taacute falando ali porque eacute uma linguagem

mais eacute mais conotativa

P hum estaacute certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os alunos em

quais atividades se isso acontece em quais atividades isso acontece

PM II textos deixa-me pensar entatildeo eacute difiacutecil porque crianccedila pequena

produz texto assim em alguns momentos que eu escrevo os momentos que eu

106

escrevo que eles falam mais quando assim a gente estaacute por exemplo natildeo

satildeo textos satildeo palavras geralmente por exemplo assim se eles estatildeo se dou

uma opccedilatildeo de duas histoacuterias ou trecircs histoacuterias pra turma escolher eu posso fazer

uma votaccedilatildeo entatildeo eu vou perguntando vocecirc qual histoacuteria gostaria de

ouvir eu ponho o nome da histoacuteria na lousa de repente surge outra histoacuteria

que natildeo eacute nenhuma daquelas que eu separei para as crianccedilas escolherem entatildeo

eu marco na lousa aiacute a gente faz a contagem ou de repente a gente vai falar

sobre ou ateacute mesmo falar o nome da histoacuteria o nome das crianccedilas mas assim

texto mesmo eacute quase o Maternal II eacute meio complicado

PI I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PI I costumo

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PI I eacute a maioria satildeo histoacuterias infantis mesmo contos de fada historinhas em

si infantis hum a gente lecirc muitas muacutesicas tambeacutem mas como eu escrevo na

lousa a gente acaba lendo a muacutesica neacute

P certo

PI I mas histoacuteria mesmo satildeo contos de fada

P e vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos

PI I natildeo

P sei

PI I com o Preacute III eu fazia

P certo

PI I com o Infantil I eu ainda natildeo fiz natildeo

P uma produccedilatildeo oral que vocecirc vai registrando

PI I ano passado eu fiz sabe

P eacute

PI I eu fiz brincadeiras a gente brincava na quadra e escrevia a brincadeira neacute

P certo

PI I com eles eu fiz mas com esse ano natildeo fiz natildeo

P certo e tem algum motivo especial assim por que natildeo fez ainda esse ano

PI I natildeo

Pode-se inferir que PM II e PI I tambeacutem apresentam uma praacutetica de leitura mas natildeo uma

praacutetica de re-criaccedilatildeo de textos escritos de registro de situaccedilotildees vividas de ideias de opiniotildees ou

de informaccedilotildees Quando se reporta agrave escrita com as crianccedilas refere-se agrave escrita de palavras de

nomes

Eacute possiacutevel depreender ainda que as professoras priorizam o gecircnero narrativo dos contos de

fadas e as faacutebulas Pelos elementos constitutivos desses gecircneros e pela constacircncia em que esse

gecircnero eacute lido as crianccedilas solicitam as repetidas leituras natildeo somente desse gecircnero mas

especificamente de algumas histoacuterias desse gecircnero discursivo Isso pode ser constatado ainda nos

trechos seguintes

107

PB

P e vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto e

qual tipo de texto seria esse

PB eles gostam mais de histoacuterias

P sim

PB e os pequenos gostam mais de histoacuterias com animais

P eacute mesmo

PB eacute dos animais todos eles amam pode ser qualquer histoacuteria uma

narrativa mas que tenha animais

P certo

PB mas agora os maiores jaacute natildeo eacute um conto de fada uma faacutebula eles

gostam os maiores gostam de faacutebula porque eles podem falar para o amiguinho

tambeacutem

PM II

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por um tipo de texto por

algum tipo de texto qual sua opiniatildeo

PM II Nessa faixa etaacuteria eacute soacute os claacutessicos neacute os claacutessicos

P Ah sei

PM II e geralmente eles gostam das histoacuterias que tem eacute o Lobo Mau que tem

a bruxa entatildeo tem que ter esse tipo de personagem

P e como vocecirc percebe que eles se interessam mais por esse tipo de texto

PM II olha eu acredito que seja por conta da imaginaccedilatildeo que eles tecircm que a

imaginaccedilatildeo deles eacute bem feacutertil neacute eles contam diversas histoacuterias eles

inventam eles criam eacute mesmo que de repente vocecirc comeccedila contar uma

histoacuteria de cada o que aconteceu em casa eles satildeo de repente natildeo contam

exatamente contam o que aconteceu e depois eles comeccedilam a contar inventar

criar imaginar as coisas ou uma situaccedilatildeo que eles gostariam eu acho que eacute

por isso porque os contos claacutessicos as histoacuterias de fadas e de princesas assim

mexem muito com a imaginaccedilatildeo da crianccedila

PI I

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto

PI I que eles gostam mais

P eacute tem algum tipo que causa mais que causa mais interesse

PI I eles pedem mais os que tecircm lobo que tenha mais personagem do tipo do

lobo neacute tenha bruxa eles adoram OS TREcircS PORQUINHOS neacute

P Ah Os Trecircs Porquinhos

PI I eacute o que eles mais gostam A Bela e a Fera eles adoram

P sim

PI Iacho que tem esse elemento que causa esse tipo de medo natildeo sei

108

Os registros das entrevistas de PM II denotam uma concepccedilatildeo de crianccedila incapaz

ldquoimaturardquo passiva diante daquilo que eacute ensinado porque por diversas vezes afirma que natildeo

apresenta outros gecircneros por ela ainda natildeo ter condiccedilotildees de entendecirc-los como as histoacuterias em

quadrinhos e a poesia Nessas afirmaccedilotildees encontram-se tambeacutem a limitaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico na pequena infacircncia com os diferentes gecircneros discursivos natildeo somente porque o

professor desconsidera a possibilidade da crianccedila de interagir com eles desde pequena por meio

de um ensino intencionalmente planejado mas denota possivelmente tambeacutem um

desconhecimento sobre o funcionamento dos gecircneros e suas caracteriacutesticas Desse modo vale

lembrar que

Desde o princiacutepio do processo educativo eacute necessaacuterio que a professora se

dedique ao estudo dos gecircneros discursivos e se aproprie deles compreendendo o

seu conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003)

uma vez que essa apropriaccedilatildeo possibilitaraacute organizar e planejar as formas mais

adequadas e necessaacuterias de realizar o trabalho pedagoacutegico voltado para o ensino

e a aprendizagem da leitura e buscar em cada gecircnero discursivo os aspectos

essenciais que possam envolver as crianccedilas criando nelas o interesse e o desejo

de ler (SILVA 2009 p183)

Os gecircneros do discurso podem ser uma importante ferramenta do professor para introduzir

a crianccedila agrave cultura escrita para orientar o trabalho pedagoacutegico no ensino do ato de ler e de

escrever pois ensinar a liacutengua eacute ensinar a dominar a diversidade dos gecircneros discursivos de

forma que ao reconhecerem seu conteuacutedo temaacutetico seu estilo e sua construccedilatildeo composicional as

crianccedilas possam dar-lhes sentidos em outras palavras possam ler e escrever Quando o ensino do

ato de ler e de escrever eacute realizado por meio dos enunciados natildeo eacute a leitura e a escrita como sinal

que se enfatiza natildeo eacute a decodificaccedilatildeo e a codificaccedilatildeo que se prioriza em detrimento do sentido

construiacutedo mas a leitura e a escrita como praacutetica cultural oriunda de uma concepccedilatildeo de

linguagem dialoacutegica de um conceito de liacutengua como construccedilatildeo social e ideoloacutegica que dotada

de um sistema de signos sempre pressupotildee uma atitude responsiva do outro com quem se fala

para quem se escreve Haacute uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre os discursos e entre os interlocutores

possiacutevel por meio da interaccedilatildeo social entre os sujeitos

Os dados apresentados e analisados por meio das entrevistas com as professoras permitem

tentar compreender a seguir como esses conceitos direcionadores do fazer pedagoacutegico

interferem nos conceitos que as crianccedilas tecircm sobre a leitura a escrita e os gecircneros discursivos

Com essa anaacutelise eacute possiacutevel inferir como as relaccedilotildees e os conceitos que as crianccedilas estabelecem

109

podem ser modificados dependendo das condiccedilotildees concretas de vida e de educaccedilatildeo das quais

participam

No capiacutetulo III seraacute realizada uma anaacutelise dos conceitos que as crianccedilas tecircm sobre leitura

e escrita e gecircnero discursivo cotejando-se com as respostas no iniacutecio e no final do trabalho

pedagoacutegico

110

CAPIacuteTULO III

A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCACcedilAtildeO INFANTIL O QUE

PENSAM AS CRIANCcedilAS PEQUENAS

(QUINO Mafalda no jardim-de-infacircncia Satildeo PauloMartins Fontes 1999 p 3)

O diaacutelogo dos personagens da tira remete ao processo de ensino e de aprendizagem da

escrita e seu desenvolvimento na escola desde a pequena infacircncia A liacutengua consiste num sistema

de signos simboacutelicos complexos em vez de um processo superficial de identificaccedilatildeo de letras

siacutelabas e palavras isoladas O valor de qualquer enunciado natildeo eacute determinado pela liacutengua como

sistema puramente linguiacutestico mas pelas formas de interaccedilatildeo que ela estabelece com a realidade

com sujeitos falantes com outros enunciados Todo enunciado eacute um diaacutelogo e faz parte de um

enunciado ininterrupto por esse motivo a linguagem eacute interaccedilatildeo eacute um fenocircmeno social

inseparaacutevel do fluxo da comunicaccedilatildeo verbal (BAKHTIN 1992 p 90) A liacutengua nesse cenaacuterio eacute

concebida como uma atividade de construccedilatildeo de sentidos entre os falantes

Uma crianccedila submetida apenas a um ensino teacutecnico da escrita aprende a codificar e a

decodificar mas natildeo se apropria da linguagem escrita com o objetivo pelo qual ela foi criada

para comunicar informar expressar ideias vontades e contribuir para o desenvolvimento

intelectual do homem

Como afirma Vygotski (1995) ensinam as crianccedilas as letras as siacutelabas e as palavras mas

natildeo a linguagem escrita muito mais complexa e muito mais que o aspecto teacutecnico representado

pela correspondecircncia entre letras e sons ldquoO treino de ldquoescritardquo num momento em que a crianccedila

111

natildeo estaacute preparada para essa aprendizagem torna-se lento e demorado exige um esforccedilo enorme

da crianccedila e por isso acaba por tomar a maior parte do tempo na escolardquo (MELLO 2007 p 6)

Quando a linguagem escrita eacute ensinada como uma teacutecnica se reduz agrave sinalidade e se torna

um objeto escolar A crianccedila natildeo aprende a manejar os signos erdquoaleacutem disso na maior parte das

vezes acaba sendo uma experiecircncia de fracasso pois em geral ela natildeo cumpre a expectativa da

professora ndash que eacute inadequada para a idade da crianccedilardquo (MELLO 2007 p6) As aprendizagens

da crianccedila bem como a formaccedilatildeo leitora e produtora de textos estatildeo relacionadas agraves vivecircncias

que possui agraves condiccedilotildees concretas de vida e de educaccedilatildeo das quais ela participa A vivecircncia eacute a

unidade miacutenima do psiacutequico eacute determinada pelos conjuntos das experiecircncias do sujeito pelas

situaccedilotildees concretas e pelo sentido que ela atribui (VIGOTSKI 2010)

Ao refletir sobre os registros dos dados das entrevistas das professoras concernentes aos

conceitos de leitura escrita gecircneros discursivos e sobre suas praacuteticas pedagoacutegicas trago alguns

enunciados das crianccedilas que revelam seus conceitos em dois momentos o primeiro no iniacutecio

desta pesquisa antes da realizaccedilatildeo da proposta de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos

carta relatos por meio do livro da vida e notiacutecia por meio do jornal No segundo momento

apresento os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa apoacutes a realizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros explicitados com o objetivo de perceber as possiacuteveis mudanccedilas bem

como identificar os motivos que as provocaram

31 Os conceitos das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa

C14

P C14 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C14 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e por que vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C14 tarefa

P eacute e vocecirc vai usar essa escrita pra que mais por que as pessoas tem que saber

escrever C14

C 14 pra fazer tudo

P tudo tudo o quecirc

C14 fazer as tarefas

P tarefas o que mais a gente faz quando a gente sabe escrever

C14 desenho

P desenho o que mais

C14 eacute desenho de carro

P C14 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C14 eacute tarefa

112

P quando que algueacutem jaacute sabe ler vocecirc sabe ler jaacute

C14 ((afirma com a cabeccedila))

P e como vocecirc descobriu que sabia ler

C14 minha matildee me ensinou

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu ou como vocecirc percebe que algueacutem jaacute

sabe ler

C14 natildeo sei

P estaacute bem obrigada C14

C8

P C8 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever por quecirc

C8 eacute porque eacute muito importante pra gente ler

P o que fazemos quando aprendemos a escrever o que a gente pode fazer

C8 ela faz tarefa

P podemos fazer tarefa o que mais

C8 matemaacutetica

P matemaacutetica o que mais

C8 ler livro

P ah certo e o que eacute saber ler C8

C8 saber ler eacute quem aprende mais coisas

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C8 uma crianccedila jaacute sabe ler quando ela sabe ler quando ela descobre quando

ela vai para outra escola

P aqui na escola tem algumas crianccedilas que jaacute sabem ler

C8 ((afirma com a cabeccedila))

P entatildeo natildeo precisa mudar de escola precisa

C8 natildeo mas semana que vem tem que mudar de escola (refere-se ao

proacuteximo ano em que ingressaratildeo na escola de Ensino Fundamental)

P e quando vocecirc vecirc uma crianccedila e fala assim ldquonossa aquele meu amiguinho

jaacute aprendeu a lerrdquo quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C8 porque a minha matildee me ensina a ler

P e como que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabe ler

C8 eu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a ler

P ah e eacute importante aprender a ler tambeacutem

C8 uhum

P certo obrigada viu C8

C8 de nada

Pelas falas de C14 e de C8 depreende-se que a escrita eacute utilizada para realizar tarefas

escolares e natildeo como uma forma de expressatildeo humana As crianccedilas parecem perceber que eacute

importante aprender a escrever e a ler porque se faz ldquotarefas matemaacutetica se faz tudordquo

Vygotski (1996) afirma que a escola eacute a instituiccedilatildeo por excelecircncia responsaacutevel por

garantir a apropriaccedilatildeo do saber que foi historicamente produzido e organizado pela humanidade

com o objetivo de promover a humanizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e consequentemente responsaacutevel pelo

113

ensino da leitura e da escrita e por possibilitar a apropriaccedilatildeo e a objetivaccedilatildeo desses objetos

culturais Dessa forma no processo de ensino e de aprendizagem do ato de ler e de escrever o

professor seria o principal mediador nessa instacircncia No entanto as falas indicam que as crianccedilas

atribuem agraves pessoas da famiacutelia a funccedilatildeo de ensinar-lhes o ato de ler e de escrever em vez do

professor e da escola como comumente se pensa As famiacutelias leem para as crianccedilas livros ou

outros materiais de leitura em casa e assumem o papel de mediadores que de acordo com as falas

das proacuteprias crianccedilas parecem mais eficazes que da professora da escola como C8 e C14 ldquoa

minha matildee me ensina a lerrdquo ldquoeu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a lerrdquo No

caso destas crianccedilas natildeo quer dizer que jaacute soubessem ler mas de que as famiacutelias assumiram o

papel que a escola natildeo conseguia realizar ou seja a escola dentro das condiccedilotildees concretas de

educaccedilatildeo oferecidas e vividas pelas crianccedilas ateacute aquele momento natildeo contemplava os interesses

nem mesmo criava a necessidade de virem a aprender a ler num futuro proacuteximo

No ensino do ato de ler e de escrever aleacutem da crianccedila participar de situaccedilotildees reais de

leitura e de escrita a mediaccedilatildeo do outro eacute crucial Por essa razatildeo possivelmente as crianccedilas natildeo

atribuem agrave escola a tarefa de ensinaacute-las a ler uma vez que as praacuteticas de inserccedilatildeo na cultura

escrita do ensino do ato de ler e de escrever escolares sejam ocupadas por exerciacutecios teacutecnicos

artificiais da liacutengua relacionados agrave foneacutetica Os materiais de leitura ndash livros didaacuteticos utilizados na

elaboraccedilatildeo das aulas como se verifica no capiacutetulo II na fala de PI I por exemplo ou ainda os

livros de literatura infantil natildeo satildeo utilizados para saber o que estava escrito para se informar

mas para fazer a identificaccedilatildeo de letras a correspondecircncia com os sons a formaccedilatildeo das siacutelabas e

de palavras Diante disso o que se verifica eacute que a escola propotildee exerciacutecios de codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo enquanto os atos de ler e de escrever satildeo ensinados em casa

As crianccedilas buscam o sentido do que estaacute diante dos olhos e natildeo tecem uma

distinccedilatildeo entre ler na escola e ler fora dela porque para elas as praacuteticas de leitura

satildeo praacuteticas culturais referem-se ao manejo do signo linguumliacutestico natildeo no

tratamento da palavra como sinal Assim enquanto a escola dirige o processo de

alfabetizaccedilatildeo como domiacutenio do sistema de codificaccedilatildeo acreditando estar

ensinando as crianccedilas a ler do ponto de vista dos sujeitos a aprendizagem desta

atividade ou natildeo estaacute ocorrendo ou estaacute poreacutem aleacutem de seus muros porque a

instituiccedilatildeo escolar natildeo apresenta o ler como elemento do jogo da crianccedila como

acontece nas situaccedilotildees de leitura vivenciadas em casa ou na rua (CRUVINEL

2010 p 137)

114

No processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da linguagem escrita enfatiza-se a sua utilizaccedilatildeo

para registrar vivecircncias expressar sentimentos e emoccedilotildees comunicar-se ldquoCom isso jaacute se

percebe que as atividades que em geral satildeo utilizadas para ensinar a escrever pecam por sua

finalidade e pelo sentido que imprimem agrave atividaderdquo (MELLO 2005 p29) Desse modo a

escrita se constitui como tarefa como algo eminentemente escolar como uma tarefa de estudo

em razatildeo de o ensino da escrita valorizar o ensino de letras e siacutelabas na correspondecircncia entre

letra e som desde a Educaccedilatildeo Infantil como foi analisado nos registros das entrevistas com as

professoras no capiacutetulo anterior Ao se fazer isso parece que se busca uma forma de tornar o

processo de apropriaccedilatildeo da escrita mais simples mas os resultados demonstram o contraacuterio Ao

se acreditar que ensinar primeiramente letras e siacutelabas para num momento posterior chegar aos

processos de comunicaccedilatildeo e expressatildeo deixa-se de utilizar a escrita com a funccedilatildeo para a qual foi

criada

Os exerciacutecios de escrita que de um modo geral preenchem boa parte do tempo

das crianccedilas nos uacuteltimos anos da educaccedilatildeo infantil e no iniacutecio do ensino

fundamental satildeo em geral tarefas de treino de escrita de letras siacutelabas e

palavras que natildeo constituem atividade de expressatildeo De um modo geral insiste-

se no reconhecimento das letras ndash com as quais a crianccedila natildeo lecirc nada Esse

trabalho com letras e siacutelabas dificulta a percepccedilatildeo pela crianccedila de que a escrita eacute

um instrumento cultural Escrever em lugar de expressar uma informaccedilatildeo uma

emoccedilatildeo ou um desejo de comunicaccedilatildeo toma para a crianccedila o sentido de

atividade que se faz na escola para atender a exigecircncia do professor Da mesma

forma se daacute com a leitura E esse sentido marca a relaccedilatildeo que a crianccedila vai

estabelecer com a escrita no futuro ao enfatizar o aspecto teacutecnico comeccedilando

pelo reconhecimento das letras e gastando um periacuteodo longo numa atividade que

natildeo expressa informaccedilatildeo ideia ou desejo pessoal de comunicaccedilatildeo ou expressatildeo

a escola acaba por ensinar agrave crianccedila que escrever eacute desenhar as letras quando de

fato escrever eacute registrar e expressar informaccedilotildees ideias e sentimentos (MELLO

2005 p 30)

A afirmaccedilatildeo de que por meio desse ensino do coacutedigo a escola acaba por ensinar a

desenhar as letras remete agrave fala de C14 quando ao ser indagada sobre o que mais eacute possiacutevel fazer

quando se aprende a escrever aleacutem de fazer tarefa responde ldquodesenhordquo E ao retomar a

pergunta ldquodesenho o que maisrdquo responde ldquoeacute desenho de carrordquo Essas falas aparentam

revelar que desenhar letras e desenhar objetos pertencem agrave mesma accedilatildeo A crianccedila natildeo

compreende que a escrita serve para dizer coisas para registrar para ler depois para se lembrar

de algo para comunicar e expressar ideias Para C14 se aprende a ler para fazer tarefas

115

Embora C8 afirme que eacute importante aprender a escrever para fazer tarefa revela que uma

crianccedila jaacute sabe ler quando descobre que pode ir para a escola do Ensino Fundamental Essas

afirmaccedilotildees relacionam-se ao discurso das professoras que na intenccedilatildeo de ldquoprepararemrdquo as

crianccedilas para essa modalidade de ensino introduzem o ensino do ato de ler e de escrever focado

na sinalidade e na sonorizaccedilatildeo Nesse contexto a Educaccedilatildeo Infantil se reduz a uma etapa da vida

da crianccedila em que ela recebe na escola da pequena infacircncia os conhecimentos que falsamente se

julgam necessaacuterios para ingressar e ser bem sucedida no Ensino Fundamental A leitura e a

escrita objetos da cultura passam a ser objetos de escola (CRUVINEL 2010) Acredita-se que

se a crianccedila for submetida a esse ensino preparatoacuterio poderaacute supostamente aprender a ler e a

escrever para natildeo envergonhar-se e natildeo envergonhar a escola diante de pessoas estranhas

C1

P vocecirc acha importante C1 saber escrever

C1 eu sei mas somente o meu nome

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P acha e por que vocecirc acha importante a gente saber escrever

C1 porque eu natildeo sei

P por que vocecirc acha que isso eacute importante para que a gente precisa aprender a

escrever

C1 porque a gente vai crescendo e vai aprendendo

P eacute e pra fazer o que depois com essa escrita

C1 eacute ((silencia))

P e o que vocecirc vai usar por exemplo quando vocecirc aprender a escrever vocecirc

vai usar para que isso

C1 porque sim

P pra que a gente aprende a escrever

C1 porque nossos pais fazem a gente escrever

P ah C1 o que eacute saber ler

C1 eacute para aprender

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C1 tem que ter seis anos para saber ler

P ah quando tem seis anos mas tem gente que aprende antes dos seis anos

natildeo aprende

C1 a hatilde

P e aiacute

C1 hum

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler quando que vocecirc olha para um

amiguinho e diz aquela pessoa jaacute sabe ler como eacute que vocecirc percebe isso

C1 eacute porque um dia a V ((refere-se a uma colega da turma)) conseguiu ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu que ela fez isso

C1 porque ela estava vendo o livrinho e prestando atenccedilatildeo nos desenhos

P eacute mesmo

116

C1 e a professora deu um pontinho

P quando foi isso

C1 ah quando a gente estudava com a outra professora ((refere-se a professora

do ano anterior)

P muito obrigada viu C1

C1 taacute obrigada

A expectativa dos pais em querer que seus filhos se alfabetizem precocemente na

Educaccedilatildeo Infantil pode ser verificada na fala de C1 ldquoporque nossos pais fazem a gente escreverrdquo

Essa crianccedila possivelmente era submetida em casa a exerciacutecios de leitura e de escrita na tentativa

dos pais de alfabetizaacute-la possivelmente de uma forma impositiva Admite que sabe escrever

somente o nome A ideia de quanto mais cedo se escolarizar mais chances a crianccedila teraacute de

alcanccedilar o sucesso na vida profissional leva natildeo somente os professores da Educaccedilatildeo Infantil

mas tambeacutem os pais a terem praacuteticas de ensino da leitura e da escrita artificiais que

desconsideram os interesses e as especificidades do desenvolvimento infantil Disso resulta que a

inserccedilatildeo na cultura escrita ocorre de forma a natildeo contemplar a crianccedila nas relaccedilotildees em que ela

pode estabelecer com a escrita e com a leitura e que esse processo pode ser destituiacutedo de sentido

positivo a sua apropriaccedilatildeo

C1 afirma que a colega de turma jaacute sabe ler porque a viu observando os desenhos do livro

Esse fato revela as ideias que C1 apresenta sobre a leitura Para ler eacute preciso buscar indiacutecios

pistas no texto as ilustraccedilotildees satildeo elementos importantes porque dizem coisas datildeo informaccedilotildees e

dialogam com o leitor e com o texto Ao afirmar que V sabe ler porque viu o livrinho e prestou

atenccedilatildeo nos desenhos provavelmente identificou nessa colega condutas de um leitor

C1 ainda afirma que quando sua colega apresentou essa mesma conduta que remetia ao

ato de ler quando estava na turma do ano anterior sua professora deu um ldquopontinhordquo Ao analisar

essa fala pode-se inferir que desde cedo jaacute na Educaccedilatildeo Infantil a leitura eacute motivada por

ldquopontinhosrdquo e recompensas quando as crianccedilas leem o que eacute pedido ou da forma como eacute

solicitado Nesse caso natildeo se trata de criar a necessidade de ler mas a vontade de ganhar uma

possiacutevel recompensa pelos esforccedilos em decodificar ainda tatildeo precocemente Essa fala de C1 estaacute

em consonacircncia com as falas das professoras e de suas praacuteticas do ensino do ato de ler Quanto a

isso Arena (2010b p 244 ndash 245 grifos do autor) explica que

A grande diferenccedila estaacute na atitude de ensinar a ler O sistema linguumliacutestico do

portuguecircs ou de outras liacutenguas ocidentais pode ser considerado uma tecnologia

117

elaborada cultural social e historicamente em profunda e contiacutenua evoluccedilatildeo

porque natildeo estaacute congelada em abstrato mas pelo contraacuterio estaacute viva na relaccedilatildeo

entre os seus usuaacuterios e seus escritores na Europa na Aacutesia na Aacutefrica e na

Ameacuterica Esse sistema eacute apropriado pela crianccedila na escola porque essa crianccedila

tambeacutem eacute um ser cultural histoacuterico e social que motivada por essas relaccedilotildees

quer conhecer o mundo por esse sistema Nessa linha de raciociacutenio os elementos

teacutecnicos dessa tecnologia cultural devem ser dominados porque existe uma

atitude de leitor que busca o sentido esse sim o motivo que cria a necessidade de

a crianccedila querer aprender a ler A liacutengua escrita soacute pode ser lida porque haacute nela

um sentido a ser recriado por um sujeito cultural A diferenccedila estaacute pois na

atitude do leitor orientada pelo professor que sempre tenta atribuir um sentido e

natildeo o sentido (FOUCAMBERT 1998) embora para isso seja preciso dominar o

funcionamento do sistema linguumliacutestico e das relaccedilotildees entre as letras sem descuido

da atitude primeira para a formaccedilatildeo do leitor a de atribuir sentido

Essas afirmaccedilotildees remetem ainda ao fato de que a leitura para a crianccedila nesse contexto

corre o risco de ser somente uma tarefa e natildeo se tornar uma atividade (LEONTIEV 1988) uma

vez que a crianccedila se esforccedila para alcanccedilar uma recompensa e natildeo para satisfazer uma curiosidade

para conhecer para se informar para se divertir O motivo que levou a crianccedila a ler natildeo coincide

com o resultado previsto para a accedilatildeo

Haacute ainda outro aspecto que pode ser considerado em relaccedilatildeo ao ldquopontinhordquo Ao mesmo

tempo em que usa esse recurso para avaliar a ldquoleiturardquo daacute agrave crianccedila um retorno positivo

indicativo de que teve sucesso nessa accedilatildeo Natildeo se pode afirmar que ela nessas condiccedilotildees

aprendeu a ler mas eacute uma forma de mostrar seu ecircxito por meio dessa accedilatildeo docente

C11

P C11 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C 11 eu acho

P e por que vocecirc acha que eacute

C11 eu queria quando crescer ser um escritor de histoacuterias

P ah quando vocecirc crescer vocecirc quer ser um escritor que maravilhoso C11 e

por que vocecirc acha que eacute importante pra gente escrever

C11 porque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar inteligente

P eacute e o que daacute pra gente fazer quando a gente jaacute sabe escrever o que a gente

pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C11 ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu

mais gosto

P natildeo o que

C11 eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleia

P nossa satildeo vaacuterios neacute ((risos)) C11 e pra vocecirc o que eacute saber ler quando

uma crianccedila jaacute sabe ler

C11 eacute quando ela tem uns oito anos dez anos

P mas vocecirc jaacute disse que jaacute estaacute comeccedilando a ler natildeo estaacute

118

C11 to

P e vocecirc jaacute tem oito anos

C11 natildeo

P natildeo entatildeo natildeo precisa ter oito anos para aprender a ler precisa

C11 natildeo eacute soacute juntar as palavrinhas que jaacute consegue ler

P eacute mesmo e vocecirc jaacute faz isso entatildeo

C11 hum hum ((afirma com a cabeccedila))

P ah taacute entatildeo estaacute bem

C11 minha matildee escreve no guarda roupa pra mim e eu tenho que ler aiacute eu leio

GUAR-DA-ROU-PA mamatildee natildeo sabe escrever tudo

P natildeo mas algueacutem pode ajudaacute-la quando souber

C11 meu pai sabe escrever tudo

P eacute mesmo

C11 eacute sim

Pela anaacutelise da fala de C11 depreende-se que a crianccedila reconhece a escrita como uma

forma de saber coisas de ter acesso ao conhecimento de se apropriar da cultura elaborada e por

tal razatildeo aparenta reconhecer a necessidade de se apropriar da cultura escrita ao dizer ldquoeu queria

quando crescer ser um escritor de histoacuteriasrdquo e quando reitero a pergunta sobre por que acha

importante saber escrever responde ldquoporque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar

inteligenterdquo Como abordado anteriormente a escrita por ser um instrumento cultural complexo

(VYGOTSKI 1995) resulta de um longo processo de desenvolvimento das funccedilotildees superiores do

comportamento infantil que Vygotski denominou de preacute-histoacuteria da linguagem escrita Quando

C11 diz que acha importante saber escrever porque fica inteligente eacute porque aparenta perceber

que aprender a escrever eacute algo complexo que exige dela um esforccedilo ensinado por algueacutem mais

experiente pelo pai pela matildee ou algueacutem da famiacutelia Com isso deduz-se que natildeo se aprende a

escrever soacute por imitaccedilatildeo e que esse instrumento serve para comunicar suas ideias quando diz que

deseja ser um escritor de histoacuterias Por outro lado C11 pode ter declarado que deseja ser um

escritor de histoacuterias porque isso lhe confere prestiacutegio social Saber ler e escrever lhe confere um

status diante da proacutepria famiacutelia dos colegas da professora e garante supostamente que ela

participe da cultura de forma mais ativa

A escrita comeccedila entre o gesto e o signo escrito haacute dois elementos que se interpotildeem o

desenho e o faz-de conta (VYGOTSKI 1995) Esse processo pode ser constatado na fala de C11

quando revela ldquo ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu mais

gosto eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleiardquo Em outras palavras a crianccedila aparenta demonstrar

119

que o desenho representa ideias e que num passo seguinte a escrita o faraacute Segundo Vygotski

(1995 p 192 ndash 193 traduccedilatildeo nossa)

Por tudo isso podemos considerar que o desenho infantil eacute uma etapa preacutevia agrave

linguagem escrita Por sua funccedilatildeo psicoloacutegica o desenho infantil eacute uma

linguagem graacutefica peculiar um relato graacutefico sobre algo A teacutecnica do desenho

infantil demonstra sem deixar duacutevida que na realidade se trata de um relato

graacutefico ou seja uma peculiar linguagem escrita16

Pode-se inferir que C11 entende que para ler eacute preciso juntar palavras unidades de

sentido e a matildee tambeacutem tenta ensinar a crianccedila a ler ao escrever Por exemplo pode escrever a

palavra guarda-roupa num papel fixaacute-la no proacuteprio moacutevel que o corresponde e solicitar que a

crianccedila leia Disso decorre que aprender a linguagem escrita como um sistema de codificaccedilatildeo natildeo

eacute suficiente para que as crianccedilas possam se apropriar dessa linguagem participar da cultura

escrita e se tornar leitoras e escritoras

C6

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C6 importante

P eacute vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C6 eu acho

P e por que eacute importante aprender a escrever

C6 hum para a gente aprender mais

P aprender mais e o que a gente pode fazer depois que a gente aprende a

escrever

C6 escreve

P escreve o quecirc por exemplo

C6 escreve para professora para o amiguinho

P ah escreve para a professora para os amigos eacute

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P hum C6 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 somente quando estuda na outra escola dos grandes (refere-se agraves crianccedilas

com mais de seis anos e a escola de Ensino Fundamental)

P somente quando vai para laacute e antes natildeo pode aprender

C6 antes aprende tambeacutem

P entatildeo e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 quando estiver em outras escolas assim

16

Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 192 ndash 193) Por todo ello podemos considerar que el dibujo infantil

es una etapa previa al lenguaje escrito Por su funcioacuten psicoloacutegica el dibujo infantil es un lenguaje graacutefico peculiar

un relato graacutefico sobre algo La teacutecnica del dibujo infantil demuestra sin lugar a duda que en realidad se trata de un

relato graacutefico es decir un peculiar lenguaje escrito

120

P vocecirc tem alguma amiguinha aqui na nossa escola que jaacute sabe ler

C6 natildeo

P nenhuma

C6 nenhuma

P ah e quando uma pessoa jaacute sabe ler vocecirc fala assim nossa aquela crianccedila

ali jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem estava lendo

C6 eu jaacute sei ler

P e como eacute que vocecirc sabe o que vocecirc faz quando vocecirc lecirc como vocecirc faz pra

ler

C6 eu fico juntando as letrinhas (novamente discurso da professora ou da

matildee)

P ah vocecirc fica juntando as letrinhas e vai conseguindo ler

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P eacute assim

C11 eacute

P ah entendi entatildeo jaacute aprendeu

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P que bom obrigada viu C6

C6 de nada

Eacute possiacutevel dizer pela anaacutelise das falas de C6 que ela percebe a funccedilatildeo social da escrita e

que essa linguagem assim como a leitura se faz na interaccedilatildeo com o outro de forma dialoacutegica

Em outras palavras se escreve para algueacutem ler para um destinataacuterio real com o intuito de

informar algo de dizer algo ldquoescreve para a professora para os amigosrdquo Esta crianccedila tambeacutem

sugere por meio de sua fala como as falas jaacute apresentadas que a aprendizagem da escrita ocorre

quando satildeo maiores quando possuem mais idade e estatildeo no Ensino Fundamental apesar de

admitirem que saibam ler ainda na Educaccedilatildeo Infantil

Os discursos das professoras se encontram presentes nos discursos das crianccedilas Percebe-

se que por meio das vivecircncias das praacuteticas do ensino do ato de ler e do escrever na escola da

pequena infacircncia o estatuto de crianccedila para o de aluno natildeo se modifica quando elas ingressam no

Ensino Fundamental porque satildeo forccediladas a assumir o estatuto de aluno jaacute na Educaccedilatildeo Infantil

com a consequente abreviaccedilatildeo da infacircncia (ZAPOROacuteZHETS 1987) aleacutem de contribuir para que

o processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita se tornem um possiacutevel fracasso para a crianccedila

No entanto ao ser indagada como faz para ler explica que ldquofica juntando as letrinhasrdquo O

problema natildeo reside no fato de a crianccedila aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil mas na

forma como isso acontece destituiacuteda de sentido positivo sem que entenda a finalidade dessa

aprendizagem Focar o ensino da liacutengua desde o iniacutecio no ensino de letras siacutelabas e palavras

desconexas em detrimento do trabalho com textos que trazem ideias eacute dificultar todo o processo

121

de apropriaccedilatildeo da liacutengua porque ldquodificulta a percepccedilatildeo pela crianccedila que a escrita eacute um

instrumento culturalrdquo (MELLO 2005 p 30) Escrever de forma teacutecnica artificial em vez de

expressar um desejo de expressatildeo uma informaccedilatildeo uma emoccedilatildeo ldquotoma para a crianccedila o sentido

de atividade que se faz na escola para atender agrave exigecircncia do professor Da mesma forma se daacute

com a leiturardquo (MELLO 2005 p 30)

C16

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C16 acho

P por que vocecirc acha importante saber escrever

C16 porque ensina mais

P quem

C16 vocecirc ((refere-se a mim que sou professora da turma e pesquisadora))

P e vocecirc o que vocecirc vai poder fazer quando vocecirc souber escrever

C16 eacute carta

P carta Olha eacute mesmo que legal o que mais a gente pode fazer aleacutem de

escrever cartas

C16 a gente tambeacutem pode fazer uma histoacuteria

P pode escrever uma histoacuteria eacute mesmo neacute hum muito bem e o que eacute saber

ler

C16 eacute quando as pessoas fazem algum tipo de histoacuteria

P quando vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C16 quando ele estaacute contando uma histoacuteria

P ah eacute e como vocecirc sabe que isso acontece

C16 por que ah eu natildeo lembro

P quando que vocecirc olha e falanossa aquele meu amiguinho ali jaacute sabe ler

como que vocecirc percebe o que esse amiguinho agraves vezes faz que vocecirc percebe

que ele jaacute sabe ler

C16 eu acho que ele treina

P treina e como

C16 ele pega algum livrinho emprestado e comeccedila a ler

P eacute e como eacute que faz pra treinar

C16 treinar eacute soacute juntar as letras

P ah e vai juntando as letras assim

C16 aham

P e vai aprendendo e vai treinando

C16 Aham

P certoentatildeo estaacute bom obrigada

Embora a entrevista realizada com os sujeitos no iniacutecio da pesquisa tenha sido realizada

em maio de 2010 ndash no quarto mecircs de trabalho com essa turma ndash C16 afirma que acha importante

aprender a escrever porque a professora (no caso eu mesma) ensina mais Ao ser indagada sobre

o que vai poder fazer quando souber escrever afirma que poderaacute escrever cartas e histoacuterias Essa

122

crianccedila jaacute havia assim como as demais da turma recebido cartas de uma turma de crianccedilas de

outra escola e participado de algumas situaccedilotildees de escrita de histoacuterias coletivamente como parte

do trabalho pedagoacutegico realizado o que muito possivelmente possa ter influenciado a sua

resposta Eacute possiacutevel perceber as marcas das accedilotildees e dos discursos docentes na fala dessa crianccedila

como nas demais e essas marcas atuam diretamente nos conceitos que elaboram

Em contrapartida para C16 a leitura eacute algo que exige treino e esse treino se constitui em

juntar as letras Ao juntar letras treina e aprende a ler Esta afirmaccedilatildeo coincide com as falas das

professoras que como foi analisado no item anterior possuem conceitos que interferem

diretamente em suas praacuteticas de ensino da leitura e da escrita e consequentemente nas

aprendizagens Isso se verifica nas falas das professoras retomadas para perceber essa

interferecircncia PM II ldquoah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo

mais prontas jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepido

jaacute entendem melhor o que a gente ensina se bem que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar

antes no maternal mas no Infantil II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra

ao som conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou mostrando

trabalho muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu vou oferecendo mais vou

puxando sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro demais pra elasrdquo Ou ainda como explicita

PI I ldquoeles jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles

onde estaacute escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute

acha o siacutembolo da palavra jaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a

palavra antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra eles jaacute

comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com

tal letra entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do

Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo tendo contato com a escrita neacuterdquo

Nesse contexto cabe lembrar que

Partindo desse pressuposto no qual a apropriaccedilatildeo da linguagem (que no caso a

escrita) age como mola propulsora para o desenvolvimento humano eacute que natildeo

podemos concordar com a alfabetizaccedilatildeo sendo ldquoensinadardquo ou melhor

ldquotreinadardquo como se fosse um conhecimento mecacircnico norteado por exerciacutecios

repetitivos e descontextualizados como se a aprendizagem ocorresse quando

estes procedimentos didaacuteticos esteacutereis fossem completados com ldquoecircxitordquo Esta eacute

uma forma de considerar que a aprendizagem ocorre de ldquodentro para forardquo

123

reduzido unicamente por caracteres bioloacutegicos ndash espontacircneos (CHAVES

GRACILIANO GROTH 2011 p 5)

E continua

A preocupaccedilatildeo algumas vezes tem sido manifestada na praacutetica escolar em

ensinar a decodificaccedilatildeo de letras gerandodesencadeando uma leitura mecacircnica

ndash amortizada ndash ignorando o papel fundamental que ela proporciona ao

desenvolvimento intelectualcognitivo cultural e emocional da crianccedila

(CHAVES GRACILIANO GROTH 2011 p 5)

C16 afirma que algueacutem jaacute sabe ler quando ldquoele estaacute contando uma histoacuteria bem certardquo

Pode-se inferir que contar uma histoacuteria bem certa refere-se possivelmente agrave manifestaccedilatildeo da

leitura em voz alta que C16 jaacute presenciou algueacutem fazer Ao se referir a ldquocontarrdquo quer dizer que

ouviu e viu algueacutem fazer isso e de forma ldquobem certardquo porque a pessoa leu uma histoacuteria num livro

a histoacuteria em seu suporte e por isso natildeo era algo inventado mas lido tal e qual fora escrito

Essa manifestaccedilatildeo do ato de ler pela leitura em voz alta tambeacutem

pode ser percebida nos trechos a seguir

C12

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler C12

C12 hum

P quando que algueacutem jaacute sabe ler a sua irmatilde jaacute sabe ler

C12 sabe

P e como eacute que vocecirc sabe que ela jaacute sabe ler o que vocecirc percebeu que ela faz

que te mostra que ela jaacute sabe ler

C12 ela leu a histoacuteria do Saci na minha casa

P ela leu a histoacuteria do saci na sua casa

C12 eacute

P e como eacute que vocecirc viu que ela estava lendo

C12 ah porque ela contou pra mim

P ela contou pra vocecirc

C12 eacute

P ah certo e vocecirc gostou

C12 gostei

P obrigada

C20

P C20 o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C20 de anos

124

P quando vocecirc acha que algueacutem aprendeu a ler que vocecirc olha assim e fala

olha aquela garota jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 porque eles ficam falando porque eles pegam uma folha e ficam

falando

P ah eacute falam alto

C20 eacute

P aiacute vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 eacute

P ah certo muito obrigada

C20 taacute

Os dados apresentados aparentam revelar que as crianccedilas mencionadas percebem que a

leitura eacute algo que ocorre no interior do pensamento mas que eacute objetivada na medida em que se

fala em que se oraliza Contudo natildeo eacute possiacutevel afirmar que a irmatilde de C12 e as pessoas as quais

C16 e C20 dizem ler de fato estatildeo lendo porque ler natildeo eacute apenas oralizar natildeo eacute fazer uma versatildeo

oral do escrito (FOUCAMBERT 1994) natildeo eacute somente decodificar Ler segundo o conceito

assumido neste trabalho eacute compreender eacute produzir sentido eacute questionar o texto como elucida

Arena (2004 sp) ldquoler eacute compreenderrdquo E saber pronunciar natildeo eacute saber ler E ver letra por letra

ou siacutelaba por siacutelaba natildeo eacute saber lerrdquo Ler eacute dialogar com o texto eacute interagir dialogicamente ldquoeacute

fazer perguntas desejadas para a linguagem organizada em sua modalidade escrita com a

perspectiva de encontrar respostas precaacuterias ou satisfatoacuterias para perguntas fragilmente

elaboradasrdquo (ARENA 2004 sp)

Segundo Charmeux (apud BAJARD 2005) a oralizaccedilatildeo eacute uma emissatildeo vocal que nasce

da decifraccedilatildeo e eacute anterior agrave produccedilatildeo de sentido e por essa razatildeo dificulta a aprendizagem

ldquoQuando o aprendizado da leitura se faz pela decifraccedilatildeo a produccedilatildeo sonora traduz o domiacutenio das

relaccedilotildees grafo-foneacuteticasrdquo (BAJARD 2005 p 76) Nessa perspectiva de aprendizagem a

compreensatildeo se daacute com a sonorizaccedilatildeo do texto ou seja pela oralizaccedilatildeo e a construccedilatildeo do sentido

pertence ao campo do oral e natildeo do escrito A oralizaccedilatildeo permite avaliar essa habilidade de

transformar os signos escritos em signos sonoros Entretanto essa habilidade eacute insuficiente para o

aprendizado da leitura porque natildeo pressupotildee a compreensatildeo a produccedilatildeo de sentido Para Bajard

(2007 p32)

Desde o nascimento do alfabeto a praacutetica da leitura estaacute fortemente associada agrave

emissatildeo sonora do texto Esse caraacuteter vocal da leitura estaacute estreitamente

relacionado a outros aspectos do uso da escrita que vatildeo se modificando pouco a

pouco sob a influecircncia das transformaccedilotildees sociais

125

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que C12 declara que a irmatilde leu a histoacuteria do Saci na casa

dela mas quando se pergunta como ela percebeu que ela lera a histoacuteria C12 responde que ela

contou a histoacuteria a ela Essa fala indica a existecircncia de duas accedilotildees a de ler e a de contar

C3

P C3 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C3 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute eacute importante aprender a escrever e por que vocecirc acha que eacute importante

C3 por quecirc eacute para poder escrever as cartas no dia do aniversaacuterio para poder

dar para os amigos (refere-se agrave convites de aniversaacuterio)

P ah entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode escrever cartas para os

amigos convites de aniversaacuterios o que mais a gente pode fazer quando a

gente sabe escrever

C3 a gente tambeacutem pode dar para as professoras coisa boa que estaacute escrita

P eacute mesmo e que tipo de coisas boas assim

C3 elogios de amor de felicidade

P nossa que gostoso entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode fazer

um montatildeo de coisas neacute

Gabriela eacute

P C3 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C3 eacute eu natildeo sei quais os dias

P natildeo os dias natildeo mas como que vocecirc percebe que algueacutem sabe ler

C3 eacute porque minha matildee conta histoacuterias pra mim todos os dias aiacute eu ouccedilo

P vocecirc conhece algueacutem que sabe ler a sua matildee por exemplo sabe ler

C3 o meu avocirc

P o seu avocirc tem amiguinhos seus que jaacute sabem ler

C3 tem

P tem

C3 a minha amiga G e minha outra amiga que chama D

P e como eacute que vocecirc sabe que elas jaacute sabem ler

C3 porque elas satildeo grandes

P ah eacute mas uma crianccedila menor pode aprender a ler natildeo pode

C3 pode minha matildee me ensina

P entatildeo mas como eacute que vocecirc fala assim nossa aquela pessoa ali jaacute sabe

ler

C3 eacute porque eu fico estudando todos os dias lendo eu fico falando o alfabeto

assim oacute Q E M A B

P Ah e aiacute falando as letras vocecirc vai aprendendo

C3 eacute

P a ler falando o alfabeto

C3 eacute

P entendi muito obrigada viu

C3 parece compreender que a escrita eacute algo necessaacuterio para comunicar para informar

para expressar vontades desejos ideias sentimentos quando diz que eacute importante escrever

126

porque pode se escrever cartas (refere-se a convites) de aniversaacuterio para dar aos amigos ou ainda

para comunicar a professora o que pensa ou sente por ela ldquoa gente tambeacutem pode dar para as

professoras coisa boa que estaacute escrita elogios de amor de felicidaderdquo Possivelmente esta

crianccedila afirma que se podem escrever cartas ou elogios para as pessoas de quem se gosta porque

no ano da realizaccedilatildeo da pesquisa jaacute havia presenciado ainda que de forma inicial situaccedilotildees de

leitura e de escrita com alguns gecircneros discursivos com destinataacuterios reais em que as crianccedilas

participaram de todo o processo de discussatildeo escolha e re-criaccedilatildeo dos textos movidas por um

objetivo e um projeto coletivo ou individual

Apesar de ter participado na ocasiatildeo da entrevista no iniacutecio da pesquisa de algumas

poucas situaccedilotildees de leitura e escrita percebe-se em contrapartida que o enunciado de C3 com

relaccedilatildeo ao aprendizado da leitura e da escrita estaacute diretamente relacionado aos enunciados das

professoras entrevistadas suas concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas quando revela que para

aprender a ler repete oralmente as letras o alfabeto Essa fala de C3 remete a pesquisadora para

as praacuteticas escolarizadas de leitura que possivelmente estatildeo presentes desde cedo na Educaccedilatildeo

Infantil Vygotski (1995 p 201) afirma que o ensino da escrita pode ocorrer jaacute na preacute-escola

desde que seja apresentado para a crianccedila de forma natural com significado e organizado para

que estes conhecimentos sejam necessaacuterios a ela pois do contraacuterio corre-se o risco de fazer

acontecer uma praacutetica puramente teacutecnica

Desse modo o que se enfatiza natildeo eacute o fato de as crianccedilas aprenderem a ler e a escrever na

Educaccedilatildeo Infantil mas como isso ocorre isto eacute de forma forccedilada impositiva como indicam as

praacuteticas pedagoacutegicas das professoras Se essas praacuteticas satildeo focadas nos exerciacutecios motores no

caso da leitura nada exprimem da essecircncia da praacutetica social da leitura e da escrita cuja funccedilatildeo e

valor estatildeo culturalmente determinados (BRITTO 2005)

A crianccedila a seguir C5 tambeacutem aparenta compreender a funccedilatildeo da escrita

C5

P C5 vocecirc acha importante aprender a escrever ou saber escrever

C5 eu jaacute sei

P vocecirc jaacute sabe escrever mesmo o que vocecirc faz agora por vocecirc jaacute sabe escrever

C5 ler histoacuteria pra minha irmatilde dormir

P ah que legal vocecirc lecirc histoacuterias para sua irmatilde dormir e ela gosta

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute mesmo C5 o que a gente pode fazer quando a gente aprende a escrever

C5 falar coisas para os amigos

127

P eacute falar ou escrever

C5 escrever

P eacute que tipo de coisas

C5 uma coisa que eles natildeo sabem depois vocecirc fala

P escreve

C5 depois vocecirc fala o que eacute se natildeo sabe

P ah aiacute vocecirc estaacute lendo natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever entatildeo

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e o que eacute saber ler

C5 eacute que aprende muitas coisas

P e quando que uma crianccedila jaacute sabe ler vocecirc por exemplo vocecirc falou pra

mim que jaacute sabe ler natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P quando que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabia ler

C5 aquele dia que eu fui falar as letras

P ah vocecirc foi falando e foi aiacute que vocecirc percebeu

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute como que vocecirc faz pra ler C5

C5 fala as letras e depois eu adivinho

P ah vocecirc fala as letras e depois adivinha hum entatildeo estaacute bem muito

obrigado viu

A crianccedila revela que por saber escrever auxilia os amigos e a irmatilde que ainda natildeo sabem

Escreve coisas e depois as lecirc para que essas pessoas fiquem sabendo participando assim desse

ato comunicativo da cultura escrita Ao declarar que lecirc histoacuterias para a irmatilde dormir C5 realiza

um costume cultural o ato cultural de ler (ARENA 2010b) que foi aprendido apropriado por ela

mas esse ato cultural foi ensinado supostamente pela matildee ou algum outro familiar e natildeo pela

escola

Essas falas de C5 tambeacutem remetem ao fato de que a escrita e a leitura satildeo dialoacutegicas

acontecem na relaccedilatildeo com o outro A dimensatildeo do dialoacutegico que envolve as relaccedilotildees sociais o

espaccedilo social e as matrizes geradoras de educaccedilatildeo satildeo ressaltadas nesse trabalho de ensino e de

aprendizagem da leitura e da escrita considerando-se o contexto em que esse processo se daacute

Nesse vieacutes o ensino da liacutengua soacute ocorre se se considerar essa dimensatildeo ou seja se se considerar

o processo interativo da linguagem com trocas linguiacutesticas dinacircmicas entre as pessoas e os

valores proacuteprios da cultura e da sua historicidade

C5 diz que fala letras e depois adivinha Isso demonstra que para ler eacute necessaacuterio

ldquoadivinharrdquo e essa afirmaccedilatildeo se refere ao fato de ser necessaacuterio buscar pistas no texto C5 ainda

128

diz que ldquoadivinhardquo porque eacute preciso esforccedilo para compreender e nesse processo eacute preciso arriscar

verificar confirmar ou natildeo voltar e tentar novamente validar

Aleacutem dos conceitos de leitura e de escrita abordados seratildeo apresentados e analisados os

dados sobre os gecircneros discursivos com o intuito de compreender como esse processo de se daacute no

contexto especiacutefico deste trabalho

C6

P C6 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C6 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C6 mais gosto eacute Cinderela

P hum e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C6 porque eu acho mais bonito

P eacute e o que elas tem que deixa mais bonita a histoacuteria

C6 eacute porque a fada transforma num vestido rosa

P C6 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

reportagens poesias notiacutecias

P tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C6 histoacuteria conheccedilo da Chapeuzinho Vermelho

P qual mais

C6 Ahn deixa eu ver Branca de Neve

P certo

C6 Pequena Sereia

P certo

C6 E

P mais alguma

C6 natildeo

C2

P C2 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C2 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C2 Os Trecircs Porquinhos

P Os Trecircs Porquinhos eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C2 porque Os Trecircs Porquinhos fazem uma Os Trecircs Porquinhos eacute um eacute burro

e outro eacute esperto

P ah eacute C2 aleacutem de histoacuterias tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C2 O caso do bolinho (refere-se a histoacuteria de autoria de Tatiana Belinky)

P O caso do bolinho eacute outra histoacuteria neacute mas sem ser histoacuterias poesias por

exemplo vocecirc conhece jaacute ouviu algumas poesias alguma vez

C2 eacute A Branca de Neve

P A Branca de Neve hum e vocecirc costuma usar livros na escola vocecirc natildeo

costuma pegar livros na caixinha da leitura

C2 somente gosto de pegar o livro do Aladim e do catildeo

129

P mas entatildeo vocecirc usa livros na escola

C2 ((afirma com a cabeccedila))

P e em casa vocecirc usa livros vocecirc tem livros na sua casa

C2 uhum

P tem

C2 meu irmatildeo daacute pra eu ler

P e quais livros ele daacute pra vocecirc ler

C2 aquele que tem a Barba Azul

P ah certo C2 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem

histoacuterias poesias ou outros textos aleacutem dos livros

C2 Aquela da bruxa ruim que daacute a maccedilatilde ruim pra Branca de Neve

Pela anaacutelise das falas pode-se inferir que haacute uma predominacircncia do gecircnero discursivo

contos de fada que faz parte da rotina das crianccedilas e da praacutetica de leitura das professoras Esse

gecircnero eacute comumente abordado na Educaccedilatildeo Infantil por supostamente condizer com os interesses

infantis e por seus elementos constitutivos atraiacuterem as crianccedilas ndash seu conteuacutedo temaacutetico seu

estilo sua construccedilatildeo composicional as caracteriacutesticas dos personagens o heroacutei e o vilatildeo o

conflitosituaccedilatildeo de tensatildeo elemento ldquomaravilhosordquo fantaacutestico o bem que vence o mal o

reequiliacutebrio a resoluccedilatildeo do problema

O problema natildeo estaacute em apresentar os contos de fadas agraves crianccedilas ao contraacuterio eacute um

gecircnero discursivo literaacuterio que possui elementos enunciativos ndash discursivos relevantes e

necessaacuterios ao processo de formaccedilatildeo leitora e escritora das crianccedilas Contudo o que se enfatiza eacute

o fato de se priorizar apenas um ou poucos gecircneros discursivos limitando o trabalho pedagoacutegico

e o contato com outros gecircneros Pelas falas das crianccedilas apresentadas pode-se depreender que em

decorrecircncia do exposto as crianccedilas natildeo conhecem outros gecircneros discursivos e por tal razatildeo natildeo

podem estabelecer relaccedilotildees e pensar sobre o funcionamento de outros e da proacutepria liacutengua

C20

P C20 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C20 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C20 Lobo Mau

P ah histoacuterias que tem o Lobo Mau e por que vocecirc gosta mais desse tipo de

histoacuterias

C20 que tem bicho

P eacute e vocecirc gosta os que tecircm bicho

C20 ((afirma com a cabeccedila))

P C20 aleacutem das histoacuterias tem outros tipos de texto que vocecirc conhece

C20 ((nega com a cabeccedila))

130

P C20 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler ou contar histoacuterias pra vocecirc

C20 costumava

P e que tipo de histoacuterias elas liam ou contavam

C20 contavam da Branca de Neve

P da Branca de Neve qual mais

C20 contava dos Trecircs Porquinhos

P dos Trecircs Porquinhos tem mais alguma que vocecirc lembra que elas contavam

C20 ((nega com a cabeccedila))

C9

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 Gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C9 do coelhinho que tenho laacute em casa

P como chama essa histoacuteria Lembra

C9 Coelhinho Tatau

P Ah O coelhinho Tatau tem outros tipos de histoacuterias que vocecirc gosta

C9 Chapeuzinho Vermelho

P ah eacute

C9 mas do Lobo Mau o porquinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C9 porque tem o Lobo que faz as coisas com os porquinhos e aiacute o Lobo se

ferra

P nossa e por que isso acontece com ele

C9 porque ele apronta e aiacute os porquinhos sabem que o Lobo estava atraacutes deles

e aiacute eles pegam e jogam o caldeiratildeo embaixo da chamineacute e ele natildeo sente calor

entra pela chamineacute e sai correndo na hora que cai no caldeiratildeo cheio de aacutegua

quente

P eacute nossa

C9 aiacute ele aprende que natildeo pode mexer com os porquinhos

P hum entendi C9 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc

conhece Poesias notiacutecias reportagens trava-liacutenguas

C9 natildeo

C10

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C10 gosto

P gosta e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C10 do Lobo Mau

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C10 porque o meu tio conta sempre pra mim

P ah eacute seu tio conta sempre

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece por

exemplo as poesias as notiacutecias de jornal tem algum outro tipo de texto que

vocecirc conhece

131

C10 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar os livros na escola

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e na sua casa tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C10 tenho ((fala quase inaudiacutevel))

P ah entatildeo fala pertinho (aproximo o gravador da crianccedila para tentar gravar

melhor a sua voz) tem

C10 tenho

P hum e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias

poesias ou outros textos aleacutem dos livros

C10 natildeo

P vocecirc natildeo conhece algum material escrito igual os livros que tem coisas

escritas

C10 natildeo

P somente conhece os livros

P e quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler histoacuterias pra vocecirc

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P costumavam e que tipo de histoacuterias

C10 Lobo Mau Chapeuzinho Vermelho e Trecircs Porquinhos

As crianccedilas declaram que gostam de ouvir histoacuterias e que suas professoras as leem No

entanto ao serem questionadas sobre quais satildeo lidas ou quais os tipos que mais gostam C2

refere-se tambeacutem agrave histoacuteria ldquoO caso do bolinhordquo de Tatiana Belinky e C9 a histoacuteria ldquoCoelhinho

Tataurdquo

Essas falas das crianccedilas estatildeo em consonacircncia com as das professoras entrevistadas ao

elegerem os contos de fadas como o gecircnero mais lido uma vez que segundo dizem as crianccedilas

os preferem Tais falas trazem marcas das vivecircncias de leitura na escola e em ambientes natildeo

necessariamente escolares considerando as enunciaccedilotildees e o contexto em que a linguagem ocorre

Com a anaacutelise das entrevistas das professoras e das crianccedilas pode-se perceber que o

trabalho com os diferentes gecircneros discursivos na escola de Educaccedilatildeo Infantil em que se realizou

a pesquisa era restrito e se constituiacutea muitas vezes como um recurso didaacutetico com um fim em si

mesmo e natildeo como instrumentos que tornam possiacutevel a comunicaccedilatildeo discursiva Desse modo

toda introduccedilatildeo de um gecircnero na escola eacute o resultado de uma decisatildeo didaacutetica

que visa a objetivos precisos de aprendizagem que satildeo sempre de dois tipos

trata-se de aprender a dominar o gecircnero primeiramente para melhor conhececirc-lo

ou apreciaacute-lo para melhor saber compreendecirc-lo para melhor produzi-lo na

escola ou fora dela e em segundo lugar de desenvolver capacidades que

ultrapassem o gecircnero e que satildeo transferiacuteveis para outros gecircneros proacuteximos ou

distantes Isso implica uma transformaccedilatildeo pelo menos parcial do gecircnero para

132

que esses objetivos sejam atingidos e atingiacuteveis com o maacuteximo de eficaacutecia

simplificaccedilatildeo do gecircnero ecircnfase em certas dimensotildeesetc (DOLZ

SCHNEUWLY 2010 p 69)

E ainda

pelo fato de que o gecircnero funciona num outro lugar social diferente daquele em

que foi originado ele sofre forccedilosamente uma transformaccedilatildeo Ele natildeo tem mais

o mesmo sentido ele eacute principalmente sempre ndash noacutes acabamos de dizecirc-lo ndash

gecircnero a aprender embora permaneccedila gecircnero para comunicar Eacute o

desdobramento do qual falamos mais acima que constitui o fator de

complexificaccedilatildeo principal dos gecircneros na escola e de sua relaccedilatildeo particular com

as praacuteticas de linguagem Trata-se de colocar os alunos em situaccedilotildees de

comunicaccedilatildeo que sejam o mais proacuteximas possiacuteveis de verdadeiras situaccedilotildees de

comunicaccedilatildeo que tenham um sentido para eles a fim de melhor dominaacute-las

como realmente satildeo ao mesmo tempo sabendo o tempo todo que os objetivos

visados satildeo (tambeacutem) outros (DOLZ SCHNEUWLY 2010 p 69)

De acordo com essas consideraccedilotildees cabe ao professor conhecer os diferentes gecircneros

discursivos se apropriar de suas caracteriacutesticas especiacuteficas e planejar intencionalmente o trabalho

pedagoacutegico Apropriar-se dos gecircneros eacute tornar possiacutevel a produccedilatildeo ou a compreensatildeo dos

enunciados e por isso constituem-se tambeacutem em instrumentos para o ensino da leitura e da

escrita As crianccedilas aprendem a ler e a escrever a partir de tipos relativamente estaacuteveis de

enunciados Cada conjunto de enunciados organizados de acordo com seu conteuacutedo sua estrutura

e suas marcas linguiacutesticas requerem do leitorescritor condutas diferentes porque natildeo se lecirc ou se

escreve uma carta da mesma maneira que se lecirc ou se escreve uma poesia uma receita ou um

conto de fadas (CRUVINEL 2010) Se a escola concebe a linguagem como um sinal e ensina

apenas uma forma de ler ou de escrever algo impede que as crianccedilas operem com os gecircneros

discursivos que elas se comuniquem de diferentes formas com diferentes objetivos dificultando

a formaccedilatildeo leitora e produtora de textos

Com essas consideraccedilotildees eacute possiacutevel compreender que a escola ndash lugar de apropriaccedilatildeo da

cultura mais elaborada do conhecimento cultural produzido e organizado ndash seja responsaacutevel por

introduzir a crianccedila na cultura escrita por meio dos gecircneros discursivos O trabalho pedagoacutegico

com os gecircneros amplia o universo discursivo das crianccedilas Por esse motivo os gecircneros natildeo se

constituem apenas como instrumentos de comunicaccedilatildeo como tambeacutem instrumentos de ensino e

de aprendizagem da linguagem porque sem eles natildeo haacute comunicaccedilatildeo e portanto natildeo haacute o ensino

133

da liacutengua Desse modo o ensino dos gecircneros e a mediaccedilatildeo do professor satildeo fundamentais no

processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da liacutengua escrita pelas crianccedilas

Para a Teoria Histoacuterico-Cultural ndash concepccedilatildeo assumida neste trabalho ndash o homem constroacutei

e eacute construiacutedo pela sua proacutepria histoacuteria e desse modo as caracteriacutesticas humanas satildeo apropriadas

Por esse motivo a intencionalidade do professor orientada pelo conhecimento das regularidades

do processo de desenvolvimento bioloacutegico e cultural direcionada para a apropriaccedilatildeo das

maacuteximas qualidades humanas eacute condiccedilatildeo essencial ainda que natildeo suficiente para a formaccedilatildeo das

marcas do humano nas crianccedilas (MELLO 2005) Disso decorre que o professor tem um papel

fundamental no processo de humanizaccedilatildeo pois de forma intencional e por meio do processo de

ensino faz avanccedilar o niacutevel de desenvolvimento jaacute alcanccedilado pela crianccedila Segundo Saviani

(2003 p 13)

() o trabalho educativo eacute o ato de produzir direta e intencionalmente em cada

indiviacuteduo singular a humanidade que eacute produzida histoacuterica e coletivamente pelo

conjunto dos homens Assim o objeto da educaccedilatildeo diz respeito de um lado agrave

identificaccedilatildeo dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos

indiviacuteduos da espeacutecie humana para que eles se tornem humanos e de outro lado

concomitantemente agrave descoberta das formas mais adequadas para atingir esse

objetivo

Nessa perspectiva o professor organiza intencionalmente a vida da crianccedila na escola para

provocar a sua maacutexima humanizaccedilatildeo e assume seu papel de mediador no processo educativo

Assim cabe a ele descobrir e estar atento agraves formas mais adequadas para iniciar essa

humanizaccedilatildeo jaacute na pequena infacircncia

32 Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa

Seratildeo analisados os dados coletados por meio das entrevistas com as crianccedilas no final da

pesquisa para perceber possiacuteveis mudanccedilas nas respostas apoacutes a realizaccedilatildeo de um trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros discursivos e em quais aspectos essas mudanccedilas ocorreram

C9

P C9 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta C9

134

C9 dos Trecircs Porquinhos

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C9 porque o Lobo queima o traseiro

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 uhum

P como as poesias as receitas

C9 eu conheccedilo as receitas

P eacute somente a receita tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C9 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar livros na escola

C9 costumo

P e na sua casa

C9 tambeacutem

P tambeacutem

C9 eu tenho um livrinho que minha matildee comprou ela fez uma surpresa pra

mim com o livro

P que bom que livro eacute

C9 eacute do coelhinho Tataacute e de um cachorrinho

P certo vocecirc conhece outros materiais escritos C9 que tambeacutem tem histoacuterias

textos

C9 jornal

P jornal qual mais aleacutem dos livros do jornal

C9 revista

P revistas tem mais algum que vocecirc se lembra que vocecirc conhece

C9 natildeo

P C9 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam contar histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 contar

P vocecirc acha mais legal contar por quecirc

C9 porque gosto que conte as histoacuterias pra mim

P e por que vocecirc prefere mais quando algueacutem conta mais a histoacuteria

C9 porque ele tambeacutem sabe da histoacuteria quando ele lecirc

P C9 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens dos desenhos por

exemplo

C9 dos desenhos eu gosto do Mickey

P eacute e dos livros vocecirc gosta mais

C9 do Pato Donald

P C9 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 uhum

P e por quecirc

C9 porque aiacute a gente pode escrever um monte de coisas como cartas

P eacute mesmo e o que mais

C9 e a gente tambeacutem pode ler as coisas

P hum entatildeo a gente pode usar a escrita pra escrever uma seacuterie de coisas

importantes

C9 somente usar a nossa liacutengua para falar

P e o que eacute saber ler C9 na sua opiniatildeo quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 eu percebo porque eu vejo os outros lendo

P vocecirc sabe ler

135

C9 ((afirma com a cabeccedila))

P sabe e como que vocecirc faz pra ler

C9 eu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacute

P ahcerto entatildeo obrigada viu

Pela anaacutelise da fala de C9 pode-se depreender que embora C9 continue com sua

preferecircncia pelo gecircnero discursivo conto de fadas declara conhecer outros gecircneros como a

receita Declara ainda que os reconhece em outros suportes como o jornal e a revista e desse

modo aparenta perceber que podem estar presentes em outros lugares natildeo somente os livros

como afirmara na entrevista realizada no comeccedilo da pesquisa

O conceito de escrita que C9 apresenta apoacutes a realizaccedilatildeo de um trabalho pedagoacutegico

intencionalmente planejado com os gecircneros se coaduna com o conceito de escrita defendido

neste trabalho a escrita como um instrumento cultural de humanizaccedilatildeo das pessoas (ARENA

1992 2010b MELLO MILLER 2008 VYGOTSKI 1995) C9 revela que se escreve para

comunicar para expressar ideias sentimentos e que a carta eacute uma forma de fazer isso C9 parece

entender que por meio desse gecircnero discursivo eacute possiacutevel dizer coisas importantes de escrever

vaacuterias coisas bem como de iniciar o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua materna como explica

Bakhtin (2003 p 282- 283 grifos do autor)

Falamos apenas atraveacutes de determinados gecircneros do discurso isto eacute todos os

nossos enunciados possuem formas relativamente estaacuteveis e tiacutepicas de

construccedilatildeo do todo () Esses gecircneros do discurso nos satildeo dados quase da

mesma forma que nos eacute dada a liacutengua materna a qual dominamos livremente ateacute

comeccedilarmos o estudo teoacuterico da gramaacutetica A liacutengua materna ndash sua composiccedilatildeo

vocabular e sua estrutura gramatical ndash natildeo chega ao nosso conhecimento a partir

de dicionaacuterios e gramaacuteticas mas de enunciaccedilotildees concretas que noacutes mesmos

ouvimos e noacutes mesmos reproduzimos na comunicaccedilatildeo discursiva viva com as

pessoas que nos rodeiam Noacutes assimilamos as formas da liacutengua somente nas

formas das enunciaccedilotildees e justamente com essas formas As formas da liacutengua e as

formas tiacutepicas dos enunciados isto eacute os gecircneros do discurso chegam agrave nossa

experiecircncia e agrave nossa consciecircncia em conjunto e estreitamente vinculadas

Ao considerar essas afirmaccedilotildees depreende-se que os gecircneros discursivos satildeo formas de

comunicaccedilatildeo humana e por tal razatildeo por meios deles as pessoas se apropriam da liacutengua materna

e nesse sentido eacute que o ensino da leitura e da escrita desde a Educaccedilatildeo Infantil pode ocorrer por

meio do ensino dos diferentes gecircneros discursivos na escola

136

Outro aspecto relevante apresentado nessa entrevista relaciona-se agrave mudanccedila do conceito

de leitura de C9 A crianccedila revela que jaacute sabe ler e ao ser indagada sobre como faz para ler

responde ldquoeu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacuterdquo Esse

conceito de leitura se coaduna com o conceito de leitura assumido neste trabalho em que ler eacute

compreender eacute produzir sentido eacute uma praacutetica cultural (ARENA 1992 CHARMEUX 1997

FOUCAMBERT 1994 JOLIBERT 1994 LAJOLO 1986 SOUZA 2004)

C9 percebe quando algueacutem jaacute sabe ler ao dizer ldquoeu percebo porque eu vejo os outros

lendordquo Essa fala revela possivelmente que C9 reconheceu atitudes leitoras em outras pessoas

que conhece possivelmente na famiacutelia Essas pessoas apresentaram indiacutecios manifestaccedilotildees que a

fizeram reconhecer nelas a leitura como uma praacutetica cultural com seus modos e lugares de ler

A seguir apresento paralelamente as duas entrevistas da mesma crianccedila antes e depois do

trabalho com os gecircneros discursivos intencionalmente planejados com o intuito de perceber as

mudanccedilas nos conceitos

C13

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 da Bela Adormecida

P ah eacute por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C13 porque eu gosto muito de princesa

P ah entatildeo histoacuterias com princesas satildeo as suas preferidas

C13 uhum

P muito bem aleacutem dessas histoacuterias tem algum outro tipo de histoacuteria ou texto

que vocecirc conhece

C13 eu gosto mais da poesia da Bailarina

P ah da Ceciacutelia Meireles

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P ah certo tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C13 uhum eu conheccedilo alguns soacute que eu gosto mais desse da Bailarina

P certo C13 vocecirc costuma usar os livros na sua casa

C13 costumo

P e na escola

C13 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C13 tenho

P certo e vocecirc conhece algum outro tipo de material escrito aleacutem dos livros

que tambeacutem tem histoacuterias que tem poesias e que tem outros escritos

C13 algumas cartas alguns envelopes que vem escrito alguma mensagem neacute

P eacute mesmo tem livros tem envelopes tem cartas

C13 revistas

P tem mais algum tipo de material que vocecirc conhece

137

C13 caderninhos

P certo

C13 um monte de coisas

P C13 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam contar histoacuterias pra vocecirc

C13 eu acho que natildeo viu

P natildeo

C13 ((confirma negando com a cabeccedila))

P eacute natildeo se lembra de nenhuma

C13 natildeo me lembro natildeo me lembro porque jaacute faz muito tempo que eu era

bebezinha

P certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 que leiam

P e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C13 porque tem desenhos nas historinhas pega um livrinho natildeo eacute

P eacute aiacute daacute pra ver as ilustraccedilotildees

C13 eacute eu gosto mais

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C13 o que eu mais gosto como assim

P das personagens ou dos desenhos

C13 olha o que eu gosto mais eacute de histoacuteria soacute que dos desenhos sabe do

que eu gosto mais

P natildeo o que

C13 os desenhos eu gosto mais do desenho animado que passa laacute no Bom Dia e

Companhia ((refere-se a um programa infantil de televisatildeo)) As Super

Poderosas que eacute mais legal A minha personagem predileta eacute a Florzinha (refere-

se ao nome de um desenho animado que eacute transmitido pela televisatildeo)

P e nos livros por exemplo

C13 A Bela Adormecida

P mas aiacute entatildeo vocecirc prefere as personagens ou as ilustraccedilotildees

C13 uhum eu prefiro as personagens

P ah certo e vocecirc acha importante saber escrever

C13 acho

P e por quecirc

C13 porque a gente aprende mais coisas neacute

P Eacute mesmo e o que daacute pra fazer depois que a gente aprende a escrever

C13 a gente pode fazer um monte de coisas

P que tipo de coisas

C13 assim ensinar umas criancinhas que ainda que natildeo saibam neacute a gente pode

ajudar um pouco neacute

P pra que elas aprendam tambeacutem a escrever

C13 uhum

P muito bem C13 o que eacute saber ler

C13 ler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escrito

P ah certo e vocecirc jaacute sabe ler

C13 sei ler algumas coisinhas

P eacute e como eacute que vocecirc faz pra ler

C13 ah eu vou juntando pra ver o que estaacute escrito

P e vocecirc consegue fazer isso entatildeo

C13 uhum

P e quando uma crianccedila entatildeo sabe ler

138

C13 uma crianccedila quando sabe ler como assim eu natildeo entendo muito bem

isso

P quando eacute que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C13 vixi eu soacute percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu

percebo sabe como eu percebo

P como

C13 com as crianccedilas que jaacute tecircm anos mais altos que as crianccedilas mais novinhas

P ah mas uma crianccedila mais nova pode aprender a ler

C13 eacute como eu

P isso como vocecirc muito obrigada C13

C13 tchau

(Entrevista com C13 no iniacutecio da pesquisa)

Pode-se inferir pelas falas de C13 que haacute uma preferecircncia pelo gecircnero conto de fadas

contudo a crianccedila conhece outro gecircnero como a poesia Ela parece ter provavelmente outros

mediadores nesse processo de formaccedilatildeo leitora aleacutem da professora que satildeo as pessoas de sua

famiacutelia pois declara que natildeo se lembra das professoras dos anos anteriores lerem ou contarem

histoacuterias a ela Esse fato se deve supostamente pela leitura natildeo ser uma praacutetica frequente ou

talvez diaacuteria na escola

C13 demonstra perceber a funccedilatildeo da escrita quando diz que com a escrita ldquoa gente

aprende um monte de coisasrdquo ou ainda ldquoa gente pode fazer um monte de coisas‟ ateacute ldquoensinar

umas criancinhas que ainda natildeo saibamrdquo Essas falas denotam que a escrita eacute necessaacuteria

essencial para viver numa sociedade culturalmente baseada na escrita e que ao saber escrever

ela mesmo sendo uma crianccedila pode ensinar outras Dessa forma atuaraacute tambeacutem como parceira

de outras nesse processo de apropriaccedilatildeo da escrita

O conceito de leitura nesse momento de C13 estaacute vinculado agraves condiccedilotildees das quais

participou ou dos discursos que ouviu Afirma que para ler eacute preciso juntar letras que eacute algo

complexo que precisa aprender bastante e se aprende a ler quando se tem mais idade como se

verifica nesses trechos ldquoler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escritordquo ldquoeu soacute

percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu percebo sabe como eu percebo com as

crianccedilas que jaacute tecircm anos mais altos que as crianccedilas mais novinhasrdquo

Um aspecto a ser ressaltado na fala dessa e de outras crianccedilas anteriormente analisadas no

iniacutecio da pesquisa eacute que parecem natildeo estabelecer fronteiras entre saber e natildeo saber ler Algumas

afirmaram que jaacute sabiam ler mas suas atitudes no iniacutecio do trabalho pedagoacutegico

139

intencionalmente planejado denotavam o contraacuterio Haacute uma linha fraacutegil que indica que isso estaacute

relacionado ao conceito que as crianccedilas possuem sobre o que eacute ler

Pode-se afirmar que as crianccedilas que declararam que jaacute sabiam ler mas que natildeo realizavam

esse ato de fato se referiam aos atos de leitura das quais participavam e que supostamente

alcanccedilavam sucesso Em outras palavras as crianccedilas afirmavam que sabiam ler quando

decodificavam quando diziam letras siacutelabas e essas atitudes eram as atitudes inicialmente

esperadas pelas professoras em resposta ao ensino por elas proposto

A entrevista a seguir realizada no final do trabalho com os gecircneros discursivos oferece

subsiacutedios para ampliar as discussotildees anteriormente feitas

C13

P C13 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 ADORO

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 eu gosto de contos de fadas

P ah eacute mesmo e por quecirc por que vocecirc gosta desse tipo de histoacuteria

C13 eacute porque pra mim elas satildeo muito legais

P e o que elas tecircm que faz com que as histoacuterias sejam bem legais

C13 um monte de coisas que nem daacute pra falar direito

P ((risos)) de tantas que tecircm

C13 aham

P mas conta uma delas por exemplo

C13 algumas coisas

P eacute

C13 eacute porque do jeito que as histoacuterias satildeo algumas tecircm piadas ((refere-se as

situaccedilotildees engraccediladas presentes nas histoacuterias))

P eacute mesmo

C13 aham

P que legal

C13 eacute por isso que eu gosto dos contos de fadas

P muito bem e aleacutem de histoacuterias tem alguns outros tipos de textos que vocecirc

conhece

C13 eu gosto das poesias que vocecirc fala

P eacute mesmo

C13 aham

P eacute mesmo e vocecirc conhece outros textos aleacutem das poesias e das histoacuterias

C13 bom por enquanto eu somente conheccedilo as suas

P e receitas vocecirc conhece

C13 eu conheccedilo receita de bolo de cenoura de goiabada o de cenouras pra

mim natildeo esqueccedilo ((refere-se agraves receitas que li e preparei com as crianccedilas da

turma na escola))

P que a gente fez aqui natildeo eacute

C13eacute

P e textos de hum jornal notiacutecias

140

C13 notiacutecias quando as notiacutecias satildeo muito legais neacute

Por meio deste trecho da entrevista de C13 no final do trabalho pode-se inferir que a

crianccedila conhece diferentes gecircneros discursivos aleacutem daqueles abordados especificamente nesta

pesquisa como a receita a poesia Por meio do discurso de C13 reitera-se a influecircncia das accedilotildees

e do discurso docentes nas aprendizagens da crianccedila e na formaccedilatildeo de conceitos Isso pode se

verificar quando C13 declara ldquoeu gosto das poesias que vocecirc falardquo ldquobom por enquanto eu

somente conheccedilo as suasrdquo (refere-se as histoacuterias lidas pela professora) Verifica-se tambeacutem

quando a crianccedila afirma conhecer o gecircnero discursivo receitas e refere-se a todas as receitas lidas

e preparadas na escola (bolo de cenouras de goiabada) Haacute que ressaltar ainda que o trabalho

intencionalmente planejado com os gecircneros e principalmente as vivecircncias adequadas promovem

aprendizagens como se pode perceber na fala de C13 ao falar da receita do bolo de cenoura ldquoo

de cenouras pra mim natildeo esqueccedilordquo

E continua

P uhum vocecirc consegue ler

C13 bom algumas eu junto agraves palavrinhas pra conseguir ler

P vocecirc jaacute consegue fazer isso

C13 eu fico tentando eu fico soletrando para ver como se faz

P C13 vocecirc costuma ler livros na escola

C13 costumo usar mais os contos de fadas que eu vejo que eacute legal

P e em casa vocecirc usa livros tambeacutem

C13 uso eu tenho alguns

P e vocecirc conhece outros tipos de materiais escritos que tambeacutem tecircm histoacuterias

poesias

C13 conheccedilo livros jornais revistas cadernos

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler histoacuterias pra vocecirc

C13 bom eu natildeo lembro mas acho que sim

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 como assim ler eacute com o livro

P isso quando a pessoa estaacute com o material escrito na matildeo pode ser um livro

ou uma revista um bilhete

C13 eu gosto quando estaacute com alguma coisa na matildeoeacute mais legal

P e por que eacute mais legal

C13 porque tem desenhos natildeo eacute mostra os desenhos sendo mais legal

P hum entendi e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou

das ilustraccedilotildees

C13 das ilustraccedilotildees eu gosto bom das histoacuterias dos contos de fadas eu gosto

mais das princesas

141

Ao afirmar que para ler junta-se as palavrinhas C13 revela que tenta encontrar o caminho

sozinha para ler porque provavelmente por meio das situaccedilotildees de leitura das quais participou ela

criou para si a necessidade de fazecirc-lo

Quando a crianccedila eacute indagada se prefere que leiam ou contem histoacuterias para ela responde

com outra pergunta na intenccedilatildeo de se certificar sobre o que eacute ler ldquocomo assim ler eacute com o

livro A crianccedila aparenta perceber que quando algueacutem lecirc uma histoacuteria esta o faz presa ao livro eacute

a transmissatildeo vocal a liacutengua oral que revela a liacutengua escrita (BAJARD 2007)

P certo e vocecirc acha importante C13 saber escrever

C13 eacute muito importante natildeo eacute

P e por que vocecirc acha importante

C13 eacute porque a gente aprende as coisas assim escrevendo vai aprendendo

mais coisas natildeo vai

P e sempre que a gente precisa da escrita em que podemos usaacute-la

C13 para escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode esquecer

neacute

P de jeito algum e pra que mais a gente usa a escrita pra que a gente pode

usar as coisas que a gente escreve

C13 bom a resposta natildeo sei natildeo heim mas eu acho assim pode ser pra

algumas coisas importantes neacute

P coisas importantes

C13 umas coisas importantes

P quais coisas importantes por que ou para que a gente escreve

C13 escreve para aprender pra aprender muitas coisas

P muitas coisas

C13 e aprender eacute muito importante e gostoso

P eacute mesmo vocecirc escreve bastante coisa jaacute

C13 estou aprendendo algumas eu estou escrevendo mais ou menos

P muito bem e o que vocecirc geralmente gosta de escrever

C13 gosto mais de escrever carta cartas para professora G (refere-se a atual

professora da turma e pesquisadora no caso eu mesma)

P ai que maravilha

C13 eu jaacute escrevi uma pra vocecirc

P eu gostei muito daquela

C13 jaacute colocou no livro da vida ou natildeo

P jaacute coloquei no livro da vida sim

C13 aquela daacute pra ver atraacutes e na frente

P e todas as pessoas que lerem e consultarem o nosso livro da vida iratildeo ver laacute

registrado essa linda cartinha que vocecirc me escreveu

C13 todo mundo vai saber o que eu escrevi quando ler

P sim todos poderatildeo saber ao lerem C13 o que eacute saber ler quando que

uma crianccedila jaacute sabe ler em sua opiniatildeo

C13 bom a crianccedila quem eu conheccedilo sabe ler bastante

P eacute quando que vocecirc acha que algueacutem jaacute sabe ler

C13 bom eu acho a M a minha irmatilde

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc sabe que ela sabe ler

142

C13 porque eu a vejo lendo e escrevendo

P eacute

C13 aham

P e o que ela faz que vocecirc fala nossa minha irmatilde jaacute sabe ler ou algum

outro amigo seu que vocecirc conhece

C13 bom pra falar a verdade eu natildeo conheccedilo nenhum amigo que saiba

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra

pergunta pra ver se combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso

mas eu soacute li de verdade quando eu entendi o que estaacute escrito

P entatildeo obrigada C13

(Entrevista com C13 no final da pesquisa)

Esse registro permite inferir que a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pela crianccedila se

ampliou porque ela esteve em contato frequente com uma praacutetica de leitura e de escrita

intencional planejada e dialoacutegica Embora desde o iniacutecio do trabalho de leitura e de escrita

proposto conhecesse alguns outros gecircneros discursivos como a poesia e a carta atuando muitas

vezes nesse processo como uma crianccedila mais avanccedilada junto agraves demais crianccedilas participantes eacute

possiacutevel assinalar uma modificaccedilatildeo no proacuteprio conceito de C13 no iniacutecio da pesquisa como se

verifica na anaacutelise da entrevista anterior Pode-se dizer que o conceito de leitura e de escrita de

C13 no final do processo se coaduna com o conceito de leitura e de escrita defendidos neste

trabalho o de leitura como compreensatildeo como produccedilatildeo de sentido como praacutetica cultural

(ARENA 1992 2010 CHARMEUX 1997 FOUCAMBERT 1994 JOLIBERT 1994

LAJOLO 1986 SOUZA 2004) e o de escrita como instrumento cultural complexo para a

humanizaccedilatildeo das pessoas (VYGOTSKI 1995 MELLO 2005)

C13 demonstra estabelecer relaccedilotildees com o gecircnero discursivo carta relato de vida por

meio do livro da vida e notiacutecia de jornal respondendo a ela e a si proacutepria de forma interativa

demonstra que consegue pensar a escrita sendo interlocutora ativa ou seja leitora e escritora e

que apesar de iniciante jaacute participa da cultura escrita

143

C13 parece compreender a funccedilatildeo social da escrita e da leitura Ao objetivar por meio de

sua fala que se usa a escrita ldquopara escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode

esquecer neacuterdquo em outras palavras a escrita serve tambeacutem para registrar algo importante para

lembrar depois Acrescenta que a escrita eacute usada para aprender muitas coisas que com ela se tem

acesso a inuacutemeras informaccedilotildees e que ldquoaprender eacute muito importante e gostosordquo Com essa

afirmaccedilatildeo denota que foi criada a necessidade de aprender e que entende o porquecirc e para quecirc se

escreve Por essa razatildeo aprender torna-se algo que impulsiona a crianccedila que garante novas

aprendizagens Com relaccedilatildeo a isso Vygotskii (1988 p 115) esclarece que

[] a aprendizagem natildeo eacute em si mesma desenvolvimento mas uma correta

organizaccedilatildeo da aprendizagem da crianccedila conduz ao desenvolvimento mental

ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento e esta ativaccedilatildeo natildeo

poderia produzir-se sem a aprendizagem Por isso a aprendizagem eacute um

momento intrinsicamente necessaacuterio e universal para que se desenvolvam na

crianccedila essas caracteriacutesticas humanas natildeo-naturais mas formadas

historicamente

Ao considerar essa proposiccedilatildeo ressalta-se assim o ensino como esteio da formaccedilatildeo dos

processos psicoloacutegicos superiores e a necessaacuteria e adequada mediaccedilatildeo do professor ou do adulto

Atuar como professor mediador eacute reconhecer que as crianccedilas satildeo capazes e competentes para

aprenderem quando satildeo auxiliadas de maneira adequada e intencional pelo adulto Desse modo eacute

possiacutevel dizer que o conhecimento das crianccedilas bem como seus modos de aprender se

constituem na dinacircmica das relaccedilotildees sociais

A crianccedila aponta para o fato de que gosta de escrever cartas para a professora da turma do

Infantil II atual professora da turma no momento da pesquisa e ao perguntar se a professora jaacute

colocara a carta que ela escreveu no livro da vida atribui um valor agrave escrita reconhece que para

se comunicar com a professora e expressar suas ideias e sentimentos se utiliza de um gecircnero

discursivo ndash a carta ndash e compreende que o livro da vida natildeo eacute soacute uma teacutecnica de ensino mas um

suporte textual que permite agraves pessoas fazer consultas sempre que desejarem para conhecerem ou

saberem daquilo que vivido na escola

O contato com a carta relato de vida e notiacutecia de jornal na escola se daacute por intermeacutedio da

professora do Infantil II uma vez que as professoras dos anos anteriores agrave pesquisa natildeo

realizavam leituras ou escrita desses gecircneros conforme constatado pelas entrevistas No entanto

144

o entorno familiar aliado ao escolar vivenciado durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da proposta de

leitura e de produccedilatildeo de texto dos gecircneros mencionados aparece como crucial para a apropriaccedilatildeo

da leitura da crianccedila que encontra nesses entornos as condiccedilotildees necessaacuterias e adequadas Posto

isto depreende-se que as condiccedilotildees histoacutericas e sociais determinam esse processo de apropriaccedilatildeo

da leitura e da escrita (LEONTIEV 1988 VYGOTSKII 1988)

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra

pergunta pra ver se combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso

mas eu soacute leio de verdade quando eu entendo o que estaacute escrito

Com a anaacutelise dos dados depreende-se que a crianccedila reconhece que eacute necessaacuterio dominar

o coacutedigo linguiacutestico para ler e para escrever ao revelar que soletra e para isso junta vogais e

consoantes depois pensa e fala a pergunta pra ver se combina No entanto natildeo se prende ao

coacutedigo apenas num mero exerciacutecio de codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Ela tenta

apropriar-se do coacutedigo e supera-o quando ressalta ldquomas eu soacute leio de verdade quando eu entendo

o que estaacute escritordquo Dessa maneira pode-se inferir que a crianccedila entende a leitura como

compreensatildeo como produccedilatildeo de sentido pois do contraacuterio quando ela natildeo entende o que leu

natildeo realizou a leitura soacute decodificou Outro ponto a destacar nesta afirmaccedilatildeo de C13 eacute a possiacutevel

influecircncia do conceito do ato de ler da professora-pesquisadora que emerge em sua praacutetica

pedagoacutegica em seus discursos proferidos no processo de ensino e de aprendizagem da leitura na

apresentaccedilatildeo e no trabalho com os gecircneros discursivos C13 ao participar de situaccedilotildees de ensino

e de aprendizagem da leitura de forma interativa por vivenciar situaccedilotildees diretas de mediaccedilatildeo da

professora-pesquisadora revela ter se apropriado desses conceitos e os objetivado

C5

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever C5

C5 acho

P e por que vocecirc acha

145

C5 porque tambeacutem eacute legal

P o que a gente aprende quando sabe escrever O que a gente pode fazer

quando a gente sabe escrever

C5 ler

P a gente pode ler tambeacutem mas para que vocecirc pode usar a escrita

C5 em livro

P aleacutem dos livros o que a gente pode escrever

C5 aiacute a pessoa fala que sabe ler

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C5 ela eacute quando uma pessoa que jaacute aprendeu tudo

P eacute e quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler como que vocecirc

percebeu que realmente aprendeu a ler

C5 porque que estaacute lendo

P e como que vocecirc sabe que ela estaacute lendo ela pode estar somente falando

natildeo pode

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como que vocecirc tem certeza que ela estaacute lendo o que essa pessoa faz que

mostra pra vocecirc que ela realmente estaacute lendo

C5 ah (dirige o olhar para o alto)

P vocecirc jaacute sabe ler

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e o que vocecirc faz pra ler

C5 eu vou juntando as letras e vendo as ideias

P eacute mesmo entatildeo pra vocecirc o que eacute ler

C5 eacute aprender

P Obrigada C5

As falas de C5 denotam que ela percebe a escrita e a leitura como parte de um mesmo

processo o de internalizaccedilatildeo da liacutengua quando reafirma por diversas vezes que com a escrita as

pessoas podem ler Ela parece reconhecer que a leitura possibilita participar da cultura escrita

uma vez que afirma que algueacutem jaacute sabe ler quando uma pessoa jaacute aprendeu tudo e com isso

pode-se compreender a leitura como um instrumento cultural (VYGOTSKI 1995 MELLO

MILLER 2005)

Quando C5 aponta que para ler ldquovai juntando as letras e vendo as ideiasrdquo pode-se inferir

que a crianccedila percebe que ao ler lecirc-se ideacuteias e que ao escrever escrevem-se ideias e natildeo

simplesmente letras siacutelabas e palavras desconexas muito embora para expressar as ideias por

meio da leitura e da escrita seja necessaacuterio fazer uso do coacutedigo de representaccedilatildeo da escrita

Desse modo a crianccedila demonstra iniciar seu processo de apropriaccedilatildeo lendo e escrevendo o que

pensa sente percebe ouve e vecirc por meio de textos e natildeo de exerciacutecios repetitivos de codificaccedilatildeo

e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Como explica Miller (2009 p45)

146

O processo de aquisiccedilatildeo da base alfabeacutetica da escrita o domiacutenio do sistema de

representaccedilatildeo satildeo partes importantes do processo de aprender a ler e escrever

mas esse processo natildeo pode se restringir a esses conhecimentos sob pena de o

aluno dominar a teacutecnica da escrita das palavras mas natildeo saber como utilizar essa

teacutecnica para compreender os textos escritos e para escrever textos adequados agraves

mais diversas situaccedilotildees em que eles satildeo produzidos e lidos O ensino da escrita

soacute se torna um caminho que leva o aluno a ler com compreensatildeo e a escrever

textos coerentes quando se faz com sentido para o aluno E isso se consegue

quando o ler e o escrever satildeo necessidades para o aluno ou seja quando o

ensino da escrita se organiza de modo a que o aluno sinta a necessidade de ler e

de escrever

Baseado nesse pressuposto natildeo significa que natildeo se deve ensinar o coacutedigo de

representaccedilatildeo da escrita agraves crianccedilas mas atendendo a uma necessidade que foi criada pelas

condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo das quais participa No capiacutetulo a seguir seraacute abordado o ensino

e a aprendizagem da leitura por meio do gecircnero discursivo carta relato de vida e notiacutecia de

jornal em que seratildeo analisadas situaccedilotildees de leitura do trabalho pedagoacutegico realizado

147

CAPIacuteTULO IV

O ENSINO DA LEITURA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS

Observem diante de um livro ou de uma paacutegina do jornal a crianccedila que

aprendeu a ler segundo o meacutetodo tradicional faz um grande esforccedilo de

reconhecimento das peccedilas a desmontar que combina laboriosamente A

mecacircnica funciona lecirc de uma maneira certa sem erros de pronuacutencia Mas

perguntam-lhe o sentido daquilo que leu teraacute de reler o texto para compreender

porque o lera da primeira vez para decifrar A operaccedilatildeo faz-se em dois tempos

fazer andar a mecacircnica tentar compreender em seguida Mas a crianccedila pode

muito bem contentar-se em fazer andar a mecacircnica sem compreender No

entanto a isto chamaraacute ler (FREINET 1977 p 54)

Esta proposiccedilatildeo traz em seu bojo o conceito escolarizado de leitura subjacente a muitas

praacuteticas do ensino do ato de ler isto eacute a ensino focado no aspecto fiacutesico dos signos linguiacutesticos

que resulta em pronunciaccedilatildeo correta mas apartada da compreensatildeo Tais praacuteticas de ensino do

ato de ler estatildeo presentes na escolarizaccedilatildeo precoce das crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil quando o

professor prioriza a decifraccedilatildeo Essas praacuteticas se sustentam na univocidade do sentido e nas

interpretaccedilotildees legitimadas

Nesse contexto surgem as indagaccedilotildees Como formar o leitor na Educaccedilatildeo infantil Como

garantir que a crianccedila pequena participe ativamente da cultura escrita sem que esteja ainda

convencionalmente alfabetizada Neste capiacutetulo seratildeo apresentadas possiacuteveis respostas a essas

questotildees na medida em que seratildeo analisadas situaccedilotildees de leitura com as crianccedilas em trecircs

momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero discursivo carta por meio da

correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo relato de vida por meio do

livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

41 A crianccedila e o seu estatuto de leitor

Este trabalho de pesquisa compreende a leitura em seu movimento discursivo isto eacute a

leitura como um lugar privilegiado de encontro com a palavra alheia Essa concepccedilatildeo de leitura

adveacutem do conceito de liacutengua e de linguagem para Bakhtin (1992) em que a liacutengua eacute um

fenocircmeno social dirigida para o outro Disso decorre que natildeo haacute diaacutelogo entre sentenccedilas mas

148

entre pessoas Existe infinita mobilidade para diferentes interpretaccedilotildees e significaccedilotildees que tornam

a palavra permanente fluida no contexto das transformaccedilotildees culturais e histoacutericas

Para Bakhitn (1992) a categoria principal da linguagem eacute a interaccedilatildeo verbal cuja

realidade fundamental eacute o seu caraacuteter ideoloacutegico Toda enunciaccedilatildeo eacute um diaacutelogo e faz parte de

um processo de comunicaccedilatildeo ininterrupto Desse modo a interaccedilatildeo verbal se realiza no diaacutelogo

que em sentido mais amplo ocorre na leitura e na escrita O caraacuteter ideoloacutegico do diaacutelogo remete

ao contexto histoacuterico e cultural uma vez que os diaacutelogos e os discursos satildeo envolvidos pelos

interesses pelos valores e pelas intenccedilotildees definidas por um grupo ou classe social em

determinado tempo

A linguagem tem dimensotildees dialoacutegicas e ideoloacutegicas determinadas historicamente A

palavra territoacuterio comum entre eu e o outro (locutor interlocutor) eacute prenhe de significados e

intenccedilotildees (BAKHTIN 1992) possui valor semioacutetico sendo percebida como um signo

ideoloacutegico ldquoarena de confronto de diferentes valores sociais de diferentes vozes sociais

(RAMOS SHAPPER 2009) Por essa razatildeo o sujeito se constitui discursivamente ao interagir

com as vozes sociais que constituem a comunidade semioacutetica de que participa Essas vozes em

inter-relaccedilatildeo dialoacutegica possibilitam encontro entre consciecircncias marcado por movimentos de

sentidos que ldquoora instituem a reproduccedilatildeo do discurso alheio ora possibilitam que ele se abra para

novas construccedilotildees discursivasrdquo (RAMOS SHAPPER 2009 p 2)

No movimento de produccedilatildeo e negociaccedilatildeo de sentido que demarca a leitura como praacutetica

social e cultural faz-se necessaacuterio compreender as formas de discurso que relacionam a palavra

do leitor agrave palavra alheia expressa no texto uma vez que o sujeito fala por meio da palavra dos

outros e todo enunciado eacute uma reacuteplica de um diaacutelogo que incorpora e se apropria do discurso de

outrem Os enunciados satildeo sempre dependentes daquilo que jaacute foi dito e soacute podem ser

compreendidos no fluxo da cadeia de interaccedilatildeo verbal Desse modo

A palavra (em geral qualquer signo) eacute interindividual Tudo o que eacute dito o que eacute

expresso se encontra fora da ldquoalmardquo do falante natildeo pertence apenas a ele A

palavra natildeo pode ser entregue apenas ao falante O autor (falante) tem os seus

direitos inalienaacuteveis sobre a palavra mas o ouvinte tambeacutem tem os seus direitos

tem tambeacutem os seus direitos aqueles cujas vozes estatildeo na palavra encontrada de

antematildeo pelo autor (porque natildeo haacute palavra sem dono) () Se natildeo esperamos

nada da palavra se sabemos de antematildeo tudo o que ela pode dizer ela sai do

diaacutelogo e se coisifica (BAKHTIN 2003 p 327 ndash 328)

149

A palavra eacute por assim dizer dialoacutegica pois pressupotildee o outro pressupotildee em si mesma

uma resposta

Isso decorre da natureza da palavra que sempre quer ser ouvida sempre procura

uma compreensatildeo responsiva e natildeo se deteacutem na compreensatildeo imediata mas abre

caminho sempre mais e mais agrave frente (de forma ilimitada)

Para a palavra (e consequentemente para o homem) natildeo existe nada mais terriacutevel

do que a irresponsividade Nem a palavra deliberadamente falsa eacute absolutamente

falsa e sempre pressupotildee uma instacircncia que a compreende e a justifica ainda

que seja na forma ldquono meu lugar qualquer um mentiriardquo (BAKHTIN 2003 p

333 grifos do autor)

Este trabalho discute a leitura na perspectiva bakhtiniana da teoria enunciativa da

linguagem que traz uma entonaccedilatildeo outra ao universo da relaccedilatildeo do leitor com o texto A

percepccedilatildeo dialeacutetica da linguagem preconizada pelo autor permite pensar a leitura como produccedilatildeo

de sentido instacircncia discursivo-simboacutelica mediadora das relaccedilotildees entre sujeitos Nesse panorama

teoacuterico Bakhtin (1983) explicita dois tipos de palavras alheias que adquirem um sentido

fundamental no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no mundo a palavra de autoridade e

a palavra internamente persuasiva Por meio dessas palavras o autor objetiva mostrar a

complexidade do processo de apropriaccedilatildeo linguiacutestico-discursiva que natildeo se funda somente na

repeticcedilatildeo e no reconhecimento da palavra alheia mas em sua re-elaboraccedilatildeo repercutindo de

forma diferente e sob uma nova perspectiva Assim se de um lado haacute discursos assumidos como

vozes de autoridade por outro lado haacute discursos que satildeo assumidos como vozes internamente

persuasivas

O discurso autoritaacuterio se estabelece no estatuto de verdade plena absoluta e consolida-se

ou reforccedila significados fixos que natildeo se modificam em contato com outras vozes Por ser

vinculado agrave autoridade (moral poliacutetica religiosa paterna do professor) eacute encontrado ao exigir

do homem o seu reconhecimento incondicional Aleacutem disso a palavra de autoridade se

materializa no discurso proferido natildeo existindo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo ou

contestaccedilatildeo pois

a palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitida Sua ineacutercia

sua perfeiccedilatildeo semacircntica e rigidez sua singularizaccedilatildeo aparente e afetada a

impossibilidade de sua livre estilizaccedilatildeo tudo isto exclui a possibilidade da

representaccedilatildeo artiacutestica da palavra autoritaacuteria (BAKHTIN 1983 p 144)

150

Em contraposiccedilatildeo ao discurso de autoridade a palavra internamente persuasiva natildeo eacute

finita e riacutegida mas abre-se para muitas possibilidades de inferecircncia no discurso interior Eacute

dialoacutegica carrega em si parte da palavra proacutepria e parte da palavra do outro e em decorrecircncia

disso propicia negociaccedilotildees de significados encadeando a produccedilatildeo de novos sentidos Conforme

Bakhtin (1983 p144)

a estrutura semacircntica da palavra interiormente persuasiva natildeo eacute terminada

permanece aberta eacute capaz de revelar sempre todas as novas possibilidades

semacircnticas em cada um de seus novos contextos dialogizados () Noacutes a

introduzimos em novos contextos a aplicamos a um novo material noacutes a

colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dela novas respostas novos

esclarecimentos sobre o seu sentido e novas palavras ldquopara noacutesrdquo (uma vez que a

palavra produtiva do outro engendra dialogicamente em resposta uma nova

palavra nossa)

Conforme exposto a linguagem eacute algo vivo mutaacutevel e estaacute em constante movimento

porque se daacute nas relaccedilotildees na troca na atitude responsiva A leitura nesse contexto eacute entendida

como um processo dialoacutegico e dinacircmico e o ensino do ato de ler numa perspectiva que considera

a responsividade a palavra internamente persuasiva e por assim dizer coloca constantemente a

crianccedila em diaacutelogo com o texto e com o outro A atitude responsiva na leitura requer a

compreensatildeo ativa e segundo Bakhtin (1992 p 131 ndash 132) ldquoqualquer tipo genuiacuteno de

compreensatildeo ativa deve conter jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite

apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo pode ser aprendida senatildeo com a ajuda do outro processo

evolutivordquo

Essas afirmaccedilotildees remetem agrave ideia de que ldquoeacute especialmente por meio da linguagem que as

pessoas agem umas sobre as outras num processo contiacutenuo de autotransformaccedilatildeo Por isso a

linguagem eacute uma das mais importantes criaccedilotildees da humanidaderdquo (GONTIJO 2007 p 22) e a

liacutengua soacute pode ser analisada tendo em vista sua complexidade quando considerada como um

fenocircmeno socioideoloacutegico e apreendida dialeacutetica e dialogicamente no fluxo da histoacuteria

(BAKHTIN 1992 2003)

Ao tratar sobre a linguagem Bakhtin (1992) esclarece que a realidade psiacutequicainterior eacute a

do signo e eacute por meio deste que o organismo e o mundo se encontram O signo eacute um fenocircmeno

do mundo exterior resultado das praacuteticas sociais humanas e por esse motivo o conteuacutedo da

atividade psiacutequica origina-se da realidade exterior e estaacute impregnada por ela ldquoOs signos soacute

151

podem aparecer em um terreno interindividualrdquo (BAKHTIN 1992 p 35) No entanto natildeo basta

que dois homens estejam presentes face a face nesse mesmo terreno para que os signos se

constituam ldquoEacute fundamental que esses dois indiviacuteduos estejam socialmente organizados que

formem um grupo (uma unidade social) soacute assim um sistema de signos pode constituir-serdquo

(BAKHTIN 1992 p 35) Se o conteuacutedo do psiquismo eacute o signo constituiacutedo no terreno

interindividual a explicaccedilatildeo para o psiquismo para a atividade psiacutequica deve ser elaborada a

partir dessa realidade De acordo com Bakhtin (1992 p 35 ndash 36)

A consciecircncia adquire forma e existecircncia nos signos criados por um grupo

organizado no curso de suas relaccedilotildees sociais Os signos satildeo o alimento da

consciecircncia individual a mateacuteria de seu desenvolvimento e ela reflete sua

loacutegica e suas leis A loacutegica da consciecircncia eacute a loacutegica da comunicaccedilatildeo ideoloacutegica

da interaccedilatildeo semioacutetica de um grupo social Se privarmos a consciecircncia de seu

conteuacutedo semioacutetico e ideoloacutegico natildeo sobra nada A imagem a palavra o gesto

significante etc constituem seu uacutenico abrigo Fora desse material haacute apenas o

simples ato fisioloacutegico natildeo esclarecido pela consciecircncia desprovido de sentido

que os signos lhe conferem

Segundo Bakhtin (1992) a palavra a linguagem eacute o material semioacutetico da vida interior

da consciecircncia A palavra resulta do consenso entre indiviacuteduos constitui material veiculaacutevel pelo

corpo Disso decorre que a realidade psiacutequica eacute definida em termos da significaccedilatildeo pois esta eacute a

funccedilatildeo do signo ldquosem isso o signo natildeo eacute signo e a palavra natildeo eacute palavra Sem a significaccedilatildeo natildeo

existe atividade psiacutequicardquo (GONTIJO 2007 p 21)

Com essas afirmaccedilotildees acerca da constituiccedilatildeo da consciecircncia humana Bakhtin (1992 p

36) esclarece que ldquo[] a realidade dos fenocircmenos ideoloacutegicos eacute a realidade objetiva dos signos

sociais [] as leis dessa realidade satildeo diretamente determinadas pelo conjunto das leis sociais e

econocircmicasrdquo Desse modo o signo existe na materializaccedilatildeo social e seu aspecto semioacutetico

aparece de forma completa na linguagem ldquoKarl Marx dizia que soacute uma ideia enunciada em

palavras se torna pensamento real para o outro e soacute assim para mim mesmordquo (BAKHTIN 2003

p 334) No entanto esse outro natildeo eacute apenas o outro imediato (o destinataacuterio segundo) ldquoa palavra

avanccedila cada vez mais agrave procura da compreensatildeo responsivardquo (BAKHTIN 2003 p 334) A

constituiccedilatildeo humana para Bakhtin eacute revestida por um princiacutepio dialoacutegico que se define pela

alteridade em outras palavras pela impossibilidade de pensar o homem fora das relaccedilotildees com o

outro

152

Eacute nesse contexto das relaccedilotildees dialoacutegicas que a leitura se situa Ler eacute compreender eacute

produzir sentido eacute uma praacutetica social histoacuterica e cultural (ARENA 1992 2010b

CHARMEAUX 1997 JOLIBERT 1994 SOUZA 2004) Ler eacute dialogar com o texto eacute

questionaacute-lo eacute construir e reconstruir o texto no interior do pensamento e estabelecer relaccedilotildees

ativas e dinacircmicas com ele Durante a leitura o sujeito leva em consideraccedilatildeo o discurso do outro

que estaraacute sempre presente no seu A leitura ocorre na atividade da proacutepria liacutengua em seu uso nas

relaccedilotildees sociais na interaccedilatildeo do escritor com o leitor na palavra interna persuasiva Nessa

perspectiva ndash perspectiva defendida neste trabalho ndash a leitura eacute um objeto da cultura e como tal

precisa ser ensinada agraves crianccedilas como algo que se contraponha ao ensino da leitura de forma

estaacutetica acabada em si mesma que nada refuta nada reflete nada refrata e que reduz o discurso

escrito a um compilado de letras siacutelabas palavras e frases portanto o natildeo-discurso Quando a

crianccedila dialoga com o texto atua nele e tem uma atitude responsiva ela assume pra si o estatuto

de leitor

Segundo Jolibert (1994 p 31) ldquoa vida cotidiana estaacute cheia de oportunidades de leiturardquo e

muitos satildeo os motivos e situaccedilotildees que provocam a necessidade de ler nas crianccedilas ldquoque levam as

crianccedilas a lerem pra valerrdquo ler para responder agrave necessidade de viver com os outros para se

comunicar para descobrir as informaccedilotildees das quais se necessita para fazer (brincar construir

levar a termo um projeto-empreendimento) para alimentar o imaginaacuterio para documentar uma

pesquisa em andamento na turma Essas satildeo situaccedilotildees reais de leitura nas quais as crianccedilas satildeo

provocadas por um interesse uma necessidade criada um desejo

Jolibert (2006 p 183 grifos do autor) ao tratar do ensino e da aprendizagem da leitura

esclarece que

Ler eacute ler de saiacuteda compreensivamente desenvolvendo ndash em uma situaccedilatildeo real de

uso ndash uma intensa busca do sentido do texto [] O leitor procura desde o

iniacutecio o sentido do texto utilizando ndash para construiacute-lo ndash diferentes processos

mentais e coordenando muitos tipos de indiacutecios (contexto tipo de texto tiacutetulo

marcas gramaticais significativas palavras letras etc) Na escola ler eacute ler ldquode

verdaderdquo desde o iniacutecio textos autecircnticos completos em situaccedilotildees reais de uso

e relacionados aos projetos necessidades e desejos em pauta

Diante desses pressupostos eacute possiacutevel afirmar que as crianccedilas aprendem a ler e se

tornaratildeo leitoras se realmente estiverem motivadas se sentirem necessidade de ler de conhecer

de se expressar se tiverem disponiacuteveis agrave matildeo os escritos sociais os escritos da realidade

153

42 A leitura do gecircnero discursivo carta

Neste item seratildeo apresentados os dados e sua anaacutelise relacionados agraves situaccedilotildees de leitura

com o gecircnero discursivo carta

Como foi exposto no capiacutetulo I o trabalho pedagoacutegico com a carta iniciou-se na roda da

conversa no mecircs de abril de 2010 A coordenadora da escola em que se deu a pesquisa entregou

para as crianccedilas uma carta de uma turma de Infantil II de uma escola municipal de Educaccedilatildeo

Infantil da zona sul da mesma cidade A correspondecircncia interescolar com uma professora dessa

unidade escolar da cidade jaacute ocorria havia trecircs anos mas com as crianccedilas era a primeira vez que

participavam de um trabalho envolvendo esse gecircnero discursivo A professora da turma

correspondente apresentava em suas praacuteticas concordacircncia com as ideias da Pedagogia Freinet

Assim que a primeira carta foi recebida conversei com as crianccedilas

P Pessoal recebemos uma carta quem seraacute que escreveu

C5 Eu acho que eacute do correio

A12 Eu acho que eacute da diretora

P Mas por que a diretora nos escreveria uma carta se ela estaacute aqui na escola

C12 Ah eacute mesmo neacute Entatildeo eu natildeo sei

P Vocecircs jaacute receberam uma carta alguma vez aqui na escola

Todas Natildeo

P Algueacutem de vocecircs jaacute recebeu uma carta em casa

Todas Natildeo

P Para que vocecircs acham que algueacutem escreve uma carta para outra pessoa

C13 Hum eu acho que eacute pra contar coisas

P Quais coisas

C13 Ah eu acho que eacute pra contar coisas que a gente quer que a outra pessoa

fique sabendo

P Ah eacute

P O que mais vocecircs acham que pode ter uma carta O que pode estar escrito

nela

Todas (As crianccedilas silenciaram e estavam atentas ao envelope grande que eu

segurava nas matildeos)

C11 Que cartona que a gente recebeu neacute pro (referia-se ao tamanho e volume

do envelope)

P Sim o envelope eacute grande (deixo que as crianccedilas tambeacutem o manuseiem)

C9 Deve ter mais coisas aqui aleacutem da carta eu acho porque o envelope estaacute

gordo

C4 Eacute mesmo (a crianccedila manuseia tambeacutem o envelope e concorda com o colega

da turma)

P Hum eu acho que temos vaacuterias coisas a descobrir quem mandou a carta por

que nos mandou essa carta o que diz a carta e o que tem dentro do envelope

aleacutem da carta

Todas Eacute mesmo

154

C11 Pro acho que no envelope estaacute escrito quem mandou a carta

P E onde vocecirc acha que deve estar escrito

Todas (As crianccedilas apontam para o lado do envelope que estava voltado para

elas)

P (viro e mostro o envelope do outro lado)

C7 Eacute mesmo E agora Como eacute que a gente vai saber quem mandou a carta se

tem coisa escrita dos dois lados (do envelope)

C13 Eacute soacute a professora ler ueacute Lecirc pro leia logo porque todo mundo quer saber

o que estaacute escrito aiacute

Em seguida li para as crianccedilas os dados presentes no envelope e expliquei que para uma

carta chegar ao seu destino precisa conter os dados completos do destinataacuterio e do remetente

Mostrei no envelope os dados de quem enviara e os dados da nossa turma Expliquei que se

tratava de crianccedilas da mesma idade delas de uma escola localizada na regiatildeo sul da nossa cidade

e que se chamava ldquoTurma do Dedo Verderdquo ndash como constava no envelope ndash e que eu conhecia a

professora

Abri o envelope e orientei que ficassem agrave vontade para observarem a carta e os presentes

recebidos ndash desenhos de auto-retrato feitos pelas crianccedilas individualmente e o mapa do bairro da

escola Durante cerca de 30 minutos fizeram observaccedilotildees expressadas por meio de falas e

atitudes Provoquei-as a observar cada aspecto e fiz diversos questionamentos ldquoQuando seraacute que

foi escritardquo ldquoO que seraacute que essa turma nos contardquo As fotos a seguir trazem contribuiccedilotildees para

compreender a situaccedilatildeo de leitura descrita anteriormente e o ensino e a aprendizagem por meio

desse gecircnero discursivo

155

(Foto 1 - Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 190310)

Na foto 1 estatildeo observando a primeira carta recebida da Turma do Dedo Verde Como a

carta eacute longa com desenhos feitos pelas crianccedilas correspondentes que ilustram cada assunto

abordado por elas e por ter fotos eles se sentam dos dois lados e comentam tudo o que veem

Uma menina sentada proacutexima agrave parede em que estaacute fixado o iniacutecio aponta para algo escrito logo

abaixo de um desenho Outra garota do mesmo lado da menina observa as fotos atentamente e

entre elas duas trecircs meninos conversam entre si Quando os questiono sobre o que veem

respondem

C9 Que carta da hora neacute pro

P Vocecircs gostaram

C12 Eacute mor legal (Expressatildeo que indica ser ldquomuito legalrdquo) Parece uma carta

gigante

P E por que seraacute que a ldquoTurma do Dedo Verderdquo nos escreveu uma carta tatildeo

grande

156

C9 Ah ela deve estar falando um monte de coisas pra gente natildeo estaacute pro Eu

acho que estaacute sim

P E o que seraacute que as crianccedilas dessa turma estatildeo falando pra gente O que elas

teriam para nos contar

C5 Eu acho que elas estatildeo contando um monte de coisas que elas sabem que a

nossa turma eacute a ldquoTurma do Solrdquo acho que estatildeo falando os nomes delas no

final da carta

P Por que vocecirc acha isso

C5 Porque elas desenharam um sol bem grande logo no comeccedilo da carta e no

final tem um monte de nomes eu acho que eacute o nome delas pra gente saber

quem satildeo elas

C12 Pro lecirc logo pra gente Todo mundo quer saber

E depois de terem observado e conversado sobre suas observaccedilotildees li para as

crianccedilas a carta Ao final da leitura C1 diz

C1 A gente precisa escrever uma carta pra essa turma tambeacutem Pro Agora as

crianccedilas de laacute vatildeo ficar esperando a nossa carta

P Vocecircs concordam com C1

Todas Oba Sim

C7 A gente tambeacutem tem um monte de coisas pra contar pra elas

O relato da observaccedilatildeo da foto 1 e dos diaacutelogos com as crianccedilas antes e depois da leitura

da carta demonstram minha intencionalidade como professora no ensino da leitura e da

apresentaccedilatildeo do gecircnero discursivo carta Tal intencionalidade se revela na forma como organizo

o espaccedilo da sala o tempo para a observaccedilatildeo das crianccedilas e minha interaccedilatildeo com o gecircnero e o

suporte Tambeacutem se revela nos questionamentos desde o momento em que recebi o envelope nas

matildeos instigando-as a pensarem sobre a carta sobre a sua finalidade e sobre o seu funcionamento

como se verifica em minhas perguntas ldquoPara que vocecircs acham que algueacutem escreve uma carta

para outra pessoardquo ldquoO que mais vocecircs acham que pode ter uma cartardquo ldquoO que pode estar

escrito nelardquo ldquoHum eu acho que temos vaacuterias coisas a descobrir quem mandou a carta por que

nos mandou essa carta o que diz a carta e o que tem dentro do envelope aleacutem da cartardquo Com

esse procedimento pode-se inferir que eu como professora ensino as crianccedilas a questionarem o

texto a buscarem indiacutecios a elaborarem suas hipoacuteteses a dialogar com o texto desde o princiacutepio

e a ter uma atitude responsiva que pode ser constatada desde o iniacutecio desse processo quando uma

crianccedila depois da leitura feita por mim declara ldquoA gente precisa escrever uma carta pra essa

turma tambeacutem Pro Agora as crianccedilas de laacute vatildeo ficar esperando a nossa cartardquo

A atitude responsiva eacute percebida desde a conversa inicial da chegada da carta e marca o

caraacuteter dialoacutegico das relaccedilotildees que satildeo estabelecidas ndash da professora com as crianccedilas das crianccedilas

com a carta das crianccedilas com a linguagem e das crianccedilas com o outro com o outro real Assim

157

O ato da linguagem eacute determinante para o engendramento de aspectos

ideoloacutegicos culturais histoacutericos nas mais variadas esferas sociais tais aspectos

sobrepesam a configuraccedilatildeo e o funcionamento do ato na accedilatildeo comunicativa De

certo modo haacute paracircmetros sociais seguidos de maneira ritualiacutestica que acabam

por oferecer o arsenal de escolhas possiacuteveis para a interaccedilatildeo verbal Poder-se-ia

afirmar que essa relaccedilatildeo descrita essencialmente dialoacutegica eacute garantida ou

traduzida pelo que Bakhtin (2003) definiu como gecircnero do discurso (RIBEIRO

2010 p 55)

Pode-se dizer que desde a conversa inicial e com os diaacutelogos travados entre as crianccedilas e

eu entre as proacuteprias crianccedilas a comunicaccedilatildeo eacute feita sempre por meio de um gecircnero discursivo e

por meio desse gecircnero mais simples em sua composiccedilatildeo a professora introduz o ensino de outro

gecircnero a carta Por essa razatildeo haacute a necessidade de identificar os aspectos constitutivos do

gecircnero ndash ldquoas condiccedilotildees de sua produccedilatildeo os campos de atividade humana nos quais ele eacute

construiacutedo os possiacuteveis papeacuteis assumidos pelos participantes desse campo a sua funccedilatildeo social

(RIBEIRO 2010 p 55) ndash uma vez que ldquoateacute mesmo no bate-papo mais descontraiacutedo e livre noacutes

moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gecircnero agraves vezes padronizadas e

estereotipadas agraves vezes mais flexiacuteveis plaacutesticas e criativasrdquo (BAKHTIN 2003 p 282)

Pela conversa inicial percebe-se que as crianccedilas nunca tinham recebido elas mesmas

cartas na escola ou em casa Depois de observarem o envelope e a carta aberta na sala

reconheceram a professora como a pessoa experiente que poderia mediar a sua relaccedilatildeo com os

enunciados enviados pelas outras crianccedilas Isso se verifica ao solicitarem a leitura da carta em

diferentes momentos ldquoEacute soacute a professora ler ueacute Lecirc pro leia logo porque todo mundo quer

saber o que estaacute escrito aiacuterdquo ldquoPro lecirc logo pra gente Todo mundo quer saberrdquo

Outro aspecto relevante merece ser ressaltado C1 sugere e os demais concordam que

seja escrita uma resposta aos correspondentes e C7 acrescenta ldquoA gente tambeacutem tem um monte

de coisas pra contar pra elasrdquo Essa fala denota que a crianccedila possivelmente deseja partilhar

expressar comunicar temas e acontecimentos e com isso reafirma o processo de apropriaccedilatildeo da

linguagem escrita que como tem sido defendido neste trabalho nasce do desejo de expressatildeo do

sujeito

No ato de ler e escrever aleacutem de mobilizar o conjunto dessas funccedilotildees

intelectuais a crianccedila tambeacutem precisa ter vontade de expressar ou comunicar

alguma experiecircncia vivida ou a vontade de conhecer a experiecircncia dos outros

contadas num texto (MILLER MELLO 2008 p 6 ndash 7)

158

A

foto 2 refere-se tambeacutem a uma situaccedilatildeo de leitura da carta recebida dos correspondentes da

ldquoTurma do Dedo Verderdquo Como costumeiramente era feito antes que eu fizesse a leitura para

eles eu conversava sobre o que os correspondentes poderiam ter escrito para a Turma do Sol e

assim iam levantando suas hipoacuteteses buscando sempre novos indiacutecios e baseados nas cartas

anteriores e no diaacutelogo contiacutenuo estabelecido por meio dessa interlocuccedilatildeo faziam previsotildees

sempre confirmadas ou natildeo agrave medida que eu lia oralmente Com as sucessivas leituras que se

tornaram frequentes e com as discussotildees dos elementos constitutivos desse gecircnero discursivo as

crianccedilas comeccedilaram a estabelecer relaccedilotildees durante a audiccedilatildeo

(Foto 2 ndash Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 160510)

Nessa foto 2 as crianccedilas observam os nomes escritos ndash as assinaturas ndash dos

correspondentes e um dos garotos apontando para um dos nomes diz aos colegas

C2 Olha algueacutem escreveu o meu nome aqui

159

C13 Eacute que tem algueacutem laacute daquela turma que tem o mesmo nome que o seu

vocecirc se esqueceu Tem gente que tem o mesmo nome da gente natildeo eacute pro

P Sim haacute pessoas que tecircm o mesmo nome da gente Leia se haacute o sobrenome na

frente desse primeiro nome C2

(C2 e as outras crianccedilas sentadas ao seu lado olham atentamente para o escrito)

C2 Hum natildeo tem nada mas na proacutexima carta eu quero escrever meu nome

inteiro assim ningueacutem fica pensando que eu sou ele Vocecirc me ensina pro a

escrever meu nome inteiro

P Claro C2 assim vocecirc poderaacute escrevecirc-lo sempre que for necessaacuterio

C2 Aiacute quando elas forem ler a carta que a gente mandar e elas forem ler os

nomes de quem mandou a carta elas vatildeo saber direito que C2 que eacute

C11 Mas eu acho que elas natildeo sabem ler ainda C2

C2 Mas a professora delas pode ler pra elas igual a nossa faz e aiacute elas tambeacutem

vatildeo aprendendo

Por meio da observaccedilatildeo e leitura da carta pode-se perceber que as crianccedilas estabelecem

relaccedilotildees com a escrita e com o outro e que essas relaccedilotildees provocam outras aprendizagens como

se verifica nessa fala de C2 ldquo mas na proacutexima carta eu quero escrever meu nome inteiro assim

ningueacutem fica pensando que eu sou ele Vocecirc me ensina pro a escrever meu nome inteirordquo

Nessa fala pode-se inferir tambeacutem que as crianccedilas percebem a minha mediaccedilatildeo como professora

nesse processo de apropriaccedilatildeo da leitura e eu as instigo frequentemente a buscar elementos que

possam pensar sobre o que veem e ouvem ldquoSim haacute pessoas que tecircm o mesmo nome da gente

Leia se haacute o sobrenome na frente desse primeiro nome C2rdquo A professora ao questionar e a

ensinar a questionar o texto ao criar situaccedilotildees de leitura em que interajam e dialoguem com o

escrito permite que criem para si necessidades para ler e para escrever assim como nesta fala

ldquoAiacute quando elas forem ler a carta que a gente mandar e elas forem ler os nomes de quem mandou

a carta elas vatildeo saber direito que C2 que eacuterdquo Ou ainda quando C11 diz ldquoMas eu acho que elas

natildeo sabem ler ainda C2rdquo e C2 responde ldquoMas a professora delas pode ler pra elas igual a nossa

faz e aiacute elas tambeacutem vatildeo aprendendordquo

Dos discursos proferidos pelas crianccedilas nessa situaccedilatildeo de leitura ressalta o papel do

sentido nas relaccedilotildees que os sujeitos estabelecem com o mundo que aos poucos conhece e nas

aprendizagens que gradativamente faz Leontiev (1981) afirma que o conhecimento eacute

indubitavelmente fator de desenvolvimento e humanizaccedilatildeo no processo ontogeneacutetico mas

ressalta que para que o conhecimento eduque eacute preciso antes educar no sujeito sua atitude em

relaccedilatildeo ao conhecimento (LEONTIEV 1981)

Leontiev (1981) ao abordar sobre a formaccedilatildeo da atitude frente ao conhecimento se refere

ao sentido que as crianccedilas atribuem aos objetos da cultura com os quais se defrontam ao longo da

160

infacircncia ldquoEsse sentido condiciona toda relaccedilatildeo que estabelecem com esses objetos a partir de

entatildeo ndash num processo dinacircmico de formaccedilatildeo e desenvolvimento de sentido - em outras palavras

condiciona a atitude da crianccedila frente a esses objetosrdquo (MELLO 2011 p 2) Disso decorre que

essa atitude da crianccedila constitui-se como uma resposta sua ao objeto ldquosua atitude depende do que

o objeto significa para ela como ela o entende como o objeto a afeta e quanto a afetardquo (MELLO

2011 p 2) Para Leontiev (1981 p 234 traduccedilatildeo nossa) o sentido eacute ldquoesse aspecto da consciecircncia

do indiviacuteduo determinado por suas relaccedilotildees vitais proacutepriasrdquo 17

Em outras palavras a atitude das

crianccedilas frente aos objetos condicionada pelo que eles significam para elas natildeo eacute algo que se

ensina como um produto mas eacute elemento da consciecircncia que se forma como um processo Com

base nessas afirmaccedilotildees no processo de ensino e de aprendizagem o planejamento intencional das

situaccedilotildees de leitura a organizaccedilatildeo do tempo e do espaccedilo destinado a isso a mediaccedilatildeo do

professor e principalmente as relaccedilotildees que satildeo estabelecidas com esse objeto cultural contribuem

para que as crianccedilas atribuam um sentido para a leitura e para a sua atitude de aprender a ler

Ainda que o sentido seja formado intencionalmente na escola o sentido que uma crianccedila

atribui a um objeto ldquonatildeo se ensina se educardquo18

(LEONTIEV 1981 p 234 traduccedilatildeo nossa) se

constitui como produto das relaccedilotildees estabelecidas com os objetos da cultura histoacuterica e

socialmente elaborada

Podemos dizer que a intencionalidade do outro nesse aprender precisa considerar

as relaccedilotildees reais que as crianccedilas estabelecem com os objetos da cultura na escola

e a complexidade desse processo de atribuiccedilatildeo de sentido pelas crianccedilas

(MELLO 2011 p 2)

Desse modo as situaccedilotildees vivenciadas e as relaccedilotildees estabelecidas com o gecircnero com os

interlocutores e com a escrita criam atitudes positivas diante do conhecimento necessidade de

saber de aprender

Outra situaccedilatildeo de leitura de carta eacute apresentada para se compreender o processo de

apropriaccedilatildeo de leitura por meio do gecircnero carta Com o objetivo de ampliar as experiecircncias para

que compreendessem todo o processo de emissatildeo e de recepccedilatildeo da correspondecircncia fiz com elas

uma aula-passeio agrave agecircncia central dos Correios As aulas-passeio satildeo tambeacutem uma das teacutecnicas

17

Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV1981 p 234) [] que aquel aspecto de la conciencia del individuo

determinado por sus relaciones vitales propias es el sentido 18

Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV1981 p 234) El sentido no se ensentildea el sentido se educa

161

da Pedagogia Freinet Satildeo saiacutedas ao ar livre ndash aulas de campo ndash que oportunizam maior contato

com o proacuteprio meio permitindo descobertas que motivam a re-criaccedilatildeo dos textos livres

Antes de postarem a carta aos correspondentes ndash pesaram verificaram o valor e fizeram o

pagamento da taxa Em seguida foram conhecer por meio de um responsaacutevel a parte interna e o

trabalho dos funcionaacuterios Em meio a conversas e explicaccedilotildees de um monitor que nos

acompanhavam nesse passeio trecircs crianccedilas pararam numa caixa em que as correspondecircncias jaacute

estavam separadas para que o carteiro fizesse a entrega

(Foto 3 - Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 010610)

C7 Olha C6 que carta linda Acho que eacute uma carta de amor (as crianccedilas riem)

C6 Por que vocecirc acha isso

C7 Porque tem um monte de adesivos de coraccedilatildeo grudados no envelope e o

envelope eacute vermelho

C13 Ah mas pode ser uma carta de amigas ou de amigos

C7 Hum natildeo parece parece de amor

C13 Daacute pra ler quem mandou (C13 lecirc o nome do destinataacuterio) eacute nome de

homem

C6 Ih mas e quem que estaacute mandando A gente precisava saber

C13 Nem precisa olha aqui (aponta com o dedo indicador direito) estaacute

escrito aqui em cima ldquoPara o meu amorrdquo (as crianccedilas riem novamente)

162

A anaacutelise da foto e dos dados apresentados pela conversa entre as crianccedilas denota que ao

criar necessidades de leitura o interesse por ler se manifesta em diferentes situaccedilotildees e que se

aprende a ler em situaccedilotildees reais (JOLIBERT 1994 2006)

Quando as cartas satildeo redigidas e os envelopes satildeo preenchidos as crianccedilas

entram em contato com modelos convencionais de escrita [] Como se pode

perceber com esse tipo de texto escrito as crianccedilas tecircm oportunidade de se

apropriar de conteuacutedos culturais dos quais necessitaraacute para inserir-se no processo

de comunicaccedilatildeo com outras pessoas Isso inclui natildeo soacute saber qual a funccedilatildeo da

carta como eacute o seu tracircnsito de pessoa a pessoa quanto custa esse tracircnsito mas

tambeacutem quais os recursos de escrita satildeo necessaacuterios para que esse veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo se concretize o que implica a assimilaccedilatildeo de certos conceitos

envolvidos nesse processo (MILLER MELLO 2005 p 13 ndash 14)

Na situaccedilatildeo analisada as crianccedilas levantam suas hipoacuteteses para saber se se trata de uma

carta de amor por meio dos questionamentos que fazem no escrito do envelope e de outros

elementos natildeo verbais como os adesivos de coraccedilatildeo e a cor No processo inicial de apropriaccedilatildeo

da leitura as crianccedilas buscam indiacutecios no envelope para descobrirem informaccedilotildees e realizarem a

leitura Quanto a isto ressalta-se que

A interpretaccedilatildeo de um signo natildeo pode coincidir somente com sua identificaccedilatildeo

mas tambeacutem requer compreensatildeo ativa O sentido de um signo consiste em algo

mais no que diz respeito aos elementos que permitem seu reconhecimento Eacute

feito desses aspectos semacircntico-ideoloacutegicos que satildeo em certo sentido uacutenicos

que tem algo de peculiar e de indissoluvelmente ligado ao contexto situacional

da semiose A compreensatildeo do signo eacute uma compreensatildeo ativa pelo fato de que

requer uma resposta uma tomada de posiccedilatildeo nasce de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e

provoca uma relaccedilatildeo dialoacutegica vive como resposta a um diaacutelogo (PONZIO

2011 p 186 ndash 187)

Ao considerar esses pressupostos pode-se inferir que as crianccedilas tecircm uma atitude

responsiva uma atitude leitora uma vez que observam os elementos presentes no envelope

fazem inferecircncias questionam opinam dialogam com os dados percebidos e elaboram uma

contrapalavra Ao compreenderem os signos participam de uma compreensatildeo ativa

A situaccedilatildeo a seguir denota o caraacuteter dialoacutegico das crianccedilas com o gecircnero carta e seus

elementos constitutivos

163

Numa tarde antes das crianccedilas chegarem agrave escola afixei na parede da sala de aula em que

estavam outros textos de diferentes gecircneros ndash receita poesia carta histoacuteria em quadrinhos conto

ndash uma carta diferente das outras recebidas de nossos correspondentes escrita em uma uacutenica folha

de sulfite recebida por e-mail de uma amiga geoacutegrafa em resposta a uma pergunta feita pelas

crianccedilas em nossas pesquisas sobre um fenocircmeno que ocorre no Oriente chamado ldquoSol da meia-

noiterdquo Assim que chegou o e-mail o imprimi e o levei para as crianccedilas Natildeo fiz nenhum

comentaacuterio inicialmente e aguardei que observassem e se manifestassem Enquanto

organizaacutevamos o espaccedilo da sala de aula como costumeiramente faziacuteamos duas crianccedilas

perceberam o novo texto na parede e me perguntaram

C6 Ocirc pro foi vocecirc quem colocou isso aqui (refere-se ao novo texto afixado)

P Sim fui eu O que acharam

C13 Hum isso aqui estaacute me cheirando uma carta

P E por que vocecirc acha que eacute uma carta

C13 Porque logo aqui em cima no comeccedilo acho que estaacute escrito ldquoProfessora G e

Turma do Solrdquo (referia-se agrave saudaccedilatildeo ou cumprimento) aiacute depois tem umas

coisinhas escritas uma mensagem Natildeo eacute uma mensagem Eu acho que eacute

simparece (silencia por alguns instantes e seus olhos movimentam-se em

direccedilatildeo ao escrito como se estivesse a ler) e depois dessas coisas escritas tem

uma despedida Olha soacute Aqui estaacute escrito ldquoAbraccedilos amigosrdquo

P Mas natildeo tem a data de quando foi escrita a carta

C6 Tem que ter neacute professora

P Onde estaacute

C13 e C6 observam atentamente direcionam o olhar por toda a folha e depois de

alguns instantes C13 diz

C13 Achei Ela estaacute aqui oacute (aponta com o dedo indicador na folha) eacute que eacute a

data econocircmica (refere-se a data abreviada registrada somente com nuacutemeros ndash

dia mecircs e ano)

P Sim eacute verdade Mas se eacute uma carta quem a escreveu

C13 Hum ah (volta a dirigir o olhar por toda a folha pensa silencia e diz)

C13 Jaacute sei eacute esse nome que estaacute aqui debaixo dos ldquoabraccedilos amigosrdquo (aponta

com o dedo indicador direito o nome encontrado) olha e eacute igual ao nome da

PA (refere-se a coordenadora da escola)

P Realmente eacute igual ao nome da PA

C13 Natildeo falei que eacute uma carta

Com o contato frequente com cartas com as situaccedilotildees de leitura vivenciadas por meio

desse gecircnero e com as relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas pode-se dizer que as crianccedilas natildeo

somente identificam os elementos que a compotildeem ndash conteuacutedo temaacutetico construccedilatildeo

164

composicional e estilo (BAKHTIN 2003) ndash mas compreendem o seu funcionamento e a sua

dinacircmica

C13 ao observar o novo texto afixado na parede revela logo de iniacutecio antes da leitura a

ser feita pela professora sua hipoacutetese de que se trata de uma carta ao dizer ldquoHum isso aqui estaacute

me cheirando uma cartardquo Ao tentar responder agraves perguntas da professora e orientada por seu

interesse e necessidade em saber que texto eacute esse que se apresenta ela lecirc o texto e ao dialogar

com ele encontra as respostas ao perceber a construccedilatildeo composicional vinculada com a forma

arquitetocircnica determinada pelo projeto enunciativo do locutor que natildeo se confunde com uma

forma riacutegida porque pode se alterar de acordo os projetos enunciativos (SOBRAL 2009) Em

outras palavras a crianccedila percebe que eacute uma carta ainda que esse gecircnero natildeo tenha se

apresentado na forma costumeira elaborada recebida pelos correspondentes

Pode-se inferir que a crianccedila ao analisar o texto tambeacutem percebe o estilo um aspecto do

gecircnero que indica fortemente sua mutabilidade ldquopois eacute a um soacute tempo expressatildeo da comunicaccedilatildeo

discursiva especiacutefica do gecircnero e expressatildeo pessoal mas natildeo subjetiva do autor ao criar uma

nova obra no acircmbito de um gecircnerordquo (SOBRAL 2009 p 119) Os dados tambeacutem revelam que a

crianccedila percebe o conteuacutedo temaacutetico ou tema elemento esse que natildeo se confunde com ldquoassuntordquo

uma vez que pode se falar de um determinado assunto e ter outro tema (SOBRAL 2009 p 119)

Esses elementos satildeo percebidos quando reconhece cada parte mesmo que a data por exemplo

tambeacutem esteja escrita soacute em nuacutemeros (dia mecircs e ano) e natildeo por extenso (nome da cidade dia

mecircs e ano) como as crianccedilas costumam ler e escrever nas cartas recebidas e enviadas ainda que

natildeo esteja logo no iniacutecio mas no rodapeacute da folha impressa uma vez que ateacute aquele momento natildeo

tinham tido acesso a e-mails e por conseguinte natildeo utilizavam ou participavam desse tipo de

suporte do gecircnero conhecido em outro o papel no interior de um envelope

A crianccedila aponta que depois da saudaccedilatildeo haacute uma mensagem e aparenta esforccedilo para ler

possivelmente porque as explicaccedilotildees dadas pela geoacutegrafa traziam termos natildeo antes vistos ou

sabidos pela crianccedila sobre o fenocircmeno ldquoSol da meia-noiterdquo que posteriormente foi pesquisado

Esse fato revela o estilo da autora do texto que ao abordar um assunto ateacute aquele momento

desconhecido escreve de uma forma peculiar dentro de sua escolha e de sua condiccedilatildeo

profissional na elucidaccedilatildeo das informaccedilotildees abordadas Outro aspecto relevante eacute que a hipoacutetese

da crianccedila desde o comeccedilo eacute de que o texto se tratava de uma carta e a reconhece no meio de

165

vaacuterios outros textos de outros gecircneros discursivos tambeacutem afixados na parede junto a esse ndash

poesia receita conto entrevista

Com a anaacutelise do dado apresentado ressalta-se que ldquoo texto exibe indiacutecios (ou marcas) de

gecircnero de modo imediato mas natildeo de maneira transparente e a discursividade eacute assim uma

mediaccedilatildeo constitutiva entre gecircnero e texto ou seja o discurso eacute mobilizado pelo gecircnero e

mobiliza o textordquo (SOBRAL 2010 p 15) Por meio do trabalho intencional de leitura da carta e

das relaccedilotildees que a crianccedila estabelece com ela com seus elementos constitutivos e com o outro a

crianccedila eacute capaz de se apropriar gradativamente do gecircnero e dos modos de operar com a escrita

43 A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida

As situaccedilotildees de leitura analisadas a seguir correspondem ao gecircnero discursivo relatos de

vida relacionados aos fatos vividos pelas crianccedilas escritos no livro da vida um compilado de

textos produzidos pelas crianccedilas que conta o que se passa na vida do grupo Eacute uma teacutecnica

Freinet voltada para o trabalho com a leitura e a escrita mas que apresenta antes de tudo uma

preocupaccedilatildeo em permitir que as crianccedilas expressem suas ideias impressotildees sensaccedilotildees

sentimentos opiniotildees Trata-se de um livro de registros escritos e desenhados dos acontecimentos

mais relevantes ocorridos no dia da turma Satildeo vivecircncias cotidianas expressatildeo de acontecimentos

reais que a marcaram de alguma forma

Os registros no livro da vida iniciaram-se no mecircs de marccedilo de 2010 Expliquei na roda da

conversa o seu funcionamento alguns dos textos criados seriam de toda a turma ndash textos criados

coletivamente com as experiecircncias de todo o grupo ndash e outros poderiam ser escritos

individualmente conforme quisessem ou sentissem a necessidade de fazecirc-lo Essa teacutecnica

Freinet aleacutem de ser utilizada para gerar dados tambeacutem faz parte do contexto em que o meu

trabalho pedagoacutegico como professora pesquisadora se realizou Todos os textos escritos e lidos

tornam-se materiais de leitura e ficam expostos na sala para consulta assim como as

correspondecircncias e outros materiais produzidos por elas ou natildeo como jornais livros gibis

revistas infantis enciclopeacutedias folhetos mapas O livro da vida tambeacutem eacute lido pelos pais quando

participam das reuniotildees pelos funcionaacuterios da escola quando se sentem instigados para saber dos

registros comentados pelas crianccedilas em situaccedilotildees diversas e pelos correspondentes da turma por

ocasiatildeo da visita ou ainda pelas proacuteprias cartas enviadas A situaccedilatildeo de leitura de relato de vida

166

analisada a seguir traz diferentes aspectos sobre a relevacircncia desse gecircnero discursivo na formaccedilatildeo

de leitores e re-criadores de textos

Em comemoraccedilatildeo ao dia das matildees e com o trabalho de correspondecircncia jaacute iniciado com a

turma fiz com as crianccedilas uma aula-passeio ao correio quando puderam conhecer o processo de

envio postagem e recebimento de cartas escritas para as suas matildees com seus desenhos a elas

dedicados Ao voltarmos na escola C13 propocircs que escrevecircssemos nossa aula passeio no livro da

vida Terminado o texto fiz a sua leitura oral

Mariacutelia 29 de abril de 2010

Hoje a nossa turma fez um passeio no Correio junto com a turma da

professora L e por isso a gente veio no periacuteodo da manhatilde para a escola

A gente foi de ocircnibus e viu um monte de coisas no caminho Eacute super legal

andar de ocircnibus

A gente foi ao Correio levar as cartinhas que a gente escreveu para as

nossas matildees

Laacute no Correio o moccedilo que ficava recebendo as cartas deixou cada um

colar o selo na sua proacutepria carta e depois ele carimbava

A gente levou dinheiro para pagar o selo e ainda sobrou troco

Depois a gente conheceu o Correio todo e o moccedilo que trabalha laacute explicou

como eacute que as cartas chegam ao lugar que a gente quer

A gente conversou com os carteiros e viu eles separando as

correspondecircncias

Todo mundo gostou do passeio

Turma do Sol ndash Infantil II

Depois da leitura do texto conversei com as crianccedilas sobre o que eu havia transmitido a

eles oralmente

P Pessoal haacute alguma coisa a mais que vocecircs gostariam de colocar nesse texto

C1 Hum acho que natildeo pro mas toda hora repete a gente

P Vocecircs concordam com C1

Todas (ningueacutem faz comentaacuterio)

P Bem eu vou ler novamente o texto e vocecircs me falam se vocecircs acham que C1

tem razatildeo tudo bem

Todas (Todas concordam)

Terminada a segunda leitura pergunto

P O que vocecircs acham

C13 Nossa pro eacute verdade toda hora a gente escreveu a gente

P E o que podemos fazer para o nosso texto ficar melhor e natildeo repetir tanto a

gente

167

C13 A gente pode trocar a gente por ldquonoacutesrdquo eacute a mesma coisa natildeo eacute Aiacute natildeo fica

toda hora falando do mesmo jeito

P Sim eacute uma boa ideia Faremos isso no texto de amanhatilde

C5 Pro eacute muito legal ler as coisas do livro da vida neacute

P Eacute E por que vocecirc acha legal

C5 Porque a gente pode contar coisas bem legais a gente pode escrever as

coisas aiacute e todo mundo vai poder ler qualquer hora Vocecirc deixa minha matildee ler

quando ela vier na reuniatildeo (refere-se agrave leitura do livro da vida pela matildee na

ocasiatildeo da Reuniatildeo de Pais e Mestres na escola)

P Claro que sim seus pais e quem mais quiser (e todas as demais crianccedilas

pediram para que eu deixasse seus familiares tambeacutem lerem)

O livro da vida eacute a documentaccedilatildeo do dia a dia da turma e o relato de vida emerge dessa

situaccedilatildeo de realizar essa documentaccedilatildeo Na anaacutelise da situaccedilatildeo descrita a crianccedila parece se

reconhecer como sujeito desse processo em que vive e que registra sua proacutepria histoacuteria Agrave medida

que faz isso tambeacutem interage com a liacutengua e percebe gradativamente seu funcionamento como

se verifica nessa fala de C1 quando questiono sobre a leitura do texto produzido ldquoHum acho

que natildeo pro mas toda hora repete a genterdquo ou ainda na fala de C13 ldquoNossa pro eacute verdade toda

hora a gente escreveu a genterdquo e ainda propotildee ldquoA gente pode trocar a gente por noacutes eacute a mesma

coisa natildeo eacute Aiacute natildeo fica toda hora falando do mesmo jeitordquo

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que C13 aparenta se reconhecer e reconhecer o grupo

como re-criador do texto lido uma vez que afirma terem escrito o texto mesmo que tenham tido a

professora como escriba dos enunciados das ideias Isso se apresenta na mesma fala ldquoNossa pro

eacute verdade toda hora a gente escreveu a genterdquo

Por se sentirem sujeitos desse processo as crianccedilas criam para si a necessidade de ler e de

escrever de se apropriarem desse instrumento cultural Colocam-se em situaccedilatildeo real de uso da

leitura e da escrita e sabem que a produccedilatildeo escrita seraacute lida por outra pessoa um destinataacuterio real

Ao se utilizar relato de vida conquistam a sua autonomia porque dizem coisas que vivem que

ouvem que experimentam e o registro escrito das conversas das vivecircncias e das histoacuterias das

crianccedilas eacute uma forma de contato com o gecircnero discursivo Por ele retomam o sentido histoacuterico de

registro da comunicaccedilatildeo

Na situaccedilatildeo apresentada pode-se inferir que as crianccedilas reconhecem a leitura como uma

forma de expressatildeo de dizer de contar coisas de comunicar de informar e de se informar A

teacutecnica livro da vida constitui e caracteriza o relato de vida agrave medida que o livro da vida ldquoeacute (ou

tenta ser) um relato e a marca do que acontece do que se vive se diz se realiza no decorrer dos

diasrdquo (GROUPE MATERNEL LIEGEOIS sd p 15) Desse modo o fato de a crianccedila pedir agrave

168

professora que deixe sua matildee ler o livro por ocasiatildeo da reuniatildeo de pais denota que reconhecem a

leitura como uma forma de expressatildeo humana de partilhar informaccedilotildees e que teratildeo a garantia de

que os escritos seratildeo socializados em outras palavras que os escritos seratildeo lidos por outros

(outras crianccedilas os pais durante as reuniotildees a proacutepria professora pelos funcionaacuterios ou pelos

correspondentes na ocasiatildeo dos encontros entre as turmas) e que a livre expressatildeo eacute e seraacute

privilegiada

Pode-se dizer que o relato de vida eacute um gecircnero primaacuterio (BAKHTIN 2003) uma vez que

os gecircneros primaacuterios satildeo os gecircneros da vida cotidiana ldquoSatildeo predominantemente mas natildeo

exclusivamente orais Pertencem agrave comunicaccedilatildeo verbal espontacircnea e tem relaccedilatildeo direta com o

contexto mais imediatordquo (FIORIN 2006 p 70) Por isso os gecircneros primaacuterios correspondem a

um espectro diversificado da atividade linguiacutestica humana relacionada com os discursos da

oralidade em seus mais variados niacuteveis (do diaacutelogo cotidiano ao discurso didaacutetico filosoacutefico ou

sociopoliacutetico) (MACHADO 2005 p 144)

Com relaccedilatildeo agrave leitura do gecircnero discursivo relato de vida eacute apresentada outra situaccedilatildeo

C1 ao se dirigir a mim no local em que as crianccedilas satildeo recepcionadas diariamente ndash no galpatildeo

entregou-me uma folha com um desenho e algumas coisas escritas Quando perguntei do que se

tratava respondeu

C1 Pro eu fiz esse desenho ontem na minha casa e eu trouxe para vocecirc pocircr no

livro da vida Eu contei tudinho pra minha matildee ontem o que noacutes pesquisamos

sobre o Sol e eu pedi pra minha matildee escrever Aiacute depois eu desenhei e trouxe

para vocecirc por no livro da vida pra todo mundo ler

P Que bom C1 Mas acho que podemos primeiro contar no livro da vida por

que vocecirc teve essa ideia para que todo mundo possa entender o desenho e as

coisas que a sua matildee escreveu O que vocecirc acha E entatildeo colamos essa folha

nele tambeacutem

C1 Estaacute bom pro Mas vocecirc pode ler pra todo mundo porque quase ningueacutem da

nossa turma sabe ler neacute

(Situaccedilatildeo observada e registrada no dia 120510)

