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Guerra de Informação: novos desafios para a Segurança e Defesa dos Estados José Alexandre F. M. Silva Sociedade da Informação e Conhecimento - O pensamento estratégico para a informação - Academia Militar - Maio de 2008 1-Introdução A Sociedade da Informação e do Conhecimento (SIC), sustentada por um complexo sistema de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), permitiu às sociedades modernas atingir níveis de desenvolvimento impensáveis durante a “era analógica”. A instantaneidade e volume dos fluxos de informação abriram novas oportunidades, na organização e na eficiência, seja para as relações interpessoais como para as estruturas que garantem o funcionamento dos Estados, aos mais diversos níveis. Esta interligação global imediata, ao mesmo tempo que permite alcançar inegáveis avanços civilizacionais, abre as portas a novos tipos de conflitualidade. A capacidade multilateral de transferir, a partir de qualquer lugar do mundo e para qualquer outro, incomensuráveis quantidades de informação, alterou também o conceito tradicional da soberania, na medida em que a penetrabilidade nos Estados já não se circunscreve ao seu território físico, alargando- se agora aos limites do ciberespaço. Num mundo cada vez

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Guerra de Informação: novos desafios para a Segurança e Defesa dos Estados

José Alexandre F. M. Silva

Sociedade da Informação e Conhecimento - O pensamento estratégico para a informação - Academia Militar - Maio de 2008

1-Introdução

A Sociedade da Informação e do Conhecimento (SIC), sustentada por um complexo

sistema de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), permitiu às sociedades

modernas atingir níveis de desenvolvimento impensáveis durante a “era analógica”. A

instantaneidade e volume dos fluxos de informação abriram novas oportunidades, na

organização e na eficiência, seja para as relações interpessoais como para as estruturas

que garantem o funcionamento dos Estados, aos mais diversos níveis.

Esta interligação global imediata, ao mesmo tempo que permite alcançar inegáveis

avanços civilizacionais, abre as portas a novos tipos de conflitualidade. A capacidade

multilateral de transferir, a partir de qualquer lugar do mundo e para qualquer outro,

incomensuráveis quantidades de informação, alterou também o conceito tradicional da

soberania, na medida em que a penetrabilidade nos Estados já não se circunscreve ao

seu território físico, alargando-se agora aos limites do ciberespaço. Num mundo cada

vez mais pequeno, as ameaças à segurança são omnipresentes e ilimitadas.

A soberania, tradicionalmente entendida como um atributo do poder estatal, implicava a

independência dos Estados face à vontade de terceiros, no entanto, o desenvolvimento

tecnológico das últimas décadas abriu lacunas neste conceito. As telecomunicações,

sobretudo a Internet, tornaram intangíveis os limites do Estado, visto que estes se

diluem na rede global, através da sua utilização para fins administrativos, económicos

ou militares. A dependência dos sistemas de comunicações abre assim um conjunto de

novas vulnerabilidades à segurança e defesa dos Estados.

Neste artigo serão apontadas respostas para questões relativas às implicações das TIC na

actualidade internacional e nas novas formas de fazer a guerra. Após uma breve

clarificação das implicações da SIC na organização dos Estados e as suas repercussões

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na Segurança e Defesa, será apresentada uma interpretação do fenómeno da Guerra de

Informação, através de uma caracterização do conjunto de ameaças e oportunidades que

esta nova forma de conflitualidade põe em evidência. Por fim, será apresentada uma

classificação das limitações legais e operacionais que se colocam aos Estados, no

recurso a esta forma de coacção.

2-Sociedade de Informação e Conhecimento

Os pais da cibernética[1] não podiam esperar que a interdependência entre os seres

humanos e as máquinas, que preconizavam, atingisse tal plenitude em tão pouco tempo.

De facto, a sociedade moderna encontra-se de tal forma dependente das tecnologias que,

em todo o planeta, a interrupção das redes de comunicações ditaria o fim da sociedade

como a conhecemos. Mais próximo de prever este cenário esteve Toffler[2], quando,

em 1980, anunciou o início de uma nova era para a Humanidade.

