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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS E JURDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
GUARDA COMPARTILHADA: VANTAGENS E DESVANTAGENS
ELISANDRA PEREIRA SCHAVINSKI
Itaja, junho de 2010.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS E JURDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
GUARDA COMPARTILHADA: VANTAGENS E DESVANTAGENS
ELISANDRA PEREIRA SCHAVINSKI
Monografia submetida Universidade do Vale do Itaja UNIVALI, como requisito parcial obteno do grau de Bacharel
em Direito. Orientador: Professora Msc. Fernanda Sell de Souto Goulart
Itaja (SC), junho de 2010
AGRADECIMENTO
Primeiramente Deus por ter abenoado a minha vida e me dado foras para seguir o caminho que escolhi, ao lado das pessoas que amo.
Aos meus amados, esposo Rodrigo Klein Schavinski e Maria Eduarda Pereira Schavinski, minha filha, por compreenderem e incentivarem este sonho de cursar a faculdade de Direito e principalmente por entenderem as horas de ausncia.
Aos meus pais, pelo amor, carinho, por terem sempre me apoiado em meus estudos e principalmente em todas as fases de minha vida.
minha Orientadora Fernanda Sell de Souto Goulat, pela pacincia e carinho, com que me orientou.
DEDICATRIA
A minha amada filhinha, Maria Eduarda Pereira Schavinski, razo da minha vida.
A Rodrigo Klein Schavinski, meu esposo, amigo, companheiro, amante e incentivador, meu amor.
Aos meus amados pais, Vera e Flvio Pereira e aos meus irmos Elisngela, Fbio e Janaina, cunhados,
cunhadas e sobrinhos, minha famlia querida.
iv
TERMO DE ISENO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideolgico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itaja, a coordenao do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itaja/SC, 11 de junho de 2010.
Elisandra Pereira Schavinski Graduanda
PGINA DE APROVAO
A presente monografia de concluso do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itaja UNIVALI, elaborada pela graduanda Elisandra Pereira Schavinski, sob o
ttulo Guarda Compartilhada: Vantagens e Desvantagens, foi submetida em 11 de
junho de 2010 banca examinadora composta pelos seguintes professores:
Fernanda Sell de Souto Goulart, Presidente, e Patrcia Elias Vieira, Examinadora, e
aprovada com a nota []([por extenso]).
Itaja/SC, 11 de junho de 2010.
Professora Msc. Fernanda Sell de Souto Goulart Orientador e Presidente da Banca
Professora Msc. Patrcia Elias Vieira Examinadora
vi
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEJURPS Centro de Cincias Sociais e Jurdicas LDiv Lei do Divrcio SC Santa Catarina MSc. Mestre
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratgicas
compreenso do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Famlia
Famlia um grupo social fundado essencialmente nos laos de afetividade aps o
desaparecimento da famlia patriarcal, que desempenhava funes procriativas,
econmicas, religiosas e polticas.1
Poder familiar
o conjunto de direitos e obrigaes, quanto pessoa e bens do filho menor no
emancipado, exercido pelos pais, para que possam desempenhar os encargos que a
norma jurdica lhes impe, tendo em vista o interesse e a proteo do filho.2
Filiao
Relao de parentesco consangneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga
uma pessoa quelas que a geraram, ou a receberam como se tivessem gerado.
Essa relao de parentesco dada a proximidade de grau cria efeitos no campo do
direito, da derivando a importncia de sua verificao.3
Guarda
um direito consistente na posse de menor oponvel a terceiros e que acarreta
deveres de vigilncia em relao a este, a guarda agrega o conjunto de deveres que
o direito atribui aos pais em relao aos filhos e a seus bens.
1 LBO, Paulo Luiz Netto, Entidade familiares constitucionalizadas: para alm dos numerus
clausus. Disponvel em: Acesso em 28 set. 2009.
2 DINIZ, Maria Helena. Cdigo civil anotado, 3 edio, So Paulo, Saraiva, 1997, p.33 3 RODRIGUES, Silvio. Direito civil direito de famlia, p. 296.
8
Guarda compartilhada
Espcie de guarda que tem como objetivo valorizar o convvio do menor com seus
pais, mantendo o exerccio comum do poder familiar, reservando a cada um dos
genitores o direito de participar das decises importantes que se referem ao menor.
SUMRIO
RESUMO ..............................................................................................XI
INTRODUO .................................................................................... 12
CAPTULO 1 ....................................................................................... 15
A FAMLIA........................................................................................... 15
1.1 A EVOLUO HISTRICA DA FAMLIA...................................................... 15 1.2 O CONCEITO DE FAMLIA............................................................................ 18 1.3 AS ESPCIES DE FAMLIA .......................................................................... 21 1.3.1 A Famlia Matriomonial.............................................................................. 22 1.3.2 A Famlia Unio Estvel ............................................................................ 22 1.3.3 A Famlia Monoparental ............................................................................ 24 1.4 PRINCPIOS DO DIREITO DE FAMLIA........................................................ 24 1.4.1 Princpio da Dignidade da Pessoa Humana ............................................ 26 1.4.2 Princpio da Igualdade Jurdica dos Cnjuges e Companheiros .......... 27 1.4.3 Princpio da Igualdade Jurdica de Todos os Filhos .............................. 28 1.4.4 Princpio da Paternidade Responsvel e Planejamento Familiar.......... 29 1.4.5 Princpio do Pluralismo Familiar ou da Liberdade de Constituio de uma Comunho Familiar ............................................................................................ 30 1.4.6 Princpio da Liberdade .............................................................................. 31 1.4.7 Princpio do Melhor Interesse da Criana ............................................... 32 1.4.8 Princpio da Afetividade............................................................................ 33 1.4.9 Princpio da Solidariedade Familiar ......................................................... 33
CAPTULO 2 ....................................................................................... 35
A FILIAO E O PODER FAMILIAR................................................. 35
2.1 A EVOLUO HISTRICA DA FILIAO ................................................... 35 2.2 O CONCEITO DE FILIAO ......................................................................... 36 2.3 AS ESPCIES DE FILIAO ........................................................................ 38 2.4 A FILIAO E O RECONHECIMENTO DE FILHOS..................................... 40 2.5 A EVOLUO HISTRICA DO PODER FAMILIAR ..................................... 43 2.6 O CONCEITO DE PODER FAMILIAR ........................................................... 45 2.7 OS DIREITOS E DEVERES NO PODER FAMILIAR ..................................... 47
CAPTULO 3 ....................................................................................... 50
A GUARDA COMPARTILHADA ........................................................ 50
x
3.1 O CONCEITO DE GUARDA .......................................................................... 50 3.2 AS ESPCIES DE GUARDA ......................................................................... 54 3.2.1 A Guarda nica.......................................................................................... 54 3.2.2 A Guarda Alternada ................................................................................... 55 3.2.3 A Guarda Nidao ou Aninhamento......................................................... 58 3.2.4 A Guarda Compartilhada........................................................................... 58 3.3 O CONCEITO DE GUARDA COMPARTILHADA.......................................... 58 3.4 OS PRESSUPOSTOS DA GUARDA COMPARTILHADA E SUA FINALIDADE.............................................................................................................................. 61 3.5 AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GUARDA COMPARTILHADA.. 62 3.6 OS ENTENDIMENTOS DE ALGUNS TRIBUNAIS DE JUSTIA.................. 67
CONSIDERAES FINAIS ................................................................ 72
REFERNCIA DAS FONTES CITADAS............................................ 74
ANEXOS.............................................................................................. 80
RESUMO
A presente monografia trata da guarda compartilhada dos filhos:
vantagens e desvantagens, tratando da evoluo da famlia observada nas ltimas
dcadas, ocasionou mudanas diretas nos institutos do direito de famlia. Um dos
institutos a serem atingidos diretamente por essa evoluo foi a autoridade parental
que tem como atributos entre outros a guarda dos filhos. O Poder Familiar neste
novo contexto exercido igualmente pela me e pelo pai, especialmente quando se
convive em famlia, sendo esta famlia independentemente constituda pelo
casamento ou pela unio estvel, havendo ruptura deste casamento/unio estvel,
ambos os genitores tero o poder familiar, entretanto a guarda dos filhos menores,
at ento exercida por ambos, em regra ser atribuda apenas a um dos genitores,
conforme ordenamento mais comum usado no ordenamento jurdico brasileiro. No
entanto, este modelo de guarda nica est sendo muito criticado, uma vez que o
mesmo no contempla o melhor interesse da criana, e tambm por ferir o princpio
da igualdade entre os cnjuges no exerccio dos direitos e deveres. Por este motivo
a espcie de guarda compartilhada dos filhos se apresenta como uma alternativa
mais eficaz, uma vez que seu principal objeto manter os laos familiares mais
estreitos, observando-se, principalmente, o melhor interesse da criana, A guarda
compartilhada o tema principal da presente pesquisa, a qual foi dividida em trs
captulos que tratam da evoluo da famlia, a filiao e o poder familiar, passando
pela guarda dos filhos, com foco na guarda compartilhada e finalizando com as
vantagens e desvantagens desta espcie de guarda.
INTRODUO
A presente Monografia tem como objeto a guarda
compartilhada: suas vantagens e desvantagens.
O objetivo institucional produzir uma monografia para a
obteno do grau de bacharel em Direito pela Universidade do Vale de Itaja
UNIVALI, e o seu objetivo geral verificar com base na doutrina, lei e jurisprudncia
os institutos da Famlia, do Poder Familiar dando nfase a Guarda Compartilhada.
Tendo como objetivos especficos verificar as formas de famlia
no ordenamento jurdico brasileiro, estudar os institutos da filiao e poder familiar
constitudo no nosso ordenamento jurdico.