Dirigi-me para a sala e depois de negociado na roda o nosso plano de trabalho do dia as

crianccedilas realizavam uma tarefa de pintura enquanto C1 produzia o texto que ao terminar foi lido

para toda a turma bem como o escrito com o desenho que foi afixado no livro da vida

169

Mariacutelia 12 de maio de 2010

A nossa turma se chama Turma do Sol e a gente aprendeu um monte de

coisas sobre ele

Aiacute eu cheguei em casa e contei pra minha matildee o que eu aprendi na escola

e pedi pra ela escrever num papel agrave noite

Quem ler o que a minha matildee escreveu no papel vai saber um monte de

coisas sobre o Sol tambeacutem

C1

170

(Desenho trazido por C1 com observaccedilotildees escritas por sua matildee ndash 120510)

171

Por meio da leitura do texto de C1 e do desenho com o registro escrito das explicaccedilotildees

que dera a sua matildee eacute possiacutevel inferir que C1 percebe a escola como o lugar da cultura mais

elaborada (MELLO 2010) em outras palavras como um lugar em que a crianccedila se apropria da

cultura humana do conhecimento e das formas mais elaboradas da cultura uma vez que ao

pesquisar na escola informaccedilotildees sobre o Sol ndash pesquisa decorrente do nome da turma ndash solicita agrave

matildee mais informaccedilotildees aleacutem do que pesquisara com a professora e os colegas Segundo Davidov

(1988 p 57) quando analisamos os processos de educaccedilatildeo de ensino temos a reproduccedilatildeo e a

apropriaccedilatildeo das capacidades construiacutedas historicamente como ponto central e este movimento eacute

gerador do desenvolvimento psiacutequico do homem

Eacute possiacutevel perceber ainda que a matildee ao atender a solicitaccedilatildeo da filha preocupa-se em

escrever exatamente da forma como a crianccedila disse e resguarda assim a historicidade desse

momento por meio da escrita Na tentativa de supostamente materializar esse conhecimento e de

atribuir a ele um valor leva esse registro para a escola e o incorpora ao seu relato de vida

partilhado por toda a turma no momento da leitura oral C1 reconhece a professora como o adulto

que pode fazer a mediaccedilatildeo quando C1 diz ldquoMas vocecirc pode ler pra todo mundo porque quase

ningueacutem da nossa turma sabe ler neacuterdquo Ler para C1 eacute uma forma de comunicar de se expressar

de informar de estabelecer relaccedilotildees ldquoQuem ler o que a minha matildee escreveu no papel vai saber

um monte de coisas sobre o Sol tambeacutemrdquo

A seguir eacute apresentada outra situaccedilatildeo de leitura do relato de vida

Numa tarde enquanto as crianccedilas faziam uma tarefa C7 terminou rapidamente a tarefa e

solicitou-me para que eu escrevesse com ela no livro da vida Disse-me que queria muito que

ficasse escrito o que ela ia contar Desse modo atendi a sua solicitaccedilatildeo

Mariacutelia 4 de junho de 2010

Amanhatilde eu vou viajar para Aparecida do Norte com a minha matildee e com o

meu pai Meus irmatildeos tambeacutem vatildeo

Noacutes vamos viajar de ocircnibus e a minha matildee vai levar a Santinha pra laacute

Eu vou ter que escovar os dentes no posto de gasolina porque em

Aparecida natildeo tem banheiro

A minha matildee vai levar aacutegua refrigerante e bolacha Vai levar tambeacutem

talquinho pra eu ficar bem cheirosinha Vai ser bem legal

C7

172

Ao terminar o relato natildeo foi possiacutevel fazer a leitura dele no mesmo momento como de

costume porque o horaacuterio havia acabado e deveriacuteamos reorganizar a sala para que outra

professora pudesse entrar com sua turma Dirigi-me com as crianccedilas para o tanque de areia e por

isso natildeo houve a possibilidade de fazer a leitura do texto produzido por C7 agraves outras crianccedilas

naquele local e naquele dia

No dia seguinte enquanto todas as crianccedilas brincavam com jogos de construccedilatildeo C6 se

retira do grupo no qual brincava se dirige ao fundo da sala pega o livro da vida e passa cerca de

vinte minutos a observar somente o registro feito por C7 no dia anterior Em seguida coloca

novamente o livro no local em que o encontrara e se dirige a mim

C6 Pro C7 foi hoje para Aparecida do Norte neacute Por isso que ela faltou na

escola

P Como eacute que vocecirc sabe disso Ela te contou

C6 Natildeo eu li agora no livro da vida Eacute verdade que laacute em Aparecida natildeo tem

banheiro

P Tem sim eacute preciso ter porque muitas pessoas vatildeo laacute visitar

C6 Ueacute mas C7 disse que vai ter que ir no banheiro do posto de gasolina Hum

acho que eacute por isso que ela escreveu que a matildee dela vai levar talquinho pra ela

ficar bem cheirosinha porque se natildeo tem banheiro natildeo vai dar para tomar

banho Eacute pro eu sei porque eu li tudo tudo mesmo

Pela anaacutelise do dado apresentado pode-se inferir que as falas de C6 revelam a concepccedilatildeo

de leitura defendida neste trabalho a de leitura como interlocuccedilatildeo como compreensatildeo como

produccedilatildeo de sentido (ARENA 1992 2010b CHARMEAUX 1997 JOLIBERT 1994 SOUZA

2004) a leitura como lugar de encontro com a palavra alheia como diaacutelogo que requer uma

atitude responsiva (BAKHTIN 1992 2003)

C6 compreende o que a colega escreveu e sua atitude responsiva a essa leitura se verifica

na conversa que estabelece com a professora e com as relaccedilotildees que estabelece com o texto ao

dizer que sabe que C7 viajara para a cidade de Aparecida do Norte e que por tal razatildeo natildeo

comparecera agrave aula naquele dia Outro indiacutecio dessa atitude responsiva se revela no fato de C6

perguntar se nessa cidade natildeo teria banheiro porque C7 escrevera que usaria o banheiro do posto

de combustiacuteveis aleacutem do fato de a matildee de C7 ter de levar talquinho para que ela ficasse

cheirosinha

Essa atitude responsiva atitude leitora eacute demonstrada ateacute mesmo quando C6 toma a

iniciativa de recorrer ao livro da vida para ler o que fora escrito pela colega sem que a professora

173

o fizesse uma vez que no dia anterior ndash momento em que C7 produziu o texto ndash natildeo foi possiacutevel

devido ao tempo que a professora realizasse a leitura para a turma como costumeiramente era

feito C6 provocada por uma necessidade criada faz a leitura sem a mediaccedilatildeo direta sem

oralizaccedilatildeo dialogando com o texto A crianccedila participa desse ato comunicativo como

interlocutora ativa e compreende o que C7 escrevera porque participa do contexto situacional

Desse modo

Compreender eacute participar de um diaacutelogo com o texto mas tambeacutem com seu

destinataacuterio uma vez que a compreensatildeo natildeo se daacute sem que entremos numa

situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e ainda com outros textos sobre a mesma questatildeo Isso

quer dizer que a leitura de uma obra eacute social mas tambeacutem individual Na medida

em que o leitor se coloca como participante do diaacutelogo que se estabelece em

torno de um determinado texto a compreensatildeo natildeo surge da sua subjetividade

Ela eacute tributaacuteria de outras compreensotildees Ao mesmo tempo como o leitor

participa desse diaacutelogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material

uma resposta ativa sua leitura eacute singular (FIORIN 2006 p 6)

Pode-se inferir ainda que C6 realiza a leitura do texto com responsividade porque

tambeacutem conhece o gecircnero discursivo relato de vida e seus elementos constitutivos dessa forma

gera sentido quando lecirc

O gecircnero somente ganha sentido quando se percebe a correlaccedilatildeo entre formas e

atividades Assim ele natildeo eacute um conjunto de propriedades formais isolado de

uma esfera de accedilatildeo que se realiza em determinadas coordenadas espaccedilo-

temporais na qual os parceiros da comunicaccedilatildeo manteacutem certo tipo de relaccedilatildeo

Os gecircneros satildeo meios de apreender a realidade (FIORIN 2006 p 69)

Ao considerar esses pressupostos pode-se dizer que C6 realizou a leitura do texto de C7

porque faz parte do contexto situacional em que ocorreu a enunciaccedilatildeo conhece o gecircnero relato de

vida por participar com frequecircncia de situaccedilotildees de leitura e de escrita que envolvem esse gecircnero

e por estabelecer relaccedilotildees com as especificidades que ele apresenta como o registro de

acontecimentos do cotidiano das crianccedilas da turma da qual faz parte Nessa situaccedilatildeo apresentada

C6 demonstra que se apropria da leitura que consegue pensar o escrito que eacute leitora embora

iniciante e por isso participa da cultura escrita

Esse registro permite inferir que a apropriaccedilatildeo da leitura pela crianccedila se ampliou porque

ela esteve em contato frequente com uma praacutetica de leitura intencional planejada e dialoacutegica

174

Essa crianccedila desde o iniacutecio do trabalho proposto de leitura e de escrita de diferentes gecircneros

participou ativamente contudo nessa situaccedilatildeo especiacutefica denotou que sua apropriaccedilatildeo da leitura

ocorreu por meio dos gecircneros discursivos os quais vivenciou e estabeleceu relaccedilotildees intensas ao

confirmar ldquoEacute pro eu sei porque eu li tudo tudo mesmordquo A apropriaccedilatildeo da liacutengua por meio dos

gecircneros discursivos estaacute em concordacircncia com Freinet ao esclarecer que

A crianccedila sabe ler sem exerciacutecio de leitura Sabe ler porque reconhece sob o

grafismo manuscrito ou impresso o pensamento que laacute fora depositado eacute como

se ouvisse agrave distacircncia a palavra dos ausentes ou afastada no tempo a dos

mortos Que importa se ainda natildeo eacute capaz de ler correctamente e em voz alta Se

isso natildeo passa afinal de contas de um exerciacutecio fastidioso e quase

soberanamente inuacutetil que a Escola sempre tem iccedilado ao niacutevel de uma

necessidade porque eacute impotente para avaliar a compreensatildeo muda (FREINET

1969 p 57)

De acordo com estes pressupostos pode-se dizer que C6 se apropria da leitura da liacutengua

porque atua nela percebe seu funcionamento estabelece diaacutelogo com o escrito sem ter que

participar de exerciacutecios de leitura de repeticcedilotildees orais de letras siacutelabas e palavras de fazer

locuccedilotildees de oralizar por oralizar

No proacuteximo item desse capiacutetulo seratildeo apresentadas e analisadas situaccedilotildees de leitura com

o gecircnero discursivo notiacutecias de jornal por meio do jornal escolar

44 A leitura do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal

A tira acima ilustra possivelmente leitores de jornal que direcionam sua leitura a

diferentes partes do jornal e a diferentes gecircneros discursivos ndash do qual o jornal eacute portador ndash de

acordo com suas necessidades preferecircncias e interesses

175

A notiacutecia de jornal natildeo eacute um gecircnero comumente abordado na Educaccedilatildeo Infantil com as

crianccedilas pequenas como os contos de fada e as faacutebulas por exemplo como pode se verificar pela

anaacutelise dos dados no capiacutetulo II e especiacuteficamente com as crianccedilas da presente pesquisa Os

dados analisados neste trabalho foram gerados por meio de um trabalho intencional de leitura e

escrita de notiacutecias por meio da teacutecnica Freinet jornal da turma e da leitura de jornal da cidade e

de um nacional O jornal da turma eacute um jornal produzido e editado de forma cooperativa pelas

crianccedilas Eacute constituiacutedo de falas curiosidades e opiniotildees sobre suas vivecircncias e descobertas As

informaccedilotildees trazidas e discutidas principalmente na roda da conversa satildeo transformadas em

notiacutecias do jornal do grupo Segundo Freinet (1974 p 85) ldquoo jornal escolar eacute um inqueacuterito

permanente que nos coloca a escuta do mundo e eacute uma janela ampla e aberta sobre o trabalho e a

vida [] eacute o arquivo vivo da aulardquo

O jornal editado pela crianccedila da Escola Freinet era baseado no texto livre e impresso no

limoacutegrafo ou imprensa escolar Freinet sugeria o uso de jornal (mural escrito ou falado) como

substituto dos manuais didaacuteticos da liccedilatildeo de casa imposta pelo adulto e previa assim as

vantagens de seu uso para abordar a realidade e os programas escolares Ele permitia agraves crianccedilas

se apropriarem de diferentes formas de linguagem e dos diferentes gecircneros do discurso

Na Escola Freinet os jornais natildeo satildeo imitaccedilotildees nem substitutos dos jornais de adultos

Satildeo produccedilotildees originais cujo conteuacutedo atende aos verdadeiros interesses das crianccedilas tal como

satildeo expressos nos textos livres e traz como conteuacutedos elementos da vida de exteriorizaccedilatildeo do

pensamento Sua originalidade e importacircncia consistem numa seleccedilatildeo de textos produzidos e

impressos pelas crianccedilas e agrupados numa encadernaccedilatildeo especial para os correspondentes

familiares comunidade escolar

Cabe lembrar que o jornal escolar se tornou um importante instrumento de ensino e de

aprendizagem de linguagem em muitos paiacuteses desde a experiecircncia seminal de Freinet (1974)

iniciada em 1924 No Brasil contudo apenas mais recentemente se tem investido em

experiecircncias desse tipo ldquoAleacutem disso existem poucas pesquisas que relatem e analisem essas

experiecircncias de modo que ainda pouco se sabe sobre como satildeo produzidos esses jornais e que

lugar ocupam no conjunto dos conteuacutedos ensinados na disciplina de Liacutengua Portuguesardquo

(BONINI 2011 p 149)

Para abordar o gecircnero primeiramente eu apresentei na hora da leitura um jornal da cidade

com uma notiacutecia em que eu era citada Optei por fazecirc-lo porque as crianccedilas me conheciam e

176

possivelmente poderia provocar interesse saber do que se tratava a notiacutecia e por que eu fazia parte

dela Fiz a leitura dessa notiacutecia na durante o momento diaacuterio em que leio ou conto uma histoacuteria

poesia faacutebula histoacuteria em quadrinhos dentre outros gecircneros discursivos Utilizo uma cadeira

pequena para me posicionar as crianccedilas se sentam proacuteximas a mim para poderem visualizar as

ilustraccedilotildees ou fotos e acompanharem a leitura

Terminada a leitura e depois de ouvir as impressotildees sobre a notiacutecia lido organizei

inicialmente a sala de aula como todos os dias fazia deixando o centro dela livre com as

carteiras nas laterais de modo que houvesse espaccedilo disponiacutevel para que as crianccedilas pudessem

manusear analisar e fazer observaccedilotildees acerca das notiacutecias Dei a elas vaacuterios outros exemplares

do jornal da cidade e do Jornal Estado de Satildeo Paulo (Estadatildeo) e as observei nos primeiros

contatos com esse suporte textual e com esse gecircnero discursivo Durante cerca de quarenta

minutos fizeram observaccedilotildees e expressaram suas impressotildees por meio de falas e atitudes e em

seguida disse que diariamente eu faria a leitura de uma notiacutecia para que pudeacutessemos saber das

novidades que aconteciam na cidade e em diferentes lugares do mundo

Durante a leitura das notiacutecias eu apresentei suas caracteriacutesticas e especificidades na

medida em que o diaacutelogo com o texto e com as crianccedilas acontecia Semanalmente eram

escolhidas duas notiacutecias que mais haviam causado interesse na turma e faziam parte de um painel

que havia na sala Esse painel tambeacutem se constituiacutea em material de leitura Houve a produccedilatildeo de

notiacutecias e a elaboraccedilatildeo do jornal da Turma do Sol

A foto a seguir traz contribuiccedilotildees para se pensar no processo de ensino e de aprendizagem

da leitura do gecircnero

177

(Foto 4 ndash Situaccedilatildeo fotografada em 140810)

Nessa foto um dos meninos ndash o segundo da direita para a esquerda ndash observa uma notiacutecia

no jornal e solicita que o quarto menino da direita para a esquerda o ajude a ler Quando esse

uacuteltimo se dirige ao colega na tentativa de realizar a leitura outros dois garotos tambeacutem se dirigem

ao primeiro e se voltam todos atentamente ao jornal Nesse momento um quinto garoto se dirige

aos quatro colegas de turma e mostra uma foto do jornal que tem em suas matildeos Contudo os

meninos envolvidos com a notiacutecia que queriam ler natildeo interrompem o que fazem para observar a

foto indicada pelo colega que permanece proacuteximo aos demais ouvindo os comentaacuterios

C2 Eu quero saber o que estaacute escrito aqui Deve ser alguma coisa sobre o Timatildeo

(refere-se ao time de futebol e aponta com o dedo indicador direito para a foto

no jornal dos jogadores uniformizados)

C5 Vamos tentar ler

C10 Vixi seraacute que estaacute escrito que ele vai jogar Contra quem

C4 Vai ver que estaacute escrito que ele jaacute jogou e que perdeu

C11 Olha direito alguma coisa vai dar para saber Deve estar tudo escrito aiacute

Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu vou poder falar pra ele o que aconteceu

178

C5 Oacute aqui em cima escrito bem grande e bem preto eacute o nome da notiacutecia o

tiacutetulo neacute

C2 Por isso que eu quero aprender a ler logo aiacute eu fico sabendo de tudo

C5 Eu jaacute sei ler soacute que eacute soacute um pouquinho

C2 Entatildeo lecirc pra mim

(C5 continua com o olhar voltado fixamente para o jornal e silencia)

C11 Vamos pedir para a professora ler pra gente

C5 Aqui estaacute escrito Corinthians vence em casa (aponta o dedo indicador

direito para o tiacutetulo da notiacutecia)

C2 Lecirc tudo C5

C5 Vou pedir para a professora ajudar a gente

Os meninos solicitam que eu faccedila a leitura da notiacutecia e em seguida dizem

C2 Estava certinho o que vocecirc leu no comeccedilo da notiacutecia C5 e o Timatildeo venceu

mesmo

C5 Eacute jaacute estou aprendendo neacute pro (refere-se agrave professora) Pelo menos uma

parte da notiacutecia eu consegui ler

P E como vocecirc conseguiu ler o tiacutetulo da notiacutecia

C5 Eu olhei bem aiacute eu fiquei pensando aiacute eu fiquei lembrando das outras

coisas que vocecirc sempre lecirc pra gente um pouquinho eu jaacute sei eu jaacute aprendi eu

penso nas coisas escritas nas coisas que ah tem alguma ideia escrita

P Tem alguma ideia Como assim

C5 Ueacute Tem alguma coisa contando alguma coisa escrita mesmo algueacutem estaacute

contando alguma coisa eacute uma notiacutecia natildeo eacute

P Sim eacute uma notiacutecia

C5 Entatildeo tem alguma novidade

(Situaccedilatildeo registrada no dia 140810)

O relato da observaccedilatildeo da foto 4 referente agrave leitura de notiacutecia de jornal enfatiza o papel

dos gecircneros discursivos na apropriaccedilatildeo da liacutengua materna uma vez que as pessoas se comunicam

por meio dos gecircneros A situaccedilatildeo apresentada relata leitura de notiacutecia de jornal comum e natildeo

propriamente da leitura de notiacutecias do jornal da turma que como abordado anteriormente eacute uma

forma de retratar os fatos e acontecimentos da vida das crianccedilas em que os conteuacutedos satildeo

diretamente ligados aos interesses e necessidades de expressatildeo delas Contudo essa situaccedilatildeo

demonstra que o contato com os gecircneros discursivos a reflexatildeo sobre eles a forma como satildeo

apresentados nas diferentes situaccedilotildees de ensino criam a vontade de ler de se informar de se

comunicar por meio deles como se verifica nessas falas ldquoEu quero saber o que estaacute escrito aqui

Deve ser alguma coisa sobre o Timatildeordquo ldquoVamos tentar lerrdquo ldquoVixi seraacute que estaacute escrito que ele

vai jogar Contra quemrdquo ldquoVai ver que estaacute escrito que ele jaacute jogou e que perdeurdquo ldquoOlha direito

179

alguma coisa vai dar para saber Deve estar tudo escrito aiacute Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu

vou poder falar pra ele o que aconteceurdquo

A leitura do jornal comum tambeacutem contribuiu no processo de re-criaccedilatildeo escrita e de

leitura de notiacutecias do jornal da turma A notiacutecia de jornal natildeo era um gecircnero comumente lido e

escrito pelas crianccedilas sujeitos da pesquisa como se verifica nos capiacutetulos II e III No entanto a

praacutetica de leitura de diferentes gecircneros discursivos a re-criaccedilatildeo escrita desses gecircneros e a

compreensatildeo de seu funcionamento pela apresentaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas permitem inferir

que as crianccedilas satildeo capazes de estabelecer relaccedilotildees intensas com eles A forma como seguram o

jornal como o observam suas expressotildees e seus enunciados proferidos satildeo denotativos da

apropriaccedilatildeo do gesto humano de ler da leitura como uma praacutetica histoacuterico-cultural que envolve a

evoluccedilatildeo de conceitos na relaccedilatildeo dialoacutegica estabelecida por meio da linguagem que se modifica

de acordo com o lugar com os materiais de leitura com o tempo histoacuterico com os interesses e

necessidades do leitor

As crianccedilas da situaccedilatildeo analisada buscam indiacutecios pistas visuais elaboram hipoacuteteses que

ao final da leitura da professora se confirmam ou natildeo Apresentam atitudes leitoras ao

interrogarem o que possivelmente poderia estar escrito no texto Segundo Jolibert (2006 p 53 ndash

54 grifos do autor)

Falar em ldquointerrogarrdquo um texto em vez de apenas ldquolecirc-lordquo ou ldquolecirc-lo de maneira

interpretativardquo eacute uma maneira de enfatizar o que agora sabemos sobre o processo

de leitura ndash e de explicitar o que as crianccedilas tecircm de aprender desde a educaccedilatildeo

infantil para aprender a ler Se ler eacute interrogar um texto em funccedilatildeo de um

contexto de um propoacutesito de um projeto para dar resposta a uma necessidade

entatildeo corresponde a uma interaccedilatildeo ativa curiosa aacutevida direta entre um leitor e

um texto No caso das crianccedilas ateacute 4ordf seacuterie natildeo se trata de responder a perguntas

propostas pelo professor satildeo as crianccedilas que interrogam o texto e natildeo o

professor que interroga os alunos Em vez de somente identificar letras e

siacutelabas trata-se de que elas busquem e coordenem as variadas pistas que um

texto oferece para compreendecirc-lo Essa busca corresponde a uma atividade

muito complexa que necessita tornar-se objeto de aprendizagens

Ao interrogar o texto a crianccedila busca produzir sentido a ele busca compreendecirc-lo e por

assim dizer inicia seu processo de formaccedilatildeo leitora Desse modo a cada indagaccedilatildeo feita cada

crianccedila compotildee o conjunto de possibilidades apoiadas nas pistas que possui e avanccedila com a

mediaccedilatildeo do outro

180

No caso analisado C5 uma crianccedila mais avanccedilada no processo de leitura naquele

momento indica o que deveriam tentar ler ao observar a localizaccedilatildeo do tiacutetulo reconhecendo que

este se apresenta com uma forma plaacutestica em destaque (letras em tamanho maior que o corpo do

texto e em negrito) e ao ler o proacuteprio tiacutetulo da notiacutecia ldquoCorinthians vence em casardquo C5 ao

declarar que sabe ler soacute um pouquinho assinala possivelmente que iniciou seu processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e que o que hoje faz com alguma ajuda num futuro proacuteximo faraacute sozinho

Esse fato se apresenta quando lecirc o tiacutetulo mas em seguida solicita que a professora mediadora

desse processo complemente os sentidos em construccedilatildeo e confirme suas hipoacuteteses Assim

A atividade mediada eacute constituiacuteda a partir de um processo interpsicoloacutegico

Desde os primeiros momentos de vida da crianccedila o desenvolvimento das

funccedilotildees psicoloacutegicas superiores eacute sempre mediado pelo outro que aponta atribui

eou restringe os processos de significaccedilatildeo da realidade Atraveacutes dos diferentes

processos de mediaccedilatildeo social a crianccedila se apropria dos caracteres das

faculdades dos modos de comportamento e da cultura representativos da

histoacuteria da humanidade Agrave medida em que estes processos satildeo internalizados

passando a ocorrer sem intervenccedilatildeo de outras pessoas a atividade mediada

transforma-se em um processo intrapsicoloacutegico dando origem agrave atividade

voluntaacuteria (NOGUEIRA 1995 p16)

Ao se tratar da mediaccedilatildeo da professora e da crianccedila mais avanccedilada que ocorre nesse

processo de apropriaccedilatildeo da leitura haacute ainda que se considerar a mediaccedilatildeo dos signos linguiacutesticos

uma vez que a leitura ocorre e se faz por meio deles A minha mediaccedilatildeo como professora tambeacutem

pode ser percebida por meio da minha atitude de garantir acesso e contato com os diferentes

gecircneros discursivos nos diferentes suportes e materiais do tempo que ofereccedilo agraves crianccedilas para

manusear observar e elaborar suas hipoacuteteses de leitura por meio de praacuteticas coloco a crianccedila em

contato com o gecircnero e com a liacutengua em funcionamento de modo a estabelecer relaccedilotildees

dialoacutegicas Esse fato pode ser percebido nas falas de C5 quando a professora no caso eu mesma

indago como conseguira ler o tiacutetulo da notiacutecia e C5 responde ldquoEu olhei bem aiacute eu fiquei

pensando aiacute eu fiquei lembrando das outras coisas que vocecirc sempre lecirc pra genterdquo

Nesse trabalho pedagoacutegico com o ensino da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos um

aspecto a ressaltar eacute que C5 percebe algumas caracteriacutesticas da notiacutecia que aleacutem da apresentaccedilatildeo

do tiacutetulo que se destaca em negrito se trata de uma informaccedilatildeo

A notiacutecia se caracteriza pelo novo pela novidade Em inglecircs notiacutecia eacute news em francecircs eacute

nouvelle e aleacutem de ldquonotiacuteciardquo essas palavras significam tambeacutem ldquonovasrdquo ldquonovidadesrdquo

181

ldquoinformaccedilatildeordquo (BARBOSA 2001 p 22 grifos do autor) A partir do significado desses termos

pode-se dizer que uma das caracteriacutesticas das notiacutecias eacute apresentar algo que seja novo e esse

interesse ou curiosidade pelo novo pela novidade eacute algo que parece caracterizar a humanidade haacute

muito tempo (BARBOSA 2001 p 22)

A anaacutelise da situaccedilatildeo da foto 4 permite inferir que as condiccedilotildees de vida e educaccedilatildeo que o

sujeito possui satildeo cruciais no processo de apropriaccedilatildeo da cultura especificamente nesse caso na

apropriaccedilatildeo da leitura pelas crianccedilas pequenas porque as crianccedilas aparentam perceber que se

apropriar da leitura eacute se apropriar de conhecimentos eacute saber coisas eacute se informar eacute informar o

outro eacute se fazer entender e compreender o outro eacute estabelecer relaccedilotildees eacute aprender Essa

afirmaccedilatildeo se evidencia nas falas das crianccedilas ldquoOlha direito alguma coisa vai dar para saber

Deve estar tudo escrito aiacute Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu vou poder falar pra ele o que

aconteceurdquo ldquoPor isso que eu quero aprender a ler logo aiacute eu fico sabendo de tudordquo ldquoEacute jaacute estou

aprendendo neacute pro (refere-se agrave professora) Pelo menos uma parte da notiacutecia eu consegui lerrdquo

C5 ao considerar que para ler ldquopensa nas coisas escritas nas coisas que tem alguma ideia

escritardquo revela o seu conceito de leitura revela o que essa crianccedila pensa depois de iniciado o

trabalho pedagoacutegico com os gecircneros discursivos Esse conceito de C5 se coaduna com o conceito

de leitura deste trabalho que eacute a de leitura como interaccedilatildeo dialoacutegica como produccedilatildeo de sentido

como uma praacutetica histoacuterico-cultural (ARENA 2010b) que permite a comunicaccedilatildeo humana Essa

crianccedila parece indicar que para ler ela natildeo se prende somente aos signos linguiacutesticos e agrave

decodificaccedilatildeo mas se preocupa em compreender as ideias em produzir sentidos

Por isso quando lemos lemos ideias e natildeo letras siacutelabas e palavras Lemos ideias

informaccedilotildees opiniotildees que se apresentam nos textos e nos valemos tambeacutem do coacutedigo

linguiacutestico como um elemento a mais na composiccedilatildeo do sentido do texto Quando eu indago C5

na tentativa de que ele explique com detalhes o que fez para ler e a qual ideia ele se refere

explica ldquoUeacute Tem alguma coisa contando alguma coisa escrita mesmo algueacutem estaacute contando

alguma coisa eacute uma notiacutecia natildeo eacuterdquo Eu afirmo que se tratava de uma notiacutecia e entatildeo C5

continua ldquoEntatildeo tem alguma novidaderdquo Desse modo o que se enfatiza natildeo eacute a letra a siacutelaba ou

a palavra como unidades de sentido mas o enunciado como ldquounidade real da comunicaccedilatildeo

discursivardquo (BAKHTIN 2003 p 296)

Ao tratar o enunciado como unidade da atividade comunicativa Bakhtin (2003) contrapotildee

a ideia de enunciado agrave de oraccedilatildeo sendo que essa uacuteltima natildeo considera a alternacircncia dos sujeitos

182

do discurso o contexto de produccedilatildeo os enunciados alheios e por assim dizer natildeo suscitaria a

atitude responsiva dos interlocutores Nessa perspectiva a oraccedilatildeo eacute entendida como unidade da

liacutengua e por essa razatildeo estaacute circunscrita agrave esfera gramatical O enunciado por sua vez fundado

nos pressupostos dialoacutegicos incorpora o contexto verbal e o extraverbal (aspectos histoacutericos

situacionais ideoloacutegicos) Em outras palavras o enunciado materializa concomitantemente o

que haacute de peculiar da situaccedilatildeo enunciativa concreta e elementos sociodiscursivos estabilizados

nas e pelas interaccedilotildees ao longo da histoacuteria (BAKHTIN 2003)

O enunciado sob o prisma bakhtiniano eacute o garantidor do espaccedilo do outro na

dinacircmica discursiva e por conseguinte constitui-se do fluxo de muacuteltiplas vozes

que ecoam da alternacircncia dos sujeitos do discurso nas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo

Ademais por figurar como unidade da comunicaccedilatildeo discursiva o enunciado

elucida especificidades das esferas sociais nas quais ele se constituiu

(RIBEIRO 2010 p 56)

E continua

Nesse sentido se considerado sob o plano individual o enunciado carrega traccedilos

particulares agrave situaccedilatildeo comunicativa jaacute que eacute concreto e uacutenico Analisando-o

sob uma perspectiva mais ampla calcada no plano coletivo o enunciado ganha

uma relativa estabilidade decorrente dos usos em uma dada esfera social Eacute

desse ponto de vista que Bakhtin anuncia a concepccedilatildeo de gecircnero do discurso

mencionando que se trata de tipos relativamente estaacuteveis de enunciados

(RIBEIRO 2010 p 56 grifos do autor)

Essas proposiccedilotildees assumidas neste trabalho fundamentam a tese de que as crianccedilas

aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a liacutengua se

manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor os introduz na escola como instrumento de

humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana As crianccedilas podem aprender a

liacutengua em sua dinamicidade ao estabelecer desde o iniacutecio relaccedilotildees dialoacutegicas com ela porque a

liacutengua natildeo eacute fechada engessada A liacutengua eacute histoacuterica e culturalmente construiacuteda se faz na relaccedilatildeo

com o outro e portanto estaacute em movimento e em constante modificaccedilatildeo Quando as crianccedilas

aprendem a pensar sobre a liacutengua desde a pequena infacircncia em situaccedilotildees reais de uso aprendem a

interagir dialogicamente com ela e ampliam as possibilidades de comunicaccedilatildeo

183

A situaccedilatildeo a seguir tambeacutem contribui para compreender as relaccedilotildees que as crianccedilas

estabelecem com os gecircneros e com o gecircnero discursivo notiacutecia

Numa tarde depois de realizarem uma tarefa que envolvia recorte e colagem cada crianccedila

geriu sua proacutepria tarefa Algumas se dedicaram a brincar com brinquedos disponiacuteveis na sala

outras organizaram os livros e gibis que eu havia trazido naquele dia para a escola e algumas se

dedicaram agrave leitura especialmente de jornais

Uma das crianccedilas foi ateacute ao fundo da sala observou os vaacuterios jornais dispostos folheou

alguns deles escolheu um deles afastou-se das demais colocou-o sobre uma das carteiras no

fundo da sala e natildeo se sentou Debruccedilou-se observou atentamente uma das notiacutecias passou o

dedo indicador direito por cima do tiacutetulo e permaneceu durante vinte minutos a repetir esse

mesmo gesto nas linhas de toda a notiacutecia Natildeo estabeleceu contato algum com as demais crianccedilas

e natildeo apresentou nenhuma reaccedilatildeo com qualquer outro evento ocorrido nesse periacuteodo nem

mesmo com as conversas dos colegas ao seu redor

Durante esse tempo recebemos a visita na sala de uma funcionaacuteria que deu oralmente um

recado a todos da turma sobre o lanche e em seguida da coordenadora da escola que tambeacutem

proferiu um recado Ambas as pessoas que estiveram na sala cumprimentaram as crianccedilas e

conversaram em poucas palavras com elas cumprindo o objetivo de suas visitas a nossa turma

Contudo a crianccedila da situaccedilatildeo analisada natildeo desviou o olhar sequer uma vez do jornal

184

(Foto 5 ndash Situaccedilatildeo de leitura fotografada e registrada no dia 250910)

Passado esse periacuteodo de vinte minutos a crianccedila dirigiu-se a mim e disse-me

C2 Eu gostei da notiacutecia do jornal que eu peguei pro

P Eacute mesmo E sobre o que eacute a notiacutecia

C2 Ah eu natildeo sei direito mas eu acho que fala que faz tempo que natildeo chove e

que estaacute estragando tudo as plantaccedilotildees

P Eacute mesmo

C2 Ocirc pro a notiacutecia do jornal eacute diferente da carta neacute

P Porque vocecirc acha que elas satildeo diferentes O que elas tecircm de diferente

C2 Ah (olha pra o teto silencia por alguns segundos) eacute que a notiacutecia

parece que a pessoa que fala estaacute brava

P Brava Por que brava Como assim

C2 Parece que estaacute brava mesmo natildeo sei parece que estaacute mandando

falando as coisas raacutepido natildeo sei

P Por que vocecirc acha isso Como vocecirc percebe isso Onde vocecirc viu

C2 abre o jornal dirige seu olhar para esse material novamente e depois de

alguns segundos me disse

C2 Acho que a pessoa que escreveu a notiacutecia estaacute estaacute brava mesmo ela

conta meio brava sei laacute pro mas agora que eu vi a notiacutecia eu entendi tudinho

o que estaacute escrito laacute eu adivinhei tudinho

P Vocecirc natildeo adivinhouvocecirc leu C2

185

C2 sorriu

(Situaccedilatildeo registrada no dia 250910)

A anaacutelise da foto 5 tambeacutem refere-se agrave leitura de notiacutecia de jornal comum e faz parte de

uma situaccedilatildeo ocorrida no processo de leitura de notiacutecias de contato e diaacutelogo com este gecircnero A

anaacutelise da foto permite inferir uma atitude leitora da crianccedila que tambeacutem inicia seu processo de

apropriaccedilatildeo do ato cultural de ler jornais C2 parecia isolado de tudo o que estava acontecendo na

sala O fato de natildeo interromper sua leitura em nenhum momento durante vinte minutos em que se

manteve dedicado a isso e de natildeo estabelecer contato com outras crianccedilas datildeo indiacutecios da

importacircncia desse ato para a crianccedila Ela se interessou pelo material teve iniciativa para buscaacute-lo

e escolhecirc-lo a sua proacutepria postura fiacutesica e sua conduta intelectual de leitor denotam o seu

absoluto envolvimento Pode-se dizer que a leitura de notiacutecia se tornou uma atividade para essa

crianccedila nesse momento pois conforme Leontiev (1988) a atividade eacute a forma pela qual a crianccedila

melhor se relaciona com o mundo e eacute por meio dela que ocorrem as mudanccedilas mais significativas

no conhecimento do mundo nos processos e nos seus traccedilos da personalidade (MELLO 2007)

Leontiev (1988 p 68) caracteriza a atividade como

aqueles processos que realizando as relaccedilotildees do homem com o mundo

satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele Noacutes natildeo chamamos

de atividade um processo como por exemplo a recordaccedilatildeo porque ela em si

mesma natildeo realiza via de regra nenhuma relaccedilatildeo independente com o mundo e

natildeo satisfaz qualquer necessidade especial Por atividade designamos processos

psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo como um todo se

dirige (seu objeto) coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a

executar esta atividade isto eacute o motivo

Dessa forma o que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma crianccedila eacute

a sua proacutepria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida em outras palavras o

desenvolvimento da sua atividade A disponibilidade de diferentes materiais a leitura diaacuteria de

diferentes gecircneros discursivos o diaacutelogo estabelecido as relaccedilotildees que satildeo travadas com os

gecircneros provocam a necessidade de ler

Outro aspecto relevante consiste no fato de C2 perceber diferenccedilas entre os gecircneros

discursivos carta e notiacutecia Pode-se inferir que C2 reconhece que por meio de ambos os gecircneros

discursivos as pessoas dizem coisas falam coisas contam coisas mas de formas diferentes ou

seja ainda que possuam a funccedilatildeo de comunicar de fundar a linguagem cada gecircnero discursivo

186

especificamente possui estilo construccedilatildeo composicional e conteuacutedo temaacutetico diferentes e que em

cada situaccedilatildeo especiacutefica em cada esfera de atividade humana as pessoas se utilizam de um

gecircnero do discurso (BAKHTIN 2003)

Ao tentar explicar a diferenccedila que existe entre os dois gecircneros carta e notiacutecia C2 diz que

ldquoeacute que a notiacutecia parece que a pessoa que fala estaacute bravardquo Quando peccedilo que me explique ainda

mais sobre o que percebe reitera ldquoAcho que a pessoa que escreveu a notiacutecia estaacute estaacute brava

mesmo ela conta meio brava sei laacute prordquo Essas afirmaccedilotildees indicam que possivelmente se

refira a alguns elementos especiacuteficos caracteriacutesticos da notiacutecia como por exemplo o fato dos

verbos se apresentarem muitas vezes no tempo presente no tiacutetulo e a notiacutecia jornaliacutestica eacute

marcada pela imparcialidade o que supostamente tenha sugerido a C2 que a pessoa que fala na

notiacutecia o faz de forma ldquobravardquo Por ser um gecircnero que pretende informar com clareza precisatildeo e

objetividade os fatos e por se caracterizar pela dinamicidade a notiacutecia em decorrecircncia do fluxo

de acontecimentos do dia a dia perde seu status de novidade com relativa rapidez o que sugeriu

C2 ao declarar ldquoParece que estaacute brava mesmo natildeo sei parece que estaacute mandando falando as

coisas raacutepido natildeo seirdquo

C2 afirma que entendeu a notiacutecia que adivinhara tudo e quando afirmo que ele lera reage

com um sorriso aparentando possiacutevel satisfaccedilatildeo por ter ganhado uma nova condiccedilatildeo a condiccedilatildeo

de quem aprendeu a ler e que faz parte de forma ainda mais ativa da cultura escrita A situaccedilatildeo a

ser apresentada pode corroborar para a reflexatildeo de como pode ocorrer o ensino e a aprendizagem

da leitura por meio do gecircnero discursivo notiacutecia pelo jornal da turma

A introduccedilatildeo do gecircnero teve seu iniacutecio na roda da conversa como todos os demais

gecircneros apresentados Diariamente as crianccedilas escolhiam uma notiacutecia para compor o jornal da

Turma do Sol usando como criteacuterio o interesse causado no grupo a novidade a surpresa a

curiosidade e ainda algum fato engraccedilado da vivecircncia das crianccedilas na escola ou fora dela mas

que era trazida para a roda da conversa para o conhecimento de todos

Numa tarde depois de escrever a notiacutecia relatada por C6 transmiti a todos oralmente o

texto a seguir

PESCARIA DO PAI DE C6 ACABA EM RISADA

O pai de C6 resolveu ir pescar com os amigos no final de semana passado

Quando ele contou que iria pescar para a matildee de C6 ela ficou uma fera e natildeo

gostou nadinha disso

187

No dia da pescaria o pai de C6 saiu cedinho com os amigos dele e foram

no rio pescar mas quando eles chegaram laacute comeccedilou a chover sem parar Eles

esperaram bastante e quando a chuva passou soacute um pouquinho o pai de C6 e os

amigos dele saiacuteram do carro correndo para sentar perto do rio mas o pai de C6

levou um baita tombo e teve que voltar pra casa sem peixe nenhum

Quando chegou em casa ele contou tudo pra famiacutelia o que tinha

acontecido e foi soacute risada

(Texto criado e lido no dia 230910)

A notiacutecia foi dada por C6 na roda da conversa mas no momento de re-criaccedilatildeo textual as

crianccedilas participaram dando sugestotildees opiniotildees de como deveria ser escrito o texto para ser

colocado no jornal da Turma do Sol que cada crianccedila depois de produzido e editado

cooperativamente recebeu um exemplar para ser levado para casa e ser lido com os familiares

No dia seguinte na roda da conversa contaram sobre as impressotildees dos familiares

C6 Professora meu pai ficou espantado com o olho arregalado quando eu li pra

ele a notiacutecia do jornal que eu contei da pescaria dele

P E por que ele ficou espantado C6

C6 A minha matildee disse que ele estava com vergonha de todo mundo saber o que

tinha acontecido na pescaria dele Mas ele disse que ficou espantado porque ele

natildeo sabia que eu jaacute sei ler porque eu li a notiacutecia toda pra ele e aquela da C13

tambeacutem

P Nossa mas essa eacute uma surpresa muito boa natildeo eacute C6

C6 Eacute sim pro agora eu consigo ler qualquer coisa

(Situaccedilatildeo registrada no dia 101010)

Pela anaacutelise da situaccedilatildeo apresentada pode-se inferir que a notiacutecia do jornal da turma

assim como os relatos de vida do livro da vida e a carta provocaram o desejo de expressatildeo

criaram a necessidade de ler e de escrever porque retratam diretamente o que pensam vivem

sentem e percebem aleacutem dos textos terem sempre um destinataacuterio real o outro

Os gecircneros que surgem das teacutecnicas Freinet possibilitam que a crianccedila esteja

constantemente em contato com a cultura escrita e que participe dela na medida em que percebe

seu funcionamento por meio das relaccedilotildees que ocorrem de forma dialoacutegica e dinacircmica tornando-se

assim produto e produtor dessa cultura

Por se tratar de fatos que foram vividos pelas crianccedilas os textos lidos e criados satildeo

carregados de significados e sentidos porque pressupotildeem por parte dos sujeitos uma compreensatildeo

ativa e responsiva (BAKHTIN 1992) Eacute no processo da compreensatildeo ativa que ocorre a distinccedilatildeo

188

entre sentido e significado uma vez que a compreensatildeo ativa eacute uma forma de diaacutelogo que

possibilita ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica

Diante do exposto o significado eacute reiteraacutevel e idecircntico a cada repeticcedilatildeo da palavra e

funda-se sobre uma convenccedilatildeo natildeo tendo existecircncia concreta independente Em contrapartida o

sentido (tema) eacute aberto agrave multiplicidade potencialmente infinito sendo determinado natildeo apenas

pelas formas linguiacutesticas (as palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as

entonaccedilotildees) como ocorre na significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena

discursiva (BAKHTIN 1992) O sentido eacute o conjunto de todos os eventos psicoloacutegicos que a

palavra desperta em nossa consciecircncia O significado eacute dicionarizaacutevel mais estaacutevel e preciso eacute

apenas uma das faces do sentido (BAKHTIN 1992)

Por meio da anaacutelise das falas de C6 ldquoMas ele disse que ficou espantado porque ele natildeo

sabia que eu jaacute sei ler porque eu li a notiacutecia toda pra ele e aquela da C13 tambeacutemrdquo e ainda

ldquoagora eu consigo ler qualquer coisardquo pode-se inferir que assume pra si o estatuto de leitor ainda

que seja um leitor iniciante Ao dizer que agora consegue ler qualquer coisa sugere a ideia de que

agora consegue ler os escritos sociais que atribui sentido por meio de sinais graacuteficos em

situaccedilotildees elaboradas pela cultura humana (ARENA 2010b) que consegue compreender a liacutengua

escrita numa atitude responsiva e que portanto consegue fazer parte de forma mais ativa da

cultura escrita

No capiacutetulo a seguir proponho a anaacutelise de situaccedilotildees de produccedilatildeo de textos que

possibilitam uma reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo do re-criador de textos desde a Educaccedilatildeo Infantil por

meio dos gecircneros discursivos

189

CAPIacuteTULO V

O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS

A escrita soacute tem sentido se nos sentimos obrigados a recorrer a ela a fim de

comunicarmos o nosso pensamento fora do alcance da voz para aleacutem das portas

da escola (FREINET 1969 p 53)

Esta proposiccedilatildeo freinetiana remete agrave ideia da necessidade da escrita na vida das pessoas

que vivem numa sociedade que lecirc e escreve Como um instrumento cultural complexo a escrita se

manteacutem e se reorganiza constantemente pela necessidade de expressatildeo do sujeito Vygotski

(1995) se aproxima da afirmaccedilatildeo de Freinet ao reiterar que o ensino da linguagem escrita deve

organizar-se de forma que o ato de ler e o ato de escrever sejam necessaacuterios provocados por uma

necessidade social como atos vitais e imprescindiacuteveis

Intentar inserir a crianccedila na cultura escrita apenas oferecendo materiais e situaccedilotildees em que

se depara com uma liacutengua morta estanque pronta e acabada eacute incorrer num risco de ensinar

ldquohaacutebitos motoresrdquo (VYGOTSKI 1995) e reduzir o seu ensino agrave mera codificaccedilatildeo accedilatildeo

insuficiente para que se aproprie e participe ativamente dessa cultura O que orienta a apropriaccedilatildeo

da escrita satildeo as relaccedilotildees dialoacutegicas que a crianccedila estabelece com ela por meio das mediaccedilotildees e

situaccedilotildees promotoras de aprendizagem Diante disso um desafio se apresenta o de iniciar a

formaccedilatildeo do re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil de modo que a crianccedila desde pequena

aprenda a pensar sobre a escrita a perceber seu funcionamento por meio de seu uso em diferentes

situaccedilotildees para atender a seus interesses e necessidades e a utilizar a escrita como um instrumento

de humanizaccedilatildeo

Neste capiacutetulo seratildeo abordados caminhos possiacuteveis que cumpram esse desafio em

consonacircncia com a fundamentaccedilatildeo teoacuterica defendida neste trabalho Para tanto seratildeo analisadas

situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de textos em trecircs momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o

gecircnero discursivo carta por meio da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero

discursivo relato de vida por meio do livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal

escolar

190

51 A crianccedila e seu estatuto de re-criador de textos

Ao tratar do processo inicial de apropriaccedilatildeo da cultura escrita pela crianccedila considera-se

que ela tenha experiecircncias na escola e que possa ser provocado o desejo de expressatildeo Esse

desejo ocorre quando vive situaccedilotildees em que pode conhecer coisas pensar sobre elas e expressar-

se por meio de diferentes linguagens como a danccedila a muacutesica o teatro a pintura o faz-de-conta

Nessas condiccedilotildees o trabalho pedagoacutegico privilegia na pequena infacircncia a experiecircncia com

diferentes conhecimentos constituiacutedos culturalmente entendendo-os tanto na sua dimensatildeo de

produccedilatildeo nas relaccedilotildees sociais cotidianas como de produccedilatildeo historicamente acumulada presente

nas artes na literatura no cinema na produccedilatildeo artiacutestica de modo geral

Desse modo as experiecircncias vividas por meio das diferentes linguagens e da brincadeira

garantem agrave crianccedila a possibilidade de formar conceitos selecionar ideias estabelecer relaccedilotildees

loacutegicas integrar percepccedilotildees fazer estimativas planejar accedilotildees Eacute nesse emaranhado de

linguagens brincadeiras textualidades vozes que a crianccedila tambeacutem se apropria gradativamente

da linguagem escrita

Ler e escrever satildeo atividades altamente complexas que envolvem o conhecimento de

linguagens sociais (BAKHTIN 1983 p 154 ndash 155) que historicamente e culturalmente foram

organizadas oralmente e por escrito por meio de recursos expressivos como modos de dizer os

conhecimentos das diferentes esferas sociais criadas pelo homem As linguagens sociais

apresentam os conhecimentos especiacuteficos em cada esfera de atividade humana com sintaxes e

repertoacuterios lexicais que as caracterizam relacionadas aos gecircneros do discurso que foram se

elaborando para contemplar as necessidades humanas nas situaccedilotildees sociais (GOULART 2006)

O trabalho na escola tem se caracterizado cada vez mais pela presenccedila do texto quer

enquanto objeto de leituras quer enquanto trabalho de produccedilatildeo (GERALDI 1997) A produccedilatildeo

de textos orais e escritos eacute considerada nesta pesquisa como ponto de partida e ponto de chegada

(GERALDI 1997) de todo o processo de ensino e de aprendizagem da liacutengua escrita Nessa

perspectiva eacute desprezado o ensino focado em letras siacutelabas e palavras em que a prioridade eacute a

sinalidade e consequentemente a codificaccedilatildeo

Em contraposiccedilatildeo a isso o que se propotildee eacute pensar a liacutengua escrita nas suas relaccedilotildees na

sua dialogicidade de forma interativa viva e em movimento na interlocuccedilatildeo com os falantes que

requer sempre uma atitude responsiva (BAKHTIN 1992) Por esse motivo criar textos com as

191

crianccedilas e ensinaacute-las a criar os seus proacuteprios eacute garantir que elas possam expressar ideias

sentimentos escolhas opiniotildees e a operar com os signos Eacute no texto que a liacutengua se manifesta

que se revela na sua totalidade seja como conjunto de formas seja como discurso que remete a

uma relaccedilatildeo intersubjetiva constituiacuteda no proacuteprio processo de enunciaccedilatildeo marcada pela

temporalidade e suas dimensotildees (GERALDI 1997) Natildeo haacute texto sem o outro sem um

interlocutor dessa forma

O outro eacute a medida eacute para o outro que se produz o texto E o outro natildeo se

inscreve no texto apenas no seu processo de produccedilatildeo de sentidos na leitura O

outro insere-se jaacute na produccedilatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria para que o texto

exista E porque se sabe do outro que um texto acabado natildeo eacute fechado em si

mesmo Seu sentido por maior precisatildeo que lhe queira dar seu autor e ele o

sabe eacute jaacute na produccedilatildeo um sentido construiacutedo a dois (GERALDI 1997 p 102

grifo do autor)

Ao considerar essas afirmaccedilotildees este trabalho se propotildee a pensar o processo de

apropriaccedilatildeo da escrita ndash como o da leitura abordado no capiacutetulo IV ndash de forma dialoacutegica com

textos reais que satildeo endereccedilados ao outro Os textos produzidos correspondem agraves situaccedilotildees

vividas pelas crianccedilas na escola e fora dela em que lidam com a liacutengua em seu funcionamento

Desse modo o ato comunicativo que se estabelece sempre pressupotildee o outro com a sua

contrapalavra sua atitude responsiva (BAKHTIN 1992) na busca do sentido Por isso

No processo de compreensatildeo ativa e responsiva a presenccedila da fala do outro

deflagra uma espeacutecie de ldquoinevitabilidade de busca de sentidordquo esta busca por

seu turno deflagra que quem compreende se oriente para a enunciaccedilatildeo do outro

(GERALDI 1997 p 19)

De acordo com Bakhtin (2003 p 307) ldquoo texto eacute a realidade imediata (realidade do

pensamento e das vivecircncias) () onde natildeo haacute texto natildeo haacute objeto de pesquisa e pensamentordquo Ao

tratar neste capiacutetulo sobre a formaccedilatildeo do produtor de texto no interior da escola de Educaccedilatildeo

Infantil enfatiza-se a diferenccedila entre textos e redaccedilotildees O primeiro refere-se a textos criados na

escola e as redaccedilotildees referem-se a textos produzidos para a escola (GERALDI 1997) Considera-

se que para produzir um texto eacute preciso ter o que dizer ter motivos para dizer o que se quer dizer

ter o outrointerlocutor e a escolha das estrateacutegias para se dizer o que se quer dizer e da forma que

se pretende fazer isso Em contrapartida os textos quando satildeo produzidos para a escola

192

apresentam muita escrita e pouco texto (discurso) precisamente porque se constroem no ato de

escrever para cumprir uma exigecircncia escolar uma tarefa imposta pelo professor em que satildeo

descartados os aspectos que a produccedilatildeo de texto valida (GERALDI 1997)

Esses pressupostos se coadunam com as ideias de Jolibert (2006 p 19) ao esclarecer que

Escrever eacute produzir mensagens reais com intencionalidade e destinataacuterios reais

Natildeo se trata de transcrever (copiar) nem de praticar caligrafia Tampouco se

trata de escrever ldquocomposiccedilotildees ou ldquoredaccedilotildeesrdquo do tipo escolar com a intenccedilatildeo de

mostrar ao professor que sabe ou natildeo sabe

A re-criaccedilatildeo de texto nessas condiccedilotildees se configura como um processo carregado de

historicidade construiacutedo pelos sujeitos em diferentes momentos e condiccedilotildees de interaccedilatildeo que

expressam ideias opiniotildees desejos Um processo interativo discursivo que potildee em jogo os

conhecimentos jaacute apropriados sobre a liacutengua e cria a necessidade de novas apropriaccedilotildees

Nesse processo a crianccedila atua como sujeito e natildeo como objeto Ela participa intensamente

do discurso e de forma ativa eacute capaz de dialogar com o outro tornando-se tambeacutem parceira num

ato comunicativo Quando isso acontece a crianccedila assume o estatuto de re-criador de textos

52 A escrita do gecircnero discursivo carta

As situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto apresentadas e analisadas neste item satildeo relacionadas

ao gecircnero discursivo carta Um garoto da turma ao ter a sua vez de falar na Roda da Conversa

faz o seguinte relato ao dialogar comigo sua professora

C8 Professora hoje eu tenho uma super notiacutecia pra contar na roda da conversa

P Entatildeo pode nos contar qual eacute Jaacute estamos todos curiosos

C8 Sabe pro minha voacute estaacute estudando agrave noite numa escola Ela me falou que

isso era o maior sonho da vida dela aprender a ler e escrever Ela me contou que

quando ela era pequena ela tinha que trabalhar pra ganhar dinheiro e natildeo podia ir

para a escola Aiacute depois que ela cresceu e se casou com meu vocirc ela tambeacutem natildeo

podia ir porque meu vocirc natildeo deixava porque ele tinha ciuacutemes dela E ela falou

que isso era a maior tristeza da vida dela Agora ela anda feliz da vida porque ela

estaacute aprendendo um monte de coisas que ela queria Aiacute eu ateacute ensino ela

escrever umas coisas tambeacutem

P Ah eacute E o que vocecirc ensina ela a escrever

C8 Eu ensino tudo o que eu sei e ela aprende tudinho

P Mas o que (vocecirc ensina) por exemplo

193

C8 Eu ensino ela a escrever o nome dela da minha matildee do meu irmatildeo eu ateacute

ensinei ela a escrever uma carta igual a gente faz aqui na escola

P E como vocecirc a ensinou a escrever a carta

C8 Eu expliquei pra ela que tinha que comeccedilar pela data depois tinha que

cumprimentar a pessoa (saudaccedilatildeo) e depois ir escrevendo cada coisa que queria

contar A data eu mesmo escrevi aiacute chamei meu irmatildeo e ele foi escrevendo pra

gente o que a gente ia falando No fim da carta eu falei pra minha voacute que tinha

que colocar a despedida e escrever o nome dela

P E pra quem era essa carta que vocecircs escreveram

C8 Era pra irmatilde da minha voacute que mora bem longe e que a minha voacute natildeo vecirc faz

um tempatildeo Minha voacute estava com saudade dela e aiacute eu falei que ela podia

escrever uma carta Agora toda vez minha voacute fica me falando pra gente estudar

junto

P E vocecirc gosta de estudar com sua voacute

C8 Eu gosto Ontem minha voacute ganhou uma receita da vizinha dela e eu li a

receita pra ela Sabe do que era a receita Era de bolo gelado A minha voacute nem

acreditou que eu li a receita inteirinha

P Eacute mesmo E por que ela natildeo acreditou

C8 Porque ela natildeo sabia que eu jaacute aprendi a ler Ela acha que eu sou pequeno

mas eu ateacute falei pra ela que daqui a pouco ela vai ler como eu

(Situaccedilatildeo observada em 040810)

Por meio do diaacutelogo apresentado pode-se inferir que aprender a ler e a escrever para a

avoacute do garoto sempre foi uma forma de inserir-se e de pertencer agrave cultura escrita porque a

inserccedilatildeo lhe foi negada por ter que trabalhar na infacircncia e juventude e ainda na idade adulta por

natildeo ter a permissatildeo do marido A avoacute denota compreender a funccedilatildeo da escola como um lugar

privilegiado em que essas aprendizagens ocorrem e ao mesmo tempo percebe que sua

aprendizagem de ler e de escrever tambeacutem se daacute fora da escola ndash no caso em sua casa ndash com a

ajuda de seu neto Isso se verifica quando o garoto diz ldquoAgora toda vez minha voacute fica me falando

pra gente estudar juntordquo Desse modo para a avoacute a leitura e a escrita natildeo satildeo tarefas

eminentemente escolares mas servem para atender a seus interesses e necessidades

O diaacutelogo estabelecido entre o garoto e sua avoacute e as accedilotildees desencadeadas a partir desse

diaacutelogo encontram alicerce nas ideias de Bakhtin (1992) em que a linguagem natildeo se restringe a

ser um meio um instrumento capaz de transmitir a algueacutem uma determinada mensagem A

linguagem eacute uma forma de interaccedilatildeo humana e segundo Kramer (1993 p 103) ldquoeacute produccedilatildeo

humana acontecida na histoacuteria produccedilatildeo que ndash construiacuteda nas interaccedilotildees sociais nos diaacutelogos

vivos ndash permite pensar as demais accedilotildees e a si proacutepria constituindo a consciecircnciardquo

O garoto atua junto agrave avoacute tambeacutem como mediador dessas aprendizagens da leitura e da

escrita na medida em que a ensina a escrever seu proacuteprio nome o nome dos familiares a escrever

194

uma carta e ainda quando lecirc para a avoacute a receita que acabara de ganhar de uma vizinha Eacute

possiacutevel dizer que reconhece a funccedilatildeo social da leitura e da escrita quando propotildee que a avoacute

escreva para a sua irmatilde que mora longe da qual sentia saudades percebe que a escrita dessa carta

cumpre seu papel de comunicar de expressar de estabelecer relaccedilotildees e de interagir com o outro

Haacute um destinataacuterio real numa situaccedilatildeo real da qual a avoacute se vale tambeacutem para aprender

Considera-se que a linguagem eacute fruto da interaccedilatildeo verbal entre os sujeitos (BAKHTIN

1992) e deve ser vista em seu uso na atitude responsiva do outro e por esse motivo deve ser

compreendida a partir de sua natureza soacutecio-histoacuterica Desse modo a concepccedilatildeo bakhtiniana de

linguagem decorre do pressuposto de que o sujeito se constitui na medida em que se relaciona

com o outro agrave medida que vai ao encontro do outro Nesse sentido a linguagem pressupotildee trocas

linguiacutesticas dinacircmicas numa situaccedilatildeo num lugar histoacuterico e num lugar social concretos (BRAIT

2005) Haacute ainda a presenccedila do irmatildeo do garoto que atua de forma colaborativa nessa situaccedilatildeo

como escriba para a avoacute aluna da EJA e para o irmatildeo aluno da Educaccedilatildeo Infantil ambos no

iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita que re-criavam o texto oralmente

Por meio da fala do garoto ldquo eu ateacute ensinei ela a escrever uma carta igual a gente faz

aqui na escolardquo eacute possiacutevel perceber que a crianccedila vivencia situaccedilotildees reais de leitura e de

escrita na escola (JOLIBERT 1994) Diante desse apontamento vale ressaltar que para

Vygotsky ldquoO aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e potildee

em movimento vaacuterios processos de desenvolvimento que de outra forma seriam impossiacuteveis de

acontecerrdquo (VYGOTSKY apud FREITAS 1994 p 95) Desse modo pode-se inferir que o

conhecimento das crianccedilas jovens ou adultos bem como seus modos de aprender vatildeo se

constituindo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais

Percebe-se tambeacutem que a crianccedila se apropria da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos

(DOLZ SCHNEUWLY 1999 BAKHTIN 2003) como a carta Na situaccedilatildeo descrita ela orienta

a avoacute durante a produccedilatildeo do texto carta ao explicar a ela as partes especiacuteficas que a compotildeem

(data saudaccedilatildeo mensagem despedida e assinatura) ao escrever a data ao propor o que pode ser

escrito e ao fazer isso pode-se dizer que estabelece relaccedilotildees com os elementos que compotildeem os

gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003)

Vale ressaltar que os gecircneros discursivos nesse trabalho satildeo concebidos como praacuteticas

soacutecio-histoacutericas e culturais em que a liacutengua eacute tratada em seus aspectos discursivos e enunciativos

em vez de serem meramente observados seus aspectos formais e estruturais Dessa maneira a

195

liacutengua eacute vista como uma atividade social histoacuterica e cultural na qual os gecircneros referem-se aos

discursos em circulaccedilatildeo em nosso dia a dia e apresentam caracteriacutesticas soacutecio-comunicativas

(MACHADO 2005) Pode-se inferir ainda que a crianccedila instiga a avoacute a pensar sobre o complexo

processo que envolve o ato de ler e de escrever pelo qual ambos mobilizam vaacuterios

conhecimentos de que ler e escrever implicam tambeacutem o domiacutenio do coacutedigo a mediaccedilatildeo do

outro no interior do pensamento

A concepccedilatildeo bakhtiniana entende a linguagem como uma abordagem histoacuterica em que o

foco eacute a interaccedilatildeo verbal e cuja realidade fundamental eacute o seu caraacuteter dialoacutegico Aprender a ler e

a escrever pressupotildee uma relaccedilatildeo dialoacutegica a atitude responsiva do outro a interaccedilatildeo ativa com o

texto com o mediador e consigo mesmo que atua tambeacutem como o outro nesse processo

(BAKHTIN 1992) Portanto ler e escrever implicam lidar com uma liacutengua viva dinacircmica em

constante movimento

Pode-se inferir que o garoto se apropria da leitura e da escrita por meio da leitura e da

escrita de textos ndash este fato pode ser constatado quando trata da re-criaccedilatildeo da carta e da leitura da

receita ndash e natildeo por meio da repeticcedilatildeo de letras e siacutelabas Essa interaccedilatildeo e diaacutelogo que ele parece

travar por meio de suas vivecircncias contribuem para que ele faccedila o mesmo com a avoacute ao re-criar

com ela a carta e ao ler para ela a receita Linguagem eacute interaccedilatildeo (BAKHTIN 1992) e ao se

partir dessa premissa entende-se que se aprende a ler e a escrever lendo e escrevendo textos que

tecircm contextos situacionais que os organizam linguisticamente

A situaccedilatildeo ora apresentada denota que a crianccedila percebe a leitura e a escrita como atos

necessaacuterios para poder pertencer e atuar na cultura escrita Isto se verifica quando revela que a

avoacute se surpreende que ela embora pequena jaacute saiba ler e quando afirma que ela logo saberaacute

tambeacutem ldquoA minha voacute nem acreditou que eu li a receita inteirinhardquo ldquoPor que ela natildeo sabia que

eu jaacute aprendi a ler Ela acha que eu sou pequeno mas eu ateacute falei pra ela que daqui a pouco ela

vai ler como eurdquo

O dado a ser apresentado a seguir pode corroborar com a reflexatildeo sobre o ensino da

liacutengua por meio do gecircnero discursivo carta com as crianccedilas pequenas Ao planejarmos a tarde de

trabalho daquele dia com as crianccedilas na roda da conversa propus que respondecircssemos a carta de

nossos correspondentes da cidade de Campinas ndash SP

P Pessoal hoje noacutes vamos responder a carta da professora L e da Turma dos

Coelhinhos porque noacutes estamos atrasados com a nossa correspondecircncia Faz

196

tanto tempo que elas escreveram essa cartinha (mostra a carta agraves crianccedilas) e

hoje por e-mail a professora L me pediu muito para noacutes respondermos porque

as crianccedilas e ela estatildeo querendo demais receber a nossa resposta Eacute como noacutes

quando escrevemos para a para a Turma do Dedo Verde natildeo eacute Quando

escrevemos natildeo daacute vontade de recebermos logo a resposta dela

Todas Daacute

P Entatildeo a Turma dos Coelhinhos eacute como a nossa As crianccedilas estatildeo muito

ansiosas esperando a nossa resposta e olhem passou tanto tempo e noacutes com

tantas atividades com tantas coisas para fazermos natildeo conseguimos responder a

cartinha ainda Entatildeo noacutes vamos fazer isso hoje Combinado

Todas Combinado

C13 Pro comeccedila com a data

C13 natildeo eacute ouvida por mim porque atendia a uma crianccedila que propunha que eu

lesse a carta novamente para que pudessem ter ideia do que responder Entatildeo

fala novamente

C13 Pro comeccedila com a data

P Pessoal C13 deu a ideia de comeccedilarmos com a data O que acham

C13 Estaacute certo ou estaacute errado

Todas Certo

C6 A carta sempre comeccedila com a data

P Bem entatildeo vou escrever o local e a data assim elas vatildeo saber onde e quando

foi escrita essa carta ldquoMariacutelia 12 de agosto de 2010

O planejamento diaacuterio (FREINET 1973) do que seraacute feito no dia indica uma participaccedilatildeo

das crianccedilas no processo educativo Ao planejarem junto com a professora o que seraacute feito

semanalmente diariamente as crianccedilas propotildeem opinam ouvem satildeo ouvidas buscam soluccedilotildees

O procedimento de fazer com elas e natildeo por elas orienta o fazer pedagoacutegico com o objetivo de

tornaacute-las sujeitos desse processo Nessas condiccedilotildees o ensino eacute colaborativo pois aleacutem do

planejamento intencional haacute a negociaccedilatildeo em busca de contemplar seus interesses e criar novas

necessidades de aprender

No processo de re-criaccedilatildeo de texto da carta elas aparentam perceber a sua construccedilatildeo

composicional (BAKHTIN 2003) ao indicarem que a data ndash um dos seus elementos

caracteriacutesticos ndash deveria ser escrita logo de iniacutecio

C13 Olha soacute a professora faz umas letras diferentes natildeo eacute pro (refere-se agrave

dupla caixa como a carta recebida da Turma dos Coelhinhos e da professora L)

P Eacute sim E que letra seraacute que eacute essa

C11 Eacute de focircrma (refere-se agrave letra dupla caixa As crianccedilas e eu usaacutevamos

somente a caixa alta para escrever conforme orientaccedilatildeo da Secretaria Municipal

da Educaccedilatildeo no periacuteodo da pesquisa e a carta da Turma dos Coelhinhos estava

escrita em dupla caixa)

P Letra de focircrma Mas as letras que usamos tambeacutem natildeo satildeo letras de focircrma

C6 Hum agora complicou

C5 Eacute de focircrma mas eacute diferente

197

P As letras que noacutes usamos (refiro-me a caixa alta) aparecem na carta que noacutes

recebemos da Turma dos Coelhinhos Vamos ver

Todas As crianccedilas se voltam para a carta recebida afixada no mural da sala e a

observam

C5 Aparece soacute de vez em quando

P Quando elas aparecem Onde

C1 No comeccedilo de Mariacutelia

P Onde mais

C7 No comeccedilo do nome da professora L

P Certo

C3 Aqui oacute (Aponta para o comeccedilo da frase)

P Aparece em mais algum lugar

C2 Nos nomes deles aqui embaixo tambeacutem (observa as letras iniciais dos nomes

das crianccedilas da Turma dos Coelhinhos ao findar a carta suas assinaturas)

P Pessoal elas usam as letras maiuacutesculas e as minuacutesculas Soacute que as letras

maiuacutesculas noacutes usamos em situaccedilotildees como essas que vocecircs me mostraram (eu

pego o envelope escrito da carta recebida) A professora L usou a letra

maiuacutescula no comeccedilo dos nomes das pessoas no comeccedilo do nome da nossa

cidade

C2 Mariacutelia neacute pro

P Exato Ela usou tambeacutem quando no (a crianccedila interrompe a minha fala)

C13 Engraccedilado pro

P O que eacute engraccedilado C13

C13 Na carta que elas escreveram depois do ponto final elas escreveram com

letra maiuacutescula

P Eacute mesmo

C13 Eacute mesmo pro vem caacute ver (aponta com o dedo indicador da matildeo direita

para a carta)

P Vocecircs concordam com C13

Todas (Concordam com a cabeccedila depois de observarem a proacutepria crianccedila

mostrando em toda carta quando isso ocorria)

P Bem observado C13 Todas agraves vezes que organizamos nossas ideias quando

escrevemos e colocamos o ponto final em seguida iniciamos com a letra

maiuacutescula

C11 Pro Campinas eacute longe daqui

P Eacute longe satildeo cerca de 6 a 7 horas de viagem de ocircnibus

C9 Que longe

C13 De aviatildeo chega no mesmo dia neacute

P De carro tambeacutem chegamos no mesmo dia dependendo da hora que sairmos

daqui soacute que demora mais tempo que de aviatildeo Bem reparem aqui no envelope

que elas nos enviaram A professora L escreveu o iniacutecio do nome da nossa

cidade com letra maiuacutescula o iniacutecio do nome da nossa rua com letra maiuacutescula

o iniacutecio do nome do bairro com letra maiuacutescula

C5 Mas o resto elas escreveram com letra minuacutescula

P Eacute por isso que eu vou escrever como a professora L Pode ser

Todas Pode

C2 Assim a gente vai aprendendo

198

Por meio da anaacutelise desse trecho do ato de re-criaccedilatildeo de texto as crianccedilas insistem em

lidar com a linguagem escrita de forma dialoacutegica por meio do gecircnero discursivo apresentado e

por meio da minha mediaccedilatildeo como professora que as instigo a pensar sobre a escrita sem dar

respostas prontas e acabadas Ao contraacuterio provoco a atitude responsiva ao indagaacute-las sobre o

que vecircem a observarem e a elaborarem hipoacuteteses sobre essas observaccedilotildees para num momento

posterior pelo uso e pelo diaacutelogo travado validaacute-las ou natildeo

C13 observa que eu uso a dupla caixa para escrever a carta resposta para os

correspondentes como eles o fizeram No entanto usaacutevamos somente a caixa alta ndash ateacute aquele

momento ndash recomendada pela Secretaria da Educaccedilatildeo da cidade no periacuteodo de realizaccedilatildeo da

pesquisa Esse fato causou surpresa durante a escrita da carta mas por esse motivo foi possiacutevel

estabelecer relaccedilotildees que envolvem diretamente o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita

C13 observa que a outra professora escrevia com uma ldquoletra diferenterdquo Quando pergunto

qual letra era aquela C11 responde que eacute letra de focircrma Ao pretender aprofundar essa questatildeo

pergunto ldquoMas as letras que usamos natildeo satildeo de focircrmardquo Ao que C5 responde Eacute de focircrma mas eacute

diferente Essas falas reafirmam o pressuposto de que ldquoa liacutengua escrita natildeo eacute apenas um registro

da liacutengua oral Linguagem nova que multiplica a capacidade de pensar e agir do homem a escrita

eacute uma heranccedila diante da qual a crianccedila deve se deter para dela se apropriarrdquo (BAJARD 2012 p

54) Para este autor o uso da tipografia ndash somente a maiuacutescula (caixa alta) ndash natildeo permite que a

especificidade da escrita se manifeste Isso se verifica por exemplo na grafia das palavras ldquorosardquo

e ldquoRosardquo em que a primeira pode se referir agrave flor ou agrave cor e a segunda ao nome de uma pessoa o

que seria inviaacutevel perceber se para designar essas duas situaccedilotildees a grafia fosse ldquoROSArdquo

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que as crianccedilas percebem o uso da letra maiuacutescula quando

satildeo levadas a observar o uso que os correspondentes fizeram dela e quando passam a usaacute-la para

expressarem as suas ideias por meio da escrita com a tipografia dupla caixa ldquoO uso da maiuacutescula

eacute indiacutecio de um funcionamento da escrita que vai aleacutem das relaccedilotildees som-letrardquo (BAJARD 2012

p 83) pois assume uma funccedilatildeo fundamental na leitura ldquonatildeo somente manifesta no corpo do

texto a presenccedila de personagem como tambeacutem sinaliza para os olhos o indiacutecio da frase e

consequentemente o seu fimrdquo (BAJARD 2012 p 83) Este fato pode ser observado quando C13

revela ldquoNa carta que elas escreveram depois do ponto final elas escreveram com letra

maiuacutesculardquo E a professora com a intenccedilatildeo de refletir sobre esse uso pergunta ldquoEacute mesmordquo ao

199

que C13 responde ldquoEacute mesmo pro vem caacute verrdquo (aponta com o dedo indicador da matildeo direita para

a carta)

A partir desse momento todas as escritas foram grafadas com a tipografia dupla caixa

uma vez que as proacuteprias crianccedilas solicitavam seu uso por compreenderem que os escritos sociais

em sua maioria se apresentam dessa forma e natildeo somente com a caixa alta como nos livros

revistas e outros materiais ndash com exceccedilatildeo das histoacuterias em quadrinhos que em geral satildeo escritas

em caixa alta

Aleacutem do uso da caixa alta para marcar o iniacutecio de frases a situaccedilatildeo de escrita da carta

ainda possibilitou a reflexatildeo sobre o uso da maiuacutescula em outras situaccedilotildees por exemplo quando

mostro o envelope escrito pelos correspondentes e as situaccedilotildees em que ela aparece como na

escrita de substantivos proacuteprios apesar de natildeo ter cogitado essa nomenclatura especificamente e

de natildeo ser esse o objetivo mas de perceber o funcionamento da escrita ldquoA professora L escreveu

o iniacutecio do nome da nossa cidade com letra maiuacutescula o iniacutecio do nome da nossa rua com letra

maiuacutescula o iniacutecio do nome do bairro com letra maiuacutesculardquo Com isso ldquorejeitar o iacutendice

maiuacutesculaminuacutescula com o pretexto de que ele natildeo corresponde a nenhum iacutendice sonoro resulta

em apagar a mais evidente marca sintaacutetica da fraserdquo (BAJARD 2012 p 83)

P Bem entatildeo vamos continuar O que escrevemos depois da data

C13 Que tal Olaacute amigos queridos da Turma dos Coelhinhos

P Ah a saudaccedilatildeo Isso mesmo Noacutes vamos iniciar a carta saudando as

pessoas cumprimentando as pessoas para comeccedilarmos a escrever as nossas

novidades O que vocecircs acham da ideia de C13

C8 Certo

Eu escrevo a sugestatildeo da crianccedila na carta Olaacute amigos novos da Turma dos

Coelhinhos e professora (sou interrompida)

C18 Natildeo se esquece de escrever o nome da professora L com letra maiuacutescula

pro

P Muito bem farei isso (e entatildeo eu escrevo)

C13 Nossa o L de C7 eacute igual da professora L (a crianccedila observa que a letra

inicial do nome da colega de turma eacute o mesmo da professora da carta)

P Eacute verdade o dois nomes comeccedilam com a mesma letra

C7 Escreve que ela eacute linda

P Sim podemos escrever isso Mas antes de tudo eu acho que noacutes devemos nos

desculpar pela demora da carta vocecircs natildeo acham E contar os motivos porque

natildeo pudemos escrever antes

C10 Hatilde hatilde

C4 Eacute mesmo

P E como podemos escrever isso

C7 Potildee ldquoDesculpardquo Desculpa neacute professora

P Mas precisamos escrever porque estamos pedindo desculpas

200

C5 Escreve assim pro ldquoDesculpa pela demora da carta Soacute deu pra gente

escrever agora porque a gente tinha muitas coisas para fazer e aconteceram

muitas coisasrdquo

P Hum O que vocecircs acharam da sugestatildeo de C5

C12 Eacute acho que estaacute bom assim

Escrevo na carta e as crianccedilas acompanham

C7 Pro eu tive uma ideia Noacutes tambeacutem podemos mandar uns desenhos pra elas

C13 Eu sei desenhar coelhinhos A gente pode mandar de presente pra turma

Todas concordam

C8 Escreve que noacutes gostamos do nome da turma delas

P Como podemos escrever isso na carta

C7 Escreve assim pro ldquoNoacutes gostamos muito do nome da turma de vocecircsrdquo

Continuo a escrever

C9 ldquoE noacutes ama vocecircsrdquo (Sugere a crianccedila que seja escrito)

C5 Natildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute pro

P Isso mesmo porque natildeo eacute soacute uma pessoa da nossa turma que os ama mas

algumas pessoas que os ama satildeo as pessoas da nossa turma Bem e o que vocecircs

querem que eles saibam O que mais podemos escrever na carta

As falam sugerem que as crianccedilas aprendem a pensar sobre a liacutengua por meio dos gecircneros

discursivos e consequentemente a se comunicar por meio deles As discussotildees travadas

permitem inferir que a liacutengua eacute vista em seu uso e que as marcas da escrita incluindo a gramaacutetica

e a ortografia acontecem concomitantes nesse processo natildeo de forma imposta teacutecnica ndash porque

seria contrapor-se ao que eacute defendido nesse trabalho com relaccedilatildeo ao proacuteprio ensino da liacutengua ao

respeito agrave crianccedila e agraves regularidades de seu desenvolvimento ndash mas como uma apropriaccedilatildeo

dialoacutegica dela que requer situaccedilotildees reais de uso em que a crianccedila atua de forma ativa Essa

atuaccedilatildeo promove constantes interesses e cria a necessidade de aprender Pode-se perceber isso

quando C9 diz ldquoE noacutes ama vocecircsrdquo (Sugere a crianccedila que seja escrito) E imediatamente numa

atitude responsiva C5 afirma ldquoNatildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute prordquo

Eacute possiacutevel depreender tambeacutem que as crianccedilas percebem a minha mediaccedilatildeo como

professora e minha participaccedilatildeo como uma interlocutora ativa tambeacutem desse processo uma vez

que as crianccedilas frequentemente se voltam a mim na tentativa de se certificarem do que pensam e

dizem ldquoNatildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute prordquo E ao ser indagada esclareccedilo

ldquoIsso mesmo porque natildeo eacute soacute uma pessoa da nossa turma que os ama mas algumas pessoas que

os ama satildeo as pessoas da nossa turmardquo E dou continuidade ao processo de re-criaccedilatildeo de texto

ldquoBem e o que vocecircs querem que eles saibam O que mais podemos escrever na cartardquo

A discussatildeo sobre a maiuacutescula e seu uso traz agrave tona sua apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo pelas

crianccedilas quando a professora no caso eu mesma ao escrever a saudaccedilatildeo e colocar o nome da

201

outra professora eacute orientada por C18 ldquoNatildeo se esquece de escrever o nome da professora L com

letra maiuacutescula prordquo

C1 Pro potildee o nome da nossa turma agora

Todas Turma do Sol (Todas falam juntas)

P Como eacute que podemos escrever isso

C1 Hum escreve assim O nome da nossa turma eacute Turma do Sol

Todas concordam e eu escrevo

C1 Coloca aiacute que a gente aprendeu um monte de coisas sobre o Sol

P Como podemos escrever isso

C1 Ah escreve ldquoe noacutes aprendemos um monte de coisas sobre o Sol

C5 ldquoEle eacute uma mistura de gases Eacute uma bola de fogordquo

C17 ldquoEle eacute quente quente quenterdquo

C16 ldquoSem o Sol natildeo ia ter vida na Terra porque todo mundo precisa dele Se

natildeo tivesse o Sol ia ser tudo escurordquo

C7 ldquoSem o Sol natildeo poderiacuteamos viverrdquo

P Isso mesmo C7

C13 ldquoSem o Sol nada daria certordquo

P Que beleza Satildeo informaccedilotildees importantes Acho que eles vatildeo gostar muito de

saber de tudo isso

Escrevo as informaccedilotildees sobre o Sol pesquisadas pela turma ateacute aquele momento

C14 Ocirc pro a gente pode desenhar o Sol com planetinhas

P Claro que sim Assim que terminarmos a carta vocecircs podem ilustraacute-la como

vocecircs sempre fazem Cada um vai escolher qual parte dela quer desenhar estaacute

bem

Todas Oba

As crianccedilas participam todo o tempo do processo de re-criaccedilatildeo porque tecircm o que dizer o

que contar uma vez que eacute a continuidade de um diaacutelogo jaacute estabelecido com a outra turma A

escrita surge nesse processo de re-criaccedilatildeo textual como uma forma dizer coisas de informar de

comunicar Isso ocorre porque as crianccedilas tecircm muitas experiecircncias na escola porque a escola eacute o

lugar da cultura mais elaborada (MELLO FARIA 2010)

Esse desejo de expressatildeo que se materializa nesse caso com a escrita da carta acontece

tambeacutem por meio do desenho em que por diversas vezes eacute proposto pelas crianccedilas ldquoC14 Ocirc pro

a gente pode desenhar o Sol com planetinhasrdquo ou como foi visto no trecho analisado

anteriormente com as falas de C7 e C13 ldquoPro eu tive uma ideia Noacutes tambeacutem podemos mandar

uns desenhos pra elasrdquo ldquoEu sei desenhar coelhinhos A gente pode mandar de presente pra

turmardquo

C12 Pro escreve que noacutes gostamos das brincadeiras que eles ensinaram pra

gente

P Turma que tal a ideia da C12

202

C20 Legal Pode escrever

P Entatildeo me ajudem como posso escrever isso aqui

C20 Escreve assim pro ldquoAs brincadeiras que vocecircs ensinaram a gente satildeo

legaisrdquo

C13 Ueacute natildeo sei natildeo

P O que C13

C13 Eacute melhor escrever assim Noacutes gostamos das brincadeiras que vocecircs

ensinaram para a nossa turma

P Por que vocecirc acha melhor dessa forma e natildeo como C20 disse

C13 Ueacute pro Porque desde o comeccedilo da carta escrevemos ldquonoacutesrdquo e natildeo a

ldquogenterdquo Ai eu acho que eacute melhor neacute

P Vocecircs concordam com C13

Todas concordam

As falas das crianccedilas no trecho acima sinalizam que elas se apropriam e se objetivam da

liacutengua de forma dialoacutegica viva em seu funcionamento por meio dos gecircneros discursivos Ao

fazerem isso percebem que

O texto portanto eacute o espaccedilo de escolha dos recursos linguiacutesticos e estiliacutesticos

que depende da relaccedilatildeo enunciativa manifesta no discurso a partir do gecircnero

em vez de ser uma unidade autocircnoma O texto eacute tomado como unidade apenas

na condiccedilatildeo de espeacutecime do gecircnero (SOBRAL 2009 p 131)

Por tal razatildeo as crianccedilas escolhem como e quais recursos da liacutengua preferem usar na re-

criaccedilatildeo do texto e adotam criteacuterios como propotildee C13 ao sugerir outra maneira de escrever a ideia

de C20 ao apontar ldquoEacute melhor escrever assim Noacutes gostamos das brincadeiras que vocecircs

ensinaram para a nossa turmardquo Quando pergunto por que considera melhor da forma que ela

propotildee e natildeo a de C20 esclarece ldquoUeacute pro Porque desde o comeccedilo da carta escrevemos ldquonoacutesrdquo e

natildeo ldquoa genterdquo Ai eu acho que eacute melhor neacuterdquo

Para finalizar a carta proponho

P Qual brincadeira vocecircs mais gostaram

C5 A do homem de fogo

Todas Eacute mesmo

Escrevo e pergunto em seguida

P E qual brincadeira noacutes podemos ensinar para elas (refere-se agraves crianccedilas da

Turma dos Coelhinhos)

C10 Coelhinho sai da Toca

C6 A menina que estaacute na roda

Entatildeo escrevo com as crianccedilas como se brinca cada uma das brincadeiras

citadas

203

P O que vocecircs acham de escrevermos que noacutes estamos mandando um presente

para elas

C2 Eacute mesmo pro E a gente precisa terminar o presente (refere-se agraves pinturas

que cada crianccedila fez com pincel e tinta para cada uma das crianccedilas da outra

turma)

P Entatildeo vamos laacute ldquoEstamos mandando uns presentes para vocecircs Esperamos

que gostemrdquo Algo mais a escrever turma

C6 A despedida pro

P Como podemos escrever a despedida

C5 ldquoRespondam logo por favor Um abraccedilo da Turma do Solrdquo

P O que vocecircs acham da ideia de C5

Todas Legal

C9 Boa

Termino de escrever e em seguida leio a carta toda para as crianccedilas

P O que acharam Haacute algo mais a escrever ou a mudar na carta

C14 Agora eacute soacute assinar a carta

E Cada crianccedila escreve seu nome ao final da carta

Ao re-criar a carta com as crianccedilas e por ser esse ato de escrita um ato interlocutivo

discursivo comum na minha praacutetica pedagoacutegica como professora as crianccedilas fazem inferecircncias

opinam e se sentem motivadas a participarem porque este fazer para elas condiz com os seus

interesses Em decorrecircncia disso as crianccedilas se apropriam cada vez mais do gecircnero discursivo

carta e de seus elementos constitutivos como o conteuacutedo temaacutetico a construccedilatildeo composicional e

o estilo (BAKHTIN 2003) Desde o iniacutecio as crianccedilas percebem cada elemento da carta sua

funccedilatildeo e funcionamento ndash data saudaccedilatildeo mensagem despedida assinatura ndash de modo que

sugerem como cada um desses elementos pode ser escrito considerando o contexto situacional

em que foram criados

Dentro do gecircnero discursivo carta surge outro gecircnero as regras das brincadeiras a serem

ensinadas para os correspondentes de caraacuteter mais instrucional mas que cumprem sua funccedilatildeo

dentro do contexto

Os assuntos eleitos para serem abordados satildeo diretamente relacionados a suas

experiecircncias aos interesses diretos como a brincadeira considerada a atividade principal

(LEONTIEV 1988) das crianccedilas dessa idade Eacute por meio do brincar que ocorre o

desenvolvimento da inteligecircncia da personalidade da funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia da

atenccedilatildeo da memoacuteria do controle da proacutepria conduta que se apropria da cultura humana e por

isso mesmo se humaniza Eacute por meio dessa atividade que a crianccedila melhor se relaciona com o

mundo a sua volta que atribui significados e sentidos que elabora explicaccedilotildees para fenocircmenos e

fatos e eacute quando que se constituem as bases orientadoras necessaacuterias para a apropriaccedilatildeo da

204

leitura e da escrita (LEONTIEV 1988 VYGOTSKI 1995 MELLO 2005) Por essa razatildeo essa

atividade surge como elemento a ser partilhado entre as crianccedilas da proacutepria turma e da turma

correspondente Essa atividade surge tambeacutem como motivo entre as crianccedilas para re-criarem seus

textos para comunicarem por meio da escrita o que natildeo podem fazer pela linguagem oral ndash no

caso ensinar agraves crianccedilas de outra cidade de outra cultura com sua proacutepria histoacuteria a histoacuteria e a

cultura da sua localidade Paralelamente agrave carta a escrita de outro gecircnero com o objetivo de

ensinar as brincadeiras agraves crianccedilas correspondentes cria a necessidade de re-criar outro texto e

assim conhecer outro gecircnero que atenda aos interesses que se fazem naquele momento

A correspondecircncia interescolar promove aprendizagens porque intensifica as relaccedilotildees e as

experiecircncias das crianccedilas com o outro com a leitura com a escrita e com a cultura humana

porque as crianccedilas trocam informaccedilotildees sobre as pesquisas que realizam na escola suas leituras

suas descobertas e trocam presentes criados por elas por meio de diferentes linguagens como por

exemplo o envio de outras re-criaccedilotildees como a poesia regras de brincadeira jogos desenhos

pinturas jogos com sucatas bonecos de papel machecirc Pode-se constatar esse fato quando eu

sugiro que escrevam na carta sobre o presente a ser enviado aos correspondentes e C2 responde

ldquoEacute mesmo pro E a gente precisa terminar o presenterdquo (refere-se agraves pinturas que cada crianccedila fez

com pincel e tinta para cada um de seus colegas)

As crianccedilas datildeo sinais de que lidam com os elementos que compotildeem o gecircnero discursivo

carta quando respondem que falta a despedida e a assinatura propondo oralmente a melhor

maneira de escrever e assumindo a participaccedilatildeo pelo texto re-criado

A anaacutelise da foto 6 e do diaacutelogo apresentado em seguida sobre uma situaccedilatildeo de re-criaccedilatildeo

de carta contribui com a reflexatildeo sobre a apropriaccedilatildeo da escrita por meio desse gecircnero

discursivo

205

(Foto 6 ndash Situaccedilatildeo fotografada e registrada no dia 221110)

Depois de terminada a re-criaccedilatildeo da carta resposta aos correspondentes da turma do Dedo

Verde de uma escola da zona sul da cidade e jaacute com as ilustraccedilotildees das crianccedilas compondo cada

parte da carta fiz uma uacuteltima leitura estendi a carta no chatildeo da sala propus que a observassem e

fizessem por conta proacutepria qualquer alteraccedilatildeo que julgassem necessaacuteria por exemplo acrescentar

ou retirar algo antes que a colocaacutessemos no envelope para ser postada Algumas crianccedilas se

ocuparam da tarefa de terminar os presentes para serem enviados juntos com ela ndash presentes

referentes a algum assunto pesquisado pelas turmas ou com a finalidade de provocar um desafio

mapas desenhos adivinhas pinturas livros e fantoches com material reciclaacutevel C1 C3 C6 C7

C8 C13 e C16 preferiram analisar a carta as informaccedilotildees contidas nela os desenhos e ateacute

mesmo as assinaturas

Dez minutos depois C1 que tinha em sua matildeo direita um laacutepis debruccedila-se sobre a carta e

conversa com C13

206

C1 Eu vou escrever uma coisa aqui na carta que eu quero perguntar pra Turma

do Dedo Verde Vocecirc me ajuda

C13 Ajudo o que eacute que vocecirc vai escrever

C1 Espera aiacute

C1 escreve na carta ldquoOnde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar

Agente quer saberrdquo

C7 se aproxima para acompanhar o que ocorria Terminada a escrita C13 lecirc o

que C1 escreveu e diz

C13 Nossa Que boa ideia

C1 Eu escrevi porque todo mundo da nossa turma quer saber mais sobre isso

agora estaacute todo mundo curioso Se a gente souber logo a gente nem precisa

esperar eles responderem a carta pra ficar sabendo A gente pode pesquisar com

a pro a gente mesmo

C7 Eacute mesmo neacute

C13 dirige seu olhar novamente para a escrita de C1 e diz C13 Ih olha aqui o que vocecirc escreveu C1 (aponta para a palavra escrita

ldquoagenterdquo)

C1 digire seu olhar para a escrita observa e pergunta

C1 O que eacute que estaacute errado

C13 Lembra que a pro jaacute explicou que AGENTE junto eacute agente secreto e que

A GENTE separado quer dizer noacutes as pessoas

C7 Eacute mesmo Tem um monte disso (refere-se agrave ldquoa genterdquo) escrito nessa carta

C1 observa novamente apaga com a borracha e escreve separado seguindo a

orientaccedilatildeo de C13

C13 Tem que prestar atenccedilatildeo na hora de escrever C1 porque uma coisa eacute uma

coisa e outra coisa eacute outra coisa neacute pro

P Sim bem lembrado C13 Vamos dar uma olhada em tudo o que vocecirc escreveu

C1 Vamos ver se haacute algo mais que podemos melhorar

C1 concorda e com as crianccedilas que acompanhavam foi feita a correccedilatildeo

(Situaccedilatildeo observada e registrada em 091110)

Mariacutelia 7 de novembro de 2010

Olaacute amigos da Turma do Dedo Verde e Professora E

Tudo bem

A gente fez a maior festa quando recebeu a cartinha de vocecircs e quando viu

os presentes que vocecircs mandaram

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Semana passada a gente plantou os girassoacuteis com as sementes que vocecircs

mandaram e agora todos os dias a gente cuida para que os girassoacuteis cresccedilam

raacutepido

A pro falou que depois que essas plantas crescerem uns 15 centiacutemetros a

gente jaacute vai poder levar os vasinhos para casa Aiacute todos os dias a gente mede

com a reacutegua aqui na escola E falta pouco porque a maioria jaacute estaacute medindo 5

centiacutemetros mais ou menos

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

207

Ah as duas muacutesicas sobre os girassoacuteis que vocecircs mandaram gravadas no

CD pra gente tambeacutem satildeo bem legais A gente ateacute vai pesquisar mais sobre o

Viniacutecius de Morais e sobre o grupo Cidade Negra

Pena que natildeo deu pra gente ir agrave Feira de Ciecircncias da escola de vocecircs mas

as coisas que vocecircs pesquisaram sobre as cores satildeo demais A gente fez aqui

tambeacutem algumas das experiecircncias que vocecircs ensinaram Nossa foi muito legal

Vocecircs podem contar pra gente mais coisas sobre o que vocecircs descobriram sobre

as cores

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Onde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar Agente quer

saber (Parte escrita por C1)

A gente colocou as fotos de vocecircs no mural da nossa sala Vocecircs estatildeo

lindos A professora ldquoErdquo eacute uma princesa

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

A gente estaacute mandando outra poesia pra vocecircs e tambeacutem os fantoches das

personagens da histoacuteria preferida da nossa turma ldquoO caso do Bolinhordquo da

Tatiana Belinky A gente mesmo quem fez os fantoches pra vocecircs

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

No livro que estaacute junto tambeacutem tem um monte de coisas sobre o Sol Eacute soacute

vocecircs lerem ou pedirem para a pro de vocecircs lerem Tem muitas coisas novas

sobre o Sol e vocecircs vatildeo gostar de saber

Aqui estaacute todo mundo louco de vontade de chegar logo o dia do nosso

encontro Tomara que chegue logo A gente pode brincar de umas brincadeiras

novas e legais O lanchinho a gente ainda estaacute decidindo qual vai ser taacute

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Um abraccedilo bem grande da Turma do Sol e Professora G

(Cada crianccedila escreveu seu nome e a professora tambeacutem)

A anaacutelise da foto 6 e da situaccedilatildeo relatada permite inferir que C1 criou para si a

necessidade de aprender de saber de se expressar o que a mobilizou escrever na carta jaacute re-

criada pela turma algo que julgava necessaacuterio e que supostamente natildeo atenderia somente ao seu

desejo mas o de todos os seus colegas ldquoOnde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar

A gente quer saberrdquo e quando explica o motivo que a levou a escrever ldquoEu escrevi porque todo

mundo da nossa turma quer saber mais sobre isso agora estaacute todo mundo curioso Se a gente

souber logo a gente nem precisa esperar elas responderem a carta pra ficar sabendo A gente

pode pesquisar com a pro a gente mesmordquo

Diante das palavras de C1 pode-se dizer que haacute nelas a palavra de seus colegas

carregadas de vontades de opiniotildees de impressotildees decorrentes das experiecircncias vividas Ribeiro

(2010 p 58) lembra que

A palavra para Bakhtin (2003 p 350) eacute um ponto convergente de vozes Ela

natildeo eacute neutra Estatildeo ali latentes experiecircncias diversas dos sujeitos sociais

208

Mesmo conferindo os creacuteditos da escolha e utilizaccedilatildeo da palavra ao autor a

palavra natildeo lhe pertence com exclusividade jaacute que eacute fruto da Histoacuteria e sendo

assim pertenceria a todos Nesse sentido a palavra existe para o falante em trecircs

acircmbitos como palavra da liacutengua neutra e natildeo pertencente a ningueacutem como

palavra alheia dos outros cheia de ecos de outros enunciados e por uacuteltimo

como a minha palavra (BAKHTIN 2003 p 294)

Dessa forma quando C1 escreve a mensagem na carta e justifica sua atitude o seu

discurso oral e o escrito refletem vaacuterias vozes a dela proacutepria a de seus colegas a minha como

professora e que instiga as crianccedilas por meio da situaccedilotildees vivenciadas e ainda as vozes dos

correspondentes e da professora dessa turma que jaacute pesquisaram sobre os assunto e os comunica

provocando a necessidade no outro tambeacutem de saber

Apesar de a mensagem escrita pela crianccedila ter sido discutida e corrigida na ocasiatildeo em

que ocorreu com ela proacutepria e com as demais que participavam para que elas pudessem pensar

sobre essa escrita a iniciativa de escrever algo naquele momento de finalizaccedilatildeo do texto denota

uma atitude positiva diante do conhecimento revelada pelo fato de a crianccedila de ser a ldquoporta-vozrdquo

dela e dos colegas por ter criado uma atitude investigativa diante do que se queria conhecer Eacute

possiacutevel perceber que com essa atitude de C1 a crianccedila aparenta saber como para quecirc e por quecirc

pesquisar ao solicitar que os correspondentes telefonem para a escola em que ocorreu a pesquisa

para solicitar a fonte dos estudos por eles realizados Nas cartas recebidas e enviadas sempre

eram comunicadas as descobertas feitas pelas turmas os estudos os resultados A mensagem

escrita por C1 denota urgecircncia em obter informaccedilotildees ndash no caso sobre as cores ndash porque solicita

um telefonema por parte dos correspondentes contrariando a dinacircmica comumente estabelecida

de aguardar a resposta da carta A crianccedila revela o iniacutecio de sua apropriaccedilatildeo da escrita por meio

do gecircnero discursivo carta e ainda demonstra que se humaniza Desse modo

[] quando a inserccedilatildeo da crianccedila na heranccedila cultural da humanidade responde a

necessidades de conhecimento criada na crianccedila melhor ela se envolve no que

faz e aprende Oa professora pode organizar de modo intencional e consciente

as experiecircncias propostas na educaccedilatildeo Infantil para provocar o encontro da

crianccedila com a cultura de modo a favorecer a apropriaccedilatildeo pelas crianccedilas da

heranccedila cultural da humanidade e por meio desta a reproduccedilatildeo pelas crianccedilas

das maacuteximas qualidades humanas criadas ao longo da histoacuteria Para isso o

conhecimento das regularidades do desenvolvimento das crianccedilas em nossa

sociedade ndash isto eacute da forma como a crianccedila melhor se relaciona com a cultura

nas diferentes idades e aprende ndash eacute condiccedilatildeo essencial (MELLO 2010 p58)

209

Pode-se inferir que o ensino planejado e organizado intencionalmente e as relaccedilotildees

dialoacutegicas estabelecidas entre as crianccedilas entre as crianccedilas e a professora e entre as crianccedilas e o

espaccedilo garantem participaccedilatildeo ativa na elaboraccedilatildeo dos gecircneros discursivos cria a necessidade de

aprender e provoca o desenvolvimento humano Eacute possiacutevel perceber a mediaccedilatildeo de C13 nessa

situaccedilatildeo natildeo somente quando C1 decide escrever algo e pede a sua ajuda mas tambeacutem quando a

crianccedila percebe o que a colega escreveu e faz a distinccedilatildeo entre ldquoagenterdquo e ldquoa genterdquo Ao explicar

essa diferenccedila C13 solicita a confirmaccedilatildeo da professora no caso eu mesma que tambeacutem atuo

como mediadora C13 ao esclarecer C1 sobre a diferenccedila entre ldquoagenterdquo e ldquoa genterdquo medeia a

situaccedilatildeo trazendo agrave tona uma explicaccedilatildeo que eu jaacute fizera em outra ocasiatildeo

Haacute outros mediadores nesse processo que satildeo os proacuteprios correspondentes e a professora

dessa turma que ao elaborarem suas cartas e enviaacute-las agraves crianccedilas provocam novas necessidades

por meio dos desafios lanccedilados por meio das informaccedilotildees partilhadas sobre os conteuacutedos

diversos e por meio das relaccedilotildees estabelecidas entre as turmas

Outro aspecto a ressaltar eacute que C13 ao observar que C1 havia escrito ldquoagenterdquo denota

compreender que a presenccedila ou a ausecircncia do espaccedilo em branco entre ldquoa genterdquo altera

completamente o seu significado e que natildeo se trata somente de uma questatildeo graacutefica mas de

significaccedilatildeo Para Bajard (2012 p 78) ldquoo espaccedilo tem uma grande importacircncia na escrita

modernardquo Esclarece que ldquopor causa do espaccedilo em branco dois nomes escritos aparecem

separadamente enquanto na fala um uacutenico nome eacute ouvidordquo O espaccedilo em branco eacute considerado

um caracter e por essa razatildeo e por sua funccedilatildeo na escrita natildeo pode ser desprezado

A correspondecircncia interescolar como todas as outras teacutecnicas da Pedagogia Freinet

priorizam o ensino cooperativo em que a comunicaccedilatildeo eacute privilegiada Valoriza-se o processo e

natildeo somente o resultado Freinet (1973) esclarece que ao modificar as teacutecnicas de trabalho satildeo

modificadas automaticamente as condiccedilotildees de vida na escola ldquomelhoramos as relaccedilotildees entre as

crianccedilas e o meio entre as crianccedilas e os professores Eacute com certeza o benefiacutecio mais importante

com que contribuiacutemos para o progresso da educaccedilatildeo e da culturardquo (FREINET 1973 46) Isto se

verifica na organizaccedilatildeo das proacuteprias crianccedilas em que algumas delas optaram por terminar os

presentes que seriam enviados e outras que se encarregaram de terminar os desenhos e outros

detalhes da carta antes de ser colocada no envelope

210

A situaccedilatildeo apresentada a seguir trata de uma re-criaccedilatildeo de texto elaborado por uma

crianccedila sem ajuda

Numa tarde quando as crianccedilas realizavam diferentes tarefas nos cantos organizados na

sala ndash ateliers espaccedilos organizados com materiais especiacuteficos de pintura modelagem desenho

digitaccedilatildeo no computador impressatildeo jogos ndash C13 se dirige para o canto da sala em que ficavam

as mochilas das crianccedilas da turma retira duas folhas de papel com linhas que trouxe de sua casa e

se senta sozinha no canto do desenho Por quarenta minutos permanece nesse local utilizando

alguns materiais Passado esse tempo se dirige a mim entrega o envelope e diz

C13 Pro eu escrevi para vocecirc essa carta Eu escrevi sozinha

Abro o envelope feito pela crianccedila leio o que escreveu e respondo

P Que linda carta C13 Gostei muito muito mesmo

C13 Eu jaacute sei escrever cartas (Situaccedilatildeo observada no dia 270910)

211

(Carta escrita por C13 em 290910)

212

A anaacutelise deste dado permite inferir que C13 daacute indiacutecios de ter se apropriado de dados no

iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita por meio do gecircnero discursivo carta ao

tomar a iniciativa de escrevecirc-la para a professora Indica tambeacutem que a crianccedila percebe a funccedilatildeo

da escrita como instrumento de comunicaccedilatildeo e o ato de escrever a carta denota que foi criado o

desejo de se expressar por meio da escrita e do desenho Ela natildeo somente escreve e ilustra o seu

texto como tambeacutem confecciona o envelope fechando as laterais com grampos de grampeador

Ao fazer isso aparenta perceber que natildeo somente compreende a funccedilatildeo da escrita o

funcionamento do gecircnero discursivo como tambeacutem o seu suporte

O texto re-criado trata-se de um texto livre segundo Freinet (1976 p 21) ldquoum texto livre

deve ser realmente livre Quer isto dizer que escrevemos quando temos alguma coisa a dizer

quando sentimos a necessidade de exprimir escrevendo ou desenhando aquilo que em noacutes

agitardquo Vale ressaltar que os textos re-criados ocorreram dentro dessa perspectiva em que as

crianccedilas participavam das criaccedilotildees textuais fazendo suas escolhas de como o quecirc quando e para

quem queriam escrever As situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto e de leitura eram intencionalmente

planejadas com o objetivo de provocar a necessidade de aprender a ler e a escrever para que elas

pudessem num futuro proacuteximo fazerem sozinhas o que naquele momento ainda precisavam de

ajuda para realizaacute-lo

Freinet (1976 p 22 ndash 23) ao defender a utilizaccedilatildeo de suas teacutecnicas e da imprensa na

escola afirma que as crianccedilas satildeo motivadas a escrever porque o texto escrito nessas condiccedilotildees

tem ldquoum objetivo e uma funccedilatildeo que eacute a de comunicar com os outros companheiros e adultos

proacuteximos ou afastados e a crianccedila sente naturalmente a necessidade de escrever de se exprimir

tal como um bebecirc sente a necessidade de palrarrdquo

C13 escreve sua primeira carta sem ajuda do outro mas se arrisca a fazecirc-lo porque se

sente capaz para isso e se sente motivada a fazer Desse modo

Atraveacutes desta teacutecnica natural de trabalho a proacutepria crianccedila sente muito cedo a

necessidade de escrever e aparece entatildeo o primeiro texto livre ou a primeira

carta A crianccedila com a caneta que ainda maneja dificilmente escreve o que tem

vontade de dizer ao professor ou aos companheiros Esta escrita eacute naturalmente

de um gecircnero muito especial e temos de nos treinar a lecirc-la (FREINET 1976 p

29 ndash 30)

213

Nessa carta ela natildeo escreve a saudaccedilatildeo e a despedida poreacutem a inicia com a escrita de seu

proacuteprio nome a data escreve uma mensagem coerente e finaliza com a assinatura do seu nome

completo

(Escreve seu nome completo)

Mariacutelia 29 de setembro de 2010

(Escreve seu nome completo)

Professora Greici

A mais linda bailarina

Que eu mais gosto

De vocecirc professora Greici

(Escreve seu nome completo novamente)

A carta de C13 apresenta marcas da linguagem oral contudo jaacute se caracteriza como um

texto do gecircnero discursivo Possenti (1996 p 32) afirma que ldquoos grandes problemas escolares

estatildeo no domiacutenio do texto natildeo no da gramaacuteticardquo Explica que embora a finalidade da escola seja

a de ensinar a norma culta padratildeo essa instituiccedilatildeo o faz de maneira afastada do uso que o sujeito

faz da linguagem em diferentes situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo Em consonacircncia com essa

afirmaccedilatildeo Geraldi (1996 1997) explica que o fracasso do ensino da produccedilatildeo escrita e da leitura

eacute a artificialidade com que essas atividades satildeo propostas na escola

Ao considerar tais afirmaccedilotildees pode-se inferir que o texto de C13 se estabelece na

contramatildeo desse ensino artificial da produccedilatildeo escrita pois C13 apesar de ter apenas cinco anos

natildeo soacute participa de situaccedilotildees de escrita com a mediaccedilatildeo da professora em situaccedilotildees reais de uso

mas tambeacutem aprende a pensar a escrita no seu funcionamento de forma dialoacutegica desde a

Educaccedilatildeo Infantil num ensino que privilegia a expressatildeo sendo a crianccedila sujeito desse processo

Em decorrecircncia da inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita o dado a ser apresentado poderaacute

contribuir com a reflexatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita por meio do

gecircnero discursivo carta

521 Evoluccedilatildeo na escrita do gecircnero discursivo carta

Haacute poucos dias do teacutermino das atividades escolares e do ingresso no periacuteodo de feacuterias as

crianccedilas geriam seu proacuteprio tempo em tarefas variadas como pintura modelagem e desenho C13

214

que inicialmente havia se juntado agraves crianccedilas que desenhavam pegou uma folha de sulfite e em

vez de desenhar conforme se pensava que faria comeccedilou a escrever Manteve-se nessa escrita

durante 35 minutos e todas as vezes que era interpelada pelos colegas sobre o que escrevia

explicava que se tratava de uma ldquocarta importanterdquo contudo manteve segredo sobre o conteuacutedo e

o destinataacuterio

O seu teacutermino coincidiu com o momento de reorganizar a sala para que outra professora

pudesse utilizaacute-la uma vez que nos dirigiriacuteamos para o tanque de areia C13 ajudou os amigos a

guardar os materiais e a reorganizar a sala mas dobrou o papel que escrevera e o guardou em seu

bolso sem nada comentar Brincou normalmente com as demais e chegada a hora de ir embora

para casa se dirige agrave professora retira o papel do bolso e o entrega a ela dizendo

C13 Professora isso aqui eacute pra vocecirc (entrega o papel que guardara no bolso

durante todo o tempo depois que o escrevera)

P Mas o que eacute isso C13

C13 Eacute uma carta importante que eu escrevi para vocecirc

P Uma carta importante pra mim

C13 Eacute pro eacute de umas coisinhas que eu queria te falar de umas coisas que

vocecirc PRECISA saber

P Nossa eacute mesmo

C13 Hatilde hatilde (afirma movimentando a cabeccedila)

P Hum eu vou ler agora mesmo

C13 Amanhatilde vocecirc me fala o que vocecirc achou taacute pro

P Claro que sim Estou muito curiosa para saber o que vocecirc escreveu nessa

carta

C13 foi embora com sua matildee mas enquanto caminhava em direccedilatildeo agrave sua casa

voltava-se para traacutes na intenccedilatildeo de ver se a professora estaria possivelmente

lendo a carta que escrevera

(Situaccedilatildeo observada no dia 021210)

No dia seguinte assim que chegou agrave escola deu um beijo de boa tarde e a professora diz

P Muito obrigada pela carta C13 Fiquei muito feliz e emocionada ao saber das

coisas importantes que vocecirc queria me dizer Eu vou guardar para sempre sua

carta comigo para que eu me lembre sempre de vocecirc e das coisas bonitas que

vocecirc aprendeu quando estivemos juntas

C13 Ainda bem que eu escrevi neacute pro Porque assim natildeo daacute pra esquecer e

toda vez que vocecirc quiser se lembrar eacute soacute vocecirc pegar essa carta e ler de novo

(Situaccedilatildeo observada no dia 031210)

215

(Carta escrita por C13 em 021210)

216

Pode-se inferir que a carta escrita por C13 no final da pesquisa denota evoluccedilatildeo em suas

apropriaccedilotildees da liacutengua materna em relaccedilatildeo agrave carta apresentada e analisada anteriormente tambeacutem

escrita por C13 no mecircs de setembro do mesmo ano Por meio do texto livre originado da

necessidade de expressar o que pensa e sente eacute capaz de criar sem a ajuda de outro colega ou de

outro adulto o seu proacuteprio texto na tentativa deliberada de deixar registrado algo que para si

possui um sentido uacutenico ldquoEacute uma carta importante que eu escrevi para vocecircrdquo ldquoEacute pro eacute de umas

coisinhas que eu queria te falar de umas coisas que vocecirc PRECISA saberrdquo Ela aparenta

perceber que a escrita legitima as coisas e que por meio dela o que ldquoeacute importanterdquo permanece

para ser lembrado em qualquer tempo ou circunstacircncia Isso se verifica quando diz ldquoAinda bem

que eu escrevi neacute pro Porque assim natildeo daacute pra esquecer e toda vez que vocecirc quiser se lembrar eacute

soacute vocecirc pegar essa carta e ler de novordquo

A anaacutelise dos dados remete ao princiacutepio de que a linguagem eacute um objeto social e a

comunicaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel por meio de enunciados completos passiacuteveis de respostas em um

determinado contexto discursivo No processo de comunicaccedilatildeo verbal os enunciados pressupotildeem

o outro e o interlocutor espera a posiccedilatildeo responsiva ativa do outro alternando as posiccedilotildees num

processo dialoacutegico ou seja toma a posiccedilatildeo de enunciador em determinados momentos

A alternacircncia dos sujeitos do discurso que emoldura o enunciado e cria para ele

a massa firme rigorosamente delimitada dos outros enunciados a ele vinculados

eacute a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como unidade da

comunicaccedilatildeo discursiva que o distingue da unidade da liacutengua (BAKHTIN

2003 p 279 ndash 280)

A segunda peculiaridade eacute a conclusividade especiacutefica do enunciado uma espeacutecie de

aspecto interno da alternacircncia dos sujeitos do discurso ldquoessa alternacircncia pode ocorrer

precisamente porque o falante disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou sob

dadas condiccedilotildees (BAKHTIN 2003 p 280 grifo do autor) De acordo com o autor o primeiro e

mais importante criteacuterio de conclusibilidade do enunciado eacute a possibilidade de responder a ele

em outras palavras eacute a possibilidade de ocupar em relaccedilatildeo ao enunciado uma posiccedilatildeo responsiva

(BAKHTIN 2003 p 280 grifo do autor) Esse fato ocorre quando eu depois de ler a carta que

C13 entregara a mim tenho uma atitude responsiva aos enunciados proferidos por meio do

discurso escrito da crianccedila ao dizer no dia seguinte ldquoMuito obrigada pela carta C13 Fiquei

217

muito feliz e emocionada ao saber das coisas importantes que vocecirc queria me dizer Eu vou

guardar para sempre sua carta comigo para que eu me lembre sempre de vocecirc e das coisas

bonitas que vocecirc aprendeu quando estivemos juntasrdquo Essa alternacircncia de sujeitos da

interlocuccedilatildeo e a constante atitude responsiva entre eles pode ser percebida tambeacutem na escrita da

carta O fato de C13 ser capaz de re-criar o seu proacuteprio texto jaacute eacute uma atitude responsiva agraves

situaccedilotildees vivenciadas por ela na escola resultado das condiccedilotildees concretas objetivas que ela

participou

A carta que C13 escreve para o seu destinataacuterio real ndash no caso a professora ndash traz as

caracteriacutesticas e as especificidades do gecircnero em seus elementos constitutivos A construccedilatildeo

composicional ndash data saudaccedilatildeo mensagem despedida assinatura ndash aparece contemplada no

texto que demonstra organizaccedilatildeo de ideias pela presenccedila dos paraacutegrafos do uso da pontuaccedilatildeo

marcado pelo ponto final com tamanho acentuado O conteuacutedo temaacutetico eacute delineado pela voz do

sujeito que expressa as ideias a serem lidas pelo outro e o estilo eacute privilegiado pelas

caracteriacutesticas proacuteprias da crianccedila ao permitir que suas experiecircncias com a escrita se faccedilam

presentes O estilo ainda eacute observado pela forma como escolhe dizer o que tem a dizer com os

recursos da liacutengua dos quais dispotildee

O gecircnero discursivo carta escolhido pela crianccedila para comunicar suas ideias desejos e

vontades cumpre sua funccedilatildeo de instrumento de comunicaccedilatildeo A crianccedila desde a Educaccedilatildeo

Infantil parece compreender que nos comunicamos por meio de textos que trazem ideias e natildeo

por meio de letras siacutelabas e palavras soltas e descontextualizadas As palavras e oraccedilotildees como

unidades do sistema da liacutengua natildeo possuem expressividade natildeo carregam por si soacutes o sentido

completo Dessa forma eacute somente na cadeia da comunicaccedilatildeo verbal no interior do enunciado

que ela adquire determinada expressatildeo ao ouvinte

53 A escrita do gecircnero discursivo relatos de vida

Neste item seratildeo apresentadas e analisadas situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto escrito do

gecircnero discursivo relatos de vida que oferecem indiacutecios das relaccedilotildees que as crianccedilas estabelecem

com os seus elementos constitutivos e a mediaccedilatildeo da professora nesse processo

218

Depois de realizar a roda da conversa como era feito todos os dias C6 e C11 solicitam a

minha ajuda para escreverem no livro da vida As crianccedilas realizavam a construccedilatildeo de brinquedos

com sucata para presentearem os correspondentes da Turma do Dedo Verde turma da escola da

zona sul da cidade e essas duas crianccedilas preferiram criar o texto do gecircnero discursivo relato de

vida

P Entatildeo vamos comeccedilar

C6 Vamos

P E sobre o que vocecircs querem escrever

C6 A data

P Primeiro a data

C6 Esqueceu da data neacute

P Eacute a data ldquoMariacutelia E pra que noacutes colocamos a data

C6 Pra saber neacute Que dia que a gente fez neacute Que cidade eacute que mecircs que eacute neacute

P Certo Entatildeo ldquoMariacutelia 23 de

C11 ldquode agostordquo

P Agosto

C6 Setembro

P Mariacutelia 23 de setembro de 2010 E jaacute que colocamos a data sobre o que

vocecircs querem escrever

C6 Bom vocecirc tem alguma ideia C11

C11 Tenho Eu posso escrever sobre aquela novidade que eu trouxe hoje pra

vocecirc

P Claro E eu sugiro que a gente faccedila entatildeo dois textos um sobre o que vocecirc vai

contar e outro da C6

C6 ISSO (A crianccedila aplaude)

C11 Legal pro

P Quem quer comeccedilar

C6 Eu Ah qual eacute a minha novidade mesmo Ah O GIRASSOL

P O que vocecirc quer contar aqui

C6 Bom primeiro escreve (A crianccedila olha para o papel e aponta com o dedo

indicador da matildeo direita o lugar onde eu devo comeccedilar a escrever o que vai

falar) ldquoEu arrumei dois jeitos de plantar o girassolrdquo Escreve aqui em cima vai

(indica novamente com o dedo indicando o espaccedilo inicial que eu deveria deixar

para marcar o iniacutecio do paraacutegrafo)

Depois que escrevo a crianccedila diz

C6 Olha aqui o E o E e o U Olha aqui o Eu vocecirc escreveu Eu

A crianccedila continua a me observar a escrever o que disse

C6 Ocirc pro o J e o E escreve JE G de Gabriela de Gabriel

P Mas o J eacute diferente do G

C6 Eacute que o G com o I tem o som de J neacute pro

P Sim C6

C6 Pro eu amo o girassol Eu vou contar igual a gente fez aqui (refere-se ao

plantio do girassol realizado na escola com a professora)

ldquoPrimeiro pro vocecirc pega vocecirc lava um potinho de danoninhordquo (refere-se ao

potinho descartaacutevel de iogurte) Escreve aqui pro (a crianccedila indica novamente o

lugar em que devo escrever o que acaba de dizer)

Escrevo o que a crianccedila diz e C6 observa

219

C6 Olha aqui o vo de vovocirc Olha aqui o da de dado

P Entatildeo ldquoPrimeiro vocecirc pega o potinho de danoninho e coloca terrardquo

C6 O primeiro jeito neacute

P Sim

C6 ldquoDepoisrdquo (eu interrompo)

P Aqui eu coloco um ponto final e aiacute vou continuar escrevendo o que vocecirc vai

falar Eacute isso

C6 Isso ldquoDepois vocecirc joga as sementinhas laacute dentro e rega elasrdquo Pontinho final

neacute pro

Escrevo o que a crianccedila diz e pergunto

P Por que vocecirc quer que eu coloque o ponto final

C6 Porque sim neacute Porque eacute o final

P Final de quecirc

C6 Dessa ideia que eu contei

P Ah sim ldquoDepois vocecirc joga as sementinhas laacute dentro e rega elasrdquo (eu coloco

o ponto final)

C6 Escreve aiacute pro ldquoDeixa no solrdquo

P O que

C6 A plantinha Olha o x Xuriccedilo tambeacutem eacute com x

P Entatildeo vamos escrever assim ldquoDeixa as sementinhas que foram plantadas no

solrdquo porque a plantinha ainda natildeo nasceu Vocecirc concorda

C6 Concordo Fica melhor mesmo Mas coloca o ponto final depois disso

P Acabou de contar a ideia

C6 Acabou mas agora tem a outra parte neacute

P Certo Entatildeo vamos laacute

Por meio da anaacutelise do processo de re-criaccedilatildeo de texto de C6 com a minha mediaccedilatildeo

como professora pode-se inferir que a crianccedila aprende a liacutengua em seu funcionamento de forma

dinacircmica e dialoacutegica C6 aprende a pensar sobre o que quer dizer e a forma como quer dizer Eacute

por meio dessa relaccedilatildeo dialoacutegica que eacute inserida na cultura escrita O desejo de querer dizer de C6

se realiza acima de tudo na escolha de um gecircnero discursivo Essa escolha eacute determinada em

funccedilatildeo da especificidade de uma dada esfera da comunicaccedilatildeo humana das necessidades de uma

temaacutetica do parceiro do ato comunicativo Feito isso o intuito discursivo do locutor sem

renunciar a sua individualidade e a sua subjetividade ajusta-se ao gecircnero escolhido compotildee-se e

desenvolve-se na forma do gecircnero determinado (BAKHTIN 2003)

C6 participa ativamente da re-criaccedilatildeo de texto ao escolher o gecircnero de que se utilizaraacute o

momento para essa re-criaccedilatildeo o assunto a ser abordado a forma como a escrita desse texto pode

se dar Esses elementos todos caracterizam o texto livre (FREINET 1976) C6 revela ter se

apropriado de alguns conhecimentos sobre a linguagem escrita ao indicar para a professora onde

deve escrever ndash iniciar os paraacutegrafos ndash quando deve finalizar os enunciados e iniciar outros ndash uso

220

da pontuaccedilatildeo ndash mas principalmente manteacutem a coerecircncia das ideias ao organizaacute-las

espacialmente e temporalmente no texto

Durante a escrita realizada por mim C6 algumas vezes ressalta as relaccedilotildees que percebe

sobre as unidades da liacutengua sobre o coacutedigo escrito sobre a presenccedila de letras e de siacutelabas que

compotildeem as palavras No entanto natildeo se prende agrave sinalidade mas avanccedila no manejo dos signos

O signo na perspectiva bakhtiniana constitui-se como uma atitude responsiva ativa de um

determinado sujeito em relaccedilatildeo a algo e para ser compreendido ldquoexige tambeacutem uma atitude

dialoacutegica de um outro sujeito o qual produz signos num exerciacutecio de aproximaccedilatildeo entre o signo

em observaccedilatildeo e outros jaacute conhecidosrdquo (DI FANTI 2003 p 100)

Dentre a ampla (e densa) pertinecircncia da reflexatildeo bakhtiniana sobre o signo a de

consideraacute-lo ideoloacutegico ndash apresentar iacutendices de valor de cunho social ndash eacute a que

possibilita juntamente com a noccedilatildeo de dialogismo a ampliaccedilatildeo da noccedilatildeo de

signo linguumliacutestico proporcionando uma nova relaccedilatildeo com o sistema Sistema este

que deixa de ser linguumliacutestico estrito no sentido de possuir unidades significantes

neutras e sem expressividade para ser linguumliacutestico-ideoloacutegico-dialoacutegico no

sentido de apresentar signos que se formam como enunciados (imbricam verbal

e natildeo-verbal dito e natildeo dito) e que implicam uma atitude ativa responsiva do

sujeito a qual desencadearaacute outros enunciados Sendo assim entendemos que

esse sistema ampliado dialoacutegico se inscreve em um sistema enunciativo-

discursivo uma vez que se constitui de uma complexidade de enunciados que

estatildeo em relaccedilatildeo dialoacutegico-discursiva (DI FANTI 2003 p 100)

Ao remeter essas consideraccedilotildees a C6 eacute possiacutevel dizer que as relaccedilotildees que a crianccedila faz ao

longo do processo da re-criaccedilatildeo natildeo se restringem agrave sinalidade inexpressiva e teacutecnica da liacutengua

mas ao contraacuterio estabelece relaccedilotildees com o coacutedigo elevando-o agrave condiccedilatildeo de signo e por essa

razatildeo natildeo interrompe a re-criaccedilatildeo para codificar e decodificar as letras e siacutelabas mas para se

apropriar da liacutengua escrita e colocaacute-lo agrave serviccedilo das suas necessidades e interesses para expressar

seu pensamento e suas ideias

E C6 continua

C6 Escreve aiacute pro ldquoProacuteximo jeito proacuteximo jeito vairdquo

Escrevo como a crianccedila pediu e ela continua

C6 ldquoProacuteximo jeito de plantar os girassoacuteisrdquo

P Muito bem aqui ao final eu vou colocar dois pontos porque agora vocecirc vai

explicar o segundo jeito

C6 Taacute Entatildeo vocecirc vai escrever igual no comecinho assim ldquoPrimeiro vocecirc lava

o potinho de danoninho Depois vocecirc joga um algodatildeozinho laacute dentrordquo Esse eacute o

221

jeito que eu fiz em casa depois que eu plantei com terra aqui na escola Eu

plantei com algodatildeo por causa que natildeo tinha terra na minha casa

P Ah porque vocecirc natildeo tinha terra

C6 Eacute

P Entendi Entatildeo vou ler ateacute aqui para ver como podemos seguir com o texto

estaacute bem

C6 Taacute

Leio o texto e retomo

P ldquoDepois vocecirc joga o algodatildeozinho laacute dentrordquo E agora

C6 ldquoDepois coloca as sementinhasrdquo

P Mas escreve depois de novo

C6 Eacute

P Teria uma outra forma de a gente escrever isso sem repetir depois Olha eu

vou ler esse trecho ldquoDepois vocecirc joga o algodatildeozinho laacute dentrordquo

C6 ldquoe coloca as sementinhasrdquo

P Ah acho que ficou melhor

C6 Agora escreve pro ldquoEntatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhasrdquo

Escrevo e leio novamente com a intenccedilatildeo de concluir a ideia

P ldquoEntatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhasrdquo

E a crianccedila conclui

C6 ldquoque foram plantadasrdquo

Entatildeo escrevo

C16 Agora eu posso escrever o meu nome

P Tem mais alguma coisa para escrever no texto

C6 Escrever meu nome

A crianccedila escreve o seu nome no final do texto e diz

C6 Agora eacute a vez de C11

C6 Pro eu vou segurar o meu texto Eu vou ficar com ele

Mariacutelia 23 de setembro de 2010

Eu arrumei dois jeitos de plantar os girassoacuteis

Primeiro vocecirc pega lava um potinho de danoninho e coloca terra Depois vocecirc

joga as sementinhas laacute dentro e rega elas Deixa as sementinhas que foram

plantadas no sol

Proacuteximo jeito de plantar os girassoacuteis Primeiro vocecirc lava o potinho de

danoninho Depois vocecirc joga um algodatildeozinho laacute dentro e coloca as

sementinhas Entatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhas que foram

plantadas

C6

Ao considerar que as condiccedilotildees objetivas de vida e educaccedilatildeo que o sujeito possui

influenciam diretamente as aprendizagens (LEONTIEV 1978) pode-se dizer que a minha

mediaccedilatildeo como professora contribui nesse processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita porque

planejo intencionalmente as situaccedilotildees de escrita e de leitura os tempos e espaccedilos os objetos da

cultura material e natildeo material bem como a forma de intervenccedilatildeo ao propor perguntas sugestotildees

222

sem dar respostas definitivas e acabadas Ao fazer isso o espaccedilo dialoacutegico entre a crianccedila e o

professor se amplia e se estende de modo a promover aprendizagens Diante disso enfatiza-se

que

Eacute oa professora ainda quem - ao conhecer a importacircncia da relaccedilatildeo que a

crianccedila estabelece com a cultura para a sua apropriaccedilatildeo ndash pode intencionalmente

buscar as formas adequadas para provocar nas crianccedilas o estabelecimento de

uma relaccedilatildeo com a cultura que favoreccedila o desenvolvimento das maacuteximas

qualidades humanas nas diferentes etapas de seu desenvolvimento (MELLO

2009 p8)

Outro aspecto a ressaltar no final da re-criaccedilatildeo de texto de C6 eacute que ela insiste em

escrever seu nome no texto e ainda deseja seguraacute-lo enquanto C11 inicia o seu texto com a

professora Essa insistecircncia denota que a crianccedila se sentiu sujeito desse processo que assume sua

re-criaccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de re-criadora de textos

Outra situaccedilatildeo de escrita do gecircnero discursivo relatos de vida

P Estaacute bem C20 Sobre o que vocecirc quer que eu te ajude a escrever no Livro da

vida

C20 Eu quero escrever sobre o meu baleacute

P E como vocecirc quer comeccedilar o seu texto O que vamos escrever primeiro

C20 A data

P Certo (Escrevo a data na parte superior da folha ldquoMariacuteliardquo)

C20 Eacute igual ao meu nome pro

P Ateacute em qual parte o nome da nossa cidade parece o seu nome

C20 Ateacute aqui (aponta com o dedo indicador direito ateacute a quarta letra ndash Mari)

P Vocecirc tem razatildeo Bem e como vamos comeccedilar o seu texto

C20 (a crianccedila silencia olha para o alto)

P Quando que vocecirc comeccedilou a fazer baleacute

C20 Foi aquele dia que a minha matildee conversou com vocecirc aiacute a minha matildee

achou muito caro e ela natildeo tinha dinheiro Aiacute depois ela foi numa escola que

dava pra ela pagar Aiacute eu comecei a fazer baleacute laacute

P E desde quando vocecirc decidiu fazer baleacute

C20 Desde que eu tinha quatro aninhos

P Eacute mesmo

C20 Hum hum

P Entatildeo vamos comeccedilar o texto assim

C20 Vamos ldquoEu queria fazer baleacute desde que eu tinha quatro aninhosrdquo

Escrevo

P Muito bem O que vocecirc vai me contar agora Como que podemos continuar

esse texto

C20 ldquoEu pedi para a minha matildee me levar no baleacuterdquo

Continuo a escrever

P E depois C20

223

C20 ldquoDepois que eu pedi ela me levou de ocircnibus e laacute na escola de baleacute a minha

matildee ficou numa salinhardquo

P Fazendo o que

C20 Ficou numa salinha me esperando enquanto eu ensaiava

(Escrevo novamente)

P E agora C20 O que vocecirc aprendeu laacute que vocecirc pode contar aqui no texto

C20 Eu aprendi o plieacute (refere-se a um passo de baleacute)

P Hum mas o que vocecirc acha que podemos fazer aqui no texto Eu continuo a

escrever isso que vocecirc me disse aqui na frente mesmo ou comeccedilo embaixo

C20 Coloca ponto final aqui e comeccedila a escrever embaixo

P Por que vocecirc acha melhor fazer isso C20

C20 Porque eu vou comeccedilar a contar outra parte eacute uma outra coisa sobre o

baleacute que eu quero escrever agora

A situaccedilatildeo apresentada eacute marcada pela presenccedila da mediaccedilatildeo do adulto no caso a

professora que permite agrave crianccedila organizar as ideias para que elas sejam escritas de forma coesa

Ela hesita em alguns momentos em expressar oralmente o que deseja escrever e na medida em

que eu indico possibilidades por meio do diaacutelogo C20 consegue objetivar o seu pensamento e

criar o seu texto C20 aparenta se apropriar do gecircnero discursivo relatos de vida ao propor

abordar em seu texto um acontecimento da sua vida uma experiecircncia do seu dia a dia que revela

seus desejos e emoccedilotildees Desse modo pode-se afirmar que o processo de comunicaccedilatildeo eacute o

elemento crucial no processo de apropriaccedilatildeo da cultura humana

De acordo com Leontiev (1978 p 273)

A comunicaccedilatildeo quer esta se efectue sob a sua forma exterior inicial de

actividade em comum quer sob a forma de comunicaccedilatildeo verbal ou mesmo

apenas mental eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria e especiacutefica do desenvolvimento do

homem na sociedade

Essas ideias se coadunam com as de Freinet e de Bakhtin Para Freinet a comunicaccedilatildeo eacute

uma necessidade da crianccedila e eacute essa compreensatildeo que justifica a livre expressatildeo como princiacutepio

vertebrador na estruturaccedilatildeo de suas teacutecnicas de ensino Essa comunicaccedilatildeo que se concretiza por

meio de diferentes linguagens tem na expressatildeo verbal seu elemento central A livre expressatildeo

segundo Freinet eacute ldquoa proacutepria manifestaccedilatildeo da vidardquo (FREINET 1979 p 12)

Para Bakhtin (1992) a linguagem eacute interaccedilatildeo social cujo objetivo eacute a comunicaccedilatildeo entre

falanteouvinte entre um eu e um tu que requer a atitude responsiva do outro e isso pressupotildee

um princiacutepio geral a reger toda palavra o de que linguagem eacute diaacutelogo (BAKHTIN 1992) Toda

224

palavra eacute por natureza dialoacutegica porque sempre pressupotildee o outro - o outro como destinataacuterio a

quem estaacute voltada toda alocuccedilatildeo o outro como discurso ou discursos (BRANDAtildeO 2005)

Ao considerar esses pressupostos reitera-se a tese aqui defendida de que as crianccedilas

aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a liacutengua se

manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola como

instrumento de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana

P Estaacute bem mas eacute preciso explicar no texto para quem natildeo estuda baleacute o que eacute

o plieacute Como vocecirc acha que podemos escrever isso

C20 Hum (olha para o alto novamente e silencia)

P O que vocecirc acha de colocar assim ldquoEu aprendirdquo (C20 interrompe a

professora e continua a ideia a ser colocada no texto)

C20 ldquoEu aprendi o plieacute que eacute um passo de baleacute e foi a minha professora que me

ensinourdquo (refere-se agrave professora de baleacute de C20)

P Vocecirc estaacute gostando de fazer baleacute

C20 Nossa muito

P E como eacute que a gente pode escrever isso aqui

C20 Ai escreve assim Eacute muito legal danccedilar baleacute Eu gosto muito de aprender

baleacute

P Antes de escrever isso eu vou ler todo o texto ateacute aqui Tudo bem

C20 Tudo

A professora lecirc todo o texto e C20 diz

C20 Ai tem um monte de vezes escrito baleacute baleacute baleacute

P Acho que noacutes podemos arrumar um pouco isso natildeo eacute Vamos retomar a sua

ideia para terminar o texto sem repetir novamente a mesma palavra

C20 Eacute

P Entatildeo poderia ficar assim ldquoEacute muito legal danccedilarrdquo (C20 interrompe a

professora e continua)

C20 ldquoEacute muito legal danccedilar igual bailarina A minha professora vai deixar eu

danccedilar com aquela roupa linda e com a sapatilha Vou amarrdquo

A professora escreve e C20 pergunta

C20 Por que vocecirc pocircs esse negoacutecio aqui (refere-se ao ponto de exclamaccedilatildeo) e

natildeo o ponto final

P Esse ponto eacute o ponto de exclamaccedilatildeo que serve para quando a gente escreve

algo que mostra entusiasmo surpresa como vocecirc fez agora

C20 Hum Pro agora eu posso escrever meu nome no meu texto e depois

desenhar eu na aula de baleacute

P Claro que sim

Mariacutelia 29 de novembro de 2010

Eu queria fazer baleacute desde que eu tinha quatro aninhos Eu pedi para a

minha matildee me levar no baleacute

Depois que eu pedi ela me levou de ocircnibus e laacute na escola de baleacute a minha

matildee ficou numa salinha me esperando enquanto eu ensaiava

225

Eu aprendi o plieacute que eacute um passo de baleacute e foi a minha professora que me

ensinou

Eacute muito legal danccedilar igual bailarina A minha professora vai deixar eu

danccedilar com aquela roupa linda e com a sapatilha Vou amar

C20

C20 aprende a pensar a escrita e lida com o gecircnero discursivo ao re-criaacute-lo na relaccedilatildeo

dialoacutegica que se estabelece com a professora com o texto com ela mesma Isso se verifica

durante todo o processo de re-criaccedilatildeo na interlocuccedilatildeo e na contrapalavra que apresenta ldquoAi tem

um monte de vezes escrito baleacute baleacute baleacuterdquo ao que eu respondo ldquoAcho que noacutes podemos

arrumar um pouco isso natildeo eacute Vamos retomar a sua ideia para terminar o texto sem repetir

novamente a mesma palavrardquo E entatildeo na atitude responsiva cria uma forma que atenda agrave

situaccedilatildeo discursiva revelada

De acordo com o exposto cabe enfatizar que o ensino da liacutengua focado na codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos retira da crianccedila a possibilidade de estabelecer relaccedilotildees intensas

com a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil e consequentemente de iniciar o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita de forma viva dinacircmica e dialoacutegica Nesse vieacutes eacute descartado o

uso de textos simplificados artificiais cartilhescos que se destinam a ldquoensinarrdquo a crianccedila a ler e

escrever porque natildeo condizem dentro da perspectiva apresentada neste trabalho com o conceito

de liacutengua de linguagem de crianccedila e de educaccedilatildeo assumidos Com relaccedilatildeo a isso Arena (2009

p 170) esclarece que

A apresentaccedilatildeo de textos simplificados e artificialmente inventados daacute a falsa

ideacuteia de que a escola estaria realizando uma aproximaccedilatildeo entre aluno e a liacutengua

escrita de maneira que a apropriaccedilatildeo se fizesse completamente Haacute em sintonia

com o que venho comentando uma contradiccedilatildeo nessa conduta porque a

aproximaccedilatildeo deveria dar-se na direccedilatildeo da liacutengua viva usada no cotidiano

trazendo com ela o que dela natildeo poderia ser apartado os matizes ideoloacutegicos a

contextualizaccedilatildeo as suas finalidades e funccedilotildees a necessidade de uso []

Por meio da praacutetica dialoacutegica de re-criaccedilatildeo de textos C20 percebe gradativamente

elementos da linguagem escrita e suas funccedilotildees ndash como por exemplo o ponto de exclamaccedilatildeo ndash

que sem a situaccedilatildeo de re-criaccedilatildeo textual natildeo seria possiacutevel ocorrer Por essa razatildeo

Compreender gecircneros do discurso a partir das leituras das obras do Ciacuterculo de

Bakhtin eacute compreender o texto como parte fundante das atividades humanas dos

226

sujeitos Essa compreensatildeo revela um sujeito produtor de linguagem de

enunciados e de discursos e tambeacutem nos mostra que o texto eacute fundamental natildeo

somente para os estudos da liacutengua mas para a proacutepria reconstruccedilatildeo da

compreensatildeo do homem e das Ciecircncias Humanas (GRUPO DE ESTUDOS

DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p52 ndash 53 grifos dos autores)

Com o ensino da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos comunicamos com o outro as

ideias vividas percebidas sentidas pensadas que se materializam nos enunciados no discurso

Seraacute apresentado outro dado sobre a re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo relato de vida por

meio do livro da vida

Apoacutes a roda da conversa em que as crianccedilas se dividiram para realizar suas tarefas nos

ateliers ou cantos de trabalho C6 se dirige a mim e diz

C6 Pro sabe o que eu contei na roda da conversa

P Sim sei sim

C6 Eu quero escrever no livro da vida

P E por que vocecirc quer escrever o que vocecirc contou hoje na roda da conversa no

livro da vida

C6 Porque todo mundo vai ler ateacute a minha matildee quando ela vier na reuniatildeo

(Refere-se agrave Reuniatildeo de Pais e Mestres que ocorre periodicamente na escola)

Atendi ao pedido de C6 e iniciamos a re-criaccedilatildeo do seu relato de vida

P Muito bem entatildeo vamos comeccedilar

C6 Vamos

P Como vocecirc quer comeccedilar seu texto

C6 Primeiro a data pro

Entatildeo escrevo a data ldquoMariacutelia 4 de junho de 2010rdquo

P E agora

C6 Pode escrever assim oacute ldquoOntem eu fui de ocircnibus com a minha matildee na casa

da minha tiardquo

Eu escrevo o que C6 diz e em seguida ela me indaga

C6 Pro por que vocecirc natildeo comeccedilou a escrever grudadinho no comeccedilo da folha

P Porque esse pequeno espaccedilo mostra que estamos iniciando um paraacutegrafo uma

ideia que comeccedila a ser escrita

C6 Hum

P Bem o que mais seraacute colocado aqui

C6 Eacute escreve assim pro ldquoNo caminho eu vi o lugar onde o meu pai trabalha

que eacute a DORI (refere-se agrave uma faacutebrica de doces) Eacute tatildeo grande E tambeacutem vi a

fumacinha do lugar onde o meu tio trabalha que eacute na BELrdquo

P O que eacute a BEL Acho que eacute melhor explicar porque nem todas as pessoas que

vatildeo ler o texto sabem o que eacute a BEL e Bel pode ser a abreviaccedilatildeo do nome de

uma pessoa de Isabel um apelido carinhoso para quem tem esse nome

227

C6 Eacute uma faacutebrica de doces

Escrevo o que C6 sugeriu

P Bem o que mais vocecirc quer escrever

C6 ldquoAiacute quando eu vim embora eu vi na loja uma boneca no balanccedilo e eu pedi

para a minha matildee comprar ela pra mim no dia do meu aniversaacuteriordquo

Entatildeo escrevo o que C6 diz e ela me interrompe

C6 Pro tem um monte de espaccedilo que sobrou na frente de onde vocecirc estava

escrevendo Por que vocecirc escreveu embaixo Olha aiacute oacute (Aponta o indicador

direito para a folha em que eu escrevia)

P Por que vocecirc acha que eu escrevi embaixo e natildeo na frente ateacute preencher o

espaccedilo

C6 Ah por que Hum (C6 observa o que foi escrito dirige o olhar para o

teto silencia por alguns segundos) Ai eu natildeo sei

P Eu comecei embaixo escrevendo grudadinho no comeccedilo da folha ou eu deixei

um espaccedilo para indicar um novo paraacutegrafo

C6 Deixou espaccedilo e comeccedilou um novo paraacutegrafo

P Hum e por que seraacute que eu fiz isso

C6 Ai eu natildeo sei direito mas eu vou contar agora outra parte do meu passeio

P Isso mesmo e por ser outra parte do seu passeio por ser outra ideia que vocecirc

estaacute dizendo eu comecei outro paraacutegrafo para organizar tudo melhor

C6 Ah taacute entendi

P Entatildeo vamos retomar a sua ideia (Releio o que eu havia escrito ateacute aquele

momento e C6 continua)

C6 Soacute falta escrever assim pro ldquoMas ela disse que eu jaacute tenho bonecas demaisrdquo

Terminada a escrita do relato de vida de C6 organizei com as crianccedilas rapidamente a sala

para que outra professora pudesse ocupaacute-la com sua turma e dirige-me com as crianccedilas ao

refeitoacuterio porque jaacute estaacutevamos poucos minutos atrasados para o lanche As crianccedilas se

acomodaram no refeitoacuterio e percebi que C6 natildeo estava junto agrave turma para lanchar Solicitei a uma

funcionaacuteria que pudesse atender as crianccedilas e fui agrave procura de C6 Voltei agrave sala em que

momentos antes ocupaacutevamos e encontrei C6 escrevendo seu nome no texto que acabara de re-

criar Permaneci em silecircncio e assim que terminou de escrever seu nome no texto C6 me explica

C6 Eu natildeo podia ir para o lanche sem escrever o meu nome no texto pro

P Que bom que vocecirc se lembrou de fazer isso C6

C6 Eu tinha que escrever meu nome para todo mundo saber que fui eu quem fiz

A ilustraccedilatildeo eu faccedilo amanhatilde taacute Eu soacute queria escrever o meu nome no meu

texto

P Combinado Amanhatilde vocecirc faz a ilustraccedilatildeo do seu texto

C6 entatildeo guardou o livro da vida no armaacuterio e fomos juntas para o refeitoacuterio

228

(Foto 7 ndash Situaccedilatildeo fotografada e registrada no dia 040610)

Pela anaacutelise da situaccedilatildeo apresentada C6 aparenta perceber que a escrita legitima as coisas

que se escreve para que possa ser lido e lembrado em qualquer outro momento e que se escreve

porque quer comunicar algo para um outro real um destinataacuterio real Escreve porque tem a

intenccedilatildeo que o outro leia porque quer se expressar Isso se verifica quando a crianccedila se direciona

a mim e diz ldquoEu quero escrever no livro da vidardquo e quando eu pergunto o motivo porque quer

escrever no livro da vida justifica ldquoPorque todo mundo vai ler ateacute a minha matildee quando ela vier

na reuniatildeordquo

Eacute possiacutevel perceber que C6 aprende a liacutengua em movimento na relaccedilatildeo com o outro

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo (GERALDI 2003) e nessa perspectiva

pensar o processo educacional enquanto produccedilatildeo da linguagem e dos sujeitos significa admitir

que a liacutengua natildeo estaacute pronta e acabada (BAKHTIN 1992) mas que o proacuteprio processo

interlocutivo na atividade da linguagem (re)constroacuteem os sujeitos que a constituem agrave medida em

que interagem uns com os outros O sujeito ldquomergulhado nas muacuteltiplas relaccedilotildees e dimensotildees da

interaccedilatildeo socioideoloacutegica vai se constituindo discursivamente assimilando vozes sociais e ao

229

mesmo tempo suas inter-relaccedilotildees dialoacutegicas (FARACO 2009 p84) Por essa razatildeo que

figurativamente Bakhtin diz ldquoque natildeo tomamos nossas palavras do dicionaacuterio mas dos laacutebios

dos outrosrdquo (FARACO 2009 p 84)

Um aspecto a ser ressaltado eacute que C6 se reconhece como autora como a re-criadora do

texto como algueacutem que sabe escrever mesmo que naquela ocasiatildeo ainda natildeo escrevesse

convencionalmente sem a ajuda da professora que atuou como escriba Pode-se perceber desde o

iniacutecio da conversa quando solicita que quer ldquoescreverrdquo no livro da vida o que havia contado na

roda da conversa e na situaccedilatildeo final em que volta para a sala para assinar o texto re-criado

enquanto toda a turma se encontrava no refeitoacuterio para o lanche Desse modo pode-se dizer que

Por autor o Ciacuterculo19

designa natildeo somente o autor de obras literaacuterias ou natildeo mas

tambeacutem o autor de enunciados o que se justifica se pensarmos que embora

reconhecendo a especificidade dos discursos aos quais se costuma atribuir um

autor o Ciacuterculo considera os atos de discurso parte do conjunto dos atos

humanos em geral ndash e todo agente de um ato humano eacute nesse sentido ldquoautorrdquo

de seus atos Assim falar de autor no acircmbito das teorias do Ciacuterculo implica

pensar no contexto de accedilatildeo dos sujeitos e nas complexas tarefas que realizam ao

enunciar Implica considerar como afirmei alhures de um lado o princiacutepio

dialoacutegico (que segue a direccedilatildeo do interdiscursivo da relaccedilatildeo com o outro) e do

outro os elementos sociais histoacutericos etc que formam o contexto da interaccedilatildeo e

que incidem sobre a accedilatildeo autoral Trata-se de elementos que estatildeo contidos na

proacutepria superfiacutecie dos discursos e que soacute aiacute nos satildeo acessiacuteveis mas que natildeo se

esgotam nessa superfiacutecie (SOBRAL 2009 p 61 ndash 62)

C6 revela a necessidade de escrever seu nome no texto para que as pessoas que o lessem

soubessem que se tratava de uma re-criaccedilatildeo sua A crianccedila denota por sua atitude e por sua fala

que a escrita se torna gradativamente para ela uma necessidade Por essa razatildeo diz ldquoEu tinha

que escrever meu nome para todo mundo saber que fui eu quem fizrdquo ldquoEu soacute queria escrever o

meu nome no meu textordquo Pode-se inferir tambeacutem que para C6 a escrita do seu proacuteprio nome

garante a sua autoria Por isso voltar para escrevecirc-lo naquele momento natildeo deixando para o dia

posterior se constitui como fundamental uma vez que o desenho a ilustraccedilatildeo do texto re-criado

comumente realizada pelas crianccedilas em todos os textos re-criados possivelmente natildeo se

apresentou crucial como a escrita para C6 nesta situaccedilatildeo ao dizer ldquoA ilustraccedilatildeo eu faccedilo amanhatilde

taacuterdquo

19

Refere-se ao Ciacuterculo de Bakhtin ndash Vide nota 8 Capiacutetulo II

230

Por meio da re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo as crianccedilas aprendem a liacutengua de forma

dinacircmica aprendem a pensar sobre ela e sobre o seu funcionamento de maneira responsiva Por

meio da relaccedilatildeo dialoacutegica estabelecida entre C6 e a professora no caso eu mesma a crianccedila no

processo inicial de apropriaccedilatildeo da escrita pensa sobre a ideia o conceito de paraacutegrafo e

principalmente a sua funccedilatildeo no texto Como se verifica nesse trecho

C6 Pro por que vocecirc natildeo comeccedilou a escrever grudadinho no comeccedilo da folha

P Porque esse pequeno espaccedilo mostra que estamos iniciando um paraacutegrafo uma

ideia que comeccedila a ser escrita

E ainda

C6 Pro tem um monte de espaccedilo que sobrou na frente de onde vocecirc estava

escrevendo Por que vocecirc escreveu embaixo Olha aiacute oacute (Aponta o indicador

direito para a folha em que eu escrevia)

