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Grupos e ´ algebras de Lie Carlos Jos´ e Matheus [email protected] Sociedade Brasileira de Matem´ atica Rio de Janeiro - RJ, Brasil 2014

Grupos e álgebras de Lie

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Page 1: Grupos e álgebras de Lie

Grupos e algebras de Lie

Carlos Jose Matheus

[email protected]

Sociedade Brasileira de Matematica

Rio de Janeiro - RJ, Brasil2014

Page 2: Grupos e álgebras de Lie

Coordenacao Editorial:

Flavia Morgana de O. Jacinto

Editora: SBM

Impresso na Grafica:

Capa:

Patrocınio: Superintendencia da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA)

Copyright by Carlos Jose MatheusDireitos reservados, 2014 pela SBM.

Catalogacao

Matheus, Carlos JoseGrupos e algebras de Lie - Rio de Janeiro, RJ:SBM, 2014, 45p., 20,5 cm - (Minicurso Coloquio CO 2014 )

ISBN

1.Grupos de Lie.2.Geometria.3.Matematica.Carlos Jose Matheus.III Coloquio de Matematica da Regiao Norte. (2014. Manaus) Tıtulo. Serie

CDD - 51

Page 3: Grupos e álgebras de Lie

Dedico estas notas a minha esposa Ana.

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Agradecimentos

Ao Professor Dr. Elon Lages Lima, em cujos livros encontrei a inspiracao para este trabalho.

Ao Professor Dr. Ivan de Azevedo Tribuzy, pelo estımulo e pelos bons conselhos.

A inesquecıvel Profa. Dra. Elza Furtado Gomide.

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Prefacio

A teoria matematica iniciada por S. Lie tem seus primeiros profundos resultados no final do seculo XIX.No seculo XX, principalmente a partir dos trabalhos de E. Cartan, C. Chevalley e H. Coxeter, a Teoriade Lie caminha cada vez mais ao lado da Geometria. Consequencia dessa feliz uniao foi o surgimento debelıssimas teorias, em tempos recentes, como a dos espacos simetricos, variedades bandeira, a geometriadas acoes isometricas, grupos cristalograficos, grupos de Lie metricos e muitas outras, com aplicacoes emdiversas areas de pesquisa.

Historicamente ela decorre da ideia de uma ”versao geometrica” da Teoria de Galois, que tratariaequacoes diferenciais a partir de uma correspondencia entre subespacos (topologicos) de uma variedadediferenciavel (que poderiam ser variedades integrais) e subalgebras de uma algebra associada a variedadeambiente, de modo analogo ao da correspondencia de Galois, entre subcorpos de um corpo de raızes deequacoes algebricas e subgrupos de um grupo de automorfismos associado.

Estas notas apresentam topicos fundamentais da teoria de Lie, enfatizando a relacao entre os gruposde Lie e suas algebras de Lie. O capıtulo 1 trata das algebras de Lie, em uma tentativa de evidenciar abeleza e elegancia dessa teoria algebrica. O capıtulo 2 trata das variedades diferenciaveis, que vao formar obackground para a apresentacao dos grupos de Lie. O capıtulo 3 trata dos grupos de Lie e de suas relacoescom as algebras de Lie, passando por conceitos fundamentais como o da aplicacao exponencial e o da repre-sentacao adjunta.

Assumimos que o leitor tenha familiaridade com aspectos fundamentais da Teoria de Grupos, da AlgebraLinear e da Topologia, alem de um conhecimento equivalente a quatro semestres de Calculo Diferencial eIntegral. Seria recomendavel (mas nao estritatmente necessario) um curso elementar em Geometria Diferen-cial das Superfıcies (como em [Carmo](2005)) e nocoes de Topologia Algebrica, essencialmente a Teoria dosEspacos de Recobrimento (como em [Lima](1998)).

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Conteudo

1 Algebras de Lie 11.1 Algebras de Lie 11.2 Ideais e homomorfismos 31.3 Algebras de Lie soluveis e nilpotentes 61.4 Algebras de Lie semisimples 91.5 A forma de Killing 10

2 Variedades diferenciaveis 122.1 Preliminares 122.2 A forma local das imersoes 142.3 Superfıcies em R3 152.4 O plano tangente 182.5 Subvariedades do espaco Rn 202.6 Variedades diferenciaveis 232.7 O espaco tangente 262.8 Subvariedades 302.9 Fluxos e campos vetoriais 32

3 Grupos de Lie 383.1 Grupos de Lie 383.2 Grupos de Lie conexos 403.3 Subgrupos de Lie 433.4 A exponencial 443.5 A representacao adjunta 46

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1

Capıtulo 1

Algebras de Lie

Algebras de Lie

Definicao 1 Uma algebra de Lie e um espaco vetorial g com um operador bilinear g × g → g dado por(X,Y ) 7→ [X,Y ] que satisfaz

[Y,X] = −[X,Y ]

e [[X,Y ], Z] + [[Y,Z], X] + [[Z,X], Y ] = 0

quaisquer que sejam X,Y ,Z em g.

A primeira das duas condicoes acima e chamada anti-simetria. A outra e conhecida como a identidadede Jacobi. As algebras de Lie que vamos considerar serao todas de dimensao finita, reais ou complexas. Ooperador da definicao acima e chamado o bracket (ou o colchete de Lie). O vetor [X,Y ] e o bracket dosvetores X e Y . Observemos que a primeira condicao acima e equivalente a

[X,X] = 0 , ∀X ∈ g.

Exemplo 1 Se g e uma algebra linear associativa (um espaco vetorial com um produto associativo), defina-se o bracket [X,Y ] dos vetores X e Y em g por

[X,Y ] = XY − Y X

onde XY indica o produto original da algebra g. E facil verificar a identidade de Jacobi (exercıcio) e aanti-simetria e imediata. Portanto, com essa definicao de bracket, g e uma algebra de Lie.

Exemplo 2 Se g e a algebra de todas as matrizes n × n com entradas reais ou complexas, com o produtousual de matrizes, define-se o bracket de duas matrizes em g conforme o exemplo anterior. A algebra de Lieresultante e indicada com gl(n,R) ou gl(n,C).

Exemplo 3 Se V e um espaco vetorial e g e a algebra de todos os endomorfismos de V (que sao as trans-formacoes lineares de V em V ) com a operacao de composicao, define-se o bracket da mesma forma

[l,m] = l m−m l

e obtem-se uma algebra de Lie de endomorfismos de V .

Indicamos com Eij a matriz cuja entrada na linha i e coluna j e 1 e todas as outras entradas sao nulas.Entao Eij / 1 ≤ i, j ≤ n e uma base para gl(n,R) (com os escalares reais) ou para gl(n,C) (quando seconsideram escalares complexos). Segue-se que a dimensao real de gl(n,R) e n2, que e a dimensao complexade gl(n,C). A dimensao real de gl(n,C) e 2n2.

Exemplo 4 Uma matriz real n× n X e anti-simetrica se satisfaz

Xt +X = 0

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2

onde Xt indica a transposta da matriz X e 0 e a matriz nula n × n. Indica-se com so(n) o conjunto dasmatrizes reais anti-simetricas n× n. E facil ver que so(n) e um subespaco vetorial de gl(n,R). Alem disso,se X,Y ∈ so(n), tem-se

[X,Y ]t = (XY − Y X)t = Y tXt −XtY t = (−Y )(−X)− (−X)(−Y ) = Y X −XY = −[X,Y ]

e segue-se que so(n) e uma algebra de Lie, contida na algebra gl(n,R), com o mesmo bracket.Se n = 3, as matrizes

E23 − E32 =

0 0 00 0 10 −1 0

, E13 − E31 =

0 0 10 0 0−1 0 0

e E12 − E21 =

0 1 0−1 0 00 0 0

formam uma base para a algebra de Lie so(3).

Definicao 2 Se g e uma algebra de Lie, uma subalgebra de Lie de g e um subespaco vetorial s de g que e,por sua vez, uma algebra de Lie, com o bracket de g. Equivalentemente: s e um subespaco de g e [X,Y ] ∈ s,∀X,Y ∈ s.

O exemplo acima exibe a algebra de Lie so(n) como subalgebra de gl(n,R).

Exercıcio: a dimensao de so(n) e n(n−1)2 .

Sugestao: obtenha-se uma base para so(n) que seja como a base de so(3) no exemplo 4 (observe-se que3(3−1)

2 = 3).

Exemplo 5 Generalizando o exemplo anterior, se J e uma matriz n×n qualquer, o subespaco das matrizesX ∈ gl(n,R) que satisfazem

XtJ = −JX

e uma algebra de Lie, subalgebra de gl(n,R) (verificar). No caso em que J =

[0 I−I 0

](com I = matriz

identidade n× n) essa algebra de Lie e conhecida como a algebra real simpletica e indicada com sp(2n,R).

Exemplo 6 A algebra de Lie das matrizes complexas n× n de traco nulo

sl(n,C) = X ∈ gl(n,C) / trX = 0

e um exemplo fundamental na Teoria de Lie. Para n = 2, os vetores

h =

[1 00 −1

], e =

[0 10 0

]e f =

[0 01 0

]formam uma base (sobre o corpo dos complexos) para o espaco vetorial sl(2,C) e a estrutura de algebra deLie e dada pelas relacoes

[h, e] = 2e , [h, f ] = −2f , [e, f ] = h.

Exercıcio: provar as relacoes acima para sl(2,C).

Ideais e homomorfismos

Definicao 3 Se g e algebra de Lie, um ideal de g e um subespaco h que satisfaz

[X,Y ] ∈ h ∀ Y ∈ g , ∀X ∈ h.

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3

Observe-se que todo ideal e subalgebra.

Exemplo 7 O centro de uma algebra de Lie g e o subespaco de g definido por

Zg = X ∈ g / [X,Y ] = 0 ∀ Y ∈ g

(Zg e o conjunto dos vetores de g que comutam com todos os elementos de g). E facil mostrar que Zg e umideal, e portanto uma subalgebra.

Se k e h sao subconjuntos de uma algebra de Lie g, indica-se com [k, h] o subespaco gerado pelo conjunto[X,Y ]/X ∈ k, Y ∈ h. Com essa notacao tem-se [h, h] ⊆ h, se h for subalgebra e [g, h] ⊆ h, se h for um ideal.

Se g e algebra de Lie, define-se, para X ∈ g, a transformacao adX por

adX(Y ) = [X,Y ] , Y ∈ g.

Para cada X ∈ g, adX e um endomorfismo de g e a aplicacao ad : g → End(g) dada por ad(X) = adXsatisfaz

ad([X,Y ]) = ad(X)ad(Y )− ad(Y )ad(X) = [ad(X), ad(Y )] , ∀X,Y ∈ g.

Exercıcio: provar a igualdade acima (sugestao: identidade de Jacobi).

Definicao 4 Se g e h sao algebras de Lie, um homomorfismo de g em h e uma transformacao linear ϕ : g→ hque satisfaz

ϕ([X,Y ]) = [ϕ(X), ϕ(Y )] , ∀X, Y ∈ g

Se ϕ tem inversa (se ϕ e biunıvoca e sobre) entao ϕ e chamada um isomorfismo. Duas algebras de Lie saoisomorfas se existe um isomorfismo entre elas. Indica-se com Hom(g, h) o conjunto de todos os homomor-fismos de g em h.

Observe-se que duas algebras de Lie isomorfas sao isomorfas como espacos vetoriais e, em particular, tem amesma dimensao.

Definicao 5 Um endomorfismo ϕ : g→ g de uma algebra de Lie g e uma derivacao se satisfaz

ϕ([X,Y ]) = [ϕ(X), Y ] + [X,ϕ(Y )] , ∀X,Y ∈ g

Exercıcio: vimos acima que a aplicacao ad : g→ End(g) e um homomorfismo. Alem disso, para cada X ∈ g,o endomorfismo adX e uma derivacao.

Exercıcio: o nucleo de um homorfismo ϕ : g→ h e definido por

ker(ϕ) = X ∈ g / ϕ(X) = 0.

ker(ϕ) e um ideal de g. Se ϕ = ad : g→ End(g), entao ker(ϕ) = Zg, o centro da algebra g.

Definicao 6 Uma algebra de Lie g e abeliana se [X,Y ] = 0 ∀X,Y ∈ g. g e chamada simples se g nao eabeliana e os unicos ideais de g sao 0 e a propria g (g nao tem ideal nao trivial).

Exemplo 8 Toda algebra de Lie unidimensional e abeliana. Realmente, se g e gerada por X, entao, quais-quer que sejam Y,Z ∈ g, existem escalares α, β tais que Y = αX e Z = βX. E logo [Y, Z] = [αX, βX] =αβ[X,X] = 0. Portanto g e abeliana. Segue-se deste exemplo que se g e algebra de Lie simples, entaodim g ≥ 2.

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Exemplo 9 A algebra de Lie formada pelo espaco R3 com o produto vetorial e um exemplo de algebra deLie simples. Realmente, o produto vetorial e a forma bilinear

[ , ] : R3 × R3 → R3

dada por [X,Y ] = X × Y a partir das condicoes

i) X × Y e ortogonal ao plano gerado por X e Yii) ‖X × Y ‖ e igual a area do paralelogramo gerado por X e Yiii) X,Y,X × Y e base positiva de R3 (compatıvel com a orientacao canonica de R3).

Observe-se que o produto vetorial esta bem definido e que se segue das condicoes acima, por unicidade,que Y ×X = −X × Y (exercıcio). Se e1, e2, e3 e a base canonica de R3 (com a metrica dada pelo produtoescalar), as condicoes acima acarretam

e1 × e2 = e3 , e2 × e3 = e1 e e3 × e1 = e2

e segue-se da bilinearidade que

X × Y =

3∑k=1

xkek ×3∑s=1

yses = (x2y3 − x3y2)e1 + (x3y1 − x1y3)e2 + (x1y2 − x2y1)e3 =

=

∣∣∣∣ x2 y2

x3 y3

∣∣∣∣ e1 −∣∣∣∣ x1 y1

x3 y3

∣∣∣∣ e2 +

∣∣∣∣ x1 y1

x2 y2

∣∣∣∣ e3.

A anticomutatividade esta verificada e a identidade de Jacobi e um exercıcio facil. Observe-se que

(e1 × e2)× e3 + (e2 × e3)× e1 + (e3 × e1)× e2 =

= e3 × e3 + e1 × e1 + e2 × e2 = 0 + 0 + 0 = 0.

Alem disso a algebra de Lie g definida pelo espaco R3 com o produto vetorial e uma algebra de Lie simples.Realmente, se a ⊆ g e um ideal e a 6= 0, tome-se um vetor X ∈ a, X 6= 0, e construa-se a partir deX uma base ortonormal positiva X,Y, Z. Entao Z = X × Y = [X,Y ] esta em a (pois a e ideal) eY = [Z,X] = −[X,Z] tambem esta em a. Segue-se que a = g. Portanto os unicos ideais de g sao 0 e g.

Exercıcio: A algebra de Lie g no exemplo acima e isomorfa a algebra de Lie so(3).Sugestao: o isomorfismo e dado por

e1 7→ E23 − E32 , e2 7→ E13 − E31 , e3 7→ E12 − E21 .

Lema 1 Se a e b sao ideais de uma algebra de Lie g, entao a + b, a ∩ b e [a, b] sao tambem ideais. Empalavras: a soma, a intersecao e o bracket de ideais sao ideais.

Prova

Sejam a e b ideais da algebra de Lie g. Se Z ∈ a+ b, entao Z = A+B, com A ∈ a, B ∈ b. E logo, paraqualquer X ∈ g, tem-se [A,X] ∈ a e [B,X] ∈ b, visto que a e b sao ideais. Portanto

[Z,X] = [A+B,X] = [A,X] + [B,X] ∈ a + b.

