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  • 10PERCURSOSESSENCIAISLisboa e Tejo e tudo...

  • 10PERCURSOSESSENCIAISLisboa e Tejo e tudo...Jos Eduardo AgualusaCristina Castel-BrancoPedro Almeida VieiraDomingos Costa XavierFernando Lus SampaioVirglio Nogueiro GomesMaurcio Abreu

  • Outra vez te revejo

    Lisboa e Tejo e tudo Transeunte intil de ti e de mim Estrangeiro aqui

    como em toda a parte lvaro de Campos | Lisbon revisited (1926)

  • O guia que tem entre mos tem a particularidade

    de ser deliberadamente parcial e no exaustivo.

    Lanamos um desafio a um nmero restrito

    de pessoas para que nos dessem a sua viso sobre

    este territrio e que nos traassem pequenos

    roteiros de descoberta e prazer. E que, atravs

    dos seus olhares e experincias, nos propusessem

    caminhos inesperados para a construo de um

    territrio que julgvamos cristalizado nos recantos

    da nossa memria.

    Sigamos ento o desafio que nos proposto, deixemos

    para trs alguns conceitos e que os nossos passos

    sigam no encalo destes percursos organizados por

    temas e aos quais o leitor poder ir acrescentando

    as suas descobertas pessoais e preferncias.

    A multiplicidade de recantos, paisagens, sabores,

    cheiros e experincias transformam o universo

    caleidoscpico da regio de Lisboa e Vale do Tejo

    num dos mais apetecveis destinos tursticos para

    o viajante nacional, assim como dos mais procurados

    pelo turismo internacional.

    Como nas caixas chinesas, uma viagem traz o apelo

    de outra e no todo das partes encontramos o encanto

    de todas encerrarem um segredo por descobrir.

    INTRODUO

  • LISBOA Cidade cosmopolita, aberta ao mundo, tem conhecido uma notvel

    projeco no exterior pela qualidade e

    variedade da oferta cultural, gastro

    nmica e de lazer. A descobrir tambm

    o seu marcante patrimnio edificado.

    GRANDE LISBOA Esta regio compreende um vasto territrio a

    descobrir por vrios motivos. Desde

    Sintra, com os seus palcios e ruelas

    histricas, passando por Mafra e o seu

    Convento, at costa batida pelas

    guas atlnticas, ou por Cascais e a

    sua peculiar atmosfera, a Grande Lis

    boa uma viagem de sabores e destino

    de todo o viajante que queira descobrir

    o esprito da paisagem mediterrnica.

    COSTA AZUL Praias, extensos areais, portos de pesca, reservas naturais, a

    Serra da Arrbida, igrejas e conventos,

    lugar onde a serra e o mar se encontram

    num harmonioso equilibrio natural.

    costa azul

    ribatejo

    templrios

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    loures1

    vila franca de xira2

    mafra3

    seixal+*

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    torres novas-*

    entroncamento-+

    vila nova da barquinha-,

    constncia--

    abrantes-.

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    alcanena-1

    ferreira do zzere-2

    grande lisboa

    lisboa

    azambuja,*

    salvaterra de magos,+

    cartaxo,,

    almeirim,-

    alpiara,.

    chamusca,/

    goleg,0

    santarm,1

    benavente,2

    rio maior,3

    coruche+3

    +

  • Aqui se fazem excelentes vinhos, como

    o generoso Moscatel.

    RIBATEJO Nesta paisagem nica da lezria, onde so criados os touros

    bravos, o campino a imagem de

    marca desta regio de generosos

    solos agrcolas, nomeadamente para a

    vinha. A sua herana gastronmica

    assinalvel, assim como as paisagens

    que se debruam sobre o Tejo.

    TEMPLRIOS Com uma histria que os seus edifcios histricos

    registam e evocam, como o Convento

    de Cristo, esta regio oferece trechos

    naturais de grande beleza, onde no

    raras vezes se mistura a tradio com

    a inovao.

    A descobrir o seu patrimnio histrico

    que assinala a passagem de judeus

    e cristos e as suas festas de ndole

    religiosa que congregam a alma destas

    paragens.

    costa azul

    ribatejo

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  • Patrimnio8 9

    10PERCURSOSESSENCIAIS

    0 1

    8 9

    Natureza, Parques e Reservas Naturais

    TejoEsse desconhecido

    Festas Religiosas

    Lugares e Tradio

  • 8 9

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    9 9

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    Cavalo Lusitano e Toiro

    Litoral e Praias

    Gastronomia

    Lazer

    Vinhos

  • 10 11

  • 1 1

    A Memria dos RiosJos Eduardo Agualusa

  • bri os olhos e vi trs arco-ris a bri-

    lharem, muito bem desenhados, num

    cu azul-cobalto. A seguir vi o castelo.