P Por que vocecirc acha que eu escrevi embaixo e natildeo na frente ateacute preencher o

espaccedilo

C6 Ah por que Hum (C6 observa o que foi escrito dirige o olhar para o

teto silencia por alguns segundos) Ai eu natildeo sei

P Eu comecei embaixo escrevendo grudadinho no comeccedilo da folha ou eu deixei

um espaccedilo para indicar um novo paraacutegrafo

C6 Deixou espaccedilo e comeccedilou um novo paraacutegrafo

P Hum e por que seraacute que eu fiz isso

C6 Ai eu natildeo sei direito mas eu vou contar agora outra parte do meu passeio

P Isso mesmo e por ser outra parte do seu passeio por ser outra ideia que vocecirc

estaacute dizendo eu comecei outro paraacutegrafo para organizar tudo melhor

C6 Ah taacute entendi

Pode-se dizer que a crianccedila aprende pensar a liacutengua em movimento uma liacutengua viva que

ocorre nas relaccedilotildees estabelecidas e natildeo numa liacutengua morta vazia que nada se pode refletir

refratar ou refutar As crianccedilas apesar de pequenas satildeo capazes de aprender a liacutengua

dialogicamente quando as situaccedilotildees de ensino e de aprendizagem satildeo planejadas

intencionalmente satildeo reais e ocorrem num contexto dialoacutegico interlocutivo

Aspectos da gramaacutetica da ortografia satildeo abordados com as crianccedilas devido as situaccedilotildees

que surgem no processo de re-criaccedilatildeo dos gecircneros discursivos e geralmente surgem por meio da

minha mediaccedilatildeo como professora e da observaccedilatildeo das proacuteprias crianccedilas que vivem

frequentemente situaccedilotildees de escrita e de leitura dos gecircneros discursivos

231

Ao pensar no destinataacuterio real ressalta-se que eu a professora solicito que a crianccedila

explicite o que eacute ldquoBELrdquo porque apesar das pessoas que moram na cidade em que ocorreu a

pesquisa terem mais provavelmente conhecimento do que seja ldquoBELrdquo o objetivo era que C6

pudesse se fazer entender por qualquer e todo leitor Em outras palavras que C6 em qualquer

situaccedilatildeo de escrita de re-criaccedilatildeo possa estabelecer uma relaccedilatildeo responsiva um diaacutelogo com o

outro com o leitor seja ele quem for Que a crianccedila possa compreender a palavra alheia mas que

possa permitir que o outro compreenda ativamente a sua palavra uma vez que para Bakhtin

(1992 p 131 ndash 132) ldquocompreender a enunciaccedilatildeo de outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a

ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondenterdquo

54 A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia

Seratildeo apresentados neste item dados de situaccedilotildees de escrita do gecircnero discursivo notiacutecia

que contribuam na compreensatildeo de como pode ocorrer o processo inicial da apropriaccedilatildeo da

escrita com as crianccedilas pequenas por meio desse gecircnero

Apoacutes a roda da conversa em que as crianccedilas contaram novidades acontecimentos fatos

que viveram ou souberam por algueacutem escolhemos nesse dia duas notiacutecias da turma para criar

textos que fariam parte do jornal A primeira notiacutecia era resultado de uma situaccedilatildeo de pesquisa

sobre o Sol ndash devido ao nome da Turma do Sol ndash que motivou inuacutemeras discussotildees entrevistas

investigaccedilotildees das crianccedilas na escola e que repercutiu nas accedilotildees pedagoacutegicas e no envolvimento

de toda a comunidade escolar ao envolver natildeo somente as crianccedilas mas os professores

funcionaacuterios diretora coordenadora e os familiares dos sujeitos da pesquisa

A escolha da notiacutecia pelas crianccedilas foi unacircnime sendo o texto criado coletivamente

PESQUISA SOBRE O SOL DEIXA TODO MUNDO CURIOSO NA

ESCOLA

A nossa Turma do Sol fez uma pesquisa que deixou todo mundo curioso

na nossa escola Essa pesquisa foi por causa de um cartatildeo postal que noacutes

recebemos de uma amiga que viaja muito chamada Suely Ela foi para um lugar

que se chama Satildeo Petersburgo laacute na Ruacutessia e que eacute bem longe daqui mas longe

mesmo

Nesse lugar quando eacute veratildeo o sol se potildee agraves 11horas da noite e nasce agraves 4

horas da manhatilde Por que isso acontece

232

Ningueacutem na escola sabe responder essa pergunta e olha que noacutes

perguntamos para um montatildeo de gente Nem os nossos pais sabem mas agora

noacutes jaacute sabemos porque noacutes pesquisamos com a nossa professora

Vocecirc quer saber No proacuteximo jornal noacutes vamos contar tudo Natildeo percam

(Texto criado em 261010)

Terminada a escrita do texto criado pelas crianccedilas as negociaccedilotildees sobre os procedimentos

seguintes ocorreram

P Pessoal a primeira notiacutecia que vocecircs escolheram na roda da conversa para

escrevermos no jornal da nossa turma eacute sobre a pesquisa sobre o Sol certo

Todas Certo

C5 Pro vocecirc deixa eu C11 e C13 escrever esse texto no computador

P Por mim tudo bem Vocecircs concordam que eles faccedilam isso turma

Todas Concordamos

C6 Entatildeo na hora de imprimir vocecirc deixa eu te ajudar a fazer isso

C2 e C9 Eu tambeacutem quero

P Estaacute certo Depois quando formos fazer a separaccedilatildeo das folhas e montarmos

o jornal vamos precisar de mais ajuda

C1 C7 C4 Eu ajudo

Ao iniciar a digitaccedilatildeo C5 diz

C5 Como eu faccedilo para colocar a letra maiuacutescula pro (olha para o teclado do

computador e eu o oriento)

C5 digita quase inteiro o texto acompanhado de C11 e C13 quando em dado

momento C13 diz

C13 C5 vocecirc escreveu ldquoerdquo e natildeo ldquoeacuterdquo

C5 Eu escrevi sim

C11 Natildeo escreveu natildeo Olha aqui vocecirc escreveu ldquoNesse lugar quando e

veratildeordquo

C13 Eacute verdade

C5 Mas onde eu escrevi isso

(C11 aponta com o dedo indicador)

C5 Ah mas eacute a mesma coisa

C13 Natildeo eacute natildeo

C5 Soacute esqueci do acento

C11 Ah mas se natildeo potildee o acento vira outra coisa

C5 Ueacute Como assim

C13 Eu acho que o ldquoErdquo eacute para falar as coisas e juntar o que estaacute falando O ldquoEacuterdquo

eacute quando vocecirc fala que alguma coisa eacute assim que eacute daquele jeito sabe

C5 Hum sei laacute

(C11 modifica e coloca o acento)

C13 Assim eacute melhor Assim todo mundo vai entender direito a nossa notiacutecia e

vai querer que a gente escreva logo no outro jornal

C11 Por enquanto vai ser soacute uma surpresinha essa notiacutecia sobre a pesquisa

sobre o Sol

233

A escolha da notiacutecia e principalmente a forma como ela eacute escrita denotam apropriaccedilatildeo do

gecircnero discursivo notiacutecia Segundo Jolibert (2006 p 109) ldquonotiacutecias satildeo informaccedilotildees sobre

acontecimentos eventos vigentes dos quais se quer dar conhecimento aos leitores do jornalrdquo

Dessa forma pode-se dizer que as crianccedilas comunicaram por meio da notiacutecia re-criada um

acontecimento vivido por elas e que possivelmente teve um sentido positivo promotor de

aprendizagens dada a concordacircncia de todas para que a notiacutecia fosse escrita e levada a puacuteblico

por meio do jornal Elas lidam com os elementos da notiacutecia de forma interativa e aparentam

perceber caracteriacutesticas especiacuteficas desse gecircnero Isso pode ser observado no uso do discurso

indireto em que ldquoos iacutendices de valoraccedilatildeo do autor satildeo mais visiacuteveis por tratar-se de uma

transmissatildeo analiacutetica do discurso do outro Eacute a marca direta do dialogismo e que aparece com

mais frequumlecircncia na notiacuteciardquo (SILVA 2008 p 11 ndash 12) O discurso direto tem um estilo mais

marcado porque tem a sua fala separada da do autor por aspas ou por dois pontos com travessatildeo

No discurso indireto esses limites satildeo ldquoapagadosrdquo funde-se com a fala do autor

Como todo gecircnero discursivo a notiacutecia tambeacutem se orienta para a resposta ativa do

destinataacuterio e se realiza a partir dessa atitude responsiva porque as relaccedilotildees dialoacutegicas se datildeo em

razatildeo do outro do interlocutor uma vez que eacute em funccedilatildeo do destinataacuterio real vivo responsivo

que se constroacutei o discurso Essa premissa eacute percebida no texto re-criado ldquoNingueacutem na escola

sabe responder essa pergunta e olha que noacutes perguntamos para um montatildeo de gente Nem os

nossos pais sabem mas agora noacutes jaacute sabemos porque noacutes pesquisamos com a nossa professora

Vocecirc quer saber No proacuteximo jornal noacutes vamos contar tudo Natildeo percamrdquo

Haacute que se destacar que as crianccedilas trabalham de forma colaborativa cooperativa e que por

essa razatildeo a interaccedilatildeo entre elas com a professora com as pessoas presentes na escola com o

meio e com os materiais promove aprendizagens porque elas estabelecem relaccedilotildees intensas

Nesse contexto satildeo ouvidas e por meio das negociaccedilotildees feitas entre elas e a professora no caso

eu mesma e organizam o trabalho pedagoacutegico e as experiecircncias a serem vividas Esse fato eacute

observado quando toda a turma participa da re-criaccedilatildeo do texto coletivo e se encarrega em

seguida das tarefas para a publicaccedilatildeo do jornal que portaraacute a notiacutecia criada C5 C11 e C13 se

prontificam para digitarem o texto C6 C2 C9 desejam participar da impressatildeo C1 C7 C4

solicitam separar as folhas para a montagem do jornal

Sobre o uso das teacutecnicas e da organizaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico de forma cooperativa

Freinet (1978 p 113) revela que ldquoa crianccedila que se apercebe de que seu trabalho tem um objetivo

234

e que pode abandonar-se completamente a uma actividade natildeo jaacute escolar mas simplesmente

social e humana sente-se invadida por uma forte necessidade de agir de procurar de criarrdquo A

livre expressatildeo faz emergir na turma um clima de liberdade autodisciplina e confianccedila (ELIAS

1997) Ao solicitarem para digitar o texto C5 C11 e C13 querem utilizar o meu computador que

ficava na sala para esse fim bem como a impressora que tinha a funccedilatildeo de reproduzir os textos

para que todas pudessem ter o seu exemplar Esse recurso corresponde agrave imprensa escolar Para

Freinet (1978 p 112) ldquoa imprensa estaacute na base de um novo comportamento e de uma nova

orientaccedilatildeo da crianccedila e do educador e por conseguinte de toda a pedagogiardquo E ainda afirma que

A Tipografia na Escola fez com que a expressatildeo livre e a actividade criadora dos

nossos alunos passasse para o domiacutenio da praacutetica quotidiana Atraveacutes da

experiecircncia mais eficaz do que todos os raciociacutenios pretensamente cientiacuteficos

juntos abriu novos horizontes a uma pedagogia baseada no interesse autecircntico

fonte de vida e de trabalho Restabeleceu de uma assentada a unidade do

pensamento da actividade e da vida infantis como assinalaacutevamos no nosso

uacuteltimo artigo integrou a escola no processo normal de evoluccedilatildeo individual e

social dos alunos (FREINET 1978 p 113)

Apesar de Freinet se referir aos alunos da escola primaacuteria sua pedagogia e teacutecnicas de

ensino podem adequar-se agrave pequena infacircncia e a qualquer outro niacutevel de ensino porque satildeo

calcadas em atitudes e valores humanizadores O trabalho com a imprensa o texto livre

permitiram que pudessem discutir sobre elementos da liacutengua e pensar em diferentes aspectos

sobre ela C5 digita o texto acompanhado por C11 e C13 que o alerta sobre a diferenccedila entre ldquoerdquo

e ldquoeacuterdquo Inicialmente C5 diz que digitou corretamente por natildeo perceber essa diferenccedila quando diz

ldquoAh mas eacute a mesma coisardquo No entanto C11 e C13 esclarecem que natildeo se trata da mesma coisa

e que a diferenccedila entre elas altera o significado e o sentido do enunciado e por consequecircncia a

compreensatildeo do que se quer expressar C13 tenta explicar a diferenccedila que existe entre ldquoerdquo e ldquoeacuterdquo e

aparenta compreender que ldquoerdquo une as ideias dentro do texto ndash conjunccedilatildeo ndash e que ldquoeacuterdquo indica o

estado de algo ndash o verbo ser

C5 Soacute esqueci do acento

C11 Ah mas se natildeo potildee o acento vira outra coisa

C5 Ueacute Como assim

C13 Eu acho que o ldquoErdquo eacute para falar as coisas e junta o que estaacute falando O ldquoEacuterdquo eacute

quando vocecirc fala que alguma coisa eacute assim que eacute daquele jeito sabe

C5 Hum sei laacute

(C11 modifica e coloca o acento)

235

C13 Assim eacute melhor Assim todo mundo vai entender direito a nossa notiacutecia e

vai querer que a gente escreva logo no outro jornal

O trabalho com os diferentes caracteres presentes no teclado do computador possibilita o

manuseio da liacutengua escrita e seus matizes O leitor e o re-criador de textos do seacuteculo XXI podem

ter esse encaminhamento tambeacutem na escola jaacute que lida com essa diversidade fora dela por meio

de telefones celulares de pessoas proacuteximas da famiacutelia por exemplo Bajard (2012 p 86) explica

que Freinet (1969) ldquohaacute quase um seacuteculo preconizava a utilizaccedilatildeo da imprensa na escola para

incentivar a conquista da escrita a partir do manuseio taacutetil de caracteres controlado pelos olhosrdquo

Por meio do manuseio dos caracteres no computador C5 percebe que a ldquopresenccedila da letra

maiuacutescula favorece a descoberta do sentido da escrita jaacute que a primeira letra fica sempre agrave

esquerdardquo (BAJARD 2012 p 84 ndash 85) Isso se verifica quando a crianccedila solicita agrave professora

que o ensine a colocar a letra maiuacutescula no iniacutecio do textodo paraacutegrafo ldquoPor essa

particularidade o objeto graacutefico natildeo se comporta exatamente como um objeto comum Aleacutem

dessa ldquolateralizaccedilatildeordquo da escrita a crianccedila eacute levada a discriminar outras variaacuteveis pertinentes

como os acentosrdquo (BAJARD 2012 p 89 ndash 90) conforme ocorre com a situaccedilatildeo apresentada com

C5 C11 e C13 Para esse autor os caracteres satildeo capazes de acarretar uma mudanccedila de sentido e

haacute ainda que se considerar que ldquotodos os caracteres possuem um valor visual enquanto apenas

uma parte desse conjunto apresenta um valor sonorordquo (BAJARD 2012 p86)

O uso da caixa alta no tiacutetulo apresenta a intenccedilatildeo de destacar o assunto a ser tratado de

chamar a atenccedilatildeo do leitor e que distingue do corpo da notiacutecia ldquoHaacute uma hierarquia muito

evidente na tipografia maiuacutesculas minuacutesculas tamanho largura disposiccedilatildeo no espaccedilordquo

(JOLIBERT 2006 p 110)

A segunda notiacutecia escolhida e criada pelas crianccedilas na Roda da conversa eacute apresentada a

seguir

BOLO DE CHOCOLATE NA TURMA DO SOL

A receita que a nossa turma mais gostou de fazer ateacute hoje foi a de bolo de

chocolate

Todo mundo ajudou a fazer e o bolo ficou uma deliacutecia Ateacute quebrar os

ovos a professora ensinou Eacute meio difiacutecil fazer isso mas eacute legal

A professora colocou cobertura de brigadeiro por cima e chocolate

granulado

236

A receita eacute faacutecil e daacute ateacute pra ensinar as nossas matildees em casa

Quando a gente foi comer o bolo fez ateacute ldquobigoderdquo na gente por causa da

cobertura de brigadeiro O C5 lambeu os beiccedilos

Depois de criado o texto a professora fez a sua transmissatildeo vocal agraves crianccedilas E

perguntou

P Qual tiacutetulo que daremos a essa notiacutecia

C9 O bolo de chocolate

C15 O bolo de chocolate ficou uma deliacutecia

C1 Ah esses nomes natildeo tem jeito de nome de notiacutecia

P E por que natildeo C1

C1 Porque o nome da notiacutecia tem que ser bem bem com jeito de notiacutecia

P E que jeito eacute esse

C1 Ah (silencia por alguns segundos) ah natildeo pode parecer que eacute outra

coisa outro texto sabe

P E qual nome vocecirc acha que seria melhor para a nossa notiacutecia sobre o bolo de

chocolate que fizemos aqui na escola

C1 Bolo de chocolate na Turma do Sol

Todas aplaudem

C1 Pro deixa eu tentar escrever o nome da notiacutecia (quer escrever no papel em

que a professora escrevia o texto criado)

Eu permito e a crianccedila junto com as demais que se juntaram a sua volta

escreveu o tiacutetulo

A situaccedilatildeo apresentada aparenta revelar que as crianccedilas percebem os elementos

constitutivos de cada gecircnero e suas especificidades como jaacute analisado nos dados anteriores

Nesse caso C1 propotildee outro tiacutetulo para a notiacutecia porque em sua opiniatildeo as sugestotildees dadas natildeo

condiziam com o gecircnero abordado ao dizer ldquoAh esses nomes natildeo tecircm jeito de nome de

notiacuteciardquo E quando a professora indaga C1 na tentativa de verificar os motivos que a fazem pensar

dessa forma C1 responde ldquoAh (silencia por alguns segundos) ah natildeo pode parecer que eacute

outra coisa outro texto saberdquo Pode-se inferir que C1 deseja que o tiacutetulo requeira uma

correspondecircncia agraves especificidades do gecircnero discursivo notiacutecia e que cada gecircnero tem um

ldquojeitordquo um estilo uma construccedilatildeo composicional um conteuacutedo temaacutetico especiacutefico que o

constitui Essa especificidade de cada gecircnero discursivo eacute apropriada e objetivada quando os

gecircneros satildeo apresentados e vividos de forma interativa dinacircmica dialoacutegica em que as relaccedilotildees

com eles satildeo estabelecidas de modo reflexivo e funcional

C1 propotildee outro tiacutetulo agrave notiacutecia ndash BOLO DE CHOCOLATE NA TURMA DO SOL ndash e

recebe a aprovaccedilatildeo de todas as demais crianccedilas da turma por supostamente tambeacutem concordarem

que o tiacutetulo sugerido possui em sua elaboraccedilatildeo elementos condizentes com o gecircnero re-criado

237

As crianccedilas lidam com os gecircneros e os utilizam como instrumento de comunicaccedilatildeo devido

agraves condiccedilotildees objetivas das quais participam promovidas pelo trabalho pedagoacutegico

intencionalmente organizado pelas relaccedilotildees estabelecidas com eles por meio da mediaccedilatildeo da

professora e do outro mais avanccedilado pelo contato com os materiais diversos pelas situaccedilotildees

reais de leitura e de escrita propostas

Elas denotam compreender que o conteuacutedo temaacutetico refere-se ao domiacutenio de sentido de

que se ocupa o gecircnero que a construccedilatildeo composicional corresponde ao modo como os

enunciados satildeo estruturados que o estilo se relaciona agrave seleccedilatildeo dos meios linguumliacutesticos necessaacuterios

ao enunciado em funccedilatildeo do destinataacuterio e de como se espera sua compreensatildeo responsiva ativa

A notiacutecia do jornal da turma traz ainda subjacente que as crianccedilas conhecem outros

gecircneros aleacutem daqueles apresentados nesse trabalho Isso se verifica ao revelarem por meio do

texto re-criado por elas que a receita que mais gostaram de fazer na turma ateacute aquele momento

fora a receita de bolo de chocolate assim como o dado analisado no item 52 sobre a escrita de

cartas em que eacute mencionada a re-criaccedilatildeo do texto que ensina os correspondentes as brincadeiras e

suas regras

Ao me solicitar para escrever o tiacutetulo da notiacutecia no papel em que ela acabara de escrever

C1 denota que se sente motivada a escrever que a escrita ldquosoacute eacute procurada e desenvolvida quando

utilizada para um fim adequado e evidente motivada por uma necessidade orgacircnica [] Por

meio dessa atitude de quer escrever ela mesma o tiacutetulo da notiacutecia C1 revela que ldquocompreende

agora o valor expressivo e comunicativo da escritardquo (FREINET 1969 p 53)

Apresentarei dados sobre a re-criaccedilatildeo de notiacutecia de jornal denotativa da apropriaccedilatildeo desse

gecircnero discursivo pelas crianccedilas

Terminada a hora da leitura realizada apoacutes a roda da conversa as crianccedilas abordaram a

necessidade de aumentar o acervo da biblioteca da sala A hora da leitura eacute um momento diaacuterio

em que satildeo lidas ou contadas histoacuterias e outros gecircneros discursivos Essa iniciativa se deu devido

ao fato de as crianccedilas usarem diariamente os materiais de leitura e por essa razatildeo apresentarem o

desejo de ampliar a quantidade de materiais O acervo da biblioteca da sala eacute composto por

materiais que eu mesma professora da turma providenciara para uso haacute alguns anos O acervo eacute

renovado periodicamente por mim e esporadicamente com doaccedilotildees de pessoas conhecidas A

238

escola possui um acervo que tambeacutem eacute utilizado pelas professoras contudo esses livros natildeo estatildeo

disponiacuteveis para empreacutestimos das crianccedilas ainda que sejam utilizados com elas

C11 Pro a gente podia ter mais livros e gibis na nossa sala neacute

Eu jaacute conheccedilo todos os que tecircm por aqui (refere-se aos livros e gibis)

C3 C17 C20 C8 Eacute mesmo pro

P Bem eu concordo mas o que noacutes podemos fazer para conseguirmos mais

livros e gibis aleacutem daqueles que eu sempre trago

(As crianccedilas silenciam)

C13 Ocirc pro eu jaacute sei A gente pode pedir para as pessoas que tem livros que natildeo

usam mais para dar para a nossa turma

C5 Se a gente pedir quem quiser dar daacute ueacute Se tiver algum

C9 A minha matildee outro dia fez faxina em casa e deu uma sacolona cheinha de

coisas A sacolona estava quase rasgando de tanta coisa que tinha nela hum

mas eu acho que natildeo tinha livros

P Mas para noacutes conseguirmos mais materiais de leitura noacutes temos que divulgar

noacutes temos que dizer isso para muitas pessoas e explicar o porquecirc noacutes estamos

pedindo esse material e como noacutes vamos usaacute-lo Como esses livros e gibis nos

ajudaratildeo aprender mais coisas

C6 Noacutes podemos perguntar para as nossas matildees e para os nossos pais se eles

tecircm algum livro pra doar neacute

C13 Pro pro pro Eu tenho uma ideia melhor ainda Adivinha qual eacute

P Natildeo seiQual eacute C13

C13 Hatilde hatilde Vamos escrever uma notiacutecia para pocircr no nosso jornal Todo mundo

vai ler O que vocecircs acham pessoal

Todas Eba

(Situaccedilatildeo registrada no dia 301010)

P Vamos escrever a notiacutecia

Todas Vamos

P Como podemos comeccedilar a notiacutecia

C5 Coloca assim pro ldquoA nossa turma a Turma do Sol precisa de mais livros e

de mais gibis para pocircr na biblioteca da salardquo

P Vocecircs concordam

Todas Sim

(Eu escrevo a sugestatildeo de C5)

P Precisamos explicar o motivo desse pedido para que as pessoas entendam e

percebam se podem nos ajudar

C1 Escreve que noacutes queremos saber mais coisas que noacutes estamos aprendendo a

ler e a escrever tambeacutem

P E vocecircs gostam de saber de coisas novas e de aprender a ler e a escrever

C11 Claro neacute pro

P E como podemos entatildeo escrever a ideia dada por C1

C6 Escreve assim ldquoA Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber

das coisas que gosta de aprenderrdquo

(Escrevo a sugestatildeo de C6)

P E o que mais

239

C13 Escreve pro ldquoEacute uma turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de

pesquisar e de escrever coisas importantesrdquo Escreve pro

(Escrevo a sugestatildeo de C13)

P Precisamos escrever que temos poucos materiais Como podemos escrever

isso na notiacutecia

C18 ldquoEssa turma tem poucos gibis e livros na bibliotecardquo

P Em qual biblioteca

Todas Da sala

P E o que mais

C20 Escreve que ldquotodo mundo jaacute conhece todos os livros que tem nessa

bibliotecardquo

P Por isso (sou interrompida por C10 que diz)

C10 ldquoEacute que a Turma do Sol quer ter mais livros pra lerrdquo

(Escrevo as sugestotildees de C20 e C10)

P Precisamos escrever como as pessoas podem nos ajudar e em qual lugar

podem fazer suas doaccedilotildees

C7 Pro pro escreve assim ldquoQuem tiver livros e gibis usados para dar para a

Turma do Sol entrega na escola ou para algueacutem da turmardquo

(Escrevo a sugestatildeo de C7)

P Turma vou ler a notiacutecia para vocecircs verem se haacute algo que precisamos

acrescentar certo

Todas Certo

(Realizo a leitura)

P Tem algo a mais a acrescentar ou a mudar O que vocecircs acham

C13 Soacute para terminar pro que tal vocecirc escrever assim ldquoA Turma do Sol vai

ficar super feliz e vai aprender mais coisas com a ajuda de vocecircsrdquo

(Escrevo a sugestatildeo de C13)

P E qual o tiacutetulo da nossa notiacutecia

C11 ldquoTurma do Sol pede mais livros e gibis para a biblioteca da salardquo

P Vocecircs concordam com o tiacutetulo de C11

Todas Concordamos

TURMA DO SOL PEDE MAIS LIVROS E GIBIS PARA A BIBLIOTECA

DA SALA

A nossa turma a Turma do Sol precisa de mais livros e de mais gibis para

pocircr na biblioteca da sala

A Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber das coisas que

gosta de aprender Eacute uma turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de pesquisar

e de escrever coisas importantes

Essa turma tem poucos gibis e livros na biblioteca da sala e todo mundo jaacute

conhece todos os livros que tem nessa biblioteca por isso que a Turma do Sol

quer ter mais livros pra ler

Quem tiver livros e gibis usados para dar para a Turma do Sol entrega na

escola ou para algueacutem da turma

A Turma do Sol vai ficar super feliz e vai aprender mais coisas com a

ajuda de vocecircs

(Texto criado no dia 301010)

240

A anaacutelise dos dados revela que as crianccedilas estabeleceram uma relaccedilatildeo positiva com o

conhecimento que criaram para si a necessidade de aprender As experiecircncias que viveram na

escola e a participaccedilatildeo ativa em situaccedilotildees reais de leitura e re-criaccedilatildeo de gecircneros discursivos

permitiram que elas natildeo somente iniciassem o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua mas tambeacutem a

apropriaccedilatildeo da cultura elaborada provocando aprendizagens e desenvolvendo a sua humanidade

o conjunto das qualidades humanas Isso se verifica na atitude que assumem ao proporem que o

acervo de livros e gibis da sala fosse ampliado na justificativa que apresentam para fazerem essa

solicitaccedilatildeo na forma como elaboram a soluccedilatildeo desse problema

A solicitaccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo do acervo da biblioteca da sala pelas crianccedilas eacute decorrente

do uso constante dos materiais de leitura que o compotildeem Esse fato natildeo implica o desuso dos

materiais jaacute existentes mesmo que estejam em frequente circulaccedilatildeo entre as crianccedilas mas na

ampliaccedilatildeo de contato com diferentes gecircneros discursivos que garantem outras leituras outras re-

criaccedilotildees outras experiecircncias novas relaccedilotildees novas apropriaccedilotildees As crianccedilas especialmente

C13 parece perceber a funccedilatildeo da escrita ao propor que seja criada uma notiacutecia para pedir

doaccedilotildees para a turma e aparenta perceber tambeacutem as peculiaridades do gecircnero notiacutecia de jornal

que tem a especificidade de divulgar de promover de informar de tornar puacuteblico um

acontecimento um fato ldquoPro pro pro Eu tenho uma ideia melhor ainda Adivinha qual eacuterdquo

Por desconhecer sua ideia pergunto qual eacute e em seguida responde ldquoHatilde hatilde Vamos escrever uma

notiacutecia para pocircr no nosso jornal Todo mundo vai ler O que vocecircs acham pessoalrdquo

C13 aleacutem de denotar conhecer a funccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia traz subjacente em

sua fala a responsividade (BAKHTIN 1992) do destinataacuterio real porque ao propor que

escrevecircssemos uma notiacutecia tinha supostamente como objetivo o de levar a puacuteblico a solicitaccedilatildeo

da turma e consequentemente obter a doaccedilatildeo de materiais de leitura para a biblioteca da sala

Com isso pode-se inferir que as situaccedilotildees expostas neste trabalho de inserccedilatildeo da crianccedila na

cultura escrita natildeo se constituiacuteram em situaccedilotildees artificiais teacutecnicas que visavam agrave leitura e a re-

criaccedilatildeo de gecircneros discursivos para o cumprimento de uma tarefa ou ainda situaccedilotildees que

buscavam simular o ensino da liacutengua mas ao contraacuterio buscou-se colocar a crianccedila no fluxo das

comunicaccedilotildees na interlocuccedilatildeo na condiccedilatildeo de sujeito de suas aprendizagem ao participar

ativamente de todo o processo se constituindo na relaccedilatildeo com o outro

Durante o processo de re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia pode-se dizer que as

crianccedilas denotam compreender o funcionamento desse gecircnero e elaboram o texto com coerecircncia

241

e objetividade nas ideias movidas natildeo somente pelo propoacutesito de conseguir novos livros e gibis

mas pelo desejo de aprender Esse fato pode ser percebido na fala de C1 ldquoEscreve que noacutes

queremos saber mais coisas que noacutes estamos aprendendo a ler e a escrever tambeacutemrdquo E para

me certificar sobre o que dizia perguntei ldquoE vocecircs gostam de saber de coisas novas e de

aprender a ler e a escreverrdquo e imediatamente C11 responde ldquoClaro neacute prordquo denotando

obviedade diante da pergunta feita Essas afirmaccedilotildees satildeo confirmadas no texto re-criado ldquoA

Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber das coisas que gosta de aprender Eacute uma

turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de pesquisar e de escrever coisas importantesrdquo

Na re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia as crianccedilas participam ativamente tecendo

seus enunciados que gradativamente o compotildeem Esses enunciados satildeo proferidos num dado

contexto situacional que pressupotildee sempre a alteridade Sobre isso Ribeiro (2010 p 56)

esclarece que

A noccedilatildeo de enunciado por sua vez fundada nos pressupostos dialoacutegicos

incorpora o contexto verbal e o contexto extraverbal (aspectos situacionais

histoacutericos ideoloacutegicos) ou seja ele materializa concomitantemente o que haacute de

peculiar da situaccedilatildeo enunciativa concreta e elementos sociodiscursivos

estabilizados nas e pelas interaccedilotildees ao longo da Histoacuteria O enunciado sob o

prisma bakhtiniano eacute o garantidor do espaccedilo do outro na dinacircmica discursiva e

por conseguinte constitui-se do fluxo de muacuteltiplas vozes que ecoam da

alternacircncia dos sujeitos do discurso nas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Ademais por

figurar como unidade da comunicaccedilatildeo discursiva o enunciado elucida

especificidades das esferas sociais nas quais ele se constituiu

Com base nesses pressupostos pode-se dizer que as crianccedilas estabelecem uma relaccedilatildeo

dialoacutegica entre elas entre elas e a professora entre elas e o gecircnero discursivo re-criado As

crianccedilas sugerem opinam elaboram enunciados que atendem aos interesses e objetivos da turma

e agraves caracteriacutesticas do gecircnero discursivo notiacutecia Cabe lembrar que ldquoa despeito do caraacuteter

regulador da forma do gecircnero haacute espaccedilo para a expressatildeo do sujeito visto que ao participar das

atividades de linguagem ele (re)elabora (re)cria (re)formula formas de gecircnerordquo (RIBEIRO

2010 p 60) Dessa maneira ldquoinstaura um processo de atualizaccedilatildeo dos diversos gecircneros do

discurso presentes na sociedaderdquo (RIBEIRO 2010 p 60)

Por essa razatildeo pode-se dizer que as crianccedilas se apropriam da liacutengua por meio dos gecircneros

discursivos porque

242

Os gecircneros satildeo meios de apreender a realidade Novos modos de ver e de

conceptualizar a realidade implicam o aparecimento de novos gecircneros e a

alteraccedilatildeo dos jaacute existentes Ao mesmo tempo novos gecircneros ocasionam novas

maneiras de ver a realidade A aprendizagem dos modos sociais de fazer leva

concomitantemente ao aprendizado dos modos sociais de dizer os gecircneros

Mesmo que algueacutem domine bem uma liacutengua sentiraacute dificuldade de participar de

determinada esfera de comunicaccedilatildeo se natildeo tiver controle do(s) gecircnero(s) que ela

requer Eacute por isso que haacute pessoas que conversam brilhantemente mas satildeo

incapazes de participar de um debate puacuteblico ou de discursar para uma grande

plateia A falta de domiacutenio do gecircnero eacute a falta de vivecircncia de determinadas

atividades de certa esfera Fala-se e escreve-se sempre por gecircneros e portanto

aprender a falar e a escrever eacute antes de mais nada aprender gecircneros (FIORIN

2006 p 69)

A situaccedilatildeo apresentada e analisada exemplifica o ensino e a aprendizagem da liacutengua por

meio dos gecircneros discursivos desde a Educaccedilatildeo Infantil em que as crianccedilas de forma interativa e

dialoacutegica atuam ativamente nesse processo aprendem se desenvolvem e se humanizam

243

CONCLUSAtildeO

Considero que natildeo haacute haacutebito a ser formado nem gosto a ser criado nem prazer a

ser desenvolvido ou despertado nas praacuteticas das leituras Haacute necessidades

provocadas pelas circunstacircncias criadas pelas relaccedilotildees entre os homens

ancoradas no conhecimento que tem o leitor sobre o proacuteprio conhecimento

sobre a liacutengua e sobre as operaccedilotildees que estabelecem a relaccedilatildeo grafo-semacircntica

entre o leitor e o escrito (ARENA 2003 p 60)

Formar leitores e re-criadores de textos na Educaccedilatildeo Infantil se constitui numa

preocupaccedilatildeo sempre atual que envolve pesquisadores professores e pais Inuacutemeros satildeo os

aspectos que provocam a reflexatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita e sobre a

relaccedilatildeo com os espaccedilos escolares as praacuteticas pedagoacutegicas e as especificidades do ensinar e do

aprender na pequena infacircncia

Ao relevar esses aspectos surgem vaacuterias indagaccedilotildees Como iniciar a inserccedilatildeo da crianccedila

na cultura escrita Como criar a necessidade de ler e de escrever Que atividades satildeo adequadas

para promover a formaccedilatildeo da crianccedila interessada pelos textos Como trabalhar de modo a

respeitar o momento de desenvolvimento em que a crianccedila se encontra sem negligenciar a criaccedilatildeo

de novas necessidades tarefa preciacutepua dos professores Como caracterizar o trabalho com a

leitura e a escrita na Educaccedilatildeo Infantil de modo a superar a visatildeo simplista do processo de

apropriaccedilatildeo da linguagem escrita

Na introduccedilatildeo anunciei que estas questotildees orientariam este trabalho de pesquisa na

tentativa de compreender o que eacute formar o leitor e o re-criador de textos na pequena infacircncia sem

com isso valorizar a alfabetizaccedilatildeo precoce com a aceleraccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo mas ao contraacuterio

compreender como a crianccedila pode inserir-se e participar da cultura escrita de forma ativa

dinacircmica e dialoacutegica mesmo natildeo sendo convencionalmente alfabetizada e ainda respeitando as

regularidades do seu desenvolvimento Com essa intenccedilatildeo busquei compreender o processo de

apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita como um processo discursivo interativo para a

humanizaccedilatildeo por meio dos gecircneros discursivos Procurei redimensionar o ensino e a

aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo infantil por compreender que a crianccedila desde

pequena eacute capaz de aprender eacute sujeito de suas aprendizagens Nesse contexto a leitura e a escrita

natildeo satildeo consideradas tarefas eminentemente escolares apesar de a escola ser o espaccedilo em que

comumente essas aprendizagens sejam ensinadas de forma mais sistematizada e frequente Nesse

244

percurso busquei tambeacutem compreender como as crianccedilas leem e escrevem os gecircneros

discursivos que relaccedilotildees elas estabelecem com os seus elementos constitutivos e de que forma o

trabalho pedagoacutegico intencionalmente planejado e dialoacutegico pode contribuir para na formaccedilatildeo

leitora e re-criadora de textos

Para tanto trouxe no capiacutetulo I a opccedilatildeo metodoloacutegica que direcionou o trabalho de

pesquisa ndash pesquisa-accedilatildeo ndash os procedimentos de pesquisa os recursos utilizados na tentativa de

compreender o meu objeto de pesquisa e ultrapassar a pseudoconcreticidade em busca de uma

proximidade com a sua essecircncia Nesse capiacutetulo busco traccedilar natildeo somente o percurso a ser

realizado como pesquisadora mas tambeacutem como sujeito participante da pesquisa como

professora dos sujeitos crianccedilas Nesse momento descrevo a trajetoacuteria que seria percorrida e as

propostas educativas que orientariam o processo inicial de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e

da escrita na pequena infacircncia Esse periacuteodo foi revelador de grandes esforccedilos devido ao

aprofundamento teoacuterico que exigia uma articulaccedilatildeo com a minha praacutetica sustentando-a Alcanccedilar

apropriaccedilotildees mais aprofundadas sobre a Teoria Histoacuterico-Cultural sobre o universo bakhtiniano

e sobre a Pedagogia Freinet natildeo foi (e natildeo eacute) tarefa simples porque requereu coerecircncia para se

pensar em aproximaccedilotildees entre essas vertentes e o movimento reflexivo de minha parte a cada

etapa do trabalho docente proposto Contudo isso se converteu em um desafio para mim e dado

o meu envolvimento e interesse nesse fazer gradativamente esse desafio se tornou uma atividade

(LEONTIEV 1988)

Desenvolvi a pesquisa em uma escola que natildeo tinha como proposta pedagoacutegica a

Pedagogia Freinet e apesar de ter obtido todo o apoio da Direccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do meu fazer

pedagoacutegico e da minha investigaccedilatildeo cientiacutefica encontrei alguns entraves nesse processo Um

deles corresponde agrave organizaccedilatildeo do tempo e do espaccedilo que natildeo era compartilhada por outra

professora que ocupava a mesma sala por exemplo A sala em que a maioria das situaccedilotildees de

leitura e de escrita descritas neste trabalho ocorreu era ocupada no mesmo periacuteodo por outra

professora que natildeo compactuava com essa organizaccedilatildeo Desse modo todos os dias era preciso

organizar a sala para que as minhas praacuteticas se efetivassem ndash disposiccedilatildeo dos moacuteveis dos

materiais ateliers ndash e voltaacute-las a organizaccedilatildeo original para que outra professora pudesse tambeacutem

utilizaacute-la em seguida Devido a isso o tempo era algo que exigia tambeacutem uma organizaccedilatildeo pelo

motivo jaacute exposto e porque muitas vezes as tarefas que se tornavam atividades para as crianccedilas

eram interrompidas porque tiacutenhamos que dispor de outro espaccedilo para dar continuidade ao que

245

havia sido iniciado Se por um lado isso se mostrou como um entrave a ser superado por outro

lado exigiu das crianccedilas e de mim maior flexibilidade e estrateacutegias para organizar o espaccedilo e

maior autonomia das crianccedilas para gerirem o tempo

No capiacutetulo II explicitei quais os conceitos que as professoras das crianccedilas nos quatro

anos anteriores da pesquisa desde a turma do Berccedilaacuterio ao Infantil I possuem sobre leitura

escrita alfabetizaccedilatildeo gecircneros discursivos e de que forma esses conceitos interferem nas

aprendizagens das crianccedilas Esses conceitos foram investigados porque revelam em seu bojo

outros conceitos como o de crianccedila de ensino e de aprendizagem de desenvolvimento humano

que subsidiam as praacuteticas pedagoacutegicas agraves quais as crianccedilas foram submetidas

No capiacutetulo III me propus a compreender quais os conceitos que as crianccedilas tinham sobre

leitura escrita gecircneros discursivos porque dessa forma eu pretendia organizar o trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros e verificar no final desse processo se ocorreram mudanccedilas nesses

conceitos iniciais das crianccedilas quais eram estas mudanccedilas e por que elas ocorreram ou natildeo

Nestes dois capiacutetulos foi possiacutevel refletir sobre as implicaccedilotildees pedagoacutegicas no processo de

ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas na pequena infacircncia A anaacutelise dos

dados revelou que os conceitos das professoras participantes da pesquisa sobre infacircncia leitura e

escrita estatildeo ajustados ao preparo da crianccedila para o Ensino Fundamental As tarefas propostas

concernentes agrave leitura e agrave escrita satildeo direcionadas para corresponderem supostamente agraves

expectativas da etapa seguinte da Educaccedilatildeo Infantil Haacute uma ecircnfase no ensino do coacutedigo

linguiacutestico desvinculado de um contexto situacional real concreto de uso A codificaccedilatildeo e a

decodificaccedilatildeo se sobrepotildeem agrave produccedilatildeo de significado e de sentido e as propostas em sala de

aula satildeo voltadas ao domiacutenio da relaccedilatildeo grafema-fonema e do traccedilado das letras Desse modo a

expressatildeo dos sujeitos aprendizes a comunicaccedilatildeo de ideias e desejos natildeo satildeo consideradas

fundamentais nesse processo mas relegadas ao segundo plano Disso decorre que a leitura e a

escrita para as professoras participantes se configuram como objetos escolares Haacute

preponderacircncia no ensino do aspecto fiacutesico do signo (ARENA 1990) que reduz em suas praacuteticas

docentes as possibilidades de as crianccedilas conviverem com formas mais elaboradas dessas

atividades

Haacute uma tendecircncia em apresentar para as crianccedilas poucos gecircneros discursivos em geral os

contos de fada por existir uma crenccedila por parte das professoras de que as crianccedilas se interessam

mais por esse gecircnero As professoras conhecem os diferentes gecircneros discursivos seus elementos

246

constitutivos e suas especificidades possivelmente com relativa superficialidade o que limita a

sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica Nesse contexto os gecircneros discursivos satildeo apenas objetos didaacuteticos

produto que enquadra os tipos relativamente estaacuteveis de enunciados (Bakhtin 2003) numa

perspectiva normativa e desse modo natildeo emergem como instrumentos de comunicaccedilatildeo de

interlocuccedilatildeo entre as pessoas

Pode-se constatar que os conceitos os discursos e as praacuteticas educativas das professoras

interferem diretamente nos conceitos dos sujeitos crianccedilas e nas relaccedilotildees que elas estabelecem

com a leitura e com a escrita Essa afirmaccedilatildeo eacute percebida pela anaacutelise dos dados no iniacutecio da

pesquisa antes de as crianccedilas participarem de um trabalho pedagoacutegico intencional dinacircmico e

interativo com os gecircneros discursivos Haacute um distanciamento entre a praacutetica do ler e do escrever

na escola e uma praacutetica do ler e do escrever como objeto da cultura

Um elemento que me surpreendeu durante a anaacutelise dos dados foi constatar que os

sujeitos da pesquisa ndash por vivenciarem praacuteticas artificiais do ensino do ato de ler e do ato de

escrever ndash natildeo atribuem agrave escola a tarefa de ensinaacute-las a fazer isso mas agrave proacutepria famiacutelia que

assume esse papel que a escola natildeo consegue realizar como foi verificado pelos discursos nas

entrevistas Pais avoacutes irmatildeos ou outros familiares na expectativa de ajudarem as suas crianccedilas a

aprenderem a ler e a escrever se dedicam a essa funccedilatildeo mediando situaccedilotildees de leitura e de

escrita em casa Nessas condiccedilotildees a escola natildeo apresenta o ler e o escrever como elemento do

jogo do interesse da crianccedila como acontece nas situaccedilotildees de leitura e de escrita vivenciadas em

casa ou na rua (CRUVINEL 2010) Os textos quando abordados pelas professoras natildeo surgem

como elementos de comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo de expressatildeo humana mas como recursos

didaacuteticos com um fim em si mesmos A escola por aderir a essas praacuteticas teacutecnicas do ler e do

escrever acaba por natildeo desempenhar uma funccedilatildeo a qual se julga de sua responsabilidade ou seja

natildeo garante que as crianccedilas se apropriem da leitura e da escrita e nem oferece nessas condiccedilotildees

as possibilidades para que isso aconteccedila

Apesar de algumas crianccedilas terem afirmado no iniacutecio da pesquisa que jaacute sabiam ler ndash

supostamente do ponto de vista da escola ndash verificou-se que somente o domiacutenio de um

mecanismo natildeo garante que elas o soubessem de fato porque esse domiacutenio natildeo permite que

objetivem essa atividade nas relaccedilotildees sociais em ambientes extra-escolares e em diferentes

situaccedilotildees que se faccedilam necessaacuterias

247

Nos capiacutetulos IV e V pus em discussatildeo o que eacute ser leitor e re-criador de textos na

Educaccedilatildeo Infantil e como a crianccedila assume esses estatutos Apresentei situaccedilotildees de leitura e de

escrita dos gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal ndash e por meio da minha

accedilatildeo pedagoacutegica intencional e planejada destaquei as relaccedilotildees que as crianccedilas estabelecem com

os elementos dos gecircneros discursivos como leem e criam textos e desse modo como elas

iniciam a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

No iniacutecio do processo as crianccedilas assinalavam por seus discursos e atitudes a

interferecircncia e a reproduccedilatildeo desses conceitos advindos das condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo das

quais participavam Entretanto ao vivenciarem propostas de leitura e de escrita de gecircneros

discursivos planejadas intencionalmente de modo a priorizar a interlocuccedilatildeo assumem o papel de

sujeito e natildeo de objeto desse processo Essas consideraccedilotildees podem ser constatadas pelo relato das

observaccedilotildees feitas durante as propostas de leitura e de escrita de gecircneros discursivos e pela

entrevista no final do trabalho pedagoacutegico

Conforme passavam a participar de situaccedilotildees de leitura e de escrita cada vez mais

dialoacutegicas reflexivas que privilegiam a contrapalavra do outro se sentiam motivadas a se

expressar por meio da escrita e compreendiam que essa eacute uma das formas pelas quais eacute possiacutevel

se expressar natildeo a uacutenica porque tambeacutem experimentavam concomitantemente a expressatildeo por

meio de outras linguagens como a danccedila a muacutesica a dramatizaccedilatildeo a pintura a modelagem Com

isso revelava-se com essas propostas a intenccedilatildeo de formar pessoas capazes de utilizar as mais

diferentes formas de conhecer e de produzir saberes criados historicamente pela humanidade

Esse entendimento me fez refletir como a Educaccedilatildeo Infantil tem organizado o seu

curriacuteculo e como o ensino da liacutengua se configura nas praacuteticas docentes no universo da pequena

infacircncia Desse modo propus um trabalho pedagoacutegico para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

com o propoacutesito de criar nas crianccedilas o desejo de expressatildeo e para isso intentei desenvolver com

elas situaccedilotildees de leitura e de escrita que permitissem a ampliaccedilatildeo de seus conhecimentos que

intensificassem suas relaccedilotildees com as pessoas com os objetos da cultura e com o entorno e que

valorizassem a sua capacidade expressiva como princiacutepio de um trabalho de ensino e de

aprendizagem efetivamente desenvolvente (DAVIDOV 1988)

Ao trabalhar as possibilidades expressivas da crianccedila pretendia interferir positivamente

sobre o processo de desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita Por essa razatildeo

organizei os tempos e os espaccedilos em que as situaccedilotildees de leitura e de escrita ocorreram e

248

estabeleci uma relaccedilatildeo dinacircmica e dialoacutegica com as crianccedilas provocando-as a elaborarem

hipoacuteteses a pensarem sobre a escrita a acionarem sua curiosidade seus ldquoconhecimentos

imprecisosrdquo (ZAPOROacuteSHETZ 1997) que mais tarde por meio do diaacutelogo e na confrontaccedilatildeo

com os conhecimentos precisos apresentados pela professora no caso eu mesma e por outros

adultos e crianccedilas mais avanccediladas esses conhecimentos tambeacutem se tornaram precisos

Pela anaacutelise dos dados eacute possiacutevel perceber meu fundamental papel como mediadora no

processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita uma vez que criei as mediaccedilotildees e fiz

a mediaccedilatildeo de situaccedilotildees de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos desafiando as crianccedilas a

pensarem sobre a escrita e o seu funcionamento sobre os elementos que compotildeem os gecircneros e

principalmente a fazer uso da leitura e da escrita como um instrumento de comunicaccedilatildeo de

expressatildeo e de participaccedilatildeo numa sociedade que lecirc e escreve Nessa perspectiva as crianccedilas

tinham vez e voz em todas as etapas do trabalho que de acordo com os pressupostos teoacutericos

assumidos por mim nesta pesquisa se deram dentro de um ensino cooperativo (FREINET 1973

1974 1976) e colaborativo (VYGOTSKI 1995)

Nesse processo dialoacutegico em que se deu o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita

destaco como participante ativa e tambeacutem sujeito desse processo que todas as accedilotildees educativas

planejadas por mim os diaacutelogos e as relaccedilotildees travadas foram promotoras de novas apropriaccedilotildees

como professora e como pesquisadora colaborando com meu processo de humanizaccedilatildeo Como

docente me impulsionava constantemente a perceber que aliar teoria e praacutetica eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para se garantir aprendizagens efetivas das crianccedilas porque amplia as possibilidades

de trabalho em busca de um ensino potencializador E como pesquisadora a geraccedilatildeo de novas

duacutevidas reflexotildees e aprofundamento teoacuterico orientaram outras e maiores apropriaccedilotildees Enfatizo

nesse processo a atuaccedilatildeo do meu orientador que por meio de sua mediaccedilatildeo contribuiu

intensamente para a apropriaccedilatildeo dos referenciais teoacutericos assumidos neste trabalho da

problematizaccedilatildeo e reflexatildeo natildeo somente das minhas accedilotildees educativas mas da minha formaccedilatildeo

como pesquisadora

Os dados indicam que as crianccedilas natildeo conheciam muitos gecircneros discursivos e quando

eram apresentados se constituiacuteam como um conjunto de propriedades formais isolado da esfera

de accedilatildeo Os gecircneros nessas condiccedilotildees eram apresentados como objetos didaacuteticos e natildeo como

instrumento de comunicaccedilatildeo o que contradiz os pressupostos teoacutericos defendidos neste trabalho

de que os gecircneros discursivos requerem que sejam vistos na sua funccedilatildeo de interaccedilatildeo porque satildeo a

249

realidade da comunicaccedilatildeo humana satildeo instrumentos que tornam possiacutevel a comunicaccedilatildeo

discursiva (BAKHTIN 2003) Novos modos de ver e de conceituar a realidade implicam o

aparecimento de novos gecircneros e alteraccedilatildeo dos jaacute existentes (FIORIN 2006)

Outro aspecto a destacar eacute que a utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet no trabalho pedagoacutegico

natildeo serviu apenas para fazer o aparecimento dos gecircneros discursivos que seriam abordados

especificamente nesta pesquisa ndash a carta os relatos de vida notiacutecia de jornal ndash mas permitiu a

organizaccedilatildeo do fazer educativo de modo a possibilitar a interaccedilatildeo entre as crianccedilas delas comigo

com os materiais criando uma aprendizagem provocadora de necessidades humanizadoras Com

a utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet foi possiacutevel promover uma aproximaccedilatildeo com a ideias de

Vygotski (1995) e de Bakhtin (1992) ndash teoacutericos que fundamentam este trabalho ndash jaacute que todos

eles concebem a expressatildeo do sujeito e a relaccedilatildeo com o outro como elementos fundamentais da

sua proacutepria constituiccedilatildeo como seres histoacutericos sociais e culturais

A utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet tambeacutem permitiu maior autonomia das crianccedilas para

gerirem o tempo e as atividades para opinarem decidirem discutirem investigarem

pesquisarem sobre os diferentes assuntos que se faziam de interesse delas porque essas teacutecnicas

promovem a aproximaccedilatildeo da crianccedila com a cultura primando pela expressividade Diante disso

os dados revelam que o trabalho com os gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet

contribuiu para criar necessidades de ler e de escrever porque as crianccedilas sempre tinham o que

dizer e para quem dizer

No final da pesquisa creio que as crianccedilas se apropriaram dos gecircneros discursivos

abordados porque os utilizavam em diferentes situaccedilotildees e de forma que denotava certa

autonomia Os gecircneros discursivos abordados ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal ndash tiveram

uma dimensatildeo para aleacutem dos horizontes da turma Funcionaacuterios e professores da escola em que

ocorreu a pesquisa participaram indiretamente do processo ao solicitarem frequentemente a

leitura das cartas recebidas e enviadas do livro da vida e das notiacutecias do jornal da turma dado o

interesse das crianccedilas que faziam comentaacuterios em diferentes ambientes e situaccedilotildees como no

horaacuterio do lanche da brincadeira no parque ou na areia por exemplo aleacutem tambeacutem de

comunicarem suas aprendizagens por meio das teacutecnicas e dos gecircneros

Houve uma modificaccedilatildeo nos objetivos iniciais dos pais que denotavam preocupaccedilatildeo de

seus filhos serem alfabetizados na Educaccedilatildeo Infantil jaacute que se tratava do ano que antecedia o

ingresso de seus filhos no Ensino Fundamental Essa preocupaccedilatildeo foi esclarecida no decorrer do

250

ano com a realizaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico e principalmente diante dos argumentos das

proacuteprias crianccedilas como ldquoEu natildeo posso faltar na escola porque noacutes temos que escrever uma carta

para os nossos amigos da outra escolardquoldquo Vocecirc vai se arrepiar com as notiacutecias que noacutes

escrevemos em nosso jornal mas eacute surpresinhardquo ou aindardquo Eu jaacute sei escrever carta Vocecirc sabe

ou quer que eu te ajude matildeerdquo Esses dados natildeo foram apresentados na pesquisa mas foram

registrados por serem indiacutecios do iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas

crianccedilas Na uacuteltima reuniatildeo na escola do ano de realizaccedilatildeo da pesquisa os pais relataram sobre o

envolvimento de seus filhos nesse processo o interesse pelo conhecimento e as reaccedilotildees que

apresentavam diante das experiecircncias com a leitura e a escrita Segundo eles seus filhos

comeccedilaram a se interessar a ler diferentes materiais em diferentes situaccedilotildees e a ensaiar a escrita

de forma mais autocircnoma

Acredito ter alcanccedilado os meus objetivos com esta pesquisa natildeo somente pelas razotildees

expostas anteriormente mas porque foi possiacutevel constatar que as crianccedilas desde pequenas satildeo

capazes de estabelecer relaccedilotildees intensas com a leitura e a escrita por meio dos gecircneros

discursivos quando satildeo introduzidos no ensino como instrumentos de comunicaccedilatildeo humana de

apropriaccedilatildeo da cultura como foi descrito nos capiacutetulos desta tese As crianccedilas aprendem a usar a

liacutengua em diferentes situaccedilotildees A liacutengua escrita natildeo chegou agraves crianccedilas na ocasiatildeo da pesquisa de

forma pronta acabada mas ao contraacuterio se sentiram provocadas a pensar sobre ela em sua

dialogicidade em movimento para que pudessem cada vez mais dispor dela quando onde e

como queriam

Foi possiacutevel tambeacutem perceber que os gecircneros requerem que sejam ensinados desde a

Educaccedilatildeo Infantil num contexto interativo e dinacircmico porque se natildeo acontecer nessas condiccedilotildees

perdem a funccedilatildeo para a qual eles se destinam a funccedilatildeo de expressar de interagir de comunicar

E desse modo assumem o papel de objeto didaacutetico Quando isso acontece deixam de ser gecircneros

discursivos porque perdem sua essecircncia flexiacutevel dialoacutegica mutaacutevel e consequentemente as

crianccedilas natildeo conseguem se utilizar deles nos diversos contextos sociais e discursivos Por meio

de uma accedilatildeo docente intencional dinacircmica e dialoacutegica revelaram que percebem o conteuacutedo

temaacutetico a construccedilatildeo composicional e o estilo de cada gecircnero objetivando-se pelos discursos

que expressam seus pensamentos impressotildees e opiniotildees Elas iniciam o conhecimento da

estrutura da liacutengua em seus diferentes aspectos ndash gramaacutetica ortografia coerecircncia coesatildeo por

251

exemplo ndash pelo uso e reflexatildeo desse uso e natildeo por exerciacutecios impostos de memorizaccedilatildeo

repeticcedilatildeo nem por exerciacutecios motores de coordenaccedilatildeo

A crianccedila para iniciar o seu processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo

Infantil natildeo precisa ser escolarizada precocemente e ser destituiacuteda do seu estatuto de crianccedila para

assumir o estatuto de aluno Esta tese veio constatar que a crianccedila pode participar ativamente do

seu processo de inserccedilatildeo na cultura escrita mesmo ainda natildeo sendo convencionalmente

alfabetizada e sem esse fato ser condiccedilatildeo para que isso aconteccedila Afirma que a crianccedila inicia o

processo de internalizaccedilatildeo da liacutengua pelas relaccedilotildees que ela estabelece com a proacutepria liacutengua em

seu funcionamento com a professora com os colegas com os materiais com os gecircneros

discursivos A leitura e a escrita nascem do desejo de expressatildeo criado na crianccedila pelas condiccedilotildees

de vida e de educaccedilatildeo das quais participa (LEONTIEV 1978)

Diante do exposto eacute possiacutevel apontar alguns caminhos no trabalho com os gecircneros

discursivos para a formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Dedicar-se

ao estudo dos gecircneros desde o princiacutepio do processo educativo conhecer seus elementos

constitutivos ndash construccedilatildeo composicional conteuacutedo temaacutetico e estilo (BAKHTIN 2003) ndash e seu

funcionamento possibilita aos professores alargar as possibilidades do seu ensino e planejar

intencionalmente as formas mais adequadas de realizar o trabalho pedagoacutegico porque eacute por meio

dos gecircneros que o sujeito se apropria da linguagem e a objetiva Natildeo eacute suficiente apenas estudar

os gecircneros discursivos do ponto de vista normativo nem levaacute-los para a sala de aula sem que eles

sejam vividos em situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo de interaccedilatildeo e de diaacutelogo porque desse modo

eles perdem a sua essecircncia e a funccedilatildeo a que se destinam Ensinar os gecircneros discursivos eacute

apreender a realidade porque eles acontecem no fluxo da comunicaccedilatildeo na troca na atitude

responsiva vinculados agrave vida em seus contextos histoacutericos sociais e culturais Operar

teoricamente metodologicamente e didaticamente com essa noccedilatildeo de gecircnero redimensiona toda a

praacutetica educativa e o ensino da leitura e da escrita porque implica necessariamente ao tratar do

ensino da liacutengua materna considerar-se sujeito do discurso na relaccedilatildeo constante com o outro que

reflete refrata ou refuta discurso alheio Satildeo vozes compreendidas como manifestaccedilatildeo de

consciecircncias que dialogam debatem concordam discordam silenciam a voz do outro ou a si

proacuteprio expressando valores plurais ou natildeo personificaccedilatildeo de diferentes sujeitos de diferentes

visotildees (BAKHTIN 2003)

252

Cabe agrave escola ndash lugar por excelecircncia de apropriaccedilatildeo da cultura produzida e organizada

pela humanidade ndash considerar os gecircneros primaacuterios que as crianccedilas jaacute conhecem e tomaacute-los como

referecircncia para novas apropriaccedilotildees discursivas introduzindo o trabalho com os gecircneros

secundaacuterios na intenccedilatildeo de alcanccedilar a apropriaccedilatildeo de enunciados mais complexos Formar

leitores e re-criadores de gecircneros discursivos eacute um desafio possiacutevel quando o professor considera

a historicidade e a dinamicidade da liacutengua e situa a crianccedila nesse movimento vivo em que ao re-

criar eacute tambeacutem re-criada

A organizaccedilatildeo do tempo e o espaccedilo para a realizaccedilatildeo da praacutetica promovem a interaccedilatildeo as

relaccedilotildees e a dialogicidade aleacutem de revelar os conceitos que o professor possui sobre crianccedila

infacircncia ensino e aprendizagem Organizar o tempo e o espaccedilo na escola da pequena infacircncia eacute

entender que esses elementos satildeo cruciais no processo e interferem diretamente nas

aprendizagens e nas relaccedilotildees que podem ou natildeo ser estabelecidas

Ao planejar intencionalmente o trabalho pedagoacutegico consideram-se ndash dentro da

perspectiva apresentada neste trabalho ndash os interesses das crianccedilas respeitando as especificidades

do aprender de cada idade e as regularidades do seu desenvolvimento A utilizaccedilatildeo das teacutecnicas

Freinet por exemplo como a correspondecircncia interescolar o livro da vida o jornal escolar a

aula passeio a roda de conversa satildeo formas de aproximar a crianccedila do universo da escrita porque

permitem o acesso e a re-criaccedilatildeo dos diferentes gecircneros discursivos em que a autoria das crianccedilas

eacute incentivada e coloca em jogo novos conceitos do que significa ler e escrever

Promover na escola de Educaccedilatildeo Infantil experiecircncias necessaacuterias e adequadas que

permitam agraves crianccedilas se expressarem por diferentes linguagens como a danccedila o desenho a

pintura a muacutesica o teatro a modelagem eacute uma experiecircncia necessaacuteria As experiecircncias com as

diferentes linguagens criam o desejo de expressatildeo de aprender de conhecer porque assim teratildeo

o que dizer e para que possam dizecirc-lo tambeacutem por meio da escrita Ampliar o universo de

significaccedilatildeo das crianccedilas criar novas necessidades inclusive a sua expressividade eacute garantir por

meio de condiccedilotildees objetivas que ela inicie o seu processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura

e da escrita

Concluo que a crianccedila quando submetida ao ensino da liacutengua como sistema restrito agrave

codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos tem limitada as possibilidades de apropriaccedilatildeo e

objetivaccedilatildeo da proacutepria liacutengua e reduzidas as possibilidades de desenvolvimento humano Em

contrapartida o trabalho pedagoacutegico com os gecircneros discursivos amplia as possibilidades de seu

253

desenvolvimento e de sua compreensatildeo sobre o funcionamento da liacutengua implica uma nova

visatildeo do que seja seu proacuteprio processo de aprendizagem e a instrumentaliza para atuar como

cidadatildeo

Considero que a fundamentaccedilatildeo teoacuterica calcada em Bakhtin e seu ciacuterculo em diaacutelogo com

Vygotsky e estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural e com a Pedagogia Freinet assinala a

possibilidade de se rever as propostas de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita com as

crianccedilas pequenas em busca de um ensino desenvolvente que privilegie a interlocuccedilatildeo e a

crianccedila como sujeito desse processo que constroacutei e eacute construiacutedo pela sua histoacuteria

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SOBRAL A Elementos sobre a formaccedilatildeo de gecircneros discursivos a fase ldquoparasitaacuteria de uma

vertente do gecircnero de auto-ajuda Tese de doutorado Satildeo Paulo LAELPUC-SP 2006

______ Do dialogismo ao gecircnero as bases do pensamento do ciacuterculo de Bakhtin Campinas SP

Mercado de Letras 2009 Seacuterie ideias sobre linguagem

______ Texto discurso gecircnero alguns elementos teoacutericos e praacuteticos Nonada Letras em

Revista Porto Alegre ano 13 n 15 p 9-29 2010

THIOLLENT M Metodologia da pesquisa-accedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 1986

URBANO H PRETI D Entrevistas diaacutelogos entre informantes e documentador In

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2010 21(4) p 681 ndash 701

VYGOTSKI L S Obras escogidas Madrid Visor v 3 1995

______ Obras escogidas Madrid Visor v 4 1996

WATTERSON B O melhor de Calvin O Estado de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Quadrinhos Caderno

2 12 nov2012 p D4

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personalidad infantil In DAVIDOV V SHUARE M (Orgs) La Psicologiacutea Evolutiva y

Pedagoacutegica em la URSS (Antologia) Moscou Editorial Progreso 1987 p 228 ndash 249

264

APEcircNDICE A ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO

PROFESSOR PARTICIPANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou realizando uma pesquisa na EMEI Creche Beija-Flor intitulada ldquoO processo de

letramento e os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e

Vygotskyrdquo e gostaria que participasse da mesma Solicito sua participaccedilatildeo na realizaccedilatildeo de uma

entrevista acerca de suas concepccedilotildees e praacuteticas de leitura e escrita A pesquisa tem como objetivo

geral Verificar como ocorre o processo de letramento na Educaccedilatildeo Infantil com crianccedilas de 5 e 6

anos por meio dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos

especiacuteficos 1) Verificar como o ensino por meio dos gecircneros discursivos ndash carta livro da vida

jornal da turma ndash interfere na aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de 5 e 6 anos 2)

Discutir quais as relaccedilotildees que as crianccedilas de 5 e 6 anos estabelecem com os elementos dos

gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma

estas relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo do leitor e do produtor de textos 3) Identificar

condutas proacuteprias de leitor e de produtor de textos (orais e escritos) como parte do processo de

letramento nas crianccedilas de 5 e 6 anos 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os

diferentes gecircneros discursivos pode contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas

crianccedilas de 5 e 6 anos

Os procedimentos que seratildeo empregados para a obtenccedilatildeo de dados com as professoras das

classes de berccedilaacuterio a infantil I seratildeo entrevistas

Caso aceite participar dessa pesquisa gostaria que soubesse que

A) SUA PARTICIPACcedilAtildeO Eacute VOLUNTAacuteRIA E QUE PODERAacute DESISTIR DE

PARTICIPAR EM QUALQUER MOMENTO

B) VOCEcirc PODERAacute ACEITAR OU RECUSAR A RESPONDER QUAISQUER

PERGUNTAS QUE LHE FOREM FEITAS

C) As informaccedilotildees obtidas atraveacutes da sua colaboraccedilatildeo na entrevista seratildeo

DOCUMENTADASDESCRITAS em relatoacuterio de pesquisa (Tese) feito por mim

265

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo da

Faculdade de Filosofia e Ciecircncias ndash Campus de MariacuteliaSP

D) OS RESULTADOS PODERAtildeO SER DIVULGADOS EM EVENTOS

CIENTIacuteFICOS E REVISTAS E QUE ME COMPROMETO A MANTER EM

ABSOLUTO SIGILO A IDENTIDADE DOS PARTICIPANTES E

ENTREVISTADOS

Caso necessite de esclarecimentos adicionais coloco-me agrave disposiccedilatildeo atraveacutes do telefone (14)

3454 ndash 2887

Greice Ferreira da Silva

Doutoranda em Educaccedilatildeo

Universidade Estadual Paulista ndash UNESP

Mariacutelia ndash SP

Eu _______________________________________ portados do RG _____________

ACEITO PARTICIPAR da pesquisa intitulada ldquoO processo de Letramento e os gecircneros

discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e Vygotskyrdquo que eacute

realizada na EMEI Creche Beija-Flor na classe do Infantil II ndash Parcial ndash Periacuteodo da tarde deste

ano de 2010 Declaro estar ciente de que a participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e que fui devidamente

esclarecido (a) quanto aos objetivos e procedimentos desta pesquisa

Data _____ _____ _____

_________________________________

Professor participante

266

APEcircNDICE B ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA

CRIANCcedilA PARTICIPANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezados pais

Estou realizando uma pesquisa na EMEI Creche Beija-Flor intitulada ldquoO processo de

letramento e os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e

Vygotskyrdquo e solicito dos senhores a autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de uma entrevista com seu

(sua) filho (a) a utilizaccedilatildeo de colocaccedilotildees orais e escritas feitas por ele (ela) como tambeacutem a

utilizaccedilatildeo de fotos e filmagens que registram as atividades realizadas no decorrer deste ano de

2010

Este material seraacute utilizado para expressar dados concretos em um relatoacuterio de pesquisa

(Tese) feito por mim para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias ndash Campus de Mariacutelia O objetivo geral desta pesquisa eacute

Verificar como ocorre o processo de letramento na Educaccedilatildeo Infantil com crianccedilas de 5 e 6 anos

por meio dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e os objetivos especiacuteficos satildeo

1) Verificar como o ensino por meio dos gecircneros discursivos ndash carta livro da vida jornal da

turma ndash interfere na aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de 5 e 6 anos 2) Discutir

quais as relaccedilotildees que as crianccedilas de 5 e 6 anos estabelecem com os elementos dos gecircneros

discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas

relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo do leitor e do produtor de textos 3) Identificar condutas

proacuteprias de leitor e de produtor de textos (orais e escritos) como parte do processo de letramento

nas crianccedilas de 5 e 6 anos 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros

discursivos pode contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de 5 e 6 anos

Declaro ainda que fica assegurado agrave crianccedila que em nenhum momento do relatoacuterio seraacute

feita a identificaccedilatildeo da mesma por nome garantindo-lhe nenhum tipo de constrangimento ou

danos morais

267

Certa de poder contar com a sua autorizaccedilatildeo coloco-me agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos

atraveacutes do telefone (14) 3454 ndash 2887

Greice Ferreira da Silva

Doutoranda em Educaccedilatildeo

Universidade Estadual Paulista-UNESP

Mariacutelia-SP

Autorizo data _______________

______________________________ ________________________________

Responsaacutevel Nome do aluno

268

APEcircNDICE C ndash ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DO

PROFESSOR

Nome _____________________________________________________

Formaccedilatildeo Magisteacuterio ( ) Superior ( ) Curso _________________

Instituiccedilatildeo formadora ________________________________________

Poacutes-Graduaccedilatildeo Especializaccedilatildeo ( ) Curso _______________________

Mestrado ( ) Doutorado ( )

Instituiccedilatildeo formadora ________________________________________

Tempo de serviccedilo ___________________________________________

Tempo de serviccedilo nessa escola _________________________________

Turmas em que lecionou nos uacuteltimos dois anos ____________________

1 Vocecirc costuma ler para seus alunos

2 Que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

3 Vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos Em quais atividades isso

acontece Como eacute feita essa produccedilatildeo E o que eacute feito com o texto que foi produzido

4 Vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto Qual Como

vocecirc percebe isso

5 Quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar em seu trabalho com as crianccedilas Por

quecirc

6 Vocecirc disponibiliza na sala materiais de leitura para as crianccedilas e os empresta para que as

crianccedilas os levem para casa

7 Em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para iniciar o

ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita Por quecirc

8 Para vocecirc como vocecirc chega agrave conclusatildeo de que que uma crianccedila saber ler e escrever

Quais satildeo as manifestaccedilotildees dela com a leitura e com a escrita que te levam a concluir

que ela ldquoaprendeu a lerrdquo

9 O que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

269

APEcircNDICE D ndash ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DA CRIANCcedilA

Escola ________________________________________ Infantil II

Nome ______________________________________________

Idade ______________________________________________

1 Vocecirc gosta de ouvir histoacuterias Que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

2 Por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

3 Aleacutem de histoacuterias haacute outro tipos de textos que vocecirc conhece Quais

4 Vocecirc costuma usar os livros na escola E em casa

5 Vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros Quais

6 Quando vocecirc estava no maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc Que tipo de histoacuterias

7 Vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc Por que

8 O que vocecirc mais gosta nas histoacuterias Das personagens Dos desenhos

9 Vocecirc acha importante saber escrever Por que

10 O que eacute saber ler Quando que uma crianccedila sabe ler

270

APEcircNDICE E ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS DAS PROFESSORAS

PB ndash PROFESSORA DO BERCcedilAacuteRIO

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PB leio mas agraves vezes eu conto porque eles satildeo muito pequenos entatildeo agraves vezes leio o livro

primeiro e nisso eu vou contando pra eles

P certo

PB senatildeo eles natildeo prestam atenccedilatildeo aiacute no uacuteltimo ano dependendo da turma jaacute daacute pra dar uma

lida em livros pequenos mas a maioria eacute contada

P certo e que tipos de textos vocecirc costuma ler para eles

PB ai eu gosto de ler tudo assim principalmente livros neacute histoacuterias conto de faacutebula

faacutebulas eacute conto de fada faacutebulas poesias eacute mais isso

P certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os seus alunos

PB costumo soacute que satildeo pequenos entatildeo natildeo daacute pra fazer uma coisa muito grande tem que

ficar dando muita dica neacute pra tirar mas pequenos textos datildeo pra fazer

P Eacute

PB depois de uma histoacuteria talvez o reconte da histoacuteria no momento que aconteceu eles vatildeo

falando

P certo

PB alguma coisa que aconteceu o que a gente fez entatildeo como que foi neacute

P sei sei

PB eacute mais assim

P e como eacute feita essa produccedilatildeo

PB coletando o primeiro momento se for uma histoacuteria que natildeo tem lousa eu vou escrevendo no

papel mas se eacute numa sala eu vou marcando na lousa e depois eu passo para o papel e depois

para o cartaz geralmente gosto de ver eles perto porque aquilo que foi falado foi passado na

lousa passado no papel e num cartaz grande aiacute eles desenham eu dou um giz grande eles

desenham debaixo do cartaz entendeu

P sim

PB foram eles que fizeram neacute

P e depois o que vocecirc faz com essa produccedilatildeo escrita

PB deixo na parede aiacute eles jaacute sabem neacute o que estaacute escrito o que natildeo estaacute quem desenhou

P entendi

P e vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto e qual tipo de

texto seria esse

PB eles gostam mais de histoacuterias

P sim

PB e os pequenos gostam mais de histoacuterias com animais

P eacute mesmo

PB eacute dos animais todos eles amam pode ser qualquer histoacuteria uma narrativa mas que

tenha animais

P certo

271

PB mas agora os maiores jaacute natildeo eacute um conto de fada uma faacutebula eles gostam os maiores

gostam de faacutebula porque eles podem falar para o amiguinho tambeacutem

P e como vocecirc conta a histoacuteria

PB a moral

P Eacute por conta disso

PB a moral da histoacuteria aquele laacute eacute o fulano que fez isso neacute o coelho dormiu e a tartaruga

passou na frente entatildeo eles vatildeo falando do dia a dia e falando das histoacuterias que eles fizeram

P certo

PB mas os menores satildeo mais assim histoacuterias curtas de animais eles gostam mais

P quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar no seu trabalho com as crianccedilas E por que

vocecirc costuma utilizar mais esse tipo de material de leitura Quando digo material envolve tudo

taacute Tudo que vocecirc tiver livro revista gibi o que tiver

PB eu revisto trecircs (refere-se a encapar os livros) para eles manterem contato com a linguagem

expressa neacute natildeo tem preccedilo neacute o livrinho de histoacuteria eu dou pra eles tambeacutem eu tenho alguns

separados que satildeo pra eles lerem entatildeo eles vatildeo eles estatildeo lendo aiacute de vez em quando eu

pego um livro e natildeo leio soacute que daiacute todo mundo quer aquele livro neacute

P ((risos)) por que

PB mas eles gostam de ler eles ficam assim falando da paacutegina como se estivessem lendo

ficam contando para o amigo como que foi e vem contando pra mim como que foi eles gostam

muito de mim eu gosto muito de dar livros para eles principalmente quando eu falo que eles

natildeo podem rasgar senatildeo natildeo vou poder contar histoacuteria que natildeo vai ter mais livrinho entatildeo isso

pra eles eacute mico eacute para eles irem percebendo

P eles levam livros para casa vocecirc tem esse costume de emprestar

PB alguns eu jaacute mandei eles adoravam

P eacute mas natildeo desde o Berccedilaacuterio

PB ano passado eu mandei no Maternal I

P certo

PB e o Maternal II o Berccedilaacuterio as matildees natildeo entendem o problema natildeo satildeo eles satildeo as

matildees

P entendo

PB teve matildee que achou que eu tinha mandado bilhete elas acharam que tinham dado algumas

outras eu pedi pra crianccedila desenhar aiacute elas desenharam figuras eu queria aquilo eu queria o

rabisco da crianccedila o que a crianccedila fizesse queria da matildee que ela (refere-se agrave crianccedila)

desenhasse neacute e depois trouxesse o livro que daiacute eu ia contar junto com elas aiacute elas iriam ver

que a matildee contou o livro neacute iria ter esse intercacircmbio neacute entre os pais e eu no Berccedilaacuterio as

matildees natildeo agora o Maternal II que jaacute sabe falar mais falavam cobravam mais das matildees e foi

assim eu fiz uma lista de livros e eles foram levando cada semana um

P certo

PB entatildeo eles natildeo iam repetindo agraves vezes eles queriam pegar o que jaacute tinham lido mas aiacute eu

falava esse aiacute vocecirc jaacute levou e todos passavam por todos os livrinhos

P ah entendi

PB eles adoravam

P eu imagino

PB eles trouxeram de volta apesar de serem integral eles trouxeram os livros bem natildeo

estragou nenhum agraves vezes tinha um que esquecia demorava trazia um rasgado

P mas no geral vocecirc teve uma boa resposta

Professora tive

272

P PB em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera que seja mais importante ou mais

adequado na verdade para iniciar o ensino ou aprendizagem da leitura e da escrita E por quecirc

PB seria no processo ou no comeccedilo

P na Educaccedilatildeo Infantil em que momento vocecirc acha que

PB momento com que idade vocecirc quer falar

P eacute ou idade ou que turma poderia acontecer de uma forma

PB somente no Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor para trabalhar

isso que eles jaacute estavam bem maduros neacute

P eles jaacute tinham seis anos

PB tinha seis anos

P eles completavam com a gente (refere-se agraves crianccedilas que completavam seis anos ainda

Educaccedilatildeo Infantil)

PB entatildeo vocecirc ia passando uma coisa vocecirc via a resposta neacute agora cinco anos tem crianccedila que

natildeo estaacute maduro psicologicamente neacute elas precisam de algum tempinho a mais entatildeo eu acho

que aiacute tem um pouquinho neacute demora um pouquinho mais natildeo concordo muito natildeo eu acho

que com seis anos que deve comeccedilar a gente pode comeccedilar antes elas conhecem as letras

mas natildeo eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute mas mais mesmo eacute

com seis anos

P como que vocecirc chega agrave conclusatildeo que uma crianccedila sabe ler e escrever quais satildeo as

manifestaccedilotildees que essa crianccedila apresenta que vocecirc fala nossa estaacute lendo e escrevendo o que

vocecirc observa que te garante que aquela crianccedila jaacute aprendeu a ler e a escrever

PB lendo alguma coisa mas geralmente crianccedila dessa idade comeccedila a ler coisas que estatildeo em

placas mostrando eacute cartazes sabe eles passam e comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute

escrito natildeo sei o que olha laacute estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute

e escrevendo uma hora eles vatildeo escrever mesmo ou uma muacutesica ou uma coisa ateacute mesmo na

areia agraves vezes eles escrevem geralmente os maiores neacute eacute o nome principalmente o

nomeconsegue neacute

P comeccedila por aiacute

PB eacute mas daiacute natildeo seria leitura e nem escrita tambeacutem seria somente do nome mas eacute mais

pra frente que eles fazem neacute

P ta normalmente comeccedila escrever coisas assim produzir um texto maior que olha

PB que jaacute deu neacute que ele consiga ler e entender entatildeo vocecirc pode perguntar que ele natildeo vai te

responder

P PB o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PB sabe que natildeo ouvir falar muito de letramento natildeo mas eu acho que letramento seja a crianccedila

que conheccedila as letras que talvez monte (refere-se as letras) mas alfabetizaccedilatildeo jaacute natildeo ela eacute

incorporada porque tem palavra que tem duplo sentido entatildeo a crianccedila jaacute vai natildeo soacute na

palavra que vocecirc vai lendo nas placas nos siacutembolos neacute entatildeo eacute diferente mas natildeo sei se eacute

bem isso

P natildeo eacute a sua opiniatildeo mesmo

PB acho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo neacute porque entender e escrever e ler aiacute vocecirc tem

uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a leitura sem entender o que estaacute lendo somente

juntando as palavras ou sabendo o alfabeto inteiro mais ou menos acho que eacute isso

P ah obrigada

273

PM I ndash PROFESSORA DO MATERNAL I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM I leio

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler pra eles

PM I entatildeo a literatura infantil leio bastante todos os dias leio um livro uma histoacuteria

seleciono leio sempre assim com um objetivo de trabalhar sentimento eacute trabalhar famiacutelia

ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre seleciono uma histoacuteria assim que de alguma forma vai

tocar eles eles vatildeo viver uma situaccedilatildeo aqui da escola tambeacutem

P e vocecirc percebe assim algum tipo de texto que eles se interessam mais De quais histoacuterias que

eles se interessam mais

PM I que eacute das histoacuterias neacute geralmente eles se interessam bastante e tem insistecircncia

P as que tem o personagem malvado

PM I tem o bonzinho

P sei

PM I as preferidas tem ateacute que induzi-los a um outro tipo de histoacuteria porque eles querem

sempre o mesmo

P o mesmo

PM I o mesmo

P e vocecirc costuma produzir textos eacute escritos por escritos com os alunos

PM I nessa classe ainda natildeo eu sou mais oralmente vocecirc conta a histoacuteria e

P sim

PM I eles relatam o que aconteceu

P aiacute recupera essa histoacuteria

PM I recupera assim oralmente

P vocecirc percebe que as crianccedilas entatildeo se interessam pelas histoacuterias que tem mais

PM I Clima de suspense

P Tem o mal

PM I tem o mal aiacute no final o bem supera o mal ((risos))

P e como eacute que vocecirc percebe isso que eles gostam mais desse tipo de histoacuterias de que maneira

eles demonstram

PM I A expressatildeo facial deles neacute a satisfaccedilatildeo com aquele final o desfecho neacute e os

comentaacuterios

P Ah sim

PM I os comentaacuterios o Maternal quando envolve bastante oralidade eles deslancham assim na

oralidade

P eacute mesmo

PM I eles contam bastante (refere-se as histoacuterias)

P seisei

PM I eacute eles ateacute se antecipam com o acontecimento

P eacute mesmo

PM I eacute muito bom o Maternal

P e quais materiais de leitura que vocecirc costuma utilizar no seu trabalho com as crianccedilas

PM I eu gosto de usar o livro eu gosto de usar o oral como elemento surpresaeu gosto de usar

uma caixa

P caixa

274

PM I tirando assim alguns objetos agraves vezes que eu crio um evento uma histoacuteria e invento

bastantetem que ter esse elemento surpresa pra estar trabalhando a oralidade para eles

ampliarem o vocabulaacuterio neacute a imaginaccedilatildeo

P e seriam aquelas caixas de histoacuterias

PM I Isso

P certo

PM I eu te mostrei

P natildeo

PM I eu tenho duas caixas e um bauzinho que coloco vaacuterios objetos que esse daiacute eu invento

P daiacute vocecirc vai mudando os objetos do bauacute

PM I geralmente eu aproveito as histoacuterias jaacute conhecidas deles que jaacute conhecem e em cima

dessa histoacuteria crio outra histoacuteria com eles agraves vezes escutando vaacuterias histoacuterias pegando outros

personagens de histoacuterias e eles gostam muito

P e tem algum outro material ou seria esse mesmo com as crianccedilas seriam mais os livros e as

caixas neacute

PM I as caixas e paineacuteis tambeacutem

P Ah ta vocecirc usa tambeacutem os paineacuteis

P PM I em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita e por quecirc

PM I olha eu acho assim como eu trabalho sempre com crianccedilas pequenas com faixa etaacuteria

menor assim vocecirc fala assim Eacute ESSE O MOMENTO

P certo

PM I vocecirc vai mantendo a crianccedila em contato com a escrita com a leitura vocecirc vai oferecendo

materiais faz uma releitura ( refere-se ao ato de reconstruir a histoacuteria oralmente) vocecirc trabalha

com eles a oralidade e a crianccedila vai aos poucos despertando o interesse e tem tambeacutem cada um

tem o seu momento neacute tem crianccedila que estaacute mais aleacutem tem crianccedila que tem o momento dela

que vai despertar cada um tem o seu momento chave eacute agora

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe

ler e escrever

PM I quando ela domina eu acho que a crianccedila comeccedila a despertar o interesse para tudo que

ela vecirc olha taacute escrito ta olha eu jaacute sei escrever tal palavra quando ela comeccedila ter o

interesse a dar razatildeo aquilo que taacute escrito neacute porque chega o momento que a crianccedila desperta

o divisoacuterio o concreto as figuras uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair

essa ideia ela comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aquijaacute sei ler issojaacute sei

fazer isso

P E com a escrita

PM I com a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou escrever o meu

nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu nome vocecirc fala jaacute estaacute

despertando e vai com a maturidade ela vai deslanchando

P e quando vocecirc percebe que ela jaacute sabe ler mesmo que ela jaacute aprendeu de que forma essa

crianccedila se manifesta e vocecirc fala que jaacute sabe ler e escrever

PM I pela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir ajuda quando ela tem

aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute (risos) (refere-se agrave crianccedila que jaacute

consegue ler e escrever)

P o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

275

PM I na minha concepccedilatildeo na minha ideia alfabetizar e letrar eu acho que caminham juntas

uma crianccedila letrada estaacute alfabetizada neacute ou pode estar letrada conhecer as letras e natildeo ter o

domiacutenio assim alfabetiZADA MESMO quando natildeo consegue ter a proacutepria autonomia se

virar sozinha mesmo

P alfabetizar pelo que vocecirc estaacute me dizendo pra vocecirc seria a crianccedila que jaacute domina a leitura

com a escrita

PM I isso

P de forma mais autocircnoma

PM I isso

P e letrada eacute quando ela jaacute conhece tem noccedilotildees

PMI mas ela ainda natildeo tem aquela autonomia de ficar fazendo sozinho essa letra e essa

escrita

P certo

PM I minha ideia de ficar analisando a fundo neacute

P e na Educaccedilatildeo Infantil esses processos de alfabetizaccedilatildeo e de letramento satildeo adequados

PM I desde que a crianccedila esteja assim se ela desperta pra isso neacute vocecirc natildeo vai queimar

etapas eacute atropelar eacute forccedilar a situaccedilatildeo e tambeacutem vocecirc natildeo vai provar a crianccedila se ela tem o

interesse se ela se envolver se ela tem vaacuterios recursos na famiacutelia pra estimular vai despertar

antes que outros mas vocecirc natildeo vai pular (etapa) para aprender agora vocecirc natildeo vai escrever

vocecirc natildeo vai segurar a crianccedila e vocecirc tambeacutem natildeo vai forccedilar a situaccedilatildeo assim entatildeo se

acontece

P vocecirc trabalha em cima do que ela vivencia

PM I eacute essa eacute mais ativa ela que vai se tornar eacute depende da situaccedilatildeo vocecirc natildeo vai

forccedilar

P ah estaacute bem muito obrigada

PM I de nada

PM II ndash PROFESSORA DO MATERNAL II

P e vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM II sim

P eacute e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PM II primeiro vou te contar o tipo de leitura que eu faccedilo em alguns momentos eu leio

conforme a histoacuteria do livro neacute leio as letras do livro mesmo a histoacuteria do livro mas em

outros momentos eu costumo contar a histoacuteria tambeacutem Faccedilo o momento da histoacuteria contada

porque dependendo da faixa etaacuteria os pequenos no comeccedilo do ano de eu soacute ler livros pra eles

natildeo se interessam tanto eles se dispersam neacute desviam a atenccedilatildeo e eacute entatildeo que em alguns

momentos eu leio ou em outros eu conto para eles irem se habituando agrave leitura do livro natildeo

contar a histoacuteria assim simplesmente entatildeo eacute leio dessa forma entatildeo eacute eu leio mais os

contos ou eacute eu trabalho lendas neles eacute o que mais leio satildeo faacutebulas mas aiacute eu natildeo enfoco tanto

a moral porque eles ainda natildeo entendem neacute (risos) mas eu natildeo costumo trabalhar assim por

exemplo com histoacuterias em quadrinhos porque satildeo muito pequenos entatildeo eacute assim pra essa

faixa etaacuteria neacute quando eu penso nos maiores daacute

P aiacute jaacute daacute

276

PM II aiacute jaacute daacute pra trabalhar outros gecircneros porque a poesia tambeacutem eacute complicada pra eles

entenderem o que taacute falando ali porque eacute uma linguagem mais eacute mais conotativa

P hum estaacute certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os alunos em quais

atividades se isso acontece em quais atividades isso acontece

PM II textos deixa-me pensar entatildeo eacute difiacutecil porque crianccedila pequena produz texto assim em

alguns momentos que eu escrevo os momentos que eu escrevo que eles falam mais quando

assim a gente estaacute por exemplo natildeo satildeo textos satildeo palavras geralmente por exemplo assim

se eles estatildeo se dou uma opccedilatildeo de duas histoacuterias ou trecircs histoacuterias pra turma escolher eu posso

fazer uma votaccedilatildeo entatildeo eu vou perguntando vocecirc qual histoacuteria gostaria de ouvir eu ponho

o nome da histoacuteria na lousa de repente surge outra histoacuteria que natildeo eacute nenhuma daquelas que eu

separei para as crianccedilas escolherem entatildeo eu marco na lousa aiacute a gente faz a contagem ou de

repente a gente vai falar sobre ou ateacute mesmo falar o nome da histoacuteria o nome das crianccedilas

mas assim texto mesmo eacute quase o Maternal II eacute meio complicado

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por um tipo de texto por algum tipo de

texto qual sua opiniatildeo

PM II Nessa faixa etaacuteria eacute soacute os claacutessicos neacute os claacutessicos

P Ah sei

PM II e geralmente eles gostam das histoacuterias que tem eacute o Lobo Mau que tem a bruxa entatildeo

tem que ter esse tipo de personagem

P e como vocecirc percebe que eles se interessam mais por esse tipo de texto

PM II olha eu acredito que seja por conta da imaginaccedilatildeo que eles tecircm que a imaginaccedilatildeo deles

eacute bem feacutertil neacute eles contam diversas histoacuterias eles inventam eles criam eacute mesmo que de

repente vocecirc comeccedila contar uma histoacuteria de cada o que aconteceu em casa eles satildeo de

repente natildeo contam exatamente contam o que aconteceu e depois eles comeccedilam a contar

inventar criar imaginar as coisas ou uma situaccedilatildeo que eles gostariam eu acho que eacute por isso

porque os contos claacutessicos as histoacuterias de fadas e de princesas assim mexem muito com a

imaginaccedilatildeo da crianccedila

P e quais materiais de leitura vocecirc disponibiliza para as crianccedilas que material que vocecirc costuma

utilizar no seu trabalho

PM II de leitura

P eacute com as crianccedilas

PM II olha eu preciso utilizar os livros de histoacuterias eu gosto de livros natildeo soacute assim eu

acho que a leitura pra crianccedila pequena eacute muito importante que seja feita junto com o livro neacute

porque eacute eu sinto muito que eles precisam de um modelo por que agraves vezes quando vocecirc estaacute

contando uma histoacuteria vocecirc tem que ter aquele apoio visual que eacute muito mais faacutecil pra crianccedila

compreender e agraves vezes ateacute pra despertar o eu acho a imaginaccedilatildeo das crianccedilas que nem por

exemplo eu posso contar a histoacuteria da Chapeuzinho Vermelho com um livro e depois contar

com outro livro e eles iratildeo ter desenhos diferentes e de repente a histoacuteria muda um pouco entatildeo

eles iratildeo ter que se concentrar mais ficam mais por conta da imagem (5) Entatildeo eles ficam por

mais tempo eles ficam mais eu vejo que eacute um modelo de desenharem porque quando a

gente soacute conta histoacuteria pra crianccedila pequena principalmente depois eles ficam meio perdidos

eles dizem Ocirc tia natildeo tem um desenho da formiga Natildeo sei como desenha o Lobo Natildeo sei

como desenha sei laacute a Chapeuzinho Vermelho entatildeo elas acham importante o apoio visual

eacute eu costumo trabalhar com eles assim eles vatildeo ter contato com as letras com as imagens

eacute os livros que conteacutem os desenhos agora agora as revistas contecircm fotografias natildeo tem soacute

desenhos tem alguns desenhos tambeacutem mas contecircm fotos imagens diferentes tem tambeacutem

as marcas dos produtos que eles vatildeo ter contatos

277

P entendi

PM II entatildeo uma placa que eles veem na rua pode ver na revista tambeacutem entatildeo eu trabalho

mais com o livro e com a revista e os livros tambeacutem eu gosto quando eu tenho um atrativo a

mais como por exemplo o livro do Coelhinho Fofinho para as crianccedilas da Vaquinha

Mimosa que tem texturas ou livros que decirc pra vocecirc Um Caracol que eu li tambeacutem que daacute

pra colocar os dedos nos olhinhos para se mexerem um atrativo a mais pra crianccedila pequena

P em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita

PM II ah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo mais prontas

jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepido jaacute entendem

melhor o que a gente ensina se bem que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar antes no

maternal mas no Infantil II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra ao som

conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou mostrando trabalho

muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu vou oferecendo mais vou puxando

sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro demais pra elas

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe

ler e escrever

PM II ah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal coisasabe ela comeccedila ler

as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua essas coisas a crianccedila chega num momento

que ela desperta mesmo e ela comeccedila a ler e a escrever

P mas como vocecirc percebe isso Quais as manifestaccedilotildees dela Vocecirc observa outros indiacutecios

PM II a crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer isso o tempo todo

isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante porque jaacute consegue fazer isso e agraves

vezes as outras ainda natildeo

P o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PM II ah eacute uma coisa meio complicada neacute mas pra mim alfabetizaccedilatildeo eacute quando a crianccedila

sabe codificar e decodificar sabe o que estaacute escrito e sabe escrever agora letramento eacute eu

acho que eacute quando a crianccedila sabe usar isso de algum jeito sabe usar de maneira mais

funcional eu acho que eacute isso neacute

PI I ndash PROFESSORA DO INFANTIL I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PI I costumo

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PI I eacute a maioria satildeo histoacuterias infantis mesmo contos de fada historinhas em si infantis

hum a gente lecirc muitas muacutesicas tambeacutem mas como eu escrevo na lousa a gente acaba lendo a

muacutesica neacute

P certo

PI I mas histoacuteria mesmo satildeo contos de fada

P e vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos

PI I natildeo

P sei

PI I com o Preacute III eu fazia

278

P certo

PI I com o Infantil I eu ainda natildeo fiz natildeo

P uma produccedilatildeo oral que vocecirc vai registrando

PI I ano passado eu fiz sabe

P eacute

PI I eu fiz brincadeiras a gente brincava na quadra e escrevia a brincadeira neacute

P certo

PI I com eles eu fiz mas com esse ano natildeo fiz natildeo

P certo e tem algum motivo especial assim por que natildeo fez ainda esse ano

PI I natildeo

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto

PI I que eles gostam mais

P eacute tem algum tipo que causa mais que causa mais interesse

PI I eles pedem mais os que tecircm lobo que tenha mais personagem do tipo do lobo neacute tenha

bruxa eles adoram OS TREcircS PORQUINHOS neacute

P ah Os Trecircs Porquinhos

PI I eacute o que eles mais gostam A Bela e a Fera eles adoram

P sim

PI I acho que tem esse elemento que causa esse tipo de medo natildeo sei

P e quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar em seu trabalho com as crianccedilas

PI I que eles leiam vocecirc fala ou o que leio pra eles

P o que vocecirc lecirc pra eles o que vocecirc costuma usar

PI I somente livros de histoacuterias infantis mesmo

P e por que vocecirc prioriza esse uso desse tipo de material

PI I natildeo sei eu acho que estou errada nisso porque tem que usar todos mas eu acabo presa

nisso uma falha minha

P eacute uma falha

PI I eu acho que eacute uma falha que nem a produccedilatildeo de textos eu dou muito pouco porque eles

vatildeo ditando pra mim e eu vou escrevendo na lousa aiacute seria uma produccedilatildeo mas natildeo um texto

que eles criaram neacute eacute um texto pronto que eles vatildeo falando que letra vocecircs acham que tem que

pocircr ou eu sento falo onde estaacute tal palavra na muacutesica do Pintinho Amarelinho eles vatildeo

procurar eles vatildeo procurando jaacute entatildeo eles tecircm bastante isso neacute

P certo

PI I eu natildeo faccedilo a produccedilatildeo para eles criarem neacute

P certo

PI I eacute uma parte que eu estou falhando que teria que rever neacute

P e vocecirc disponibiliza materiais de leitura para as crianccedilas

PI I somente livros de histoacuterias

P somente livros de histoacuterias e vocecirc os empresta para elas levarem pra casa esses livros de

histoacuteria

PI I natildeo tenho emprestado

P natildeo

PI I Eacute Eu tenho emprestado em anos anteriores sabe por quecirc

P natildeo por que

PI I eu fico sempre eacute assim eu planejei fazer de uma forma que eu tinha que mandar bilhetinhos

para os pais e sabe quando vocecirc vai deixando de uma semana para outra e acaba natildeo

mandando eacute uma falha que a gente vai tendo neacute

279

P que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita

PI I que momento

P Eacute

PI I eu acho jaacute no Infantil I daacute porque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as muacutesicas e eles

jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles onde estaacute

escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o

siacutembolo da palavra jaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a palavra

antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra entatildeo eu acho

que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras iguais nos

nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute quando eles

vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com o dedinho

cantando e vai assim o dedinho (faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em linha reta da

esquerda para a direita como a indicar leitura) entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute

comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo tendo contato

com a escrita neacute

P certo

PI I eu acho que tudo jaacute comeccedila a aprendizagem dali neacute minha sobrinha tem um ano e meio e

coloco-a no computador jaacute a coloco na letrinha como ela adora BARBIE (nome de uma

boneca) o site da BARBIE ela procura qual eacute o B no teclado e comeccedilo perguntando qual eacute o

B qual que eacute o B ela faz assim com o dedo (faz o gesto indicando que a crianccedila passa o dedo

sobre cada letra no teclado do computador) procura e aperta o B entatildeo acho que natildeo tem uma

idade definida mas eu acho que o trabalho em si seria no Infantil II mas pode comeccedilar firme

no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na muacutesica eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil

neacute

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que uma crianccedila jaacute se apropriou disso

PI I quando ela sozinha consegue ler e entender o que ela estaacute lendo quando ela consegue

escrever histoacuterias criar e conseguir o que ela escreveu

P certo eacute que eu iria perguntar que manifestaccedilatildeo dela com a leitura que te leva a concluir que

ela aprendeu a ler por exemplo

PI I eacute porque agraves vezes a crianccedila decodifica vocecirc pergunta o que vocecirc leu e natildeo consegue

explicarentatildeo eu acho que quando ela aprender mesmo eacute quando ela entendeu o que ela leu neacute

porque na verdade a leitura se vocecirc entender como uma decodificaccedilatildeo aqui estaacute escrito BOLA e

ela lecirc BOLA ela sabe decodificar mas natildeo prestou atenccedilatildeo no que estaacute lendo entatildeo eu

considero que ela tem que entender o que estaacute lendo tambeacutem por exemplotem que ser um

complemento neacute a escrita tambeacutem tem que saber passar sabe escrever e entender o que ela quis

passar pra mim neacute outra pessoa lecirc que tenha coerecircncia uma coisa eacute entender pode ter erros

de ortografia e tudo mas isso eacute normal neacute

P ainda mais que isso eacute normal

PI I Isso eacute tem bastante erro mas daacute pra entender o que a crianccedila quis passar neacute

P e o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PI I ai eu natildeo sei eu jaacute li sobre isso mas na minha cabeccedila ficou a mesma coisa letrar

alfabetizar ficou a mesma coisa

P e pra vocecirc o que eacute alfabetizar

PI I alfabetizar entatildeo eacute isso que acabei de falar eacute vocecirc ensinar a crianccedila a ler a escrever

a poder utilizar isso ela pegar um jornal e saber usar o jornal como lecirc como que entender o

280

que estaacute escrito laacute na vida dela se ela precisa de uma receita ela vai laacute e ela sabe procurar um

livro de receitas ela vai lecirc sozinha sem ajuda de ningueacutem ela consegue fazer sozinha neacute

lecirc uma histoacuteria lecirc pro amiguinho lecirc uma bula de remeacutedio saber o que ela estaacute lendo ela

quer fazer um brinquedo lecirc um texto e lecirc sabe o que estaacute escrito e lecirc sabe escrever um

bilhete pra algueacutem uma carta uma histoacuteria

P obrigada

PM I eacute isso neacute

P muito obrigada

281

APEcircNDICE F ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI ndashESTRUTURADAS DAS CRIANCcedilAS (INIacuteCIO DA PESQUISA)

C1 ndash 5 anos

P C1 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C1 eu gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C1 todas que eu tenho

P todas que vocecirc tem e quais satildeo as que vocecirc tem

C1 a que tem vaacuterias histoacuterias e a do Peacute de Feijatildeo

P ah que tem vaacuterias histoacuterias num livro

C1 num DVD

P Ah num DVD e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C1 porque eu comecei a ouvir e gostei

P ah eacute o que elas tecircm assim de especiais

C1 muitas histoacuterias legais

P aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece

Beatriz Uhum

P quais tipos de textos que vocecirc jaacute conhece

C1 Chapeuzinho Vermelho Os Trecircs Porquinhos eu natildeo sei mais

P tem outro tipo de histoacuteria diferente que vocecirc conhece de textos que vocecirc conhece

C1 tem

P aleacutem dessas histoacuterias que vocecirc jaacute conhece tem outros tipos como poesia por exemplo

C1 Uhum

P vocecirc gosta o que mais que vocecirc gosta que as pessoas leiam ou contem histoacuterias pra vocecirc

C1 o livro de histoacuterias que meu pai conta

P ah eacute mesmo o livro de histoacuterias biacuteblicas eacute o seu pai que conta pra vocecirc que legal vocecirc

costuma usar os livros na escola

C1 costumo

P tem bastante na sua sala

C1 tem

P e na sua casa

C1 tambeacutem

P e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros textos

aleacutem dos livros

C1 conheccedilo

P conhece que outros materiais escritos tecircm

C1 poesias

P tem poesias mas que materiais olha temos os livros neacute aleacutem dos livros vocecirc tem outro

tipo de material que vocecirc usa

C1 tem

P qual o que vocecirc conhece

C1 eu tenho um livro que conheccedilo

P qual

C1 somente natildeo sei o nome

282

P mas e revistas

C1 tem uma revista laacute em casa

P ah eacute aleacutem de revistas tem outro tipo de materiais na sua casa que tem coisas escritas

C1 jornal

P jornal eacute mesmo tem mais algum outro que vocecirc conhece

C1 revista de TV

P ah revista de TV

Beatriz tem as pessoas que aparecem na TV

P C1 quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C1 costumava

P e que tipo de histoacuteria elas liam

C1 qualquer uma

P qual por exemplo

C1 da Chapeacuteu

P qual

C1 da Chapeuzinho Vermelho Os Trecircs Porquinhos Cinderela

P e vocecirc prefere mais que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C1 que contem histoacuterias pra mim

P por que vocecirc prefere que contem e natildeo que leiam

C1 eacute porque eu gosto de histoacuterias

P eacute mas qual que eacute a diferenccedila quando algueacutem estaacute lendo de algueacutem estaacute contando pra vocecirc

por que vocecirc gosta mais somente conta

C1 porque cai bem contar porque eu gosto

P eacute tem alguma coisa de diferente na hora de contar

C1 eacute que naquele livro de histoacuterias na terra tinha somente pulo

P Ah

C1 eacute lenda

P ah eacute Nossa e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C1 dos desenhos que as pessoas fazem

P ah eacute

C1 do Adatildeo e Eva

P vocecirc gosta mais das ilustraccedilotildees entatildeo dos desenhos

C1 uhum

P vocecirc acha importante C1 saber escrever

C1 eu sei mas somente o meu nome

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P acha e por que vocecirc acha importante a gente saber escrever

C1 porque eu natildeo sei

P por que vocecirc acha que isso eacute importante para que a gente precisa aprender a escrever

C1 porque a gente vai crescendo e vai aprendendo

P eacute e pra fazer o que depois com essa escrita

C1 eacute ((silencia))

P e o que vocecirc vai usar por exemplo quando vocecirc aprender a escrever vocecirc vai usar para

que isso

C1 porque sim

283

P pra que a gente aprende a escrever

C1 porque nossos pais fazem a gente escrever

P ah C1 o que eacute saber ler

C1 eacute para aprender

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C1 tem que ter seis anos para saber ler

P ah quando tem seis anos mas tem gente que aprende antes dos seis anos natildeo aprende

C1 a hatilde

P e aiacute

C1 hum

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler quando que vocecirc olha para um amiguinho e diz aquela

pessoa jaacute sabe ler como eacute que vocecirc percebe isso

C1 eacute porque um dia a V ((refere-se a uma colega da turma)) conseguiu ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu que ela fez isso

C1 porque ela estava vendo o livrinho e prestando atenccedilatildeo nos desenhos

P eacute mesmo

C1 e a professora deu um pontinho

P quando foi isso

C1 ah quando a gente estudava com a outra professora ((refere-se a professora do ano

anterior))

P muito obrigada C1

C1 taacute obrigada

C2 ndash 5 anos

P C2 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C2 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C2 Os Trecircs Porquinhos

P Os Trecircs Porquinhos eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C2 porque Os Trecircs Porquinhos fazem uma Os Trecircs Porquinhos eacute um eacute burro e outro eacute

esperto

P ah eacute C2 aleacutem de histoacuterias tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C2 O caso do bolinho ((refere-se a histoacuteria de autoria de Tatiana Belinky))

P O caso do bolinho eacute outra histoacuteria neacute mas sem ser histoacuterias poesias por exemplo vocecirc

conhece jaacute ouviu algumas poesias alguma vez

C2 eacute A Branca de Neve

P A Branca de Neve hum e vocecirc costuma usar livros na escola vocecirc natildeo costuma pegar

livros na caixinha da leitura

C2 somente gosto de pegar o livro do Aladim e do catildeo

P mas entatildeo vocecirc usa livros na escola

C2 ((afirma com a cabeccedila))

P e em casa vocecirc usa livros vocecirc tem livros na sua casa

C2 uhum

P tem

C2 meu irmatildeo daacute pra eu ler

284

P e quais livros ele daacute pra vocecirc ler

C2 aquele que tem a Barba Azul

P ah certo C2 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros textos aleacutem dos livros

C2 Aquela da bruxa ruim que daacute a maccedilatilde ruim pra Branca de Neve

P ah mas vocecirc conhece outros materiais por exemplo vocecirc falou que jaacute conhece os livros

aleacutem dos livros vocecirc conhece outros materiais escritos ou natildeo

C2 conheccedilo

P quais outros que vocecirc conhece aleacutem dos livros

C2 livro

P entatildeo sem ser

C2 eacute mais gostoso pra ler

P os livros satildeo mais gostosos de ler mas vocecirc conhece outros materiais tem outros materiais de

leitura na sua casa ou aqui na escola que vocecirc gosta de ver

C2 o aquele laacute do Mickey e Donald

P ah mas aquele laacute eacute o gibi neacute e vocecirc conhecia ou natildeo o gibi

C2 ((nega com cabeccedila))

P natildeo

C2 eu somente conheci quando o assisti no salatildeo

Pesquisadora Ah taacute

C2 e aquele que tem o ratinho que pega um montatildeo de coco e aiacute ele vai pra casinha dele na

aacutervore

P certo ah entatildeo vocecirc conhece livros conhece gibis e conhece mais o que

C2 revista

P C2 quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C2 costumavam

P e quais histoacuterias elas liam que tipo de histoacuterias elas liam

C2 A Branca de Neve

P somente essa somente esse tipo de histoacuteria que elas liam

C2 aa Chapeuzinho

P ah da Chapeuzinho Vermelho e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C2 leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam as histoacuterias

C2 porque eacute melhor

P e por que eacute melhor quando algueacutem estaacute lendo por que vocecirc acha que eacute melhor do que ler ou

somente contar

C2 porque contar natildeo se pode fazer nada somente pode ficar quieto

P e quando estaacute lendo pode

C2 ((nega com a cabeccedila))

P natildeo e por que entatildeo eacute mais legal quando algueacutem estaacute lendo

C2 eacute mais da hora aiacute mostra os desenhos

P e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C2 do desenhos

P e por que

C2 porque o desenho passa muito e as histoacuterias passam pouco

P ah eacute mas passa muito como

285

C2 porque o meu amigo Indiana tem aquele cachorratildeo e aquele ratinho

P ah sim C2 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever e por que vocecirc acha que eacute

importante saber escrever

C2 porque eacute aprende

P entatildeo porque a gente tem que aprender a escrever

C2 eacute melhor

P e o que fazemos quando aprendemos a escrever o que podemos fazer quando sabe escrever

C2 noacutes trabalhamos

P trabalhamos de que jeito

C2 fazendo portatildeo

P entatildeo quando a pessoa sabe escrever ela pode trabalhar e o que mais

C2 Aiacute

P por que a gente escreve as coisas

C2 eacute tem que escrever muito pra saber

P pra saber pra conhecer saber o que

C2 filme

P filme

C2 filme e trabalhar

P e o que mais a gente pode fazer quando sabemos escrever

C2l desenhar o filme

P C2 o que eacute saber ler

C2 que natildeo eacute bonito que noacutes aprendemos muito

P e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C2 aiacute ele vai lendo para outra pessoa

P ah eacute quando uma pessoa aprende a ler ela lecirc para ajudar outra pessoa tambeacutem e quando vocecirc

jaacute sabe que uma pessoa jaacute sabe ler

C2 C13 e C5 jaacute sabem

P C13 e C5 jaacute sabem ler e o como eacute que vocecirc sabe que os dois jaacute sabem ler

C2 porque eles lecircem o livrinho

P eles leram pra quem

C2 eacute pra eles quando vocecirc daacute livrinhos pra eles eles ficam lendo

P eacute mesmo e como que vocecirc olha e fala assim eles jaacute sabem ler esses meus amigos aqui jaacute

sabem ler como eacute que vocecirc percebe que eles jaacute sabem ler

C2 Porque eacute ele estaacute lendo o livrinho alto

P ah ele estaacute lendo alto aiacute daacute pra perceber que ele estaacute lendo mesmo

C2 uhum

P entatildeo estaacute bem obrigada viu

C3 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C3 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C3 do caso do bolinho

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C3 porque eacute mais legal a muacutesica

286

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C3 natildeo

P natildeo vocecirc costuma usar os livros na escola

C3 sim

P e na sua casa

C3 tambeacutem

P tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C3 tenho UM MILHAtildeO

P nossa quantos e quais livros vocecirc tem na sua casa

C3 Um montatildeo

P fala o nome de alguns

C3 uma eacute da joaninha e outra da borboleta

P Ah

C3 os outros eu natildeo me lembro

P C3 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros

C3 eu natildeo

P vocecirc natildeo conhece nenhum material de leitura

C3 conheccedilo

P tem os livros e tem outros materiais que tem coisas escritas natildeo tem

C3 tem

P que outros materiais vocecircs conhecem que tem coisas escritas

C3 ah eu natildeo sei tem um montatildeo de coisas tem jornal

P tem jornal entatildeo vocecirc conhece o jornal tem o jornal tem os livros e o que mais

C3 revistas

P revistas tem mais algum material escrito que vocecirc conhece

C3 natildeo

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler ou

contar histoacuterias pra vocecirc

C3 sim

P e quais histoacuterias elas contavam que tipo de histoacuterias elas contavam

C3 eacute da Chapeuzinho Vermelho dos Trecircs Porquinhos

P tem mais algum outro tipo de histoacuteria

C3 os outros eu natildeo me lembro

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 contem

P e por que vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 porque eacute bom para ouvir

P Entatildeo porque vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 porque eacute legal porque conta porque mostra os desenhos

P mas aiacute eacute quando a pessoa lecirc natildeo eacute

C3 uma vez eu leio para as minhas bonecas

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos por exemplo

C3 dos desenhos

P e por que vocecirc prefere os desenhos

C3 porque eacute legal

P e o que eles tem de legal

287

C3 satildeo engraccedilados

P C3 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C3 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute eacute importante aprender a escrever e por que vocecirc acha que eacute importante

C3 por quecirc eacute para poder escrever as cartas no dia do aniversaacuterio para poder dar para os

amigos ((refere-se agrave convites de aniversaacuterio))

P ah entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode escrever cartas para os amigos

convites de aniversaacuterios o que mais a gente pode fazer quando a gente sabe escrever

C3 a gente tambeacutem pode dar para as professoras coisa boa que estaacute escrita

P eacute mesmo e que tipo de coisas boas assim

C3 elogios de amor de felicidade

P nossa que gostoso entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode fazer um montatildeo de

coisas neacute

Gabriela eacute

P C3 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C3 eacute eu natildeo sei quais os dias

P natildeo os dias natildeo mas como que vocecirc percebe que algueacutem sabe ler

C3 eacute porque minha matildee conta histoacuterias pra mim todos os dias aiacute eu ouccedilo

P vocecirc conhece algueacutem que sabe ler a sua matildee por exemplo sabe ler

C3 o meu avocirc

P o seu avocirc tem amiguinhos seus que jaacute sabem ler

C3 tem

P tem

C3 a minha amiga G e minha outra amiga que chama D

P e como eacute que vocecirc sabe que elas jaacute sabem ler

C3 porque elas satildeo grandes

P ah eacute mas uma crianccedila menor pode aprender a ler natildeo pode

C3 pode minha matildee me ensina

P entatildeo mas como eacute que vocecirc fala assim nossa aquela pessoa ali jaacute sabe ler

C3 eacute porque eu fico estudando todos os dias lendo eu fico falando o alfabeto assim oacute Q

E M A B

P Ah e aiacute falando as letras vocecirc vai aprendendo

C3 eacute

P a ler falando o alfabeto

C3 eacute

P entendi muito obrigada

C 5 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C5 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C5 O caso do bolinho

P Caso do bolinho e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C5 (6) porque eacute legal

P O que essa histoacuteria tem que eacute tatildeo legal

288

C5 a primeira parte

P e qual eacute

C5 que o avocirc acorda

P ah o avocirc acorda e pede o que

C5 bolinho

P pra quem

C5 para a avoacute

P aleacutem de histoacuterias haacute algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C5 natildeo

P somente conhece histoacuterias natildeo conhecem poesias outros tipos de textos

C5 natildeo

P vocecirc costuma usar os livros na escola

C5 (4) costumo

P e na sua casa

C5 natildeo porque natildeo tem

P natildeo tem livros em casa nenhum

C5 eu tenho minha irmatilde

P a sua irmatilde tem

C5 um monte

P ah entatildeo vocecirc tem livros em casa

C5 soacute que meu pai natildeo lecirc

P natildeo lecirc pra vocecirc

C5 nem minha matildee

P e vocecirc tenta ler sozinho

C5 uhum

P e consegue

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como eacute que vocecirc faz pra ler

C5 vejo as ilustraccedilotildees

P ah Isso vai lhe ajudando a ler somente com as ilustraccedilotildees que vocecirc consegue

C5 uhum

P hum C5 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros tipos de textos aleacutem dos livros

C5 natildeo

P vocecirc natildeo conhece revistas ou outros materiais de leitura que tem coisas escritas

C5 natildeo

P natildeo

C5 Professora

P Sim C5

C5 amanhatilde vocecirc me deixa ler aquele livro que aparece a caverna

P deixo vocecirc quer ler deixo sim quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas

professoras costumavam ler ou contar histoacuterias pra vocecirc

C5 natildeo

P Natildeo Nenhuma

C5 davam livros somente pra gente ler sozinhos

P ah eacute mas elas natildeo liam pra vocecircs

C5 natildeo

289

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 contem

P eacute e por que vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 porque tem algumas coisas que eu natildeo sei

P ah ta entatildeo aiacute eacute melhor que as pessoas contem do que elas leiam

C5 eacute

P C5 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C5 dos desenhos

P e por que vocecirc prefere os desenhos

C5 porque eacute legal

P eacute e o que eles tecircm assim que deixa a histoacuteria tatildeo bacana legal

C5 a muacutesica

P muacutesica

P C5 vocecirc acha importante aprender a escrever ou saber escrever

C5 eu jaacute sei

P vocecirc jaacute sabe escrever mesmo o que vocecirc faz agora por vocecirc jaacute sabe escrever

C5 ler histoacuteria pra minha irmatilde dormir

P ah que legal vocecirc lecirc histoacuterias para sua irmatilde dormir e ela gosta

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute mesmo C5 o que a gente pode fazer quando a gente aprende a escrever

C5 falar coisas para os amigos

P eacute falar ou escrever

C5 escrever

P eacute que tipo de coisas

C5 uma coisa que eles natildeo sabem depois vocecirc fala

P escreve

C5 depois vocecirc fala o que eacute se natildeo sabe

P ah aiacute vocecirc estaacute lendo natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever entatildeo

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e o que eacute saber ler

C5 eacute que aprende muitas coisas

P e quando que uma crianccedila jaacute sabe ler vocecirc por exemplo vocecirc falou pra mim que jaacute sabe

ler natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P quando que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabia ler

C5 aquele dia que eu fui falar as letras

P ah vocecirc foi falando e foi aiacute que vocecirc percebeu

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute como que vocecirc faz pra ler C5

C5 fala as letras e depois eu adivinho

P ah vocecirc fala as letras e depois adivinha hum entatildeo estaacute bem muito obrigado viu

290

C6 ndash 5 anos

P C6 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C6 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C6 mais gosto eacute Cinderela

P hum e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C6 porque eu acho mais bonito

P eacute e o que elas tem que deixa mais bonita a histoacuteria

C6 eacute porque a fada transforma num vestido rosa

P C6 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece reportagens poesias

notiacutecias

P tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C6 histoacuteria conheccedilo da Chapeuzinho Vermelho

P qual mais

C6 ahn deixa eu ver Branca de Neve

P certo

C6 Pequena Sereia

P certo

C6 E

P mais alguma

C6 natildeo

P vocecirc costuma usar os livros aqui na escola

C6 costumo

P e na sua casa

C6 na minha casa somente fico brincando

P ((risos)) somente brincando e natildeo usa livros na sua casa natildeo

C6 natildeo

P mas vocecirc tem livros em casa

C6 natildeo

P natildeo C6 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros textos aleacutem dos livros

C6 aleacutem dos livros

P eacute algum material de leitura aleacutem dos livros algum outro material que tenha coisas escritas

C6 aham

P que tipo quais materiais que vocecirc conhece

C6 hum o jornal

P o jornal qual mais

C6 livro

P livro quais outros

C6 como eacute professora mesmo

P que materiais que vocecirc conhece que tem coisas escritas aleacutem dos livros

C6 coisas escritas

P vocecirc falou jornal livros o que mais vocecirc se lembra de mais algum

C6 natildeo

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

291

C6 hum natildeo

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C6 contem

P contem eacute melhor contar do que ler

C6 uhum

P vocecirc prefere e por que vocecirc prefere que as pessoas contem

C6 hum

P por que eacute mais legal contar do que ler

C6 hum porque eacute mais legal

P eacute mais legal o que tem de diferente nisso

C6 diferente

P ler eacute diferente de contar

C6 ah natildeo

P eacute a mesma se eu ler uma histoacuteria ou se eu contar uma histoacuteria eacute a mesma coisa

C6 eacute

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C6 dos desenhos

P dos desenhos e por que vocecirc gosta mais dos desenhos

C6 porque eles satildeo ilustraccedilotildees

P ah e as ilustraccedilotildees satildeo boas

C6 satildeo

P e vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C6 importante

P eacute vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C6 eu acho

P e por que eacute importante aprender a escrever

C6 hum para a gente aprender mais

P aprender mais e o que a gente pode fazer depois que a gente aprende a escrever

C6 escreve

P escreve o que por exemplo

C6 escreve para professora para o amiguinho

P ah escreve para a professora para os amigos

C6 uhum

P o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 somente quando estuda e vai para a escola

P somente quando vai para laacute e antes natildeo pode aprender

C6 antes aprende tambeacutem

P entatildeo e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 quando estiver em outras escolas assim

P vocecirc tem alguma amiguinha aqui na nossa escola que jaacute sabe ler

C6 natildeo

P nenhuma

C6 nenhuma

P e quando uma pessoa jaacute sabe ler vocecirc fala assim nossa aquela crianccedila ali jaacute sabe ler

como que vocecirc percebe que algueacutem estava lendo

C6 eu jaacute sei ler

P e como eacute que vocecirc sabe o que vocecirc faz quando vocecirc ler como que vocecirc faz pra ler

292

C6 eu fico juntando as letrinhas

P ah vocecirc fica juntando as letrinhas e vai conseguindo ler

C6 uhum

P eacute assim

C6 eacute

P entatildeo vocecirc jaacute aprendeu

C6 uhum

P Obrigada C6

C6 de nada

C8 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C8 sim

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C8 eu gosto do saci

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C8 eu gosto mais da histoacuteria que ele vai agrave fazenda e se transforma num cavalo

P ah eacute e quem contou essas histoacuterias pra vocecirc

C8 eu vi na televisatildeo

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C8 eacute por isso que o saci sempre faz coisas legais na casa do fazendeiro

P aleacutem de histoacuterias tem outro tipo de texto que vocecirc conhece quais

C8 matemaacutetica

P ah matemaacutetica eacute um texto

C8 texto de adulto

P de adulto como eacute que vocecirc sabe disso

C8 eacute pra isso que se trabalha em matemaacutetica para poder ir para outra escola

P mas a gente natildeo faz matemaacutetica aqui na escola

C8 sim

P entatildeo eacute somente dos adultos

C8 somente para os adultos e para crianccedila tambeacutem

P entatildeo tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C8 eu conheccedilo

P aleacutem das histoacuterias

C8 eu conheccedilo aleacutem das histoacuterias a Girafa sem sono ((refere-se ao nome de um livro de Liliana

Iacocca))

P e vocecirc costuma usar os livros aqui na escola

C8 sim

P e na sua casa

C8 na minha casa tem livrinho

P tem tambeacutem e vocecirc costuma usar livros laacute

C8 sim

P certo e quem usa com vocecirc

C8 minha avoacute e minha matildee

P certo

293

C8 e ateacute o meu pai

P e vocecirc conhece outros materiais escritos que tem histoacuterias poesias ou outros tipos de textos

aleacutem do livro materiais escritos assim que tem coisas escritas

C8 uhum

P quais materiais que vocecirc conhece

C8 eu conheccedilo matemaacutetica e coisa de adulto

P entatildeo e coisas escritas que nem os livros tem histoacuterias escritas natildeo tem as revistas tem

tambeacutem natildeo tem

C8 tem

P que outros materiais tem coisas escritas

C8 coisas escritas que tecircm eacute o livro

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C8 uhum

P eacute e que tipo de histoacuterias elas contavam

C8 ela contava do Ursinho Memel

P ah eacute

C8 A PI I

P ela contava alguma outra histoacuteria que vocecirc lembra

C8 Eu me lembro da I ((refere-se a uma ex-professora da escola)) ela vem na festa junina

P eacute mesmo eacute verdade que tipo de histoacuterias a professora I contava

C8 Ela contava qualquer uma contava da Girafa sem sono tambeacutem

P vocecirc prefere que as pessoas leiam ou somente contem histoacuterias pra vocecirc

C8 que leiam e me contem as histoacuterias

P mas qual dos dois vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C8 leiam

P que leiam e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam histoacuterias pra vocecirc

C8 eacute por isso que estou andando de ocircnibus

P mas por que vocecirc prefere que leiam uma histoacuteria pra vocecirc

C8 eu sei disso por isso que a minha avoacute sabe ler

P ah eacute e vocecirc prefere que ela leia por quecirc

C8 ela lecirc muito bem

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C8 eu gosto das personagens

P eacute e por quecirc

C8 porque eacute muito legal

P e o que elas tem que chamam atenccedilatildeo

C8 ah nem sei

P C8 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever por quecirc

C8 eacute porque eacute muito importante pra gente ler

P o que fazemos quando aprendemos a escrever o que a gente pode fazer

C8 ela faz tarefa

P podemos fazer tarefa o que mais

C8 matemaacutetica

P matemaacutetica o que mais

C8 ler livro

P ah certo e o que eacute saber ler C8

294

C8 saber ler eacute quem aprende mais coisas

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C8 uma crianccedila jaacute sabe ler quando ela sabe ler quando ela descobre quando ela vai para outra

escola

P aqui na escola tem algumas crianccedilas que jaacute sabem ler

C8 ((afirma com a cabeccedila))

P entatildeo natildeo precisa mudar de escola precisa

C8 natildeo mas semana que vem tem que mudar de escola ((refere-se ao proacuteximo ano em que

ingressaratildeo na escola de Ensino Fundamental))

P e quando vocecirc vecirc uma crianccedila e fala assim nossa aquele meu amiguinho jaacute aprendeu a ler

quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C8 porque a minha matildee me ensina a ler

P e como que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabe ler

C8 eu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a ler

P ah e eacute importante aprender a ler tambeacutem

C8 uhum

P certo obrigada viu C8

C8 de nada

C9 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C9 do coelhinho que tenho laacute em casa

P como chama essa histoacuteria lembra

C9 Coelhinho Tatau

P tem outros tipos de histoacuterias que vocecirc gosta

C9 Chapeuzinho Vermelho

P ah eacute

C9 mas a do Lobo Mal O porquinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C9 porque tem o Lobo que faz as coisas com os porquinhos e aiacute o Lobo se ferra

P nossa e por que isso acontece com ele

C9 porque ele apronta e aiacute os porquinhos sabem que o Lobo estava atraacutes deles e aiacute eles pegam

e jogam o caldeiratildeo na lareira e aiacute ele natildeo sente calor entra pela chamineacute e sai correndo na

hora ele cai no caldeiratildeo cheio de aacutegua quente

P eacute

C9 aiacute ele aprende que natildeo pode mexer com os porquinhos

P hum entendi C9 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 hum acho que natildeo

P vocecirc costuma usar livros na escola

C9 uhum

P e na sua casa

C9 sim os que eu ganhei da minha escola eu leio todo dia em casa

P eacute mesmo e vocecirc lecirc sozinho ou algueacutem lecirc pra vocecirc

295

C9 algueacutem lecirc

P quem

C9 o meu irmatildeo o meu pai e a minha matildee

P e vocecirc conhece outros materiais escritos aleacutem dos livros que tambeacutem tem histoacuterias poesias

ou outros textos Materiais que tem coisas escritas

C9 folha

P folhas que tipos de folhas

C9 folha que sai da maacutequina e jaacute taacute escrito

P tem mais algum tipo de material de leitura que tem coisas escritas que vocecirc conhece

C9 jornal

P jornal eacute mesmo tem mais algum

C9 revista

P revistas jornais

C9 natildeo tem mais

P quando vocecirc estava laacute no Maternal e no Infantil I as suas professoras costumavam ler livros

pra vocecirc contar histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P natildeo costumava contar nem quando vocecirc estava no Infantil I

C9 Hum hum

P e vocecirc prefere que as pessoas leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 leiam

P que leiam e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C9 porque eu aprendo mais

P e por que vocecirc aprende mais

C9 porque eu jaacute sei contar tirar a liccedilatildeo do caso do bolinho e tambeacutem sei contar do Coelhinho

Tatau e do meu cachorrinho

P eacute mesmo

C9 soacute que natildeo me lembro do nome do cachorrinho

P entatildeo vocecirc prefere entatildeo que as pessoas leiam histoacuterias pra vocecirc natildeo que contem e por que

eacute mais legal quando algueacutem lecirc

C9 porque aiacute

P vocecirc se diverte mais quando algueacutem conta

C9 uhum aiacute eu fico aprendendo

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias Das personagens dos desenhos ou de alguma outra

coisa

C9 da Peneacutelope

P ah a Peneacutelope eacute uma personagem de uma histoacuteria

C9 natildeo

P natildeo

C9 da televisatildeo

P ah mas e nos livros vocecirc prefere mais as personagens ou os desenhos que tem nos livros

nas histoacuterias

C9 livro

P vocecirc prefere mais as personagens que tem laacute na histoacuteria do livro ou vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

do livro o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C9 as ilustraccedilotildees

P as ilustraccedilotildees e por que

296

C9 porque eu natildeo sei quem que eacute

P quem eacute o que

C9 quando eu to vendo eu tambeacutem natildeo sei quem eacute

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 aham

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C9 porque aiacute a gente pega e escreve aiacute se a gente quiser mandar uma carta pra pessoa

P hum

C9 noacutes mandamos

C9 a gente pode escrever uma carta pra algueacutem se a gente precisar ou quiser natildeo eacute e o que mais

a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever aleacutem de escrever uma carta

C9 carta de amor

P uma carta de amor tambeacutem

C9 coraccedilatildeo

P tem mais coisas que a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C9 e a gente tambeacutem pode copiar o de algueacutem

P copiar a carta de algueacutem ou escrita de algueacutem e pra usar pra que

C9 pra mandar pra algueacutem

P ah sei

C9 mandar para o correio

P o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 porque eacute legal porque a crianccedila aprende e fica feliz

P e quando algueacutem jaacute aprendeu a ler como vocecirc jaacute sabe que algueacutem jaacute sabe ler

C9 porque eu sinto

P de que forma

C9 eacute quando eacute que eacute assim se algueacutem taacute aproximando eu sinto tambeacutem

P mas quando vocecirc olha pra algueacutem assim e diz nossa essa pessoa jaacute sabe ler como eacute que

vocecirc percebe isso que ela jaacute sabe ler o que essa pessoa faz que vocecirc percebe que ela sabe ler

C9 porque eu vejo que ela escreve

P ela escreve mas como que vocecirc jaacute sabe que ela jaacute lecirc

C9 porque eu uso a imaginaccedilatildeo

P mas o que essa pessoa faz que vocecirc olha e fala nossa jaacute sabe ler mesmo

C9 porque vai que algueacutem taacute empurrando

P como

C9 aiacute algueacutem chega e lecirc a pessoa lecirc

P sei

C9 escrevendo

P mas e se ela estiver assim quietinha como eacute que vocecirc sabe se ela estaacute lendo

C9 porque aiacute porque eu sei porque taacute assim neacute eu coloco um pedaccedilo da folha pra caacute Que a

pessoa

P e como eacute que vocecirc sabe que ela leu de verdade

C9 porque aiacute eu pego e uso a minha imaginaccedilatildeo

P Obrigada C9

C9 Taacute

297

C10 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C10 gosto

P gosta e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C10 do Lobo Mau

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C10 porque o meu tio conta sempre pra mim

P ah eacute seu tio conta sempre

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece por exemplo as poesias

as notiacutecias de jornal tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C10 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar os livros na escola

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e na sua casa tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C10 tenho ((fala quase inaudiacutevel))

P ah entatildeo fala pertinho (aproximo o gravador da crianccedila para tentar gravar melhor a sua

voz) tem

C10 tenho

P hum e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros

C10 natildeo

P vocecirc natildeo conhece algum material escrito igual os livros que tem coisas escritas

C10 natildeo

P somente conhece os livros

P e quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P costumavam e que tipo de histoacuterias

C10 Lobo Mau Chapeuzinho Vermelho e Trecircs Porquinhos

P ah certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C10 lecirc

P que leiam e por que vocecirc prefere que leiam histoacuterias pra vocecirc

C10 porque eacute melhor

P e por que eacute melhor

C10 porque sim

P o que eacute diferente na hora de ler e na hora de contar

C10 porque ler eacute melhor do que contar

P e por que vocecirc gosta mais quando lecirc

C10 porque sim porque o meu tio tambeacutem faz

P ele lecirc tambeacutem pra vocecirc

C10 lecirc

P e quando ele lecirc o que vocecirc mais presta atenccedilatildeo

C10 a parte do Lobo

P ah eacute a parte do Lobo tem algo mais que te chama atenccedilatildeo

298

C10 natildeo

P mas quando lecirc tem

C10 tem

P Hum estaacute bem o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou das ilustraccedilotildees

C10 das ilustraccedilotildees

P ah eacute por que vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

C10 eacute porque daacute pra ver as coisas

P e que tipo de coisas daacute pra ver

C10 satildeo eles brincando

P eles quem

C10 eles que fazem parte da histoacuteria

P ah ta e vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C10 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente escrever

C10 porque a gente aprende escrever

P e depois que a gente aprendeu o que a gente pode fazer quando a gente sabe escrever

C10 trabalhar

P trabalhar de que maneira

C10 qualquer coisa

P ah daacute um exemplo pra professora o que a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C10 eacute ler

P ler a gente pode ler e o que mais a gente pode fazer depois que a gente escreve

C10 assistir televisatildeo

P hum mas para isso precisa aprender a escrever para assistir televisatildeo precisa saber escrever

C10 precisa

P e por que

C10 porque sim

P e tem mais uma coisa assim que a gente pode usar a escrita depois que a gente sabe escrever

por que a gente escreve as coisas

C10 pra aprender

P aprender o que

C10 qualquer coisa

P o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C10 natildeo sei

P vocecirc tem algum amiguinho que jaacute sabe ler

C10 tenho

P tem e como que vocecirc percebe que ele jaacute sabe ler

C10 porque ele eacute grande

P e somente os amigos grandes eacute quem sabem ler os pequenos natildeo sabem mas podem aprender

C10 pode

P tem algueacutem da sua sala que jaacute sabe ler

C10 natildeo

P e o seu tio como eacute que vocecirc sabe que ele sabe ler

C10 porque ele tem nove anos

P mas como eacute que vocecirc percebeu que ele jaacute sabe ler

C10 porque ele leu a histoacuteria pra mim

299

P ah porque ele leu uma histoacuteria pra vocecirc aiacute vocecirc viu que ele sabe ler mesmo e como eacute que

ele fez pra ler

C10 ele foi agrave escola e aprendeu

P muito obrigado C10

C10 de nada

C11 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C11 ADORO

P eacute mesmo

C11 Minha matildee conta todas as noites histoacuteria pra mim

P Eacute mesmo e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C11 do cavalinho que chama Roni

P ah eacute de um livro que vocecirc tem na sua casa

C11 minha matildee tem uma caixa grande que eacute cheia de livrinhos

P eacute mesmo e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C11 porque ele tem bastante paacuteginas aiacute eu gosto de ficar ouvindo porque tem um monte de

muacutesicas no final

P ah sei aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C11 eacute um texto que a minha matildee me ensinou eu tenho mas esqueci sei laacute eu soacute tenho um

pedaccedilo assim ((cantando)) eu gosto de comer batata a batata amassadinha como que fala

aquele negoacutecio de amassar

P espremedor

C11 eacute aiacute depois gritando na panela comendo assim ((faz o gesto de levar o alimento agrave boca e

mastiga)) ela pica aiacute daacute pra eu comer aiacute eu como aiacute depois que eu como ela fala estava

gostoso aiacute eu falo estava deliciosa ela potildee sal

P hum ateacute eu fiquei com vontade agora de comer ((risos)) C11 tem alguns outros tipos de

textos aleacutem das histoacuterias que vocecirc conhece

C11 soacute tem mais uma histoacuteria duas quer dizer

P quais

C11 uma do Pequeno Polegar

P certo

C11 aiacute a matildee dele e o pai dele tinham sete filhos aiacute natildeo dava pra dar comida pra eles aiacute eles

estavam falando na cozinha aiacute o Pequeno Polegar escutou aiacute ele pegou um pedaccedilo de patildeo

para fazer as migalhas no caminho soacute que quando ele voltou estava cheio de passarinhos que

tinham comido tudo aiacute eles encontraram um castelo do gigante aiacute a moccedila falou assim antes

do gigante chegar vocecircs fujam pela janela

P aham

C11 aiacute o Pequeno Polegar pegou as botas do gigante e virou um pequeno inteligente e ganhou

um monte de dinheiro

P entatildeo essas satildeo histoacuterias tambeacutem neacute outras histoacuteria vocecirc jaacute conhece

C11 cinco

P e aleacutem desse tipo de histoacuterias e textos eacute vocecirc conhece um texto diferente como as poesias

por exemplo

C11 natildeo

300

P e tem algum outro texto que vocecirc assim lembra

C11 eu me lembro de uma histoacuteria que minha avoacute contava pra mim

P ah

C11 quando eu vivia na casa dela

P sei

C11 eacute uma histoacuteria bem antiga quando eu tinha uns trecircs aninhos eacute uma histoacuteria de um livro

desse tamanho ((abre os braccedilos na tentativa de demonstrar o tamanho)) era do dos

anotildeezinhos aiacute os anotildeezinhos pegavam e iam pra floresta e encontravam um passarinho que

falava assim oi anotildeezinhos vocecircs sabem aonde eacute a minha casa aiacute eles o levavam pra casa

deles aiacute quando chegava na casa deles tinha um elevador que falava

P vocecirc lembra o nome dessa histoacuteria

C11 eu lembro que eram os anatildeozinhos doidos

P certo vocecirc costuma usar livros aqui na escola

C11 uhum

P e na sua casa

C11 gosto na minha casa eu pego o meu caderno eu vou vendo as paacuteginas dos livros eu vou

escrevendo no meu caderno

P ah eacute

C11 aiacute depois eu copio assim os desenhos

P ah

C11 vocecirc quer que eu traga o meu caderno pra vocecirc ver

P claro pode trazer

C11 entatildeo eu vou terminar o livro do ratinho e do cavalinho Roni

P taacute bom aiacute quando ficar pronto vocecirc traz pra eu ver ok vocecirc conhece outros materiais assim

escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outro tipo de texto aleacutem dos livros

C11 conheccedilo

P o que vocecirc conhece aleacutem dos livros

C11 eacute uma

P materiais que tenham coisas assim escritas

C11 meu avocirc que me deu uma folha desse tamanho com um monte de eacute poesias

P ah eacute mas ela eacute uma folha assim solta avulsa

C11 satildeo duas folhas assim ((mostra com o dedo indicador e meacutedio da matildee direita a quantidade))

P ah

C11 aiacute tinha assim uns negoacutecios soacute lembro-me de uma uma poesia que era assim vocecirc

conhece uma moccedila que tem um brinco redondo aiacute depois falava assim eacute a Cinderela aiacute

depois falava assim a Cinderela conseguiu um cavalo e o cavalo comeccedilou a dar coice no vilatildeo

e caiu de boca no chatildeo

P sei aleacutem dessa folha dos livros que tem coisas escritas tem alguns outros materiais escritos

que vocecirc conhece aleacutem disso

C11 ai natildeo

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C11 nem lembro soacute lembro que ela costumava contar uma da Branca de Neve

P ah eacute Eessa vocecirc lembra tem mais alguma outra que elas contavam

C11 a tia I ((ex professora da escola))

P certo

301

C11 ela contava um monte de histoacuterias cada dia ela falava assim que histoacuteria vocecirc quer aiacute eu

falava assim do Pequeno Polegar e ela contava

P entendi

C11 aiacute depois a gente ia pro quiosque aiacute a gente brincava de peacute na lata

P vocecirc prefere que as pessoas leiam ou que elas contem histoacuterias pra vocecirc

C11 leiam

Pe por que vocecirc prefere que leiam

C11 porque eu gosto

P do que

C11 de ler livro eu adoro eu pergunto pra minha matildee como faz pra juntar as palavrinhas pra

ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc estaacute fazendo estaacute conseguindo ler

C11 to jaacute to conseguindo ler minha matildee pocircs um livrinho assim ela soacute deixou o escrito

assim o pe-que-no anatildeozinho

P Olha

C11 ela comprou

P vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler entatildeo

C11 uhum

P E o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias vocecirc prefere as personagens ou os desenhos o que

vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C11 dos desenhos

P dos desenhos das ilustraccedilotildees e por que vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

C11 porque eu gosto de desenhar muito

P ah sei

C11 sempre eu acabo com as folhas do meu caderno pra eu desenhar

P eacute mesmo

C11 aiacute quando acabam as aulas eu faccedilo essas tarefas que faltam (refere-se as fichas com

exerciacutecios dados pelas professoras que satildeo anexadas em branco quando a crianccedila falta junto com

as demais)eu vou apagar o que faltei eu vou fazer elas

P C11 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C 11 eu acho

P e por que vocecirc acha que eacute

C11 eu queria quando crescer ser um escritor de histoacuterias

P ah quando vocecirc crescer vocecirc quer ser um escritor que maravilhoso C11 e por que vocecirc

acha que eacute importante pra gente escrever

C11 porque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar inteligente

P eacute e o que daacute pra gente fazer quando a gente jaacute sabe escrever o que a gente pode fazer quando

a gente jaacute sabe escrever

C11 ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu mais gosto

P natildeo o que

C11 eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleia

P nossa satildeo vaacuterios neacute ((risos)) C11 e pra vocecirc o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute

sabe ler

C11 eacute quando ela tem uns oito anos dez anos

P mas vocecirc jaacute disse que jaacute estaacute comeccedilando a ler natildeo estaacute

C11 to

P e vocecirc jaacute tem oito anos

302

C11 natildeo

P natildeo entatildeo natildeo precisa ter oito anos para aprender a ler precisa

C11 natildeo eacute soacute juntar as palavrinhas que jaacute consegue ler

P eacute mesmo e vocecirc jaacute faz isso entatildeo

C11 hum hum ((afirma com a cabeccedila))

P ah taacute entatildeo estaacute bem

C11 minha matildee escreve no guarda roupa pra mim e eu tenho que ler aiacute eu leio GUAR-DA-

ROU-PA mamatildee natildeo sabe escrever tudo

P natildeo mas algueacutem pode ajudaacute-la quando souber

C11 meu pai sabe escrever tudo

P eacute mesmo

C11 eacute sim

C12 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C12 eu gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C12 do bolinho

P O caso do bolinho ((refere-se a histoacuteria escrita por Tatiana Belinky)) e por que vocecirc gosta

mais desse tipo de histoacuteria

C12 porque eacute muito legal

P e o que ela tem assim de tatildeo legal o que vocecirc mais gosta

C12 a parte da raposa

P a parte da raposa

C12 eacute

P e por que essa parte eacute a mais legal

C12 natildeo sei

P o que vocecirc acha que eacute bem bacana

C12 eacute porque ela eacute legal

P aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc jaacute conhece

C12 natildeo

P vocecirc somente conhece histoacuterias vocecirc natildeo conhece poesias por exemplo

C12 eu conheccedilo somente uma

P algumas poesias

C12 somente uma

P somente uma qual que vocecirc conhece

C12 eacute daquela

P qual

C12 aa vizinha

P ah A liacutengua do Nhem da Ceciacutelia Meireles

C12 eacute

P e vocecirc costuma usar os livros na escola

C12 costumo

P e na sua casa

C12 eu tambeacutem

303

P vocecirc tem livros em casa

C12 eu tenho

P e vocecirc conhece outros materiais escritos aleacutem dos livros que tambeacutem tem histoacuterias poesias

ou outros textos

C12 soacute livros

P natildeo tem nenhum outro material de leitura que tem coisas escritas

C12 natildeo

P natildeo conhece revistas

C12 somente revistas

P somente revistas o que mais que vocecirc conhece

C12 soacute

P que tipo de material que tem coisas escritas

C12 hum somente essas

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C12 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam pra vocecirc

C12 hum nem sei

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C12 que

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C12 que leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C12 porque mostra os desenhos

P e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias C12 das personagens ou dos desenhos

C12 dos desenhos

P e por quecirc

C12 porque eu gosto

P ((risos)) o que os desenhos tem que satildeo tatildeo legais assim

C12 as ilustraccedilotildees

P vocecirc acha que eacute importante a gente aprender a escrever

C12 acho

P acha

C12 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante

C12 porque eacute pra gente aprender

P e em que a gente vai usar isso depois que a gente aprender a escrever No que a gente pode

usar a escrita Por que eacute importante as pessoas aprenderem a escrever

C12 aprende a mate

P a ma

C12 a matemaacutetica

P matemaacutetica quando a gente aprende a escrever a gente pode aprender a matemaacutetica

C12 eacute

P o que mais

C12 eacute

P pra que a gente escreve

C12 pra aprender

304

P por que eacute importante a gente aprender a escrever

C12 pra gente aprender

P certo e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler C12

C12 hum

P quando que algueacutem jaacute sabe ler a sua irmatilde jaacute sabe ler

C12 sabe

P e como eacute que vocecirc sabe que ela jaacute sabe ler o que vocecirc percebeu que ela faz que te mostra que

ela jaacute sabe ler

C12 ela leu a histoacuteria do Saci na minha casa

P ela leu a histoacuteria do saci na sua casa

C12 eacute

P e como eacute que vocecirc viu que ela estava lendo

C12 ah porque ela contou pra mim

P ela contou pra vocecirc

C12 eacute

P ah certo e vocecirc gostou

C12 gostei

P obrigada

C13 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 da Bela Adormecida

P ah eacute por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C13 porque eu gosto muito de princesa

P ah entatildeo histoacuterias com princesas satildeo as suas preferidas

C13 uhum

P muito bem aleacutem dessas histoacuterias tem algum outro tipo de histoacuteria ou texto que vocecirc conhece

C13 eu gosto mais da poesia da Bailarina

P ah da Ceciacutelia Meireles

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P ah certo tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C13 uhum eu conheccedilo alguns soacute que eu gosto mais desse da Bailarina

P certo C13 vocecirc costuma usar os livros na sua casa

C13 costumo

P e na escola

C13 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C13 tenho

P certo e vocecirc conhece algum outro tipo de material escrito aleacutem dos livros que tambeacutem tem

histoacuterias que tem poesias e que tem outros escritos

C13 algumas cartas alguns envelopes que vem escrito alguma mensagem neacute

P eacute mesmo tem livros tem envelopes tem cartas

C13 revistas

305

P tem mais algum tipo de material que vocecirc conhece

C13 caderninhos

P certo

C13 um monte de coisas

P C13 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam

contar histoacuterias pra vocecirc

C13 eu acho que natildeo viu

P natildeo

C13 ((confirma negando com a cabeccedila))

P eacute natildeo se lembra de nenhuma

C13 natildeo me lembro natildeo me lembro porque jaacute faz muito tempo que eu era bebezinha

P certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 que leiam

P e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C13 porque tem desenhos nas historinhas pega um livrinho natildeo eacute

P eacute aiacute daacute pra ver as ilustraccedilotildees

C13 eacute eu gosto mais

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C13 o que eu mais gosto como assim

P das personagens ou dos desenhos

C13 olha o que eu gosto mais eacute de histoacuteria soacute que dos desenhos sabe do que eu gosto mais

P natildeo o que

C13 os desenhos eu gosto mais do desenho animado que passa laacute no Bom Dia e Companhia

((refere-se a um programa infantil de televisatildeo)) As Super Poderosas que eacute mais legal A minha

personagem predileta eacute a Florzinha (refere-se ao nome de um desenho animado que eacute transmitido

pela televisatildeo)

P e nos livros por exemplo

C13 A Bela Adormecida

P mas aiacute entatildeo vocecirc prefere as personagens ou as ilustraccedilotildees

C13 uhum eu prefiro as personagens

P ah certo e vocecirc acha importante saber escrever

C13 acho

P e por quecirc

C13 porque a gente aprende mais coisas neacute

P Eacute mesmo e o que daacute pra fazer depois que a gente aprende a escrever

C13 a gente pode fazer um monte de coisas

P que tipo de coisas

C13 assim ensinar umas criancinhas que ainda que natildeo saibam neacute a gente pode ajudar um

pouco neacute

P pra que elas aprendam tambeacutem a escrever

C13 uhum

P muito bem C13 o que eacute saber ler

C13 ler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escrito

P ah certo e vocecirc jaacute sabe ler

C13 sei ler algumas coisinhas

P eacute e como eacute que vocecirc faz pra ler

C13 ah eu vou juntando pra ver o que estaacute escrito

306

P e vocecirc consegue fazer isso entatildeo

C13 uhum

P e quando uma crianccedila entatildeo sabe ler

C13 uma crianccedila quando sabe ler como assim eu natildeo entendo muito bem isso

P quando eacute que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C13 vixi eu soacute percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu percebo sabe como eu

percebo

P como

C13 com as crianccedilas que jaacute tem anos mais altos que as crianccedilas mais novinhas

P ah mas uma crianccedila mais nova pode aprender a ler

C13 eacute como eu

P isso como vocecirc muito obrigada C13

C13 tchau

C16 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C16 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C16 Do caso do bolinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C16 porque eacute legal

P e o que ela tem que eacute tatildeo legal

C16 porque ele vai comer o bolinho

P quem

C16 a raposa

P e ela come ou natildeo

C16 comehellip

P aleacutem das histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece tem algum outro tipo de texto

aleacutem de histoacuterias que vocecirc jaacute conhece

C16 tem

P que tipo de texto que tem

C16 eacute Cinderela

P ah Cinderela e vocecirc costuma usar livros na escola

C16 aham

P e na sua casa

C16 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C16 eu coleciono

P coleciona E quais tipos de livros vocecirc coleciona

C16 Chapeuzinho Vermelho tambeacutem O caso do bolinho e Cinderela

P vocecirc conhece algum outro material escrito que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros tipos

de textos aleacutem dos livros Materiais de leitura que tem coisas escritas vocecirc conhece algum

outro aleacutem dos livros

C16 conheccedilo

P quais materiais que tecircem coisas escritas que vocecirc conhece

307

C16 tambeacutem de quadrinhos

P que tem histoacuterias em quadrinhos vocecirc sabe como chama aquelas revistas

C16 da Mocircnica

P Isso satildeo os gibis aleacutem dos gibis dos livros tem algum outro material que vocecirc conhece