Se X ∈ a ∩ b, entao, para qualquer Y ∈ g, tem-se [X,Y ] ∈ a (pois X ∈ a) e [X,Y ] ∈ b (pois X ∈ b). E logo[X,Y ] ∈ a ∩ b.Finalmente, se X = λ1[A1, B1] + ...+ λn[An, Bn] ∈ [a, b] e Y ∈ g e qualquer, temos

[X,Y ] = [λ1[A1, B1] + ...+ λn[An, Bn], Y ] = λ1[[A1, B1], Y ] + ...+ λn[[An, Bn], Y ].

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Mas λs[[As, Bs], Y ] = −λs[[Bs, Y ], As]−λs[[Y,As], Bs] = λs[As, [Bs, Y ]]+λs[[As, Y ], Bs] ∈ [a, b], s = 1, ..., n.E logo [X,Y ] ∈ [a, b].

c.q.d.

Algebras de Lie soluveis e nilpotentes

Indicamos com g1 o ideal [g, g] da algebra de Lie g (sabemos, pelo lema acima, que g1 e um ideal). g1

e conhecido como o ideal dos comutadores.

Definicao 7 A serie dos comutadores para a algebra de Lie g (tambem conhecida como a serie derivada) ea cadeia de ideais

g0 ⊇ g1 ⊇ g2 ⊇ ... ⊇ gk ⊇ ...onde g0 = g, g1 = [g, g], g2 = [g1, g1] e, para cada inteiro positivo k, gk+1 = [gk, gk].Uma algebra de Lie g e soluvel se existe k tal que gk = 0.

Observe-se que toda algebra de Lie abeliana e soluvel.

Definicao 8 A serie central descendente para a algebra de Lie g e a cadeia de ideais

g0 ⊇ g1 ⊇ g2 ⊇ ... ⊇ gk ⊇ ...

onde g0 = g, g1 = g1 = [g, g], g2 = [g1, g] e, para cada inteiro positivo k, gk+1 = [gk, g].Uma algebra de Lie g e nilpotente se existe k tal que gk = 0.

Observemos que toda algebra de Lie nilpotente e soluvel (verificar).

Exemplo 10 A algebra de Lie das matrizes 3×3 triangulares superiores, com entradas reais (subalgebra degl(3,R)) e um exemplo ”canonico” de algebra de Lie soluvel. Observe-se que g3 = 0.

Exercıcio: A algebra de Lie do exemplo acima nao e nilpotente.

Exemplo 11 A algebra de Lie das matrizes reais 3× 3 triangulares estritamente superiores (subalgebra daalgebra do exemplo anterior) e um exemplo importante de algebra de Lie nilpotente, conhecida como a algebrade Heisenberg real tridimensional. Seus elementoe sao matrizes da forma 0 a c

0 0 b0 0 0

.E costume dizer que e uma algebra nilpotente em dois passos (observe-se que g2 = 0).

Exemplo 12 Se g e uma algebra de Lie de dimensao 2, entao ou bem g e abeliana ou g tem uma baseX,Y que satisfaz [X,Y ] = Y . Fica, portanto, determinada a menos de isomorfismo a estrutura de qual-quer algebra de Lie bidimensional.

Realmente, se E,F e uma base qualquer de g, sejam os escalares γ e δ tais que [E,F ] = γE+ δF . Se[E,F ] = 0, entao todos os brackets sao nulos e g e abeliana (g1 = 0). Caso contrario, sejam Y = [E,F ] =γE + δF e X = αE + βF um vetor nao multiplo de Y (entao αδ − βγ 6= 0 e X,Y e uma base de g).Temos

[X,Y ] = [αE + βF, γE + δF ] = (αδ − βγ)[E,F ] = (αδ − βγ)Y

Se escolhermos α e β tais que αδ − βγ = 1, obteremos

[X,Y ] = Y.

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Exercıcio: Se dim g ≤ 2, entao g e soluvel.

Definicao 9 Se g e algebra de Lie e a ⊆ g e ideal, o espaco vetorial quociente g/a adquire estrutura dealgebra de Lie com o bracket definido por

[X + a, Y + a ] = [X,Y ] + a .

g/a e chamada a algebra de Lie quociente de g por a.

Se X + a = X + a, entao X − X ∈ a e, como a e ideal, [X − X,Y ] ∈ a, ∀ Y ∈ g. Equivalentemente:[X, Y ] + a = [X,Y ] + a, ∀ Y ∈ g. E logo

[X + a, Y + a] = [X, Y ] + a = [X,Y ] + a = [X + a, Y + a ].

Portanto a estrutura de algebra de Lie esta bem definida em g/a.

Exercıcio: A projecao π : g→ g/a definida por

π(X) = X + a

e um homomorfismo de algebras de Lie e ker(π) = a. Segue-se que todo ideal e o nucleo de algum homo-morfismo.

Exercıcio: Se g e uma algebra de Lie soluvel e h ⊆ g e subalgebra, entao h tambem e soluvel.

Exercıcio: Se ϕ : g→ h e homomorfismo de algebras de Lie, a imagem ϕ(g) de g por ϕ e uma subalgebra deLie de h.

Lema 2 Se g e algebra de Lie soluvel e ϕ : g→ h e um homomorfismo de algebras de Lie, entao a algebrade Lie ϕ(g), imagem da algebra de Lie g por ϕ, e soluvel.

ProvaSeja k ∈ N tal que gk = 0. Entao

ϕ(g)k = ϕ(gk) = ϕ(0) = 0

(observa-se que ϕ(g1) = ϕ([g, g]) = [ϕ(g), ϕ(g)] = ϕ(g)1 e prova-se o caso geral por inducao sobre k).c.q.d.

CorolarioSe g/a e algebra quociente de uma algebra de Lie soluvel g por um ideal a ⊆ g, entao g/a e soluvel.

ProvaSeja π : g→ g/a a projecao de g sobre g/a, dada por π(X) = X + a, para X ∈ g. Entao π e um homomor-fismo e logo a imagem g/a = π(g) e soluvel, pelo lema acima.

c.q.d.

Segue-se que subalgebras e algebras quocientes de algebras de Lie soluveis sao soluveis. Com umraciocınio similar prova-se que subalgebras e algebras quocientes de algebras de Lie nilpotentes sao tambemnilpotentes e, em particular, soluveis. O lema a seguir e uma recıproca para esse fato, que tem grandeutilidade.

Proposicao 10 Se a ⊆ g e um ideal soluvel e a algebra quociente g/a e soluvel, entao a algebra de Lie g esoluvel.

ProvaSejam k ∈ N tal que (g/a)k = 0 e r ∈ N tal que ar = 0. Entao o homomorfismo projecao π : g → g/a,X 7→ X + a, satisfaz

π(gk) = π(g)k = (g/a)k = 0

Page 13: Grupos e álgebras de Lie

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e logo gk ⊆ ker(π) = a. Portanto

gk+r = (gk)r ⊆ ar = 0

e segue-se que g e soluvel.c.q.d.

Exemplo 13 As algebras de Lie tridimensionais sao todas soluveis ou simples. Realmente, se g e algebrade Lie com dim g = 3 e g nao e simples, entao g tem um ideal nao trivial a, cuja dimensao tem que ser 1ou 2. Em qualquer caso, sabemos que a e um ideal soluvel. Alem disso, a dimensao da algebra quocienteg/a tambem tem que ser 2 ou 1. Logo g/a e, tambem, soluvel. Segue-se entao da proposicao acima que g esoluvel.

Algebras de Lie semisimples

Se g tem dimensao finita, a soma de todos os ideais soluveis em g e uma soma finita e, portanto, umideal. A proposicao abaixo afirma que esse ideal e soluvel.

Proposicao 11 Se g e algebra de Lie de dimensao finita, existe em g um unico ideal soluvel que contemtodos os ideais soluveis de g.

ProvaSejam a e b ideais soluveis em g e seja h = a+b. Entao h e um ideal em g e a e um ideal soluvel em h. Alemdisso, a intersecao a ∩ b e um ideal em b e, como b e soluvel, sabemos que o quociente b/a ∩ b e soluvel.Segue-se entao do teorema do isomorfismo (veja-se [Garcia & Lequain](1985)) que

h/a = (a + b)/a ∼= b/a ∩ b

e soluvel. E da proposicao 1 acima segue-se que a+ b = h e soluvel. Por inducao, concluimos que a soma deum numero finito de ideais soluveis e um ideal soluvel.

Seja entao o ideal r definido por

r =∑

a soluvel

a

Como a dimensao de g e finita, existe N ∈ N tal que r =∑Ns=1 as, onde a1, ..., aN sao todos os ideais soluveis

em g. E logo, se a e um ideal soluvel qualquer e X ∈ a, tem-se a = as para algum s ∈ 1, ..., N e

X ∼ 0 + ...+ 0 +X + 0 + ...+ 0 ∈ r.

Logo r e um ideal soluvel em g e contem todos os ideais soluveis de g. A unicidade segue da propria construcaode r (se dois ideais em g sao ambos soluveis e contem cada um todos os ideais soluveis de g, entao um estacontido no outro).

c.q.d.

Definicao 12 O ideal r da proposicao acima e conhecido como o radical de g (ou o radical soluvel de g, seo contexto exigir) e e indicado com radg.

Definicao 13 Uma algebra de Lie g e semisimples se radg = 0. Em palavras: se g nao tem ideal soluvelnao nulo.

Page 14: Grupos e álgebras de Lie

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Exercıcio: Se g e semisimples, Zg = 0.

Observe-se que se g e algebra de Lie soluvel, a algebra derivada g1 = [g, g] satisfaz g1 6= g. Pois se g1 = g,teremos g2 = [g1, g1] = [g, g] = g1 = g, g3 = g e, a fortiori, gk = g, ∀ k ∈ N. Ou seja: nao existira k ∈ Ntal que gk = 0. Por outro lado, se g e simples, entao g1 = g. Pois se g1 = 0, entao g e abeliana e, por-tanto, nao e simples (por definicao). E se 0 6= g1 6= g, entao g tem um ideal nao trivial g1, e logo nao e simples.

Exercıcio: Algebras de Lie simples nao sao soluveis. Algebras de Lie soluveis nao sao simples.

Exercıcio: Toda algebra de Lie simples e semisimples.

Exercıcio: Encontrar o centro da algebra de Lie gl(n,R).

A forma de Killing

Suponha-se que g e algebra de Lie e dim g = n. Entao, para cada X ∈ g fixo, o endomorfismo adX : g→ ge representado por uma matriz n×n em relacao a alguma base de g (todo espaco vetorial de dimensao n e iso-morfo ao Rn). Se Y ∈ g, a composicao de operadores fornece novamente um endomorfismo adXadY : g→ gque tambem e representado em relacao aquela base de g pela matriz produto da matriz de adX pela matriz deadY, que tambem e uma matriz n×n. Como o traco da matriz que representa um endomorfismo em relacaoa uma base de um espaco vetorial nao depende da base escolhida, fica bem definido o traco do endomorfismoadXadY : g → g, pela escolha de uma base de g e pelo calculo do traco da matriz produto das matrizes deadX e de adY em relacao a base escolhida.

Isso define uma forma bilinear sobre g, conhecida como forma de Killing (ou forma de Cartan-Killing),conforme a definicao a seguir.

Definicao 14 Se g e algebra de Lie de dimensao finita, a forma de Killing de g e a forma bilinear simetricaB : g× g→ K (K = R ou C) dada por

B(X,Y ) = tr adXadY.

Um resultado fundamental que relaciona a forma de Killing com a estrutura da algebra de Lie e ocelebrado criterio da semisimplicidade, devido a E. Cartan.

Teorema 15 Se g e algebra de Lie de dimensao finita, entao g e semisimples se e somente se a forma deKilling Bg de g e nao degenerada.

Exemplo 14 Sabemos que a algebra de Lie g = sl(2,C) tem a base ”canonica” h, e, f, que define a es-trutura de algebra ([h, e] = 2e, [h, f ] = −2f e [e, f ] = h). Tem-se, portanto, h, e, f ∈ [g, g] = g1, logo g1 = ge segue-se que g e simples e, portanto, semisimples.

O calculo de tr adXadY, com X,Y = h, e, f , fornece a matriz

[B] =

8 0 00 0 40 4 0

que define a forma de Killing

B(X,Y ) = 8x1y1 + 4x2y3 + 4x3y2.

E facil ver que B e nao degenerada.

Page 15: Grupos e álgebras de Lie

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Exercıcio: calcular a matriz [B].

Se g e uma algebra de Lie soluvel de matrizes com entradas complexas, o espaco Cn tem uma base emrelacao a qual todas as matrizes de g (vistas como matrizes de operadores lineares sobre Cn) sao triangulares.O Teorema de Lie generaliza esse fato para qualquer algebra de Lie soluvel sobre um corpo algebricamentefechado.

Teorema 16 Se g e uma algebra de Lie soluvel sobre um corpo algebricamente fechado K, V e um espacovetorial nao trivial de dimensao finita e π : g→ EndV uma representacao de g na algebra dos endomorfismosde V , entao existe uma sequencia de subespacos

V = V0 ⊇ V1 ⊇ ... ⊇ Vm = 0

tal que cada Vi e invariante por π(X) para todo X ∈ g e dimVi/Vi+1 = 1. Em consequencia V tem umabase em relacao a qual todas as matrizes de π(X), com X ∈ g, sao triangulares.

Se g for uma algebra de Lie nilpotente, o operador adX : g → g e nilpotente, qualquer que seja X ∈ g(verificar). Em verdade a algebra de Lie adg (cujos elementos sao adX, com X ∈ g) e nilpotente se e somentese g e nilpotente. O teorema de Engel generaliza esse fato e fornece uma recıproca.

Teorema 17 Se V 6= 0 e um espaco vetorial de dimensao finita e g ⊆ EndV e uma algebra de Lie deendomorfismos de V , todos nilpotentes, entao

i) g e uma algebra de Lie nilpotenteii) Existe um vetor w ∈ V , w 6= 0, tal que X(w) = 0 ∀X ∈ g.iii) V tem uma base em relacao a qual X e estritamente triangular, para todo X ∈ g.

Exercıcio: g e nilpotente se e somente se adg e nilpotente.Sugestao: Suponha que g3 = 0 e prove que (adg)2 = 0 sse g3 = 0. E aplique-se inducao.

Realmente, se [[[X,Y ], Z],W ] = 0 ∀X,Y, Z,W , entao ad[[X,Y],Z] = 0 ∀X,Y,Z.Mas ad[[X,Y],Z] = [[adX, adY], adZ].

Page 16: Grupos e álgebras de Lie

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Capıtulo 2

Variedades diferenciaveis

Preliminares

Os espacos (topologicos) que vamos estudar sao localmente modelados pelo espaco Rn, o que diz queeles se comportam, em torno de cada ponto, topologicamente, como o Rn e a sua geometria difere ”suave-mente” da geometria (euclidiana) de Rn. Um exemplo canonico (um exemplo ”visualizavel” que traz em sia ideia central) e o de uma superfıcie S em R3, que pode ser pensada como obtida a partir de uma colecaoenumeravel de discos abertos, suavemente deformados e ”colados” sem dobras ou pontas. A definicao devariedade diferenciavel exige que tais espacos topologicos tenham base enumeravel, portanto pensar em umacolecao enumeravel de discos e justificavel.

Recordamos algumas definicoes e resultados do calculo em Rn que lancam bases solidas para a teoriadas variedades diferenciaveis.

Definicao 18 Se U e W sao subespacos topologicos de Rn, um homeomorfismo de U sobre W e uma bijecaocontınua ξ : U → W cuja inversa e contınua. U e W sao ditos homeomorfos se existe um homeomorfismoentre eles.

