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1ª. Orelha do livro Se você quiser achar que este livro é sério, então ache, porque ele é. Mas se perceber que está dia nte de unrli belo , de um cântic o à bravura e ao poder do coletiv o sobre fir ulas indivi duali stas, que está esc utan do um hin o à alm a indómita e lendo un i ma ni festo co nt ra len das do tip o h omem cor dia l, esta ma is pró !im o da essê ncia dessas mal tra "ad as lin has , onde não encont rar á #o$ada de let ra, #o$o d e ci nt ur a fi na . % assi m, s e nã o pipocar antes do fim, vai perceber  como é $randioso e transcendente torcer pelo &rémio. ' &rémio da vár(ea da )ai!ada, ol*mpico &rémio+ ' &rémio incendiário de o$uinho, o &rémio de botinas do capitão roner. &rémio do tanque -uare(, de /lcindo bu$re!ucro  0 de 1 ilson 2av alo , de / *rton 3avilhão, de 4a ra, &erminar o e 5a nr le6 . &r ém io d e p on ch o e de coturnos. &rémio lanceiro ne$ro, de tantos pontasdelan"a e de todos os volantes de conten"ão. ' &rémio de 4eão e 5e 4eón, de 7ibeirinho e 7amão, de eio e 3elado. &rémio de 3aulo 2ésar 2a#u, Mário Sér$io e /n dré 2a timba. &rémio de 4oivo e 8ura. &rémio de /nderson 3ol$a, 2ª. Orelha do livro

Grêmio Nada Pode Ser Maior Eduardo Bueno

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1. Orelha do livro

Se voc quiser achar que este livro srio, ento ache, porque ele . Mas se perceber que est diante de unrlibelo, de um cntico bravura e ao poder do coletivo sobre firulas individualistas, que est escutando um hino alma indmita e lendo uni manifesto contra lendas do tipo "homem cordial", estar mais prximo da essncia dessas mal traadas linhas, onde no encontrar jogada de letra, jogo de cintura fina. E assim, se no pipocar antes do fim, vai perceber como grandioso e transcendente torcer pelo Grmio.O Grmio da vrzea da Baixada, olmpico Grmio! O Grmio incendirio de Foguinho, o Grmio de botinas do capito Froner. Grmio do tanque Jua-rez, de Alcindo bugre-xucro de Wilson Cavalo, de Arton Pavilho, de Lara, Germinaro e Danrley. Grmio de poncho e de coturnos. Grmio lanceiro negro, de tantos pontas-de-lana e de todos os volantes de conteno. O Grmio de Leo e De Len, de Ribeirinho e Ramo, de Feio e Pelado. Grmio de Paulo Csar Caju, Mrio Srgio e Andr Catimba. Grmio de Loivo e Yu-ra. Grmio de Anderson Polga,2. Orelha do livro

Emerson, Eduardo Costa na frente da zaga.

iO Grmio de Divino. Grmio de futebol porto-alegrense. Futebol de verdade, porque fute-bol-arte, todo mundo sabe, c coisa de fresco.Eduardo Bueno nasceu gremsta em mato de 1958, na mesma cidade onde o Grmio foi fundado em 1903. Em 1963, uma guinada do destino o levou para o estrangero-.foi viver em So Paulo, capital do Brasil, o pas vizinho. Em 1968, voltou para Porto Alegre, onde chegouatempodeveroGrmoenfiarixono S. C. Municipal, em seu primeiro clssico Gre-pal. Naquele dia o Grmio foi hepta e Bueno nunca mais deixou de ir ao monumental Olmpico, onde, junto com dezenas de milhares degremstas exultantes, foi tetra-campeo da Copa do Brasil, b do Brasileiro e b da Libertadores. Eduardo Bueno, goleiro que gostaria de ter sido volante de conteno, j escreveu dez livros, mas anda espalhando por a que gosta mais deste.Grmionada pode ser maior

Copyright 2005 by Gerao ContedoConcepo editorial: Gerao Contedo/Rodrigo Teixeira e Marcelo DoriaCapa: Joo Baptista da Costa AguiarProduo editorial: Jaqueline LavorReviso: Renato DeitosPesquisa iconogrfica: Marcelo Feria e Eduardo Bueno Editorao eletrnica: Raquel Alberti/AdamsdesignCIP - BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJB941gBueno, Eduardo, 1948-Grmio: nada pode ser maior / Eduardo Bueno. - Rio de Janeiro: Ediouro, 2005(Camisa 13)Inclui bibliografiaISBN 85-00-01600-0i. Grmio Football Porto Aegrense. 2. Futebol - Brasil - Histria. I. Ttulo. II. Srie.04-2908.CDD 796.3340981CDU 796.332(81)05 06 07 08 09754321Para meu av Augusto,meu tio Romeu,e meu irmo Fernando graas aos quais sougremistae, claro, para todos os volantes de conteno

Todos os direitos reservados Ediouro Publicaes Ltda.Rua Nova Jerusalm, 345 - BonsucessoRio de Janeiro - RJ - CEP 21042-235Tel.: (21) 3882-8200 - Fax: (21) 3882-8212 / 8313www.ediouro.com.br

SUMRIO

Uma entrada dura111. A primeira pelota: dando no couro222. O inexpugnvel Fortim da Baixada363. O Grmio cisplatino e germnico524. Grepal: o clssico meia-sola725. Futebol se joga com as mos906. Foguinho e o futebol incendirio1067. O obelisco e os maracanaos do Grmio 1188. Os mestres fora das quatro linhas1349. Os matadores: jogando por msica15610.0 Brasil, a Amrica e o mundo17411. Contra tudo e contra todos198Entrada dura por trs224Cronologia228Escalaes236Hall da lama: a calada da Fama brucutu243Agradecimentos244Bibliografia246UMA ENTRADA DURAFutebol-arte, todo mundo sabe, coisa de veado. No toa que j houve quem o tenha chamado, muito propriamente, de "futebol-bailarino". Afinal, quem joga futebol-arte mais cedo ou mais tarde acaba danando...Futebol-arte aquele jogo inconsequente praticado nos trpicos, em terra de gente inzoneira e malemolente os conhecidos manes molides. O futebol-arte disputado em ritmo de samba, cheio de ginga e de graa. H quem ache graa, embora, em geral, quem acabe rindo por ltimo seja o adversrio.O futebol-arte inclui jogadas de letra que s resultam em linhas tortas. Prefere a bicicleta a um bom carrinho. Emprega o calcanhar mas ignora o talento do cotovelo. S usa o peito para matar a bola, embora praticantes do futebol-arte raramente emitam sinais de que possuam tal parte do corpo em sua estranha anatomia - e muito menos que entendam o real significado da expresso. Faz calor nos lugares onde praticam o futebol-arte. Se chove, o jogo transferido e o pessoal vai prum pagode. Acham que necessrio um tapete verde para que a bola role, como se a vida real no fosse um campo embarrado cheio de buracos.Os praticantes (e os amantes) do futebol-arte desconhecem -ou no mnimo pervertem a essncia do mais nobre dos esportes. Futebol um jogo de sangue, suor e lgrimas, que deve ser praticadocom dentes rangendo. O futebol - o verdadeiro futebol - uma metfora da vida: rduo, eventualmente sombrio, repleto de altos e baixos, dor,, superao e glria redentora. Essa gente que curte futebol-arte deveria torcer para esportes jogados com as mos. Alis, esporte jogado com as mos coisa de fresco.Alm de partirem da premissa errada aquela segundo a qual o futebol teria sido inventado na Inglaterra -, os amantes (e os praticantes) do futebol-arte confundem tudo. Na Inglaterra no faz sol. A fogosa Inglaterra com seu fog, seus tronos manchados de sangue, seus corsrios singrando os sete mares, seus beberres de nariz rubro e dentes quebrados enchendo a cara nas tavernas - inventou apenas a maneira correta de se apreciar o futebol nas arquibancadas.Mas o futebol no foi inventado na legendria Albion. O futebol foi inventado no Mxico, pelos guerreiros maias. L, era jogado com a canela, os joelhos e os cotovelos - e o que rolava era a cabea do adversrio. Os vencidos eram sacrificados e seu corao oferecido aos deuses, ainda pulsante. Um exemplo do verdadeiro esprito esportivo.Bem que os ingleses, inventores modernos do jogo, tentaram por duas vezes resgatar a essncia do futebol. Na I Guerra Mundial, por exemplo, em algum momento da batalha do Somme, travada entre julho e novembro de 1916, o capito W. P. Nevill jogou quatro bales de couro frente de suas trincheiras e exortou os quatro batalhes que comandava a chutarem-nas at cruzar a linha alem oferecendo um prmio para o primeiro que atingisse a "meta". O que importa que 600 soldados tenham morrido, se a vitria foi alcanada?De acordo com Vencer ou Morrer - Futebol, geopoltica e identidade nacional, o belo livro de Gilberto Agostino, aquela no foi a primeira vez que a fabulosa ttica foi usada: os pioneiros da estratgia teriam sido os integrantes do 1 Batalho do 18 Regimento de Londres, que

O capito W. P. Nevill e seus bravas: atingindo a meta para reensinar o mundo a jogar futebol nos esburacados campos da l Guerra Mundial. Os fracos ficaram beira do caminhoa empregaram na batalha de Loos, travada em setembro de 1915. "A prtica parecia magnetizar os soldados, que venciam em pouco tempo a distncia entre suas linhas e as inimigas", informa Agostino.Meio sculo mais tarde, em 1966, os britnicos se viram forados a recorrer a uma redundncia, no porque sejam amantes do bvio, mas para ver se as outras naes enfim entendiam o sentido e a magia do jogo: eles reapresentaram ao mundo o que foi ento balizado de "futebol-fora". Ao contrrio do esporte praticado pelos maias, o futebol inventado pelos ingleses , como se sabe, jogado com os dois ps. Mas trata-se de um jogo to superlativo que, muitas vezes, os atletas redobram seus esforos - e acabam praticando-o com quatro.Isso posto, vejamos: quem, afinal, joga o verdadeiro futebol no Brasil? Ningum. No Brasil joga-se apenas o man-molente futebol-arte. Isso significa dizer ento que, no Brasil, nem mesmo o glorioso Grmio pratica o genuno futebol? No. Simplesmente porque o Grmio no um time brasileiro. O Grmio um time cisplatino, com ascendncia germnica, fibra inglesa e sangue nas veias. Sangue azul, evidentemente. Eis a tese que este livro desposa e vai defender. Tese sria, densa e dramtica. Como a vida. Como o futebol. O verdadeiro futebol. O futebol praticado pelo Grmio h mais de cem anos para deleite de seus torcedores e terror dos demais.Este livro comeou a ser escrito sob o impacto de mais uma grande vitria internacional do Grmio o nico clube internacionaoaqui do pedao. Tal conquista se deu em julho de 2004, quando a Grcia, armada com o esprito e (quase) vestindo a camisa do Grmio, bateu, como de hbito, um time que trajava vermelho e levantou a Eurocopa. E isso que o time de vermelho era treinado por um dos maiores gnios da histria do futebol mundial, o extraordinrio zagueiro Felipo (aquele que paulistas e cariocas chamavam, mal posso crer, de Scolari). Um homem que sabia usar o cotovelo e matar a bola como poucos e no gostava de danar nem a chula, embora botasse o seu pezinho bem juntinho com o do adversrio.O nico equvoco na luminosa carreira de Felipo dentro das quatro linhas foi o fato de ele ter escolhido a posio errada. Claro que uma nobre atitude optar por jogar na zaga, mas um visionrio como Felipo deveria ter sido volante de conteno. O volante de conteno , indiscutivelmente, o astro-maior, a grande vedete (ops, vedete no - vedetes praticam o futebol-bailarino), a pea-chave, o rei, a torre e, acima de tudo, o cavalo no grande xadrez que constitui os duelos tcnico-tticos do autntico futebol.Fora de campo Felipo tambm cometeu deslizes. Um deles foi ter treinado um time de vermelho - e, como tal, fadado derrota. Por isso, Felipo perdeu aquela final. Mas perdeu-a para si mesmo e nem deve ter ficado muito chateado (bom, "chateados" ficam os treinadores que professam o futebol-arte; homens como Felipo ficam inconformados e furiosos).De todo modo, Felipo no deve ter ficado to furioso e inconformado como de hbito, pois h de ter concludo que, naquele dia, perdeu para si mesmo. Ou seja: foi derrotado por suas prprias teses, postas em prtica pela Grcia, que, depois de ter civilizado a Europa e sangrado na batalha das Termpilas, reensinou o mundo a jogar futebol. Ganhou de goleada: i a o, gol de bola parada, em um de seus nicos arremates meta dos vermelhos. Um show'de bola.Aquela esteve longe de ser a nica vitria internacional do Grmio. Alm das duas Libertadores (1983 e 1995), da Recopa sul-americana (1996) e do campeonato mundial em Tquio (1983), o Grmio ganhou sete das 15 Copas do Mundo (e foi roubado ou injustiado nas demais). Ganhou logo de primeira, em 1930, trajando a celestial jaqueta olmpica do Uruguai. Ganhou de novo em 1954, materializando-se na Alemanha, que passou por cima dos "artistas" hngaros (que at hoje conquistaram o que mesmo?). Voltou a ganhar em 1966, envergando as cores da Inglaterra e redefinindo os rumos prostitudos do futebol. Ganhou outra vez em 1974 e 1978, ao destroar o "carrossel" holands - carrossel, alis, tambm coisa de... deixa pra l. Para comprovar sua proverbial (e, geralmente, irreconhecida) generosidade, o Grmio venceu duas outras Copas, vestindo at mesmo, vejam s, a camisa... do Brasil. Ou voc vai querer me convencer que foi o "futebol-bailarino" que levantou o caneco nos Estados Unidos em 1994 e em 2002, no Japo?Acima de tudo, porm, o Grmio venceu sua mais marcante Copa do Mundo em seu palco predileto: ganhou em 1950 diante de um Maracan lotado de cultores do futebol-arte, atnitos e silentes, como costumam ficar ao final dos jogos decisivos. Como a histria sempre se repete (em geral como tragdia... para os fs do futebol-arte), o Grmio reprisou duas vezes a faanha, ento envergando a prpria camiseta tricolor, e as duas, como se ver, contra o Flamengo a ltima na inesquecvel final da Copa do Brasil de 1997.