Segundo este autor, a sociedade humana encontrar-se-ia, no limiar do século XX,

perante uma mudança de paradigma. As sociedades de consumo massificado, cuja

época o autor considera estar a chegar ao fim, são o reflexo da sociedade de “segunda

vaga”, característica da era industrial e baseada na massificarão da oferta. A grande

mudança dá-se com o advento de uma “era da informação”, na qual o consumidor tem

ao seu dispor novas ferramentas de informação, que lhe permitem uma escolha que

antes não estava disponível. O exemplo mais flagrante desta alteração, ao nível dos

meios de comunicação, é a progressiva substituição dos mass media (rádio, televisão,

jornais) pela Internet, nas preferências do público.

Esta nova sociedade, com todas as suas implicações, representou o advento de uma

nova ordem mundial, uma sociedade pós-industrial, a que Toffler chamou a “terceira

vaga”. Terceira por ser sucedânea da primeira e segunda, respectivamente a era agrícola

e a era industrial. Neste novo paradigma, por via de uma interligação absoluta, em

termos de comunicações, o consumidor está, de certa forma, integrado no processo de

produção, passando as suas preferências a ser alvo da atenção dos fabricantes, que

procuram criar os produtos que os consumidores desejam, visto que podem obter essa

informação.

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Para o bem e para o mal, a universalidade do ciberespaço anula, fisicamente, o efeito

das fronteiras. Cada vez mais, pessoas, Governos e todo o tipo de organizações estão

ligados à Internet e usam-na para garantir um funcionamento mais eficiente. A

informação e o conhecimento tornaram-se, nas sociedades da terceira vaga, vantagens

competitivas, para os cidadãos e para os países. As redes globais de comunicações

permitem hoje estabelecer comunicações ou efectuar transacções, entre quaisquer partes

do mundo, quase instantaneamente. Este facto dotou as relações humanas de uma

globalidade que era impensável há poucos anos.

O advento da SIC, sinteticamente caracterizada como “um processo

de transformação da sociedade, horizontal nos sectores de incidência,

multifacetado na sua forma de representação, com vertentes

políticas, sociais e organizacionais”[3], representou uma profunda

alteração do quadro de valores pelo qual se regeram as sociedades

de primeira e segunda vaga. O fim das fronteiras físicas, tanto ao

nível da interacção humana, que cresceu exponencialmente, como

em relação ao acesso a informações, a partir de qualquer ponto do

mundo, se por um lado potencia o desenvolvimento social, económico

e humano, são evidentes as brechas abertas na Segurança dos

Estados.

3-A Era da Informação: novos desafios à Segurança e Defesa dos Estados

A Defesa de um Estado, na acepção de “segunda vaga”, deposita grande parte do seu

significado na Instituição Militar, representando o “conjunto de acções ou medidas que

visam proteger o território, a soberania e os interesses nacionais, contra ameaças

externas”[4]. Um dos grandes objectivos da Defesa é garantir a existência de um

sentimento de Segurança na população, de modo a que os cidadãos possam “realizar,

com liberdade, as suas actividades, a fim de garantir o seu bem-estar e felicidade”.

Com o desenvolvimento da SIC, por força da inevitabilidade da integração das TIC nas

funções vitais do Estado, verificamos que o tradicional isolamento físico, que as

fronteiras proporcionavam, deixa de existir, dando lugar a uma permanente

permeabilidade dos sistemas a intrusões, que podem ser mal intencionadas e ter efeitos

profundamente nefastos para o modelo social do país atacado.

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Esta permeabilidade, gerada pelo uso generalizado das redes informáticas, por civis,

militares e governantes, alterou o entendimento sobre quais os sectores estratégicos do

Estado. Porque ao mesmo tempo que as ditas redes potenciam grandes

desenvolvimentos, técnicos, científicos, militares, administrativos, sociais, etc., tornam

os seus utilizadores muito mais vulneráveis a ataques. Assegurar a integridade das redes

de comunicações tornou-se assim um dos objectivos de segurança nacional para todos

os países desenvolvidos, visto que todos dependem das TIC para garantir a continuidade

do padrão de vida dos seus cidadãos.