Analisar a guarda compartilhada, ainda pouco utilizada no nosso
ordenamento jurdico, mas que proporciona ao menor, aps a ruptura da unio dos
genitores, um exerccio em comum da autoridade parental, possibilitando aos pais, a
tomada de decises importantes em favor do menor. E a criana propicia o direito de
convivncia, pois esta forma de cuidar dos filhos reduziria as dificuldades que as
crianas normalmente enfrentam em se adequarem s novas rotinas e aos novos
relacionamentos, aps a separao dos pais, analisando as vantagens e
desvantagens desta espcie de guarda.
Para tanto, principiase, no Captulo 1, tratando da evoluo
histrica da famlia, o conceito de famlia, as espcies de famlia, bem como os
princpios norteadores do direito de famlia.
No Captulo 2, tratando de conceituar e fazer uma breve
narrativa histrica da filiao, com suas espcies, o reconhecimento dos filhos,
seguindo para a evoluo e a conceituao do poder familiar, dos direitos e deveres
no poder familiar.
No Captulo 3, tratando de abordar sobre as espcies de guarda
existentes no ordenamento jurdico brasileiro, com ateno especial para a guarda
compartilhada, apresentando conceitos, pressupostos e finalidade, as vantagens e
13
desvantagens, bem como tambm a necessidade de consenso entre os genitores
para a aplicao desta espcie de guarda, citando por fim, entendimentos
jurisprudenciais de diversos Tribunais de Justia, em carter exemplificativo.
O presente Relatrio de Pesquisa se encerra com as
Consideraes Finais, nas quais so apresentados pontos destacados, seguidos da
estimulao continuidade dos estudos e das reflexes sobre a Guarda
Compartilhada: vantagens e desvantagens.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipteses:
- Esto previstas na Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 1988, como forma de famlia: o casamento, a unio estvel e a famlia
monoparental.
- Filiao a relao jurdica que liga os filhos aos pais, relao
que nasce com o individuo e se prolonga no decorrer desta relao, enquanto o
poder familiar o conjunto de direito e obrigaes, quanto pessoa e bens dos
filhos menores, com o objetivo de proteger os mesmos.
- A Guarda compartilhada a responsabilizao em conjunto
concernente ao poder familiar, exercido pelo pai e pela me, que no vivam sob o
mesmo teto. Tem como vantagem principal a convivncia com ambos os pais,
reduzindo as dificuldades de se adaptarem a separao e as mudanas que
ocorrero. A desvantagem maior a dificuldade dos pais de tomarem decises em
conjunto em relao aos filhos, ainda mais se no h harmonia entre os mesmos.
Quanto Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigao4 foi utilizado o Mtodo Indutivo5, na Fase de Tratamento de Dados o
4 [...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. 11 ed. Florianpolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
5 [...] pesquisar e identificar as partes de um fenmeno e colecion-las de modo a ter uma percepo ou concluso geral [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. p. 86.
14
Mtodo Cartesiano6, e, o Relatrio dos Resultados expresso na presente Monografia
composto na base lgica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Tcnicas
do Referente7, da Categoria8, do Conceito Operacional9 e da Pesquisa
Bibliogrfica10.
6 Sobre as quatro regras do Mtodo Cartesiano (evidncia, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurdica. 5 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
7 [...] explicitao prvia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temtico e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. p. 54.
8 [...] palavra ou expresso estratgica elaborao e/ou expresso de uma idia. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. p. 25.
9 [...] uma definio para uma palavra ou expresso, com o desejo de que tal definio seja aceita para os efeitos das idias que expomos [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. p. 37.
10 Tcnica de investigao em livros, repertrios jurisprudenciais e coletneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. p. 209.
CAPTULO 1
A FAMLIA
1.1 A EVOLUO HISTRICA DA FAMLIA
A origem da famlia como instituio grupal bastante
controvertida, conforme os ensinamentos de Friedrich Engels11. Sobre a evoluo da
famlia, o autor, dividiu-a em trs pocas principais, quais sejam: estado selvagem,
barbrie e civilizao. O autor Friedrich Engels, no Estado Selvagem destaca a
busca por alimentos facilmente encontrados na natureza, nesta fase, os homens
com a busca dos peixes e do fogo tornaram-se mais independentes do clima e da
localidade. A Barbrie inicia-se com a incluso da cermica, explica que o trao
caracterstico deste perodo so criao e domesticao de certos animais, e o
cultivo de cereais e plantas. J no perodo da Civilizao o homem permanece
aprendendo a preparar os produtos naturais, inicia-se a indstria e a arte.
A origem da famlia, em uma poca primitiva, estaria relacionada
promiscuidade sexual originria, segundo Lewis Henry Morgan12, citado por
Friedrich Engels, e que de referida promiscuidade formaram-se a famlia
consangnea, forma de famlia onde os ascendentes e descendentes so os nicos
que esto excludos dos direitos e deveres do matrimnio. Avanando um pouco
temos a famlia punaluana13 em a excluso das relaes sexuais foi estendida aos
irmos. medida que evoluram formou-se a famlia sindismica, em que um
homem vivia com uma nica mulher, mais que lhe era permitido a poligamia e a
infidelidade, enquanto exigia-se da mulher fidelidade extrema, o adultrio destas era
cruelmente castigado.
11 Nesse sentido: ENGEL, Friedrich - A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado
Friedrich Engels Trabalho relacionado com as investigaes de L.H.Morgan; traduo Leandro Konder, 16 ed.-Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
12 ENGEL, Friedrich - A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado Friedrich Engels, p. 37.
13 Famlia punaluana proibida as relaes sexuais entre irmo dentro do grupo. Evoluo para a famlia consangnea.
16
A famlia sindismica, segundo Friedrich Engels14, aparece entre
o estado selvagem e a barbrie. A famlia monogmica tem como base o predomnio
do homem. Tem-se a procriao de filhos cuja paternidade no tenha dvida, uma
vez que os herdeiros diretos tero a posse dos bens de seu pai.
A origem da famlia, como instituio grupal, conforme expe
Guilherme Calmon Nogueira da Gama15 bastante controvertida, a despeito de inmeros estudos e pesquisas investigatrias.
Como visto a sua origem remota estaria relacionada
promiscuidade sexual originria, segundo Friedrich Engels e Lewis Henry Morgan16,
mas sua estrutura atual tem como referncia o direito romano, que se caracteriza
por ser rigidamente patriarcal, e que tem autonomia em relao ao Estado, pois, o
Estado Romano no interferia nas questes familiares.
Em Roma a famlia era definida como o conjunto de pessoas
que estavam sob a patria potestas17 do ascendente comum vivo mais velho, o
conceito de famlia independia assim da consanginidade.18
A estrutura familiar constitua-se no modelo tipicamente
patriarcal, tendo como figura principal da famlia o pater famlias19, portanto, o
ascendente mais velho, ainda vivo, que rene os descendentes sob a sua
14 ENGEL, Friedrich - A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado Friedrich Engels,
p. 49. 15 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espcie de famlia. So Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 23. 16 ENGEL, Friedrich - A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado Friedrich Engels. 17 Todas as pessoas que esto sobre o Poder Paterno (Patria Postestas), ou que devem ter estado
sob ele, ou que podiam estar sob ele so agnaticamente conectadas...Na verdade, na viso primitiva, a relao limitada exatamente pelo Patrio Potestas. Onde o Potestas se inicia, o parentesco comea e, portanto, os adotivos esto tambm entre os parentes. Onde o Potestas acaba, o parentesco acaba; de maneira que um filho emancipado pelo seu pai perde todos os direitos... Henry Maine, cit. por KUPER, Adam. A reinveno da sociedade primitiva: transformaes de um mito; traduo de Simone Maziara Franguella; reviso Acio Amaral. Ed. Universitria da UFPE: Recife, 2008, p. 72-73.
18 WALD, Arnold. O novo direito de famlia, p. 30. 19 Pater famlias era o mais elevado estatuto familiar na Roma Antiga, sempre uma posio
masculina.
17
autoridade, formando a famlia20 concentrando em si todos os poderes necessrios
boa manuteno da famlia.
O pater famlias era o chefe absoluto, sacerdote incumbido de
oficiar a venerao dos penates21, e como tal, exercente do poder marital, possua
direitos absolutos sobre a mulher e os filhos, at mesmo com direito de vida e morte
sobre os filhos, decorrente do jus vitae necisque22. Alm destes direitos, o pater
famlias era titular do jus noxae dandi23, que consistia no abandono reparatrio do
filho em favor da vitima que houvesse sofrido prejuzo em decorrncia de um ilcito
privado causado pelo mesmo. Tambm, tinha a faculdade de alienar o filho, o jus
vendendi, mediante mancipatio24 a outro pater famlias. Podia tambm, exercer o jus
exponendi, que era a faculdade de abandonar o recm-nascido ao seu destino.
Somente o pater famlias possua patrimnio, exercendo a domenica potestas, que
era o poder sobre o patrimnio familiar. A mulher era considerada incapaz para os
negcios da vida forense. Vem da a capitis deminutio,25 de que sofria, e que veio a
repercutir na famlia moderna.26
O direito de famlia no Brasil sofreu grande influncia do direito
romano e do Cristianismo, especificamente da Igreja Catlica.
Contudo, apesar de serem julgados invlidos os casamentos
que no fossem celebrados atravs da Igreja, as Ordenaes Filipinas previram,
tambm o casamento de marido conhecido, em que o consensus27 era expresso
perante testemunhas, mas no perante autoridade eclesistica. Tendo as 20 DANTAS, San Tiago. Direito de famlia e das sucesses, p. 18. 21 Penates deuses domsticos. 22 Vitae necisque direito de vida e de morte. 23 Jus Noxae dandi direito de dar o filho em indenizao a terceiro. 24 A mancipatio um dos modos de aquisio derivada da propriedade; um negcio jurdico do ius
civile formal e bilateral. ato mediante o qual algum transfere a outrem a propriedade - KASER, Max. Direito Privado Romano, traduo de Samuel Rodrigues e Fedinand Hmmerle (Fundao Calouste Gulbenkian). Lisboa, 1999, p. 60.