C16 aham

P qual

C16 o Cebolinha

P que tambeacutem eacute um personagem que tem no gibi natildeo eacute tem mais algum outro material

C16 o da Cinderela

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C16 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam

C16 tambeacutem do Chapeuzinho Vermelho

P e vocecirc gostava

C16 aham

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C16 que leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C16 porque quando eu estava no Berccedilaacuterio eu natildeo sabia ler

Pesquisadora ah

C16 aiacute eu pedia pra elas leem tambeacutem

P entendi

C16 Pra um monte de professora ler

P eacute melhor ler que soacute contar histoacuterias vocecirc prefere que leiam

C16 aham

P tem alguma coisa especial quando a pessoa lecirc

C16 tem

P ou alguma coisa diferente quando ela conta

C16 tem

P O que vocecirc acha que eacute diferente

C16 eacute diferente

P o que

C16 quando a Chapeuzinho vecirc o Lobo

P e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C16 eacute quando tem a parte mais engraccedilada

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C16 acho

P por que vocecirc acha importante saber escrever

C16 porque ensina mais

P quem

C16 vocecirc ((refere-se a mim que sou professora da turma e pesquisadora))

P e vocecirc o que vocecirc vai poder fazer quando vocecirc souber escrever

C16 eacute carta

P carta Olha eacute mesmo que legal o que mais a gente pode fazer aleacutem de escrever cartas

C16 a gente tambeacutem pode fazer uma histoacuteria

P pode escrever uma histoacuteria eacute mesmo neacute hum muito bem e o que eacute saber ler

308

C16 eacute quando as pessoas fazem algum tipo de histoacuteria

P quando vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C16 quando ele estaacute contando uma histoacuteria

P ah eacute e como vocecirc sabe que isso acontece

C16 por que ah eu natildeo lembro

P quando que vocecirc olha e falanossa aquele meu amiguinho ali jaacute sabe ler como que vocecirc

percebe o que esse amiguinho agraves vezes faz que vocecirc percebe que ele jaacute sabe ler

C16 eu acho que ele treina

P treina e como

C16 ele pega algum livrinho emprestado e comeccedila a ler

P eacute e como eacute que faz pra treinar

C16 treinar eacute soacute juntar as letras

P ah e vai juntando as letras assim

C16 aham

P e vai aprendendo e vai treinando

C16 Aham

P certoentatildeo estaacute bom obrigada

C20 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C20 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C20 Lobo Mau

P Ah histoacuterias que tem o Lobo Mau e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C20 que tem bicho

P aleacutem das histoacuterias tem outros tipos de texto que vocecirc conhece

C20 sim

P e na sua casa

C20 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa e vocecirc lecirc esses livros em casa ou algueacutem lecirc pra vocecirc

C20 a minha matildee lecirc

P vocecirc conhece alguns outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros tem algum outro tipo de material escrito que vocecirc conhece

C20 tem o jornal

P jornal que mais

C20 hum eu natildeo sei

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C20 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam

C20 contavam da Branca de Neve

Pda Branca de Neve qual mais

C20 contava dos Trecircs Porquinhos

P dos Trecircs Porquinhos tem mais alguma que vocecirc lembra que elas contavam

C20 natildeo

309

P C20 vocecirc prefere que leiam ou contem histoacuterias pra vocecirc

C20 contem

P e por que vocecirc prefere que contem

C20 porque daacute pra fazer as coisas

P que coisas

C20 as coisas que aparecem nos livros que eles lecircem

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias vocecirc prefere as personagens ou os desenhos

C20 os personagens

P e por que vocecirc prefere os personagens

C20 porque eacute muito legal ficar vendo eles

P e o que elas tecircm assim de diferente de especial que faz vocecirc gostar

C20 que satildeo de verdade

P vocecirc acha importante saber escrever

C20 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C20 pra aprender a ler

P aprender a ler

C20 aprender a escrever o nome

P e o que mais a gente pode fazer de importante quando a gente aprende a escrever

C20 a gente pode escrever o nome pode escrever a gente pode fazer desenho

P certo e C20 o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C20 de anos

P quando vocecirc acha que algueacutem aprendeu a ler que vocecirc olha assim e fala olha aquela

garota jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 porque eles ficam falando porque eles pegam uma folha e ficam falando

P ah eacute falam alto

C20 eacute

P aiacute vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 eacute

P ah certo muito obrigada

C20 taacute

310

APEcircNDICE G ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS DAS CRIANCcedilAS (FINAL DA PESQUISA)

C5 ndash 6 anos (no final da pesquisa)

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias C5

C5 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C5 a da flecha

P a da flecha qual eacute

C5 aquela laacute do Aladim

P do Aladim Ah e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C5 porque eacute legal

P e o que faz essa histoacuteria ser legal em sua opiniatildeo

C5 Que ela eacute boa mesmo eacute do livro

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece C5

C5 notiacuteciacarta

P vocecirc costuma usar livros na escola

C5 gosto

P e em casa vocecirc usa livros

C5 natildeo

P natildeo vocecirc natildeo costuma

C5 eu natildeo tenho

P vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros tipos de

textos

C5 jornal

P jornal qual mais C5

C5 soacute

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C5 porque eacute legal

P o que vocecirc vecirc assim de diferente quando uma pessoa lecirc ou quando uma pessoa conta uma

histoacuteria

C5 ela estaacute contando da um dia minha matildee estava contando a do Dumbo

P e quando ela conta a mamatildee usa o livro

C5 usa

P entatildeo ela estava lendo

C5 mas agraves vezes ela natildeo usa

Peacute mesmo

C5 agraves vezes ela natildeo usa mas agraves vezes ela usa

P ah entatildeo algumas vezes ela lecirc e algumas vezes ela conta as histoacuterias natildeo eacute

C5 eacute

P e vocecirc prefere que leiam

C5 eacute

311

P e por que vocecirc prefere que leiam

C5 porque aiacute eu consigo ler

P certo e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens das ilustraccedilotildees o que vocecirc

mais gosta

C5 das personagens

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever C5

C5 acho

P e por que vocecirc acha

C5 porque tambeacutem eacute legal

P o que a gente aprende quando sabe escrever O que a gente pode fazer quando a gente sabe

escrever

C5 ler

P a gente pode ler tambeacutem mas para que vocecirc pode usar a escrita

C5 em livro

P aleacutem dos livros o que a gente pode escrever

C5 aiacute a pessoa fala que sabe ler

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C5 ela eacute quando uma pessoa que jaacute aprendeu tudo

P eacute e quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler como que vocecirc percebeu que realmente

aprendeu a ler

C5 porque que estaacute lendo

P e como que vocecirc sabe que ela estaacute lendo ela pode estar somente falando natildeo pode

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como que vocecirc tem certeza que ela estaacute lendo o que essa pessoa faz que mostra pra vocecirc

que ela realmente estaacute lendo

C5 ah (dirige o olhar para o alto)

P vocecirc jaacute sabe ler

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e o que vocecirc faz pra ler

C5 eu vou juntando as letras e vendo as ideias

P eacute mesmo entatildeo pra vocecirc o que eacute ler

C5 eacute aprender

P Obrigada C5

C9 - 5 anos

P C9 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta C9

C9 dos Trecircs Porquinhos

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C9 porque o Lobo queima o traseiro

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 uhum

P como as poesias as receitas

312

C9 eu conheccedilo as receitas

P eacute somente a receita tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C9 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar livros na escola

C9 costumo

P e na sua casa

C9 tambeacutem

P tambeacutem

C9 eu tenho um livrinho que minha matildee comprou ela fez uma surpresa pra mim com o livro

P que bom que livro eacute

C9 eacute do coelhinho Tataacute e de um cachorrinho

P certo vocecirc conhece outros materiais escritos C9 que tambeacutem tem histoacuterias textos

C9 jornal

P jornal qual mais aleacutem dos livros do jornal

C9 revista

P revistas tem mais algum que vocecirc se lembra que vocecirc conhece

C9 natildeo

P C9 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 contar

P vocecirc acha mais legal contar por quecirc

C9 porque gosto que conte as histoacuterias pra mim

P e por que vocecirc prefere mais quando algueacutem conta mais a histoacuteria

C9 porque ele tambeacutem sabe da histoacuteria quando ele lecirc

P C9 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens dos desenhos por exemplo

C9 dos desenhos eu gosto do Mickey

P eacute e dos livros vocecirc gosta mais

C9 do Pato Donald

P C9 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 uhum

P e por quecirc

C9 porque aiacute a gente pode escrever um monte de coisas como cartas

P eacute mesmo e o que mais

C9 e a gente tambeacutem pode ler as coisas

P hum entatildeo a gente pode usar a escrita pra escrever uma seacuterie de coisas importantes

C9 somente usar a nossa liacutengua para falar

P e o que eacute saber ler C9 na sua opiniatildeo quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 eu percebo porque eu vejo os outros lendo

P vocecirc sabe ler

C9 ((afirma com a cabeccedila))

P sabe e como que vocecirc faz pra ler

C9 eu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacute

P ahcerto entatildeo obrigada viu

313

C13 ndash 6 anos (no final da pesquisa)

P C13 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 ADORO

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 eu gosto de contos de fadas

P ah eacute mesmo e por quecirc por que vocecirc gosta desse tipo de histoacuteria

C13 eacute porque pra mim elas satildeo muito legais

P e o que elas tecircm que faz com que as histoacuterias sejam bem legais

C13 um monte de coisas que nem daacute pra falar direito

P ((risos)) de tantas que tecircm

C13 aham

P mas conta uma delas por exemplo

C13 algumas coisas

P eacute

C13 eacute porque do jeito que as histoacuterias satildeo algumas tecircm piadas ((refere-se as situaccedilotildees

engraccediladas presentes nas histoacuterias))

P eacute mesmo

C13 aham

P que legal

C13 eacute por isso que eu gosto dos contos de fadas

P muito bem e aleacutem de histoacuterias tem alguns outros tipos de textos que vocecirc conhece

C13 eu gosto das poesias que vocecirc fala

P eacute mesmo

C13 aham

P eacute mesmo e vocecirc conhece outros textos aleacutem das poesias e das histoacuterias

C13 bom por enquanto eu somente conheccedilo as suas

P e receitas vocecirc conhece

C13 eu conheccedilo receita de bolo de cenoura de goiabada o de cenouras pra mim natildeo

esqueccedilo (refere-se agraves receitas que li e preparei com as crianccedilas da turma na escola)

P que a gente fez aqui natildeo eacute

C13eacute

P e textos de hum jornal notiacutecias

C13 notiacutecias quando as notiacutecias satildeo muito legais neacute

P uhum vocecirc consegue ler

C13 bom algumas eu junto agraves palavrinhas pra conseguir ler

P vocecirc jaacute consegue fazer isso

C13 eu fico tentando eu fico soletrando para ver como se faz

P C13 vocecirc costuma ler livros na escola

C13 costumo usar mais os contos de fadas que eu vejo que eacute legal

P e em casa vocecirc usa livros tambeacutem

C13 uso eu tenho alguns

P e vocecirc conhece outros tipos de materiais escritos que tambeacutem tecircm histoacuterias poesias

C13 conheccedilo livros jornais revistas cadernos

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C13 bom eu natildeo lembro mas acho que sim

314

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 como assim ler eacute com o livro

P isso quando a pessoa estaacute com o material escrito na matildeo pode ser um livro ou uma revista

um bilhete

C13 eu gosto quando estaacute com alguma coisa na matildeoeacute mais legal

P e por que eacute mais legal

C13 porque tem desenhos natildeo eacute mostra os desenhos sendo mais legal

P hum entendi e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou das ilustraccedilotildees

C13 das ilustraccedilotildees eu gosto bom das histoacuterias dos contos de fadas eu gosto mais das

princesas

P certo e vocecirc acha importante C13 saber escrever

C13 eacute muito importante natildeo eacute

P e por que vocecirc acha importante

C13 eacute porque a gente aprende as coisas assim escrevendo vai aprendendo mais coisas natildeo vai

P e sempre que a gente precisa da escrita em que podemos usaacute-la

C13 para escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode esquecer neacute

P de jeito algum e pra que mais a gente usa a escrita pra que a gente pode usar as coisas que a

gente escreve

C13 bom a resposta natildeo sei natildeo heim mas eu acho assim pode ser pra algumas coisas

importantes neacute

P coisas importantes

C13 umas coisas importantes

P quais coisas importantes por que ou para que a gente escreve

C13 escreve para aprender pra aprender muitas coisas

P muitas coisas

C13 e aprender eacute muito importante e gostoso

P eacute mesmo vocecirc escreve bastante coisa jaacute

C13 estou aprendendo algumas eu estou escrevendo mais ou menos

P muito bem e o que vocecirc geralmente gosta de escrever

C13 gosto mais de escrever carta cartas para professora G (refere-se a atual professora da

turma e pesquisadora no caso eu mesma)

P ai que maravilha

C13 eu jaacute escrevi uma pra vocecirc

P eu gostei muito daquela

C13 jaacute colocou no livro da vida ou natildeo

P jaacute coloquei no livro da vida sim

C13 aquela daacute pra ver atraacutes e na frente

P e todas as pessoas que lerem e consultarem o nosso livro da vida iratildeo ver laacute registrado essa

linda cartinha que vocecirc me escreveu

C13 todo mundo vai saber o que eu escrevi quando ler

P sim todos poderatildeo saber ao lerem C13 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe

ler em sua opiniatildeo

C13 bom a crianccedila quem eu conheccedilo sabe ler bastante

P eacute quando que vocecirc acha que algueacutem jaacute sabe ler

C13 bom eu acho a M a minha irmatilde

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc sabe que ela sabe ler

C13 porque eu a vejo lendo e escrevendo

315

P eacute

C13 aham

P e o que ela faz que vocecirc fala nossa minha irmatilde jaacute sabe ler ou algum outro amigo seu que

vocecirc conhece

C13 bom pra falar a verdade eu natildeo conheccedilo nenhum amigo que saiba

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra pergunta pra ver se

combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso mas eu soacute li de

verdade quando eu entendi o que estaacute escrito

P entatildeo obrigada C13

316

ANEXO A ndash Quadro de normas utilizadas na transcriccedilatildeo das entrevistas

Page 3: GREICE FERREIRA DA SILVA · 2013. 12. 24. · 3 Silva, Greice Ferreira da S586l O leitor e o re-criador de gêneros discursivos na Educação Infantil / Greice Ferreira da Silva

3

Silva Greice Ferreira da

S586l O leitor e o re-criador de gecircneros discursivos

na Educaccedilatildeo Infantil Greice Ferreira da Silva ndash Mariacutelia

2013

315 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de

Filosofia e Ciecircncias Universidade Estadual Paulista 2013

Bibliografia f 253-262

Orientador Dagoberto Buim Arena

1 Leitura (Ensino elementar) 2 Escrita 3 Educaccedilatildeo

de crianccedilas 4 Crianccedilas - Escrita 5 Crianccedilas - Linguagem

I Autor II Tiacutetulo

CDD 3726

4

GREICE FERREIRA DA SILVA

O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GEcircNEROS DISCURSIVOS NA EDUCACcedilAtildeO

INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em

Educaccedilatildeo da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da

Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita

Filhordquo Campus de Mariacutelia na Aacuterea de concentraccedilatildeo

Ensino na Educaccedilatildeo Brasileira ndash Abordagens

Pedagoacutegicas do Ensino de Linguagens para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientador Dagoberto Buim Arena

Aprovaccedilatildeo Mariacutelia ______ de ________________ de ______

Membros componentes da banca examinadora

Dr Dagoberto Buim Arena (UNESP ndash Mariacutelia-SP) __________________________________

Dra Claacuteudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto ndash (UNIMEP ndash Piracicaba-SP)__________

Dr Irineu Aliprando Viotto Filho (UNESP ndash Presidente Prudente-SP) ___________________

Dra Stela Miller (UNESP ndash Mariacutelia-SP) __________________________________________

Dra Suely Amaral Mello (UNESP ndash Mariacutelia-SP) ___________________________________

Suplentes

Dra Cyntia Graziela Guizelim Simotildees Girotto ndash (UNESP ndash Mariacutelia - SP)

Dra Nanci Laacutezara de Barros Amancio ndash (UFMT ndash Rondonoacutepolis ndash MT)

Dra Renata Junqueira de Souza ndash (UNESP ndash Presidente Prudente ndash SP)

5

A todas as crianccedilas

(SCHULZ 2012 p D4)

6

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo

A Deus por tudo

A minha matildee Ivelin Tabachini Ferreira que sempre esteve presente com seu apoio

valorizando minhas conquistas Com sua luta e perseveranccedila me deu as condiccedilotildees para alcanccedilar

meus proacuteprios sonhos

Aos meus irmatildeos amados Melrian Ferreira da Silva Simotildees e Kelson Tabachini Ferreira que

nos momentos de alegria compartilharam dos meus sorrisos e nos momentos de desacircnimo me

ajudaram a continuar

Ao meu orientador Prof Dr Dagoberto Buim Arena que me acolheu como sua orientanda

por duas vezes Obrigada por acreditar em mim e por incansavelmente investir na minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo sua atitude responsiva que em todas as situaccedilotildees potencializaram a minha

atuaccedilatildeo docente e acadecircmica Agradeccedilo sua orientaccedilatildeo generosa sua presenccedila sincera intensa e

sensiacutevel e por ser exemplo de educador de trabalho e de competecircncia ldquoQuando eu crescer quero

ser como vocecircrdquo

Agraves crianccedilas que criaram em mim a necessidade de compreender o meu objeto de estudo e por

reiterarem diariamente que aprender eacute uma das melhores coisas que existe

Agrave Profordf Drordf Stela Miller por todas as contribuiccedilotildees valiosas natildeo somente na minha

trajetoacuteria como pesquisadora mas tambeacutem como docente Obrigada por seu olhar criterioso e

cuidadoso com o trabalho de pesquisa A vocecirc dedico meu respeito e gratidatildeo

Ao Profordm Dr Irineu Aliprando Viotto Filho pelas saacutebias palavras e por contribuir de maneira

valorosa com esta tese

Agrave Profordf Drordf Suely Amaral Mello a quem tenho imensa admiraccedilatildeo Obrigada pela confianccedila

de sempre Agradeccedilo por potencializar meus estudos e por me instigar a buscar uma educaccedilatildeo

humanizadora para as nossas crianccedilas

Agrave Profordf Claacuteudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto por fazer parte da banca de defesa e

por sua disponibilidade em ajudar

7

Especialmente agraves professoras Drordf Cyntia Graziela Guizelim Simotildees Girotto Drordf Nanci

Laacutezara de Barros Amacircncio e Drordf Renata Junqueira de Souza pela leitura atenta e pelo apoio

oferecido

A Meire Alice Tonini pelo incentivo apoio e amizade acompanhando com entusiasmo cada

etapa desta tese e agradeccedilo tambeacutem a equipe da escola em que foi realizada a pesquisa

As minhas amigas Adriana Frabetti e Cristiane Maria Martini que me fortalecem sempre com

sua amizade fraterna

A minha querida Flaacutevia Cristina de Oliveira Murbach de Barros pela parceria pelas

reflexotildees e pelo presente da sua amizade iniciada no doutorado

A Silvana Paulino de Souza que com sua generosidade e sabedoria me sustentou em um

momento difiacutecil da caminhada Jamais me esquecerei do seu gesto humanizado que me trouxe

tanto alento

Ao meu amigo querido Alexandro Henrique Paixatildeo que mesmo distante eacute sempre presente

Obrigada por ser essencialmente vocecirc

A Eliana Maria D Romera de Souza pessoa querida presenccedila inestimaacutevel que zela pelos

meus avanccedilos Obrigada por me ajudar a entender tantas coisas

Obrigada a todos que participam da minha vida e da minha formaccedilatildeo e aqueles que direta ou

indiretamente contribuiacuteram para este trabalho

8

Soacute me torno consciente de mim soacute me torno eu mesmo

me revelando para outrem atraveacutes de outrem e com a

ajuda de outrem Os atos mais importantes constitutivos

da consciecircncia de si se determinam por uma relaccedilatildeo

com outra consciecircncia (a um tu) A ruptura o

isolamento o fechamento em si eacute a razatildeo fundamental

da perda de si [] O ser mesmo do homem eacute uma

comunicaccedilatildeo profunda Ser significa comunicar Ser

significa ser para outrem e atraveacutes dele para si O

homem natildeo possui territoacuterio interior soberano ele estaacute

inteiramente e sempre numa fronteira olhando para si

ele olha nos olhos de outrem ou atraveacutes dos olhos de

outrem Eu natildeo posso prescindir de outrem natildeo posso

tornar-me eu mesmo sem outrem eu devo me encontrar

em outrem encontrando outrem em mim (no reflexo na

percepccedilatildeo muacutetua) [] (BAKHTIN 1987 p 287)

9

RESUMO

Esta tese relata a pesquisa que apresenta como objetivo geral analisar como ocorre o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos por meio dos gecircneros

discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos especiacuteficos 1) Analisar como o

ensino dos gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash interfere na

aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos 2) Discutir quais relaccedilotildees

as crianccedilas de cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos ndash

conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas relaccedilotildees atuam no

processo de formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos 3) Identificar condutas proacuteprias de leitor

e de re-criador de textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da

escrita 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros discursivos pode

contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos A

pesquisa ancorou-se nos pressupostos teoacutericos de Bakhtin em diaacutelogo com a Teoria Histoacuterico-

Cultural com a Pedagogia Freinet e estudiosos do tema abordado O trabalho de investigaccedilatildeo

corresponde a uma pesquisa-accedilatildeo com duraccedilatildeo de sete meses compreendidos entre maio e

dezembro de 2010 Participaram 20 crianccedilas com idade de cinco e seis anos de uma turma de

Infantil II de uma escola puacuteblica municipal de Educaccedilatildeo Infantil da cidade de Mariacutelia ndash SP

quatro professoras das crianccedilas dos anos anteriores agrave pesquisa e a professora-pesquisadora Foi

realizado um trabalho pedagoacutegico intencionalmente organizado com enfoque em trecircs gecircneros

discursivos carta relato de vida e notiacutecia de jornal Como instrumento para geraccedilatildeo e coleta de

dados fez-se uso de entrevistas observaccedilotildees e das teacutecnicas Freinet como a correspondecircncia

interescolar o livro da vida o jornal da turma a roda da conversa a aula passeio Os

instrumentos de anaacutelise foram a anaacutelise microgeneacutetica e anaacutelise do discurso na perspectiva

enunciativa discursiva de Bakhtin Os resultados da investigaccedilatildeo indicaram a reconceitualizaccedilatildeo

do ser leitor e do ser re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil A crianccedila eacute concebida como

sujeito de suas aprendizagens em que atua de forma interativa os gecircneros discursivos a forma

como satildeo apresentados e as mediaccedilotildees estabelecidas no seu ensino contribuem para o processo de

apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas pequenas se ocorrerem de forma

dialoacutegica e dinacircmica Aponta-se tambeacutem que as relaccedilotildees com os elementos dos gecircneros

discursivos interferem no processo de formaccedilatildeo leitora e escritora e com essas condiccedilotildees o

trabalho pedagoacutegico orientado pela codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos para o ensino

do ato de escrever e do ato de ler pode ser descartado

Palavras-chave Leitura escrita gecircnero discursivo Teacutecnicas Freinet Educaccedilatildeo Infantil

10

ABSTRACT

This thesis reports research that presents as general objective analyze how occurs the process

of appropriation of reading and writing for children five and six years by means of discursive

genres in the context of Freinet techniques and as specific objectives 1) Analyze how

teaching of discursive genres - letter life stories newspaper article - interferes with the

learning of reading and writing for children five and six years 2) Discuss which relations

children of five and six years to establish the elements of discursives genres - thematic

content style and compositional construction - and how these relations act in the process of

formation of the reader and the re-creator of texts 3) Identify behaviors own reader and re-

creator of texts (oral and written) as part of the appropriation process of reading and writing

4) Investigate how the pedagogical work with different discursives genres can contribute to the

appropriation of reading and writing for children five and six years The research was

anchored on the theoretical principles of Bakhtin in dialogue with the Historical-Cultural

Theory with Freinet Pedagogy and studious of the boarded subject The research corresponds

to an research-action with duration of seven months understood between May and December

of 2010 Participants were 20 children aged five and six years a class of Child II a municipal

public school kindergarten in Mariacutelia - SP four teachers of children in the years preceding the

survey and the teacher-researcher It was performed a pedagogical work intentionally

organized focusing on three genres letter life report and newspaper article As a tool for the

generation and collection of data was made use of interviews observations and techniques

such as matching interscholastic Freinet the book of life the newspaper of the class the wheel

of the conversation class ride The analysis tools were microgenetic analysis and discourse

analysis in the perspective of discursive enunciation Bakhtin The research results indicated

the reconceptualization of being a reader and being re-creator of texts in Early Childhood

Education A child is conceived as the subject of their learning in which it operates

interactively the discursives genres the way they are presented and mediations established in

their teaching contribute to the process of appropriation and objectification of reading and

writing by young children if occur in a dynamic and dialogical It is pointed out that relations

with elements of discursive genres interfere in the formation reader and writer and with these

conditions pedagogical work guided by the encoding and decoding of graphic signs for

teaching of writing and the act of reading can be discarded

Keywords Reading writing discursives genres Freinet techniques Childhood Education

11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes 57

Quadro 2 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes quanto agrave formaccedilatildeo58

Quadro 3 Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos crianccedilas59

12

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 190310 ndash Capiacutetulo IV154

Foto 2 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 160510 ndash Capiacutetulo IV157

Foto 3 Situaccedilatildeo de leitura de carta ndash 010610 ndash Capiacutetulo IV160

Foto 4 Situaccedilatildeo de leitura de notiacutecia de jornal ndash 140910 ndash Capiacutetulo IV176

Foto 5 Situaccedilatildeo de leitura de notiacutecia de jornal ndash 250910 ndash Capiacutetulo IV183

Foto 6 Situaccedilatildeo de escrita de carta ndash 221110 ndash Capiacutetulo V204

Foto 7 Situaccedilatildeo de escrita de relato de vida ndash 040610 ndash Capiacutetulo V227

13

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Desenho de C1 e observaccedilotildees escritas ndash Capiacutetulo IV169

Figura 2 Carta escrita por C13 em 290910 ndash Capiacutetulo V210

Figura 3 Carta escrita por C13 em 021210 ndash Capiacutetulo V214

14

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO15

CAPIacuteTULO I ndash A PESQUISA E A CRIANCcedilA CAMINHOS DA METODOLOGIA23

11 A concretude da pesquisa23

12 A pesquisa com crianccedilas32

13 Metodologia de pesquisa a pesquisa-accedilatildeo36

131 Geraccedilatildeo coleta e anaacutelise dos dados39

14 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gecircneros discursivos49

15 Crianccedilas e adultos os sujeitos da pesquisa55

CAPIacuteTULO II ndash CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E

DA ESCRITA NA EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DOS PROFESSORES E DAS

CRIANCcedilAS62

21 A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e escrever na Educaccedilatildeo

Infantil63

22 A atividade na leitura e na escrita68

23 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da liacutengua70

24 Os que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os conceitos das

professoras75

241 O ensino do ato de ler e de escrever93

242 O ensino da liacutengua materna97

243 As praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio101

CAPIacuteTULO III ndash A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCACcedilAtildeO INFANTIL

O QUE PENSAM AS CRIANCcedilAS109

31 Os conceitos das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa110

32 Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa132

CAPIacuteTULO IV ndash O ENSINO DA LEITURA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS146

41 A crianccedila e seu estatuto de leitor146

15

42 A leitura do gecircnero discursivo carta152

43 A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida164

44 A leitura do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal173

CAPIacuteTULO V ndash O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GEcircNEROS

DISCURSIVOS188

51 A crianccedila e seu estatuto de criador de textos189

52 A escrita do gecircnero discursivo carta191

521 Evoluccedilatildeo na escrita do gecircnero discursivo carta212

53 A escrita do gecircnero discursivo relatos de vida216

54 A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal230

CONCLUSAtildeO242

REFEREcircNCIAS253

APEcircNDICES

APEcircNDICE A ndash Termo de consentimento livre e esclarecido do professor participante263

APEcircNDICE B ndash Termo de consentimento livre e esclarecido da crianccedila participante265

APEcircNDICE C ndash Roteiro para entrevista semi-estruturada do professor267

APEcircNDICE D ndash Roteiro para entrevista semi-estruturada da crianccedila268

APEcircNDICE E ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das professoras269

APEcircNDICE F ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das crianccedilas (Iniacutecio da pesquisa)280

APEcircNDICE G ndash Transcriccedilatildeo das informaccedilotildees coletadas por meio das entrevistas semi-

estruturadas das crianccedilas (Final da pesquisa)309

ANEXOS

ANEXO A ndash Quadro de normas utilizadas na transcriccedilatildeo das entrevistas315

16

INTRODUCcedilAtildeO

Se escrever eacute entendido como o ato de construir sentidos pelo discurso o ato de

ler tambeacutem seria de construir sentido Essa funccedilatildeo transformadora da liacutengua

obriga a didaacutetica da leitura a elaborar novas condutas metodoloacutegicas para

atender a esse novo leitor e agraves funccedilotildees redescobertas do ato de ler (ARENA

2010b p 243)

Satildeo bastante conhecidas e debatidas as praacuteticas mais comuns do ensino da leitura e da

escrita nas creches e preacute-escolas brasileiras Subsiste entre os professores a ideia de que ler e

escrever satildeo habilidades para o domiacutenio das quais os treinos de escrita ndash as coacutepias exerciacutecios de

coordenaccedilatildeo motora de discriminaccedilatildeo visual e auditiva a repeticcedilatildeo dos nomes das letras e das

siacutelabas ndash seriam suficientes (BISSOLI 2009)

A despeito das pesquisas e de iniciativas que se contrapotildeem a essas praacuteticas haacute

profissionais que insistem em limitar a formaccedilatildeo de leitores e de re-criadores1 de textos ainda na

Educaccedilatildeo Infantil ao proporem exerciacutecios de escrita enfadonhos e desvinculados da realidade da

vida e dos interesses infantis Esse fato causa um distanciamento para a crianccedila perceber a liacutengua

em seu funcionamento de estabelecer relaccedilotildees com ela e por meio dela e de ser capaz de usaacute-la

nos mais diversos contextos da sua realizaccedilatildeo concreta nas diferentes formas de comunicaccedilatildeo

verbal que o sistema em uso permite realizar Diante disso o ensino da escrita nem sempre tem

calcado o seu objeto como linguagem escrita o que consequentemente faz com que o foco

recaia nos aspectos formais do sistema linguiacutestico

Essas consideraccedilotildees trazem outro problema Sob o pretexto de evitar uma possiacutevel

desmotivadora experiecircncia com textos cuja compreensatildeo estaria supostamente para aleacutem das

possibilidades das crianccedilas pequenas evidenciando um conceito de crianccedila de educaccedilatildeo de

ensino e de aprendizagem empobrecidos continuam a ser apresentados a elas textos

simplificados artificiais cartilhescos seguidos por exerciacutecios que natildeo permitem que a crianccedila se

1 Neste trabalho optei por utilizar a expressatildeo re-criador de gecircneros discursivos por entender que a crianccedila ao re-

criar gecircneros discursivos cria-os e recria-os a partir do que jaacute foi criado e apropriado da cultura humana Entende-se

que o ato de escrever que envolve a imaginaccedilatildeo a criatividade estaacute diretamente relacionado ao processo de

apropriaccedilatildeo da cultura humana e das experiecircncias que a crianccedila participa A opccedilatildeo pelo uso dessa expressatildeo tambeacutem

se justifica pela tentativa de estar em consonacircncia com os pressupostos teoacutericos assumidos neste trabalho Pensar em

re-criador de gecircneros discursivos eacute entender que o tatildeo absolutamente novo eacute tatildeo inconcebiacutevel como o absolutamente

mesmo (BAKHTIN 1992 2003) Nessa perspectiva compreende-se a liacutengua como algo vivo em movimento que

se daacute nas relaccedilotildees sociais na interaccedilatildeo com o outro como criaccedilatildeo da histoacuteria e da cultura humanas que se renovam

e se reconstroem

17

insira e participe da cultura escrita pela principal via a do significado e do sentido (LEONTIEV

1978)

Formar leitores e re-criadores de textos na Educaccedilatildeo Infantil eis o desafio que esta

pesquisa se propotildee a refletir tendo como fundamentaccedilatildeo teoacuterica as contribuiccedilotildees de Vygotsky2 e

dos estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural de Bakhtin e pesquisadores das concepccedilotildees

bakhtinianas e da Pedagogia Freinet

Essa pesquisa tem origem em minhas inquietaccedilotildees diante desses apontamentos acerca do

ensino da leitura e da escrita e da minha experiecircncia docente Durante dez anos como professora

dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede particular de ensino e atualmente haacute oito anos

como professora na Educaccedilatildeo Infantil na rede puacuteblica municipal sempre me intrigou o ensino da

leitura e da escrita com ecircnfase na codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos apartado da

produccedilatildeo de sentido e da praacutetica cultural histoacuterica e social Esse quadro me instigava a buscar

outros encaminhamentos que pudessem contribuir para a reversatildeo dessa situaccedilatildeo

Ao ingressar no trabalho na Educaccedilatildeo Infantil me deparei com a incumbecircncia de

alfabetizar as crianccedilas para que pudessem ingressar no Ensino Fundamental dominando a leitura

e a escrita para que natildeo encontrassem dificuldades nas aprendizagens nesse segmento e nos

demais Havia uma crenccedila por parte dos pais e dos professores de que quanto mais cedo as

crianccedilas se alfabetizassem melhores condiccedilotildees de sucesso na vida elas teriam e isso era

considerado sinocircnimo de maior competecircncia dos professores que se empenhavam a todo custo

para fazecirc-lo Essas premissas natildeo se coadunavam com o que eu constatava diante da minha

praacutetica porque as crianccedilas natildeo se interessavam de modo geral pelas tarefas que se detinham ao

ensino do ler e do escrever nessas condiccedilotildees

Diante dessa situaccedilatildeo e de outras experiecircncias vividas no magisteacuterio busquei dedicar-me

ao estudo de uma teoria que alicerccedilasse o meu fazer pedagoacutegico Na necessidade de romper com

a dicotomia teoria-praacutetica gradativamente pude ir me apropriando de conhecimentos sobre a

crianccedila como ela aprende em cada idade sobre a leitura sobre a escrita e como a crianccedila se

apropria dessa praacutetica cultural

2 Nas diversas obras do autor russo e naquelas que tecircm seus pressupostos como objeto a grafia de seu nome aparece

de maneira diferenciada Vigotskii Vigotski Vygotsky Vygotski Optei neste trabalho pela grafia Vygotsky

Entretanto para ser fiel agraves indicaccedilotildees presentes nas referecircncias bibliograacuteficas das quais utilizo no caso de citaccedilotildees

diretas ou indiretas manterei a grafia presente nos originais

18

O aprofundamento dessa temaacutetica de forma mais sistemaacutetica principiou-se com a pesquisa

de mestrado3 que se preocupou em estudar como as crianccedilas iniciam o processo de apropriaccedilatildeo

da leitura por meio do gecircnero discursivo histoacuteria em quadrinhos Neste estudo constatei que as

crianccedilas tinham uma experiecircncia de leitura focada na decifraccedilatildeo dos sinais graacuteficos vinculada ao

ensino da leitura a que foram submetidas nos primeiros anos da Educaccedilatildeo Infantil A escolha do

uso do gecircnero discursivo histoacuteria em quadrinhos se deu devido ao fato de a maioria dos sujeitos

da pesquisa desconhecer o gecircnero e demonstrar interesse na ocasiatildeo de um contato inicial com

ele Essa situaccedilatildeo foi modificada quando pensei propor situaccedilotildees reais de leitura que ocorreram

dentro de um contexto dialoacutegico e intencional em que as relaccedilotildees travadas pelas crianccedilas

descartaram a possibilidade de conceber e viver a leitura desde a pequena infacircncia de forma

simulada e teacutecnica Essas constataccedilotildees permitiram perceber que desde a Educaccedilatildeo Infantil

A padronizaccedilatildeo dos comportamentos independentemente da natureza do objeto

ou da finalidade da accedilatildeo praticada constroacutei obstaacuteculos para o aprendiz porque

ele eacute levado a enfrentar todos os objetos e todas as finalidades com as mesmas

ferramentas Ao usar ferramentas inadequadas e colocar em accedilatildeo

comportamentos inadequados em sua relaccedilatildeo com o objeto o aprendiz ndash

independentemente de sua idade e niacutevel de escolaridade ndash seraacute sempre

considerado como quem natildeo sabe ler este ou aquele objeto mas pode ser

considerado como leitor se utilizar adequadamente as ferramentas necessaacuterias

para ler um material especiacutefico Relativiza-se desse modo o conceito de leitor

porque este passa a natildeo ter existecircncia uacutenica e isolada mas vincula-se ao objeto

de sua accedilatildeo (ARENA 2003 p 57)

Com a pesquisa do mestrado foi possiacutevel reconceitualizar o ser leitor na Educaccedilatildeo Infantil

assumindo o conceito de leitura como compreensatildeo produccedilatildeo de sentido como praacutetica cultural

histoacuterica e social (ARENA 2010b) Foi possiacutevel constatar ainda que as crianccedilas natildeo conhecem

diferentes gecircneros discursivos Em geral predomina a leitura dos contos de fadas por natildeo serem

apresentados a elas outros gecircneros de forma mais intencional

Com essas consideraccedilotildees esta pesquisa de doutorado propotildee a ampliaccedilatildeo e

aprofundamento da discussatildeo iniciada no mestrado ao trazer agrave tona a investigaccedilatildeo do processo

de inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura escrita A hipoacutetese que norteia esse trabalho eacute a de que

3 SILVA Greice Ferreira da Formaccedilatildeo de leitores na Educaccedilatildeo Infantil contribuiccedilotildees das histoacuterias em quadrinhos

2009 237f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Universidade Estadual Paulista

Mariacutelia 2009

19

as crianccedilas aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a

liacutengua se manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola

como instrumento de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana Dessa forma

a relevacircncia desta pesquisa reside no fato de propor uma alternativa de trabalho na Educaccedilatildeo

Infantil que envolva a leitura e a escrita que efetivamente contribua para a formaccedilatildeo leitora e re-

criadora de textos das crianccedilas inserindo-as na cultura escrita

Esta pesquisa apresenta como objetivo geral analisar como ocorre o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita das crianccedilas de cinco anos por meio dos gecircneros discursivos no

contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos especiacuteficos 1) Analisar como o ensino dos

gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash interfere na aprendizagem da

leitura e da escrita das crianccedilas de cinco e seis anos 2) Discutir quais relaccedilotildees as crianccedilas de

cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico

estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo

do leitor e do re-criador de textos 3) Identificar condutas proacuteprias de leitor e de re-criador de

textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita 4)

Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros discursivos pode contribuir

para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos

Para tanto dediquei-me ao estudo dos gecircneros discursivos na perspectiva bakhtiniana para

poder planejar as situaccedilotildees de leitura e de re-criaccedilatildeo de textos Fiz um estudo sobre as

especificidades de cada um dos gecircneros discursivos a ser abordado no trabalho pedagoacutegico ndash

carta relatos de vida notiacutecia de jornal ndash aprofundando os conhecimentos que caracterizam cada

gecircnero Ao tratar sobre os gecircneros discursivos na escola desde a Educaccedilatildeo Infantil considero que

Natildeo daacute para higienizar essa perspectiva com o trabalho com a linguagem Natildeo

daacute para deixar a vida de lado Se isso acontecer perdemos a possibilidade de

pensar em ldquogecircneros do discursordquo porque natildeo teremos mais a linguagem

funcionando como ldquocorreias de transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a

histoacuteria da linguagemrdquo (BAKHTIN 2003 p 268) Natildeo eacute porque estamos na

escola que vamos inventar um trabalho com a linguagem que dispense natildeo

refletir ldquode modo mais imediato preciso e flexiacutevel todas as mudanccedilas que

transcorrem na vida socialrdquo (idem p268) A escola das nuvens lugar de

formaccedilatildeo de um natildeo-lugar tem que ser destruiacuteda e ceder lugar a uma escola

onde cabe a vida (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO

2010 p47)

20

De acordo com estas afirmaccedilotildees os autores ao partilharem as ideias de Bakhtin

esclarecem

E a vida estaacute sempre em movimento se instabiliza pode ser olhada de acircngulos

diferentes se renova constantemente apresenta sentidos atualizados Assim

tambeacutem a linguagem vive esse jogo de ser a mesma e ser diferente ao mesmo

tempo ela joga com as forccedilas centriacutefugas e com as forccedilas centriacutepetas vida e

liacutengua se constituem nos acontecimentos (GRUPO DE ESTUDOS DOS

GEcircNEROS DO DISCURSO 2010 p47)

Por concordar com os pressupostos apresentados eacute que assumo neste trabalho de pesquisa

o conceito de linguagem de leitura de escrita de gecircnero na perspectiva bakhtiniana Para Rojo

(2005 p 185) na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD) a ldquo[] teoria dos gecircneros

do discurso ndash centra-se sobretudo no estudo das situaccedilotildees de produccedilatildeo dos enunciados ou textos

em seus aspectos soacutecio-histoacutericos [] e [a] teoria dos gecircneros de textos ndash na descriccedilatildeo da

materialidade textualrdquo O quadro do ISD (SHNEUWLY E DOLZ 2004 BRONCKART 1997

1999) propotildee uma teoria textual na qual os textos mobilizam gecircneros em outras palavras essa

teoria aborda gecircneros textuais Bakhtin (2003) revela uma teoria discursiva em que os gecircneros

mobilizam textos e desse modo aborda gecircneros discursivos Sobral (2006 p 119) propotildee uma

diferenciaccedilatildeo para gecircnero do discurso e gecircnero textual o primeiro seriam ldquoformas de inserccedilatildeo do

discurso em lugares soacutecio-histoacutericosrdquo e o segundo ldquoformas especiacuteficas de materializaccedilatildeo dessa

inserccedilatildeo sem que haja uma correlaccedilatildeo necessaacuteria entre um dado tipo de textualizaccedilatildeo e um dado

gecircnerordquo Assim

O gecircnero mobiliza mediante o discurso formas textuais mas natildeo eacute mobilizado

por elas que satildeo apenas seu aspecto material um sine qua non necessaacuterio mas

natildeo suficiente para a compreensatildeo e anaacutelise do texto com os olhos do gecircnero O

discurso eacute o espaccedilo em que satildeo mobilizadas as textualidades de acordo com o

gecircnero a que pertence o discurso (SOBRAL 2009 p 130 grifos do autor)

Dessa maneira os gecircneros discursivos satildeo entendidos como praacuteticas sociais relativamente

estaacuteveis de instauraccedilatildeo de eventos de sentido realizando-se pelos discursos Para Sobral (2006)

o gecircnero textual recobriria aspectos da significaccedilatildeo ou seja aspectos relacionados ao sistema da

liacutengua e de composiccedilatildeo da estrutura textual mas natildeo abrangeria nem aspectos relacionados ao

sentido ligados ao sistema de uso da liacutengua nem da estrutura arquitetocircnica dos textos O

21

conceito de gecircnero de Bakhtin abarca os aspectos textuais discursivos e geneacutericos de maneira

integrada e vincula o texto ao gecircnero (SOBRAL 2010) Texto discurso e gecircnero satildeo conceitos

que estatildeo constitutiva e inseparavelmente ligados na teoria de gecircnero bakhtiniana Pelos motivos

expostos assumo neste trabalho o conceito de gecircnero discursivo Esclareccedilo ainda que na

entrevista com as professoras utilizo o termo ldquotipos de textosrdquo porque em entrevista piloto as

professoras desconheciam o termo gecircneros do discurso e este termo foi gerador de duacutevidas

Devido a esse fato e na tentativa de aproximar ao conceito de gecircnero discursivo optei adotar

somente nas entrevistas essa nomenclatura

A pedagogia Freinet e suas teacutecnicas tambeacutem foram alvo de estudos ainda mais

consistentes para que aliados agrave teoria Histoacuterico-Cultural e a teoria bakhtiniana pudessem

contribuir para a efetivaccedilatildeo de uma praacutetica pedagoacutegica promotora de aprendizagens

Nesta pesquisa as teacutecnicas Freinet satildeo compreendidas como um caminho para praacuteticas que

possibilitem a apropriaccedilatildeo da cultura pela crianccedila por seu uso social ou seja para aquilo para o

qual cada objeto da cultura foi criado e eacute utilizado socialmente Desta maneira satildeo vistas como

uma proposta alternativa para o trabalho na Educaccedilatildeo Infantil que natildeo antecipa o processo de

escolarizaccedilatildeo nem entrega ao espontaneiacutesmo o desenvolvimento das crianccedilas

O uso das teacutecnicas Freinet permite que a crianccedila vivencie o papel das praacuteticas sociais e

participe da vida na escola porque a apropriaccedilatildeo da cultura se estabelece com o desenvolvimento

de cada teacutecnica e as propostas tecircm maior possibilidade de se tornarem atividade (LEONTIEV

1988) por envolverem a crianccedila nesse fazer porque os motivos que a levam a agir coincidem

com o resultado previsto para sua accedilatildeo e por essa razatildeo pode produzir sentido positivo aquilo

que realiza Com as teacutecnicas Freinet natildeo haacute necessidade de se criar situaccedilotildees para ensinar a

leitura ou a escrita porque elas satildeo utilizadas para o registro de vivecircncias das crianccedilas o que

garante sua apropriaccedilatildeo pelo proacuteprio uso que a sociedade faz desses objetos culturais

Desse modo este trabalho de pesquisa eacute organizado em cinco capiacutetulos No capiacutetulo I ldquoA

pesquisa e a crianccedila caminhos da metodologiardquo apresento os pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos

desta investigaccedilatildeo ao tratar da pesquisa e sua concretude a aparecircncia e a essecircncia fenomecircnicas e

a superaccedilatildeo da psedoconcreticidade no processo investigativo Busco discutir a pesquisa com

crianccedilas e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo e apresento a metodologia adotada ndash a pesquisa-accedilatildeo ndash e

a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gecircneros discursivos Ao tratar da

metodologia da investigaccedilatildeo adotada descrevo tambeacutem a metodologia de coleta e de anaacutelise de

22

dados Apresento ainda a caracterizaccedilatildeo dos sujeitos participantes da referida pesquisa no

momento histoacuterico e cultural em que se deu a coleta dos dados

No capiacutetulo II ldquoConceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo

Infantil dos professores e das crianccedilasrdquo apresento o aporte teoacuterico dos conceitos basilares e

fundamentais para este trabalho concernentes ao ensino e agrave aprendizagem desenvolvimento

humano cultura escrita atividade gecircnero do discurso dialogismo Realizo uma anaacutelise dos

dados coletados nas entrevistas os conceitos de leitura e de escrita de gecircneros discursivos de

ensino e de aprendizagem das professoras participantes da pesquisa e como eles influenciam os

conceitos ainda em elaboraccedilatildeo pelas crianccedilas Essa anaacutelise eacute ancorada na concepccedilatildeo de

linguagem de liacutengua e de gecircnero discursivo de Bakhtin e na concepccedilatildeo de crianccedila de ensino e

de aprendizagem de leitura e de escrita de Vygotsky e de outros estudiosos da Teoria Histoacuterico-

Cultural

No capiacutetulo III ldquoA leitura e a escrita na escola de Educaccedilatildeo Infantil o que pensam as

crianccedilas pequenasrdquo busco analisar e compreender por meio dos discursos das crianccedilas os

conceitos que elas elaboram sobre a leitura a escrita e os gecircneros discursivos e de que forma os

conceitos das professoras que direcionam as suas praacuteticas interferem nos conceitos e nas

aprendizagens dos sujeitos da pesquisa

No capiacutetulo IV ldquoO ensino da leitura e os gecircneros discursivosrdquo discuto o que eacute ser leitor na

Educaccedilatildeo Infantil como esse trabalho pode ocorrer dentro de um processo dialoacutegico e o conceito

de leitura que norteia essa discussatildeo Em seguida apresento situaccedilotildees de leitura com as crianccedilas

em trecircs momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero discursivo carta por meio

da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo relato de vida por meio do

livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

O capiacutetulo V ldquoO ensino da linguagem escrita e os gecircneros discursivosrdquo destina-se agrave

reflexatildeo sobre o que eacute ser re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Para tanto trago o conceito

de texto e discuto a diferenccedila entre criar textos e fazer redaccedilotildees Realizo ainda neste capiacutetulo a

apresentaccedilatildeo e anaacutelise de situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de textos em trecircs momentos no trabalho

pedagoacutegico como foi proposto no capiacutetulo IV o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero

discursivo carta por meio da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo

relato de vida por meio do livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

23

Devo esclarecer que nos capiacutetulos IV e V nas situaccedilotildees de leitura e de escrita dos gecircneros

discursivos que explicitam o trabalho pedagoacutegico denotando a minha accedilatildeo direta com as crianccedilas

num processo interativo os diaacutelogos apresentados seratildeo escritos em primeira pessoa por ser eu

mesma a professora e a pesquisadora

Ao finalizar a apresentaccedilatildeo dos aportes teoacutericos articulados com a anaacutelise e a discussatildeo

dos dados resultantes da pesquisa elaboro a conclusatildeo desta tese de doutorado com a intenccedilatildeo de

explicar o percurso de sua elaboraccedilatildeo e de apontar alguns caminhos que possam contribuir

possivelmente com o processo de formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos na Educaccedilatildeo

Infantil a sua inserccedilatildeo e participaccedilatildeo ativa na cultura escrita

24

CAPIacuteTULO I

A PESQUISA E A CRIANCcedilA CAMINHOS DA METODOLOGIA

A destruiccedilatildeo da psedoconcreticidade eacute o processo de criaccedilatildeo da realidade

concreta e a visatildeo da realidade da sua concreticidade (KOSIK 1976 p 19)

A ciecircncia se dedica a desvendar o mundo que nos cerca na tentativa de tornar expliacutecito o

conteuacutedo dos fenocircmenos e compreender a realidade ldquoO homem cria em suas relaccedilotildees um

mundo cujos fenocircmenos compotildeem e constituem a esfera do cotidiano do imediato do evidente e

da aparecircnciardquo (ARENA 2010a) Superar a psedoconcreticidade eacute ultrapassar a aparecircncia em

busca do entendimento da realidade concreta da criaccedilatildeo dessa realidade concreta

Baseado nessas afirmaccedilotildees este capiacutetulo se dedica em apresentar os pressupostos teoacuterico-

metodoloacutegicos desta investigaccedilatildeo ao tratar da pesquisa e sua concretude a aparecircncia e a essecircncia

fenomecircnicas e a superaccedilatildeo da psedoconcreticidade no processo investigativo Nesse contexto

busca discutir a pesquisa com crianccedilas e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo e apresenta a metodologia

adotada ndash a pesquisa-accedilatildeo ndash e a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gecircneros

discursivos Em seguida caracteriza os sujeitos participantes da referida pesquisa no momento

histoacuterico e cultural em que se deu a coleta dos dados

11 A concretude da pesquisa

Este trabalho parte do pressuposto de que a crianccedila desde a Educaccedilatildeo Infantil aprende a

liacutengua por meio dos gecircneros discursivos ndash uma vez que a liacutengua se manifesta pelos gecircneros ndash

quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola como instrumento de humanizaccedilatildeo

como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana

Essa investigaccedilatildeo objetiva compreender a pesquisa como um espaccedilo de constituiccedilatildeo do

sujeito como uma atividade da praacutexis humana (SILVA 2009) Entender a pesquisa como

elemento essencial na formaccedilatildeo do sujeito possibilita o desenvolvimento de aspectos

relacionados agrave construccedilatildeo do conhecimento e da emancipaccedilatildeo do homem (SILVA 2009)

25

Compreender a formaccedilatildeo do sujeito eacute compreender o processo de tornar-se humano Para

Vygotsky ndash psicoacutelogo russo e principal representante da Teoria Histoacuterico-Cultural ndash o homem

natildeo nasce humano mas aprende a ser humano agrave medida que atua sobre a realidade e se apropria

da cultura humana e a transforma Entende-se por cultura humana o conjunto da produccedilatildeo do

homem e da natureza que existe fora desse homem objetivamente independente dele Eacute por meio

da relaccedilatildeo com os objetos socialmente criados e com os outros homens presentes e passados ndash e

que deixam a marca de sua atividade nos objetos da cultura historicamente produzidos ndash que o

homem se humaniza (MELLO 1999) O homem se diferencia dos outros animais natildeo apenas

pela sua histoacuteria peculiar no processo de evoluccedilatildeo bioloacutegica mas principalmente porque ao

mesmo tempo em que produz a sua proacutepria histoacuteria eacute produzido por ela ldquoSer homem eacute decorrente

de todo um processo de formaccedilatildeo ocorrido num ambiente denominado culturardquo (SILVA 2009 p

158) O processo de hominizaccedilatildeo eacute resultado de uma passagem agrave vida organizada na base do

trabalho atividade criadora produtiva fundamental que faz do ser humano um ser diferente dos

animais ldquoO homem eacute o uacutenico animal que age intencionalmente em busca de satisfazer suas

necessidades e de transformaccedilatildeordquo (SILVA 2009) Ao fazer isso com a accedilatildeo transformadora

consciente se daacute a criaccedilatildeo de si mesmo uma vez que ao modificar a natureza modifica a si de tal

modo que se torna humano no processo dialeacutetico homem-natureza (SILVA 2009)

Leontiev (1978) fundamentado nos estudos de Marx e Engels afirma que

O desenvolvimento do homem da sua vida exige evidentemente uma interacccedilatildeo

constante do homem como meio natural uma troca de substacircncias entre eles

Esta interacccedilatildeo executa o processo de adaptaccedilatildeo do homem agrave natureza Todavia

o homem adaptar-se agrave natureza circundante natildeo eacute senatildeo produzir os meios da

sua proacuteprias existecircncia Graccedilas a isto o homem diferentemente do animal

mediatiza regula e controla este processo pela sua actividade ele proacuteprio

desempenha em face da natureza o papel de uma potecircncia natural

(LEONTIEV 1978 p 173)

Sobre esses pressupostos Marx e Engels (2006 p 44 ndash 45 grifos dos autores) esclarecem

que

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciecircncia pela religiatildeo ou por

tudo o que se queira No entanto eles proacuteprios comeccedilam a se distinguir dos

animais logo que comeccedilam a produzir seus meios de existecircncia e esse salto eacute

condicionado por sua constituiccedilatildeo corporal Ao produzirem seus meios de

existecircncia os homens produzem indiretamente sua proacutepria vida material

26

E ainda

A forma pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo

da natureza dos meios de vida jaacute encontrados e que eles precisam reproduzir

Natildeo se deve poreacutem considerar tal modo de produccedilatildeo de um uacutenico ponto de

vista ou seja a reproduccedilatildeo da existecircncia fiacutesica dos indiviacuteduos Trata-se muito

mais de uma forma determinada de atividade dos indiviacuteduos de uma forma

determinada de manifestar sua vida um modo de vida determinado Da mesma

maneira como os indiviacuteduos manifestam sua vida assim satildeo eles O que eles satildeo

coincide portanto com sua produccedilatildeo tanto com o que produzem como com o

modo como produzem O que os indiviacuteduos satildeo por conseguinte depende das

condiccedilotildees materiais de sua produccedilatildeo

Ao considerar essas afirmaccedilotildees compreende-se que a primeira atitude histoacuterica dos

homens em relaccedilatildeo aos animais natildeo eacute necessariamente o fato de pensar mas o de produzir seus

meios de sobrevivecircncia e ao produzir seus meios de existecircncia coletivamente desenvolve

linguagem pensamento sentimento consciecircncia Essa eacute uma concepccedilatildeo materialista da

existecircncia humana e esta concepccedilatildeo ndash de como o homem produz a sua existecircncia material ndash

compreende natildeo o indiviacuteduo isolado mas em sociedade onde a sua produccedilatildeo individual eacute

determinada socialmente Desse modo ldquonatildeo eacute o indiviacuteduo natural como produto da natureza

mas o indiviacuteduo social como um resultado histoacuterico natildeo o indiviacuteduo ideal mas o real como uma

particularidade histoacutericardquo (BITENCOURT GAMA sd p 4) Essa materialidade histoacuterica diz

respeito agrave forma de organizaccedilatildeo dos homens em sociedade atraveacutes da histoacuteria ou seja refere-se

agraves relaccedilotildees sociais construiacutedas pela humanidade durante vaacuterios seacuteculos de sua existecircncia Para o

pensamento marxista esta materialidade histoacuterica pode ser compreendida a partir das anaacutelises da

categoria considerada central o trabalho

Aliados aos conceitos expostos Vygostki (1995) e Leontiev (1978) explicitam que a

atividade humana eacute uma mediadora da relaccedilatildeo entre o homem e a natureza e por meio dessa

relaccedilatildeo o homem cria novas atividades em funccedilatildeo de novas necessidades que satildeo criadas Os

conhecimentos adquiridos durante o desenvolvimento das faculdades e propriedades humanas

acumularam-se e transmitiram-se de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e essas aquisiccedilotildees devem

necessariamente ser fixadas (LEONTIEV 1978) Esta nova forma de acumulaccedilatildeo da experiecircncia

filogecircnica ndash entendendo-se por desenvolvimento filogeneacutetico a evoluccedilatildeo da espeacutecie humana no

decorrer da histoacuteria dos homens ndash pode aparecer no homem na medida em que a atividade

27

especificamente humana tem caraacuteter produtivo Essa atividade eacute o trabalho (LEONTIEV 1978)

O trabalho realizando o processo de produccedilatildeo sob duas formas material e intelectual imprime-

se no seu produto

Pode-se dizer que as aptidotildees e outros caracteres especificamente humanos natildeo se

transmitem pela hereditariedade bioloacutegica mas adquirem-se no decorrer da vida em outras

palavras no desenvolvimento ontogeneacutetico que caracteriza o desenvolvimento do indiviacuteduo a

partir do seu nascimento por um processo de apropriaccedilatildeo da cultura criada pelas geraccedilotildees

precedentes Para se apropriar dos objetos ou dos fenocircmenos que satildeo produtos do

desenvolvimento histoacuterico eacute necessaacuterio desenvolver em relaccedilatildeo a eles uma atividade que

reproduza pela sua forma os traccedilos essenciais da atividade cristalizada acumulada no objeto

(LEONTIEV 1978) caracterizando o processo de apropriaccedilatildeo como aquele que cria novas

aptidotildees novas funccedilotildees psiacutequicas

De acordo com o exposto a pesquisa pode ser entendida como uma atividade humana

uma atividade criadora em que o homem produz conhecimento ao mesmo tempo em que eacute

produzido por ele A produccedilatildeo de conhecimento eacute resultado da relaccedilatildeo sujeito e objeto e ambos

se formam neste processo na medida em que se encontram com o objetivo de desvelar o real

Assim sendo a tentativa de explicar o real eacute a busca pela superaccedilatildeo da pseudoconcreticidade

(KOSIK 1976) Essa expressatildeo designa

O complexo dos fenocircmenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera

comum da vida humana que com a sua regularidade imediatismo e evidecircncia

penetram na consciecircncia dos indiviacuteduos agentes assumindo um aspecto

independente e natural (KOSIK 1976 p 11)

Para Kosik (1976 p 9) ldquoa dialeacutetica trata da ldquocoisa em sirdquo Mas a ldquocoisa em sirdquo natildeo se

manifesta imediatamente ao homemrdquo O homem cria o mundo das relaccedilotildees cotidianas que

compotildeem a esfera do aparente do imediato (ARENA 2010a) Esse pressuposto remete a uma

abordagem do real que natildeo o atinge plenamente que se esgota na aparecircncia entendendo por

ldquorealrdquo a forma pela qual o mundo se apresenta Nesse sentido a realidade se reduz agraves suas formas

fenomecircnicas agrave aparecircncia das coisas

O mundo real (ou a totalidade concreta) encontra-se oculto pelo mundo da

pseudoconcreticidade precisando ser descortinado para que se possa ter uma aproximaccedilatildeo com o

real Essas aproximaccedilotildees satildeo sucessivas e permanentes como um ir e vir em relaccedilatildeo ao fenocircmeno

28

analisado ou seja eacute necessaacuterio realizar um detoacuteur (KOSIK 1976 p9) Quanto a essa questatildeo

Kosik afirma que

A atitude primordial e imediata do homem em face da realidade natildeo eacute a de um

sujeito cognoscente de uma mente pensante que examina a realidade

especulativamente poreacutem a de um ser que age objetiva e praticamente de um

indiviacuteduo histoacuterico que exerce a sua atividade praacutetica no trato com a natureza e

com os outros homens tendo em vista a consecuccedilatildeo dos proacuteprios fins e

interesses dentro de um determinado conjunto de relaccedilotildees sociais Portanto a

realidade natildeo se apresenta aos homens agrave primeira vista sob o aspecto de um

objeto que cumpre intuir analisar e compreender teoricamente cujo poacutelo oposto

e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente que existe fora

do mundo e apartado do mundo apresenta-se como o campo em que se exercita

a sua atividade praacutetico-sensiacutevel sobre cujo fundamento surgiraacute a imediata

intuiccedilatildeo praacutetica da realidade (KOSIK 1976 p 10)

Para Kosik (1976) a manifestaccedilatildeo do fenocircmeno ndash pseudo-essecircncia ndash necessita ser

ultrapassada para que se chegue agrave verdadeira essecircncia que pode ser alcanccedilada pelo movimento

dialeacutetico Isto natildeo se manifesta com um conceito de verdade plenamente alcanccedilaacutevel mas com

sucessivas aproximaccedilotildees em sua busca Para o autor (1976 p 19) ldquoa destruiccedilatildeo da

pseudoconcreticidade significa que a verdade natildeo eacute nem inatingiacutevel nem alcanccedilaacutevel de uma vez

para sempre mas que ela se faz logo se desenvolve e se realizardquo Assim pode-se dizer que a

maior aproximaccedilatildeo com a verdade depende do conhecimento sobre esse fenocircmeno que estaacute

relacionado agrave construccedilatildeo histoacuterica do sujeito influenciada por muacuteltiplas relaccedilotildees sociais e com a

proacutepria construccedilatildeo do conhecimento

Kosik (1976) afirma que eacute necessaacuterio utilizar-se da consciecircncia de maneira dialeacutetica uma

vez que ldquoconsciecircncia eacute reflexo e ao mesmo tempo projeccedilatildeo registra e constroacutei toma nota e

planeja reflete e antecipa eacute ao mesmo tempo receptiva e ativardquo (1976 p 26) Tem como

pressuposto uma visatildeo dialeacutetica de mundo pelas pessoas considerada ampliada A partir do

conhecimento do velho eacute possiacutevel alcanccedilar tal visatildeo e atingir um conhecimento novo em que a

histoacuteria eacute o ponto de partida para atingir este conhecimento e desse modo se alcanccedilar a

totalidade concreta Esta totalidade concreta pode ser atingida ao obter-se o conhecimento da

concreticidade do real sempre acrescentando fatos novos dialeticamente Esta realidade eacute um

todo dialeacutetico que natildeo compreende a realidade total mas uma teoria da realidade em que o

conhecimento humano eacute permanentemente acumulado e processado no qual a concretizaccedilatildeo se

29

realiza das unidades para o todo e do todo para as unidades Nesse movimento todo princiacutepio eacute

abstrato e relativo Com relaccedilatildeo a isso vale ressaltar que

O meacutetodo da ascensatildeo do abstrato ao concreto eacute o meacutetodo do pensamento em

outras palavras eacute um movimento que atua nos conceitos no elemento da

abstraccedilatildeo A ascensatildeo do abstrato ao concreto natildeo eacute uma passagem de um plano

(sensiacutevel) para outro plano (racional) eacute um movimento no pensamento e do

pensamento Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao concreto

tem de mover-se no seu proacuteprio elemento isto eacute no plano abstrato que eacute

negaccedilatildeo da imediatidade da evidecircncia e da concreticidade sensiacutevel A ascensatildeo

do abstrato ao concreto eacute um movimento para o qual todo iniacutecio eacute abstrato e cuja

dialeacutetica consiste na superaccedilatildeo dessa abstratividade O progresso da

abstratividade agrave concreticidade eacute por conseguinte em geral da parte para o todo

e do todo para a parte do fenocircmeno para a essecircncia e da essecircncia para o

fenocircmeno da totalidade para a contradiccedilatildeo e da contradiccedilatildeo para a totalidade do

objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto (KOSIK 1976 p 30)

Isto posto entende-se que para conhecer uma realidade desvendar sua essecircncia perceber

suas leis de movimento e funcionamento o pesquisador faz uso da sua capacidade de abstraccedilatildeo e

este recurso agrave abstraccedilatildeo eacute que torna possiacutevel ao pensamento ao pensamento humano decompor o

todo uma vez que o real tal como se apresenta num primeiro momento tem um aspecto uno

direto Faz-se necessaacuterio decompocirc-lo identificar suas unidades fundamentais apontar o que eacute

secundaacuterio para que num segundo momento compreendida a sua coerecircncia interna ele seja

novamente reconstituiacutedo em outros moldes em outro todo Como afirma Kosik (1976 p 14) []

ldquosem decomposiccedilatildeo natildeo haacute conhecimentordquo e explicita ainda que [] ldquoo conceito e a abstraccedilatildeo

em uma concepccedilatildeo dialeacutetica tem o significado de meacutetodo que decompotildee o todo para poder

reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e portanto a coisardquo Em outras palavras pode-se

afirmar que a mente humana precisa fazer uma anaacutelise do objeto e separaacute-lo em partes porque o

real natildeo se daacute a conhecer de forma direta em todo o seu ser Por esse motivo haacute a necessidade de

se recorrer agrave abstraccedilatildeo como um dos movimentos essenciais agrave formulaccedilatildeo do conceito mas que

natildeo eacute este o momento final do conhecimento

Para Kosik (1976) o processo de conhecimento parte do concreto imediato da aparecircncia

das coisas passa pela abstraccedilatildeo (analisando e seccionando o todo) e chega novamente ao

concreto agora compreendido e recomposto em sua real ordem interna Como Kosik explicita

Da vital caoacutetica imediata representaccedilatildeo do todo o pensamento chega aos

conceitos agraves abstratas determinaccedilotildees conceituais mediante cuja formaccedilatildeo se

30

opera o retorno ao ponto de partida desta vez poreacutem natildeo mais como ao vivo

mas incompreendido todo da percepccedilatildeo imediata mas ao conceito do todo

ricamente articulado e compreendido (KOSIK 1976 p 29)

Isto posto Pires (1997) revela que para se compreender o fenocircmeno haacute a necessidade

loacutegica de descobrir nos fenocircmenos a categoria mais simples (o empiacuterico) para chegar agrave categoria

siacutentese de muacuteltiplas determinaccedilotildees (concreto pensado) Quanto mais abstraccedilotildees (teoria) se puder

pensar sobre a categoria simples empiacuterica mais proacuteximo se estaacute da compreensatildeo da realidade

O sujeito nessa perspectiva eacute um ser social que se torna produtivo por meio do

desenvolvimento de suas atividades pelas quais conhece o mundo e se relaciona dialeticamente

com ele Por tal razatildeo eacute necessaacuterio conhecer a realidade social do sujeito o contexto em que estaacute

inserido e em que se datildeo as relaccedilotildees que estabelece para uma maior compreensatildeo do todo Ao

conhecer a realidade do sujeito historicamente construiacutedo aproxima-se da compreensatildeo do todo e

afasta-se da pseudoconcreticidade ateacute a sua superaccedilatildeo sai-se da aparecircncia do fenocircmeno para se

chegar a sua verdadeira objetividade (KOSIK 1976)

Em consonacircncia com essa afirmaccedilatildeo Silva (2009) esclarece que o problema do

conhecimento estaacute representado no marxismo na relaccedilatildeo dialeacutetica sujeito e objeto ldquoO princiacutepio

da interaccedilatildeo existente entre os eixos da relaccedilatildeo cognitiva eacute produzido no enquadramento da

praacutetica social do sujeito que captura e dialoga com o objeto na e pela sua atividaderdquo (SILVA

2009 p 13) e acrescenta que o conhecimento diz respeito primeiro agrave historicidade do sujeito e do

objeto Nesse sentido a dialeacutetica surge como uma tentativa de superaccedilatildeo da dicotomia da

separaccedilatildeo entre o sujeito e o objeto

Com base nesses pressupostos pode-se dizer que o que se tenta fazer no percurso da

pesquisa eacute explicar o concreto e para isto eacute necessaacuterio transpor pela abstraccedilatildeo o concreto-dado

para o pensamento produzindo assim o concreto-pensado que eacute na realidade o concreto dado

transposto para a mente humana Feita essa transposiccedilatildeo eacute preciso voltar novamente do concreto-

pensado para o concreto-dado uma vez que ambos devem estar em iacutentima relaccedilatildeo pois do

contraacuterio a pesquisa natildeo teria sentido na medida em que natildeo conseguiria explicar a realidade

ldquofim uacuteltimo de qualquer pesquisa compromissada e livrerdquo (SILVA 2009 p 13)

A pesquisa encontra no cotidiano na praacutetica o seu iniacutecio seu ponto de partida No

entanto eacute necessaacuterio que por meio desse ponto de partida desenvolvam-se determinaccedilotildees e

mediaccedilotildees para que possam ser revelados os nexos constitutivos do objeto de estudo para que os

31

sujeitos possam por meio da unidade pensamento-reflexatildeo transformar a realidade e a si

mesmos A dialeacutetica pressupotildee que as interpretaccedilotildees feitas relativas ao mundo devem ser

encaradas como passiacuteveis de modificaccedilotildees e reconstruccedilotildees porque a interpretaccedilatildeo praacutetica de

transformar o mundo em que vivemos desencadeia ao mesmo tempo um processo de

transformaccedilatildeo social em um mundo de constantes e permanentes transformaccedilotildees Este processo eacute

o da autocriacutetica e da criacutetica agrave realidade social

Neste processo investigativo ora apresentado se busca compreender o fenocircmeno

educativo ao descobrir suas mais simples manifestaccedilotildees para que ao analisaacute-las e elaborar

abstraccedilotildees sobre elas possa se aproximar cada vez mais da compreensatildeo do fenocircmeno

observado

Quanto agrave dialeacutetica Kosik (1976 p 33) afirma que eacute ldquoo meacutetodo da reproduccedilatildeo espiritual e

intelectual da realidade eacute o meacutetodo do desenvolvimento e da explicitaccedilatildeo dos fenocircmenos

culturais partindo da atividade praacutetica objetiva do homem histoacutericordquo Nesta vertente existe uma

unicidade entre teoria e praacutetica em outras palavras entre o conhecimento e a accedilatildeo ldquoEacute na unidade

articuladora entre a ideia e a accedilatildeo ou entre a teoria e a praacutetica que se efetiva a historicidade

humana concretizada no movimento de constituiccedilatildeo da realidade socialrdquo (ABRANTES

MARTINS 2007 p 315) Assim

A construccedilatildeo praacutexica do conhecimento nos remete portanto agrave realidade

histoacuterica a se conhecer visto que os indiviacuteduos se desenvolvem em relaccedilotildees de

apropriaccedilatildeo da histoacuteria contida nos objetos produzidos pelo homem e nas

relaccedilotildees estabelecidas entre eles na base de tais produccedilotildees Mas para uma efetiva

compreensatildeo da dimensatildeo praacutexica do homem outro preceito deve ser levado em

conta qual seja a unidade inicial existente entre sujeito e objeto do

conhecimento (ABRANTES MARTINS 2007 p 315)

Kosik (1976 p 30) esclarece que ldquoo processo do abstrato ao concreto como meacutetodo

materialista da realidade eacute a dialeacutetica da totalidade concreta na qual se reproduz idealmente a

realidade em todos os seus planos e dimensotildeesrdquo Por essa razatildeo para o pensamento dialeacutetico haacute

duas formas e dois graus de conhecimento da realidade e por conseguinte duas qualidades da

praacutexis humana (KOSIK 197 p13) Uma delas estaacute relacionada ao fato de que ldquoo conhecimento

da realidade histoacuterica eacute um processo de apropriaccedilatildeo teoacutericardquo eacute criacutetica porque implica interpretar e

avaliar os fatos empiacutericos procurando superar as primeiras impressotildees as representaccedilotildees

fenomecircnicas e chegar ao cerne de suas leis fundamentais Feito pelo pesquisador o trabalho de

32

apropriaccedilatildeo organizaccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos fatos o resultado seraacute o conhecimento objetivo desses

fatos o ldquoconcreto-pensadordquo ldquoAssim eacute que do processo dialeacutetico de conhecimento da realidade

que a transforma no plano do conhecimento e no plano histoacuterico-social resulta uma praacutexis criacutetica

revolucionaacuteria da humanidaderdquo (BITENCOURT GAMA sd p 7)

O outro conhecimento eacute o do senso comum dado pela imediaticidade resultado da

atividade praacutetico-sensiacutevel dentro de um determinado conjunto de relaccedilotildees sociais e eacute esse

conjunto dos fenocircmenos marcado pela regularidade imediatismo e evidecircncia que constitui o

mundo da pseudoconcreticidade Com isso

A praacutexis que adveacutem deste eacute a praacutexis fragmentaacuteria dos indiviacuteduos baseada na

divisatildeo do trabalho na divisatildeo da sociedade em classes e na hierarquia de

posiccedilotildees sociais que sobre ela se ergue e neste contexto eacute historicamente

determinada e unilateral eacute a praacutexis fetichizada dos homens (KOSIK 1976 p

14 ndash 15)

Eacute nessa praacutexis fetichizada dos homens que se daacute o mundo da pseudoconcreticidade e

Kosik (1976 p 11) define o mundo da pseudoconcreticidade como ldquoum claro-escuro de verdade

e enganordquo e explicita que seu elemento proacuteprio eacute o duplo sentido ou seja o fenocircmeno indica a

essecircncia mas tambeacutem a esconde Esclarece ainda que embora a essecircncia se manifeste no

fenocircmeno isso acontece ldquosoacute de modo inadequado parcial ou apenas sob certos acircngulos e

aspectosrdquo (KOSIK 1976 p 11)

Eacute na tentativa de superar a pseudoconcreticidade que o processo de pesquisa deve ocorrer

A tentativa de ultrapassar o aparente em busca da essecircncia no esforccedilo de tentar compreender essa

realidade e poder tambeacutem transformaacute-la Dessa forma pode-se dizer que o caminho do

conhecimento humano eacute uma trajetoacuteria construiacuteda na busca da realidade no rompimento da

pseudoconcreticidade que nunca se esgota totalmente Pelo fato do homem atuar no mundo ndash nele

realizar sua praacutexis ndash a realidade que se desvenda ao conhecer humano nunca estaacute pronta e

acabada natildeo existindo independentemente do homem (BREITBACH 1988 p 121) Nas

palavras de Kosik (1976 p 19) ldquo[] o mundo da realidade eacute o mundo da realizaccedilatildeo da verdade eacute

o mundo em que a verdade natildeo eacute dada e predestinada natildeo estaacute pronta e acabada impressa de

forma imutaacutevel na consciecircncia humana eacute o mundo em que a verdade deveacutemrdquo

Nessa perspectiva o item a seguir aborda a pesquisa com crianccedilas e as suas implicaccedilotildees

na educaccedilatildeo e destaca o conceito de crianccedila e de infacircncia nos quais esse trabalho se apoia Isto se

33

justifica por se tratar de uma pesquisa com e sobre as crianccedilas e que traz em seu cerne formas de

se pensar o trabalho pedagoacutegico de formaccedilatildeo leitora e escritora com crianccedilas na Educaccedilatildeo

Infantil

12 A pesquisa com crianccedilas

A crianccedila e a infacircncia tem sido alvo de muitas pesquisas em diferentes aacutereas do

conhecimento (ARIEgraveS 1978 FARIA 2009 LEONTIEV 1988 MELLO 2007 SARMENTO E

PINTO 1997 VYGOTSKI 1995 entre outros) A presente pesquisa elege como tema o

processo de inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura escrita e o uso dos gecircneros discursivos na

Educaccedilatildeo Infantil uma vez que objetiva pensar em praacuteticas de leitura e de escrita nesse momento

da escolaridade de modo que a crianccedila estabeleccedila relaccedilotildees com o escrito interaja com ele e pense

nos diferentes modos de usar o escrito Objetiva tambeacutem desenvolver praacuteticas de leitura e de

escrita em que as crianccedilas natildeo sendo ainda convencionalmente alfabetizadas pensem sobre a

liacutengua e sobre o seu funcionamento de forma dialoacutegica e dinacircmica

A atitude adotada na pesquisa com as crianccedilas e apresentada neste capiacutetulo eacute a tentativa de

ir aleacutem das aparecircncias do fenocircmeno para aproximar-se da sua essecircncia (KOSIK 1976) dado que

essecircncia e aparecircncia satildeo produzidas pelo mesmo complexo social (MARX 1974)

Assim essa pesquisa se propotildee a pensar as crianccedilas natildeo como sujeitos passivos e

descontextualizados em que somente satildeo percebidas para se estabelecer comparaccedilotildees formando

um conjunto de ldquonegativo que nada nos diz das peculiaridades positivas que diferenciam a

crianccedila do adultordquo (VYGOSTKI 1995 apud MARTINS FILHO 2009 p 82) mas ao contraacuterio

procura entender a crianccedila como sujeito ativo em todo o processo de elaboraccedilatildeo reflexatildeo anaacutelise

e de possiacuteveis transformaccedilotildees Nesse contexto o processo investigativo pretende conhecer as

crianccedilas e suas formas especiacuteficas de se relacionar com o mundo dos instrumentos culturais

objetivos ndash materiais ndash como a leitura a escrita o uso dos objetos humanos ou subjetivos ndash

imateriais ndash como as relaccedilotildees as interaccedilotildees as conceitualizaccedilotildees e os parceiros mais experientes

Isto posto revela uma possibilidade de descartar praacuteticas de pesquisa colonizadoras e

adultocecircntricas em que satildeo evidenciadas as disparidades de poder entre adultos e crianccedilas e se

considera a alteridade da infacircncia e os diferentes aspectos que a distinguem do outro - adulto

34

Nessa perspectiva haacute a necessidade de ultrapassar o discurso esmagador legitimado

historicamente pela razatildeo adultocecircntrica e que ateacute recentemente alimentou as ciecircncias humanas

Em outras palavras eacute pensar na possibilidade de ouvir as crianccedilas de percebecirc-las e de reconhececirc-

las como ldquoatores competentes para falar de si proacutepriosrdquo (BARBOSA MARTINS FILHO sd p

4) Desse modo busca-se uma competecircncia cada vez maior no que se refere agrave comunicaccedilatildeo entre

adultos e crianccedilas principalmente no que diz respeito aos procedimentos teoacuterico-metodoloacutegicos

utilizados em pesquisas

Sobre essa questatildeo Barbosa e Martins Filho (sd p 3) esclarecem que ao contextualizar

historicamente as teorias de metodologias de pesquisas com crianccedilas percebe-se que elas nunca

foram consultadas olhadas ouvidas e muito menos consideradas Segundo Qvortrup (1999) as

crianccedilas nunca foram estudadas por seu proacuteprio meacuterito na histoacuteria da humanidade Para a ciecircncia

teria que prevalecer a racionalidade adultocecircntrica a qual descarta de certa forma as

manifestaccedilotildees das crianccedilas Nesse contexto o que seria indicado pelas crianccedilas natildeo teria

cientificidade ldquoSe hoje podemos criticar as metodologias tradicionais de pesquisas comsobre

crianccedilas muito ainda temos que construir e avanccedilar para garantir a cientificidade do

protagonismo infantilrdquo (MARTINS FILHO BARBOSAnsd p 3) Nesse vieacutes eacute preciso

encontrar uma metodologia que ajude o pesquisador a natildeo projetar o seu olhar sobre as crianccedilas e

colher delas somente aquilo que eacute reflexo dos seus proacuteprios preconceitos e representaccedilotildees Aleacutem

disso haacute ainda o fato de que as metodologias tradicionais em ciecircncias humanas e sociais

acabaram por reproduzir os mesmos criteacuterios e princiacutepios a partir dos consagrados pelas ciecircncias

ldquoexatasrdquo (SARMENTO E PINTO 1997 apud MARTINS FILHO BARBOSA sd p 3)

Ao reconhecer a participaccedilatildeo ativa das crianccedilas no processo de pesquisa reconhecem-se

tambeacutem os padrotildees eacuteticos que envolvem essa participaccedilatildeo Em outras palavras promover a

participaccedilatildeo das crianccedilas nos processos que dizem respeito a elas natildeo pressupotildee responsabilizaacute-

las por decisotildees pertinentes a esses processos (SARMENTO E PINTO 1997)

Problematizar a dimensatildeo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita no tempo da

infacircncia da crianccedila pequena requer discutir o conceito de crianccedila e de infacircncia assumidos nesta

pesquisa Isso exige pensar na crianccedila concreta ndash historicamente situada ndash ldquocom sua proacutepria

biografia carregada de significados e sentidos proacuteprios do tempo e do espaccedilo em que vive das

relaccedilotildees que trava das expectativas a que eacute submetidardquo (BISSOLI 2005 p 60 ndash 61)

35

A crianccedila de hoje com suas expectativas necessidades e maneiras de perceber e atuar no

mundo natildeo eacute a mesma crianccedila de geraccedilotildees anteriores As novas geraccedilotildees satildeo constituiacutedas por se

apropriarem do legado deixado pelas geraccedilotildees anteriores Isso significa que as conquistas

humanas historicamente acumuladas satildeo a base sobre a qual as crianccedilas se humanizam As

crianccedilas se apropriam da cultura existente e produz como sujeitos novas manifestaccedilotildees de

humanidade Nessa vertente Mello (2007 p 88) afirma que

Esse conceito ndash de que o ser humano aprende a ser o que eacute como inteligecircncia ou

personalidade e de que a cultura e as relaccedilotildees com os outros seres humanos

constituem a fonte do desenvolvimento da consciecircncia ndash revoluciona a

compreensatildeo do processo de conhecimento que tiacutenhamos ateacute agora Com a

Teoria Histoacuterico-Cultural aprendemos a perceber que cada crianccedila aprende a ser

um humano O que a natureza lhe provecirc no nascimento eacute condiccedilatildeo necessaacuteria

mas natildeo basta para mover seu desenvolvimento Eacute preciso se apropriar da

experiecircncia humana criada e acumulada ao longo da histoacuteria da sociedade

Apenas na relaccedilatildeo social com parceiros mais experientes as novas geraccedilotildees

internalizam e se apropriam das funccedilotildees psiacutequicas tipicamente humanas ndash da

fala do pensamento do controle sobre a proacutepria vontade da imaginaccedilatildeo da

funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia ndash e formam e desenvolvem sua inteligecircncia e

sua personalidade

Nesse enfoque a crianccedila eacute forte competente e capaz de aprender Eacute capaz de estabelecer

relaccedilotildees de interagir de atuar de criar e de recriar de ser sujeito de suas aprendizagens de

internalizar conhecimentos e atribuir sentido a eles por meio das relaccedilotildees sociais de que participa

e do lugar que ocupa nessas relaccedilotildees e no mundo (LEONTIEV 1988) Desse modo a infacircncia eacute

o momento em que a crianccedila entra na cultura humana e se apropria dela

Mas a infacircncia tal como se pensa nos dias atuais eacute uma conquista recente dos uacuteltimos

duzentos anos da histoacuteria (AgraveRIES 1978 MELLO 2007) A ideia de infacircncia natildeo existiu sempre

e da mesma maneira Essa ideia aparece com a sociedade capitalista urbano-industrial na medida

em que modificam a inserccedilatildeo e o papel da crianccedila na comunidade Na sociedade feudal a crianccedila

exercia um papel produtivo direto ndash um papel ldquode adultordquo ndash assim que ultrapassava o periacuteodo de

alta mortalidade Na sociedade burguesa a crianccedila passa a ser algueacutem que precisa ser cuidada

escolarizada e preparada para uma atuaccedilatildeo futura Este conceito de infacircncia eacute determinado

historicamente pela modificaccedilatildeo nas formas de organizaccedilatildeo da sociedade (KRAMER 1982 p

18) A historicidade da infacircncia implica diferenccedilas fundamentais entre as crianccedilas que vivem em

sociedades diversas considerando que satildeo as condiccedilotildees de vida e educaccedilatildeo (LEONTIEV 1978)

36

de cada espaccedilo e tempo os elementos responsaacuteveis pelo decurso do desenvolvimento das

capacidades humanas (MUKHINA 1996) A concepccedilatildeo de infacircncia quer significar que as

crianccedilas ldquohabitam datildeo cor vida e movimento aos processos de sociabilidades e que pela

interaccedilatildeo com a coletividade modificam as rotinas sociaisrdquo Isto implica afirmar que as crianccedilas

natildeo satildeo apenas consumidoras de culturas mas tambeacutem re-produtoras ativas sendo que o ato de

produzir cultura natildeo eacute neutro e nem natural mas eacute criado nas e pelas relaccedilotildees que satildeo

estabelecidas socialmente (MARTINS FILHO 2011)

A crianccedila eacute um sujeito social e por tal razatildeo na pesquisa a relaccedilatildeo entre adulto e crianccedila

natildeo pode ser uma relaccedilatildeo de submissatildeo mas de mediaccedilatildeo interaccedilatildeo e negociaccedilatildeo Para negociar

eacute preciso construir formas de comunicaccedilatildeo e participaccedilatildeo com para e das crianccedilas (MARTINS

FILHO BARBOSA sd p 5)

As pesquisas acabam muitas vezes subestimando e subutilizando as informaccedilotildees captadas

pelas vozes das crianccedilas ou em contraposiccedilatildeo a isso acabam superestimando as crianccedilas o que

de certo modo eacute isolaacute-las do contexto real No que se refere agrave participaccedilatildeo dos adultos e das

crianccedilas nas pesquisas busca-se uma consonacircncia nessa relaccedilatildeo porque se a crianccedila eacute ativa nesse

processo o adulto natildeo seraacute passivo e o contraacuterio tambeacutem ocorre o que ajuda a identificar a

posiccedilatildeo dos sujeitos nas investigaccedilotildees (MARTINS FILHO BARBOSA sd p 6) Essa

consonacircncia na relaccedilatildeo entre adulto e crianccedila no processo de pesquisa permite sair do

autoritarismo ou do espontaneiacutesmo muitas vezes presentes nas relaccedilotildees pedagoacutegicas e nas

pesquisas

Essas proposiccedilotildees se direcionam para a necessidade de se buscar na pesquisa com as

crianccedilas um processo dialoacutegico O ser humano a crianccedila deve entrar em contato com os

fenocircmenos do mundo circundante por meio de outros homens ou seja num processo de

comunicaccedilatildeo com eles Pela sua funccedilatildeo esse processo eacute portanto um processo de educaccedilatildeo e

produccedilatildeo cultural (VYGOTSKI 1995) Ao assumir essa posiccedilatildeo pretende-se romper nesse

trabalho de investigaccedilatildeo com a ideia de infacircncia como objeto de constante regulaccedilatildeo e controle

sendo necessaacuterio por isso conhecer as especificidades dessa etapa da vida Desta forma

perceber as crianccedilas nas relaccedilotildees que elas travam com o professor com o conhecimento e com

elas mesmas eacute o que orientou todo o processo da pesquisa ora apresentada

Pode-se dizer que a crianccedila eacute sujeito social produto e produtora da sua proacutepria histoacuteria

vivida e construiacuteda nas relaccedilotildees com os adultos a sua volta (VYGOTSKI 1995) Nesta

37

investigaccedilatildeo considera-se a crianccedila como um sujeito potencial competente para falar e informar

aos outros sobre si mesma Pretende-se assim estabelecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica na tentativa de

compreender a crianccedila e as relaccedilotildees que estabelece com o conhecimento no processo de inserccedilatildeo

na cultura escrita

O conceito de crianccedila sob o olhar da Teoria Histoacuterico-Cultural na qual essa pesquisa se

fundamenta e o estudo e a discussatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e

escrita da crianccedila desde a educaccedilatildeo infantil ndash foco desse trabalho ndash natildeo pretende deflagrar uma

ideia de que eacute possiacutevel e desejaacutevel acelerar o desenvolvimento psiacutequico da crianccedila em detrimento

do encurtamento da infacircncia e submetendo-a a uma escolarizaccedilatildeo precoce (ZAPHOROacuteZETS

1987 MELLO 2007) Ao contraacuterio pretende compreender a crianccedila em suas relaccedilotildees com o

mundo respeitando as especificidades do seu desenvolvimento e poder contribuir com outras

formas de se pensar o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita com as crianccedilas na pequena

infacircncia

Envolver as crianccedilas mais diretamente nas pesquisas pode resgataacute-las do silecircncio e da

exclusatildeo e do fato de serem representadas implicitamente como objetos passivos (ALDERSON

apud MICHELLI 2005)

Segundo Sarmento (1997) os estudos da infacircncia mesmo quando se concede agraves crianccedilas

o estatuto de atores sociais tecircm geralmente negligenciado a auscultaccedilatildeo das vozes e

subestimado a capacidade de atribuiccedilatildeo de sentido agraves suas accedilotildees e seus contextos Por essa razatildeo

eacute que se pode afirmar que a participaccedilatildeo das crianccedilas nas pesquisas natildeo se limita aos aspectos

exclusivamente da recolha de suas vozes mas de querer compreender as suas expectativas e

representaccedilotildees de mundo Essa recolha de vozes refere-se aos olhares expressotildees gestos falas

atitudes experiecircncias e opiniotildees das crianccedilas que devem ultrapassar as formas de registros

utilizados na pesquisa tentando compreendecirc-los em sua essecircncia

13 Metodologia de pesquisa a pesquisa ndash accedilatildeo

Para Vygotsky e para Bakhtin noacutes nos tornamos noacutes mesmos por meio das relaccedilotildees que

estabelecemos com o outro Noacutes existimos enquanto tal porque o outro nos completa e nos

orienta Nessa perspectiva Bakhtin (1992) permite pensar que uma situaccedilatildeo de pesquisa eacute sempre

um encontro entre sujeitos um diaacutelogo no qual pesquisador e pesquisado se re-significam Desse

38

modo a pesquisa passa da descriccedilatildeo e compreensatildeo do que o outro apresenta para um encontro

maior que vai aleacutem (FREITAS 2002) O pesquisador eacute aquele que vai ao encontro do outro que

interage com o outro de forma ativa colocando-se em seu lugar para perceber o que ele percebe

mas que volta em seguida ao seu proacuteprio lugar Ao fazer isso teraacute uma real compreensatildeo do

outro promovendo uma resposta agravequilo que foi visto dito e natildeo dito E essa resposta implica

ajudar o outro a avanccedilar a sair do lugar (FREITAS 2002)

Posto isto a pesquisa assume o compromisso de tentar compreender ativamente a

realidade de forma que possibilite transformaccedilotildees em seus participantes Por tal razatildeo a

metodologia adotada na realizaccedilatildeo desta pesquisa eacute caracterizada como uma pesquisa-accedilatildeo A

pesquisa-accedilatildeo eacute um tipo de pesquisa participante engajada que procura unir a pesquisa agrave accedilatildeo ou

praacutetica em outras palavras busca desenvolver o conhecimento e a compreensatildeo como parte da

praacutetica Este tipo de pesquisa surgiu da necessidade de superar a lacuna entre teoria e praacutetica

(ENGELS 2000 p 182)

Nessa perspectiva pode-se definir a pesquisa-accedilatildeo como ldquoum tipo de pesquisa social com

base empiacuterica que eacute concebida e realizada em estreita associaccedilatildeo com uma accedilatildeo ou com uma

resoluccedilatildeo de um problema coletivordquo (THIOLLENT 2003 p14) Para tanto os pesquisadores e

participantes representativos da situaccedilatildeo ou do problema se encontram envolvidos de forma

cooperativa ou participativa A pesquisa-accedilatildeo criacutetica considera a voz do sujeito sua perspectiva

seu sentido mas natildeo meramente para registro e uma interpretaccedilatildeo posterior do pesquisador ldquoA

voz do sujeito faraacute parte da tessitura da metodologia da investigaccedilatildeordquo (FRANCO 2005 p 486)

Desse modo a metodologia natildeo se faz por meio das etapas de um meacutetodo mas se organiza pelas

situaccedilotildees relevantes que emergem no processo Com base nessas afirmaccedilotildees reconhece-se o

caraacuteter formativo dessa modalidade de pesquisa uma vez que o sujeito deve tomar consciecircncia

das transformaccedilotildees que ocorrem em si proacuteprio e no processo Eacute tambeacutem nesse sentido que este

tipo de pesquisa assume o caraacuteter emancipatoacuterio pois mediante a participaccedilatildeo consciente ldquoos

sujeitos da pesquisa passam a ter a oportunidade de se libertar de mitos e preconceitos que

organizam suas defesas agrave mudanccedila e reorganizam a sua autoconcepccedilatildeo de sujeitos histoacutericosrdquo

(FRANCO 2005 p 486)

Os pressupostos epistemoloacutegicos da pesquisa-accedilatildeo caminham na direccedilatildeo de uma

perspectiva dialeacutetica e consideram como fundamentais a priorizaccedilatildeo da dialeacutetica da realidade

social da historicidade dos fenocircmenos da praacutexis das contradiccedilotildees das relaccedilotildees com a

39

totalidade da accedilatildeo dos sujeitos sobre suas circunstacircncias (FRANCO 2005 p 490) Neste caso a

praacutexis deve ser concebida como mediaccedilatildeo baacutesica na construccedilatildeo do conhecimento uma vez que

por meio dela se veicula teoria e praacutetica pensar e agir pesquisar e formar Nestas condiccedilotildees natildeo

haacute como separar sujeito que conhece do objeto a ser conhecido e o conhecimento natildeo se limita agrave

mera descriccedilatildeo mas parte do observaacutevel (aparecircncia) e o ultrapassa na tentativa de compreendecirc-lo

e explicaacute-lo (essecircncia) em busca da destruiccedilatildeo da pseudoconcreticidade (KOSIK 1976) Por esse

motivo a interpretaccedilatildeo dos dados soacute pode ocorrer num contexto determinado e concreto e o saber

produzido eacute necessariamente transformador dos sujeitos e das circunstacircncias (FRANCO 2005 p

490)

Esses pressupostos se coadunam com a concepccedilatildeo de pesquisa apresentada neste trabalho

como um processo de formaccedilatildeo e de emancipaccedilatildeo do sujeito e por tal razatildeo opto pela pesquisa-

accedilatildeo para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

A escolha por esse tipo de pesquisa tambeacutem se justifica diante das minhas experiecircncias

como professora na Educaccedilatildeo Infantil e por perceber nesse segmento da educaccedilatildeo praacuteticas que

denotam uma preocupaccedilatildeo com a alfabetizaccedilatildeo precoce das crianccedilas apoiada na codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Tais praacuteticas descartam a possibilidade de iniciar o processo de

inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita nessa etapa da vida levando em consideraccedilatildeo as

especificidades do desenvolvimento humano e garantindo vivecircncias que possam contribuir para

que as crianccedilas se tornem leitoras e re-criadoras de textos Outro elemento relevante se daacute pelo

fato de que haacute a predominacircncia de alguns poucos gecircneros discursivos ndash em geral contos

narrativos ndash no trabalho pedagoacutegico com as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil limitando por vezes as

possibilidades no ensino da liacutengua Este fato pode ser constatado durante a minha pesquisa de

mestrado quando as crianccedilas participantes da pesquisa demonstraram desconhecer alguns

gecircneros discursivos como as histoacuterias em quadrinhos ndash gecircnero discursivo utilizado na realizaccedilatildeo

da pesquisa com o intuito de investigar como ocorre a formaccedilatildeo leitora das crianccedilas na Educaccedilatildeo

Infantil

131 Geraccedilatildeo coleta e anaacutelise dos dados

Neste trabalho que ora apresento realizei atividades proacuteprias da pesquisa-accedilatildeo e como

pesquisadora e sujeito desta pesquisa provoquei o aparecimento de dados por meio de accedilotildees

40

planejadas intencionalmente com o objetivo de criar necessidades de leitura e de escrita nas

crianccedilas participantes da pesquisa Para gerar os dados foi realizado um trabalho pedagoacutegico

intencionalmente planejado no contexto das teacutecnicas Freinet as quais abarcam diferentes gecircneros

discursivos Eacute necessaacuterio ressaltar que na pesquisa as teacutecnicas Freinet natildeo foram realizadas

integralmente mas foram adaptadas uma vez que a turma de alunos faz parte de uma estrutura

global maior ndash uma unidade escolar ndash que natildeo apresenta como proposta de trabalho a Pedagogia

Freinet Essa perspectiva de trabalho com as teacutecnicas da Pedagogia Freinet faz parte da minha

praacutetica pedagoacutegica como professora e dos estudos desse autor como pesquisadora da infacircncia e

dos processos de ensino e de aprendizagem da liacutengua Todo o processo de geraccedilatildeo dos dados

relacionados ao trabalho pedagoacutegico com as teacutecnicas Freinet seraacute abordado detalhadamente no

item 14 deste capiacutetulo em que seraacute exposta a metodologia do trabalho docente

Inicialmente para compreender a situaccedilatildeo em que se encontram os sujeitos verifiquei

como o ensino da leitura e da escrita e dos gecircneros discursivos foram abordados com as crianccedilas

participantes desde que ingressaram na unidade escolar de Educaccedilatildeo Infantil As crianccedilas fazem

parte de uma turma de Infantil II que corresponde ao uacuteltimo ano da Educaccedilatildeo Infantil no

municiacutepio de Mariacutelia ndash SP Para tanto tive contato direto com os sujeitos na turma em que

ministrava aulas e fiz as primeiras observaccedilotildees em situaccedilotildees de leitura e de escrita Realizei um

levantamento e estudo da bibliografia referente ao problema da pesquisa ndash estado da arte ndash e

iniciei a etapa da coleta de dados

Para a coleta de dados utilizei a entrevista com as professoras e com as crianccedilas e a

observaccedilatildeo Entrevistei as quatro professoras dessa turma de Infantil II (crianccedilas entre cinco e

seis anos) dos anos anteriores ao ano da realizaccedilatildeo da pesquisa desde quando as ingressaram na

unidade escolar portanto as professoras dessa mesma turma no Berccedilaacuterio (quando os sujeitos

tinham entre 1 ano seis meses a dois anos) Maternal I (quando os sujeitos tinham entre dois e trecircs

anos) Maternal II (quando os sujeitos tinham entre trecircs e quatro anos) e Infantil I (quando os

sujeitos tinham entre quatro e cinco anos) A entrevista com as professoras objetivou verificar

seus conceitos de leitura e escrita seus conceitos sobre a inserccedilatildeo da crianccedila pequena na cultura

escrita e sobre o trabalho com os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil e tentar perceber

como essas praacuteticas influenciaram a formaccedilatildeo leitora e re-criadora de textos das crianccedilas por

meio dos gecircneros discursivos

41

Prestei as devidas informaccedilotildees agraves professoras participantes quanto aos objetivos da

pesquisa o livre arbiacutetrio para participar ou natildeo ao uso dos dados coletados e o acesso aos

resultados Esse mesmo procedimento de esclarecimento de participaccedilatildeo de consentimento livre e

esclarecido foi feito com pais eou responsaacuteveis dos sujeitos crianccedilas

Duas das professoras foram entrevistadas no periacuteodo contraacuterio ao seu periacuteodo de trabalho

na proacutepria escola para que natildeo houvesse nenhum prejuiacutezo com relaccedilatildeo agraves suas aulas ou

comprometimento quanto ao trabalho com seus alunos E as outras duas professoras foram

entrevistadas numa tarde apoacutes o teacutermino de uma reuniatildeo pedagoacutegica da escola Nesse dia de

reuniatildeo pedagoacutegica realizada em toda rede municipal da cidade de Mariacutelia ndash SP somente a

direccedilatildeo coordenaccedilatildeo professores e funcionaacuterios comparecem agrave unidade escolar natildeo havendo

aula para as crianccedilas e assim as entrevistas se realizaram sem intercorrecircncias em salas de aulas

desocupadas nas ocasiotildees dadas mas houve ruiacutedos de fundo em alguns momentos

Com o objetivo de compreender mais detalhadamente o processo de inserccedilatildeo da crianccedila

pequena na cultura escrita e de compreender como a crianccedila se apropria da leitura e da escrita por

meio dos gecircneros discursivos realizei entrevistas com as crianccedilas em dois momentos do trabalho

pedagoacutegico no iniacutecio da pesquisa no mecircs de maio de 2010 e no final do ano letivo no mecircs de

dezembro de 2010 momento do teacutermino do trabalho pedagoacutegico com as crianccedilas concernente agrave

leitura e escrita dos gecircneros discursivos abordados nesta pesquisa ndash carta relatos de vida por

meio do livro da vida e a notiacutecia de jornal Ao entrevistar as crianccedilas verifiquei quais as ideias e

conceitos sobre leitura e escrita possuiacuteam como lidavam com a leitura e a escrita de que forma a

leitura e a escrita eram usadas em diferentes situaccedilotildees na escola quais os gecircneros discursivos que

conheciam e as informaccedilotildees que tinham sobre eles A decisatildeo de entrevistar as crianccedilas em dois

momentos foi com o objetivo de coletar o maacuteximo de informaccedilotildees e de analisar e avaliar as

variaccedilotildees das respostas em diferentes situaccedilotildees Com esse procedimento buscou-se perceber a

evoluccedilatildeo intelectual das crianccedilas e o ensaio conceitual de leitura e de escrita que apresentaram

em duas situaccedilotildees histoacutericas que denotariam possiacuteveis evoluccedilotildees nos conceitos de leitura e de

escrita

Ao considerar as falas das crianccedilas fundamentais nesse processo de pesquisa propus-me a

ouvi-las e a estabelecer com elas uma relaccedilatildeo dialoacutegica pois ldquotomar o discurso da crianccedila como

uma ldquocoisa em sirdquo independente das condiccedilotildees socioculturais que o determinam eacute objetificaacute-lo

42

como uma ldquocoisardquo eacute destituiacute-lo de sua dimensatildeo dialoacutegica isto eacute de interaccedilatildeo com o outro pela

linguagemrdquo (JOBIM E SOUZA CASTRO 2008 p 77)

Por se tratar de uma pesquisa que pretende colaborar com as aprendizagens das crianccedilas

com as suas apropriaccedilotildees e objetivaccedilotildees da liacutengua materna desde a Educaccedilatildeo Infantil e ainda de

se constituir como um elemento de reelaboraccedilatildeo da minha proacutepria praacutetica eacute que o uso da

entrevista se justifica uma vez que esse instrumento de pesquisa possibilita entrar em contato

com as falas das crianccedilas e com o pensamento infantil A entrevista acontece entre duas ou mais

pessoas no caso o entrevistado e o entrevistador numa situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e tem como

objetivo a muacutetua compreensatildeo mas uma compreensatildeo ativa que para Bakhtin (1992) eacute

responsiva pois jaacute conteacutem em si mesma o geacutermen de uma resposta Segundo Bakhtin (1992) o

enunciado eacute a unidade real da comunicaccedilatildeo discursiva estritamente delimitada pela alternacircncia

dos sujeitos falantes e a compreensatildeo desse enunciado vivo eacute sempre acompanhada de uma

atitude responsiva porque ldquotoda compreensatildeo eacute prenhe de resposta de uma forma ou de outra

forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (BAKHTIN 1992 p 290) Somente esse tipo

de compreensatildeo ativa eacute que permite a apreensatildeo dos sentidos dos enunciados Todo enunciado se

elabora para ir ao encontro da resposta do ouvinte O que constitui um enunciado eacute o fato dele

dirigir-se para algueacutem e de estar voltado para o seu destinataacuterio ldquoNa situaccedilatildeo de entrevista

compreender ativamente o enunciado de outrem significa orientar-se para o outrordquo (FREITAS

2007 p 35)

Cada um de noacutes ocupa um lugar e deste lugar revelamos o nosso modo de ver o outro e o

mundo eacute o que Bakhtin chama de exotopia em outras palavras ldquoeacute a posiccedilatildeo espaccedilo-temporal

uacutenica que ocupamos em relaccedilatildeo aos outros durante a nossa existecircnciardquo (CASTRO 2001 p 65) o

que faz com que o nosso olhar sobre o outro natildeo coincida com o olhar que ele tem de si mesmo eacute

o excedente de visatildeo (BAKHTIN 1992 p 45)

Esse conceito de exotopia a volta ao seu lugar eacute necessaacuterio ao pesquisador pois se isso

natildeo acontece corre-se o risco de se deter somente no aspecto da identificaccedilatildeo (aparecircncia) Ao

voltar para o seu lugar eacute que o entrevistador tem condiccedilotildees ldquode dar forma e acabamento ao que

ouviu e completaacute-lo com o que eacute transcendente agrave sua consciecircnciardquo (FREITAS 2007 p 35) e

todos esses valores que completam a imagem do outro satildeo extraiacutedos do excedente de sua visatildeo

Deste lugar fora do outro portanto exotoacutepico eacute que o entrevistador pode ir construindo suas

43

reacuteplicas que quanto mais numerosas forem indicam uma compreensatildeo mais real e profunda

(BAKHTIN 1992 p 132)

Diante do exposto considera-se a entrevista dentro de uma concepccedilatildeo dialoacutegica pois ela

estabelece uma relaccedilatildeo de sentido entre os enunciados na comunicaccedilatildeo verbal e essa relaccedilatildeo

dialoacutegica eacute marcada por uma relaccedilatildeo de sentido cujos elementos constitutivos soacute podem ser

enunciados completos por traacutes dos quais estaacute um sujeito real ldquoNessa perspectiva a entrevista se

constitui numa relaccedilatildeo entre sujeitos na qual se pesquisa com sujeitos as suas experiecircncias

sociais e culturais compartilhadas com as outras pessoas de seu ambienterdquo (FREITAS 2007 p

36) Desse modo tanto pesquisador como pesquisado se tornam parceiros de uma experiecircncia

dialoacutegica conseguindo se transportarem da linguagem interna de sua percepccedilatildeo para a sua

expressividade externa encontrando-se num processo de muacutetua compreensatildeo No entanto os

sentidos que satildeo criados nessa interlocuccedilatildeo dependem da situaccedilatildeo experenciada dos horizontes

espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado Expliquei agraves crianccedilas o que eacute uma

entrevista o motivo pelo qual eu iria fazecirc-la e como seria realizada Esclareci que seria gravada

em aacuteudio que poderiam responder da forma como desejassem e que ao final poderiam ouvir a

gravaccedilatildeo das nossas falas

Isto posto sobre a situaccedilatildeo de entrevista pode-se sublinhar que eacute um

momento em que se daacute a construccedilatildeo de uma interlocuccedilatildeo reveladora de vaacuterios

sentidos que emergem da proacutepria situaccedilatildeo especiacutefica de diaacutelogo e que delimitam

uma parte dos aspectos presentes na experiecircncia cotidiana dos interlocutores

com o tema tratado Assim a proacutepria anaacutelise deste material discursivo se

constitui em um modo de interlocuccedilatildeo que longe de buscar interpretaccedilotildees

absolutas a partir dos fragmentos selecionados procura desvelar os sentidos

possiacuteveis surgidos nestes encontros entre adulto e crianccedila e assim ampliar e

diversificar os modos de compreensatildeo de um determinado fenocircmeno cultural

(JOBIM E SOUZA CAMERINI MORAIS 2005 p 141)

Nesta pesquisa fiz a entrevista com 20 crianccedilas com idades entre cinco e seis anos

pertencentes a uma turma de Infantil II da Educaccedilatildeo Infantil que frequentou a escola em periacuteodo

parcial da tarde do ano de 2010 Na primeira realizada no iniacutecio do trabalho pedagoacutegico com os

gecircneros discursivos entrevistei as crianccedilas em uma sala ocupada pela auxiliar de direccedilatildeo da

escola que natildeo fazia uso naquela ocasiatildeo com ruiacutedos da parte externa desse ambiente A

segunda realizada no final do processo ocorreu em dois ambientes distintos devido agrave

indisponibilidade de local para esse fim Tal indisponibilidade ocorre devido ao fato de as

44

crianccedilas frequentarem a escola nessa ocasiatildeo no periacuteodo da manhatilde durante trecircs dos cinco dias

da semana para participarem dos ensaios da formatura da rede municipal de ensino desta cidade

Os dois ambientes utilizados na segunda entrevista foram o salatildeo ndash local em que as crianccedilas

brincam realizam atividades relacionadas agrave danccedila assistem a viacutedeos e onde aquelas que

frequentam a escola em periacuteodo integral descansam ou dormem depois do almoccedilo ateacute o iniacutecio das

aulas no periacuteodo da tarde ndash e o caramanchatildeo sala de aula na parte externa da escola

Utilizei a entrevista semi-estruturada que se caracteriza por apresentar um roteiro

previamente elaborado mas que possui certa flexibilidade em sua aplicaccedilatildeo Esse tipo de

entrevista foca em um assunto sobre o qual se elabora um roteiro com perguntas principais

complementadas por outras questotildees inerentes agraves circunstacircncias momentacircneas agrave entrevista

(MANZINI 19901991 p 154) Para o autor esse tipo de entrevista pode fazer emergir

informaccedilotildees de forma mais livre e as respostas natildeo estatildeo condicionadas a uma padronizaccedilatildeo de

alternativas (MANZINI 19901991 p 154) Esse roteiro de questotildees eacute resultado das informaccedilotildees

inicias coletadas sobre o fenocircmeno social que se pretende investigar dos objetivos da pesquisa

dos sujeitos participantes e da teoria em que o pesquisador se apoia

A transcriccedilatildeo das falas das entrevistas ocorre em dois momentos distintos O primeiro

momento eacute quando o entrevistador registrou a fala do entrevistado exatamente da forma como foi

coletada como ela se apresenta com seus modos de dizer dos sujeitos ou seja da forma literal

O momento posterior eacute quando as falas do entrevistado satildeo escritas de acordo com as regras

ortograacuteficas e gramaticais da Liacutengua Portuguesa escrita Ressalta-se que neste trabalho com o

objetivo de garantir maior inteligibilidade as entrevistas foram transcritas considerando as

correccedilotildees necessaacuterias e descritas anteriormente sem contudo alterar o seu sentido Utilizei para a

transcriccedilatildeo dos dados obtidos por meio das entrevistas as normas propostas por Luiz Antocircnio

Marcushi (1986 apud URNABO e PRETI 1988) Tais normas se encontram no ANEXO A

Outro instrumento que utilizei na geraccedilatildeo de dados foi a observaccedilatildeo Este instrumento eacute

uma estrateacutegia metodoloacutegica em que o pesquisador se insere na vida do grupo social em estudo

se constituindo em um ldquoencontro de muitas vozesrdquo (FREITAS 2007 p 33) pois ldquoao se observar

um evento depara-se com diferentes discursos verbais gestuais e expressivos Satildeo discursos que

refletem e refratam a realidade da qual fazem parte construindo uma verdadeira tessitura da vida

socialrdquo (FREITAS 2007 p 33) Na observaccedilatildeo participante os pesquisadores tornam-se um

Outro que observa e eacute tambeacutem observado Desse modo pesquisados e pesquisadores

45

gradativamente estabelecem relaccedilotildees o que favorece as outras relaccedilotildees e o desenvolvimento de

uma participaccedilatildeo sensiacutevel agraves produccedilotildees das crianccedilas (MARTINS FILHO BARBOSA 2011 p

99) A observaccedilatildeo participante tambeacutem possibilita ldquoo acesso dos adultos ao que as crianccedilas

pensam fazem sabem falam e de como vivem esmiuccedilando suas peculiaridades e as

particularidadesrdquo (MARTINS FILHO BARBOSA 2011 p 100)

Por ser pesquisadora e professora da turma de crianccedilas em que ocorreu essa investigaccedilatildeo

a observaccedilatildeo foi um instrumento utilizado em todo contexto da pesquisa com as crianccedilas e no

desenvolvimento do trabalho pedagoacutegico para o ensino dos gecircneros discursivos Na observaccedilatildeo

participante busca-se uma compreensatildeo marcada pela perspectiva da totalidade construiacuteda no

encontro dos diferentes enunciados produzidos entre pesquisador e pesquisado Segundo Bakhtin

(2003) a accedilatildeo fiacutesica do homem precisa ser compreendida como um ato mas um ato que natildeo pode

ser compreendido fora de sua expressatildeo siacutegnica que eacute por noacutes recriada Esclarece que

Noacutes natildeo perguntamos agrave natureza e ela natildeo nos responde Colocamos as

perguntas para noacutes mesmos e de certo modo organizamos a observaccedilatildeo ou a

experiecircncia para obtermos a resposta Quando estudamos o homem procuramos

e encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu

significado (BAKHTIN 2003 p 319)

Nesse sentido a observaccedilatildeo participante eacute caracterizada por sua dimensatildeo de alteridade

uma vez que o pesquisador ao participar do evento observado constitui-se parte dele mas ao

mesmo tempo manteacutem uma posiccedilatildeo exotoacutepica que lhe possibilita o encontro com o outro ldquoE eacute

este encontro que ele procura descrever no seu texto no qual revela outros textos e contextosrdquo

(FREITAS 2007 p 32) A situaccedilatildeo de campo pode ser entendida como ldquouma esfera social de

circulaccedilatildeo de discursos e os textos que dela emergem como um lugar especiacutefico de produccedilatildeo do

conhecimento que se estrutura em torno do eixo da alteridaderdquo (FREITAS 2007 p 32) Ao

considerar essa afirmaccedilatildeo entende-se que a observaccedilatildeo natildeo pode se prender em apenas descrever

os eventos mas procurar as suas possiacuteveis relaccedilotildees integrando o individual com o social Ao

fazer o relato das observaccedilotildees o pesquisador natildeo o faz somente a partir do seu olhar mas

reproduzindo vozes dos outros participantes da situaccedilatildeo investigada captando os sentidos

construiacutedos nessas interlocuccedilotildees O texto ndash relato das observaccedilotildees ndash traz a voz do pesquisador

regendo as outras vozes participantes Nessa dimensatildeo eacute possiacutevel considerar a observaccedilatildeo numa

perspectiva discursiva dialoacutegica e polifocircnica

46

Diante disso este instrumento metodoloacutegico foi utilizado por se revelar adequado para

descrever a relaccedilatildeo das crianccedilas com a leitura e com a escrita de carta livro da vida e jornal a

interaccedilatildeo das crianccedilas nas situaccedilotildees de leitura e de escrita desses gecircneros discursivos e a atitude

leitora e produtora de textos delas Os registros escritos dos dados coletados por meio das

observaccedilotildees foram feitos em um caderno de anotaccedilotildees Nos primeiros dias fiz as anotaccedilotildees fora

do ambiente de pesquisa Aos poucos passei a efetuar os registros na presenccedila dos sujeitos na

tentativa de conseguir captar detalhadamente as situaccedilotildees observadas de leitura e de escrita Esse

procedimento provocou de iniacutecio o interesse das crianccedilas que buscavam explicaccedilotildees para as

constantes anotaccedilotildees que eu realizava em diferentes ambientes da escola Expus para elas que as

anotaccedilotildees eram importantes porque me ajudavam a lembrar o que havia acontecido com relaccedilatildeo

aos trabalhos realizados as conversas na roda e em outros ambientes Esse caderno de anotaccedilotildees

eacute de uso pessoal e os apontamentos feitos foram organizados cotidianamente destacando as

interlocuccedilotildees entre os sujeitos suas falas gestos expressotildees e situaccedilotildees que denotavam atitude

leitora e re-criadora de textos orais e escritos e as relaccedilotildees estabelecidas com os gecircneros

discursivos

Com o objetivo de investigar como ocorre o processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da

escrita das crianccedilas de cinco e seis anos na Educaccedilatildeo Infantil e de que forma o trabalho

pedagoacutegico intencionalmente planejado pode interferir nesse processo utilizei outros recursos

audiovisuais como o gravador de aacuteudio a cacircmera fotograacutefica e a cacircmera filmadora O uso destes

recursos tem como finalidade coletar indiacutecios que possam identificar atitudes falas expressotildees

que denotem um leitor e um re-criador de textos em formaccedilatildeo

A fotografia eacute um recurso metodoloacutegico que permite a aproximaccedilatildeo da realidade social

histoacuterica e cultural do grupo fotografado Esse recurso ldquoreconstroacutei o proacuteprio olhar do investigador

apresentando-se como outras possibilidades de escrita ndash outros textos ndash da realidade analisadardquo

(MARTINS FILHO 2011 p 98) O uso da fotografia nesse trabalho se justifica por tentar

perceber quais atitudes corporais revelam atitudes mentais relacionadas agrave leitura e agrave escrita

A filmagem eacute uma forma de obter dados o mais proacuteximo possiacutevel ao movimento das

crianccedilas uma vez que a imagem filmada e a sua transcriccedilatildeo simultaneamente articulam entre si

a possibilidade de captar com maior amplitude e expressatildeo o que natildeo eacute perceptiacutevel agrave primeira

vista (MARTINS FILHO 2011 p 99) Desse modo a cada cena assistida e revista percebem-se

novas significaccedilotildees e novas relaccedilotildees

47

Quanto agrave utilizaccedilatildeo desses recursos Jobim e Souza (2007 p 91) afirma que o uso da

videogravaccedilatildeo em pesquisa acadecircmica aleacutem de ser um rico instrumento de coleta de dados

operacionaliza a condiccedilatildeo na qual pesquisador e sujeitos envolvidos poderatildeo construir

conhecimentos sobre as praacuteticas sociais e as representaccedilotildees que ocorrem nas interaccedilotildees com o

cotidiano expressas na linguagem audiovisual

Feita a coleta de dados foram definidos os nuacutecleos temaacuteticos ou categorias (PADILHA

2006 PADILHA JOLY 2009) em consonacircncia com os objetivos da pesquisa que

possibilitassem identificar e analisar indiacutecios denotativos do processo de apropriaccedilatildeo e

objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas pequenas por meio dos gecircneros discursivos as

relaccedilotildees que estabelecem com os elementos dos gecircneros discursivos como carta histoacuterias de vida

(livro da vida) e notiacutecia de jornal e a interferecircncia do trabalho pedagoacutegico intencionalmente

planejado nesse processo de apropriaccedilatildeo Desse modo a escolha dos nuacutecleos temaacuteticos nunca eacute

aleatoacuteria pois qualquer opccedilatildeo eacute ideoloacutegica uma vez que ldquoreflete e refrata uma outra realidade

que lhe eacute exterior Tudo que eacute ideoloacutegico possui significado e remete a algo situado fora de si

mesmordquo (BAKHTIN 1992 p 31) Os nuacutecleos temaacuteticos foram definidos com o objetivo de

garantir maior organizaccedilatildeo dos dados e apresentaccedilatildeo da anaacutelise destes e assim poder mergulhar

nas reaccedilotildees nas falas nos silecircncios e atitudes das crianccedilas que expressam as relaccedilotildees

estabelecidas por elas Para tanto assumo como referecircncia teoacuterica os estudos de Padilha (2006) e

Padilha e Joly (2009) estudiosas de Bakhtin e Vygotsky teoacutericos em que este trabalho se

fundamenta

Foram definidos para a anaacutelise dos dados quatro nuacutecleos temaacuteticos divididos em

subnuacutecleos a saber

Conceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo infantil dos

professores e das crianccedilas ndash A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e

escrever na Educaccedilatildeo Infantil A atividade na leitura e na escrita Aspectos da teoria bakhtiniana

para se pensar o ensino da liacutengua O que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os

conceitos das professoras O ensino do ato de ler e de escrever O ensino da liacutengua materna As

praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio

A leitura e a escrita na escola de Educaccedilatildeo Infantil o que pensam as crianccedilas ndash Os conceitos

das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa

48

O ensino da leitura e os gecircneros discursivos ndash A crianccedila e o seu estatuto de leitor A leitura do

gecircnero discursivo carta A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida A leitura do gecircnero

discursivo notiacutecia de jornal

O ensino da linguagem escrita e os gecircneros discursivos ndash A crianccedila e o seu estatuto de re-

criador de textos A escrita do gecircnero discursivo carta A escrita do gecircnero discursivo relatos de

vida A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal

Para a anaacutelise dos dados detive-me ao foco da pesquisa e busquei as ocorrecircncias uacutenicas

os pequenos indiacutecios coletados que se revelavam nas interaccedilotildees e que muitas vezes poderiam

denotar aparente irrelevacircncia mas que se constituem em indiacutecios carregados de significados e

sentidos Ocorrecircncias singulares das crianccedilas nas relaccedilotildees com os gecircneros discursivos em

situaccedilotildees de leitura e de escrita e detalhes na mediaccedilatildeo da professora com as crianccedilas no ensino

do ato de ler e do ato de escrever Por esta razatildeo optei pela abordagem microgeneacutetica que

segundo Goacutees (2000) pode ser caracterizada como uma abordagem

[] orientada para as minuacutecias detalhes e ocorrecircncias residuais como indiacutecios

pistas signos de aspectos relevantes de um processo em curso que elege

episoacutedios tiacutepicos ou atiacutepicos (natildeo apenas situaccedilotildees prototiacutepicas) que permitem

interpretar o fenocircmeno de interesse que eacute centrada na intersubjetividade e o

funcionamento enunciativo-discursivo dos sujeitos e que se guia por uma visatildeo

indicial e interpretativo-conjetural (GOacuteES 2000 p 21)

A anaacutelise microgeneacutetica refere-se a uma forma de construccedilatildeo de dados muito utilizada na

psicologia que tem sido estendida aos estudos na aacuterea da educaccedilatildeo Encontra sua fundamentaccedilatildeo

teoacuterica nos princiacutepios da Teoria Histoacuterico-Cultural sobre o desenvolvimento da mente humana

Ao explicitar sobre essa metodologia de anaacutelise Goacutees (2003) ressalta o significado da sua

terminologia ao esclarecer que natildeo eacute micro por serem os eventos de curta duraccedilatildeo mas por ser

orientada para as minuacutecias indiciais eacute geneacutetica por buscar a gecircnese dos acontecimentos por ser

histoacuterica por relacionar os eventos singulares com outros planos da cultura Arena (2007) aponta

que a abordagem microgeneacutetica como procedimento metodoloacutegico em pesquisas voltadas para o

ensino da leitura e da escrita ainda eacute recente na pesquisa acadecircmica bem como em trabalhos

voltados para a formaccedilatildeo docente

As situaccedilotildees concretas de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos carta relato de vida

por meio do livro da vida e notiacutecia de jornal vivenciadas pelas crianccedilas as relaccedilotildees que elas

49

travaram com esses gecircneros as mediaccedilotildees feitas pela professora e pelas outras crianccedilas

possibilitaram o uso da anaacutelise microgeneacutetica para orientar e direcionar a atenccedilatildeo para os detalhes

das accedilotildees e interaccedilotildees com o entorno em que ocorreu a pesquisa

Outro procedimento metodoloacutegico utilizado foi a anaacutelise do discurso na perspectiva-

enunciativa discursiva de Bakhtin Para aleacutem da anaacutelise da linguagem os estudos de Bakhtin e

seu ciacuterculo fornecem a base para refletir sobre as vozes infantis seus pensamentos e ideias seus

valores suas visotildees de mundo e para perceber os outros com os quais convivem e que se fazem

presentes em seus discursos (ALESSI 2011) Estes estudos permitem pensar sobre as crianccedilas e

as relaccedilotildees estabelecidas com seus pares e com os adultos Em uma perspectiva dialoacutegica de

linguagem e que considera o homem como ser de linguagem a concepccedilatildeo discursiva enunciativa

de Bakhtin enfatiza a importacircncia da alteridade na constituiccedilatildeo dos sujeitos ou seja a interaccedilatildeo

permanente com o outro contribui para a formaccedilatildeo da consciecircncia do homem (ALESSI 2011)

Desse modo baseio-me no pressuposto de que cada enunciado precisa ser analisado

considerando o contexto em que ele ocorre em outras palavras a situaccedilatildeo histoacuterica e social e

seus interlocutores e tambeacutem os discursos anteriores que contribuiacuteram para a constituiccedilatildeo do

sujeito fatores que tornam este enunciado uacutenico (ALESSI 2011) Nessa direccedilatildeo eacute preciso

ressaltar que

[] A verdadeira substacircncia da liacutengua natildeo eacute constituiacuteda por um sistema abstrato

de formas linguumliacutesticas nem pela enunciaccedilatildeo monoloacutegica isolada nem pelo ato

psicofisioloacutegico de sua produccedilatildeo mas pelo fenocircmeno social da interaccedilatildeo verbal

realizada atraveacutes da enunciaccedilatildeo ou das enunciaccedilotildees A interaccedilatildeo verbal constitui

assim a realidade fundamental da liacutengua (BAKHTIN 1992 p 123 grifos do

autor)

Diante do exposto buscou-se incorporar neste trabalho a anaacutelise do discurso na

perspectiva enunciativa discursiva de Bakhtin na tentativa de compreender as vozes das crianccedilas

seus enunciados suas falas os diaacutelogos travados e os silecircncios que tambeacutem podem revelar

elementos dessa dinacircmica social Essa opccedilatildeo pela orientaccedilatildeo enunciativa discursiva bakhtiniana

se deu porque as falas das crianccedilas satildeo entendidas aqui como uma atitude responsiva satildeo

enunciados que sempre vatildeo ao encontro do enunciado do outro e por esse motivo enfoca a

relaccedilatildeo dialoacutegica relaciona interaccedilatildeo discurso e alteridade (BAKHTIN 1992) e coincide assim

com os objetivos da pesquisa

50

Proponho-me tambeacutem a fazer a anaacutelise dos materiais escritos produzidos durante a

pesquisa em dois momentos o primeiro em que me apresento como professora e escriba das

produccedilotildees orais dos sujeitos e num segundo momento os textos produzidos e escritos por eles

proacuteprios

14 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gecircneros discursivos

[] soacute faremos educaccedilatildeo se deixarmos que cada crianccedila realize a sua proacutepria

experiecircncia e adquira os mecanismos em estreita ligaccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo do

seu pensamento de outro modo ela desperdiccedila em puro detrimento da sua

formaccedilatildeo de homem as horas mais preciosas da sua existecircncia E forja o

instrumento da sua escravizaccedilatildeo (FREINET 1977 p 77)

A afirmaccedilatildeo de Freinet ressalta o papel do professor e de seu trabalho pedagoacutegico com as

crianccedilas num processo que considera a educaccedilatildeo como humanizaccedilatildeo (VYGOSTKI 1995

MELLO 1997) e que por isso caminha na contramatildeo de um ensino mecacircnico e impositivo que

desconsidera a crianccedila como sujeito de suas aprendizagens

Desse modo apresento neste item a metodologia de ensino da leitura e da escrita por meio

dos gecircneros discursivos carta relato de vida e notiacutecia de jornal com as crianccedilas Como

pesquisadora e professora da turma esclareccedilo que a minha proacutepria praacutetica docente foi elaborada

com o objetivo de inserir as crianccedilas na cultura escrita mediando situaccedilotildees para que pudessem

estabelecer relaccedilotildees com o escrito e vivenciar os diferentes modos de pensar o escrito de forma

dialoacutegica dentro de um processo interativo

Cada etapa do trabalho realizado as atividades e as situaccedilotildees de leitura e de escrita

propostas foram intencionalmente planejadas para e com as crianccedilas e por meio das falas

atitudes expressotildees gestos que elas apresentavam passei a experimentar e a validar os

procedimentos que orientavam o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio dos

gecircneros discursivos mencionados anteriormente tendo em vista o envolvimento interesse e o

desenvolvimento delas Nessa perspectiva Freinet afirma que ldquose o ensino natildeo interessa ao aluno

eacute porque lhe eacute de alguma maneira inacessiacutevel Eacute lamentaacutevel qualquer meacutetodo que pretenda fazer

beber o cavalo que natildeo estaacute com sederdquo (1985 p16 apud ELIAS 1997 p 38)

O trabalho pedagoacutegico ora apresentado foi realizado no contexto das teacutecnicas da

Pedagogia Freinet com diferentes gecircneros discursivos A escolha por realizar um trabalho

51

baseado no contexto dessa pedagogia se justifica pelo fato de a minha praacutetica pedagoacutegica como

professora das crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil compactuar com os princiacutepios que a norteiam

dentre eles ensino cooperativo que privilegia a expressatildeo humana e a crianccedila como ser capaz e

ativo em seu processo de apropriaccedilatildeo da cultura Aleacutem disso eacute possiacutevel estabelecer aproximaccedilotildees

com as ideias de Vygotsky e de Bakhtin teoacutericos nos quais esse trabalho se fundamenta O uso

das teacutecnicas Freinet tambeacutem se justifica devido ao fato de que por meio delas se ampliam as

fontes de investigaccedilatildeo que as crianccedilas utilizam na escola (SAMPAIO 1994) fazem parte de um

legado cultural e buscam a objetivaccedilatildeo da crianccedila por meio das muacuteltiplas linguagens

Para a Teoria Histoacuterico-Cultural o processo de comunicaccedilatildeo eacute o elemento crucial no

processo de apropriaccedilatildeo da cultura A comunicaccedilatildeo gera uma accedilatildeo que gera comunicaccedilatildeo que

gera outra accedilatildeo que estabelece uma relaccedilatildeo material com o objeto De acordo com Leontiev

(1978 p 273)

A comunicaccedilatildeo quer esta se efectue sob a sua forma exterior inicial de

actividade em comum quer sob a forma de comunicaccedilatildeo verbal ou mesmo

apenas mental eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria e especiacutefica do desenvolvimento do

homem na sociedade

Essas ideacuteias se coadunam com as de Freinet e de Bakhtin

Para Freinet a comunicaccedilatildeo eacute uma necessidade da crianccedila e eacute essa compreensatildeo que

justifica a livre expressatildeo como princiacutepio vertebrador na estruturaccedilatildeo de suas teacutecnicas de ensino

Essa comunicaccedilatildeo que se concretiza por meio de diferentes linguagens tem na expressatildeo verbal

seu elemento central A livre expressatildeo segundo Freinet eacute ldquoa proacutepria manifestaccedilatildeo da vidardquo

(FREINET 1979 p 12)

Para Bakhtin (1992) a linguagem eacute interaccedilatildeo social cujo objetivo eacute a comunicaccedilatildeo entre

falanteouvinte entre um eu e um tu comunicaccedilatildeo que requer a atitude responsiva do outro e

isso pressupotildee um princiacutepio geral a reger toda palavra o de que linguagem eacute diaacutelogo

(BAKHTIN 1992) Toda palavra eacute por natureza dialoacutegica porque sempre pressupotildee o outro - o

outro como destinataacuterio e a quem estaacute voltada toda a locuccedilatildeo o outro como discurso ou discursos

(BRANDAtildeO 2005)

Diante dos apontamentos proferidos pode-se dizer que tanto para a Teoria Histoacuterico-

Cultural como para Freinet e para Bakhtin a comunicaccedilatildeo eacute a forma privilegiada da objetivaccedilatildeo

humana e que por sua vez eacute o que impulsiona o processo de humanizaccedilatildeo As teacutecnicas de ensino

52

elaboradas por Freinet natildeo se constituem em um conjunto de teacutecnicas riacutegidas e ortodoxas e natildeo

podem ser compreendidas como um conjunto de regras isoladas mas serem compreendidas em

sua totalidade As teacutecnicas Freinet se baseiam na livre expressatildeo na cooperaccedilatildeo no trabalho e na

autonomia Eacute necessaacuterio enfatizar que a partir do tateamento experimental da vivecircncia a crianccedila

elabora as suas experiecircncias que satildeo uacutenicas individuais e dessa forma as experiecircncias satildeo

construiacutedas e natildeo copiadas promovendo o desenvolvimento da inteligecircncia

O trabalho pedagoacutegico proposto para essa pesquisa ocorreu no contexto das teacutecnicas

Freinet ndash correspondecircncia interescolar livro da vida e jornal da turma ndash porque os textos das

crianccedilas na Pedagogia Freinet tecircm sempre um destinataacuterio real ndash um ldquooutrordquo ndash satildeo produzidos e

lidos para atender a uma necessidade satildeo carregados de funcionalidade e manifestam um desejo

de expressatildeo e por tal razatildeo os gecircneros estatildeo neles presentes Segundo Freinet (apud FREINET

1978 p 60 grifos do autor) ldquoquanto agrave qualidade dos textos e sobretudo do trabalho essa eacute e

seraacute incomparaacutevel porque os nossos impressos foram vividos e sentidos logo completamente

compreendidosrdquo Entende-se assim que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por meio

dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet materializam o ldquooutrordquo trazem a clareza

do outro para a crianccedila e permitem que a crianccedila estabeleccedila relaccedilotildees intensas e dialoacutegicas com o

escrito

Esta pesquisa parte do pressuposto de que a crianccedila aprende a ler a escrever a falar ou

seja aprende a liacutengua por meio dos gecircneros discursivos e que a escola desde a pequena infacircncia eacute

ldquotomada como autecircntico lugar de comunicaccedilatildeo e as situaccedilotildees escolares como ocasiotildees de

produccedilatildeorecepccedilatildeo de textos Os alunos encontram-se assim em muacuteltiplas situaccedilotildees em que ela eacute

mesmo necessaacuteriardquo (DOLZ SCHNEUWLY 1999 p 8) Posto isto o proacuteprio funcionamento da

escola pode ser transformado de tal modo que as ocasiotildees de re-criaccedilatildeo de textos e de leitura se

ampliam na classe entre as crianccedilas entre classes de uma mesma escola entre escolas diferentes

produzindo forccedilosamente ldquogecircneros novos uma forma toda nova de comunicaccedilatildeo que produz as

formas linguumliacutesticas que a possibilitamrdquo (DOLZ SCHNEUWLY 1999 p 8 grifos dos autores)

Nesse sentido pode-se dizer que

Freinet eacute sem duacutevida quem foi mais longe nesta via que encara com seriedade a

escola como autecircntico lugar de produccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de textos Pensar-se-aacute aqui

particularmente no texto livre na conferecircncia na correspondecircncia escolar no

jornal de classe nos romances coletivos nos poemas individuais (DOLZ

SCHNEUWLY 1999 p 8 ndash 9)

53

Definido o contexto em que se deu a pesquisa e definidos quais gecircneros seriam abordados

no trabalho pedagoacutegico fiz um levantamento bibliograacutefico sobre a obra de Freinet e sobre os

gecircneros discursivos escolhidos ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal Dediquei-me ao estudo

dos gecircneros discursivos e me apropriei deles compreendendo o seu conteuacutedo temaacutetico estilo e

construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003) o que me possibilitou organizar e planejar formas

adequadas e necessaacuterias de realizar o trabalho pedagoacutegico voltado para o ensino e a

aprendizagem da leitura e da escrita e buscar em cada gecircnero discursivo os aspectos essenciais

que possam envolver as crianccedilas criando nelas o interesse e o desejo de ler e de escrever

A preocupaccedilatildeo em planejar com intencionalidade as situaccedilotildees de leitura e de escrita

envolveu a necessidade de organizar os tempos e os espaccedilos destinados a esse fim para que

desde cedo as crianccedilas percebam que existem determinados materiais determinados modos e

determinados lugares de ler e para que percebam a leitura como uma praacutetica cultural e a escrita

como um instrumento cultural Espaccedilos tempos e materiais organizados intencionalmente

propiciam oportunidades propulsoras de um desenvolvimento amplo da crianccedila e do sentido de

infacircncia que decorre dessas experiecircncias e das produccedilotildees infantis que revelam a sua cultura

(FARIA DEMARTINI PRADO 2002) Assim busquei assumir um dos preceitos tatildeo

defendidos por Freinet ldquonatildeo deve haver separaccedilatildeo entre as aprendizagens do meio escolar e da

realidaderdquo (ELIAS 1997 p 74)

Num segundo momento iniciei o trabalho com as crianccedilas introduzindo os gecircneros

discursivos carta relato de vida por meio do livro da vida e num terceiro momento a notiacutecia de

jornal por meio do jornal da turma A introduccedilatildeo de cada um desses gecircneros teve seu iniacutecio na

roda da conversa que tambeacutem eacute uma teacutecnica Freinet realizada diariamente na turma A roda da

conversa eacute um momento em que todo o grupo ndash crianccedilas e professora ndash apresentam novidades

planejam o que faratildeo no dia negociam situaccedilotildees resolvem problemas discutem assuntos

diversificados sobre o que vivem sobre o que vecircem sobre o que sentem comentam sobre os

estudos e pesquisas contam curiosidades planejam avaliam e redirecionam o trabalho Por essas

razotildees a roda confere a todos os participantes do grupo e especialmente agraves crianccedilas o direito de

falarem e de serem ouvidos por todo o coletivo dando a palavra a cada um dos membros Essa

teacutecnica que acontece em dois momentos da aula ndash no iniacutecio e no final ndash corresponde a uma forma

de estabelecer uma relaccedilatildeo de respeito entre as pessoas do grupo e cria o desejo de expressatildeo nas

crianccedilas

54

O gecircnero discursivo carta foi iniciado quando durante a roda da conversa inicial no mecircs

de abril de 2010 ndash ano da realizaccedilatildeo da coleta de dados ndash a coordenadora da escola em que se deu

a pesquisa entregou agraves crianccedilas uma carta de uma turma de Infantil II de uma escola municipal

de Educaccedilatildeo Infantil da zona sul da mesma cidade A correspondecircncia interescolar com uma

professora dessa unidade escolar da zona sul da cidade jaacute ocorria havia trecircs anos na ocasiatildeo da

pesquisa mas as crianccedilas sujeitos da pesquisa participavam pela primeira vez de um trabalho

envolvendo esse gecircnero discursivo Para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi mantida correspondecircncia

com uma turma de crianccedilas de infantil II da zona sul dessa mesma cidade ndash crianccedilas com idades

de cinco anos ndash como explicitado anteriormente e com uma turma de crianccedilas com idades de

quatro e cinco anos da cidade de Campinas ndash SP Ambas as professoras das turmas

correspondentes apresentavam em suas praacuteticas concordacircncia com as ideias da Pedagogia

Freinet

As cartas recebidas antes de serem lidas por mim na condiccedilatildeo de professora eram

abertas e exploradas pelas crianccedilas que as observavam buscavam indiacutecios para fazerem a leitura

levantavam hipoacuteteses sobre o que estava escrito comparavam nomes analisavam os desenhos e

proferiam inuacutemeras perguntas a respeito Essas perguntas eram sempre conversadas na tentativa

de perceber e de entender o que estava por traacutes desses questionamentos e levar as crianccedilas a

buscar relaccedilotildees com o escrito Sempre da chegada de uma carta eu deixava as crianccedilas

manusearem-na livremente Em seguida eu fazia a leitura das cartas e era discutido passo a

passo como seriam produzidas a cartas respostas Nesse processo de re-criaccedilatildeo de gecircneros

discursivos eram discutidas as ideias a serem escritas e a forma como seriam escritas

O livro da vida eacute um compilado de registros escritos dos acontecimentos mais

significativos da turma Refere-se agrave vida das crianccedilas e da professora e nele satildeo anotadas as

vivecircncias do grupo Satildeo as crianccedilas que dizem o que deve ser escrito no livro da vida e esses

registros foram feitos por mim porque as crianccedilas natildeo eram no iniacutecio do trabalho

convencionalmente alfabetizadas Aleacutem da escrita do texto o livro da vida eacute composto por fotos

desenhos e colagens sempre relacionados ao registro escrito Expliquei para as crianccedilas na roda

da conversa tambeacutem no mecircs de abril de 2010 o que eacute o livro da vida como eacute feito o motivo pelo

qual eacute feito e as re-criaccedilotildees de textos orais foram escritas mantendo o mais fidedignamente os

relatos das crianccedilas Os textos re-criados no livro da vida eram em grande parte coletivos ndash

quando se referiam agraves vivecircncias do grupo ndash ou individuais ndash quando eram assuntos pessoais os

55

quais as proacuteprias crianccedilas solicitavam o registro O livro da vida natildeo foi escrito diariamente mas

seguia uma regularidade de cerca de trecircs vezes por semana e os textos eram lidos depois de re-

criados pelas crianccedilas pelos seus pais e familiares membros da escola e pelos correspondentes

quando ocorria anualmente o encontro entre as turmas

O jornal da turma eacute um jornal produzido e editado cooperativamente pelas crianccedilas Eacute

constituiacutedo de falas curiosidades e opiniotildees das crianccedilas sobre suas vivecircncias e descobertas As

informaccedilotildees trazidas pelas crianccedilas e discutidas principalmente na roda da conversa satildeo

transformadas em notiacutecias do jornal do grupo No trabalho com o jornal primeiramente eu

apresentei na hora da leitura um jornal da cidade com uma reportagem em que eu fazia parte do

artigo A hora da leitura eacute um momento diaacuterio em que leio ou conto uma histoacuteria poesia faacutebula

histoacuteria em quadrinhos dentre outros gecircneros discursivos e utilizo uma cadeira pequena para me

posicionar e as crianccedilas se sentam proacuteximas a mim para poderem visualizar as ilustraccedilotildees ou

fotos e acompanhar a leitura Terminada a leitura e de ouvir as impressotildees sobre o artigo lido dei

agraves crianccedilas vaacuterios outros exemplares do jornal da cidade e do Jornal Estado de Satildeo Paulo

(Estadatildeo) e as observei nos primeiros contatos com esse suporte textual e com esse gecircnero

discursivo Registrei as falas as accedilotildees as impressotildees e com esses indiacutecios fiz a leitura de uma

notiacutecia de jornal para as crianccedilas cerca de trecircs vezes por semana para que pudessem se

familiarizar com esse gecircnero discursivo Selecionei antecipadamente as reportagens artigos e

manchetes que seriam lidas considerando as idades e interesses

Paralelamente a isso propus que elaboraacutessemos o jornal da turma e todas as notiacutecias que

compunham o jornal foram trazidas e selecionadas na roda da conversa Para a produccedilatildeo do

jornal utilizei um computador pessoal (notebook) porque a escola natildeo dispunha de um

computador para uso das crianccedilas na sala de aula Inicialmente eu digitei no computador os textos

que eram re-criados oralmente pelas crianccedilas e elas participavam de cada etapa da re-criaccedilatildeo e

acompanhavam o registro Em seguida ilustravam os textos re-criados e nesse processo ensinei-

as a utilizar o computador e com o tempo passaram a fazer o registro dos textos diretamente

nesse recurso com pouca ajuda da minha parte Sampaio (1994 p 77) ressalta que o Instituto

Cooperativo da Escola Moderna (ICEM) fundado por Freinet

() considera que o emprego do computador na escola natildeo tem somente um

sentido pedagoacutegico tem tambeacutem um sentido ideoloacutegico pois estamos num

mundo que dispotildee de uma tecnologia que avanccedila a passos largos sendo

56

indispensaacutevel que a escola forneccedila os recursos necessaacuterios para enfrentar essa

avalanche de novas descobertas Natildeo se eacute livre quando se eacute ignorante (grifos da

autora)

Para a divulgaccedilatildeo e veiculaccedilatildeo do jornal da turma os textos foram impressos na

impressora da escola e fotocopiados para que cada crianccedila tivesse o seu exemplar levado para

suas casas e lido por seus familiares que emitiam suas opiniotildees e foi tambeacutem enviado para os

correspondentes No trabalho com cada gecircnero discursivo busquei perceber indiacutecios que

denotam possiacuteveis modificaccedilotildees na conduta leitora e produtora de textos das crianccedilas as relaccedilotildees

que estabelecem com os elementos especiacuteficos de cada gecircnero ndash o conteuacutedo temaacutetico a

construccedilatildeo composicional e o estilo (BAKHTIN 2003) ndash e como lidam com esses elementos

nesse processo inicial de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

A praacutetica docente exposta eacute resultado de uma relaccedilatildeo direta e dialoacutegica com os sujeitos da

pesquisa o que promoveu o redirecionamento em cada etapa do trabalho em busca de um ensino

colaborativo em que as crianccedilas atuassem como sujeitos desse processo

15 Crianccedilas e adultos os sujeitos da pesquisa

As crianccedilas se interessam pela vida do seu meio pelas flutuaccedilotildees da natureza e

dos trabalhos e que gostariam de estudar principalmente aquilo que lhes diz

respeito (FREINET 1969 p 133-134)

Essa afirmaccedilatildeo de Freinet remete ao pressuposto de que a crianccedila eacute desde pequena capaz

de estabelecer relaccedilotildees com o mundo que a cerca se apropriar dos significados e atribuir sentidos

a ele (VIGOTSKII 1988 MELLO 2007) Com base nestas consideraccedilotildees o processo de ensino

com a crianccedila deve ser provocador de suas aprendizagens e do seu desenvolvimento e estar

intimamente relacionado com suas experiecircncias com o seu desejo de expressatildeo seu desejo de

conhecer uma educaccedilatildeo e um ensino desenvolventes (DAVIDOV 1988)

Diante disso proponho-me a apresentar a caracterizaccedilatildeo dos sujeitos da pesquisa

elementos fundamentais para a concretizaccedilatildeo deste trabalho Embora seja uma pesquisa com

crianccedilas investiguei por meio da entrevista as quatro professoras que trabalharam com elas desde

o ingresso na referida escola abrangendo assim as professoras das turmas do Berccedilaacuterio Maternal

I Maternal II e Infantil I para compreender como os conceitos de leitura e de escrita dessas

57

professoras e suas praacuteticas docentes interferiram no processo de apropriaccedilatildeo e de objetivaccedilatildeo da

leitura e da escrita das crianccedilas participantes da pesquisa

De acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para preservar a

identidade dos sujeitos as professoras seratildeo denominadas por PB (Professora do Berccedilaacuterio) PM I

(Professora do Maternal I) PM II (Professora do Maternal II) e PI I (Professora do Infantil I)

58

Quadro 1 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes

Professoras Tempo de

Magisteacuterio

(anos)

Tempo de

serviccedilo na

instituiccedilatildeo em

que foi

realizada a

pesquisa

(anos)

Turma em

que lecionou

nos uacuteltimos

quatro anos

(idade dos

alunos)

Experiecircncia

docente em

diferentes

segmentos da

educaccedilatildeo

PB

15 anos

13 anos

Berccedilaacuterio (entre

1 ano e seis

meses 2 anos) e

Maternal I

(entre 2 e 3

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PM I

15 anos

13 anos

Maternal I

(entre 2 e 3

anos) e

Maternal II

(entre 3 e 4

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PM II

5 anos e 6

meses

5 anos e 6

meses

Maternal II

(entre 3 e 4

anos) e

Maternal I

(entre 2 e 3

anos)

Somente na

Educaccedilatildeo

Infantil

PI I

22 anos e 6

meses

5 anos e 6

meses

Preacute III (entre 5

e 6 anos) e

Infantil I (4

anos)

No Ensino

Fundamental

de 1ordm ao 5ordm ano

durante 22

anos e 6 meses

59

Quadro 2 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos docentes quanto agrave formaccedilatildeo

Professoras Magisteacuterio

(CEFAM)

Pedagogia

(Instituiccedilatildeo

Puacuteblica)

Pedagogia

(Instituiccedilatildeo

Particular)

Especializaccedilatildeo

ou Poacutes-

Graduaccedilatildeo

PB

X

X

PM I

X

X

PM II

X

X

Psicopedagogia

PI I

X

X

Ao realizar uma anaacutelise dos quadros verifica-se que somente uma das professoras possui

menos de 10 anos de magisteacuterio e iniciou sua carreira docente na instituiccedilatildeo em que foi realizada

a pesquisa Verifica-se tambeacutem que durante quatro anos os quatro anos em que as crianccedilas

percorreram do Berccedilaacuterio ao Infantil I as professoras natildeo apresentaram alteraccedilatildeo com relaccedilatildeo agraves

turmas em que lecionaram permanecendo relativamente com turmas da mesma etapa de crianccedilas

da mesma idade no miacutenimo por dois anos Todas dedicaram a maior parte do tempo dos seus

serviccedilos no magisteacuterio na referida unidade escolar e somente PI I tem a maior parte de sua

experiecircncia docente no Ensino Fundamental de 1ordm ao 5ordm ano em que atuou durante muitos anos

como professora alfabetizadora dos anos iniciais

Com relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo profissional todas cursaram o Magisteacuterio (CEFAM ndash Centro

Especiacutefico de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento do Magisteacuterio) se graduaram em Pedagogia (Curso

Superior completo) realizada em universidade puacuteblica e somente PM II tinha especializaccedilatildeo lato

sensu em Psicopedagogia

Esta pesquisa foi realizada com 20 crianccedilas de uma turma de Infantil II da Educaccedilatildeo

Infantil ndash uacuteltima turma antes de ingressarem no Ensino Fundamental ndash de uma escola puacuteblica

municipal da cidade de Mariacutelia ndash SP que frequentavam a escola em periacuteodo parcial sendo o

periacuteodo da tarde A escola por se tratar de uma EMEI Creche (Escola Municipal de Educaccedilatildeo