Mar de lama: no flagrante acima, Mrio Srgio, um ex-bailarino, descobre a essncia do futebol trajando a imortal jagueta tricolor, contra o verdadeiro Brasil, o de PelotasBem, se voc, cultor do futebol-arte, chegou at aqui sem perder a linha, deve estar fungando furibundo. Otimo. assim mesmo que deveria estar se sentindo. Pois a ter uma pequena ideia do que significa passar anos a fio ouvindo e lendo as teses esposadas por vocs, as acusaes vis, solertes e preconceituosas em meio s quais virilidade confundida com violncia, bravura vira deslealdade e competitividade tomada por agresso. Saber como ver seu time ser esbulhado, roubado e sacaneado. E ler que os guerreiros que vestem a gloriosa camisa azul, preta e branca no passam "de um amontoado de lutadores de kick-boxer" e calam "ferraduras em vez de chuteiras". No vou citar as fontes - no agora.Se quiser achar que este livro srio, pode achar. Mas se preferir perceber que est diante de um libelo mordaz, de um cntico bravura e ao poder do coletivo sobre inconsequentes firulas individualistas, que est escutando um hino alma indmita, nmade e bravia e lendo um manifesto contra lendas do tipo "homem cordial", forjada em um dos pases mais socialmente injustos do globo, possivelmente estar mais prximo da essncia dessas mal traadas linhas, onde no encontrar nenhuma jogada de letra, nenhum jogo de cintura fina. E assim, se no pipocar antes do fim, vai perceber como grandioso, libertrio e transcendente torcer pelo Grmio.Grmio com chuva, lama e alma castelhana. Grmio do primeiro jogo com neve na histria do Brasil. Grmio aos 44 e meio do segundo tempo. Grmio cobrando tiro de meta como se fosse pnalti decisivo. Grmio jogando com o regulamento debaixo do brao e o corao pulsando debaixo do distintivo. Grmio perna-de-pau, bola na rede. Grmio o x o com chuva: faixa no peito e taa no armrio. Grmio chegando junto - de preferncia na bola, mas se tiver que ser canela, faz parte do jogo, meu chapa. Grmio do Prata, medalha de ouro. Grmio em farrapos, nunca em frangalhos. Grmio farroupilha enfrentando os imperiais. Grmio altivo e imperial. Grmio libertador. Grmio guasca, gaudrio e changador. Grmio mosqueteiro um por todos e todos por um. Grmio amarrando os cavalos no obelisco. Grmio hepta, Grmio tetra da Copa do Brasil, Grmio bi do Brasileiro e da Libertadores. O Grmio tri!Se voc se despir dos preconceitos, melhor no se agachar para juntar o sabonete... Desculpe, no resisti. Mas se tirar a fantasia de pierr apaixonado por "futebol-espetculo", vai desvendar a essncia coturnos. Grmio de Flecha, Prego e Geada. Grmio lanceiro negro, ' de tantos pontas-de-lana e de todos os volantes de conteno. O Grmio feroz e sanguneo, rugindo - o Grmio de Leo, De Len e Pitbull. E de Felipo, claro.Grmio de Schuback e Mohrdieck, de Booth e Grunewald, de Kock, Black, Rech, Mussnich, Kaastrup e "von Moreirosky". Mas tambm o Grmio de Alemozinho, Catarina e Paulista. Grmio de Casaca, Bombachudo, Bentevi, Lagarto, Sardinha I e Sardinha II. Grmio de Saavedra, Behegaray, Ochotorena, Bertola, Garibotti, Scotta, Oberti, Chamaco e Ancheta. Grmio de Ribeirinho e Ramo, de Feio e Pelado, de Carrapicho e Detefon. O Grmio negro de Tesourinha e Lumumba. O britnico Grmio de Edwin Cox. Grmio de Paulo Csar Caju, Mrio Srgio e Andr Catimba. Grmio de Loivo e Yura. Grmio de Beto Fusco e Beto Bacamarte. Grmio de

O que pode ser maior? Est l, na plaqueta: Grmio, campeo do mundo. Quando pisam no solo sagrado do Olmpico, os adversrios, nervosos, logo vem com quem esto tratandoAnderson Polga e Eduardo Costa, de Emerson e Tinga, de Jadir e Orcina todos na frente da zaga, na conteno. Grmio de Telmaco, Luiz Carvalho e Gessi. Grmio de Ortunho. Grmio de Divino.Grmio de Alberto, Altemir, Ari Erclio, ureo e Everaldo; Clo e Srgio Lopes; Bab, Joozinho, Alcindo e Volmir. Grmio de Danrlei, Arce, Adilson, Rivarola e Roger; Dinho, Goiano, Emerson e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel. Grmio de Bolvar e de Artigas. Grmio, libertador da Amrica.Apesar de reverenciar este elenco estelar ao final do volume esto todas as escalaes-base do time ao longo desses cem anos , o livro que voc tem em mos no a histria do Grmio. Nem mesmo minha verso da histria do Grmio. , apenas e to somente, a histria do meu Grmio. Do que o Grmio significou e significa para mim, embora esteja convicto de que seja o que ele significa tambm para vrios milhes de gremistas (explcitos ou no, muitos deles japoneses) espalhados pelo planeta. Planeta que, j disse o homem do Sputnik, o primeiro cara que o viu l do alto, azul - e preto, e branco, e blues.Grmio, campeo do mundo. Nada pode ser maior e isto sim uma entrada dura nos coraes e mentes daqueles que sempre torceram contra o Grmio Sempre bem na foto: o Grmio posa para a posteridade em sua primeira fotografia, com a camisa havana (acima), logo trocada pelo clssico e belo traje falack&blue (abaixo)1. A PRIMEIRA PELOTA: DANDO NO COUROO Grmio nasceu da bola, asseguram os relatos de poca e os livros oficiais. Nada mais verdadeiro: foi assim mesmo que a coisa rolou desde o princpio. E embora a referida bola no tenha sido a primeira, com certeza foi a mais importante a chegar ao Rio Grande do Sul - posio que se mantm uma centria depois. At porque, ao desembarcar em Porto Alegre, naquele alvorecer do sculo XX, a histrica pelota estava apenas voltando para casa. Sim, porque, apesar de ter sido curtida em So Paulo, tal bola era feita de couro e vinha de Sorocaba. E Sorocaba e o couro j possuam, naquele inverno de 1903, uma ligao multissecular com o Rio Grande do Sul. Alis, couro, Sorocaba e o Rio Grande eram, a bem dizer, uma coisa s. Unidos pelo legendrio balo de couro ao redor do qual nasceu o glorioso Grmio, tornaram-se uma mistura que desce redonda.Fundada em 1654, Sorocaba surgira bem antes disso, em meados do sculo XVI. Era terra de bandeirantes por excelncia. Os bandeirantes, voc sabe, foram aqueles caadores de homens meio-portugueses meio-indgenas que se embrenhavam na mata para alm das fronteiras, para aqum da tica, sem f, sem lei e sem rei. Autnticos piratas do serto, percorriam rotas ancestrais - os chamados peabirus, antigas trilhas indgenas -, seguindo-as at os limites do territrio que, graas a eles, viria a fazer parte do Brasil.Naquela poca, o Brasil, pas vizinho ao Rio Grande do Sul, terminava logo ali, poucos quilmetros ao sul de Sorocaba, no vale cio Paranapanema (onde, quatro sculos depois, em outubro de 1930, quase eclodiu o combate de Itarar, que passou histria como "a batalha que no houve"). Depois do vale do Paranapanema comeava na verdade comea o Brasil meridional. Ou melhor: termina o Brasil tropical. Dali para o sul, a paisagem muda, o clima se modifica, os povos indgenas eram diferentes dos vizinhos "de cima" e a colonizao europeia iria tomar outros rumos.O Brasil meridional, por sua vez, comea a terminar uns 500 quilmetros mais ao sul, na grande calha do rio Jacu, e se encerra de vez no vale do Camaqu. Do Camaqu para baixo, comea o pampa - e esse cu s avessas, ondulante e recoberto de grama, estendendo-se at as ventosas plancies da Patagnia, pode ser tudo menos Brasil. O pampa pertence a outro mundo: platino, quase austral, selvagem, indmito.O Rio Grande do Sul, por tudo isso e mais um pouco, um pedao de cho diferente do resto: um universo parte, uma terra de ningum que acabou se tornando o pas dos gachos. Em uma das tantas e saborosas ironias da histria, o "pas dos gachos" foi conquistado e incorporado ao Brasil por paulistas. Bandeirantes, tropeiros, contrabandistas de gado, aventureiros, soldados, mercenrios - paulistas, quase todos.Eles chegaram ao Sul partindo de Sorocaba palavra tupi (a lngua-geral dos primeiros paulistas, que mal falavam portugus) cujo significado "rasgo" ou "ruptura", numa provvel aluso s fendas e falhas geolgicas existentes na regio, mas to rica e sonora que se presta a outras leituras. E os bandeirantes chegaram aqui... a p. Eram seis meses de jornada, sob sol e chuva, ouvindo o rugido das onas e o rugir das cachoeiras, comendo mel silvestre (com eventuais abelhas junto), formigas assadas, vermes de taquara e qualquer coisa que se mexesse. Armados at os dentes, com suas bandeiras desfraldadas e .cus sons de guerra, eles formavam um bando de mamelucos casca lura. Pensando bem, at que poderiam jogar no Grmio.Mas por que, afinal, eles vinham a p? Porque o Rio Grande do 'inl era resguardado e mantido no isolamento pela maior costa ivtilnea do mundo um litoral inspito, baixo e arenoso, um irrnitrio de navios, batido por ventos e ondas bravias. De Laguna (SC) a Puhta dei Este (no Uruguai) se estendem 66o quilmetros de praia sem nenhuma enseada, baa ou porto natural. No tinha aquela de entrar numa caravela, desembarcar em areias douradas, distribuir umas miangas para os nativos e ir escolhendo o melhor lugar para construir uma vila. Tanto que a primeira vila do Brasil a paulista So Vicente, bero dos bandeirantes, junto com Piratininga foi fundada em 1532, enquanto que a primeira vila portuguesa do Rio Grande do Sul, a herica Rio Grande, s surgiu mais de 200 anos depois, em 1737.Na estreita lngua de terra existente entre o mar bravio e a misteriosa Laguna dos Patos, na zona logo acima da fortaleza de Rio Grande, havia vastos rebanhos de gado chimarro, xucro e sem dono. Os minuanos e charruas, nativos da regio, bem como os pioneiros e militares portugueses que ali se instalaram, serviam-se amplamente daqueles rebanhos. No apenas se alimentando deles, mas extraindo-lhes o couro a primeira, virtualmente a nica, riqueza de uma zona inspita e isolada. "To desordenada e brbara a extrao da courama que aqui se faz", relatou, alarmado, um certo Andr Coutinho ao governador Gomes Freire de Andrade, "que naturalmente haver de resultar na total extino do gado."