25 As mulheres tinham uma capitis deminutio - literalmente, "diminuio da cabea", significando uma capacidade diminuda- quer dizer, no podiam celebrar contratos vlidos, nem possuir propriedade. A evoluo da famlia romana foi no sentido de se restringir progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autonomia mulher e aos filhos... WALD, Arnold, Direito de famlia, p. 31.
26 LIRA, Ricardo Pereira. Breve estudo sobre as entidades familiares, in A nova famlia: problemas e perspectivas, p. 29.
27 Consensus acordo geral.
18
Ordenaes Filipinas servindo como regramento normativo em matria de Direito
Civil at o advento do Cdigo Civil de 191628.
Em 1890 com o Decreto 181, foi introduzido no Brasil o
casamento civil, como conseqncia da desvinculao do Estado de qualquer
religio, o movimento da secularizao do casamento.
Na poca do inicio da vigncia do Cdigo Civil de 1916,
afirmava-se que o matrimnio era o assento bsico da famlia29, de tal forma que o
direito deveria trabalhar basicamente com as relaes familiares que advinham do
casamento e o ptrio poder, tendo em vista que era sobre o casamento que a
prpria sociedade civil assentava-se, sendo que o matrimnio era indissolvel. A
regra jurdica, de nvel constitucional (Constituio da Repblica de 1934, art. 144),
disciplinava que a famlia somente era legtima se constituda atravs do casamento,
entendimento, este que foi seguido pelas Constituies posteriores, 1937
(Constituio dos Estados Unidos do Brasil de 1937, art. 167), 1946 (Constituio
dos Estados Unidos do Brasil de 1946, art. 163) e 1967 (Constituio do Brasil de
1967, art. 167), at a Constituio de 1988, que veio rompendo este entendimento,
reconhecendo como famlia a unio estvel entre um homem e uma mulher e a
comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.
Verifica-se, portanto, que a evoluo da famlia, desde a poca
do Direito Romano, fruto de uma srie de influncias das mais variadas,
destacando que as modificaes continuam ocorrendo, havendo constantes
discusses, inclusive quanto prpria noo de famlia e as repercusses jurdicas.
1.2 O CONCEITO DE FAMLIA
A famlia como instituio ou organismo, possui inmeros
conceitos, pela decorrncia da abordagem inserida a uma srie de cincias
humanas, bem como, na cincia jurdica. Como modalidade de agrupamento
28 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espcie de famlia, p. 32. 29 BARBOZA, Helosa Helena. O direito de famlia brasileiro no final do sculo XX in A nova famlia:
Problemas e perspectiva, p. 87.
19
humano, vem sofrendo profundas mudanas com o decorrer dos tempos,
consequentemente mudando a prpria noo.
Para Orlando Gomes, nos dias atuais, o significado de grupo de
pessoas que vivem sob o mesmo teto, com economia comum no mais nomeado
como organismo familiar.
Em acepo lata, compreende todas as pessoas descendentes de ancestral comum, unidas pelos laos de parentesco, s quais se ajuntam os afins. Neste sentido, abrange, alm dos cnjuges e da prole, os parentes colaterais at certo grau, como tio, sobrinho, primo e os parentes por afinidade, sogro, genro nora, cunhado.30
No mesmo sentido a orientao de Caio Mrio da Silva
Pereira, ao referir que em sentido genrico e biolgico, considera-se famlia o
conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum. Ainda neste plano
geral, acrescenta-se o cnjuge, aditam-se os filhos do cnjuge (enteados), os
cnjuges dos filhos (genros e noras), os cnjuges dos irmos e os irmos do
cnjuge (cunhados).31, para estes autores, em uma interpretao mais limitada, a
famlia resumi-se no grupo composto de cnjuges e seus filhos.
A idia atual que se tem do vocbulo famlia, segundo Arnoldo
Wald, so diferentes daquelas existentes no Direito Romano, elucidando que
atualmente, conhecemos, ao lado da famlia em sentido amplo conjunto de
pessoas ligadas pelo vnculo da consanginidade, ou seja, os descendentes de um
tronco comum -, a famlia em sentido estrito, abrangendo o casal, e seus filhos
legtimos, legitimados ou adotivos. Alguns autores incluem no grupo familiar os
domsticos que vivem no lar conjugal.32
Para Clvis Bevilqua, a famlia o conjunto de pessoas
ligadas pelo vnculo da consanginidade, cuja eficcia se estende mais larga, ora
mais restritamente, segundo s vrias legislaes; outras vezes, porm, designam-
se por famlias somente os cnjuges e a respectiva prognie33.
30 GOMES, Orlando. Direito de famlia, p.28. 31 PEREIRA,Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil, p.18. 32 WALD, Arnold, Direito de famlia, p. 18. 33 Apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e unio estvel, p.17.
20
A famlia alcana diversos ramos do direito e para cada um
deles tem uma diferente acepo, como por exemplo, para efeitos previdencirios a
famlia reduzida ao casal, filhas solteiras e filhos at os 18 anos ou filho invlido,
para efeitos alimentares considera-se na famlia os ascendentes, descendentes e os
irmos.
Como verificado no ttulo anterior a famlia vem sofrendo vrias
modificaes e at o advento da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de
1988, o conceito de famlia era extremamente limitado e taxativo, o Cdigo de 1916
conferia o status famlia a queles agrupamentos originrios ao instituto do
matrimnio.
A Constituio de 1988 provocou profunda modificao do
conceito de famlia at ento predominante na legislao civil, com a incluso da
unio estvel e a famlia monoparental, deixando, assim, de ser o instituto do
matrimnio nico meio legal de formao de famlia.
Maria Berenice Dias leciona o principal papel da famlia:
O seu principal papel de suporte emocional do indivduo, em que h flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laos afetivos. 34
Para ela, o afeto o trao diferenciador entre o direito familiar e
o direito obrigacional, neste sentido cita Paulo Luiz Lbo, em que conceitua famlia
no sentido que:
A famlia um grupo social fundado essencialmente nos laos de afetividade aps o desaparecimento da famlia patriarcal, que desempenhava funes procriativas, econmicas, religiosas e polticas.35
A famlia organismo jurdico ou um organismo natural, no
sentido evolutivo. Mais particularmente o neste outro, de um agrupamento que se
constitui naturalmente, e cuja existncia a ordem jurdica reconhece36. E como tal a
34 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias, p. 38. 35 LBO, Paulo Luiz , Entidade familiares constitucionalizadas: para alm dos numerus clausus.
Disponvel em: Acesso em: 28 set. 2009.
36 PEREIRA, Caio da Silva. Instituies de Direito Civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
http://wwwmundojuridicoadv.br/sis_artigosasp?codigo264>Acesso
21
Constituio da Repblica Federativa do Brasil no seu art. 226 proclamou-a base da
sociedade e determinou especial proteo do Estado.
1.3 AS ESPCIES DE FAMLIA
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 trouxe
inmeras modificaes. A constitucionalizao do direito de famlia fato recente. A
Constituio de 1824 tratava somente da famlia imperial, e, proclamada a
Repblica, a Constituio trazia apenas um dispositivo sobre a matria, tentando
operar uma separao entre o poder da Igreja e o poder do Estado; at a
Constituio de 1988, a lei fundamental da famlia era o Cdigo Civil brasileiro. Em
1988, h uma guinada fundamental e a legislao infraconstitucional passa a ter
validade somente se interpretada em consonncia com o disposto na Constituio
Federal, e, na hiptese de incompatibilidade, no h a recepo da legislao
infraconstitucional37 deslocando-se o centro da tutela constitucional do casamento
para as relaes familiares, que dali para frente no se concentravam mais no
casamento.
De acordo com Jos Sebastio de Oliveira A compreenso da
atual textura das espcies de Famlia previstas na Constituio Federal explica o
avano cultural, social, poltico e ideolgico de nossa nao, que ocorreu no longo
dos tempos e desaguou na Constituio de 198838.
O artigo 226 da Constituio Federal estabelece trs espcies
de famlia: a matrimonial, oriunda do casamento; a Unio Estvel da unio entre
pessoas fora dos laos do matrimnio com o intuito de constituir Famlia e a
monoparental constituda de qualquer dos pais ou seus descendentes.
117.
37 FANCHIN, Luiz Edson. Elementos Crticos do Direito de Famlia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 36-37.
38 OLIVEIRA, Jos Sebastio de. Fundamentos constitucionais do direito de famlia, p. 228.
22
1.3.1 A Famlia Matriomonial
A famlia matrimonial a oriunda do casamento. Conforme
ensinamentos de Vitor Frederico Kmpel39, a famlia matrimonial decorre do
casamento como ato formal, litrgico. Antes da Constituio de 1988, a famlia
matrimonial era o nico vnculo familiar reconhecido no pas. Segundo Maria Helena
Diniz40 o casamento :
O casamento o vnculo jurdico entre o homem e a mulher, livres, que se unem, segundo as formalidades legais, para obter o auxlio mtuo material e espiritual de modo que haja uma integrao fisicopsquica, e a constituio de uma famlia.
Para Arnaldo Rizzardo, o casamento um contrato.
E o casamento vem a ser um contrato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferentes se unem para constituir uma famlia e viver em plena comunho de vida. Na celebrao do ato, prometem elas mtua fidelidade, assistncia recproca, e a criao e educao dos filhos.
Segundo Carlos Roberto Gonalves, casamento a unio legal
entre um homem e uma mulher, com objetivo de constiturem a famlia legtima. 41.
Observa-se que o casamento solene e com finalidades. E possui caracteres
prprios quais sejam: um ato pessoal dos nubentes; um ato civil; um ato solene,
pois, os nubentes tm liberdade de escolha, ato sujeitado ao ordenamento legal do
Estado, e revestido de formalidades pela lei com objetivo de publicidade e de
garantia da manifestao de vontade dos nubentes.
