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Luciane Rangel Guardians – 1º Livro de Extras Micaela & Maire Rio de Janeiro Julho de 2012 *

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Luciane Rangel

Guardians – 1º Livro de Extras

Micaela & Maire

Rio de Janeiro

Julho de 2012

*

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Agradecimentos:

A Ana Claudia Coelho, desenhista, sócia e amiga que me atura como ninguém já

há uns bons anos. Sem palavras para agradecer e expressar o quanto és especial

para mim.

A Déia Dias, a “culpada” por esse extra existir, por ser a leitora que tanto pedia

para que eu contasse como Mic&Maire haviam se conhecido.

A Bia Carvalho. Maninha de Bienal, autora talentosa e amiga preciosa.

Obrigada pelas dicas, pelo apoio... E por fazer parte da minha vida.

A Josiane Veiga, Melissa Araujo e Luísa Lopes, as maiores torcedoras de

Mic&Maire e pessoas fundamentais para que Guardians chegasse onde chegou.

Obrigada por tudo!

A Natallie Alcantara, Camila Araújo Moura, Vanessa Pereira, Fernanda

Brandalise e Joelma Alves, queridas leitoras, que me ajudaram com a betagem

deste extra. Valeu, meninas!

E por último e mais importante: a Marilza e Mailton – mamãe e papai – por

me ensinarem a importância do respeito, da tolerância e do amor. E por serem meus

maiores incentivadores e melhores pais do mundo. Amo vocês!

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Dedicatória

Aos meus queridos leitores:

amigos e apoiadores.

É por vocês que persisto nesse caminho de letras.

Meu eterno agradecimento por todo o carinho.

“Consideramos justa toda forma de amor”

(Lulu Santos)

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Agosto – 2003

Roma – Itália ~ Micaela ~

Lembro que, desde criança, sempre mantive a

postura e os discursos radicalmente feministas. Até que,

pela primeira vez, fui agredida por um homem.

Foi apenas um tapa. O primeiro e o último.

Naquele momento, eu percebi que, em algum ponto, meu

caminho havia sido completamente distorcido. Aliás, foi o

momento em que eu tive a certeza. Perceber, eu já havia

percebido. E foi essa percepção que me levou a dar um

basta. E foi o basta que levou ao tapa.

Leonardo foi a primeira pessoa de quem gostei na

vida. Paixonite boba de infância. Cheguei a namorar outro

cara antes dele, por oito meses, entre os quinze e os

dezesseis anos. Depois que acabou, reencontrei Leonardo

e começamos o nosso relacionamento.

Eu cheguei a amá-lo, de fato... Ou a amar a pessoa

que eu acreditava que ele fosse... Mas isso acabou mais

rápido do que eu poderia prever.

O amor deu lugar à conveniência;

O namoro, à obrigação;

O carinho, à rotina;

A amizade... Bem, esta nunca chegou de fato a

existir entre nós.

Já estávamos juntos há um ano e seis meses

quando eu declarei que queria terminar. Além da apatia da

relação, houve um motivo: descobri que ele estava tendo

um caso com a secretária do pai dele. Não, não gastarei

linhas e mais linhas para descrever a dita cuja. Mesmo

porque, para ser bem sincera, eu não me lembro nem se

ela era loira ou morena, muito menos se era mais bonita

ou mais feia do que eu. Não teci comparações. Não houve

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escândalos da minha parte. Nem ao menos lágrimas. Não

senti tristeza, apenas aquela sensação de orgulho ferido e

alívio. Sim, alívio, por enfim ter encontrado o motivo

concreto que precisava para por um fim a tudo.

O problema de ter uma mente racional é que ela

me impedia de perceber a irracionalidade que existia em

viver uma relação sem amor. De alguma forma muito fria

e estúpida, eu achava que isso era normal. Ele era três

anos mais velho que eu, vinha de uma ótima família amiga

da minha, possuía uma excelente situação financeira,

tínhamos um plano de vida em comum e – eu acreditava –

ele era fiel. Quebrada uma dessas regras de perfeição, eu

sentia que poderia dar um fim a tudo. Essa era a lógica.

Então, eu disse que tudo estava terminado e ele me

bateu. Nem mesmo o meu pai nunca havia levantado a

mão para mim. Como aquele homem poderia se sentir

nesse direito?

