12
1 IAMCR2010 . "MEDIA EDUCATION RESEARCH" . BRAGA . 18 A 22 DE JULHO 2010 GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS MEDIADORES DE BRINCADEIRAS‐TRABALHO‐ESTUDO NO KIDS.SAPO.PT Miriam Reis e Maria da Conceição de Oliveira Lopes 1. A FILOSOFIA DO PROJECTO SCRATCH’ANDO COM O SAPO SER HUMANO é um privilégio extraordinário. Cada um de nós tem um património para valorizar e multiplicar. Vivemos uma mudança de época e o futuro, também se escolhe, e essa escolha depende, também, de cada um de nós. Os Direitos do ser Humano, qual porta que se abre por dentro de cada um, num pátio de encontros e desencontros, são na actualidade, uma linha de orientação de elaboração de conteúdos que promovam a aprendizagem social de convivialidade inter‐seres. Somos 6,6 mil milhões de cérebros a pensar em todo o mundo. Há trezentos anos existiam, apenas, 300 milhões. Nunca antes, como agora, existiram condições fascinantes para que a Humanidade possa atingir os objectivos que desde sempre persegue e que Domenico De Masi (2008) sublinha nos seus diálogos criativos: aumentar a esperança de vida, adiando a morte; controlar a dor; acabar com a pobreza; eliminar o cansaço e o tirocínio das diversas formas de escravatura; evitar o tédio; superar a tradição; desencorajar o autoritarismo e conquistar a beleza. A época Pós‐Industrial, em que vivemos, revela como as instituições dos media mudaram face às crianças. A quantidade de aplicações a elas dirigidas e veiculadas, sobretudo, pelos novos media, cria impactos nos educadores que interagem com as crianças e nos pais que respondem à capacidade de decisão e de influência dos filhos. É fascinante verificar como os adultos aceitam com prazer ser ensinados pelas crianças. É de notar que em Portugal, 61 % das famílias com crianças têm dois ou mais computadores, 39 % das crianças portuguesas, entre os 4 e os 5 anos utiliza regularmente a internet, 67% das crianças entre os 6 e 7 anos utilizam o computador na suas práticas quotidianas, e, a partir dos 8 e 9 anos, 78 % das crianças utilizam regularmente o computador. Uma dessas aplicações, e gratuita, é o Scratch da autoria de Mitchel Resnick, Professor do MIT, que reconhece o novo estatuto da criança, respeita o processo de co‐participação comunicativa, reflexiva, criativa e lúdica da criança. Esta aplicação foi traduzida para português e disponibilizada em Portugal pelo Portal SAPO Kids, da empresa Portugal Telecom.

GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

IAMCR2010 . "MEDIA EDUCATION RESEARCH" . BRAGA . 18 A 22 DE JULHO 2010    GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS MEDIADORES DE 

BRINCADEIRAS‐TRABALHO‐ESTUDO NO KIDS.SAPO.PT 

Miriam Reis e Maria da Conceição de Oliveira Lopes 

 

1. A FILOSOFIA DO PROJECTO SCRATCH’ANDO COM O SAPO 

SER HUMANO é um privilégio extraordinário. Cada um de nós tem um património para valorizar e 

multiplicar.  Vivemos  uma  mudança  de  época  e  o  futuro,  também  se  escolhe,  e  essa  escolha 

depende,  também,  de  cada  um  de  nós.  Os  Direitos  do  ser  Humano,  qual  porta  que  se  abre  por 

dentro  de  cada  um,  num  pátio  de  encontros  e  desencontros,  são  na  actualidade,  uma  linha  de 

orientação  de  elaboração  de  conteúdos  que  promovam  a  aprendizagem  social  de  convivialidade 

inter‐seres. 

 

Somos 6,6 mil milhões de cérebros a pensar em todo o mundo. Há trezentos anos existiam, apenas, 

300 milhões.  Nunca  antes,  como  agora,  existiram  condições  fascinantes  para  que  a  Humanidade 

possa atingir os objectivos que desde sempre persegue e que Domenico De Masi  (2008)  sublinha 

nos seus diálogos criativos: aumentar a esperança de vida, adiando a morte; controlar a dor; acabar 

com a pobreza; eliminar o cansaço e o tirocínio das diversas formas de escravatura; evitar o tédio; 

superar a tradição; desencorajar o autoritarismo e conquistar a beleza. 