Infantil e Creche) tambeacutem atende a crianccedilas no periacuteodo integral As crianccedilas seratildeo denominadas

por C1 C2 C3 e assim sucessivamente na intenccedilatildeo de resguardar as identidades sem contudo

lhes negar a autoria da sua participaccedilatildeo

60

Quadro 3 ndash Caracterizaccedilatildeo dos sujeitos crianccedilas

Crianccedilas

Idades

Turma em que ingressou

na unidade escolar da

referida pesquisa

C1 5 anos Berccedilaacuterio

C2 5 anos Berccedilaacuterio

C3 5 anos Berccedilaacuterio

C4 5 anos Berccedilaacuterio

C5 6 anos Berccedilaacuterio

C6 5 anos Berccedilaacuterio

C7 5 anos Berccedilaacuterio

C8 5 anos Berccedilaacuterio

C9 5 anos Berccedilaacuterio

C10 5 anos Maternal I

C11 6 anos Berccedilaacuterio

C12 5 anos Berccedilaacuterio

C13 6 anos Berccedilaacuterio

C14 5 anos Infantil II

C15 5 anos Berccedilaacuterio

C16 5 anos Berccedilaacuterio

C17 5 anos Maternal I

C18 5 anos Infantil II

C19 5 anos Infantil II

C20 6 anos Infantil II

Por meio da anaacutelise do quadro da caracterizaccedilatildeo dos sujeitos verifica-se que das vinte

crianccedilas participantes apenas quatro delas completaram seis anos ainda na Educaccedilatildeo Infantil

Isso ocorreu devido ao fato de que na ocasiatildeo do remanejamento das turmas para atender a

implantaccedilatildeo da lei que institui o Ensino Fundamental de nove anos ndash e portanto as crianccedilas

61

passaram a ingressar nesse segmento com cinco anos e seis meses ndash elas permaneceram na

Educaccedilatildeo Infantil por opccedilatildeo dos pais e por completarem seis anos no segundo semestre do ano de

realizaccedilatildeo da pesquisa Desse modo a turma era formada predominantemente de crianccedilas com

cinco anos

A maioria ndash quatorze delas ndash encontra-se na instituiccedilatildeo escolar em que ocorreu a pesquisa

desde o Berccedilaacuterio (quando tinham entre 1 ano e seis meses e dois anos) duas crianccedilas ingressaram

a partir do Maternal I (quando tinham entre dois e trecircs anos) e quatro delas comeccedilaram na turma

Infantil II (quando tinham entre cinco e seis anos) no ano da realizaccedilatildeo da pesquisa Essas

uacuteltimas vieram transferidas de outras unidades da proacutepria cidade sendo que duas delas

frequentaram outras escolas desde o Maternal I e outras duas crianccedilas desde o Maternal II

(quando tinham entre trecircs e quatro anos)

A maior parte das crianccedilas residia no proacuteprio bairro em que se localizava a escola ou em

bairros bem proacuteximos e uma minoria delas em uma favela ndash apenas duas delas ndash situada nos

arredores Noventa e cinco por cento dos pais natildeo completaram o segundo grau na sua

escolarizaccedilatildeo possuiacuteam baixa renda ndash cerca de um ou dois salaacuterios miacutenimos ndash e a maioria exercia

trabalhos de serviccedilos gerais (diaristas mecacircnicos pintores eletricistas pedreiros distribuidor de

gaacutes de cozinha) eram funcionaacuterios em casas comerciais ou em faacutebricas Somente dois deles

possuiacuteam o ensino superior completo

Neste trabalho atuei como pesquisadora e professora da turma Desempenhei minhas

funccedilotildees no magisteacuterio durante dez anos em uma escola da rede particular de ensino e na ocasiatildeo

da pesquisa fazia cerca de cinco anos e meio que eu havia iniciado minhas funccedilotildees como

professora na rede puacuteblica municipal na aacuterea da Educaccedilatildeo Infantil

O trabalho realizado direcionado ao ensino da leitura e da escrita por meio dos gecircneros

discursivos carta relatos de vida e notiacutecia de jornal com as crianccedilas ocorreu entre os meses de

maio e dezembro do ano de 2010

Vale esclarecer que me proponho a apresentar este trabalho com o entrelaccedilamento da

anaacutelise dos dados e o aporte teoacuterico adotado nesta pesquisa concomitantemente sem a costumeira

divisatildeo em duas partes capiacutetulos destinados agrave discussatildeo mais teoacuterica e capiacutetulo de anaacutelise dos

dados destinado mais agraves questotildees praacuteticas empiacutericas Farei a apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

simultaneamente agrave discussatildeo e ao aprofundamento teoacuterico assumido nessa pesquisa apoiado na

Teoria Histoacuterico-Cultural defendida por Vygotsky e seus colaboradores pela concepccedilatildeo de

62

linguagem e gecircnero discursivo de Bakhtin e pelos estudiosos da leitura e da escrita Essa proposta

ocorre na tentativa de ser coerente com a concepccedilatildeo de pesquisa apresentada no iniacutecio deste

capiacutetulo na busca de superaccedilatildeo da dicotomizaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na minha docecircncia e na

pesquisa apresentada

63

CAPIacuteTULO II

CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA NA

EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DOS PROFESSORES E DAS CRIANCcedilAS

Para o estudo da liacutengua o princiacutepio tradicional estaacute em evitar que a crianccedila

redija antes de ter adquirido um suficiente domiacutenio pelo estudo racional das

regras gramaticais e sintaacutecticas Receia-se que os maus haacutebitos das primeiras

tentativas se gravam definitivamente em regras de vida e que a crianccedila natildeo saiba

seguir em frente Soacute deve pois comeccedilar a escrever palavras quando tiver

aprendido primeiro a traccedilar os seus exerciacutecios caligraacuteficos e a seguir a desenhar

as letras natildeo deve empregar as palavras para exprimir o seu proacuteprio pensamento

antes de lhes conhecer o sentido formal e a ortografia Natildeo deve arriscar-se no

paraacutegrafo e menos ainda no texto antes de ter penetrado nas essenciais regras

sintaacutecticas Tais satildeo as prescriccedilotildees oficiais reflexo das concepccedilotildees ainda

dominantes na pedagogia Eacute uma concepccedilatildeo (FREINET 1977 p 69)

Ao considerar estas afirmaccedilotildees de Freinet quanto ao ensino e a aprendizagem da liacutengua

escrita numa perspectiva tradicional e na eacutepoca em que foram proferidas pode-se dizer que

algumas dessas praacuteticas ainda satildeo reproduzidas desde a Educaccedilatildeo Infantil Um ensino pautado na

identificaccedilatildeo e no traccedilados das letras ou ainda na compreensatildeo das regras gramaticais

ortograacuteficas e sintaacuteticas desvinculadas de um contexto e de um fazer que natildeo condizem com a

necessidade de expressatildeo dos sujeitos aprendentes eacute uma das concepccedilotildees de ensino e de

aprendizagem da liacutengua vigente em nossa sociedade e que simula a aprendizagem da liacutengua

Eacute na contramatildeo dessa concepccedilatildeo de ensino e de aprendizagem da liacutengua escrita que este

trabalho se apresenta e se propotildee a compreender como as crianccedilas de cinco e seis anos se

apropriam e objetivam a leitura e a escrita por meio dos gecircneros discursivos num processo

dialoacutegico e dinacircmico em que essa apropriaccedilatildeo se constitui como uma forma de humanizaccedilatildeo

Para tanto nesse capiacutetulo seratildeo abordados por meio da anaacutelise dos dados coletados nas

entrevistas os conceitos de leitura e de escrita de gecircneros discursivos de ensino e de

aprendizagem das professoras participantes da pesquisa e como eles influenciam os conceitos

ainda em elaboraccedilatildeo pelas crianccedilas

Tal anaacutelise seraacute fundamentada na concepccedilatildeo de linguagem de liacutengua e de gecircnero

discursivo de Bakhtin e na concepccedilatildeo de crianccedila de ensino e de aprendizagem de leitura e de

escrita de Vygotsky e de outros estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural

64

21 A crianccedila pequena a cultura escrita e os gecircneros discursivos ler e escrever na

Educaccedilatildeo Infantil

Vivemos em uma sociedade que se organiza fundamentalmente por meio de praacuteticas

escritas em uma sociedade letrada motivo por que ler e escrever satildeo condiccedilotildees necessaacuterias para

se participar dessa sociedade (BERNARDIN 2003 BRITTO 2003 2005) Durante muito

tempo acreditou-se que conhecer o coacutedigo escrito era suficiente para fazer introduzir a crianccedila na

cultura escrita mas estudos e pesquisas na aacuterea da educaccedilatildeo e da linguiacutestica revelam que apenas

conhecer o coacutedigo escrito natildeo eacute suficiente para se fazer uso da liacutengua escrita nas diferentes

situaccedilotildees cotidianas e introduzir-se nessa cultura escrita

Diante disso depreende-se que a escrita e a leitura fazem parte da vida da crianccedila desde

muito cedo antes que ela comece a frequentar a escola Vigostkii (1988 p 109) ressalta que ldquoa

aprendizagem da crianccedila comeccedila muito antes da aprendizagem escolar A aprendizagem escolar

nunca parte do zero Toda aprendizagem da crianccedila na escola tem uma preacute-histoacuteriardquo Assim as

relaccedilotildees que a crianccedila pequena vai estabelecer com o escrito por meio das vivecircncias de situaccedilotildees

de leitura e de escrita mediadas pelo Outro seratildeo cruciais nesse processo de apropriaccedilatildeo da

liacutengua

A grande preocupaccedilatildeo da escola e em geral dos professores eacute formar leitores e produtores

de textos Tal preocupaccedilatildeo eacute compreensiacutevel desde a Educaccedilatildeo Infantil porque a escrita eacute um

instrumento que permite a participaccedilatildeo das pessoas na cultura letrada e proporciona-lhes o acesso

natildeo somente agraves informaccedilotildees que facilitam o seu dia a dia mas tambeacutem ao conjunto do

conhecimento registrado ao longo da histoacuteria que pode ser usado por elas para melhorar suas

vidas em qualquer lugar em que estejam (MILLER MELLO 2008 p 4)

Mas o que eacute formar o leitor e o re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Como isso

acontece na escola da pequena infacircncia4 Esta pesquisa busca responder estas perguntas na

medida em que tenta compreender como a crianccedila pode participar ativamente da cultura escrita

desde a Educaccedilatildeo Infantil e estabelecer relaccedilotildees intensas com essa cultura Esse argumento natildeo

se coaduna com a escolarizaccedilatildeo precoce da crianccedila mas sugere pensar em formas de se garantir a

ela as vivecircncias necessaacuterias e adequadas na escola de Educaccedilatildeo Infantil a interaccedilatildeo dinacircmica

com a liacutengua em seu funcionamento e o diaacutelogo com o escrito Antecipar a escolarizaccedilatildeo da

4 Por pequena infacircncia refiro-me agraves crianccedilas de 0 a 6 anos que compotildeem a Educaccedilatildeo Infantil

65

crianccedila em detrimento de vivecircncias adequadas e necessaacuterias eacute abreviar a infacircncia e desconsiderar

a crianccedila e as especificidades do aprender e do seu desenvolvimento

Para Vigotskii (1988 p110) ldquoaprendizagem e desenvolvimento natildeo entram em contato

pela primeira vez na idade escolar mas estatildeo ligados entre si desde os primeiros dias de vida da

crianccedilardquo A aceleraccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo (ZAPHOROacuteZETS 1987 MELLO 1999) e a

preocupaccedilatildeo em alfabetizar as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil ndash com ecircnfase no domiacutenio do coacutedigo

linguiacutestico sem fazer o uso social da leitura e da escrita para o cotidiano ndash faz perpetuar

procedimentos de educaccedilatildeo tecnicista (BRITTO 2005) abrevia a infacircncia e influencia todo o

desenvolvimento da inteligecircncia e da personalidade da crianccedila (MUKHINA 1996 MELLO

1999) Dessa maneira o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita natildeo a envolvem porque

satildeo destituiacutedos de sentido para ela e na maioria das vezes natildeo se tornam atividades no sentido

defendido por Leontiev (1988)

A antecipaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo eacute sustentada pela ideia de quanto mais cedo a crianccedila for

introduzida de forma sistemaacutetica nas praacuteticas da escrita quanto mais cedo assumir o estatuto de

aluno maiores seratildeo suas possibilidades de sucesso na escola na vida e no progresso tecnoloacutegico

do paiacutes Isso decorre da pressatildeo dos pais mas principalmente da formaccedilatildeo dos professores que

trabalham com a Educaccedilatildeo Infantil (MELLO 2005)

Com a escolarizaccedilatildeo precoce da crianccedila o tempo que seria ocupado com brincadeiras

faz-de-conta jogos conversa em grupo ndash em que as crianccedilas contam suas novidades comentam

experiecircncias e conferem significados agraves situaccedilotildees vividas ndash daacute lugar a exerciacutecios de escrita agrave

repeticcedilatildeo e agrave oralizaccedilatildeo de letras siacutelabas e palavras Desse modo as atividades de expressatildeo

como o desenho a pintura a brincadeira de faz-de-conta a modelagem a danccedila a muacutesica a

construccedilatildeo a poesia a proacutepria fala satildeo comumente vistas na escola como improdutivas e

desnecessaacuterias mas na verdade satildeo fundamentais para a formaccedilatildeo da identidade da inteligecircncia

e da personalidade da crianccedila e sobretudo constituem as bases para a aquisiccedilatildeo da escrita como

um instrumento cultural complexo (MELLO 2005)

66

De acordo com estas afirmaccedilotildees entende-se que a linguagem escrita se constitui como

linha acessoacuteria e natildeo como linha central do desenvolvimento da crianccedila de cinco e seis anos

Sobre isso Vygotski (1996 p 262 grifos do autor traduccedilatildeo nossa)5 explica

() em cada etapa de idade encontramos sempre uma nova forma central como

uma espeacutecie de guia para todo o processo do desenvolvimento que caracteriza a

reorganizaccedilatildeo de toda a personalidade da crianccedila sobre uma base nova Em

torno da nova formaccedilatildeo central ou baacutesica da idade dada se situam e se agrupam

as restantes novas formaccedilotildees parciais relacionadas com facetas isoladas da

personalidade da crianccedila assim como os processos de desenvolvimento

relacionados com as novas formaccedilotildees de idades anteriores Chamaremos de

linhas centrais de desenvolvimento da idade dada aos processos de

desenvolvimento que se relacionam de maneira mais ou menos imediata com a

nova formaccedilatildeo principal enquanto que todos os demais processos parciais

assim como as mudanccedilas que se produzem em cada idade receberatildeo o nome de

linhas acessoacuterias de desenvolvimento

O autor esclarece ainda que os processos que satildeo linhas centrais em uma idade se

convertem em linhas acessoacuterias de desenvolvimento na idade seguinte e vice-versa ou seja as

linhas acessoacuterias de desenvolvimento de uma idade passam a ser principais em outra porque

ldquomodifica seu significado e seu peso especiacutefico na estrutura geral do desenvolvimento muda sua

relaccedilatildeo com a nova formaccedilatildeo central Na passagem de uma etapa de idade a outra se reconstroacutei

toda sua estrutura Cada idade possui sua proacutepria estrutura especiacutefica uacutenica e irrepetiacutevelrdquo

(VYGOTSKI 1996 p 262)6

Desse modo o tiacutetulo do capiacutetulo ora apresentado eacute pertinente porque a antecipaccedilatildeo da

escolarizaccedilatildeo confere agrave crianccedila uma condiccedilatildeo de aluno na Educaccedilatildeo Infantil e natildeo de crianccedila que

aprende Ela acaba por perder o seu estatuto de crianccedila para assumir o estatuto de aluno Ao tratar

5 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1996 p 262 grifos do autor) () em cada etapa de edad encontramos

siempre una nueva formacioacuten central como una especie de guiacutea para todo el proceso del desarrollo que caracteriza la

reorganizacioacuten de toda la personalidad del nintildeo sobre una base nueva En torno a la nueva formacioacuten central o baacutesica

de la edad dada se situacutean y agrupan las restantes nuevas formaciones parciales relacionadas con facetas aisladas de la

personalidad del nintildeo asiacute como los procesos de desarrollo relacionados com las nuevas formaciones de edades

anteriores Llamaremos liacuteneas centrales de desarrollo de la edad dada a los procesos del desarrollo que se

relacionam de manera maacutes o menos inmediata com la nueva formacioacuten principal mientras que todos los demaacutes

procesos parciales asiacute como los cacircmbios que se producem en dicha edad recibiraacuten el nombre de liacuteneas accesorias de

desarrollo 6 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1996 p 262) () se modifica su significado y peso especiacutefico en la

estructura general del desarrollo cambia su relacioacuten com la nueva formacioacuten central En el paso de una etapa de edad

a outra se reconstruye toda su estructura Cada edad posee su propia estructura especiacutefica uacutenica e irrepetible

67

essa questatildeo natildeo se admite com isso um espontaneiacutesmo no processo de ensino e de

aprendizagem porque para que as aprendizagens aconteccedilam haacute sempre o adulto e o professor

que ensina e que desempenha essa funccedilatildeo haacute a orientaccedilatildeo do professor que planeja

intencionalmente seu trabalho pedagoacutegico e que medeia esse processo O que estaacute em jogo nesta

afirmaccedilatildeo eacute o fato de as praacuteticas pedagoacutegicas vivenciadas pelas crianccedilas pequenas serem

escolarizadas do Ensino Fundamental e repassadas agrave Educaccedilatildeo Infantil natildeo condizentes com os

interesses e necessidades das crianccedilas nesse periacuteodo da vida e negando as especificidades do

aprender e da sua atividade principal de cada idade (LEONTIEV 1988)

Estudos da sociologia da infacircncia afirmam que durante muito tempo a sociologia se

ocupou do aluno e natildeo da crianccedila Reconhecer a crianccedila como tal eacute percebecirc-la como sujeito

ativo competente participativo inteiro (VYGOTSKYI 1995) como ldquoseres soacutecio-histoacutericos-

geograacuteficos (estatildeo presentes em um tempo e um espaccedilo)rdquo (JUIZ DE FORA 2008 p 23) e assim

produtores e influenciadores da cultura e da sociedade Essa crianccedila ativa sujeito de suas

aprendizagens eacute capaz de opinar sobre o seu proacuteprio processo de fazer escolhas de estabelecer

relaccedilotildees de atribuir significados e de produzir sentidos Satildeo seres brincantes e coletivos que se

singularizam na vivecircncia com seus pares e com sujeitos que os cercam (JUIZ DE FORA 2008)

Ao abordar sobre o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita pela

crianccedila eacute preciso apresentar a concepccedilatildeo de cultura escrita que fundamenta este trabalho

Cultura escrita eacute de todos os termos o mais amplo e que procura caracterizar

um modo de organizaccedilatildeo social cuja base eacute a escrita ndash algo que natildeo se modificou

em essecircncia mesmo com o advento das novas tecnologias resultantes do modo

de fazer ciecircncia e da organizaccedilatildeo do sistema produtivo que se constituiacuteram na

sociedade ocidental [] Cultura escrita implica valores conhecimentos modos

de comportamento que natildeo se limitam ao uso objetivo do escrito Entre os

toacutepicos proacuteprios de investigaccedilatildeo e de intervenccedilatildeo nessa aacuterea estariam a relaccedilatildeo

da escrita com o desenvolvimento a inter-relaccedilatildeo escritaoralidade as demandas

por habilidades cognitivas e o modo de produccedilatildeo atual (BRITTO 2005 p 15)

Diante desses pressupostos Britto (2005) afirma ainda que

Aiacute estaacute um desafio difiacutecil inserir a crianccedila no mundo da escrita eacute mais que

alfabetizaacute-la se entendermos por alfabetizaccedilatildeo apenas o domiacutenio do coacutedigo ou

eacute iniciar a alfabetizaccedilatildeo se compreendermos por alfabetizaccedilatildeo a inclusatildeo em um

universo cultural complexo em que a escrita aparece como mediadora de valores

68

e de formas de conhecimento Nessa loacutegica o processo de letramento

(alfabetizaccedilatildeo) comeccedila antes do ensino fundamental e natildeo se interrompe sequer

com terminalidade da escolaridade regular Letramento (ou alfabetizaccedilatildeo) nesse

sentido significa viver no mundo da escrita dominar os discursos da escrita ter

condiccedilotildees de operar com os modos de pensar e produzir da cultura escrita

(BRITTO 2005 p 17)

Ferreira (2005) concordando com as ideacuteias apresentadas acrescenta que

[] os primeiros anos devem ser aqueles que permitam que as crianccedilas

imprimam nesta sociedade escrituriacutestica a instabilidade da demarcaccedilatildeo a

estrangeiridade sem fronteiras a fabricaccedilatildeo de uma linguagem De uma

linguagem que acolhe e integra natildeo soacute sua concepccedilatildeo como instrumento de luta

ideoloacutegica como comunicaccedilatildeo ou registro de algo mas principalmente que traz

em seu modo histoacuterico e social o aspecto da constituiccedilatildeo do homem como

sujeito enraizado na coletividade no diaacutelogo de quem se produz no outro na

capacidade do indiviacuteduo de interrogar-se surpreender-se indignar-se

(FERREIRA 2005 sp)

Diante desses pressupostos inserir-se na cultura escrita eacute modificar a relaccedilatildeo com a

linguagem e com o mundo a sua volta (BERNARDIN 2003) Na medida em que a crianccedila

vivencia a experiecircncia dos objetos da cultura escrita os modos como os seus gecircneros satildeo

organizados eacute que encontraraacute sentido nela (BRITTO 2005 p 17) A condiccedilatildeo de participaccedilatildeo

na cultura escrita estaacute intimamente relacionada tanto a discursos que se elaboram em diferentes

instituiccedilotildees e em praacuteticas sociais orais e escritas quanto a muitos objetos procedimentos

atitudes como formas sociais de expressatildeo entre elas a expressatildeo em liacutengua escrita (GOULART

2006 p 450) Assim eacute possiacutevel pensar que eacute na Educaccedilatildeo Infantil que as crianccedilas devem iniciar

esse processo de inserccedilatildeo e participaccedilatildeo na cultura escrita e eacute na escola da pequena infacircncia que

se deve pensar nos modos de se promover vivecircncias para que essa inserccedilatildeo e participaccedilatildeo

ocorram de forma necessaacuteria e adequada

O processo de apropriaccedilatildeo e o de objetivaccedilatildeo da liacutengua escrita satildeo na essecircncia um uacutenico

processo o de internalizaccedilatildeo da liacutengua em seu funcionamento como conjunto siacutegnico de

interaccedilatildeo entre as pessoas Nessa perspectiva natildeo se dicotomiza alfabetizaccedilatildeo e letramento como

dois processos separados mas como um processo discursivo interativo para a humanizaccedilatildeo das

crianccedilas Ao se tratar da formaccedilatildeo leitora e escritora de textos na Educaccedilatildeo Infantil vale ressaltar

que a crianccedila aprende de uma forma especiacutefica em cada idade Para aprender eacute preciso que seja

ativa nesse processo sujeito de suas aprendizagens Aprender envolve dar sentido ao que se

69

aprende Quando a crianccedila compreende o motivo do que lhe eacute proposto e atua motivada por esse

objetivo eacute capaz de atribuir sentidos positivos agrave atividade

22 A atividade na leitura e na escrita

Leontiev (1987 1988) esclarece que o fazer humano tem sempre um objetivo e um

resultado previsto para a accedilatildeo Quando o objetivo que leva agrave accedilatildeo coincide com o resultado a

crianccedila estaacute em atividade e a atividade vai ser definida pelo grau de sentido que aquele fazer tem

para ela porque garante um profundo envolvimento emocional e cognitivo Sobre isso Leontiev

(1987 p 10) esclarece que

A base ontogeneacutetica do desenvolvimento da consciecircncia (psiquismo) do homem

eacute o desenvolvimento de sua atividade durante a realizaccedilatildeo de uma atividade

nova no sujeito surgem umas ou outras funccedilotildees novas da consciecircncia (por

exemplo quando a crianccedila de idade preescolar realiza a atividade de brincar

nele surgem funccedilotildees psiacutequicas tais como a imaginaccedilatildeo e a substituiccedilatildeo

simboacutelica) A cada periacuteodo evolutivo da vida do homem lhe eacute inerente uma

atividade principal (ou guia) sobre cuja base surgem e se formam as novas

estruturas psicoloacutegicas da idade dada (LEONTIEV 1987 p 10 grifos do autor

traduccedilatildeo nossa)7

A atividade principal eacute a atividade pela qual a crianccedila melhor se relaciona com o mundo

fiacutesico com o mundo dos objetos com que ela organiza e reorganiza os processos de pensamento

de memoacuteria e eacute por ela que a crianccedila promove as mudanccedilas mais significativas nos processos

psiacutequicos e nos traccedilos da sua personalidade

Nessa perspectiva os fazeres propostos para as crianccedilas pela escola tem mais

possibilidades de se estabelecerem como atividades quanto maior for a participaccedilatildeo da crianccedila na

escola e quando o professor criar necessidades humanizadoras ndash necessidade de conhecer de se

expressar de se sentir parte integrante do grupo ndash ao trazer elementos para dar corpo agrave atividade

(MELLO 2005) Nesse processo o professor da infacircncia pode considerar as regularidades do

desenvolvimento infantil e perceber os periacuteodos sensitivos nesse desenvolvimento Vygotski

7 Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV 1987 p 10) La base ontogeneacutetica del desarrollo de la consciencia

(psiquis) del hombre es el desarrollo de su actividad durante la realizacioacuten de una actividad nueva en el sujeto

surgen unas u otras funciones nuevas de la consciencia (por ejemplo cuando el nintildeo de edad preescolar realiza la

actividad de juego en eacutel surgen funciones psiacutequicas tales como la imaginacioacuten y la sustituicioacuten simboacutelica) A cada

periacuteodo evolutivo de la vida del hombre le es inherente una actividad principal (o rectora) sobre cuya base surgen y

se forman las nuevas estructuras psicoloacutegicas de la edad dada

70

(1995) considera que a intervenccedilatildeo do professor sobre o processo de desenvolvimento das

crianccedilas seraacute mais adequada se considerar o momento do desenvolvimento psiacutequico e cultural A

influecircncia da educaccedilatildeo sobre determinada funccedilatildeo psiacutequica seraacute mais efetiva no momento em que

esta funccedilatildeo estiver em desenvolvimento porque este seraacute o momento adequado para influenciar e

potencializar seu desenvolvimento em vez de ser quando uma determinada funccedilatildeo natildeo tem ainda

as bases necessaacuterias para o seu desenvolvimento ou em contrapartida quando uma funccedilatildeo jaacute estaacute

plenamente desenvolvida porque isso implicaria retomar um desenvolvimento jaacute cristalizado

desfazer processos e recuperar desvios (MELLO 2005) Diante do exposto cabe ao professor da

infacircncia considerar as regularidades do desenvolvimento infantil conhecer suas especificidades e

perceber os periacuteodos sensitivos do desenvolvimento Desse modo consideraraacute a forma de

atividade por meio da qual a crianccedila se apropria do mundo nas diferentes etapas do seu

desenvolvimento

Esse pressuposto eacute crucial para o entendimento do processo de ensino e de aprendizagem

desde a Educaccedilatildeo Infantil e assim da apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pela crianccedila pequena

foco desse trabalho Natildeo se trata somente de oferecer grande quantidade de informaccedilotildees porque

isso natildeo garante a apropriaccedilatildeo dessas informaccedilotildees O que se enfatiza satildeo as relaccedilotildees que vatildeo

estabelecer com essas informaccedilotildees e ainda a maneira pela qual estas relaccedilotildees seratildeo mediadas

pelo professor ou por outros

Nesse contexto o processo de ensino e de aprendizagem eacute um diaacutelogo que se estabelece

entre a crianccedila e a cultura Ela natildeo se apropriaraacute da leitura e da escrita somente porque pais e

professores desejam ou porque os professores datildeo tarefas de reproduccedilatildeo repetitiva de grafar as

letras e de oralizaacute-las mas porque poderatildeo se apropriar da leitura e da escrita quando fizerem

sentido para elas quando conviverem com esses atos de forma dialoacutegica e dinacircmica quando o

resultado responde a uma necessidade criada

Nesses processos de ensino aprendizagem e de desenvolvimento entende-se que o sujeito

aprende historicamente num dado contexto cultural dentro das condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo

de que participa (LEONTIEV 1988) e nas relaccedilotildees que estabelece com o outro porque se

constitui nessa relaccedilatildeo Essa afirmaccedilatildeo na perspectiva da Teoria Histoacuterico-Cultural estaacute em

consonacircncia com a concepccedilatildeo bakhtiniana Bakhtin (1992) esclarece que o sujeito se constitui

socialmente por meio de suas interaccedilotildees e de seus diaacutelogos O princiacutepio baacutesico da filosofia

71

bakhtiniana se encontra nessa proposiccedilatildeo ou seja a de o sujeito se constituir na relaccedilatildeo com o

outro

Ao abordar neste trabalho o pressuposto de que as relaccedilotildees com a escrita devem ser

dialoacutegicas e dinacircmicas me apoio na concepccedilatildeo de diaacutelogo para Bakhtin e seu ciacuterculo 8

23 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da liacutengua

A palavra diaacutelogo eacute comumente usada para designar uma determinada forma

composicional em narrativas escritas representando a conversa dos personagens ou ainda para

designar a sequecircncia de fala dos personagens no texto dramaacutetico bem como o desenrolar da

conversaccedilatildeo na interaccedilatildeo face a face (FARACO 2009 p 60) Bakhtin e seu ciacuterculo natildeo assumem

essas posiccedilotildees O diaacutelogo concreto (a conversaccedilatildeo cotidiana a discussatildeo cientiacutefica o debate

poliacutetico entre outros) as relaccedilotildees entre reacuteplicas de tais diaacutelogos satildeo apenas tipos mais simples e

mais visiacuteveis de relaccedilotildees dialoacutegicas mas essas relaccedilotildees natildeo coincidem com as relaccedilotildees entre as

reacuteplicas do diaacutelogo concreto ndash ldquoelas satildeo muito mais amplas mais variadas e mais complexasrdquo

(BAKHTIN 19591960 p 124 apud FARACO 2009 p 61)

As relaccedilotildees dialoacutegicas satildeo relaccedilotildees entre iacutendices sociais de valor que constituem parte

inerente de todo enunciado entendido natildeo mais como unidade da liacutengua mas como unidade da

interaccedilatildeo social ldquonatildeo como um complexo de relaccedilotildees entre palavras mas como um complexo de

relaccedilotildees entre pessoas socialmente organizadasrdquo (FARACO 2009 p 66)

Eacute nesse encontro do eu com o outro que o sujeito se constitui Eacute na relaccedilatildeo do sujeito com

os gecircneros do discurso com o professor com seus pares com a cultura que a crianccedila pequena

inicia esse processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua Eacute na alteridade que o sujeito se reconhece como

tal ldquoque nos potildee diante da inescapaacutevel buscaencontro com o Outro desde o bdquooutro-de-mim‟ ateacute

o Outro que bdquonatildeo sou eu‟ (MIOTELLO 2012 p 12)

O ser se reflete no outro refrata-se A partir do momento que o indiviacuteduo se

constitui ele tambeacutem se altera constantemente E esse processo natildeo surge de

sua proacutepria consciecircncia eacute algo que se consolida socialmente atraveacutes das

8 Segundo Faraco (2009 p 13) por ciacuterculo de Bakhtin entende-se um grupo de intelectuais (boa parte nascida por

volta da metade de 1890) que se reuniu regularmente de 1919 a 1929 primeiro em Nevel e Vitebsk e depois em Satildeo

Petersburgo (agrave eacutepoca rebatizada de Leningrado) Esse grupo era constituiacutedo por pessoas de diversas formaccedilotildees

interesses intelectuais e atuaccedilotildees profissionais que se dedicaram ao estudo de diferentes temas principalmente

relacionados agrave filosofia e agrave linguagem

72

interaccedilotildees das palavras dos signos Constituiacutemo-nos e nos transformamos

sempre atraveacutes do outro Eacute isso tambeacutem que move a liacutengua (GRUPO DE

ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p13 grifos dos

autores)

O trabalho ora apresentado busca compreender esse processo inicial de apropriaccedilatildeo da

leitura e da escrita pelas crianccedilas de cinco e seis anos e coloca-as em contato direto com textos

quer seja em situaccedilotildees de leitura quer seja em situaccedilotildees de escrita e nesse contexto os textos

lidos e re-criados sempre tinham um destinataacuterio real o outro

Esse processo de participaccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita e de apropriaccedilatildeo da liacutengua

materna ocorreu dentro de um trabalho pedagoacutegico intencionalmente planejado com os gecircneros

discursivos Os gecircneros do discurso satildeo ldquotipos relativamente estaacuteveis de enunciadosrdquo que

produzidos nas diferentes esferas de utilizaccedilatildeo da liacutengua organizam o discurso em outras

palavras em cada esfera de atividade social os falantes utilizam a liacutengua de acordo com gecircneros

especiacuteficos (BAKHTIN 2003) Sem eles a comunicaccedilatildeo seria praticamente impossiacutevel pois a

liacutengua soacute pode se manifestar pelo gecircnero Como a variedade da atividade humana eacute cada vez

maior a diversidade dos gecircneros tambeacutem se amplia e se transforma na medida em que essa

atividade se desenvolve e se amplia (BAKHTIN 2003)

Desse modo os gecircneros discursivos satildeo estaacuteveis e mutaacuteveis ao mesmo tempo Satildeo

estaacuteveis porque conservam traccedilos que os identificam e satildeo mutaacuteveis porque estatildeo em constante

transformaccedilatildeo pois se datildeo nas trocas na relaccedilatildeo com o outro e se alteram a cada vez que satildeo

empregados a ponto de haver casos em que um gecircnero se transforma em outro (SOBRAL 2009

p 115)

Haacute alguns aspectos dentro do caraacuteter estaacutevel-dinacircmico dos gecircneros que precisam ser

considerados O gecircnero possui uma loacutegica orgacircnica em outras palavras natildeo haacute algo que venha

de fora se impor a ele mas uma ldquoaccedilatildeo generificante criadora de suas caracteriacutesticas como

gecircnerordquo (SOBRAL 2009 p 117) O gecircnero tem certo ldquotomrdquo certa ldquolinguagemrdquo que natildeo devem

ser confundidos com foacutermulas fixas ainda que alguns gecircneros possam ser ldquoformulaicosrdquo

(SOBRAL 2009 p 117) Aleacutem disso a loacutegica dos gecircneros natildeo eacute abstrata porque se manifesta

em cada variedade nova em cada nova obra e portanto o gecircnero natildeo eacute riacutegido em sua

normatividade mas dinacircmico e concreto ldquoO gecircnero traz o novo (a singularidade a

impermanecircncia) articulado ao mesmo (a generalidade a permanecircncia) porque natildeo eacute uma

73

abstraccedilatildeo normativa mas um vir-a-ser concreto cujas regras supotildeem uma dada regularidade e natildeo

uma fixidezrdquo (SOBRAL 2009 p 117-118)

Essas ideias sobre o conceito de gecircneros do discurso se vinculam ao movimento com uma

percepccedilatildeo global da arquitetocircnica bakhtiniana em que eacute desenvolvivda a compreensatildeo sobre

totalidade-estabilidade em que a relativa estabilidade de um gecircnero estaria relacionada a sua

historicidade passada (memoacuteria do passado) Os enunciados e seus tipos ou seja os gecircneros

discursivos ldquosatildeo o retrato dos usos jaacute feitos anteriormente em vaacuterias atividades humanas e satildeo a

memoacuteria e o acuacutemulo da histoacuteria de suas utilizaccedilotildeesrdquo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS

DO DISCURSO 2009 p 50 grifos dos autores) Disso depreende-se que os enunciados se

constituem gradativamente em tipos e formas mais consistentes para uso em esferas especiacuteficas

com estilos especiacuteficos temas especiacuteficos e assim se compotildeem com formas especiacuteficas Esses

enunciados relativamente estaacuteveis se constituem ainda ldquocomo lugar de emergecircncia dos sentidos

histoacutericos das comunicaccedilotildees existentes em determinados contextos e com determinadas

significaccedilotildeesrdquo e tambeacutem mantecircm vivas aquelas significaccedilotildees jaacute socialmente consolidadas

(GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p 50)

O conceito de gecircnero discursivo dentro da concepccedilatildeo bakhtiniana requer ainda que se

desenvolva a compreensatildeo sobre a singularidade-instabilidade Essa compreensatildeo se vincula agrave

possibilidade de os gecircneros estarem sempre em movimento se atualizarem se modificarem Isso

se deve ao fato de os gecircneros serem criados nas relaccedilotildees sociais e de o sujeito ter sempre uma

atitude responsiva e de esse trabalho responsivo instabilizar o gecircnero a cada vez que determinado

enunciado eacute empregado em determinada atividade humana Afirma-se ainda que

Esse movimento natildeo nega a historicidade do sentido nem o tipo e a forma jaacute

relativamente estabilizada mas a movimenta para novas possibilidades

instaurando novas formas e novos tipos de enunciados relacionando com tipos e

formas que satildeo usualmente empregados em outras atividades humanas esse

movimento relaciona gecircneros joga um dentro de outro obriga enunciados a

frequumlentar novas atividades e significaacute-las e ao mesmo tempo renova o gecircnero

dentro do qual se enuncia Esse trabalho dialoacutegico responsivo centrado na

alteridade estaacute sempre prenhe de perspectivas e buscas por completudes de

sentidos de identidades de relaccedilotildees sociais sempre inconclusas Esse trabalho

responsivo instaura a renovaccedilatildeo do gecircnero veste novos temas sobre

significaccedilotildees histoacutericas dos enunciados e das palavras faz com que o estilo do

gecircnero se conflite com o estilo individual e vice-versa reconfigura sua

composiccedilatildeo formal (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO

DISCURSO 2009 p 51-52)

74

No percurso que vai do dialogismo ao gecircnero haacute uma mesma concepccedilatildeo diferenccedila ndash

semelhanccedila mudanccedila ndash estabilidade estatildeo em constante tensatildeo no aqui e agora e ao longo do

tempo uma vez que para o Ciacuterculo no mundo humano o ldquoabsolutamente novordquo eacute tatildeo

inconcebiacutevel quanto o ldquoabsolutamente mesmordquo O ldquoabsolutamente novordquo pressuporia sujeitos que

conhecessem tudo o que existe para entatildeo criaacute-lo ou identificaacute-lo O ldquoabsolutamente mesmordquo

pressuporia a total imutabilidade do mundo humano a proacutepria indistinccedilatildeo Dessa forma a

articulaccedilatildeo entre repetiacutevel e o irrepetiacutevel a atividade em geral e os atos especiacuteficos dessa

atividade presentes na concepccedilatildeo do ato percorrem todo esse percurso do dialogismo ao gecircnero

(SOBRAL 2009)

Dentro dessa perspectiva cabe lembrar que o gecircnero eacute uma categoria discursiva da ordem

do enunciado Bakhtin (2003 p 268) afirma que

Os enunciados e seus tipos isto eacute os gecircneros discursivos satildeo correias de

transmissatildeo entre a histoacuteria da sociedade e a histoacuteria da linguagem Nenhum

fenocircmeno novo (foneacutetico leacutexico gramatical) pode integrar o sistema da liacutengua

sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentaccedilatildeo e

elaboraccedilatildeo de gecircneros e estilos

Essa afirmaccedilatildeo se encontra em consonacircncia com a tese segundo a qual as crianccedilas se

apropriam da liacutengua escrita por meio dos gecircneros discursivos quando o professor apresenta a elas

os gecircneros de modo a levaacute-las a interagir e a estabelecer relaccedilotildees intensas com eles Essa tese se

fundamenta na premissa de que ldquoo emprego da liacutengua efetua-se em forma de enunciados (orais e

escritos) concretos e uacutenicos proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade

humanardquo (BAKHTIN 2003 p 261) A comunicaccedilatildeo humana soacute eacute possiacutevel porque dominamos os

gecircneros empregados naquela atividade verbal ldquoE quanto mais os dominamos mais livres nos

sentimos no seu uso ndash um uso que eacute tambeacutem renovaccedilatildeo pelos diaacutelogos com outros gecircneros ndash e

nas construccedilotildees de sentidos possiacuteveis que nosso projeto de dizer possibilita no jogo com o outro

que tambeacutem se comunica comigordquo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO

2009 p 52)

Ao considerar esses pressupostos afirma-se que eacute desde a Educaccedilatildeo Infantil que a

apresentaccedilatildeo e o ensino de diferentes gecircneros discursivos podem ocorrer de forma dialoacutegica uma

vez que as crianccedilas satildeo capazes de aprender a ter uma atitude responsiva de refletir refratar ou

refutar aquilo que veem ouvem percebem pensam e essa atitude diante do conhecimento da

75

leitura e da escrita contribuiraacute para que elas se constituam como leitoras e re-criadoras de textos

As crianccedilas na pequena infacircncia satildeo capazes de estabelecer relaccedilotildees com os gecircneros seus

elementos constitutivos para iniciarem o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua de forma interativa

Para maior compreensatildeo dos dados analisados a partir do proacuteximo item deste capiacutetulo vale

ainda esclarecer que para Bakhtin (2003) os gecircneros se dividem em dois grupos gecircneros

primaacuterios e gecircneros secundaacuterios Os gecircneros primaacuterios satildeo considerados mais simples em sua

composiccedilatildeo satildeo mais cotidianos ldquose formam nas condiccedilotildees da comunicaccedilatildeo discursiva

imediatardquo (BAKHTIN 2003 p263) Os gecircneros secundaacuterios satildeo mais complexos mais

elaborados e ldquosurgem nas condiccedilotildees de um conviacutevio cultural mais complexo e relativamente mais

desenvolvido e organizadordquo (BAKHTIN 2003 p 263) e se estabelecem ldquocomo relacionais entre

si numa troca infinita de sentidos e renovando continuamente os gecircnerosrdquo (GRUPO DE

ESTUDOS DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p 52) Os gecircneros discursivos secundaacuterios

em seu processo de formaccedilatildeo incorporam e reelaboram os diversos gecircneros primaacuterios Esses

gecircneros primaacuterios por sua vez integram os complexos ldquoaiacute se transformam e adquirem um

caraacuteter especial perdem o viacutenculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais

alheiosrdquo (BAKHTIN 2003 p 263)

Os gecircneros discursivos possuem trecircs elementos ndash o conteuacutedo temaacutetico o estilo e a

construccedilatildeo composicional Esses trecircs elementos estatildeo indissoluvelmente ligados no todo do

enunciado e satildeo igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da

comunicaccedilatildeo (BAKHTIN 2003) O conteuacutedo temaacutetico ou tema natildeo eacute simplesmente ldquoassuntordquo ou

ldquotoacutepicordquo mas sentido concreto contextual Pode existir um nuacutecleo comum que permanece em

todos os usos mas os contextos as situaccedilotildees de uso o alteram imprimindo a uma determinada

palavra novos sentidos A construccedilatildeo composicional ou forma de composiccedilatildeo ldquovinculada com a

forma arquitetocircnica que eacute determinada pelo projeto enunciativo do locutor natildeo se confunde com

um artefato ou forma riacutegida porque pode se alterar de acordo com as alteraccedilotildees dos projetos

enunciativosrdquo (SOBRAL 2009 p 118) O estilo eacute um aspecto do gecircnero que indica sua

mutabilidade ldquoEle eacute a um soacute tempo expressatildeo da comunicaccedilatildeo discursiva especiacutefica do gecircnero e

expressatildeo pessoal mas natildeo subjetiva do autor ao criar uma nova obra no acircmbito de um gecircnerordquo

(SOBRAL 2009 p 118)

Diante desses pressupostos apresento a anaacutelise dos discursos proferidos por professores e

crianccedilas na tentativa de estabelecer um diaacutelogo entre eles Por meio da anaacutelise dos registros dos

76

discursos das accedilotildees observadas e das atitudes proponho-me a interpretar e a complementar o que

os dados aparentam revelar

24 O que eacute aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil Os conceitos das professoras

Ao se olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita com as

crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil e sobre a sua inserccedilatildeo e participaccedilatildeo na cultura escrita percebe-se

que os conceitos que os professores tem de crianccedila de infacircncia de leitura e de escrita direcionam

as praacuteticas educativas nas escolas e nas instituiccedilotildees dedicadas agrave educaccedilatildeo de zero a seis anos

Tais conceitos orientam o fazer pedagoacutegico dos professores embora nem sempre os professores

estejam cientes disso Esse fato revela uma ampliaccedilatildeo na garantia de se promover situaccedilotildees de

aprendizagem mais adequadas e necessaacuterias ou do contraacuterio uma limitaccedilatildeo nessas possibilidades

quando essas praacuteticas ficam enraizadas em conceitos que determinam uma educaccedilatildeo destituiacuteda da

intencionalidade que criaria o interesse de aprender

A seguir apresento alguns registros desses conceitos Como exposto no capiacutetulo I as

entrevistas foram com professoras dos sujeitos da pesquisa nos quatro anos anteriores da turma

de Infantil II de 2010 Seratildeo designadas da seguinte forma PB (Professora do Berccedilaacuterio) PM I

(Professora do Maternal I) PM II (Professora do Maternal II) PI I (Professora do Infantil I) A

pesquisadora seraacute designada somente pela letra P

Ao serem questionadas sobre em qual momento julgam mais adequado iniciar o processo

de ensino de aprendizagem da leitura e da escrita com as crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil assim se

manifestam

PB

P PB em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera que seja mais

importante ou mais adequado na verdade para iniciar o ensino ou aprendizagem

da leitura e da escrita E por quecirc

PB seria no processo ou no comeccedilo

P na Educaccedilatildeo Infantil em que momento vocecirc acha que

PB momento com que idade vocecirc quer falar

P eacute ou idade ou que turma poderia acontecer de uma forma

PB somente no Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor

para trabalhar isso que eles jaacute estavam bem maduros neacute

P eles jaacute tinham seis anos

PB tinha seis anos

77

P eles completavam com a gente (refere-se agraves crianccedilas que completavam seis

anos ainda Educaccedilatildeo Infantil)

PB entatildeo vocecirc ia passando uma coisa vocecirc via a resposta neacute agora cinco anos

tem crianccedila que natildeo estaacute maduro psicologicamente neacute elas precisam de algum

tempinho a mais entatildeo eu acho que aiacute tem um pouquinho neacute demora um

pouquinho mais natildeo concordo muito natildeo eu acho que com seis anos que

deve comeccedilar a gente pode comeccedilar antes elas conhecem as letras mas natildeo

eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute mas mais

mesmo eacute com seis anos

PB eacute professora haacute treze anos e sua experiecircncia docente sempre foi na Educaccedilatildeo Infantil

Alguns dados revelam que para PB o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita satildeo mais

adequados a partir do Infantil II (crianccedilas de 5 anos) ou do antigo Preacute III (crianccedilas de seis anos)

Dessa forma PB parece entender que o ensino e a aprendizagem soacute eacute possiacutevel de serem iniciados

a partir dessas turmas nessas idades ou seja que o trabalho pedagoacutegico com a leitura e a escrita

se faz mais eficaz quando a crianccedila tem essas idades Isso se verifica quando diz ldquo somente no

Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor para trabalhar isso que eles

estavam mais maduros neacuterdquo Essa fala denota restriccedilatildeo da possibilidade do trabalho pedagoacutegico

com a leitura e a escrita nos primeiros anos da crianccedila pequena na escola ainda que esse trabalho

seja orientado de forma a respeitar as regularidades do desenvolvimento infantil e seus interesses

especiacuteficos Pode ainda limitar por meio das situaccedilotildees educativas propostas a possibilidade de

colocar a crianccedila em contato com a cultura escrita de forma ativa e de criar nela a necessidade de

ler e de escrever

A ideia de estar ldquomais madurosrdquo traz em seu bojo a compreensatildeo de que a crianccedila precisa

estar ldquoprontardquo para aprender e remete ao princiacutepio de que existe a necessidade de maturaccedilatildeo de

estar biologicamente preparada para essas aquisiccedilotildees PB reitera o conceito de que a crianccedila tem

que estar madura para aprender quando revela ldquo agora cinco ou seis anos tem crianccedila que natildeo

estaacute madura neacute elas precisam de um tempinho a maisrdquo e ainda completa ldquoeu acho que com

seis anos que deve comeccedilarrdquo

Essas ideias natildeo se coadunam com os pressupostos teoacutericos defendidos nesse trabalho de

acordo com a Teoria Histoacuterico-Cultural preconizada por Vygotski e seus colaboradores Sobre

isso Vygotski esclarece que

A tarefa que se coloca hoje para a psicologia eacute a de captar a peculiaridade real da

crianccedila em toda sua plenitude e riqueza de expansatildeo e apresentar o positivo de

78

sua personalidade Entretanto o positivo soacute aparece se modificarmos

radicalmente a concepccedilatildeo de desenvolvimento infantil e se compreendermos que

se trata de um complexo dialeacutetico que se caracteriza por uma complicada

periodicidade pela desproporccedilatildeo no desenvolvimento das diferentes funccedilotildees

pelas metamorfoses ou transformaccedilatildeo qualitativa de umas formas em outras um

entrelaccedilamento complexo de processos evolutivos e involutivos o complexo

entrecruzamento de fatores externos e internos um complexo processo de

superaccedilatildeo de dificuldade e de adaptaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 141 traduccedilatildeo

nossa)9

Disso decorre o conceito de que desenvolvimento infantil apresentado por PB natildeo estaacute em

concordacircncia com a concepccedilatildeo de desenvolvimento que fundamenta este trabalho Para PB o

desenvolvimento infantil e por conseguinte a aprendizagem satildeo biologicamente determinados

O desenvolvimento prepara as condiccedilotildees para a aprendizagem e nesse caso a crianccedila primeiro se

desenvolve para poder depois aprender em desenvolvimento natural

A Teoria Histoacuterico-Cultural daacute lugar agrave concepccedilatildeo da materialidade dos processos

psiacutequicos Natildeo haacute a biologizaccedilatildeo desses processos mas a materialidade deles O

desenvolvimento eacute condicionado pelas condiccedilotildees concretas de vida e educaccedilatildeo e assim o

desenvolvimento decorre de processos de aprendizagem

As ideias da professora do Maternal I (PM I) e da professora do Maternal II (PM II) no

que se refere aos conceitos sobre desenvolvimento infantil de ensino e de aprendizagem e de

crianccedila compactuam com as ideias da professora do Berccedilaacuterio (PB)

PM I

P PM I em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita e por quecirc

PM I olha eu acho assim como eu trabalho sempre com crianccedilas pequenas

com faixa etaacuteria menor assim vocecirc fala assim Eacute ESSE O MOMENTO

P certo

PM I vocecirc vai mantendo a crianccedila em contato com a escrita com a leitura

vocecirc vai oferecendo materiais faz uma releitura (refere-se ao fato de

reconstruir a histoacuteria oralmente) vocecirc trabalha com eles a oralidade e a crianccedila

9 Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 141) La tarea que se plantea hoy diacutea a la psicologiacutea es la de captar la

peculiaridad real de la conducta del nintildeo en toda su plenitud y riqueza de expansioacuten y presentar el positivo de su

personalidad Sin embargo el positivo puede hacerse tan soacutelo en el caso de que se modifique de raiacutez la concepcioacuten

sobre el desarrollo infantil y se comprenda que se trata de un complejo proceso dialeacutectico que se distingue por una

complicada periodicidad la desproporcioacuten en el desarrollo de las diversas funciones las metamorfosis o

transformacioacuten cualitativa de unas en otras un entrelazamiento complejo de procesos evolutivos e involutivos el

complejo cruce de factores externos e internos un complejo proceso de superacioacuten de dificultades y de adaptacioacuten

79

vai aos poucos despertando o interesse e tem tambeacutem cada um tem o seu

momento neacute tem crianccedila que estaacute mais aleacutem tem crianccedila que tem o momento

dela que vai despertar cada um tem o seu momento-chave eacute agora

PM II

P em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita

PM II ah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo

mais prontas jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute

reconhecem mais raacutepido jaacute entendem melhor o que a gente ensina se bem

que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar antes no maternal mas no Infantil

II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra ao som

conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou

mostrando trabalho muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu

vou oferecendo mais vou puxando sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro

demais pra elas

Inicialmente PM I declara que o trabalho pedagoacutegico de inserir a crianccedila na cultura escrita

acontece mesmo com as crianccedilas pequeninas quando estatildeo no Maternal I que eacute a turma em que

geralmente trabalha Isto se verifica quando enfatiza ao responder que o momento de se iniciar o

ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo Infantil eacute o momento em que se estaacute

ldquoEacute ESSE O MOMENTOrdquo Admite que manteacutem a crianccedila em contato com a escrita ao oferecer

materiais ao reconstruir oralmente uma histoacuteria ao conversar sobre essa histoacuteria No entanto

conclui que cada crianccedila tem seu momento em que ela vai ldquodespertarrdquo cada crianccedila tem o seu

ldquomomento-chaverdquo

A anaacutelise desses dados sugere em contrapartida que PM I descarta as vivecircncias da crianccedila

as situaccedilotildees de leitura e de escrita intencionalmente planejadas pelo professor bem como as

mediaccedilotildees que ocorrem nesse processo como fatores que interferem decisivamente nas

aprendizagens Dessa forma para PM I as condiccedilotildees bioloacutegicas determinam o desenvolvimento

e a aprendizagem

PM II declara que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita deve ser iniciado nos

uacuteltimos anos da Educaccedilatildeo Infantil pelo fato de as crianccedilas estarem ldquomais prontasrdquo ldquojaacute entendem

melhor o que a gente ensinardquo PM II tambeacutem revela indiacutecios de como realiza seu trabalho com a

leitura e com a escrita Apoia-se em letras palavras e na relaccedilatildeo letra-som grafema e fonema ldquo

jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepidordquo E continua

mas no Infantil II para as crianccedilas fica mais faacutecil elas jaacute relacionam a letra ao som conseguem

80

perceber issordquo Essa fala remete ao conceito de leitura e de escrita como codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos e revela um conceito redutor do processo de apropriaccedilatildeo da

liacutengua

O problema natildeo reside no fato de as crianccedilas se alfabetizarem ainda na Educaccedilatildeo Infantil

mas na forma como isso eacute conduzido de forma fragmentada em que a teacutecnica se sobrepotildee agrave

criaccedilatildeo de sentidos e ao desejo de expressatildeo Parece ser justo que as crianccedilas sejam alfabetizadas

dentro de propostas pedagoacutegicas consistentes e organizadas mas eacute preciso ter clareza de que

alfabetizar natildeo eacute aprender o domiacutenio de uma teacutecnica mas ao contraacuterio eacute pocircr o sujeito no mundo

da escrita de modo que ele possa transitar pelos discursos ter condiccedilotildees de operar criticamente

com os modos de pensar e co-criar a cultura escrita (BRITTO 2005)

Ao analisar esses dados de acordo com a perspectiva teoacuterica baseada na Teoria Histoacuterico-

Cultural ressalta-se que o sujeito eacute um ser social porque todas as suas produccedilotildees humanas que se

encontram fora das pessoas e que constituem o requisito fundamental para a humanizaccedilatildeo das

novas geraccedilotildees satildeo produtos da vida social Em outras palavras ldquoo que caracteriza a atividade

humana enquanto uma atividade social natildeo eacute o fato do indiviacuteduo agir de forma imediatamente

coletiva mas sim o fato de que os elementos constitutivos da atividade satildeo objetivaccedilotildees sociaisrdquo

(DUARTE1993 p77)

Vygotsky introduziu na Psicologia a ideia de que o principal mecanismo do

desenvolvimento psiacutequico na crianccedila eacute o mecanismo da apropriaccedilatildeo das diferentes espeacutecies e

formas sociais de actividade historicamente constituiacuteda (LEONTIEV 1978 p 155) e essa

categoria se contrapotildee ao conceito de adaptaccedilatildeo e equilibraccedilatildeo para explicar o desenvolvimento

do psiquismo Para Leontiev (1978 p 320)

[] A apropriaccedilatildeo eacute um processo que tem por resultado a reproduccedilatildeo pelo

indiviacuteduo de caracteres faculdades e modos de comportamento humanos

formados historicamente Por outros termos eacute o processo graccedilas ao qual se

produz na crianccedila o que no animal eacute devido agrave hereditariedade a transmissatildeo ao

indiviacuteduo das aquisiccedilotildees do desenvolvimento da espeacutecie

Isto posto o conceito de desenvolvimento apresentado pelas professoras entrevistadas se

distancia dos pressupostos que fundamentam essa pesquisa O desenvolvimento humano e a

aprendizagem natildeo satildeo determinados pela heranccedila bioloacutegica simplesmente embora as

caracteriacutesticas bioloacutegicas hereditaacuterias da crianccedila sejam apenas a condiccedilatildeo necessaacuteria da formaccedilatildeo

81

das faculdades e funccedilotildees (LEONTIEV 1987 p 320) A anaacutelise das falas das professoras denota

ainda o conceito que possuem de crianccedila um ser passivo e incapaz quando exprimem a ideia de

que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita satildeo mais adequados quando a crianccedila estaacute

mais madura supostamente mais apta para compreender e aprender capaz de estabelecer

relaccedilotildees

A concepccedilatildeo de crianccedila defendida neste trabalho eacute a de crianccedila como ser capaz

competente ativo e sujeito de suas aprendizagens (VYGOTSKI 1995 MELLO 1997) A

crianccedila eacute desde pequena capaz de se relacionar com as pessoas com os objetos com o mundo a

sua volta

[] crianccedila como algueacutem que experimenta o mundo que se sente uma parte do

mundo desde o momento do nascimento uma crianccedila que estaacute cheia de

curiosidade cheia de desejo de viver uma crianccedila que tem muito desejo e

grande capacidade de se comunicar desde o iniacutecio da vida uma crianccedila que eacute

capaz de criar mapas para sua proacutepria orientaccedilatildeo simboacutelica afetiva cognitiva

social e pessoal Por causa de tudo isso uma crianccedila pequena pode reagir com

um competente sistema de habilidades estrateacutegias de aprendizagem e formas de

organizar seus relacionamentos (RINALDI 2002 p 76 ndash 77)

Ao se considerar as contribuiccedilotildees de Vygotskii e de estudiosos da teoria ressalta o

princiacutepio de que a apropriaccedilatildeo da escrita implica modificaccedilotildees profundas nos processos

psiacutequicos A forma como a escrita eacute apresentada desde cedo as vivecircncias com e na cultura escrita

e a relaccedilotildees que a crianccedila vai estabelecer com essa cultura satildeo cruciais nesse processo e natildeo se

devem somente ao fato de ela estar biologicamente preparada Quanto a isso Vygotskii esclarece

que

Aprender a usar uma maacutequina de escrever significa na realidade estabelecer um

certo nuacutemero de haacutebitos que por si soacutes natildeo alteram absolutamente as

caracteriacutesticas psicointelectuais do homem Uma aprendizagem deste gecircnero

aproveita um desenvolvimento jaacute elaborado e completo e justamente por isso

contribui muito pouco para o desenvolvimento geral

O processo de aprender a escrever eacute muito diferente Algumas pesquisas

demonstraram que este processo ativa uma fase de desenvolvimento dos

processos psicointelectuais inteiramente nova e muito complexa e que o

aparecimento desses processos origina uma mudanccedila radical das caracteriacutesticas

gerais psicointelectuais da crianccedila da mesma forma aprender a falar marca

uma etapa fundamental na passagem da infacircncia para a pueriacutecia (VYGOTSKII

1988 p 116)

82

A aprendizagem da escrita provoca um salto qualitativo no desenvolvimento da

inteligecircncia de quem aprende a ler e a escrever uma vez que essa aprendizagem amplia e

desenvolve os mecanismos cerebrais usados para pensar porque a escrita eacute um instrumento

cultural complexo

PB aparenta revelar que a inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita por meio de um trabalho

pedagoacutegico pode comeccedilar antes que tenha cinco ou seis anos como se verifica nessa fala ldquo a

gente (refere-se aos professores) pode comeccedilar antes elas conhecem as letras mas natildeo eacute uma

coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute Mas mais mesmo eacute com seis

anosrdquo Se por um lado essas falas de PB aparentam reconhecer que a Educaccedilatildeo Infantil natildeo eacute

responsaacutevel por alfabetizar quando afirma que ldquonatildeo eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa naturalrdquo

por outro lado essa espontaneidade e naturalidade natildeo podem implicar uma visatildeo simplista de

deixar que a crianccedila aprenda sozinha no tempo em que estiver com maturidade suficiente para tal

A crianccedila na escola da infacircncia tem necessidade de viver experiecircncias que contribuam para que

estabeleccedila relaccedilotildees positivas com o conhecimento e crie para si novas necessidades inclusive a

de ler e de escrever (MELLO 2005)

A professora do Infantil I (PI I) tambeacutem eacute professora do Ensino Fundamental do 1ordm ao 5ordm

ano haacute vinte e dois anos e meio (no periacuteodo da manhatilde) e possui cinco anos e meio de experiecircncia

docente na Educaccedilatildeo Infantil (no periacuteodo da tarde) Das professoras participantes esta eacute a uacutenica

que possui experiecircncia em outro segmento da educaccedilatildeo no Ensino Fundamental

PI I

P que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o

ensino da aprendizagem da leitura e da escrita

PI I que momento

P Eacute

PI I eu acho jaacute no Infantil I daacute porque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as

muacutesicas e eles jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves

vezes eu falo pra eles onde estaacute escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala

que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o siacutembolo da palavra jaacute percebe

pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a palavra antes de eu

mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra entatildeo eu

acho que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem

letras iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute

daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute quando eles vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu

vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com o dedinho cantando e vai assim o dedinho

(faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em linha reta da esquerda para

a direita como a indicar leitura) entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute

83

comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo

tendo contato com a escrita neacute

P certo

PI I eu acho que tudo jaacute comeccedila a aprendizagem dali neacute minha sobrinha tem

um ano e meio e coloco-a no computador jaacute a coloco na letrinha como ela

adora BARBIE (nome de uma boneca) o site da BARBIE ela procura qual

eacute o B no teclado e comeccedilo perguntando qual eacute o B qual que eacute o B ela faz

assim com o dedo (faz o gesto indicando que a crianccedila passa o dedo sobre cada

letra no teclado do computador) procura e aperta o B entatildeo acho que natildeo tem

uma idade definida mas eu acho que o trabalho em si seria no Infantil II mas

pode comeccedilar firme no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na muacutesica

eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil neacute

PI I aparenta revelar uma proximidade de conceito de desenvolvimento infantil com as

demais professoras entrevistadas ao concordar com o fato de a crianccedila de cinco e seis anos estar

mais preparada para iniciar o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita

Contudo tal ensino parece se dar por meio do ensino de letras e palavras Isso se verifica quando

afirma ldquoporque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as muacutesicas e eles jaacute estatildeo procurando as

letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles onde estaacute escrito o pintinho jaacute

tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o siacutembolo da palavrardquo

O discurso apresentado por PI I sugere ainda que nesse trabalho de ensino de letras e

palavras haacute o ensino da relaccedilatildeo letrandashsom a identificaccedilatildeo de palavras por meio de ldquopistasrdquo como

o proacuteprio tamanho das palavras e dos espaccedilos correspondentes a elas num texto lacunado ou seja

o texto (muacutesica) possui espaccedilos para que sejam escritas as palavras que faltam no original

memorizado pelas crianccedilas Esses espaccedilos ndash lacunas ndash tecircm o mesmo tamanho da palavra para que

a crianccedila encontre com maior facilidade qual palavra deveraacute ser escrita em cada respectivo

espaccedilo Assim como PI I explica ldquojaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que

cabe a palavra antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra

entatildeo eu acho que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras

iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute

quando eles vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com

o dedinho cantando e vai assim o dedinho (faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em

linha reta da esquerda para a direita como a indicar leitura)rdquo

PI I aborda o uso de livros de alfabetizaccedilatildeo desde o Maternal I e Maternal II e aponta que

o uso desses materiais eacute uma forma de colocar as crianccedilas em contato com a escrita Cabe

lembrar que a unidade em que foi realizada a entrevista natildeo adota livros didaacuteticos ou apostilas

84

No entanto a professora faz uso desses materiais na elaboraccedilatildeo dos conteuacutedos em seu trabalho

pedagoacutegico

Segundo Arena (1992) a concepccedilatildeo de linguagem interfere na escolha dos materiais e

estrateacutegias utilizadas no ensino por essa razatildeo eacute necessaacuterio estabelecer uma coerecircncia entre a

concepccedilatildeo de linguagem de educaccedilatildeo e de crianccedila uma vez que as accedilotildees atitudes e concepccedilotildees

do professor refletem-se na qualidade de intervenccedilatildeo (mediaccedilatildeo) nesse processo Sendo assim

Arena (1992 p 75 ndash 76) afirma que

Eacute possiacutevel colocar para a crianccedila o signo linguiacutestico e a enunciaccedilatildeo linguiacutestica

plenos de significaccedilatildeo contextualizados e marcados pela vivecircncia Essa

aproximaccedilatildeo pode restituir ao ensino e agrave aprendizagem da liacutengua a proacutepria

liacutengua antes destruiacuteda fragmentada e reduzida agrave sinalidade pelos ldquotextosrdquo das

cartilhas (ARENA 1992 p 80 ndash 81)

PI I continua a esclarecer que natildeo haacute uma idade determinada para que o ensino da leitura e

da escrita seja iniciado no entanto exemplifica sua opiniatildeo com a situaccedilatildeo de sua sobrinha de

um ano e meio A ela ensina a procurar a letra inicial do nome da personagem da boneca Barbie

no teclado do computador quando visita o site Mas reafirma que o ensino sistemaacutetico da escrita

e da leitura deve ocorrer mesmo a partir do Infantil II ldquomas eu acho que o trabalho em si seria

no Infantil II mas pode comeccedilar firme no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na

muacutesica eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil neacuterdquo

Esses discursos proferidos pelas professoras tambeacutem revelam o conceito de ensino da

liacutengua e de linguagem que subsidiam as suas praacuteticas na Educaccedilatildeo Infantil Reportam-se sempre

ao ensino de letras e palavras mas natildeo tratam em seu trabalho pedagoacutegico no que se refere ao

ensino da liacutengua propriamente da sua utilizaccedilatildeo da leitura e da re-criaccedilatildeo de textos Sobre isso

ao recorrer agraves contribuiccedilotildees de Vygotski (1995) e Bakhtin (1992) depreende-se que ldquoo fato de se

acreditar que primeiro eacute preciso que as crianccedilas aprendam a sinalidade da linguagem para

somente apoacutes essa etapa aprender a trataacute-la como signo eacute apenas incorrer contra a proacutepria

linguagem mas com a proacutepria loacutegica dos leitores aprendizesrdquo (CRUVINEL 2010 p 129)

Para Bakhtin (1992) a liacutengua eacute viva dinacircmica e se transforma constantemente por causa

de sua historicidade do uso cotidiano e portanto natildeo pode ser separada do fluxo da

comunicaccedilatildeo verbal A liacutengua em sua totalidade concreta viva em seu uso real tem a

propriedade de ser dialoacutegica Desse modo a linguagem eacute fruto da interaccedilatildeo verbal entre os

85

sujeitos em outras palavras a relaccedilatildeo entre os interlocutores funda a linguagem nas trocas e na

atitude responsiva do outro

A teoria da enunciaccedilatildeo de Bakhtin ressalta a produccedilatildeo da linguagem na perspectiva da

enunciaccedilatildeo e a natureza social da situaccedilatildeo de produccedilatildeo de discursos ldquoNesse lugar os feixes de

sentidos constroem-se dialogam e disputam espaccedilo instaurando-se como signos ideoloacutegicosrdquo

(GOULART 2006) O outro eacute parte constitutiva da situaccedilatildeo social de enunciaccedilatildeo e atua de forma

que o sujeito tambeacutem seja parte constitutiva dessa organizaccedilatildeo Nessa perspectiva o diaacutelogo eacute

condiccedilatildeo fundamental para que se conceba a linguagem Bakhtin concebe o dialogismo como o

princiacutepio constitutivo da linguagem e a condiccedilatildeo do sentido do discurso (BARROS 2003 p 2)

Independentemente de sua dimensatildeo todos os enunciados no processo de comunicaccedilatildeo

satildeo dialoacutegicos Existe neles uma dialogizaccedilatildeo interna da palavra que eacute perpassada sempre pela

palavra do outro e eacute sempre e inevitavelmente tambeacutem a palavra do outro Para constituir um

discurso o enunciador considera o discurso de outrem que estaacute presente no seu proacuteprio Por isso

todo discurso eacute ocupado atravessado pelo discurso alheio O dialogismo eacute caracterizado pelas

relaccedilotildees de sentido que se estabelecem entre dois enunciados (FIORIN 2006 p 19) A realidade

eacute sempre mediada pela linguagem ou seja o real se apresenta pra noacutes sempre semioticamente

linguisticamente Com relaccedilatildeo a isso

Um objeto qualquer do mundo interior ou exterior mostra-se sempre perpassado

por ideias gerais por pontos de vista por apreciaccedilotildees dos outros daacute-se a

conhecer para noacutes desacreditado contestado avaliado exaltado categorizado

iluminado pelo discurso alheio Natildeo haacute nenhum objeto que natildeo apareccedila cercado

envolto embebido em discursos Por isso todo discurso que fale de qualquer

objeto natildeo estaacute voltado para a realidade em si mas para os discursos que a

circundam Por conseguinte toda palavra dialoga com outras palavras

constituindo-se a partir de outras palavras estaacute rodeada de outras palavras

(FIORIN 2006 p 20)

Essas afirmaccedilotildees esclarecem que na teoria bakhtiniana natildeo satildeo as unidades da liacutengua que

satildeo dialoacutegicas mas os enunciados ldquoAs unidades da liacutengua satildeo os sons as palavras e as oraccedilotildees

enquanto os enunciados satildeo as unidades reais da comunicaccedilatildeordquo (FIORIN 2006 p 20) As

unidades da liacutengua satildeo repetiacuteveis satildeo fechadas e acabadas em si mesmas os enunciados satildeo

irrepetiacuteveis satildeo acontecimentos uacutenicos que a cada vez possui um acento uma apreciaccedilatildeo uma

entonaccedilatildeo proacuteprios

86

O que diferencia um enunciado de uma unidade da liacutengua eacute que o enunciado eacute a reacuteplica de

um diaacutelogo porque cada vez que se produz um enunciado o que ocorre eacute a participaccedilatildeo de um

diaacutelogo com outros discursos e o que delimita a sua dimensatildeo eacute a alternacircncia dos sujeitos O

enunciado natildeo existe fora das relaccedilotildees dialoacutegicas ldquoNele estatildeo sempre presentes ecos e

lembranccedilas de outros enunciados com que ele conta que refuta confirma completa pressupotildee e

assim por diante Um enunciado ocupa sempre uma posiccedilatildeo numa esfera de comunicaccedilatildeo de um

dado problemardquo (FIORIN 2006 p 21)

Ao considerar neste trabalho essa premissa como fundamental para se pensar o ensino da

liacutengua materna natildeo se admite o ensino da leitura e da escrita engessado em letras siacutelabas e

palavras como supostamente apresentado pelas professoras entrevistadas A escrita eacute um

instrumento cultural usado para comunicar para informar e se informar para se lembrar de algo

importante para expressar sentimentos pensamentos accedilotildees desejos e portanto seu ensino e sua

aprendizagem implicam saber o porquecirc e o para quecirc se escreve implicam perceber desde o iniacutecio

que sua apropriaccedilatildeo eacute uma forma de humanizaccedilatildeo

Ao compreender que o ensino da liacutengua se daacute por meio de enunciados de gecircneros de

situaccedilotildees dialoacutegicas entende-se que o ensino da leitura e da escrita desde a Educaccedilatildeo Infantil

pode ocorrer de forma a provocar as crianccedilas a pensar sobre a escrita a estabelecer relaccedilotildees

intensas com ela a dialogar em situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo em outras palavras em situaccedilotildees

uacutenicas de comunicaccedilatildeo em que a existecircncia do outro eacute uma condiccedilatildeo

Bakhtin natildeo nega a existecircncia da liacutengua como sistema e natildeo condena seu estudo Ao

contraacuterio considera-o necessaacuterio para entender as unidades de formaccedilatildeo da liacutengua Contudo

mostra que a fonologia a morfologia ou a sintaxe natildeo explicam o seu funcionamento real

(FIORIN 2006)

Ressalta-se que

A liacutengua enquanto produto desta histoacuteria e enquanto condiccedilatildeo de produccedilatildeo da

histoacuteria presente vem marcada pelos seus usos e pelos espaccedilos sociais destes

usos neste sentido a liacutengua nunca pode ser estudada ou ensinada como um

produto acabado fechado em si mesmo de um lado porque sua ldquoapreensatildeordquo

demanda aprender no seu interior as marcas de sua exterioridade constitutiva (e

por isso se internaliza) de outro lado porque o produto histoacuterico ndash resultante do

trabalho discursivo passado ndash eacute hoje condiccedilatildeo de produccedilatildeo do presente que

tambeacutem fazendo histoacuteria participa da construccedilatildeo deste mesmo produto sempre

inacabado sempre em construccedilatildeo (GERALDI 1996 p 28)

87

Compreender a liacutengua como algo vivo em movimento que se daacute nas relaccedilotildees sociais na

interaccedilatildeo com o outro a liacutengua como produto da histoacuteria e da cultura humana que se renova e se

reconstroacutei requer pensar que o seu ensino deve considerar essa historicidade essa dinamicidade

A crianccedila desde pequena pode aprender a liacutengua escrita em seu funcionamento vivenciar

situaccedilotildees de uso em que seja criada a necessidade de iniciar esse processo de inserccedilatildeo e de

participaccedilatildeo na cultura escrita A crianccedila desde pequena pode conviver com os textos reais que

condizem com seus interesses com sua curiosidade que criam cada vez mais a necessidade de

aprender o que descarta a possibilidade do uso de textos descontextualizados elaborados com a

finalidade de ensinar a crianccedila a ler e a escrever em que a repeticcedilatildeo de letras siacutelabas e palavras eacute

privilegiada

Outro aspecto abordado nas entrevistas foi o de entender como as professoras percebem

que as crianccedilas jaacute sabem ler e escrever e quais as manifestaccedilotildees das crianccedilas denotam isso

PB

P como que vocecirc chega agrave conclusatildeo que uma crianccedila sabe ler e escrever quais

satildeo as manifestaccedilotildees que essa crianccedila apresenta que vocecirc fala nossa estaacute

lendo e escrevendo o que vocecirc observa que te garante que aquela crianccedila jaacute

aprendeu a ler e a escrever

PB lendo alguma coisa mas geralmente crianccedila dessa idade comeccedila a ler

coisas que estatildeo em placas mostrando eacute cartazes sabe Eles passam e

comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute escrito natildeo sei o que olha laacute

estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute e escrevendo

uma hora eles vatildeo escrever mesmo ou uma muacutesica ou uma coisa ateacute mesmo na

areia agraves vezes eles escrevem geralmente os maiores neacute eacute o nome

principalmente o nomeconsegue neacute

P comeccedila por aiacute

PB eacute mas daiacute natildeo seria leitura e nem escrita tambeacutem seria somente do

nome mas eacute mais pra frente que eles fazem neacute

P ta normalmente comeccedila escrever coisas assim produzir um texto maior

que olha

PB que jaacute deu neacute que ele consiga ler e entender entatildeo vocecirc pode perguntar

que ele natildeo vai te responder

PM I

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta

que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe ler e escrever

PM I quando ela domina eu acho que a crianccedila comeccedila a despertar o interesse

para tudo que ela vecirc olha taacute escrito ta olha eu jaacute sei escrever tal palavra

88

quando ela comeccedila ter o interesse a dar razatildeo aquilo que taacute escrito neacute porque

chega o momento que a crianccedila desperta o divisoacuterio o concreto as figuras

uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair essa ideia ela

comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aquijaacute sei ler issojaacute sei

fazer isso

P E com a escrita

PM I com a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou

escrever o meu nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu

nome vocecirc fala jaacute estaacute despertando e vai com a maturidade ela vai

deslanchando

P e quando vocecirc percebe que ela jaacute sabe ler mesmo que ela jaacute aprendeu de

que forma essa crianccedila se manifesta e vocecirc fala que jaacute sabe ler e escrever

PM I pela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir

ajuda quando ela tem aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute

(risos) (refere-se agrave crianccedila que jaacute consegue ler e escrever)

PM II

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta

que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe ler e escrever

PM II ah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal

coisasabe ela comeccedila ler as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua

essas coisas a crianccedila chega num momento que ela desperta mesmo e ela

comeccedila a ler e a escrever

P mas como vocecirc percebe isso Quais as manifestaccedilotildees dela Vocecirc observa

outros indiacutecios

PM II a crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer

isso o tempo todo isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante

porque jaacute consegue fazer isso e agraves vezes as outras ainda natildeo

Os discursos aparentam revelar que as professoras percebem que as crianccedilas jaacute sabem ler

e escrever quando elas falam que jaacute sabem ou que dizem que vatildeo fazecirc-lo As crianccedilas se

objetivam mais claramente para as professoras por meio de suas proacuteprias falas como ressalta PB

ldquoEles passam e comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute escrito natildeo sei o que olha laacute

estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute e escrevendordquo PM I tambeacutem

concorda ldquocom a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou escrever o meu

nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu nome e vocecirc fala jaacute estaacute

despertando e vai com a maturidade ela vai deslanchando Essa mesma forma de objetivar eacute

declarada por PM II ldquoah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal coisasabe

ela comeccedila ler as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua essas coisas a crianccedila chega

num momento que ela desperta mesmo e ela comeccedila a ler e a escreverrdquo

89

No entanto PB acrescenta que a crianccedila escreve mesmo na areia ndash no tanque de areia ndash

quando se encontra numa situaccedilatildeo de brincadeira e escreve seu nome Embora afirme que a

aprendizagem da leitura e da escrita comece com a escrita do nome ressalta que somente esse

fato natildeo prova que seja leitura e escrita propriamente e que a crianccedila faraacute isso ldquomais pra frenterdquo

Essa fala de PB parece demonstrar que mesmo quando a crianccedila lecirc e entende que estaacute escrito seu

proacuteprio nome natildeo se trata de leitura e de escrita para a professora

PB PM I PM II datildeo indiacutecios de que a crianccedila sabe ler e escrever quando eacute capaz de fazer

essas accedilotildees sem pedir ajuda ou seja sozinha As professoras parecem atribuir essa apropriaccedilatildeo agrave

autonomia que a crianccedila tem para realizar essas accedilotildees no entanto natildeo se referem em suas falas

como a crianccedila consegue ter essa autonomia e quais os fatores que as levam a conseguirem fazer

isso como quando PM I diz ldquopela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir

ajuda quando ela tem aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute (risos) (refere-se a

crianccedila que jaacute consegue ler e escrever)rdquo Isso tambeacutem pode se verificar na fala de PI I a seguir

PI I

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e

escrever como que vocecirc percebe que uma crianccedila jaacute se apropriou disso

PI I quando ela sozinha consegue ler e entender o que ela estaacute lendo quando

ela consegue escrever histoacuterias criar e conseguir o que ela escreveu

P certo eacute que eu iria perguntar que manifestaccedilatildeo dela com a leitura que te leva

a concluir que ela aprendeu a ler por exemplo

PI I eacute porque agraves vezes a crianccedila decodifica vocecirc pergunta o que vocecirc leu e

natildeo consegue explicarentatildeo eu acho que quando ela aprender mesmo eacute quando

ela entendeu o que ela leu neacute porque na verdade a leitura se vocecirc entender

como uma decodificaccedilatildeo aqui estaacute escrito BOLA e ela lecirc BOLA ela sabe

decodificar mas natildeo prestou atenccedilatildeo no que estaacute lendo entatildeo eu considero

que ela tem que entender o que estaacute lendo tambeacutem por exemplotem que ser

um complemento neacute a escrita tambeacutem tem que saber passar sabe escrever e

entender o que ela quis passar pra mim neacute outra pessoa lecirc que tenha

coerecircncia uma coisa eacute entender pode ter erros de ortografia e tudo mas isso

eacute normal neacute

P ainda mais que isso eacute normal

PI I Isso eacute tem bastante erro mas daacute pra entender o que a crianccedila quis

passar neacute

As professoras aparentam admitir que a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita confere agrave

crianccedila um status diferente uma condiccedilatildeo vantajosa e necessaacuteria para se tornar parte integrante

da sociedade escrita em que vivemos confere a crianccedila uma autonomia antes natildeo experimentada

90

como esclarece PM II ldquoa crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer

isso o tempo todo isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante porque jaacute

consegue fazer isso e agraves vezes as outras ainda natildeordquo Desse modo Britto (2005 p XV ndash XVI)

afirma que

O que se propotildee como princiacutepio que deve orientar a accedilatildeo educativa eacute que entrar

no universo da escrita eacute operar com signos e significados dentro de um mundo

pleno de valores e de sentidos historicamente produzidos e socialmente

marcados portanto operar com esses discursos em particular quando se pensa

em um sujeito autocircnomo inserido e indignado supotildee que se possa sempre pocircr

em questatildeo as formas de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo

E continua

Aiacute estaacute o desafio da educaccedilatildeo infantil que natildeo eacute o de ensinar letras mas o de

construir as bases para que as crianccedilas possam desenvolver-se como pessoas

plenas e de direito e assim participar criticamente da cultura escrita

convivendo com essa organizaccedilatildeo discursiva experimentar de diferentes

formas os modos de pensar tiacutepicos do escrito Antecipar o ensino das letras em

vez de trazer o debate da cultura escrita no cotidiano eacute inverter o processo e

aumentar a diferenccedila

Diante do exposto eacute na Educaccedilatildeo Infantil que se constroem as bases para a apropriaccedilatildeo

da leitura e da escrita e por tal razatildeo eacute na escola da pequena infacircncia que esses modos de ver a

escrita e de operar com ela podem ser ensinados por meio de um ensino intencionalmente

planejado que considere as especificidades de cada etapa do desenvolvimento infantil e crie a

necessidade de aprender

PM I indica compreender a escrita como algo que requer uma abstraccedilatildeo do pensamento

que se refere a algo simboacutelico ldquoporque chega o momento que a crianccedila desperta o divisoacuterio o

concreto as figuras uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair essa ideia ela

comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aqui jaacute sei ler isso jaacute sei fazer issordquo No

entanto embora aparentemente reconheccedila a existecircncia de uma abstraccedilatildeo do pensamento no ato

de ler e de escrever ainda atribui isso ao ato teacutecnico ao relatar que a crianccedila vai juntando as

letrinhas Dessa forma Arena (2009 p 169) assinala que ao ensinar a ler o foco da escola natildeo

deveria ser o sistema alfabeacutetico de escrita como objeto em si a ser apropriado mas ldquoo sentido que

pode ser conseguido por meio delerdquo Isolar a aprendizagem desse sistema por acreditar ser este

91

um preacute-requisito para algueacutem se tornar leitor eacute contribuir para a aprendizagem de uma liacutengua

morta artificial que natildeo propicia ao aprendiz reconhecer-se como leitor Com isso cabe agrave escola

ensinar o sistema de escrita no fluxo da linguagem uma vez que ldquoa apropriaccedilatildeo desse

conhecimento se daacute em seu proacuteprio uso em textos vivos e em pleno funcionamento carregados

de significados produzidos pelas relaccedilotildees entre todos os que vivem no contexto em que se situam

[]rdquo (ARENA 2009 p 172)

Vygotski (1995) criticou os processos de apresentaccedilatildeo escolar da escrita para as crianccedilas

em sua eacutepoca ndash deacutecada de 20 do seacuteculo XX ndash e essa criacutetica ainda eacute bastante atual Para o autor o

ensino da escrita em geral eacute um haacutebito motor realizado de forma artificial e esse ensino

mecacircnico da teacutecnica prevalece sobre a compreensatildeo do funcionamento e da utilizaccedilatildeo racional e

social da escrita Desse modo

() o ensino da linguagem escrita se baseia em uma aprendizagem artificial que

exige enorme atenccedilatildeo e esforccedilos por parte do professor e do aluno e devido a tal

esforccedilo se transforma em algo independente em algo que se basta a si mesmo

enquanto a linguagem escrita viva passa a um plano posterior () Nosso ensino

da escrita natildeo se baseia no desenvolvimento natural das necessidades da crianccedila

nem em sua proacutepria iniciativa lhe chega de fora das matildeos do professor e lembra

a aquisiccedilatildeo de um haacutebito teacutecnico como por exemplo tocar piano (VYGOSTKI

1995 p 183 traduccedilatildeo nossa)10

Apropriar-se da escrita significa dominar um sistema simboacutelico extremamente complexo

A escrita eacute um sistema de signos que representa outro sistema de signos e por tal razatildeo eacute um

simbolismo de segundo grau uma representaccedilatildeo de segunda ordem Como esclarece Vygotski

(1995 p 184 traduccedilatildeo nossa) a escrita ldquose forma por um sistema de signos que identificam

convencionalmente os sons e palavras da linguagem oral que satildeo por sua vez signos de objetos e

relaccedilotildees reaisrdquo11

Em outras palavras a escrita representa a fala que por sua vez representa a

realidade Ao escrever eacute representado o som da fala mas esse som natildeo eacute apenas um som ele tem

10

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 183) () la ensentildeanza del lenguaje escrito se basa en un

aprendizaje artificial que exige enorme atencioacuten y esfuerzos por parte del maestro y del alumno debido a lo cual se

convierte en algo independiente en algo que se basta a si mismo el lenguaje escrito vivo pasa a un plano posterior

() Nuestra ensentildeanza de la escritura no se basa auacuten en el desarrollo natural de las necesidades del nintildeo ni en su

propia iniciativa le llega desde fuera de manos del maestro y recuerda el aprendizaje de un haacutebito teacutecnico como

por ejemplo tocar el piano 11

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 184) (hellip) el lenguaje escrito estaacute formado por un sistema de

signos que identifican convencionalmente los sonidos y las palabras del lenguaje oral que son a su vez signos de

objetos y relaciones reales

92

um significado e eacute esse significado que representa a realidade ou seja as coisas que satildeo faladas

as ideias os sentimentos as informaccedilotildees Para que a aquisiccedilatildeo da escrita ocorra de forma efetiva

eacute necessaacuterio que o nexo intermediaacuterio ndash representado pela linguagem oral ndash desapareccedila

gradativamente e a escrita se transforme em um sistema de signos que simbolizem diretamente os

objetos e as situaccedilotildees designadas ndash uma representaccedilatildeo de primeira ordem

A aquisiccedilatildeo da linguagem escrita eacute resultado de um longo processo de desenvolvimento

das funccedilotildees superiores do comportamento infantil que possui uma longa e complexa histoacuteria

iniciada muito antes de a crianccedila comeccedilar a estudar a escrita na escola Segundo Luria (1988 p

143)

O momento em que uma crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros exerciacutecios

escolares em seu caderno de anotaccedilotildees natildeo eacute na realidade o primeiro estaacutegio do

desenvolvimento da escrita As origens deste processo remontam a muito antes

ainda na preacute-histoacuteria do desenvolvimento das formas superiores do

comportamento infantil podemos ateacute mesmo dizer que quando uma crianccedila

entra na escola ela jaacute adquiriu um patrimocircnio de habilidades e destrezas que a

habilitaraacute a aprender a escrever em um tempo relativamente curto

Esse patrimocircnio de habilidades e destrezas que habilitaraacute a crianccedila a aprender a escrever

como afirma Luria reporta no caso da crianccedila na Educaccedilatildeo Infantil agrave formaccedilatildeo das bases

orientadoras para a aprendizagem da escrita ndash o controle da vontade e da conduta (a auto-

disciplina) a percepccedilatildeo antecipada do resultado da atividade a necessidade de expressatildeo a

funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia a necessidade de ler e escrever A esse processo Vygotski

(1995) chama de preacute-histoacuteria da linguagem escrita ndash que eacute a histoacuteria das formas de expressatildeo da

crianccedila ndash e eacute constituiacuteda por ligaccedilotildees em geral natildeo perceptiacuteveis agrave simples observaccedilatildeo e comeccedila

com a escrita no ar com o gesto da crianccedila ao qual os adultos atribuem um significado O gesto

eacute o primeiro signo visual eacute a escrita no ar assim pode-se dizer que os signos escritos satildeo

frequentemente simples gestos que foram fixados Entre o gesto e o signo escrito haacute dois

elementos que se interpotildeem o desenho e o faz de conta

O desenho eacute uma continuidade do gesto inicialmente eacute uma representaccedilatildeo graacutefica do

gesto que aos poucos se torna uma representaccedilatildeo simboacutelica e graacutefica do objeto ldquo() o desenho

infantil eacute uma etapa preacutevia agrave linguagem escrita Por sua funccedilatildeo psicoloacutegica o desenho infantil eacute

uma linguagem graacutefica peculiar um relato graacutefico sobre algo (VYGOTSKI 1995 p 192

93

traduccedilatildeo nossa)12

O desenho comeccedila quando a linguagem oral jaacute alcanccedilou grande

desenvolvimento e se tornou habitual A fala predomina no geral e modela a vida interior

submetendo-a as suas leis O mesmo ocorre com o desenho O desenho eacute uma linguagem graacutefica

que tem por base a linguagem verbal Quando a crianccedila revela seus reservatoacuterios de memoacuteria por

meio do desenho ela o faz como se estivesse contando uma histoacuteria Desse modo ldquoa teacutecnica do

desenho demonstra sem duacutevida que na realidade se trata de um relato graacutefico ou seja uma

peculiar linguagem escritardquo (VYGOTSKI 1995 p 192 traduccedilatildeo nossa)13

O mesmo ocorre com o faz-de-conta uma vez que a ausecircncia de alguns objetos

necessaacuterios agrave brincadeira eacute compensada por objetos que passam a representar os objetos ausentes

e gradativamente se convertem em signos que representam os objetos ausentes Natildeo importa

exatamente a semelhanccedila entre o objeto verdadeiro e o representado mas a possibilidade de

representar com a ajuda do novo objeto o gesto representativo do objeto ausente ldquoDe fato eacute o

gesto que atribui a funccedilatildeo de signo ao objeto e ao longo de exerciacutecio do faz-de-conta graccedilas ao

uso prolongado o novo significado se transfere ao objeto e este passa a representar o novo objeto

para a crianccedila independente do gesto (MELLO 2005)

Desse modo ao longo da idade preacute-escolar com a ajuda do desenho e do faz-de-conta a

crianccedila torna mais elaborada a forma como utiliza as formas de representaccedilatildeo e eacute por tal razatildeo

que se entende o desenho e o faz-de-conta como constituintes de uma etapa e uma forma de

linguagem que leva agrave linguagem escrita compotildeem uma linha uacutenica do desenvolvimento que vai

do gesto ndash a forma mais inicial da comunicaccedilatildeo ndash agraves formas superiores da linguagem escrita Essa

forma superior da linguagem escrita deve ser entendida como o momento em que o elemento

intermediaacuterio entre a realidade e a escrita ou seja a linguagem oral desaparece e a escrita se

torna diretamente simboacutelica representa diretamente a realidade (VYGOTSKI 1995 MELLO

2005)

12

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 192) () el dibujo infantil es una etapa previa al lenguaje

escrito Por su funcioacuten psicoloacutegica el dibujo infantil es un lenguaje graacutefico peculiar un relato sobre algo 13

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 192) La teacutecnica del dibujo infantil demuestra sin lugar a duda

que en realidad se trata de un relato graacutefico es decir un peculiar leguaje escrito

94

241 O ensino do ato de ler e de escrever

Por se compreender a liacutengua escrita como instrumento cultural complexo eacute que ela deve

ser apresentada agraves crianccedilas desde a Educaccedilatildeo Infantil de forma adequada e natildeo somente como um

ato motor Eacute complexo porque natildeo se aprende simplesmente por imitaccedilatildeo como alguns

instrumentos ou por repeticcedilatildeo mas exige de quem aprende o exerciacutecio de um conjunto de

funccedilotildees intelectuais e como exposto a articulaccedilatildeo da funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia do

pensamento da memoacuteria da atenccedilatildeo das percepccedilotildees

O ensino da linguagem escrita precisa ser intencionalmente planejado pelo professor e

exige uma dedicaccedilatildeo especiacutefica de quem aprende Por tal razatildeo Vygotski (1995) afirma que a

linguagem escrita precisa ser apresentada desde o iniacutecio agrave crianccedila como um instrumento que tem

como funccedilatildeo social comunicar informaccedilotildees ideias sentimentos

Noacutes natildeo negamos que seja possiacutevel ensinar a ler e a escrever as crianccedilas de

idade preacute-escolar inclusive consideramos conveniente que a crianccedila saiba jaacute ler

e escrever ao ingressar na escola Mas o ensino deve organizar-se de forma que a

leitura e a escrita sejam necessaacuterias de algum modo para a crianccedila () a escrita

deve ter sentido para a crianccedila deve ser provocada por necessidade natural

como uma tarefa vital que eacute imprescindiacutevel Unicamente entatildeo estaremos

seguros de que a escrita se desenvolveraacute na crianccedila natildeo como um haacutebito de matildeos

e dedos mas como um tipo realmente novo e complexo de linguagem

(VYGOSTKI 1995 p 201 traduccedilatildeo nossa)14

As professoras datildeo indiacutecios de aceitarem o ensino de letras ndash identificaccedilatildeo e junccedilatildeo ndash

siacutelabas e palavras de forma natural espontacircnea com o qual a crianccedila ldquovai despertandordquo

ldquodeslanchando com a maturidaderdquo o que acaba por descartar a intencionalidade do ensino a

mediaccedilatildeo do professor e a compreensatildeo de que dominar a escrita significa ldquouma transformaccedilatildeo

criacutetica em todo o desenvolvimento cultural da crianccedilardquo (VYGOTSKI 1995 p 184 traduccedilatildeo

nossa)15

14

Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 201) Nosotros no negamos que sea posible ensentildear a leer y escribir

a nintildeos de edad preescolar incluso consideramos conveniente que el nintildeo sepa ya leer y escribir al ingresar en la

escuela Pero la ensentildeanza debe organizarse de forma que la lectura y la escritura sean necesarias de alguacuten modo para

el nintildeo () la escrita debe tener sentido para el nintildeo que debe ser provocada por necesidad natural como una tarea

vital que le es imprescindible Unicamente entonces estaremos seguros de que se desarrollaraacute en el nintildeo no coacutemo un

haacutebito de de sus manos y dedos sino como un tipo realmente nuevo y complejo del lenguaje 15

Trecho original da citaccedilatildeo (VYGOTSKI 1995 p 184) () significa un viraje criacutetico en todo el desarrollo cultural

del nintildeo

95

Com relaccedilatildeo agrave leitura PI I considera que natildeo adianta decodificar e que a crianccedila precisa

ler e entender o que lecirc Acrescenta ainda que a crianccedila decodifica letra por letra de uma palavra

mas que agraves vezes natildeo presta atenccedilatildeo ao que lecirc e que o mesmo acontece com a escrita Nas

palavras da professora lecirc ldquoquando ela sozinha consegue ler e entender o que estaacute lendo quando

ela consegue escrever histoacuterias consegue criar e consegue entender o que ela escreveurdquo

Diante dessas afirmaccedilotildees emergem duas situaccedilotildees que merecem serem ressalvadas A primeira

se relaciona ao fato de que ler e entender parecem duas etapas distintas do ato de ler o que natildeo

condiz com a concepccedilatildeo de leitura que entende a leitura como compreensatildeo como produccedilatildeo de

sentido e como praacutetica social histoacuterica e cultural (ARENA 1992 CHARMEAUX 1997

JOLIBERT 1994 SOUZA 2004)

Arena (2010b) esclarece que ler

eacute a accedilatildeo de atribuir sentido por meio de sinais graacuteficos em situaccedilotildees elaboradas

pela cultura humana Essas atitudes constituintes do entorno satildeo vitais para a

formaccedilatildeo do leitor e satildeo desenvolvidas nas relaccedilotildees com os gecircneros

enunciativos porque satildeo as relaccedilotildees culturais que orientam os modos de ler Eacute

importante entender que ensinar o sistema linguumliacutestico natildeo eacute ensinar a ler ensinar

a ler eacute ensinar as proacuteprias praacuteticas sociais e culturais que exigem o domiacutenio

desse sistema (ARENA 2010b p 242)

Nessa perspectiva ler eacute uma forma de apropriar-se da cultura humana e seu ensino

ultrapassa a mera decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos e a vocalizaccedilatildeo e se relaciona agraves formas de

desenvolvimento do pensamento Ao ensinar a ler a atitude seria de ensinar a proacutepria liacutengua natildeo

somente como um instrumento de comunicaccedilatildeo mas como um instrumento do pensamento

(ARENA 2010b FOUCAMBERT 1998 VYGOTSKY 2000)

Segundo Arena (2010b p 242 ndash 243)

Aprender a ler eacute necessaacuterio para a transformaccedilatildeo contiacutenua progressiva para um

modo cada vez mais abstrato e profundo de pensar que somente a relaccedilatildeo com

essa tecnologia chamada escrita pode proporcionar ao homem Vista do acircngulo

da antropologia a escrita apropriada pelo leitor revela-se como um

poderosiacutessimo instrumento de desenvolvimento da mente humana das funccedilotildees

psiacutequicas superiores constituintes do progressivo processo de humanizaccedilatildeo de

acordo com o pensamento de Vygotsky (2000)

96

O que se enfatiza natildeo eacute somente a natureza comunicativa da liacutengua escrita mas ldquoo aspecto

transformador das funccedilotildees psiacutequicas superiores que permitem a inserccedilatildeo do homem diretamente

nas relaccedilotildees humanas permeadas pelo graacutefico atualmente potencializado pelos processadores

eletrocircnicosrdquo (ARENA 2010b p 243) Ler eacute a accedilatildeo de produzir sentidos e essa funccedilatildeo

transformadora da liacutengua exige que seu ensino seja compatiacutevel com essa exigecircncia em outras

palavras ldquoobriga a didaacutetica da leitura a elaborar novas condutas metodoloacutegicas para atender a

esse novo leitor e agraves novas funccedilotildees redescobertas no ato de lerrdquo (ARENA 2010b p 243)

Com isso considera-se que o ensino da liacutengua do ato de ler e de escrever requer do

professor condutas metodoloacutegicas que possibilitem a produccedilatildeo de sentido a aprendizagem e o

desenvolvimento da crianccedila Essas formas de se pensar o trabalho pedagoacutegico para a sua inserccedilatildeo

na cultura escrita de colocaacute-la no fluxo dessa liacutengua de modo que ela pense sobre a liacutengua

estabeleccedila relaccedilotildees e perceba seu funcionamento de modo a utilizaacute-la conforme seus interesses e

necessidades eacute o desafio que esse trabalho se propotildee

O professor ensina o ato de ler para que a crianccedila possa criar leitura porque a leitura

acontece no momento em que o leitor a realiza ela se daacute na relaccedilatildeo entre o leitor e o texto A

leitura natildeo eacute um objeto uma coisa Ela existe no momento em que a realiza ldquosomente ganha

existecircncia quando o leitor a cria na relaccedilatildeo entre o que ele eacute o que sabe e o que o texto criado

pelo outro estaacute a oferecerrdquo (ARENA 2010b p243) Dessa forma o professor ensina ldquoo modo

como o leitor em formaccedilatildeo deve agir sobre o texto para criar a leiturardquo (ARENA 2010b p 243)

e por essa razatildeo natildeo se ensina a leitura mas se ensina o aluno a ler

como ato cultural para criar a sua proacutepria leitura nos limites de sua

potencialidade na sua relaccedilatildeo com os diferentes gecircneros e suportes textuais que

possibilitam a formaccedilatildeo crescente e permanente de modos de pensar cada vez

mais abstratos (ARENA 2010b p 243)

Esses pressupostos fundamentam a tese de que as crianccedilas aprendem a liacutengua por meio

dos gecircneros discursivos quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola desde a

Educaccedilatildeo Infantil como instrumentos de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura

humana

Diante disso pode-se inferir que PI I ao afirmar que a crianccedila ao ler agraves vezes natildeo presta

atenccedilatildeo ao que leu ou seja que natildeo entendeu o que leu distingue a leitura da produccedilatildeo de

sentido separa o ler do entender como duas etapas desse processo Arena (2010b) esclarece que eacute

97

uma expressatildeo comum nos planos escolares que diagnostica os alunos como incapazes de ler de

compreender e de interpretar Este fato revela em sua gecircnese uma visatildeo do ato de ensinar a ler

que envolve essas trecircs etapas distintas em que a primeira eacute ler a segunda eacute compreender e a

terceira eacute interpretar Essa visatildeo do ato de ensinar a ler estaacute relacionada agrave proacutepria tradiccedilatildeo

histoacuterica do ensino das liacutenguas alfabeacuteticas em nosso caso do portuguecircs em que a ecircnfase do

ensino do ato de ler eacute colocada sobre a relaccedilatildeo grafofocircnica como o essencial a ser dominado

isolado do aspecto semacircntico que seria uma consequecircncia natural dessa relaccedilatildeo ou seja havia

uma ecircnfase no ensino do coacutedigo da relaccedilatildeo letra-som da vocalizaccedilatildeo num primeiro momento

para depois e como consequecircncia desse primeiro atribuir sentido ao que foi vocalizado

(ARENA 2010b)

Assim de acordo com esse ponto de vista a primeira etapa a de ler seria a de ler para

pronunciar ler sem atribuir sentido a segunda etapa seria a de compreender nas linhas e na

superfiacutecie o que o autor do texto quis dizer de forma ateacute literal e a terceira etapa a de interpretar

seria a capacidade do leitor de fazer inferecircncias e relaccedilotildees com o conhecimento organizado em

sua mente e com possiacutevel criticidade (ARENA 2010b) De acordo com os fundamentos teoacutericos

desse trabalho ler eacute compreender eacute produzir sentido eacute uma praacutetica social histoacuterica e cultural

Ler se entende sempre como uma atitude de compreensatildeo de estabelecer um diaacutelogo com o texto

e consigo mesmo de construir e desconstruir o texto no interior do pensamento de fazer

perguntas ao texto (ARENA1992 CHARMEAUX1994 JOLIBERT 1994)

A segunda situaccedilatildeo que se apresenta das afirmaccedilotildees de PI I com relaccedilatildeo ao ensino do ato

de ler e por conseguinte ao ensino da liacutengua eacute a contradiccedilatildeo que aparece em seu discurso PI I

revela que ler natildeo eacute apenas decodificar letras siacutelabas ou palavras mas entender o que se lecirc No

entanto como foi analisado anteriormente em sua entrevista em seu trabalho pedagoacutegico no que

se refere ao ensino da liacutengua enfatiza a sinalidade e natildeo a significaccedilatildeo

Bakhtin (1992) e Vygotsky (1995) concebem a palavra como signo Quando a escola natildeo

realiza um trabalho com a leitura e a escrita a partir das enunciaccedilotildees deixa de conceber a palavra

como signo e passa a consideraacute-la como sinal ldquoO sinal constitui-se num aspecto teacutecnico que

sozinho nada diz apenas quando eacute absorvido pelo signo eacute que pode comunicar-se tornar-se

linguagemrdquo (CRUVINEL 2010 p 65) Diante dessas consideraccedilotildees a liacutengua materna a ser

ensinada na escola desde a pequena infacircncia natildeo eacute a mediada pela relaccedilatildeo grafema-fonema mas a

mediada pela significaccedilatildeo A palavra escrita eacute signo por isso sempre significa e natildeo pode ser

98

lida como sinal Eacute siacutembolo visual que soacute adquire sentido quando inserida num contexto quando

corresponde ou pertence a uma enunciaccedilatildeo (BAKHTIN 1992)

242 O ensino da liacutengua materna

Na tentativa de compreender como entendem o processo de inserccedilatildeo das crianccedilas

pequenas na cultura escrita as professoras foram indagadas durante a entrevista sobre o que

pensam sobre alfabetizaccedilatildeo e letramento

PB

P PB o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PB sabe que natildeo ouvi falar muito de letramento natildeo mas eu acho que

letramento seja a crianccedila que conheccedila as letras que talvez monte (refere-se as

letras) mas alfabetizaccedilatildeo jaacute natildeo ela eacute incorporada porque tem palavra que

tem duplo sentido entatildeo a crianccedila jaacute vai natildeo soacute na palavra que vocecirc vai lendo

nas placas nos siacutembolos neacute entatildeo eacute diferente mas natildeo sei se eacute bem isso

P natildeo eacute a sua opiniatildeo mesmo

PB acho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo neacute porque entender e escrever e

ler aiacute vocecirc tem uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a leitura sem

entender o que estaacute lendo somente juntando as palavras ou sabendo o

alfabeto inteiro mais ou menos acho que eacute isso

P ah obrigada

PM I

P o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PM I na minha concepccedilatildeo na minha ideia alfabetizar e letrar eu acho que

caminham juntas uma crianccedila letrada estaacute alfabetizada neacute ou pode estar

letrada conhecer as letras e natildeo ter o domiacutenio assim alfabetiZADA MESMO

quando natildeo consegue ter a proacutepria autonomia se virar sozinha mesmo

P alfabetizar pelo que vocecirc estaacute me dizendo pra vocecirc seria a crianccedila que jaacute

domina a leitura com a escrita

PM I isso

P de forma mais autocircnoma

PM I isso

P e letrada eacute quando ela jaacute conhece tem noccedilotildees

PMI mas ela ainda natildeo tem aquela autonomia de ficar fazendo sozinho essa

letra e essa escrita

P certo

PM I minha ideia de ficar analisando a fundo neacute

P e na Educaccedilatildeo Infantil esses processos de alfabetizaccedilatildeo e de letramento satildeo

adequados

99

PM I desde que a crianccedila esteja assim se ela desperta pra isso neacute vocecirc natildeo

vai queimar etapas eacute atropelar eacute forccedilar a situaccedilatildeo e tambeacutem vocecirc natildeo vai

provar a crianccedila se ela tem o interesse se ela se envolver se ela tem vaacuterios

recursos na famiacutelia pra estimular vai despertar antes que outros mas vocecirc natildeo

vai pular (etapa) para aprender agora vocecirc natildeo vai escrever vocecirc natildeo vai

segurar a crianccedila e vocecirc tambeacutem natildeo vai forccedilar a situaccedilatildeo assim entatildeo se

acontece

P vocecirc trabalha em cima do que ela vivencia

PM I eacute essa eacute mais ativa ela que vai se tornar eacute depende da situaccedilatildeo

vocecirc natildeo vai forccedilar

P ah estaacute bem muito obrigada

PM I de nada

PM II

P o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PM II ah eacute uma coisa meio complicada neacute mas pra mim alfabetizaccedilatildeo eacute

quando a crianccedila sabe codificar e decodificar sabe o que estaacute escrito e sabe

escrever agora letramento eacute eu acho que eacute quando a crianccedila sabe usar

isso de algum jeito sabe usar de maneira mais funcional eu acho que eacute isso

neacute

PI I

P e o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PI I ai eu natildeo sei eu jaacute li sobre isso mas na minha cabeccedila ficou a mesma

coisa letrar alfabetizar ficou a mesma coisa

P e pra vocecirc o que eacute alfabetizar

PI I alfabetizar entatildeo eacute isso que acabei de falar eacute vocecirc ensinar a crianccedila a

ler a escrever a poder utilizar isso ela pegar um jornal e saber usar o jornal

como lecirc como que entende o que estaacute escrito laacute na vida dela se ela precisa de

uma receita ela vai laacute e ela sabe procurar um livro de receitas ela vai lecirc

sozinha sem ajuda de ningueacutem ela consegue fazer sozinha neacute lecirc uma

histoacuteria lecirc pro amiguinho lecirc uma bula de remeacutedio saber o que ela estaacute

lendo ela quer fazer um brinquedo lecirc um texto e lecirc sabe o que estaacute

escrito e lecirc sabe escrever um bilhete pra algueacutem uma carta uma histoacuteria

P obrigada

PM I eacute isso neacute

P muito obrigada

Pela anaacutelise do registro da transcriccedilatildeo das entrevistas das professoras marcadas pela

presenccedila frequente de dois pontos e das reticecircncias pode-se inferir que as professoras hesitam em

abordar o assunto por possivelmente natildeo terem uma ideia clara sobre esses conceitos PB

quando questionada inicia com uma ideia e em seguida a reelabora criando outra definiccedilatildeo

100

Relaciona letramento ao fato de a crianccedila conhecer as letras o alfabeto inteiro o fato de saber ler

e escrever mas sem entender o que se lecirc e o que se escreve Atribui agrave alfabetizaccedilatildeo um processo

mais complexo em que a crianccedila entende lecirc e escreve ldquoacho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo

neacute porque entender e escrever e ler aiacute vocecirc tem uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a

leitura sem entender o que estaacute lendo somente juntando as palavras ou sabendo o alfabeto

inteiro mais ou menos acho que eacute issordquo

PM I inicialmente declara que alfabetizar e letrar satildeo processos que acontecem juntos

poreacutem satildeo distintos porque a crianccedila pode estar letrada ndash que em seu conceito estar letrado eacute

ldquoconhecer as letrasrdquo ndash mas natildeo estar alfabetizada ainda que para PM I eacute dominar a leitura e a

escrita de forma que a crianccedila consiga se valer delas de forma autocircnoma PM I declara que a

alfabetizaccedilatildeo e o letramento podem acontecer na Educaccedilatildeo Infantil desde que a crianccedila

ldquodesperterdquo pra isso desde que demonstre interesse mas que natildeo pode ser algo imposto exigir da

crianccedila que ela seja alfabetizada e letrada que natildeo se pode ldquopular etapasrdquo Essas afirmaccedilotildees de

PM I satildeo denotativas de duas situaccedilotildees jaacute abordadas anteriormente nesse trabalho a primeira se

refere agrave alfabetizaccedilatildeo precoce das crianccedilas (ZAPHOROacuteZETS 1987 MELLO 2005) em que PM

I parece ser contraacuteria a essa ideia ndash assim como se defende nesta pesquisa ndash ao declarar que natildeo

pode ser algo imposto porque as crianccedilas ainda precisam desenvolver as bases orientadoras Por

outro lado como segunda situaccedilatildeo que emerge dessa fala de PM I haacute o indiacutecio de que a crianccedila

vai ldquodespertarrdquo em algum momento que o interesse pela leitura e pela escrita eacute natural que por

esse motivo eacute destituiacutedo de intencionalidade da necessidade da mediaccedilatildeo que as condiccedilotildees

concretas de vida e de educaccedilatildeo natildeo interferem nesse processo e ainda que a aprendizagem

decorre do desenvolvimento e natildeo o contraacuterio

PM II apresenta a ideia de que alfabetizar eacute dominar o coacutedigo eacute conseguir codificar e

decodificar os signos linguiacutesticos sendo que o letramento se refere ao uso social da leitura e da

escrita Apesar de ter declarado que em sua praacutetica pedagoacutegica trabalha com o ensino de letras e

palavras com as crianccedilas a resposta de PI se revelou diferente das demais professoras ao abordar

esses conceitos porque natildeo distingue alfabetizaccedilatildeo de letramento e afirma que para ela ldquoeacute a

mesma coisardquo Vincula a alfabetizaccedilatildeoletramento ao saber ler e escrever e ao saber fazer o uso

social da leitura e da escrita

A preocupaccedilatildeo desta pesquisa natildeo eacute a de aprofundar a discussatildeo desses conceitos mas

trazecirc-los agrave tona para compreender melhor os conceitos de liacutengua e de linguagem que permeiam a

101

praacutetica pedagoacutegica dessas professoras para que se possa pensar na trajetoacuteria vivenciada pelos

sujeitos da pesquisa com relaccedilatildeo ao processo inicial de apropriaccedilatildeo e de objetivaccedilatildeo da leitura e

da escrita

Ao considerar as ideias de liacutengua linguagem de leitura e de liacutengua escrita apresentadas

ao longo do capiacutetulo eacute necessaacuterio reiterar que alfabetizaccedilatildeo e letramento referem-se a um uacutenico

processo o processo de internalizaccedilatildeo da liacutengua em seu funcionamento como elemento de

interaccedilatildeo entre as pessoas e por assim dizer um processo discursivo interativo para a

humanizaccedilatildeo das crianccedilas O que estaacute em jogo eacute o processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da

liacutengua uma liacutengua viva oriunda da concepccedilatildeo de linguagem essencialmente dialoacutegica vista em

seu uso na atitude responsiva do outro Sobre isso Geraldi (1997 p 5 ndash 6 grifos do autor)

esclarece que

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo e com este olhar pensar

o processo educacional exige instauraacute-lo sobre a singularidade dos sujeitos em

contiacutenua constituiccedilatildeo e sobre a precariedade da proacutepria temporalidade que o

especiacutefico do momento implica Trata-se de erigir como inspiraccedilatildeo a

disponibilidade para mudanccedila Focalizar a interaccedilatildeo verbal como lugar da

produccedilatildeo da linguagem e dos sujeitos que neste processo se constituem pela

linguagem significa admitir a) que a liacutengua (no sentido linguiacutestico do termo)

natildeo estaacute de antematildeo pronta dada como um sistema de que o sujeito se apropria

para usaacute-la segundo suas necessidades especiacuteficas do momento de interaccedilatildeo

mas que o proacuteprio processo interlocutivo na atividade da linguagem a cada vez

a (re)constroacutei b) que os sujeitos se constituem como tais agrave medida que

interagem com os outros sua consciecircncia e seu conhecimento de mundo

resultam como ldquoprodutordquo deste mesmo processo Neste sentido o sujeito eacute

social jaacute que a linguagem natildeo eacute o trabalho de um artesatildeo mas trabalho social e

histoacuterico seu e dos outros e eacute para os outros e com os outros que ela se constitui

Tambeacutem natildeo haacute um sujeito dado pronto que entra na interaccedilatildeo mas um sujeito

se completando e se construindo nas suas falas c) que as interaccedilotildees natildeo se datildeo

fora de um contexto social e histoacuterico mais amplo na verdade elas se tornam

possiacuteveis enquanto acontecimentos singulares no interior e nos limites de uma

determinada formaccedilatildeo social sofrendo as interferecircncias os controles e as

seleccedilotildees impostas por esta Tambeacutem natildeo satildeo em relaccedilatildeo a estas condiccedilotildees

inocentes Satildeo produtivas e histoacutericas e como tais acontecendo no interior e nos

limites do social constroem por sua vez limites novos

Entender a apropriaccedilatildeo e a objetivaccedilatildeo da liacutengua como um processo interlocutivo eacute

entender que somos seres histoacutericos e sociais em constante transformaccedilatildeo que somos produto e

produtores da cultura humana que a liacutengua eacute algo vivo porque se constitui na interaccedilatildeo com o

outro e que nos constituiacutemos nela dentro de um dado contexto situacional Apropriar-se da liacutengua

102

nessa perspectiva eacute uma construccedilatildeo histoacuterica social e cultural e por essa razatildeo eacute humanizar-se

A liacutengua como produto da histoacuteria eacute marcada pelo uso e pelo espaccedilo social deste uso Assim a

liacutengua nunca pode ser estudada e ensinada como um produto fechado em si mesmo porque o

externo se internaliza participando da construccedilatildeo deste mesmo produto

243 As praacuteticas de leitura e de escrita o gecircnero literaacuterio

Ao analisar as entrevistas das professoras quanto agraves praacuteticas de produccedilatildeo de textos de

leitura e o trabalho com os gecircneros discursivos com as crianccedilas pequenas os dados revelaram

vaacuterios aspectos a saber

PB

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PB leio mas agraves vezes eu conto porque eles satildeo muito pequenos entatildeo agraves

vezes leio o livro primeiro e nisso eu vou contando pra eles

P certo

PB senatildeo eles natildeo prestam atenccedilatildeo aiacute no uacuteltimo ano dependendo da turma jaacute

daacute pra dar uma lida em livros pequenos mas a maioria eacute contada

P certo e que tipos de textos vocecirc costuma ler para eles

PB ai eu gosto de ler tudo assim principalmente livros neacute histoacuterias conto

de faacutebula faacutebulas eacute conto de fada faacutebulas poesias eacute mais isso

P certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os seus alunos

PB costumo soacute que satildeo pequenos entatildeo natildeo daacute pra fazer uma coisa muito

grande tem que ficar dando muita dica neacute pra tirar mas pequenos textos datildeo

pra fazer

P Eacute

PB depois de uma histoacuteria talvez o reconte da histoacuteria no momento que

aconteceu eles vatildeo falando

P certo

PB alguma coisa que aconteceu o que a gente fez entatildeo como que foi neacute

P sei sei

PB eacute mais assim

P e como eacute feita essa produccedilatildeo

PB coletando o primeiro momento se for uma histoacuteria que natildeo tem lousa eu

vou escrevendo no papel mas se eacute numa sala eu vou marcando na lousa e

depois eu passo para o papel e depois para o cartaz geralmente gosto de ver

eles perto porque aquilo que foi falado foi passado na lousa passado no papel e

num cartaz grande aiacute eles desenham eu dou um giz grande eles desenham

debaixo do cartaz entendeu

P sim

PB foram eles que fizeram neacute

P e depois o que vocecirc faz com essa produccedilatildeo escrita

103

PB deixo na parede aiacute eles jaacute sabem neacute o que estaacute escrito o que natildeo estaacute

quem desenhou

P entendi

PB mesmo natildeo sabendo mas eles apontam e falam como se estivessem lendo

neacute fica bonito

PM I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM I leio

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler pra eles

PM I entatildeo a literatura infantil leio bastante todos os dias leio um livro

uma histoacuteria seleciono leio sempre assim com um objetivo de trabalhar

sentimento eacute trabalhar famiacutelia ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre

seleciono uma histoacuteria assim que de alguma forma vai tocar eles eles vatildeo viver

uma situaccedilatildeo aqui da escola tambeacutem

P e vocecirc percebe assim algum tipo de texto que eles se interessam mais De

quais histoacuterias que eles se interessam mais

PM I que eacute das histoacuterias neacute geralmente eles se interessam bastante e tem

insistecircncia

P as que tem o personagem malvado

PM I tem o bonzinho

P sei

PM I as preferidas tem ateacute que induzi-los a um outro tipo de histoacuteria porque

eles querem sempre o mesmo

P o mesmo

PM I o mesmo

P e vocecirc costuma produzir textos eacute escritos por escritos com os alunos

PM I nessa classe ainda natildeo eu sou mais oralmente vocecirc conta a histoacuteria e

P sim

PM I eles relatam o que aconteceu

P aiacute recupera essa histoacuteria

PB e PM I revelam que leem com frequecircncia histoacuterias para suas crianccedilas e aparentam ter

uma praacutetica de leitura contudo PM I natildeo apresenta uma praacutetica de produccedilatildeo de textos escritos

com as crianccedilas mas geralmente faz a reconstruccedilatildeo oral da histoacuteria lida PM I parece utilizar a

leitura dos livros que escolhe como pretexto (LAJOLO 1986) para abordar a formaccedilatildeo de

valores de condutas ou de sentimentos como revela ldquoentatildeo a literatura infantil leio bastante

todos os dias leio um livro uma histoacuteria seleciono leio sempre assim com um objetivo de

trabalhar sentimento eacute trabalhar famiacutelia ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre seleciono

uma histoacuteria assim que de alguma forma vai tocar eles eles vatildeo viver uma situaccedilatildeo aqui da

escola tambeacutemrdquo

104

Com relaccedilatildeo agrave forma como os gecircneros discursivos chegaram ateacute os sujeitos da pesquisa

verificou-se que na maioria das vezes foi por meio da transmissatildeo vocal (BAJARD 2007) do

texto pelo professor Essa praacutetica era frequente entre as professoras entrevistadas Outro

procedimento utilizado pelas professoras em relaccedilatildeo agrave literatura infantil era o contato direto das

crianccedilas com os livros seu manuseio e observaccedilatildeo No entanto esta era uma praacutetica menos

frequente pois as professoras principalmente das crianccedilas pequenininhas como PB e PM I

temiam que as crianccedilas ldquoestragassem os livrosrdquo como relataram ao terminarem a entrevista

Se as sessotildees de transmissatildeo vocal das histoacuterias lidas e de outros gecircneros discursivos

fossem realizadas como parte da rotina do trabalho com as crianccedilas pequenas poderiam

constituir-se como oportunidades significativas a um desenvolvimento mais amplo da infacircncia

aleacutem de gerar sentido agrave aprendizagem do ato de ler e de escrever (LIMA 2005) uma vez que

ldquoatraiacuteda pelo mundo da literatura graccedilas agraves imagens e agrave voz do mediador que confere vida agraves

histoacuterias adormecidas nos livros talvez a crianccedila chegue a desejar o poder de saber ler detido

pelo adultordquo (BAJARD 2007 p 87)

A leitura eacute uma via de acesso para participar da cultura escrita e desse modo ler se

constitui numa necessidade essencial para garantir o pertencimento e a atuaccedilatildeo ativa nessa

sociedade Nessa perspectiva a literatura o gecircnero literaacuterio deve aparecer no cenaacuterio escolar de

modo a contribuir na formaccedilatildeo de leitores e natildeo de ldquoledoresrdquo Perrotti (1999 apud SOUZA

GIROTTO 2008 p 66) distingue o ledor do leitor ao ressaltar que

O ledor prefigura aquele ser passivo imobilizado que pouco ou nada acrescenta

ao ato de ler O texto para o ledor natildeo tem aberturas porque ele decifra

mecanicamente os seus sinais Natildeo haacute misteacuterio nem criaccedilatildeo A leitura eacute

definitiva O leitor no entanto eacute moacutevel e tem um olhar indefinido errante e

criativo sobre o texto que se permite ler em suas linhas e entrelinhas

desvelando seus sinais visuais e invisiacuteveis Isto soacute ocorre quando se daacute o pacto

entre texto e leitor que o ledor natildeo se arrisca a fazer

O enfoque dado no aspecto fiacutesico do signo subsidia muitas praacuteticas educativas no iniacutecio

da aprendizagem da leitura Pode-se inferir que a preocupaccedilatildeo excessiva com a foneacutetica e com a

decodificaccedilatildeo forma crianccedilas ledoras mas natildeo leitoras Satildeo crianccedilas que apenas repetem ou

pronunciam as palavras e frases que compotildeem um texto mas que natildeo conseguem compreendecirc-

105

las e natildeo participam dialogicamente do processo de significaccedilatildeo da leitura pelas proacuteprias

condiccedilotildees educativas a que estatildeo submetidas

A literatura o gecircnero literaacuterio implica diaacutelogo interaccedilatildeo com o texto com a esteacutetica e

por isso requer para si leitores e natildeo ledores A literatura exige do leitor uma interlocuccedilatildeo

envolvimento exige esforccedilo para atuar no texto e com o texto ao lidar intensamente com os

enunciados que desvelam e revelam em si o conteuacutedo temaacutetico o estilo e a construccedilatildeo

composicional (BAKHTIN 2003 p 261) Esse esforccedilo os ledores natildeo datildeo conta de fazer

PB realiza situaccedilotildees de escrita com as crianccedilas pequenas declara que faz essas produccedilotildees

na presenccedila das crianccedilas ao coletar as falas e as informaccedilotildees dadas por elas Acrescenta que as

crianccedilas desenham apoacutes o texto ter sido escrito num cartaz que esse texto fica exposto na sala e

que por essa razatildeo imitam o gesto de leitura da professora reproduzem esse gesto humano de

ler

A anaacutelise dos trechos a seguir denota aspectos que precisam ser considerados no que se

relaciona ao ensino e agrave aprendizagem da leitura e da escrita e dos gecircneros discursivos

PM II

P e vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM II sim

P eacute e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PM II primeiro vou te contar o tipo de leitura que eu faccedilo em alguns

momentos eu leio conforme a histoacuteria do livro neacute leio as letras do livro

mesmo a histoacuteria do livro mas em outros momentos eu costumo contar a

histoacuteria tambeacutem Faccedilo o momento da histoacuteria contada porque dependendo da

faixa etaacuteria os pequenos no comeccedilo do ano de eu soacute ler livros pra eles natildeo se

interessam tanto eles se dispersam neacute desviam a atenccedilatildeo e eacute entatildeo que em

alguns momentos eu leio ou em outros eu conto para eles irem se habituando agrave

leitura do livro natildeo contar a histoacuteria assim simplesmente entatildeo eacute leio dessa

forma entatildeo eacute eu leio mais os contos ou eacute eu trabalho lendas neles eacute o

que mais leio satildeo faacutebulas mas aiacute eu natildeo enfoco tanto a moral porque eles ainda

natildeo entendem neacute (risos) mas eu natildeo costumo trabalhar assim por exemplo

com histoacuterias em quadrinhos porque satildeo muito pequenos entatildeo eacute assim pra

essa faixa etaacuteria neacute quando eu penso nos maiores daacute

P aiacute jaacute daacute

PM II aiacute jaacute daacute pra trabalhar outros gecircneros porque a poesia tambeacutem eacute

complicada pra eles entenderem o que taacute falando ali porque eacute uma linguagem

mais eacute mais conotativa

P hum estaacute certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os alunos em

quais atividades se isso acontece em quais atividades isso acontece

PM II textos deixa-me pensar entatildeo eacute difiacutecil porque crianccedila pequena

produz texto assim em alguns momentos que eu escrevo os momentos que eu

106

escrevo que eles falam mais quando assim a gente estaacute por exemplo natildeo

satildeo textos satildeo palavras geralmente por exemplo assim se eles estatildeo se dou

uma opccedilatildeo de duas histoacuterias ou trecircs histoacuterias pra turma escolher eu posso fazer

uma votaccedilatildeo entatildeo eu vou perguntando vocecirc qual histoacuteria gostaria de

ouvir eu ponho o nome da histoacuteria na lousa de repente surge outra histoacuteria

que natildeo eacute nenhuma daquelas que eu separei para as crianccedilas escolherem entatildeo

eu marco na lousa aiacute a gente faz a contagem ou de repente a gente vai falar

sobre ou ateacute mesmo falar o nome da histoacuteria o nome das crianccedilas mas assim

texto mesmo eacute quase o Maternal II eacute meio complicado

PI I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PI I costumo

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PI I eacute a maioria satildeo histoacuterias infantis mesmo contos de fada historinhas em

si infantis hum a gente lecirc muitas muacutesicas tambeacutem mas como eu escrevo na

lousa a gente acaba lendo a muacutesica neacute

P certo

PI I mas histoacuteria mesmo satildeo contos de fada

P e vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos

PI I natildeo

P sei

PI I com o Preacute III eu fazia

P certo

PI I com o Infantil I eu ainda natildeo fiz natildeo

P uma produccedilatildeo oral que vocecirc vai registrando

PI I ano passado eu fiz sabe

P eacute

PI I eu fiz brincadeiras a gente brincava na quadra e escrevia a brincadeira neacute

P certo

PI I com eles eu fiz mas com esse ano natildeo fiz natildeo

P certo e tem algum motivo especial assim por que natildeo fez ainda esse ano

PI I natildeo

Pode-se inferir que PM II e PI I tambeacutem apresentam uma praacutetica de leitura mas natildeo uma

praacutetica de re-criaccedilatildeo de textos escritos de registro de situaccedilotildees vividas de ideias de opiniotildees ou

de informaccedilotildees Quando se reporta agrave escrita com as crianccedilas refere-se agrave escrita de palavras de

nomes

Eacute possiacutevel depreender ainda que as professoras priorizam o gecircnero narrativo dos contos de

fadas e as faacutebulas Pelos elementos constitutivos desses gecircneros e pela constacircncia em que esse

gecircnero eacute lido as crianccedilas solicitam as repetidas leituras natildeo somente desse gecircnero mas

especificamente de algumas histoacuterias desse gecircnero discursivo Isso pode ser constatado ainda nos

trechos seguintes

107

PB

P e vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto e

qual tipo de texto seria esse

PB eles gostam mais de histoacuterias

P sim

PB e os pequenos gostam mais de histoacuterias com animais

P eacute mesmo

PB eacute dos animais todos eles amam pode ser qualquer histoacuteria uma

narrativa mas que tenha animais

P certo

PB mas agora os maiores jaacute natildeo eacute um conto de fada uma faacutebula eles

gostam os maiores gostam de faacutebula porque eles podem falar para o amiguinho

tambeacutem

PM II

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por um tipo de texto por

algum tipo de texto qual sua opiniatildeo

PM II Nessa faixa etaacuteria eacute soacute os claacutessicos neacute os claacutessicos

P Ah sei

PM II e geralmente eles gostam das histoacuterias que tem eacute o Lobo Mau que tem

a bruxa entatildeo tem que ter esse tipo de personagem

P e como vocecirc percebe que eles se interessam mais por esse tipo de texto

PM II olha eu acredito que seja por conta da imaginaccedilatildeo que eles tecircm que a

imaginaccedilatildeo deles eacute bem feacutertil neacute eles contam diversas histoacuterias eles

inventam eles criam eacute mesmo que de repente vocecirc comeccedila contar uma

histoacuteria de cada o que aconteceu em casa eles satildeo de repente natildeo contam

exatamente contam o que aconteceu e depois eles comeccedilam a contar inventar

criar imaginar as coisas ou uma situaccedilatildeo que eles gostariam eu acho que eacute

por isso porque os contos claacutessicos as histoacuterias de fadas e de princesas assim

mexem muito com a imaginaccedilatildeo da crianccedila

PI I

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto

PI I que eles gostam mais

P eacute tem algum tipo que causa mais que causa mais interesse

PI I eles pedem mais os que tecircm lobo que tenha mais personagem do tipo do

lobo neacute tenha bruxa eles adoram OS TREcircS PORQUINHOS neacute

P Ah Os Trecircs Porquinhos

PI I eacute o que eles mais gostam A Bela e a Fera eles adoram

P sim

PI Iacho que tem esse elemento que causa esse tipo de medo natildeo sei

108

Os registros das entrevistas de PM II denotam uma concepccedilatildeo de crianccedila incapaz

ldquoimaturardquo passiva diante daquilo que eacute ensinado porque por diversas vezes afirma que natildeo

apresenta outros gecircneros por ela ainda natildeo ter condiccedilotildees de entendecirc-los como as histoacuterias em

quadrinhos e a poesia Nessas afirmaccedilotildees encontram-se tambeacutem a limitaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico na pequena infacircncia com os diferentes gecircneros discursivos natildeo somente porque o

professor desconsidera a possibilidade da crianccedila de interagir com eles desde pequena por meio

de um ensino intencionalmente planejado mas denota possivelmente tambeacutem um

desconhecimento sobre o funcionamento dos gecircneros e suas caracteriacutesticas Desse modo vale

lembrar que

Desde o princiacutepio do processo educativo eacute necessaacuterio que a professora se

dedique ao estudo dos gecircneros discursivos e se aproprie deles compreendendo o

seu conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003)

uma vez que essa apropriaccedilatildeo possibilitaraacute organizar e planejar as formas mais

adequadas e necessaacuterias de realizar o trabalho pedagoacutegico voltado para o ensino

e a aprendizagem da leitura e buscar em cada gecircnero discursivo os aspectos

essenciais que possam envolver as crianccedilas criando nelas o interesse e o desejo

de ler (SILVA 2009 p183)

Os gecircneros do discurso podem ser uma importante ferramenta do professor para introduzir

a crianccedila agrave cultura escrita para orientar o trabalho pedagoacutegico no ensino do ato de ler e de

escrever pois ensinar a liacutengua eacute ensinar a dominar a diversidade dos gecircneros discursivos de

forma que ao reconhecerem seu conteuacutedo temaacutetico seu estilo e sua construccedilatildeo composicional as

crianccedilas possam dar-lhes sentidos em outras palavras possam ler e escrever Quando o ensino do

ato de ler e de escrever eacute realizado por meio dos enunciados natildeo eacute a leitura e a escrita como sinal

que se enfatiza natildeo eacute a decodificaccedilatildeo e a codificaccedilatildeo que se prioriza em detrimento do sentido

construiacutedo mas a leitura e a escrita como praacutetica cultural oriunda de uma concepccedilatildeo de

linguagem dialoacutegica de um conceito de liacutengua como construccedilatildeo social e ideoloacutegica que dotada

de um sistema de signos sempre pressupotildee uma atitude responsiva do outro com quem se fala

para quem se escreve Haacute uma relaccedilatildeo dialoacutegica entre os discursos e entre os interlocutores

possiacutevel por meio da interaccedilatildeo social entre os sujeitos

Os dados apresentados e analisados por meio das entrevistas com as professoras permitem

tentar compreender a seguir como esses conceitos direcionadores do fazer pedagoacutegico

interferem nos conceitos que as crianccedilas tecircm sobre a leitura a escrita e os gecircneros discursivos

Com essa anaacutelise eacute possiacutevel inferir como as relaccedilotildees e os conceitos que as crianccedilas estabelecem

109

podem ser modificados dependendo das condiccedilotildees concretas de vida e de educaccedilatildeo das quais

participam

No capiacutetulo III seraacute realizada uma anaacutelise dos conceitos que as crianccedilas tecircm sobre leitura

e escrita e gecircnero discursivo cotejando-se com as respostas no iniacutecio e no final do trabalho

pedagoacutegico

110

CAPIacuteTULO III

A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCACcedilAtildeO INFANTIL O QUE

PENSAM AS CRIANCcedilAS PEQUENAS

(QUINO Mafalda no jardim-de-infacircncia Satildeo PauloMartins Fontes 1999 p 3)

O diaacutelogo dos personagens da tira remete ao processo de ensino e de aprendizagem da

escrita e seu desenvolvimento na escola desde a pequena infacircncia A liacutengua consiste num sistema

de signos simboacutelicos complexos em vez de um processo superficial de identificaccedilatildeo de letras

siacutelabas e palavras isoladas O valor de qualquer enunciado natildeo eacute determinado pela liacutengua como

sistema puramente linguiacutestico mas pelas formas de interaccedilatildeo que ela estabelece com a realidade

com sujeitos falantes com outros enunciados Todo enunciado eacute um diaacutelogo e faz parte de um

enunciado ininterrupto por esse motivo a linguagem eacute interaccedilatildeo eacute um fenocircmeno social

inseparaacutevel do fluxo da comunicaccedilatildeo verbal (BAKHTIN 1992 p 90) A liacutengua nesse cenaacuterio eacute

concebida como uma atividade de construccedilatildeo de sentidos entre os falantes

Uma crianccedila submetida apenas a um ensino teacutecnico da escrita aprende a codificar e a

decodificar mas natildeo se apropria da linguagem escrita com o objetivo pelo qual ela foi criada

para comunicar informar expressar ideias vontades e contribuir para o desenvolvimento

intelectual do homem

Como afirma Vygotski (1995) ensinam as crianccedilas as letras as siacutelabas e as palavras mas

natildeo a linguagem escrita muito mais complexa e muito mais que o aspecto teacutecnico representado

pela correspondecircncia entre letras e sons ldquoO treino de ldquoescritardquo num momento em que a crianccedila

111

natildeo estaacute preparada para essa aprendizagem torna-se lento e demorado exige um esforccedilo enorme

da crianccedila e por isso acaba por tomar a maior parte do tempo na escolardquo (MELLO 2007 p 6)

Quando a linguagem escrita eacute ensinada como uma teacutecnica se reduz agrave sinalidade e se torna

um objeto escolar A crianccedila natildeo aprende a manejar os signos erdquoaleacutem disso na maior parte das

vezes acaba sendo uma experiecircncia de fracasso pois em geral ela natildeo cumpre a expectativa da

professora ndash que eacute inadequada para a idade da crianccedilardquo (MELLO 2007 p6) As aprendizagens

da crianccedila bem como a formaccedilatildeo leitora e produtora de textos estatildeo relacionadas agraves vivecircncias

que possui agraves condiccedilotildees concretas de vida e de educaccedilatildeo das quais ela participa A vivecircncia eacute a

unidade miacutenima do psiacutequico eacute determinada pelos conjuntos das experiecircncias do sujeito pelas

situaccedilotildees concretas e pelo sentido que ela atribui (VIGOTSKI 2010)

Ao refletir sobre os registros dos dados das entrevistas das professoras concernentes aos

conceitos de leitura escrita gecircneros discursivos e sobre suas praacuteticas pedagoacutegicas trago alguns

enunciados das crianccedilas que revelam seus conceitos em dois momentos o primeiro no iniacutecio

desta pesquisa antes da realizaccedilatildeo da proposta de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos

carta relatos por meio do livro da vida e notiacutecia por meio do jornal No segundo momento

apresento os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa apoacutes a realizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros explicitados com o objetivo de perceber as possiacuteveis mudanccedilas bem

como identificar os motivos que as provocaram

31 Os conceitos das crianccedilas no iniacutecio da pesquisa

C14

P C14 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C14 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e por que vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C14 tarefa

P eacute e vocecirc vai usar essa escrita pra que mais por que as pessoas tem que saber

escrever C14

C 14 pra fazer tudo

P tudo tudo o quecirc

C14 fazer as tarefas

P tarefas o que mais a gente faz quando a gente sabe escrever

C14 desenho

P desenho o que mais

C14 eacute desenho de carro

P C14 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C14 eacute tarefa

112

P quando que algueacutem jaacute sabe ler vocecirc sabe ler jaacute

C14 ((afirma com a cabeccedila))

P e como vocecirc descobriu que sabia ler

C14 minha matildee me ensinou

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu ou como vocecirc percebe que algueacutem jaacute

sabe ler

C14 natildeo sei

P estaacute bem obrigada C14

C8

P C8 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever por quecirc

C8 eacute porque eacute muito importante pra gente ler

P o que fazemos quando aprendemos a escrever o que a gente pode fazer

C8 ela faz tarefa

P podemos fazer tarefa o que mais

C8 matemaacutetica

P matemaacutetica o que mais

C8 ler livro

P ah certo e o que eacute saber ler C8

C8 saber ler eacute quem aprende mais coisas

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C8 uma crianccedila jaacute sabe ler quando ela sabe ler quando ela descobre quando

ela vai para outra escola

P aqui na escola tem algumas crianccedilas que jaacute sabem ler

C8 ((afirma com a cabeccedila))

P entatildeo natildeo precisa mudar de escola precisa

C8 natildeo mas semana que vem tem que mudar de escola (refere-se ao

proacuteximo ano em que ingressaratildeo na escola de Ensino Fundamental)

P e quando vocecirc vecirc uma crianccedila e fala assim ldquonossa aquele meu amiguinho

jaacute aprendeu a lerrdquo quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C8 porque a minha matildee me ensina a ler

P e como que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabe ler

C8 eu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a ler

P ah e eacute importante aprender a ler tambeacutem

C8 uhum

P certo obrigada viu C8

C8 de nada

Pelas falas de C14 e de C8 depreende-se que a escrita eacute utilizada para realizar tarefas

escolares e natildeo como uma forma de expressatildeo humana As crianccedilas parecem perceber que eacute

importante aprender a escrever e a ler porque se faz ldquotarefas matemaacutetica se faz tudordquo

Vygotski (1996) afirma que a escola eacute a instituiccedilatildeo por excelecircncia responsaacutevel por

garantir a apropriaccedilatildeo do saber que foi historicamente produzido e organizado pela humanidade

com o objetivo de promover a humanizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e consequentemente responsaacutevel pelo

113

ensino da leitura e da escrita e por possibilitar a apropriaccedilatildeo e a objetivaccedilatildeo desses objetos

culturais Dessa forma no processo de ensino e de aprendizagem do ato de ler e de escrever o

professor seria o principal mediador nessa instacircncia No entanto as falas indicam que as crianccedilas

atribuem agraves pessoas da famiacutelia a funccedilatildeo de ensinar-lhes o ato de ler e de escrever em vez do

professor e da escola como comumente se pensa As famiacutelias leem para as crianccedilas livros ou

outros materiais de leitura em casa e assumem o papel de mediadores que de acordo com as falas

das proacuteprias crianccedilas parecem mais eficazes que da professora da escola como C8 e C14 ldquoa

minha matildee me ensina a lerrdquo ldquoeu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a lerrdquo No

caso destas crianccedilas natildeo quer dizer que jaacute soubessem ler mas de que as famiacutelias assumiram o

papel que a escola natildeo conseguia realizar ou seja a escola dentro das condiccedilotildees concretas de

educaccedilatildeo oferecidas e vividas pelas crianccedilas ateacute aquele momento natildeo contemplava os interesses

nem mesmo criava a necessidade de virem a aprender a ler num futuro proacuteximo

No ensino do ato de ler e de escrever aleacutem da crianccedila participar de situaccedilotildees reais de

leitura e de escrita a mediaccedilatildeo do outro eacute crucial Por essa razatildeo possivelmente as crianccedilas natildeo

atribuem agrave escola a tarefa de ensinaacute-las a ler uma vez que as praacuteticas de inserccedilatildeo na cultura

escrita do ensino do ato de ler e de escrever escolares sejam ocupadas por exerciacutecios teacutecnicos

artificiais da liacutengua relacionados agrave foneacutetica Os materiais de leitura ndash livros didaacuteticos utilizados na

elaboraccedilatildeo das aulas como se verifica no capiacutetulo II na fala de PI I por exemplo ou ainda os

livros de literatura infantil natildeo satildeo utilizados para saber o que estava escrito para se informar

mas para fazer a identificaccedilatildeo de letras a correspondecircncia com os sons a formaccedilatildeo das siacutelabas e

de palavras Diante disso o que se verifica eacute que a escola propotildee exerciacutecios de codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo enquanto os atos de ler e de escrever satildeo ensinados em casa

As crianccedilas buscam o sentido do que estaacute diante dos olhos e natildeo tecem uma

distinccedilatildeo entre ler na escola e ler fora dela porque para elas as praacuteticas de leitura

satildeo praacuteticas culturais referem-se ao manejo do signo linguumliacutestico natildeo no

tratamento da palavra como sinal Assim enquanto a escola dirige o processo de

alfabetizaccedilatildeo como domiacutenio do sistema de codificaccedilatildeo acreditando estar

ensinando as crianccedilas a ler do ponto de vista dos sujeitos a aprendizagem desta

atividade ou natildeo estaacute ocorrendo ou estaacute poreacutem aleacutem de seus muros porque a

instituiccedilatildeo escolar natildeo apresenta o ler como elemento do jogo da crianccedila como

acontece nas situaccedilotildees de leitura vivenciadas em casa ou na rua (CRUVINEL

2010 p 137)

114

No processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da linguagem escrita enfatiza-se a sua utilizaccedilatildeo

para registrar vivecircncias expressar sentimentos e emoccedilotildees comunicar-se ldquoCom isso jaacute se

percebe que as atividades que em geral satildeo utilizadas para ensinar a escrever pecam por sua

finalidade e pelo sentido que imprimem agrave atividaderdquo (MELLO 2005 p29) Desse modo a

escrita se constitui como tarefa como algo eminentemente escolar como uma tarefa de estudo

em razatildeo de o ensino da escrita valorizar o ensino de letras e siacutelabas na correspondecircncia entre

letra e som desde a Educaccedilatildeo Infantil como foi analisado nos registros das entrevistas com as

professoras no capiacutetulo anterior Ao se fazer isso parece que se busca uma forma de tornar o

processo de apropriaccedilatildeo da escrita mais simples mas os resultados demonstram o contraacuterio Ao

se acreditar que ensinar primeiramente letras e siacutelabas para num momento posterior chegar aos

processos de comunicaccedilatildeo e expressatildeo deixa-se de utilizar a escrita com a funccedilatildeo para a qual foi

criada

Os exerciacutecios de escrita que de um modo geral preenchem boa parte do tempo

das crianccedilas nos uacuteltimos anos da educaccedilatildeo infantil e no iniacutecio do ensino

fundamental satildeo em geral tarefas de treino de escrita de letras siacutelabas e

palavras que natildeo constituem atividade de expressatildeo De um modo geral insiste-

se no reconhecimento das letras ndash com as quais a crianccedila natildeo lecirc nada Esse

trabalho com letras e siacutelabas dificulta a percepccedilatildeo pela crianccedila de que a escrita eacute

um instrumento cultural Escrever em lugar de expressar uma informaccedilatildeo uma

emoccedilatildeo ou um desejo de comunicaccedilatildeo toma para a crianccedila o sentido de

atividade que se faz na escola para atender a exigecircncia do professor Da mesma

forma se daacute com a leitura E esse sentido marca a relaccedilatildeo que a crianccedila vai

estabelecer com a escrita no futuro ao enfatizar o aspecto teacutecnico comeccedilando

pelo reconhecimento das letras e gastando um periacuteodo longo numa atividade que

natildeo expressa informaccedilatildeo ideia ou desejo pessoal de comunicaccedilatildeo ou expressatildeo

a escola acaba por ensinar agrave crianccedila que escrever eacute desenhar as letras quando de

fato escrever eacute registrar e expressar informaccedilotildees ideias e sentimentos (MELLO

2005 p 30)

A afirmaccedilatildeo de que por meio desse ensino do coacutedigo a escola acaba por ensinar a

desenhar as letras remete agrave fala de C14 quando ao ser indagada sobre o que mais eacute possiacutevel fazer

quando se aprende a escrever aleacutem de fazer tarefa responde ldquodesenhordquo E ao retomar a

pergunta ldquodesenho o que maisrdquo responde ldquoeacute desenho de carrordquo Essas falas aparentam

revelar que desenhar letras e desenhar objetos pertencem agrave mesma accedilatildeo A crianccedila natildeo

compreende que a escrita serve para dizer coisas para registrar para ler depois para se lembrar

de algo para comunicar e expressar ideias Para C14 se aprende a ler para fazer tarefas

115

Embora C8 afirme que eacute importante aprender a escrever para fazer tarefa revela que uma

crianccedila jaacute sabe ler quando descobre que pode ir para a escola do Ensino Fundamental Essas

afirmaccedilotildees relacionam-se ao discurso das professoras que na intenccedilatildeo de ldquoprepararemrdquo as

crianccedilas para essa modalidade de ensino introduzem o ensino do ato de ler e de escrever focado

na sinalidade e na sonorizaccedilatildeo Nesse contexto a Educaccedilatildeo Infantil se reduz a uma etapa da vida

da crianccedila em que ela recebe na escola da pequena infacircncia os conhecimentos que falsamente se

julgam necessaacuterios para ingressar e ser bem sucedida no Ensino Fundamental A leitura e a

escrita objetos da cultura passam a ser objetos de escola (CRUVINEL 2010) Acredita-se que

se a crianccedila for submetida a esse ensino preparatoacuterio poderaacute supostamente aprender a ler e a

escrever para natildeo envergonhar-se e natildeo envergonhar a escola diante de pessoas estranhas

C1

P vocecirc acha importante C1 saber escrever

C1 eu sei mas somente o meu nome

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P acha e por que vocecirc acha importante a gente saber escrever

C1 porque eu natildeo sei

P por que vocecirc acha que isso eacute importante para que a gente precisa aprender a

escrever

C1 porque a gente vai crescendo e vai aprendendo

P eacute e pra fazer o que depois com essa escrita

C1 eacute ((silencia))

P e o que vocecirc vai usar por exemplo quando vocecirc aprender a escrever vocecirc

vai usar para que isso

C1 porque sim

P pra que a gente aprende a escrever

C1 porque nossos pais fazem a gente escrever

P ah C1 o que eacute saber ler

C1 eacute para aprender

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C1 tem que ter seis anos para saber ler

P ah quando tem seis anos mas tem gente que aprende antes dos seis anos

natildeo aprende

C1 a hatilde

P e aiacute

C1 hum

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler quando que vocecirc olha para um

amiguinho e diz aquela pessoa jaacute sabe ler como eacute que vocecirc percebe isso

C1 eacute porque um dia a V ((refere-se a uma colega da turma)) conseguiu ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu que ela fez isso

C1 porque ela estava vendo o livrinho e prestando atenccedilatildeo nos desenhos

P eacute mesmo

116

C1 e a professora deu um pontinho

P quando foi isso

C1 ah quando a gente estudava com a outra professora ((refere-se a professora

do ano anterior)

P muito obrigada viu C1

C1 taacute obrigada

A expectativa dos pais em querer que seus filhos se alfabetizem precocemente na

Educaccedilatildeo Infantil pode ser verificada na fala de C1 ldquoporque nossos pais fazem a gente escreverrdquo

Essa crianccedila possivelmente era submetida em casa a exerciacutecios de leitura e de escrita na tentativa

dos pais de alfabetizaacute-la possivelmente de uma forma impositiva Admite que sabe escrever

somente o nome A ideia de quanto mais cedo se escolarizar mais chances a crianccedila teraacute de

alcanccedilar o sucesso na vida profissional leva natildeo somente os professores da Educaccedilatildeo Infantil

mas tambeacutem os pais a terem praacuteticas de ensino da leitura e da escrita artificiais que

desconsideram os interesses e as especificidades do desenvolvimento infantil Disso resulta que a

inserccedilatildeo na cultura escrita ocorre de forma a natildeo contemplar a crianccedila nas relaccedilotildees em que ela

pode estabelecer com a escrita e com a leitura e que esse processo pode ser destituiacutedo de sentido

positivo a sua apropriaccedilatildeo

C1 afirma que a colega de turma jaacute sabe ler porque a viu observando os desenhos do livro