Observe-se que uma bijecao pode ser de classe C∞ sem que sua inversa seja contınua (por exemplo,ξ : [0, 2π)→ S1 dada por ξ(t) = (cos t, sen t) (veja-se [Lima](2006)).

Um homeomorfismo preserva a topologia. Em particular, se um dos dois subconjuntos for aberto, ooutro tambem o sera.

Definicao 19 Um homeomorfismo de classe Ck (com k ≥ 1) e um difeomorfismo de classe Ck (ou umCk-difeomorfismo) se o homeomorfismo inverso tem classe Ck. Se ξ : U →W e um difeomorfismo, U e Wsao ditos difeomorfos (Ck-difeomorfos, se ξ ∈ Ck). Escreve-se ξ : U ∼= W .

Se um homeomorfismo tem classe Ck, o homeomorfismo inverso pode ser apenas contınuo. Um exemploe o da funcao cubica f : R → R, dada por f(x) = x3, que e suave e tem inversa contınua (dada porf−1(x) = 3

√x, para x ∈ R) porem nao derivavel em x = 0. Em contraste, se um homeomorfismo ξ, de

classe Ck, tem inversa derivavel, entao o homeomorfismo inverso e de classe Ck. Ou seja: ξ e ξ−1 sao Ck-difeomorfismos. Isso decorre da regra da cadeia, como veremos adiante. Em particular, um homeomorfismosuave com inversa derivavel e um C∞-difeomorfismo.

Definicao 20 Se um ponto p ∈ Rn tem uma vizinhanca aberta U na qual esta definido um difeomorfismoξ : U ∼= W (com W ⊆ Rn aberto), dizemos que ξ e um difeomorfismo em torno de p. Uma aplicacaoξ : M → N entre subespacos (topologicos) de Rn e um difeomorfismo local se cada ponto p ∈ M temuma vizinhanca aberta U restrita a qual ξ e um difeomorfismo sobre um aberto ξ(U) ⊆ N . Em sımbolos:ξ|U : U ∼= ξ(U).

Exercıcio: Um homeomorfismo sera um difeomorfismo (global) se for um difeomorfismo local.

Um dos pilares fundamentais de todo o calculo diferencial nos espacos euclidianos (que se generaliza aocalculo em variedades diferenciaveis) e o teorema da aplicacao inversa, que apresentamos a seguir. A versaocom hipoteses mais fracas utiliza o conceito de aplicacao fortemente diferenciavel, conforme a definicaoabaixo.

Page 17: Grupos e álgebras de Lie

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Definicao 21 Uma aplicacao f : U → Rn definida em um aberto U ⊆ Rm e fortemente diferenciavel noponto q ∈ U se existe uma transformacao linear T : Rm → Rn tal que

f(x)− f(y) = T (x− y) + ρ(x, y)|x− y| , ∀ x, y ∈ U

onde ρ : U → Rn satisfaz limx, y→q

ρ(x, y) = 0.

Toda aplicacao f : U → Rn fortemente diferenciavel em q e derivavel em q, com f ′(q) = T .

Teorema 22 Se a aplicacao ξ : U → Rn, definida no aberto U ⊆ Rn e fortemente diferenciavel no pontoq ∈ U e a derivada ξ′(q) : TqU ∼= Rn → Rn e um isomorfismo, entao ξ : U → ξ(U) e um homeomorfismo eo homeomorfismo inverso ξ−1 : ξ(U)→ U e fortemente diferenciavel no ponto ξ(q).

Uma demonstracao cuidadosa do teorema acima esta em [Lima](2006). Segue-se da regra da cadeia quea derivada do homeomorfismo ξ−1 : ξ(U)→ U no ponto ξ(q) e dada por

(ξ−1) ′(ξ(q)) = ξ′(q)−1 .

Exercıcio: provar a igualdade acima.

Se ξ e de classe C1 em torno de q, a regra da cadeia, combinada com o teorema acima, permite con-cluir que ξ−1 e de classe C1 em torno de ξ(q). Realmente a transformacao Ψ : Gl(Rn) → Gl(Rn), definidapor

Ψ(T ) = T−1

que leva o automorfismo T ∈ Gl(Rn) no automorfismo inverso T−1 e uma bijecao suave (verificar) e aderivada (ξ−1) ′ da aplicacao inversa satisfaz, pelo que vimos acima,

(ξ−1) ′ ξ(q) = Ψ ξ′(q), ∀ q,

e logo (ξ−1) ′ = Ψ ξ′ ξ−1.

Se ξ ∈ C1, entao (ξ−1) ′ ∈ C0 e logo ξ−1 ∈ C1.

O mesmo raciocınio permite concluir que se ξ e um homeomorfismo de classe Ck e ξ−1 e derivavel, entao ξe um Ck-difeomorfismo, para k = 1, ...,∞.

A forma local das imersoes

Definicao 23 Uma aplicacao ϕ : U ⊆ Rm → Rn e uma imersao se a derivada ϕ′(q) : Rm → Rn e biunıvoca,para todo q ∈ U .

Observe-se que se ϕ e imersao entao n ≥ m.

Exemplo 15 A inclusao i : Rm → Rn dada por i(x) = (x,w), onde w e um vetor constante em Rn−m, eum exemplo canonico de imersao.

A forma local das imersoes afirma que, localmente, toda imersao e, topologicamente, uma imersao canonica.

Teorema 24 Se ϕ : U → Rn, definida no aberto U ⊆ Rk, e fortemente diferenciavel no ponto q ∈ U e aderivada ϕ′(q) : Rk → Rn e biunıvoca, existe um homeomorfismo ξ : Z → V ×W , de um aberto Z ⊆ Rn,Z 3 ϕ(q), sobre um aberto V ×W 3 (q, 0) em Rk × Rn−k, fortemente diferenciavel no ponto ϕ(q), tal que

ξ ϕ(x) = (x, 0) , ∀ x ∈ V.

Se ϕ ∈ Ck, diminuindo V,W e Z se necessario, obtem-se um Ck-difeomorfismo.

Page 18: Grupos e álgebras de Lie

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ProvaSe w1,w2, ...,wn−k e uma base para o complementar da imagem de ϕ′(q) em Rn, a aplicacao Φ : U ×Rn−k → Rn definida por

Φ(x, y) = Φ(x1, ..., xk, y1, ..., yn−k) = ϕ(x) +

n−k∑s=1

ysws

tem, no ponto (q, 0), a matriz jacobiana

[Φ′(q, 0)] = [∂1ϕ(q) ... ∂kϕ(q) w1 ... wn−k]

e, como ϕ′(q) e biunıvoca, o posto de Φ′(q, 0) e n. E logo Φ′(q, 0) e um isomorfismo. Pelo teorema da aplicacaoinversa, sabemos que existe uma vizinhanca Z do ponto Φ(q, 0) onde esta definido um homeomorfismo ξ,fortemente diferenciavel em Φ(q, 0), cujo homeomorfismo inverso e a restricao de Φ a uma vizinhanca doponto (q, 0), que pode ser escolhida da forma V ×W , com q ∈ V ⊆ U e 0 ∈ W ⊆ Rn−k (ξ = Φ|−1

V×W ). Esegue-se que, para todo x ∈ V , temos

ξ(ϕ(x)) = ξ(ϕ(x) + 0) = ξ(Φ(x, 0)) = (x, 0)

c.q.d.

Definicao 25 Uma imersao ϕ : U → Rn e chamada um mergulho se ϕ e um homeomorfismo sobre suaimagem ϕ(U) (com a topologia induzida de Rn).

Segue-se da forma local das imersoes que toda imersao e localmente um mergulho.

Exemplo 16 A curva γ : (−2,∞)→ R2 dada por γ(t) = (t3 − 4t, t2 − 4) e um exemplo de imersao suave ebiunıvoca que nao e um mergulho. Realmente, tem-se ‖γ(t)‖ < 1 para t = 2 e lim

t→−2+‖γ(t)‖ = 0 < 1. Como

‖γ‖ e uma funcao contınua, existe ε > 0 tal que ‖γ(t)‖ < 1 ∀t ∈ (−2,−2 + ε) ∪ (2− ε, 2 + ε). No entanto,como ‖γ(0)‖ = 4 > 1, vemos que a pre-imagem da bola B2 (de centro (0, 0) e raio 1) por γ nao e conexa.Mas a intersecao da imagem de γ com B2 e conexa (pois γ e contınua e lim

t→−2γ(t) = (0, 0) = γ(2)). Portanto

a aplicacao inversa da imersao γ (definida na imagem de γ) nao e contınua.

Exercıcio: provar que a curva γ do exemplo acima e uma imersao biunıvoca.

Exercıcio: se um mergulho ϕ : U → Rn tem classe Ck, entao ϕ e um Ck-difeomorfismo sobre a sua imagem.

Page 19: Grupos e álgebras de Lie

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Superfıcies em R3

Definicao 26 Uma curva regular em Rn e uma imersao suave γ : I → Rn (nao necessariamente biunıvoca),definida em um intervalo I ⊆ R. A menos que se indique o contrario, o intervalo I sera aberto, com 0 ∈ I.

Indicamos com tr γ o conjunto γ(I) = γ(t) / t ∈ I, chamado o traco de γ.

Exemplo 17 A curva γ : R → R2 dada por γ(t) = (t3 − 4t, t2 − 4) e uma curva regular (observe queγ′(t) 6= 0, ∀ t ∈ R). Tem-se γ(−2) = γ(2) = 0, logo γ nao e biunıvoca. Observemos, no entanto, que tr γpode ser obtido colando-se os tracos dos mergulhos γ1 : (−∞, 1)→ R2 e γ2 : (−1,∞)→ R2 dados por

γ1(t) = γ(t) ∀ t ∈ (−∞, 1) e γ2(t) = γ(t) ∀ t ∈ (−1,∞).

Exemplo 18 A imersao γ : R→ R3 dada por γ(t) = (et cos t, et sen t, 5t) define uma curva regular em R3.A projecao de tr γ no plano xy e uma espiral.

Definicao 27 Uma superfıcie regular parametrizada em Rn e uma imersao suave ψ : U → Rn (nao neces-sariamente biunıvoca), definida em uma regiao U ⊆ R2. A menos que se indique o contrario, a regiao Usera aberta e simplesmente conexa, com (0, 0) ∈ U .

Exemplo 19 A imersao suave ψ : U = R2 → R3 dada por ψ(t, s) = (t, s, t2 + s2) e uma superfıcie regularparametrizada em R3, cuja imagem e um paraboloide de revolucao (com vertice na origem). A matrizjacobiana de ψ em um ponto (t, s) ∈ U e dada por 1 0

0 12t 2s

e, portanto, a derivada de ψ em (t, s) e a transformacao ψ′(t, s) : (u,w) 7→ (u,w, 2tu+ 2sw), evidentementebiunıvoca, quaisquer que sejam t, s ∈ R.

Exemplo 20 Mais geralmente, o grafico de qualquer funcao suave f : U → R, definida em uma regiaoU ⊆ R2, e uma superfıcie regular parametrizada. Pois a aplicacao ψ : U → R3 dada por

ψ(t, s) = (t, s, f(t, s))

e suave, tem derivada em cada ponto (t, s) ∈ U dada por

ψ′(t, s)(u,w) = (u,w, ft(t, s)u+ fs(t, s)w)

(que e, portanto, biunıvoca) e, vista como aplicacao de U sobre ψ(U), tem uma inversa, dada pela restricaoa ψ(U) da projecao canonica π : R3 → R2. Como π e suave, temos que ψ e um C∞-difeomorfismo. Emparticular, um homeomorfismo.

Page 20: Grupos e álgebras de Lie

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Exercıcio: Se ψ : (0, 2π)× (0, 2π)→ R4 e dada por

ψ(t, s) = (cos t, sen t, cos s, sen s )

entao ψ e uma superfıcie regular parametrizada em R4, cuja imagem e um toro T 2 = S1 × S1 menos umequador e um meridiano.

A ideia de superfıcie regular e a de um subconjunto bidimensional S ⊂ R3 que, em torno de cada ponto,e uma superfıcie regular parametrizada, de tal forma que se possam apresentar em S as nocoes importantesdo calculo diferencial (como comprimento, angulo, velocidade, area, etc.) de maneira inequıvoca.

Definicao 28 Um subconjunto S no espaco R3 e uma superfıcie regular se cada ponto de S tem umavizinhanca aberta W ⊆ R3 cuja intersecao com S e imagem de uma imersao suave e biunıvoca ψ : U → R3,definida em uma regiao U ⊆ R2.

Como toda imersao e localmente um mergulho, podemos, diminuindo U se necessario, supor que S eobtida colando-se imagens de superfıcies regulares parametrizadas. A forma local das imersoes permite con-cluir que cada uma das tais superfıcies parametrizadas tem inversa contınua (pois continuidade e propriedadelocal), sendo portanto um homeomorfismo e, em verdade, um difeomorfismo. Segue-se que uma superfıcieregular S e localmente difeomorfa ao R2. A grosso modo podemos pensar em S construıda com imagens dediscos do plano por aplicacoes que preservam a topologia.

Exemplo 21 A esfera S2 ⊂ R3, dada pela equacao x2+y2+z2 = 1, e uma superfıcie regular. Se (q1, q2, q3) =q ∈ R3, sejam as regioes U+

r e U−r , r = 1, 2, 3, definidas por

U+r = q ∈ S2 / qr > 0 e U−r = q ∈ S2 / qr < 0.

Entao cada tal regiao e um grafico. Por exemplo, U−3 e o grafico da funcao suave f : B2 → R, dada por

(x, y) 7→ −√

1− x2 − y2, (com B2 = x2 + y2 < 1) e S2 = ∪3r=1(U+

r ∪ U−r ).

Exemplo 22 A curva α : R→ R3 dada por

α(t) = (a sen t cos t, b sen 2t, k cos t)

tem o traco contido na superfıcie S, dada por x2

a2 + y2

b2 + z2

k2 = 1 (que e um elipsoide com semi-eixos a, b, ke centro na origem). Pode-se escrever α : I → S.

O plano tangente

Se F (u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)) : U ⊆ R2 → R3 e uma aplicacao suave e p = (u0, v0) ∈ U , aderivada de F no ponto p e a transformacao linear F ′(p) determinada pela matriz xu(u0, v0) xv(u0, v0)

yu(u0, v0) yv(u0, v0)zu(u0, v0) zv(u0, v0)

Se w = (u, v) ∈ R2, entao F ′(p)w e o vetor em R3 cujas coordenadas na base canonica sao xu(u0, v0)u +xv(u0, v0)v , yu(u0, v0)u+ yv(u0, v0)v e zu(u0, v0)u+ zv(u0, v0)v.

Exercıcio: Se α : I → U e uma curva suave, definida em um intervalo I ⊆ R (com 0 ∈ I), que satis-faz

α(0) = p e α′(0) = w

Page 21: Grupos e álgebras de Lie

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entao (F α)′(0) = F ′(p)w.

Observe-se que (F α)′(0) e independente da escolha da curva suave α (desde que α satisfaca as condicoesα(0) = p e α′(0) = w).

Embora seja um exercıcio facil, e muito importante (e frequentemente util) saber que F ′(p)w =(F α)′(0), onde α e qualquer curva suave com α(0) = p e α′(0) = w.

Mais geralmente, se F : U ⊆ Rm → Rn e uma aplicacao cujas funcoes coordenadas sao suaves, aderivada de F em um ponto q ∈ U e definida pela matriz jacobiana de F em q e, raciocinando como acima,conclui-se que, para todo w ∈ Rm, F ′(q)w = β′(0), onde β = F α, com α : I → Rm qualquer curva suaveque satisfaca α(0) = q, α′(0) = w.

O vetor w pode entao ser identificado com a classe das curvas suaves α : I → Rm que satisfazemα(0) = p e α′(0) = w.