 

A época Pós‐Industrial, em que vivemos,  revela como as  instituições dos media mudaram face às 

crianças. A quantidade de aplicações a elas dirigidas e  veiculadas,  sobretudo, pelos novos media, 

cria  impactos  nos  educadores  que  interagem  com  as  crianças  e  nos  pais  que  respondem  à 

capacidade de decisão e de influência dos filhos. É fascinante verificar como os adultos aceitam com 

prazer ser ensinados pelas crianças. É de notar que em Portugal, 61 % das famílias com crianças têm 

dois  ou  mais  computadores,  39  %  das  crianças  portuguesas,  entre  os  4  e  os  5  anos  utiliza 

regularmente  a  internet,  67%  das  crianças  entre  os  6  e  7  anos  utilizam  o  computador  na  suas 

práticas  quotidianas,  e,  a  partir  dos  8  e  9  anos,  78  %  das  crianças  utilizam  regularmente  o 

computador. Uma dessas aplicações, e gratuita, é o Scratch da autoria de Mitchel Resnick, Professor 

do  MIT,  que  reconhece  o  novo  estatuto  da  criança,  respeita  o  processo  de  co‐participação 

comunicativa,  reflexiva,  criativa e  lúdica da  criança.  Esta aplicação  foi  traduzida para português e 

disponibilizada em Portugal pelo Portal SAPO Kids, da empresa Portugal Telecom. 

 

Page 2: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

No Projecto “Scratch’ando com o sapo” reconhecemos a importância de interagir no presente para 

que o futuro seja aquilo que hoje desenhamos, tentando responder ao desafio de criar impactos de 

diálogo criativo que contrariem processos de design que se focalizem acriticamente nos resultados 

pelos  resultados.  O  conhecimento  em  design,  comunicação,  ludicidade  e  criatividade  obriga  à 

qualidade  da  reflexão  crítica  sobre  os  valores  humanos  e  sociais  e  impõe  a  lógica  da 

transdisciplinaridade  ao  processo  de  design.  A  busca  da  unidade  de  sentidos,  na  diversidade,  a 

crítica  sem  humilhação,  a  discordância  sem  discórdia,  gera  uma  cultura  de  respeito,  elegância, 

beleza e expansão do conhecimento 

 

Assim,  os  conteúdos  incorporados  nos  perfis  dos  guardiões  do  “Scratch’ando  com  o  sapo”  são 

referidos à Declaração Universal dos Direitos Humanos que, como  já sublinhámos, é considerada, 

neste projecto, um património extraordinário de beleza e de esperança. 

Foi pretexto para muitas conversas entre adultos, os investigadores e entre estes e as crianças que 

nos forneceram os dados que incorporámos na elaboração das narrativas e de que a ilustração dos 

guardiões expressam. 

 

No  âmbito  deste  projecto  dos  laboratórios  do  sapo  da  Universidade  de  Aveiro  construíram‐se 

tutoriais – guias de acção para promover e desenvolver brincadeiras, trabalho e estudo de diversos 

utilizadores do Scratch. Os guardiões do “Scratch'ando com o sapo” — o Pópio e a Pópia, o Argus e 

a Sylla e a Bicuda e o Bilóca — são os personagens mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no 

kids.sapo.pt que guiam as escolhas das crianças. Estes são, também, o foco central do trabalho que 

se apresenta. 

 

 

2. PERFIS DOS GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO” 

Ao  desenvolver  os  guardiões  do  projecto  “Scratch'ando  com  o  sapo”  teve‐se  como  pressuposto 

base  ir ao encontro das  representações visuais das crianças dos 3 aos 13 anos, que constituem a 

amostra  do  projecto. O  desenho  destes  personagens  foi  determinado  pela  análise  das  narrativas 

associadas aos perfis de cada um deles. Estas narrativas foram construídas, a partir da análise dos 

resultados das conversas realizadas com as crianças e  interpretados por Conceição Lopes  (Janeiro 

de 2009). 

 

2.1 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o Jardim‐de‐infância, dos 3 aos 6 anos 

Page 3: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

O Pópio e a Pópia  são os mediadores das acções das crianças dos 3 aos 6 anos no Scratch. Estes 

nomes são da autoria do menino Guilherme Gil Pereira à data com 2 anos e 11 meses de idade. 