No era s gado que existia em profuso naquela regio de fartura, a "terra dos muitos", como a definiu o mesmo Coutinho, por motivos que se encarregou de esclarecer em carta escrita em setembro de 1737: "Com toda a verdade aqui h muita carne, muito peixe, muito pato, muita marreca, muito maarico real, muita perdiz, muito jacu, muito laticnio, muito anans, muita courama, muita madeira, muito barro, muito blsamo, muita serra, muito lago e muito pntano: no vero, muita calma, muita mosca, muita mutuca, muito mosquito, muita pulga; no inverno, muita chuva, muito vento, muito frio, muito trovo, 'e, com todo o tempo, muito trabalho, muita faxina, muito excelente ar, muita boa gua, muita esperana e muita sade para servir a Vossa Merc".O brigadeiro Silva Pais, fundador de Rio Grande, tratou de estabelecer limites matana descontrolada em meio abastana e sugeriu ao mesmo Gomes Freire, ainda em 1737, que se estabelecessem "curtumes de toda a casta de couro e solas, que melhor que em outras partes aqui se curtem". Surgiu ento o primeiro negcio dos gachos: a extrao, preparo e curtio do couro. To intensa e ntima tornou-se a relao entre aquela atividade e os homens que a exerciam que a palavra "guasca" originalmente utilizada para designar uma larga tira de couro virou at hoje sinnimo de gacho.Pouco antes, por volta de 1732, Cristvo Pereira de Abreu, um genuno heri gacho nascido em Portugal, contrabandista e contratador de couros da Colnia do Sacramento, havia aberto uma estrada unindo o Rio Grande do Sul a Sorocaba. Mais tarde, o charque produzido no pampa e as mulas criadas nos currais estabelecidos nas cercanias da fortaleza do Rio Grande comearam a ser levados para Minas Gerais por aquela rota. Mais de 50 mil mulas chegaram a cruzar tal caminho anualmente. O charque alimentava os escravos e as mulas transportavam o minrio e os equipamentos de minerao. O plo a Na "rua dos alemes": a praa XV de Novembro (esquerda) e a rua Jos Montaury (ao fundo), onde o imortal tricolor nasceu, nas cercanias da movimentada Voluntrios da Ptriapartir do qual se comercializavam tanto mulas quanto charque era a florescente Sorocaba, a capital das tropas e dos tropeiros.A regio que se estendia de Laguna, ern Santa Catarina, at Punta dei Este, no Uruguai, continuava, no entanto, sendo uma terra de ningum, uma poro disputada a ferro e fogo por Portugal e Espanha. Aps uma srie de batalhas e de um emaranhado de tratados rompidos, aquela zona de fronteiras movedias acabou se tornando parte do Brasil - graas, bom lembrar, bravura dos gachos. Mas tantas e to frequentes haviam sido as invases castelhanas ao territrio que, pelas estipulaes do tratado de Tordesilhas, de fato lhes pertencia, que em 1763 a capital do Rio Grande do Sul, tomada pelos espanhis, foi transferida para Viamo (na regio metropolitana de Porto Alegre) e, a seguir, em 1773, para Porto Alegre.No alvorecer do sculo que viu o Grmio nascer, o Brasil, a Argentina e o Uruguai j haviam se tornado pases independentes e estabelecido seus frgeis limites territoriais. Mas, reproduzindo a ancestral rivalidade entre Portugal e Espanha, mantinham-se inimigos ntimos. Graas estratgica localizao junto ao lago Guaba (que ainda h quem chame de rio... tanto que certas monstruosidades erguidas em suas margens so denominadas de "beira-rio"), Porto Alegre se tornou uma cidade dinmica e moderna. Em 1903, tinha 120 mil habitantes e estava longe de ser um mero vilarejo habitado por "almas semibrbaras egressas do regime pastoril".Muito do progresso da Porto Alegre de ento se devia a uma ativa e empreendedora comunidade alem. A primeira leva de imigrantes alemes chegara ao Rio Grande do Sul em 1824. Mas os alemes que transformaram o comrcio e a vida de Porto Alegre no eram os mesmos que se instalaram no vale do rio dos Sinos, em So Leopoldo e Novo Hamburgo. Nem os Brummer, soldados e mercenrios prussianos que haviam lutado .em muitas guerras platinas e conflitos caudilhistas. Eram os "alemes do Imprio", os Reichdeustsche, altivos nacionalistas, filhos da unificao alem.To atuantes eram esses homens de origem germnica no jogo de trocas mercantis que transformaram Porto Alegre numa cidade cosmopolita, que uma das principais ruas da cidade, a Voluntrios da Ptria, era chamada de... Rua dos Alemes. Pois foi ali, nas cercanias da praa do Paraso (hoje praa XV de Novembro), que nasceu o Grmio. Por empenho, determinao e obra de alemes e em tomo de uma bola. Uma bola paulista, trazida ao Sul por um sujeito de nome Cndido Dias da Silva Deus o abenoe!E Cndido Dias era natural de Sorocaba. E sua famlia, no chega a ser surpresa, trabalhava com couro. Eram, portanto, paulistas com O pai da matria: o imortal Cndido Dias, dono da bola em torno da qual surgiu o Grmioalma guasca. A loja na qual a famlia Dias vendia os artefatos de couro, que eles prprios curtiam, ficava na avenida Brigadeiro Lus Antnio, no centro da cidade de So Paulo; ainda estava l em 1966, de acordo com o livro Grmio Foot-Ball Porto Alegrense - Passado e presente de um grande clube, de Edison Pires. Mas Cndido se mudou para o Sul para trabalhar na casa comercial de Jlio Becker, localizada em frente praa XV de Novembro, bem ali no incio da Voluntrios, a "Rua dos Alemes". Ser preciso ressaltar que a casa de Becker vendia... artigos de couro?Localizada junto avarias tabacarias, como a Casa Negra, Casa Pavo e Casa Tigre, e quase ao lado da Casa Pimenta (onde meu querido av Augusto - o iluminado homem que me fez ser gremista - trabalhou por anos a fio), a loja de Becker distribua arreios, botinas, rdeas e chicotes: artigos que bem poderiam ser empregados na prtica do verdadeiro futebol. Ainda assim, faltaria uma bola. Ento a tal bola paulista foi enviada de presente para Cndido Dias - e o crculo se iniciou.Cndido era bomio, dizem. "Um bomio que amava a bola", como definiu Marcelo Feria, colaborador neste livro e autor de Imortal Tricolor, uma bela biografia do Grmio. Um retrato de Cndido Dias da Silva foi preservado para a posteridade. Ali est ele, com um ar um tanto espectral, metido em terno escuro e num indefectvel chapu, mos postas nos joelhos, bigodinho bem aparado e olhos estreitos perdidos em distante contemplao. Parece um Uuestnan ou um vendedor ambulante de elixir paregrico. Em todo o caso, um predestinado.Cndido Dias vivia em uma repblica de solteiros, no nmero 47 da rua Santa Catarina (hoje rua Dr. Flores), compartilhando o quarto com o gacho Joaquim Ribeiro. Talvez fosse o homem de vida desregrada que diziam que era, mas acabou se revelando um bom pai: tratava o balo de couro como um rebento mimado e vivia com a redonda no colo, cioso e ciumento. Ainda assim, no se furtava a exibi-la como um trofeu.Logo um pequeno grupo, do qual faziam parte o prprio Joaquim Ribeiro e o carismtico Pedro Carvalho Haeffner, comeou a gravitar em torno da fabulosa esfera. Algum logo os apelidou de "grupinho da bola", j que os garotos de fato formavam um "conjunto de pessoas unidas em torno de um objetivo" - um grmio, digamos assim, de boieiros apaixonados.Para exercitar a nova paixo, aquela rapaziada eleita pelos deuses escolheu um recanto paradisaco. De bonde puxado a burro dirigiam-se, todo o domingo, aos arrabaldes de Porto Alegre, para o lugar conhecido como Cascata. Ali, nos arredores da hodierna gruta da Glria, onde as guas de um arroio murmuravam entre prados e chcaras, eles shootavam com vontade a redonda, embora no se possa dizer que j fossem players. Se a Gruta e a Cascata so patrimnios narurais que Porro Alegre tratou com descaso e incompetncia, pelo menos o que ali nasceu vive at hoje - e viver para sempre. Sim, porque aquelas prazerosas tardes domingueiras deram origem a milhares de outras domingueiras tardes prazerosas. Deram a origem ao Grmio.Quando a primavera de 1903 deu os primeiros sinais, Porto Alegre assistiu ao primeiro jogo de futebol de sua histria. O Sport Clube Rio Grande, o mais antigo time do Brasil - fundado por imigrantes ingleses e alemes na cidade pioneira de Silva Pais, Cristvo de Abreu e Andr Coutinho, a "terra dos muitos", a terra da courama -, veio capital para um mfc/!-exibio. Disputada no dia 7 de setembro de 1903, entre o primeiro e o segundo times do S. C. Rio Grande (Quadro i x Quadro 2), a partida realizou-se na Vrzea (hoje Parque da Redeno). Foi, portanto, um genuno jogo de vrzea como eram tambm os prlios disputados em So Paulo, na vrzea do Tamanduate - onde o futebol brasileiro nasceu e, por um breve perodo, antes de ir bailar na grama do vizinho, se manteve orgulhosamente varzeano.A questo que, na metade daquele jogo histrico entre titulares e reservas do S. C. Rio Grande, a bola... murchou. Talvez porque estivesse sendo shootada com vontade excessiva, talvez porque no desse no couro. O fato que, em meio consternao geral, Cndido Dias - que evidentemente comparecera ao evento, junto com o "grupinho da bola" - invadiu o gramado e generosamente emprestou sua legendria pelota. Em troca, recebeu, aps o prlio, informaes sobre como fundar um clube de futebol.O impacto da apresentao do S. C. Rio Grande foi tal que, apesar da bola murcha, o inevitvel aconteceu: uma semana depois do jogo, no dia 15 de setembro, dois times foram fundados em Porto Alegre. O primeiro nasceu pela manh: foi o FussBall Club Porto Alegre. O nico e autntico rival que o Grmio, fundado ao entardecer do mesmo dia 15, teve em sua histria. Mas como o Grmio no nasceu para ter rivais - e nunca mais os teve, nem em Porto Alegre, nem no Rio Grande do Sul, nem nos pases vizinhos ,0FussBall teve vida curta. Fechou em 1930 simplesmente porquecansou de perder para o Grmio.O primeiro jogo da centenria e gloriosa histria do Grmio foi justo contra o finado FussBall. Como o Grmio vale por dois, aquele ensolarado domingo, 6 de maro de 1904, teve programa duplo: foram dois jogos contra o FussBall. E o Grmio venceu os dois, ambos por1a o. Precisa mais do que isso para garantir uma vitria? Ento basta. O Correio do Povo do dia seguinte registrou: "Tanto os players do Grmio quanto os do FussBall envidaram esforos para maior ttica e para conseguirem marcar goals, mas apenas os do Grmio obtiveram xito. Houve muitos tombos, mas sem resultados lamentveis".Mas para que a gloriosa e centenria histria do Grmio se tornasse tambm uma histria tricolor e para entrar em campo e bater o FussBall , o Grmio teria, claro, que ter um uniforme. E foi para isso que, em 30 de setembro de 1903,15 dias aps a fundao, convocou-se uma reunio para decidir quais as cores que o time iria honrar. Oito dias antes, a repblica onde Cndido Dias e Joaquim Ribeiro viviam, na rua Santa Catarina, n 47, fora oficializada como sede do clube, e l a primeira direo tomou posse. O comerciante Carlos Bohrer assumiu a presidncia, Joaquim Ribeiro a vice-presidncia e Cndido Dias foi eleito guarda-esporte (homem encarregado de guardar a bola e os demais pertences do time).Chegou ento o fatdico dia 30, e Cndido Dias da Silva cometeu ento seu primeiro, talvez nico e certamente ltimo erro como gremista seminal. Ele queria que o Grmio fosse tricolor, claro. S que envergando as cores preto, branco e... vermelho! Os motivos eram bvios: alm de homenagear o estado natal, o paulista Cndido sonhava em ver o Grmio trajando as cores do So Paulo Atlethic Club, do lendrio Charles Miller.Mas a palavra "vermelho", voc sabe, provm de "verme". Srio: v l no dicionrio e confira. Vermelho originrio do latim "vermiculus" ou "pequeno verme" - "vermezinho" para simplificar. Trata-se de uma referncia ao minsculo inseto Kermes vermilio, parasita de um arbusto espinhoso do Mediterrneo, cujo corpo, esmagado, era utilizado para obter um corante rubro. Ora, o Grmio no nasceu para ser um verme, um inseto parasitrio e muito menos para ser esmagado. Time fadado a tantas glrias jamais poderia, portanto, trajar vermelho.E assim ficou lavrado em ata, naquele memorvel 30 de setembro de 1903, que a nascente agremiao vestiria bon, cales e meias pretas, gravata branca, botinas claras e camisa com listras horizontais azul e havana, alm de uma faixa branca na cintura.Apesar de ser o mais cubano dos times (supostamente) brasileiros, o Grmio - uma ilha rebelde em meio a um oceano de futebol-arte - no poderia trajar "havana", um tom ferruginoso que puxa para o marrom (e por tabela para o rubro). Assim, logo houve mudanas. Por clarividente sugesto do major Augusto Kock, uma outra reunio, realizada no dia 20 de julho de 1904, estabeleceu que o Grmio vestiria uniforme de flanela, metade azul, metade preto, com gola fina e sem bolso. Surgia assim a mstica black&blue do time mais pop do continente.Corre uma verso de que o Grmio jamais vestiu a camiseta havana e azul simplesmente porque a inusitada cor de burro quando foge estava em falta no comrcio. Mas como meu amigo Marcelo Feria j comprovou em seu Imortal Tricolor, a histria no procede. O Grmio no apenas enfrentou o FussBall com o uniforme pioneiro como posou para a posteridade vestindo a camiseta listrada azul e havana. A foto, a primeira de dezenas de milhares de sua radiante histria, foi tirada em dezembro de 1903, a pedido do intendente municipal Jos Montaury. E serviria para comprovar a vocao internacional do Grmio - o nico time internacional do Sul do Brasil, como j foi dito.