Todos estes avanços têm na sua base um elemento que, pelo seu uso tão generalizado e

integrante da vida como a conhecemos, a sua importância pode até passar despercebida.

Ao passo que o carvão permitiu o advento da era industrial, a electricidade apresenta-se

como o motor da nova sociedade. A absoluta dependência de energia eléctrica, por parte

de todos os sectores da vida social, económica e institucional, pode levantar questões

sobre as suas consequências.

A SIC, sustentada pelas tecnologias informáticas, não é excepção. Sem electricidade

não há Internet, telefones, televisão, multibanco, enfim, todas as ferramentas que

suportam o sistema social a que nos habituámos e sem o qual não conseguimos imaginar

o funcionamento da sociedade. A Internet é, porém, o meio de comunicação que

desempenha o papel mais destacado na nova realidade social. A informação, mais do

que nunca, é hoje um diferencial de poder, tanto nas relações económicas e quotidianas

como nas questões de conflitualidade, entre Estados ou outros actores do sistema

internacional.

A defesa dos interesses nacionais ganha novas dimensões na nova sociedade on-line,

transformando a Internet num dos elementos centrais na organização do Estado, tendo

esta tecnologia potenciado o aparecimento de novos instrumentos de organização social.

Por outro lado, verifica-se também que a facilidade das comunicações, através da rede,

aumentou a velocidade dos mecanismos decisórios e fortaleceu a capacidade decisória

dos líderes.

Para entendermos o conceito de ciberespaço[5] devemos ter em conta os seus dois

aspectos principais: a Internet e a infra-estrutura que garante o seu funcionamento. A

Internet é um espaço virtual, no qual os indivíduos interagem em tempo real e a

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distância geográfica que separa os utilizadores é anulada pela rapidez da partilha de

informações. No entanto, esta rede é suportada por uma infra-estrutura tecnológica

física, tangível. Esta tangibilidade abre vulnerabilidades à segurança dos sistemas que

dependem da Internet para o pleno funcionamento dos fluxos contínuos de informação.

A utilização do ciberespaço pelos sectores da vida económica, cultural, política e

administrativa, abre novos desafios aos Estados, que dependem da operacionalidade da

rede para levar a cabo as suas actividades mais banais. O ciberespaço, pela sua

universalidade, condiciona directamente a orientação política dos Estados, pois torna-se

difícil delimitar as fronteiras dos interesses nacionais, num ambiente que não pode ser

considerado território nacional de nenhum país. Por outro lado, em termos

internacionais, a posição competitiva de um Estado tornou-se directamente proporcional

à qualidade e eficiência da sua infra-estrutura de comunicações. Assegurar a qualidade

do acesso ao ciberespaço, bem como as suas condicionantes de segurança, transformou-

se num objectivo político primordial.

O ciber-terrorismo surge como uma nova ameaça com que a nova sociedade se depara.

Garantir a segurança das redes de comunicações[6] passa a ser, por via destes novos

desafios, uma das questões centrais para garantir a segurança interna. Como Che

enuncia, no seu artigo, as TIC terão que ser encaradas como um elemento determinante

para encarar a nova realidade, em termos, também, de cooperação militar, quer ao nível

regional como internacional, salientando a importância da harmonização dos esforços

de cooperação para garantir redes seguras em Estados seguros.

4-Guerra clássica e guerra de informação

Tradicionalmente, as disputas internacionais só podiam ser resolvidas de duas maneiras:

pela via diplomática ou pela via da guerra. Um acto de guerra, segundo o Direito

Internacional, compõe-se de dois elementos fundamentais: um primeiro, objectivo, ou

seja, a existência de luta armada e um outro, subjectivo, que é a intenção de fazer a

guerra. O Direito Internacional reconhece o Direito à Guerra (Jus ad Bellum), ou seja, o

direito que assiste a um país de recorrer à força das armas em função da satisfação de

“interesses nacionais legítimos”. As convenções estabelecidas entre Estados criaram

também o acervo do Direito de Guerra (Jus in Bello), que regula juridicamente os

procedimentos a tomar em caso de guerra.