 

O Pópio “é um menino que sonha chegar com a cabeça à lua, mas, de dia porque à noite ele sabe 

que é hora de dormir. Dormir para que o dia chegue rápido. Logo que acorda, chama a mãe para 

comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os 

dentes, faz xixi, lava as mãos e veste‐se. Sempre o mesmo ritual. Sempre a mesma vontade de viver 

o dia que começa. Há muito para descobrir, conversar, partilhar com os amigos. Fala, fala sem parar 

e se está calado, está a ouvir para depois perguntar. 

Alguns dos traços físicos, psicológicos e de sociabilização, característicos deste personagem são os 

seguintes:  o  Pópio  é  um  menino  de  figura  morena,  sensível,  com  destreza  física,  autónomo, 

afectivo,  gosta  de  compartilhar  com  os  outros  os  brinquedos,  as  bolachas  e  o  pão  com  doce,  é 

educado e elegante no trato com os outros, sejam crianças ou adultos. É também um observador 

atento,  faz  muitas  perguntas,  gosta  de  conversar,  tem  amigos  reais  e  imaginários  com  quem 

conversa muito e aos estranhos não dá confiança. Gosta muito de  ir com a avó observar as gruas 

que no cais carregam os navios. Adora livros sobretudo os pop‐ups e não há noite nenhuma em que 

a mãe não lhe conte uma história. A praia, o mar e a quinta são lugares predilectos para passear e 

recolher  coisas que  traz nos bolsos.  Tem um armário onde guarda os  tesouros, entre os quais as 

ferramentas da carpintaria, e todos os dias escolhe um que leva para o Jardim‐de‐infância, gosta de 

ser útil e ajudar os outros. E, varrer com a vassoura grande é, para ele, muito divertido para além 

das brincadeiras com os amigos.” 

 

A  Pópia  “é  muito  amiga  do  Pópio.  Andam  na  mesma  escola,  mas  nem  sempre  brincam  juntos. 

Quando  brincam,  acabam  sempre  à  bulha.  Zangam‐se  e  depois  fazem  as  pazes. Mas  não  é  logo 

porque a Pópia não gosta de pedir desculpa. 

A Pópia gosta muito de bolachas. Todos os dias leva um pacote e bolachas para a escola. Os amigos 

chamam‐lhe o monstro das bolachas porque ela nunca  lhes dá uma. Come  tudo até acabar e  faz 

pirraça. Por isso eles depois não querem brincar com ela. 

As meninas querem brincar com ela às bonecas, mas ela não gosta muito. Tem a Shara e não quer 

que as outras andem com ela ao colo. A Pópia adora jogar à bola mas os meninos não jogam com 

ela e ela também não pede. Em vez de ficar sozinha, arranjou um amigo imaginário; o jasmim, e no 

recreio  joga  com  ele  aos  golos  contra  a  parede.  Quando  fica  farta  desafia  o  amigo  Pópio  para 

brincar  às  lutas  dos  animais.  Com as meninas  faz  corridas  a  ver  quem chega primeiro.  Ela  ganha 

sempre. Se não ganha amua e diz que fizeram batota. 

Page 4: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

Quanto aos traços de distinção da Pópia, esta personagem apresenta uma tez clara, tem destreza 

física. É sensível mas,  também, é autónoma. Não gosta muito de partilhar as suas coisas. E, umas 

vezes é elegante no trato com os outros e, outras vezes, nem tanto é um pouco rude. Adora a sua 

bola.  Gosta  de  subir  e  descer  as  escadas  à  gato.  Gosta  de  dançar mesmo  sem música  e  é  uma 

apreciadora  da  vida  na  quinta.  Para  além  de  gostar  muito  de  brincar  com  os  amigos  e  com  os 

crescidos, gosta muito de ir com o avô aos concertos da banda no coreto. Já sabe conta, gosta muito 

de desenhar e de escrever cartas com um código que ela mesma inventou.” 

 

 

 

 

2.2 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o 1º ciclo do ensino básico, dos 7 aos 9 anos 

O Argus e a Sylla são os mediadores das acções das crianças dos 7 aos 9 anos no Scratch.  