Se γ : I → R3 for uma curva suave, com I 3 0, γ(0) = α(0) = p e γ′(0) = α′(0) = w, escreveremosα ∼ γ. Essa e uma relacao de equivalencia e o vetor w = α′(0) pode ser identificado com a classe [α].

O espaco tangente a R3 em um ponto q e definido pelo conjunto TqR3 de todos os vetores em q. TqR3

e um espaco vetorial, isomorfo ao proprio R3.

Se S e uma superfıcie regular em R3 e α : I → S e uma curva suave em S, a velocidade α′(0) e um vetorem R3 tangente a superfıcie S no ponto q = α(0). Considerando somente as curvas suaves que tem seu tracocontido em S, podemos definir o plano TqS tangente a S em q pela colecao de todos os vetores velocidadede tais curvas. Um vetor w ∈ R3 esta em TqS se existe uma curva α : I → S tal que α(0) = q, α′(0) = w.

Observacao 1 Se u = α′(0) e w = β′(0) sao vetores tangentes a superfıcie S ⊂ R3, linearmente indepen-dentes, em um ponto q ∈ S, o plano tangente TqS e o plano normal ao produto vetorial Nq = u × w quepassa por q.

Um vetor w ∈ R3 tambem pode ser pensado como uma derivacao no espaco das funcoes suavesf : R3 → R. Realmente, um vetor w com origem em q ∈ R3 satisfaz

(λf + g)′(q)w = λf ′(q)w + g′(q)w

e (fg)′(q)w = g(q)f ′(q)w + f(q)g′(q)w,

Page 22: Grupos e álgebras de Lie

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quaisquer que sejam as funcoes f, g ∈ C∞(R3) e o numero λ ∈ R (observe-se, por exemplo, que (fg)′(q)w =

= ∂(fg)∂w (q) = ∂f

∂w (q)g(q) + f(q) ∂g∂w (q)).

Um vetor w = α′(0) ∈ TqS, tangente a uma superfıcie S em um ponto q ∈ S, satisfaz

((λf + g) α)′(0) = λ(f α)′(0) + (g α)′(0)

e ((fg) α)′(0) = g(α(0))(f α)′(0) + f(α(0))(g α)′(0)

onde α e uma curva em S que passa por q. Uma superfıcie S tem um plano tangente em cada ponto eesse plano tangente varia suavemente.

Um fato notavel e que essa definicao de vetor tangente nao depende do espaco ambiente R3 em que asuperfıcie esta imersa. Assim como a classe de equivalencia de curvas suaves contidas em S que passam peloponto q. Um vetor tangente w e identificado com um elemento do espaco (vetorial) das derivacoes linearessobre as funcoes reais suaves definidas em S. Em verdade, se duas funcoes suaves definidas em S coincidemem uma vizinhanca aberta do ponto q, qualquer das tais derivacoes lineares vai associar o mesmo valor aambas e, logo, um vetor tangente a S em q deve ser definido como uma derivacao linear sobre um espaco declasses de equivalencia de funcoes suaves em torno de q.

Por outro lado as definicoes de superfıcies e planos tangentes podem ser naturalmente estendidas aocaso em que a superfıcie, em vez de ser bidimensional, tem dimensao k em um espaco euclidiano que, emvez de ser tridimensional, tem dimensao n ≥ k.

Subvariedades do espaco Rn

Uma subvariedade no espaco Rn e a generalizacao natural da ideia de superfıcie em R3. Como a formalocal das imersoes e verdadeira em dimensao n, podemos considerar subvariedades regulares parametrizadas,que sao imagens de abertos k-dimensionais por aplicacoes que preservam a topologia, e proceder como antes.

Definicao 29 Um subconjunto M no espaco Rn e uma subvariedade (k-dimensional) de Rn se cada pontode M tem uma vizinhanca aberta W ⊆ Rn cuja intersecao com M e imagem de uma imersao suave ebiunıvoca ψ : U → Rn, definida em uma regiao U ⊆ Rk.

Exemplo 23 O toro T 2 ∼= S1 × S1 ⊂ R4 e uma subvariedade de R4. Se q ∈ T 2, existem t, s ∈ [0, 2π) taisque q = (eit, eis). Pode-se tomar U = (−π, π) × (−π, π) se t = 0 ou s = 0 e U = (0, 2π) × (0, 2π), casocontrario.

Se ϕ : U → Rn e um mergulho suave, definido em um aberto U ⊆ Rk, segue-se da forma local dasimersoes que ϕ e um C∞-difeomorfismo sobre ϕ(U) e o difeomorfismo inverso e dado por ϕ−1 = π ξ|ϕ(U)

onde ξ : Z → U ×W ⊆ Rn e o difeomorfismo construıdo na demonstracao do teorema 5 e π : U ×W → Rke a projecao canonica. Realmente, π ξ ϕ(q) = π(q, 0) = q, ∀ q ∈ U .

Uma subvariedade k-dimensional M de Rn e localmente difeomorfa ao Rk. Alem disso M tem umespaco vetorial k-dimensional tangente em cada ponto, que varia suavemente.

Se α : I →M e uma curva suave, o vetor velocidade α′(0) e um vetor de Rn tangente a M em q = α(0).O espaco tangente a subvariedade M ⊆ Rn no ponto q e definido por

TqM = α′(0) / α ∈ C∞(I,M), α(0) = q

Page 23: Grupos e álgebras de Lie

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Um vetor w em um ponto q ∈ Rn pode ser definido (como uma derivacao no espaco das funcoes suavesf : Rn → R) por

w(f) = f ′(q)w =∂f

∂w(q).

Tem-se entao

w(λf + g) = λw(f) + w(g) e w(fg) = g(q)w(f) + f(q)w(g).

quaisquer que sejam f, g ∈ C∞(Rn), λ ∈ R.

Se α : I →M e suave e fizermos w = α′(0), teremos

w(f) = α′(0)f = (f α)′(0).

Como α(I) ⊂M , tem-se f α = f|M α. Isso sugere que o espaco tangente TqM possa ser obtido como umespaco de derivacoes lineares sobre as restricoes a subvariedade M das funcoes suaves em Rn. Portanto umvetor tangente a M e uma derivacao linear sobre o espaco C∞(M) das funcoes suaves definidas em M .

Observemos que se f : M → R e a restricao a M de uma funcao suave definida em um aberto de Rnque contem M , entao a funcao f ϕ−1 e suave, qualquer que seja a parametrizacao ϕ : U ⊆ Rk →M . Issofornece uma definicao rigorosa de funcao suave definida em uma subvariedade de Rn.

Suponhamos que a subvariedade M ⊆ Rn seja (globalmente) parametrizada por um mergulho ϕ : U ⊆Rk → Rn (entao M = ϕ(U) ⊆ Rn). Fixemos um ponto q ∈ U . Como ϕ e um difeomorfismo sobre a imagem,sabemos que a derivada ϕ′(q) e um isomorfismo de Rk sobre ϕ′(q)Rk que, portanto, tem dimensao k ≤ n.Entao ϕ′(q)Rk e um subespaco vetorial k-dimensional de Rn, com base no ponto ϕ(q) ∈ M . Tudo leva acrer que ϕ′(q)Rk e o espaco tangente a subvariedade M no ponto ϕ(q). Essa afirmacao e verdadeira.

Lema 3 Se M = ϕ(U) ⊆ Rn e imagem de um mergulho ϕ : U → Rn definido em um aberto U ⊆ Rk, entao,para todo q ∈ U , tem-se ϕ′(q)Rk = Tϕ(q)M , o espaco tangente a M em ϕ(q).

ProvaSe w ∈ ϕ′(q)Rk, existe u ∈ Rk tal que w = ϕ′(q)u. Tome-se uma curva suave α : I → U que satisfacaα(0) = q e α′(0) = u. Segue-se que

w = ϕ′(q)u = ϕ′(α(0))α′(0) = (ϕ α)′(0)

e a curva suave ϕ α : I →M satisfaz ϕ α(0) = ϕ(q). Logo w ∈ Tϕ(q)M .

Reciprocamente, se w ∈ Tϕ(q)M entao w = β′(0), onde β : I → M e uma curva suave tal que β(0) = ϕ(q).Como ϕ e biunıvoca, para cada t ∈ I existe um unico ponto qt ∈ U tal que ϕ(qt) = β(t). Seja entao a curvaα : I → U dada por α(t) = qt. Pelo corolario da forma local das imersoes, temos que α e uma curva suave.Alem disso, ϕ α(t) = ϕ(qt) = β(t), para todo t ∈ I. E logo β = ϕ α. Tem-se tambem α(0) = q (poisϕ(α(0)) = β(0) = ϕ(q)) e α′(0) ∈ TqRk ∼= Rk. Portanto

w = β′(0) = (ϕ α)′(0) = ϕ′(q)α′(0) ∈ ϕ′(q)Rk.

c.q.d.

Vemos, em particular, que o espaco tangente a uma subvariedade k-dimensional de Rn (em um pontoqualquer) e um espaco vetorial de dimensao k.

Page 24: Grupos e álgebras de Lie

18

Mais geralmente, se ϕ : U → Rn e um mergulho de um aberto U ⊆ Rm em Rn tal que a imagemϕ(U) esta mergulhada em uma subvariedade k-dimensional N ⊆ Rn (com m ≤ k ≤ n), o espaco tangente asubvariedade ϕ(U) ⊆ N em um ponto ϕ(q)

ϕ′(q)Rm = (ϕ α)′(0) / α : I → U,α(0) = q

e um subespaco vetorial do espaco tangente Tϕ(q)N = β′(0) / β : I → N, β(0) = ϕ(q).

Observamos, como antes, que as definicoes acima nao dependem dos respectivos ambientes euclidianos.

Observacao 2 Se as funcoes f, g : M → R coincidem em uma vizinhanca de um ponto q ∈ M , todos osvetores tangentes w ∈ TqM associam o mesmo valor a f e a g. Identificam-se entao duas funcoes quecoincidam em alguma vizinhanca aberta de q. A classe de equivalencia obtida leva o nome de germe defuncoes suaves em q. Um vetor tangente a M no ponto q e, portanto, uma derivacao linear definida noespaco dos germes de funcoes suaves em q.

Exercıcio: se o germe [f ] no ponto q ∈M tem um representante constante em alguma vizinhanca de q, entaow([f ]) = 0, ∀w ∈ TqM .

Se M e subvariedade k-dimensional de Rn, sabemos que todo ponto q ∈ M tem uma vizinhancadifeomorfa a um aberto de Rk (pois M e obtido colando-se imagens de parametrizacoes). Sejam ϕ : U →Me ψ : V →M mergulhos suaves, definidos em abertos U, V ⊆ Rk, tais que q ∈ ϕ(U)∩ψ(V ). Indiquemos com ξum difeomorfismo (dado pela forma local das imersoes) que satisfaz πξ|ϕ(U) = ϕ−1 e com η um difeomorfismo

tal que π η|ψ(V )= ψ−1. Entao a mudanca ψ−1 ϕ = π η|ψ(V )

ϕ : ϕ−1(ϕ(U)∩ψ(V ))→ ψ−1(ϕ(U)∩ψ(V ))e suave, com inversa

(ψ−1 ϕ)−1 = ϕ−1 ψ = π ξ|ϕ(U) ψ : ψ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ))→ ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ))

tambem suave.

Logo ψ−1 ϕ : ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ))→ ψ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V )) e um C∞-difeomorfismo.

Exercıcio: Se q ∈ U ∩ V , com U = ϕ(U), V = ψ(V ) e ϕ,ψ parametrizacoes em M como acima, definax = ϕ−1 : U ∼= U e y = ψ−1 : V ∼= V e conclua que a mudanca

y x−1 : x(U ∩ V )→ y(U ∩ V )

e um difeomorfismo.

Page 25: Grupos e álgebras de Lie

19

Variedades diferenciaveis

Definicao 30 Um espaco topologico E e um espaco de Hausdorff se quaisquer dois pontos distintos em Etem vizinhancas disjuntas. Diz-se que E tem base enumeravel se existe uma colecao enumeravel de abertosem E tal que todo aberto em E e uma uniao desses abertos basicos. Um espaco de Hausdorff E e localmenteeuclidiano se cada ponto em E tem uma vizinhanca homeomorfa a um aberto em Rn, para algum n fixo.

Definicao 31 Uma variedade diferenciavel de dimensao n e um espaco topologico localmente euclidiano M ,com base enumeravel, em que cada ponto q tem uma vizinhanca aberta U ⊆ M na qual esta definida umaaplicacao suave x : U → Rn de tal forma que se y : V → Rn e uma das tais aplicacoes e U ∩ V 6= ∅, amudanca

y x−1 : x(U ∩ V )→ y(U ∩ V )

e suave.

Exercıcio: Segue-se da definicao que as mudancas sao difeomorfismos.

As aplicacoes x : U → Rn sao chamadas cartas locais. Se q ∈ U , x e uma carta em torno de q. Acolecao de todos os pares (U, x) que satisfazem a definicao acima e chamada uma estrutura diferenciavelpara a variedade M .

Mais geralmente, um atlas suave para um espaco localmente euclidiano (com base enumaravel) M e umacolecao A = (Uλ, xλ) / λ ∈ Λ (onde Λ e um conjunto de ındices), com Uλ aberto em M e xλ : Uλ → Rnsuave, para todo λ ∈ Λ, que satisfaz

i) M ⊆ ∪λ∈ΛUλii) xµ x−1

λ ∈ C∞(xλ(U ∩ V ), xµ(U ∩ V )), ∀λ, µ ∈ Λ.

Uma estrutura diferenciavel para M e um atlas suave maximal A para M , no sentido de que A contemqualquer atlas suave para M .

Os abertos Uλ em um atlas suave sao chamados vizinhancas parametrizadas. E facil verificar que seM for uma subvariedade de Rn e (Uλ, xλ) / λ ∈ Λ for um atlas suave, a inversa x−1

λ : xλ(Uλ) → Uλ dequalquer carta local e uma imersao biunıvoca suave.

Exercıcio: Subvariedades suaves de Rn sao variedades diferenciaveis.Sugestao: faca x = π ξ|ϕ(V )

, y = π η|ψ(V )(onde ξ e η sao difeomorfismos dados pela forma local das

imersoes).

Exemplo 24 Se Ω ⊆M e aberto em uma variedade diferenciavel M , entao Ω e uma variedade diferenciavel,com a mesma dimensao que M . Realmente cada q ∈ Ω esta na intersecao U ∩ Ω de uma vizinhancaparametrizada U com Ω e essa intersecao e aberta em Ω. Alem disso se x : U → Rn (supondo dimM = n)e carta local suave, a restricao de x a U ∩ Ω e carta local para Ω. Finalmente, se q ∈ (Ω ∩ U) ∩ (Ω ∩ V ) =Ω ∩ (U ∩ V ), tem-se que y|V∩Ω

(x|U∩Ω)−1 = (y x−1)|x(U∩V∩Ω)

: x(U ∩ V ∩ Ω)→ y(U ∩ V ∩ Ω) e suave.

Exemplo 25 Um exemplo ”quase trivial” de variedade diferenciavel e dado pelo espaco Rn. A colecao Acujo unico elemento e o par (Rn, i), em que i : Rn → Rn e a aplicacao identidade, e um atlas suave paraRn. Uma estrutura diferenciavel e obtida acrescentando-se todos os pares (U, x), com U ⊆ Rn aberto, taisque x : U → x(U) seja um difeomorfismo.

Page 26: Grupos e álgebras de Lie

20

Exercıcio: Se M e variedade diferenciavel e A e um atlas suave para M , uma estrutura diferenciavel paraM e obtida acrescentando-se aos pares em A todos os pares da forma (V, y), com V aberto em M , quesatisfacam

y x−1 ∈ C∞(x(U ∩ V ), y(U ∩ V )) e x y−1 ∈ C∞(y(U ∩ V ), x(U ∩ V ))

qualquer que seja o par (U, x) ∈ A.