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Na Guerra Clássica, fundamentada no Jus ad Bellum e no Jus in Bello, previa a acção

directa dos Estados, que deviam ponderar, segundo os princípios da necessidade e da

humanidade, o uso da força. Com a criação da ONU, deixou de caber ao Estado decidir

sobre a justiça de uma guerra, tendo passado esta Organização a assumir esta

competência. A guerra de informação representa uma lacuna no Direito Internacional,

visto que a sua definição não é consensual, tendo em conta a multiplicidade das suas

formas e consequências.

Há dois entendimentos principais quanto ao uso do termo “guerra de informação”: um

primeiro, que relaciona as actividades de contra-informação, dissimulação estratégica

ou desinformação e um outro, que se refere ao conjunto de ataques que é possível

desferir através das redes de comunicações. Ambos têm um denominador comum, que é

o uso dos meios de comunicação para atingir objectivos políticos. Se o primeiro é

relativo às actividades de guerra mediática, o segundo tem um campo de aplicação

muito mais vasto.

A guerra de informação é então um instrumento, à disposição dos decisores políticos,

para conseguir una vantagem competitiva sobre um adversário. Há, porém certas

limitações, legais e operacionais, na realização de Operações de informação, ou Info

Ops (nome habitualmente usado para designar estas acções), que importa, desde já,

esclarecer. Apesar das armas de informação não produzirem danos materiais directos, a

ponderação do seu uso deve seguir os mesmos princípios usados na guerra

convencional, ou seja, o da proporcionalidade e o da necessidade.

Para lá das questões directamente ligadas com a economia, ou com a dependência de

rede para assegurar as funções vitais do Estado, a SIC trouxe também novos desafios

aos exércitos. Estando as entidades militares tão, ou mais dependente das comunicações,

para assegurar o seu desempenho, do que os próprios países, os líderes militares

tomaram consciência da necessidade de tomar medidas de reforço da segurança dos

sistemas. Porém, esta componente tecnológica, além de abrir brechas na segurança, abre

a oportunidade de lançar novos tipos de ataques, ou seja, desferir golpes nos sistemas de

comunicações do inimigo.

No fim da década de 80 do século XX, esta consciencialização, por parte dos comandos

militares, da crescente importância da informação, enquanto elemento primordial da

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segurança de Estado, deu origem à chamada Guerra de Comando e Controlo (C2W).

Este novo tipo de conflitualidade previa o estudo dos sistemas tecnológicos do

adversário, para avaliar a capacidade de afectar os seus fluxos de informação e a sua

capacidade de reacção a estes ataques. Este conjunto de tecnologias, bem como a

capacidade para manter a segurança ou desferir ataques contra as mesmas são

indissociáveis do moderno conceito de “guerra de informação”.

A “guerra de informação” suscitou a atenção das chefias militares, pela sua relevância

numa sociedade globalizada. A dependência das principais infra-estruturas dos Estados,

tais como mercados de capitais, redes eléctricas e de comunicações, sistemas de tráfego

aéreo, etc., abriu a possibilidade de que estes passassem a ser vistos como alvos

militares legítimos, ou pelo menos passíveis de ser atacados através de Info Ops.

Tendo em conta que a dependência face às redes é crescente, verifica-se que um ataque

a estes sistemas pode provocar terríveis consequências na coesão social de um país.

Como tal, os líderes políticos e militares consciencializaram-se da necessidade de

estudar a viabilidade das Info Ops em tempo de paz.