 

O Argus “está sempre com um sorriso nos lábios. É bem disposto, simpático quando quer e vaidoso. 

Tem a mania que só os meninos são fortes. Não gosta que as meninas brinquem com os brinquedos 

dele ou que o agarrem. Muito menos a irmã. Um dia sonhou que uma menina o agarrou e beijou. 

Acordou cheio de medo e foi perguntar ao pai, porque é que se beija na boca? Esta foi a primeira 

pergunta de muitos porquês. O Argus questiona tudo o que vê, nunca se cansa de fazer perguntas. 

Gosta de se vestir com a roupa dos super heróis e brincar com o pai em cima da cama. O pai perde 

Page 5: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

sempre. Na escola conta as aventuras e os relatos do futebol. Sim, o Argus é do Sporting e este fim 

de semana o Sporting ganhou ao Benfica. O Argus foi para a escola com o equipamento completo 

do Liedson, apesar do frio. É um leão que puxa pela equipa no estádio e pelos amigos quando estão 

a perder. 

O Argus tem os olhos grandes, o cabelo liso e louro, é forte e robusto e muito brincalhão. Respeita 

sempre os outros e gosta que o respeitem da mesma forma e fica zangado quando tal não acontece. 

É  um menino  fraterno,  gosta  de  conversar,  de  fazer  perguntas  e  de  construir  respostas  com  os 

amigos.  Adora  brincar  com  os  pais  no  computador  e  inventar  problemas  para  resolverem  em 

conjunto, gosta de inventar histórias e pôr o mundo de pernas para o ar.” 

 

A Sylla “gosta muito de ler, dançar ballet e conversar. Adora falar, falar e, agora, que percebeu que 

também pode  falar  no  computador,  não  pára,  é  até  a mãe  se  zangar,  isto  porque  todas  as  suas 

amigas estão no messenger. À noite depois de desligarem os pc’s  trocam sms, conversam sobre a 

escola, os rapazes, as músicas, os filmes... e o que elas mais gostam é quando dormem na casa umas 

das outras. É uma festa! Conversar toda a noite. A Sylla gostava de ser bailarina, actriz e cantora. 

Gosta muito de ver televisão e de ver concursos. Ela já pediu à mãe para concorrer, mas, a mãe diz 

que tem de estudar e crescer. Agora, até dá um programa que a quem souber cantar a música da 

Kate Perry ganha um mobile tv. Ela adorava ter um, nem dorme só a pensar. A Sylla é boa a inglês, 

já sabe a letra toda e na escola dizem que é igual a ela. 

A  Sylla  é  uma  menina  mulata,  com  a  boca  e  olhos  grandes  rasgados.  É  uma  menina  muito 

brincalhona, respeita os outros e exige que a respeitem da mesma forma, adora fazer perguntas e 

construir  respostas  com os  amigos.  É  fraterna e  gosta de  conversar,  adora  cinema e  sempre que 

pode vai ver um filme a seguir à escola. Gosta muito de brincar com os amigos no jardim e na rede 

de jogos de computador, gosta de pregar partidas aos amigos e quando se zanga amua com muita 

facilidade.” 

 

Page 6: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

 

 

 

2.2 Guardiões do “Scratch'ando com o sapo” para o 2º ciclo do ensino básico, dos 10 aos 12 anos 

A Bicuda e o Bilóca são os mediadores das acções das crianças dos 10 aos 12 anos no Scratch.  

 

A Bicuda “nasceu no Verão, de madrugada e, talvez, por isso acorda sempre cedo. De manhã come 

nestum de arroz. Depois vai para a escola. Ela gosta de estudar, de  ler e de aprender. Depois da 

escola gosta de dançar, de ouvir música e de fazer ginástica. A mãe comprou uma revista que trazia 

um vídeo de uma senhora a fazer ginástica, ela adorou o presente e sempre que pode fecha‐se na 

sala a ver o vídeo e a imitar. É uma festa! À noite gosta de ajudar a fazer o jantar e adora inventar 

comidas.  Às  vezes,  depois  do  jantar  que  é  quase  sempre  pescada  cozida  com  batatas,  gosta  de 

inventar umas misturas de massa de bolo e come com o irmão enquanto vêem e conversam sobre o 

que estão a ver na televisão. É uma menina muito gulosa!!! 