Exemplo 26 Se M e N sao variedades diferenciaveis, com dimM = m e dimN = n, a variedade produtoM×N e definida pelo atlas maximal que contem todos os pares da forma (U×V, x×y), com (U, x) percorrendoum atlas suave para M e (V, y) percorrendo um atlas suave para N . A carta local x×y : U×V → Rm×Rn ∼=Rm+n e definida por

x× y (q, p) = (x(q), y(p))

para todo (q, p) ∈ U × V . E facil verificar que (x × y)−1 = x−1 × y−1 e que o atlas indicado e um atlaslegıtimo, com a topologia produto (verificar). Tem-se dim(M ×N) = m+ n.

Exemplo 27 O espaco (metrico) de todas as matrizes reais invertıveis n×n e uma variedade diferenciavel,de dimensao n2, que leva o nome de grupo linear geral e se representa com Gl(n,R) (como veremos adiante,Gl(n,R) e um grupo de Lie). Como uma matriz quadrada e invertıvel se e somente se o seu determinante e

nao nulo e o conjunto das matrizes que tem determinante nulo e fechado na algebra de Lie gl(n,R) ∼= Rn2

,

vemos que Gl(n,R) e, a menos de um difeomorfismo, um aberto na variedade Rn2

e, pelo exemplo 24, e umavariedade diferenciavel, com dimGl(n,R) = n2.

Exercıcio: Toda variedade diferenciavel e um espaco de Lindelof.

Exercıcio: Toda variedade diferenciavel conexa e conexa por caminhos.

Observacao 3 E uma consequencia da forma local das imersoes que se ϕ : U →M e uma parametrizacaoem uma subvariedade M ⊆ Rn, definida em um aberto U ⊆ Rk e ζ : V ⊆ Rm → ϕ(U) e uma aplicacaosuave, a composta ϕ−1 ζ : V → U e suave (veja-se [Lima](2006)). Pode-se dizer, portanto, que uma funcaof : M → R e suave se, para toda parametrizacao ϕ : U →M , tem-se f ϕ suave. Realmente, se ψ : V →Me outra parametrizacao, com ψ(V ) ∩ ϕ(U) 6= ∅, entao f ψ = f ϕ ϕ−1 ψ e suave se e somente se f ϕe suave.

Definicao 32 Se f : U ⊆ M → R e uma funcao definida em um aberto U de uma variedade diferenciavelM , dizemos que f e suave se a funcao

f x−1 : U ∩W → R

for suave, qualquer que seja o par (W,x) em um atlas suave para M (se U ∩W = ∅, entao f e trivialmentesuave). Escreve-se f ∈ C∞(U). C∞(M) e o espaco (vetorial) de todas as funcoes suaves definidas em M .

Definicao 33 Se M,N sao variedades diferenciaveis, uma aplicacao contınua ψ : M → N e suave se paratoda funcao suave g : U → R definida em um aberto U ⊆ N , a funcao g ψ : ψ−1(U) → R e suave.Escreve-se ψ ∈ C∞(M,N).

Exercıcio: Uma aplicacao contınua ψ : M → N e suave se e somente se y ψ x−1 : x(W ) → y(ψ(W )) esuave, para todo aberto W ⊆ U ∩ ψ−1(V ), quaisquer que sejam os pares (U, x) em um atlas suave para Me (V, y) em um atlas suave para N .

Exercıcio: se M,N,R sao variedades diferenciaveis e ψ : M → N e η : N → R sao aplicacoes suaves,entao a aplicacao η ψ : M → R e suave (composta de aplicacoes suaves e suave).

Exercıcio: Se ψ : M → N e suave, entao, com g : N → R, tem-se g ψ x−1 suave ∀ (U, x) se e so-mente se g y−1 suave ∀ (V, y).

Page 27: Grupos e álgebras de Lie

21

Exercıcio: ψ ∈ C∞(M,N) se e somente se todo ponto em M tem uma vizinhanca U ⊆ M tal que ψ|Ue suave (suavidade e propriedade local).

O espaco tangente

Se M e uma variedade diferenciavel e q ∈ M , diremos que duas funcoes f : U → R e g : V → R,definidas em vizinhancas abertas de q, tem o mesmo germe em q se elas coincidirem em alguma vizinhancaaberta de q. Em sımbolos: se existe W ⊆ U ∩ V , aberto em M , tal que f(q) = g(q), ∀ q ∈W . Escreveremosf ∼ g.

Exercıcio: A relacao ∼ e uma relacao de equivalencia no conjunto das funcoes suaves em torno de q.

Definicao 34 Se M e variedade diferenciavel e f : U → R e uma funcao suave em torno de q ∈M , o germede f em q e a classe de equivalencia (definida pela relacao de equivalencia ∼ acima) que f representa.

Em palavras: [f ] e a classe de todas as funcoes suaves que coincidem com f em alguma vizinhanca abertade q.

Definicao 35 Um vetor tangente a uma variedade diferenciavel M em um ponto q ∈ M e uma derivacaolinear definida no espaco vetorial dos germes de funcoes suaves em torno de q. O espaco tangente a M emq e o espaco vetorial de todos os vetores tangentes a M em q, indicado com TqM .

Exercıcio: O espaco dos germes de funcoes suaves em q e uma algebra linear e o subespaco dos germes defuncoes suaves que se anulam em q e um ideal.

Tem-se, portanto, w(λ[f ] + [g]) = λw([f ]) + w([g]) e w([f ][g]) = [g](q)w([f ]) + [f ](q)w([g]), quaisquerque sejam os germes [f ] e [g] em q, onde se faz [f ](q) = f(q), com f um representante qualquer de [f ].

Observacao 4 Se ϕ : Rn ∼= Rn e um difeomorfismo e f ∈ C∞(Rn), tomando no espaco Tϕ(q)Rn ∼= Rn abase

e1, ..., en = ϕ ′(q)e1, ..., ϕ′(q)en

(onde ei = (ei)q, i = 1, ..., n), temos

∂f

∂ei(ϕ(q)) = f ′(ϕ(q))ei = f ′(ϕ(q))ϕ ′(q)ei = (f ϕ)′(q)ei = ∂i(f ϕ)(q).

Se Mk e subvariedade de Rn e ϕ : U ∼= ϕ(U) (com U ⊆ Rk aberto) e uma parametrizacao em torno deϕ(q) ∈M , escolhamos no espaco tangente Tϕ(q)M a base

e1, ..., ek = ϕ′(q)e1, ..., ϕ′(q)ek

e suponhamos (diminuindo U se necessario) que ϕ e a restricao a U = M ∩ Ω de um C∞-difeomorfismoϕ : Ω ∼= ϕ(Ω) ⊆ Rn definido em um aberto Ω ⊆ Rn. E que f ∈ C∞(M) e a restricao a M de uma funcaosuave f : Rn → R. Entao, observando que ei e tangente a M e ei e tangente a U , obtemos

∂f

∂ei(ϕ(q)) =

∂f

∂ei(ϕ(q)) = ∂i(f ϕ)(q) = ∂i(f ϕ|U )(q) = ∂i(f ϕ)(q).

Podemos entao, chamando de x1, ..., xk as coordenadas dadas pela parametrizacao ϕ, definir uma base emTϕ(q)M por

∂x1(ϕ(q)), ...,

∂xk(ϕ(q))

= ϕ′(q)e1, ..., ϕ

′(q)ek = e1, ..., ek

Page 28: Grupos e álgebras de Lie

22

em que o i-esimo vetor basico satisfaz

∂xi(ϕ(q))(f) =

∂f

∂ei(ϕ(q)) = ∂i(f ϕ)(q).

Se tivermos q ∈M (em vez de q ∈ U), a igualdade acima se torna

∂xi(q)(f) = ∂i(f ϕ)(ϕ−1(q).

Se Mk e subvariedade de Rn e x : U ∼= x(U) e uma carta em torno de q ∈M , a inversa x−1 : x(U)→ Ue um difeomorfismo e sua derivada (x−1)′(x(q)) = x′(q)−1 : Rk ∼= TqM leva qualquer base de Tx(q)Rk ∼= Rkem uma base de TqM . Vamos indicar com

∂x1(q), ...,

∂xk(q)

a base de TqM imagem da base canonica e1x(q)

, ..., ekx(q) de Tx(q)Rk. Todo vetor tangente w ∈ TqM e uma

combinacao linear

w =

k∑i=1

wi∂

∂xi(q)

desses vetores basicos. Aplicando a uma funcao f , temos

∂xi(q)(f) =

∂f

∂xi(q) = ∂i(f x−1)(x(q)).

No caso de uma variedade diferenciavel M , na inexistencia de uma base natural para TqM , definimosos vetores tangentes basicos pela igualdade acima. Se x e y sao duas cartas em torno de q, obtemos

∂yj(q) =

k∑i=1

∂xi∂yj

(q)∂

∂xi(q)

Exercıcio: Se M e variedade diferenciavel e x : U ∼= x(U) e carta local, com q ∈ U , considere a funcaoxs : U → R dada por xs = πs x, onde πs : Rk → R e a projecao no s-esimo eixo, s ∈ 1, ..., k ((x1, ..., xk)sao as coordenadas introduzidas pela carta x). Entao a base de TqM construıda acima satisfaz

∂xi(q)(xs) = δis

(delta de Kronecker), quaisquer que sejam i, s ∈ 1, ..., k.

Page 29: Grupos e álgebras de Lie

23

Exercıcio: Se q ∈ U ⊆ M e w ∈ TqM entao w =∑ki=1 w(xi)

∂∂xi

(q), onde xi : U → Rn e a i-esimafuncao coordenada associada a carta x.

Se ψ : M → N e suave e α : I →M e uma curva suave, a composta ψ α e uma curva suave em N e aimagem do vetor velocidade α′(0) pela derivada de ψ no ponto q = α(0) ∈M deve ser o vetor velocidade dacurva ψ α no ponto ψ(q) (pelo menos e o que ocorre com as subvariedades de Rn). Queremos, portanto,definir uma transformacao linear ψ′(q) : TqM → Tψ(q)N que leve vetores tangentes a M em q em vetorestangentes a N em ψ(q). Se w ∈ TqM , poderemos saber o que e o vetor tangente ψ′(q)w ∈ Tψ(q)N sesoubermos o que e ψ′(q)w(f), para f ∈ C∞(N). E como ψ f ∈ C∞(M), sabemos o que e w(f ψ).

Definicao 36 Se ψ : M → N e uma aplicacao suave entre as variedades diferenciaveis M e N , a derivadaψ′(q) : TqM → Tψ(q)N de ψ no ponto q ∈M e dada por

ψ′(q)w(f) = w(f ψ)

quaisquer que sejam o vetor tangente w ∈ TqM e a funcao suave f ∈ C∞(N).

Exercıcio: ψ′(q) e linear.

Uma consequencia da definicao acima e a regra da cadeia para as variedades.

Teorema 37 Se ψ : M → N e uma aplicacao suave em torno de q ∈M e η : N → R e uma aplicacao suaveem torno de ψ(q) ∈ N , com M,N,R variedades diferenciaveis, entao a aplicacao composta η ψ : M → Re suave em torno de q e

(η ψ)′(q) = η′(ψ(q))ψ′(q).

ProvaSe w ∈ TqM e f ∈ C∞(R), temos

η′(ψ(q))ψ′(q)w(f) = ψ′(q)w(f η) = w((f η) ψ) = w(f (η ψ)) = (η ψ)′(q)w(f).

c.q.d.

Outro fato util e que as aplicacoes com derivada nula sao constantes nas componentes conexas de umavariedade.

Lema 4 Se ψ : M → N e suave e ψ′(q) = 0 para todo q ∈M , com M conexa, entao ψ e constante em M .

ProvaSejam p ∈ M um ponto qualquer e W = ψ−1(ψ(p)) o conjunto dos pontos q ∈ M tais que ψ(q) = ψ(p).Entao W 6= ∅ (pois p ∈ W ) e W = W (pois W e a pre-imagem de um ponto). Se q ∈ W , sejam (U, x) umacarta para M em torno de q e (V, y) uma carta para N em torno de ψ(q). Qualquer que seja q ∈ U , tem-se

0 = ψ′(q)∂

∂xj(q) =

∑i

ψ′(q)∂

∂xj(q)(yi)

∂yi(ψ(q)) =

=∑i

∂xj(q)(yi ψ)

∂yi(ψ(q)) =

∑i

∂(yi ψ)

∂xj(q)

∂yi(ψ(q))

para j = 1, ...,dimM .

Como ∂∂yi

(ψ(q)) e uma base de Tψ(q)N , obtemos

∂(yi ψ)

∂xj(q) = 0

Page 30: Grupos e álgebras de Lie

24

para todo q ∈ U , i = 1, ...,dimN . E como j era qualquer, concluimos que a aplicacao

y ψ x−1 : x(U)→ y(V )

e constante. Sendo x : U ∼= x(U) e y : v ∼= y(V ) difeomorfismos, temos que ψ e constante em U . Isto e,ψ(q) = ψ(q) = ψ(p) para todo q ∈ U . Em consequencia, q ∈ W e um ponto interior. Como q ∈ W eraqualquer, vemos que W e aberto em M . Portanto W = M .

c.q.d.

Subvariedades

Definicao 38 Se Nn e uma variedade diferenciavel, uma subvariedade de N e um par (M,ψ), em que Me uma variedade diferenciavel e ψ : M → N e uma imersao biunıvoca.

Se a imersao ψ : M → N nao for biunıvoca, dizemos que (M,ψ) e uma subvariedade imersa.

Se a imersao biunıvoca ψ : M → N for um mergulho, diz-se que (M,ψ) e uma subvariedade mergulhada.

Exemplo 28 O par (I, α) com I = (−1,∞) e α : I → R2 dada por

α(t) = (t3 − t, t2)

e um exemplo de subvariedade em R2. Observe-se que nao e mergulhada.

Exemplo 29 O par (R2, ϕ) com ϕ : R2 → R3 dada por

ϕ(t, z) = (t3 − t, t2, z)

e um exemplo de subvariedade imersa em R3.

Exemplo 30 O cırculo S1 e um exemplo de subvariedade mergulhada em R2. Observe-se que, em tornode cada ponto, a inclusao e um mergulho, o que nao ocorre no caso do exemplo 28 acima (tome-se o ponto(0, 1) ∈ R2).

Exemplo 31 Um exemplo canonico de subvariedade mergulhada e dado pelo par (M, i), com M = Rk ei : Rk → Rn (n > k) dada por i(x1, ..., xk) = (x1, ..., xk, 0, ..., 0). Se π : Rn → Rn−k e a projecao nasultimas n − k coordenadas, tem-se i(M) = π−1(0). Observe-se que M e dada pelo sistema de equacoesxk+1 = ... = xn = 0.

Definicao 39 Se (U, x) e uma carta em uma variedade diferenciavel Mn e r = (rk+1, ..., rn) e um vetor(fixo) em Rn−k, o conjunto dos pontos q ∈ U que satisfazem

xk+1(q) = rk+1 , . . . , xn(q) = rn

e uma slice da carta (U, x).

Um resultado importante e que a imagem da restricao de uma imersao a uma vizinhanca aberta sufi-cientemente pequena de um ponto e uma slice.

Page 31: Grupos e álgebras de Lie

25

O teorema da aplicacao inversa tem um enunciado elegante no contexto das variedades.

Teorema 40 Se ψ : M → N e suave e q ∈ M e tal que ψ′(q) : TqM ∼= Tψ(q)N e um isomorfismo, entao oponto q tem uma vizinhanca aberta U ⊆M restrita a qual ψ e um difeomorfismo sobre o aberto ψ(U) ⊆ N .