Os dois Augustos: Koch, o major, alfaiate e volante de conteno ao qual o Grmio deve muito, e Romulo, meu av, que me fez gremistaO Rio Grande do Sul montou um estande na Exposio Internacional de Saint Louis, nos Estados Unidos, para exibir o que o estado tinha de melhor. Sabe o que foi enviado para l? A primeira e histrica foto do Grmio. Era uma profecia e um sinal do destino: o mundo estava se acostumando a admirar o Grmio Foot-Ball Porto Alegrense.

O bunker da Schuetzverein Platz e o Tiro Alemo: primeira casa prpria do Grmio, conhecida como o inexpugnvel Fortim da Baixada, com seu ilustre vizinho ao fundo"Em toda minha vida encontrei apenas uma ou duas pessoas que compreendiam a arte de caminhar que tinham o gnio, por assim dizer, do 'sautering', palavra esplendidamente derivada de 'pessoas vadias que erravam pela Europa, na Idade Mdia, pedindo esmola sob o pretexto de irem Ia Sainte Terre, Terra Santa', at as crianas exclamarem: 'L vai um sainte-terrer, um "saunterer", algum em busca da Terra Santa'", escreveu o filsofo norte-americano Henry David Thoreau na abertura de seu memorvel ensaio Walking ("Caminhando")."Os que nunca vo Terra Santa nas suas peregrinaes, como pretendiam, so, em verdade, meros vadios; mas os que l chegam so autnticos 'saunterers'. E certo que alguns derivam a palavra desans ferre, sem terra ou ptria, o que, portanto, no bom sentido, significar: no tendo ptria determinada, tal indivduo tem sua ptria em toda parte. Os que se deixam permanecer em casa, quietos, sempre e sempre, podem ser os maiores errantes; mas o 'saunterer' no mais errante que o rio sinuoso, cujo propsito contnuo encontrar o caminho mais curto para o mar."Quem pode duvidar que o Grmio o time mais andarilho, mais caminhante, mais "saunterer" do continente - e em ambos sentidos da palavra tal como definida por Thoreau, o grande terico da Desobedincia Civill Primeiro, o Grmio no tem ptria fixa: nasceu em uma terra de ningum que forjou seu destino e. suas fronteiras;

O desobediente civil: o filsofo Thoreau, o saunterer original e um gremista avant Ia lettrepertence, portanto, a todas as ptrias - menos, claro, dos manes molentes. Alm disso, o time est sempre em busca de sua Terra Santa: o gol do adversrio. S descansa, e ainda assim por breves instantes, quanto completa a peregrinao Meca dos ttulos incontestveis. O Grmio como um rio sinuoso cujo propsito contnuo encontrar o caminho mais curto para as grandes vitrias. Uma equipe em marcha pela estrada afora, indo, nem que seja at a p, em direo ao prximo desafio.E assim foi desde o incio. Pois o Grmio de fato nasceu errante embora com destino certo e propsitos bem definidos. Tudo comeou, como j foi dito, na estrada que ligava Rio Grande a Sorocaba: uma rota percorrida por aventureiros temerrios e destemidos autnticos saunterers, dignos da mstica celebrada por Thoreau. Natural, portanto, que um time de tropeiros viesse a se tornar o time mais "copeiro" do Brasil. Depois, o clube foi fundado por imigrantes, gente capaz de cruzar um oceano em busca de seu sonho.O Grmio, alm disso, realizou seus primeiros treinos e jogos em vrios locais de Porto Alegre: na vrzea do Gravata (onde hoje est o aeroporto Salgado Filho) e na vrzea da Redeno; nos matos da Cascata, nos arredores da Gruta da Glria, no sop do Morro da Polcia e no bairro Floresta (quase na esquina da atual Dr. Timteo com a Cristvo Colombo). Trata-se, portanto, e desde o incio, de um time de vrzea, de morros e de florestas. Mas, apesar da alma andarilha, o clube logo concluiu que no seria de todo mau se possusse seu prprio campo e no dependesse, assim, de favores de ningum.No chega a ser surpresa que a inaugurao de seu primeiro e glorioso ground tenha comeado justamente com uma marcha, uma peregrinao, uma caminhada pica. Uma autntica procisso.Em um frio domingo de agosto de 1904, caminhando e cantando e seguindo a cano, os primeiros atletas, dirigentes e torcedores do Grmio partiram em alegre bando desde a sede do clube, localizada no centro de Porto Alegre, na lendria "repblica" de Cndido Dias e Joaquim Ribeiro. O grupo subiu ento a famosa Rua da Praia, passou pela Santa Casa de Misericrdia (e a ignorou, pois misericrdia nunca foi seu ponto forte), seguiu pela avenida Independncia, em meio a suntuosos casares; percorreu a rua Mostardeiro e chegou Baixada, aps descer aquilo que no Rio Grande do Sul se chama de lomba - o mesmo que "ladeira" em portugus. E aquela mesmo uma tremenda lomba: sei disso porque a subo todos os dias para vir de casa para o escritrio, j que tenho o prazer e a honra de viver e trabalhar no topo dos morretes que delimitam a histrica Baixada.Em 1904, a Baixada ficava nos limites de Porto Alegre: a cidade praticamente terminava onde a lomba da Mostardeiro comeava. Dali para baixo era uma zona de recreio uma periferia chique, por assim A "lomba" a Mostardeiro: vista tomada do meio da ladeira que conduzia gloriosa Baixada, que ento era apenas uma clareira em meio ao buclico e frondoso "matto Mostardeiro"dizer. Na extremidade norte da Baixada, esquerda de quem desce, ficava o Prado da Independncia: a mais refinada das quatro pistas de corrida de cavalos ento existentes na cidade. Inaugurado dez anos antes, em 1894, o Prado recebia a fina-flor da sociedade gacha, que ali assistia aos concorridos preos dominicais. No extremo leste erguia-se o imponente Tiro Alemo, clube de atiradores que ficava onde hoje est o atual Caixeiros Viajantes, e a oeste alastrava-se o Mato Mostardeiro, uma zona densamente arborizada na qual as famlias faziam piqueniques.Em meio a isso tudo, limitado a oeste pelo declive acentuado da "lomba", havia uma depresso plana, recoberta de grama e flores silvestres. A buclica rea, de aproximadamente trs hectares, pertencia a Hemetrio Mostardeiro, patriarca da tradicional famlia que tambm era proprietria do "mato" que levava seu nome. Toda a rea fizera parte da bela chcara de Antnio Jos Gonalves Mostardeiro, presidente da Associao Comercial de Porto Alegre entre 1882 e 1885, casado com a dona Laura e pai de Hemetrio.Ao percorrer toda a cidade em busca de um local para instalar o primeiro campo do Grmio, o clarividente major Augusto Kock - o austero alfaiate graas ao qual o clube veste azul e preto, e que, ainda por cima, era um estupendo half-back (ou seja: um av dos volantes de conteno) percebeu que a Baixada era o lugar ideal. At porque o terreno tinha a forma de um caldeiro...Os Mostardeiro at hoje gremistas benemritos e que pouco mais tarde iriam ceder ao time uma dupla de grandes jogadores de p esquerdo, Carlos (Mostardeiro I) e Alfredo (Mostardeiro II) -aceitaram vender o terreno para a nascente agremiao. Ficou decidido que o clube o pagaria "quando pudesse", pois o preo era alto: dez contos de ris, um dinheiro equivalente a trs anos de salrio de um funcionrio pblico de mdio escalo (3OO$ooo ris mensais) ou a trs passagens de primeira classe de navio para a Europa (3:3Oo$ooo, ou trs contos e 300 mil-ris). Mas o Grmio logo obteve o dinheiro, graas a um emprstimo junto ao Brasilianische Bank Fr Deutschland, o velho e bom Banco Alemo, quitando a dvida com a famlia. Eis aqui, portanto, um clube que pagou por sua primeira propriedade - ao contrrio de outros, que se apropriaram de terrenos tomados ao lago Guaba, esmolados junto prefeitura.A Baixada fica no bairro Moinhos de Vento. O que ali surgiu, no entanto, nunca foi um time quixotesco em luta contra moinhos. At porque a proximidade do Tiro Alemo j garantiu ao velho Grmio a dose certa de belicosidade: quem passou a ser modo nos Moinhos no foram moios de trigo mas os futuros adversrios do tricolor. E isso s j no aconteceu no primeiro jogo disputado na Baixada, simplesmente porque o prlio inaugural foi disputado entre os dois times do prprio Grmio (Quadro i x Quadro 2).Apesar da ausncia de adversrio, solenidade foi o que no faltou ao evento. Antecipando-se em meio sculo ao fabuloso hino composto por Lupicnio Rodrigues, os primeiros atletas -autnticos saunterers em marcha para a Terra Santa - partiram a p e j uniformizados do centro da cidade rumo Baixada, em um percurso de cerca de quatro quilmetros. Batedores de bicicleta acompanhavam os boieiros e jovens senhoritas (quem pode duvidar que eram lindas?) seguiram junto a eles. Eram as primeiras das hoje milhes de lindas mulheres gremistas.Tambm naquele memorvel dia surpreendente que ainda no tenha sido decretado feriado nacional no Rio Grande do Sul a bandeira do Grmio tremulou pela primeira vez. O majestoso pavilho tinha ento listras horizontais em azul, preto e branco com o distintivo no canto superior esquerdo, o canto do corao, pois aquela era uma bandeira com peito. As meninas carregaram o pavilho desde a sede e o hastearam no centro da Schuetzverein Platz (a "Praa do Tiro Alemo"), como at 1910 a Baixada era conhecida.Quando chegou aoground, o grupo pioneiro de atletas, dirigentes e torcedores j o encontrou modificado e pronto para se tornar o que viria a ser o temido "Fortim da Baixada". Com orientao e ajuda de Henrique Punter, engenheiro da Intendncia Municipal, responsvel pelo planejamento das ruas de Porto Alegre e logo scio do Grmio, o terreno fora terraplenado e cercado com arame farpado. Instalaram-se borboletas para controlar a entrada dos ilustres convidados e os scios-fundadores que participaram das obras plantaram pltanos ao redor do campo, batizando-os com seus nomes.Naquele domingo frio, possivelmente o segundo de agosto de 1904, a Baixada foi inaugurada com pompa e circunstncia.O presidente do Estado, Borges de Medeiros, no compareceu festa. Ainda bem: era um sujeito ensimesmado e sisudo, um chato de galochas que devia gostar de vermelho, j que por causa de suas reeleies fraudadas muito sangue iria correr no Rio Grande do Sul. Mas o intendente municipal, Jos Montaury - o mesmo que enviara a foto do primeiro time do Grmio para Saint Louis -, estava l. Pouco mais tarde, viraria o primeiro scio benemrito do tricolor.Depois do portentoso embate entre os dois quadros do Grmio e h de ter sido uma partida fabulosa, embora as minuciosas atas do clube no preservem registros nem do jogo nem do placar (mas o embate muito provavelmente h de ter terminado com um empate, pois como o Grmio seria capaz vencer o prprio Grmio?) , os players se dirigiram para o vestirio do Tiro Alemo. L, trocaram os uniformes por refinados trajes sociais e foram para o Salo dos Atiradores, onde, ao som de polcas, valsas e modinhas, danaram noite adentro com as belas moas que os acompanhavam desde o incio da festa. Em um futuro muito prximo, quem danaria na Baixada no seriam mais eles, mas seus adversrios talvez adeptos avantla lettre do "futebol-bailarino".No dia da inaugurao e pelos meses seguintes, ao lado do campo, na altura do grande crculo, o Fortim da Baixada esteve adornado por um belo quiosque uma espcie de coreto, quase um caramancho - onde as autoridades e convidados se instalavam para ver o Grmio ganhar. Mas tanta gente comeou a afluir ao espetculo que logo foi preciso aumentar o espao e at cobrar ingresso. Assim, em abril de 1911, o incansvel Augusto Kock estimulou cem associados a adquirirem ttulos no valor de 5O$ooo (cinquenta mil-ris) cada e, com o dinheiro arrecadado por meio daquele engenhoso emprstimo interno, adquiriu mais uma quadra