A Bicuda é alta, morena, tem o cabelo preto e com os olhos muito grandes. Adora acessórios e tem 

vários anéis feitos com botões. É bastante autónoma, sensível, solidária e imaginativa, tem muitos 

amigos,  gosta  de  brincar  no  Scratch  com  os  amigos,  criar  brincadeiras  e  jogos  em  conjunto  e  é 

sempre a líder do grupo, adora ballet, ginástica, a praia e o sol, andar de bicicleta e escrever.” 

 

Page 7: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

O Bilóca “nasceu no Inverno ao início da noite talvez, por isso, gosta muito da noite e de dormir. Ao 

fim de semana, só acorda quando ouve a mãe dizer: almoço na mesa!! O Bilóca gosta de estar em 

casa e de brincar sozinho, se tiver os seus jogos e a televisão não precisa de mais nada. Adora jogar 

basquete, fazer judo e jogar à bola, mas, rapidamente se farta, só dos jogos de computador é que 

não. O Bilóca é grande e forte mas tem cara de menino e por isso os meninos maiores estão sempre 

a tentar pregar‐lhe partidas e a meter‐se com ele. Ele é tímido e não responde, foge a sete pés. O 

Bilóca  adora  ir  ao  cinema,  consegue  ver  2  ou  3  filmes  de  seguida.  Sabe  o  nome  dos  actores, 

realizadores e até dos argumentistas. Quando vai ao cinema, de noite, a dormir, sonha alto, a mãe 

diz que fala com a irmã, com quem divide o quarto. Falam, às vezes, mais de noite do que de dia. A 

cumplicidade  deles  vive  muitas  vezes  no  silêncio  e  nos  olhares  que  partilham.  Ele  adora  as 

miscelâneas que a irmã inventa. Ontem à noite era cerelac em pó com açúcar. Já experimentaram? 

O  Bilóca  tem  a  pele  castanha  escura,  farripas  de  cabelo  pela  testa  a  baixo,  é  magrinho  e 

desengonçado  e  tem  os  pés  grandes.  É  um menino  simpático,  respeita  os  outros,  é  divertido  e 

brincalhão e aprendeu a conviver com os seus medos. Tem muitos amigos. Gosta de acampar e de 

teatro  e  inventa  muitas  personagens  inspiradas  na  mitologia  grega.  Na  escola,  gosta  de  alguns 

professores.  Ajuda  os  outros,  adora  matemática  e  música.  Gosta  muito  de  programar  jogos  e 

brincadeiras e depois partilhá‐las com os amigos.” 

 

 

 

Page 8: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

 

3. DA ILUSTRAÇÃO 

Antes de avançarmos, para o enunciar das opções de ilustração que tomámos para o desenho dos 

guardiões, impera que façamos algumas considerações sobre esta disciplina. 

 

A ilustração é uma parte do design e certamente uma disciplina que lhe está intrinsecamente ligada. 

De uma forma sucinta, poderemos afirmar que é uma forma de expressão que tem como principal 

intuito comunicar. Na ilustração, o desenho, de uma forma concreta, serve para informar.  

Para  além  do  referido,  no  âmbito  da  representação  e,  consequentemente,  da  comunicação,  a 

ilustração  torna‐se  bastante mais  concreta  do  que  o  código  verbal  escrito  que,  nesta  dimensão, 

poderá dizer‐se que tem uma forma abstracta e de mais difícil compreensão. A ilustração tem um 

reconhecimento  universal,  é  mais  facilmente  inteligível  do  que  o  código  escrito,  e  pode  ser 

compreendida  pela  maior  parte  das  pessoas,  com  a  excepção  de  algumas  representações  de 

carácter cultural e de índole étnica. Tem, portanto, também um carácter de inclusão, na medida em 

que permite que o mais novo dos pré‐leitores  consiga  compreender de alguma  forma, ainda que 

não na  totalidade, a história. Segundo  Ju Godinho e Eduardo Filipe,  ilustrações  são “imagens que 

nos contam histórias. (...) que fazem apelo a sentimentos e memórias profundas, que nos remetem 

para o universo fantástico dos contos que nos ajudaram a ultrapassar medos, a transpor barreiras, a 

crescer.” (Filipe & Godinho, 2003: 7). 