Mas, como eu disse, aquela foi a primeira e a

última vez na minha vida que eu permiti que alguém me

julgasse como uma posse e ousasse me ferir. Jurei, ali

mesmo, que aquilo jamais voltaria a ocorrer.

A minha reação? Não tive ânimo para reagir,

apesar de saber que, se quisesse, poderia até mesmo matá-

lo, e nem precisaria de energia Guardiã para isso. Treinava

artes marciais desde criança e tinha muito mais força física

do que aquele fracote. Porém, simplesmente, não quis

reagir. Senti-me subitamente fraca e cansada demais para

isso. Então, apenas peguei a minha bolsa e saí do

apartamento dele, ignorando os gritos nervosos, que logo

deram lugar a pedidos de desculpa e súplicas para que eu

não o deixasse. Dei apenas o meu silêncio como resposta e

fui para casa. Não contei aos meus pais sobre a traição,

muito menos sobre o tapa. Tive vergonha de expor que a

filha que criaram para ser uma Guardiã, tão forte e cheia

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de valores e orgulho próprio, tivesse passado por algo

assim. Apenas disse que meu namoro havia chegado ao

fim, e eles lamentaram pela perda do genro dos sonhos.

Achei que seria menos triste do que lamentarem a

vergonha da filha.

E então, com a mente e os sentimentos

bagunçados, decidi que queria uma mudança radical de

ares, de rotina, de endereço... De vida.

E foi assim que, meses depois, Maire surgiria em

meu caminho.

Parte 1

- Strada facendo -

Abril – 2004.

Madrid – Espanha. ~ Micaela ~

A primeira mudança tinha sido um corte de cabelo.

Mas nada que se descreveria como radical. Certo que

antes eles batiam na cintura e agora estavam pouco abaixo

dos ombros, mas ainda assim poderiam ser classificados

como compridos. Não foi muito por vaidade, mas também

afirmo que não foi por pirraça como a minha mãe

imaginou, já que meu ex-namorado passara todo o um ano

e meio do relacionamento dizendo que adorava meus

cabelos longos e pedindo para que eu não os cortasse.

Não, garanto, não sou dada a essas atitudes passionais.

Cortei porque estava de saco cheio da minha própria

aparência e daquele cabelo enorme que só servia para dar

trabalho e incomodar no calor.

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A segunda mudança: a inscrição no vestibular. Não

tentei em Roma. Arrisquei poucas universidades dentro da

Itália, apenas por desencargo de consciência para o caso

de não passar na que focava. Besteira, pois passei em

todas. Inclusive na focada: a Universidad de Madrid.

Motivos: é renomada, tem um excelente curso de

Engenharia da Computação, e, principalmente, fica a

quase dois mil quilômetros de casa.

Disse que queria mudar de ares, não é? Um ar mais

diferente que aquele, só se eu fosse, sei lá... pra América.

Fui para Madrid durante as férias, para organizar a

futura moradia. Um mês depois, voltei, dessa vez para

ficar. Cheguei num domingo à noite, na véspera do

primeiro dia de aula. Na segunda de manhã, o telefone

recém-instalado tocou. Não precisei de identificador de

chamada para saber quem era.

─ Diga, papa1. – atendi, apanhando o aparelho sem

fio que ficava em cima da bancada que dividia a cozinha

da sala.

─ Sua mãe quer saber se já está na nova casa.

Achei graça da pergunta. Afinal, ela me ligara na

noite anterior, para o meu celular, quando eu disse que

estava entrando no estacionamento do prédio. Será que

achou que eu tivesse me perdido no elevador?

─ Acalme a sua esposa. Eu estou bem e em casa.

─ E como vão as coisas por aí?

─ Bagunçadas. – dei uma boa olhada ao meu redor.

O chão estava cheio de caixas, coisas da mudança que eu

ainda não havia organizado. Minhas três malas, ainda

fechadas, encontravam-se num canto da sala – Mas logo

tudo se ajeita.

1 papai

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Eu ri. Um riso leve, contido. Nunca fui o tipo de

pessoa que sorri com facilidade, mas meu pai era um dos

poucos que conseguiam me fazer sentir-me

completamente à vontade em alguma conversa, por mais

banal que fosse. Dávamo-nos muito bem. Não que eu

tivesse qualquer problema com a minha mãe, mas acredito

que, por sermos tão parecidas, era difícil uma conseguir

“quebrar o gelo” da outra. Já o meu pai, era um doce de

pessoa e, apesar das personalidades diferentes, tínhamos

muitos gostos em comum e nunca ficávamos sem assunto.