4.1-As Operações de informação (Info Ops)

A consciencialização da relevância da guerra de informação, quanto às questões de

segurança e defesa dos Estados, reveste-se de profundo significado. Esta percepção, de

que a informação e o seu uso são factores determinantes para a condução das

actividades bélicas, deu origem a que, ao longo dos anos, surgissem em diversos países

documentos doutrinários para a condução de Info Ops[7]. Nos países membros da

NATO, o conteúdo das cartas doutrinárias tem vindo a ser harmonizado, de modo a ter

em conta as condicionantes específicas de cada país, em termos geoestratégicos e de

equipamentos disponíveis para poder, da melhor forma, realizar operações conjuntas

com sucesso.

Portugal, enquanto membro da NATO, tem adequado as suas capacidades de forma a

poder responder convenientemente às solicitações no âmbito de parcerias estratégicas

em missões conjuntas. As Info Ops, visto que se destinam a afectar a vontade do

adversário para combater, podem ser determinantes para, de certa forma, evitar a

confrontação bélica, pois pretendem atingir objectivos políticos que devem ser

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apresentados ao inimigo como inevitabilidades, se quiser evitar a destruição física das

suas infra-estruturas. Porém, o alcance das novas formas de provocar danos nos

sistemas do inimigo levanta novas questões, legais e operacionais, aos chefes militares,

na hora do recurso a esta forma de coacção.

O primeiro documento doutrinário dos Estados Unidos da América (EUA), para a

condução de Info Ops, foi o Joint Publication 3-13, em 1998. Neste texto é,

contrariamente aos documentos anteriores que abrdaram a matéria, posta em evidência a

interdependência entre sistemas civis e militares, enquanto condicionantes do processo

de planeamento e execução destas operações. Neste documento, a Guerra de Informação

é definida como sendo “o conjunto das operações de Informação conduzidas durante um

período de crise ou conflito com a finalidade de atingir ou promover a consecução de

objectivos específicos sobre um ou mais adversários”,[8] o que passa a dotar as Info

Ops de uma componente declaradamente política.

Na presente acepção da NATO, as Info Ops são encaradas, doutrinariamente, como

“operações baseadas em efeitos no domínio da informação”, ou seja, destinam-se a

influenciar e moldar o ambiente operacional, no campo das informações, para conseguir

obter vantagens competitivas em relação ao inimigo.

Estas operações podem ser ofensivas, ou seja, direccionadas para “influenciar a

informação e os sistemas de informação disponíveis de um potencial adversário, durante

uma situação de paz, crise ou conflito, na prossecução de determinados objectivos, ou

em resposta a uma ameaça específica”, ou defensivas, se visarem “assegurar o acesso

permanente e a utilização efectiva da informação e dos sistemas de informação, durante

uma situação de paz, crise ou conflito e proteger a informação crítica da Aliança, de

forma a atingir determinados objectivos”.[9]

Através das Info Ops, os comandantes de operações militares passam a dispor de um

relevante elemento multiplicador de força. Porém, é importante salientar que, apesar do

alcance dos seus efeitos, que pode ser determinante para o sucesso de determinada

opção operacional, podem advir consequências negativas para o atacante, por via do

lançamento de Info Ops, sejam estas ofensivas ou defensivas.

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Os efeitos destas operações podem ser extremamente disruptivos para o país alvo, aos

níveis de comando e controlo, se forem dirigidas ao sector militar, mas também ao nível

civil, se afectarem directamente a vida dos cidadãos no seu quotidiano. Porém, sérias

consequências podem também ser reflectidas no país ou grupo de países que defere o

ataque.

Em primeiro lugar, deve ser tido em conta que, em cenário de guerra, as Info Ops são

utilizadas no contexto militar, sujeitando-se, teoricamente, às leis internacionais que

regulam a legitimidade, através da análise às variáveis proporcionalidade e necessidade.

É de notar, também, que os Estados que dispõem de maior desenvolvimento

tecnológico, seja civil ou militar, são mais vulneráveis a estes ataques, pois os seus

sistemas de comunicações estão mais interligados e um maior número de dispositivos

dependem destas para funcionarem. Um ataque desta natureza terá implicações mais

graves nos países mais desenvolvidos, cuja manutenção de padrão de funcionamento

depende das tecnologias.