Em sımbolos: ψ|U : U ∼= ψ(U) e um difeomorfismo. Observe que se os espacos tangentes TqM e Tψ(q)N saoisomorfos as variedades M e N tem a mesma dimensao.

A versao geometrica do teorema das funcoes implıcitas permite identificar muitas subvariedades.

Teorema 41 Se ψ : Mm → Nn e suave e ψ′(q) e sobre para todo q ∈ W = ψ−1(ψ(q)), entao o par(W, i) (com i : W → M a inclusao) e uma subvariedade mergulhada em M com dimensao m − n. Tem-seTqW = kerψ′(q).

Exemplo 32 Sabemos que a esfera Sn e uma subvariedade mergulhada em Rr, ∀r > n. Pois Sn = ψ−1(1),com ψ(x1, ..., xn) =

∑x2i .

Exemplo 33 Sabemos (desde o exemplo 27) que o grupo linear geral Gl(n,R), de todas as matrizes in-

vertıveis n× n, e uma variedade diferenciavel (difeomorfa ao espaco Rn2

). Uma classe que se destaca entreas matrizes invertıveis e a das matrizes cuja inversa coincide com a transposta. Uma matriz X ∈ Gl(n,R)e chamada ortogonal se Xt = X−1, ou, equivalentemente, se XtX = I, onde I e a matriz identidade n× n.O espaco das matrizes ortogonais e definido por

O(n) = X ∈ Gl(n,R) / XtX = I.

Observe-se que O(n) e um grupo, com a operacao de multiplicacao de matrizes. Alem disso, pode-se verificarque O(n) e uma variedade diferenciavel. Mais precisamente: (O(n), i) e uma subvariedade mergulhada emGl(n,R).

Realmente, se definirmos a aplicacao f : Gl(n,R) → gl(n,R) por f(X) = XtX, vemos que O(n) =f−1(I). Se pudermos provar que f ′(X) e sobre, para todo X ∈ O(n), o teorema acima justificara a afirmacao.

Observemos, em primeiro lugar, que a imagem da aplicacao f esta contida no espaco vetorial S dasmatrizes simetricas n× n (observe-se que S nao e algebra de Lie e que XtX ∈ S ∀X ∈ Gl(n,R)). Tome-seX ∈ O(n) fixa (porem arbitraria) e seja S ∈ S uma matriz simetrica qualquer. Fazendo ξ(X,Y ) = XtYobtemos uma aplicacao bilinear ξ : gl(n,R)×gl(n,R)→ gl(n,R) e vemos que f e a restricao de ξ a diagonalde Gl(n,R)×Gl(n,R), dada por

f(X) = ξ(X,X) , ∀X ∈ Gl(n,R).

A derivada de ξ em um ponto (X,Y ) e dada por ξ′(X,Y )(V,W ) = ξ(X,W ) + ξ(V, Y ). Portanto

f ′(X)V = ξ′(X,X)(V, V ) = ξ(X,V ) + ξ(V,X) = XtV + V tX.

E logo, tomando V = XS2 , obtemos

f ′(X)V = XtV + V tX = XtXS

2+

(XS

2

)tX =

XtXS

2+StXt

2X =

S

2+S

2= S.

Page 32: Grupos e álgebras de Lie

26

Segue-se que f ′(X) e sobre S e (como X ∈ O(n) era qualquer) I e um valor regular. O teorema se aplica.

O teorema das funcoes implıcitas permite ainda afirmar que a dimensao da subvariedade O(n) e igual a

n2 − dimS = n2 − n(n+ 1)

2=n(n− 1)

2. Observemos, finalmente, que se uma matriz X satisfaz XtX = I,

entao as colunas de X formam uma base ortonormal do espaco Rn. Em particular, a transformacao lineardefinida por X preserva a norma dos vetores em Rn e deixa invariantes as esferas de centro na origem.

Exercıcio: justificar as ultimas afirmacoes do exemplo acima.

Exercıcio: dimS = n(n+1)2 .

Exercıcio: O(n) e uma variedade compacta.

Fluxos e campos vetoriais

Se γ : I →M e uma curva suave em uma variedade diferenciavel M , um campo vetorial X ao longo deγ e uma aplicacao que associa a cada t ∈ I um vetor tangente Xγ(t) ∈ Tγ(t)M .

Exemplo 34 O campo velocidade de uma curva suave γ : I → M e um campo vetorial ao longo de γ,tangente a γ (em particular, tangente a M).

Um campo vetorial X, definido em um aberto U ⊆M de uma variedade diferenciavel M e uma aplicacaoque a cada ponto q ∈ U associa um vetor tangente Xq ∈ TqM .

Exercıcio: Se a curva γ : I →M e mergulhada, um campo vetorial ao longo de γ pode ser obtido compondocom γ um campo vetorial definido em um aberto que contenha o traco de γ (exibir um contra-exemploquando a curva nao for mergulhada).

Definicao 42 Se M e variedade diferenciavel, o fibrado tangente de M e a uniao disjunta

TM = ∪q∈MTqM

com a topologia induzida pela projecao π : TM →M , dada por π(w) = q se w ∈ TqM .

Um vetor tangente w esta em TM se existe q ∈ M tal que w = wq ∈ TqM . A pre-imagem π−1(q) de umponto q e chamada a fibra de TM sobre q. Observe que π−1(q) = TqM .

Se em cada ponto de um espaco de dimensao n considerarmos todos os vetores em um espaco vetorialtangente naquele ponto, que tambem tem dimensao n, teremos 2n graus de liberdade. Realmente, o fibradotangente a uma variedade n-dimensional e uma variedade diferenciavel cuja dimensao e 2n. Uma vizinhancaparametrizada em torno de um ponto wq ∈ TM pode ser obtida identificando-se wq com o par ordenado(q,wq) e tomando-se a pre-imagem π−1(U) de uma vizinhanca parametrizada U 3 q. Como cada fibraTqM e isomorfa ao espaco Rn, uma carta local pode ser construıda a partir de uma carta local (U, x) deum atlas em M . E obtem-se um atlas TA = (TU, x) / (U, x) ∈ A em que TU = π−1(U) = ∪q∈UTqM ex : π−1(U)→ U × Rn e dada por

x(wq) = (x π(wq), x∗wq) = (x(q), x′(q)wq).

Exercıcio: TU ∩ TV = T (U ∩ V ) 6= ∅ sse U ∩ V 6= ∅.

Exercıcio: Se (TU, x) e (TV, y) sao cartas de TA tais que U ∩ V 6= ∅, entao a aplicacao

Page 33: Grupos e álgebras de Lie

27

y x−1 : x(T (U ∩ V ))→ y(T (U ∩ V )) e um C∞-difeomorfismo.

Um campo vetorial em uma variedade diferenciavel M e, portanto, uma aplicacao de M no fibradotangente TM .

Definicao 43 Se M e variedade diferenciavel, um campo vetorial suave definido em um aberto U ⊆ M euma aplicacao suave X : U → TM tal que Xq = X(q) ∈ TqM, ∀ q ∈ U . Se α : I → M e uma curva suave,um campo ao longo de α e uma curva X : I → TM tal que X(t) ∈ Tα(t)M ∀ t ∈ I.

O conjunto dos campos vetoriais suaves em U sera denotado com X∞(U).

Exercıcio: X∞(U) e um espaco vetorial.

Se X : U → TM e um campo vetorial suave e π : TM → M e a projecao, a composta π X e aidentidade de U . Em palavras: X e um levantamento de U em TM . Um campo suave ao longo de umacurva suave α : I →M e uma curva suave em TM .

Se (U, x) e uma carta em M e X : U → TM e um campo vetorial, existem funcoes λ1, ..., λn : U → Rtais que

Xq =

n∑i=1

λi∂

∂xi(q)

para todo q ∈ U . Observe-se que o conjunto ∂

∂x1, ...,

∂xn

e uma base para o espaco vetorial X∞(U) dos campos suaves definidos em U .

Teorema 44 Se (U, x) e uma carta em M e X : U → TM e um campo vetorial, as afirmacoes abaixo saoequivalentes.

X e suave.X =

∑ni=1 λi

∂∂xi

, com λi ∈ C∞(U), i = 1, ..., n.X(f) ∈ C∞(U) para toda funcao f ∈ C∞(U).

Page 34: Grupos e álgebras de Lie

28

A terceira afirmacao no teorema acima diz que um campo vetorial suave em U e uma aplicacao X : C∞(U)→C∞(U).

O espaco vetorial X∞(U) dos campos suaves em um aberto U de uma variedade diferenciavel M possuiuma estrutura de algebra de Lie se definirmos o bracket de dois campos vetoriais suaves X e Y pelo campovetorial [X,Y ], que ao ponto q ∈ U associa o vetor tangente [X,Y ]q ∈ TqM , dado por

[X,Y ]q(f) = Xq(Y (f))− Yq(X(f)) , ∀ f ∈ C∞(U).

Se X e um campo vetorial em U , a funcao X(f) : U → R e definida por X(f)(q) = Xq(f). Fazendo o pontoq percorrer a vizinhanca paramentrizada U , vemos que o campo vetorial [X,Y ] e dado por [X,Y ](f) =X(Y (f)) − Y (X(f)), para f ∈ C∞(U). Segue-se que o bracket de campos vetoriais suaves e um campovetorial suave.

Exercıcio: Se M e variedade diferenciavel e o bracket e definido como acima, tem-se[Y,X] = −[X,Y ], ∀X,Y ∈ X∞(M).[[X,Y ], Z] + [[Y,Z], X] + [[Z,X], Y ] = 0, ∀X,Y, Z ∈ X∞(M).[fX, gY ] = fg[X,Y ] + fX(g)Y − gY (f)X, ∀X,Y ∈ X∞(M), ∀ f, g ∈ C∞(M).

Definicao 45 Se ϕ : M → N e uma aplicacao suave de M sobre N , o push forward (ou push out) de umcampo vetorial X ∈ X∞(M) pela aplicacao ϕ e o campo vetorial ϕ∗X ∈ X∞(N) definido por

ϕ∗Xϕ(q) = ϕ′(q)Xq

para q ∈M . Os campos vetoriais X ∈ X∞(M) e Y ∈ X∞(N) sao ϕ-relacionados se Y = ϕ∗X.

Observemos que se os campos X,Z ∈ X∞(M) forem ϕ-relacionados com os campos Y,W ∈ X∞(N),seus brackets [X,Z] e [Y,W ] tambem serao ϕ-relacionados. Mais precisamente: se Y = ϕ∗X e W = ϕ∗Zentao [Y,W ] = ϕ∗[X,Z].

Realmente, se ϕ∗X = Y e f ∈ C∞(M), tem-se

X(f ϕ)(q) = (f ϕ)′(q)Xq = f ′(ϕ(q))ϕ′(q)Xq = f ′(ϕ(q))Yϕ(q) = Yϕ(q)(f) =

= Y (f)(ϕ(q)) = Y (f) ϕ(q) ∀q ∈M

e logo X(f ϕ) = Y (f) ϕ.

Portanto, se Y = ϕ∗X e W = ϕ∗Z, teremos

[Y,W ]ϕ(q)(f) = Yϕ(q)(W (f))−Wϕ(q)(Y (f)) = ϕ′(q)Xq(W (f))− ϕ′(q)Zq(Y (f)) =

= Xq(W (f) ϕ)− Zq(Y (f) ϕ) = Xq(Z(f ϕ))− Zq(X(f ϕ)) = [X,Z]q(f ϕ) =

= (f ϕ)′(q)[X,Z]q = f ′(ϕ(q))ϕ′(q)[X,Z]q = ϕ′(q)[X,Z]q(f) ∀ f ∈ C∞(M)

e logo [Y,W ]ϕ(q) = ϕ′(q)[X,Z]q ∀q ∈M . E segue-se que [Y,W ] = ϕ∗[X,Z].

Definicao 46 A orbita (ou curva integral) de um campo vetorial X ∈ X∞(M) por um ponto q ∈ M e acurva suave γq : I →M definida por

γq(0) = q e γ′q(t) = Xγ(t) ∀ t ∈ I

onde I e um intervalo maximal de definicao de γq, com 0 ∈ I.

Page 35: Grupos e álgebras de Lie

29

A existencia e unicidade da orbita γq decorre de teoremas classicos de equacoes diferenciais (veja-se [So-tomayor](1979)).

Exercıcio: Suponha que a orbita γq de um campo vetorial X ∈ X∞(M) esta definida em R, para todoq ∈M . Fixe t ∈ R e defina a aplicacao φt : M →M por φt(q) = γq(t). Prove que φt e um difeomorfismo.

Definicao 47 Um campo vetorial X em uma variedade M e completo se as orbitas de X estao definidasem R. Isto e, existe γq(t) para todo t ∈ R, para qualquer q ∈M .

Definicao 48 O fluxo de um campo vetorial completo X ∈ X∞(M) e a famılia a um parametro φt / t ∈ Rde difeomorfismos associados a X pela correspondencia φt(q) = γq(t).

Definicao 49 Um ponto q ∈M e uma singularidade de um campo vetorial X ∈ X∞(M) se Xq = 0.

Exercıcio: Se q ∈ M e singularidade de X ∈ X∞(M) e γ : Iq → M e orbita de X tal que γ(0) = q, entaoγ(t) ≡ q.Sugestao: Se η : I → M e definida por η(t) ≡ q, entao η e orbita de X (verificar), com γ(0) = q = η(0) eγ′(0) = Xγ(0) = Xq = 0 = η′(0). Logo γ = η.

Exemplo 35 Todo campo vetorial contınuo definido em uma esfera de dimensao par tem uma singularidade.A demonstracao desse fato utiliza um teorema importante da Topologia, que afirma que em uma esfera dedimensao par a aplicacao antıpoda nao e homotopica a identidade (veja-se [Lima](1998)). Supondo queX nao tenha nenhuma singulridade e possıvel construir uma homotopia entre a antıpoda e a identidade econcluir que a dimensao nao pode ser par ([Lima](2006)).

Todo campo regular e topologicamente um campo trivial. Mais geralmente: se X ∈ X∞(M) e o pontoq ∈ M tem uma vizinhanca W tal que Xp 6= 0 ∀p ∈ W , entao existe uma carta (U, x) em torno de q, comU ⊆W , tal que o campo vetorial x∗X ∈ X∞(x(U)) e o campo ”constante” q 7→ (e1)q.

Teorema 50 Se X ∈ X∞(M) e Xq 6= 0, existe uma carta (U, x) em torno de q tal que X|U coincide com o

campo coordenado ∂∂x1

.

Para uma demonstracao, pode-se tomar uma secao transversal as orbitas de X no ponto q e aplicar o teoremada aplicacao inversa (veja-se [Sotomayor](1979)).

Uma generalizacao natural da ideia de campo vetorial em uma variedade e a de um campo de k-planos(ou k-distribuicao), com k ∈ 1, ...,dimM. Assim como um campo de vetores X ∈ X∞(M) associa a cadaponto q ∈ M um vetor tangente Xq ∈ TqM , pode-se considerar uma aplicacao que a cada ponto q ∈ Massocie uma reta tangente a M em q. E mais geralmente, pode-se pensar em uma aplicacao que a cadaq ∈ M associe um subespaco k-dimensional do espaco tangente TqM . No primeiro caso temos um campode direcoes (ou campo de 1-planos) e, no segundo caso, um campo de k-planos, de acordo com a definicaoabaixo.

Definicao 51 Um campo de k-planos ∆ em uma variedade n-dimensional M (com n ≥ k) e uma escolhade um subespaco k-dimensional ∆q do espaco tangente TqM , para cada q ∈M . ∆ e suave se todo ponto emM tem uma vizinhanca aberta W na qual estao definidos campos vetoriais suaves X1, ..., Xk que geram ∆em W (isto e, os vetores tangentes (X1)q, ..., (Xk)q geram ∆q, para todo q ∈W ).