1.3.2 A Famlia Unio Estvel
A unio estvel veio a ser oficializada com a Constituio de
1988, disciplinando no art. 226, 3.
Art. 226 [...]
3 - Para efeito da proteo do estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em casamento.
39 KUMPEL, Vitor Frederico. Palestra ministrada em 21/01/2008 no Curso do Professor Damsio de
Jesus. 40 DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil anotado, 3 ed. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 195-196. 41 GONALVES, Carlos Roberto, Direito de famlia, p.1.
23
O Estatuto das Famlias no seu art. 63 assim conceitua unio
estvel:
reconhecida como entidade familiar a unio estvel entre o homem e a mulher, configurada na convivncia pblica, contnua, duradoura e estabelecida com objetivo de constituio de famlia.
Pargrafo nico. A unio estvel constitui estado civil de convivente, independentemente de registro, e deve ser declarado em todos os atos da vida civil.
Unio estvel a relao entre homem e mulher que no
possuam impedimentos para o casamento, a caracterstica primordial a
informalidade e, em regra ser no-resgistrada, embora possa obter registro.42
Para Arnaldo Rizzardo a Unio Estvel corresponde:
A expresso corresponde, pois, ligao permanente do homem com a mulher, desdobrada em dois elementos: a comunho de vida, envolvendo a comunho de sentimentos e a comunho material; e a relao conjugal exclusiva de deveres e direito inerentes ao casamento.43
O Cdigo Civil tambm reconhece e define a unio estvel:
Art. 1.723 reconhecida como entidade familiar a unio estvel entre o homem e a mulher, configurada na convivncia pblica, contnua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituio de famlia.
Silvio de Salvo Venosa44 pontua a importncia da convivncia
entre o homem e a mulher, de forma no passageira e fugaz, como se esposo e
esposa fossem.
A Unio Estvel , ento, a relao de um homem e uma mulher
fora do matrimnio, com convvio como se esposo e esposa fossem, um fato social
que gera efeitos jurdicos.
42 WALD, Arnold. Direito de famlia, p.26. 43 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 883. 44 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia. 8 ed. So Paulo: Saraiva, 2008. v. 6.
p.37.
24
1.3.3 A Famlia Monoparental
a famlia constituda por um dos pais e seus descendentes, e
encontra guarida na Constituio da Repblica Federativa do Brasil no artigo 226,
4.
Art. 226 [...]
4 - Entende-se, tambm, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
O Estatuto das Famlias no seu artigo 69 1 define a famlia
monoparental:
Art. 69 [...]
1 - Famlia monoparental a entidade formada por um ascendente e seus ascendentes, qualquer que seja a natureza da filiao ou parentesco.
Maria Helena Diniz assim define a famlia monoparental:
A monoparentalidade tem origem quando da morte de um dos genitores, ou pela separao ou pelo divrcio dos pais. A adoo por pessoa solteira tambm faz surgir um vnculo monoparental. A inseminao artificial por mulher solteira ou a fecundao homloga aps a morte do marido so outros exemplos. A entidade familiar chefiada por algum parente que no um dos genitores, igualmente, constitui vnculo monoparental. Mesmo as estruturas de convvio constitudas por quem no seja parente, mas que tenha crianas ou adolescentes sob sua guarda, podem receber a mesma denominao. Basta haver diferena de geraes entre um de seus membros com os demais e que no haja relacionamento de ordem sexual entre eles para se ter configurada uma famlia monoparental.
Enfim, a relao existente entre um dos pais e sua
descendncia.
1.4 PRINCPIOS DO DIREITO DE FAMLIA
Princpios so as causas primrias do direito, Miguel Reale45
disciplina que princpios so:
(...) verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas
45 REALE, Miguel. Lies preliminares de Direito, p. 299.
25
tambm por motivos de ordem prtica de carter operacional, isto , como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da prxis.
J para Roque Antnio Carraza46 princpio jurdico :
...um enunciado lgico, implcito ou explcito, que, por sua grande
generalidade, ocupa posio de preeminncia nos vastos quadrantes do Direito e, por isso
mesmo, vincula, de modo inexorvel, o entendimento e a aplicao das normas jurdicas
que com ele se conectam.
Para Celso Antnio Bandeira de Mello47, princpio jurdico :
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico.
Na concepo de Celso Bastos48:
Os princpios constituem idias gerais e abstratas, que expressam em menor ou maior escala todas as normas que compem a seara do direito. Poderamos mesmo dizer que cada rea do direito no seno a concretizao de certo nmero de princpios, que constituem o seu ncleo central. Eles possuem uma fora que permeia todo o campo sob seu alcance. Da por que todas as normas que compem o direito constitucional devem ser estudadas, interpretadas, compreendidas luz desses princpios. Quanto os princpios consagrados constitucionalmente, servem, a um s tempo, como objeto da interpretao constitucional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opo de interpretao.
Segundo Paulo Bonavides: Princpios so verdades objetivas,
nem sempre pertencentes ao mundo do ser, seno do dever-ser, na qualidade de
normas jurdicas, dotadas de vigncia, validez e obrigatoriedade.49
A famlia foi reconhecida como base da sociedade e recebe
proteo especial do Estado, conforme disciplina a Constituio Federal no seu
46 CARRAZA, Roque Antnio. Curso de direito constitucional tributrio, p. 29. 47 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Contedo jurdico do princpio da igualdade, p. 68. 48 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito constitucional, p. 57. 49 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 229.
26
artigo 226 e seguintes, diante deste fato, h princpios que a norteiam e devem ser
observados.
Segundo entendimento de Pietro Perlingieri50 a famlia como
formao social est protegida pela Constituio, por ser instituto formador de
pessoas humanas.
A famlia valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformao e de no contraditoriedade aos valores que caracterizam as relaes civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organizao, ela finalizada educao e promoo daqueles que a ela pertencem.
O merecimento de tutela da famlia no diz respeito exclusivamente s relaes de sangue, mas, sobretudo, quelas afetivas, que se traduzem em uma comunho espiritual e de vida.
Para melhor entendimento optou-se por alguns dos princpios
relacionados ao direito de famlia.
1.4.1 Princpio da Dignidade da Pessoa Humana
Tal princpio encontra guarida na Constituio no art. 1 inciso
III, que estabelece que o nosso Estado Democrtico de Direito tem fundamentos,
alm de outros, a dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfrang Sarlet51, conceitua tal
principio como o reduto intangvel de cada indivduo e, neste sentido, a ltima
fronteira contra quaisquer ingerncias externas. Tal no significa, contudo, a
impossibilidade que se estabeleam restries aos direitos e garantias
fundamentais, mas que as restries efetivadas no ultrapassem o limite intangvel
imposto pela dignidade da pessoa humana
O princpio da dignidade da pessoa humana est intimamente
ligado com o Direito de Famlia, conforme ressalta Carlos Roberto Gonalves52,
citando Gustavo Tependino:
50 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Traduo de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 243. 51 SARLET, Ingo Wolfrang. A eficcia dos direitos fundamentais, p.124. 52 GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Famlia. So Paulo: Saraiva,
2005. v. 6.
27
A milenar proteo da famlia como instituio, unidade de produo e reproduo dos valores culturais, ticos, religiosos e econmicos, d lugar tutela essencialmente funcionalizada dignidade de seus membros, em particular na que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.
Em relao a dignidade da pessoa humana Carlos Roberto
Gonalves53, ainda ressalta que:
O Direito de Famlia o mais humano de todos os ramos de Direito. Em razo disso e tambm pelo sentido ideolgico e histrico de excluses, como preleciona Rodrigo da Cunha, que se torna imperativo pensar o Direito da famlia na contemporaneidade com ajuda e pelo ngulo dos Direitos humanos, cuja base e ingredientes esto, tambm, diretamente relacionados noo de cidadania. A evoluo do conhecimento cientifico, os movimentos polticos e sociais do sculo XX e o fenmeno da globalizao provocaram mudanas profundas na estrutura da famlia e nos ordenamentos jurdicos de todo o mundo, acrescenta o mencionado autor, que ainda enfatiza: Todas essas mudanas trouxeram novos ideais, provocaram um declnio do patriarcalismo e lanaram as bases de sustentao e compreenso dos Direitos Humanos, a partir da noo da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituies democrticas.
Tal princpio basilar da comunidade familiar, segundo Rodrigo
Pereira da Cunha54, o princpio da dignidade humana o mais universal de todos os
princpios. um macroprincpio do qual se irradiam todos os demais: liberdade,
autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleo de princpios
ticos.
1.4.2 Princpio da Igualdade Jurdica dos Cnjuges e Companheiros
A Constituio de 1988 alm de outras revolues trouxe em
seu artigo 226, 5, a igualdade entre homem e mulheres no exerccio dos direitos e
deveres na sociedade conjugal, inovao que cortou no centro a vigncia de
inmeros artigos do Cdigo Civil de 1916 que previa distino de sexos,
inferiorizando a atuao da mulher em relao ao homem.
Deve ser observado que com o advento da Constituio Federal
de 1988 as normas capazes de inferiorizar a mulher e coloc-la em situao de
53 GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Famlia. p. 35. 54 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princpios constitucionais, p. 65.
28
subordinao, tornaram-se inconstitucionais, tanto houve mudanas que a
expresso ptrio poder alterou para poder familiar no Cdigo Civil em vigor.
Maria Helena Diniz55 afirma que a isonomia instituda na Magna
Carta acaba com o poder marital e com o sistema de encapsulamento da mulher,
restrita, at ento, as tarefas domsticas e procriao. Carlos Roberto Gonalves,
explana em sua obra j mencionada, que com esse princpio desaparece o poder
marital, substituindo por um sistema onde as decises so tomadas de comum
acordo entre o marido e a mulher.