 

No entanto,  é  errado pensar que a  interpretação de  imagens é um processo  inato. Ainda que as 

crianças passem a ser facilmente leitores de narrativas pictóricas e, assim, conseguindo dar sentido 

a um conjunto de imagens, o entendimento pictórico e a compreensão da narrativa visual exige que 

se vá aprendendo o código, e esta aprendizagem será construída socialmente, ainda que não exista 

um ensino onde se aprenda a ler imagens. Esta aprendizagem, segundo Martin Salisbury, pode ser 

denominada  de  “alfabetização  visual”,  referindo‐se  este  estudioso  à  destreza  de  ver,  desenhar  e 

formar  juízos  estéticos  e  não  só  à  capacidade  de  descodificar  as  imagens  em  palavras  ou 

significados (Salisbury, 2007: 7). A criança interpreta e reconhece as imagens devido às experiências 

que  vai  acumulando  do  mundo,  habituando‐se  a  lidar  com  a  diferença,  por  vezes,  abissal,  que 

separa  a  realidade  e  a  representação  desta.  Neste  sentido,  poderemos  afirmar  que  a  ilustração 

assume  uma  maior  importância  do  que  o  texto,  ao  falarmos  de  crianças  pequenas  (leitores 

iniciantes  e  pré‐leitores),  fazendo  com  que  exista  igualdade  no  processo  de  apreensão  e 

compreensão da narrativa que, à partida, poderia ficar comprometido tanto nos leitores iniciantes 

como  nos  que  ainda  não  decifram  o  código  verbal.  Esta  possui,  também,  um  papel  crucial, 

Page 9: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

assumindo‐se como “factor de selecção e de definição do (des)gosto em face de uma obra, ou até 

de (des)motivação para a sua leitura.” (Silva, 2002: 7). 

 

Quanto  ao  sentido  da  palavra  ilustração,  contido  na  sua  raiz  etimológica,  segundo  o  Dicionário 

Etimológico da Língua Portuguesa, esta deriva do latim illustratiõne e representa “acto de iluminar, 

de tornar brilhante”. 

 

Assim,  poderemos  dizer  que  uma  ilustração,  sendo  uma  representação  pictórica  que  pretende 

complementar, adornar ou ajudar a esclarecer algo no texto, tendo, portanto, também um carácter 

pedagógico, é, essencialmente, e exactamente como advém da sua raiz etimológica, “trazer luz para 

uma  obra”.  (Maia,  2002)  Neste  seguimento,  para  Isidro  Ferrer  (1963‐),  o  acto  de  ilustrar  quer 

também dizer  iluminar  alguma  coisa  e,  para o  autor,  a  ilustração está  em pleno quando permite 

diferentes leituras e não repete só o texto. Nesta perspectiva, o ilustrador tem um papel fulcral na 

transmissão  da  sua  própria  visão  sobre  as  coisas  já  que  este  é  também  autor,  tendo,  portanto, 

também  responsabilidade  sobre  a  obra,  apesar  de,  por  vezes,  se  esquecer  disso  (Ferrer,  2004). 

Também  para  Steven  Heller  (2005),  a  ilustração  tem  como  intenção  iluminar,  fazer  viver  um 

manuscrito e dar‐lhe profundidade. 

 

Como é óbvio, nas definições que apresentámos referimo‐nos à ilustração em livros, no entanto, e 

apesar da ilustração destas personagens não seguir uma narrativa textual, a sua função mantém‐se. 

Isto  é,  os  guardiões  também  ajudam  a  esclarecer  alguma  coisa,  têm  carácter  pedagógico, 

pretendem fazer viver este projecto e incluir as crianças no mesmo.  

 

Em relação à criação de personagens, na ilustração, é essencial que estas sejam convincentes, este 

aspecto  será  determinante  no  sucesso  da  narrativa  visual. Mesmo  que  todos  os  outros  aspectos 

estejam  bem  desenvolvidos,  acabam  por  não  ser  relevantes  se  o  utilizador  não  acreditar  na 

personagem. Claro que, para que isto aconteça, será necessário que o ilustrador também acredite 

totalmente na sua criação. 