Se o espacos tangentes tiverem estrutura de algebra de Lie, cabe perguntar se os subespacos ∆q saoinvariantes pelo bracket. Isso leva a definicao que se segue. Diz-se que um campo vetorial X ∈ X∞(M) estaem ∆ se Xq ∈ ∆q para todo q ∈M .

Definicao 52 Um campo de k-planos ∆ em uma variedade diferenciavel Mn e involutivo se o campo vetorial[X,Y ] estiver em ∆ sempre que os campos X e Y estiverem em ∆.

Page 36: Grupos e álgebras de Lie

30

Nao e difıcil ver que se um campo de k-planos ∆ tem uma variedade integral por cada ponto, entao ∆e involutivo. O Teorema de Frobenius fornece a recıproca.

Teorema 53 Se ∆ e um campo de k-planos suave e involutivo em uma variedade Mn, por cada ponto passauma variedade integral de ∆. Se q ∈M , existe uma carta (U, x) em torno de q, com x = (x1, ..., xn), tal queas slices

xk+1 ≡ rk+1 , . . . , xn ≡ rn rk+1, ..., rn ∈ R, constantes

sao variedades integrais de ∆. E qualquer variedade integral conexa de ∆ contida em U esta em uma dessasslices.

Page 37: Grupos e álgebras de Lie

31

Capıtulo 3

Grupos de Lie

Grupos de Lie

Um grupo de Lie e, intuitivamente, uma variedade diferenciavel cujos pontos podem ser ”somados”,como no Rn (uma variedade com estrutura de grupo ou um grupo com uma estrutura diferenciavel). Maisprecisamente:

Definicao 54 Um grupo de Lie e uma variedade diferenciavel G munida de uma estrutura de grupo tal quea aplicacao

G×G→ G

(g, h) 7→ gh−1

e de classe C∞.

Exercıcio: A definicao permite concluir que a multiplicacao (g, h) 7→ gh e a inversao g 7→ g−1 sao suaves.Sugestao: prova-se primeiro que a inversao e suave.

Exemplo 36 O grupo R (com a soma) e um exemplo trivial de grupo de Lie.

Exemplo 37 O grupo Gl(n,R) das matrizes n × n invertıveis em gl(n,R) ∼= Rn2

(com a multiplicacao dematrizes) e um grupo de Lie. Realmente, vimos no exemplo 27 que Gl(n,R) e uma variedade diferenciavel.E imediato verificar que Gl(n,R) e um grupo. Finalmente, a multiplicacao e a inversao de matrizes definemaplicacoes de classe C∞.

Exemplo 38 A variedade diferenciavel O(n) do exemplo 33 e um exemplo de grupo de Lie compacto.Observe-se que O(n) e fechado por ser pre imagem de um ponto (a matriz I) por uma aplicacao suave.E e limitado porque qualquer X ∈ O(n) e uma matriz cujas colunas formam uma base ortonormal de umespaco euclidiano de dimensao finita. O(n) e chamado o grupo ortogonal.

Exemplo 39 Sabemos que o espaco vetorial de todos os endomorfismos de um espaco vetorial V e umaalgebra de Lie. Se considerarmos apenas os endomorfismos invertıveis, que sao chamados automorfismos deV , teremos um grupo de Lie, com a operacao de composicao de endomorfismos.

Associadas a um cada grupo de Lie estao duas famılias de difeomorfismos, que sao chamados translacoes,de acordo com a definicao abaixo.

Definicao 55 Se G e grupo de Lie e g ∈ G, a translacao a esquerda por g e o difeomorfismo lg, definidopor lg(h) = gh ∀h ∈ G. A translacao a direita por g e o difeomorfismo rg : G→ G definido por rg(h) = hg.

Definicao 56 Um campo vetorial (suave) X : G → TG, definido em um grupo de Lie G, e invariante aesquerda se (lg)∗X = X, para todo g ∈ G, onde lg e a translacao a esquerda h 7→ gh determinada por g, eϕ∗X e o push forward de X pela aplicacao ϕ (definido por (ϕ∗X)ϕ(q) = ϕ′(q)Xq).

Page 38: Grupos e álgebras de Lie

32

Exercıcio: As translacoes a esquerda e a direita sao difeomorfismos de G sobre G.

Exercıcio: A componente conexa de um grupo de Lie G que contem o elemento neutro de G e um grupo deLie (obviamente conexo).

Exercıcio: As componentes conexas de um grupo de Lie G sao duas a duas difeomorfas.

Indicaremos com Lie(G) o espaco vetorial de todos os campos invariantes a esquerda em um grupo deLie G. Prova-se que todo campo vetorial invariante a esquerda em um grupo de Lie e suave. Logo Lie(G)e um subespaco de X∞(G) e e, portanto, munido de um bracket (heranca da algebra de Lie X∞(G)), dadopor

[X,Y ](f) = X(Y (f))− Y (X(f))

para toda funcao f ∈ C∞(G).

Exercıcio: Verifique as afirmacoes abaixo, com g = Lie(G).i) g e um espaco vetorial.ii) A aplicacao α : X ∈ g 7→ Xe ∈ TeG e um isomorfismo.iii) O bracket de campos invariantes a esquerda e invariante a esquerda.iv) g e uma algebra de Lie.

Exemplo 40 Prova-se ([Knapp](1986)) que a algebra de Lie dos campos invariantes a esquerda em Gl(n,R)e isomorfa a algebra de Lie gl(n,R) de todas as matrizes reais n× n.

Observacao 5 Um campo invariante a esquerda fica completamente determinado se se conhece seu valor emum unico ponto. O espaco tangente TeG adquire estrutura de algebra de Lie (isomorfa a g) se exigirmos que oisomorfismo X 7→ Xe seja um isomorfismo de algebras de Lie (definindo [Xe, Ye] = [X,Y ]e,∀Xe, Ye ∈ TeG).Essa e a algebra de Lie do grupo de Lie G, denotada por Lie(G).

Exercıcio: Se X1, ..., Xn e uma base para a algebra dos campos vetoriais invariantes a esquerda em umgrupo de Lie G, prove que existem escalares λijk, i, j, k = 1, ..., n, tais que

i) [Xi, Xj ] =∑nk=1 λijkXk, i, j = 1, ..., n.

ii) λijk + λjik = 0, i, j, k = 1, ..., n.iii)∑nr=1(λijrλrks + λjkrλris + λkirλrjs) = 0, i, j, k, s = 1, ..., n.

Definicao 57 Um homomorfismo entre grupos de Lie G e H e um homomorfismo suave de grupos. Umisomorfismo entre G e H e um difeomorfismo de G sobre H que e, tambem, um homomorfismo de grupos.Hom(G,H) e o espaco dos homomorfismos de G em H.

Exercıcio: Se ϕ : G→ H e homomorfismo e indicarmos com g e h as algebras de Lie dos grupos de Lie G eH, a derivada ϕ∗ = ϕ′(e) : g→ h e um homomorfismo de algebras de Lie.

Definicao 58 Uma forma diferencial ω definida em um grupo de Lie G e invariante a esquerda se l∗gω = ω,para todo g ∈ G (onde ϕ∗ω indica o pull back de ω pela aplicacao ϕ).

Exercıcio: Se a 1-forma ω (definida em G) e invariante a esquerda e X ∈ X∞(G) e invariante a esquerda,entao a funcao ω(X) : G→ R e constante.

Grupos de Lie conexos

Os homomorfismos definidos em um grupo de Lie conexo podem ser determinados a partir de suasderivadas.

Page 39: Grupos e álgebras de Lie

33

Teorema 59 Se ϕ : G→ H e ψ : G→ H sao homomorfismos, com G grupo de Lie conexo, e ϕ′(e) = ψ′(e),entao ϕ = ψ.

Observe-se que ϕ(e) = ψ(e) e que ϕ′(e)X = ψ′(e)X ∀X ∈ TeG ∼= g. Pela unicidade de solucoes de equacoesdiferenciais, vemos que as imagens por ϕ e por ψ das orbitas de campos vetoriais em G passando pelo neutrosao as mesmas curvas em H.

Outro fato interessante acerca dos grupos de Lie conexos e que eles sao gerados por qualquer vizinhanca(aberta) do neutro.

Teorema 60 Se G e um grupo de Lie conexo e U ⊆ G e uma vizinhanca de e, entao

G = ∪∞n=1Un

onde Un indica o conjunto de todos os produtos de n elementos em U .

ProvaTome-se V ⊆ U uma vizinhanca aberta de e tal que V −1 = V e defina-se W = ∪∞n=1V

n. Entao W e umsubgrupo de G. Realmente, se g ∈ W , entao g ∈ V n para algum n, e logo existem g1, ..., gn ∈ V tais queg = g1...gn. Se h tambem esta em W , entao h = h1...hk ∈ V k para algum k (com hi ∈ V ) e logo

gh = g1...gnh1...hk ∈ V n+k ⊆W.

Alem disso, W e aberto. Pois se g ∈ W , o conjunto gV = gh / h ∈ V e uma vizinhanca aberta de g,contida em W (observe-se que gV = lg(V ) e a imagem de V por um difeomorfismo).Afirmamos que W e fechado. Observe-se que G e uniao disjunta das classes laterais determinadas por W ,que sao todas abertas (difeomorfas a W ) e logo W , por ser o complementar em G da uniao de todas asclasses laterais diferentes dele proprio, e fechado em G.Obviamente, W 6= ∅, pois W 3 e. Portanto, como G e conexo, tem-se W = G.

c.q.d.

Os grupos de Lie sao localmente conexos por caminhos e semi-localmente 1-conexos. Segue-se da Teoriados Espacos de Recobrimento que todo grupo de Lie conexo tem um espaco de recobrimento (universal)π : G → G, simplesmente conexo, em que a aplicacao de recobrimento π e um difeomorfismo local suave.E possıvel definir em G uma estrutura de grupo que torna G um grupo de Lie e π : G→ G um homomorfismo.

Realmente, defina-se a aplicacao α : G × G → G por α(g, h) = π(g)π(h)−1 e escolha-se e ∈ π−1(e).Os homomorfismos induzidos α∗ : π1(G× G)→ π1(G) e π∗ : π1(G)→ π1(G) satisfazem

α∗(π1(G× G)) = α∗(0) = 0 = π∗(π1(G))

e logo existe um unico levantamento α : G× G→ G tal que π α = α e α(e, e) = e (note-se que α e suave,pois α(G× G) ⊆ π(G)). Definem-se entao

h−1 = α(e, h) e gh = α(g, h−1) = α(g, α(e, h))

Observe-se que e−1 = α(e, e) = e e que ee = α(e, e−1) = α(e, e) = e.Sejam entao

i(g) = g , β(g) = eg , γ(g) = ge , ∀g ∈ G.

Temosi) π i(g) = π(g) ∀g ∈ G e i(e) = e.ii) π β(g) = π(eg) = π α(e, α(e, g)) = α(e, α(e, g)) = π(e)(π α(e, g))−1 = α(e, g)−1 =

= (π(e)π(g)−1)−1 = eπ(g) = π(g) ∀g ∈ G e β(e) = ee = e.iii) π γ(g) = π(ge) = π α(g, e−1) = α(g, e) = π(g)π(e)−1 = π(g) ∀g ∈ G e γ(e) = e.

Page 40: Grupos e álgebras de Lie

34

E segue-se da unicidade do levantamento que i = β = γ. Portanto g = eg = ge, ∀g ∈ G.

Se fizermos ϕ(g) = gg−1 , ψ(g) = g−1g e o(g) = e, teremos

π ϕ(g) = π α(g, α(e, α(e, g))) = π(g)α(e, α(e, g))−1 = π(g)(α(e, g)−1)−1 = π(g)π(g)−1 = e

e, similarmente, π ψ(g) = e = π o(g), ∀g ∈ G. Tem-se tambem ϕ(e) = ψ(e) = o(e) = e e, portanto,ϕ = ψ = o. Segue-se que gg−1 = g−1g = e, ∀g ∈ G.

E se definirmos ξ : G× G× G→ G e η : G× G× G→ G por

ξ(g, h, k) = (gh)k e η(g, h, k) = g(hk)

obteremos π ξ(g, h, k) = π η(g, h, k) = π(g)π(h)π(k). Tem-se tambem ξ(e, e, e) = η(e, e, e) = e. Portantoξ = η e segue-se que (gh)k = g(hk), ∀g, h, k ∈ G.

Finalmente, observa-se queπ(g−1) = α(e, g) = eπ(g)−1 = π(g)−1

e queπ(gh) = α(g, α(e, h)) = π(g)π(h)

e conclui-se que π ∈ Hom(G,G).

Exercıcio: Justificar as passagens na demonstracao acima.

Se o grupo de Lie G for simplesmente conexo, qualquer homomorfismo entre as algebras Lie(G) e Lie(H)e a derivada de um homomorfismo de G em H.

Teorema 61 Sejam G e H grupos de Lie com algebras de Lie g e h. Se G e simplesmente conexo e ψ : g→ he um homomorfismo, existe um unico homomorfismo ϕ : G→ H tal que ϕ∗ = ψ.

A ideia da demonstracao e obter, via Teorema de Frobenius, uma variedade integral conexa maximal Mpassando pelo neutro (e, e) ∈ G×H (que sera um subgrupo de Lie de G×H) e provar que a restricao a Mda projecao no primeiro fator

π1|M : M → G

e um isomorfismo de grupos de Lie. O homomorfismo ϕ e entao ϕ = π2 (π1|M )−1, onde a derivada daprojecao π2 ”leva em conta” o homomorfismo ψ.

Uma consequencia e que dois grupos de Lie simplesmente conexos sao isomorfos se e somente se suasalgebras de Lie sao isomorfas.

Subgrupos de Lie

Definicao 0.1 Um subgrupo de Lie de um grupo de Lie G e uma subvariedade (biunivocamente imersa)(H,ϕ) em G, que e um subgrupo abstrato de G e tal que a imersao ϕ : H → G e um homomorfismo.

Exemplo 41 O grupo de Lie O(n) e um subgrupo de Lie de Gl(n,R). A inclusao i : O(n) → Gl(n,R) eum mergulho. Observe-se que O(n) nao e conexo. Realmente, toda matriz X em O(n) tem determinante±1 (pois |X|2 = |XtX| = |I| = 1). Se permutarmos duas colunas em X, o determinante muda de sinal masX ”continua” em O(n). Como o determinante e uma funcao contınua e nao se anula em O(n), vemos que

Page 41: Grupos e álgebras de Lie

35

O(n) tem, pelo menos, duas componentes conexas. A componente que contem a matriz I e indicada comSO(n) e chamada grupo ortogonal especial. SO(n) e um subgrupo de Lie de O(n).

A algebra de Lie de O(n), indicada com so(n), e identificada com o espaco tangente TIO(n) (no elementoneutro I) que, pelo teorema das funcoes implıcitas, coincide com o nucleo da derivada da funcao f : X 7→XtX do exemplo 33. Portanto V ∈ so(n) se e somente se f ′(I)V = 0. Mas f ′(I)V = IV t + V It = V t + Ve, logo, V ∈ so(n) se e somente se V t = −V . so(n) e, portanto, a algebra de Lie das matrizes n × nanti-simetricas (do exemplo 4).

E um resultado classico que a toda subalgebra h da algebra de Lie de G esta associado de maneiraunica um subgrupo de Lie conexo H de G cuja algebra de Lie e h. Para uma demonstracao constroi-se umcampo de k-planos a partir da subalgebra h, que e involutivo (pois h e subalgebra), e o Teorema de Frobeniusfornece uma unica variedade integral conexa maximal por cada ponto de G. Prova-se entao que a variedadeintegral que passa pelo neutro e um subgrupo de Lie (veja-se [Warner](1980)).