─ Já começamos a sentir a sua falta. – ele declarou.

─ Papa, não é como se eu tivesse ido para o outro

lado do mundo. A Espanha não fica tão longe. Vou para a

Itália visitá-los uma vez ao mês, não prometi?

─ Você é tão jovem, Mic. Acho muito precoce essa

sua ideia de se mudar para tão longe e morar sozinha...

E nessa opinião dele, certamente tinha muito da

influência superprotetora da minha mãe.

─ Já tenho dezenove anos, pai. Adiei meu ingresso

na faculdade em um ano... Não poderia continuar

deixando o tempo passar. Em quatro anos, estarei voltando

para a Itália.

─ Quatro anos é muito tempo. Muita coisa pode

acontecer em quatro anos.

Pensei no exagero daquela declaração. Tirando a

possibilidade da barreira que nos separa do mundo youkai2

vir a se abrir, não conseguia imaginar nada de

significativo que pudesse ocorrer naquele espaço de

tempo. Apenas me formaria e, com o diploma em mãos,

voltaria para meu país, onde conseguiria um emprego e, aí

sim, minha vida mudaria em alguma coisa.

2 Demônio, monstro ou criatura sobrenatural. Figura da mitologia

japonesa, presente na série Guardians.

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Optei por trocar de assunto:

─ E minha mãe, como está?

─ Está aqui ao meu lado e quer falar com você.

Enquanto aguardava minha mãe assumir a ligação,

abaixei-me atrás da mesa do computador, começando a

conectar os fios. Todo o restante da arrumação poderia

ficar para o dia seguinte, mas o meu PC seria a primeira

coisa a ser posta para funcionar.

Continuei com o trabalho, mesmo quando ouvi a

voz autoritária do outro lado da linha telefônica:

─ Mic, volte para casa. – Gabrielle Angeli sabia ser

direta.

─ Oi, mãe. Eu estou bem, e a senhora? – sim, e eu

sabia ser irônica.

─ Volte para a Itália.

Suspirei, cansada. Não conseguia acreditar que

teríamos aquela discussão mais uma vez.

─ Mãe, me esforcei muito para conseguir uma vaga

na Universidade de Madrid. Não me obrigue a jogar tudo

para o alto.

─ Precisava ter terminado seu namoro por causa

disso? Ainda que você insistisse em ir para a Espanha,

vocês passariam a se ver menos, mas o amor de vocês iria

sobreviver a isso.

Na cabeça da minha mãe, o motivo do término do

meu namoro havia sido a faculdade. Bem, na verdade, foi

a desculpa que eu dei: não queria continuar num

relacionamento, pois pretendia me dedicar aos estudos.

Conhecendo como ninguém as minhas lógicas racionais,

foi fácil para ela acreditar nisso.

Porém, acreditar não era sinônimo de concordar.

Então, sempre que podia, ela voltava a bater na mesma

tecla e a insistir para que eu repensasse e desse uma

segunda chance a Leonardo.

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Terminando de plugar o último cabo na CPU, eu

pedi:

─ Deixe-me ser feliz, mamma3. Por favor.

Houve um breve silêncio e eu não estranhei isso.

Por mais que eu soubesse que ela logo retornaria ao

assunto, também tinha a consciência de que, para acabar

com aquilo por ora, era apenas uma questão de usar os

melhores argumentos. E nenhum poderia ser melhor do

que aquele. Afinal, por mais divergências que pudéssemos

ter, eu sempre soube que não haveria nada que minha mãe

não fosse capaz de fazer pela minha felicidade.

Com o tempo, eu descobri que isso, como tudo na

vida, também era relativo. A noção de “felicidade” que ela

tinha era bem divergente da minha.

─ Pense bem em tudo isso, filha. – ela voltou a

falar – Para não se arrepender no futuro. Você sabe que

será muito difícil encontrar outro rapaz como o...

─ Mamma – eu a interrompi – Eu estou feliz com

essa nova fase da minha vida, de verdade. Por favor, me

deixe viver isso.

Mais um breve silêncio. Até que ela, enfim, deu-se

por vencida:

─ Boa sorte na nova faculdade.

Novamente, eu sorri. Agradecida e aliviada.

Mudamos de assunto e conversamos por mais alguns

minutos, mas logo fui obrigada a me despedir e desligar.