Esse fato revela as ideias que C1 apresenta sobre a leitura Para ler eacute preciso buscar indiacutecios

pistas no texto as ilustraccedilotildees satildeo elementos importantes porque dizem coisas datildeo informaccedilotildees e

dialogam com o leitor e com o texto Ao afirmar que V sabe ler porque viu o livrinho e prestou

atenccedilatildeo nos desenhos provavelmente identificou nessa colega condutas de um leitor

C1 ainda afirma que quando sua colega apresentou essa mesma conduta que remetia ao

ato de ler quando estava na turma do ano anterior sua professora deu um ldquopontinhordquo Ao analisar

essa fala pode-se inferir que desde cedo jaacute na Educaccedilatildeo Infantil a leitura eacute motivada por

ldquopontinhosrdquo e recompensas quando as crianccedilas leem o que eacute pedido ou da forma como eacute

solicitado Nesse caso natildeo se trata de criar a necessidade de ler mas a vontade de ganhar uma

possiacutevel recompensa pelos esforccedilos em decodificar ainda tatildeo precocemente Essa fala de C1 estaacute

em consonacircncia com as falas das professoras e de suas praacuteticas do ensino do ato de ler Quanto a

isso Arena (2010b p 244 ndash 245 grifos do autor) explica que

A grande diferenccedila estaacute na atitude de ensinar a ler O sistema linguumliacutestico do

portuguecircs ou de outras liacutenguas ocidentais pode ser considerado uma tecnologia

117

elaborada cultural social e historicamente em profunda e contiacutenua evoluccedilatildeo

porque natildeo estaacute congelada em abstrato mas pelo contraacuterio estaacute viva na relaccedilatildeo

entre os seus usuaacuterios e seus escritores na Europa na Aacutesia na Aacutefrica e na

Ameacuterica Esse sistema eacute apropriado pela crianccedila na escola porque essa crianccedila

tambeacutem eacute um ser cultural histoacuterico e social que motivada por essas relaccedilotildees

quer conhecer o mundo por esse sistema Nessa linha de raciociacutenio os elementos

teacutecnicos dessa tecnologia cultural devem ser dominados porque existe uma

atitude de leitor que busca o sentido esse sim o motivo que cria a necessidade de

a crianccedila querer aprender a ler A liacutengua escrita soacute pode ser lida porque haacute nela

um sentido a ser recriado por um sujeito cultural A diferenccedila estaacute pois na

atitude do leitor orientada pelo professor que sempre tenta atribuir um sentido e

natildeo o sentido (FOUCAMBERT 1998) embora para isso seja preciso dominar o

funcionamento do sistema linguumliacutestico e das relaccedilotildees entre as letras sem descuido

da atitude primeira para a formaccedilatildeo do leitor a de atribuir sentido

Essas afirmaccedilotildees remetem ainda ao fato de que a leitura para a crianccedila nesse contexto

corre o risco de ser somente uma tarefa e natildeo se tornar uma atividade (LEONTIEV 1988) uma

vez que a crianccedila se esforccedila para alcanccedilar uma recompensa e natildeo para satisfazer uma curiosidade

para conhecer para se informar para se divertir O motivo que levou a crianccedila a ler natildeo coincide

com o resultado previsto para a accedilatildeo

Haacute ainda outro aspecto que pode ser considerado em relaccedilatildeo ao ldquopontinhordquo Ao mesmo

tempo em que usa esse recurso para avaliar a ldquoleiturardquo daacute agrave crianccedila um retorno positivo

indicativo de que teve sucesso nessa accedilatildeo Natildeo se pode afirmar que ela nessas condiccedilotildees

aprendeu a ler mas eacute uma forma de mostrar seu ecircxito por meio dessa accedilatildeo docente

C11

P C11 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C 11 eu acho

P e por que vocecirc acha que eacute

C11 eu queria quando crescer ser um escritor de histoacuterias

P ah quando vocecirc crescer vocecirc quer ser um escritor que maravilhoso C11 e

por que vocecirc acha que eacute importante pra gente escrever

C11 porque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar inteligente

P eacute e o que daacute pra gente fazer quando a gente jaacute sabe escrever o que a gente

pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C11 ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu

mais gosto

P natildeo o que

C11 eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleia

P nossa satildeo vaacuterios neacute ((risos)) C11 e pra vocecirc o que eacute saber ler quando

uma crianccedila jaacute sabe ler

C11 eacute quando ela tem uns oito anos dez anos

P mas vocecirc jaacute disse que jaacute estaacute comeccedilando a ler natildeo estaacute

118

C11 to

P e vocecirc jaacute tem oito anos

C11 natildeo

P natildeo entatildeo natildeo precisa ter oito anos para aprender a ler precisa

C11 natildeo eacute soacute juntar as palavrinhas que jaacute consegue ler

P eacute mesmo e vocecirc jaacute faz isso entatildeo

C11 hum hum ((afirma com a cabeccedila))

P ah taacute entatildeo estaacute bem

C11 minha matildee escreve no guarda roupa pra mim e eu tenho que ler aiacute eu leio

GUAR-DA-ROU-PA mamatildee natildeo sabe escrever tudo

P natildeo mas algueacutem pode ajudaacute-la quando souber

C11 meu pai sabe escrever tudo

P eacute mesmo

C11 eacute sim

Pela anaacutelise da fala de C11 depreende-se que a crianccedila reconhece a escrita como uma

forma de saber coisas de ter acesso ao conhecimento de se apropriar da cultura elaborada e por

tal razatildeo aparenta reconhecer a necessidade de se apropriar da cultura escrita ao dizer ldquoeu queria

quando crescer ser um escritor de histoacuteriasrdquo e quando reitero a pergunta sobre por que acha

importante saber escrever responde ldquoporque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar

inteligenterdquo Como abordado anteriormente a escrita por ser um instrumento cultural complexo

(VYGOTSKI 1995) resulta de um longo processo de desenvolvimento das funccedilotildees superiores do

comportamento infantil que Vygotski denominou de preacute-histoacuteria da linguagem escrita Quando

C11 diz que acha importante saber escrever porque fica inteligente eacute porque aparenta perceber

que aprender a escrever eacute algo complexo que exige dela um esforccedilo ensinado por algueacutem mais

experiente pelo pai pela matildee ou algueacutem da famiacutelia Com isso deduz-se que natildeo se aprende a

escrever soacute por imitaccedilatildeo e que esse instrumento serve para comunicar suas ideias quando diz que

deseja ser um escritor de histoacuterias Por outro lado C11 pode ter declarado que deseja ser um

escritor de histoacuterias porque isso lhe confere prestiacutegio social Saber ler e escrever lhe confere um

status diante da proacutepria famiacutelia dos colegas da professora e garante supostamente que ela

participe da cultura de forma mais ativa

A escrita comeccedila entre o gesto e o signo escrito haacute dois elementos que se interpotildeem o

desenho e o faz-de conta (VYGOTSKI 1995) Esse processo pode ser constatado na fala de C11

quando revela ldquo ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu mais

gosto eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleiardquo Em outras palavras a crianccedila aparenta demonstrar

119

que o desenho representa ideias e que num passo seguinte a escrita o faraacute Segundo Vygotski

(1995 p 192 ndash 193 traduccedilatildeo nossa)

Por tudo isso podemos considerar que o desenho infantil eacute uma etapa preacutevia agrave

linguagem escrita Por sua funccedilatildeo psicoloacutegica o desenho infantil eacute uma

linguagem graacutefica peculiar um relato graacutefico sobre algo A teacutecnica do desenho

infantil demonstra sem deixar duacutevida que na realidade se trata de um relato

graacutefico ou seja uma peculiar linguagem escrita16

Pode-se inferir que C11 entende que para ler eacute preciso juntar palavras unidades de

sentido e a matildee tambeacutem tenta ensinar a crianccedila a ler ao escrever Por exemplo pode escrever a

palavra guarda-roupa num papel fixaacute-la no proacuteprio moacutevel que o corresponde e solicitar que a

crianccedila leia Disso decorre que aprender a linguagem escrita como um sistema de codificaccedilatildeo natildeo

eacute suficiente para que as crianccedilas possam se apropriar dessa linguagem participar da cultura

escrita e se tornar leitoras e escritoras

C6

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C6 importante

P eacute vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C6 eu acho

P e por que eacute importante aprender a escrever

C6 hum para a gente aprender mais

P aprender mais e o que a gente pode fazer depois que a gente aprende a

escrever

C6 escreve

P escreve o quecirc por exemplo

C6 escreve para professora para o amiguinho

P ah escreve para a professora para os amigos eacute

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P hum C6 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 somente quando estuda na outra escola dos grandes (refere-se agraves crianccedilas

com mais de seis anos e a escola de Ensino Fundamental)

P somente quando vai para laacute e antes natildeo pode aprender

C6 antes aprende tambeacutem

P entatildeo e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 quando estiver em outras escolas assim

16

Trecho original da citaccedilatildeo (Vygotski 1995 p 192 ndash 193) Por todo ello podemos considerar que el dibujo infantil

es una etapa previa al lenguaje escrito Por su funcioacuten psicoloacutegica el dibujo infantil es un lenguaje graacutefico peculiar

un relato graacutefico sobre algo La teacutecnica del dibujo infantil demuestra sin lugar a duda que en realidad se trata de un

relato graacutefico es decir un peculiar lenguaje escrito

120

P vocecirc tem alguma amiguinha aqui na nossa escola que jaacute sabe ler

C6 natildeo

P nenhuma

C6 nenhuma

P ah e quando uma pessoa jaacute sabe ler vocecirc fala assim nossa aquela crianccedila

ali jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem estava lendo

C6 eu jaacute sei ler

P e como eacute que vocecirc sabe o que vocecirc faz quando vocecirc lecirc como vocecirc faz pra

ler

C6 eu fico juntando as letrinhas (novamente discurso da professora ou da

matildee)

P ah vocecirc fica juntando as letrinhas e vai conseguindo ler

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P eacute assim

C11 eacute

P ah entendi entatildeo jaacute aprendeu

C6 uhum ((afirma com a cabeccedila))

P que bom obrigada viu C6

C6 de nada

Eacute possiacutevel dizer pela anaacutelise das falas de C6 que ela percebe a funccedilatildeo social da escrita e

que essa linguagem assim como a leitura se faz na interaccedilatildeo com o outro de forma dialoacutegica

Em outras palavras se escreve para algueacutem ler para um destinataacuterio real com o intuito de

informar algo de dizer algo ldquoescreve para a professora para os amigosrdquo Esta crianccedila tambeacutem

sugere por meio de sua fala como as falas jaacute apresentadas que a aprendizagem da escrita ocorre

quando satildeo maiores quando possuem mais idade e estatildeo no Ensino Fundamental apesar de

admitirem que saibam ler ainda na Educaccedilatildeo Infantil

Os discursos das professoras se encontram presentes nos discursos das crianccedilas Percebe-

se que por meio das vivecircncias das praacuteticas do ensino do ato de ler e do escrever na escola da

pequena infacircncia o estatuto de crianccedila para o de aluno natildeo se modifica quando elas ingressam no

Ensino Fundamental porque satildeo forccediladas a assumir o estatuto de aluno jaacute na Educaccedilatildeo Infantil

com a consequente abreviaccedilatildeo da infacircncia (ZAPOROacuteZHETS 1987) aleacutem de contribuir para que

o processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita se tornem um possiacutevel fracasso para a crianccedila

No entanto ao ser indagada como faz para ler explica que ldquofica juntando as letrinhasrdquo O

problema natildeo reside no fato de a crianccedila aprender a ler e a escrever na Educaccedilatildeo Infantil mas na

forma como isso acontece destituiacuteda de sentido positivo sem que entenda a finalidade dessa

aprendizagem Focar o ensino da liacutengua desde o iniacutecio no ensino de letras siacutelabas e palavras

desconexas em detrimento do trabalho com textos que trazem ideias eacute dificultar todo o processo

121

de apropriaccedilatildeo da liacutengua porque ldquodificulta a percepccedilatildeo pela crianccedila que a escrita eacute um

instrumento culturalrdquo (MELLO 2005 p 30) Escrever de forma teacutecnica artificial em vez de

expressar um desejo de expressatildeo uma informaccedilatildeo uma emoccedilatildeo ldquotoma para a crianccedila o sentido

de atividade que se faz na escola para atender agrave exigecircncia do professor Da mesma forma se daacute

com a leiturardquo (MELLO 2005 p 30)

C16

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C16 acho

P por que vocecirc acha importante saber escrever

C16 porque ensina mais

P quem

C16 vocecirc ((refere-se a mim que sou professora da turma e pesquisadora))

P e vocecirc o que vocecirc vai poder fazer quando vocecirc souber escrever

C16 eacute carta

P carta Olha eacute mesmo que legal o que mais a gente pode fazer aleacutem de

escrever cartas

C16 a gente tambeacutem pode fazer uma histoacuteria

P pode escrever uma histoacuteria eacute mesmo neacute hum muito bem e o que eacute saber

ler

C16 eacute quando as pessoas fazem algum tipo de histoacuteria

P quando vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C16 quando ele estaacute contando uma histoacuteria

P ah eacute e como vocecirc sabe que isso acontece

C16 por que ah eu natildeo lembro

P quando que vocecirc olha e falanossa aquele meu amiguinho ali jaacute sabe ler

como que vocecirc percebe o que esse amiguinho agraves vezes faz que vocecirc percebe

que ele jaacute sabe ler

C16 eu acho que ele treina

P treina e como

C16 ele pega algum livrinho emprestado e comeccedila a ler

P eacute e como eacute que faz pra treinar

C16 treinar eacute soacute juntar as letras

P ah e vai juntando as letras assim

C16 aham

P e vai aprendendo e vai treinando

C16 Aham

P certoentatildeo estaacute bom obrigada

Embora a entrevista realizada com os sujeitos no iniacutecio da pesquisa tenha sido realizada

em maio de 2010 ndash no quarto mecircs de trabalho com essa turma ndash C16 afirma que acha importante

aprender a escrever porque a professora (no caso eu mesma) ensina mais Ao ser indagada sobre

o que vai poder fazer quando souber escrever afirma que poderaacute escrever cartas e histoacuterias Essa

122

crianccedila jaacute havia assim como as demais da turma recebido cartas de uma turma de crianccedilas de

outra escola e participado de algumas situaccedilotildees de escrita de histoacuterias coletivamente como parte

do trabalho pedagoacutegico realizado o que muito possivelmente possa ter influenciado a sua

resposta Eacute possiacutevel perceber as marcas das accedilotildees e dos discursos docentes na fala dessa crianccedila

como nas demais e essas marcas atuam diretamente nos conceitos que elaboram

Em contrapartida para C16 a leitura eacute algo que exige treino e esse treino se constitui em

juntar as letras Ao juntar letras treina e aprende a ler Esta afirmaccedilatildeo coincide com as falas das

professoras que como foi analisado no item anterior possuem conceitos que interferem

diretamente em suas praacuteticas de ensino da leitura e da escrita e consequentemente nas

aprendizagens Isso se verifica nas falas das professoras retomadas para perceber essa

interferecircncia PM II ldquoah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo

mais prontas jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepido

jaacute entendem melhor o que a gente ensina se bem que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar

antes no maternal mas no Infantil II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra

ao som conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou mostrando

trabalho muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu vou oferecendo mais vou

puxando sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro demais pra elasrdquo Ou ainda como explicita

PI I ldquoeles jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles

onde estaacute escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute

acha o siacutembolo da palavra jaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a

palavra antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra eles jaacute

comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras iguais nos nomes o som do nome Gui comeccedila com

tal letra entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do

Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo tendo contato com a escrita neacuterdquo

Nesse contexto cabe lembrar que

Partindo desse pressuposto no qual a apropriaccedilatildeo da linguagem (que no caso a

escrita) age como mola propulsora para o desenvolvimento humano eacute que natildeo

podemos concordar com a alfabetizaccedilatildeo sendo ldquoensinadardquo ou melhor

ldquotreinadardquo como se fosse um conhecimento mecacircnico norteado por exerciacutecios

repetitivos e descontextualizados como se a aprendizagem ocorresse quando

estes procedimentos didaacuteticos esteacutereis fossem completados com ldquoecircxitordquo Esta eacute

uma forma de considerar que a aprendizagem ocorre de ldquodentro para forardquo

123

reduzido unicamente por caracteres bioloacutegicos ndash espontacircneos (CHAVES

GRACILIANO GROTH 2011 p 5)

E continua

A preocupaccedilatildeo algumas vezes tem sido manifestada na praacutetica escolar em

ensinar a decodificaccedilatildeo de letras gerandodesencadeando uma leitura mecacircnica

ndash amortizada ndash ignorando o papel fundamental que ela proporciona ao

desenvolvimento intelectualcognitivo cultural e emocional da crianccedila

(CHAVES GRACILIANO GROTH 2011 p 5)

C16 afirma que algueacutem jaacute sabe ler quando ldquoele estaacute contando uma histoacuteria bem certardquo

Pode-se inferir que contar uma histoacuteria bem certa refere-se possivelmente agrave manifestaccedilatildeo da

leitura em voz alta que C16 jaacute presenciou algueacutem fazer Ao se referir a ldquocontarrdquo quer dizer que

ouviu e viu algueacutem fazer isso e de forma ldquobem certardquo porque a pessoa leu uma histoacuteria num livro

a histoacuteria em seu suporte e por isso natildeo era algo inventado mas lido tal e qual fora escrito

Essa manifestaccedilatildeo do ato de ler pela leitura em voz alta tambeacutem

pode ser percebida nos trechos a seguir

C12

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler C12

C12 hum

P quando que algueacutem jaacute sabe ler a sua irmatilde jaacute sabe ler

C12 sabe

P e como eacute que vocecirc sabe que ela jaacute sabe ler o que vocecirc percebeu que ela faz

que te mostra que ela jaacute sabe ler

C12 ela leu a histoacuteria do Saci na minha casa

P ela leu a histoacuteria do saci na sua casa

C12 eacute

P e como eacute que vocecirc viu que ela estava lendo

C12 ah porque ela contou pra mim

P ela contou pra vocecirc

C12 eacute

P ah certo e vocecirc gostou

C12 gostei

P obrigada

C20

P C20 o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C20 de anos

124

P quando vocecirc acha que algueacutem aprendeu a ler que vocecirc olha assim e fala

olha aquela garota jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 porque eles ficam falando porque eles pegam uma folha e ficam

falando

P ah eacute falam alto

C20 eacute

P aiacute vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 eacute

P ah certo muito obrigada

C20 taacute

Os dados apresentados aparentam revelar que as crianccedilas mencionadas percebem que a

leitura eacute algo que ocorre no interior do pensamento mas que eacute objetivada na medida em que se

fala em que se oraliza Contudo natildeo eacute possiacutevel afirmar que a irmatilde de C12 e as pessoas as quais

C16 e C20 dizem ler de fato estatildeo lendo porque ler natildeo eacute apenas oralizar natildeo eacute fazer uma versatildeo

oral do escrito (FOUCAMBERT 1994) natildeo eacute somente decodificar Ler segundo o conceito

assumido neste trabalho eacute compreender eacute produzir sentido eacute questionar o texto como elucida

Arena (2004 sp) ldquoler eacute compreenderrdquo E saber pronunciar natildeo eacute saber ler E ver letra por letra

ou siacutelaba por siacutelaba natildeo eacute saber lerrdquo Ler eacute dialogar com o texto eacute interagir dialogicamente ldquoeacute

fazer perguntas desejadas para a linguagem organizada em sua modalidade escrita com a

perspectiva de encontrar respostas precaacuterias ou satisfatoacuterias para perguntas fragilmente

elaboradasrdquo (ARENA 2004 sp)

Segundo Charmeux (apud BAJARD 2005) a oralizaccedilatildeo eacute uma emissatildeo vocal que nasce

da decifraccedilatildeo e eacute anterior agrave produccedilatildeo de sentido e por essa razatildeo dificulta a aprendizagem

ldquoQuando o aprendizado da leitura se faz pela decifraccedilatildeo a produccedilatildeo sonora traduz o domiacutenio das

relaccedilotildees grafo-foneacuteticasrdquo (BAJARD 2005 p 76) Nessa perspectiva de aprendizagem a

compreensatildeo se daacute com a sonorizaccedilatildeo do texto ou seja pela oralizaccedilatildeo e a construccedilatildeo do sentido

pertence ao campo do oral e natildeo do escrito A oralizaccedilatildeo permite avaliar essa habilidade de

transformar os signos escritos em signos sonoros Entretanto essa habilidade eacute insuficiente para o

aprendizado da leitura porque natildeo pressupotildee a compreensatildeo a produccedilatildeo de sentido Para Bajard

(2007 p32)

Desde o nascimento do alfabeto a praacutetica da leitura estaacute fortemente associada agrave

emissatildeo sonora do texto Esse caraacuteter vocal da leitura estaacute estreitamente

relacionado a outros aspectos do uso da escrita que vatildeo se modificando pouco a

pouco sob a influecircncia das transformaccedilotildees sociais

125

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que C12 declara que a irmatilde leu a histoacuteria do Saci na casa

dela mas quando se pergunta como ela percebeu que ela lera a histoacuteria C12 responde que ela

contou a histoacuteria a ela Essa fala indica a existecircncia de duas accedilotildees a de ler e a de contar

C3

P C3 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C3 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute eacute importante aprender a escrever e por que vocecirc acha que eacute importante

C3 por quecirc eacute para poder escrever as cartas no dia do aniversaacuterio para poder

dar para os amigos (refere-se agrave convites de aniversaacuterio)

P ah entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode escrever cartas para os

amigos convites de aniversaacuterios o que mais a gente pode fazer quando a

gente sabe escrever

C3 a gente tambeacutem pode dar para as professoras coisa boa que estaacute escrita

P eacute mesmo e que tipo de coisas boas assim

C3 elogios de amor de felicidade

P nossa que gostoso entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode fazer

um montatildeo de coisas neacute

Gabriela eacute

P C3 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C3 eacute eu natildeo sei quais os dias

P natildeo os dias natildeo mas como que vocecirc percebe que algueacutem sabe ler

C3 eacute porque minha matildee conta histoacuterias pra mim todos os dias aiacute eu ouccedilo

P vocecirc conhece algueacutem que sabe ler a sua matildee por exemplo sabe ler

C3 o meu avocirc

P o seu avocirc tem amiguinhos seus que jaacute sabem ler

C3 tem

P tem

C3 a minha amiga G e minha outra amiga que chama D

P e como eacute que vocecirc sabe que elas jaacute sabem ler

C3 porque elas satildeo grandes

P ah eacute mas uma crianccedila menor pode aprender a ler natildeo pode

C3 pode minha matildee me ensina

P entatildeo mas como eacute que vocecirc fala assim nossa aquela pessoa ali jaacute sabe

ler

C3 eacute porque eu fico estudando todos os dias lendo eu fico falando o alfabeto

assim oacute Q E M A B

P Ah e aiacute falando as letras vocecirc vai aprendendo

C3 eacute

P a ler falando o alfabeto

C3 eacute

P entendi muito obrigada viu

C3 parece compreender que a escrita eacute algo necessaacuterio para comunicar para informar

para expressar vontades desejos ideias sentimentos quando diz que eacute importante escrever

126

porque pode se escrever cartas (refere-se a convites) de aniversaacuterio para dar aos amigos ou ainda

para comunicar a professora o que pensa ou sente por ela ldquoa gente tambeacutem pode dar para as

professoras coisa boa que estaacute escrita elogios de amor de felicidaderdquo Possivelmente esta

crianccedila afirma que se podem escrever cartas ou elogios para as pessoas de quem se gosta porque

no ano da realizaccedilatildeo da pesquisa jaacute havia presenciado ainda que de forma inicial situaccedilotildees de

leitura e de escrita com alguns gecircneros discursivos com destinataacuterios reais em que as crianccedilas

participaram de todo o processo de discussatildeo escolha e re-criaccedilatildeo dos textos movidas por um

objetivo e um projeto coletivo ou individual

Apesar de ter participado na ocasiatildeo da entrevista no iniacutecio da pesquisa de algumas

poucas situaccedilotildees de leitura e escrita percebe-se em contrapartida que o enunciado de C3 com

relaccedilatildeo ao aprendizado da leitura e da escrita estaacute diretamente relacionado aos enunciados das

professoras entrevistadas suas concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas quando revela que para

aprender a ler repete oralmente as letras o alfabeto Essa fala de C3 remete a pesquisadora para

as praacuteticas escolarizadas de leitura que possivelmente estatildeo presentes desde cedo na Educaccedilatildeo

Infantil Vygotski (1995 p 201) afirma que o ensino da escrita pode ocorrer jaacute na preacute-escola

desde que seja apresentado para a crianccedila de forma natural com significado e organizado para

que estes conhecimentos sejam necessaacuterios a ela pois do contraacuterio corre-se o risco de fazer

acontecer uma praacutetica puramente teacutecnica

Desse modo o que se enfatiza natildeo eacute o fato de as crianccedilas aprenderem a ler e a escrever na

Educaccedilatildeo Infantil mas como isso ocorre isto eacute de forma forccedilada impositiva como indicam as

praacuteticas pedagoacutegicas das professoras Se essas praacuteticas satildeo focadas nos exerciacutecios motores no

caso da leitura nada exprimem da essecircncia da praacutetica social da leitura e da escrita cuja funccedilatildeo e

valor estatildeo culturalmente determinados (BRITTO 2005)

A crianccedila a seguir C5 tambeacutem aparenta compreender a funccedilatildeo da escrita

C5

P C5 vocecirc acha importante aprender a escrever ou saber escrever

C5 eu jaacute sei

P vocecirc jaacute sabe escrever mesmo o que vocecirc faz agora por vocecirc jaacute sabe escrever

C5 ler histoacuteria pra minha irmatilde dormir

P ah que legal vocecirc lecirc histoacuterias para sua irmatilde dormir e ela gosta

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute mesmo C5 o que a gente pode fazer quando a gente aprende a escrever

C5 falar coisas para os amigos

127

P eacute falar ou escrever

C5 escrever

P eacute que tipo de coisas

C5 uma coisa que eles natildeo sabem depois vocecirc fala

P escreve

C5 depois vocecirc fala o que eacute se natildeo sabe

P ah aiacute vocecirc estaacute lendo natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever entatildeo

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e o que eacute saber ler

C5 eacute que aprende muitas coisas

P e quando que uma crianccedila jaacute sabe ler vocecirc por exemplo vocecirc falou pra

mim que jaacute sabe ler natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P quando que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabia ler

C5 aquele dia que eu fui falar as letras

P ah vocecirc foi falando e foi aiacute que vocecirc percebeu

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute como que vocecirc faz pra ler C5

C5 fala as letras e depois eu adivinho

P ah vocecirc fala as letras e depois adivinha hum entatildeo estaacute bem muito

obrigado viu

A crianccedila revela que por saber escrever auxilia os amigos e a irmatilde que ainda natildeo sabem

Escreve coisas e depois as lecirc para que essas pessoas fiquem sabendo participando assim desse

ato comunicativo da cultura escrita Ao declarar que lecirc histoacuterias para a irmatilde dormir C5 realiza

um costume cultural o ato cultural de ler (ARENA 2010b) que foi aprendido apropriado por ela

mas esse ato cultural foi ensinado supostamente pela matildee ou algum outro familiar e natildeo pela

escola

Essas falas de C5 tambeacutem remetem ao fato de que a escrita e a leitura satildeo dialoacutegicas

acontecem na relaccedilatildeo com o outro A dimensatildeo do dialoacutegico que envolve as relaccedilotildees sociais o

espaccedilo social e as matrizes geradoras de educaccedilatildeo satildeo ressaltadas nesse trabalho de ensino e de

aprendizagem da leitura e da escrita considerando-se o contexto em que esse processo se daacute

Nesse vieacutes o ensino da liacutengua soacute ocorre se se considerar essa dimensatildeo ou seja se se considerar

o processo interativo da linguagem com trocas linguiacutesticas dinacircmicas entre as pessoas e os

valores proacuteprios da cultura e da sua historicidade

C5 diz que fala letras e depois adivinha Isso demonstra que para ler eacute necessaacuterio

ldquoadivinharrdquo e essa afirmaccedilatildeo se refere ao fato de ser necessaacuterio buscar pistas no texto C5 ainda

128

diz que ldquoadivinhardquo porque eacute preciso esforccedilo para compreender e nesse processo eacute preciso arriscar

verificar confirmar ou natildeo voltar e tentar novamente validar

Aleacutem dos conceitos de leitura e de escrita abordados seratildeo apresentados e analisados os

dados sobre os gecircneros discursivos com o intuito de compreender como esse processo de se daacute no

contexto especiacutefico deste trabalho

C6

P C6 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C6 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C6 mais gosto eacute Cinderela

P hum e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C6 porque eu acho mais bonito

P eacute e o que elas tem que deixa mais bonita a histoacuteria

C6 eacute porque a fada transforma num vestido rosa

P C6 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

reportagens poesias notiacutecias

P tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C6 histoacuteria conheccedilo da Chapeuzinho Vermelho

P qual mais

C6 Ahn deixa eu ver Branca de Neve

P certo

C6 Pequena Sereia

P certo

C6 E

P mais alguma

C6 natildeo

C2

P C2 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C2 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C2 Os Trecircs Porquinhos

P Os Trecircs Porquinhos eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C2 porque Os Trecircs Porquinhos fazem uma Os Trecircs Porquinhos eacute um eacute burro

e outro eacute esperto

P ah eacute C2 aleacutem de histoacuterias tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C2 O caso do bolinho (refere-se a histoacuteria de autoria de Tatiana Belinky)

P O caso do bolinho eacute outra histoacuteria neacute mas sem ser histoacuterias poesias por

exemplo vocecirc conhece jaacute ouviu algumas poesias alguma vez

C2 eacute A Branca de Neve

P A Branca de Neve hum e vocecirc costuma usar livros na escola vocecirc natildeo

costuma pegar livros na caixinha da leitura

C2 somente gosto de pegar o livro do Aladim e do catildeo

129

P mas entatildeo vocecirc usa livros na escola

C2 ((afirma com a cabeccedila))

P e em casa vocecirc usa livros vocecirc tem livros na sua casa

C2 uhum

P tem

C2 meu irmatildeo daacute pra eu ler

P e quais livros ele daacute pra vocecirc ler

C2 aquele que tem a Barba Azul

P ah certo C2 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem

histoacuterias poesias ou outros textos aleacutem dos livros

C2 Aquela da bruxa ruim que daacute a maccedilatilde ruim pra Branca de Neve

Pela anaacutelise das falas pode-se inferir que haacute uma predominacircncia do gecircnero discursivo

contos de fada que faz parte da rotina das crianccedilas e da praacutetica de leitura das professoras Esse

gecircnero eacute comumente abordado na Educaccedilatildeo Infantil por supostamente condizer com os interesses

infantis e por seus elementos constitutivos atraiacuterem as crianccedilas ndash seu conteuacutedo temaacutetico seu

estilo sua construccedilatildeo composicional as caracteriacutesticas dos personagens o heroacutei e o vilatildeo o

conflitosituaccedilatildeo de tensatildeo elemento ldquomaravilhosordquo fantaacutestico o bem que vence o mal o

reequiliacutebrio a resoluccedilatildeo do problema

O problema natildeo estaacute em apresentar os contos de fadas agraves crianccedilas ao contraacuterio eacute um

gecircnero discursivo literaacuterio que possui elementos enunciativos ndash discursivos relevantes e

necessaacuterios ao processo de formaccedilatildeo leitora e escritora das crianccedilas Contudo o que se enfatiza eacute

o fato de se priorizar apenas um ou poucos gecircneros discursivos limitando o trabalho pedagoacutegico

e o contato com outros gecircneros Pelas falas das crianccedilas apresentadas pode-se depreender que em

decorrecircncia do exposto as crianccedilas natildeo conhecem outros gecircneros discursivos e por tal razatildeo natildeo

podem estabelecer relaccedilotildees e pensar sobre o funcionamento de outros e da proacutepria liacutengua

C20

P C20 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C20 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C20 Lobo Mau

P ah histoacuterias que tem o Lobo Mau e por que vocecirc gosta mais desse tipo de

histoacuterias

C20 que tem bicho

P eacute e vocecirc gosta os que tecircm bicho

C20 ((afirma com a cabeccedila))

P C20 aleacutem das histoacuterias tem outros tipos de texto que vocecirc conhece

C20 ((nega com a cabeccedila))

130

P C20 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler ou contar histoacuterias pra vocecirc

C20 costumava

P e que tipo de histoacuterias elas liam ou contavam

C20 contavam da Branca de Neve

P da Branca de Neve qual mais

C20 contava dos Trecircs Porquinhos

P dos Trecircs Porquinhos tem mais alguma que vocecirc lembra que elas contavam

C20 ((nega com a cabeccedila))

C9

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 Gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C9 do coelhinho que tenho laacute em casa

P como chama essa histoacuteria Lembra

C9 Coelhinho Tatau

P Ah O coelhinho Tatau tem outros tipos de histoacuterias que vocecirc gosta

C9 Chapeuzinho Vermelho

P ah eacute

C9 mas do Lobo Mau o porquinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C9 porque tem o Lobo que faz as coisas com os porquinhos e aiacute o Lobo se

ferra

P nossa e por que isso acontece com ele

C9 porque ele apronta e aiacute os porquinhos sabem que o Lobo estava atraacutes deles

e aiacute eles pegam e jogam o caldeiratildeo embaixo da chamineacute e ele natildeo sente calor

entra pela chamineacute e sai correndo na hora que cai no caldeiratildeo cheio de aacutegua

quente

P eacute nossa

C9 aiacute ele aprende que natildeo pode mexer com os porquinhos

P hum entendi C9 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc

conhece Poesias notiacutecias reportagens trava-liacutenguas

C9 natildeo

C10

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C10 gosto

P gosta e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C10 do Lobo Mau

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C10 porque o meu tio conta sempre pra mim

P ah eacute seu tio conta sempre

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece por

exemplo as poesias as notiacutecias de jornal tem algum outro tipo de texto que

vocecirc conhece

131

C10 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar os livros na escola

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e na sua casa tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C10 tenho ((fala quase inaudiacutevel))

P ah entatildeo fala pertinho (aproximo o gravador da crianccedila para tentar gravar

melhor a sua voz) tem

C10 tenho

P hum e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias

poesias ou outros textos aleacutem dos livros

C10 natildeo

P vocecirc natildeo conhece algum material escrito igual os livros que tem coisas

escritas

C10 natildeo

P somente conhece os livros

P e quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler histoacuterias pra vocecirc

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P costumavam e que tipo de histoacuterias

C10 Lobo Mau Chapeuzinho Vermelho e Trecircs Porquinhos

As crianccedilas declaram que gostam de ouvir histoacuterias e que suas professoras as leem No

entanto ao serem questionadas sobre quais satildeo lidas ou quais os tipos que mais gostam C2

refere-se tambeacutem agrave histoacuteria ldquoO caso do bolinhordquo de Tatiana Belinky e C9 a histoacuteria ldquoCoelhinho

Tataurdquo

Essas falas das crianccedilas estatildeo em consonacircncia com as das professoras entrevistadas ao

elegerem os contos de fadas como o gecircnero mais lido uma vez que segundo dizem as crianccedilas

os preferem Tais falas trazem marcas das vivecircncias de leitura na escola e em ambientes natildeo

necessariamente escolares considerando as enunciaccedilotildees e o contexto em que a linguagem ocorre

Com a anaacutelise das entrevistas das professoras e das crianccedilas pode-se perceber que o

trabalho com os diferentes gecircneros discursivos na escola de Educaccedilatildeo Infantil em que se realizou

a pesquisa era restrito e se constituiacutea muitas vezes como um recurso didaacutetico com um fim em si

mesmo e natildeo como instrumentos que tornam possiacutevel a comunicaccedilatildeo discursiva Desse modo

toda introduccedilatildeo de um gecircnero na escola eacute o resultado de uma decisatildeo didaacutetica

que visa a objetivos precisos de aprendizagem que satildeo sempre de dois tipos

trata-se de aprender a dominar o gecircnero primeiramente para melhor conhececirc-lo

ou apreciaacute-lo para melhor saber compreendecirc-lo para melhor produzi-lo na

escola ou fora dela e em segundo lugar de desenvolver capacidades que

ultrapassem o gecircnero e que satildeo transferiacuteveis para outros gecircneros proacuteximos ou

distantes Isso implica uma transformaccedilatildeo pelo menos parcial do gecircnero para

132

que esses objetivos sejam atingidos e atingiacuteveis com o maacuteximo de eficaacutecia

simplificaccedilatildeo do gecircnero ecircnfase em certas dimensotildeesetc (DOLZ

SCHNEUWLY 2010 p 69)

E ainda

pelo fato de que o gecircnero funciona num outro lugar social diferente daquele em

que foi originado ele sofre forccedilosamente uma transformaccedilatildeo Ele natildeo tem mais

o mesmo sentido ele eacute principalmente sempre ndash noacutes acabamos de dizecirc-lo ndash

gecircnero a aprender embora permaneccedila gecircnero para comunicar Eacute o

desdobramento do qual falamos mais acima que constitui o fator de

complexificaccedilatildeo principal dos gecircneros na escola e de sua relaccedilatildeo particular com

as praacuteticas de linguagem Trata-se de colocar os alunos em situaccedilotildees de

comunicaccedilatildeo que sejam o mais proacuteximas possiacuteveis de verdadeiras situaccedilotildees de

comunicaccedilatildeo que tenham um sentido para eles a fim de melhor dominaacute-las

como realmente satildeo ao mesmo tempo sabendo o tempo todo que os objetivos

visados satildeo (tambeacutem) outros (DOLZ SCHNEUWLY 2010 p 69)

De acordo com essas consideraccedilotildees cabe ao professor conhecer os diferentes gecircneros

discursivos se apropriar de suas caracteriacutesticas especiacuteficas e planejar intencionalmente o trabalho

pedagoacutegico Apropriar-se dos gecircneros eacute tornar possiacutevel a produccedilatildeo ou a compreensatildeo dos

enunciados e por isso constituem-se tambeacutem em instrumentos para o ensino da leitura e da

escrita As crianccedilas aprendem a ler e a escrever a partir de tipos relativamente estaacuteveis de

enunciados Cada conjunto de enunciados organizados de acordo com seu conteuacutedo sua estrutura

e suas marcas linguiacutesticas requerem do leitorescritor condutas diferentes porque natildeo se lecirc ou se

escreve uma carta da mesma maneira que se lecirc ou se escreve uma poesia uma receita ou um

conto de fadas (CRUVINEL 2010) Se a escola concebe a linguagem como um sinal e ensina

apenas uma forma de ler ou de escrever algo impede que as crianccedilas operem com os gecircneros

discursivos que elas se comuniquem de diferentes formas com diferentes objetivos dificultando

a formaccedilatildeo leitora e produtora de textos

Com essas consideraccedilotildees eacute possiacutevel compreender que a escola ndash lugar de apropriaccedilatildeo da

cultura mais elaborada do conhecimento cultural produzido e organizado ndash seja responsaacutevel por

introduzir a crianccedila na cultura escrita por meio dos gecircneros discursivos O trabalho pedagoacutegico

com os gecircneros amplia o universo discursivo das crianccedilas Por esse motivo os gecircneros natildeo se

constituem apenas como instrumentos de comunicaccedilatildeo como tambeacutem instrumentos de ensino e

de aprendizagem da linguagem porque sem eles natildeo haacute comunicaccedilatildeo e portanto natildeo haacute o ensino

133

da liacutengua Desse modo o ensino dos gecircneros e a mediaccedilatildeo do professor satildeo fundamentais no

processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da liacutengua escrita pelas crianccedilas

Para a Teoria Histoacuterico-Cultural ndash concepccedilatildeo assumida neste trabalho ndash o homem constroacutei

e eacute construiacutedo pela sua proacutepria histoacuteria e desse modo as caracteriacutesticas humanas satildeo apropriadas

Por esse motivo a intencionalidade do professor orientada pelo conhecimento das regularidades

do processo de desenvolvimento bioloacutegico e cultural direcionada para a apropriaccedilatildeo das

maacuteximas qualidades humanas eacute condiccedilatildeo essencial ainda que natildeo suficiente para a formaccedilatildeo das

marcas do humano nas crianccedilas (MELLO 2005) Disso decorre que o professor tem um papel

fundamental no processo de humanizaccedilatildeo pois de forma intencional e por meio do processo de

ensino faz avanccedilar o niacutevel de desenvolvimento jaacute alcanccedilado pela crianccedila Segundo Saviani

(2003 p 13)

() o trabalho educativo eacute o ato de produzir direta e intencionalmente em cada

indiviacuteduo singular a humanidade que eacute produzida histoacuterica e coletivamente pelo

conjunto dos homens Assim o objeto da educaccedilatildeo diz respeito de um lado agrave

identificaccedilatildeo dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos

indiviacuteduos da espeacutecie humana para que eles se tornem humanos e de outro lado

concomitantemente agrave descoberta das formas mais adequadas para atingir esse

objetivo

Nessa perspectiva o professor organiza intencionalmente a vida da crianccedila na escola para

provocar a sua maacutexima humanizaccedilatildeo e assume seu papel de mediador no processo educativo

Assim cabe a ele descobrir e estar atento agraves formas mais adequadas para iniciar essa

humanizaccedilatildeo jaacute na pequena infacircncia

32 Os conceitos das crianccedilas no final da pesquisa

Seratildeo analisados os dados coletados por meio das entrevistas com as crianccedilas no final da

pesquisa para perceber possiacuteveis mudanccedilas nas respostas apoacutes a realizaccedilatildeo de um trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros discursivos e em quais aspectos essas mudanccedilas ocorreram

C9

P C9 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta C9

134

C9 dos Trecircs Porquinhos

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C9 porque o Lobo queima o traseiro

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 uhum

P como as poesias as receitas

C9 eu conheccedilo as receitas

P eacute somente a receita tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C9 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar livros na escola

C9 costumo

P e na sua casa

C9 tambeacutem

P tambeacutem

C9 eu tenho um livrinho que minha matildee comprou ela fez uma surpresa pra

mim com o livro

P que bom que livro eacute

C9 eacute do coelhinho Tataacute e de um cachorrinho

P certo vocecirc conhece outros materiais escritos C9 que tambeacutem tem histoacuterias

textos

C9 jornal

P jornal qual mais aleacutem dos livros do jornal

C9 revista

P revistas tem mais algum que vocecirc se lembra que vocecirc conhece

C9 natildeo

P C9 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam contar histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 contar

P vocecirc acha mais legal contar por quecirc

C9 porque gosto que conte as histoacuterias pra mim

P e por que vocecirc prefere mais quando algueacutem conta mais a histoacuteria

C9 porque ele tambeacutem sabe da histoacuteria quando ele lecirc

P C9 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens dos desenhos por

exemplo

C9 dos desenhos eu gosto do Mickey

P eacute e dos livros vocecirc gosta mais

C9 do Pato Donald

P C9 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 uhum

P e por quecirc

C9 porque aiacute a gente pode escrever um monte de coisas como cartas

P eacute mesmo e o que mais

C9 e a gente tambeacutem pode ler as coisas

P hum entatildeo a gente pode usar a escrita pra escrever uma seacuterie de coisas

importantes

C9 somente usar a nossa liacutengua para falar

P e o que eacute saber ler C9 na sua opiniatildeo quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 eu percebo porque eu vejo os outros lendo

P vocecirc sabe ler

135

C9 ((afirma com a cabeccedila))

P sabe e como que vocecirc faz pra ler

C9 eu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacute

P ahcerto entatildeo obrigada viu

Pela anaacutelise da fala de C9 pode-se depreender que embora C9 continue com sua

preferecircncia pelo gecircnero discursivo conto de fadas declara conhecer outros gecircneros como a

receita Declara ainda que os reconhece em outros suportes como o jornal e a revista e desse

modo aparenta perceber que podem estar presentes em outros lugares natildeo somente os livros

como afirmara na entrevista realizada no comeccedilo da pesquisa

O conceito de escrita que C9 apresenta apoacutes a realizaccedilatildeo de um trabalho pedagoacutegico

intencionalmente planejado com os gecircneros se coaduna com o conceito de escrita defendido

neste trabalho a escrita como um instrumento cultural de humanizaccedilatildeo das pessoas (ARENA

1992 2010b MELLO MILLER 2008 VYGOTSKI 1995) C9 revela que se escreve para

comunicar para expressar ideias sentimentos e que a carta eacute uma forma de fazer isso C9 parece

entender que por meio desse gecircnero discursivo eacute possiacutevel dizer coisas importantes de escrever

vaacuterias coisas bem como de iniciar o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua materna como explica

Bakhtin (2003 p 282- 283 grifos do autor)

Falamos apenas atraveacutes de determinados gecircneros do discurso isto eacute todos os

nossos enunciados possuem formas relativamente estaacuteveis e tiacutepicas de

construccedilatildeo do todo () Esses gecircneros do discurso nos satildeo dados quase da

mesma forma que nos eacute dada a liacutengua materna a qual dominamos livremente ateacute

comeccedilarmos o estudo teoacuterico da gramaacutetica A liacutengua materna ndash sua composiccedilatildeo

vocabular e sua estrutura gramatical ndash natildeo chega ao nosso conhecimento a partir

de dicionaacuterios e gramaacuteticas mas de enunciaccedilotildees concretas que noacutes mesmos

ouvimos e noacutes mesmos reproduzimos na comunicaccedilatildeo discursiva viva com as

pessoas que nos rodeiam Noacutes assimilamos as formas da liacutengua somente nas

formas das enunciaccedilotildees e justamente com essas formas As formas da liacutengua e as

formas tiacutepicas dos enunciados isto eacute os gecircneros do discurso chegam agrave nossa

experiecircncia e agrave nossa consciecircncia em conjunto e estreitamente vinculadas

Ao considerar essas afirmaccedilotildees depreende-se que os gecircneros discursivos satildeo formas de

comunicaccedilatildeo humana e por tal razatildeo por meios deles as pessoas se apropriam da liacutengua materna

e nesse sentido eacute que o ensino da leitura e da escrita desde a Educaccedilatildeo Infantil pode ocorrer por

meio do ensino dos diferentes gecircneros discursivos na escola

136

Outro aspecto relevante apresentado nessa entrevista relaciona-se agrave mudanccedila do conceito

de leitura de C9 A crianccedila revela que jaacute sabe ler e ao ser indagada sobre como faz para ler

responde ldquoeu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacuterdquo Esse

conceito de leitura se coaduna com o conceito de leitura assumido neste trabalho em que ler eacute

compreender eacute produzir sentido eacute uma praacutetica cultural (ARENA 1992 CHARMEUX 1997

FOUCAMBERT 1994 JOLIBERT 1994 LAJOLO 1986 SOUZA 2004)

C9 percebe quando algueacutem jaacute sabe ler ao dizer ldquoeu percebo porque eu vejo os outros

lendordquo Essa fala revela possivelmente que C9 reconheceu atitudes leitoras em outras pessoas

que conhece possivelmente na famiacutelia Essas pessoas apresentaram indiacutecios manifestaccedilotildees que a

fizeram reconhecer nelas a leitura como uma praacutetica cultural com seus modos e lugares de ler

A seguir apresento paralelamente as duas entrevistas da mesma crianccedila antes e depois do

trabalho com os gecircneros discursivos intencionalmente planejados com o intuito de perceber as

mudanccedilas nos conceitos

C13

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 da Bela Adormecida

P ah eacute por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C13 porque eu gosto muito de princesa

P ah entatildeo histoacuterias com princesas satildeo as suas preferidas

C13 uhum

P muito bem aleacutem dessas histoacuterias tem algum outro tipo de histoacuteria ou texto

que vocecirc conhece

C13 eu gosto mais da poesia da Bailarina

P ah da Ceciacutelia Meireles

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P ah certo tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C13 uhum eu conheccedilo alguns soacute que eu gosto mais desse da Bailarina

P certo C13 vocecirc costuma usar os livros na sua casa

C13 costumo

P e na escola

C13 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C13 tenho

P certo e vocecirc conhece algum outro tipo de material escrito aleacutem dos livros

que tambeacutem tem histoacuterias que tem poesias e que tem outros escritos

C13 algumas cartas alguns envelopes que vem escrito alguma mensagem neacute

P eacute mesmo tem livros tem envelopes tem cartas

C13 revistas

P tem mais algum tipo de material que vocecirc conhece

137

C13 caderninhos

P certo

C13 um monte de coisas

P C13 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam contar histoacuterias pra vocecirc

C13 eu acho que natildeo viu

P natildeo

C13 ((confirma negando com a cabeccedila))

P eacute natildeo se lembra de nenhuma

C13 natildeo me lembro natildeo me lembro porque jaacute faz muito tempo que eu era

bebezinha

P certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 que leiam

P e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C13 porque tem desenhos nas historinhas pega um livrinho natildeo eacute

P eacute aiacute daacute pra ver as ilustraccedilotildees

C13 eacute eu gosto mais

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C13 o que eu mais gosto como assim

P das personagens ou dos desenhos

C13 olha o que eu gosto mais eacute de histoacuteria soacute que dos desenhos sabe do

que eu gosto mais

P natildeo o que

C13 os desenhos eu gosto mais do desenho animado que passa laacute no Bom Dia e

Companhia ((refere-se a um programa infantil de televisatildeo)) As Super

Poderosas que eacute mais legal A minha personagem predileta eacute a Florzinha (refere-

se ao nome de um desenho animado que eacute transmitido pela televisatildeo)

P e nos livros por exemplo

C13 A Bela Adormecida

P mas aiacute entatildeo vocecirc prefere as personagens ou as ilustraccedilotildees

C13 uhum eu prefiro as personagens

P ah certo e vocecirc acha importante saber escrever

C13 acho

P e por quecirc

C13 porque a gente aprende mais coisas neacute

P Eacute mesmo e o que daacute pra fazer depois que a gente aprende a escrever

C13 a gente pode fazer um monte de coisas

P que tipo de coisas

C13 assim ensinar umas criancinhas que ainda que natildeo saibam neacute a gente pode

ajudar um pouco neacute

P pra que elas aprendam tambeacutem a escrever

C13 uhum

P muito bem C13 o que eacute saber ler

C13 ler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escrito

P ah certo e vocecirc jaacute sabe ler

C13 sei ler algumas coisinhas

P eacute e como eacute que vocecirc faz pra ler

C13 ah eu vou juntando pra ver o que estaacute escrito

P e vocecirc consegue fazer isso entatildeo

C13 uhum

P e quando uma crianccedila entatildeo sabe ler

138

C13 uma crianccedila quando sabe ler como assim eu natildeo entendo muito bem

isso

P quando eacute que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C13 vixi eu soacute percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu

percebo sabe como eu percebo

P como

C13 com as crianccedilas que jaacute tecircm anos mais altos que as crianccedilas mais novinhas

P ah mas uma crianccedila mais nova pode aprender a ler

C13 eacute como eu

P isso como vocecirc muito obrigada C13

C13 tchau

(Entrevista com C13 no iniacutecio da pesquisa)

Pode-se inferir pelas falas de C13 que haacute uma preferecircncia pelo gecircnero conto de fadas

contudo a crianccedila conhece outro gecircnero como a poesia Ela parece ter provavelmente outros

mediadores nesse processo de formaccedilatildeo leitora aleacutem da professora que satildeo as pessoas de sua

famiacutelia pois declara que natildeo se lembra das professoras dos anos anteriores lerem ou contarem

histoacuterias a ela Esse fato se deve supostamente pela leitura natildeo ser uma praacutetica frequente ou

talvez diaacuteria na escola

C13 demonstra perceber a funccedilatildeo da escrita quando diz que com a escrita ldquoa gente

aprende um monte de coisasrdquo ou ainda ldquoa gente pode fazer um monte de coisas‟ ateacute ldquoensinar

umas criancinhas que ainda natildeo saibamrdquo Essas falas denotam que a escrita eacute necessaacuteria

essencial para viver numa sociedade culturalmente baseada na escrita e que ao saber escrever

ela mesmo sendo uma crianccedila pode ensinar outras Dessa forma atuaraacute tambeacutem como parceira

de outras nesse processo de apropriaccedilatildeo da escrita

O conceito de leitura nesse momento de C13 estaacute vinculado agraves condiccedilotildees das quais

participou ou dos discursos que ouviu Afirma que para ler eacute preciso juntar letras que eacute algo

complexo que precisa aprender bastante e se aprende a ler quando se tem mais idade como se

verifica nesses trechos ldquoler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escritordquo ldquoeu soacute

percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu percebo sabe como eu percebo com as

crianccedilas que jaacute tecircm anos mais altos que as crianccedilas mais novinhasrdquo

Um aspecto a ser ressaltado na fala dessa e de outras crianccedilas anteriormente analisadas no

iniacutecio da pesquisa eacute que parecem natildeo estabelecer fronteiras entre saber e natildeo saber ler Algumas

afirmaram que jaacute sabiam ler mas suas atitudes no iniacutecio do trabalho pedagoacutegico

139

intencionalmente planejado denotavam o contraacuterio Haacute uma linha fraacutegil que indica que isso estaacute

relacionado ao conceito que as crianccedilas possuem sobre o que eacute ler

Pode-se afirmar que as crianccedilas que declararam que jaacute sabiam ler mas que natildeo realizavam

esse ato de fato se referiam aos atos de leitura das quais participavam e que supostamente

alcanccedilavam sucesso Em outras palavras as crianccedilas afirmavam que sabiam ler quando

decodificavam quando diziam letras siacutelabas e essas atitudes eram as atitudes inicialmente

esperadas pelas professoras em resposta ao ensino por elas proposto

A entrevista a seguir realizada no final do trabalho com os gecircneros discursivos oferece

subsiacutedios para ampliar as discussotildees anteriormente feitas

C13

P C13 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 ADORO

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 eu gosto de contos de fadas

P ah eacute mesmo e por quecirc por que vocecirc gosta desse tipo de histoacuteria

C13 eacute porque pra mim elas satildeo muito legais

P e o que elas tecircm que faz com que as histoacuterias sejam bem legais

C13 um monte de coisas que nem daacute pra falar direito

P ((risos)) de tantas que tecircm

C13 aham

P mas conta uma delas por exemplo

C13 algumas coisas

P eacute

C13 eacute porque do jeito que as histoacuterias satildeo algumas tecircm piadas ((refere-se as

situaccedilotildees engraccediladas presentes nas histoacuterias))

P eacute mesmo

C13 aham

P que legal

C13 eacute por isso que eu gosto dos contos de fadas

P muito bem e aleacutem de histoacuterias tem alguns outros tipos de textos que vocecirc

conhece

C13 eu gosto das poesias que vocecirc fala

P eacute mesmo

C13 aham

P eacute mesmo e vocecirc conhece outros textos aleacutem das poesias e das histoacuterias

C13 bom por enquanto eu somente conheccedilo as suas

P e receitas vocecirc conhece

C13 eu conheccedilo receita de bolo de cenoura de goiabada o de cenouras pra

mim natildeo esqueccedilo ((refere-se agraves receitas que li e preparei com as crianccedilas da

turma na escola))

P que a gente fez aqui natildeo eacute

C13eacute

P e textos de hum jornal notiacutecias

140

C13 notiacutecias quando as notiacutecias satildeo muito legais neacute

Por meio deste trecho da entrevista de C13 no final do trabalho pode-se inferir que a

crianccedila conhece diferentes gecircneros discursivos aleacutem daqueles abordados especificamente nesta

pesquisa como a receita a poesia Por meio do discurso de C13 reitera-se a influecircncia das accedilotildees

e do discurso docentes nas aprendizagens da crianccedila e na formaccedilatildeo de conceitos Isso pode se

verificar quando C13 declara ldquoeu gosto das poesias que vocecirc falardquo ldquobom por enquanto eu

somente conheccedilo as suasrdquo (refere-se as histoacuterias lidas pela professora) Verifica-se tambeacutem

quando a crianccedila afirma conhecer o gecircnero discursivo receitas e refere-se a todas as receitas lidas

e preparadas na escola (bolo de cenouras de goiabada) Haacute que ressaltar ainda que o trabalho

intencionalmente planejado com os gecircneros e principalmente as vivecircncias adequadas promovem

aprendizagens como se pode perceber na fala de C13 ao falar da receita do bolo de cenoura ldquoo

de cenouras pra mim natildeo esqueccedilordquo

E continua

P uhum vocecirc consegue ler

C13 bom algumas eu junto agraves palavrinhas pra conseguir ler

P vocecirc jaacute consegue fazer isso

C13 eu fico tentando eu fico soletrando para ver como se faz

P C13 vocecirc costuma ler livros na escola

C13 costumo usar mais os contos de fadas que eu vejo que eacute legal

P e em casa vocecirc usa livros tambeacutem

C13 uso eu tenho alguns

P e vocecirc conhece outros tipos de materiais escritos que tambeacutem tecircm histoacuterias

poesias

C13 conheccedilo livros jornais revistas cadernos

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras

costumavam ler histoacuterias pra vocecirc

C13 bom eu natildeo lembro mas acho que sim

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 como assim ler eacute com o livro

P isso quando a pessoa estaacute com o material escrito na matildeo pode ser um livro

ou uma revista um bilhete

C13 eu gosto quando estaacute com alguma coisa na matildeoeacute mais legal

P e por que eacute mais legal

C13 porque tem desenhos natildeo eacute mostra os desenhos sendo mais legal

P hum entendi e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou

das ilustraccedilotildees

C13 das ilustraccedilotildees eu gosto bom das histoacuterias dos contos de fadas eu gosto

mais das princesas

141

Ao afirmar que para ler junta-se as palavrinhas C13 revela que tenta encontrar o caminho

sozinha para ler porque provavelmente por meio das situaccedilotildees de leitura das quais participou ela

criou para si a necessidade de fazecirc-lo

Quando a crianccedila eacute indagada se prefere que leiam ou contem histoacuterias para ela responde

com outra pergunta na intenccedilatildeo de se certificar sobre o que eacute ler ldquocomo assim ler eacute com o

livro A crianccedila aparenta perceber que quando algueacutem lecirc uma histoacuteria esta o faz presa ao livro eacute

a transmissatildeo vocal a liacutengua oral que revela a liacutengua escrita (BAJARD 2007)

P certo e vocecirc acha importante C13 saber escrever

C13 eacute muito importante natildeo eacute

P e por que vocecirc acha importante

C13 eacute porque a gente aprende as coisas assim escrevendo vai aprendendo

mais coisas natildeo vai

P e sempre que a gente precisa da escrita em que podemos usaacute-la

C13 para escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode esquecer

neacute

P de jeito algum e pra que mais a gente usa a escrita pra que a gente pode

usar as coisas que a gente escreve

C13 bom a resposta natildeo sei natildeo heim mas eu acho assim pode ser pra

algumas coisas importantes neacute

P coisas importantes

C13 umas coisas importantes

P quais coisas importantes por que ou para que a gente escreve

C13 escreve para aprender pra aprender muitas coisas

P muitas coisas

C13 e aprender eacute muito importante e gostoso

P eacute mesmo vocecirc escreve bastante coisa jaacute

C13 estou aprendendo algumas eu estou escrevendo mais ou menos

P muito bem e o que vocecirc geralmente gosta de escrever

C13 gosto mais de escrever carta cartas para professora G (refere-se a atual

professora da turma e pesquisadora no caso eu mesma)

P ai que maravilha

C13 eu jaacute escrevi uma pra vocecirc

P eu gostei muito daquela

C13 jaacute colocou no livro da vida ou natildeo

P jaacute coloquei no livro da vida sim

C13 aquela daacute pra ver atraacutes e na frente

P e todas as pessoas que lerem e consultarem o nosso livro da vida iratildeo ver laacute

registrado essa linda cartinha que vocecirc me escreveu

C13 todo mundo vai saber o que eu escrevi quando ler

P sim todos poderatildeo saber ao lerem C13 o que eacute saber ler quando que

uma crianccedila jaacute sabe ler em sua opiniatildeo

C13 bom a crianccedila quem eu conheccedilo sabe ler bastante

P eacute quando que vocecirc acha que algueacutem jaacute sabe ler

C13 bom eu acho a M a minha irmatilde

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc sabe que ela sabe ler

142

C13 porque eu a vejo lendo e escrevendo

P eacute

C13 aham

P e o que ela faz que vocecirc fala nossa minha irmatilde jaacute sabe ler ou algum

outro amigo seu que vocecirc conhece

C13 bom pra falar a verdade eu natildeo conheccedilo nenhum amigo que saiba

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra

pergunta pra ver se combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso

mas eu soacute li de verdade quando eu entendi o que estaacute escrito

P entatildeo obrigada C13

(Entrevista com C13 no final da pesquisa)

Esse registro permite inferir que a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pela crianccedila se

ampliou porque ela esteve em contato frequente com uma praacutetica de leitura e de escrita

intencional planejada e dialoacutegica Embora desde o iniacutecio do trabalho de leitura e de escrita

proposto conhecesse alguns outros gecircneros discursivos como a poesia e a carta atuando muitas

vezes nesse processo como uma crianccedila mais avanccedilada junto agraves demais crianccedilas participantes eacute

possiacutevel assinalar uma modificaccedilatildeo no proacuteprio conceito de C13 no iniacutecio da pesquisa como se

verifica na anaacutelise da entrevista anterior Pode-se dizer que o conceito de leitura e de escrita de

C13 no final do processo se coaduna com o conceito de leitura e de escrita defendidos neste

trabalho o de leitura como compreensatildeo como produccedilatildeo de sentido como praacutetica cultural

(ARENA 1992 2010 CHARMEUX 1997 FOUCAMBERT 1994 JOLIBERT 1994

LAJOLO 1986 SOUZA 2004) e o de escrita como instrumento cultural complexo para a

humanizaccedilatildeo das pessoas (VYGOTSKI 1995 MELLO 2005)

C13 demonstra estabelecer relaccedilotildees com o gecircnero discursivo carta relato de vida por

meio do livro da vida e notiacutecia de jornal respondendo a ela e a si proacutepria de forma interativa

demonstra que consegue pensar a escrita sendo interlocutora ativa ou seja leitora e escritora e

que apesar de iniciante jaacute participa da cultura escrita

143

C13 parece compreender a funccedilatildeo social da escrita e da leitura Ao objetivar por meio de

sua fala que se usa a escrita ldquopara escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode

esquecer neacuterdquo em outras palavras a escrita serve tambeacutem para registrar algo importante para

lembrar depois Acrescenta que a escrita eacute usada para aprender muitas coisas que com ela se tem

acesso a inuacutemeras informaccedilotildees e que ldquoaprender eacute muito importante e gostosordquo Com essa

afirmaccedilatildeo denota que foi criada a necessidade de aprender e que entende o porquecirc e para quecirc se

escreve Por essa razatildeo aprender torna-se algo que impulsiona a crianccedila que garante novas

aprendizagens Com relaccedilatildeo a isso Vygotskii (1988 p 115) esclarece que

[] a aprendizagem natildeo eacute em si mesma desenvolvimento mas uma correta

organizaccedilatildeo da aprendizagem da crianccedila conduz ao desenvolvimento mental

ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento e esta ativaccedilatildeo natildeo

poderia produzir-se sem a aprendizagem Por isso a aprendizagem eacute um

momento intrinsicamente necessaacuterio e universal para que se desenvolvam na

crianccedila essas caracteriacutesticas humanas natildeo-naturais mas formadas

historicamente

Ao considerar essa proposiccedilatildeo ressalta-se assim o ensino como esteio da formaccedilatildeo dos

processos psicoloacutegicos superiores e a necessaacuteria e adequada mediaccedilatildeo do professor ou do adulto

Atuar como professor mediador eacute reconhecer que as crianccedilas satildeo capazes e competentes para

aprenderem quando satildeo auxiliadas de maneira adequada e intencional pelo adulto Desse modo eacute

possiacutevel dizer que o conhecimento das crianccedilas bem como seus modos de aprender se

constituem na dinacircmica das relaccedilotildees sociais

A crianccedila aponta para o fato de que gosta de escrever cartas para a professora da turma do

Infantil II atual professora da turma no momento da pesquisa e ao perguntar se a professora jaacute

colocara a carta que ela escreveu no livro da vida atribui um valor agrave escrita reconhece que para

se comunicar com a professora e expressar suas ideias e sentimentos se utiliza de um gecircnero

discursivo ndash a carta ndash e compreende que o livro da vida natildeo eacute soacute uma teacutecnica de ensino mas um

suporte textual que permite agraves pessoas fazer consultas sempre que desejarem para conhecerem ou

saberem daquilo que vivido na escola

O contato com a carta relato de vida e notiacutecia de jornal na escola se daacute por intermeacutedio da

professora do Infantil II uma vez que as professoras dos anos anteriores agrave pesquisa natildeo

realizavam leituras ou escrita desses gecircneros conforme constatado pelas entrevistas No entanto

144

o entorno familiar aliado ao escolar vivenciado durante o periacuteodo de realizaccedilatildeo da proposta de

leitura e de produccedilatildeo de texto dos gecircneros mencionados aparece como crucial para a apropriaccedilatildeo

da leitura da crianccedila que encontra nesses entornos as condiccedilotildees necessaacuterias e adequadas Posto

isto depreende-se que as condiccedilotildees histoacutericas e sociais determinam esse processo de apropriaccedilatildeo

da leitura e da escrita (LEONTIEV 1988 VYGOTSKII 1988)

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra

pergunta pra ver se combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso

mas eu soacute leio de verdade quando eu entendo o que estaacute escrito

Com a anaacutelise dos dados depreende-se que a crianccedila reconhece que eacute necessaacuterio dominar

o coacutedigo linguiacutestico para ler e para escrever ao revelar que soletra e para isso junta vogais e

consoantes depois pensa e fala a pergunta pra ver se combina No entanto natildeo se prende ao

coacutedigo apenas num mero exerciacutecio de codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Ela tenta

apropriar-se do coacutedigo e supera-o quando ressalta ldquomas eu soacute leio de verdade quando eu entendo

o que estaacute escritordquo Dessa maneira pode-se inferir que a crianccedila entende a leitura como

compreensatildeo como produccedilatildeo de sentido pois do contraacuterio quando ela natildeo entende o que leu

natildeo realizou a leitura soacute decodificou Outro ponto a destacar nesta afirmaccedilatildeo de C13 eacute a possiacutevel

influecircncia do conceito do ato de ler da professora-pesquisadora que emerge em sua praacutetica

pedagoacutegica em seus discursos proferidos no processo de ensino e de aprendizagem da leitura na

apresentaccedilatildeo e no trabalho com os gecircneros discursivos C13 ao participar de situaccedilotildees de ensino

e de aprendizagem da leitura de forma interativa por vivenciar situaccedilotildees diretas de mediaccedilatildeo da

professora-pesquisadora revela ter se apropriado desses conceitos e os objetivado

C5

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever C5

C5 acho

P e por que vocecirc acha

145

C5 porque tambeacutem eacute legal

P o que a gente aprende quando sabe escrever O que a gente pode fazer

quando a gente sabe escrever

C5 ler

P a gente pode ler tambeacutem mas para que vocecirc pode usar a escrita

C5 em livro

P aleacutem dos livros o que a gente pode escrever

C5 aiacute a pessoa fala que sabe ler

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C5 ela eacute quando uma pessoa que jaacute aprendeu tudo

P eacute e quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler como que vocecirc

percebeu que realmente aprendeu a ler

C5 porque que estaacute lendo

P e como que vocecirc sabe que ela estaacute lendo ela pode estar somente falando

natildeo pode

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como que vocecirc tem certeza que ela estaacute lendo o que essa pessoa faz que

mostra pra vocecirc que ela realmente estaacute lendo

C5 ah (dirige o olhar para o alto)

P vocecirc jaacute sabe ler

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e o que vocecirc faz pra ler

C5 eu vou juntando as letras e vendo as ideias

P eacute mesmo entatildeo pra vocecirc o que eacute ler

C5 eacute aprender

P Obrigada C5

As falas de C5 denotam que ela percebe a escrita e a leitura como parte de um mesmo

processo o de internalizaccedilatildeo da liacutengua quando reafirma por diversas vezes que com a escrita as

pessoas podem ler Ela parece reconhecer que a leitura possibilita participar da cultura escrita

uma vez que afirma que algueacutem jaacute sabe ler quando uma pessoa jaacute aprendeu tudo e com isso

pode-se compreender a leitura como um instrumento cultural (VYGOTSKI 1995 MELLO

MILLER 2005)

Quando C5 aponta que para ler ldquovai juntando as letras e vendo as ideiasrdquo pode-se inferir

que a crianccedila percebe que ao ler lecirc-se ideacuteias e que ao escrever escrevem-se ideias e natildeo

simplesmente letras siacutelabas e palavras desconexas muito embora para expressar as ideias por

meio da leitura e da escrita seja necessaacuterio fazer uso do coacutedigo de representaccedilatildeo da escrita

Desse modo a crianccedila demonstra iniciar seu processo de apropriaccedilatildeo lendo e escrevendo o que

pensa sente percebe ouve e vecirc por meio de textos e natildeo de exerciacutecios repetitivos de codificaccedilatildeo

e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos Como explica Miller (2009 p45)

146

O processo de aquisiccedilatildeo da base alfabeacutetica da escrita o domiacutenio do sistema de

representaccedilatildeo satildeo partes importantes do processo de aprender a ler e escrever

mas esse processo natildeo pode se restringir a esses conhecimentos sob pena de o

aluno dominar a teacutecnica da escrita das palavras mas natildeo saber como utilizar essa

teacutecnica para compreender os textos escritos e para escrever textos adequados agraves

mais diversas situaccedilotildees em que eles satildeo produzidos e lidos O ensino da escrita

soacute se torna um caminho que leva o aluno a ler com compreensatildeo e a escrever

textos coerentes quando se faz com sentido para o aluno E isso se consegue

quando o ler e o escrever satildeo necessidades para o aluno ou seja quando o

ensino da escrita se organiza de modo a que o aluno sinta a necessidade de ler e

de escrever

Baseado nesse pressuposto natildeo significa que natildeo se deve ensinar o coacutedigo de

representaccedilatildeo da escrita agraves crianccedilas mas atendendo a uma necessidade que foi criada pelas

condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo das quais participa No capiacutetulo a seguir seraacute abordado o ensino

e a aprendizagem da leitura por meio do gecircnero discursivo carta relato de vida e notiacutecia de

jornal em que seratildeo analisadas situaccedilotildees de leitura do trabalho pedagoacutegico realizado

147

CAPIacuteTULO IV

O ENSINO DA LEITURA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS

Observem diante de um livro ou de uma paacutegina do jornal a crianccedila que

aprendeu a ler segundo o meacutetodo tradicional faz um grande esforccedilo de

reconhecimento das peccedilas a desmontar que combina laboriosamente A

mecacircnica funciona lecirc de uma maneira certa sem erros de pronuacutencia Mas

perguntam-lhe o sentido daquilo que leu teraacute de reler o texto para compreender

porque o lera da primeira vez para decifrar A operaccedilatildeo faz-se em dois tempos

fazer andar a mecacircnica tentar compreender em seguida Mas a crianccedila pode

muito bem contentar-se em fazer andar a mecacircnica sem compreender No

entanto a isto chamaraacute ler (FREINET 1977 p 54)

Esta proposiccedilatildeo traz em seu bojo o conceito escolarizado de leitura subjacente a muitas

praacuteticas do ensino do ato de ler isto eacute a ensino focado no aspecto fiacutesico dos signos linguiacutesticos

que resulta em pronunciaccedilatildeo correta mas apartada da compreensatildeo Tais praacuteticas de ensino do

ato de ler estatildeo presentes na escolarizaccedilatildeo precoce das crianccedilas na Educaccedilatildeo Infantil quando o

professor prioriza a decifraccedilatildeo Essas praacuteticas se sustentam na univocidade do sentido e nas

interpretaccedilotildees legitimadas

Nesse contexto surgem as indagaccedilotildees Como formar o leitor na Educaccedilatildeo infantil Como

garantir que a crianccedila pequena participe ativamente da cultura escrita sem que esteja ainda

convencionalmente alfabetizada Neste capiacutetulo seratildeo apresentadas possiacuteveis respostas a essas

questotildees na medida em que seratildeo analisadas situaccedilotildees de leitura com as crianccedilas em trecircs

momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o gecircnero discursivo carta por meio da

correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero discursivo relato de vida por meio do

livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal escolar

41 A crianccedila e o seu estatuto de leitor

Este trabalho de pesquisa compreende a leitura em seu movimento discursivo isto eacute a

leitura como um lugar privilegiado de encontro com a palavra alheia Essa concepccedilatildeo de leitura

adveacutem do conceito de liacutengua e de linguagem para Bakhtin (1992) em que a liacutengua eacute um

fenocircmeno social dirigida para o outro Disso decorre que natildeo haacute diaacutelogo entre sentenccedilas mas

148

entre pessoas Existe infinita mobilidade para diferentes interpretaccedilotildees e significaccedilotildees que tornam

a palavra permanente fluida no contexto das transformaccedilotildees culturais e histoacutericas

Para Bakhitn (1992) a categoria principal da linguagem eacute a interaccedilatildeo verbal cuja

realidade fundamental eacute o seu caraacuteter ideoloacutegico Toda enunciaccedilatildeo eacute um diaacutelogo e faz parte de

um processo de comunicaccedilatildeo ininterrupto Desse modo a interaccedilatildeo verbal se realiza no diaacutelogo

que em sentido mais amplo ocorre na leitura e na escrita O caraacuteter ideoloacutegico do diaacutelogo remete

ao contexto histoacuterico e cultural uma vez que os diaacutelogos e os discursos satildeo envolvidos pelos

interesses pelos valores e pelas intenccedilotildees definidas por um grupo ou classe social em

determinado tempo

A linguagem tem dimensotildees dialoacutegicas e ideoloacutegicas determinadas historicamente A

palavra territoacuterio comum entre eu e o outro (locutor interlocutor) eacute prenhe de significados e

intenccedilotildees (BAKHTIN 1992) possui valor semioacutetico sendo percebida como um signo

ideoloacutegico ldquoarena de confronto de diferentes valores sociais de diferentes vozes sociais

(RAMOS SHAPPER 2009) Por essa razatildeo o sujeito se constitui discursivamente ao interagir

com as vozes sociais que constituem a comunidade semioacutetica de que participa Essas vozes em

inter-relaccedilatildeo dialoacutegica possibilitam encontro entre consciecircncias marcado por movimentos de

sentidos que ldquoora instituem a reproduccedilatildeo do discurso alheio ora possibilitam que ele se abra para

novas construccedilotildees discursivasrdquo (RAMOS SHAPPER 2009 p 2)

No movimento de produccedilatildeo e negociaccedilatildeo de sentido que demarca a leitura como praacutetica

social e cultural faz-se necessaacuterio compreender as formas de discurso que relacionam a palavra

do leitor agrave palavra alheia expressa no texto uma vez que o sujeito fala por meio da palavra dos

outros e todo enunciado eacute uma reacuteplica de um diaacutelogo que incorpora e se apropria do discurso de

outrem Os enunciados satildeo sempre dependentes daquilo que jaacute foi dito e soacute podem ser

compreendidos no fluxo da cadeia de interaccedilatildeo verbal Desse modo

A palavra (em geral qualquer signo) eacute interindividual Tudo o que eacute dito o que eacute

expresso se encontra fora da ldquoalmardquo do falante natildeo pertence apenas a ele A

palavra natildeo pode ser entregue apenas ao falante O autor (falante) tem os seus

direitos inalienaacuteveis sobre a palavra mas o ouvinte tambeacutem tem os seus direitos

tem tambeacutem os seus direitos aqueles cujas vozes estatildeo na palavra encontrada de

antematildeo pelo autor (porque natildeo haacute palavra sem dono) () Se natildeo esperamos

nada da palavra se sabemos de antematildeo tudo o que ela pode dizer ela sai do

diaacutelogo e se coisifica (BAKHTIN 2003 p 327 ndash 328)

149

A palavra eacute por assim dizer dialoacutegica pois pressupotildee o outro pressupotildee em si mesma

uma resposta

Isso decorre da natureza da palavra que sempre quer ser ouvida sempre procura

uma compreensatildeo responsiva e natildeo se deteacutem na compreensatildeo imediata mas abre

caminho sempre mais e mais agrave frente (de forma ilimitada)

Para a palavra (e consequentemente para o homem) natildeo existe nada mais terriacutevel

do que a irresponsividade Nem a palavra deliberadamente falsa eacute absolutamente

falsa e sempre pressupotildee uma instacircncia que a compreende e a justifica ainda

que seja na forma ldquono meu lugar qualquer um mentiriardquo (BAKHTIN 2003 p

333 grifos do autor)

Este trabalho discute a leitura na perspectiva bakhtiniana da teoria enunciativa da

linguagem que traz uma entonaccedilatildeo outra ao universo da relaccedilatildeo do leitor com o texto A

percepccedilatildeo dialeacutetica da linguagem preconizada pelo autor permite pensar a leitura como produccedilatildeo

de sentido instacircncia discursivo-simboacutelica mediadora das relaccedilotildees entre sujeitos Nesse panorama

teoacuterico Bakhtin (1983) explicita dois tipos de palavras alheias que adquirem um sentido

fundamental no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no mundo a palavra de autoridade e

a palavra internamente persuasiva Por meio dessas palavras o autor objetiva mostrar a

complexidade do processo de apropriaccedilatildeo linguiacutestico-discursiva que natildeo se funda somente na

repeticcedilatildeo e no reconhecimento da palavra alheia mas em sua re-elaboraccedilatildeo repercutindo de

forma diferente e sob uma nova perspectiva Assim se de um lado haacute discursos assumidos como

vozes de autoridade por outro lado haacute discursos que satildeo assumidos como vozes internamente

persuasivas

O discurso autoritaacuterio se estabelece no estatuto de verdade plena absoluta e consolida-se

ou reforccedila significados fixos que natildeo se modificam em contato com outras vozes Por ser

vinculado agrave autoridade (moral poliacutetica religiosa paterna do professor) eacute encontrado ao exigir

do homem o seu reconhecimento incondicional Aleacutem disso a palavra de autoridade se

materializa no discurso proferido natildeo existindo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo ou

contestaccedilatildeo pois

a palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitida Sua ineacutercia

sua perfeiccedilatildeo semacircntica e rigidez sua singularizaccedilatildeo aparente e afetada a

impossibilidade de sua livre estilizaccedilatildeo tudo isto exclui a possibilidade da

representaccedilatildeo artiacutestica da palavra autoritaacuteria (BAKHTIN 1983 p 144)

150

Em contraposiccedilatildeo ao discurso de autoridade a palavra internamente persuasiva natildeo eacute

finita e riacutegida mas abre-se para muitas possibilidades de inferecircncia no discurso interior Eacute

dialoacutegica carrega em si parte da palavra proacutepria e parte da palavra do outro e em decorrecircncia

disso propicia negociaccedilotildees de significados encadeando a produccedilatildeo de novos sentidos Conforme

Bakhtin (1983 p144)

a estrutura semacircntica da palavra interiormente persuasiva natildeo eacute terminada

permanece aberta eacute capaz de revelar sempre todas as novas possibilidades

semacircnticas em cada um de seus novos contextos dialogizados () Noacutes a

introduzimos em novos contextos a aplicamos a um novo material noacutes a

colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dela novas respostas novos

esclarecimentos sobre o seu sentido e novas palavras ldquopara noacutesrdquo (uma vez que a

palavra produtiva do outro engendra dialogicamente em resposta uma nova

palavra nossa)

Conforme exposto a linguagem eacute algo vivo mutaacutevel e estaacute em constante movimento

porque se daacute nas relaccedilotildees na troca na atitude responsiva A leitura nesse contexto eacute entendida

como um processo dialoacutegico e dinacircmico e o ensino do ato de ler numa perspectiva que considera

a responsividade a palavra internamente persuasiva e por assim dizer coloca constantemente a

crianccedila em diaacutelogo com o texto e com o outro A atitude responsiva na leitura requer a

compreensatildeo ativa e segundo Bakhtin (1992 p 131 ndash 132) ldquoqualquer tipo genuiacuteno de

compreensatildeo ativa deve conter jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite

apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo pode ser aprendida senatildeo com a ajuda do outro processo

evolutivordquo

Essas afirmaccedilotildees remetem agrave ideia de que ldquoeacute especialmente por meio da linguagem que as

pessoas agem umas sobre as outras num processo contiacutenuo de autotransformaccedilatildeo Por isso a

linguagem eacute uma das mais importantes criaccedilotildees da humanidaderdquo (GONTIJO 2007 p 22) e a

liacutengua soacute pode ser analisada tendo em vista sua complexidade quando considerada como um

fenocircmeno socioideoloacutegico e apreendida dialeacutetica e dialogicamente no fluxo da histoacuteria

(BAKHTIN 1992 2003)

Ao tratar sobre a linguagem Bakhtin (1992) esclarece que a realidade psiacutequicainterior eacute a

do signo e eacute por meio deste que o organismo e o mundo se encontram O signo eacute um fenocircmeno

do mundo exterior resultado das praacuteticas sociais humanas e por esse motivo o conteuacutedo da

atividade psiacutequica origina-se da realidade exterior e estaacute impregnada por ela ldquoOs signos soacute

151

podem aparecer em um terreno interindividualrdquo (BAKHTIN 1992 p 35) No entanto natildeo basta

que dois homens estejam presentes face a face nesse mesmo terreno para que os signos se

constituam ldquoEacute fundamental que esses dois indiviacuteduos estejam socialmente organizados que

formem um grupo (uma unidade social) soacute assim um sistema de signos pode constituir-serdquo

(BAKHTIN 1992 p 35) Se o conteuacutedo do psiquismo eacute o signo constituiacutedo no terreno

interindividual a explicaccedilatildeo para o psiquismo para a atividade psiacutequica deve ser elaborada a

partir dessa realidade De acordo com Bakhtin (1992 p 35 ndash 36)

A consciecircncia adquire forma e existecircncia nos signos criados por um grupo

organizado no curso de suas relaccedilotildees sociais Os signos satildeo o alimento da

consciecircncia individual a mateacuteria de seu desenvolvimento e ela reflete sua

loacutegica e suas leis A loacutegica da consciecircncia eacute a loacutegica da comunicaccedilatildeo ideoloacutegica

da interaccedilatildeo semioacutetica de um grupo social Se privarmos a consciecircncia de seu

conteuacutedo semioacutetico e ideoloacutegico natildeo sobra nada A imagem a palavra o gesto

significante etc constituem seu uacutenico abrigo Fora desse material haacute apenas o

simples ato fisioloacutegico natildeo esclarecido pela consciecircncia desprovido de sentido

que os signos lhe conferem

Segundo Bakhtin (1992) a palavra a linguagem eacute o material semioacutetico da vida interior

da consciecircncia A palavra resulta do consenso entre indiviacuteduos constitui material veiculaacutevel pelo

corpo Disso decorre que a realidade psiacutequica eacute definida em termos da significaccedilatildeo pois esta eacute a

funccedilatildeo do signo ldquosem isso o signo natildeo eacute signo e a palavra natildeo eacute palavra Sem a significaccedilatildeo natildeo

existe atividade psiacutequicardquo (GONTIJO 2007 p 21)

Com essas afirmaccedilotildees acerca da constituiccedilatildeo da consciecircncia humana Bakhtin (1992 p

36) esclarece que ldquo[] a realidade dos fenocircmenos ideoloacutegicos eacute a realidade objetiva dos signos

sociais [] as leis dessa realidade satildeo diretamente determinadas pelo conjunto das leis sociais e

econocircmicasrdquo Desse modo o signo existe na materializaccedilatildeo social e seu aspecto semioacutetico

aparece de forma completa na linguagem ldquoKarl Marx dizia que soacute uma ideia enunciada em

palavras se torna pensamento real para o outro e soacute assim para mim mesmordquo (BAKHTIN 2003

p 334) No entanto esse outro natildeo eacute apenas o outro imediato (o destinataacuterio segundo) ldquoa palavra

avanccedila cada vez mais agrave procura da compreensatildeo responsivardquo (BAKHTIN 2003 p 334) A

constituiccedilatildeo humana para Bakhtin eacute revestida por um princiacutepio dialoacutegico que se define pela

alteridade em outras palavras pela impossibilidade de pensar o homem fora das relaccedilotildees com o

outro

152

Eacute nesse contexto das relaccedilotildees dialoacutegicas que a leitura se situa Ler eacute compreender eacute

produzir sentido eacute uma praacutetica social histoacuterica e cultural (ARENA 1992 2010b

CHARMEAUX 1997 JOLIBERT 1994 SOUZA 2004) Ler eacute dialogar com o texto eacute

questionaacute-lo eacute construir e reconstruir o texto no interior do pensamento e estabelecer relaccedilotildees

ativas e dinacircmicas com ele Durante a leitura o sujeito leva em consideraccedilatildeo o discurso do outro

que estaraacute sempre presente no seu A leitura ocorre na atividade da proacutepria liacutengua em seu uso nas

relaccedilotildees sociais na interaccedilatildeo do escritor com o leitor na palavra interna persuasiva Nessa

perspectiva ndash perspectiva defendida neste trabalho ndash a leitura eacute um objeto da cultura e como tal

precisa ser ensinada agraves crianccedilas como algo que se contraponha ao ensino da leitura de forma

estaacutetica acabada em si mesma que nada refuta nada reflete nada refrata e que reduz o discurso

escrito a um compilado de letras siacutelabas palavras e frases portanto o natildeo-discurso Quando a

crianccedila dialoga com o texto atua nele e tem uma atitude responsiva ela assume pra si o estatuto

de leitor

Segundo Jolibert (1994 p 31) ldquoa vida cotidiana estaacute cheia de oportunidades de leiturardquo e

muitos satildeo os motivos e situaccedilotildees que provocam a necessidade de ler nas crianccedilas ldquoque levam as

crianccedilas a lerem pra valerrdquo ler para responder agrave necessidade de viver com os outros para se

comunicar para descobrir as informaccedilotildees das quais se necessita para fazer (brincar construir

levar a termo um projeto-empreendimento) para alimentar o imaginaacuterio para documentar uma

pesquisa em andamento na turma Essas satildeo situaccedilotildees reais de leitura nas quais as crianccedilas satildeo

provocadas por um interesse uma necessidade criada um desejo

Jolibert (2006 p 183 grifos do autor) ao tratar do ensino e da aprendizagem da leitura

esclarece que

Ler eacute ler de saiacuteda compreensivamente desenvolvendo ndash em uma situaccedilatildeo real de

uso ndash uma intensa busca do sentido do texto [] O leitor procura desde o

iniacutecio o sentido do texto utilizando ndash para construiacute-lo ndash diferentes processos

mentais e coordenando muitos tipos de indiacutecios (contexto tipo de texto tiacutetulo

marcas gramaticais significativas palavras letras etc) Na escola ler eacute ler ldquode

verdaderdquo desde o iniacutecio textos autecircnticos completos em situaccedilotildees reais de uso

e relacionados aos projetos necessidades e desejos em pauta

Diante desses pressupostos eacute possiacutevel afirmar que as crianccedilas aprendem a ler e se

tornaratildeo leitoras se realmente estiverem motivadas se sentirem necessidade de ler de conhecer

de se expressar se tiverem disponiacuteveis agrave matildeo os escritos sociais os escritos da realidade

153

42 A leitura do gecircnero discursivo carta

Neste item seratildeo apresentados os dados e sua anaacutelise relacionados agraves situaccedilotildees de leitura

com o gecircnero discursivo carta

Como foi exposto no capiacutetulo I o trabalho pedagoacutegico com a carta iniciou-se na roda da

conversa no mecircs de abril de 2010 A coordenadora da escola em que se deu a pesquisa entregou

para as crianccedilas uma carta de uma turma de Infantil II de uma escola municipal de Educaccedilatildeo

Infantil da zona sul da mesma cidade A correspondecircncia interescolar com uma professora dessa

unidade escolar da cidade jaacute ocorria havia trecircs anos mas com as crianccedilas era a primeira vez que

participavam de um trabalho envolvendo esse gecircnero discursivo A professora da turma

correspondente apresentava em suas praacuteticas concordacircncia com as ideias da Pedagogia Freinet

Assim que a primeira carta foi recebida conversei com as crianccedilas

P Pessoal recebemos uma carta quem seraacute que escreveu

C5 Eu acho que eacute do correio

A12 Eu acho que eacute da diretora

P Mas por que a diretora nos escreveria uma carta se ela estaacute aqui na escola

C12 Ah eacute mesmo neacute Entatildeo eu natildeo sei

P Vocecircs jaacute receberam uma carta alguma vez aqui na escola

Todas Natildeo

P Algueacutem de vocecircs jaacute recebeu uma carta em casa

Todas Natildeo

P Para que vocecircs acham que algueacutem escreve uma carta para outra pessoa

C13 Hum eu acho que eacute pra contar coisas

P Quais coisas

C13 Ah eu acho que eacute pra contar coisas que a gente quer que a outra pessoa

fique sabendo

P Ah eacute

P O que mais vocecircs acham que pode ter uma carta O que pode estar escrito

nela

Todas (As crianccedilas silenciaram e estavam atentas ao envelope grande que eu

segurava nas matildeos)

C11 Que cartona que a gente recebeu neacute pro (referia-se ao tamanho e volume

do envelope)

P Sim o envelope eacute grande (deixo que as crianccedilas tambeacutem o manuseiem)

C9 Deve ter mais coisas aqui aleacutem da carta eu acho porque o envelope estaacute

gordo

C4 Eacute mesmo (a crianccedila manuseia tambeacutem o envelope e concorda com o colega

da turma)

P Hum eu acho que temos vaacuterias coisas a descobrir quem mandou a carta por

que nos mandou essa carta o que diz a carta e o que tem dentro do envelope

aleacutem da carta

Todas Eacute mesmo

154

C11 Pro acho que no envelope estaacute escrito quem mandou a carta

P E onde vocecirc acha que deve estar escrito

Todas (As crianccedilas apontam para o lado do envelope que estava voltado para

elas)

P (viro e mostro o envelope do outro lado)

C7 Eacute mesmo E agora Como eacute que a gente vai saber quem mandou a carta se

tem coisa escrita dos dois lados (do envelope)

C13 Eacute soacute a professora ler ueacute Lecirc pro leia logo porque todo mundo quer saber

o que estaacute escrito aiacute

Em seguida li para as crianccedilas os dados presentes no envelope e expliquei que para uma

carta chegar ao seu destino precisa conter os dados completos do destinataacuterio e do remetente

Mostrei no envelope os dados de quem enviara e os dados da nossa turma Expliquei que se

tratava de crianccedilas da mesma idade delas de uma escola localizada na regiatildeo sul da nossa cidade

e que se chamava ldquoTurma do Dedo Verderdquo ndash como constava no envelope ndash e que eu conhecia a

professora

Abri o envelope e orientei que ficassem agrave vontade para observarem a carta e os presentes

recebidos ndash desenhos de auto-retrato feitos pelas crianccedilas individualmente e o mapa do bairro da

escola Durante cerca de 30 minutos fizeram observaccedilotildees expressadas por meio de falas e

atitudes Provoquei-as a observar cada aspecto e fiz diversos questionamentos ldquoQuando seraacute que

foi escritardquo ldquoO que seraacute que essa turma nos contardquo As fotos a seguir trazem contribuiccedilotildees para

compreender a situaccedilatildeo de leitura descrita anteriormente e o ensino e a aprendizagem por meio

desse gecircnero discursivo

155

(Foto 1 - Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 190310)

Na foto 1 estatildeo observando a primeira carta recebida da Turma do Dedo Verde Como a

carta eacute longa com desenhos feitos pelas crianccedilas correspondentes que ilustram cada assunto

abordado por elas e por ter fotos eles se sentam dos dois lados e comentam tudo o que veem

Uma menina sentada proacutexima agrave parede em que estaacute fixado o iniacutecio aponta para algo escrito logo

abaixo de um desenho Outra garota do mesmo lado da menina observa as fotos atentamente e

entre elas duas trecircs meninos conversam entre si Quando os questiono sobre o que veem

respondem

C9 Que carta da hora neacute pro

P Vocecircs gostaram

C12 Eacute mor legal (Expressatildeo que indica ser ldquomuito legalrdquo) Parece uma carta

gigante

P E por que seraacute que a ldquoTurma do Dedo Verderdquo nos escreveu uma carta tatildeo

grande

156

C9 Ah ela deve estar falando um monte de coisas pra gente natildeo estaacute pro Eu

acho que estaacute sim

P E o que seraacute que as crianccedilas dessa turma estatildeo falando pra gente O que elas

teriam para nos contar

C5 Eu acho que elas estatildeo contando um monte de coisas que elas sabem que a

nossa turma eacute a ldquoTurma do Solrdquo acho que estatildeo falando os nomes delas no

final da carta

P Por que vocecirc acha isso

C5 Porque elas desenharam um sol bem grande logo no comeccedilo da carta e no

final tem um monte de nomes eu acho que eacute o nome delas pra gente saber

quem satildeo elas

C12 Pro lecirc logo pra gente Todo mundo quer saber

E depois de terem observado e conversado sobre suas observaccedilotildees li para as

crianccedilas a carta Ao final da leitura C1 diz

C1 A gente precisa escrever uma carta pra essa turma tambeacutem Pro Agora as

crianccedilas de laacute vatildeo ficar esperando a nossa carta

P Vocecircs concordam com C1

Todas Oba Sim

C7 A gente tambeacutem tem um monte de coisas pra contar pra elas

O relato da observaccedilatildeo da foto 1 e dos diaacutelogos com as crianccedilas antes e depois da leitura

da carta demonstram minha intencionalidade como professora no ensino da leitura e da

apresentaccedilatildeo do gecircnero discursivo carta Tal intencionalidade se revela na forma como organizo

o espaccedilo da sala o tempo para a observaccedilatildeo das crianccedilas e minha interaccedilatildeo com o gecircnero e o

suporte Tambeacutem se revela nos questionamentos desde o momento em que recebi o envelope nas

matildeos instigando-as a pensarem sobre a carta sobre a sua finalidade e sobre o seu funcionamento

como se verifica em minhas perguntas ldquoPara que vocecircs acham que algueacutem escreve uma carta

para outra pessoardquo ldquoO que mais vocecircs acham que pode ter uma cartardquo ldquoO que pode estar

escrito nelardquo ldquoHum eu acho que temos vaacuterias coisas a descobrir quem mandou a carta por que

nos mandou essa carta o que diz a carta e o que tem dentro do envelope aleacutem da cartardquo Com

esse procedimento pode-se inferir que eu como professora ensino as crianccedilas a questionarem o

texto a buscarem indiacutecios a elaborarem suas hipoacuteteses a dialogar com o texto desde o princiacutepio

e a ter uma atitude responsiva que pode ser constatada desde o iniacutecio desse processo quando uma

crianccedila depois da leitura feita por mim declara ldquoA gente precisa escrever uma carta pra essa

turma tambeacutem Pro Agora as crianccedilas de laacute vatildeo ficar esperando a nossa cartardquo

A atitude responsiva eacute percebida desde a conversa inicial da chegada da carta e marca o

caraacuteter dialoacutegico das relaccedilotildees que satildeo estabelecidas ndash da professora com as crianccedilas das crianccedilas

com a carta das crianccedilas com a linguagem e das crianccedilas com o outro com o outro real Assim

157

O ato da linguagem eacute determinante para o engendramento de aspectos

ideoloacutegicos culturais histoacutericos nas mais variadas esferas sociais tais aspectos

sobrepesam a configuraccedilatildeo e o funcionamento do ato na accedilatildeo comunicativa De

certo modo haacute paracircmetros sociais seguidos de maneira ritualiacutestica que acabam

por oferecer o arsenal de escolhas possiacuteveis para a interaccedilatildeo verbal Poder-se-ia

afirmar que essa relaccedilatildeo descrita essencialmente dialoacutegica eacute garantida ou

traduzida pelo que Bakhtin (2003) definiu como gecircnero do discurso (RIBEIRO

2010 p 55)

Pode-se dizer que desde a conversa inicial e com os diaacutelogos travados entre as crianccedilas e

eu entre as proacuteprias crianccedilas a comunicaccedilatildeo eacute feita sempre por meio de um gecircnero discursivo e

por meio desse gecircnero mais simples em sua composiccedilatildeo a professora introduz o ensino de outro

gecircnero a carta Por essa razatildeo haacute a necessidade de identificar os aspectos constitutivos do

gecircnero ndash ldquoas condiccedilotildees de sua produccedilatildeo os campos de atividade humana nos quais ele eacute

construiacutedo os possiacuteveis papeacuteis assumidos pelos participantes desse campo a sua funccedilatildeo social

(RIBEIRO 2010 p 55) ndash uma vez que ldquoateacute mesmo no bate-papo mais descontraiacutedo e livre noacutes

moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gecircnero agraves vezes padronizadas e

estereotipadas agraves vezes mais flexiacuteveis plaacutesticas e criativasrdquo (BAKHTIN 2003 p 282)

Pela conversa inicial percebe-se que as crianccedilas nunca tinham recebido elas mesmas

cartas na escola ou em casa Depois de observarem o envelope e a carta aberta na sala

reconheceram a professora como a pessoa experiente que poderia mediar a sua relaccedilatildeo com os

enunciados enviados pelas outras crianccedilas Isso se verifica ao solicitarem a leitura da carta em

diferentes momentos ldquoEacute soacute a professora ler ueacute Lecirc pro leia logo porque todo mundo quer

saber o que estaacute escrito aiacuterdquo ldquoPro lecirc logo pra gente Todo mundo quer saberrdquo

Outro aspecto relevante merece ser ressaltado C1 sugere e os demais concordam que

seja escrita uma resposta aos correspondentes e C7 acrescenta ldquoA gente tambeacutem tem um monte

de coisas pra contar pra elasrdquo Essa fala denota que a crianccedila possivelmente deseja partilhar

expressar comunicar temas e acontecimentos e com isso reafirma o processo de apropriaccedilatildeo da

linguagem escrita que como tem sido defendido neste trabalho nasce do desejo de expressatildeo do

sujeito

No ato de ler e escrever aleacutem de mobilizar o conjunto dessas funccedilotildees

intelectuais a crianccedila tambeacutem precisa ter vontade de expressar ou comunicar

alguma experiecircncia vivida ou a vontade de conhecer a experiecircncia dos outros

contadas num texto (MILLER MELLO 2008 p 6 ndash 7)

158

A

foto 2 refere-se tambeacutem a uma situaccedilatildeo de leitura da carta recebida dos correspondentes da

ldquoTurma do Dedo Verderdquo Como costumeiramente era feito antes que eu fizesse a leitura para

eles eu conversava sobre o que os correspondentes poderiam ter escrito para a Turma do Sol e

assim iam levantando suas hipoacuteteses buscando sempre novos indiacutecios e baseados nas cartas

anteriores e no diaacutelogo contiacutenuo estabelecido por meio dessa interlocuccedilatildeo faziam previsotildees

sempre confirmadas ou natildeo agrave medida que eu lia oralmente Com as sucessivas leituras que se

tornaram frequentes e com as discussotildees dos elementos constitutivos desse gecircnero discursivo as

crianccedilas comeccedilaram a estabelecer relaccedilotildees durante a audiccedilatildeo

(Foto 2 ndash Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 160510)

Nessa foto 2 as crianccedilas observam os nomes escritos ndash as assinaturas ndash dos

correspondentes e um dos garotos apontando para um dos nomes diz aos colegas

C2 Olha algueacutem escreveu o meu nome aqui

159

C13 Eacute que tem algueacutem laacute daquela turma que tem o mesmo nome que o seu

vocecirc se esqueceu Tem gente que tem o mesmo nome da gente natildeo eacute pro

P Sim haacute pessoas que tecircm o mesmo nome da gente Leia se haacute o sobrenome na

frente desse primeiro nome C2

(C2 e as outras crianccedilas sentadas ao seu lado olham atentamente para o escrito)

C2 Hum natildeo tem nada mas na proacutexima carta eu quero escrever meu nome

inteiro assim ningueacutem fica pensando que eu sou ele Vocecirc me ensina pro a

escrever meu nome inteiro

P Claro C2 assim vocecirc poderaacute escrevecirc-lo sempre que for necessaacuterio

C2 Aiacute quando elas forem ler a carta que a gente mandar e elas forem ler os

nomes de quem mandou a carta elas vatildeo saber direito que C2 que eacute

C11 Mas eu acho que elas natildeo sabem ler ainda C2

C2 Mas a professora delas pode ler pra elas igual a nossa faz e aiacute elas tambeacutem

vatildeo aprendendo

Por meio da observaccedilatildeo e leitura da carta pode-se perceber que as crianccedilas estabelecem

relaccedilotildees com a escrita e com o outro e que essas relaccedilotildees provocam outras aprendizagens como

se verifica nessa fala de C2 ldquo mas na proacutexima carta eu quero escrever meu nome inteiro assim

ningueacutem fica pensando que eu sou ele Vocecirc me ensina pro a escrever meu nome inteirordquo

Nessa fala pode-se inferir tambeacutem que as crianccedilas percebem a minha mediaccedilatildeo como professora

nesse processo de apropriaccedilatildeo da leitura e eu as instigo frequentemente a buscar elementos que

possam pensar sobre o que veem e ouvem ldquoSim haacute pessoas que tecircm o mesmo nome da gente

Leia se haacute o sobrenome na frente desse primeiro nome C2rdquo A professora ao questionar e a

ensinar a questionar o texto ao criar situaccedilotildees de leitura em que interajam e dialoguem com o

escrito permite que criem para si necessidades para ler e para escrever assim como nesta fala

ldquoAiacute quando elas forem ler a carta que a gente mandar e elas forem ler os nomes de quem mandou

a carta elas vatildeo saber direito que C2 que eacuterdquo Ou ainda quando C11 diz ldquoMas eu acho que elas

natildeo sabem ler ainda C2rdquo e C2 responde ldquoMas a professora delas pode ler pra elas igual a nossa

faz e aiacute elas tambeacutem vatildeo aprendendordquo

Dos discursos proferidos pelas crianccedilas nessa situaccedilatildeo de leitura ressalta o papel do

sentido nas relaccedilotildees que os sujeitos estabelecem com o mundo que aos poucos conhece e nas

aprendizagens que gradativamente faz Leontiev (1981) afirma que o conhecimento eacute

indubitavelmente fator de desenvolvimento e humanizaccedilatildeo no processo ontogeneacutetico mas

ressalta que para que o conhecimento eduque eacute preciso antes educar no sujeito sua atitude em

relaccedilatildeo ao conhecimento (LEONTIEV 1981)

Leontiev (1981) ao abordar sobre a formaccedilatildeo da atitude frente ao conhecimento se refere

ao sentido que as crianccedilas atribuem aos objetos da cultura com os quais se defrontam ao longo da

160

infacircncia ldquoEsse sentido condiciona toda relaccedilatildeo que estabelecem com esses objetos a partir de

entatildeo ndash num processo dinacircmico de formaccedilatildeo e desenvolvimento de sentido - em outras palavras

condiciona a atitude da crianccedila frente a esses objetosrdquo (MELLO 2011 p 2) Disso decorre que

essa atitude da crianccedila constitui-se como uma resposta sua ao objeto ldquosua atitude depende do que

o objeto significa para ela como ela o entende como o objeto a afeta e quanto a afetardquo (MELLO

2011 p 2) Para Leontiev (1981 p 234 traduccedilatildeo nossa) o sentido eacute ldquoesse aspecto da consciecircncia

do indiviacuteduo determinado por suas relaccedilotildees vitais proacutepriasrdquo 17

Em outras palavras a atitude das

crianccedilas frente aos objetos condicionada pelo que eles significam para elas natildeo eacute algo que se

ensina como um produto mas eacute elemento da consciecircncia que se forma como um processo Com

base nessas afirmaccedilotildees no processo de ensino e de aprendizagem o planejamento intencional das

situaccedilotildees de leitura a organizaccedilatildeo do tempo e do espaccedilo destinado a isso a mediaccedilatildeo do

professor e principalmente as relaccedilotildees que satildeo estabelecidas com esse objeto cultural contribuem

para que as crianccedilas atribuam um sentido para a leitura e para a sua atitude de aprender a ler

Ainda que o sentido seja formado intencionalmente na escola o sentido que uma crianccedila

atribui a um objeto ldquonatildeo se ensina se educardquo18

(LEONTIEV 1981 p 234 traduccedilatildeo nossa) se

constitui como produto das relaccedilotildees estabelecidas com os objetos da cultura histoacuterica e

socialmente elaborada

Podemos dizer que a intencionalidade do outro nesse aprender precisa considerar

as relaccedilotildees reais que as crianccedilas estabelecem com os objetos da cultura na escola

e a complexidade desse processo de atribuiccedilatildeo de sentido pelas crianccedilas

(MELLO 2011 p 2)

Desse modo as situaccedilotildees vivenciadas e as relaccedilotildees estabelecidas com o gecircnero com os

interlocutores e com a escrita criam atitudes positivas diante do conhecimento necessidade de

saber de aprender

Outra situaccedilatildeo de leitura de carta eacute apresentada para se compreender o processo de

apropriaccedilatildeo de leitura por meio do gecircnero carta Com o objetivo de ampliar as experiecircncias para

que compreendessem todo o processo de emissatildeo e de recepccedilatildeo da correspondecircncia fiz com elas

uma aula-passeio agrave agecircncia central dos Correios As aulas-passeio satildeo tambeacutem uma das teacutecnicas

17

Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV1981 p 234) [] que aquel aspecto de la conciencia del individuo

determinado por sus relaciones vitales propias es el sentido 18

Trecho original da citaccedilatildeo (LEONTIEV1981 p 234) El sentido no se ensentildea el sentido se educa

161

da Pedagogia Freinet Satildeo saiacutedas ao ar livre ndash aulas de campo ndash que oportunizam maior contato

com o proacuteprio meio permitindo descobertas que motivam a re-criaccedilatildeo dos textos livres

Antes de postarem a carta aos correspondentes ndash pesaram verificaram o valor e fizeram o

pagamento da taxa Em seguida foram conhecer por meio de um responsaacutevel a parte interna e o

trabalho dos funcionaacuterios Em meio a conversas e explicaccedilotildees de um monitor que nos

acompanhavam nesse passeio trecircs crianccedilas pararam numa caixa em que as correspondecircncias jaacute

estavam separadas para que o carteiro fizesse a entrega

(Foto 3 - Situaccedilatildeo fotografada e gravada no dia 010610)

C7 Olha C6 que carta linda Acho que eacute uma carta de amor (as crianccedilas riem)

C6 Por que vocecirc acha isso

C7 Porque tem um monte de adesivos de coraccedilatildeo grudados no envelope e o

envelope eacute vermelho

C13 Ah mas pode ser uma carta de amigas ou de amigos

C7 Hum natildeo parece parece de amor

C13 Daacute pra ler quem mandou (C13 lecirc o nome do destinataacuterio) eacute nome de

homem

C6 Ih mas e quem que estaacute mandando A gente precisava saber

C13 Nem precisa olha aqui (aponta com o dedo indicador direito) estaacute

escrito aqui em cima ldquoPara o meu amorrdquo (as crianccedilas riem novamente)

162

A anaacutelise da foto e dos dados apresentados pela conversa entre as crianccedilas denota que ao

criar necessidades de leitura o interesse por ler se manifesta em diferentes situaccedilotildees e que se

aprende a ler em situaccedilotildees reais (JOLIBERT 1994 2006)

Quando as cartas satildeo redigidas e os envelopes satildeo preenchidos as crianccedilas

entram em contato com modelos convencionais de escrita [] Como se pode

perceber com esse tipo de texto escrito as crianccedilas tecircm oportunidade de se

apropriar de conteuacutedos culturais dos quais necessitaraacute para inserir-se no processo

de comunicaccedilatildeo com outras pessoas Isso inclui natildeo soacute saber qual a funccedilatildeo da

carta como eacute o seu tracircnsito de pessoa a pessoa quanto custa esse tracircnsito mas

tambeacutem quais os recursos de escrita satildeo necessaacuterios para que esse veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo se concretize o que implica a assimilaccedilatildeo de certos conceitos

envolvidos nesse processo (MILLER MELLO 2005 p 13 ndash 14)

Na situaccedilatildeo analisada as crianccedilas levantam suas hipoacuteteses para saber se se trata de uma

carta de amor por meio dos questionamentos que fazem no escrito do envelope e de outros

elementos natildeo verbais como os adesivos de coraccedilatildeo e a cor No processo inicial de apropriaccedilatildeo

da leitura as crianccedilas buscam indiacutecios no envelope para descobrirem informaccedilotildees e realizarem a

leitura Quanto a isto ressalta-se que

A interpretaccedilatildeo de um signo natildeo pode coincidir somente com sua identificaccedilatildeo

mas tambeacutem requer compreensatildeo ativa O sentido de um signo consiste em algo

mais no que diz respeito aos elementos que permitem seu reconhecimento Eacute

feito desses aspectos semacircntico-ideoloacutegicos que satildeo em certo sentido uacutenicos

que tem algo de peculiar e de indissoluvelmente ligado ao contexto situacional

da semiose A compreensatildeo do signo eacute uma compreensatildeo ativa pelo fato de que

requer uma resposta uma tomada de posiccedilatildeo nasce de uma relaccedilatildeo dialoacutegica e

provoca uma relaccedilatildeo dialoacutegica vive como resposta a um diaacutelogo (PONZIO

2011 p 186 ndash 187)

Ao considerar esses pressupostos pode-se inferir que as crianccedilas tecircm uma atitude

responsiva uma atitude leitora uma vez que observam os elementos presentes no envelope

fazem inferecircncias questionam opinam dialogam com os dados percebidos e elaboram uma

contrapalavra Ao compreenderem os signos participam de uma compreensatildeo ativa

A situaccedilatildeo a seguir denota o caraacuteter dialoacutegico das crianccedilas com o gecircnero carta e seus

elementos constitutivos

163

Numa tarde antes das crianccedilas chegarem agrave escola afixei na parede da sala de aula em que

estavam outros textos de diferentes gecircneros ndash receita poesia carta histoacuteria em quadrinhos conto

ndash uma carta diferente das outras recebidas de nossos correspondentes escrita em uma uacutenica folha

de sulfite recebida por e-mail de uma amiga geoacutegrafa em resposta a uma pergunta feita pelas

crianccedilas em nossas pesquisas sobre um fenocircmeno que ocorre no Oriente chamado ldquoSol da meia-

noiterdquo Assim que chegou o e-mail o imprimi e o levei para as crianccedilas Natildeo fiz nenhum

comentaacuterio inicialmente e aguardei que observassem e se manifestassem Enquanto

organizaacutevamos o espaccedilo da sala de aula como costumeiramente faziacuteamos duas crianccedilas

perceberam o novo texto na parede e me perguntaram

C6 Ocirc pro foi vocecirc quem colocou isso aqui (refere-se ao novo texto afixado)

P Sim fui eu O que acharam

C13 Hum isso aqui estaacute me cheirando uma carta

P E por que vocecirc acha que eacute uma carta

C13 Porque logo aqui em cima no comeccedilo acho que estaacute escrito ldquoProfessora G e

Turma do Solrdquo (referia-se agrave saudaccedilatildeo ou cumprimento) aiacute depois tem umas

coisinhas escritas uma mensagem Natildeo eacute uma mensagem Eu acho que eacute

simparece (silencia por alguns instantes e seus olhos movimentam-se em

direccedilatildeo ao escrito como se estivesse a ler) e depois dessas coisas escritas tem

uma despedida Olha soacute Aqui estaacute escrito ldquoAbraccedilos amigosrdquo

P Mas natildeo tem a data de quando foi escrita a carta

C6 Tem que ter neacute professora

P Onde estaacute

C13 e C6 observam atentamente direcionam o olhar por toda a folha e depois de

alguns instantes C13 diz

C13 Achei Ela estaacute aqui oacute (aponta com o dedo indicador na folha) eacute que eacute a

data econocircmica (refere-se a data abreviada registrada somente com nuacutemeros ndash

dia mecircs e ano)

P Sim eacute verdade Mas se eacute uma carta quem a escreveu

C13 Hum ah (volta a dirigir o olhar por toda a folha pensa silencia e diz)

C13 Jaacute sei eacute esse nome que estaacute aqui debaixo dos ldquoabraccedilos amigosrdquo (aponta

com o dedo indicador direito o nome encontrado) olha e eacute igual ao nome da

PA (refere-se a coordenadora da escola)

P Realmente eacute igual ao nome da PA

C13 Natildeo falei que eacute uma carta

Com o contato frequente com cartas com as situaccedilotildees de leitura vivenciadas por meio

desse gecircnero e com as relaccedilotildees dialoacutegicas estabelecidas pode-se dizer que as crianccedilas natildeo

somente identificam os elementos que a compotildeem ndash conteuacutedo temaacutetico construccedilatildeo

164

composicional e estilo (BAKHTIN 2003) ndash mas compreendem o seu funcionamento e a sua

dinacircmica

C13 ao observar o novo texto afixado na parede revela logo de iniacutecio antes da leitura a

ser feita pela professora sua hipoacutetese de que se trata de uma carta ao dizer ldquoHum isso aqui estaacute

me cheirando uma cartardquo Ao tentar responder agraves perguntas da professora e orientada por seu

interesse e necessidade em saber que texto eacute esse que se apresenta ela lecirc o texto e ao dialogar

com ele encontra as respostas ao perceber a construccedilatildeo composicional vinculada com a forma

arquitetocircnica determinada pelo projeto enunciativo do locutor que natildeo se confunde com uma

forma riacutegida porque pode se alterar de acordo os projetos enunciativos (SOBRAL 2009) Em

outras palavras a crianccedila percebe que eacute uma carta ainda que esse gecircnero natildeo tenha se

apresentado na forma costumeira elaborada recebida pelos correspondentes

Pode-se inferir que a crianccedila ao analisar o texto tambeacutem percebe o estilo um aspecto do

gecircnero que indica fortemente sua mutabilidade ldquopois eacute a um soacute tempo expressatildeo da comunicaccedilatildeo

discursiva especiacutefica do gecircnero e expressatildeo pessoal mas natildeo subjetiva do autor ao criar uma

nova obra no acircmbito de um gecircnerordquo (SOBRAL 2009 p 119) Os dados tambeacutem revelam que a

crianccedila percebe o conteuacutedo temaacutetico ou tema elemento esse que natildeo se confunde com ldquoassuntordquo

uma vez que pode se falar de um determinado assunto e ter outro tema (SOBRAL 2009 p 119)

Esses elementos satildeo percebidos quando reconhece cada parte mesmo que a data por exemplo

tambeacutem esteja escrita soacute em nuacutemeros (dia mecircs e ano) e natildeo por extenso (nome da cidade dia

mecircs e ano) como as crianccedilas costumam ler e escrever nas cartas recebidas e enviadas ainda que

natildeo esteja logo no iniacutecio mas no rodapeacute da folha impressa uma vez que ateacute aquele momento natildeo

tinham tido acesso a e-mails e por conseguinte natildeo utilizavam ou participavam desse tipo de

suporte do gecircnero conhecido em outro o papel no interior de um envelope

A crianccedila aponta que depois da saudaccedilatildeo haacute uma mensagem e aparenta esforccedilo para ler

possivelmente porque as explicaccedilotildees dadas pela geoacutegrafa traziam termos natildeo antes vistos ou

sabidos pela crianccedila sobre o fenocircmeno ldquoSol da meia-noiterdquo que posteriormente foi pesquisado

Esse fato revela o estilo da autora do texto que ao abordar um assunto ateacute aquele momento

desconhecido escreve de uma forma peculiar dentro de sua escolha e de sua condiccedilatildeo

profissional na elucidaccedilatildeo das informaccedilotildees abordadas Outro aspecto relevante eacute que a hipoacutetese

da crianccedila desde o comeccedilo eacute de que o texto se tratava de uma carta e a reconhece no meio de

165

vaacuterios outros textos de outros gecircneros discursivos tambeacutem afixados na parede junto a esse ndash

poesia receita conto entrevista

Com a anaacutelise do dado apresentado ressalta-se que ldquoo texto exibe indiacutecios (ou marcas) de

gecircnero de modo imediato mas natildeo de maneira transparente e a discursividade eacute assim uma

mediaccedilatildeo constitutiva entre gecircnero e texto ou seja o discurso eacute mobilizado pelo gecircnero e

mobiliza o textordquo (SOBRAL 2010 p 15) Por meio do trabalho intencional de leitura da carta e

das relaccedilotildees que a crianccedila estabelece com ela com seus elementos constitutivos e com o outro a

crianccedila eacute capaz de se apropriar gradativamente do gecircnero e dos modos de operar com a escrita

43 A leitura do gecircnero discursivo relatos de vida

As situaccedilotildees de leitura analisadas a seguir correspondem ao gecircnero discursivo relatos de

vida relacionados aos fatos vividos pelas crianccedilas escritos no livro da vida um compilado de

textos produzidos pelas crianccedilas que conta o que se passa na vida do grupo Eacute uma teacutecnica

Freinet voltada para o trabalho com a leitura e a escrita mas que apresenta antes de tudo uma

preocupaccedilatildeo em permitir que as crianccedilas expressem suas ideias impressotildees sensaccedilotildees

sentimentos opiniotildees Trata-se de um livro de registros escritos e desenhados dos acontecimentos

mais relevantes ocorridos no dia da turma Satildeo vivecircncias cotidianas expressatildeo de acontecimentos

reais que a marcaram de alguma forma

Os registros no livro da vida iniciaram-se no mecircs de marccedilo de 2010 Expliquei na roda da

conversa o seu funcionamento alguns dos textos criados seriam de toda a turma ndash textos criados

coletivamente com as experiecircncias de todo o grupo ndash e outros poderiam ser escritos

individualmente conforme quisessem ou sentissem a necessidade de fazecirc-lo Essa teacutecnica

Freinet aleacutem de ser utilizada para gerar dados tambeacutem faz parte do contexto em que o meu

trabalho pedagoacutegico como professora pesquisadora se realizou Todos os textos escritos e lidos

tornam-se materiais de leitura e ficam expostos na sala para consulta assim como as

correspondecircncias e outros materiais produzidos por elas ou natildeo como jornais livros gibis

revistas infantis enciclopeacutedias folhetos mapas O livro da vida tambeacutem eacute lido pelos pais quando

participam das reuniotildees pelos funcionaacuterios da escola quando se sentem instigados para saber dos

registros comentados pelas crianccedilas em situaccedilotildees diversas e pelos correspondentes da turma por

ocasiatildeo da visita ou ainda pelas proacuteprias cartas enviadas A situaccedilatildeo de leitura de relato de vida

166

analisada a seguir traz diferentes aspectos sobre a relevacircncia desse gecircnero discursivo na formaccedilatildeo

de leitores e re-criadores de textos

Em comemoraccedilatildeo ao dia das matildees e com o trabalho de correspondecircncia jaacute iniciado com a

turma fiz com as crianccedilas uma aula-passeio ao correio quando puderam conhecer o processo de

envio postagem e recebimento de cartas escritas para as suas matildees com seus desenhos a elas

dedicados Ao voltarmos na escola C13 propocircs que escrevecircssemos nossa aula passeio no livro da

vida Terminado o texto fiz a sua leitura oral

Mariacutelia 29 de abril de 2010

Hoje a nossa turma fez um passeio no Correio junto com a turma da

professora L e por isso a gente veio no periacuteodo da manhatilde para a escola

A gente foi de ocircnibus e viu um monte de coisas no caminho Eacute super legal

andar de ocircnibus

A gente foi ao Correio levar as cartinhas que a gente escreveu para as

nossas matildees

Laacute no Correio o moccedilo que ficava recebendo as cartas deixou cada um

colar o selo na sua proacutepria carta e depois ele carimbava

A gente levou dinheiro para pagar o selo e ainda sobrou troco

Depois a gente conheceu o Correio todo e o moccedilo que trabalha laacute explicou

como eacute que as cartas chegam ao lugar que a gente quer

A gente conversou com os carteiros e viu eles separando as

correspondecircncias

Todo mundo gostou do passeio

Turma do Sol ndash Infantil II

Depois da leitura do texto conversei com as crianccedilas sobre o que eu havia transmitido a

eles oralmente

P Pessoal haacute alguma coisa a mais que vocecircs gostariam de colocar nesse texto

C1 Hum acho que natildeo pro mas toda hora repete a gente

P Vocecircs concordam com C1

Todas (ningueacutem faz comentaacuterio)

P Bem eu vou ler novamente o texto e vocecircs me falam se vocecircs acham que C1

tem razatildeo tudo bem

Todas (Todas concordam)

Terminada a segunda leitura pergunto

P O que vocecircs acham

C13 Nossa pro eacute verdade toda hora a gente escreveu a gente

P E o que podemos fazer para o nosso texto ficar melhor e natildeo repetir tanto a

gente

167

C13 A gente pode trocar a gente por ldquonoacutesrdquo eacute a mesma coisa natildeo eacute Aiacute natildeo fica

toda hora falando do mesmo jeito

P Sim eacute uma boa ideia Faremos isso no texto de amanhatilde

C5 Pro eacute muito legal ler as coisas do livro da vida neacute

P Eacute E por que vocecirc acha legal

C5 Porque a gente pode contar coisas bem legais a gente pode escrever as

coisas aiacute e todo mundo vai poder ler qualquer hora Vocecirc deixa minha matildee ler

quando ela vier na reuniatildeo (refere-se agrave leitura do livro da vida pela matildee na

ocasiatildeo da Reuniatildeo de Pais e Mestres na escola)

P Claro que sim seus pais e quem mais quiser (e todas as demais crianccedilas

pediram para que eu deixasse seus familiares tambeacutem lerem)

O livro da vida eacute a documentaccedilatildeo do dia a dia da turma e o relato de vida emerge dessa

situaccedilatildeo de realizar essa documentaccedilatildeo Na anaacutelise da situaccedilatildeo descrita a crianccedila parece se

reconhecer como sujeito desse processo em que vive e que registra sua proacutepria histoacuteria Agrave medida

que faz isso tambeacutem interage com a liacutengua e percebe gradativamente seu funcionamento como

se verifica nessa fala de C1 quando questiono sobre a leitura do texto produzido ldquoHum acho

que natildeo pro mas toda hora repete a genterdquo ou ainda na fala de C13 ldquoNossa pro eacute verdade toda

hora a gente escreveu a genterdquo e ainda propotildee ldquoA gente pode trocar a gente por noacutes eacute a mesma

coisa natildeo eacute Aiacute natildeo fica toda hora falando do mesmo jeitordquo

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que C13 aparenta se reconhecer e reconhecer o grupo

como re-criador do texto lido uma vez que afirma terem escrito o texto mesmo que tenham tido a

professora como escriba dos enunciados das ideias Isso se apresenta na mesma fala ldquoNossa pro

eacute verdade toda hora a gente escreveu a genterdquo

Por se sentirem sujeitos desse processo as crianccedilas criam para si a necessidade de ler e de

escrever de se apropriarem desse instrumento cultural Colocam-se em situaccedilatildeo real de uso da

leitura e da escrita e sabem que a produccedilatildeo escrita seraacute lida por outra pessoa um destinataacuterio real

Ao se utilizar relato de vida conquistam a sua autonomia porque dizem coisas que vivem que

ouvem que experimentam e o registro escrito das conversas das vivecircncias e das histoacuterias das

crianccedilas eacute uma forma de contato com o gecircnero discursivo Por ele retomam o sentido histoacuterico de

registro da comunicaccedilatildeo

Na situaccedilatildeo apresentada pode-se inferir que as crianccedilas reconhecem a leitura como uma

forma de expressatildeo de dizer de contar coisas de comunicar de informar e de se informar A

teacutecnica livro da vida constitui e caracteriza o relato de vida agrave medida que o livro da vida ldquoeacute (ou

tenta ser) um relato e a marca do que acontece do que se vive se diz se realiza no decorrer dos

diasrdquo (GROUPE MATERNEL LIEGEOIS sd p 15) Desse modo o fato de a crianccedila pedir agrave

168

professora que deixe sua matildee ler o livro por ocasiatildeo da reuniatildeo de pais denota que reconhecem a

leitura como uma forma de expressatildeo humana de partilhar informaccedilotildees e que teratildeo a garantia de

que os escritos seratildeo socializados em outras palavras que os escritos seratildeo lidos por outros

(outras crianccedilas os pais durante as reuniotildees a proacutepria professora pelos funcionaacuterios ou pelos

correspondentes na ocasiatildeo dos encontros entre as turmas) e que a livre expressatildeo eacute e seraacute

privilegiada

Pode-se dizer que o relato de vida eacute um gecircnero primaacuterio (BAKHTIN 2003) uma vez que

os gecircneros primaacuterios satildeo os gecircneros da vida cotidiana ldquoSatildeo predominantemente mas natildeo

exclusivamente orais Pertencem agrave comunicaccedilatildeo verbal espontacircnea e tem relaccedilatildeo direta com o

contexto mais imediatordquo (FIORIN 2006 p 70) Por isso os gecircneros primaacuterios correspondem a

um espectro diversificado da atividade linguiacutestica humana relacionada com os discursos da

oralidade em seus mais variados niacuteveis (do diaacutelogo cotidiano ao discurso didaacutetico filosoacutefico ou

sociopoliacutetico) (MACHADO 2005 p 144)

Com relaccedilatildeo agrave leitura do gecircnero discursivo relato de vida eacute apresentada outra situaccedilatildeo

C1 ao se dirigir a mim no local em que as crianccedilas satildeo recepcionadas diariamente ndash no galpatildeo

entregou-me uma folha com um desenho e algumas coisas escritas Quando perguntei do que se

tratava respondeu

C1 Pro eu fiz esse desenho ontem na minha casa e eu trouxe para vocecirc pocircr no

livro da vida Eu contei tudinho pra minha matildee ontem o que noacutes pesquisamos

sobre o Sol e eu pedi pra minha matildee escrever Aiacute depois eu desenhei e trouxe

para vocecirc por no livro da vida pra todo mundo ler

P Que bom C1 Mas acho que podemos primeiro contar no livro da vida por

que vocecirc teve essa ideia para que todo mundo possa entender o desenho e as

coisas que a sua matildee escreveu O que vocecirc acha E entatildeo colamos essa folha

nele tambeacutem

C1 Estaacute bom pro Mas vocecirc pode ler pra todo mundo porque quase ningueacutem da

nossa turma sabe ler neacute

(Situaccedilatildeo observada e registrada no dia 120510)

Dirigi-me para a sala e depois de negociado na roda o nosso plano de trabalho do dia as

crianccedilas realizavam uma tarefa de pintura enquanto C1 produzia o texto que ao terminar foi lido

para toda a turma bem como o escrito com o desenho que foi afixado no livro da vida

169

Mariacutelia 12 de maio de 2010

A nossa turma se chama Turma do Sol e a gente aprendeu um monte de

coisas sobre ele

Aiacute eu cheguei em casa e contei pra minha matildee o que eu aprendi na escola

e pedi pra ela escrever num papel agrave noite

Quem ler o que a minha matildee escreveu no papel vai saber um monte de

coisas sobre o Sol tambeacutem

C1

170

(Desenho trazido por C1 com observaccedilotildees escritas por sua matildee ndash 120510)

171

Por meio da leitura do texto de C1 e do desenho com o registro escrito das explicaccedilotildees

que dera a sua matildee eacute possiacutevel inferir que C1 percebe a escola como o lugar da cultura mais

elaborada (MELLO 2010) em outras palavras como um lugar em que a crianccedila se apropria da

cultura humana do conhecimento e das formas mais elaboradas da cultura uma vez que ao

pesquisar na escola informaccedilotildees sobre o Sol ndash pesquisa decorrente do nome da turma ndash solicita agrave

matildee mais informaccedilotildees aleacutem do que pesquisara com a professora e os colegas Segundo Davidov

(1988 p 57) quando analisamos os processos de educaccedilatildeo de ensino temos a reproduccedilatildeo e a

apropriaccedilatildeo das capacidades construiacutedas historicamente como ponto central e este movimento eacute

gerador do desenvolvimento psiacutequico do homem

Eacute possiacutevel perceber ainda que a matildee ao atender a solicitaccedilatildeo da filha preocupa-se em

escrever exatamente da forma como a crianccedila disse e resguarda assim a historicidade desse

momento por meio da escrita Na tentativa de supostamente materializar esse conhecimento e de

atribuir a ele um valor leva esse registro para a escola e o incorpora ao seu relato de vida

partilhado por toda a turma no momento da leitura oral C1 reconhece a professora como o adulto

que pode fazer a mediaccedilatildeo quando C1 diz ldquoMas vocecirc pode ler pra todo mundo porque quase

ningueacutem da nossa turma sabe ler neacuterdquo Ler para C1 eacute uma forma de comunicar de se expressar

de informar de estabelecer relaccedilotildees ldquoQuem ler o que a minha matildee escreveu no papel vai saber

um monte de coisas sobre o Sol tambeacutemrdquo

A seguir eacute apresentada outra situaccedilatildeo de leitura do relato de vida

Numa tarde enquanto as crianccedilas faziam uma tarefa C7 terminou rapidamente a tarefa e

solicitou-me para que eu escrevesse com ela no livro da vida Disse-me que queria muito que

ficasse escrito o que ela ia contar Desse modo atendi a sua solicitaccedilatildeo

Mariacutelia 4 de junho de 2010

Amanhatilde eu vou viajar para Aparecida do Norte com a minha matildee e com o

meu pai Meus irmatildeos tambeacutem vatildeo

Noacutes vamos viajar de ocircnibus e a minha matildee vai levar a Santinha pra laacute

Eu vou ter que escovar os dentes no posto de gasolina porque em

Aparecida natildeo tem banheiro

A minha matildee vai levar aacutegua refrigerante e bolacha Vai levar tambeacutem

talquinho pra eu ficar bem cheirosinha Vai ser bem legal

C7

172

Ao terminar o relato natildeo foi possiacutevel fazer a leitura dele no mesmo momento como de

costume porque o horaacuterio havia acabado e deveriacuteamos reorganizar a sala para que outra

professora pudesse entrar com sua turma Dirigi-me com as crianccedilas para o tanque de areia e por

isso natildeo houve a possibilidade de fazer a leitura do texto produzido por C7 agraves outras crianccedilas

naquele local e naquele dia

No dia seguinte enquanto todas as crianccedilas brincavam com jogos de construccedilatildeo C6 se

retira do grupo no qual brincava se dirige ao fundo da sala pega o livro da vida e passa cerca de

vinte minutos a observar somente o registro feito por C7 no dia anterior Em seguida coloca

novamente o livro no local em que o encontrara e se dirige a mim

C6 Pro C7 foi hoje para Aparecida do Norte neacute Por isso que ela faltou na

escola

P Como eacute que vocecirc sabe disso Ela te contou

C6 Natildeo eu li agora no livro da vida Eacute verdade que laacute em Aparecida natildeo tem

banheiro

P Tem sim eacute preciso ter porque muitas pessoas vatildeo laacute visitar

C6 Ueacute mas C7 disse que vai ter que ir no banheiro do posto de gasolina Hum

acho que eacute por isso que ela escreveu que a matildee dela vai levar talquinho pra ela

ficar bem cheirosinha porque se natildeo tem banheiro natildeo vai dar para tomar

banho Eacute pro eu sei porque eu li tudo tudo mesmo

Pela anaacutelise do dado apresentado pode-se inferir que as falas de C6 revelam a concepccedilatildeo

de leitura defendida neste trabalho a de leitura como interlocuccedilatildeo como compreensatildeo como

produccedilatildeo de sentido (ARENA 1992 2010b CHARMEAUX 1997 JOLIBERT 1994 SOUZA

2004) a leitura como lugar de encontro com a palavra alheia como diaacutelogo que requer uma

atitude responsiva (BAKHTIN 1992 2003)

C6 compreende o que a colega escreveu e sua atitude responsiva a essa leitura se verifica

na conversa que estabelece com a professora e com as relaccedilotildees que estabelece com o texto ao

dizer que sabe que C7 viajara para a cidade de Aparecida do Norte e que por tal razatildeo natildeo

comparecera agrave aula naquele dia Outro indiacutecio dessa atitude responsiva se revela no fato de C6

perguntar se nessa cidade natildeo teria banheiro porque C7 escrevera que usaria o banheiro do posto

de combustiacuteveis aleacutem do fato de a matildee de C7 ter de levar talquinho para que ela ficasse

cheirosinha

Essa atitude responsiva atitude leitora eacute demonstrada ateacute mesmo quando C6 toma a

iniciativa de recorrer ao livro da vida para ler o que fora escrito pela colega sem que a professora

173

o fizesse uma vez que no dia anterior ndash momento em que C7 produziu o texto ndash natildeo foi possiacutevel

devido ao tempo que a professora realizasse a leitura para a turma como costumeiramente era

feito C6 provocada por uma necessidade criada faz a leitura sem a mediaccedilatildeo direta sem

oralizaccedilatildeo dialogando com o texto A crianccedila participa desse ato comunicativo como

interlocutora ativa e compreende o que C7 escrevera porque participa do contexto situacional

Desse modo

Compreender eacute participar de um diaacutelogo com o texto mas tambeacutem com seu

destinataacuterio uma vez que a compreensatildeo natildeo se daacute sem que entremos numa

situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo e ainda com outros textos sobre a mesma questatildeo Isso

quer dizer que a leitura de uma obra eacute social mas tambeacutem individual Na medida

em que o leitor se coloca como participante do diaacutelogo que se estabelece em

torno de um determinado texto a compreensatildeo natildeo surge da sua subjetividade

Ela eacute tributaacuteria de outras compreensotildees Ao mesmo tempo como o leitor

participa desse diaacutelogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material

uma resposta ativa sua leitura eacute singular (FIORIN 2006 p 6)

Pode-se inferir ainda que C6 realiza a leitura do texto com responsividade porque

tambeacutem conhece o gecircnero discursivo relato de vida e seus elementos constitutivos dessa forma

gera sentido quando lecirc

O gecircnero somente ganha sentido quando se percebe a correlaccedilatildeo entre formas e

atividades Assim ele natildeo eacute um conjunto de propriedades formais isolado de

uma esfera de accedilatildeo que se realiza em determinadas coordenadas espaccedilo-

temporais na qual os parceiros da comunicaccedilatildeo manteacutem certo tipo de relaccedilatildeo

Os gecircneros satildeo meios de apreender a realidade (FIORIN 2006 p 69)

Ao considerar esses pressupostos pode-se dizer que C6 realizou a leitura do texto de C7

porque faz parte do contexto situacional em que ocorreu a enunciaccedilatildeo conhece o gecircnero relato de

vida por participar com frequecircncia de situaccedilotildees de leitura e de escrita que envolvem esse gecircnero

e por estabelecer relaccedilotildees com as especificidades que ele apresenta como o registro de

acontecimentos do cotidiano das crianccedilas da turma da qual faz parte Nessa situaccedilatildeo apresentada

C6 demonstra que se apropria da leitura que consegue pensar o escrito que eacute leitora embora

iniciante e por isso participa da cultura escrita

Esse registro permite inferir que a apropriaccedilatildeo da leitura pela crianccedila se ampliou porque

ela esteve em contato frequente com uma praacutetica de leitura intencional planejada e dialoacutegica

174

Essa crianccedila desde o iniacutecio do trabalho proposto de leitura e de escrita de diferentes gecircneros

participou ativamente contudo nessa situaccedilatildeo especiacutefica denotou que sua apropriaccedilatildeo da leitura

ocorreu por meio dos gecircneros discursivos os quais vivenciou e estabeleceu relaccedilotildees intensas ao

confirmar ldquoEacute pro eu sei porque eu li tudo tudo mesmordquo A apropriaccedilatildeo da liacutengua por meio dos

gecircneros discursivos estaacute em concordacircncia com Freinet ao esclarecer que

A crianccedila sabe ler sem exerciacutecio de leitura Sabe ler porque reconhece sob o

grafismo manuscrito ou impresso o pensamento que laacute fora depositado eacute como

se ouvisse agrave distacircncia a palavra dos ausentes ou afastada no tempo a dos

mortos Que importa se ainda natildeo eacute capaz de ler correctamente e em voz alta Se

isso natildeo passa afinal de contas de um exerciacutecio fastidioso e quase

soberanamente inuacutetil que a Escola sempre tem iccedilado ao niacutevel de uma

necessidade porque eacute impotente para avaliar a compreensatildeo muda (FREINET

1969 p 57)

De acordo com estes pressupostos pode-se dizer que C6 se apropria da leitura da liacutengua

porque atua nela percebe seu funcionamento estabelece diaacutelogo com o escrito sem ter que

participar de exerciacutecios de leitura de repeticcedilotildees orais de letras siacutelabas e palavras de fazer

locuccedilotildees de oralizar por oralizar

No proacuteximo item desse capiacutetulo seratildeo apresentadas e analisadas situaccedilotildees de leitura com

o gecircnero discursivo notiacutecias de jornal por meio do jornal escolar

44 A leitura do gecircnero discursivo notiacutecia de jornal

A tira acima ilustra possivelmente leitores de jornal que direcionam sua leitura a

diferentes partes do jornal e a diferentes gecircneros discursivos ndash do qual o jornal eacute portador ndash de

acordo com suas necessidades preferecircncias e interesses

175

A notiacutecia de jornal natildeo eacute um gecircnero comumente abordado na Educaccedilatildeo Infantil com as

crianccedilas pequenas como os contos de fada e as faacutebulas por exemplo como pode se verificar pela

anaacutelise dos dados no capiacutetulo II e especiacuteficamente com as crianccedilas da presente pesquisa Os

dados analisados neste trabalho foram gerados por meio de um trabalho intencional de leitura e

escrita de notiacutecias por meio da teacutecnica Freinet jornal da turma e da leitura de jornal da cidade e

de um nacional O jornal da turma eacute um jornal produzido e editado de forma cooperativa pelas

crianccedilas Eacute constituiacutedo de falas curiosidades e opiniotildees sobre suas vivecircncias e descobertas As

informaccedilotildees trazidas e discutidas principalmente na roda da conversa satildeo transformadas em

notiacutecias do jornal do grupo Segundo Freinet (1974 p 85) ldquoo jornal escolar eacute um inqueacuterito

permanente que nos coloca a escuta do mundo e eacute uma janela ampla e aberta sobre o trabalho e a

vida [] eacute o arquivo vivo da aulardquo

O jornal editado pela crianccedila da Escola Freinet era baseado no texto livre e impresso no

limoacutegrafo ou imprensa escolar Freinet sugeria o uso de jornal (mural escrito ou falado) como

substituto dos manuais didaacuteticos da liccedilatildeo de casa imposta pelo adulto e previa assim as

vantagens de seu uso para abordar a realidade e os programas escolares Ele permitia agraves crianccedilas

se apropriarem de diferentes formas de linguagem e dos diferentes gecircneros do discurso

Na Escola Freinet os jornais natildeo satildeo imitaccedilotildees nem substitutos dos jornais de adultos

Satildeo produccedilotildees originais cujo conteuacutedo atende aos verdadeiros interesses das crianccedilas tal como

satildeo expressos nos textos livres e traz como conteuacutedos elementos da vida de exteriorizaccedilatildeo do

pensamento Sua originalidade e importacircncia consistem numa seleccedilatildeo de textos produzidos e

impressos pelas crianccedilas e agrupados numa encadernaccedilatildeo especial para os correspondentes

familiares comunidade escolar

Cabe lembrar que o jornal escolar se tornou um importante instrumento de ensino e de

aprendizagem de linguagem em muitos paiacuteses desde a experiecircncia seminal de Freinet (1974)

iniciada em 1924 No Brasil contudo apenas mais recentemente se tem investido em

experiecircncias desse tipo ldquoAleacutem disso existem poucas pesquisas que relatem e analisem essas

experiecircncias de modo que ainda pouco se sabe sobre como satildeo produzidos esses jornais e que

lugar ocupam no conjunto dos conteuacutedos ensinados na disciplina de Liacutengua Portuguesardquo

(BONINI 2011 p 149)

Para abordar o gecircnero primeiramente eu apresentei na hora da leitura um jornal da cidade

com uma notiacutecia em que eu era citada Optei por fazecirc-lo porque as crianccedilas me conheciam e

176

possivelmente poderia provocar interesse saber do que se tratava a notiacutecia e por que eu fazia parte

dela Fiz a leitura dessa notiacutecia na durante o momento diaacuterio em que leio ou conto uma histoacuteria

poesia faacutebula histoacuteria em quadrinhos dentre outros gecircneros discursivos Utilizo uma cadeira

pequena para me posicionar as crianccedilas se sentam proacuteximas a mim para poderem visualizar as

ilustraccedilotildees ou fotos e acompanharem a leitura

Terminada a leitura e depois de ouvir as impressotildees sobre a notiacutecia lido organizei

inicialmente a sala de aula como todos os dias fazia deixando o centro dela livre com as

carteiras nas laterais de modo que houvesse espaccedilo disponiacutevel para que as crianccedilas pudessem

manusear analisar e fazer observaccedilotildees acerca das notiacutecias Dei a elas vaacuterios outros exemplares

do jornal da cidade e do Jornal Estado de Satildeo Paulo (Estadatildeo) e as observei nos primeiros

contatos com esse suporte textual e com esse gecircnero discursivo Durante cerca de quarenta

minutos fizeram observaccedilotildees e expressaram suas impressotildees por meio de falas e atitudes e em

seguida disse que diariamente eu faria a leitura de uma notiacutecia para que pudeacutessemos saber das

novidades que aconteciam na cidade e em diferentes lugares do mundo

Durante a leitura das notiacutecias eu apresentei suas caracteriacutesticas e especificidades na

medida em que o diaacutelogo com o texto e com as crianccedilas acontecia Semanalmente eram

escolhidas duas notiacutecias que mais haviam causado interesse na turma e faziam parte de um painel

que havia na sala Esse painel tambeacutem se constituiacutea em material de leitura Houve a produccedilatildeo de

notiacutecias e a elaboraccedilatildeo do jornal da Turma do Sol

A foto a seguir traz contribuiccedilotildees para se pensar no processo de ensino e de aprendizagem

da leitura do gecircnero

177

(Foto 4 ndash Situaccedilatildeo fotografada em 140810)

Nessa foto um dos meninos ndash o segundo da direita para a esquerda ndash observa uma notiacutecia

no jornal e solicita que o quarto menino da direita para a esquerda o ajude a ler Quando esse

uacuteltimo se dirige ao colega na tentativa de realizar a leitura outros dois garotos tambeacutem se dirigem

ao primeiro e se voltam todos atentamente ao jornal Nesse momento um quinto garoto se dirige

aos quatro colegas de turma e mostra uma foto do jornal que tem em suas matildeos Contudo os

meninos envolvidos com a notiacutecia que queriam ler natildeo interrompem o que fazem para observar a

foto indicada pelo colega que permanece proacuteximo aos demais ouvindo os comentaacuterios

C2 Eu quero saber o que estaacute escrito aqui Deve ser alguma coisa sobre o Timatildeo

(refere-se ao time de futebol e aponta com o dedo indicador direito para a foto

no jornal dos jogadores uniformizados)

C5 Vamos tentar ler

C10 Vixi seraacute que estaacute escrito que ele vai jogar Contra quem

C4 Vai ver que estaacute escrito que ele jaacute jogou e que perdeu

C11 Olha direito alguma coisa vai dar para saber Deve estar tudo escrito aiacute

Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu vou poder falar pra ele o que aconteceu

178

C5 Oacute aqui em cima escrito bem grande e bem preto eacute o nome da notiacutecia o

tiacutetulo neacute

C2 Por isso que eu quero aprender a ler logo aiacute eu fico sabendo de tudo

C5 Eu jaacute sei ler soacute que eacute soacute um pouquinho

C2 Entatildeo lecirc pra mim

(C5 continua com o olhar voltado fixamente para o jornal e silencia)

C11 Vamos pedir para a professora ler pra gente

C5 Aqui estaacute escrito Corinthians vence em casa (aponta o dedo indicador

direito para o tiacutetulo da notiacutecia)

C2 Lecirc tudo C5

C5 Vou pedir para a professora ajudar a gente

Os meninos solicitam que eu faccedila a leitura da notiacutecia e em seguida dizem

C2 Estava certinho o que vocecirc leu no comeccedilo da notiacutecia C5 e o Timatildeo venceu

mesmo

C5 Eacute jaacute estou aprendendo neacute pro (refere-se agrave professora) Pelo menos uma

parte da notiacutecia eu consegui ler

P E como vocecirc conseguiu ler o tiacutetulo da notiacutecia

C5 Eu olhei bem aiacute eu fiquei pensando aiacute eu fiquei lembrando das outras

coisas que vocecirc sempre lecirc pra gente um pouquinho eu jaacute sei eu jaacute aprendi eu

penso nas coisas escritas nas coisas que ah tem alguma ideia escrita

P Tem alguma ideia Como assim

C5 Ueacute Tem alguma coisa contando alguma coisa escrita mesmo algueacutem estaacute

contando alguma coisa eacute uma notiacutecia natildeo eacute

P Sim eacute uma notiacutecia

C5 Entatildeo tem alguma novidade

(Situaccedilatildeo registrada no dia 140810)

O relato da observaccedilatildeo da foto 4 referente agrave leitura de notiacutecia de jornal enfatiza o papel

dos gecircneros discursivos na apropriaccedilatildeo da liacutengua materna uma vez que as pessoas se comunicam

por meio dos gecircneros A situaccedilatildeo apresentada relata leitura de notiacutecia de jornal comum e natildeo

propriamente da leitura de notiacutecias do jornal da turma que como abordado anteriormente eacute uma

forma de retratar os fatos e acontecimentos da vida das crianccedilas em que os conteuacutedos satildeo

diretamente ligados aos interesses e necessidades de expressatildeo delas Contudo essa situaccedilatildeo

demonstra que o contato com os gecircneros discursivos a reflexatildeo sobre eles a forma como satildeo

apresentados nas diferentes situaccedilotildees de ensino criam a vontade de ler de se informar de se

comunicar por meio deles como se verifica nessas falas ldquoEu quero saber o que estaacute escrito aqui

Deve ser alguma coisa sobre o Timatildeordquo ldquoVamos tentar lerrdquo ldquoVixi seraacute que estaacute escrito que ele

vai jogar Contra quemrdquo ldquoVai ver que estaacute escrito que ele jaacute jogou e que perdeurdquo ldquoOlha direito

179

alguma coisa vai dar para saber Deve estar tudo escrito aiacute Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu

vou poder falar pra ele o que aconteceurdquo

A leitura do jornal comum tambeacutem contribuiu no processo de re-criaccedilatildeo escrita e de

leitura de notiacutecias do jornal da turma A notiacutecia de jornal natildeo era um gecircnero comumente lido e

escrito pelas crianccedilas sujeitos da pesquisa como se verifica nos capiacutetulos II e III No entanto a

praacutetica de leitura de diferentes gecircneros discursivos a re-criaccedilatildeo escrita desses gecircneros e a

compreensatildeo de seu funcionamento pela apresentaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas permitem inferir

que as crianccedilas satildeo capazes de estabelecer relaccedilotildees intensas com eles A forma como seguram o

jornal como o observam suas expressotildees e seus enunciados proferidos satildeo denotativos da

apropriaccedilatildeo do gesto humano de ler da leitura como uma praacutetica histoacuterico-cultural que envolve a

evoluccedilatildeo de conceitos na relaccedilatildeo dialoacutegica estabelecida por meio da linguagem que se modifica

de acordo com o lugar com os materiais de leitura com o tempo histoacuterico com os interesses e

necessidades do leitor

As crianccedilas da situaccedilatildeo analisada buscam indiacutecios pistas visuais elaboram hipoacuteteses que

ao final da leitura da professora se confirmam ou natildeo Apresentam atitudes leitoras ao

interrogarem o que possivelmente poderia estar escrito no texto Segundo Jolibert (2006 p 53 ndash

54 grifos do autor)

Falar em ldquointerrogarrdquo um texto em vez de apenas ldquolecirc-lordquo ou ldquolecirc-lo de maneira

interpretativardquo eacute uma maneira de enfatizar o que agora sabemos sobre o processo

de leitura ndash e de explicitar o que as crianccedilas tecircm de aprender desde a educaccedilatildeo

infantil para aprender a ler Se ler eacute interrogar um texto em funccedilatildeo de um

contexto de um propoacutesito de um projeto para dar resposta a uma necessidade

entatildeo corresponde a uma interaccedilatildeo ativa curiosa aacutevida direta entre um leitor e

um texto No caso das crianccedilas ateacute 4ordf seacuterie natildeo se trata de responder a perguntas

propostas pelo professor satildeo as crianccedilas que interrogam o texto e natildeo o

professor que interroga os alunos Em vez de somente identificar letras e

siacutelabas trata-se de que elas busquem e coordenem as variadas pistas que um

texto oferece para compreendecirc-lo Essa busca corresponde a uma atividade

muito complexa que necessita tornar-se objeto de aprendizagens

Ao interrogar o texto a crianccedila busca produzir sentido a ele busca compreendecirc-lo e por

assim dizer inicia seu processo de formaccedilatildeo leitora Desse modo a cada indagaccedilatildeo feita cada

crianccedila compotildee o conjunto de possibilidades apoiadas nas pistas que possui e avanccedila com a

mediaccedilatildeo do outro

180

No caso analisado C5 uma crianccedila mais avanccedilada no processo de leitura naquele

momento indica o que deveriam tentar ler ao observar a localizaccedilatildeo do tiacutetulo reconhecendo que

este se apresenta com uma forma plaacutestica em destaque (letras em tamanho maior que o corpo do

texto e em negrito) e ao ler o proacuteprio tiacutetulo da notiacutecia ldquoCorinthians vence em casardquo C5 ao

declarar que sabe ler soacute um pouquinho assinala possivelmente que iniciou seu processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e que o que hoje faz com alguma ajuda num futuro proacuteximo faraacute sozinho