O "pombal": o belssimo pavilho de madeira de lei construdo em 1912 onde a nica lei era torcer fervorosamente pelo Grmio - pagando, claro, porque toda paixo tem um preoda famlia Mostardeiro (tambm por 10 contos) e contratou o empreiteiro Germano Bartel para construir um pavilho com capacidade para 500 pessoas.Inaugurado em outubro de 1912, ao custo de 9:ooo$ooo (nove contos de ris), o pavilho, logo apelidado de "Pombal", era uma pequena jia arquitetnica em madeira de lei e por sobre cuja cumeeira tremulavam, altaneiras, trs bandeiras do Grmio. Ficava paralelo rua Mostardeiro, de frente para o campo e para a rua Dona Laura. O Pombal perdurou por seis anos, quando foi restaurado e ampliado. Construdo em maio de 1918, o novo pavilho abrigou a primeira sede prpria do Grmio o endereo era Mostardeiro, n 59 , com salo nobre, escritrio, sala de trofeus (progressivamente abarrotada, bvio) e uma cancha de bolo, esporte muito prestigiado por um time que sempre bateu um bolo. Ao redor das quatro linhas surgiram pequenos lances de arquibancada e neles quatro mil pessoas podiam assistir sentadas s vitrias do Grmio.Ficou assim resolvido o problema da casa prpria e de tal forma que por meio sculo o Grmio permaneceria instalado no inexpugnvel "Fortim da Baixada", na vizinhana estimulante do Prado com seus cavalos e do Tiro Alemo com seus disparos.Durante os primeiros cinco anos de sua extraordinria existncia, o Grmio teve apenas um adversrio: o j citado FussBall Club, seu primeiro e nico rival em Porto Alegre e, quem sabe, no planeta que rodeia a cidade. Entre maro de 1904 e setembro de 1908, o tricolor "e o alvi-verde disputaram 14 jogos: o Grmio ganhou nove, empatou dois e perdeu os trs que no valiam nada. Tanto que foi em cima do FussBall que o time faturou seu primeiro trofeu: o Wanderpreis, ou "prmio mvel" - que j houve quem tenha chamado de "prmio viajor". Fundida em maro de 1904, a bela e rebuscada taa, toda trabalhada em metal branco, ficaria de posse definitiva do time que vencesse trs matchs consecutivos. Adivinhe na sala de trofeus de qual clube o Wanderpreis foi parar e est at hoje?Apesar de toda a dignidade e perseverana demonstradas pelo FussBall Club Porto Alegre que no se cansava de apanhar e seguia desafiando o Grmio , j estava na hora de o time da Baixada encontrar novas vtimas. Por isso, to logo o onipresente major e volante Augusto Kock, j ento ocupando a presidncia do Grmio (que assumiu em 1906), recebeu em sua alfaiataria a visita de John Armstrong Read, naquele 4 de maio de 1909, e foi informado pelo forasteiro que o Sport Club Rio Grande, o mais antigo time de futebol do Brasil, queria enfrentar o tricolor, o que se desenrolou ali foi um encontro definitivamente histrico.Ainda mais que, alm de player e diretor do S. C. Rio Grande, Read era secretrio do dr. Cortheil, chefe da Comisso de Engenheiros do Servio da Barra do Rio Grande. Pois a tal barra - o estreito brao atravs do qual a Laguna dos Patos desagua no oceano Atlntico - era a nica porta de entrada martima para o "continente de So Pedro", nome com o qual o Rio Grande do Sul foi balizado pelos primeiros europeus que vieram dar com os costados aqui. Acontece que este brao era um local to temvel que aqueles ousados navegantes o chamaram de "barra diablica". A nica forma de tornar menos inspita e apartada do mundo a "terra dos muitos" era a construo de molhes que protegessem o canal que dava acesso quele porto inseguro. Muitos projetos foram apresentados, mas a obra definitiva s se iniciou com Cortheil e seus astutos scios ingleses em 1894.Seis anos mais tarde, em julho de 1900, engenheiros, marinheiros e imigrantes, quase todos de origem inglesa e muitos deles ligados ao Servio da Barra, fundaram o primeiro time de futebol do, v l... Brasil. Tambm construram o primeiro estdio do pas. O "sport breto", portanto, chegou formalmente ao Brasil por via das guas indmitas que durante sculos mantiveram o Rio Grande um lugar quase inatingvel. E voc vai querer me convencer que um bando de gente como aquela, capaz de domar a "barra diablica", praticava "futebol-arte"?O S. C. Rio Grande nasceu com a bola to cheia que j em seu primeiro matai, disputado em maio de 1901, bateu a equipe da corveta inglesa Nymph - e garanto que no havia nenhum bailarino a bordo daquele portentoso vaso de guerra. Mas, uns dois anos depois, a bola do Rio Grande murchou e justo durante o jogo-exibio em Porto Alegre... Para retribuir o favor prestado por Cndido Dias - que, como voc h de lembrar, naquela ocasio emprestou seu lendrio balo de couro sorocabano , John Read Armstrong veio capital propor a realizao de um jogo entre os pais-fundadores do futebol brasileiro e os donos da bola cheia. Ou seja: o Rio Grande desafiou oGrmio para um matai amistoso. E o Grmio topou, claro.Em 19 de maio de 1904, os desafiantes, suas mulheres, seus cartolas e torcedores superlotaram o vapor Vnus e zarparam de Rio Grande para enfrentar os humores inconstantes da Laguna dos Patos. Trs dias depois, j em pleno lago Guaba, o navio foi cercado por um sem-fim de flotilhas de barcos de todos os clubes de remo da capital - uma frota festiva e embandeirada que os visitantes mal puderam distinguir em meio ao denso nevoeiro daquele final de outono.A bordo do vapor Boa Vista, fundeado ao lado da ilha das Pedras Brancas, quase em frente ao centro de Porto Alegre, os dirigentes do Grmio e altas autoridades estaduais tambm foram recepcionar os recm-chegados. Aps o festivo desembarque sob o belo prtico de metal e vidro da praa da Alfndega, o grupo seguiu em priplo pela Rua da Praia at a rua Santa Catarina e l, na sede da Sociedade Leopoldina, proferiram-se calorosos discursos. Mas foi no dia seguinte, no Fortim da Baixada, que as coisas esquentaram de verdade.Uma velha Revista ao Grmio narra o acontecido em mincias: "O ground da Schuetzverein Platz viveu um grande dia em 24 de maio de 1909, quando se festejava o 43 aniversrio da batalha do Tuiuti. No pequeno pavilho das autoridades estava, entre muitas outras personalidades, o dr. Jos Montaury de Aguiar Leito, intendente municipal. Mais de 4.000 pessoas espalhavam-se por todos os lados, chegando at a impedir os movimentos dos goleiros e dando insano trabalho aos juizes degoals. Nas imediaes do campo de batalha', no dizer pitoresco do Correio do Povo, viam-se inmeros autos, repletos de assistentes. As senhoras trajavam a rigor. Parecia um preldio de baile do Clube do Comrcio ou da Sociedade Germnia."Ostentando vistosos fardamentos de gala, os dois teams adentraram o gramado. Eram 15 horas. Os quadros formaram para o kick-off, depois de sorteado o toss pelo juiz Nuxi, do Rio Grande, cuja atuao parcialssima mereceu reprovao geral. Estavam assim constitudos os teams: Grmio: Kaastrup - Martau e Deppermann -Caris, Black e Kock - Brochado, Booth, Huch, Kallffelz e Grunewald. Sport Club: Lawson Lahorgue e Lawson II Pagnin, R. Ashin e Neuberg Wigg I e Wigg II, Read, Laughton e Ashtin."Como era constitudo de ingleses que haviam praticado ofoot-ball em sua terra, a Meca dofoot-ball, esperava-se bem mais do quadro visitante que, no entanto, desde o kick-off conheceu b valor da equipe porto-alegrense', segundo o depoimento (alis insuspeito, acrescento eu) do cronista Archymedes Fortini (velho e incondicional f da cor vermelha aquela que originria de "vermculo")."Quase sempre dominaram os locais", prossegue a antiga crnica. "Kaastrup fez defesas emocionantes. A linha de mdios esteve firme. Booth, na linha, driblou com vontade e as constantes

Mais um gol na Baixada: com rede ou sem rede, o avassalador time do Grmio metia a bola dentro da "goleira" do adversrio, fazendo de seu belo estdio um temvel alapoextremadas' de Grunewald fizeram Lawson suar frio. Aos 20 minutos, Grunewald enche o p', desferindo forte pelotao que vai ricochetear entre os assistentes, depois de vencer o goal-keeper. Ovaes interminveis. Mas duram pouco: Nuxi, o juiz, deu o goal como produto de um off-side."Pouco depois, de novo Grunewald, que se apresentou com muito senso de oportunismo, marca outro goal. Novamente Nuxi deu como off-side. Grandes protestos. Mas os porto-alegrenses insistem nas cargas e Grunewald coloca outra bola dentro da goleira (como em gaches se chamam as traves, ou a meta, explico eu para algum eventual leitor estrangeiro). A, enfim, Nuxi consignou o tento. Read, o homem que tanto trabalhou para a realizao do jogo, o mais esforado dos rio-grandinos, tanto que cai contraindo-se em cimbras, sendo o jogo suspenso. Logo aps o reinicio, termina o primeiro tempo, no qual o Grmio marcou trs goals para valer um nico."No segundo tempo, novamente de esquerda, Grunewald marca outro goal, que o juiz d como no tendo passado a linha. No existiam redes, mas Nuxi sequer se dignou a ouvir o juiz de goal. E quem defensou a pelota, que j havia vencido o goleiro, foram os assistentes que ali estavam postados...".Causar alguma surpresa informar que o Rio Grande "ganhou" o jogo por 3x2? Nuxi, o primeiro rbitro cuja senhora que lhe pariu h de ter sido muito comentada ao longo de todo aquele domingo, foi apenas o pioneiro de uma vasta e infame estirpe de juizes que surrupiaram o Grmio ao longo dos ltimos cem anos, entre os quais lcito incluir Armando Marques, Oscar Scolfaro, Edilson Soares da Silva, Dulcdio Wanderley Boschilla, Carlos Simon e tantos outros.Mas 41 dias depois, j se habituando com as injustias que lhe perseguiriam ao longo do sculo, o Grmio estava de volta ao bunker da Baixada para bater o FussBall e conquistar mais uma taa, a Taa Sportiva, oferecida pelo Correio do Povo. E taas continuariam se acumulando na sala de trofeus da Mostardeiro n 59, at o Grmio trocar a Baixada pelo Olmpico Monumental, em setembro de 1953. Hoje, depois de ter sido ocupado por vrios anos pelo Grupo Escolar Uruguai, o solo sagrado onde se erguia o Fortim da Baixada transformou-se no Parque Moinhos de Vento, o Parco, um dos lugares mais bacanas de Porto Alegre onde corro todos os dias, com exceo dos dias em que no corro. A menos de dez metros de onde ficava uma das "goleiras" ergue-se agora um busto de Goethe, o maior de todos os poetas alemes. Depois de encontrar, por acaso, aqui no escritrio com vista para a Baixada o poema Prometeu, escrito pelo genial autor de Fausto, no pude deixar de concluir que Goethe sempre foi gremista, mesmo tendo morrido 70 anos antes da fundao do Grmio. Veja se estou errado:Pois aqui estou eu!Formo homens minha imagem,Uma estirpe que a mim se assemelhe:Para sofrer, para chorar,Para gozar e se alegrarE para no vos respeitar,Como eu!E agora que voc j sabe que tanto o Grupo Escolar Uruguai (que continua ali no Parco, s que em outro lugar) como o genial Goethe esto umbilicalmente ligados ao Grmio, vamos para o prximo captulo, pois nele vou tentar provar que esse time no brasileiro.