Em suma este princpio proclama que na sociedade conjugal os
direitos e deveres de cada um, sero exercidos igualmente, conjuntamente entre
marido e mulher.
1.4.3 Princpio da Igualdade Jurdica de Todos os Filhos
Prev o artigo 227, 6 a igualdade jurdica entre os filhos.
Art. 227 [...]
6 - os filhos, havidos ou no da relao de casamento, ou por adoo tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas a filiao.
Com apoio de tal princpio no deve se fazer distino entre filho
legitimo e natural quanto ao ptrio poder, nome ou sucesso permite-se o
reconhecimento de filhos ilegtimos e probe-se que se revele no assento de
nascimento a ilegitimidade.
Atualmente o filho pode pleitear junto ao Poder Judicirio o
reconhecimento de sua paternidade, mesmo que na permanncia da sociedade
conjugal de seus genitores, garantido ao mesmo alimentos, registro de filiao e
direitos sucessrios.
O reconhecimento dos filhos perptuo e irrevogvel, conforme
disciplina o art. 1609 do Cdigo Civil:
55 DINIZ, Maria Helena. Cdigo civil anotado, p. 34.
29
Art. 1.609 O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento irrevogvel e ser feito:
Tal reconhecimento um direito personalssimo, indisponvel,
incondicional e imprescritvel.
A Constituio Federal, com este princpio da igualdade jurdica
entre os filhos, isonomia constitucional, pos fim a distino prejudicial aos filhos, seja
pessoal ou patrimonial.
1.4.4 Princpio da Paternidade Responsvel e Planejamento Familiar
A Constituio Federal dispe no artigo 226 7 que o
planejamento familiar de livre deciso do casal, fundados no princpio da dignidade
da pessoa humana e na paternidade responsvel.
Art. 226 [...]
7 - Fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel, o planejamento familiar livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientficos para o exerccio desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituies oficiais ou privadas.
O Cdigo Civil de 2002, tambm prev no seu artigo 1.565 2.
Art. 1565 [...]
2 - O planejamento familiar de livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exerccio desse direito, vedado qualquer tipo de coero por parte de instituies privadas ou pblicas.
A deciso sobre o planejamento familiar livre, sendo, proibido
as instituies pblicas ou privadas fazerem qualquer tipo de coero em relao ao
planejamento familiar.
30
1.4.5 Princpio do Pluralismo Familiar ou da Liberdade de Constituio de uma Comunho Familiar
A Constituio Federal admite que a composio familiar se d
pelo casamento ou atravs da unio estvel, sem cerceamento ou cominao de
pessoa jurdica de direito pblico ou privado.
Art. 226 [...]
1 O casamento civil e gratuita a celebrao.
2 [...]
3 Para efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em casamento.
4 Estende-se, tambm, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
No entendimento de Maria Helena Diniz o princpio de
pluralismo familiar, devido a Constituio Federal abarcar tanto a famlia
matrimonial quanto a famlia estvel e monoparental.
Para Silvio de Salvo Venosa56 a Constituio Federal vem
consagrar a proteo da famlia, incluindo tanto a famlia fundada no casamento,
como a unio de fato, a famlia natural e a famlia adotiva. Para o autor, o pas sentia
necessidade de valimento do grupo familiar, independentemente da vivncia
matrimonial, h muito tempo, Muniz57 esclarece que:
A famlia margem do casamento uma formao social merecedora de tutela constitucional porque apresenta as condies de sentimento da personalidade de seus membros e a execuo da tarefa de educao dos filhos. As formas de vida familiar margem dos quadros legais revelam no ser essencial o nexo famlia-matrimnio: a famlia no se funda necessariamente no casamento, o que significa que casamento e famlia so para a Constituio realidades distintas. A Constituio apreende a famlia por seu aspecto social (famlia sociloga). E do ponto de vista sociolgico inexiste um conceito unitrio de famlia.
56 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil - direito de famlia, p. 354. 57 MUNIZ, Francisco Jos Ferreira. O direito de famlia na soluo dos litgios, p. 77.
31
A famlia base da sociedade, a evoluo da sociedade no
pode passar em branco pela evoluo do Direito, que norma da conduta social,
correndo o risco de termos normas ineficazes.
1.4.6 Princpio da Liberdade
A Constituio Federal instituiu o regime democrtico deferindo
a liberdade ao casal no seu artigo 227.
Art. 227 [...]
7 - Fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel, o planejamento familiar livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientficos para o exerccio desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituies oficiais ou privadas.
Maria Berenice Dias58, disciplina que;
Os princpios da liberdade e da igualdade no mbito familiar so
consagrados em sede constitucional. Todos tm a liberdade de escolher o seu par,
seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua
famlia.
Vai alm, defendendo que:
Em face do primado da liberdade, assegurado o direito de constituir uma relao conjugal, uma unio estvel htero ou homossexual. H a liberdade de extinguir ou dissolver o casamento e a unio estvel, bem como o direito de recompor novas estruturas de convvio.59
O artigo 1.513 do Cdigo Civil prev que:
Art. 1.513 defeso a qualquer pessoa, de direito pblico ou privado, interferir na comunho de vida instituda pela famlia.
Liberdade de escolha, a pessoa poder escolher com quem
namorar, com quem casar, ou viver em unio estvel, alterao do regime de bens
na vigncia do casamento, autonomia privada, enfim a liberdade de fazer a sua
opo e modo de vida.
58 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias, p. 53. 59 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias, p. 54.
32
1.4.7 Princpio do Melhor Interesse da Criana
Prev a Constituio Federal que dever da famlia, da
sociedade e do Estado assegurar ao menor e adolescente, proteo, sade,
educao, vejamos:
Art. 227 dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e presso.
Dever este que encontra guarida tambm no Estatuto da
Criana e do Adolescente no seu art. 4, o qual dispe que:
Art. 4 - dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder Pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria.
Tal princpio uma diretriz nas relaes das crianas e dos
adolescentes em relao aos pais, famlia, sociedade como bem afirma Paulo Luiz
Netto Lbo60, o princpio no uma recomendao tica, mas diretriz determinante
nas relaes nas relaes da criana e do adolescente com seus pais, com sua
famlia, com a sociedade e com o Estado.
Essa proteo integral est tambm amparada no Cdigo Civil,
em estabelece sobre a guarda dos filhos.
Art. 1.583 - A guarda ser unilateral ou compartilhada.
Sempre atendendo ao melhor interessa da criana, e aplicando
o princpio que busca a proteo ou o melhor interesse do infante, conforme prev a
Constituio Federal.
60 LBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para alm dos numerus clausus. Disponvel em: Acesso em 28 set.2009.
http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo264>Acesso
33
1.4.8 Princpio da Afetividade
Apesar da palavra afeto no estar no texto constitucional, um
direito fundamental, pois decorre da dignidade da pessoa humana.
Maria Berenice Dias assim explica este entendimento:
Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurdica as unies estveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaa duas pessoas, adquiriu reconhecimento e insero no sistema jurdico.61
O artigo 1.593, deixa implcito, tambm a afetividade, quando
expressa sobre o parentesco:
Art. 1.593 O parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanginidade ou outra origem.
Neste mesmo sentido o artigo 1.603, tambm refere-se
implicitamente a filiao socioafetiva:
Art. 1.603 A filiao prova-se pela certido do termo de nascimento registrada no Registro Civil.
Na jurisprudncia ptria este princpio vem sendo aplicado com
o reconhecimento da paternidade socioafetiva.62
Maria Berenice Dias63 acredita que o princpio norteador do
direito das famlias o princpio da afetividade.
1.4.9 Princpio da Solidariedade Familiar
Um dos objetivos fundamentais da Repblica Federativa do
Brasil encontra-se no art. 3, inciso I da Constituio Federal.
Art. 3 - [...]
61 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias, p.60. 62 Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, 00502131NRO-PROC70003587250, DATA 21/03/2002,
Relator Rui Portanova, Origem: Rio Grande. AO NEGATRIA DE PATERNIDADE ADOO BRASILEIRA PATERNIDADE SCIO-AFETIVA. O registro de nascimento realizado com o nimo nobre de reconhecer a paternidade socioafetiva no merece ser anulado, nem deixado de se reconhecer o direito do filho assim registrado. Negaram provimento".
63 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias, p.61.
34
I construir uma sociedade livre, justa e solidria;
a solidariedade social que estende-se ao mbito familiar.
Encontra-se a solidariedade familiar imposio da obrigao de alimentar64,
entendimento este compartilhado com Maria Berenice Dias65.
Na ordem jurdica, as pessoas integrantes da famlia so, em regra, reciprocamente credoras e devedoras de alimentos. A imposio de obrigao alimentar entre parentes representa a concretizao do princpio da solidariedade familiar. Esse princpio, que tem origem nos vnculos afetivos, dispe de contedo tico, pois contm em suas entranhas o prprio significado da expresso solidariedade, que compreende a reciprocidade.
O principio da solidariedade familiar esta contido tambm, o
respeito e a considerao mtua entre os familiares.
64 GONALVES, Carlos Roberto. Direito de famlia, vol. 2 11 ed.Saraiva: So Paulo, 2006
Coleo sinopses jurdicas. Entre pais e filhos menores, cnjuges e companheiros, no existe propriamente obrigao alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento e de mtua assistncia (CC, arts. 1.566 e IV e 1.724). A obrigao alimentar tambm decorre da lei, mas fundada no parentesco (art. 1.694), ficando circunscrita aos ascendentes e descendentes e colaterais at o segundo grau, com reciprocidade. pgs. 160/161.
65 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias, p. 56.
CAPTULO 2
A FILIAO E O PODER FAMILIAR
2.1 A EVOLUO HISTRICA DA FILIAO
A evoluo histrica legal da filiao tem grande relevncia no
Direito de Famlia.