4.2-Implicações legais e operacionais do recurso à Guerra de Informação

As armas utilizadas na Guerra de Informação, à semelhança do que acontece com a

implementação de uma qualquer nova técnica, têm que ser adaptadas de modo a que

respondam convenientemente às necessidades operacionais, para que cada Operação

corresponda, da melhor maneira possível, à pretensão de atingir os efeitos desejados.

Tal como na Guerra Clássica, porém, a utilização destes instrumentos deve ser

submetida a uma avaliação, com vista a determinar se os critérios da necessidade e da

proporcionalidade, que já referimos, se enquadram na lógica legal dos conflitos

armados.

Por via da impossibilidade prática de prever, rigorosamente, os efeitos do seu uso, os

decisores, políticos e militares, devem ponderar muito bem as consequências de

determinada acção de informação. As consequências, além de atingirem o inimigo a

quem se destinam, podem também ter sérias repercussões para o seu promotor ou

Estados seus aliados. Como refere Kuschner, no artigo[10] que dedicou ao assunto, o

uso destas tecnologias pode ser tratado no âmbito do Direito Internacional e, como tal, a

imprevisibilidade das suas consequências, na vida civil, deve ser muito bem

equacionado.

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Um ataque de informação deve ser, de acordo com as ditas leis da necessidade e da

proporcionalidade, necessário para atingir determinado objectivo militar. Este objectivo

deve ser traçado de forma a garantir que os danos causados sejam compensados do

ponto de vista dos benefícios obtidos. Esta é, segundo o referido autor, a razão pela qual

deixou de ser viável a “guerra termonuclear global”, que pela vastidão das suas

consequências, se torna indefensável a defesa dos seus benefícios.

Nesta perspectiva, é deixada em aberto a seguinte questão: “alguns podem afirmar que

as formas não-letais de guerra, tais como o comprometimento do sistema informático de

um inimigo, não constituem uso da força, não se enquadrando, portanto, nas leis dos

conflitos armados”[11]. É, no entanto, posta em evidência a dificuldade de sustentar

este argumento, se o recurso a este tipo de técnicas for utilizado em tempo de paz.

Na linha de argumentos apresentada, Kuschner afirma também que um ataque contra os

sistemas de comunicações, de transportes ou financeiros, para ser considerado legal, tem

que ter uma evidente necessidade militar. Quando este enquadramento não for

observado, além de criar um sentimento de desconfiança do público, pode-se estar,

segundo o autor, perante um caso de desrespeito pela legalidade internacional. A

proporcionalidade é o outro aspecto determinante para garantir a legalidade dos actos,

pois dificilmente é possível verificar a proporcionalidade de um ataque indiscriminado

sobre os sistemas inimigos, pela amplitude dos danos causados.

Em termos operacionais, verifica-se também que surgem questões que põem em causa

as vantagens aparentes que se podem obter através de ataques com recurso a armas de

informação. As operações de Guerra de Informação podem despoletar, a curto e médio

prazo, uma grande variedade de efeitos secundários, tanto nos países atingidos como no

país ou coligação que as ponha em prática.

Se atentarmos na exposição de Kuschner, o primeiro dos efeitos secundários

apresentados é a possibilidade de, após ter surtido efeito, uma operação deteriore os

níveis de Comando e Controlo. Numa primeira análise, esta falta de comunicação

evidencia uma vantagem, mas pode dar origem, por exemplo, a que a liderança de um

exército esteja disposta a render-se, não consiga contactar as forças no terreno, para que

estas se entreguem sem resistência.

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Destacamos ainda outros aspectos apresentados no artigo do militar norte-americano:

uma arma, se estiver dotada de um diferencial tecnológico inovador, tem um efeito-

surpresa. No entanto, só surte esse efeito uma vez. Logo, a liderança que recorrer ao seu

uso tem, necessariamente, que ponderar se vale a pena perder essa vantagem

competitiva, só para ter sucesso na ocasião em que vai ser utilizada, pois certamente, a

partir do momento em que o adversário conheça a dita tecnologia, fará o que estiver ao

seu alcance para criar mecanismos de defesa.