Os legendrios pavilhes tricolores: as trs bandeiras do Grmio; a original (acima), a gue imitou a bandeira do "Brazil" (e depois foi proibida) e a atual, criada em 1946

A zaga hamburguesa do Grmio: Schuback e Mohrdieck, zagueiros-mores, uma muralha intransponvel como o Muro de Berlim dos velhos tempos e que marcou poca na Baixada3. O GRMIO CISPLATINO E GERMNICOA palavra "brasil", repleta de significados e ressonncias, empurra quem quer que pretenda desvendar sua origem na direo de uma viagem etimolgica repleta de surpresas e entrelaamentos. Embora existam mais de vinte explicaes para o significado do timo, o fato que, alm de ser grafado com "z", Brazil uma palavra de origem cltica. Os celtas, velhos guerreiros que habitavam a atual Inglaterra, o norte da Frana e a antiga Ibria, eram um povo metalrgico que utilizava o estanho para fabricar um corante de viva tonalidade rubra. E tal corante era chamado "breazail" - ou "vermelho". Da surgiu o nome "Hy Breazil", que pode ser traduzido como "nao dos vermelhos". Por causa da lendria "Hy Breazil" e no por causa do pobre pau-brasil, como julga o senso comum a ptria do "futebol-arte" acabou sendo batizada de... Brasil, e ainda por cima com "s".Agora me diga se o Grmio poderia pertencer "nao dos vermelhos", tambm conhecida como terra do "vermelho" que, alis, a cor da cara de quem est com raiva ou com vergonha? Alm disso, mesmo se optasse pelo Brasil como sua terra natal, o Grmio nem assim seria "brasileiro". Simplesmente porque time to culto no incorreria em tamanho erro gramatical. Sim, porque se as regras do bom portugus tivessem sido corretamente aplicadas, os nativos do Brasil seriam "brasilienses", j que "brasileiro" era apenas e to-somente o termo utilizado para designar quem se dedicava ao trfico de pau-brasil, como "baleeiros" eram os que lidavam com baleias, "pimenteiros" os que traficavam pimenta e "negreiros" os que vendiam escravos...O Grmio, portanto, no brasileiro mas no fundo tambm nunca foi muito brasiliense. O Grmio, pelo menos o meu, um time cisplatino, quase uruguaio, j que sempre teve alma castelhana. Afinal, o Rio Grande do Sul e o Uruguai, ptria do verdadeiro futebol americano, foram durante sculos praticamente a mesma coisa. No estou querendo importunar voc com essa histria, mas o fato que de Laguna (em Santa Catarina) a Punta dei Este (no Uruguai) estendia-se uma poro de terra diferente do resto, mantida em resguardo pela j citada "maior costa retilnea do mundo". Dali para cima e dali para baixo, o mundo era bem outro.Os portugueses, que sempre foram espertos, j pareciam saber disso antes mesmo de desembarcar oficialmente no Brasil, em abril de 1500. Tanto que, em uma anteviso proftica da bronca na qual iriam se meter, reservaram para si, graas ao Tratado de Tordesilhas, assinado em junho de 1494, apenas uma pequena parte do territrio hoje chamado Brasil: a estreita faixa litornea que ia das proximidades de Belm, no Par, at Canania, no litoral sul de So Paulo.O problema que a ganncia logo comeou a falar mais alto e eles foram esticando a raia de Tordesilhas at Laguna, assegurando a posse de todo o territrio que dispunha de portos naturais. At a tudo bem, pois os espanhis estavam interessados mesmo era no Rio da Prata, seu caminho fluvial para o Peru. S que em 1680 os lusos decidiram se apoderar de toda a zona que ia de Laguna at a foz do Prata. Por isso, fundaram a Colnia de Sacramento na margem esquerda do grande rio, desafiadoramente em frente a Buenos Aires. Com isso, deflagraram um conflito que por 150 anos iria ensanguentar toda a regio e empurraria tanto o "Continente de So Pedro do Rio Grande do Sul" quanto a "Banda Oriental do Uruguai" em direo a um emaranhado de batalhas sem fim, banhos de sangue e batismos de fogo.Depois de dois sculos como uma terra de ningum, movedia e intangvel, o Rio Grande do Sul acabou virando brasileiro - por opo, bom ressaltar -, enquanto que a Banda Oriental, prensada entre dois pases bastante estranhos, o Brasil e a Argentina, conseguiu se tornar uma nao independente. E foi assim que nasceu o Uruguai - ou melhor, o Uruguay, altivo e orgulhoso pas que durante dcadas tentou ensinar aos demais como se praticava o jogo que os ingleses tinham apresentado ao mundo moderno. O Uruguay, campeo das Olimpadas de 1924 e 1928. O Uruguay, primeiro campeo do mundo, em 1930, depois de ter organizado a primeira Copa da histria. O Uruguay, bicampeo mundial em 1950, batendo bailarinos de salto alto na final que eles julgavam ganha antes de jog-la.O Grmio bem que poderia/deveria ser uruguaio. Pensando bem, o Grmio praticamente uruguaio. Afinal, um dos maiores dolos da histria do time, o zagueiro Hugo de Len, era... uruguaio. Um dos maiores ttulos da histria do Grmio, a Libertadores de 1981, foi conquistado contra... um time uruguaio, o Penharol (de quem o Grmio nunca gostou muito, j que sempre preferiu seu coirmo tricolor, o Nacional). Um dos maiores feitos da histria do Grmio - e tema central deste captulo - foi a vitria sobre... a seleo uruguaia, em embate travado no Fortim da Baixada, em 1916. Um dos sales de festa favoritos do Grmio (alm do Maracan, claro) sempre foi o imponente estdio Centenrio, em Montevidu. Alm disso, o Grmio sempre foi blanco (alm de black&Uue), acostumado a degolar colorados.Mas como o Grmio, por uma srie de circunstncias histricas nunca foi uruguaio, vamos decidir ento que estamos diante de um time cisplatino. Assim, prestaremos uma justa homenagem Provncia Cisplatina, aquela espcie de pas independente que uniu o Rio Grande do Sul ao Uruguay, ocupado em 1820 por tropas que se diziam brasileiras mas que, claro, eram gachas. Alis, sabe onde surgiram os gachos ou, mais apropriadamente os gachos, assim sem acento? No Uruguay, claro.O Grmio no entanto nunca foi um cisplatino puro: um time hbrido, pois existe algo definitivamente ingls na equipe que acredita que o verdadeiro futebol feito de fibra e fora e no de bale; cujo uniforme inspirou-se no do Exeter City, e que teve em Edwin Cox um de seus primeiros craques.De fato, foi depois de ver uma foto com o time do Exeter City fardado de tack&blue que o elegante alfaiate Augusto Kock decidiu impor sua vontade ao conselho e fazer com que o Grmio vestisse azul e preto. Esqueci de dizer no captulo i que, depois de ser voto vencido em sua obtusa tentativa de fazer o Grmio trajar vermelho, Cndido Dias amuou-se, abriu mo do cargo de "guarda-esporte" e mergulhou na obscuridade. Ainda assim, somos gratos a ele e ao balo de couro sorocabano, que deu origem ao Grmio. Portanto, trs hurras para Cndido Dias, pessoal!Nove anos depois de ter suas cores emuladas (e devidamente honradas) pelo Grmio, a equipe do Exeter City veio Argentina, ao Uruguay e ao Brasil em misso civilizatria, disposta a explicar aos nativos como se batia com o p na bola e em outros lugares tambm, quando fosse o caso. Os uruguaios e os argentinos parecem ter aprendido bem a lio. Os brasilienses, ao que tudo indica, no.Aps a consagradora turn pelo Prata, em julho de 1914, o Exeter desembarcou no Rio do Janeiro, capital dos manes molentes.Formada por jogadores profissionais e viris claro , a equipe despertou ateno e curiosidade. Disputou seu primeiro jogo nas Laranjeiras, o belo estdio do Fluminense, no dia 18 de julho, enfrentando um combinado de ingleses que viviam no Rio, e ganhou por 3 a o. No dia seguinte, entrou em campo outra vez, e venceu de novo: 5x3 contra a seleo carioca.Embora recebesse uma quantia fixa por apresentao, o Exeter levaria uma grana- extra se vencesse as trs partidas marcadas. Dispostos a economizar o dinheiro, os brasilienses reuniram o que supostamente tinham de melhor - e, para isso, ignoraram at a velha rivalidade entre Rio e So Paulo. Assim, no dia 21 de julho de 1914, um combinado de cariocas e paulistas adentrou ao tapete quase verde das Laranjeiras para encarar os britnicos. O jogo considerado o primeiro match da seleo brasileira, j que o pessoal que vive no "centro do pas" sempre considerou os estreitos limites originais estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas grandes demais.O texto a seguir, reproduzido do livro Viso do jogo - Primrdios do futebol no Brasil, de Jos Moraes dos Santos Neto, narra, com olhar parcialssimo, como teria sido a partida. As observaes entre parnteses so minhas: "Perante um estdio lotado, o jogo comeou e os ingleses puseram em prtica uma dinmica de choques (que brutos!). Ao perceberem a incrvel agilidade e velocidade de Rubens Salles e Formiga, somada magia dos dribles de Friedenreich, impuseram marcao individual sobre os atacantes brasileiros (quanta deslealdade!). O prmio em dinheiro deixou de ser dado como certo (como se ingleses achassem que jogo se ganha antes de jog-lo). Contando com a complacncia do rbitro ingls Harry Robinson, os ingleses jogaram com extrema violncia (no sei, eu no estava l e no vi nada). Friedenreich perdeu dois dentes, teve ferimentos no joelho esquerdo e chegou ao final bastante ensanguentado (pensei que ele fosse de origem alem). Mas no adiantou. Ainda no primeiro tempo o selecionado nacional marcou dois gols. A vitria estava garantida".Embora elucidativo e inovador em muitos aspectos, o livro de Santos Neto em nenhum momento observa que aquele era o terceiro jogo do Exeter em um perodo de quatro dias, que o time j estava em excurso pelo Prata e pelo Brasil h 20 dias (tendo disputado um total de 15 jogos), que fizera uma longa viagem de navio e que, no dia seguinte, ia para casa. Mas tudo bem, os ingleses no so de ficar dando desculpas. Os brasilienses venceram? Parabns. Vamos em frente.Trs anos antes de o Exeter exibir-se no Brazil - est bem, no Brasil , o Grmio, que envergava aquelas mesmas cores, j havia adicionado ao seu esprito ingls um jogador de origem britnica, o grande Edwin Cox, center-forward matador e oportunista, um emrito driblador (s que driblava para frente, no para os lados). Pois Edwin era irmo de Oscar Cox (1880-1931), o homem que introduziu o futebol no Rio de Janeiro e fundara o tricolor Fluminense, em julho de 1902, um ano antes do Grmio.Depois de ganhar vrios ttulos no Rio, Edwin Cox fez um upgrade e transferiu-se para o Grmio em 1911. Eleito capito do time, props uma grande inovao: a equipe seria escalada conforme o desempenho dos jogadores nos treinos, e no por deciso prvia da direo. A democracia gremista deu mais do que certo: o esquadro de 1911, um dos maiores da histria do Grmio, foi campeo invicto da cidade naquele ano, patrolando os adversrios, inclusive o recm-sado das fraldas Sport Club Municipal, da nao dos vermelhos, que tomou 10 x 1, com direito a gol de calcanhar - ou de "charles", como ento se dizia "assignalado" por Cox.S que, alm da alma castelhana e da fibra inglesa, o Grmio sempre teve determinao e disciplina tipicamente germnicas. Alis, sabe o que quer dizer germano? "Homem de guerra", responde o gegrafo romano Estrabo, que os enfrentou no campo de batalha. Que o Grmio descende de cavaleiros teutnicos evidente: basta ver o time em campo at hoje. Naquele tempo, era s olhar o sapateiro Kaastrup como goal-keeper, o matador Grunewald como center-forward e o grande major e alfaiate Kock como um half-back por inteiro, um homem que alm de jogar na frente da zaga, na conteno, sabia costurar e ainda presidia o clube.Mas no foram apenas esses os heris que to bem simbolizam o esprito de guerra germnico do imortal tricolor. Alm de Cox, os grandes destaques da memorvel temporada de 1911 foram os zagueiros alemes Bruno Schuback e Gustv Mohrdieck - que hoje, com certeza, esto no Valhala, bebendo vinho ao som de O Anel dos Nibeungos de Wagner, entre belas frauss e aguardando as prximas batalhas.Schuback, natural de Hamburgo, a cidade dos Beatles, comeara a carreira no Germnia, poderoso esquadro local. Mudando para o Rio, casou com a irm de Edwin Cox, tornando-se concunhado do grande artilheiro. Jogou com ele no Fluminense, mas quando Cox veio para Porto Alegre, Bruno Schuback tambm resolveu subir na vida e o acompanhou. Alm de um ser um full-back cheio de si, Schuback era um atleta completo: na Alemanha, vencera 11 provas de 100 metros rasos, com tempos prximos aos 10 segundos. Dono de um "tiro poderoso", como revela uma antiga Revista do Grmio, Schuback assinalou o gol que Pele nunca foi capaz de fazer: no dia 10 de setembro de 1914, venceu o goleiro Aguado, do Americano, desferindo um petardo de seu prprio campo.Schuback, titular de 1911 a 1915, formou com Gustav Mohrdieck a famosa "zaga hamburguesa" do Grmio inexpugnvel como o Muro de Berlim nos bons tempos. Mohrdieck e Schuback eram primos e foi Schuback quem convenceu Mohrdieck a abandonar o Vitria, de Hamburgo, e se transferir para o glorioso Grmio. Um tempo depois, o Vitria mudaria de nome, passando a se chamar Hamburg Sport Verein. Oitenta anos mais tarde, esse mesmo Hamburgo que traja vermelho, palavra originria de... bem, voc j sabe - enfrentaria o Grmio em Tquio, na final do Mundial. E voc tambm j sabe quem ganhou.O Vitria, fundado em 1895, foi campeo alemo em 1908. Trs anos mais tarde, estimulado por Schuback, Gustav Mohrdieck resolveu vir para o Grmio. Foi uma abenoada deciso. Por dez anos, ele foi tudo o que se pode esperar de um zagueiro: chegava junto, quando no chegava antes; protegia sua rea como se fosse minada; dividia, somava e se multiplicava em campo. Quando era preciso, parava o jogo com falta. Nunca faltou a um jogo ou a um treino. Foi um paredo, um muro, uma barreira intransponvel. Tornou-se o primeiro atleta laureado do Grmio, glria reservada queles que vestem a mtica jaqueta tricolor por dez anos consecutivos.Schuback e Mohrdieck seus nomes soam como msica para mim - estrearam formando o que ento era chamado de "parelha de backs" contra o pobre 7 de Setembro, no dia 28 de maio de 1911, primeiro jogo do campeonato citadino daquele ano. Realizado no bunker da Baixada, o matai terminou com o placar de 10 x i para o Grmio. Apesar dos goals de Grunewald, o grande destaque do jogo foram os "shoots hamburguesa" de Mohrdieck e Schuback. Mas a imprensa viu-se forada a abrir amplo espao para o fato de os atletas do 7 de Setembro terem carregado o center-forwardViana, autor do nicode seu time, nos ombros, lomba da Mostardeiro acima. A justificativa para tal esforo? " que foi considerado um feito extraordinrio o ter burlado o trio final tricolor..."Aquele foi o primeiro jogo no qual o Grmio cobrou ingresso de seus associados e dos demais assistentes. Foram "exorbitantes" 500 ris, equivalentes a meio qu8ilo de carne ou a i quilo de feijo. A justa explicao da direo foi que a construo do novo pavilho