Era o primeiro dia de aula, e seria bom chegar cedo para

confirmar a grade de disciplinas e procurar as salas. Nunca

gostei de atrasos.

Assim, peguei minha mochila, as chaves do carro e

saí.

3 Mamãe

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Jamais poderia imaginar que aquele dia mudaria

toda a minha vida.

***** ~ Maire ~

─ O que você pode fazer para retardar o

aquecimento global?

─ Ligar o ar-condicionado?

Juro que nunca gostei de insultar as pessoas.

Porém, foi impossível evitar fazer a associação do adjetivo

“idiota” com aquele garoto à minha frente. Pelos livros

que trazia em mãos, parecia se tratar de um estudante de

algum dos cursos de Ciências Exatas, além de se vestir no

estilo mais nerd possível. Eu simplesmente não poderia

crer que alguém com aquele perfil pudesse dar uma

resposta tão... desculpe... idiota!

Não havia outro adjetivo. Não mesmo. Eu juro que

tentei pensar em outro, mas não consegui.

Aliás, todas as repostas de todos os alunos que

abordei em frente ao prédio do setor de Exatas foram neste

nível. Bem que me alertaram que seria bem mais eficaz

continuar a panfletar no Setor de Biológicas ou no de

Humanas, mas... Acabei sendo seduzida pelo desafio. E

não estava gostando do resultado.

Tentando me desvencilhar dos pensamentos

negativos, entreguei um dos panfletos ao rapaz... desculpe

mais uma vez... idiota, e fiz a minha propaganda:

─ Venha assistir a nossa palestra, dia 25 do mês

que vem, no auditório do Curso de Biologia. Debateremos

sobre as formas com que nós, cidadãos comuns, podemos

contribuir para reverter esse quadro.

─ ...Ah... Valeu.

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Ele não pareceu muito interessado no tema. Se eu

já havia desconfiado disso, tive a confirmação quando o

vi, enquanto andava, amassar o papel e arremessá-lo em

direção a uma lixeira. E nem percebeu que errou o alvo e o

panfleto foi parar no chão.

Ao menos, mandei fazer aqueles flyers em papel

reciclado. Minha consciência pesava um pouco menos ao

ver tantos deles tendo o mesmo destino: o lixo.

Como já havia feito outras vezes, fui até lá e

apanhei o papel amassado, jogando-o na lixeira. Assim,

voltei ao meu trabalho, distribuindo mais alguns panfletos,

embora percebesse que ninguém ali demonstrava qualquer

interesse real naquilo.

Fica difícil melhorar o mundo dessa forma.

De repente, sofri um leve susto ao ver uma mão se

aproximar repentinamente, puxando um dos papéis. Virei-

me para ver quem era e sorri. Era Pablo, um amigo meu.

Estudávamos na mesma turma. Ele tinha a minha

idade – dezoito anos – e era um cara que chamava bastante

a atenção. Não por ser lindo de morrer. Era bonito, sem

dúvidas, mas nada muito extraordinário: moreno, estatura

mediana, olhos verdes, nem gordo nem magro... Mas o

charme dele estava na simpatia.

Ah, sim... E era atualmente o meu único amigo

hetero. Já mencionei que sou lésbica? Bem... Se sem

mencionar, ninguém deu muita atenção aos meus

panfletos... imagine se tivesse mencionado!

Madrid não é Amsterdã.

─ Palestra sobre o aquecimento global? – ele

franziu a testa, enquanto lia o panfleto.

─ Vai me prestigiar? – pisquei um dos olhos e notei

que Pablo ficou levemente corado diante disso.

Será que a brincadeira tinha dado resultado?

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Contudo, no instante seguinte ele fez bico e

rebateu:

─ Não adianta fazer charme pra me convencer.

Sabe que eu sei que você joga no mesmo time que eu.

Eu ri. Bem que tentei, mas não teria como enganar

um amigo, afinal.

─ No dia em que eu mudar de ideia, você será o

primeiro na minha lista.

─ Não estou certo de que as pessoas “mudem de

ideia” sobre essas coisas. Mas sinto-me lisonjeado por

sequer fazer parte de sua lista. Já que é notório que você

está na lista do Campus inteiro. Seja na lista negra, ou na

de sonhos de consumo.

─ Não exagere!