O Cdigo Civil Brasileiro de 1916, que vigorou no nosso pas por
mais de oitenta anos, fazia severas distines entre os filhos, a nica forma de
famlia reconhecida e merecedora de proteo estatal era a filiao advinda na
constncia do casamento tradicional, at o advento da Constituio Federal de
1988, que vetou expressamente qualquer discriminao quanto natureza da
filiao, se legitima ou ilegtima.
Vejamos:
Art. 227 [...]
6 - Os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao.
Yussef Said Cahali66 apresenta a evoluo histrica do
reconhecimento da filiao em cinco etapas:
O direito brasileiro, em sua evoluo histrica, permite a identificao de cinco etapas: a) na primeira, dominada pelas Ordenaes Filipinas, admitia-se o reconhecimento do Filho ilegtimo, encarregando-se a me de cria-lo de leite at os trs anos e o pai, de fazer todas as despesas, proibida a sucesso legtima, mas no a testamentria; b) no segundo, que se inicia com a Lei 463, de 02.09.1847, passaram os esprios a desfrutar de iguais direitos que os naturais, assistindo-lhes o direito hereditrio, em concurso com os legtimos, se reconhecidos mediante escritura pblica ou em testamento; c) no terceiro perodo, iniciado com o Cdigo Civil de
66 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos, p. 596.
36
1916 (art. 358), afirma-se a absoluta impossibilidade do reconhecimento dos Filhos incestuosos e adulterinos; d) no quarto perodo, radicais modificaes foram introduzidas a partir da Carta Constitucional de 1937 (art. 126), com leis esparsas, amplo labor jurisprudencial, completando-se com as inovaes trazidas pela Lei 6.515/77 e lei 7.250, de 14.11.1984; e) finalmente, no quinto perodo, com o atual sistema de absoluta equiparao dos filhos de qualquer condio jurdica, instaurado coma Constituio de 05.10.1988, art. 227 6, completando-se com a Lei 8.560, de 29.12.1992, que regula a investigao de paternidade dos Filhos nascidos fora do casamento.
Ento, a partir, da Constituio Federal de 1988, no instituto da
filiao no existem mais espcies segundo a natureza concepcional dos filhos,
conforme disciplina Guilherme Gonalves Strenger67.
A legitimao tornou-se, em funo da nova regra constitucional, instituto que, na sua essncia, enfrenta cabal reformulao. A questo aparentemente se torna simplificada, na medida em que no se pode mais conceber a existncia de Filhos ilegtimos, embora essa proibio seja de carter nominalstico.(...) A utilidade da legitimao reside no fato de que extingue a desigualdade entre Filhos naturais e legtimos, conferindo a ambos os mesmos diretos, alm de suprimir toda e qualquer discriminao, como estabelece a Carta magna vigente.
Segundo Domingos Franciulli Netto68, at o advento da
Constituio Federal a filiao subdividia-se em legtimo ou ilegtimo, legitimo se
advindo do casamento e ilegtimo se procedente de relao no matrimonial. O que
atualmente no cabe mais, uma vez que vedada constitucionalmente tal distino.
2.2 O CONCEITO DE FILIAO
Das relaes de parentesco, a mais importante a que se
estabelece entre pais e filhos.
Segundo Silvio Rodrigues69 a filiao de extrema importncia
para o direito e conceitua como:
(...) relao de parentesco consangneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa quelas que a geraram, ou a
67 STRENGER, Guilherme Gonalves. Guarda dos filhos, p. 62. 68 FRANCIULLI NETO, Domingos. Das relaes de parentesco, da filiao e do reconhecimento dos
filhos. Disponvel em: . Acesso em: 17 nov.2009.
69 RODRIGUES, Silvio. Direito civil direito de famlia, p.296.
http://www.stj.jus.br/SGI/servlet/IJMain?action=showit&seq_materia=23>
37
receberam como se tivessem gerado. Essa relao de parentesco, dada a proximidade de grau cria efeitos no campo do direito, da derivando a importncia de sua verificao.
Para Maura de Ftima Bonatto70 a filiao o lao de
parentesco que une os filhos aos pais.
O vocbulo filiao enfatiza Washington de Barros Monteiro71,
exprime a relao que existe entre o filho e as pessoas que o geraram. Enfim a
relao entre o filho e o pai, ou entre o filho e a me.
Para Arnald Warld72 no sentido jurdico, como a relao de
parentesco consangneo em primeiro grau e em linha reta, que envolve ou une uma
pessoa quelas que a reproduziram ou geraram. Consiste no liame entre pais e
filhos. Liame, este que nasce com o individuo e se prolonga no decorrer da relao.
Para Caio Mrio da Silva Pereira a filiao a relao jurdica
que liga o filho a seus pais.73 Ou seja, toda e qualquer relao entre pais e filhos,
desde sua constituio, modificao e extino.
No dizer de Silvio Salvo Venosa74, a filiao um fato jurdico
do qual decorrem inmeros efeitos, j Maria Helena Diniz75, alm disso, compreende
que esta relao pode ser socioafetiva, porm estabelecida somente entre adotante
e adotado.
Antnio Elias de Queiroga,76 tem um entendimento mais
abrangente, conceitua a filiao como vnculo jurdico entre pais e filhos, advindo
tanto de unio sexual, como de inseminao artificial, de modalidades de fertilizao
assistida e da adoo.
70 BONATTO, Maura de Ftima. Direito de famlia e sucesses, p. 45. 71 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, direito de famlia, p.240 72 WALD, Arnold. Direito de famlia, p. 404. 73 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil, p.315. 74 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: direito de famlia. 75 DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil anotado, p. 427. 76 QUEIROGA, Antnio Elias de. Curso de direito civil: direito de famlia, p. 267.
38
De iure constituto77, filiao na viso de Domingos Franciulli
Netto :
(...) o vnculo existente entre pais e filhos. Na relao filho e pai e filho e me, o trao marcante a consanginidade em linha reta de primeiro grau. A par da consanginidade, h a filiao civil, decorrente da adoo, alm da filiao social. De lege ferenda78, no h perder de vista a paternidade socioafetiva, fundada na posse de estado de filho.79
Na obra de Mrio Aguiar Moura, preceitua Planiol que a filiao
a relao que surge entre uma pessoa e outra, imediatamente descendente
daquela, ou tal se reputando80. J Luiz Edson Fachin81 traz uma definio mais
atual.
Filhos, havidos por ato natural ou por ato tcnico (reproduo assistida), biolgicos ou no, havidos da mesma forma ou por adoo, so igualmente filhos e recebem idntica proteo constitucional.
Enfim, usando as palavras de Arnaldo Rizzardo82, todo filho
simplesmente filho, seja qual for a natureza do relacionamento de seus pais, ou
seja de qual forma veio a fazer parte da famlia.
2.3 AS ESPCIES DE FILIAO
Como j visto no item anterior, a filiao uma relao
jurdica existente entre um filho e seus pais, da qual originam-se efeitos e
conseqncias jurdicas por compreender um complexo de direitos e deveres
recprocos, esta relao pode ser estabelecida por um critrio biolgico, vinculo
consangineo, ou no.
77 Iure constituto direito adquirido 78 Lege ferenda da lei criada. 79 FRANCIULLI NETTO, Domingos. Das relaes de parentesco, da filiao e do reconhecimento
dos filhos. Disponvel em: http://www.stj.jus.br/SGI/IJMain?action=showit&seq_materia=23. Acesso em 17 nov.2009.
80 MOURA, Mrio Aguiar. Tratado prtico da filiao, p. 18. 81 FACHINI, Luiz Edson. Comentrios ao novo cdigo civil, p. 46. 82 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia, p. 405
http://www.stj.jus.br/SGI/IJMain?action=showit&seq_materia=23
39
Com a Constituio de 1988, como j explanado, no se
admitem discriminaes entre os filhos, Arnaldo Rizzardo83, estabelece trs tipos de
filiao: Biolgica, No-biolgica e a Sociolgica.
Biolgica a denominada a filiao quando, como o nome indica, decorre das relaes sexuais dos pais..(...)De outro lado, o fato de nascer o filho enquanto perdura o casamento, ou at certo tempo aps a sua desconstituio, faz presumir que o pai aquele que convive com a me, porquanto dvidas inexistem no pertinente maternidade mater semper certa. J torna-se elemento definido da paternidade o fato do matrimnio: pater is est quem nupciae demonstrant. Trata-se, a, de biolgica presumida. Por ltimo, temos a filiao sociolgica, concernente adoo, sem vnculos biolgicos, mas admitida e reconhecida por engenho da lei.
Para Maria Berenice Dias84 existem trs critrios para o
estabelecimento do vnculo parental:
a) critrio jurdico previsto no Cdigo Civil, estabelece a paternidade por presuno, independentemente da correspondncia ou no com a realidade (CC 1.597); b) critrio biolgico o preferido, principalmente em face da popularizao do exame de DNA; e c) critrio socioafetivo fundado no melhor interesse da criana e na dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai o que exerce tal funo, mesmo que no haja vnculo de sangue85.
A filiao legtima a havida na constncia do casamento dos
pais, enquanto que a ilegtima, (expresso que no mais usvel desde o advento
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988) aquela decorrente de
relaes extra matrimoniais.
Pode-se encerrar este ttulo com o entendimento de Paulo Luiz
Netto Lobo86, os filhos podem provir de origem gentica conhecida ou no, de
escolha efetiva do casamento, de unio estvel, de entidade monoparental ou de
outra entidade familiar implicitamente constitucionalizada. Parece que muito
sensata, uma vez que a Constituio Federal estabelece que deve existir absoluta
igualdade entre os filhos.
83 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia, p. 408. 84 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famlias, p.297. 85 Heloisa Helena Barboza. Direito identidade gentica, p. 381. In DIAS, Maria Berenice, Manual
de direito das famlias, p.297. 86 LBO, Paulo Luiz Netto. Cdigo civil comentado: direito de famlia, relaes de parentesco,
direito patrimonial. Coord. lvaro Villaa Azevedo.vol. 16 So Paulo: Atlas, 2003, p. 99. In Maria Berenice.