Esse fato se apresenta quando lecirc o tiacutetulo mas em seguida solicita que a professora mediadora

desse processo complemente os sentidos em construccedilatildeo e confirme suas hipoacuteteses Assim

A atividade mediada eacute constituiacuteda a partir de um processo interpsicoloacutegico

Desde os primeiros momentos de vida da crianccedila o desenvolvimento das

funccedilotildees psicoloacutegicas superiores eacute sempre mediado pelo outro que aponta atribui

eou restringe os processos de significaccedilatildeo da realidade Atraveacutes dos diferentes

processos de mediaccedilatildeo social a crianccedila se apropria dos caracteres das

faculdades dos modos de comportamento e da cultura representativos da

histoacuteria da humanidade Agrave medida em que estes processos satildeo internalizados

passando a ocorrer sem intervenccedilatildeo de outras pessoas a atividade mediada

transforma-se em um processo intrapsicoloacutegico dando origem agrave atividade

voluntaacuteria (NOGUEIRA 1995 p16)

Ao se tratar da mediaccedilatildeo da professora e da crianccedila mais avanccedilada que ocorre nesse

processo de apropriaccedilatildeo da leitura haacute ainda que se considerar a mediaccedilatildeo dos signos linguiacutesticos

uma vez que a leitura ocorre e se faz por meio deles A minha mediaccedilatildeo como professora tambeacutem

pode ser percebida por meio da minha atitude de garantir acesso e contato com os diferentes

gecircneros discursivos nos diferentes suportes e materiais do tempo que ofereccedilo agraves crianccedilas para

manusear observar e elaborar suas hipoacuteteses de leitura por meio de praacuteticas coloco a crianccedila em

contato com o gecircnero e com a liacutengua em funcionamento de modo a estabelecer relaccedilotildees

dialoacutegicas Esse fato pode ser percebido nas falas de C5 quando a professora no caso eu mesma

indago como conseguira ler o tiacutetulo da notiacutecia e C5 responde ldquoEu olhei bem aiacute eu fiquei

pensando aiacute eu fiquei lembrando das outras coisas que vocecirc sempre lecirc pra genterdquo

Nesse trabalho pedagoacutegico com o ensino da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos um

aspecto a ressaltar eacute que C5 percebe algumas caracteriacutesticas da notiacutecia que aleacutem da apresentaccedilatildeo

do tiacutetulo que se destaca em negrito se trata de uma informaccedilatildeo

A notiacutecia se caracteriza pelo novo pela novidade Em inglecircs notiacutecia eacute news em francecircs eacute

nouvelle e aleacutem de ldquonotiacuteciardquo essas palavras significam tambeacutem ldquonovasrdquo ldquonovidadesrdquo

181

ldquoinformaccedilatildeordquo (BARBOSA 2001 p 22 grifos do autor) A partir do significado desses termos

pode-se dizer que uma das caracteriacutesticas das notiacutecias eacute apresentar algo que seja novo e esse

interesse ou curiosidade pelo novo pela novidade eacute algo que parece caracterizar a humanidade haacute

muito tempo (BARBOSA 2001 p 22)

A anaacutelise da situaccedilatildeo da foto 4 permite inferir que as condiccedilotildees de vida e educaccedilatildeo que o

sujeito possui satildeo cruciais no processo de apropriaccedilatildeo da cultura especificamente nesse caso na

apropriaccedilatildeo da leitura pelas crianccedilas pequenas porque as crianccedilas aparentam perceber que se

apropriar da leitura eacute se apropriar de conhecimentos eacute saber coisas eacute se informar eacute informar o

outro eacute se fazer entender e compreender o outro eacute estabelecer relaccedilotildees eacute aprender Essa

afirmaccedilatildeo se evidencia nas falas das crianccedilas ldquoOlha direito alguma coisa vai dar para saber

Deve estar tudo escrito aiacute Meu pai tambeacutem eacute Corinthiano aiacute eu vou poder falar pra ele o que

aconteceurdquo ldquoPor isso que eu quero aprender a ler logo aiacute eu fico sabendo de tudordquo ldquoEacute jaacute estou

aprendendo neacute pro (refere-se agrave professora) Pelo menos uma parte da notiacutecia eu consegui lerrdquo

C5 ao considerar que para ler ldquopensa nas coisas escritas nas coisas que tem alguma ideia

escritardquo revela o seu conceito de leitura revela o que essa crianccedila pensa depois de iniciado o

trabalho pedagoacutegico com os gecircneros discursivos Esse conceito de C5 se coaduna com o conceito

de leitura deste trabalho que eacute a de leitura como interaccedilatildeo dialoacutegica como produccedilatildeo de sentido

como uma praacutetica histoacuterico-cultural (ARENA 2010b) que permite a comunicaccedilatildeo humana Essa

crianccedila parece indicar que para ler ela natildeo se prende somente aos signos linguiacutesticos e agrave

decodificaccedilatildeo mas se preocupa em compreender as ideias em produzir sentidos

Por isso quando lemos lemos ideias e natildeo letras siacutelabas e palavras Lemos ideias

informaccedilotildees opiniotildees que se apresentam nos textos e nos valemos tambeacutem do coacutedigo

linguiacutestico como um elemento a mais na composiccedilatildeo do sentido do texto Quando eu indago C5

na tentativa de que ele explique com detalhes o que fez para ler e a qual ideia ele se refere

explica ldquoUeacute Tem alguma coisa contando alguma coisa escrita mesmo algueacutem estaacute contando

alguma coisa eacute uma notiacutecia natildeo eacuterdquo Eu afirmo que se tratava de uma notiacutecia e entatildeo C5

continua ldquoEntatildeo tem alguma novidaderdquo Desse modo o que se enfatiza natildeo eacute a letra a siacutelaba ou

a palavra como unidades de sentido mas o enunciado como ldquounidade real da comunicaccedilatildeo

discursivardquo (BAKHTIN 2003 p 296)

Ao tratar o enunciado como unidade da atividade comunicativa Bakhtin (2003) contrapotildee

a ideia de enunciado agrave de oraccedilatildeo sendo que essa uacuteltima natildeo considera a alternacircncia dos sujeitos

182

do discurso o contexto de produccedilatildeo os enunciados alheios e por assim dizer natildeo suscitaria a

atitude responsiva dos interlocutores Nessa perspectiva a oraccedilatildeo eacute entendida como unidade da

liacutengua e por essa razatildeo estaacute circunscrita agrave esfera gramatical O enunciado por sua vez fundado

nos pressupostos dialoacutegicos incorpora o contexto verbal e o extraverbal (aspectos histoacutericos

situacionais ideoloacutegicos) Em outras palavras o enunciado materializa concomitantemente o

que haacute de peculiar da situaccedilatildeo enunciativa concreta e elementos sociodiscursivos estabilizados

nas e pelas interaccedilotildees ao longo da histoacuteria (BAKHTIN 2003)

O enunciado sob o prisma bakhtiniano eacute o garantidor do espaccedilo do outro na

dinacircmica discursiva e por conseguinte constitui-se do fluxo de muacuteltiplas vozes

que ecoam da alternacircncia dos sujeitos do discurso nas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo

Ademais por figurar como unidade da comunicaccedilatildeo discursiva o enunciado

elucida especificidades das esferas sociais nas quais ele se constituiu

(RIBEIRO 2010 p 56)

E continua

Nesse sentido se considerado sob o plano individual o enunciado carrega traccedilos

particulares agrave situaccedilatildeo comunicativa jaacute que eacute concreto e uacutenico Analisando-o

sob uma perspectiva mais ampla calcada no plano coletivo o enunciado ganha

uma relativa estabilidade decorrente dos usos em uma dada esfera social Eacute

desse ponto de vista que Bakhtin anuncia a concepccedilatildeo de gecircnero do discurso

mencionando que se trata de tipos relativamente estaacuteveis de enunciados

(RIBEIRO 2010 p 56 grifos do autor)

Essas proposiccedilotildees assumidas neste trabalho fundamentam a tese de que as crianccedilas

aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a liacutengua se

manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor os introduz na escola como instrumento de

humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana As crianccedilas podem aprender a

liacutengua em sua dinamicidade ao estabelecer desde o iniacutecio relaccedilotildees dialoacutegicas com ela porque a

liacutengua natildeo eacute fechada engessada A liacutengua eacute histoacuterica e culturalmente construiacuteda se faz na relaccedilatildeo

com o outro e portanto estaacute em movimento e em constante modificaccedilatildeo Quando as crianccedilas

aprendem a pensar sobre a liacutengua desde a pequena infacircncia em situaccedilotildees reais de uso aprendem a

interagir dialogicamente com ela e ampliam as possibilidades de comunicaccedilatildeo

183

A situaccedilatildeo a seguir tambeacutem contribui para compreender as relaccedilotildees que as crianccedilas

estabelecem com os gecircneros e com o gecircnero discursivo notiacutecia

Numa tarde depois de realizarem uma tarefa que envolvia recorte e colagem cada crianccedila

geriu sua proacutepria tarefa Algumas se dedicaram a brincar com brinquedos disponiacuteveis na sala

outras organizaram os livros e gibis que eu havia trazido naquele dia para a escola e algumas se

dedicaram agrave leitura especialmente de jornais

Uma das crianccedilas foi ateacute ao fundo da sala observou os vaacuterios jornais dispostos folheou

alguns deles escolheu um deles afastou-se das demais colocou-o sobre uma das carteiras no

fundo da sala e natildeo se sentou Debruccedilou-se observou atentamente uma das notiacutecias passou o

dedo indicador direito por cima do tiacutetulo e permaneceu durante vinte minutos a repetir esse

mesmo gesto nas linhas de toda a notiacutecia Natildeo estabeleceu contato algum com as demais crianccedilas

e natildeo apresentou nenhuma reaccedilatildeo com qualquer outro evento ocorrido nesse periacuteodo nem

mesmo com as conversas dos colegas ao seu redor

Durante esse tempo recebemos a visita na sala de uma funcionaacuteria que deu oralmente um

recado a todos da turma sobre o lanche e em seguida da coordenadora da escola que tambeacutem

proferiu um recado Ambas as pessoas que estiveram na sala cumprimentaram as crianccedilas e

conversaram em poucas palavras com elas cumprindo o objetivo de suas visitas a nossa turma

Contudo a crianccedila da situaccedilatildeo analisada natildeo desviou o olhar sequer uma vez do jornal

184

(Foto 5 ndash Situaccedilatildeo de leitura fotografada e registrada no dia 250910)

Passado esse periacuteodo de vinte minutos a crianccedila dirigiu-se a mim e disse-me

C2 Eu gostei da notiacutecia do jornal que eu peguei pro

P Eacute mesmo E sobre o que eacute a notiacutecia

C2 Ah eu natildeo sei direito mas eu acho que fala que faz tempo que natildeo chove e

que estaacute estragando tudo as plantaccedilotildees

P Eacute mesmo

C2 Ocirc pro a notiacutecia do jornal eacute diferente da carta neacute

P Porque vocecirc acha que elas satildeo diferentes O que elas tecircm de diferente

C2 Ah (olha pra o teto silencia por alguns segundos) eacute que a notiacutecia

parece que a pessoa que fala estaacute brava

P Brava Por que brava Como assim

C2 Parece que estaacute brava mesmo natildeo sei parece que estaacute mandando

falando as coisas raacutepido natildeo sei

P Por que vocecirc acha isso Como vocecirc percebe isso Onde vocecirc viu

C2 abre o jornal dirige seu olhar para esse material novamente e depois de

alguns segundos me disse

C2 Acho que a pessoa que escreveu a notiacutecia estaacute estaacute brava mesmo ela

conta meio brava sei laacute pro mas agora que eu vi a notiacutecia eu entendi tudinho

o que estaacute escrito laacute eu adivinhei tudinho

P Vocecirc natildeo adivinhouvocecirc leu C2

185

C2 sorriu

(Situaccedilatildeo registrada no dia 250910)

A anaacutelise da foto 5 tambeacutem refere-se agrave leitura de notiacutecia de jornal comum e faz parte de

uma situaccedilatildeo ocorrida no processo de leitura de notiacutecias de contato e diaacutelogo com este gecircnero A

anaacutelise da foto permite inferir uma atitude leitora da crianccedila que tambeacutem inicia seu processo de

apropriaccedilatildeo do ato cultural de ler jornais C2 parecia isolado de tudo o que estava acontecendo na

sala O fato de natildeo interromper sua leitura em nenhum momento durante vinte minutos em que se

manteve dedicado a isso e de natildeo estabelecer contato com outras crianccedilas datildeo indiacutecios da

importacircncia desse ato para a crianccedila Ela se interessou pelo material teve iniciativa para buscaacute-lo

e escolhecirc-lo a sua proacutepria postura fiacutesica e sua conduta intelectual de leitor denotam o seu

absoluto envolvimento Pode-se dizer que a leitura de notiacutecia se tornou uma atividade para essa

crianccedila nesse momento pois conforme Leontiev (1988) a atividade eacute a forma pela qual a crianccedila

melhor se relaciona com o mundo e eacute por meio dela que ocorrem as mudanccedilas mais significativas

no conhecimento do mundo nos processos e nos seus traccedilos da personalidade (MELLO 2007)

Leontiev (1988 p 68) caracteriza a atividade como

aqueles processos que realizando as relaccedilotildees do homem com o mundo

satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele Noacutes natildeo chamamos

de atividade um processo como por exemplo a recordaccedilatildeo porque ela em si

mesma natildeo realiza via de regra nenhuma relaccedilatildeo independente com o mundo e

natildeo satisfaz qualquer necessidade especial Por atividade designamos processos

psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo como um todo se

dirige (seu objeto) coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a

executar esta atividade isto eacute o motivo

Dessa forma o que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma crianccedila eacute

a sua proacutepria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida em outras palavras o

desenvolvimento da sua atividade A disponibilidade de diferentes materiais a leitura diaacuteria de

diferentes gecircneros discursivos o diaacutelogo estabelecido as relaccedilotildees que satildeo travadas com os

gecircneros provocam a necessidade de ler

Outro aspecto relevante consiste no fato de C2 perceber diferenccedilas entre os gecircneros

discursivos carta e notiacutecia Pode-se inferir que C2 reconhece que por meio de ambos os gecircneros

discursivos as pessoas dizem coisas falam coisas contam coisas mas de formas diferentes ou

seja ainda que possuam a funccedilatildeo de comunicar de fundar a linguagem cada gecircnero discursivo

186

especificamente possui estilo construccedilatildeo composicional e conteuacutedo temaacutetico diferentes e que em

cada situaccedilatildeo especiacutefica em cada esfera de atividade humana as pessoas se utilizam de um

gecircnero do discurso (BAKHTIN 2003)

Ao tentar explicar a diferenccedila que existe entre os dois gecircneros carta e notiacutecia C2 diz que

ldquoeacute que a notiacutecia parece que a pessoa que fala estaacute bravardquo Quando peccedilo que me explique ainda

mais sobre o que percebe reitera ldquoAcho que a pessoa que escreveu a notiacutecia estaacute estaacute brava

mesmo ela conta meio brava sei laacute prordquo Essas afirmaccedilotildees indicam que possivelmente se

refira a alguns elementos especiacuteficos caracteriacutesticos da notiacutecia como por exemplo o fato dos

verbos se apresentarem muitas vezes no tempo presente no tiacutetulo e a notiacutecia jornaliacutestica eacute

marcada pela imparcialidade o que supostamente tenha sugerido a C2 que a pessoa que fala na

notiacutecia o faz de forma ldquobravardquo Por ser um gecircnero que pretende informar com clareza precisatildeo e

objetividade os fatos e por se caracterizar pela dinamicidade a notiacutecia em decorrecircncia do fluxo

de acontecimentos do dia a dia perde seu status de novidade com relativa rapidez o que sugeriu

C2 ao declarar ldquoParece que estaacute brava mesmo natildeo sei parece que estaacute mandando falando as

coisas raacutepido natildeo seirdquo

C2 afirma que entendeu a notiacutecia que adivinhara tudo e quando afirmo que ele lera reage

com um sorriso aparentando possiacutevel satisfaccedilatildeo por ter ganhado uma nova condiccedilatildeo a condiccedilatildeo

de quem aprendeu a ler e que faz parte de forma ainda mais ativa da cultura escrita A situaccedilatildeo a

ser apresentada pode corroborar para a reflexatildeo de como pode ocorrer o ensino e a aprendizagem

da leitura por meio do gecircnero discursivo notiacutecia pelo jornal da turma

A introduccedilatildeo do gecircnero teve seu iniacutecio na roda da conversa como todos os demais

gecircneros apresentados Diariamente as crianccedilas escolhiam uma notiacutecia para compor o jornal da

Turma do Sol usando como criteacuterio o interesse causado no grupo a novidade a surpresa a

curiosidade e ainda algum fato engraccedilado da vivecircncia das crianccedilas na escola ou fora dela mas

que era trazida para a roda da conversa para o conhecimento de todos

Numa tarde depois de escrever a notiacutecia relatada por C6 transmiti a todos oralmente o

texto a seguir

PESCARIA DO PAI DE C6 ACABA EM RISADA

O pai de C6 resolveu ir pescar com os amigos no final de semana passado

Quando ele contou que iria pescar para a matildee de C6 ela ficou uma fera e natildeo

gostou nadinha disso

187

No dia da pescaria o pai de C6 saiu cedinho com os amigos dele e foram

no rio pescar mas quando eles chegaram laacute comeccedilou a chover sem parar Eles

esperaram bastante e quando a chuva passou soacute um pouquinho o pai de C6 e os

amigos dele saiacuteram do carro correndo para sentar perto do rio mas o pai de C6

levou um baita tombo e teve que voltar pra casa sem peixe nenhum

Quando chegou em casa ele contou tudo pra famiacutelia o que tinha

acontecido e foi soacute risada

(Texto criado e lido no dia 230910)

A notiacutecia foi dada por C6 na roda da conversa mas no momento de re-criaccedilatildeo textual as

crianccedilas participaram dando sugestotildees opiniotildees de como deveria ser escrito o texto para ser

colocado no jornal da Turma do Sol que cada crianccedila depois de produzido e editado

cooperativamente recebeu um exemplar para ser levado para casa e ser lido com os familiares

No dia seguinte na roda da conversa contaram sobre as impressotildees dos familiares

C6 Professora meu pai ficou espantado com o olho arregalado quando eu li pra

ele a notiacutecia do jornal que eu contei da pescaria dele

P E por que ele ficou espantado C6

C6 A minha matildee disse que ele estava com vergonha de todo mundo saber o que

tinha acontecido na pescaria dele Mas ele disse que ficou espantado porque ele

natildeo sabia que eu jaacute sei ler porque eu li a notiacutecia toda pra ele e aquela da C13

tambeacutem

P Nossa mas essa eacute uma surpresa muito boa natildeo eacute C6

C6 Eacute sim pro agora eu consigo ler qualquer coisa

(Situaccedilatildeo registrada no dia 101010)

Pela anaacutelise da situaccedilatildeo apresentada pode-se inferir que a notiacutecia do jornal da turma

assim como os relatos de vida do livro da vida e a carta provocaram o desejo de expressatildeo

criaram a necessidade de ler e de escrever porque retratam diretamente o que pensam vivem

sentem e percebem aleacutem dos textos terem sempre um destinataacuterio real o outro

Os gecircneros que surgem das teacutecnicas Freinet possibilitam que a crianccedila esteja

constantemente em contato com a cultura escrita e que participe dela na medida em que percebe

seu funcionamento por meio das relaccedilotildees que ocorrem de forma dialoacutegica e dinacircmica tornando-se

assim produto e produtor dessa cultura

Por se tratar de fatos que foram vividos pelas crianccedilas os textos lidos e criados satildeo

carregados de significados e sentidos porque pressupotildeem por parte dos sujeitos uma compreensatildeo

ativa e responsiva (BAKHTIN 1992) Eacute no processo da compreensatildeo ativa que ocorre a distinccedilatildeo

188

entre sentido e significado uma vez que a compreensatildeo ativa eacute uma forma de diaacutelogo que

possibilita ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica

Diante do exposto o significado eacute reiteraacutevel e idecircntico a cada repeticcedilatildeo da palavra e

funda-se sobre uma convenccedilatildeo natildeo tendo existecircncia concreta independente Em contrapartida o

sentido (tema) eacute aberto agrave multiplicidade potencialmente infinito sendo determinado natildeo apenas

pelas formas linguiacutesticas (as palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as

entonaccedilotildees) como ocorre na significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena

discursiva (BAKHTIN 1992) O sentido eacute o conjunto de todos os eventos psicoloacutegicos que a

palavra desperta em nossa consciecircncia O significado eacute dicionarizaacutevel mais estaacutevel e preciso eacute

apenas uma das faces do sentido (BAKHTIN 1992)

Por meio da anaacutelise das falas de C6 ldquoMas ele disse que ficou espantado porque ele natildeo

sabia que eu jaacute sei ler porque eu li a notiacutecia toda pra ele e aquela da C13 tambeacutemrdquo e ainda

ldquoagora eu consigo ler qualquer coisardquo pode-se inferir que assume pra si o estatuto de leitor ainda

que seja um leitor iniciante Ao dizer que agora consegue ler qualquer coisa sugere a ideia de que

agora consegue ler os escritos sociais que atribui sentido por meio de sinais graacuteficos em

situaccedilotildees elaboradas pela cultura humana (ARENA 2010b) que consegue compreender a liacutengua

escrita numa atitude responsiva e que portanto consegue fazer parte de forma mais ativa da

cultura escrita

No capiacutetulo a seguir proponho a anaacutelise de situaccedilotildees de produccedilatildeo de textos que

possibilitam uma reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo do re-criador de textos desde a Educaccedilatildeo Infantil por

meio dos gecircneros discursivos

189

CAPIacuteTULO V

O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GEcircNEROS DISCURSIVOS

A escrita soacute tem sentido se nos sentimos obrigados a recorrer a ela a fim de

comunicarmos o nosso pensamento fora do alcance da voz para aleacutem das portas

da escola (FREINET 1969 p 53)

Esta proposiccedilatildeo freinetiana remete agrave ideia da necessidade da escrita na vida das pessoas

que vivem numa sociedade que lecirc e escreve Como um instrumento cultural complexo a escrita se

manteacutem e se reorganiza constantemente pela necessidade de expressatildeo do sujeito Vygotski

(1995) se aproxima da afirmaccedilatildeo de Freinet ao reiterar que o ensino da linguagem escrita deve

organizar-se de forma que o ato de ler e o ato de escrever sejam necessaacuterios provocados por uma

necessidade social como atos vitais e imprescindiacuteveis

Intentar inserir a crianccedila na cultura escrita apenas oferecendo materiais e situaccedilotildees em que

se depara com uma liacutengua morta estanque pronta e acabada eacute incorrer num risco de ensinar

ldquohaacutebitos motoresrdquo (VYGOTSKI 1995) e reduzir o seu ensino agrave mera codificaccedilatildeo accedilatildeo

insuficiente para que se aproprie e participe ativamente dessa cultura O que orienta a apropriaccedilatildeo

da escrita satildeo as relaccedilotildees dialoacutegicas que a crianccedila estabelece com ela por meio das mediaccedilotildees e

situaccedilotildees promotoras de aprendizagem Diante disso um desafio se apresenta o de iniciar a

formaccedilatildeo do re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil de modo que a crianccedila desde pequena

aprenda a pensar sobre a escrita a perceber seu funcionamento por meio de seu uso em diferentes

situaccedilotildees para atender a seus interesses e necessidades e a utilizar a escrita como um instrumento

de humanizaccedilatildeo

Neste capiacutetulo seratildeo abordados caminhos possiacuteveis que cumpram esse desafio em

consonacircncia com a fundamentaccedilatildeo teoacuterica defendida neste trabalho Para tanto seratildeo analisadas

situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de textos em trecircs momentos o primeiro no trabalho pedagoacutegico com o

gecircnero discursivo carta por meio da correspondecircncia interescolar o segundo com o gecircnero

discursivo relato de vida por meio do livro da vida e terceiro com notiacutecia por meio do jornal

escolar

190

51 A crianccedila e seu estatuto de re-criador de textos

Ao tratar do processo inicial de apropriaccedilatildeo da cultura escrita pela crianccedila considera-se

que ela tenha experiecircncias na escola e que possa ser provocado o desejo de expressatildeo Esse

desejo ocorre quando vive situaccedilotildees em que pode conhecer coisas pensar sobre elas e expressar-

se por meio de diferentes linguagens como a danccedila a muacutesica o teatro a pintura o faz-de-conta

Nessas condiccedilotildees o trabalho pedagoacutegico privilegia na pequena infacircncia a experiecircncia com

diferentes conhecimentos constituiacutedos culturalmente entendendo-os tanto na sua dimensatildeo de

produccedilatildeo nas relaccedilotildees sociais cotidianas como de produccedilatildeo historicamente acumulada presente

nas artes na literatura no cinema na produccedilatildeo artiacutestica de modo geral

Desse modo as experiecircncias vividas por meio das diferentes linguagens e da brincadeira

garantem agrave crianccedila a possibilidade de formar conceitos selecionar ideias estabelecer relaccedilotildees

loacutegicas integrar percepccedilotildees fazer estimativas planejar accedilotildees Eacute nesse emaranhado de

linguagens brincadeiras textualidades vozes que a crianccedila tambeacutem se apropria gradativamente

da linguagem escrita

Ler e escrever satildeo atividades altamente complexas que envolvem o conhecimento de

linguagens sociais (BAKHTIN 1983 p 154 ndash 155) que historicamente e culturalmente foram

organizadas oralmente e por escrito por meio de recursos expressivos como modos de dizer os

conhecimentos das diferentes esferas sociais criadas pelo homem As linguagens sociais

apresentam os conhecimentos especiacuteficos em cada esfera de atividade humana com sintaxes e

repertoacuterios lexicais que as caracterizam relacionadas aos gecircneros do discurso que foram se

elaborando para contemplar as necessidades humanas nas situaccedilotildees sociais (GOULART 2006)

O trabalho na escola tem se caracterizado cada vez mais pela presenccedila do texto quer

enquanto objeto de leituras quer enquanto trabalho de produccedilatildeo (GERALDI 1997) A produccedilatildeo

de textos orais e escritos eacute considerada nesta pesquisa como ponto de partida e ponto de chegada

(GERALDI 1997) de todo o processo de ensino e de aprendizagem da liacutengua escrita Nessa

perspectiva eacute desprezado o ensino focado em letras siacutelabas e palavras em que a prioridade eacute a

sinalidade e consequentemente a codificaccedilatildeo

Em contraposiccedilatildeo a isso o que se propotildee eacute pensar a liacutengua escrita nas suas relaccedilotildees na

sua dialogicidade de forma interativa viva e em movimento na interlocuccedilatildeo com os falantes que

requer sempre uma atitude responsiva (BAKHTIN 1992) Por esse motivo criar textos com as

191

crianccedilas e ensinaacute-las a criar os seus proacuteprios eacute garantir que elas possam expressar ideias

sentimentos escolhas opiniotildees e a operar com os signos Eacute no texto que a liacutengua se manifesta

que se revela na sua totalidade seja como conjunto de formas seja como discurso que remete a

uma relaccedilatildeo intersubjetiva constituiacuteda no proacuteprio processo de enunciaccedilatildeo marcada pela

temporalidade e suas dimensotildees (GERALDI 1997) Natildeo haacute texto sem o outro sem um

interlocutor dessa forma

O outro eacute a medida eacute para o outro que se produz o texto E o outro natildeo se

inscreve no texto apenas no seu processo de produccedilatildeo de sentidos na leitura O

outro insere-se jaacute na produccedilatildeo como condiccedilatildeo necessaacuteria para que o texto

exista E porque se sabe do outro que um texto acabado natildeo eacute fechado em si

mesmo Seu sentido por maior precisatildeo que lhe queira dar seu autor e ele o

sabe eacute jaacute na produccedilatildeo um sentido construiacutedo a dois (GERALDI 1997 p 102

grifo do autor)

Ao considerar essas afirmaccedilotildees este trabalho se propotildee a pensar o processo de

apropriaccedilatildeo da escrita ndash como o da leitura abordado no capiacutetulo IV ndash de forma dialoacutegica com

textos reais que satildeo endereccedilados ao outro Os textos produzidos correspondem agraves situaccedilotildees

vividas pelas crianccedilas na escola e fora dela em que lidam com a liacutengua em seu funcionamento

Desse modo o ato comunicativo que se estabelece sempre pressupotildee o outro com a sua

contrapalavra sua atitude responsiva (BAKHTIN 1992) na busca do sentido Por isso

No processo de compreensatildeo ativa e responsiva a presenccedila da fala do outro

deflagra uma espeacutecie de ldquoinevitabilidade de busca de sentidordquo esta busca por

seu turno deflagra que quem compreende se oriente para a enunciaccedilatildeo do outro

(GERALDI 1997 p 19)

De acordo com Bakhtin (2003 p 307) ldquoo texto eacute a realidade imediata (realidade do

pensamento e das vivecircncias) () onde natildeo haacute texto natildeo haacute objeto de pesquisa e pensamentordquo Ao

tratar neste capiacutetulo sobre a formaccedilatildeo do produtor de texto no interior da escola de Educaccedilatildeo

Infantil enfatiza-se a diferenccedila entre textos e redaccedilotildees O primeiro refere-se a textos criados na

escola e as redaccedilotildees referem-se a textos produzidos para a escola (GERALDI 1997) Considera-

se que para produzir um texto eacute preciso ter o que dizer ter motivos para dizer o que se quer dizer

ter o outrointerlocutor e a escolha das estrateacutegias para se dizer o que se quer dizer e da forma que

se pretende fazer isso Em contrapartida os textos quando satildeo produzidos para a escola

192

apresentam muita escrita e pouco texto (discurso) precisamente porque se constroem no ato de

escrever para cumprir uma exigecircncia escolar uma tarefa imposta pelo professor em que satildeo

descartados os aspectos que a produccedilatildeo de texto valida (GERALDI 1997)

Esses pressupostos se coadunam com as ideias de Jolibert (2006 p 19) ao esclarecer que

Escrever eacute produzir mensagens reais com intencionalidade e destinataacuterios reais

Natildeo se trata de transcrever (copiar) nem de praticar caligrafia Tampouco se

trata de escrever ldquocomposiccedilotildees ou ldquoredaccedilotildeesrdquo do tipo escolar com a intenccedilatildeo de

mostrar ao professor que sabe ou natildeo sabe

A re-criaccedilatildeo de texto nessas condiccedilotildees se configura como um processo carregado de

historicidade construiacutedo pelos sujeitos em diferentes momentos e condiccedilotildees de interaccedilatildeo que

expressam ideias opiniotildees desejos Um processo interativo discursivo que potildee em jogo os

conhecimentos jaacute apropriados sobre a liacutengua e cria a necessidade de novas apropriaccedilotildees

Nesse processo a crianccedila atua como sujeito e natildeo como objeto Ela participa intensamente

do discurso e de forma ativa eacute capaz de dialogar com o outro tornando-se tambeacutem parceira num

ato comunicativo Quando isso acontece a crianccedila assume o estatuto de re-criador de textos

52 A escrita do gecircnero discursivo carta

As situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto apresentadas e analisadas neste item satildeo relacionadas

ao gecircnero discursivo carta Um garoto da turma ao ter a sua vez de falar na Roda da Conversa

faz o seguinte relato ao dialogar comigo sua professora

C8 Professora hoje eu tenho uma super notiacutecia pra contar na roda da conversa

P Entatildeo pode nos contar qual eacute Jaacute estamos todos curiosos

C8 Sabe pro minha voacute estaacute estudando agrave noite numa escola Ela me falou que

isso era o maior sonho da vida dela aprender a ler e escrever Ela me contou que

quando ela era pequena ela tinha que trabalhar pra ganhar dinheiro e natildeo podia ir

para a escola Aiacute depois que ela cresceu e se casou com meu vocirc ela tambeacutem natildeo

podia ir porque meu vocirc natildeo deixava porque ele tinha ciuacutemes dela E ela falou

que isso era a maior tristeza da vida dela Agora ela anda feliz da vida porque ela

estaacute aprendendo um monte de coisas que ela queria Aiacute eu ateacute ensino ela

escrever umas coisas tambeacutem

P Ah eacute E o que vocecirc ensina ela a escrever

C8 Eu ensino tudo o que eu sei e ela aprende tudinho

P Mas o que (vocecirc ensina) por exemplo

193

C8 Eu ensino ela a escrever o nome dela da minha matildee do meu irmatildeo eu ateacute

ensinei ela a escrever uma carta igual a gente faz aqui na escola

P E como vocecirc a ensinou a escrever a carta

C8 Eu expliquei pra ela que tinha que comeccedilar pela data depois tinha que

cumprimentar a pessoa (saudaccedilatildeo) e depois ir escrevendo cada coisa que queria

contar A data eu mesmo escrevi aiacute chamei meu irmatildeo e ele foi escrevendo pra

gente o que a gente ia falando No fim da carta eu falei pra minha voacute que tinha

que colocar a despedida e escrever o nome dela

P E pra quem era essa carta que vocecircs escreveram

C8 Era pra irmatilde da minha voacute que mora bem longe e que a minha voacute natildeo vecirc faz

um tempatildeo Minha voacute estava com saudade dela e aiacute eu falei que ela podia

escrever uma carta Agora toda vez minha voacute fica me falando pra gente estudar

junto

P E vocecirc gosta de estudar com sua voacute

C8 Eu gosto Ontem minha voacute ganhou uma receita da vizinha dela e eu li a

receita pra ela Sabe do que era a receita Era de bolo gelado A minha voacute nem

acreditou que eu li a receita inteirinha

P Eacute mesmo E por que ela natildeo acreditou

C8 Porque ela natildeo sabia que eu jaacute aprendi a ler Ela acha que eu sou pequeno

mas eu ateacute falei pra ela que daqui a pouco ela vai ler como eu

(Situaccedilatildeo observada em 040810)

Por meio do diaacutelogo apresentado pode-se inferir que aprender a ler e a escrever para a

avoacute do garoto sempre foi uma forma de inserir-se e de pertencer agrave cultura escrita porque a

inserccedilatildeo lhe foi negada por ter que trabalhar na infacircncia e juventude e ainda na idade adulta por

natildeo ter a permissatildeo do marido A avoacute denota compreender a funccedilatildeo da escola como um lugar

privilegiado em que essas aprendizagens ocorrem e ao mesmo tempo percebe que sua

aprendizagem de ler e de escrever tambeacutem se daacute fora da escola ndash no caso em sua casa ndash com a

ajuda de seu neto Isso se verifica quando o garoto diz ldquoAgora toda vez minha voacute fica me falando

pra gente estudar juntordquo Desse modo para a avoacute a leitura e a escrita natildeo satildeo tarefas

eminentemente escolares mas servem para atender a seus interesses e necessidades

O diaacutelogo estabelecido entre o garoto e sua avoacute e as accedilotildees desencadeadas a partir desse

diaacutelogo encontram alicerce nas ideias de Bakhtin (1992) em que a linguagem natildeo se restringe a

ser um meio um instrumento capaz de transmitir a algueacutem uma determinada mensagem A

linguagem eacute uma forma de interaccedilatildeo humana e segundo Kramer (1993 p 103) ldquoeacute produccedilatildeo

humana acontecida na histoacuteria produccedilatildeo que ndash construiacuteda nas interaccedilotildees sociais nos diaacutelogos

vivos ndash permite pensar as demais accedilotildees e a si proacutepria constituindo a consciecircnciardquo

O garoto atua junto agrave avoacute tambeacutem como mediador dessas aprendizagens da leitura e da

escrita na medida em que a ensina a escrever seu proacuteprio nome o nome dos familiares a escrever

194

uma carta e ainda quando lecirc para a avoacute a receita que acabara de ganhar de uma vizinha Eacute

possiacutevel dizer que reconhece a funccedilatildeo social da leitura e da escrita quando propotildee que a avoacute

escreva para a sua irmatilde que mora longe da qual sentia saudades percebe que a escrita dessa carta

cumpre seu papel de comunicar de expressar de estabelecer relaccedilotildees e de interagir com o outro

Haacute um destinataacuterio real numa situaccedilatildeo real da qual a avoacute se vale tambeacutem para aprender

Considera-se que a linguagem eacute fruto da interaccedilatildeo verbal entre os sujeitos (BAKHTIN

1992) e deve ser vista em seu uso na atitude responsiva do outro e por esse motivo deve ser

compreendida a partir de sua natureza soacutecio-histoacuterica Desse modo a concepccedilatildeo bakhtiniana de

linguagem decorre do pressuposto de que o sujeito se constitui na medida em que se relaciona

com o outro agrave medida que vai ao encontro do outro Nesse sentido a linguagem pressupotildee trocas

linguiacutesticas dinacircmicas numa situaccedilatildeo num lugar histoacuterico e num lugar social concretos (BRAIT

2005) Haacute ainda a presenccedila do irmatildeo do garoto que atua de forma colaborativa nessa situaccedilatildeo

como escriba para a avoacute aluna da EJA e para o irmatildeo aluno da Educaccedilatildeo Infantil ambos no

iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita que re-criavam o texto oralmente

Por meio da fala do garoto ldquo eu ateacute ensinei ela a escrever uma carta igual a gente faz

aqui na escolardquo eacute possiacutevel perceber que a crianccedila vivencia situaccedilotildees reais de leitura e de

escrita na escola (JOLIBERT 1994) Diante desse apontamento vale ressaltar que para

Vygotsky ldquoO aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e potildee

em movimento vaacuterios processos de desenvolvimento que de outra forma seriam impossiacuteveis de

acontecerrdquo (VYGOTSKY apud FREITAS 1994 p 95) Desse modo pode-se inferir que o

conhecimento das crianccedilas jovens ou adultos bem como seus modos de aprender vatildeo se

constituindo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais

Percebe-se tambeacutem que a crianccedila se apropria da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos

(DOLZ SCHNEUWLY 1999 BAKHTIN 2003) como a carta Na situaccedilatildeo descrita ela orienta

a avoacute durante a produccedilatildeo do texto carta ao explicar a ela as partes especiacuteficas que a compotildeem

(data saudaccedilatildeo mensagem despedida e assinatura) ao escrever a data ao propor o que pode ser

escrito e ao fazer isso pode-se dizer que estabelece relaccedilotildees com os elementos que compotildeem os

gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional (BAKHTIN 2003)

Vale ressaltar que os gecircneros discursivos nesse trabalho satildeo concebidos como praacuteticas

soacutecio-histoacutericas e culturais em que a liacutengua eacute tratada em seus aspectos discursivos e enunciativos

em vez de serem meramente observados seus aspectos formais e estruturais Dessa maneira a

195

liacutengua eacute vista como uma atividade social histoacuterica e cultural na qual os gecircneros referem-se aos

discursos em circulaccedilatildeo em nosso dia a dia e apresentam caracteriacutesticas soacutecio-comunicativas

(MACHADO 2005) Pode-se inferir ainda que a crianccedila instiga a avoacute a pensar sobre o complexo

processo que envolve o ato de ler e de escrever pelo qual ambos mobilizam vaacuterios

conhecimentos de que ler e escrever implicam tambeacutem o domiacutenio do coacutedigo a mediaccedilatildeo do

outro no interior do pensamento

A concepccedilatildeo bakhtiniana entende a linguagem como uma abordagem histoacuterica em que o

foco eacute a interaccedilatildeo verbal e cuja realidade fundamental eacute o seu caraacuteter dialoacutegico Aprender a ler e

a escrever pressupotildee uma relaccedilatildeo dialoacutegica a atitude responsiva do outro a interaccedilatildeo ativa com o

texto com o mediador e consigo mesmo que atua tambeacutem como o outro nesse processo

(BAKHTIN 1992) Portanto ler e escrever implicam lidar com uma liacutengua viva dinacircmica em

constante movimento

Pode-se inferir que o garoto se apropria da leitura e da escrita por meio da leitura e da

escrita de textos ndash este fato pode ser constatado quando trata da re-criaccedilatildeo da carta e da leitura da

receita ndash e natildeo por meio da repeticcedilatildeo de letras e siacutelabas Essa interaccedilatildeo e diaacutelogo que ele parece

travar por meio de suas vivecircncias contribuem para que ele faccedila o mesmo com a avoacute ao re-criar

com ela a carta e ao ler para ela a receita Linguagem eacute interaccedilatildeo (BAKHTIN 1992) e ao se

partir dessa premissa entende-se que se aprende a ler e a escrever lendo e escrevendo textos que

tecircm contextos situacionais que os organizam linguisticamente

A situaccedilatildeo ora apresentada denota que a crianccedila percebe a leitura e a escrita como atos

necessaacuterios para poder pertencer e atuar na cultura escrita Isto se verifica quando revela que a

avoacute se surpreende que ela embora pequena jaacute saiba ler e quando afirma que ela logo saberaacute

tambeacutem ldquoA minha voacute nem acreditou que eu li a receita inteirinhardquo ldquoPor que ela natildeo sabia que

eu jaacute aprendi a ler Ela acha que eu sou pequeno mas eu ateacute falei pra ela que daqui a pouco ela

vai ler como eurdquo

O dado a ser apresentado a seguir pode corroborar com a reflexatildeo sobre o ensino da

liacutengua por meio do gecircnero discursivo carta com as crianccedilas pequenas Ao planejarmos a tarde de

trabalho daquele dia com as crianccedilas na roda da conversa propus que respondecircssemos a carta de

nossos correspondentes da cidade de Campinas ndash SP

P Pessoal hoje noacutes vamos responder a carta da professora L e da Turma dos

Coelhinhos porque noacutes estamos atrasados com a nossa correspondecircncia Faz

196

tanto tempo que elas escreveram essa cartinha (mostra a carta agraves crianccedilas) e

hoje por e-mail a professora L me pediu muito para noacutes respondermos porque

as crianccedilas e ela estatildeo querendo demais receber a nossa resposta Eacute como noacutes

quando escrevemos para a para a Turma do Dedo Verde natildeo eacute Quando

escrevemos natildeo daacute vontade de recebermos logo a resposta dela

Todas Daacute

P Entatildeo a Turma dos Coelhinhos eacute como a nossa As crianccedilas estatildeo muito

ansiosas esperando a nossa resposta e olhem passou tanto tempo e noacutes com

tantas atividades com tantas coisas para fazermos natildeo conseguimos responder a

cartinha ainda Entatildeo noacutes vamos fazer isso hoje Combinado

Todas Combinado

C13 Pro comeccedila com a data

C13 natildeo eacute ouvida por mim porque atendia a uma crianccedila que propunha que eu

lesse a carta novamente para que pudessem ter ideia do que responder Entatildeo

fala novamente

C13 Pro comeccedila com a data

P Pessoal C13 deu a ideia de comeccedilarmos com a data O que acham

C13 Estaacute certo ou estaacute errado

Todas Certo

C6 A carta sempre comeccedila com a data

P Bem entatildeo vou escrever o local e a data assim elas vatildeo saber onde e quando

foi escrita essa carta ldquoMariacutelia 12 de agosto de 2010

O planejamento diaacuterio (FREINET 1973) do que seraacute feito no dia indica uma participaccedilatildeo

das crianccedilas no processo educativo Ao planejarem junto com a professora o que seraacute feito

semanalmente diariamente as crianccedilas propotildeem opinam ouvem satildeo ouvidas buscam soluccedilotildees

O procedimento de fazer com elas e natildeo por elas orienta o fazer pedagoacutegico com o objetivo de

tornaacute-las sujeitos desse processo Nessas condiccedilotildees o ensino eacute colaborativo pois aleacutem do

planejamento intencional haacute a negociaccedilatildeo em busca de contemplar seus interesses e criar novas

necessidades de aprender

No processo de re-criaccedilatildeo de texto da carta elas aparentam perceber a sua construccedilatildeo

composicional (BAKHTIN 2003) ao indicarem que a data ndash um dos seus elementos

caracteriacutesticos ndash deveria ser escrita logo de iniacutecio

C13 Olha soacute a professora faz umas letras diferentes natildeo eacute pro (refere-se agrave

dupla caixa como a carta recebida da Turma dos Coelhinhos e da professora L)

P Eacute sim E que letra seraacute que eacute essa

C11 Eacute de focircrma (refere-se agrave letra dupla caixa As crianccedilas e eu usaacutevamos

somente a caixa alta para escrever conforme orientaccedilatildeo da Secretaria Municipal

da Educaccedilatildeo no periacuteodo da pesquisa e a carta da Turma dos Coelhinhos estava

escrita em dupla caixa)

P Letra de focircrma Mas as letras que usamos tambeacutem natildeo satildeo letras de focircrma

C6 Hum agora complicou

C5 Eacute de focircrma mas eacute diferente

197

P As letras que noacutes usamos (refiro-me a caixa alta) aparecem na carta que noacutes

recebemos da Turma dos Coelhinhos Vamos ver

Todas As crianccedilas se voltam para a carta recebida afixada no mural da sala e a

observam

C5 Aparece soacute de vez em quando

P Quando elas aparecem Onde

C1 No comeccedilo de Mariacutelia

P Onde mais

C7 No comeccedilo do nome da professora L

P Certo

C3 Aqui oacute (Aponta para o comeccedilo da frase)

P Aparece em mais algum lugar

C2 Nos nomes deles aqui embaixo tambeacutem (observa as letras iniciais dos nomes

das crianccedilas da Turma dos Coelhinhos ao findar a carta suas assinaturas)

P Pessoal elas usam as letras maiuacutesculas e as minuacutesculas Soacute que as letras

maiuacutesculas noacutes usamos em situaccedilotildees como essas que vocecircs me mostraram (eu

pego o envelope escrito da carta recebida) A professora L usou a letra

maiuacutescula no comeccedilo dos nomes das pessoas no comeccedilo do nome da nossa

cidade

C2 Mariacutelia neacute pro

P Exato Ela usou tambeacutem quando no (a crianccedila interrompe a minha fala)

C13 Engraccedilado pro

P O que eacute engraccedilado C13

C13 Na carta que elas escreveram depois do ponto final elas escreveram com

letra maiuacutescula

P Eacute mesmo

C13 Eacute mesmo pro vem caacute ver (aponta com o dedo indicador da matildeo direita

para a carta)

P Vocecircs concordam com C13

Todas (Concordam com a cabeccedila depois de observarem a proacutepria crianccedila

mostrando em toda carta quando isso ocorria)

P Bem observado C13 Todas agraves vezes que organizamos nossas ideias quando

escrevemos e colocamos o ponto final em seguida iniciamos com a letra

maiuacutescula

C11 Pro Campinas eacute longe daqui

P Eacute longe satildeo cerca de 6 a 7 horas de viagem de ocircnibus

C9 Que longe

C13 De aviatildeo chega no mesmo dia neacute

P De carro tambeacutem chegamos no mesmo dia dependendo da hora que sairmos

daqui soacute que demora mais tempo que de aviatildeo Bem reparem aqui no envelope

que elas nos enviaram A professora L escreveu o iniacutecio do nome da nossa

cidade com letra maiuacutescula o iniacutecio do nome da nossa rua com letra maiuacutescula

o iniacutecio do nome do bairro com letra maiuacutescula

C5 Mas o resto elas escreveram com letra minuacutescula

P Eacute por isso que eu vou escrever como a professora L Pode ser

Todas Pode

C2 Assim a gente vai aprendendo

198

Por meio da anaacutelise desse trecho do ato de re-criaccedilatildeo de texto as crianccedilas insistem em

lidar com a linguagem escrita de forma dialoacutegica por meio do gecircnero discursivo apresentado e

por meio da minha mediaccedilatildeo como professora que as instigo a pensar sobre a escrita sem dar

respostas prontas e acabadas Ao contraacuterio provoco a atitude responsiva ao indagaacute-las sobre o

que vecircem a observarem e a elaborarem hipoacuteteses sobre essas observaccedilotildees para num momento

posterior pelo uso e pelo diaacutelogo travado validaacute-las ou natildeo

C13 observa que eu uso a dupla caixa para escrever a carta resposta para os

correspondentes como eles o fizeram No entanto usaacutevamos somente a caixa alta ndash ateacute aquele

momento ndash recomendada pela Secretaria da Educaccedilatildeo da cidade no periacuteodo de realizaccedilatildeo da

pesquisa Esse fato causou surpresa durante a escrita da carta mas por esse motivo foi possiacutevel

estabelecer relaccedilotildees que envolvem diretamente o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita

C13 observa que a outra professora escrevia com uma ldquoletra diferenterdquo Quando pergunto

qual letra era aquela C11 responde que eacute letra de focircrma Ao pretender aprofundar essa questatildeo

pergunto ldquoMas as letras que usamos natildeo satildeo de focircrmardquo Ao que C5 responde Eacute de focircrma mas eacute

diferente Essas falas reafirmam o pressuposto de que ldquoa liacutengua escrita natildeo eacute apenas um registro

da liacutengua oral Linguagem nova que multiplica a capacidade de pensar e agir do homem a escrita

eacute uma heranccedila diante da qual a crianccedila deve se deter para dela se apropriarrdquo (BAJARD 2012 p

54) Para este autor o uso da tipografia ndash somente a maiuacutescula (caixa alta) ndash natildeo permite que a

especificidade da escrita se manifeste Isso se verifica por exemplo na grafia das palavras ldquorosardquo

e ldquoRosardquo em que a primeira pode se referir agrave flor ou agrave cor e a segunda ao nome de uma pessoa o

que seria inviaacutevel perceber se para designar essas duas situaccedilotildees a grafia fosse ldquoROSArdquo

Outro aspecto a ser ressaltado eacute que as crianccedilas percebem o uso da letra maiuacutescula quando

satildeo levadas a observar o uso que os correspondentes fizeram dela e quando passam a usaacute-la para

expressarem as suas ideias por meio da escrita com a tipografia dupla caixa ldquoO uso da maiuacutescula

eacute indiacutecio de um funcionamento da escrita que vai aleacutem das relaccedilotildees som-letrardquo (BAJARD 2012

p 83) pois assume uma funccedilatildeo fundamental na leitura ldquonatildeo somente manifesta no corpo do

texto a presenccedila de personagem como tambeacutem sinaliza para os olhos o indiacutecio da frase e

consequentemente o seu fimrdquo (BAJARD 2012 p 83) Este fato pode ser observado quando C13

revela ldquoNa carta que elas escreveram depois do ponto final elas escreveram com letra

maiuacutesculardquo E a professora com a intenccedilatildeo de refletir sobre esse uso pergunta ldquoEacute mesmordquo ao

199

que C13 responde ldquoEacute mesmo pro vem caacute verrdquo (aponta com o dedo indicador da matildeo direita para

a carta)

A partir desse momento todas as escritas foram grafadas com a tipografia dupla caixa

uma vez que as proacuteprias crianccedilas solicitavam seu uso por compreenderem que os escritos sociais

em sua maioria se apresentam dessa forma e natildeo somente com a caixa alta como nos livros

revistas e outros materiais ndash com exceccedilatildeo das histoacuterias em quadrinhos que em geral satildeo escritas

em caixa alta

Aleacutem do uso da caixa alta para marcar o iniacutecio de frases a situaccedilatildeo de escrita da carta

ainda possibilitou a reflexatildeo sobre o uso da maiuacutescula em outras situaccedilotildees por exemplo quando

mostro o envelope escrito pelos correspondentes e as situaccedilotildees em que ela aparece como na

escrita de substantivos proacuteprios apesar de natildeo ter cogitado essa nomenclatura especificamente e

de natildeo ser esse o objetivo mas de perceber o funcionamento da escrita ldquoA professora L escreveu

o iniacutecio do nome da nossa cidade com letra maiuacutescula o iniacutecio do nome da nossa rua com letra

maiuacutescula o iniacutecio do nome do bairro com letra maiuacutesculardquo Com isso ldquorejeitar o iacutendice

maiuacutesculaminuacutescula com o pretexto de que ele natildeo corresponde a nenhum iacutendice sonoro resulta

em apagar a mais evidente marca sintaacutetica da fraserdquo (BAJARD 2012 p 83)

P Bem entatildeo vamos continuar O que escrevemos depois da data

C13 Que tal Olaacute amigos queridos da Turma dos Coelhinhos

P Ah a saudaccedilatildeo Isso mesmo Noacutes vamos iniciar a carta saudando as

pessoas cumprimentando as pessoas para comeccedilarmos a escrever as nossas

novidades O que vocecircs acham da ideia de C13

C8 Certo

Eu escrevo a sugestatildeo da crianccedila na carta Olaacute amigos novos da Turma dos

Coelhinhos e professora (sou interrompida)

C18 Natildeo se esquece de escrever o nome da professora L com letra maiuacutescula

pro

P Muito bem farei isso (e entatildeo eu escrevo)

C13 Nossa o L de C7 eacute igual da professora L (a crianccedila observa que a letra

inicial do nome da colega de turma eacute o mesmo da professora da carta)

P Eacute verdade o dois nomes comeccedilam com a mesma letra

C7 Escreve que ela eacute linda

P Sim podemos escrever isso Mas antes de tudo eu acho que noacutes devemos nos

desculpar pela demora da carta vocecircs natildeo acham E contar os motivos porque

natildeo pudemos escrever antes

C10 Hatilde hatilde

C4 Eacute mesmo

P E como podemos escrever isso

C7 Potildee ldquoDesculpardquo Desculpa neacute professora

P Mas precisamos escrever porque estamos pedindo desculpas

200

C5 Escreve assim pro ldquoDesculpa pela demora da carta Soacute deu pra gente

escrever agora porque a gente tinha muitas coisas para fazer e aconteceram

muitas coisasrdquo

P Hum O que vocecircs acharam da sugestatildeo de C5

C12 Eacute acho que estaacute bom assim

Escrevo na carta e as crianccedilas acompanham

C7 Pro eu tive uma ideia Noacutes tambeacutem podemos mandar uns desenhos pra elas

C13 Eu sei desenhar coelhinhos A gente pode mandar de presente pra turma

Todas concordam

C8 Escreve que noacutes gostamos do nome da turma delas

P Como podemos escrever isso na carta

C7 Escreve assim pro ldquoNoacutes gostamos muito do nome da turma de vocecircsrdquo

Continuo a escrever

C9 ldquoE noacutes ama vocecircsrdquo (Sugere a crianccedila que seja escrito)

C5 Natildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute pro

P Isso mesmo porque natildeo eacute soacute uma pessoa da nossa turma que os ama mas

algumas pessoas que os ama satildeo as pessoas da nossa turma Bem e o que vocecircs

querem que eles saibam O que mais podemos escrever na carta

As falam sugerem que as crianccedilas aprendem a pensar sobre a liacutengua por meio dos gecircneros

discursivos e consequentemente a se comunicar por meio deles As discussotildees travadas

permitem inferir que a liacutengua eacute vista em seu uso e que as marcas da escrita incluindo a gramaacutetica

e a ortografia acontecem concomitantes nesse processo natildeo de forma imposta teacutecnica ndash porque

seria contrapor-se ao que eacute defendido nesse trabalho com relaccedilatildeo ao proacuteprio ensino da liacutengua ao

respeito agrave crianccedila e agraves regularidades de seu desenvolvimento ndash mas como uma apropriaccedilatildeo

dialoacutegica dela que requer situaccedilotildees reais de uso em que a crianccedila atua de forma ativa Essa

atuaccedilatildeo promove constantes interesses e cria a necessidade de aprender Pode-se perceber isso

quando C9 diz ldquoE noacutes ama vocecircsrdquo (Sugere a crianccedila que seja escrito) E imediatamente numa

atitude responsiva C5 afirma ldquoNatildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute prordquo

Eacute possiacutevel depreender tambeacutem que as crianccedilas percebem a minha mediaccedilatildeo como

professora e minha participaccedilatildeo como uma interlocutora ativa tambeacutem desse processo uma vez

que as crianccedilas frequentemente se voltam a mim na tentativa de se certificarem do que pensam e

dizem ldquoNatildeo eacute noacutes AMA vocecircs Eacute noacutes AMAMOS vocecircs neacute prordquo E ao ser indagada esclareccedilo

ldquoIsso mesmo porque natildeo eacute soacute uma pessoa da nossa turma que os ama mas algumas pessoas que

os ama satildeo as pessoas da nossa turmardquo E dou continuidade ao processo de re-criaccedilatildeo de texto

ldquoBem e o que vocecircs querem que eles saibam O que mais podemos escrever na cartardquo

A discussatildeo sobre a maiuacutescula e seu uso traz agrave tona sua apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo pelas

crianccedilas quando a professora no caso eu mesma ao escrever a saudaccedilatildeo e colocar o nome da

201

outra professora eacute orientada por C18 ldquoNatildeo se esquece de escrever o nome da professora L com

letra maiuacutescula prordquo

C1 Pro potildee o nome da nossa turma agora

Todas Turma do Sol (Todas falam juntas)

P Como eacute que podemos escrever isso

C1 Hum escreve assim O nome da nossa turma eacute Turma do Sol

Todas concordam e eu escrevo

C1 Coloca aiacute que a gente aprendeu um monte de coisas sobre o Sol

P Como podemos escrever isso

C1 Ah escreve ldquoe noacutes aprendemos um monte de coisas sobre o Sol

C5 ldquoEle eacute uma mistura de gases Eacute uma bola de fogordquo

C17 ldquoEle eacute quente quente quenterdquo

C16 ldquoSem o Sol natildeo ia ter vida na Terra porque todo mundo precisa dele Se

natildeo tivesse o Sol ia ser tudo escurordquo

C7 ldquoSem o Sol natildeo poderiacuteamos viverrdquo

P Isso mesmo C7

C13 ldquoSem o Sol nada daria certordquo

P Que beleza Satildeo informaccedilotildees importantes Acho que eles vatildeo gostar muito de

saber de tudo isso

Escrevo as informaccedilotildees sobre o Sol pesquisadas pela turma ateacute aquele momento

C14 Ocirc pro a gente pode desenhar o Sol com planetinhas

P Claro que sim Assim que terminarmos a carta vocecircs podem ilustraacute-la como

vocecircs sempre fazem Cada um vai escolher qual parte dela quer desenhar estaacute

bem

Todas Oba

As crianccedilas participam todo o tempo do processo de re-criaccedilatildeo porque tecircm o que dizer o

que contar uma vez que eacute a continuidade de um diaacutelogo jaacute estabelecido com a outra turma A

escrita surge nesse processo de re-criaccedilatildeo textual como uma forma dizer coisas de informar de

comunicar Isso ocorre porque as crianccedilas tecircm muitas experiecircncias na escola porque a escola eacute o

lugar da cultura mais elaborada (MELLO FARIA 2010)

Esse desejo de expressatildeo que se materializa nesse caso com a escrita da carta acontece

tambeacutem por meio do desenho em que por diversas vezes eacute proposto pelas crianccedilas ldquoC14 Ocirc pro

a gente pode desenhar o Sol com planetinhasrdquo ou como foi visto no trecho analisado

anteriormente com as falas de C7 e C13 ldquoPro eu tive uma ideia Noacutes tambeacutem podemos mandar

uns desenhos pra elasrdquo ldquoEu sei desenhar coelhinhos A gente pode mandar de presente pra

turmardquo

C12 Pro escreve que noacutes gostamos das brincadeiras que eles ensinaram pra

gente

P Turma que tal a ideia da C12

202

C20 Legal Pode escrever

P Entatildeo me ajudem como posso escrever isso aqui

C20 Escreve assim pro ldquoAs brincadeiras que vocecircs ensinaram a gente satildeo

legaisrdquo

C13 Ueacute natildeo sei natildeo

P O que C13

C13 Eacute melhor escrever assim Noacutes gostamos das brincadeiras que vocecircs

ensinaram para a nossa turma

P Por que vocecirc acha melhor dessa forma e natildeo como C20 disse

C13 Ueacute pro Porque desde o comeccedilo da carta escrevemos ldquonoacutesrdquo e natildeo a

ldquogenterdquo Ai eu acho que eacute melhor neacute

P Vocecircs concordam com C13

Todas concordam

As falas das crianccedilas no trecho acima sinalizam que elas se apropriam e se objetivam da

liacutengua de forma dialoacutegica viva em seu funcionamento por meio dos gecircneros discursivos Ao

fazerem isso percebem que

O texto portanto eacute o espaccedilo de escolha dos recursos linguiacutesticos e estiliacutesticos

que depende da relaccedilatildeo enunciativa manifesta no discurso a partir do gecircnero

em vez de ser uma unidade autocircnoma O texto eacute tomado como unidade apenas

na condiccedilatildeo de espeacutecime do gecircnero (SOBRAL 2009 p 131)

Por tal razatildeo as crianccedilas escolhem como e quais recursos da liacutengua preferem usar na re-

criaccedilatildeo do texto e adotam criteacuterios como propotildee C13 ao sugerir outra maneira de escrever a ideia

de C20 ao apontar ldquoEacute melhor escrever assim Noacutes gostamos das brincadeiras que vocecircs

ensinaram para a nossa turmardquo Quando pergunto por que considera melhor da forma que ela

propotildee e natildeo a de C20 esclarece ldquoUeacute pro Porque desde o comeccedilo da carta escrevemos ldquonoacutesrdquo e

natildeo ldquoa genterdquo Ai eu acho que eacute melhor neacuterdquo

Para finalizar a carta proponho

P Qual brincadeira vocecircs mais gostaram

C5 A do homem de fogo

Todas Eacute mesmo

Escrevo e pergunto em seguida

P E qual brincadeira noacutes podemos ensinar para elas (refere-se agraves crianccedilas da

Turma dos Coelhinhos)

C10 Coelhinho sai da Toca

C6 A menina que estaacute na roda

Entatildeo escrevo com as crianccedilas como se brinca cada uma das brincadeiras

citadas

203

P O que vocecircs acham de escrevermos que noacutes estamos mandando um presente

para elas

C2 Eacute mesmo pro E a gente precisa terminar o presente (refere-se agraves pinturas

que cada crianccedila fez com pincel e tinta para cada uma das crianccedilas da outra

turma)

P Entatildeo vamos laacute ldquoEstamos mandando uns presentes para vocecircs Esperamos

que gostemrdquo Algo mais a escrever turma

C6 A despedida pro

P Como podemos escrever a despedida

C5 ldquoRespondam logo por favor Um abraccedilo da Turma do Solrdquo

P O que vocecircs acham da ideia de C5

Todas Legal

C9 Boa

Termino de escrever e em seguida leio a carta toda para as crianccedilas

P O que acharam Haacute algo mais a escrever ou a mudar na carta

C14 Agora eacute soacute assinar a carta

E Cada crianccedila escreve seu nome ao final da carta

Ao re-criar a carta com as crianccedilas e por ser esse ato de escrita um ato interlocutivo

discursivo comum na minha praacutetica pedagoacutegica como professora as crianccedilas fazem inferecircncias

opinam e se sentem motivadas a participarem porque este fazer para elas condiz com os seus

interesses Em decorrecircncia disso as crianccedilas se apropriam cada vez mais do gecircnero discursivo

carta e de seus elementos constitutivos como o conteuacutedo temaacutetico a construccedilatildeo composicional e

o estilo (BAKHTIN 2003) Desde o iniacutecio as crianccedilas percebem cada elemento da carta sua

funccedilatildeo e funcionamento ndash data saudaccedilatildeo mensagem despedida assinatura ndash de modo que

sugerem como cada um desses elementos pode ser escrito considerando o contexto situacional

em que foram criados

Dentro do gecircnero discursivo carta surge outro gecircnero as regras das brincadeiras a serem

ensinadas para os correspondentes de caraacuteter mais instrucional mas que cumprem sua funccedilatildeo

dentro do contexto

Os assuntos eleitos para serem abordados satildeo diretamente relacionados a suas

experiecircncias aos interesses diretos como a brincadeira considerada a atividade principal

(LEONTIEV 1988) das crianccedilas dessa idade Eacute por meio do brincar que ocorre o

desenvolvimento da inteligecircncia da personalidade da funccedilatildeo simboacutelica da consciecircncia da

atenccedilatildeo da memoacuteria do controle da proacutepria conduta que se apropria da cultura humana e por

isso mesmo se humaniza Eacute por meio dessa atividade que a crianccedila melhor se relaciona com o

mundo a sua volta que atribui significados e sentidos que elabora explicaccedilotildees para fenocircmenos e

fatos e eacute quando que se constituem as bases orientadoras necessaacuterias para a apropriaccedilatildeo da

204

leitura e da escrita (LEONTIEV 1988 VYGOTSKI 1995 MELLO 2005) Por essa razatildeo essa

atividade surge como elemento a ser partilhado entre as crianccedilas da proacutepria turma e da turma

correspondente Essa atividade surge tambeacutem como motivo entre as crianccedilas para re-criarem seus

textos para comunicarem por meio da escrita o que natildeo podem fazer pela linguagem oral ndash no

caso ensinar agraves crianccedilas de outra cidade de outra cultura com sua proacutepria histoacuteria a histoacuteria e a

cultura da sua localidade Paralelamente agrave carta a escrita de outro gecircnero com o objetivo de

ensinar as brincadeiras agraves crianccedilas correspondentes cria a necessidade de re-criar outro texto e

assim conhecer outro gecircnero que atenda aos interesses que se fazem naquele momento

A correspondecircncia interescolar promove aprendizagens porque intensifica as relaccedilotildees e as

experiecircncias das crianccedilas com o outro com a leitura com a escrita e com a cultura humana

porque as crianccedilas trocam informaccedilotildees sobre as pesquisas que realizam na escola suas leituras

suas descobertas e trocam presentes criados por elas por meio de diferentes linguagens como por

exemplo o envio de outras re-criaccedilotildees como a poesia regras de brincadeira jogos desenhos

pinturas jogos com sucatas bonecos de papel machecirc Pode-se constatar esse fato quando eu

sugiro que escrevam na carta sobre o presente a ser enviado aos correspondentes e C2 responde

ldquoEacute mesmo pro E a gente precisa terminar o presenterdquo (refere-se agraves pinturas que cada crianccedila fez

com pincel e tinta para cada um de seus colegas)

As crianccedilas datildeo sinais de que lidam com os elementos que compotildeem o gecircnero discursivo

carta quando respondem que falta a despedida e a assinatura propondo oralmente a melhor

maneira de escrever e assumindo a participaccedilatildeo pelo texto re-criado

A anaacutelise da foto 6 e do diaacutelogo apresentado em seguida sobre uma situaccedilatildeo de re-criaccedilatildeo

de carta contribui com a reflexatildeo sobre a apropriaccedilatildeo da escrita por meio desse gecircnero

discursivo

205

(Foto 6 ndash Situaccedilatildeo fotografada e registrada no dia 221110)

Depois de terminada a re-criaccedilatildeo da carta resposta aos correspondentes da turma do Dedo

Verde de uma escola da zona sul da cidade e jaacute com as ilustraccedilotildees das crianccedilas compondo cada

parte da carta fiz uma uacuteltima leitura estendi a carta no chatildeo da sala propus que a observassem e

fizessem por conta proacutepria qualquer alteraccedilatildeo que julgassem necessaacuteria por exemplo acrescentar

ou retirar algo antes que a colocaacutessemos no envelope para ser postada Algumas crianccedilas se

ocuparam da tarefa de terminar os presentes para serem enviados juntos com ela ndash presentes

referentes a algum assunto pesquisado pelas turmas ou com a finalidade de provocar um desafio

mapas desenhos adivinhas pinturas livros e fantoches com material reciclaacutevel C1 C3 C6 C7

C8 C13 e C16 preferiram analisar a carta as informaccedilotildees contidas nela os desenhos e ateacute

mesmo as assinaturas

Dez minutos depois C1 que tinha em sua matildeo direita um laacutepis debruccedila-se sobre a carta e

conversa com C13

206

C1 Eu vou escrever uma coisa aqui na carta que eu quero perguntar pra Turma

do Dedo Verde Vocecirc me ajuda

C13 Ajudo o que eacute que vocecirc vai escrever

C1 Espera aiacute

C1 escreve na carta ldquoOnde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar

Agente quer saberrdquo

C7 se aproxima para acompanhar o que ocorria Terminada a escrita C13 lecirc o

que C1 escreveu e diz

C13 Nossa Que boa ideia

C1 Eu escrevi porque todo mundo da nossa turma quer saber mais sobre isso

agora estaacute todo mundo curioso Se a gente souber logo a gente nem precisa

esperar eles responderem a carta pra ficar sabendo A gente pode pesquisar com

a pro a gente mesmo

C7 Eacute mesmo neacute

C13 dirige seu olhar novamente para a escrita de C1 e diz C13 Ih olha aqui o que vocecirc escreveu C1 (aponta para a palavra escrita

ldquoagenterdquo)

C1 digire seu olhar para a escrita observa e pergunta

C1 O que eacute que estaacute errado

C13 Lembra que a pro jaacute explicou que AGENTE junto eacute agente secreto e que

A GENTE separado quer dizer noacutes as pessoas

C7 Eacute mesmo Tem um monte disso (refere-se agrave ldquoa genterdquo) escrito nessa carta

C1 observa novamente apaga com a borracha e escreve separado seguindo a

orientaccedilatildeo de C13

C13 Tem que prestar atenccedilatildeo na hora de escrever C1 porque uma coisa eacute uma

coisa e outra coisa eacute outra coisa neacute pro

P Sim bem lembrado C13 Vamos dar uma olhada em tudo o que vocecirc escreveu

C1 Vamos ver se haacute algo mais que podemos melhorar

C1 concorda e com as crianccedilas que acompanhavam foi feita a correccedilatildeo

(Situaccedilatildeo observada e registrada em 091110)

Mariacutelia 7 de novembro de 2010

Olaacute amigos da Turma do Dedo Verde e Professora E

Tudo bem

A gente fez a maior festa quando recebeu a cartinha de vocecircs e quando viu

os presentes que vocecircs mandaram

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Semana passada a gente plantou os girassoacuteis com as sementes que vocecircs

mandaram e agora todos os dias a gente cuida para que os girassoacuteis cresccedilam

raacutepido

A pro falou que depois que essas plantas crescerem uns 15 centiacutemetros a

gente jaacute vai poder levar os vasinhos para casa Aiacute todos os dias a gente mede

com a reacutegua aqui na escola E falta pouco porque a maioria jaacute estaacute medindo 5

centiacutemetros mais ou menos

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

207

Ah as duas muacutesicas sobre os girassoacuteis que vocecircs mandaram gravadas no

CD pra gente tambeacutem satildeo bem legais A gente ateacute vai pesquisar mais sobre o

Viniacutecius de Morais e sobre o grupo Cidade Negra

Pena que natildeo deu pra gente ir agrave Feira de Ciecircncias da escola de vocecircs mas

as coisas que vocecircs pesquisaram sobre as cores satildeo demais A gente fez aqui

tambeacutem algumas das experiecircncias que vocecircs ensinaram Nossa foi muito legal

Vocecircs podem contar pra gente mais coisas sobre o que vocecircs descobriram sobre

as cores

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Onde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar Agente quer

saber (Parte escrita por C1)

A gente colocou as fotos de vocecircs no mural da nossa sala Vocecircs estatildeo

lindos A professora ldquoErdquo eacute uma princesa

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

A gente estaacute mandando outra poesia pra vocecircs e tambeacutem os fantoches das

personagens da histoacuteria preferida da nossa turma ldquoO caso do Bolinhordquo da

Tatiana Belinky A gente mesmo quem fez os fantoches pra vocecircs

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

No livro que estaacute junto tambeacutem tem um monte de coisas sobre o Sol Eacute soacute

vocecircs lerem ou pedirem para a pro de vocecircs lerem Tem muitas coisas novas

sobre o Sol e vocecircs vatildeo gostar de saber

Aqui estaacute todo mundo louco de vontade de chegar logo o dia do nosso

encontro Tomara que chegue logo A gente pode brincar de umas brincadeiras

novas e legais O lanchinho a gente ainda estaacute decidindo qual vai ser taacute

(Ilustraccedilatildeo das crianccedilas)

Um abraccedilo bem grande da Turma do Sol e Professora G

(Cada crianccedila escreveu seu nome e a professora tambeacutem)

A anaacutelise da foto 6 e da situaccedilatildeo relatada permite inferir que C1 criou para si a

necessidade de aprender de saber de se expressar o que a mobilizou escrever na carta jaacute re-

criada pela turma algo que julgava necessaacuterio e que supostamente natildeo atenderia somente ao seu

desejo mas o de todos os seus colegas ldquoOnde vocecircs pesquisaram sobre as cores Liga pra falar

A gente quer saberrdquo e quando explica o motivo que a levou a escrever ldquoEu escrevi porque todo

mundo da nossa turma quer saber mais sobre isso agora estaacute todo mundo curioso Se a gente

souber logo a gente nem precisa esperar elas responderem a carta pra ficar sabendo A gente

pode pesquisar com a pro a gente mesmordquo

Diante das palavras de C1 pode-se dizer que haacute nelas a palavra de seus colegas

carregadas de vontades de opiniotildees de impressotildees decorrentes das experiecircncias vividas Ribeiro

(2010 p 58) lembra que

A palavra para Bakhtin (2003 p 350) eacute um ponto convergente de vozes Ela

natildeo eacute neutra Estatildeo ali latentes experiecircncias diversas dos sujeitos sociais

208

Mesmo conferindo os creacuteditos da escolha e utilizaccedilatildeo da palavra ao autor a

palavra natildeo lhe pertence com exclusividade jaacute que eacute fruto da Histoacuteria e sendo

assim pertenceria a todos Nesse sentido a palavra existe para o falante em trecircs

acircmbitos como palavra da liacutengua neutra e natildeo pertencente a ningueacutem como

palavra alheia dos outros cheia de ecos de outros enunciados e por uacuteltimo

como a minha palavra (BAKHTIN 2003 p 294)

Dessa forma quando C1 escreve a mensagem na carta e justifica sua atitude o seu

discurso oral e o escrito refletem vaacuterias vozes a dela proacutepria a de seus colegas a minha como

professora e que instiga as crianccedilas por meio da situaccedilotildees vivenciadas e ainda as vozes dos

correspondentes e da professora dessa turma que jaacute pesquisaram sobre os assunto e os comunica

provocando a necessidade no outro tambeacutem de saber

Apesar de a mensagem escrita pela crianccedila ter sido discutida e corrigida na ocasiatildeo em

que ocorreu com ela proacutepria e com as demais que participavam para que elas pudessem pensar

sobre essa escrita a iniciativa de escrever algo naquele momento de finalizaccedilatildeo do texto denota

uma atitude positiva diante do conhecimento revelada pelo fato de a crianccedila de ser a ldquoporta-vozrdquo

dela e dos colegas por ter criado uma atitude investigativa diante do que se queria conhecer Eacute

possiacutevel perceber que com essa atitude de C1 a crianccedila aparenta saber como para quecirc e por quecirc

pesquisar ao solicitar que os correspondentes telefonem para a escola em que ocorreu a pesquisa

para solicitar a fonte dos estudos por eles realizados Nas cartas recebidas e enviadas sempre

eram comunicadas as descobertas feitas pelas turmas os estudos os resultados A mensagem

escrita por C1 denota urgecircncia em obter informaccedilotildees ndash no caso sobre as cores ndash porque solicita

um telefonema por parte dos correspondentes contrariando a dinacircmica comumente estabelecida

de aguardar a resposta da carta A crianccedila revela o iniacutecio de sua apropriaccedilatildeo da escrita por meio

do gecircnero discursivo carta e ainda demonstra que se humaniza Desse modo

[] quando a inserccedilatildeo da crianccedila na heranccedila cultural da humanidade responde a

necessidades de conhecimento criada na crianccedila melhor ela se envolve no que

faz e aprende Oa professora pode organizar de modo intencional e consciente

as experiecircncias propostas na educaccedilatildeo Infantil para provocar o encontro da

crianccedila com a cultura de modo a favorecer a apropriaccedilatildeo pelas crianccedilas da

heranccedila cultural da humanidade e por meio desta a reproduccedilatildeo pelas crianccedilas

das maacuteximas qualidades humanas criadas ao longo da histoacuteria Para isso o

conhecimento das regularidades do desenvolvimento das crianccedilas em nossa

sociedade ndash isto eacute da forma como a crianccedila melhor se relaciona com a cultura

nas diferentes idades e aprende ndash eacute condiccedilatildeo essencial (MELLO 2010 p58)

209

Pode-se inferir que o ensino planejado e organizado intencionalmente e as relaccedilotildees

dialoacutegicas estabelecidas entre as crianccedilas entre as crianccedilas e a professora e entre as crianccedilas e o

espaccedilo garantem participaccedilatildeo ativa na elaboraccedilatildeo dos gecircneros discursivos cria a necessidade de

aprender e provoca o desenvolvimento humano Eacute possiacutevel perceber a mediaccedilatildeo de C13 nessa

situaccedilatildeo natildeo somente quando C1 decide escrever algo e pede a sua ajuda mas tambeacutem quando a

crianccedila percebe o que a colega escreveu e faz a distinccedilatildeo entre ldquoagenterdquo e ldquoa genterdquo Ao explicar

essa diferenccedila C13 solicita a confirmaccedilatildeo da professora no caso eu mesma que tambeacutem atuo

como mediadora C13 ao esclarecer C1 sobre a diferenccedila entre ldquoagenterdquo e ldquoa genterdquo medeia a

situaccedilatildeo trazendo agrave tona uma explicaccedilatildeo que eu jaacute fizera em outra ocasiatildeo

Haacute outros mediadores nesse processo que satildeo os proacuteprios correspondentes e a professora

dessa turma que ao elaborarem suas cartas e enviaacute-las agraves crianccedilas provocam novas necessidades

por meio dos desafios lanccedilados por meio das informaccedilotildees partilhadas sobre os conteuacutedos

diversos e por meio das relaccedilotildees estabelecidas entre as turmas

Outro aspecto a ressaltar eacute que C13 ao observar que C1 havia escrito ldquoagenterdquo denota

compreender que a presenccedila ou a ausecircncia do espaccedilo em branco entre ldquoa genterdquo altera

completamente o seu significado e que natildeo se trata somente de uma questatildeo graacutefica mas de

significaccedilatildeo Para Bajard (2012 p 78) ldquoo espaccedilo tem uma grande importacircncia na escrita

modernardquo Esclarece que ldquopor causa do espaccedilo em branco dois nomes escritos aparecem

separadamente enquanto na fala um uacutenico nome eacute ouvidordquo O espaccedilo em branco eacute considerado

um caracter e por essa razatildeo e por sua funccedilatildeo na escrita natildeo pode ser desprezado

A correspondecircncia interescolar como todas as outras teacutecnicas da Pedagogia Freinet

priorizam o ensino cooperativo em que a comunicaccedilatildeo eacute privilegiada Valoriza-se o processo e

natildeo somente o resultado Freinet (1973) esclarece que ao modificar as teacutecnicas de trabalho satildeo

modificadas automaticamente as condiccedilotildees de vida na escola ldquomelhoramos as relaccedilotildees entre as

crianccedilas e o meio entre as crianccedilas e os professores Eacute com certeza o benefiacutecio mais importante

com que contribuiacutemos para o progresso da educaccedilatildeo e da culturardquo (FREINET 1973 46) Isto se

verifica na organizaccedilatildeo das proacuteprias crianccedilas em que algumas delas optaram por terminar os

presentes que seriam enviados e outras que se encarregaram de terminar os desenhos e outros

detalhes da carta antes de ser colocada no envelope

210

A situaccedilatildeo apresentada a seguir trata de uma re-criaccedilatildeo de texto elaborado por uma

crianccedila sem ajuda

Numa tarde quando as crianccedilas realizavam diferentes tarefas nos cantos organizados na

sala ndash ateliers espaccedilos organizados com materiais especiacuteficos de pintura modelagem desenho

digitaccedilatildeo no computador impressatildeo jogos ndash C13 se dirige para o canto da sala em que ficavam

as mochilas das crianccedilas da turma retira duas folhas de papel com linhas que trouxe de sua casa e

se senta sozinha no canto do desenho Por quarenta minutos permanece nesse local utilizando

alguns materiais Passado esse tempo se dirige a mim entrega o envelope e diz

C13 Pro eu escrevi para vocecirc essa carta Eu escrevi sozinha

Abro o envelope feito pela crianccedila leio o que escreveu e respondo

P Que linda carta C13 Gostei muito muito mesmo

C13 Eu jaacute sei escrever cartas (Situaccedilatildeo observada no dia 270910)

211

(Carta escrita por C13 em 290910)

212

A anaacutelise deste dado permite inferir que C13 daacute indiacutecios de ter se apropriado de dados no

iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita por meio do gecircnero discursivo carta ao

tomar a iniciativa de escrevecirc-la para a professora Indica tambeacutem que a crianccedila percebe a funccedilatildeo

da escrita como instrumento de comunicaccedilatildeo e o ato de escrever a carta denota que foi criado o

desejo de se expressar por meio da escrita e do desenho Ela natildeo somente escreve e ilustra o seu

texto como tambeacutem confecciona o envelope fechando as laterais com grampos de grampeador

Ao fazer isso aparenta perceber que natildeo somente compreende a funccedilatildeo da escrita o

funcionamento do gecircnero discursivo como tambeacutem o seu suporte

O texto re-criado trata-se de um texto livre segundo Freinet (1976 p 21) ldquoum texto livre

deve ser realmente livre Quer isto dizer que escrevemos quando temos alguma coisa a dizer

quando sentimos a necessidade de exprimir escrevendo ou desenhando aquilo que em noacutes

agitardquo Vale ressaltar que os textos re-criados ocorreram dentro dessa perspectiva em que as

crianccedilas participavam das criaccedilotildees textuais fazendo suas escolhas de como o quecirc quando e para

quem queriam escrever As situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto e de leitura eram intencionalmente

planejadas com o objetivo de provocar a necessidade de aprender a ler e a escrever para que elas

pudessem num futuro proacuteximo fazerem sozinhas o que naquele momento ainda precisavam de

ajuda para realizaacute-lo

Freinet (1976 p 22 ndash 23) ao defender a utilizaccedilatildeo de suas teacutecnicas e da imprensa na

escola afirma que as crianccedilas satildeo motivadas a escrever porque o texto escrito nessas condiccedilotildees

tem ldquoum objetivo e uma funccedilatildeo que eacute a de comunicar com os outros companheiros e adultos

proacuteximos ou afastados e a crianccedila sente naturalmente a necessidade de escrever de se exprimir

tal como um bebecirc sente a necessidade de palrarrdquo

C13 escreve sua primeira carta sem ajuda do outro mas se arrisca a fazecirc-lo porque se

sente capaz para isso e se sente motivada a fazer Desse modo

Atraveacutes desta teacutecnica natural de trabalho a proacutepria crianccedila sente muito cedo a

necessidade de escrever e aparece entatildeo o primeiro texto livre ou a primeira

carta A crianccedila com a caneta que ainda maneja dificilmente escreve o que tem

vontade de dizer ao professor ou aos companheiros Esta escrita eacute naturalmente

de um gecircnero muito especial e temos de nos treinar a lecirc-la (FREINET 1976 p

29 ndash 30)

213

Nessa carta ela natildeo escreve a saudaccedilatildeo e a despedida poreacutem a inicia com a escrita de seu

proacuteprio nome a data escreve uma mensagem coerente e finaliza com a assinatura do seu nome

completo

(Escreve seu nome completo)

Mariacutelia 29 de setembro de 2010

(Escreve seu nome completo)

Professora Greici

A mais linda bailarina

Que eu mais gosto

De vocecirc professora Greici

(Escreve seu nome completo novamente)

A carta de C13 apresenta marcas da linguagem oral contudo jaacute se caracteriza como um

texto do gecircnero discursivo Possenti (1996 p 32) afirma que ldquoos grandes problemas escolares

estatildeo no domiacutenio do texto natildeo no da gramaacuteticardquo Explica que embora a finalidade da escola seja

a de ensinar a norma culta padratildeo essa instituiccedilatildeo o faz de maneira afastada do uso que o sujeito

faz da linguagem em diferentes situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo Em consonacircncia com essa

afirmaccedilatildeo Geraldi (1996 1997) explica que o fracasso do ensino da produccedilatildeo escrita e da leitura

eacute a artificialidade com que essas atividades satildeo propostas na escola

Ao considerar tais afirmaccedilotildees pode-se inferir que o texto de C13 se estabelece na

contramatildeo desse ensino artificial da produccedilatildeo escrita pois C13 apesar de ter apenas cinco anos

natildeo soacute participa de situaccedilotildees de escrita com a mediaccedilatildeo da professora em situaccedilotildees reais de uso

mas tambeacutem aprende a pensar a escrita no seu funcionamento de forma dialoacutegica desde a

Educaccedilatildeo Infantil num ensino que privilegia a expressatildeo sendo a crianccedila sujeito desse processo

Em decorrecircncia da inserccedilatildeo da crianccedila na cultura escrita o dado a ser apresentado poderaacute

contribuir com a reflexatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita por meio do

gecircnero discursivo carta

521 Evoluccedilatildeo na escrita do gecircnero discursivo carta

Haacute poucos dias do teacutermino das atividades escolares e do ingresso no periacuteodo de feacuterias as

crianccedilas geriam seu proacuteprio tempo em tarefas variadas como pintura modelagem e desenho C13

214

que inicialmente havia se juntado agraves crianccedilas que desenhavam pegou uma folha de sulfite e em

vez de desenhar conforme se pensava que faria comeccedilou a escrever Manteve-se nessa escrita

durante 35 minutos e todas as vezes que era interpelada pelos colegas sobre o que escrevia

explicava que se tratava de uma ldquocarta importanterdquo contudo manteve segredo sobre o conteuacutedo e

o destinataacuterio

O seu teacutermino coincidiu com o momento de reorganizar a sala para que outra professora

pudesse utilizaacute-la uma vez que nos dirigiriacuteamos para o tanque de areia C13 ajudou os amigos a

guardar os materiais e a reorganizar a sala mas dobrou o papel que escrevera e o guardou em seu

bolso sem nada comentar Brincou normalmente com as demais e chegada a hora de ir embora

para casa se dirige agrave professora retira o papel do bolso e o entrega a ela dizendo

C13 Professora isso aqui eacute pra vocecirc (entrega o papel que guardara no bolso

durante todo o tempo depois que o escrevera)

P Mas o que eacute isso C13

C13 Eacute uma carta importante que eu escrevi para vocecirc

P Uma carta importante pra mim

C13 Eacute pro eacute de umas coisinhas que eu queria te falar de umas coisas que

vocecirc PRECISA saber

P Nossa eacute mesmo

C13 Hatilde hatilde (afirma movimentando a cabeccedila)

P Hum eu vou ler agora mesmo

C13 Amanhatilde vocecirc me fala o que vocecirc achou taacute pro

P Claro que sim Estou muito curiosa para saber o que vocecirc escreveu nessa

carta

C13 foi embora com sua matildee mas enquanto caminhava em direccedilatildeo agrave sua casa

voltava-se para traacutes na intenccedilatildeo de ver se a professora estaria possivelmente

lendo a carta que escrevera

(Situaccedilatildeo observada no dia 021210)

No dia seguinte assim que chegou agrave escola deu um beijo de boa tarde e a professora diz

P Muito obrigada pela carta C13 Fiquei muito feliz e emocionada ao saber das

coisas importantes que vocecirc queria me dizer Eu vou guardar para sempre sua

carta comigo para que eu me lembre sempre de vocecirc e das coisas bonitas que

vocecirc aprendeu quando estivemos juntas

C13 Ainda bem que eu escrevi neacute pro Porque assim natildeo daacute pra esquecer e

toda vez que vocecirc quiser se lembrar eacute soacute vocecirc pegar essa carta e ler de novo

(Situaccedilatildeo observada no dia 031210)

215

(Carta escrita por C13 em 021210)

216

Pode-se inferir que a carta escrita por C13 no final da pesquisa denota evoluccedilatildeo em suas

apropriaccedilotildees da liacutengua materna em relaccedilatildeo agrave carta apresentada e analisada anteriormente tambeacutem

escrita por C13 no mecircs de setembro do mesmo ano Por meio do texto livre originado da

necessidade de expressar o que pensa e sente eacute capaz de criar sem a ajuda de outro colega ou de

outro adulto o seu proacuteprio texto na tentativa deliberada de deixar registrado algo que para si

possui um sentido uacutenico ldquoEacute uma carta importante que eu escrevi para vocecircrdquo ldquoEacute pro eacute de umas

coisinhas que eu queria te falar de umas coisas que vocecirc PRECISA saberrdquo Ela aparenta

perceber que a escrita legitima as coisas e que por meio dela o que ldquoeacute importanterdquo permanece

para ser lembrado em qualquer tempo ou circunstacircncia Isso se verifica quando diz ldquoAinda bem

que eu escrevi neacute pro Porque assim natildeo daacute pra esquecer e toda vez que vocecirc quiser se lembrar eacute

soacute vocecirc pegar essa carta e ler de novordquo

A anaacutelise dos dados remete ao princiacutepio de que a linguagem eacute um objeto social e a

comunicaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel por meio de enunciados completos passiacuteveis de respostas em um

determinado contexto discursivo No processo de comunicaccedilatildeo verbal os enunciados pressupotildeem

o outro e o interlocutor espera a posiccedilatildeo responsiva ativa do outro alternando as posiccedilotildees num

processo dialoacutegico ou seja toma a posiccedilatildeo de enunciador em determinados momentos

A alternacircncia dos sujeitos do discurso que emoldura o enunciado e cria para ele

a massa firme rigorosamente delimitada dos outros enunciados a ele vinculados

eacute a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como unidade da

comunicaccedilatildeo discursiva que o distingue da unidade da liacutengua (BAKHTIN

2003 p 279 ndash 280)

A segunda peculiaridade eacute a conclusividade especiacutefica do enunciado uma espeacutecie de

aspecto interno da alternacircncia dos sujeitos do discurso ldquoessa alternacircncia pode ocorrer

precisamente porque o falante disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou sob

dadas condiccedilotildees (BAKHTIN 2003 p 280 grifo do autor) De acordo com o autor o primeiro e

mais importante criteacuterio de conclusibilidade do enunciado eacute a possibilidade de responder a ele

em outras palavras eacute a possibilidade de ocupar em relaccedilatildeo ao enunciado uma posiccedilatildeo responsiva

(BAKHTIN 2003 p 280 grifo do autor) Esse fato ocorre quando eu depois de ler a carta que

C13 entregara a mim tenho uma atitude responsiva aos enunciados proferidos por meio do

discurso escrito da crianccedila ao dizer no dia seguinte ldquoMuito obrigada pela carta C13 Fiquei

217

muito feliz e emocionada ao saber das coisas importantes que vocecirc queria me dizer Eu vou

guardar para sempre sua carta comigo para que eu me lembre sempre de vocecirc e das coisas

bonitas que vocecirc aprendeu quando estivemos juntasrdquo Essa alternacircncia de sujeitos da

interlocuccedilatildeo e a constante atitude responsiva entre eles pode ser percebida tambeacutem na escrita da

carta O fato de C13 ser capaz de re-criar o seu proacuteprio texto jaacute eacute uma atitude responsiva agraves

situaccedilotildees vivenciadas por ela na escola resultado das condiccedilotildees concretas objetivas que ela

participou

A carta que C13 escreve para o seu destinataacuterio real ndash no caso a professora ndash traz as

caracteriacutesticas e as especificidades do gecircnero em seus elementos constitutivos A construccedilatildeo

composicional ndash data saudaccedilatildeo mensagem despedida assinatura ndash aparece contemplada no

texto que demonstra organizaccedilatildeo de ideias pela presenccedila dos paraacutegrafos do uso da pontuaccedilatildeo

marcado pelo ponto final com tamanho acentuado O conteuacutedo temaacutetico eacute delineado pela voz do

sujeito que expressa as ideias a serem lidas pelo outro e o estilo eacute privilegiado pelas

caracteriacutesticas proacuteprias da crianccedila ao permitir que suas experiecircncias com a escrita se faccedilam

presentes O estilo ainda eacute observado pela forma como escolhe dizer o que tem a dizer com os

recursos da liacutengua dos quais dispotildee

O gecircnero discursivo carta escolhido pela crianccedila para comunicar suas ideias desejos e

vontades cumpre sua funccedilatildeo de instrumento de comunicaccedilatildeo A crianccedila desde a Educaccedilatildeo

Infantil parece compreender que nos comunicamos por meio de textos que trazem ideias e natildeo

por meio de letras siacutelabas e palavras soltas e descontextualizadas As palavras e oraccedilotildees como

unidades do sistema da liacutengua natildeo possuem expressividade natildeo carregam por si soacutes o sentido

completo Dessa forma eacute somente na cadeia da comunicaccedilatildeo verbal no interior do enunciado

que ela adquire determinada expressatildeo ao ouvinte

53 A escrita do gecircnero discursivo relatos de vida

Neste item seratildeo apresentadas e analisadas situaccedilotildees de re-criaccedilatildeo de texto escrito do

gecircnero discursivo relatos de vida que oferecem indiacutecios das relaccedilotildees que as crianccedilas estabelecem

com os seus elementos constitutivos e a mediaccedilatildeo da professora nesse processo

218

Depois de realizar a roda da conversa como era feito todos os dias C6 e C11 solicitam a

minha ajuda para escreverem no livro da vida As crianccedilas realizavam a construccedilatildeo de brinquedos

com sucata para presentearem os correspondentes da Turma do Dedo Verde turma da escola da

zona sul da cidade e essas duas crianccedilas preferiram criar o texto do gecircnero discursivo relato de

vida

P Entatildeo vamos comeccedilar

C6 Vamos

P E sobre o que vocecircs querem escrever

C6 A data

P Primeiro a data

C6 Esqueceu da data neacute

P Eacute a data ldquoMariacutelia E pra que noacutes colocamos a data

C6 Pra saber neacute Que dia que a gente fez neacute Que cidade eacute que mecircs que eacute neacute

P Certo Entatildeo ldquoMariacutelia 23 de

C11 ldquode agostordquo

P Agosto

C6 Setembro

P Mariacutelia 23 de setembro de 2010 E jaacute que colocamos a data sobre o que

vocecircs querem escrever

C6 Bom vocecirc tem alguma ideia C11

C11 Tenho Eu posso escrever sobre aquela novidade que eu trouxe hoje pra

vocecirc

P Claro E eu sugiro que a gente faccedila entatildeo dois textos um sobre o que vocecirc vai

contar e outro da C6

C6 ISSO (A crianccedila aplaude)

C11 Legal pro

P Quem quer comeccedilar

C6 Eu Ah qual eacute a minha novidade mesmo Ah O GIRASSOL

P O que vocecirc quer contar aqui

C6 Bom primeiro escreve (A crianccedila olha para o papel e aponta com o dedo

indicador da matildeo direita o lugar onde eu devo comeccedilar a escrever o que vai

falar) ldquoEu arrumei dois jeitos de plantar o girassolrdquo Escreve aqui em cima vai

(indica novamente com o dedo indicando o espaccedilo inicial que eu deveria deixar

para marcar o iniacutecio do paraacutegrafo)

Depois que escrevo a crianccedila diz

C6 Olha aqui o E o E e o U Olha aqui o Eu vocecirc escreveu Eu

A crianccedila continua a me observar a escrever o que disse

C6 Ocirc pro o J e o E escreve JE G de Gabriela de Gabriel

P Mas o J eacute diferente do G

C6 Eacute que o G com o I tem o som de J neacute pro

P Sim C6

C6 Pro eu amo o girassol Eu vou contar igual a gente fez aqui (refere-se ao

plantio do girassol realizado na escola com a professora)

ldquoPrimeiro pro vocecirc pega vocecirc lava um potinho de danoninhordquo (refere-se ao

potinho descartaacutevel de iogurte) Escreve aqui pro (a crianccedila indica novamente o

lugar em que devo escrever o que acaba de dizer)

Escrevo o que a crianccedila diz e C6 observa

219

C6 Olha aqui o vo de vovocirc Olha aqui o da de dado

P Entatildeo ldquoPrimeiro vocecirc pega o potinho de danoninho e coloca terrardquo

C6 O primeiro jeito neacute

P Sim

C6 ldquoDepoisrdquo (eu interrompo)

P Aqui eu coloco um ponto final e aiacute vou continuar escrevendo o que vocecirc vai

falar Eacute isso

C6 Isso ldquoDepois vocecirc joga as sementinhas laacute dentro e rega elasrdquo Pontinho final

neacute pro

Escrevo o que a crianccedila diz e pergunto

P Por que vocecirc quer que eu coloque o ponto final

C6 Porque sim neacute Porque eacute o final

P Final de quecirc

C6 Dessa ideia que eu contei

P Ah sim ldquoDepois vocecirc joga as sementinhas laacute dentro e rega elasrdquo (eu coloco

o ponto final)

C6 Escreve aiacute pro ldquoDeixa no solrdquo

P O que

C6 A plantinha Olha o x Xuriccedilo tambeacutem eacute com x

P Entatildeo vamos escrever assim ldquoDeixa as sementinhas que foram plantadas no

solrdquo porque a plantinha ainda natildeo nasceu Vocecirc concorda

C6 Concordo Fica melhor mesmo Mas coloca o ponto final depois disso

P Acabou de contar a ideia

C6 Acabou mas agora tem a outra parte neacute

P Certo Entatildeo vamos laacute

Por meio da anaacutelise do processo de re-criaccedilatildeo de texto de C6 com a minha mediaccedilatildeo

como professora pode-se inferir que a crianccedila aprende a liacutengua em seu funcionamento de forma

dinacircmica e dialoacutegica C6 aprende a pensar sobre o que quer dizer e a forma como quer dizer Eacute

por meio dessa relaccedilatildeo dialoacutegica que eacute inserida na cultura escrita O desejo de querer dizer de C6

se realiza acima de tudo na escolha de um gecircnero discursivo Essa escolha eacute determinada em

funccedilatildeo da especificidade de uma dada esfera da comunicaccedilatildeo humana das necessidades de uma

temaacutetica do parceiro do ato comunicativo Feito isso o intuito discursivo do locutor sem

renunciar a sua individualidade e a sua subjetividade ajusta-se ao gecircnero escolhido compotildee-se e

desenvolve-se na forma do gecircnero determinado (BAKHTIN 2003)

C6 participa ativamente da re-criaccedilatildeo de texto ao escolher o gecircnero de que se utilizaraacute o

momento para essa re-criaccedilatildeo o assunto a ser abordado a forma como a escrita desse texto pode

se dar Esses elementos todos caracterizam o texto livre (FREINET 1976) C6 revela ter se

apropriado de alguns conhecimentos sobre a linguagem escrita ao indicar para a professora onde

deve escrever ndash iniciar os paraacutegrafos ndash quando deve finalizar os enunciados e iniciar outros ndash uso

220

da pontuaccedilatildeo ndash mas principalmente manteacutem a coerecircncia das ideias ao organizaacute-las

espacialmente e temporalmente no texto

Durante a escrita realizada por mim C6 algumas vezes ressalta as relaccedilotildees que percebe

sobre as unidades da liacutengua sobre o coacutedigo escrito sobre a presenccedila de letras e de siacutelabas que

compotildeem as palavras No entanto natildeo se prende agrave sinalidade mas avanccedila no manejo dos signos

O signo na perspectiva bakhtiniana constitui-se como uma atitude responsiva ativa de um

determinado sujeito em relaccedilatildeo a algo e para ser compreendido ldquoexige tambeacutem uma atitude

dialoacutegica de um outro sujeito o qual produz signos num exerciacutecio de aproximaccedilatildeo entre o signo

em observaccedilatildeo e outros jaacute conhecidosrdquo (DI FANTI 2003 p 100)

Dentre a ampla (e densa) pertinecircncia da reflexatildeo bakhtiniana sobre o signo a de

consideraacute-lo ideoloacutegico ndash apresentar iacutendices de valor de cunho social ndash eacute a que

possibilita juntamente com a noccedilatildeo de dialogismo a ampliaccedilatildeo da noccedilatildeo de

signo linguumliacutestico proporcionando uma nova relaccedilatildeo com o sistema Sistema este

que deixa de ser linguumliacutestico estrito no sentido de possuir unidades significantes

neutras e sem expressividade para ser linguumliacutestico-ideoloacutegico-dialoacutegico no

sentido de apresentar signos que se formam como enunciados (imbricam verbal

e natildeo-verbal dito e natildeo dito) e que implicam uma atitude ativa responsiva do

sujeito a qual desencadearaacute outros enunciados Sendo assim entendemos que

esse sistema ampliado dialoacutegico se inscreve em um sistema enunciativo-

discursivo uma vez que se constitui de uma complexidade de enunciados que

estatildeo em relaccedilatildeo dialoacutegico-discursiva (DI FANTI 2003 p 100)

Ao remeter essas consideraccedilotildees a C6 eacute possiacutevel dizer que as relaccedilotildees que a crianccedila faz ao

longo do processo da re-criaccedilatildeo natildeo se restringem agrave sinalidade inexpressiva e teacutecnica da liacutengua

mas ao contraacuterio estabelece relaccedilotildees com o coacutedigo elevando-o agrave condiccedilatildeo de signo e por essa

razatildeo natildeo interrompe a re-criaccedilatildeo para codificar e decodificar as letras e siacutelabas mas para se

apropriar da liacutengua escrita e colocaacute-lo agrave serviccedilo das suas necessidades e interesses para expressar

seu pensamento e suas ideias

E C6 continua

C6 Escreve aiacute pro ldquoProacuteximo jeito proacuteximo jeito vairdquo

Escrevo como a crianccedila pediu e ela continua

C6 ldquoProacuteximo jeito de plantar os girassoacuteisrdquo

P Muito bem aqui ao final eu vou colocar dois pontos porque agora vocecirc vai

explicar o segundo jeito

C6 Taacute Entatildeo vocecirc vai escrever igual no comecinho assim ldquoPrimeiro vocecirc lava

o potinho de danoninho Depois vocecirc joga um algodatildeozinho laacute dentrordquo Esse eacute o

221

jeito que eu fiz em casa depois que eu plantei com terra aqui na escola Eu

plantei com algodatildeo por causa que natildeo tinha terra na minha casa

P Ah porque vocecirc natildeo tinha terra

C6 Eacute

P Entendi Entatildeo vou ler ateacute aqui para ver como podemos seguir com o texto

estaacute bem

C6 Taacute

Leio o texto e retomo

P ldquoDepois vocecirc joga o algodatildeozinho laacute dentrordquo E agora

C6 ldquoDepois coloca as sementinhasrdquo

P Mas escreve depois de novo

C6 Eacute

P Teria uma outra forma de a gente escrever isso sem repetir depois Olha eu

vou ler esse trecho ldquoDepois vocecirc joga o algodatildeozinho laacute dentrordquo

C6 ldquoe coloca as sementinhasrdquo

P Ah acho que ficou melhor

C6 Agora escreve pro ldquoEntatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhasrdquo

Escrevo e leio novamente com a intenccedilatildeo de concluir a ideia

P ldquoEntatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhasrdquo

E a crianccedila conclui

C6 ldquoque foram plantadasrdquo

Entatildeo escrevo

C16 Agora eu posso escrever o meu nome

P Tem mais alguma coisa para escrever no texto

C6 Escrever meu nome

A crianccedila escreve o seu nome no final do texto e diz

C6 Agora eacute a vez de C11

C6 Pro eu vou segurar o meu texto Eu vou ficar com ele

Mariacutelia 23 de setembro de 2010

Eu arrumei dois jeitos de plantar os girassoacuteis

Primeiro vocecirc pega lava um potinho de danoninho e coloca terra Depois vocecirc

joga as sementinhas laacute dentro e rega elas Deixa as sementinhas que foram

plantadas no sol

Proacuteximo jeito de plantar os girassoacuteis Primeiro vocecirc lava o potinho de

danoninho Depois vocecirc joga um algodatildeozinho laacute dentro e coloca as

sementinhas Entatildeo vocecirc rega e deixa no sol as sementinhas que foram

plantadas

C6

Ao considerar que as condiccedilotildees objetivas de vida e educaccedilatildeo que o sujeito possui

influenciam diretamente as aprendizagens (LEONTIEV 1978) pode-se dizer que a minha

mediaccedilatildeo como professora contribui nesse processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita porque

planejo intencionalmente as situaccedilotildees de escrita e de leitura os tempos e espaccedilos os objetos da

cultura material e natildeo material bem como a forma de intervenccedilatildeo ao propor perguntas sugestotildees

222

sem dar respostas definitivas e acabadas Ao fazer isso o espaccedilo dialoacutegico entre a crianccedila e o

professor se amplia e se estende de modo a promover aprendizagens Diante disso enfatiza-se

que

Eacute oa professora ainda quem - ao conhecer a importacircncia da relaccedilatildeo que a

crianccedila estabelece com a cultura para a sua apropriaccedilatildeo ndash pode intencionalmente

buscar as formas adequadas para provocar nas crianccedilas o estabelecimento de

uma relaccedilatildeo com a cultura que favoreccedila o desenvolvimento das maacuteximas

qualidades humanas nas diferentes etapas de seu desenvolvimento (MELLO

2009 p8)

Outro aspecto a ressaltar no final da re-criaccedilatildeo de texto de C6 eacute que ela insiste em

escrever seu nome no texto e ainda deseja seguraacute-lo enquanto C11 inicia o seu texto com a

professora Essa insistecircncia denota que a crianccedila se sentiu sujeito desse processo que assume sua

re-criaccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de re-criadora de textos

Outra situaccedilatildeo de escrita do gecircnero discursivo relatos de vida

P Estaacute bem C20 Sobre o que vocecirc quer que eu te ajude a escrever no Livro da

vida

C20 Eu quero escrever sobre o meu baleacute

P E como vocecirc quer comeccedilar o seu texto O que vamos escrever primeiro

C20 A data

P Certo (Escrevo a data na parte superior da folha ldquoMariacuteliardquo)

C20 Eacute igual ao meu nome pro

P Ateacute em qual parte o nome da nossa cidade parece o seu nome

C20 Ateacute aqui (aponta com o dedo indicador direito ateacute a quarta letra ndash Mari)

P Vocecirc tem razatildeo Bem e como vamos comeccedilar o seu texto

C20 (a crianccedila silencia olha para o alto)

P Quando que vocecirc comeccedilou a fazer baleacute

C20 Foi aquele dia que a minha matildee conversou com vocecirc aiacute a minha matildee

achou muito caro e ela natildeo tinha dinheiro Aiacute depois ela foi numa escola que

dava pra ela pagar Aiacute eu comecei a fazer baleacute laacute

P E desde quando vocecirc decidiu fazer baleacute

C20 Desde que eu tinha quatro aninhos

P Eacute mesmo

C20 Hum hum

P Entatildeo vamos comeccedilar o texto assim

C20 Vamos ldquoEu queria fazer baleacute desde que eu tinha quatro aninhosrdquo

Escrevo

P Muito bem O que vocecirc vai me contar agora Como que podemos continuar

esse texto

C20 ldquoEu pedi para a minha matildee me levar no baleacuterdquo

Continuo a escrever

P E depois C20

223

C20 ldquoDepois que eu pedi ela me levou de ocircnibus e laacute na escola de baleacute a minha

matildee ficou numa salinhardquo

P Fazendo o que

C20 Ficou numa salinha me esperando enquanto eu ensaiava

(Escrevo novamente)

P E agora C20 O que vocecirc aprendeu laacute que vocecirc pode contar aqui no texto

C20 Eu aprendi o plieacute (refere-se a um passo de baleacute)

P Hum mas o que vocecirc acha que podemos fazer aqui no texto Eu continuo a

escrever isso que vocecirc me disse aqui na frente mesmo ou comeccedilo embaixo

C20 Coloca ponto final aqui e comeccedila a escrever embaixo

P Por que vocecirc acha melhor fazer isso C20

C20 Porque eu vou comeccedilar a contar outra parte eacute uma outra coisa sobre o

baleacute que eu quero escrever agora

A situaccedilatildeo apresentada eacute marcada pela presenccedila da mediaccedilatildeo do adulto no caso a

professora que permite agrave crianccedila organizar as ideias para que elas sejam escritas de forma coesa

Ela hesita em alguns momentos em expressar oralmente o que deseja escrever e na medida em

que eu indico possibilidades por meio do diaacutelogo C20 consegue objetivar o seu pensamento e

criar o seu texto C20 aparenta se apropriar do gecircnero discursivo relatos de vida ao propor

abordar em seu texto um acontecimento da sua vida uma experiecircncia do seu dia a dia que revela

seus desejos e emoccedilotildees Desse modo pode-se afirmar que o processo de comunicaccedilatildeo eacute o

elemento crucial no processo de apropriaccedilatildeo da cultura humana

De acordo com Leontiev (1978 p 273)

A comunicaccedilatildeo quer esta se efectue sob a sua forma exterior inicial de

actividade em comum quer sob a forma de comunicaccedilatildeo verbal ou mesmo

apenas mental eacute a condiccedilatildeo necessaacuteria e especiacutefica do desenvolvimento do

homem na sociedade

Essas ideias se coadunam com as de Freinet e de Bakhtin Para Freinet a comunicaccedilatildeo eacute

uma necessidade da crianccedila e eacute essa compreensatildeo que justifica a livre expressatildeo como princiacutepio

vertebrador na estruturaccedilatildeo de suas teacutecnicas de ensino Essa comunicaccedilatildeo que se concretiza por

meio de diferentes linguagens tem na expressatildeo verbal seu elemento central A livre expressatildeo

segundo Freinet eacute ldquoa proacutepria manifestaccedilatildeo da vidardquo (FREINET 1979 p 12)

Para Bakhtin (1992) a linguagem eacute interaccedilatildeo social cujo objetivo eacute a comunicaccedilatildeo entre

falanteouvinte entre um eu e um tu que requer a atitude responsiva do outro e isso pressupotildee

um princiacutepio geral a reger toda palavra o de que linguagem eacute diaacutelogo (BAKHTIN 1992) Toda

224

palavra eacute por natureza dialoacutegica porque sempre pressupotildee o outro - o outro como destinataacuterio a

quem estaacute voltada toda alocuccedilatildeo o outro como discurso ou discursos (BRANDAtildeO 2005)

Ao considerar esses pressupostos reitera-se a tese aqui defendida de que as crianccedilas

aprendem a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil por meio dos gecircneros ndash uma vez que a liacutengua se

manifesta pelos gecircneros ndash quando o professor introduz o ensino dos gecircneros na escola como

instrumento de humanizaccedilatildeo como forma de apropriaccedilatildeo da cultura humana

P Estaacute bem mas eacute preciso explicar no texto para quem natildeo estuda baleacute o que eacute

o plieacute Como vocecirc acha que podemos escrever isso

C20 Hum (olha para o alto novamente e silencia)

P O que vocecirc acha de colocar assim ldquoEu aprendirdquo (C20 interrompe a

professora e continua a ideia a ser colocada no texto)

C20 ldquoEu aprendi o plieacute que eacute um passo de baleacute e foi a minha professora que me

ensinourdquo (refere-se agrave professora de baleacute de C20)

P Vocecirc estaacute gostando de fazer baleacute

C20 Nossa muito

P E como eacute que a gente pode escrever isso aqui

C20 Ai escreve assim Eacute muito legal danccedilar baleacute Eu gosto muito de aprender

baleacute

P Antes de escrever isso eu vou ler todo o texto ateacute aqui Tudo bem

C20 Tudo

A professora lecirc todo o texto e C20 diz

C20 Ai tem um monte de vezes escrito baleacute baleacute baleacute

P Acho que noacutes podemos arrumar um pouco isso natildeo eacute Vamos retomar a sua

ideia para terminar o texto sem repetir novamente a mesma palavra

C20 Eacute

P Entatildeo poderia ficar assim ldquoEacute muito legal danccedilarrdquo (C20 interrompe a

professora e continua)

C20 ldquoEacute muito legal danccedilar igual bailarina A minha professora vai deixar eu

danccedilar com aquela roupa linda e com a sapatilha Vou amarrdquo

A professora escreve e C20 pergunta

C20 Por que vocecirc pocircs esse negoacutecio aqui (refere-se ao ponto de exclamaccedilatildeo) e

natildeo o ponto final

P Esse ponto eacute o ponto de exclamaccedilatildeo que serve para quando a gente escreve

algo que mostra entusiasmo surpresa como vocecirc fez agora

C20 Hum Pro agora eu posso escrever meu nome no meu texto e depois

desenhar eu na aula de baleacute

P Claro que sim

Mariacutelia 29 de novembro de 2010

Eu queria fazer baleacute desde que eu tinha quatro aninhos Eu pedi para a

minha matildee me levar no baleacute

Depois que eu pedi ela me levou de ocircnibus e laacute na escola de baleacute a minha

matildee ficou numa salinha me esperando enquanto eu ensaiava

225

Eu aprendi o plieacute que eacute um passo de baleacute e foi a minha professora que me

ensinou

Eacute muito legal danccedilar igual bailarina A minha professora vai deixar eu

danccedilar com aquela roupa linda e com a sapatilha Vou amar

C20

C20 aprende a pensar a escrita e lida com o gecircnero discursivo ao re-criaacute-lo na relaccedilatildeo

dialoacutegica que se estabelece com a professora com o texto com ela mesma Isso se verifica

durante todo o processo de re-criaccedilatildeo na interlocuccedilatildeo e na contrapalavra que apresenta ldquoAi tem

um monte de vezes escrito baleacute baleacute baleacuterdquo ao que eu respondo ldquoAcho que noacutes podemos

arrumar um pouco isso natildeo eacute Vamos retomar a sua ideia para terminar o texto sem repetir

novamente a mesma palavrardquo E entatildeo na atitude responsiva cria uma forma que atenda agrave

situaccedilatildeo discursiva revelada

De acordo com o exposto cabe enfatizar que o ensino da liacutengua focado na codificaccedilatildeo e

decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos retira da crianccedila a possibilidade de estabelecer relaccedilotildees intensas

com a liacutengua desde a Educaccedilatildeo Infantil e consequentemente de iniciar o processo de

apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita de forma viva dinacircmica e dialoacutegica Nesse vieacutes eacute descartado o

uso de textos simplificados artificiais cartilhescos que se destinam a ldquoensinarrdquo a crianccedila a ler e

escrever porque natildeo condizem dentro da perspectiva apresentada neste trabalho com o conceito

de liacutengua de linguagem de crianccedila e de educaccedilatildeo assumidos Com relaccedilatildeo a isso Arena (2009

p 170) esclarece que

A apresentaccedilatildeo de textos simplificados e artificialmente inventados daacute a falsa

ideacuteia de que a escola estaria realizando uma aproximaccedilatildeo entre aluno e a liacutengua

escrita de maneira que a apropriaccedilatildeo se fizesse completamente Haacute em sintonia

com o que venho comentando uma contradiccedilatildeo nessa conduta porque a

aproximaccedilatildeo deveria dar-se na direccedilatildeo da liacutengua viva usada no cotidiano

trazendo com ela o que dela natildeo poderia ser apartado os matizes ideoloacutegicos a

contextualizaccedilatildeo as suas finalidades e funccedilotildees a necessidade de uso []

Por meio da praacutetica dialoacutegica de re-criaccedilatildeo de textos C20 percebe gradativamente

elementos da linguagem escrita e suas funccedilotildees ndash como por exemplo o ponto de exclamaccedilatildeo ndash

que sem a situaccedilatildeo de re-criaccedilatildeo textual natildeo seria possiacutevel ocorrer Por essa razatildeo

Compreender gecircneros do discurso a partir das leituras das obras do Ciacuterculo de

Bakhtin eacute compreender o texto como parte fundante das atividades humanas dos

226

sujeitos Essa compreensatildeo revela um sujeito produtor de linguagem de

enunciados e de discursos e tambeacutem nos mostra que o texto eacute fundamental natildeo

somente para os estudos da liacutengua mas para a proacutepria reconstruccedilatildeo da

compreensatildeo do homem e das Ciecircncias Humanas (GRUPO DE ESTUDOS

DOS GEcircNEROS DO DISCURSO 2009 p52 ndash 53 grifos dos autores)

Com o ensino da liacutengua por meio dos gecircneros discursivos comunicamos com o outro as

ideias vividas percebidas sentidas pensadas que se materializam nos enunciados no discurso

Seraacute apresentado outro dado sobre a re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo relato de vida por

meio do livro da vida

Apoacutes a roda da conversa em que as crianccedilas se dividiram para realizar suas tarefas nos

ateliers ou cantos de trabalho C6 se dirige a mim e diz

C6 Pro sabe o que eu contei na roda da conversa

P Sim sei sim

C6 Eu quero escrever no livro da vida

P E por que vocecirc quer escrever o que vocecirc contou hoje na roda da conversa no

livro da vida

C6 Porque todo mundo vai ler ateacute a minha matildee quando ela vier na reuniatildeo

(Refere-se agrave Reuniatildeo de Pais e Mestres que ocorre periodicamente na escola)

Atendi ao pedido de C6 e iniciamos a re-criaccedilatildeo do seu relato de vida

P Muito bem entatildeo vamos comeccedilar

C6 Vamos

P Como vocecirc quer comeccedilar seu texto

C6 Primeiro a data pro

Entatildeo escrevo a data ldquoMariacutelia 4 de junho de 2010rdquo

P E agora

C6 Pode escrever assim oacute ldquoOntem eu fui de ocircnibus com a minha matildee na casa

da minha tiardquo

Eu escrevo o que C6 diz e em seguida ela me indaga

C6 Pro por que vocecirc natildeo comeccedilou a escrever grudadinho no comeccedilo da folha

P Porque esse pequeno espaccedilo mostra que estamos iniciando um paraacutegrafo uma

ideia que comeccedila a ser escrita

C6 Hum

P Bem o que mais seraacute colocado aqui

C6 Eacute escreve assim pro ldquoNo caminho eu vi o lugar onde o meu pai trabalha

que eacute a DORI (refere-se agrave uma faacutebrica de doces) Eacute tatildeo grande E tambeacutem vi a

fumacinha do lugar onde o meu tio trabalha que eacute na BELrdquo

P O que eacute a BEL Acho que eacute melhor explicar porque nem todas as pessoas que

vatildeo ler o texto sabem o que eacute a BEL e Bel pode ser a abreviaccedilatildeo do nome de

uma pessoa de Isabel um apelido carinhoso para quem tem esse nome

227

C6 Eacute uma faacutebrica de doces

Escrevo o que C6 sugeriu

P Bem o que mais vocecirc quer escrever

C6 ldquoAiacute quando eu vim embora eu vi na loja uma boneca no balanccedilo e eu pedi

para a minha matildee comprar ela pra mim no dia do meu aniversaacuteriordquo

Entatildeo escrevo o que C6 diz e ela me interrompe

C6 Pro tem um monte de espaccedilo que sobrou na frente de onde vocecirc estava

escrevendo Por que vocecirc escreveu embaixo Olha aiacute oacute (Aponta o indicador

direito para a folha em que eu escrevia)

P Por que vocecirc acha que eu escrevi embaixo e natildeo na frente ateacute preencher o

espaccedilo

C6 Ah por que Hum (C6 observa o que foi escrito dirige o olhar para o

teto silencia por alguns segundos) Ai eu natildeo sei

P Eu comecei embaixo escrevendo grudadinho no comeccedilo da folha ou eu deixei

um espaccedilo para indicar um novo paraacutegrafo

C6 Deixou espaccedilo e comeccedilou um novo paraacutegrafo

P Hum e por que seraacute que eu fiz isso

C6 Ai eu natildeo sei direito mas eu vou contar agora outra parte do meu passeio

P Isso mesmo e por ser outra parte do seu passeio por ser outra ideia que vocecirc

estaacute dizendo eu comecei outro paraacutegrafo para organizar tudo melhor

C6 Ah taacute entendi

P Entatildeo vamos retomar a sua ideia (Releio o que eu havia escrito ateacute aquele

momento e C6 continua)

C6 Soacute falta escrever assim pro ldquoMas ela disse que eu jaacute tenho bonecas demaisrdquo

Terminada a escrita do relato de vida de C6 organizei com as crianccedilas rapidamente a sala

para que outra professora pudesse ocupaacute-la com sua turma e dirige-me com as crianccedilas ao

refeitoacuterio porque jaacute estaacutevamos poucos minutos atrasados para o lanche As crianccedilas se

acomodaram no refeitoacuterio e percebi que C6 natildeo estava junto agrave turma para lanchar Solicitei a uma

funcionaacuteria que pudesse atender as crianccedilas e fui agrave procura de C6 Voltei agrave sala em que

momentos antes ocupaacutevamos e encontrei C6 escrevendo seu nome no texto que acabara de re-

criar Permaneci em silecircncio e assim que terminou de escrever seu nome no texto C6 me explica

C6 Eu natildeo podia ir para o lanche sem escrever o meu nome no texto pro

P Que bom que vocecirc se lembrou de fazer isso C6

C6 Eu tinha que escrever meu nome para todo mundo saber que fui eu quem fiz

A ilustraccedilatildeo eu faccedilo amanhatilde taacute Eu soacute queria escrever o meu nome no meu

texto

P Combinado Amanhatilde vocecirc faz a ilustraccedilatildeo do seu texto

C6 entatildeo guardou o livro da vida no armaacuterio e fomos juntas para o refeitoacuterio

228

(Foto 7 ndash Situaccedilatildeo fotografada e registrada no dia 040610)

Pela anaacutelise da situaccedilatildeo apresentada C6 aparenta perceber que a escrita legitima as coisas

que se escreve para que possa ser lido e lembrado em qualquer outro momento e que se escreve

porque quer comunicar algo para um outro real um destinataacuterio real Escreve porque tem a

intenccedilatildeo que o outro leia porque quer se expressar Isso se verifica quando a crianccedila se direciona

a mim e diz ldquoEu quero escrever no livro da vidardquo e quando eu pergunto o motivo porque quer

escrever no livro da vida justifica ldquoPorque todo mundo vai ler ateacute a minha matildee quando ela vier

na reuniatildeordquo

Eacute possiacutevel perceber que C6 aprende a liacutengua em movimento na relaccedilatildeo com o outro

Focalizar a linguagem a partir do processo interlocutivo (GERALDI 2003) e nessa perspectiva

pensar o processo educacional enquanto produccedilatildeo da linguagem e dos sujeitos significa admitir

que a liacutengua natildeo estaacute pronta e acabada (BAKHTIN 1992) mas que o proacuteprio processo

interlocutivo na atividade da linguagem (re)constroacuteem os sujeitos que a constituem agrave medida em

que interagem uns com os outros O sujeito ldquomergulhado nas muacuteltiplas relaccedilotildees e dimensotildees da

interaccedilatildeo socioideoloacutegica vai se constituindo discursivamente assimilando vozes sociais e ao

229

mesmo tempo suas inter-relaccedilotildees dialoacutegicas (FARACO 2009 p84) Por essa razatildeo que

figurativamente Bakhtin diz ldquoque natildeo tomamos nossas palavras do dicionaacuterio mas dos laacutebios

dos outrosrdquo (FARACO 2009 p 84)

Um aspecto a ser ressaltado eacute que C6 se reconhece como autora como a re-criadora do

texto como algueacutem que sabe escrever mesmo que naquela ocasiatildeo ainda natildeo escrevesse

convencionalmente sem a ajuda da professora que atuou como escriba Pode-se perceber desde o

iniacutecio da conversa quando solicita que quer ldquoescreverrdquo no livro da vida o que havia contado na

roda da conversa e na situaccedilatildeo final em que volta para a sala para assinar o texto re-criado

enquanto toda a turma se encontrava no refeitoacuterio para o lanche Desse modo pode-se dizer que

Por autor o Ciacuterculo19

designa natildeo somente o autor de obras literaacuterias ou natildeo mas

tambeacutem o autor de enunciados o que se justifica se pensarmos que embora

reconhecendo a especificidade dos discursos aos quais se costuma atribuir um

autor o Ciacuterculo considera os atos de discurso parte do conjunto dos atos

humanos em geral ndash e todo agente de um ato humano eacute nesse sentido ldquoautorrdquo

de seus atos Assim falar de autor no acircmbito das teorias do Ciacuterculo implica

pensar no contexto de accedilatildeo dos sujeitos e nas complexas tarefas que realizam ao

enunciar Implica considerar como afirmei alhures de um lado o princiacutepio

dialoacutegico (que segue a direccedilatildeo do interdiscursivo da relaccedilatildeo com o outro) e do

outro os elementos sociais histoacutericos etc que formam o contexto da interaccedilatildeo e

que incidem sobre a accedilatildeo autoral Trata-se de elementos que estatildeo contidos na

proacutepria superfiacutecie dos discursos e que soacute aiacute nos satildeo acessiacuteveis mas que natildeo se

esgotam nessa superfiacutecie (SOBRAL 2009 p 61 ndash 62)

C6 revela a necessidade de escrever seu nome no texto para que as pessoas que o lessem

soubessem que se tratava de uma re-criaccedilatildeo sua A crianccedila denota por sua atitude e por sua fala

que a escrita se torna gradativamente para ela uma necessidade Por essa razatildeo diz ldquoEu tinha

que escrever meu nome para todo mundo saber que fui eu quem fizrdquo ldquoEu soacute queria escrever o

meu nome no meu textordquo Pode-se inferir tambeacutem que para C6 a escrita do seu proacuteprio nome

garante a sua autoria Por isso voltar para escrevecirc-lo naquele momento natildeo deixando para o dia

posterior se constitui como fundamental uma vez que o desenho a ilustraccedilatildeo do texto re-criado

comumente realizada pelas crianccedilas em todos os textos re-criados possivelmente natildeo se

apresentou crucial como a escrita para C6 nesta situaccedilatildeo ao dizer ldquoA ilustraccedilatildeo eu faccedilo amanhatilde

taacuterdquo

19

Refere-se ao Ciacuterculo de Bakhtin ndash Vide nota 8 Capiacutetulo II

230

Por meio da re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo as crianccedilas aprendem a liacutengua de forma

dinacircmica aprendem a pensar sobre ela e sobre o seu funcionamento de maneira responsiva Por

meio da relaccedilatildeo dialoacutegica estabelecida entre C6 e a professora no caso eu mesma a crianccedila no

processo inicial de apropriaccedilatildeo da escrita pensa sobre a ideia o conceito de paraacutegrafo e

principalmente a sua funccedilatildeo no texto Como se verifica nesse trecho

C6 Pro por que vocecirc natildeo comeccedilou a escrever grudadinho no comeccedilo da folha

P Porque esse pequeno espaccedilo mostra que estamos iniciando um paraacutegrafo uma

ideia que comeccedila a ser escrita

E ainda

C6 Pro tem um monte de espaccedilo que sobrou na frente de onde vocecirc estava

escrevendo Por que vocecirc escreveu embaixo Olha aiacute oacute (Aponta o indicador

direito para a folha em que eu escrevia)

P Por que vocecirc acha que eu escrevi embaixo e natildeo na frente ateacute preencher o

espaccedilo

C6 Ah por que Hum (C6 observa o que foi escrito dirige o olhar para o

teto silencia por alguns segundos) Ai eu natildeo sei

P Eu comecei embaixo escrevendo grudadinho no comeccedilo da folha ou eu deixei

um espaccedilo para indicar um novo paraacutegrafo

C6 Deixou espaccedilo e comeccedilou um novo paraacutegrafo

P Hum e por que seraacute que eu fiz isso

C6 Ai eu natildeo sei direito mas eu vou contar agora outra parte do meu passeio

P Isso mesmo e por ser outra parte do seu passeio por ser outra ideia que vocecirc

estaacute dizendo eu comecei outro paraacutegrafo para organizar tudo melhor

C6 Ah taacute entendi

Pode-se dizer que a crianccedila aprende pensar a liacutengua em movimento uma liacutengua viva que

ocorre nas relaccedilotildees estabelecidas e natildeo numa liacutengua morta vazia que nada se pode refletir

refratar ou refutar As crianccedilas apesar de pequenas satildeo capazes de aprender a liacutengua

dialogicamente quando as situaccedilotildees de ensino e de aprendizagem satildeo planejadas

intencionalmente satildeo reais e ocorrem num contexto dialoacutegico interlocutivo

Aspectos da gramaacutetica da ortografia satildeo abordados com as crianccedilas devido as situaccedilotildees

que surgem no processo de re-criaccedilatildeo dos gecircneros discursivos e geralmente surgem por meio da

minha mediaccedilatildeo como professora e da observaccedilatildeo das proacuteprias crianccedilas que vivem

frequentemente situaccedilotildees de escrita e de leitura dos gecircneros discursivos

231

Ao pensar no destinataacuterio real ressalta-se que eu a professora solicito que a crianccedila

explicite o que eacute ldquoBELrdquo porque apesar das pessoas que moram na cidade em que ocorreu a

pesquisa terem mais provavelmente conhecimento do que seja ldquoBELrdquo o objetivo era que C6

pudesse se fazer entender por qualquer e todo leitor Em outras palavras que C6 em qualquer

situaccedilatildeo de escrita de re-criaccedilatildeo possa estabelecer uma relaccedilatildeo responsiva um diaacutelogo com o

outro com o leitor seja ele quem for Que a crianccedila possa compreender a palavra alheia mas que

possa permitir que o outro compreenda ativamente a sua palavra uma vez que para Bakhtin

(1992 p 131 ndash 132) ldquocompreender a enunciaccedilatildeo de outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a

ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondenterdquo

54 A escrita do gecircnero discursivo notiacutecia

Seratildeo apresentados neste item dados de situaccedilotildees de escrita do gecircnero discursivo notiacutecia

que contribuam na compreensatildeo de como pode ocorrer o processo inicial da apropriaccedilatildeo da

escrita com as crianccedilas pequenas por meio desse gecircnero

Apoacutes a roda da conversa em que as crianccedilas contaram novidades acontecimentos fatos

que viveram ou souberam por algueacutem escolhemos nesse dia duas notiacutecias da turma para criar

textos que fariam parte do jornal A primeira notiacutecia era resultado de uma situaccedilatildeo de pesquisa

sobre o Sol ndash devido ao nome da Turma do Sol ndash que motivou inuacutemeras discussotildees entrevistas

investigaccedilotildees das crianccedilas na escola e que repercutiu nas accedilotildees pedagoacutegicas e no envolvimento

de toda a comunidade escolar ao envolver natildeo somente as crianccedilas mas os professores

funcionaacuterios diretora coordenadora e os familiares dos sujeitos da pesquisa

A escolha da notiacutecia pelas crianccedilas foi unacircnime sendo o texto criado coletivamente

PESQUISA SOBRE O SOL DEIXA TODO MUNDO CURIOSO NA

ESCOLA

A nossa Turma do Sol fez uma pesquisa que deixou todo mundo curioso

na nossa escola Essa pesquisa foi por causa de um cartatildeo postal que noacutes

recebemos de uma amiga que viaja muito chamada Suely Ela foi para um lugar

que se chama Satildeo Petersburgo laacute na Ruacutessia e que eacute bem longe daqui mas longe

mesmo

Nesse lugar quando eacute veratildeo o sol se potildee agraves 11horas da noite e nasce agraves 4

horas da manhatilde Por que isso acontece

232

Ningueacutem na escola sabe responder essa pergunta e olha que noacutes

perguntamos para um montatildeo de gente Nem os nossos pais sabem mas agora

noacutes jaacute sabemos porque noacutes pesquisamos com a nossa professora

Vocecirc quer saber No proacuteximo jornal noacutes vamos contar tudo Natildeo percam

(Texto criado em 261010)

Terminada a escrita do texto criado pelas crianccedilas as negociaccedilotildees sobre os procedimentos

seguintes ocorreram

P Pessoal a primeira notiacutecia que vocecircs escolheram na roda da conversa para

escrevermos no jornal da nossa turma eacute sobre a pesquisa sobre o Sol certo

Todas Certo

C5 Pro vocecirc deixa eu C11 e C13 escrever esse texto no computador

P Por mim tudo bem Vocecircs concordam que eles faccedilam isso turma

Todas Concordamos

C6 Entatildeo na hora de imprimir vocecirc deixa eu te ajudar a fazer isso

C2 e C9 Eu tambeacutem quero

P Estaacute certo Depois quando formos fazer a separaccedilatildeo das folhas e montarmos

o jornal vamos precisar de mais ajuda

C1 C7 C4 Eu ajudo

Ao iniciar a digitaccedilatildeo C5 diz

C5 Como eu faccedilo para colocar a letra maiuacutescula pro (olha para o teclado do

computador e eu o oriento)

C5 digita quase inteiro o texto acompanhado de C11 e C13 quando em dado

momento C13 diz

C13 C5 vocecirc escreveu ldquoerdquo e natildeo ldquoeacuterdquo

C5 Eu escrevi sim

C11 Natildeo escreveu natildeo Olha aqui vocecirc escreveu ldquoNesse lugar quando e

veratildeordquo

C13 Eacute verdade

C5 Mas onde eu escrevi isso

(C11 aponta com o dedo indicador)

C5 Ah mas eacute a mesma coisa

C13 Natildeo eacute natildeo

C5 Soacute esqueci do acento

C11 Ah mas se natildeo potildee o acento vira outra coisa

C5 Ueacute Como assim

C13 Eu acho que o ldquoErdquo eacute para falar as coisas e juntar o que estaacute falando O ldquoEacuterdquo

eacute quando vocecirc fala que alguma coisa eacute assim que eacute daquele jeito sabe

C5 Hum sei laacute

(C11 modifica e coloca o acento)

C13 Assim eacute melhor Assim todo mundo vai entender direito a nossa notiacutecia e

vai querer que a gente escreva logo no outro jornal

C11 Por enquanto vai ser soacute uma surpresinha essa notiacutecia sobre a pesquisa

sobre o Sol

233

A escolha da notiacutecia e principalmente a forma como ela eacute escrita denotam apropriaccedilatildeo do

gecircnero discursivo notiacutecia Segundo Jolibert (2006 p 109) ldquonotiacutecias satildeo informaccedilotildees sobre

acontecimentos eventos vigentes dos quais se quer dar conhecimento aos leitores do jornalrdquo

Dessa forma pode-se dizer que as crianccedilas comunicaram por meio da notiacutecia re-criada um

acontecimento vivido por elas e que possivelmente teve um sentido positivo promotor de

aprendizagens dada a concordacircncia de todas para que a notiacutecia fosse escrita e levada a puacuteblico

por meio do jornal Elas lidam com os elementos da notiacutecia de forma interativa e aparentam

perceber caracteriacutesticas especiacuteficas desse gecircnero Isso pode ser observado no uso do discurso

indireto em que ldquoos iacutendices de valoraccedilatildeo do autor satildeo mais visiacuteveis por tratar-se de uma

transmissatildeo analiacutetica do discurso do outro Eacute a marca direta do dialogismo e que aparece com

mais frequumlecircncia na notiacuteciardquo (SILVA 2008 p 11 ndash 12) O discurso direto tem um estilo mais

marcado porque tem a sua fala separada da do autor por aspas ou por dois pontos com travessatildeo

No discurso indireto esses limites satildeo ldquoapagadosrdquo funde-se com a fala do autor

Como todo gecircnero discursivo a notiacutecia tambeacutem se orienta para a resposta ativa do

destinataacuterio e se realiza a partir dessa atitude responsiva porque as relaccedilotildees dialoacutegicas se datildeo em

razatildeo do outro do interlocutor uma vez que eacute em funccedilatildeo do destinataacuterio real vivo responsivo

que se constroacutei o discurso Essa premissa eacute percebida no texto re-criado ldquoNingueacutem na escola

sabe responder essa pergunta e olha que noacutes perguntamos para um montatildeo de gente Nem os

nossos pais sabem mas agora noacutes jaacute sabemos porque noacutes pesquisamos com a nossa professora

Vocecirc quer saber No proacuteximo jornal noacutes vamos contar tudo Natildeo percamrdquo

Haacute que se destacar que as crianccedilas trabalham de forma colaborativa cooperativa e que por

essa razatildeo a interaccedilatildeo entre elas com a professora com as pessoas presentes na escola com o

meio e com os materiais promove aprendizagens porque elas estabelecem relaccedilotildees intensas

Nesse contexto satildeo ouvidas e por meio das negociaccedilotildees feitas entre elas e a professora no caso

eu mesma e organizam o trabalho pedagoacutegico e as experiecircncias a serem vividas Esse fato eacute

observado quando toda a turma participa da re-criaccedilatildeo do texto coletivo e se encarrega em

seguida das tarefas para a publicaccedilatildeo do jornal que portaraacute a notiacutecia criada C5 C11 e C13 se

prontificam para digitarem o texto C6 C2 C9 desejam participar da impressatildeo C1 C7 C4

solicitam separar as folhas para a montagem do jornal

Sobre o uso das teacutecnicas e da organizaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico de forma cooperativa

Freinet (1978 p 113) revela que ldquoa crianccedila que se apercebe de que seu trabalho tem um objetivo

234

e que pode abandonar-se completamente a uma actividade natildeo jaacute escolar mas simplesmente

social e humana sente-se invadida por uma forte necessidade de agir de procurar de criarrdquo A

livre expressatildeo faz emergir na turma um clima de liberdade autodisciplina e confianccedila (ELIAS

1997) Ao solicitarem para digitar o texto C5 C11 e C13 querem utilizar o meu computador que

ficava na sala para esse fim bem como a impressora que tinha a funccedilatildeo de reproduzir os textos

para que todas pudessem ter o seu exemplar Esse recurso corresponde agrave imprensa escolar Para

Freinet (1978 p 112) ldquoa imprensa estaacute na base de um novo comportamento e de uma nova

orientaccedilatildeo da crianccedila e do educador e por conseguinte de toda a pedagogiardquo E ainda afirma que

A Tipografia na Escola fez com que a expressatildeo livre e a actividade criadora dos

nossos alunos passasse para o domiacutenio da praacutetica quotidiana Atraveacutes da

experiecircncia mais eficaz do que todos os raciociacutenios pretensamente cientiacuteficos

juntos abriu novos horizontes a uma pedagogia baseada no interesse autecircntico

fonte de vida e de trabalho Restabeleceu de uma assentada a unidade do

pensamento da actividade e da vida infantis como assinalaacutevamos no nosso

uacuteltimo artigo integrou a escola no processo normal de evoluccedilatildeo individual e

social dos alunos (FREINET 1978 p 113)

Apesar de Freinet se referir aos alunos da escola primaacuteria sua pedagogia e teacutecnicas de

ensino podem adequar-se agrave pequena infacircncia e a qualquer outro niacutevel de ensino porque satildeo

calcadas em atitudes e valores humanizadores O trabalho com a imprensa o texto livre

permitiram que pudessem discutir sobre elementos da liacutengua e pensar em diferentes aspectos

sobre ela C5 digita o texto acompanhado por C11 e C13 que o alerta sobre a diferenccedila entre ldquoerdquo

e ldquoeacuterdquo Inicialmente C5 diz que digitou corretamente por natildeo perceber essa diferenccedila quando diz

ldquoAh mas eacute a mesma coisardquo No entanto C11 e C13 esclarecem que natildeo se trata da mesma coisa

e que a diferenccedila entre elas altera o significado e o sentido do enunciado e por consequecircncia a

compreensatildeo do que se quer expressar C13 tenta explicar a diferenccedila que existe entre ldquoerdquo e ldquoeacuterdquo e

aparenta compreender que ldquoerdquo une as ideias dentro do texto ndash conjunccedilatildeo ndash e que ldquoeacuterdquo indica o

estado de algo ndash o verbo ser

C5 Soacute esqueci do acento

C11 Ah mas se natildeo potildee o acento vira outra coisa

C5 Ueacute Como assim

C13 Eu acho que o ldquoErdquo eacute para falar as coisas e junta o que estaacute falando O ldquoEacuterdquo eacute

quando vocecirc fala que alguma coisa eacute assim que eacute daquele jeito sabe

C5 Hum sei laacute

(C11 modifica e coloca o acento)

235

C13 Assim eacute melhor Assim todo mundo vai entender direito a nossa notiacutecia e

vai querer que a gente escreva logo no outro jornal

O trabalho com os diferentes caracteres presentes no teclado do computador possibilita o

manuseio da liacutengua escrita e seus matizes O leitor e o re-criador de textos do seacuteculo XXI podem

ter esse encaminhamento tambeacutem na escola jaacute que lida com essa diversidade fora dela por meio

de telefones celulares de pessoas proacuteximas da famiacutelia por exemplo Bajard (2012 p 86) explica

que Freinet (1969) ldquohaacute quase um seacuteculo preconizava a utilizaccedilatildeo da imprensa na escola para

incentivar a conquista da escrita a partir do manuseio taacutetil de caracteres controlado pelos olhosrdquo

Por meio do manuseio dos caracteres no computador C5 percebe que a ldquopresenccedila da letra

maiuacutescula favorece a descoberta do sentido da escrita jaacute que a primeira letra fica sempre agrave

esquerdardquo (BAJARD 2012 p 84 ndash 85) Isso se verifica quando a crianccedila solicita agrave professora

que o ensine a colocar a letra maiuacutescula no iniacutecio do textodo paraacutegrafo ldquoPor essa

particularidade o objeto graacutefico natildeo se comporta exatamente como um objeto comum Aleacutem

dessa ldquolateralizaccedilatildeordquo da escrita a crianccedila eacute levada a discriminar outras variaacuteveis pertinentes

como os acentosrdquo (BAJARD 2012 p 89 ndash 90) conforme ocorre com a situaccedilatildeo apresentada com

C5 C11 e C13 Para esse autor os caracteres satildeo capazes de acarretar uma mudanccedila de sentido e

haacute ainda que se considerar que ldquotodos os caracteres possuem um valor visual enquanto apenas

uma parte desse conjunto apresenta um valor sonorordquo (BAJARD 2012 p86)

O uso da caixa alta no tiacutetulo apresenta a intenccedilatildeo de destacar o assunto a ser tratado de

chamar a atenccedilatildeo do leitor e que distingue do corpo da notiacutecia ldquoHaacute uma hierarquia muito

evidente na tipografia maiuacutesculas minuacutesculas tamanho largura disposiccedilatildeo no espaccedilordquo

(JOLIBERT 2006 p 110)

A segunda notiacutecia escolhida e criada pelas crianccedilas na Roda da conversa eacute apresentada a

seguir

BOLO DE CHOCOLATE NA TURMA DO SOL

A receita que a nossa turma mais gostou de fazer ateacute hoje foi a de bolo de

chocolate

Todo mundo ajudou a fazer e o bolo ficou uma deliacutecia Ateacute quebrar os

ovos a professora ensinou Eacute meio difiacutecil fazer isso mas eacute legal

A professora colocou cobertura de brigadeiro por cima e chocolate

granulado

236

A receita eacute faacutecil e daacute ateacute pra ensinar as nossas matildees em casa

Quando a gente foi comer o bolo fez ateacute ldquobigoderdquo na gente por causa da

cobertura de brigadeiro O C5 lambeu os beiccedilos

Depois de criado o texto a professora fez a sua transmissatildeo vocal agraves crianccedilas E

perguntou

P Qual tiacutetulo que daremos a essa notiacutecia

C9 O bolo de chocolate

C15 O bolo de chocolate ficou uma deliacutecia

C1 Ah esses nomes natildeo tem jeito de nome de notiacutecia

P E por que natildeo C1

C1 Porque o nome da notiacutecia tem que ser bem bem com jeito de notiacutecia

P E que jeito eacute esse

C1 Ah (silencia por alguns segundos) ah natildeo pode parecer que eacute outra

coisa outro texto sabe

P E qual nome vocecirc acha que seria melhor para a nossa notiacutecia sobre o bolo de

chocolate que fizemos aqui na escola

C1 Bolo de chocolate na Turma do Sol

Todas aplaudem

C1 Pro deixa eu tentar escrever o nome da notiacutecia (quer escrever no papel em

que a professora escrevia o texto criado)

Eu permito e a crianccedila junto com as demais que se juntaram a sua volta

escreveu o tiacutetulo

A situaccedilatildeo apresentada aparenta revelar que as crianccedilas percebem os elementos

constitutivos de cada gecircnero e suas especificidades como jaacute analisado nos dados anteriores

Nesse caso C1 propotildee outro tiacutetulo para a notiacutecia porque em sua opiniatildeo as sugestotildees dadas natildeo

condiziam com o gecircnero abordado ao dizer ldquoAh esses nomes natildeo tecircm jeito de nome de

notiacuteciardquo E quando a professora indaga C1 na tentativa de verificar os motivos que a fazem pensar

dessa forma C1 responde ldquoAh (silencia por alguns segundos) ah natildeo pode parecer que eacute

outra coisa outro texto saberdquo Pode-se inferir que C1 deseja que o tiacutetulo requeira uma

correspondecircncia agraves especificidades do gecircnero discursivo notiacutecia e que cada gecircnero tem um

ldquojeitordquo um estilo uma construccedilatildeo composicional um conteuacutedo temaacutetico especiacutefico que o

constitui Essa especificidade de cada gecircnero discursivo eacute apropriada e objetivada quando os

gecircneros satildeo apresentados e vividos de forma interativa dinacircmica dialoacutegica em que as relaccedilotildees

com eles satildeo estabelecidas de modo reflexivo e funcional

C1 propotildee outro tiacutetulo agrave notiacutecia ndash BOLO DE CHOCOLATE NA TURMA DO SOL ndash e

recebe a aprovaccedilatildeo de todas as demais crianccedilas da turma por supostamente tambeacutem concordarem

que o tiacutetulo sugerido possui em sua elaboraccedilatildeo elementos condizentes com o gecircnero re-criado

237

As crianccedilas lidam com os gecircneros e os utilizam como instrumento de comunicaccedilatildeo devido

agraves condiccedilotildees objetivas das quais participam promovidas pelo trabalho pedagoacutegico

intencionalmente organizado pelas relaccedilotildees estabelecidas com eles por meio da mediaccedilatildeo da

professora e do outro mais avanccedilado pelo contato com os materiais diversos pelas situaccedilotildees

reais de leitura e de escrita propostas

Elas denotam compreender que o conteuacutedo temaacutetico refere-se ao domiacutenio de sentido de

que se ocupa o gecircnero que a construccedilatildeo composicional corresponde ao modo como os

enunciados satildeo estruturados que o estilo se relaciona agrave seleccedilatildeo dos meios linguumliacutesticos necessaacuterios

ao enunciado em funccedilatildeo do destinataacuterio e de como se espera sua compreensatildeo responsiva ativa

A notiacutecia do jornal da turma traz ainda subjacente que as crianccedilas conhecem outros

gecircneros aleacutem daqueles apresentados nesse trabalho Isso se verifica ao revelarem por meio do

texto re-criado por elas que a receita que mais gostaram de fazer na turma ateacute aquele momento

fora a receita de bolo de chocolate assim como o dado analisado no item 52 sobre a escrita de

cartas em que eacute mencionada a re-criaccedilatildeo do texto que ensina os correspondentes as brincadeiras e

suas regras

Ao me solicitar para escrever o tiacutetulo da notiacutecia no papel em que ela acabara de escrever

C1 denota que se sente motivada a escrever que a escrita ldquosoacute eacute procurada e desenvolvida quando

utilizada para um fim adequado e evidente motivada por uma necessidade orgacircnica [] Por

meio dessa atitude de quer escrever ela mesma o tiacutetulo da notiacutecia C1 revela que ldquocompreende

agora o valor expressivo e comunicativo da escritardquo (FREINET 1969 p 53)

Apresentarei dados sobre a re-criaccedilatildeo de notiacutecia de jornal denotativa da apropriaccedilatildeo desse

gecircnero discursivo pelas crianccedilas

Terminada a hora da leitura realizada apoacutes a roda da conversa as crianccedilas abordaram a

necessidade de aumentar o acervo da biblioteca da sala A hora da leitura eacute um momento diaacuterio

em que satildeo lidas ou contadas histoacuterias e outros gecircneros discursivos Essa iniciativa se deu devido

ao fato de as crianccedilas usarem diariamente os materiais de leitura e por essa razatildeo apresentarem o

desejo de ampliar a quantidade de materiais O acervo da biblioteca da sala eacute composto por

materiais que eu mesma professora da turma providenciara para uso haacute alguns anos O acervo eacute

renovado periodicamente por mim e esporadicamente com doaccedilotildees de pessoas conhecidas A

238

escola possui um acervo que tambeacutem eacute utilizado pelas professoras contudo esses livros natildeo estatildeo

disponiacuteveis para empreacutestimos das crianccedilas ainda que sejam utilizados com elas

C11 Pro a gente podia ter mais livros e gibis na nossa sala neacute

Eu jaacute conheccedilo todos os que tecircm por aqui (refere-se aos livros e gibis)

C3 C17 C20 C8 Eacute mesmo pro

P Bem eu concordo mas o que noacutes podemos fazer para conseguirmos mais

livros e gibis aleacutem daqueles que eu sempre trago

(As crianccedilas silenciam)