─ Não é exagero, gata. As mulheres homo te

idolatram. As hetero te invejam mortalmente, porque

sabem que os namorados delas arrastam um caminhão por

você.

Voltei a rir e optei por mudar de assunto. Vi ali a

esperança de ao menos uma boa alma dar alguma atenção

à minha causa.

─ E você, o que faz para reverter o aquecimento

global?

─ O que você me sugere?

─ Você sempre vem de carro, certo? Mas mora a

dez minutos daqui. Poderia começar a vir para a

Faculdade a pé, ou de bicicleta. O meio ambiente iria

agradecer, e a sua saúde também.

─ Minha saúde está ótima!

Nisso, outra voz foi ouvida. Dessa vez, feminina:

─ É mesmo um egoísta!

Olhei para a direção em que o som vinha e avistei

duas amigas minhas se aproximando. E também notei que

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Pablo havia fechado a cara. Não era para menos, ele não

gostava muito delas. A antipatia era mútua, aliás.

Alicia e Paloma eram namoradas, já há uns dois ou

três anos. Conheceram-se no colégio e optaram pela

mesma Universidade, numa forma de continuarem juntas.

Paloma estudava Biologia comigo, enquanto Alicia era do

curso de História.

─ O tempo fechou, gata! – declarou Pablo, dando-

me um beijo na bochecha – estou indo nessa.

Despedi-me e aguardei até que se afastasse, para

poder bronquear com as meninas:

─ Por que sempre o tratam desse jeito?

─ Não gosto de caras hetero. – respondeu Alicia,

irritada. Ela tinha um estilo mais masculino, estava sempre

de jeans largo e tênis e os cabelos, negros e ondulados que

batiam pouco abaixo dos ombros, estavam constantemente

presos – Ou melhor, nada contra os heteros “normais”.

Meu problema é com os idiotas, como esse cara.

Paloma concordou:

─ É, Maire... Você anda com uns tipos estranhos.

Acho que faz isso pra disfarçar. – ao contrário da parceira,

Paloma era mais feminina. Usava sempre vestidos, além

de fivelas nos cabelos castanhos, lisos e curtos.

─ Por que eu disfarçaria? – indaguei, confusa – O

campus todo já sabe.

─ Mas a sua família não. – disse Alicia – Na boa,

lindinha, quando vai resolver se assumir?

Não me incomodei com a pergunta.

─ Enquanto for só curtição, não tenho porque

assumir nada pra ninguém. E, quanto ao Pablo, parem de

implicar com ele. É um cara legal.

─ Ele não tem consciência ecológica, você viu!

Pode deixar que nós iremos em sua palestra, e vamos levar

a nossa galera.

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Pensei em dizer que sabia que Pablo também iria,

mas resolvi deixar isso de lado. Apenas agradeci e

observei enquanto elas se afastavam, indo cada uma em

direção ao prédio onde estudava. Novamente sozinha,

resolvi voltar a fazer minha propaganda, mas tive a

atenção voltada para um grupo de garotos – uns quinze ou

mais – que atravessavam o pátio, fazendo baderna.

Andavam rápido, aos risos e gritos, e volta e meia

esbarravam em alguém propositalmente.

Peço desculpas novamente, mas... que coisa mais...

idiota!

Senti que aquele prédio de Ciências Exatas não me

fazia bem. Por isso, resolvi desistir da panfletagem e ir

embora. Só que outra coisa me chamou a atenção. Vi

quando uma estudante loira atravessou o portão,

apressada, e acabou trombando com os baderneiros, com

isso deixando cair os óculos de seu rosto, que foram

pisoteados pelos rapazes. Eles passaram direto sem ao

menos oferecerem ajuda à pobre moça.

─ Trogloditas... – resmunguei, antes de correr para

ajudar a aluna.

Ao me aproximar, fiquei curiosa ao ver que a

garota não parecia notar a minha presença. Estava aflita,

enquanto apalpava o chão à procura de seus óculos.

─ Caspita! Dov’è? Dio, Dov’è4? – ela resmungava.

Senti minha testa franzir, num misto de surpresa e

incredulidade. Esqueci-me dos arruaceiros e, até mesmo,

da minha intenção de ajudá-la. Estava assombrada com o

que via preso ao pescoço daquela loira.

Era um pingente... De um Guardião.

De verdade, quais eram as chances daquilo estar

acontecendo? Apenas doze indivíduos no mundo tinham

4 Droga! Onde está? Deus, onde está?