 

A forma como se cria um personagem varia muito de ilustrador para ilustrador. Quando existe uma 

narrativa  textual  para  ser  ilustrada,  o  ponto  de  partida  pode  ser  uma  detalhada  descrição  dos 

hábitos  dessa  personagem,  os  movimentos,  a  aparência  física,  roupas,  e  assim  por  diante.  O 

ilustrador  pode,  consciente  ou  inconscientemente,  basear  a  sua  interpretação  no  conhecimento 

Page 10: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

10 

que  tem da  vida  real.  Em  alguns  casos  os  personagens  tornam‐se  tão  fortes  que  podem mesmo 

influenciar e ditar o rumo da narrativa. 

 

O desenvolvimento de personagens com sucesso requer uma combinação de duas coisas: primeiro, 

um  interesse pelos caprichos e excentricidades da natureza humana e,  segundo, a  capacidade de 

representar  essas  excentricidades  através  do  desenho.  O  primeiro  pode  ser  inerente,  o  segundo 

pode ser aprendido (Salisbury, 2007). 

 

Ao nível do desenho, estes personagens foram construídos tendo por base os perfis referidos acima, 

um  conjunto  de  dados  recolhidos  da  observação  participante  e  da  recolha  das  orientações  das 

crianças dos diversos grupos do projecto. Associados em três faixas etárias — dos 3 aos 6 anos, dos 

7  aos  9  anos  e  dos  10  aos  12  anos —  ,  os  guardiões  projectam os universos  visuais  das  crianças 

participantes, podendo ser, por  isso,  facilmente,  identificados pelos diversos grupos etários a que 

pertencem.  O  mesmo  acontece  em  relação  aos  acessórios  que  caracterizam  cada  uma  das 

personagens que, também, contribuem para a apreensão tanto ao nível do reconhecimento visual 

como verbal. Assim, a Pópia e o Pópio guiam as acções das crianças entre os 3 e 6 anos e têm como 

adereços a boneca, a bola, o  livro e  ferramentas. O Argus e a Sylla  com  idades entre os 7 e os 9 

anos,  são  adereçados  com  fantasias  de  super  heróis,  estrelas,  ipod,  adornos  para  o  cabelo  e 

microfone  para  karaoke.  A  Bicuda  e  Bilóca  entre  os  10  aos  12  anos  exibem  uma  carteira,  anéis, 

avental da quinta, chapéu de jardineiro, ferramentas para cuidar da natureza e cesto de fruta.  

 

Relativamente às opções de ilustração é relevante salientar o uso das cores planas fortes e alegres, 

da linha simples, de pouca textura e de pouco ruído visual, não exagerando nos pormenores, não só 

porque  os  guardiões  serão,  essencialmente,  para  ser  vistos  num  formato  pequeno  e  no  ecrã  de 

computador mas, conjuntamente, para conseguir manter o foco de atenção dos utilizadores no que 

é essencial.  

 

Sublinha‐se  também,  ainda  que  se  trate  de  ilustração  para  a  infância,  o  respeito  pela  anatomia 

humana,  isto  é,  optou‐se  por  desenhar  as  personagens  com  uma  fisionomia  o mais  aproximada 

possível da figura humana com o intuito de facilitar a inserção destas personagens no mundo real 

da  criança.  Apesar  deste  aspecto,  optámos  por  desenhar  estas  personagens  de  forma 

bidimensional,  sem  lhes  dar  grande  volume  na medida  em  que,  como  também  referimos,  serão 

para ser utilizados e visualizados numa plataforma web e com um tamanho bastante reduzido. 

 

Page 11: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

11 

Obviamente,  tratando‐se de personagens para serem vistas e utilizadas no computador, optou‐se 

pelo desenho digital, vectorial, que nos permitia ser mais rápidos nas alterações que pudessem ser 

efectuadas,  aumentar  ou  diminuir  sem  perder  definição,  se  a  determinada  altura  o  projecto  o 

exigisse, mas, também, para estar de acordo com o espírito do projecto. 

 

Na  ilustração digital  é normal,  a  certa altura, um determinado estilo de  ilustrar estar na moda, e 

toda a gente resolve experimentar e aprende a técnica. Isto torna‐se cansativo muito rapidamente. 