40
2.4 A FILIAO E O RECONHECIMENTO DE FILHOS
O Cdigo Civil trata em captulos diferenciados os filhos havidos
da relao do casamento e os havidos fora do casamento, os captulos Da filiao
e o Do reconhecimento dos filhos, segundo Maria Berenice Dias87.
A diferenciao advm do fato de o legislador ainda fazer uso de presunes quando se refere aos filhos nascidos do casamento. Tal tendncia decorre da viso sacratlizada da famlia e da necessidade de sua preservao a qualquer preo, nem que para isso tenha de atribuir filhos a algum, no por ser pai ou me, mas simplesmente para a mantena da estrutura familiar.
O sistema do Cdigo Civil prev que os filhos de pais casados
no precisam ser reconhecidos, pois a paternidade decorre do casamento dos pais,
no entanto os filhos havidos fora do casamento, no entanto, no so beneficiados
pela presuno legal da paternidade.
O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento deveria
ser feito por intermdio do testamento cerrado, conforme disciplinava a Lei n. 833
de 1949, abonado antes ou depois do nascimento do filho, e irrevogvel. Estando
dependente a atribuio de estado dissoluo da sociedade conjugal, seja pela
morte, desquite ou anulao do matrimnio.
Com a vinda da Constituio Federal de 1988, houve uma
modificao importantssima, agora filhos so apenas filhos, proibidas quaisquer
designaes discriminatrias relativas filiao, passando os tribunais a se orientar
da seguinte maneira88:
Filiao incestuosa Direito a herana. Com a vigncia da Lei n. 6.515/77, que deu nova redao ao artigo 2 da Lei 883/49, o filho incestuoso passou a ter direito a suceder, em igualdade de condies com os legtimos. No lhe sendo dado, at a Constituio de 1988, pleitear o reconhecimento da paternidade, esta haveria de
87 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famlias, p. 293. 88 VELOSO, Zeno. A sacratizao do DNA na investigao de paternidade. In: LEITE, Eduardo de
Oliveira. Grandes temas da atualidade DNA como meio de prova da filiao. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002,No mesmo sentido: importante registrar que a Constituio de 1988, alm de determinar outras louvveis modificaes no direito brasileiro, introduziu um novo estatuto da filiao, ordenando a completa equiparao entre os filhos, sepultando as odiosas discriminaes do passado, estatuindo, no art. 227, 6, que precisa ser lembrado e repetido, como uma prece: os filhos, havidos ou no da relao do casamento, ou por adoo, tero os mesmos direitos e qualificaes, proibidas quaisquer designaes discriminatrias relativas filiao., p. 383.
41
ser examinada e decidida incidenter tantum, como questo prejudicial, para o nico fim de assegurar-se o direito da herana.89
Consequentemente surgiram novas normas infraconstitucionais
com a finalidade de assegurar a igualdade entre todos os filhos havidos ou no na
constncia do matrimnio, a primeira delas foi a Lei n. 8.590/92, revolucionria da
investigao da paternidade. 90
Segundo Carlos Roberto Gonalves91, o reconhecimento do filho
pode ser voluntrio ou judicial.
No entendimento de Maria Berenice Dias92, o reconhecimento
voluntrio no depende de prova da origem gentica e irretratvel e espontneo.
um ato espontneo, solene, pblico e incondicional. Como gera o estado de filiao, no pode estar sujeito a termo, sendo descabido o estabelecimento de qualquer condio (CC 1.613). ato livre, pessoal, irrevogvel e de eficcia erga omnes.93 No um negcio jurdico, um ato jurdico stricto sensu. O ato do reconhecimento irretratvel e indisponvel, pois gera o estado de filiao. Assim, inadmissvel o arrependimento. No pode, ainda, o reconhecimento ser impugnado, a no ser na hiptese de erro ou falsidade do registro. O pai livre para manifestar a sua vontade, mas os efeitos so os estabelecidos em lei.
Para Silvio Rodrigues o ato solene e pblico, pelo qual
algum, de acordo com a lei, declara que determinada pessoas seu filho.94
89 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. 3 Turma. RESP. n. 526. Relator: Eduardo Ribeiro. Data de
de Julgamento: 18/11/90. DJ de 19/11/90. 90 VERUCCI, Florisa. O direito de ter pai. In Op. Cit. 75No sentido: No conjunto, o esprito da lei
corresponde ao que se pretendia, com certo rigorismo no que se refere a interveno do Ministrio Pblico e ao prazo concedido ao indicado pai para se manifestar sobre a patenidade que lhe atribu[ida, 30 dias, quando na legislao de outros pases que lhe serviam de modelo, como a Itlia, Portugal, Alemanha, Sucia, o prazo bem mais generoso, salvo em Cuba, que no art. 68 de se Cdigo de Famlia limita o prazo do suposto pai a 30 dias a partir da inscrio do nascimento feita apenas a me e mais rigorosa ainda, ao atribuir a paternidade da criana quele que no comparecer para aceitar ou negar o fato dentro do prazo prescrito,, p. 95-96.
91 GONALVES, Carlos Roberto. Direito de famlia, p. 109. 92 DIAS, Maria Berenice, Manual de direito de famlias, p.311. 93 LBO, Paulo Luiz Netto. Cdigo civil comentado: direito de famlia, relaes de parentesco,
direito patrimonial. Coord. lvaro Villaa Azevedo.vol. 16 So Paulo: Atlas, 2003, p. 99. 94 RODRIGUES, Silvio. Direito civil direito de famlia, p. 318.
42
O reconhecimento voluntrio , segundo Antnio Chaves95, o
meio legal do pai, da me ou de ambos revelarem espontaneamente o vnculo que o
liga ao filho ilegtimo, outorgando-lhe por esta forma, o status correspondente.
Carlos Roberto Rodrigues96 vai mais alm, referindo sobre a
capacidade:
O reconhecimento voluntrio constitui espcie de ato jurdico em sentido estrito que exige capacidade do agente. Os privados do necessrio discernimento (CC, ART. 3, II) no esto autorizados, em caso algum, a reconhecer, estejam ou no interditados, bem como os menores de 16 anos. O nico caminho, in casu, a investigao de paternidade. Aos relativamente incapazes permite-se o reconhecimento.
Quanto ao reconhecimento judicial, assim disciplina Carlos
Roberto Rodrigues, o filho no reconhecido voluntariamente pode obter o
reconhecimento judicial, forado ou coativo, por meio de investigao de
paternidade, que ao de estado, de natureza declaratria e imprescritvel.97
Direito este personalssimo e indisponvel.
O reconhecimento judicial da-se por intermdio da investigao
de paternidade, assim disciplina Maria Helena Diniz98.
O reconhecimento judicial do filho ilegtimo resulta de sentena proferida em ao intentada para esse fim, pelo filho, tendo, portanto, carter pessoal, embora os herdeiros do filho possam continu-la. A investigao pode ser ajuizada contra o pai ou a me ou contra os dois, desde que se observem os pressupostos legais de admissibilidade de ao, considerados como presunes de fato.
O filho reconhecido passa a gozar de todos os direitos
assegurados aos demais filhos.
95 CHAVES, Antnio. Filiao ilegtima. p 290, In DINIZ, Maria Helena, Cdigo civil anotado p. 332. 96 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito de famlia, p. 303. 97 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil. Direito de famlia, p. 313. 98 DINIZ, Maria Helena. Cdigo civil anotado, p. 335.
43
2.5 A EVOLUO HISTRICA DO PODER FAMILIAR
Poder familiar constitui-se de instituto que tambm passou por
modificaes no curso da histria acompanhando em sntese, a trajetria da histria
da famlia.99
No direito romano, o pai ocupava uma posio de chefe
absoluto sobre a pessoa do filho. Segundo Arnaldo Rizzardo100, o pater possua o
direito sobre a vida e a morte do filho, ou seja, o jus vitae et necis, as decises sobre
a morte do filho, realizava-se o judicium domesricum, conselho familiar, mas
permanecia a vontade do pater.
Segundo J.J. Cretela o Ptrio Poder estava diretamente ligado
ao Status Familiae101 em que o chefe da famlia, o pater familias, concentrava o
poder, o patria potestas, chefe esse que necessariamente no era o pai, podendo
ser o av, o sogro ou o marido.102, mencionando ainda, que somente estavam
sujeitos ao ptrio poder os parentes civis do pater famlias, denominado de
agnatio103, sendo que o parentesco puramente sangneo, o cognatio, somente
repercutia efeitos para impedimentos matrimoniais, no gerando efeitos sucessrios.
Na Idade Mdia, embora sob a influncia do Direito Romano,
surge uma compreenso mais amena de autoridade paterna, trazida pelos povos
estrangeiros, afirmando Slvio de Salvo Venosa104 que.
De qualquer modo, a noo romana, ainda que mitigada, chega at a Idade Moderna. O patriarcalismo vem at ns pelo Direito portugus e encontra exemplos nos senhores de engenho e bares do caf, que deixaram marcas indelveis em nossa histria. Na noo contempornea, o conceito transfere-se totalmente para os princpios da mtua compreenso, a proteo dos menores e os deveres
99 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia, p. 333. 100 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia, p. 600. 101 Status familiae conjunto de pessoas colocadas sob o poder de um chefe o pater familias 102 CRETELA, J.J. Curso de direito romano: direito romano posto em paralelo com o direito civil
brasileiro, p. 112. 103 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
Agnatio era a designao dada aos descendentes masculinos do pater, mulher na condio de subordinada, bem como aos filhos adotados e a todos os demais sujeitos ao poder do chefe familiar, no havendo qualquer vinculao consangnea entre eles, sendo considerado um parentesco meramente civil. .
104 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito civil: direito de famlia, p. 335.