Uma consequencia de suma importancia e o teorema abaixo.

Teorema 62 Existe uma correspondencia biunıvoca entre subgrupos de Lie conexos de um grupo de Lie esubalgebras da sua algebra de Lie.

A demonstracao de que uma subvariedade de uma variedade diferenciavel e mergulhada pode ser muitodifıcil. No caso de grupos de Lie, uma condicao topologica permite identificar os subgrupos de Lie de umgrupo de Lie G que sao mergulhados em G.

Teorema 63 Se (H,ϕ) e um subgrupo de Lie de um grupo de Lie G, entao ϕ e um mergulho se e somentese ϕ(H) e fechado em G (isto e, ϕ(H) = ϕ(H), com a topologia relativa).

Um teorema classico afirma que um subgrupo fechado de um grupo de Lie adquire estrutura de variedadecom a qual se torna um subgrupo de Lie.

Teorema 64 Se G e um grupo de Lie e H < G e um subgrupo abstrato fechado de G, entao existe umaunica estrutura diferenciavel em H que o torna um subgrupo de Lie de G.

Pode-se mostrar, por exemplo, que o nucleo de um homomorfismo ϕ : G → H entre grupos de Liee um subgrupo de Lie de G cuja algebra de Lie coincide com o nucleo da derivada ϕ∗. Em sımbolos:Lie(kerϕ) = kerϕ∗.

Exercıcio: kerϕ e um subgrupo fechado de G, ∀ϕ ∈ Hom(G,H).

Analogamente a Teoria de Galois, a Teoria de Lie exibe uma correspondencia biunıvoca entre subalgebrasda algebra de Lie de um grupo de Lie G e subgrupos de Lie conexos de G. Muito mais geralmente, comoconsequencia do Teorema de Ado, tem-se

Page 42: Grupos e álgebras de Lie

36

Teorema 65 Existe uma correspondencia biunıvoca entre classes de isomorfismos de algebras de Lie eclasses de isomorfismos de grupos de Lie simplesmente conexos.

A exponencial

Se g e a algebra de Lie de um grupo de Lie G (identificada, sempre que conveniente, com o espacotangente TeG) e X ∈ g, a aplicacao ψ : R → g definida por ψ(t) = tX e um homomorfismo de algebras deLie (verificar). Como R e simplesmente conexa e Lie(R) ' T0R ' R, sabemos, pelo teorema 16, que existe umunico homomorfismo de grupos ϕ : R→ G tal que ϕ′(0) = ψ. Tem-se entao ϕ(0) = e e ϕ′(0)t = tX, ∀t ∈ R.Em particular ϕ′(0)1 = X.

Definicao 66 Um homomorfismo de R (com a soma) em um grupo de Lie G e chamado um subgrupo a umparametro de G. Se g = Lie(G), a cada X ∈ g esta associado de maneira unica um subgrupo a um parametrode G, que indicaremos com expX , cuja derivada em 0 ∈ R e dada por

exp′X(0)t = tX , ∀t ∈ R

Se X ∈ X∞(G) e invariante a esquerda, a orbita de X pelo neutro e ∈ G e um subgrupo a um parametro.Realmente, sejam t, s ∈ R e γe : R → G a orbita de X que passa por e. Fixemos t inicialmente. As curvasξ : R→ G e η : R→ G definidas por

ξ(s) = γe(t+ s) e η(s) = γe(t)γe(s) = lγe(t)(γe(s))

sao suaves, passam pelo ponto γe(t) e satisfazem

ξ′(s) = γ′e(t+ s) = Xγe(t+s) = Xξ(s)

e η′(s) = l′γe(t)(γe(s))γ′e(s) = l′γe(t)(γe(s))Xγe(s) = (lγe(t)∗X)lγe(t)(γe(s)) = Xγe(t)γe(s) = Xη(s)

para todo s.

A unicidade de solucoes de sistemas de equacoes diferenciais ordinarias permite concluir que ξ(s) = η(s) ∀s.Entao γe(t + s) = γe(t)γe(s) ∀s e, como t era (fixo porem) arbitrario, concluımos que γe e um subgrupo aum parametro. Mais que isso: γe = expX (por unicidade).

Se g ∈ G, a orbita γg de X por g e obtida de γe por translacao. Pois se fizermos γ(t) = lg γe(t) =g expX(t), teremos γ(0) = g e

γ′(t) = l′g(γe(t))γ′e(t) = l′g(γe(t))Xγe(t) = (lg∗X)lg(γe(t)) = Xγ(t)

e segue-se que γ = γg.

Exercıcio: O fluxo de um campo vetorial invariante a esquerda X em um grupo de Lie G e dado por

φt = rexpX(t)

onde rg e a translacao a direita determinada por g ∈ G.

Definicao 67 Se g =Lie(G), define-se a aplicacao exp : g→ G por

exp(X) = expX(1)

A aplicacao exponencial e um difeomorfismo local e sua derivada na origem da algebra e a identidade(veja-se [Warner](1980)).

Page 43: Grupos e álgebras de Lie

37

Observacao 6 Se ϕ : G→ H e homomorfismo e ϕ∗ = ϕ′(e) : g→ h, o diagrama a seguir e comutativo.

g −→ hexp ↓ ↓ exp

G −→ H

Equivalentemente: ϕ(exp (tX)) = exp (t ϕ∗X), ∀t ∈ R, ∀X ∈ g.

Muitos grupos de Lie podem ser encontrados dentro do grupo linear geral complexo Gl(n,C) (entre eleso grupo linear geral real) a partir da aplicacao exponencial. Observe-se que a imagem pela exponencial deuma vizinhanca de zero em um subespaco da algebra de Lie de um grupo de Lie e um serio candidato agerar um grupo de Lie conexo.

Teorema 68 Se A e um subgrupo abstrato de um grupo de Lie G, a um subespaco da algebra de Lie g deG e existem vizinhancas U de 0 em g e V de e em G tais que exp restrita a U e um difeomorfismo sobre Ve tais que

exp(U ∩ a) = V ∩A

entao A e um subgrupo de Lie de G e a sua algebra de Lie. Em particular, a e subalgebra de g.

A demonstracao utiliza que se exp(tX) ∈ ϕ(H) ∀t ∈ I, com I = intervalo aberto (6= ∅), entao X ∈ ϕ∗he se X ∈ ϕ∗h, entao exp(tX) ∈ ϕ(H) ∀t ∈ R. E a comutatividade do diagrama acima (observe-se que seX = ϕ∗W , com W ∈ h, entao exp(tX) = exp(ϕ′(e)tW ) = ϕ exp(tW ) ∈ ϕ(H)).

A partir deste teorema prova-se, por exemplo, que U(n), O(n,C), Sl(n,C), Sp(n), Gl(n,R) sao todos (amenos de isomorfismo) subgrupos de Gl(n,C).

A representacao adjunta

Se G e um grupo e M e uma variedade diferenciavel, uma acao a esquerda de G em M e uma aplicacaoφ : G×M →M que satisfaz

φ(e, q) = q e φ(g, φ(h, q)) = φ(gh, q)

quaisquer que sejam o ponto q ∈ M e os elementos g, h ∈ G. E comum indicar o ponto φ(g, q) ∈ M porφg(q) ou γq(g).

A orbita por um ponto q e o conjunto γq = G(q) = φ(g, q) / g ∈ G. O espaco das orbitas e o espacoquociente que se obtem de M identificando pontos na mesma orbita.

Page 44: Grupos e álgebras de Lie

38

Exemplo 42 Se G = Z2 e M e a esfera S2 ⊂ R3, identificando um elemento de G com a aplicacao identidadee o outro com a aplicacao antıpoda, obtemos a acao Z2× S2 → S2. As orbitas sao pares de pontos antıpodase o espaco das orbitas e o plano projetivo real RP 2.

Se fixarmos g ∈ G, obtemos uma transformacao de M . O fluxo da acao e a famılia das transformacoesφg, com g ∈ G.

Exemplo 43 Um sistema dinamico em uma variedade M e definido pela acao φ : R ×M → M do grupodos reais com a soma. O fluxo e a famılia a um parametro dos difeomorfismos φt.

Se G e um grupo de Lie, uma acao suave de G em uma variedade M define uma famılia de transformacoessuaves de M . G e chamado um grupo de transformacoes.

Definicao 69 Um ponto q ∈ M e um ponto fixo da acao φ : G ×M → M se satisfaz φ(g, q) = q ∀g ∈ G.Isto e, se todos os difeomorfismos φg fixam q.

Exemplo 44 O grupo das rotacoes do plano Euclidiano (em torno da origem) e definido pela acao SO(2,R)×R2 → R2. Suas orbitas definem um centro, cuja unica singularidade e a origem. A origem e um ponto fixoda acao. Observe-se que os raios que partem da origem encontram todas as orbitas ortogonalmente.

Uma representacao de uma algebra de Lie g em um espaco vetorial V e um homomorfismo ρ : g→ EndVde g na algebra dos endomorfismos de V . Uma representacao de um grupo de Lie G e um homomorfismosuave de G no espaco de automorfismos Gl(V ). Se Φ e representacao de G a derivada Φ′(e) fornece umhomomorfismo da algebra de Lie de G em EndV.

Representacoes sao um objeto central em Teoria de Lie. Um teorema classico afirma que toda algebrade Lie semisimples complexa pode ser construıda a partir de representacoes da algebra sl(2,C). O teoremade Ado afirma que toda algebra de Lie de dimensao finita admite uma representacao fiel na algebra gl(n,R),para algum n.

Se φ : G ×M → M e acao suave a esquerda e q ∈ M , o subgrupo de isotropia de q e definido porGq = g ∈ G / φ(g, q) = q.Exercıcio: Gq um subgrupo de G.

Exemplo 45 Se q e ponto fixo da acao ϕ : G×M →M , o homomorfismo ρ : Gq → Aut(TqM) definido porg 7→ ϕ′g(q) e uma representacao, conhecida como a representacao na isotropia. Observe-se que ϕ′g(q) : TqM ∼=Tϕg(q)M = TqM e que ρ(gh) = ϕ′gh(q) = (ϕg ϕh)′(q) = ϕ′g(ϕh(q))ϕ′h(q) = ϕ′g(q)ϕ

′h(q) = ρ(g)ρ(h), ∀g, h ∈

Gq.

Exemplo 46 Os automorfismos internos ag : G → G definidos por ag(h) = ghg−1, com g ∈ G, definemuma acao a esquerda G×G→ G que tem o neutro como ponto fixo. A aplicacao Ad : G→ Aut g dada porAdg = a′g(e) e uma representacao.

Observe-se que Adgh = a′gh(e) = (ag ah)′(e) = a′g(ah(e))a′h(e) = a′g(e)a′h(e) = AdgAdh, portanto Ad e,de fato, uma representacao de G no espaco Aut g dos automorfismos da algebra de Lie de G.

Definicao 70 A representacao Ad acima e a representacao adjunta.

Indica-se com ad a derivada da representacao adjunta: adX = Ad′(e)X. O diagrama abaixo e comutativo.

g −→ Endg↓ ↓ exp

G −→ Autg

Um fato importante a respeito da representacao adjunta e dado pelo teorema abaixo.

Page 45: Grupos e álgebras de Lie

39

Teorema 71 Se G e grupo de Lie e g e a algebra de Lie de G, entao

adXY = [X,Y] , ∀X,Y ∈ g

E facil ver que ad fornece um homomorfismo da algebra de Lie g na algebra de Lie das derivacoes de g(para cada X ∈ g, tem-se adX[Y,Z] = [adXY,Z] + [Y, adXZ], quaisquer que sejam Y e Z em g).

O centro de um grupo de Lie G e o conjunto de todos os elementos g ∈ G tais que gh = hg∀h ∈ G. Se Ge conexo, mostra-se que o centro de G coincide com o nucleo da representacao adjunta. Como consequencia,o centro de um grupo de Lie conexo G e um subgrupo fechado e a algebra de Lie do centro de G e o centroda algebra de Lie de G.

Outra consequencia e o resultado abaixo.

Teorema 72 Um grupo de Lie conexo e abeliano se e somente se sua algebra de Lie e abeliana.

Page 46: Grupos e álgebras de Lie

40

Page 47: Grupos e álgebras de Lie

Bibliografia

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Page 48: Grupos e álgebras de Lie

Indice remissivo

Acao a esquerda 46Algebra de Lie 1

abeliana 4de Heisenberg 6de endomorfismos 1de matrizes 1de um grupo de Lie 39nilpotente 6quociente 7semisimples 9simples 4simpletica 2soluvel 6

Aplicacaoantıpoda 36,47entre variedades 25exponencial 45fortemente diferenciavel 13identidade 24,36suave 18

Atlasmaximal 24suave 23

Automorfismode um espaco vetorial 38interno 47

Base enumeravel 12,23Bracket

de campos vetoriais 34de dois vetores 1de endomorfismos 1de matrizes 1

Campode k-planos 37

involutivo 37suave 37

vetorialao longo de uma curva 32,34completo 36em um aberto 32,34invariante a esquerda 39regular 36

(s) vetoriais ϕ-relacionados 35Carta local 23Centro

Page 49: Grupos e álgebras de Lie

de uma algebra de Lie 3de um grupo de Lie 48

Colchete de Lie 1Curva

em uma variedade 17,20,28regular 15

Derivacaode algebra de Lie 4linear 20,26

Derivada 18,28Difeomorfismo 12

em torno de um ponto 13local 13

Endomorfismo 1Espaco

de Hausdorff 23localmente euclidiano 23tangente

ao espaco R3 19a uma subvariedade de Rn 21a uma variedade diferenciavel 26a um grupo de Lie 39

Estrutura diferenciavel 24Famılia

a um parametro 36de transformacoes 47

Fibra sobre um ponto 33Fibrado tangente 33Fluxo

de uma acao a esquerda 47de um campo vetorial completo 36

Formade Killing 10diferencial invariante a esquerda 40local das imersoes 14

Funcao suaveem uma subvariedade de Rn 21em uma variedade diferenciavel 25

Germede funcoes suaves em um ponto 22,26

Grupode Lie 38

de automorfismos 38de matrizes 38

de transformacoes 47linear geral 25ortogonal 38ortogonal especial 43

Homeomorfismo 12Homomorfismo

de algebras de Lie 4de grupos de Lie 40

Page 50: Grupos e álgebras de Lie

Ideal 3Identidade de Jacobi 1Imersao 14Isomorfismo

de algebras de Lie 4de grupos de Lie 40

Matrizanti-simetrica 2de traco nulo 3triangular 6,11estritamente triangular 6,11ortogonal 31simetrica 31

Mergulho 15Nucleo de um homomorfismo 4Orbita

de uma acao a esquerda 46de um campo vetorial 35

Plano tangente 19Ponto fixo

de uma acao a esquerda 47Pull back 40Push forward 35Radical soluvel 9Regra da cadeia 28Representacao

adjunta 48de algebra de Lie 47de grupo de Lie 47na isotropia 47

Seriecentral descendente 6dos comutadores 6

Singularidade 36Sistema dinamico 47Slice 30Subalgebra de Lie 2Subgrupo

a um parametro 44de isotropia 47de Lie 43fechado 44

Subvariedade 30de Rn 20imersa 30mergulhada 30

Superfıcieregular 17

parametrizada 16Teorema

da aplicacao inversa 13,31das funcoes implıcitas 31

Page 51: Grupos e álgebras de Lie

de Ado 44,47de Engel 11de Frobenius 37de Lie 11do fluxo tubular 36

Tracode uma curva 16de um endomorfismo 10

Transformacaode uma variedade diferenciavel 47

Translacaoa direita 39a esquerda 39

Variedadediferenciavel 23integral 37produto 24

Vetor tangente 19,27,26Vizinhanca parametrizada 24