    Erguia-se entre escarpas e arbustos,

    numa minscula ilha, como se levi-

    tasse sobre as guas imveis do rio. Voltei a fechar

    os olhos e contei at dez, dando tempo realidade

    para dissipar o erro feliz de algum sonho que esti-

    vesse sonhando segundos antes de despertar.

    Quando reabri os olhos, porm, o castelo conti-

    nuava l. Os arco-ris tambm.

    Acordara sentado ao volante de um automvel,

    e no sabia o que fazia ali. Muito mais preocu-

    pante: no me lembrava do meu nome, nem de

    um nico pormenor no meu passado.

    Qualquer esforo de memria me doa, como

    tentar reconstrur um sonho. No um sonho bom,

    semelhante ao que colocara aquele castelo no

    meio das guas. Antes um pesadelo feito de som-

    bras furtivas flundo entre runas.

    A

  • Procurei no carro. Devia haver documentos. Uma

    carta de conduo, um passaporte. No encontrei

    nada. Nem sequer cartes de crdito. No bolso

    do casaco, contudo, dei com um grosso mao de

    notas de cinquenta euros, e um Iphone. Liguei

    o Iphone e consultei os mapas. Vi a minha locali-

    zao exacta, assinalada por um circulo palpitante.

    Estava diante do Castelo de Almourol.

    Abri a pasta das mensagens. S havia uma, de um

    telefone bloqueado:

    18 horas nas Portas do Sol. Assinado: Salom.

    Eram 17:15. Portas do Sol. O nome acordou em

    mim um rumor de rvores. Um perfume feliz. Sim,

    eu j havia estado ali. Voltei aos mapas. A chave

    estava na ignio. Liguei o carro e conduzi at

    Santarm.

    O Jardim das Portas do Sol abre para o lmpido

    prodgio da lezria ribatejana. hora a que che-

    guei uma luz muito macia, dourada e fina, adoava

    arestas e polia imperfeies. Sentei-me num banco

    e esperei, observando, um pouco inquieto, as pes-

    soas em redor. Como reconhecer uma mulher

    chamada Salom?

    O que teria ela a ver comigo?

    E o que lhe diria eu?

    Desculpe, sabe quem sou?

    Castelo de Almourol Portas do Sol

  • Na viagem at Santarm sentira-me apenas ator-

    doado. Sentado ali, enquanto o sol sangrava para

    alm das muralhas, comecei a experimentar uma

    aflio crescente. Pensei em procurar um hospital

    ou uma esquadra de polcia. Precisava de ajuda.

    Uma pessoa pode sobreviver a tudo menos au-

    sncia de si prpria. Foi ento que um garoto dos

    seus doze anos se aproximou de mim. Estendeu-

    -me um envelope:

    Pediram-me para lhe entregar isto.

    Agarrei-lhe o brao:

    Quem?

    O menino olhou-me assustado:

    Uma senhora! Apontou para trs de ns, para

    alm das rvores, j a escurido, galgando os pas-

    seios, avanava sobre o jardim. No a conheo.

    Nunca a vi.

    Deixei-o ir. Abri o envelope. Retirei um postal. Era

    uma reproduo d As Tentaes de Santo Anto,

    de Hieronymus Bosch. Descobri que a minha me-

    mria parecia funcionar muito bem no que dizia

    respeito a informao alheia ao meu prprio ser.

    Bastara-me olhar para aquele simples postal, por

    exemplo, para recordar uma palestra que ouvira

    ou que proferira? sobre a ligao do pintor fla-

    mengo a misteriosas escolas esotricas. Achei-me,

    no instante seguinte, a comparar As Tentaes de

    Santo Anto com O Jardim das Delcias, cujo

    original me recordava de ter visto no Museu do

    Prado. Talvez eu fosse um crtico de arte. Em qual-

    quer caso algum ligado ao mundo da pintura.

    S ento li as duas linhas escritas no verso do pos-

    tal, a tinta lilz, com uma caligrafia apressada mas

    elegante:

    Desculpe. Estou a ser seguida (polcia?). Ambos

    corremos perigo. Amanh, s 11:30, junto s Tenta-

    es. Salom.

    Polcia?!

    As Tentaes de Santo Anto, Hieronymus Bosch.Museu Nacional de Arte Antiga

  • Eu podia estar a ser seguido pela polcia? Seria,

    afinal, um criminoso? Olhei em redor, apavorado.