Um ataque às infra-estruturas de comunicações poderá, caso seja

dirigido a uma guerrilha, prejudicar seriamente actores legítimos[12],

como o Governo eleito, actores económicos e a própria sociedade

civil. Neste caso, o ataque, ao invés de prejudicar a guerrilha, poderá

até fortalecê-la, pois irá minar os esforços de guerra dos legítimos

detentores do poder.

5-Conclusões

As sociedades baseadas no consumo massificado estão, progressivamente a ser

substituídas por um novo paradigma organizacional. No novo modelo, os cidadãos estão

globalmente inter conectados, interagindo entre si em tempo real, sem os limites

tradicionalmente impostos pelo espaço. Esta interligação universal dotou a informação e

o conhecimento de uma importância primordial, visto que, mais do que no modelo

anterior, de “segunda vaga”, estes elementos assumem um incontornável papel de

diferencial de poder.

A Defesa e a Segurança dos Estados adquiriram, na nova sociedade, características de

intangibilidade, pois a crescente dependência, por sectores vitais do Estado, das redes de

comunicações, tornou ténues os limites do Estado e da sua acção. A manutenção do

padrão de vida dos cidadãos é agora sustentada pelas infra-estruturas físicas que

proporcionam a inter-conexão que sustenta a Internet, que por sua vez suporta os

sistemas de comunicações, sejam estes civis, políticos ou militares.

A defesa dos interesses nacionais passa, hoje em dia, por garantir a segurança das redes

e das infra-estruturas que as suportam. A preponderância, no sistema internacional, de

um pequeno grupo de países, liderados pelos Estados Unidos, é garantida por este novo

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paradigma social, pelo uso das redes para garantir elevados desempenhos nas

actividades de Guerra de Comando e Controlo.

O ciberespaço assume assim um papel de extrema importância no novo entendimento

geopolítico, visto que factores como a distância física, ou o tempo utilizado para

distribuir ou recolher informação, perdem relevância pelo imediatismo da Internet. Por

consequência desta utilização do ciberespaço, novas ameaças, como a utilização da rede

para fins terroristas, constituem novos desafios para a organização política e militar.

Esta permeabilidade multiplica as possibilidades de ataque, mas também obriga a um

repensar da defesa.

A Guerra de Informação, novo paradigma de conflitualidade, abriu novos desafios às

chefias militares e lideranças políticas, que se vêem na necessidade de proteger os seus

sistemas militares em relação a novos tipos de agressão. Porém, as possibilidades de

coagir um adversário também aumentaram exponencialmente, o que obriga os países a

repensar as questões relativas à viabilidade do recurso a armas de informação,

designadamente quanto à imponderabilidade dos seus efeitos.

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[1] Breton, Proux, “A Explosão da Comunicação”

[2] Toffler, “A terceira vaga”

[3] Dias Coelho, “A Sociedade da Informação e do Conhecimento – Um Desafio Epistemológico nos Sistemas de Informação”

Page 14: Guerra de Informação - novos desafios para a Segurança e Defesa dos Estados

[4] “Segurança e Defesa Nacional – Da competição à Cooperação Regional”

[5] A palavra “ciberespaço” é uma aglutinação dos conceitos de cibernética e espaço, que o escritor canadiano William Gibson utilizou no seu livro “Neuromancer”, em 1984 e cujo uso se generalizou para descrever o espaço virtual da Internet.

[6] Che, “Securing a Network Society: Cyber-terrorism, International Cooperation and Transnational Surveillance”

[7] Nunes, “Operações de Informação: Enquadramento e Impacto Nacional”

[8] Idem

[10] Kuschner, “Legal and practical constraints on Information

Warfare”

[11] Idem

[12] O autor refere o caso colombiano como exemplo