C13 Ocirc pro eu jaacute sei A gente pode pedir para as pessoas que tem livros que natildeo

usam mais para dar para a nossa turma

C5 Se a gente pedir quem quiser dar daacute ueacute Se tiver algum

C9 A minha matildee outro dia fez faxina em casa e deu uma sacolona cheinha de

coisas A sacolona estava quase rasgando de tanta coisa que tinha nela hum

mas eu acho que natildeo tinha livros

P Mas para noacutes conseguirmos mais materiais de leitura noacutes temos que divulgar

noacutes temos que dizer isso para muitas pessoas e explicar o porquecirc noacutes estamos

pedindo esse material e como noacutes vamos usaacute-lo Como esses livros e gibis nos

ajudaratildeo aprender mais coisas

C6 Noacutes podemos perguntar para as nossas matildees e para os nossos pais se eles

tecircm algum livro pra doar neacute

C13 Pro pro pro Eu tenho uma ideia melhor ainda Adivinha qual eacute

P Natildeo seiQual eacute C13

C13 Hatilde hatilde Vamos escrever uma notiacutecia para pocircr no nosso jornal Todo mundo

vai ler O que vocecircs acham pessoal

Todas Eba

(Situaccedilatildeo registrada no dia 301010)

P Vamos escrever a notiacutecia

Todas Vamos

P Como podemos comeccedilar a notiacutecia

C5 Coloca assim pro ldquoA nossa turma a Turma do Sol precisa de mais livros e

de mais gibis para pocircr na biblioteca da salardquo

P Vocecircs concordam

Todas Sim

(Eu escrevo a sugestatildeo de C5)

P Precisamos explicar o motivo desse pedido para que as pessoas entendam e

percebam se podem nos ajudar

C1 Escreve que noacutes queremos saber mais coisas que noacutes estamos aprendendo a

ler e a escrever tambeacutem

P E vocecircs gostam de saber de coisas novas e de aprender a ler e a escrever

C11 Claro neacute pro

P E como podemos entatildeo escrever a ideia dada por C1

C6 Escreve assim ldquoA Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber

das coisas que gosta de aprenderrdquo

(Escrevo a sugestatildeo de C6)

P E o que mais

239

C13 Escreve pro ldquoEacute uma turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de

pesquisar e de escrever coisas importantesrdquo Escreve pro

(Escrevo a sugestatildeo de C13)

P Precisamos escrever que temos poucos materiais Como podemos escrever

isso na notiacutecia

C18 ldquoEssa turma tem poucos gibis e livros na bibliotecardquo

P Em qual biblioteca

Todas Da sala

P E o que mais

C20 Escreve que ldquotodo mundo jaacute conhece todos os livros que tem nessa

bibliotecardquo

P Por isso (sou interrompida por C10 que diz)

C10 ldquoEacute que a Turma do Sol quer ter mais livros pra lerrdquo

(Escrevo as sugestotildees de C20 e C10)

P Precisamos escrever como as pessoas podem nos ajudar e em qual lugar

podem fazer suas doaccedilotildees

C7 Pro pro escreve assim ldquoQuem tiver livros e gibis usados para dar para a

Turma do Sol entrega na escola ou para algueacutem da turmardquo

(Escrevo a sugestatildeo de C7)

P Turma vou ler a notiacutecia para vocecircs verem se haacute algo que precisamos

acrescentar certo

Todas Certo

(Realizo a leitura)

P Tem algo a mais a acrescentar ou a mudar O que vocecircs acham

C13 Soacute para terminar pro que tal vocecirc escrever assim ldquoA Turma do Sol vai

ficar super feliz e vai aprender mais coisas com a ajuda de vocecircsrdquo

(Escrevo a sugestatildeo de C13)

P E qual o tiacutetulo da nossa notiacutecia

C11 ldquoTurma do Sol pede mais livros e gibis para a biblioteca da salardquo

P Vocecircs concordam com o tiacutetulo de C11

Todas Concordamos

TURMA DO SOL PEDE MAIS LIVROS E GIBIS PARA A BIBLIOTECA

DA SALA

A nossa turma a Turma do Sol precisa de mais livros e de mais gibis para

pocircr na biblioteca da sala

A Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber das coisas que

gosta de aprender Eacute uma turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de pesquisar

e de escrever coisas importantes

Essa turma tem poucos gibis e livros na biblioteca da sala e todo mundo jaacute

conhece todos os livros que tem nessa biblioteca por isso que a Turma do Sol

quer ter mais livros pra ler

Quem tiver livros e gibis usados para dar para a Turma do Sol entrega na

escola ou para algueacutem da turma

A Turma do Sol vai ficar super feliz e vai aprender mais coisas com a

ajuda de vocecircs

(Texto criado no dia 301010)

240

A anaacutelise dos dados revela que as crianccedilas estabeleceram uma relaccedilatildeo positiva com o

conhecimento que criaram para si a necessidade de aprender As experiecircncias que viveram na

escola e a participaccedilatildeo ativa em situaccedilotildees reais de leitura e re-criaccedilatildeo de gecircneros discursivos

permitiram que elas natildeo somente iniciassem o processo de apropriaccedilatildeo da liacutengua mas tambeacutem a

apropriaccedilatildeo da cultura elaborada provocando aprendizagens e desenvolvendo a sua humanidade

o conjunto das qualidades humanas Isso se verifica na atitude que assumem ao proporem que o

acervo de livros e gibis da sala fosse ampliado na justificativa que apresentam para fazerem essa

solicitaccedilatildeo na forma como elaboram a soluccedilatildeo desse problema

A solicitaccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo do acervo da biblioteca da sala pelas crianccedilas eacute decorrente

do uso constante dos materiais de leitura que o compotildeem Esse fato natildeo implica o desuso dos

materiais jaacute existentes mesmo que estejam em frequente circulaccedilatildeo entre as crianccedilas mas na

ampliaccedilatildeo de contato com diferentes gecircneros discursivos que garantem outras leituras outras re-

criaccedilotildees outras experiecircncias novas relaccedilotildees novas apropriaccedilotildees As crianccedilas especialmente

C13 parece perceber a funccedilatildeo da escrita ao propor que seja criada uma notiacutecia para pedir

doaccedilotildees para a turma e aparenta perceber tambeacutem as peculiaridades do gecircnero notiacutecia de jornal

que tem a especificidade de divulgar de promover de informar de tornar puacuteblico um

acontecimento um fato ldquoPro pro pro Eu tenho uma ideia melhor ainda Adivinha qual eacuterdquo

Por desconhecer sua ideia pergunto qual eacute e em seguida responde ldquoHatilde hatilde Vamos escrever uma

notiacutecia para pocircr no nosso jornal Todo mundo vai ler O que vocecircs acham pessoalrdquo

C13 aleacutem de denotar conhecer a funccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia traz subjacente em

sua fala a responsividade (BAKHTIN 1992) do destinataacuterio real porque ao propor que

escrevecircssemos uma notiacutecia tinha supostamente como objetivo o de levar a puacuteblico a solicitaccedilatildeo

da turma e consequentemente obter a doaccedilatildeo de materiais de leitura para a biblioteca da sala

Com isso pode-se inferir que as situaccedilotildees expostas neste trabalho de inserccedilatildeo da crianccedila na

cultura escrita natildeo se constituiacuteram em situaccedilotildees artificiais teacutecnicas que visavam agrave leitura e a re-

criaccedilatildeo de gecircneros discursivos para o cumprimento de uma tarefa ou ainda situaccedilotildees que

buscavam simular o ensino da liacutengua mas ao contraacuterio buscou-se colocar a crianccedila no fluxo das

comunicaccedilotildees na interlocuccedilatildeo na condiccedilatildeo de sujeito de suas aprendizagem ao participar

ativamente de todo o processo se constituindo na relaccedilatildeo com o outro

Durante o processo de re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia pode-se dizer que as

crianccedilas denotam compreender o funcionamento desse gecircnero e elaboram o texto com coerecircncia

241

e objetividade nas ideias movidas natildeo somente pelo propoacutesito de conseguir novos livros e gibis

mas pelo desejo de aprender Esse fato pode ser percebido na fala de C1 ldquoEscreve que noacutes

queremos saber mais coisas que noacutes estamos aprendendo a ler e a escrever tambeacutemrdquo E para

me certificar sobre o que dizia perguntei ldquoE vocecircs gostam de saber de coisas novas e de

aprender a ler e a escreverrdquo e imediatamente C11 responde ldquoClaro neacute prordquo denotando

obviedade diante da pergunta feita Essas afirmaccedilotildees satildeo confirmadas no texto re-criado ldquoA

Turma do Sol eacute uma turma bem legal que gosta de saber das coisas que gosta de aprender Eacute uma

turma que gosta de ler de ouvir histoacuterias de pesquisar e de escrever coisas importantesrdquo

Na re-criaccedilatildeo do gecircnero discursivo notiacutecia as crianccedilas participam ativamente tecendo

seus enunciados que gradativamente o compotildeem Esses enunciados satildeo proferidos num dado

contexto situacional que pressupotildee sempre a alteridade Sobre isso Ribeiro (2010 p 56)

esclarece que

A noccedilatildeo de enunciado por sua vez fundada nos pressupostos dialoacutegicos

incorpora o contexto verbal e o contexto extraverbal (aspectos situacionais

histoacutericos ideoloacutegicos) ou seja ele materializa concomitantemente o que haacute de

peculiar da situaccedilatildeo enunciativa concreta e elementos sociodiscursivos

estabilizados nas e pelas interaccedilotildees ao longo da Histoacuteria O enunciado sob o

prisma bakhtiniano eacute o garantidor do espaccedilo do outro na dinacircmica discursiva e

por conseguinte constitui-se do fluxo de muacuteltiplas vozes que ecoam da

alternacircncia dos sujeitos do discurso nas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo Ademais por

figurar como unidade da comunicaccedilatildeo discursiva o enunciado elucida

especificidades das esferas sociais nas quais ele se constituiu

Com base nesses pressupostos pode-se dizer que as crianccedilas estabelecem uma relaccedilatildeo

dialoacutegica entre elas entre elas e a professora entre elas e o gecircnero discursivo re-criado As

crianccedilas sugerem opinam elaboram enunciados que atendem aos interesses e objetivos da turma

e agraves caracteriacutesticas do gecircnero discursivo notiacutecia Cabe lembrar que ldquoa despeito do caraacuteter

regulador da forma do gecircnero haacute espaccedilo para a expressatildeo do sujeito visto que ao participar das

atividades de linguagem ele (re)elabora (re)cria (re)formula formas de gecircnerordquo (RIBEIRO

2010 p 60) Dessa maneira ldquoinstaura um processo de atualizaccedilatildeo dos diversos gecircneros do

discurso presentes na sociedaderdquo (RIBEIRO 2010 p 60)

Por essa razatildeo pode-se dizer que as crianccedilas se apropriam da liacutengua por meio dos gecircneros

discursivos porque

242

Os gecircneros satildeo meios de apreender a realidade Novos modos de ver e de

conceptualizar a realidade implicam o aparecimento de novos gecircneros e a

alteraccedilatildeo dos jaacute existentes Ao mesmo tempo novos gecircneros ocasionam novas

maneiras de ver a realidade A aprendizagem dos modos sociais de fazer leva

concomitantemente ao aprendizado dos modos sociais de dizer os gecircneros

Mesmo que algueacutem domine bem uma liacutengua sentiraacute dificuldade de participar de

determinada esfera de comunicaccedilatildeo se natildeo tiver controle do(s) gecircnero(s) que ela

requer Eacute por isso que haacute pessoas que conversam brilhantemente mas satildeo

incapazes de participar de um debate puacuteblico ou de discursar para uma grande

plateia A falta de domiacutenio do gecircnero eacute a falta de vivecircncia de determinadas

atividades de certa esfera Fala-se e escreve-se sempre por gecircneros e portanto

aprender a falar e a escrever eacute antes de mais nada aprender gecircneros (FIORIN

2006 p 69)

A situaccedilatildeo apresentada e analisada exemplifica o ensino e a aprendizagem da liacutengua por

meio dos gecircneros discursivos desde a Educaccedilatildeo Infantil em que as crianccedilas de forma interativa e

dialoacutegica atuam ativamente nesse processo aprendem se desenvolvem e se humanizam

243

CONCLUSAtildeO

Considero que natildeo haacute haacutebito a ser formado nem gosto a ser criado nem prazer a

ser desenvolvido ou despertado nas praacuteticas das leituras Haacute necessidades

provocadas pelas circunstacircncias criadas pelas relaccedilotildees entre os homens

ancoradas no conhecimento que tem o leitor sobre o proacuteprio conhecimento

sobre a liacutengua e sobre as operaccedilotildees que estabelecem a relaccedilatildeo grafo-semacircntica

entre o leitor e o escrito (ARENA 2003 p 60)

Formar leitores e re-criadores de textos na Educaccedilatildeo Infantil se constitui numa

preocupaccedilatildeo sempre atual que envolve pesquisadores professores e pais Inuacutemeros satildeo os

aspectos que provocam a reflexatildeo sobre o processo de apropriaccedilatildeo da linguagem escrita e sobre a

relaccedilatildeo com os espaccedilos escolares as praacuteticas pedagoacutegicas e as especificidades do ensinar e do

aprender na pequena infacircncia

Ao relevar esses aspectos surgem vaacuterias indagaccedilotildees Como iniciar a inserccedilatildeo da crianccedila

na cultura escrita Como criar a necessidade de ler e de escrever Que atividades satildeo adequadas

para promover a formaccedilatildeo da crianccedila interessada pelos textos Como trabalhar de modo a

respeitar o momento de desenvolvimento em que a crianccedila se encontra sem negligenciar a criaccedilatildeo

de novas necessidades tarefa preciacutepua dos professores Como caracterizar o trabalho com a

leitura e a escrita na Educaccedilatildeo Infantil de modo a superar a visatildeo simplista do processo de

apropriaccedilatildeo da linguagem escrita

Na introduccedilatildeo anunciei que estas questotildees orientariam este trabalho de pesquisa na

tentativa de compreender o que eacute formar o leitor e o re-criador de textos na pequena infacircncia sem

com isso valorizar a alfabetizaccedilatildeo precoce com a aceleraccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo mas ao contraacuterio

compreender como a crianccedila pode inserir-se e participar da cultura escrita de forma ativa

dinacircmica e dialoacutegica mesmo natildeo sendo convencionalmente alfabetizada e ainda respeitando as

regularidades do seu desenvolvimento Com essa intenccedilatildeo busquei compreender o processo de

apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e da escrita como um processo discursivo interativo para a

humanizaccedilatildeo por meio dos gecircneros discursivos Procurei redimensionar o ensino e a

aprendizagem da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo infantil por compreender que a crianccedila desde

pequena eacute capaz de aprender eacute sujeito de suas aprendizagens Nesse contexto a leitura e a escrita

natildeo satildeo consideradas tarefas eminentemente escolares apesar de a escola ser o espaccedilo em que

comumente essas aprendizagens sejam ensinadas de forma mais sistematizada e frequente Nesse

244

percurso busquei tambeacutem compreender como as crianccedilas leem e escrevem os gecircneros

discursivos que relaccedilotildees elas estabelecem com os seus elementos constitutivos e de que forma o

trabalho pedagoacutegico intencionalmente planejado e dialoacutegico pode contribuir para na formaccedilatildeo

leitora e re-criadora de textos

Para tanto trouxe no capiacutetulo I a opccedilatildeo metodoloacutegica que direcionou o trabalho de

pesquisa ndash pesquisa-accedilatildeo ndash os procedimentos de pesquisa os recursos utilizados na tentativa de

compreender o meu objeto de pesquisa e ultrapassar a pseudoconcreticidade em busca de uma

proximidade com a sua essecircncia Nesse capiacutetulo busco traccedilar natildeo somente o percurso a ser

realizado como pesquisadora mas tambeacutem como sujeito participante da pesquisa como

professora dos sujeitos crianccedilas Nesse momento descrevo a trajetoacuteria que seria percorrida e as

propostas educativas que orientariam o processo inicial de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura e

da escrita na pequena infacircncia Esse periacuteodo foi revelador de grandes esforccedilos devido ao

aprofundamento teoacuterico que exigia uma articulaccedilatildeo com a minha praacutetica sustentando-a Alcanccedilar

apropriaccedilotildees mais aprofundadas sobre a Teoria Histoacuterico-Cultural sobre o universo bakhtiniano

e sobre a Pedagogia Freinet natildeo foi (e natildeo eacute) tarefa simples porque requereu coerecircncia para se

pensar em aproximaccedilotildees entre essas vertentes e o movimento reflexivo de minha parte a cada

etapa do trabalho docente proposto Contudo isso se converteu em um desafio para mim e dado

o meu envolvimento e interesse nesse fazer gradativamente esse desafio se tornou uma atividade

(LEONTIEV 1988)

Desenvolvi a pesquisa em uma escola que natildeo tinha como proposta pedagoacutegica a

Pedagogia Freinet e apesar de ter obtido todo o apoio da Direccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do meu fazer

pedagoacutegico e da minha investigaccedilatildeo cientiacutefica encontrei alguns entraves nesse processo Um

deles corresponde agrave organizaccedilatildeo do tempo e do espaccedilo que natildeo era compartilhada por outra

professora que ocupava a mesma sala por exemplo A sala em que a maioria das situaccedilotildees de

leitura e de escrita descritas neste trabalho ocorreu era ocupada no mesmo periacuteodo por outra

professora que natildeo compactuava com essa organizaccedilatildeo Desse modo todos os dias era preciso

organizar a sala para que as minhas praacuteticas se efetivassem ndash disposiccedilatildeo dos moacuteveis dos

materiais ateliers ndash e voltaacute-las a organizaccedilatildeo original para que outra professora pudesse tambeacutem

utilizaacute-la em seguida Devido a isso o tempo era algo que exigia tambeacutem uma organizaccedilatildeo pelo

motivo jaacute exposto e porque muitas vezes as tarefas que se tornavam atividades para as crianccedilas

eram interrompidas porque tiacutenhamos que dispor de outro espaccedilo para dar continuidade ao que

245

havia sido iniciado Se por um lado isso se mostrou como um entrave a ser superado por outro

lado exigiu das crianccedilas e de mim maior flexibilidade e estrateacutegias para organizar o espaccedilo e

maior autonomia das crianccedilas para gerirem o tempo

No capiacutetulo II explicitei quais os conceitos que as professoras das crianccedilas nos quatro

anos anteriores da pesquisa desde a turma do Berccedilaacuterio ao Infantil I possuem sobre leitura

escrita alfabetizaccedilatildeo gecircneros discursivos e de que forma esses conceitos interferem nas

aprendizagens das crianccedilas Esses conceitos foram investigados porque revelam em seu bojo

outros conceitos como o de crianccedila de ensino e de aprendizagem de desenvolvimento humano

que subsidiam as praacuteticas pedagoacutegicas agraves quais as crianccedilas foram submetidas

No capiacutetulo III me propus a compreender quais os conceitos que as crianccedilas tinham sobre

leitura escrita gecircneros discursivos porque dessa forma eu pretendia organizar o trabalho

pedagoacutegico com os gecircneros e verificar no final desse processo se ocorreram mudanccedilas nesses

conceitos iniciais das crianccedilas quais eram estas mudanccedilas e por que elas ocorreram ou natildeo

Nestes dois capiacutetulos foi possiacutevel refletir sobre as implicaccedilotildees pedagoacutegicas no processo de

ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas na pequena infacircncia A anaacutelise dos

dados revelou que os conceitos das professoras participantes da pesquisa sobre infacircncia leitura e

escrita estatildeo ajustados ao preparo da crianccedila para o Ensino Fundamental As tarefas propostas

concernentes agrave leitura e agrave escrita satildeo direcionadas para corresponderem supostamente agraves

expectativas da etapa seguinte da Educaccedilatildeo Infantil Haacute uma ecircnfase no ensino do coacutedigo

linguiacutestico desvinculado de um contexto situacional real concreto de uso A codificaccedilatildeo e a

decodificaccedilatildeo se sobrepotildeem agrave produccedilatildeo de significado e de sentido e as propostas em sala de

aula satildeo voltadas ao domiacutenio da relaccedilatildeo grafema-fonema e do traccedilado das letras Desse modo a

expressatildeo dos sujeitos aprendizes a comunicaccedilatildeo de ideias e desejos natildeo satildeo consideradas

fundamentais nesse processo mas relegadas ao segundo plano Disso decorre que a leitura e a

escrita para as professoras participantes se configuram como objetos escolares Haacute

preponderacircncia no ensino do aspecto fiacutesico do signo (ARENA 1990) que reduz em suas praacuteticas

docentes as possibilidades de as crianccedilas conviverem com formas mais elaboradas dessas

atividades

Haacute uma tendecircncia em apresentar para as crianccedilas poucos gecircneros discursivos em geral os

contos de fada por existir uma crenccedila por parte das professoras de que as crianccedilas se interessam

mais por esse gecircnero As professoras conhecem os diferentes gecircneros discursivos seus elementos

246

constitutivos e suas especificidades possivelmente com relativa superficialidade o que limita a

sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica Nesse contexto os gecircneros discursivos satildeo apenas objetos didaacuteticos

produto que enquadra os tipos relativamente estaacuteveis de enunciados (Bakhtin 2003) numa

perspectiva normativa e desse modo natildeo emergem como instrumentos de comunicaccedilatildeo de

interlocuccedilatildeo entre as pessoas

Pode-se constatar que os conceitos os discursos e as praacuteticas educativas das professoras

interferem diretamente nos conceitos dos sujeitos crianccedilas e nas relaccedilotildees que elas estabelecem

com a leitura e com a escrita Essa afirmaccedilatildeo eacute percebida pela anaacutelise dos dados no iniacutecio da

pesquisa antes de as crianccedilas participarem de um trabalho pedagoacutegico intencional dinacircmico e

interativo com os gecircneros discursivos Haacute um distanciamento entre a praacutetica do ler e do escrever

na escola e uma praacutetica do ler e do escrever como objeto da cultura

Um elemento que me surpreendeu durante a anaacutelise dos dados foi constatar que os

sujeitos da pesquisa ndash por vivenciarem praacuteticas artificiais do ensino do ato de ler e do ato de

escrever ndash natildeo atribuem agrave escola a tarefa de ensinaacute-las a fazer isso mas agrave proacutepria famiacutelia que

assume esse papel que a escola natildeo consegue realizar como foi verificado pelos discursos nas

entrevistas Pais avoacutes irmatildeos ou outros familiares na expectativa de ajudarem as suas crianccedilas a

aprenderem a ler e a escrever se dedicam a essa funccedilatildeo mediando situaccedilotildees de leitura e de

escrita em casa Nessas condiccedilotildees a escola natildeo apresenta o ler e o escrever como elemento do

jogo do interesse da crianccedila como acontece nas situaccedilotildees de leitura e de escrita vivenciadas em

casa ou na rua (CRUVINEL 2010) Os textos quando abordados pelas professoras natildeo surgem

como elementos de comunicaccedilatildeo de informaccedilatildeo de expressatildeo humana mas como recursos

didaacuteticos com um fim em si mesmos A escola por aderir a essas praacuteticas teacutecnicas do ler e do

escrever acaba por natildeo desempenhar uma funccedilatildeo a qual se julga de sua responsabilidade ou seja

natildeo garante que as crianccedilas se apropriem da leitura e da escrita e nem oferece nessas condiccedilotildees

as possibilidades para que isso aconteccedila

Apesar de algumas crianccedilas terem afirmado no iniacutecio da pesquisa que jaacute sabiam ler ndash

supostamente do ponto de vista da escola ndash verificou-se que somente o domiacutenio de um

mecanismo natildeo garante que elas o soubessem de fato porque esse domiacutenio natildeo permite que

objetivem essa atividade nas relaccedilotildees sociais em ambientes extra-escolares e em diferentes

situaccedilotildees que se faccedilam necessaacuterias

247

Nos capiacutetulos IV e V pus em discussatildeo o que eacute ser leitor e re-criador de textos na

Educaccedilatildeo Infantil e como a crianccedila assume esses estatutos Apresentei situaccedilotildees de leitura e de

escrita dos gecircneros discursivos ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal ndash e por meio da minha

accedilatildeo pedagoacutegica intencional e planejada destaquei as relaccedilotildees que as crianccedilas estabelecem com

os elementos dos gecircneros discursivos como leem e criam textos e desse modo como elas

iniciam a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

No iniacutecio do processo as crianccedilas assinalavam por seus discursos e atitudes a

interferecircncia e a reproduccedilatildeo desses conceitos advindos das condiccedilotildees de vida e de educaccedilatildeo das

quais participavam Entretanto ao vivenciarem propostas de leitura e de escrita de gecircneros

discursivos planejadas intencionalmente de modo a priorizar a interlocuccedilatildeo assumem o papel de

sujeito e natildeo de objeto desse processo Essas consideraccedilotildees podem ser constatadas pelo relato das

observaccedilotildees feitas durante as propostas de leitura e de escrita de gecircneros discursivos e pela

entrevista no final do trabalho pedagoacutegico

Conforme passavam a participar de situaccedilotildees de leitura e de escrita cada vez mais

dialoacutegicas reflexivas que privilegiam a contrapalavra do outro se sentiam motivadas a se

expressar por meio da escrita e compreendiam que essa eacute uma das formas pelas quais eacute possiacutevel

se expressar natildeo a uacutenica porque tambeacutem experimentavam concomitantemente a expressatildeo por

meio de outras linguagens como a danccedila a muacutesica a dramatizaccedilatildeo a pintura a modelagem Com

isso revelava-se com essas propostas a intenccedilatildeo de formar pessoas capazes de utilizar as mais

diferentes formas de conhecer e de produzir saberes criados historicamente pela humanidade

Esse entendimento me fez refletir como a Educaccedilatildeo Infantil tem organizado o seu

curriacuteculo e como o ensino da liacutengua se configura nas praacuteticas docentes no universo da pequena

infacircncia Desse modo propus um trabalho pedagoacutegico para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita

com o propoacutesito de criar nas crianccedilas o desejo de expressatildeo e para isso intentei desenvolver com

elas situaccedilotildees de leitura e de escrita que permitissem a ampliaccedilatildeo de seus conhecimentos que

intensificassem suas relaccedilotildees com as pessoas com os objetos da cultura e com o entorno e que

valorizassem a sua capacidade expressiva como princiacutepio de um trabalho de ensino e de

aprendizagem efetivamente desenvolvente (DAVIDOV 1988)

Ao trabalhar as possibilidades expressivas da crianccedila pretendia interferir positivamente

sobre o processo de desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita Por essa razatildeo

organizei os tempos e os espaccedilos em que as situaccedilotildees de leitura e de escrita ocorreram e

248

estabeleci uma relaccedilatildeo dinacircmica e dialoacutegica com as crianccedilas provocando-as a elaborarem

hipoacuteteses a pensarem sobre a escrita a acionarem sua curiosidade seus ldquoconhecimentos

imprecisosrdquo (ZAPOROacuteSHETZ 1997) que mais tarde por meio do diaacutelogo e na confrontaccedilatildeo

com os conhecimentos precisos apresentados pela professora no caso eu mesma e por outros

adultos e crianccedilas mais avanccediladas esses conhecimentos tambeacutem se tornaram precisos

Pela anaacutelise dos dados eacute possiacutevel perceber meu fundamental papel como mediadora no

processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita uma vez que criei as mediaccedilotildees e fiz

a mediaccedilatildeo de situaccedilotildees de leitura e de escrita dos gecircneros discursivos desafiando as crianccedilas a

pensarem sobre a escrita e o seu funcionamento sobre os elementos que compotildeem os gecircneros e

principalmente a fazer uso da leitura e da escrita como um instrumento de comunicaccedilatildeo de

expressatildeo e de participaccedilatildeo numa sociedade que lecirc e escreve Nessa perspectiva as crianccedilas

tinham vez e voz em todas as etapas do trabalho que de acordo com os pressupostos teoacutericos

assumidos por mim nesta pesquisa se deram dentro de um ensino cooperativo (FREINET 1973

1974 1976) e colaborativo (VYGOTSKI 1995)

Nesse processo dialoacutegico em que se deu o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita

destaco como participante ativa e tambeacutem sujeito desse processo que todas as accedilotildees educativas

planejadas por mim os diaacutelogos e as relaccedilotildees travadas foram promotoras de novas apropriaccedilotildees

como professora e como pesquisadora colaborando com meu processo de humanizaccedilatildeo Como

docente me impulsionava constantemente a perceber que aliar teoria e praacutetica eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para se garantir aprendizagens efetivas das crianccedilas porque amplia as possibilidades

de trabalho em busca de um ensino potencializador E como pesquisadora a geraccedilatildeo de novas

duacutevidas reflexotildees e aprofundamento teoacuterico orientaram outras e maiores apropriaccedilotildees Enfatizo

nesse processo a atuaccedilatildeo do meu orientador que por meio de sua mediaccedilatildeo contribuiu

intensamente para a apropriaccedilatildeo dos referenciais teoacutericos assumidos neste trabalho da

problematizaccedilatildeo e reflexatildeo natildeo somente das minhas accedilotildees educativas mas da minha formaccedilatildeo

como pesquisadora

Os dados indicam que as crianccedilas natildeo conheciam muitos gecircneros discursivos e quando

eram apresentados se constituiacuteam como um conjunto de propriedades formais isolado da esfera

de accedilatildeo Os gecircneros nessas condiccedilotildees eram apresentados como objetos didaacuteticos e natildeo como

instrumento de comunicaccedilatildeo o que contradiz os pressupostos teoacutericos defendidos neste trabalho

de que os gecircneros discursivos requerem que sejam vistos na sua funccedilatildeo de interaccedilatildeo porque satildeo a

249

realidade da comunicaccedilatildeo humana satildeo instrumentos que tornam possiacutevel a comunicaccedilatildeo

discursiva (BAKHTIN 2003) Novos modos de ver e de conceituar a realidade implicam o

aparecimento de novos gecircneros e alteraccedilatildeo dos jaacute existentes (FIORIN 2006)

Outro aspecto a destacar eacute que a utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet no trabalho pedagoacutegico

natildeo serviu apenas para fazer o aparecimento dos gecircneros discursivos que seriam abordados

especificamente nesta pesquisa ndash a carta os relatos de vida notiacutecia de jornal ndash mas permitiu a

organizaccedilatildeo do fazer educativo de modo a possibilitar a interaccedilatildeo entre as crianccedilas delas comigo

com os materiais criando uma aprendizagem provocadora de necessidades humanizadoras Com

a utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet foi possiacutevel promover uma aproximaccedilatildeo com a ideias de

Vygotski (1995) e de Bakhtin (1992) ndash teoacutericos que fundamentam este trabalho ndash jaacute que todos

eles concebem a expressatildeo do sujeito e a relaccedilatildeo com o outro como elementos fundamentais da

sua proacutepria constituiccedilatildeo como seres histoacutericos sociais e culturais

A utilizaccedilatildeo das teacutecnicas Freinet tambeacutem permitiu maior autonomia das crianccedilas para

gerirem o tempo e as atividades para opinarem decidirem discutirem investigarem

pesquisarem sobre os diferentes assuntos que se faziam de interesse delas porque essas teacutecnicas

promovem a aproximaccedilatildeo da crianccedila com a cultura primando pela expressividade Diante disso

os dados revelam que o trabalho com os gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet

contribuiu para criar necessidades de ler e de escrever porque as crianccedilas sempre tinham o que

dizer e para quem dizer

No final da pesquisa creio que as crianccedilas se apropriaram dos gecircneros discursivos

abordados porque os utilizavam em diferentes situaccedilotildees e de forma que denotava certa

autonomia Os gecircneros discursivos abordados ndash carta relatos de vida e notiacutecia de jornal ndash tiveram

uma dimensatildeo para aleacutem dos horizontes da turma Funcionaacuterios e professores da escola em que

ocorreu a pesquisa participaram indiretamente do processo ao solicitarem frequentemente a

leitura das cartas recebidas e enviadas do livro da vida e das notiacutecias do jornal da turma dado o

interesse das crianccedilas que faziam comentaacuterios em diferentes ambientes e situaccedilotildees como no

horaacuterio do lanche da brincadeira no parque ou na areia por exemplo aleacutem tambeacutem de

comunicarem suas aprendizagens por meio das teacutecnicas e dos gecircneros

Houve uma modificaccedilatildeo nos objetivos iniciais dos pais que denotavam preocupaccedilatildeo de

seus filhos serem alfabetizados na Educaccedilatildeo Infantil jaacute que se tratava do ano que antecedia o

ingresso de seus filhos no Ensino Fundamental Essa preocupaccedilatildeo foi esclarecida no decorrer do

250

ano com a realizaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico e principalmente diante dos argumentos das

proacuteprias crianccedilas como ldquoEu natildeo posso faltar na escola porque noacutes temos que escrever uma carta

para os nossos amigos da outra escolardquoldquo Vocecirc vai se arrepiar com as notiacutecias que noacutes

escrevemos em nosso jornal mas eacute surpresinhardquo ou aindardquo Eu jaacute sei escrever carta Vocecirc sabe

ou quer que eu te ajude matildeerdquo Esses dados natildeo foram apresentados na pesquisa mas foram

registrados por serem indiacutecios do iniacutecio do processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas

crianccedilas Na uacuteltima reuniatildeo na escola do ano de realizaccedilatildeo da pesquisa os pais relataram sobre o

envolvimento de seus filhos nesse processo o interesse pelo conhecimento e as reaccedilotildees que

apresentavam diante das experiecircncias com a leitura e a escrita Segundo eles seus filhos

comeccedilaram a se interessar a ler diferentes materiais em diferentes situaccedilotildees e a ensaiar a escrita

de forma mais autocircnoma

Acredito ter alcanccedilado os meus objetivos com esta pesquisa natildeo somente pelas razotildees

expostas anteriormente mas porque foi possiacutevel constatar que as crianccedilas desde pequenas satildeo

capazes de estabelecer relaccedilotildees intensas com a leitura e a escrita por meio dos gecircneros

discursivos quando satildeo introduzidos no ensino como instrumentos de comunicaccedilatildeo humana de

apropriaccedilatildeo da cultura como foi descrito nos capiacutetulos desta tese As crianccedilas aprendem a usar a

liacutengua em diferentes situaccedilotildees A liacutengua escrita natildeo chegou agraves crianccedilas na ocasiatildeo da pesquisa de

forma pronta acabada mas ao contraacuterio se sentiram provocadas a pensar sobre ela em sua

dialogicidade em movimento para que pudessem cada vez mais dispor dela quando onde e

como queriam

Foi possiacutevel tambeacutem perceber que os gecircneros requerem que sejam ensinados desde a

Educaccedilatildeo Infantil num contexto interativo e dinacircmico porque se natildeo acontecer nessas condiccedilotildees

perdem a funccedilatildeo para a qual eles se destinam a funccedilatildeo de expressar de interagir de comunicar

E desse modo assumem o papel de objeto didaacutetico Quando isso acontece deixam de ser gecircneros

discursivos porque perdem sua essecircncia flexiacutevel dialoacutegica mutaacutevel e consequentemente as

crianccedilas natildeo conseguem se utilizar deles nos diversos contextos sociais e discursivos Por meio

de uma accedilatildeo docente intencional dinacircmica e dialoacutegica revelaram que percebem o conteuacutedo

temaacutetico a construccedilatildeo composicional e o estilo de cada gecircnero objetivando-se pelos discursos

que expressam seus pensamentos impressotildees e opiniotildees Elas iniciam o conhecimento da

estrutura da liacutengua em seus diferentes aspectos ndash gramaacutetica ortografia coerecircncia coesatildeo por

251

exemplo ndash pelo uso e reflexatildeo desse uso e natildeo por exerciacutecios impostos de memorizaccedilatildeo

repeticcedilatildeo nem por exerciacutecios motores de coordenaccedilatildeo

A crianccedila para iniciar o seu processo de apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita na Educaccedilatildeo

Infantil natildeo precisa ser escolarizada precocemente e ser destituiacuteda do seu estatuto de crianccedila para

assumir o estatuto de aluno Esta tese veio constatar que a crianccedila pode participar ativamente do

seu processo de inserccedilatildeo na cultura escrita mesmo ainda natildeo sendo convencionalmente

alfabetizada e sem esse fato ser condiccedilatildeo para que isso aconteccedila Afirma que a crianccedila inicia o

processo de internalizaccedilatildeo da liacutengua pelas relaccedilotildees que ela estabelece com a proacutepria liacutengua em

seu funcionamento com a professora com os colegas com os materiais com os gecircneros

discursivos A leitura e a escrita nascem do desejo de expressatildeo criado na crianccedila pelas condiccedilotildees

de vida e de educaccedilatildeo das quais participa (LEONTIEV 1978)

Diante do exposto eacute possiacutevel apontar alguns caminhos no trabalho com os gecircneros

discursivos para a formaccedilatildeo do leitor e do re-criador de textos na Educaccedilatildeo Infantil Dedicar-se

ao estudo dos gecircneros desde o princiacutepio do processo educativo conhecer seus elementos

constitutivos ndash construccedilatildeo composicional conteuacutedo temaacutetico e estilo (BAKHTIN 2003) ndash e seu

funcionamento possibilita aos professores alargar as possibilidades do seu ensino e planejar

intencionalmente as formas mais adequadas de realizar o trabalho pedagoacutegico porque eacute por meio

dos gecircneros que o sujeito se apropria da linguagem e a objetiva Natildeo eacute suficiente apenas estudar

os gecircneros discursivos do ponto de vista normativo nem levaacute-los para a sala de aula sem que eles

sejam vividos em situaccedilotildees reais de comunicaccedilatildeo de interaccedilatildeo e de diaacutelogo porque desse modo

eles perdem a sua essecircncia e a funccedilatildeo a que se destinam Ensinar os gecircneros discursivos eacute

apreender a realidade porque eles acontecem no fluxo da comunicaccedilatildeo na troca na atitude

responsiva vinculados agrave vida em seus contextos histoacutericos sociais e culturais Operar

teoricamente metodologicamente e didaticamente com essa noccedilatildeo de gecircnero redimensiona toda a

praacutetica educativa e o ensino da leitura e da escrita porque implica necessariamente ao tratar do

ensino da liacutengua materna considerar-se sujeito do discurso na relaccedilatildeo constante com o outro que

reflete refrata ou refuta discurso alheio Satildeo vozes compreendidas como manifestaccedilatildeo de

consciecircncias que dialogam debatem concordam discordam silenciam a voz do outro ou a si

proacuteprio expressando valores plurais ou natildeo personificaccedilatildeo de diferentes sujeitos de diferentes

visotildees (BAKHTIN 2003)

252

Cabe agrave escola ndash lugar por excelecircncia de apropriaccedilatildeo da cultura produzida e organizada

pela humanidade ndash considerar os gecircneros primaacuterios que as crianccedilas jaacute conhecem e tomaacute-los como

referecircncia para novas apropriaccedilotildees discursivas introduzindo o trabalho com os gecircneros

secundaacuterios na intenccedilatildeo de alcanccedilar a apropriaccedilatildeo de enunciados mais complexos Formar

leitores e re-criadores de gecircneros discursivos eacute um desafio possiacutevel quando o professor considera

a historicidade e a dinamicidade da liacutengua e situa a crianccedila nesse movimento vivo em que ao re-

criar eacute tambeacutem re-criada

A organizaccedilatildeo do tempo e o espaccedilo para a realizaccedilatildeo da praacutetica promovem a interaccedilatildeo as

relaccedilotildees e a dialogicidade aleacutem de revelar os conceitos que o professor possui sobre crianccedila

infacircncia ensino e aprendizagem Organizar o tempo e o espaccedilo na escola da pequena infacircncia eacute

entender que esses elementos satildeo cruciais no processo e interferem diretamente nas

aprendizagens e nas relaccedilotildees que podem ou natildeo ser estabelecidas

Ao planejar intencionalmente o trabalho pedagoacutegico consideram-se ndash dentro da

perspectiva apresentada neste trabalho ndash os interesses das crianccedilas respeitando as especificidades

do aprender de cada idade e as regularidades do seu desenvolvimento A utilizaccedilatildeo das teacutecnicas

Freinet por exemplo como a correspondecircncia interescolar o livro da vida o jornal escolar a

aula passeio a roda de conversa satildeo formas de aproximar a crianccedila do universo da escrita porque

permitem o acesso e a re-criaccedilatildeo dos diferentes gecircneros discursivos em que a autoria das crianccedilas

eacute incentivada e coloca em jogo novos conceitos do que significa ler e escrever

Promover na escola de Educaccedilatildeo Infantil experiecircncias necessaacuterias e adequadas que

permitam agraves crianccedilas se expressarem por diferentes linguagens como a danccedila o desenho a

pintura a muacutesica o teatro a modelagem eacute uma experiecircncia necessaacuteria As experiecircncias com as

diferentes linguagens criam o desejo de expressatildeo de aprender de conhecer porque assim teratildeo

o que dizer e para que possam dizecirc-lo tambeacutem por meio da escrita Ampliar o universo de

significaccedilatildeo das crianccedilas criar novas necessidades inclusive a sua expressividade eacute garantir por

meio de condiccedilotildees objetivas que ela inicie o seu processo de apropriaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo da leitura

e da escrita

Concluo que a crianccedila quando submetida ao ensino da liacutengua como sistema restrito agrave

codificaccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de sinais graacuteficos tem limitada as possibilidades de apropriaccedilatildeo e

objetivaccedilatildeo da proacutepria liacutengua e reduzidas as possibilidades de desenvolvimento humano Em

contrapartida o trabalho pedagoacutegico com os gecircneros discursivos amplia as possibilidades de seu

253

desenvolvimento e de sua compreensatildeo sobre o funcionamento da liacutengua implica uma nova

visatildeo do que seja seu proacuteprio processo de aprendizagem e a instrumentaliza para atuar como

cidadatildeo

Considero que a fundamentaccedilatildeo teoacuterica calcada em Bakhtin e seu ciacuterculo em diaacutelogo com

Vygotsky e estudiosos da Teoria Histoacuterico-Cultural e com a Pedagogia Freinet assinala a

possibilidade de se rever as propostas de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita com as

crianccedilas pequenas em busca de um ensino desenvolvente que privilegie a interlocuccedilatildeo e a

crianccedila como sujeito desse processo que constroacutei e eacute construiacutedo pela sua histoacuteria

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Revista Porto Alegre ano 13 n 15 p 9-29 2010

THIOLLENT M Metodologia da pesquisa-accedilatildeo Satildeo Paulo Cortez 1986

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CASTILHO A T PRETI D (orgs) A linguagem falada culta na cidade de Satildeo Paulo

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263

VIGOTSKII L S Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade preacute-escolar In

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VIGOTSKI L S Quarta aula A questatildeo do meio na Pedologia Psicologia USP Satildeo Paulo

2010 21(4) p 681 ndash 701

VYGOTSKI L S Obras escogidas Madrid Visor v 3 1995

______ Obras escogidas Madrid Visor v 4 1996

WATTERSON B O melhor de Calvin O Estado de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Quadrinhos Caderno

2 12 nov2012 p D4

ZAPOROacuteZHETS A Importancia de los periacuteodos iniciales de la vida en la formacioacuten de la

personalidad infantil In DAVIDOV V SHUARE M (Orgs) La Psicologiacutea Evolutiva y

Pedagoacutegica em la URSS (Antologia) Moscou Editorial Progreso 1987 p 228 ndash 249

264

APEcircNDICE A ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DO

PROFESSOR PARTICIPANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou realizando uma pesquisa na EMEI Creche Beija-Flor intitulada ldquoO processo de

letramento e os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e

Vygotskyrdquo e gostaria que participasse da mesma Solicito sua participaccedilatildeo na realizaccedilatildeo de uma

entrevista acerca de suas concepccedilotildees e praacuteticas de leitura e escrita A pesquisa tem como objetivo

geral Verificar como ocorre o processo de letramento na Educaccedilatildeo Infantil com crianccedilas de 5 e 6

anos por meio dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e como objetivos

especiacuteficos 1) Verificar como o ensino por meio dos gecircneros discursivos ndash carta livro da vida

jornal da turma ndash interfere na aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de 5 e 6 anos 2)

Discutir quais as relaccedilotildees que as crianccedilas de 5 e 6 anos estabelecem com os elementos dos

gecircneros discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma

estas relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo do leitor e do produtor de textos 3) Identificar

condutas proacuteprias de leitor e de produtor de textos (orais e escritos) como parte do processo de

letramento nas crianccedilas de 5 e 6 anos 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os

diferentes gecircneros discursivos pode contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas

crianccedilas de 5 e 6 anos

Os procedimentos que seratildeo empregados para a obtenccedilatildeo de dados com as professoras das

classes de berccedilaacuterio a infantil I seratildeo entrevistas

Caso aceite participar dessa pesquisa gostaria que soubesse que

A) SUA PARTICIPACcedilAtildeO Eacute VOLUNTAacuteRIA E QUE PODERAacute DESISTIR DE

PARTICIPAR EM QUALQUER MOMENTO

B) VOCEcirc PODERAacute ACEITAR OU RECUSAR A RESPONDER QUAISQUER

PERGUNTAS QUE LHE FOREM FEITAS

C) As informaccedilotildees obtidas atraveacutes da sua colaboraccedilatildeo na entrevista seratildeo

DOCUMENTADASDESCRITAS em relatoacuterio de pesquisa (Tese) feito por mim

265

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo da

Faculdade de Filosofia e Ciecircncias ndash Campus de MariacuteliaSP

D) OS RESULTADOS PODERAtildeO SER DIVULGADOS EM EVENTOS

CIENTIacuteFICOS E REVISTAS E QUE ME COMPROMETO A MANTER EM

ABSOLUTO SIGILO A IDENTIDADE DOS PARTICIPANTES E

ENTREVISTADOS

Caso necessite de esclarecimentos adicionais coloco-me agrave disposiccedilatildeo atraveacutes do telefone (14)

3454 ndash 2887

Greice Ferreira da Silva

Doutoranda em Educaccedilatildeo

Universidade Estadual Paulista ndash UNESP

Mariacutelia ndash SP

Eu _______________________________________ portados do RG _____________

ACEITO PARTICIPAR da pesquisa intitulada ldquoO processo de Letramento e os gecircneros

discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e Vygotskyrdquo que eacute

realizada na EMEI Creche Beija-Flor na classe do Infantil II ndash Parcial ndash Periacuteodo da tarde deste

ano de 2010 Declaro estar ciente de que a participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e que fui devidamente

esclarecido (a) quanto aos objetivos e procedimentos desta pesquisa

Data _____ _____ _____

_________________________________

Professor participante

266

APEcircNDICE B ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA

CRIANCcedilA PARTICIPANTE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezados pais

Estou realizando uma pesquisa na EMEI Creche Beija-Flor intitulada ldquoO processo de

letramento e os gecircneros discursivos na Educaccedilatildeo Infantil um encontro entre Bakhtin Freinet e

Vygotskyrdquo e solicito dos senhores a autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de uma entrevista com seu

(sua) filho (a) a utilizaccedilatildeo de colocaccedilotildees orais e escritas feitas por ele (ela) como tambeacutem a

utilizaccedilatildeo de fotos e filmagens que registram as atividades realizadas no decorrer deste ano de

2010

Este material seraacute utilizado para expressar dados concretos em um relatoacuterio de pesquisa

(Tese) feito por mim para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutor junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias ndash Campus de Mariacutelia O objetivo geral desta pesquisa eacute

Verificar como ocorre o processo de letramento na Educaccedilatildeo Infantil com crianccedilas de 5 e 6 anos

por meio dos gecircneros discursivos no contexto das teacutecnicas Freinet e os objetivos especiacuteficos satildeo

1) Verificar como o ensino por meio dos gecircneros discursivos ndash carta livro da vida jornal da

turma ndash interfere na aprendizagem da leitura e da escrita das crianccedilas de 5 e 6 anos 2) Discutir

quais as relaccedilotildees que as crianccedilas de 5 e 6 anos estabelecem com os elementos dos gecircneros

discursivos ndash conteuacutedo temaacutetico estilo e construccedilatildeo composicional ndash e de que forma estas

relaccedilotildees atuam no processo de formaccedilatildeo do leitor e do produtor de textos 3) Identificar condutas

proacuteprias de leitor e de produtor de textos (orais e escritos) como parte do processo de letramento

nas crianccedilas de 5 e 6 anos 4) Investigar como o trabalho pedagoacutegico com os diferentes gecircneros

discursivos pode contribuir para a apropriaccedilatildeo da leitura e da escrita pelas crianccedilas de 5 e 6 anos

Declaro ainda que fica assegurado agrave crianccedila que em nenhum momento do relatoacuterio seraacute

feita a identificaccedilatildeo da mesma por nome garantindo-lhe nenhum tipo de constrangimento ou

danos morais

267

Certa de poder contar com a sua autorizaccedilatildeo coloco-me agrave disposiccedilatildeo para esclarecimentos

atraveacutes do telefone (14) 3454 ndash 2887

Greice Ferreira da Silva

Doutoranda em Educaccedilatildeo

Universidade Estadual Paulista-UNESP

Mariacutelia-SP

Autorizo data _______________

______________________________ ________________________________

Responsaacutevel Nome do aluno

268

APEcircNDICE C ndash ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DO

PROFESSOR

Nome _____________________________________________________

Formaccedilatildeo Magisteacuterio ( ) Superior ( ) Curso _________________

Instituiccedilatildeo formadora ________________________________________

Poacutes-Graduaccedilatildeo Especializaccedilatildeo ( ) Curso _______________________

Mestrado ( ) Doutorado ( )

Instituiccedilatildeo formadora ________________________________________

Tempo de serviccedilo ___________________________________________

Tempo de serviccedilo nessa escola _________________________________

Turmas em que lecionou nos uacuteltimos dois anos ____________________

1 Vocecirc costuma ler para seus alunos

2 Que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

3 Vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos Em quais atividades isso

acontece Como eacute feita essa produccedilatildeo E o que eacute feito com o texto que foi produzido

4 Vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto Qual Como

vocecirc percebe isso

5 Quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar em seu trabalho com as crianccedilas Por

quecirc

6 Vocecirc disponibiliza na sala materiais de leitura para as crianccedilas e os empresta para que as

crianccedilas os levem para casa

7 Em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para iniciar o

ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita Por quecirc

8 Para vocecirc como vocecirc chega agrave conclusatildeo de que que uma crianccedila saber ler e escrever

Quais satildeo as manifestaccedilotildees dela com a leitura e com a escrita que te levam a concluir

que ela ldquoaprendeu a lerrdquo

9 O que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

269

APEcircNDICE D ndash ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA DA CRIANCcedilA

Escola ________________________________________ Infantil II

Nome ______________________________________________

Idade ______________________________________________

1 Vocecirc gosta de ouvir histoacuterias Que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

2 Por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

3 Aleacutem de histoacuterias haacute outro tipos de textos que vocecirc conhece Quais

4 Vocecirc costuma usar os livros na escola E em casa

5 Vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros Quais

6 Quando vocecirc estava no maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc Que tipo de histoacuterias

7 Vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc Por que

8 O que vocecirc mais gosta nas histoacuterias Das personagens Dos desenhos

9 Vocecirc acha importante saber escrever Por que

10 O que eacute saber ler Quando que uma crianccedila sabe ler

270

APEcircNDICE E ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS DAS PROFESSORAS

PB ndash PROFESSORA DO BERCcedilAacuteRIO

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PB leio mas agraves vezes eu conto porque eles satildeo muito pequenos entatildeo agraves vezes leio o livro

primeiro e nisso eu vou contando pra eles

P certo

PB senatildeo eles natildeo prestam atenccedilatildeo aiacute no uacuteltimo ano dependendo da turma jaacute daacute pra dar uma

lida em livros pequenos mas a maioria eacute contada

P certo e que tipos de textos vocecirc costuma ler para eles

PB ai eu gosto de ler tudo assim principalmente livros neacute histoacuterias conto de faacutebula

faacutebulas eacute conto de fada faacutebulas poesias eacute mais isso

P certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os seus alunos

PB costumo soacute que satildeo pequenos entatildeo natildeo daacute pra fazer uma coisa muito grande tem que

ficar dando muita dica neacute pra tirar mas pequenos textos datildeo pra fazer

P Eacute

PB depois de uma histoacuteria talvez o reconte da histoacuteria no momento que aconteceu eles vatildeo

falando

P certo

PB alguma coisa que aconteceu o que a gente fez entatildeo como que foi neacute

P sei sei

PB eacute mais assim

P e como eacute feita essa produccedilatildeo

PB coletando o primeiro momento se for uma histoacuteria que natildeo tem lousa eu vou escrevendo no

papel mas se eacute numa sala eu vou marcando na lousa e depois eu passo para o papel e depois

para o cartaz geralmente gosto de ver eles perto porque aquilo que foi falado foi passado na

lousa passado no papel e num cartaz grande aiacute eles desenham eu dou um giz grande eles

desenham debaixo do cartaz entendeu

P sim

PB foram eles que fizeram neacute

P e depois o que vocecirc faz com essa produccedilatildeo escrita

PB deixo na parede aiacute eles jaacute sabem neacute o que estaacute escrito o que natildeo estaacute quem desenhou

P entendi

P e vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto e qual tipo de

texto seria esse

PB eles gostam mais de histoacuterias

P sim

PB e os pequenos gostam mais de histoacuterias com animais

P eacute mesmo

PB eacute dos animais todos eles amam pode ser qualquer histoacuteria uma narrativa mas que

tenha animais

P certo

271

PB mas agora os maiores jaacute natildeo eacute um conto de fada uma faacutebula eles gostam os maiores

gostam de faacutebula porque eles podem falar para o amiguinho tambeacutem

P e como vocecirc conta a histoacuteria

PB a moral

P Eacute por conta disso

PB a moral da histoacuteria aquele laacute eacute o fulano que fez isso neacute o coelho dormiu e a tartaruga

passou na frente entatildeo eles vatildeo falando do dia a dia e falando das histoacuterias que eles fizeram

P certo

PB mas os menores satildeo mais assim histoacuterias curtas de animais eles gostam mais

P quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar no seu trabalho com as crianccedilas E por que

vocecirc costuma utilizar mais esse tipo de material de leitura Quando digo material envolve tudo

taacute Tudo que vocecirc tiver livro revista gibi o que tiver

PB eu revisto trecircs (refere-se a encapar os livros) para eles manterem contato com a linguagem

expressa neacute natildeo tem preccedilo neacute o livrinho de histoacuteria eu dou pra eles tambeacutem eu tenho alguns

separados que satildeo pra eles lerem entatildeo eles vatildeo eles estatildeo lendo aiacute de vez em quando eu

pego um livro e natildeo leio soacute que daiacute todo mundo quer aquele livro neacute

P ((risos)) por que

PB mas eles gostam de ler eles ficam assim falando da paacutegina como se estivessem lendo

ficam contando para o amigo como que foi e vem contando pra mim como que foi eles gostam

muito de mim eu gosto muito de dar livros para eles principalmente quando eu falo que eles

natildeo podem rasgar senatildeo natildeo vou poder contar histoacuteria que natildeo vai ter mais livrinho entatildeo isso

pra eles eacute mico eacute para eles irem percebendo

P eles levam livros para casa vocecirc tem esse costume de emprestar

PB alguns eu jaacute mandei eles adoravam

P eacute mas natildeo desde o Berccedilaacuterio

PB ano passado eu mandei no Maternal I

P certo

PB e o Maternal II o Berccedilaacuterio as matildees natildeo entendem o problema natildeo satildeo eles satildeo as

matildees

P entendo

PB teve matildee que achou que eu tinha mandado bilhete elas acharam que tinham dado algumas

outras eu pedi pra crianccedila desenhar aiacute elas desenharam figuras eu queria aquilo eu queria o

rabisco da crianccedila o que a crianccedila fizesse queria da matildee que ela (refere-se agrave crianccedila)

desenhasse neacute e depois trouxesse o livro que daiacute eu ia contar junto com elas aiacute elas iriam ver

que a matildee contou o livro neacute iria ter esse intercacircmbio neacute entre os pais e eu no Berccedilaacuterio as

matildees natildeo agora o Maternal II que jaacute sabe falar mais falavam cobravam mais das matildees e foi

assim eu fiz uma lista de livros e eles foram levando cada semana um

P certo

PB entatildeo eles natildeo iam repetindo agraves vezes eles queriam pegar o que jaacute tinham lido mas aiacute eu

falava esse aiacute vocecirc jaacute levou e todos passavam por todos os livrinhos

P ah entendi

PB eles adoravam

P eu imagino

PB eles trouxeram de volta apesar de serem integral eles trouxeram os livros bem natildeo

estragou nenhum agraves vezes tinha um que esquecia demorava trazia um rasgado

P mas no geral vocecirc teve uma boa resposta

Professora tive

272

P PB em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera que seja mais importante ou mais

adequado na verdade para iniciar o ensino ou aprendizagem da leitura e da escrita E por quecirc

PB seria no processo ou no comeccedilo

P na Educaccedilatildeo Infantil em que momento vocecirc acha que

PB momento com que idade vocecirc quer falar

P eacute ou idade ou que turma poderia acontecer de uma forma

PB somente no Infantil II ou o antigo Preacute III porque o antigo Preacute III eacute melhor para trabalhar

isso que eles jaacute estavam bem maduros neacute

P eles jaacute tinham seis anos

PB tinha seis anos

P eles completavam com a gente (refere-se agraves crianccedilas que completavam seis anos ainda

Educaccedilatildeo Infantil)

PB entatildeo vocecirc ia passando uma coisa vocecirc via a resposta neacute agora cinco anos tem crianccedila que

natildeo estaacute maduro psicologicamente neacute elas precisam de algum tempinho a mais entatildeo eu acho

que aiacute tem um pouquinho neacute demora um pouquinho mais natildeo concordo muito natildeo eu acho

que com seis anos que deve comeccedilar a gente pode comeccedilar antes elas conhecem as letras

mas natildeo eacute uma coisa forccedilada eacute uma coisa natural que vem florescendo neacute mas mais mesmo eacute

com seis anos

P como que vocecirc chega agrave conclusatildeo que uma crianccedila sabe ler e escrever quais satildeo as

manifestaccedilotildees que essa crianccedila apresenta que vocecirc fala nossa estaacute lendo e escrevendo o que

vocecirc observa que te garante que aquela crianccedila jaacute aprendeu a ler e a escrever

PB lendo alguma coisa mas geralmente crianccedila dessa idade comeccedila a ler coisas que estatildeo em

placas mostrando eacute cartazes sabe eles passam e comeccedilam a ler e falam pra vocecirc OLHA estaacute

escrito natildeo sei o que olha laacute estaacute sol entatildeo vocecirc jaacute vai percebendo que eles estatildeo lendo neacute

e escrevendo uma hora eles vatildeo escrever mesmo ou uma muacutesica ou uma coisa ateacute mesmo na

areia agraves vezes eles escrevem geralmente os maiores neacute eacute o nome principalmente o

nomeconsegue neacute

P comeccedila por aiacute

PB eacute mas daiacute natildeo seria leitura e nem escrita tambeacutem seria somente do nome mas eacute mais

pra frente que eles fazem neacute

P ta normalmente comeccedila escrever coisas assim produzir um texto maior que olha

PB que jaacute deu neacute que ele consiga ler e entender entatildeo vocecirc pode perguntar que ele natildeo vai te

responder

P PB o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PB sabe que natildeo ouvir falar muito de letramento natildeo mas eu acho que letramento seja a crianccedila

que conheccedila as letras que talvez monte (refere-se as letras) mas alfabetizaccedilatildeo jaacute natildeo ela eacute

incorporada porque tem palavra que tem duplo sentido entatildeo a crianccedila jaacute vai natildeo soacute na

palavra que vocecirc vai lendo nas placas nos siacutembolos neacute entatildeo eacute diferente mas natildeo sei se eacute

bem isso

P natildeo eacute a sua opiniatildeo mesmo

PB acho que alfabetizaccedilatildeo eacute mais complexo neacute porque entender e escrever e ler aiacute vocecirc tem

uma alfabetizaccedilatildeo e letramento talvez seja a leitura sem entender o que estaacute lendo somente

juntando as palavras ou sabendo o alfabeto inteiro mais ou menos acho que eacute isso

P ah obrigada

273

PM I ndash PROFESSORA DO MATERNAL I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM I leio

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler pra eles

PM I entatildeo a literatura infantil leio bastante todos os dias leio um livro uma histoacuteria

seleciono leio sempre assim com um objetivo de trabalhar sentimento eacute trabalhar famiacutelia

ou amorou sei laacute a cooperaccedilatildeo sempre seleciono uma histoacuteria assim que de alguma forma vai

tocar eles eles vatildeo viver uma situaccedilatildeo aqui da escola tambeacutem

P e vocecirc percebe assim algum tipo de texto que eles se interessam mais De quais histoacuterias que

eles se interessam mais

PM I que eacute das histoacuterias neacute geralmente eles se interessam bastante e tem insistecircncia

P as que tem o personagem malvado

PM I tem o bonzinho

P sei

PM I as preferidas tem ateacute que induzi-los a um outro tipo de histoacuteria porque eles querem

sempre o mesmo

P o mesmo

PM I o mesmo

P e vocecirc costuma produzir textos eacute escritos por escritos com os alunos

PM I nessa classe ainda natildeo eu sou mais oralmente vocecirc conta a histoacuteria e

P sim

PM I eles relatam o que aconteceu

P aiacute recupera essa histoacuteria

PM I recupera assim oralmente

P vocecirc percebe que as crianccedilas entatildeo se interessam pelas histoacuterias que tem mais

PM I Clima de suspense

P Tem o mal

PM I tem o mal aiacute no final o bem supera o mal ((risos))

P e como eacute que vocecirc percebe isso que eles gostam mais desse tipo de histoacuterias de que maneira

eles demonstram

PM I A expressatildeo facial deles neacute a satisfaccedilatildeo com aquele final o desfecho neacute e os

comentaacuterios

P Ah sim

PM I os comentaacuterios o Maternal quando envolve bastante oralidade eles deslancham assim na

oralidade

P eacute mesmo

PM I eles contam bastante (refere-se as histoacuterias)

P seisei

PM I eacute eles ateacute se antecipam com o acontecimento

P eacute mesmo

PM I eacute muito bom o Maternal

P e quais materiais de leitura que vocecirc costuma utilizar no seu trabalho com as crianccedilas

PM I eu gosto de usar o livro eu gosto de usar o oral como elemento surpresaeu gosto de usar

uma caixa

P caixa

274

PM I tirando assim alguns objetos agraves vezes que eu crio um evento uma histoacuteria e invento

bastantetem que ter esse elemento surpresa pra estar trabalhando a oralidade para eles

ampliarem o vocabulaacuterio neacute a imaginaccedilatildeo

P e seriam aquelas caixas de histoacuterias

PM I Isso

P certo

PM I eu te mostrei

P natildeo

PM I eu tenho duas caixas e um bauzinho que coloco vaacuterios objetos que esse daiacute eu invento

P daiacute vocecirc vai mudando os objetos do bauacute

PM I geralmente eu aproveito as histoacuterias jaacute conhecidas deles que jaacute conhecem e em cima

dessa histoacuteria crio outra histoacuteria com eles agraves vezes escutando vaacuterias histoacuterias pegando outros

personagens de histoacuterias e eles gostam muito

P e tem algum outro material ou seria esse mesmo com as crianccedilas seriam mais os livros e as

caixas neacute

PM I as caixas e paineacuteis tambeacutem

P Ah ta vocecirc usa tambeacutem os paineacuteis

P PM I em que momento na Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita e por quecirc

PM I olha eu acho assim como eu trabalho sempre com crianccedilas pequenas com faixa etaacuteria

menor assim vocecirc fala assim Eacute ESSE O MOMENTO

P certo

PM I vocecirc vai mantendo a crianccedila em contato com a escrita com a leitura vocecirc vai oferecendo

materiais faz uma releitura ( refere-se ao ato de reconstruir a histoacuteria oralmente) vocecirc trabalha

com eles a oralidade e a crianccedila vai aos poucos despertando o interesse e tem tambeacutem cada um

tem o seu momento neacute tem crianccedila que estaacute mais aleacutem tem crianccedila que tem o momento dela

que vai despertar cada um tem o seu momento chave eacute agora

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe

ler e escrever

PM I quando ela domina eu acho que a crianccedila comeccedila a despertar o interesse para tudo que

ela vecirc olha taacute escrito ta olha eu jaacute sei escrever tal palavra quando ela comeccedila ter o

interesse a dar razatildeo aquilo que taacute escrito neacute porque chega o momento que a crianccedila desperta

o divisoacuterio o concreto as figuras uma coisa mais simboacutelica quando ela comeccedila a abstrair

essa ideia ela comeccedila juntar as letrinhas olha o que estaacute escrito aquijaacute sei ler issojaacute sei

fazer isso

P E com a escrita

PM I com a escrita tambeacutem a crianccedila comeccedila a falar eu jaacute sei eu vou escrever o meu

nome ela comeccedila pela primeira letrinha ela fala escrevi meu nome vocecirc fala jaacute estaacute

despertando e vai com a maturidade ela vai deslanchando

P e quando vocecirc percebe que ela jaacute sabe ler mesmo que ela jaacute aprendeu de que forma essa

crianccedila se manifesta e vocecirc fala que jaacute sabe ler e escrever

PM I pela manifestaccedilatildeo da autonomia neacute de escrever sozinha sem pedir ajuda quando ela tem

aquela autonomia aquele domiacutenio neacute essa daiacute jaacute (risos) (refere-se agrave crianccedila que jaacute

consegue ler e escrever)

P o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

275

PM I na minha concepccedilatildeo na minha ideia alfabetizar e letrar eu acho que caminham juntas

uma crianccedila letrada estaacute alfabetizada neacute ou pode estar letrada conhecer as letras e natildeo ter o

domiacutenio assim alfabetiZADA MESMO quando natildeo consegue ter a proacutepria autonomia se

virar sozinha mesmo

P alfabetizar pelo que vocecirc estaacute me dizendo pra vocecirc seria a crianccedila que jaacute domina a leitura

com a escrita

PM I isso

P de forma mais autocircnoma

PM I isso

P e letrada eacute quando ela jaacute conhece tem noccedilotildees

PMI mas ela ainda natildeo tem aquela autonomia de ficar fazendo sozinho essa letra e essa

escrita

P certo

PM I minha ideia de ficar analisando a fundo neacute

P e na Educaccedilatildeo Infantil esses processos de alfabetizaccedilatildeo e de letramento satildeo adequados

PM I desde que a crianccedila esteja assim se ela desperta pra isso neacute vocecirc natildeo vai queimar

etapas eacute atropelar eacute forccedilar a situaccedilatildeo e tambeacutem vocecirc natildeo vai provar a crianccedila se ela tem o

interesse se ela se envolver se ela tem vaacuterios recursos na famiacutelia pra estimular vai despertar

antes que outros mas vocecirc natildeo vai pular (etapa) para aprender agora vocecirc natildeo vai escrever

vocecirc natildeo vai segurar a crianccedila e vocecirc tambeacutem natildeo vai forccedilar a situaccedilatildeo assim entatildeo se

acontece

P vocecirc trabalha em cima do que ela vivencia

PM I eacute essa eacute mais ativa ela que vai se tornar eacute depende da situaccedilatildeo vocecirc natildeo vai

forccedilar

P ah estaacute bem muito obrigada

PM I de nada

PM II ndash PROFESSORA DO MATERNAL II

P e vocecirc costuma ler para os seus alunos

PM II sim

P eacute e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PM II primeiro vou te contar o tipo de leitura que eu faccedilo em alguns momentos eu leio

conforme a histoacuteria do livro neacute leio as letras do livro mesmo a histoacuteria do livro mas em

outros momentos eu costumo contar a histoacuteria tambeacutem Faccedilo o momento da histoacuteria contada

porque dependendo da faixa etaacuteria os pequenos no comeccedilo do ano de eu soacute ler livros pra eles

natildeo se interessam tanto eles se dispersam neacute desviam a atenccedilatildeo e eacute entatildeo que em alguns

momentos eu leio ou em outros eu conto para eles irem se habituando agrave leitura do livro natildeo

contar a histoacuteria assim simplesmente entatildeo eacute leio dessa forma entatildeo eacute eu leio mais os

contos ou eacute eu trabalho lendas neles eacute o que mais leio satildeo faacutebulas mas aiacute eu natildeo enfoco tanto

a moral porque eles ainda natildeo entendem neacute (risos) mas eu natildeo costumo trabalhar assim por

exemplo com histoacuterias em quadrinhos porque satildeo muito pequenos entatildeo eacute assim pra essa

faixa etaacuteria neacute quando eu penso nos maiores daacute

P aiacute jaacute daacute

276

PM II aiacute jaacute daacute pra trabalhar outros gecircneros porque a poesia tambeacutem eacute complicada pra eles

entenderem o que taacute falando ali porque eacute uma linguagem mais eacute mais conotativa

P hum estaacute certo e vocecirc costuma produzir textos escritos com os alunos em quais

atividades se isso acontece em quais atividades isso acontece

PM II textos deixa-me pensar entatildeo eacute difiacutecil porque crianccedila pequena produz texto assim em

alguns momentos que eu escrevo os momentos que eu escrevo que eles falam mais quando

assim a gente estaacute por exemplo natildeo satildeo textos satildeo palavras geralmente por exemplo assim

se eles estatildeo se dou uma opccedilatildeo de duas histoacuterias ou trecircs histoacuterias pra turma escolher eu posso

fazer uma votaccedilatildeo entatildeo eu vou perguntando vocecirc qual histoacuteria gostaria de ouvir eu ponho

o nome da histoacuteria na lousa de repente surge outra histoacuteria que natildeo eacute nenhuma daquelas que eu

separei para as crianccedilas escolherem entatildeo eu marco na lousa aiacute a gente faz a contagem ou de

repente a gente vai falar sobre ou ateacute mesmo falar o nome da histoacuteria o nome das crianccedilas

mas assim texto mesmo eacute quase o Maternal II eacute meio complicado

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por um tipo de texto por algum tipo de

texto qual sua opiniatildeo

PM II Nessa faixa etaacuteria eacute soacute os claacutessicos neacute os claacutessicos

P Ah sei

PM II e geralmente eles gostam das histoacuterias que tem eacute o Lobo Mau que tem a bruxa entatildeo

tem que ter esse tipo de personagem

P e como vocecirc percebe que eles se interessam mais por esse tipo de texto

PM II olha eu acredito que seja por conta da imaginaccedilatildeo que eles tecircm que a imaginaccedilatildeo deles

eacute bem feacutertil neacute eles contam diversas histoacuterias eles inventam eles criam eacute mesmo que de

repente vocecirc comeccedila contar uma histoacuteria de cada o que aconteceu em casa eles satildeo de

repente natildeo contam exatamente contam o que aconteceu e depois eles comeccedilam a contar

inventar criar imaginar as coisas ou uma situaccedilatildeo que eles gostariam eu acho que eacute por isso

porque os contos claacutessicos as histoacuterias de fadas e de princesas assim mexem muito com a

imaginaccedilatildeo da crianccedila

P e quais materiais de leitura vocecirc disponibiliza para as crianccedilas que material que vocecirc costuma

utilizar no seu trabalho

PM II de leitura

P eacute com as crianccedilas

PM II olha eu preciso utilizar os livros de histoacuterias eu gosto de livros natildeo soacute assim eu

acho que a leitura pra crianccedila pequena eacute muito importante que seja feita junto com o livro neacute

porque eacute eu sinto muito que eles precisam de um modelo por que agraves vezes quando vocecirc estaacute

contando uma histoacuteria vocecirc tem que ter aquele apoio visual que eacute muito mais faacutecil pra crianccedila

compreender e agraves vezes ateacute pra despertar o eu acho a imaginaccedilatildeo das crianccedilas que nem por

exemplo eu posso contar a histoacuteria da Chapeuzinho Vermelho com um livro e depois contar

com outro livro e eles iratildeo ter desenhos diferentes e de repente a histoacuteria muda um pouco entatildeo

eles iratildeo ter que se concentrar mais ficam mais por conta da imagem (5) Entatildeo eles ficam por

mais tempo eles ficam mais eu vejo que eacute um modelo de desenharem porque quando a

gente soacute conta histoacuteria pra crianccedila pequena principalmente depois eles ficam meio perdidos

eles dizem Ocirc tia natildeo tem um desenho da formiga Natildeo sei como desenha o Lobo Natildeo sei

como desenha sei laacute a Chapeuzinho Vermelho entatildeo elas acham importante o apoio visual

eacute eu costumo trabalhar com eles assim eles vatildeo ter contato com as letras com as imagens

eacute os livros que conteacutem os desenhos agora agora as revistas contecircm fotografias natildeo tem soacute

desenhos tem alguns desenhos tambeacutem mas contecircm fotos imagens diferentes tem tambeacutem

as marcas dos produtos que eles vatildeo ter contatos

277

P entendi

PM II entatildeo uma placa que eles veem na rua pode ver na revista tambeacutem entatildeo eu trabalho

mais com o livro e com a revista e os livros tambeacutem eu gosto quando eu tenho um atrativo a

mais como por exemplo o livro do Coelhinho Fofinho para as crianccedilas da Vaquinha

Mimosa que tem texturas ou livros que decirc pra vocecirc Um Caracol que eu li tambeacutem que daacute

pra colocar os dedos nos olhinhos para se mexerem um atrativo a mais pra crianccedila pequena

P em que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita

PM II ah eu acho que no Infantil I e no Infantil II neacute porque as crianccedilas estatildeo mais prontas

jaacute daacute pra ensinar as letras palavras nomes elas jaacute reconhecem mais raacutepido jaacute entendem

melhor o que a gente ensina se bem que a letra inicial do nome jaacute daacute pra ensinar antes no

maternal mas no Infantil II para as crianccedilas jaacute fica mais faacutecil elas relacionam a letra ao som

conseguem perceber mais isso eu ensino no maternal tambeacutem vou mostrando trabalho

muito com muacutesicas e conforme eles vatildeo respondendo eu vou oferecendo mais vou puxando

sabe Mas sem ser uma coisa que seja duro demais pra elas

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que manifestaccedilotildees essa crianccedila apresenta que vocecirc fala essa crianccedila jaacute sabe

ler e escrever

PM II ah quando a crianccedila falaeu jaacute sei ler ou eu vou escrever tal coisasabe ela comeccedila ler

as coisas que estatildeo escritas em cartazes na rua essas coisas a crianccedila chega num momento

que ela desperta mesmo e ela comeccedila a ler e a escrever

P mas como vocecirc percebe isso Quais as manifestaccedilotildees dela Vocecirc observa outros indiacutecios

PM II a crianccedila ela quando ela aprende a ler e a escrever ela quer fazer isso o tempo todo

isso acaba sendo legal pra ela a crianccedila se sente importante porque jaacute consegue fazer isso e agraves

vezes as outras ainda natildeo

P o que vocecirc entende por alfabetizaccedilatildeo e por letramento

PM II ah eacute uma coisa meio complicada neacute mas pra mim alfabetizaccedilatildeo eacute quando a crianccedila

sabe codificar e decodificar sabe o que estaacute escrito e sabe escrever agora letramento eacute eu

acho que eacute quando a crianccedila sabe usar isso de algum jeito sabe usar de maneira mais

funcional eu acho que eacute isso neacute

PI I ndash PROFESSORA DO INFANTIL I

P vocecirc costuma ler para os seus alunos

PI I costumo

P e que tipo de textos vocecirc costuma ler para eles

PI I eacute a maioria satildeo histoacuterias infantis mesmo contos de fada historinhas em si infantis

hum a gente lecirc muitas muacutesicas tambeacutem mas como eu escrevo na lousa a gente acaba lendo a

muacutesica neacute

P certo

PI I mas histoacuteria mesmo satildeo contos de fada

P e vocecirc costuma produzir textos por escrito com os alunos

PI I natildeo

P sei

PI I com o Preacute III eu fazia

278

P certo

PI I com o Infantil I eu ainda natildeo fiz natildeo

P uma produccedilatildeo oral que vocecirc vai registrando

PI I ano passado eu fiz sabe

P eacute

PI I eu fiz brincadeiras a gente brincava na quadra e escrevia a brincadeira neacute

P certo

PI I com eles eu fiz mas com esse ano natildeo fiz natildeo

P certo e tem algum motivo especial assim por que natildeo fez ainda esse ano

PI I natildeo

P vocecirc percebe que seus alunos se interessam mais por algum tipo de texto

PI I que eles gostam mais

P eacute tem algum tipo que causa mais que causa mais interesse

PI I eles pedem mais os que tecircm lobo que tenha mais personagem do tipo do lobo neacute tenha

bruxa eles adoram OS TREcircS PORQUINHOS neacute

P ah Os Trecircs Porquinhos

PI I eacute o que eles mais gostam A Bela e a Fera eles adoram

P sim

PI I acho que tem esse elemento que causa esse tipo de medo natildeo sei

P e quais materiais de leitura vocecirc costuma utilizar em seu trabalho com as crianccedilas

PI I que eles leiam vocecirc fala ou o que leio pra eles

P o que vocecirc lecirc pra eles o que vocecirc costuma usar

PI I somente livros de histoacuterias infantis mesmo

P e por que vocecirc prioriza esse uso desse tipo de material

PI I natildeo sei eu acho que estou errada nisso porque tem que usar todos mas eu acabo presa

nisso uma falha minha

P eacute uma falha

PI I eu acho que eacute uma falha que nem a produccedilatildeo de textos eu dou muito pouco porque eles

vatildeo ditando pra mim e eu vou escrevendo na lousa aiacute seria uma produccedilatildeo mas natildeo um texto

que eles criaram neacute eacute um texto pronto que eles vatildeo falando que letra vocecircs acham que tem que

pocircr ou eu sento falo onde estaacute tal palavra na muacutesica do Pintinho Amarelinho eles vatildeo

procurar eles vatildeo procurando jaacute entatildeo eles tecircm bastante isso neacute

P certo

PI I eu natildeo faccedilo a produccedilatildeo para eles criarem neacute

P certo

PI I eacute uma parte que eu estou falhando que teria que rever neacute

P e vocecirc disponibiliza materiais de leitura para as crianccedilas

PI I somente livros de histoacuterias

P somente livros de histoacuterias e vocecirc os empresta para elas levarem pra casa esses livros de

histoacuteria

PI I natildeo tenho emprestado

P natildeo

PI I Eacute Eu tenho emprestado em anos anteriores sabe por quecirc

P natildeo por que

PI I eu fico sempre eacute assim eu planejei fazer de uma forma que eu tinha que mandar bilhetinhos

para os pais e sabe quando vocecirc vai deixando de uma semana para outra e acaba natildeo

mandando eacute uma falha que a gente vai tendo neacute

279

P que momento da Educaccedilatildeo Infantil vocecirc considera mais adequado para o ensino da

aprendizagem da leitura e da escrita

PI I que momento

P Eacute

PI I eu acho jaacute no Infantil I daacute porque que nem eu falei pra vocecirc eu trabalho as muacutesicas e eles

jaacute estatildeo procurando as letrinhas eles jaacute sabem a palavrinha agraves vezes eu falo pra eles onde estaacute

escrito o pintinho jaacute tem crianccedila que jaacute fala que comeccedila com letra P ela proacutepria jaacute acha o

siacutembolo da palavra jaacute percebe pelo espaccedilo que naquele espacinho termina que cabe a palavra

antes de eu mostrar na lousa de eu grifar com eles tecircm crianccedila que encontra entatildeo eu acho

que desde o Infantil I jaacute daacute neacute eles jaacute comeccedilam a ver diferenccedilas que tem letras iguais nos

nomes o som do nome Gui comeccedila com tal letra acho que jaacute daacute jaacute eacute o iniacutecio neacute quando eles

vatildeo ler que nem eu falei pra vocecirc quando eu vou pocircr a muacutesica na lousa jaacute vatildeo com o dedinho

cantando e vai assim o dedinho (faz o gesto no ar e movimenta o dedo indicador em linha reta da

esquerda para a direita como a indicar leitura) entatildeo jaacute estaacute iniciando desde pequenos jaacute

comeccedilam os livros de alfabetizaccedilatildeo do Maternal II do Maternal Ieles jaacute estatildeo tendo contato

com a escrita neacute

P certo

PI I eu acho que tudo jaacute comeccedila a aprendizagem dali neacute minha sobrinha tem um ano e meio e

coloco-a no computador jaacute a coloco na letrinha como ela adora BARBIE (nome de uma

boneca) o site da BARBIE ela procura qual eacute o B no teclado e comeccedilo perguntando qual eacute o

B qual que eacute o B ela faz assim com o dedo (faz o gesto indicando que a crianccedila passa o dedo

sobre cada letra no teclado do computador) procura e aperta o B entatildeo acho que natildeo tem uma

idade definida mas eu acho que o trabalho em si seria no Infantil II mas pode comeccedilar firme

no Infantil I aquele trabalho de procurar letra na muacutesica eu acho que eacute um eacute mais eacute faacutecil

neacute

P e pra vocecirc como que vocecirc chega agrave conclusatildeo de que uma crianccedila sabe ler e escrever como

que vocecirc percebe que uma crianccedila jaacute se apropriou disso

PI I quando ela sozinha consegue ler e entender o que ela estaacute lendo quando ela consegue

escrever histoacuterias criar e conseguir o que ela escreveu

P certo eacute que eu iria perguntar que manifestaccedilatildeo dela com a leitura que te leva a concluir que

ela aprendeu a ler por exemplo

PI I eacute porque agraves vezes a crianccedila decodifica vocecirc pergunta o que vocecirc leu e natildeo consegue

explicarentatildeo eu acho que quando ela aprender mesmo eacute quando ela entendeu o que ela leu neacute

porque na verdade a leitura se vocecirc entender como uma decodificaccedilatildeo aqui estaacute escrito BOLA e

ela lecirc BOLA ela sabe decodificar mas natildeo prestou atenccedilatildeo no que estaacute lendo entatildeo eu

considero que ela tem que entender o que estaacute lendo tambeacutem por exemplotem que ser um

complemento neacute a escrita tambeacutem tem que saber passar sabe escrever e entender o que ela quis

passar pra mim neacute outra pessoa lecirc que tenha coerecircncia uma coisa eacute entender pode ter erros

de ortografia e tudo mas isso eacute normal neacute

P ainda mais que isso eacute normal

PI I Isso eacute tem bastante erro mas daacute pra entender o que a crianccedila quis passar neacute

P e o que vocecirc entende por alfabetizar e por letrar

PI I ai eu natildeo sei eu jaacute li sobre isso mas na minha cabeccedila ficou a mesma coisa letrar

alfabetizar ficou a mesma coisa

P e pra vocecirc o que eacute alfabetizar

PI I alfabetizar entatildeo eacute isso que acabei de falar eacute vocecirc ensinar a crianccedila a ler a escrever

a poder utilizar isso ela pegar um jornal e saber usar o jornal como lecirc como que entender o

280

que estaacute escrito laacute na vida dela se ela precisa de uma receita ela vai laacute e ela sabe procurar um

livro de receitas ela vai lecirc sozinha sem ajuda de ningueacutem ela consegue fazer sozinha neacute

lecirc uma histoacuteria lecirc pro amiguinho lecirc uma bula de remeacutedio saber o que ela estaacute lendo ela

quer fazer um brinquedo lecirc um texto e lecirc sabe o que estaacute escrito e lecirc sabe escrever um

bilhete pra algueacutem uma carta uma histoacuteria

P obrigada

PM I eacute isso neacute

P muito obrigada

281

APEcircNDICE F ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI ndashESTRUTURADAS DAS CRIANCcedilAS (INIacuteCIO DA PESQUISA)

C1 ndash 5 anos

P C1 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C1 eu gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C1 todas que eu tenho

P todas que vocecirc tem e quais satildeo as que vocecirc tem

C1 a que tem vaacuterias histoacuterias e a do Peacute de Feijatildeo

P ah que tem vaacuterias histoacuterias num livro

C1 num DVD

P Ah num DVD e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C1 porque eu comecei a ouvir e gostei

P ah eacute o que elas tecircm assim de especiais

C1 muitas histoacuterias legais

P aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece

Beatriz Uhum

P quais tipos de textos que vocecirc jaacute conhece

C1 Chapeuzinho Vermelho Os Trecircs Porquinhos eu natildeo sei mais

P tem outro tipo de histoacuteria diferente que vocecirc conhece de textos que vocecirc conhece

C1 tem

P aleacutem dessas histoacuterias que vocecirc jaacute conhece tem outros tipos como poesia por exemplo

C1 Uhum

P vocecirc gosta o que mais que vocecirc gosta que as pessoas leiam ou contem histoacuterias pra vocecirc

C1 o livro de histoacuterias que meu pai conta

P ah eacute mesmo o livro de histoacuterias biacuteblicas eacute o seu pai que conta pra vocecirc que legal vocecirc

costuma usar os livros na escola

C1 costumo

P tem bastante na sua sala

C1 tem

P e na sua casa

C1 tambeacutem

P e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros textos

aleacutem dos livros

C1 conheccedilo

P conhece que outros materiais escritos tecircm

C1 poesias

P tem poesias mas que materiais olha temos os livros neacute aleacutem dos livros vocecirc tem outro

tipo de material que vocecirc usa

C1 tem

P qual o que vocecirc conhece

C1 eu tenho um livro que conheccedilo

P qual

C1 somente natildeo sei o nome

282

P mas e revistas

C1 tem uma revista laacute em casa

P ah eacute aleacutem de revistas tem outro tipo de materiais na sua casa que tem coisas escritas

C1 jornal

P jornal eacute mesmo tem mais algum outro que vocecirc conhece

C1 revista de TV

P ah revista de TV

Beatriz tem as pessoas que aparecem na TV

P C1 quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C1 costumava

P e que tipo de histoacuteria elas liam

C1 qualquer uma

P qual por exemplo

C1 da Chapeacuteu

P qual

C1 da Chapeuzinho Vermelho Os Trecircs Porquinhos Cinderela

P e vocecirc prefere mais que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C1 que contem histoacuterias pra mim

P por que vocecirc prefere que contem e natildeo que leiam

C1 eacute porque eu gosto de histoacuterias

P eacute mas qual que eacute a diferenccedila quando algueacutem estaacute lendo de algueacutem estaacute contando pra vocecirc

por que vocecirc gosta mais somente conta

C1 porque cai bem contar porque eu gosto

P eacute tem alguma coisa de diferente na hora de contar

C1 eacute que naquele livro de histoacuterias na terra tinha somente pulo

P Ah

C1 eacute lenda

P ah eacute Nossa e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C1 dos desenhos que as pessoas fazem

P ah eacute

C1 do Adatildeo e Eva

P vocecirc gosta mais das ilustraccedilotildees entatildeo dos desenhos

C1 uhum

P vocecirc acha importante C1 saber escrever

C1 eu sei mas somente o meu nome

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P acha e por que vocecirc acha importante a gente saber escrever

C1 porque eu natildeo sei

P por que vocecirc acha que isso eacute importante para que a gente precisa aprender a escrever

C1 porque a gente vai crescendo e vai aprendendo

P eacute e pra fazer o que depois com essa escrita

C1 eacute ((silencia))

P e o que vocecirc vai usar por exemplo quando vocecirc aprender a escrever vocecirc vai usar para

que isso

C1 porque sim

283

P pra que a gente aprende a escrever

C1 porque nossos pais fazem a gente escrever

P ah C1 o que eacute saber ler

C1 eacute para aprender

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C1 tem que ter seis anos para saber ler

P ah quando tem seis anos mas tem gente que aprende antes dos seis anos natildeo aprende

C1 a hatilde

P e aiacute

C1 hum

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler quando que vocecirc olha para um amiguinho e diz aquela

pessoa jaacute sabe ler como eacute que vocecirc percebe isso

C1 eacute porque um dia a V ((refere-se a uma colega da turma)) conseguiu ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc percebeu que ela fez isso

C1 porque ela estava vendo o livrinho e prestando atenccedilatildeo nos desenhos

P eacute mesmo

C1 e a professora deu um pontinho

P quando foi isso

C1 ah quando a gente estudava com a outra professora ((refere-se a professora do ano

anterior))

P muito obrigada C1

C1 taacute obrigada

C2 ndash 5 anos

P C2 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C2 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C2 Os Trecircs Porquinhos

P Os Trecircs Porquinhos eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C2 porque Os Trecircs Porquinhos fazem uma Os Trecircs Porquinhos eacute um eacute burro e outro eacute

esperto

P ah eacute C2 aleacutem de histoacuterias tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C2 O caso do bolinho ((refere-se a histoacuteria de autoria de Tatiana Belinky))

P O caso do bolinho eacute outra histoacuteria neacute mas sem ser histoacuterias poesias por exemplo vocecirc

conhece jaacute ouviu algumas poesias alguma vez

C2 eacute A Branca de Neve

P A Branca de Neve hum e vocecirc costuma usar livros na escola vocecirc natildeo costuma pegar

livros na caixinha da leitura

C2 somente gosto de pegar o livro do Aladim e do catildeo

P mas entatildeo vocecirc usa livros na escola

C2 ((afirma com a cabeccedila))

P e em casa vocecirc usa livros vocecirc tem livros na sua casa

C2 uhum

P tem

C2 meu irmatildeo daacute pra eu ler

284

P e quais livros ele daacute pra vocecirc ler

C2 aquele que tem a Barba Azul

P ah certo C2 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros textos aleacutem dos livros

C2 Aquela da bruxa ruim que daacute a maccedilatilde ruim pra Branca de Neve

P ah mas vocecirc conhece outros materiais por exemplo vocecirc falou que jaacute conhece os livros

aleacutem dos livros vocecirc conhece outros materiais escritos ou natildeo

C2 conheccedilo

P quais outros que vocecirc conhece aleacutem dos livros

C2 livro

P entatildeo sem ser

C2 eacute mais gostoso pra ler

P os livros satildeo mais gostosos de ler mas vocecirc conhece outros materiais tem outros materiais de

leitura na sua casa ou aqui na escola que vocecirc gosta de ver

C2 o aquele laacute do Mickey e Donald

P ah mas aquele laacute eacute o gibi neacute e vocecirc conhecia ou natildeo o gibi

C2 ((nega com cabeccedila))

P natildeo

C2 eu somente conheci quando o assisti no salatildeo

Pesquisadora Ah taacute

C2 e aquele que tem o ratinho que pega um montatildeo de coco e aiacute ele vai pra casinha dele na

aacutervore

P certo ah entatildeo vocecirc conhece livros conhece gibis e conhece mais o que

C2 revista

P C2 quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C2 costumavam

P e quais histoacuterias elas liam que tipo de histoacuterias elas liam

C2 A Branca de Neve

P somente essa somente esse tipo de histoacuteria que elas liam

C2 aa Chapeuzinho

P ah da Chapeuzinho Vermelho e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C2 leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam as histoacuterias

C2 porque eacute melhor

P e por que eacute melhor quando algueacutem estaacute lendo por que vocecirc acha que eacute melhor do que ler ou

somente contar

C2 porque contar natildeo se pode fazer nada somente pode ficar quieto

P e quando estaacute lendo pode

C2 ((nega com a cabeccedila))

P natildeo e por que entatildeo eacute mais legal quando algueacutem estaacute lendo

C2 eacute mais da hora aiacute mostra os desenhos

P e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C2 do desenhos

P e por que

C2 porque o desenho passa muito e as histoacuterias passam pouco

P ah eacute mas passa muito como

285

C2 porque o meu amigo Indiana tem aquele cachorratildeo e aquele ratinho

P ah sim C2 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever e por que vocecirc acha que eacute

importante saber escrever

C2 porque eacute aprende

P entatildeo porque a gente tem que aprender a escrever

C2 eacute melhor

P e o que fazemos quando aprendemos a escrever o que podemos fazer quando sabe escrever

C2 noacutes trabalhamos

P trabalhamos de que jeito

C2 fazendo portatildeo

P entatildeo quando a pessoa sabe escrever ela pode trabalhar e o que mais

C2 Aiacute

P por que a gente escreve as coisas

C2 eacute tem que escrever muito pra saber

P pra saber pra conhecer saber o que

C2 filme

P filme

C2 filme e trabalhar

P e o que mais a gente pode fazer quando sabemos escrever

C2l desenhar o filme

P C2 o que eacute saber ler

C2 que natildeo eacute bonito que noacutes aprendemos muito

P e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C2 aiacute ele vai lendo para outra pessoa

P ah eacute quando uma pessoa aprende a ler ela lecirc para ajudar outra pessoa tambeacutem e quando vocecirc

jaacute sabe que uma pessoa jaacute sabe ler

C2 C13 e C5 jaacute sabem

P C13 e C5 jaacute sabem ler e o como eacute que vocecirc sabe que os dois jaacute sabem ler

C2 porque eles lecircem o livrinho

P eles leram pra quem

C2 eacute pra eles quando vocecirc daacute livrinhos pra eles eles ficam lendo

P eacute mesmo e como que vocecirc olha e fala assim eles jaacute sabem ler esses meus amigos aqui jaacute

sabem ler como eacute que vocecirc percebe que eles jaacute sabem ler

C2 Porque eacute ele estaacute lendo o livrinho alto

P ah ele estaacute lendo alto aiacute daacute pra perceber que ele estaacute lendo mesmo

C2 uhum

P entatildeo estaacute bem obrigada viu

C3 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C3 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C3 do caso do bolinho

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C3 porque eacute mais legal a muacutesica

286

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C3 natildeo

P natildeo vocecirc costuma usar os livros na escola

C3 sim

P e na sua casa

C3 tambeacutem

P tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C3 tenho UM MILHAtildeO

P nossa quantos e quais livros vocecirc tem na sua casa

C3 Um montatildeo

P fala o nome de alguns

C3 uma eacute da joaninha e outra da borboleta

P Ah

C3 os outros eu natildeo me lembro

P C3 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros

C3 eu natildeo

P vocecirc natildeo conhece nenhum material de leitura

C3 conheccedilo

P tem os livros e tem outros materiais que tem coisas escritas natildeo tem

C3 tem

P que outros materiais vocecircs conhecem que tem coisas escritas

C3 ah eu natildeo sei tem um montatildeo de coisas tem jornal

P tem jornal entatildeo vocecirc conhece o jornal tem o jornal tem os livros e o que mais

C3 revistas

P revistas tem mais algum material escrito que vocecirc conhece

C3 natildeo

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler ou

contar histoacuterias pra vocecirc

C3 sim

P e quais histoacuterias elas contavam que tipo de histoacuterias elas contavam

C3 eacute da Chapeuzinho Vermelho dos Trecircs Porquinhos

P tem mais algum outro tipo de histoacuteria

C3 os outros eu natildeo me lembro

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 contem

P e por que vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 porque eacute bom para ouvir

P Entatildeo porque vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C3 porque eacute legal porque conta porque mostra os desenhos

P mas aiacute eacute quando a pessoa lecirc natildeo eacute

C3 uma vez eu leio para as minhas bonecas

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos por exemplo

C3 dos desenhos

P e por que vocecirc prefere os desenhos

C3 porque eacute legal

P e o que eles tem de legal

287

C3 satildeo engraccedilados

P C3 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C3 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute eacute importante aprender a escrever e por que vocecirc acha que eacute importante

C3 por quecirc eacute para poder escrever as cartas no dia do aniversaacuterio para poder dar para os

amigos ((refere-se agrave convites de aniversaacuterio))

P ah entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode escrever cartas para os amigos

convites de aniversaacuterios o que mais a gente pode fazer quando a gente sabe escrever

C3 a gente tambeacutem pode dar para as professoras coisa boa que estaacute escrita

P eacute mesmo e que tipo de coisas boas assim

C3 elogios de amor de felicidade

P nossa que gostoso entatildeo quando a gente sabe escrever a gente pode fazer um montatildeo de

coisas neacute

Gabriela eacute

P C3 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila sabe ler

C3 eacute eu natildeo sei quais os dias

P natildeo os dias natildeo mas como que vocecirc percebe que algueacutem sabe ler

C3 eacute porque minha matildee conta histoacuterias pra mim todos os dias aiacute eu ouccedilo

P vocecirc conhece algueacutem que sabe ler a sua matildee por exemplo sabe ler

C3 o meu avocirc

P o seu avocirc tem amiguinhos seus que jaacute sabem ler

C3 tem

P tem

C3 a minha amiga G e minha outra amiga que chama D

P e como eacute que vocecirc sabe que elas jaacute sabem ler

C3 porque elas satildeo grandes

P ah eacute mas uma crianccedila menor pode aprender a ler natildeo pode

C3 pode minha matildee me ensina

P entatildeo mas como eacute que vocecirc fala assim nossa aquela pessoa ali jaacute sabe ler

C3 eacute porque eu fico estudando todos os dias lendo eu fico falando o alfabeto assim oacute Q

E M A B

P Ah e aiacute falando as letras vocecirc vai aprendendo

C3 eacute

P a ler falando o alfabeto

C3 eacute

P entendi muito obrigada

C 5 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C5 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C5 O caso do bolinho

P Caso do bolinho e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C5 (6) porque eacute legal

P O que essa histoacuteria tem que eacute tatildeo legal

288

C5 a primeira parte

P e qual eacute

C5 que o avocirc acorda

P ah o avocirc acorda e pede o que

C5 bolinho

P pra quem

C5 para a avoacute

P aleacutem de histoacuterias haacute algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C5 natildeo

P somente conhece histoacuterias natildeo conhecem poesias outros tipos de textos

C5 natildeo

P vocecirc costuma usar os livros na escola

C5 (4) costumo

P e na sua casa

C5 natildeo porque natildeo tem

P natildeo tem livros em casa nenhum

C5 eu tenho minha irmatilde

P a sua irmatilde tem

C5 um monte

P ah entatildeo vocecirc tem livros em casa

C5 soacute que meu pai natildeo lecirc

P natildeo lecirc pra vocecirc

C5 nem minha matildee

P e vocecirc tenta ler sozinho

C5 uhum

P e consegue

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como eacute que vocecirc faz pra ler

C5 vejo as ilustraccedilotildees

P ah Isso vai lhe ajudando a ler somente com as ilustraccedilotildees que vocecirc consegue

C5 uhum

P hum C5 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros tipos de textos aleacutem dos livros

C5 natildeo

P vocecirc natildeo conhece revistas ou outros materiais de leitura que tem coisas escritas

C5 natildeo

P natildeo

C5 Professora

P Sim C5

C5 amanhatilde vocecirc me deixa ler aquele livro que aparece a caverna

P deixo vocecirc quer ler deixo sim quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas

professoras costumavam ler ou contar histoacuterias pra vocecirc

C5 natildeo

P Natildeo Nenhuma

C5 davam livros somente pra gente ler sozinhos

P ah eacute mas elas natildeo liam pra vocecircs

C5 natildeo

289

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 contem

P eacute e por que vocecirc prefere que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 porque tem algumas coisas que eu natildeo sei

P ah ta entatildeo aiacute eacute melhor que as pessoas contem do que elas leiam

C5 eacute

P C5 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C5 dos desenhos

P e por que vocecirc prefere os desenhos

C5 porque eacute legal

P eacute e o que eles tecircm assim que deixa a histoacuteria tatildeo bacana legal

C5 a muacutesica

P muacutesica

P C5 vocecirc acha importante aprender a escrever ou saber escrever

C5 eu jaacute sei

P vocecirc jaacute sabe escrever mesmo o que vocecirc faz agora por vocecirc jaacute sabe escrever

C5 ler histoacuteria pra minha irmatilde dormir

P ah que legal vocecirc lecirc histoacuterias para sua irmatilde dormir e ela gosta

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute mesmo C5 o que a gente pode fazer quando a gente aprende a escrever

C5 falar coisas para os amigos

P eacute falar ou escrever

C5 escrever

P eacute que tipo de coisas

C5 uma coisa que eles natildeo sabem depois vocecirc fala

P escreve

C5 depois vocecirc fala o que eacute se natildeo sabe

P ah aiacute vocecirc estaacute lendo natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P mas vocecirc acha que eacute importante saber escrever entatildeo

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e o que eacute saber ler

C5 eacute que aprende muitas coisas

P e quando que uma crianccedila jaacute sabe ler vocecirc por exemplo vocecirc falou pra mim que jaacute sabe

ler natildeo eacute

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P quando que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabia ler

C5 aquele dia que eu fui falar as letras

P ah vocecirc foi falando e foi aiacute que vocecirc percebeu

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute como que vocecirc faz pra ler C5

C5 fala as letras e depois eu adivinho

P ah vocecirc fala as letras e depois adivinha hum entatildeo estaacute bem muito obrigado viu

290

C6 ndash 5 anos

P C6 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C6 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C6 mais gosto eacute Cinderela

P hum e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C6 porque eu acho mais bonito

P eacute e o que elas tem que deixa mais bonita a histoacuteria

C6 eacute porque a fada transforma num vestido rosa

P C6 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece reportagens poesias

notiacutecias

P tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C6 histoacuteria conheccedilo da Chapeuzinho Vermelho

P qual mais

C6 ahn deixa eu ver Branca de Neve

P certo

C6 Pequena Sereia

P certo

C6 E

P mais alguma

C6 natildeo

P vocecirc costuma usar os livros aqui na escola

C6 costumo

P e na sua casa

C6 na minha casa somente fico brincando

P ((risos)) somente brincando e natildeo usa livros na sua casa natildeo

C6 natildeo

P mas vocecirc tem livros em casa

C6 natildeo

P natildeo C6 vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou

outros textos aleacutem dos livros

C6 aleacutem dos livros

P eacute algum material de leitura aleacutem dos livros algum outro material que tenha coisas escritas

C6 aham

P que tipo quais materiais que vocecirc conhece

C6 hum o jornal

P o jornal qual mais

C6 livro

P livro quais outros

C6 como eacute professora mesmo

P que materiais que vocecirc conhece que tem coisas escritas aleacutem dos livros

C6 coisas escritas

P vocecirc falou jornal livros o que mais vocecirc se lembra de mais algum

C6 natildeo

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

291

C6 hum natildeo

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C6 contem

P contem eacute melhor contar do que ler

C6 uhum

P vocecirc prefere e por que vocecirc prefere que as pessoas contem

C6 hum

P por que eacute mais legal contar do que ler

C6 hum porque eacute mais legal

P eacute mais legal o que tem de diferente nisso

C6 diferente

P ler eacute diferente de contar

C6 ah natildeo

P eacute a mesma se eu ler uma histoacuteria ou se eu contar uma histoacuteria eacute a mesma coisa

C6 eacute

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C6 dos desenhos

P dos desenhos e por que vocecirc gosta mais dos desenhos

C6 porque eles satildeo ilustraccedilotildees

P ah e as ilustraccedilotildees satildeo boas

C6 satildeo

P e vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C6 importante

P eacute vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C6 eu acho

P e por que eacute importante aprender a escrever

C6 hum para a gente aprender mais

P aprender mais e o que a gente pode fazer depois que a gente aprende a escrever

C6 escreve

P escreve o que por exemplo

C6 escreve para professora para o amiguinho

P ah escreve para a professora para os amigos

C6 uhum

P o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 somente quando estuda e vai para a escola

P somente quando vai para laacute e antes natildeo pode aprender

C6 antes aprende tambeacutem

P entatildeo e quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C6 quando estiver em outras escolas assim

P vocecirc tem alguma amiguinha aqui na nossa escola que jaacute sabe ler

C6 natildeo

P nenhuma

C6 nenhuma

P e quando uma pessoa jaacute sabe ler vocecirc fala assim nossa aquela crianccedila ali jaacute sabe ler

como que vocecirc percebe que algueacutem estava lendo

C6 eu jaacute sei ler

P e como eacute que vocecirc sabe o que vocecirc faz quando vocecirc ler como que vocecirc faz pra ler

292

C6 eu fico juntando as letrinhas

P ah vocecirc fica juntando as letrinhas e vai conseguindo ler

C6 uhum

P eacute assim

C6 eacute

P entatildeo vocecirc jaacute aprendeu

C6 uhum

P Obrigada C6

C6 de nada

C8 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C8 sim

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C8 eu gosto do saci

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C8 eu gosto mais da histoacuteria que ele vai agrave fazenda e se transforma num cavalo

P ah eacute e quem contou essas histoacuterias pra vocecirc

C8 eu vi na televisatildeo

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C8 eacute por isso que o saci sempre faz coisas legais na casa do fazendeiro

P aleacutem de histoacuterias tem outro tipo de texto que vocecirc conhece quais

C8 matemaacutetica

P ah matemaacutetica eacute um texto

C8 texto de adulto

P de adulto como eacute que vocecirc sabe disso

C8 eacute pra isso que se trabalha em matemaacutetica para poder ir para outra escola

P mas a gente natildeo faz matemaacutetica aqui na escola

C8 sim

P entatildeo eacute somente dos adultos

C8 somente para os adultos e para crianccedila tambeacutem

P entatildeo tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C8 eu conheccedilo

P aleacutem das histoacuterias

C8 eu conheccedilo aleacutem das histoacuterias a Girafa sem sono ((refere-se ao nome de um livro de Liliana

Iacocca))

P e vocecirc costuma usar os livros aqui na escola

C8 sim

P e na sua casa

C8 na minha casa tem livrinho

P tem tambeacutem e vocecirc costuma usar livros laacute

C8 sim

P certo e quem usa com vocecirc

C8 minha avoacute e minha matildee

P certo

293

C8 e ateacute o meu pai

P e vocecirc conhece outros materiais escritos que tem histoacuterias poesias ou outros tipos de textos

aleacutem do livro materiais escritos assim que tem coisas escritas

C8 uhum

P quais materiais que vocecirc conhece

C8 eu conheccedilo matemaacutetica e coisa de adulto

P entatildeo e coisas escritas que nem os livros tem histoacuterias escritas natildeo tem as revistas tem

tambeacutem natildeo tem

C8 tem

P que outros materiais tem coisas escritas

C8 coisas escritas que tecircm eacute o livro

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C8 uhum

P eacute e que tipo de histoacuterias elas contavam

C8 ela contava do Ursinho Memel

P ah eacute

C8 A PI I

P ela contava alguma outra histoacuteria que vocecirc lembra

C8 Eu me lembro da I ((refere-se a uma ex-professora da escola)) ela vem na festa junina

P eacute mesmo eacute verdade que tipo de histoacuterias a professora I contava

C8 Ela contava qualquer uma contava da Girafa sem sono tambeacutem

P vocecirc prefere que as pessoas leiam ou somente contem histoacuterias pra vocecirc

C8 que leiam e me contem as histoacuterias

P mas qual dos dois vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C8 leiam

P que leiam e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam histoacuterias pra vocecirc

C8 eacute por isso que estou andando de ocircnibus

P mas por que vocecirc prefere que leiam uma histoacuteria pra vocecirc

C8 eu sei disso por isso que a minha avoacute sabe ler

P ah eacute e vocecirc prefere que ela leia por quecirc

C8 ela lecirc muito bem

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou dos desenhos

C8 eu gosto das personagens

P eacute e por quecirc

C8 porque eacute muito legal

P e o que elas tem que chamam atenccedilatildeo

C8 ah nem sei

P C8 vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever por quecirc

C8 eacute porque eacute muito importante pra gente ler

P o que fazemos quando aprendemos a escrever o que a gente pode fazer

C8 ela faz tarefa

P podemos fazer tarefa o que mais

C8 matemaacutetica

P matemaacutetica o que mais

C8 ler livro

P ah certo e o que eacute saber ler C8

294

C8 saber ler eacute quem aprende mais coisas

P quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C8 uma crianccedila jaacute sabe ler quando ela sabe ler quando ela descobre quando ela vai para outra

escola

P aqui na escola tem algumas crianccedilas que jaacute sabem ler

C8 ((afirma com a cabeccedila))

P entatildeo natildeo precisa mudar de escola precisa

C8 natildeo mas semana que vem tem que mudar de escola ((refere-se ao proacuteximo ano em que

ingressaratildeo na escola de Ensino Fundamental))

P e quando vocecirc vecirc uma crianccedila e fala assim nossa aquele meu amiguinho jaacute aprendeu a ler

quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C8 porque a minha matildee me ensina a ler

P e como que vocecirc percebeu que vocecirc jaacute sabe ler

C8 eu jaacute sei disso porque a minha avoacute me ensinou tambeacutem a ler

P ah e eacute importante aprender a ler tambeacutem

C8 uhum

P certo obrigada viu C8

C8 de nada

C9 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C9 do coelhinho que tenho laacute em casa

P como chama essa histoacuteria lembra

C9 Coelhinho Tatau

P tem outros tipos de histoacuterias que vocecirc gosta

C9 Chapeuzinho Vermelho

P ah eacute

C9 mas a do Lobo Mal O porquinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C9 porque tem o Lobo que faz as coisas com os porquinhos e aiacute o Lobo se ferra

P nossa e por que isso acontece com ele

C9 porque ele apronta e aiacute os porquinhos sabem que o Lobo estava atraacutes deles e aiacute eles pegam

e jogam o caldeiratildeo na lareira e aiacute ele natildeo sente calor entra pela chamineacute e sai correndo na

hora ele cai no caldeiratildeo cheio de aacutegua quente

P eacute

C9 aiacute ele aprende que natildeo pode mexer com os porquinhos

P hum entendi C9 aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 hum acho que natildeo

P vocecirc costuma usar livros na escola

C9 uhum

P e na sua casa

C9 sim os que eu ganhei da minha escola eu leio todo dia em casa

P eacute mesmo e vocecirc lecirc sozinho ou algueacutem lecirc pra vocecirc

295

C9 algueacutem lecirc

P quem

C9 o meu irmatildeo o meu pai e a minha matildee

P e vocecirc conhece outros materiais escritos aleacutem dos livros que tambeacutem tem histoacuterias poesias

ou outros textos Materiais que tem coisas escritas

C9 folha

P folhas que tipos de folhas

C9 folha que sai da maacutequina e jaacute taacute escrito

P tem mais algum tipo de material de leitura que tem coisas escritas que vocecirc conhece

C9 jornal

P jornal eacute mesmo tem mais algum

C9 revista

P revistas jornais

C9 natildeo tem mais

P quando vocecirc estava laacute no Maternal e no Infantil I as suas professoras costumavam ler livros

pra vocecirc contar histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P natildeo costumava contar nem quando vocecirc estava no Infantil I

C9 Hum hum

P e vocecirc prefere que as pessoas leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 leiam

P que leiam e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C9 porque eu aprendo mais

P e por que vocecirc aprende mais

C9 porque eu jaacute sei contar tirar a liccedilatildeo do caso do bolinho e tambeacutem sei contar do Coelhinho

Tatau e do meu cachorrinho

P eacute mesmo

C9 soacute que natildeo me lembro do nome do cachorrinho

P entatildeo vocecirc prefere entatildeo que as pessoas leiam histoacuterias pra vocecirc natildeo que contem e por que

eacute mais legal quando algueacutem lecirc

C9 porque aiacute

P vocecirc se diverte mais quando algueacutem conta

C9 uhum aiacute eu fico aprendendo

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias Das personagens dos desenhos ou de alguma outra

coisa

C9 da Peneacutelope

P ah a Peneacutelope eacute uma personagem de uma histoacuteria

C9 natildeo

P natildeo

C9 da televisatildeo

P ah mas e nos livros vocecirc prefere mais as personagens ou os desenhos que tem nos livros

nas histoacuterias

C9 livro

P vocecirc prefere mais as personagens que tem laacute na histoacuteria do livro ou vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

do livro o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C9 as ilustraccedilotildees

P as ilustraccedilotildees e por que

296

C9 porque eu natildeo sei quem que eacute

P quem eacute o que

C9 quando eu to vendo eu tambeacutem natildeo sei quem eacute

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 aham

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C9 porque aiacute a gente pega e escreve aiacute se a gente quiser mandar uma carta pra pessoa

P hum

C9 noacutes mandamos

C9 a gente pode escrever uma carta pra algueacutem se a gente precisar ou quiser natildeo eacute e o que mais

a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever aleacutem de escrever uma carta

C9 carta de amor

P uma carta de amor tambeacutem

C9 coraccedilatildeo

P tem mais coisas que a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C9 e a gente tambeacutem pode copiar o de algueacutem

P copiar a carta de algueacutem ou escrita de algueacutem e pra usar pra que

C9 pra mandar pra algueacutem

P ah sei

C9 mandar para o correio

P o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 porque eacute legal porque a crianccedila aprende e fica feliz

P e quando algueacutem jaacute aprendeu a ler como vocecirc jaacute sabe que algueacutem jaacute sabe ler

C9 porque eu sinto

P de que forma

C9 eacute quando eacute que eacute assim se algueacutem taacute aproximando eu sinto tambeacutem

P mas quando vocecirc olha pra algueacutem assim e diz nossa essa pessoa jaacute sabe ler como eacute que

vocecirc percebe isso que ela jaacute sabe ler o que essa pessoa faz que vocecirc percebe que ela sabe ler

C9 porque eu vejo que ela escreve

P ela escreve mas como que vocecirc jaacute sabe que ela jaacute lecirc

C9 porque eu uso a imaginaccedilatildeo

P mas o que essa pessoa faz que vocecirc olha e fala nossa jaacute sabe ler mesmo

C9 porque vai que algueacutem taacute empurrando

P como

C9 aiacute algueacutem chega e lecirc a pessoa lecirc

P sei

C9 escrevendo

P mas e se ela estiver assim quietinha como eacute que vocecirc sabe se ela estaacute lendo

C9 porque aiacute porque eu sei porque taacute assim neacute eu coloco um pedaccedilo da folha pra caacute Que a

pessoa

P e como eacute que vocecirc sabe que ela leu de verdade

C9 porque aiacute eu pego e uso a minha imaginaccedilatildeo

P Obrigada C9

C9 Taacute

297

C10 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C10 gosto

P gosta e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C10 do Lobo Mau

P ah eacute e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C10 porque o meu tio conta sempre pra mim

P ah eacute seu tio conta sempre

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece por exemplo as poesias

as notiacutecias de jornal tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C10 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar os livros na escola

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e na sua casa tambeacutem vocecirc tem livros em casa

C10 tenho ((fala quase inaudiacutevel))

P ah entatildeo fala pertinho (aproximo o gravador da crianccedila para tentar gravar melhor a sua

voz) tem

C10 tenho

P hum e vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros

C10 natildeo

P vocecirc natildeo conhece algum material escrito igual os livros que tem coisas escritas

C10 natildeo

P somente conhece os livros

P e quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C10 ((afirma com a cabeccedila))

P costumavam e que tipo de histoacuterias

C10 Lobo Mau Chapeuzinho Vermelho e Trecircs Porquinhos

P ah certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C10 lecirc

P que leiam e por que vocecirc prefere que leiam histoacuterias pra vocecirc

C10 porque eacute melhor

P e por que eacute melhor

C10 porque sim

P o que eacute diferente na hora de ler e na hora de contar

C10 porque ler eacute melhor do que contar

P e por que vocecirc gosta mais quando lecirc

C10 porque sim porque o meu tio tambeacutem faz

P ele lecirc tambeacutem pra vocecirc

C10 lecirc

P e quando ele lecirc o que vocecirc mais presta atenccedilatildeo

C10 a parte do Lobo

P ah eacute a parte do Lobo tem algo mais que te chama atenccedilatildeo

298

C10 natildeo

P mas quando lecirc tem

C10 tem

P Hum estaacute bem o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens ou das ilustraccedilotildees

C10 das ilustraccedilotildees

P ah eacute por que vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

C10 eacute porque daacute pra ver as coisas

P e que tipo de coisas daacute pra ver

C10 satildeo eles brincando

P eles quem

C10 eles que fazem parte da histoacuteria

P ah ta e vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C10 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente escrever

C10 porque a gente aprende escrever

P e depois que a gente aprendeu o que a gente pode fazer quando a gente sabe escrever

C10 trabalhar

P trabalhar de que maneira

C10 qualquer coisa

P ah daacute um exemplo pra professora o que a gente pode fazer quando a gente jaacute sabe escrever

C10 eacute ler

P ler a gente pode ler e o que mais a gente pode fazer depois que a gente escreve

C10 assistir televisatildeo

P hum mas para isso precisa aprender a escrever para assistir televisatildeo precisa saber escrever

C10 precisa

P e por que

C10 porque sim

P e tem mais uma coisa assim que a gente pode usar a escrita depois que a gente sabe escrever

por que a gente escreve as coisas

C10 pra aprender

P aprender o que

C10 qualquer coisa

P o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C10 natildeo sei

P vocecirc tem algum amiguinho que jaacute sabe ler

C10 tenho

P tem e como que vocecirc percebe que ele jaacute sabe ler

C10 porque ele eacute grande

P e somente os amigos grandes eacute quem sabem ler os pequenos natildeo sabem mas podem aprender

C10 pode

P tem algueacutem da sua sala que jaacute sabe ler

C10 natildeo

P e o seu tio como eacute que vocecirc sabe que ele sabe ler

C10 porque ele tem nove anos

P mas como eacute que vocecirc percebeu que ele jaacute sabe ler

C10 porque ele leu a histoacuteria pra mim

299

P ah porque ele leu uma histoacuteria pra vocecirc aiacute vocecirc viu que ele sabe ler mesmo e como eacute que

ele fez pra ler

C10 ele foi agrave escola e aprendeu

P muito obrigado C10

C10 de nada

C11 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C11 ADORO

P eacute mesmo

C11 Minha matildee conta todas as noites histoacuteria pra mim

P Eacute mesmo e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C11 do cavalinho que chama Roni

P ah eacute de um livro que vocecirc tem na sua casa

C11 minha matildee tem uma caixa grande que eacute cheia de livrinhos

P eacute mesmo e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C11 porque ele tem bastante paacuteginas aiacute eu gosto de ficar ouvindo porque tem um monte de

muacutesicas no final

P ah sei aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C11 eacute um texto que a minha matildee me ensinou eu tenho mas esqueci sei laacute eu soacute tenho um

pedaccedilo assim ((cantando)) eu gosto de comer batata a batata amassadinha como que fala

aquele negoacutecio de amassar

P espremedor

C11 eacute aiacute depois gritando na panela comendo assim ((faz o gesto de levar o alimento agrave boca e

mastiga)) ela pica aiacute daacute pra eu comer aiacute eu como aiacute depois que eu como ela fala estava

gostoso aiacute eu falo estava deliciosa ela potildee sal

P hum ateacute eu fiquei com vontade agora de comer ((risos)) C11 tem alguns outros tipos de

textos aleacutem das histoacuterias que vocecirc conhece

C11 soacute tem mais uma histoacuteria duas quer dizer

P quais

C11 uma do Pequeno Polegar

P certo

C11 aiacute a matildee dele e o pai dele tinham sete filhos aiacute natildeo dava pra dar comida pra eles aiacute eles

estavam falando na cozinha aiacute o Pequeno Polegar escutou aiacute ele pegou um pedaccedilo de patildeo

para fazer as migalhas no caminho soacute que quando ele voltou estava cheio de passarinhos que

tinham comido tudo aiacute eles encontraram um castelo do gigante aiacute a moccedila falou assim antes

do gigante chegar vocecircs fujam pela janela

P aham

C11 aiacute o Pequeno Polegar pegou as botas do gigante e virou um pequeno inteligente e ganhou

um monte de dinheiro

P entatildeo essas satildeo histoacuterias tambeacutem neacute outras histoacuteria vocecirc jaacute conhece

C11 cinco

P e aleacutem desse tipo de histoacuterias e textos eacute vocecirc conhece um texto diferente como as poesias

por exemplo

C11 natildeo

300

P e tem algum outro texto que vocecirc assim lembra

C11 eu me lembro de uma histoacuteria que minha avoacute contava pra mim

P ah

C11 quando eu vivia na casa dela

P sei

C11 eacute uma histoacuteria bem antiga quando eu tinha uns trecircs aninhos eacute uma histoacuteria de um livro

desse tamanho ((abre os braccedilos na tentativa de demonstrar o tamanho)) era do dos

anotildeezinhos aiacute os anotildeezinhos pegavam e iam pra floresta e encontravam um passarinho que

falava assim oi anotildeezinhos vocecircs sabem aonde eacute a minha casa aiacute eles o levavam pra casa

deles aiacute quando chegava na casa deles tinha um elevador que falava

P vocecirc lembra o nome dessa histoacuteria

C11 eu lembro que eram os anatildeozinhos doidos

P certo vocecirc costuma usar livros aqui na escola

C11 uhum

P e na sua casa

C11 gosto na minha casa eu pego o meu caderno eu vou vendo as paacuteginas dos livros eu vou

escrevendo no meu caderno

P ah eacute

C11 aiacute depois eu copio assim os desenhos

P ah

C11 vocecirc quer que eu traga o meu caderno pra vocecirc ver

P claro pode trazer

C11 entatildeo eu vou terminar o livro do ratinho e do cavalinho Roni

P taacute bom aiacute quando ficar pronto vocecirc traz pra eu ver ok vocecirc conhece outros materiais assim

escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outro tipo de texto aleacutem dos livros

C11 conheccedilo

P o que vocecirc conhece aleacutem dos livros

C11 eacute uma

P materiais que tenham coisas assim escritas

C11 meu avocirc que me deu uma folha desse tamanho com um monte de eacute poesias

P ah eacute mas ela eacute uma folha assim solta avulsa

C11 satildeo duas folhas assim ((mostra com o dedo indicador e meacutedio da matildee direita a quantidade))

P ah

C11 aiacute tinha assim uns negoacutecios soacute lembro-me de uma uma poesia que era assim vocecirc

conhece uma moccedila que tem um brinco redondo aiacute depois falava assim eacute a Cinderela aiacute

depois falava assim a Cinderela conseguiu um cavalo e o cavalo comeccedilou a dar coice no vilatildeo

e caiu de boca no chatildeo

P sei aleacutem dessa folha dos livros que tem coisas escritas tem alguns outros materiais escritos

que vocecirc conhece aleacutem disso

C11 ai natildeo

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C11 nem lembro soacute lembro que ela costumava contar uma da Branca de Neve

P ah eacute Eessa vocecirc lembra tem mais alguma outra que elas contavam

C11 a tia I ((ex professora da escola))

P certo

301

C11 ela contava um monte de histoacuterias cada dia ela falava assim que histoacuteria vocecirc quer aiacute eu

falava assim do Pequeno Polegar e ela contava

P entendi

C11 aiacute depois a gente ia pro quiosque aiacute a gente brincava de peacute na lata

P vocecirc prefere que as pessoas leiam ou que elas contem histoacuterias pra vocecirc

C11 leiam

Pe por que vocecirc prefere que leiam

C11 porque eu gosto

P do que

C11 de ler livro eu adoro eu pergunto pra minha matildee como faz pra juntar as palavrinhas pra

ler

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc estaacute fazendo estaacute conseguindo ler

C11 to jaacute to conseguindo ler minha matildee pocircs um livrinho assim ela soacute deixou o escrito

assim o pe-que-no anatildeozinho

P Olha

C11 ela comprou

P vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler entatildeo

C11 uhum

P E o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias vocecirc prefere as personagens ou os desenhos o que

vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C11 dos desenhos

P dos desenhos das ilustraccedilotildees e por que vocecirc prefere as ilustraccedilotildees

C11 porque eu gosto de desenhar muito

P ah sei

C11 sempre eu acabo com as folhas do meu caderno pra eu desenhar

P eacute mesmo

C11 aiacute quando acabam as aulas eu faccedilo essas tarefas que faltam (refere-se as fichas com

exerciacutecios dados pelas professoras que satildeo anexadas em branco quando a crianccedila falta junto com

as demais)eu vou apagar o que faltei eu vou fazer elas

P C11 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C 11 eu acho

P e por que vocecirc acha que eacute

C11 eu queria quando crescer ser um escritor de histoacuterias

P ah quando vocecirc crescer vocecirc quer ser um escritor que maravilhoso C11 e por que vocecirc

acha que eacute importante pra gente escrever

C11 porque vocecirc fica inteligente eu gosto muito de ficar inteligente

P eacute e o que daacute pra gente fazer quando a gente jaacute sabe escrever o que a gente pode fazer quando

a gente jaacute sabe escrever

C11 ai eu gosto de escrever um monte de coisas vocecirc natildeo sabe o que eu mais gosto

P natildeo o que

C11 eacute de fazer peixe tubaratildeo e baleia

P nossa satildeo vaacuterios neacute ((risos)) C11 e pra vocecirc o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute

sabe ler

C11 eacute quando ela tem uns oito anos dez anos

P mas vocecirc jaacute disse que jaacute estaacute comeccedilando a ler natildeo estaacute

C11 to

P e vocecirc jaacute tem oito anos

302

C11 natildeo

P natildeo entatildeo natildeo precisa ter oito anos para aprender a ler precisa

C11 natildeo eacute soacute juntar as palavrinhas que jaacute consegue ler

P eacute mesmo e vocecirc jaacute faz isso entatildeo

C11 hum hum ((afirma com a cabeccedila))

P ah taacute entatildeo estaacute bem

C11 minha matildee escreve no guarda roupa pra mim e eu tenho que ler aiacute eu leio GUAR-DA-

ROU-PA mamatildee natildeo sabe escrever tudo

P natildeo mas algueacutem pode ajudaacute-la quando souber

C11 meu pai sabe escrever tudo

P eacute mesmo

C11 eacute sim

C12 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C12 eu gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C12 do bolinho

P O caso do bolinho ((refere-se a histoacuteria escrita por Tatiana Belinky)) e por que vocecirc gosta

mais desse tipo de histoacuteria

C12 porque eacute muito legal

P e o que ela tem assim de tatildeo legal o que vocecirc mais gosta

C12 a parte da raposa

P a parte da raposa

C12 eacute

P e por que essa parte eacute a mais legal

C12 natildeo sei

P o que vocecirc acha que eacute bem bacana

C12 eacute porque ela eacute legal

P aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc jaacute conhece

C12 natildeo

P vocecirc somente conhece histoacuterias vocecirc natildeo conhece poesias por exemplo

C12 eu conheccedilo somente uma

P algumas poesias

C12 somente uma

P somente uma qual que vocecirc conhece

C12 eacute daquela

P qual

C12 aa vizinha

P ah A liacutengua do Nhem da Ceciacutelia Meireles

C12 eacute

P e vocecirc costuma usar os livros na escola

C12 costumo

P e na sua casa

C12 eu tambeacutem

303

P vocecirc tem livros em casa

C12 eu tenho

P e vocecirc conhece outros materiais escritos aleacutem dos livros que tambeacutem tem histoacuterias poesias

ou outros textos

C12 soacute livros

P natildeo tem nenhum outro material de leitura que tem coisas escritas

C12 natildeo

P natildeo conhece revistas

C12 somente revistas

P somente revistas o que mais que vocecirc conhece

C12 soacute

P que tipo de material que tem coisas escritas

C12 hum somente essas

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C12 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam pra vocecirc

C12 hum nem sei

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C12 que

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C12 que leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C12 porque mostra os desenhos

P e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias C12 das personagens ou dos desenhos

C12 dos desenhos

P e por quecirc

C12 porque eu gosto

P ((risos)) o que os desenhos tem que satildeo tatildeo legais assim

C12 as ilustraccedilotildees

P vocecirc acha que eacute importante a gente aprender a escrever

C12 acho

P acha

C12 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante

C12 porque eacute pra gente aprender

P e em que a gente vai usar isso depois que a gente aprender a escrever No que a gente pode

usar a escrita Por que eacute importante as pessoas aprenderem a escrever

C12 aprende a mate

P a ma

C12 a matemaacutetica

P matemaacutetica quando a gente aprende a escrever a gente pode aprender a matemaacutetica

C12 eacute

P o que mais

C12 eacute

P pra que a gente escreve

C12 pra aprender

304

P por que eacute importante a gente aprender a escrever

C12 pra gente aprender

P certo e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler C12

C12 hum

P quando que algueacutem jaacute sabe ler a sua irmatilde jaacute sabe ler

C12 sabe

P e como eacute que vocecirc sabe que ela jaacute sabe ler o que vocecirc percebeu que ela faz que te mostra que

ela jaacute sabe ler

C12 ela leu a histoacuteria do Saci na minha casa

P ela leu a histoacuteria do saci na sua casa

C12 eacute

P e como eacute que vocecirc viu que ela estava lendo

C12 ah porque ela contou pra mim

P ela contou pra vocecirc

C12 eacute

P ah certo e vocecirc gostou

C12 gostei

P obrigada

C13 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 da Bela Adormecida

P ah eacute por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C13 porque eu gosto muito de princesa

P ah entatildeo histoacuterias com princesas satildeo as suas preferidas

C13 uhum

P muito bem aleacutem dessas histoacuterias tem algum outro tipo de histoacuteria ou texto que vocecirc conhece

C13 eu gosto mais da poesia da Bailarina

P ah da Ceciacutelia Meireles

C1 ((afirma com a cabeccedila))

P ah certo tem algum outro tipo de texto que vocecirc conhece

C13 uhum eu conheccedilo alguns soacute que eu gosto mais desse da Bailarina

P certo C13 vocecirc costuma usar os livros na sua casa

C13 costumo

P e na escola

C13 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C13 tenho

P certo e vocecirc conhece algum outro tipo de material escrito aleacutem dos livros que tambeacutem tem

histoacuterias que tem poesias e que tem outros escritos

C13 algumas cartas alguns envelopes que vem escrito alguma mensagem neacute

P eacute mesmo tem livros tem envelopes tem cartas

C13 revistas

305

P tem mais algum tipo de material que vocecirc conhece

C13 caderninhos

P certo

C13 um monte de coisas

P C13 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam

contar histoacuterias pra vocecirc

C13 eu acho que natildeo viu

P natildeo

C13 ((confirma negando com a cabeccedila))

P eacute natildeo se lembra de nenhuma

C13 natildeo me lembro natildeo me lembro porque jaacute faz muito tempo que eu era bebezinha

P certo e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 que leiam

P e por que vocecirc prefere que as pessoas leiam

C13 porque tem desenhos nas historinhas pega um livrinho natildeo eacute

P eacute aiacute daacute pra ver as ilustraccedilotildees

C13 eacute eu gosto mais

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C13 o que eu mais gosto como assim

P das personagens ou dos desenhos

C13 olha o que eu gosto mais eacute de histoacuteria soacute que dos desenhos sabe do que eu gosto mais

P natildeo o que

C13 os desenhos eu gosto mais do desenho animado que passa laacute no Bom Dia e Companhia

((refere-se a um programa infantil de televisatildeo)) As Super Poderosas que eacute mais legal A minha

personagem predileta eacute a Florzinha (refere-se ao nome de um desenho animado que eacute transmitido

pela televisatildeo)

P e nos livros por exemplo

C13 A Bela Adormecida

P mas aiacute entatildeo vocecirc prefere as personagens ou as ilustraccedilotildees

C13 uhum eu prefiro as personagens

P ah certo e vocecirc acha importante saber escrever

C13 acho

P e por quecirc

C13 porque a gente aprende mais coisas neacute

P Eacute mesmo e o que daacute pra fazer depois que a gente aprende a escrever

C13 a gente pode fazer um monte de coisas

P que tipo de coisas

C13 assim ensinar umas criancinhas que ainda que natildeo saibam neacute a gente pode ajudar um

pouco neacute

P pra que elas aprendam tambeacutem a escrever

C13 uhum

P muito bem C13 o que eacute saber ler

C13 ler eacute saber juntar umas letrinhas e vai vendo o que estaacute escrito

P ah certo e vocecirc jaacute sabe ler

C13 sei ler algumas coisinhas

P eacute e como eacute que vocecirc faz pra ler

C13 ah eu vou juntando pra ver o que estaacute escrito

306

P e vocecirc consegue fazer isso entatildeo

C13 uhum

P e quando uma crianccedila entatildeo sabe ler

C13 uma crianccedila quando sabe ler como assim eu natildeo entendo muito bem isso

P quando eacute que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C13 vixi eu soacute percebo quando algueacutem aprende assim bastante aiacute eu percebo sabe como eu

percebo

P como

C13 com as crianccedilas que jaacute tem anos mais altos que as crianccedilas mais novinhas

P ah mas uma crianccedila mais nova pode aprender a ler

C13 eacute como eu

P isso como vocecirc muito obrigada C13

C13 tchau

C16 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C16 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C16 Do caso do bolinho

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C16 porque eacute legal

P e o que ela tem que eacute tatildeo legal

C16 porque ele vai comer o bolinho

P quem

C16 a raposa

P e ela come ou natildeo

C16 comehellip

P aleacutem das histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece tem algum outro tipo de texto

aleacutem de histoacuterias que vocecirc jaacute conhece

C16 tem

P que tipo de texto que tem

C16 eacute Cinderela

P ah Cinderela e vocecirc costuma usar livros na escola

C16 aham

P e na sua casa

C16 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa

C16 eu coleciono

P coleciona E quais tipos de livros vocecirc coleciona

C16 Chapeuzinho Vermelho tambeacutem O caso do bolinho e Cinderela

P vocecirc conhece algum outro material escrito que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros tipos

de textos aleacutem dos livros Materiais de leitura que tem coisas escritas vocecirc conhece algum

outro aleacutem dos livros

C16 conheccedilo

P quais materiais que tecircem coisas escritas que vocecirc conhece

307

C16 tambeacutem de quadrinhos

P que tem histoacuterias em quadrinhos vocecirc sabe como chama aquelas revistas

C16 da Mocircnica

P Isso satildeo os gibis aleacutem dos gibis dos livros tem algum outro material que vocecirc conhece

C16 aham

P qual

C16 o Cebolinha

P que tambeacutem eacute um personagem que tem no gibi natildeo eacute tem mais algum outro material

C16 o da Cinderela

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C16 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam

C16 tambeacutem do Chapeuzinho Vermelho

P e vocecirc gostava

C16 aham

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C16 que leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C16 porque quando eu estava no Berccedilaacuterio eu natildeo sabia ler

Pesquisadora ah

C16 aiacute eu pedia pra elas leem tambeacutem

P entendi

C16 Pra um monte de professora ler

P eacute melhor ler que soacute contar histoacuterias vocecirc prefere que leiam

C16 aham

P tem alguma coisa especial quando a pessoa lecirc

C16 tem

P ou alguma coisa diferente quando ela conta

C16 tem

P O que vocecirc acha que eacute diferente

C16 eacute diferente

P o que

C16 quando a Chapeuzinho vecirc o Lobo

P e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias

C16 eacute quando tem a parte mais engraccedilada

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C16 acho

P por que vocecirc acha importante saber escrever

C16 porque ensina mais

P quem

C16 vocecirc ((refere-se a mim que sou professora da turma e pesquisadora))

P e vocecirc o que vocecirc vai poder fazer quando vocecirc souber escrever

C16 eacute carta

P carta Olha eacute mesmo que legal o que mais a gente pode fazer aleacutem de escrever cartas

C16 a gente tambeacutem pode fazer uma histoacuteria

P pode escrever uma histoacuteria eacute mesmo neacute hum muito bem e o que eacute saber ler

308

C16 eacute quando as pessoas fazem algum tipo de histoacuteria

P quando vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C16 quando ele estaacute contando uma histoacuteria

P ah eacute e como vocecirc sabe que isso acontece

C16 por que ah eu natildeo lembro

P quando que vocecirc olha e falanossa aquele meu amiguinho ali jaacute sabe ler como que vocecirc

percebe o que esse amiguinho agraves vezes faz que vocecirc percebe que ele jaacute sabe ler

C16 eu acho que ele treina

P treina e como

C16 ele pega algum livrinho emprestado e comeccedila a ler

P eacute e como eacute que faz pra treinar

C16 treinar eacute soacute juntar as letras

P ah e vai juntando as letras assim

C16 aham

P e vai aprendendo e vai treinando

C16 Aham

P certoentatildeo estaacute bom obrigada

C20 ndash 5 anos

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C20 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C20 Lobo Mau

P Ah histoacuterias que tem o Lobo Mau e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuterias

C20 que tem bicho

P aleacutem das histoacuterias tem outros tipos de texto que vocecirc conhece

C20 sim

P e na sua casa

C20 tambeacutem

P vocecirc tem livros em casa e vocecirc lecirc esses livros em casa ou algueacutem lecirc pra vocecirc

C20 a minha matildee lecirc

P vocecirc conhece alguns outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros

textos aleacutem dos livros tem algum outro tipo de material escrito que vocecirc conhece

C20 tem o jornal

P jornal que mais

C20 hum eu natildeo sei

P quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C20 costumavam

P e que tipo de histoacuterias elas contavam

C20 contavam da Branca de Neve

Pda Branca de Neve qual mais

C20 contava dos Trecircs Porquinhos

P dos Trecircs Porquinhos tem mais alguma que vocecirc lembra que elas contavam

C20 natildeo

309

P C20 vocecirc prefere que leiam ou contem histoacuterias pra vocecirc

C20 contem

P e por que vocecirc prefere que contem

C20 porque daacute pra fazer as coisas

P que coisas

C20 as coisas que aparecem nos livros que eles lecircem

P o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias vocecirc prefere as personagens ou os desenhos

C20 os personagens

P e por que vocecirc prefere os personagens

C20 porque eacute muito legal ficar vendo eles

P e o que elas tecircm assim de diferente de especial que faz vocecirc gostar

C20 que satildeo de verdade

P vocecirc acha importante saber escrever

C20 acho

P e por que vocecirc acha que eacute importante a gente saber escrever

C20 pra aprender a ler

P aprender a ler

C20 aprender a escrever o nome

P e o que mais a gente pode fazer de importante quando a gente aprende a escrever

C20 a gente pode escrever o nome pode escrever a gente pode fazer desenho

P certo e C20 o que eacute saber ler quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C20 de anos

P quando vocecirc acha que algueacutem aprendeu a ler que vocecirc olha assim e fala olha aquela

garota jaacute sabe ler como que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 porque eles ficam falando porque eles pegam uma folha e ficam falando

P ah eacute falam alto

C20 eacute

P aiacute vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler

C20 eacute

P ah certo muito obrigada

C20 taacute

310

APEcircNDICE G ndash TRANSCRICcedilAtildeO DAS INFORMACcedilOtildeES COLETADAS POR MEIO DAS

ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS DAS CRIANCcedilAS (FINAL DA PESQUISA)

C5 ndash 6 anos (no final da pesquisa)

P vocecirc gosta de ouvir histoacuterias C5

C5 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C5 a da flecha

P a da flecha qual eacute

C5 aquela laacute do Aladim

P do Aladim Ah e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C5 porque eacute legal

P e o que faz essa histoacuteria ser legal em sua opiniatildeo

C5 Que ela eacute boa mesmo eacute do livro

P ah aleacutem de histoacuterias haacute outros tipos de textos que vocecirc conhece C5

C5 notiacuteciacarta

P vocecirc costuma usar livros na escola

C5 gosto

P e em casa vocecirc usa livros

C5 natildeo

P natildeo vocecirc natildeo costuma

C5 eu natildeo tenho

P vocecirc conhece outros materiais escritos que tambeacutem tem histoacuterias poesias ou outros tipos de

textos

C5 jornal

P jornal qual mais C5

C5 soacute

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C5 leiam

P e por que vocecirc prefere que leiam

C5 porque eacute legal

P o que vocecirc vecirc assim de diferente quando uma pessoa lecirc ou quando uma pessoa conta uma

histoacuteria

C5 ela estaacute contando da um dia minha matildee estava contando a do Dumbo

P e quando ela conta a mamatildee usa o livro

C5 usa

P entatildeo ela estava lendo

C5 mas agraves vezes ela natildeo usa

Peacute mesmo

C5 agraves vezes ela natildeo usa mas agraves vezes ela usa

P ah entatildeo algumas vezes ela lecirc e algumas vezes ela conta as histoacuterias natildeo eacute

C5 eacute

P e vocecirc prefere que leiam

C5 eacute

311

P e por que vocecirc prefere que leiam

C5 porque aiacute eu consigo ler

P certo e o que vocecirc mais gosta nas histoacuterias das personagens das ilustraccedilotildees o que vocecirc

mais gosta

C5 das personagens

P vocecirc acha que eacute importante saber escrever C5

C5 acho

P e por que vocecirc acha

C5 porque tambeacutem eacute legal

P o que a gente aprende quando sabe escrever O que a gente pode fazer quando a gente sabe

escrever

C5 ler

P a gente pode ler tambeacutem mas para que vocecirc pode usar a escrita

C5 em livro

P aleacutem dos livros o que a gente pode escrever

C5 aiacute a pessoa fala que sabe ler

P e o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe ler

C5 ela eacute quando uma pessoa que jaacute aprendeu tudo

P eacute e quando que vocecirc percebe que algueacutem jaacute sabe ler como que vocecirc percebeu que realmente

aprendeu a ler

C5 porque que estaacute lendo

P e como que vocecirc sabe que ela estaacute lendo ela pode estar somente falando natildeo pode

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P e como que vocecirc tem certeza que ela estaacute lendo o que essa pessoa faz que mostra pra vocecirc

que ela realmente estaacute lendo

C5 ah (dirige o olhar para o alto)

P vocecirc jaacute sabe ler

C5 ((afirma com a cabeccedila))

P eacute e o que vocecirc faz pra ler

C5 eu vou juntando as letras e vendo as ideias

P eacute mesmo entatildeo pra vocecirc o que eacute ler

C5 eacute aprender

P Obrigada C5

C9 - 5 anos

P C9 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C9 gosto

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta C9

C9 dos Trecircs Porquinhos

P e por que vocecirc gosta mais desse tipo de histoacuteria

C9 porque o Lobo queima o traseiro

P ah aleacutem de histoacuterias tem outros tipos de textos que vocecirc conhece

C9 uhum

P como as poesias as receitas

312

C9 eu conheccedilo as receitas

P eacute somente a receita tem outro tipo de texto que vocecirc conhece

C9 natildeo

P natildeo e vocecirc costuma usar livros na escola

C9 costumo

P e na sua casa

C9 tambeacutem

P tambeacutem

C9 eu tenho um livrinho que minha matildee comprou ela fez uma surpresa pra mim com o livro

P que bom que livro eacute

C9 eacute do coelhinho Tataacute e de um cachorrinho

P certo vocecirc conhece outros materiais escritos C9 que tambeacutem tem histoacuterias textos

C9 jornal

P jornal qual mais aleacutem dos livros do jornal

C9 revista

P revistas tem mais algum que vocecirc se lembra que vocecirc conhece

C9 natildeo

P C9 quando vocecirc estava no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam contar

histoacuterias pra vocecirc

C9 natildeo

P vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C9 contar

P vocecirc acha mais legal contar por quecirc

C9 porque gosto que conte as histoacuterias pra mim

P e por que vocecirc prefere mais quando algueacutem conta mais a histoacuteria

C9 porque ele tambeacutem sabe da histoacuteria quando ele lecirc

P C9 o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens dos desenhos por exemplo

C9 dos desenhos eu gosto do Mickey

P eacute e dos livros vocecirc gosta mais

C9 do Pato Donald

P C9 vocecirc acha que eacute importante saber escrever

C9 uhum

P e por quecirc

C9 porque aiacute a gente pode escrever um monte de coisas como cartas

P eacute mesmo e o que mais

C9 e a gente tambeacutem pode ler as coisas

P hum entatildeo a gente pode usar a escrita pra escrever uma seacuterie de coisas importantes

C9 somente usar a nossa liacutengua para falar

P e o que eacute saber ler C9 na sua opiniatildeo quando uma crianccedila jaacute sabe ler

C9 eu percebo porque eu vejo os outros lendo

P vocecirc sabe ler

C9 ((afirma com a cabeccedila))

P sabe e como que vocecirc faz pra ler

C9 eu pego um livro e fico lendo eu fico entendendo o que estaacute escrito laacute

P ahcerto entatildeo obrigada viu

313

C13 ndash 6 anos (no final da pesquisa)

P C13 vocecirc gosta de ouvir histoacuterias

C13 ADORO

P e que tipo de histoacuterias vocecirc mais gosta

C13 eu gosto de contos de fadas

P ah eacute mesmo e por quecirc por que vocecirc gosta desse tipo de histoacuteria

C13 eacute porque pra mim elas satildeo muito legais

P e o que elas tecircm que faz com que as histoacuterias sejam bem legais

C13 um monte de coisas que nem daacute pra falar direito

P ((risos)) de tantas que tecircm

C13 aham

P mas conta uma delas por exemplo

C13 algumas coisas

P eacute

C13 eacute porque do jeito que as histoacuterias satildeo algumas tecircm piadas ((refere-se as situaccedilotildees

engraccediladas presentes nas histoacuterias))

P eacute mesmo

C13 aham

P que legal

C13 eacute por isso que eu gosto dos contos de fadas

P muito bem e aleacutem de histoacuterias tem alguns outros tipos de textos que vocecirc conhece

C13 eu gosto das poesias que vocecirc fala

P eacute mesmo

C13 aham

P eacute mesmo e vocecirc conhece outros textos aleacutem das poesias e das histoacuterias

C13 bom por enquanto eu somente conheccedilo as suas

P e receitas vocecirc conhece

C13 eu conheccedilo receita de bolo de cenoura de goiabada o de cenouras pra mim natildeo

esqueccedilo (refere-se agraves receitas que li e preparei com as crianccedilas da turma na escola)

P que a gente fez aqui natildeo eacute

C13eacute

P e textos de hum jornal notiacutecias

C13 notiacutecias quando as notiacutecias satildeo muito legais neacute

P uhum vocecirc consegue ler

C13 bom algumas eu junto agraves palavrinhas pra conseguir ler

P vocecirc jaacute consegue fazer isso

C13 eu fico tentando eu fico soletrando para ver como se faz

P C13 vocecirc costuma ler livros na escola

C13 costumo usar mais os contos de fadas que eu vejo que eacute legal

P e em casa vocecirc usa livros tambeacutem

C13 uso eu tenho alguns

P e vocecirc conhece outros tipos de materiais escritos que tambeacutem tecircm histoacuterias poesias

C13 conheccedilo livros jornais revistas cadernos

P quando vocecirc estava laacute no Maternal ou no Infantil I as suas professoras costumavam ler

histoacuterias pra vocecirc

C13 bom eu natildeo lembro mas acho que sim

314

P e vocecirc prefere que leiam ou que contem histoacuterias pra vocecirc

C13 como assim ler eacute com o livro

P isso quando a pessoa estaacute com o material escrito na matildeo pode ser um livro ou uma revista

um bilhete

C13 eu gosto quando estaacute com alguma coisa na matildeoeacute mais legal

P e por que eacute mais legal

C13 porque tem desenhos natildeo eacute mostra os desenhos sendo mais legal

P hum entendi e o que vocecirc mais gosta das histoacuterias das personagens ou das ilustraccedilotildees

C13 das ilustraccedilotildees eu gosto bom das histoacuterias dos contos de fadas eu gosto mais das

princesas

P certo e vocecirc acha importante C13 saber escrever

C13 eacute muito importante natildeo eacute

P e por que vocecirc acha importante

C13 eacute porque a gente aprende as coisas assim escrevendo vai aprendendo mais coisas natildeo vai

P e sempre que a gente precisa da escrita em que podemos usaacute-la

C13 para escrever um recado mas se for recado importante natildeo pode esquecer neacute

P de jeito algum e pra que mais a gente usa a escrita pra que a gente pode usar as coisas que a

gente escreve

C13 bom a resposta natildeo sei natildeo heim mas eu acho assim pode ser pra algumas coisas

importantes neacute

P coisas importantes

C13 umas coisas importantes

P quais coisas importantes por que ou para que a gente escreve

C13 escreve para aprender pra aprender muitas coisas

P muitas coisas

C13 e aprender eacute muito importante e gostoso

P eacute mesmo vocecirc escreve bastante coisa jaacute

C13 estou aprendendo algumas eu estou escrevendo mais ou menos

P muito bem e o que vocecirc geralmente gosta de escrever

C13 gosto mais de escrever carta cartas para professora G (refere-se a atual professora da

turma e pesquisadora no caso eu mesma)

P ai que maravilha

C13 eu jaacute escrevi uma pra vocecirc

P eu gostei muito daquela

C13 jaacute colocou no livro da vida ou natildeo

P jaacute coloquei no livro da vida sim

C13 aquela daacute pra ver atraacutes e na frente

P e todas as pessoas que lerem e consultarem o nosso livro da vida iratildeo ver laacute registrado essa

linda cartinha que vocecirc me escreveu

C13 todo mundo vai saber o que eu escrevi quando ler

P sim todos poderatildeo saber ao lerem C13 o que eacute saber ler quando que uma crianccedila jaacute sabe

ler em sua opiniatildeo

C13 bom a crianccedila quem eu conheccedilo sabe ler bastante

P eacute quando que vocecirc acha que algueacutem jaacute sabe ler

C13 bom eu acho a M a minha irmatilde

P eacute mesmo e como eacute que vocecirc sabe que ela sabe ler

C13 porque eu a vejo lendo e escrevendo

315

P eacute

C13 aham

P e o que ela faz que vocecirc fala nossa minha irmatilde jaacute sabe ler ou algum outro amigo seu que

vocecirc conhece

C13 bom pra falar a verdade eu natildeo conheccedilo nenhum amigo que saiba

P mas vocecirc jaacute estaacute comeccedilando a ler e escrever natildeo estaacute

C13 estou

P como que vocecirc percebe isso

C13 percebo que eu estava soletrando

P eacute mesmo

C13 e ateacute falo para minha matildee ainda isso

P e como eacute que vocecirc faz pra soletrar

C13pra soletrar eu junto o abecedaacuterio com a vogal depois penso e falo pra pergunta pra ver se

combina

P entendi

C13 bom professora a minha irmatilde tambeacutem estaacute me ensinando a fazer isso mas eu soacute li de

verdade quando eu entendi o que estaacute escrito

P entatildeo obrigada C13

316

ANEXO A ndash Quadro de normas utilizadas na transcriccedilatildeo das entrevistas

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