Existem  inúmeras  pessoas  a  dominar  o  software  de  desenho  e  tratamento  de  imagem, 

nomeadamente,  o  Photoshop  e  Illustrator,  mas  isso,  por  si  só  não  é  o  suficiente  para  se  ser 

ilustrador e produzir um bom trabalho. É frequente acontecer, com as tecnologias emergentes, as 

inovações  facilitarem a  criatividade, mas,  também poderem asfixiar  ou  simplesmente  restringi‐la. 

Porém, neste caso, justifica‐se o recurso ao desenho digital pelos motivos já enumerados. 

 

Neste  projecto,  tentámos  desenvolver  uma  linguagem  própria  que  se  adequasse  ao  conceito 

existente  e  que  fosse  de  encontro  às  outras  personagens  que  haviam  sido  criadas  por  outra 

designer, Salomé Valente. Desta  forma,  seria necessário criar uma coerência gráfica ainda que os 

guardiões  não  estivessem  directamente  relacionados  com  as  outras  personagens,  ou  seja,  não 

seriam para usar em simultâneo. 

 

Para  terminar  consideramos  que  a  criação  e  ilustração  destas  personagens,  guardiões  do 

“Scratch’ando com o sapo” e mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt foi uma 

mais valia para a elaboração dos 11  tutoriais que contribuem para  formar as crianças na  literacia 

Scratch. A simplicidade do seu desenho pode possibilitar a  identificação das crianças com os seus 

guardiões  que  neles  se  projectam.  E,  deste  modo,  promover  as  brincriações  (brincadeiras  e 

criações) no “Scratch’ando com o sapo” e divertirem‐se. 

Os multivalores da educação no século XXI deverão ser preservados como herança a transmitir, a 

explicar e a praticar pelos educadores com as crianças, estes estão inscritos nas narrativas dos perfis 

dos mediadores de brincadeiras‐trabalho‐estudo no kids.sapo.pt e na  ilustração dos personagens. 

Sublinharemos,  alguns deles,  o  respeito pelos  outros,  as  boas maneiras  no  relacionamento  inter‐

pessoal, a igualdade para todos, a argumentação como forma de resolver problemas, a liberdade, a 

fraternidade,  a  escuta  activa,  a  fruição  lúdica.  Multivalores  que  nos  constroem  como  Seres 

Humanos.  

 

 

 

Page 12: GUARDIÕES DO “SCRATCH’ANDO COM O SAPO”: DESIGN DOS ...µes(miria… · comer o seu prato de estrelitas. Sim! Estrelas doces que o levam ao céu num salto. Depois lava os dentes,

12 

BIBLIOGRAFIA 

De  Masi,  Domenico  &  Betto,  Frei  (2008).  Diálogos  Criativos  (mediação  e  comentários  de  José Ernesto Bologna). Rio de Janeiro: Sextante. 

 Ferrer, Vicente (2004). "Tertúlia" in Ilustração Portuguesa 2004. Lisboa: câmara Municipal de Lisboa 

e Bedeteca de Lisboa.  Filipe, Eduardo, & Godinho, Ju (coord.). (2003). Ilustrarte, bienal  internacional de ilustração para a 

infância. Barreiro: Ver Pra Ler Instituto Piaget.  Heller,  Steven  (2005).  "Intro,  o  estado mutável  da  arte"  in  Wiedemann,  Julius,  Illustration  Now. 

Köln: Taschen.  http://labs.sapo.pt/ua/scratchando/ consultado a 15 de abril de 2010.  Lopes,  MCO  (2009).  Projecto "Scratch'ando  com  o  sapo".  Aveiro:  http://labs.sapo.pt/ua/, 

Universidade de Aveiro.   Maia,  Gil  (2002).  "O  visível,  o  legível  e  o  invisível"  in Malasartes  [cadernos  de  literatura  para  a 

infância e juventude], nº 10. Porto: Campo das letras, p. 3‐8.  Salisbury, Martin  (2007).  Imágenes que  cuentam, nueva  ilustración de  libros  infantiles. Barcelona: 

Editorial Gustavo Gili.  Silva, Sara Reis da (2002). "Das palavras às ilustrações: uma leitura de "o nabo gigante" e de "João e 

o feijoeiro mágico"" in Malasartes [cadernos de literatura para a infância e a juventude], nº 12. Porto: Campo das letras, p. 7‐16.