44
inerentes, irrenunciveis e inafastveis da paternidade e maternidade. O ptrio poder, poder familiar ou ptrio dever, nesse sentido, tem em vista primordialmente a proteo dos filhos menores. A convivncia de todos os membros do grupo familiar deve ser lastreada no em supremacia, mas em dilogo, compreenso e entendimento.
O Ptrio Poder tinha um poder relativamente excessivo, sendo
que este poder era exclusivo do homem.105, bem como no nosso Cdigo Civil de
1916, que assegurava o poder exclusivamente do marido chefe da sociedade
conjugal.
O Estatuto da Mulher Casada106 assegurou o ptrio poder a
ambos os pais, mas era exercido pelo marido com a colaborao da mulher,
havendo discordncia entre ambos, prevalecia a vontade do pai.
Com o advento da Constituio Federal, que trouxe isonomia no
tratamento relacionado ao homem e a mulher, no seu art. 5, inciso I, e assegurando
direitos e deveres iguais referentes sociedade conjugal, no art. 226, 5,
outorgando a ambos os genitores o poder familiar com relao aos filhos em
comum.
O Estatuto da Criana e Adolescente, tambm acompanhou a
evoluo familiar, deixando de ter um sentido de dominao para de proteo.
Como bem esclarece Arnaldo Rizzardo107:
Chegou-se em um momento histrico de igualdade praticamente total entre os membros da famlia, onde a autoridade dos pais uma conseqncia do dilogo e entendimento, e no de atos ditatoriais ou de comando cego.
Vai mais alm, diz que atualmente no mais h de se falar em
poder dos pais, mas em conduta de proteo, orientao e acompanhamento dos
pais.
105 Patriarca chefe absoluto. 106 Lei 4.121/1962. 107 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia, p. 599.
45
2.6 O CONCEITO DE PODER FAMILIAR
A Constituio de 1988 e o Cdigo Civil de 2002, em
conformidade com o princpio da dignidade humana, e com o princpio da igualdade
entre homem e mulher, atriburam o poder-dever de administrar/conduzir a famlia
conjuntamente por ambos os pais, desconstituindo o poder marital e paterno.
Maria Helena Diniz108 conceitua o poder familiar neste sentido:
o conjunto de direitos e obrigaes, quanto pessoa e bens do filho menor no emancipado, exercido pelos pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurdica lhes impe, tendo em vista o interesse e a proteo do filho.
De acordo com Caio Mrio Pereira da Silva109 o poder familiar
importa em um complexo de direitos e deveres quanto pessoa e bens do filho,
exercidos pelos pais, em colaborao, e independentes em autonomia, com a
finalidade de preservar todos os interesses do filho menor, em suma, a
responsabilidade em relao ao filho do pai e da me, enquanto no exerccio do
poder familiar.
Segundo Silvio Rodrigues, o poder familiar o conjunto de
direitos e deveres atribudos aos pais, em relao pessoa e aos bens dos filhos
no emancipados, tendo em vista a proteo destes.110, um instituto de extrema
importncia pois, trata-se da proteo de um ente humano indefeso. O poder familiar
vai mais alm o autor, tem carter de mnus111 pblico, sendo desta forma
irrenuncivel.
Para J.V. Castelo Branco Rocha112, o poder familiar uma
funo:
(...) funo que feita de direitos e deveres Ao direito do pai corresponde o dever do filho. E mais: o pai tem direitos para que
108 DINIZ, Maria Helena. Cdigo civil anotado, p. 378. 109 PEREIRA, Caio Mrio da Silva, op. Cit., p. 245 247, in REIS, Luis Eduardo Bittencourt. A guarda
dos filhos. Disponvel em Acesso em 10 nov. 2009.
110 RODRIGUES, Silvio. Direito civil direito de famlia, p. 356. 111 Mnus: encargo legalmente atribudo a algum, em virtude de certas circunstncias, a que no se
pode fugir. 112 ROCHA, J.V. Castelo Branco. O ptrio poder, p. 36.
http://pailegal.net/testoimprime.asp?rvtxtoid=1081864118>
46
possa haver-se convenientemente de seus deveres. Nem s direito, nem s deveres. Mas direitos e deveres que se ajustam, que formam uma verdadeira coerncia funcional, para a satisfao de fins que transcendem os interesses puramente individualistas.
Comungando com esse entendimento, tem-se Orlando
Gomes113 que assim conceitua o poder familiar.
O ptrio poder um direito-funo, um poder-dever, que estaria numa posio intermediria entre o poder propriamente dito e o direito subjetivo. No consiste numa simples faculdade com direo genrica, mas no se desenvolve numa relao jurdica com direito e obrigaes correlatas. faculdade de agir do pai corresponde um dever do filho, mas no se trata de relao obrigacional, como a que existe entre credores e devedores, nem de direito real sobre a pessoa dos filhos. O ptrio-poder tem hoje feio particular no quadro das manifestaes da atividade jurdica.
Roberto Senise Lisboa114, o poder familiar ao mesmo tempo.
[...] uma autorizao e um dever legal para que uma pessoa exera as atividades de administrao dos bens e de asseguramento do desenvolvimento do direito biopsquicos do filho incapaz, pouco importando a origem da filiao.
Na viso de Joo Andrades Carvalho115, o poder familiar.
[...] o conjunto de direitos que a lei concede ao pai, ou me, sobre a pessoa e bens do filho, at a maioridade, ou emancipao desse, e de deveres em relao ao filho.
Maria Helena Diniz, ainda, observa que o poder familiar
conferido simultaneamente e igualmente entre os genitores, complementando que
somente ser diferente, ou seja, ser conferido somente a um dos genitores na falta
do outro, conforme estabelece o caput do artigo 1.690 do Cdigo Civil atual.
Art. 1690 Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, bem como assisti-los at completarem a maioridade ou serem emancipados.
Diante deste dispositivo percebe-se que o poder familiar
compete a ambos os genitores, sendo a exceo serem atribudo o mesmo a
113 GOMES, Orlando. Direito de famlia, p. 390. 114 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil, p. 158. 115 CARVALHO, Joo Andrades. Tutela, curatela, guarda, visita e ptrio poder, p. 175.
47
somente um dos genitores. O poder familiar o exerccio de vrias funes, cuja
finalidade primeira o bem do filho.
2.7 OS DIREITOS E DEVERES NO PODER FAMILIAR
O poder familiar engloba um complexo de normas concernentes
aos direitos e deveres dos pais relativamente pessoa e aos bem dos filhos
menores (no emancipados).
O Cdigo Civil elenca os deveres e direitos dos pais:
- dirigir-lhes a criao e educao: prover os meios materiais
para a subsistncia e instruo, dirigir espiritualmente e moralmente, formando o
esprito e o carter da criana, capacitando fsica, moral, espiritual, intelectual e
socialmente, segundo Silvio Rodrigues116 o dever principal que incumbe aos pais:
[...], pois quem pe filhos no mundo deve prov-los com os elementos materiais para a sobrevivncia, bem como fornece-lhes educao de acordo com seus recursos, capaz de propiciar ao filho, quando adulto, um meio de ganhar a vida e de ser elemento til a sociedade.
- t-los em sua companhia e guarda: esse direito de guarda ,
concomitantemente, um direito-dever dos titulares do poder familiar, dever, pois, a
quem cabe criar, incumbe guardar, e dever porque os pais podem reter os filhos no
lar, conservando-lhes junto a si, conforme Maria Helena Diniz117.
[...] os pais podem reter os filhos no lar, conservando-os junto a si, regendo seu comportamento em relaes com terceiros, proibindo sua convivncia com certas pessoas ou sua freqncia a determinados lugares, por julgar inconveniente aos interesses dos menores.
- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casar: no
tem grande importncia para o direito brasileiro, uma vez que tal consentimento
paterno pode ser suprido judicialmente.
- nomear-lhes tutor: tutela testamentria.
116 RODRIGUES, Silvio. Direito civil direito de famlia, p. 361. 117 DINIZ, Maria Helena. Cdigo civil anotado, p. 382.
48
- represent-los e assisti-los nos atos da vida civil: orientao de
uma pessoa capaz, que os represente ou os assista em todos os atos da vida civil.
os pais representam os filhos menores de 16 anos e assitem dos 16 at
completarem a maioridade por idade e emancipao.
- reclam-los de quem ilegalmente os detenha: por meio da
ao de busca e apreenso. Instrui Washington de Barros Monteiro118, que no
poder exercer o direito de reclamar o filho o pai que se descuida inteiramente dele
ou que o mantm em local prejudicial a sua sade.
- exigir obedincia, respeito e servios prprios de sua idade e
condio: este direito faz parte da educao, podendo, os pais, para alcanar esse
fim castigar moderadamente os filhos. Pode, ainda, os pais exigirem dos filhos
servios prprios da sua idade e condies, a legislao trabalhista, no intuito de
proteger o menor probe o seu trabalho fora do lar at os 16 anos, salvo na condio
de aprendiz, a partir dos 14 anos e veda o trabalho noturno at os 18 anos (arts. 403
e 404 CLT e art. 7, XXXIII da CF).
Os pais tm o dever, no exerccio do poder familiar, de
administrar os bens os bens dos filhos, assistindo-lhes o direito de usar e fruir esses
bens.
Como os menores no tm capacidade de gerir sua pessoa e
bens, so representados ou assistidos por seus genitores. O poder de administrar,
no ensinamento de Orlando Gomes119 compreende:
(...) compreende os atos idneos conservao e ao incremento do patrimnio do filho, podendo o pai celebrar contratos, contrair obrigaes, adquirir bens, e at alien-los, se no forem imveis. Exerce-se sobre todos os bem, salvo, naturalmente os excludos expressamente pela vontade de quem os doou ou legou ao filho.
Os pais em igualdade de condies so os administradores
legais dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, no caso de divergncia
podero recorrer ao judicirio para a soluo necessria.