O Barba-Negra: o admirvel Georg Black, atleta completo e exmio cataeceador, conhecido como "professor barbudo"necessitava de verbas. Quem esteve na Baixada naquele dia histrico sabe que o investimento justificou-se em cada tosto.Alm do que, com a estreia de Schuback e Mohrdieck, os mais nostlgicos puderam, naquele dia memorvel, matar a saudade de um outro full-back alemo que jogara no Grmio quatro anos antes: o fabuloso Georg Black, o Barba-Negra (assim o chamo eu; infelizmente esse nunca foi seu apelido). Natural de Munique, Black imigrara para Porto Alegre no final do sculo XIX e, alm de extraordinrio zagueiro, tornou-se um homem de grande importncia na histria da cidade e do Estado.Atleta de mltiplos talentos, foi o mestre instrutor e o introdutor de vrios esportes no Rio Grande do Sul, especialmente ginstica, mas tambm esgrima, remo, punhobol, atletismo e at o escotismo. Tambm construiu um spa nos arredores da praia de Torres, dedicado s caminhadas, natao, s cavalgadas, tudo com base em alimentao controlada e muita disciplina. Chamavam-no o "professor barbudo".De estatura apenas mediana, mas forte como um touro, Black foi titular nas temporadas de 1904,1905 e 1906. E, na primeira delas, tornou-se o primeiro homem a marcar um gol de cabea no Brasil, de acordo com o que relata o cronista Ruy Carlos Ostermann em At a p ns iremos, seu livro sobre a histria do Grmio, de onde foram extradas as informaes acima. Em 1920, Black teve uma perna esmagada entre dois vages de trem que ele tentava impedir que se soltassem - e precisou amput-la. Parou de jogar, claro, mas continuo achando que mesmo com uma perna s ele daria conta do recado. O grande back Black!Foi tambm durante a gloriosa temporada de 1911 que o Grmio - o nico time internacional do Continente de So Pedro - disputou seu primeiro jogo... internacional. E sabe contra quem? Contra a seleo do pas-irmo, o vizinho Uruguay. Cruzando a fronteira forjada a ferro e fogo ao longo de dois sculos, os uruguaios vieram jogar em Pelotas e Rio Grande, velhos baluartes erguidos pelos portugueses s margens da Laguna dos Patos. O primeiro jogo, contra o S. C. Pelotas, terminou em 10 x o para os visitantes. Mas o despacho telegrfico transmitido pela Western para o jornal El Siglo, de Montevidu, seguiu com texto truncado e o dirio noticiou que o prlio terminara empatado em o a o. No dia seguinte, mais de mil pessoas postaram-se em frente ao prdio, incrdulas e estarrecidas com o suposto resultado. Logo obtiveram a informao correta.A segunda partida do Uruguay em solo gacho foi contra o legendrio Rio Grande, o primeiro time fundado no Brazil. O jogo acabou 13 x 1 para a futura Celeste Olmpica. Alguns dias depois, os uruguaios enfrentaram um combinado gacho e, apesar da presena de quatro players do Grmio (mais quatro do Rio Grande e trs do Pelotas), a partida terminou 6 x 1 para os "orientais". E ento, no dia 18 de julho de 1911, em Pelotas, chegou a vez de o Grmio enfrentar a celestial equipe uruguaia. A crnica que segue foi publicada pelo Dirio Popular."Foi disputado o matai de ontem, entre a Liga Uruguaya e o Grmio Foot Ball Porto-Alegrense. A nossa opinio que causou grande emoo o encontro das duas equipes, porque o resultado do mesmo no foi o esperado. Lamentamos que a concorrncia no fosse numerosssima, porque todos haveriam de atestar o valor do team porto-alegrense, quanto sua defesa. Dado o kick-off, desenvolveu-se excelente jogo. Patenteou-se logo o valor da defesa porto-alegrense, que, durante 45 minutos, manteve alm de seu goal o team da Liga Uruguaya, que esteve infeliz, sem a sua conhecida e excelente combinao."Estranhamos a linha de forwards do team uruguayo, que acreditamos nada fez de notvel nesse tempo, pelo cansao de tantas festas a que tem assistido. No 2 half-time, os uruguayos uniram-se e, durante os 45 minutos, mantiveram-se enfrentando o goal porto-alegrense, salvo pequenas escapadas. Mesmo assim, resistiram os porto-alegrenses, que s deixaram penetrar seu goal 3 vezes, pontos feitos por Carlos Bastos, Campisteguy e Marquez."Faa-se justia a Cox, que se reabilitou. um excelente center-forward, para no dizer notvel. Schubach, Teichmann e Mohrdieck fizeram verdadeiros milagres. Sommer destacou-se entre os demais que no citamos, os quais, se fossem mais ativos, poderiam dar melhor resultado. Felicitamos os valentes uruguayos pelo excelente jogo que desenvolveram e aos porto-alegrenses pelo resultado que conseguiram, perdendo s por 3 goals".Resumo da pera: o Grmio sempre soube perder, mas nunca deixou de vender caro suas derrotas. De todo modo, vingana um prato que se come frio e o que era dos "uruguayos" estava guardado. Era s aguardar cinco anos - e virar duas pginas deste livro.E cinco anos passam num tapa, especialmente quando coroados de xito como aqueles entre 1912 e 1916. Em 1912, o Grmio foi bicampeo invicto de Porto Alegre uma campanha to espetacular que a direo mandou cunhar 50 moedas de prata na Alemanha, estampando nelas desenhos do "pavilho e do ground". No ano seguinte, o Grmio nico time internacional da cidade, como voc bem sabe - disputou sua primeira partida internacional na Baixada. O jogo foi contra um time... uruguaio, claro. O adversrio era o Bristol F. C., de Montevidu. O jogo foi... bom, no vou dizer quanto foi. Se quiser saber, v pesquisar. Est bem, o Grmio perdeu. Mas, afinal, o adversrio vinha do Uruguay, a ptria do futebol americano, e o tricolor estava adquirindo experincia. De todo modo, o tal Bristol fechou j faz tempo, e o Grmio continua a, ganhando ttulos.Em 1914, o Grmio foi campeo metropolitano invicto, dentro de uma nova liga, com um saldo impressionante: 15 jogos, 14 vitrias, um empate, 83 gois marcados e 15 sofridos. No ano seguinte, o tricolor sagrou-se bicampeo, e outra vez invicto. Tambm em 1915 foi lanada a Revista do Grmio Foot-Ball Porto Alegrense, rgo oficial de divulgao do clube e que chegou a ser a publicao de maior tiragem de um time brasileiro.Ento alvoreceu o inesquecvel ano de 1916. O quadro social crescera muito e todo o domingo, sem exceo, fizesse sol ou chuva (e em terra de homem chove mais do que faz sol), o 1, ou o 2, ou o 3, ou o 4 quadro do Grmio se apresentava na Baixada. O time principal disputou 21 jogos, venceu 16 e empatou trs. Naquele mesmo ano, tambm conquistou, depois de vencer trs partidas consecutivas contra seu velho fregus, o FussBall Club Porto Alegre, a lindssima Taa Rio Branco, que fora oferecida pelo Bristol F. C.Mas nenhuma daquelas conquistas chegou aos ps da faanha do dia 17 de setembro, quando o imortal tricolor adentrou ao bunker da Baixada para disputar a mais importante partida de seus 13 anos de glria, que tinham sido comemorados com um banquete dois dias antes e continuaram sendo celebrados com o festim que veio a seguir, conforme descreve o sempre comedido Correio do Povo:"Ao match entre Grmio e Seleo do Uruguai, disputado no Moinhos de Vento, na tarde de 17 de setembro de 1916, compareceram diversas autoridades. s 16 horas, o juiz Appelles Bordabehere, que se mostrou correto e imparcial em suas decises, deu incio ao jogo que haveria de premiar o Grmio com sua primeira brilhante vitria frente a selees estrangeiras e a mais notvel conquista esportiva desde a sua fundao."O primeiro tento da partida obteve-o o adversrio, aos 11 minutos, atravs de Castilla, depois de um comer atirado pelo extrema Allen. O saldo negativo do incio da partida no arrefeceu os nimos dos jogadores gremistas, que redobraram seus esforos para estabelecer a primeira grande Virada'. O goal-keeper Schiel, a formidvel barreira constituda por Mohrdieck, Saavedra e Chiquinho, aliados calma do capito Hanssen, quebraram a avassaladora impetuosidade dos primeiros e difceis momentos de jogo do forte ataque do quinteto uruguaio."Em dado momento, vigorosa ofensiva gremista foi iniciada pela direita, por intermdio de Sisson, que distribuiu os lances entre Carneiro e Assumpo, hbeis no aproveitamento de todos os passes.

O Grmio celestial de 1916: a maravilhosa equipe que bateu o scratch do Uruguai, pas-irmo do Rio Grande do Sul, no bunkera Baixada. O Uruguai inventou o futebol americanoAssim, aos 33 minutos, Assumpo, em rpidos driblings, conseguiu chegar triunfalmente meta, conquistando o gol do empate."A segunda fase do jogo foi ainda mais empolgante do que a primeira, pela imensa disposio dos gremistas de suportar as investidas dos uruguaios, cuja equipe se compunha das maiores expresses do associativo oriental. Ambos os quadros se equivaliam, porm, em empenho para a renhida luta. Com cargas e contracargas que davam ao jogo um brilho incomum, chegou o momento culminante da vitria gremista atravs de Assumpo, novamente, aos 38 minutos do segundo tempo. Um corner atirado por Teichmann fez travar-se movimentada sequncia de lances na rea uruguaia, quando Sisson, puxando a bola, passou-a ao goleador, que, bem colocado, a enviou meta defendida por Margarinos. Estabelecia-se, assim, o placar definitivo de 2 x 1, uma vitria maiscula do Grmio, festejada ruidosamente no s por gremistas, mas tambm por todos os desportistas gachos, pela expresso internacional que o feito vinha a marcar para o futebol do Rio Grande do Sul.Formaram as equipes digladiantes com os seguintes atletas: Grmio Schiel; Mohrdieck e Hanssen II; Hansen, Saavedra e Chiquinho; Assumpo, Carneiro, Sisson, Scalco e Teichmann;Seleo do Uruguai Margarinos; Artigas e Pereira II; Pereira I, Bertola e Lavalleja (capito); Allen, Behegaray, Maisonave, Castilla e Altamirano".As dimenses do triunfo sobre o Uruguay ficam ainda mais evidentes quando se sabe que aquele selecionado no apenas patrolou o S. C. Municipal por 4x0 (no dia 21) e a seleo do Rio Grande do Sul por 5x4 (no dia 24), como simplesmente venceu o 1 Campeonato Sul-Americano de Selees, batendo o Chile, a Argentina e o Brasil, este todo orgulhoso por ter ganho em 1914 uma tal Copa Roca.To impactante foi aquela vitria do Grmio que, no incio da temporada seguinte, dois craques da seleo uruguaia decidiram se transferir para o time da Baixada, no sem antes terem conquistado o bicampeonato sul-americano de selees (o primeiro reconhecido oficialmente). Eram eles o esplndido half-back Julian Bertola (uma espcie de volante de conteno, claro) e o atacante Eduardo Behegaray. Junto com eles vieram dois outros craques nativos da imbatvel Banda Oriental: o zagueiro Eduardo Garibotti e o avante Nicanor Rodriguez.Com os alemes Schuback (depois substitudo por Garibotti) e Mohrdieck ainda na zaga, Bertola na conteno e Behegaray e Rodriguez na frente, d para imaginar que esquadro admirvel foi aquele que o Grmio formou em 1917, com menos de 15 anos de existncia. E no d mais para duvidar que estamos diante de um time germnico-cisplatino, pronto para enfrentar os bailarinos brasilienses do pas vizinho.Apesar da vocao verdadeiramente internacional, o Grmio preferia enfrentar uruguaios, at para no correr o risco de se contagiar pelos ares, digamos assim, mais frescos, do futebol-arte. Por isso, naquele mesmo ano de 1917 - quando disputou 18 jogos e marcou 117 gois, levando apenas 13 , o tricolor entrou na Baixada no dia 9 de setembro para jogar com o Oriental Athletic Club, oriundo da leal e valorosa cidade fronteiria de Rivera, terra natal de Hugo de Len.Foi um jogao. Leia o que diz, outra vez, a Revista do Grmio: "Gertum d o kick-off passando a bola ao seu companheiro e logo o quinteto alvi-azul d a sua primeira avanada, que brilhantemente sustada por Arreguy. Novas avanadas vo-se quebrar ante a barreira dos backs uruguaios, que, obrigados pelo cerrado ataque, marcam trs coram seguidos, mal aproveitados pelos nossos."So passados dez minutos de pugna, e j os jogadores acham-se senhores de suas posies, passou o momento da indeciso, os passes so feitos com mais calma e preciso. A uma escapada do winger direito uruguaio, este centra em elevao, a bola passa em frente a Kunz, que, calculando que fosse fora, a deixa livre, mas com o efeito que vinha, bate com estouro na parte lateral da trave vertical do goal e correndo clere pela linha do goal vai perder-se na linha de touch. O juiz apita, dirige-se ao goal e, depois de vrias perguntas, sobraa a bola dirigindo-se para o centro do campo, debaixo do protesto geral do pblico. E assim foi marcado o primeiro goal do dia. "Os nossos, ante esta injusta ou infeliz deciso, abatem-se extraordinariamente, nem pareciam os mesmos. Os visitantes, aproveitando-se dessa indeciso, carregam diversas vezes, obrigando a nossa defesa a trabalhar com afinco. Um pouco mais reanimados, organizam novas e firmes avanadas, em que so registrados mais de quatro corners, que como os precedentes no surtem efeito."Martinez, com jogo de passes admirvel, aproxima-se de nosso goal e, a trs metros de Kunz, com shoot certeiro a um dos cantos do goal, marca o segundo ponto para os seus. Palmas coroam este feito dos visitantes. Mais umas escaramuas e termina o primeiro tempo com a vantagem de dois goals para os uruguaios."No meio tempo, o aspecto do pavilho e circunvizinhanas desolador, caras tristes e desconsoladas; no ouve-se o tagarelar alegre do belo sexo, os torcedores esto nervosos, uns gesticulam, outros animam os jogadores, aqui aconselha-se calma, ali coragem, promessas de revanche que reanimam os mais impulsivos."Soa de novo o apito, aproxima-se a parte final da peleja, os nossos levam uma grande desvantagem, contudo ainda h esperanas. O nosso team sofreu modificaes. Hanssen passa para half e Dorival toma o seu lugar. De sada os nossos avanam impetuosamente, querendo a todo custo desfazer a vantagem dos seus antagonistas, a multido aplaude-os, concitando-os vitria, e, em rushs vertiginosos, a nossa linha, secundada pelos halves, aperta cada vez mais a defesa inimiga, Arreguy e o keeper fazem prodgios de defesas, porm so obrigados a ceder, cabendo a Luzzi abrir o score do seu team. Descrever o entusiasmo do pavilho seria difcil, palmas, bravos e vivas reboaram durante minutos, aplaudindo os nossos valentes defensores.'Animados por este feito, novas cargas so dirigidas ao quadriltero uruguaio, obrigando a estes, como ltimo recurso, marcarem diversos corners. A multido reclama seguido contra o "Aclamado pelo bello sexo": a est a poderosa equipe de 1917, que enfrentou a aguerrida equipe do Oriental, time genuinamente uruguaio, trajando a linda camisa azul e brancareferee, pedindo a punio de hands, fouk & penaltys. O juiz prossegue a no enxergar nada, e o jogo vai desenvolvendo-se, ora avanadas uruguaias, ora nossas, sendo estas mais repetidas, pois em quase todo este tempo foi franca a nossa dominao."Dorival e Gertum, em passes rpidos, aproximam-se do goal, driblam os bachs adversrios, cabendo ao nosso center, que foi o heri da linha, igualar o score. Desta vez o entusiasmo chega ao auge, chapus so arremessados ao alto, o pavilho estremece, o fon-fon dos automveis buzina, e debaixo da gritaria infernal de todo o povo recomea o match, cada vez mais emocionante, cada qual quer vencer, os nossos num mpeto de energia atiram-se como loucos sobre a bola e dominam completamente o jogo. Porm, a hora esgotara-se, o trilo do apito d por terminada a peleja. Novo empate. Os jogadores so aclamados pelo belo sexo e, esquecendo-se do seu rancor de pouco, confraternizam com os adversrios. O nosso team apresentou-se da seguinte forma: Kunz; Garibotti, Mohrdieck; Dorival, Saavedra, Chiquinho; Luzzi, Hanssen, Gertum, Py, Leonardo."To admirvel fora a vitria contra a seleo uruguaia em 1916 que uma fantica torcedora - cujo nome a histria lastimavelmente no preservou, mas que com certeza se tratava de mais uma integrante do "bello sexo" disposta a aclamar o Grmio decidiu confeccionar uma nova bandeira para o tricolor. Com um fundo azul retangular, um losango branco no meio e o smbolo no Grmio ao centro, o pavilho imitava a bandeira do Brasil, s que melhorando-lhe as cores. Quando ele foi hasteado pela primeira vez, em 1918, ao lado da bandeira oficial do clube, o general Napoleo de Alencastro Guimares, futuro senador da Replica, fez ecoar uma salva de tiros de revlver na madrugada silente de Porto Alegre. Veja s, Napoleo tambm era gremista...A nova bandeira agradou tanto aos scios tricolores que acabou substituindo a original. Quando, por fora de uma lei federal, o Grmio foi proibido de usar a bandeira que homenageava o "pavilho nacional", o clube deveria ter declarado sua guerra de secesso, cortando os tnues laos que o uniam ao Brasil.Pensando bem, o Grmio j o fizera - e 78 anos antes de sua fundao, quando o Rio Grande do Sul declarou independncia do Imprio do Brasil e transformou-se na Repblica de Piratini, o pas dos gachos.4. GREPAL: O CLSSICO MEIA-SOLA

Os farrapos: aqui esto os heris do verdadeiro Grepal do sculo, disputado no Centenrio Farroupilha, em setembro de 1935. Lara, sado do hospital, est de branco, ajoelhado, no meioTodo mundo acha que sabe o que significa "gacho", s que ningum sabe ao certo, nem os prprios. A palavra evoca aventura, nostalgia, romance; recende a sangue, suor e poeira; ecoa o tropel de i .ivalos, o brado dos bravos, o retinir de metais. Tem algo de pico e arandiloqente. Mas arrasta para um turbilho de imagens i ambiantes e origens indeterminadas.De onde surgiu o gacho? Os historiadores continuam atolados na areia movedia das polmicas insolveis. O gacho berbere, rabe, oriental ou andaluz? O gacho charrua, quchua ou araucano? Ningum sabe. O mais provvel que todas as opes sejam mais ou menos verdadeiras: o gacho um mestio forjado na fronteira -mescla elementos de vrias naes indgenas com a complexa tradio luso-castelhana, por sua vez repleta de influncia moura.E o que, afinal, quer dizer gacho? A palavra, escrita pela primeira vez em 1743, vem do persa, do rabe, do snscrito, do quchua, do araucano ou do guarani? Ningum sabe ao certo. De certo mesmo, s que surgiu quase como palavro. Gaudrio, changador, garrucho, harragano - todos sinnimos de "gacho" - eram tambm sinnimos de vagabundo, vagamundo, ou "bagamundo". Ladres de gado, "guascas", sem lei nem rei, que viviam dentro de suas camisas, debaixo de seus chapus e em cima de seus cavalos. Gente perigosa, sempre em marcha e sem domiclio fixo. Autnticos saunterers, embora nem sempre em busca da Terra Santa. Dentre as ervas daninhas que vingaram na selva das palavras, a flor mais bela foi colhida pelo historiador Aurlio Porto, em 1946: segundo ele, o termo provinha de "gua", expresso guarani cujo significado "cantar tristemente", mais "che", do quchua, que quer dizer "gente, homem". Ou seja: "homem de cantar tris