    Vi passar duas raparigas altas, muito loiras, enlaadas

    com fervor. Um sujeito baixo, carrancudo, aproxi-

    mou-se alguns passos, agachou-se para apertar

    os atacadores, sorriu-me ao erguer-se, voltou costas

    e desapareceu. Levantei-me e puz-me a caminhar,

    em rpidas passadas, com a segurana de quem

    sabe para onde vai. No fazia a menor ideia. Achei-

    -me assim frente a um belo edifcio, com a fachada

    pintada de amarelo, e uma inscrio Casa da Alc-

    ova. Senti-me, de sbito, muito cansado. Entrei

    e pedi um quarto. O perfume dos lenis, o ar lava-

    do, trouxe-me memria minha pobre mem-

    ria mutilada o Jacinto, d A Cidade e as Serras,

    de Ea de Queiroz, que troca Paris por Tormes,

    descobrindo que a vida tem mais brilho onde

    menor o fulgor dos lustres e dos cristais. Na ma-

    nh seguinte despertei, como Jacinto na sua quinta,

    refeito e feliz, mas ainda sem memria de mim

    mesmo. Bebi um ch, provei os famosos scones

    da casa, despedi-me com um suspiro, entrei no carro

    e parti. Eram 10:35 quando estacionei o carro junto

    ao Museu Nacional de Arte Antiga.

    A senhora que me vendeu o bilhete, entrada,

    cumprimentou-me sorrindo. Pareceu-me que sabia

    mais sobre mim do que eu prprio.

    Diga-me, venho muito aqui?

    A minha pergunta surpreendeu-a. Levou um ins-

    tante a recuperar o sorriso:

    Venha as vezes que quiser, senhor. Recebemos

    sempre muito bem quem gosta de arte.

    Atravessei os vagarosos sales, passando, indi-

    ferente, por prncipes, anjos e mrtires. As Tenta-

    es de Santo Anto aguardava por mim numa

    das ltimas salas. Aproximei-me do retbulo com

    o corao aos saltos. Conhecia muito bem, cada

    uma daquelas extraordinrias figuras. Havia uma

    Museu Nacional de Arte Antiga

  • cadeira encostada parede. Sentei-me, fechei

    os olhos, e esperei que o meu corao serenasse.

    Talvez se adormecesse me surgisse em sonhos um

    castelo flutuando sobre um rio. Arco-ris. Acor-

    daria no castelo, sabendo o meu nome, senhor

    do meu destino, um pouco atordoado, depois de

    ter sonhado que despertara ali prximo, dentro

    de um carro, sem memria alguma de mim.

    No consegues atrasar-te - nunca?

    Abri os olhos. A mulher minha frente no me era

    estranha. Foi s ao erguer-me para a cumprimen-

    tar que reparei no brinco, um nico brinco, na

    orelha direita, representando duas cerejas muito

    rubras. Ento soube que sim, que j a conhecia

    vira-a nua. Contemplara longamente, repetida-

    mente, os seios pequenos e perfeitos, a cintura

    estreita, as longas pernas loiras, os elegantes ps

    levitando sobre a relva. ela, em primeiro plano,

    no painel central d O Jardim das Delcias, tra-

    zendo duas cerejas na cabea. Ali, junto ao outro

    Bosch, envergava um leve vestido de seda, azul

    celeste, que tanto ocultava quanto revelava o corpo

    gil e flexvel.

    Nua pareces mais alta.

    Salom corou um pouco:

    Ainda te lembras?! Ficou sria. Mudou de tom:

    Museu Nacional de Arte Antiga

  • Tens a certeza de que ningum te seguiu?

    No, ningum me seguiu.

    Ela sorriu, apontou para o trptico de Bosch:

    Belo trabalho!

    Sim, concordei: Belssimo trabalho!

    Vamos! Temos de ir

    Vamos onde?

    A Mafra. Ao Convento de Mafra. Quero mostrar-

    -te uma coisa

    No. Antes preciso que me respondas a uma per-

    gunta.

    Se souber responder

    Quem sou eu?

    Quem s tu?

    Estou doente, gemi. No consigo lembrar-me

    do meu prprio nome. No sei quem sou.

    No te lembras de nada nos ltimos dias?

    No.

    Mas lembras-te de ns?

    No.

    Disseste h pouco que te lembravas de mim,

    nua.

    Ah sim! Isso outra coisa. Olho para ti e vejo uma

    figura do Bosch.

  • Salom suspirou:

    Sim, disseste-me isso antes. Vrias vezes. Foi o

    motivo por que me ofereceste estes brincos. Ainda

    no sei se sei o teu nome, lamento. As pessoas que

    te conhecem, ou julgam conhecer, conhecem-te

    apenas por uma alcunha o Pintor.

    O Pintor? Sou pintor, eu?

    s uma lenda, querido.

    No carro dela, a caminho de Mafra, contou-me

    a minha histria. Ou melhor, revelou-me o que, nas

    ltimas semanas, descobrira sobre mim. Salom

    ouviu falar do meu caso h uns seis meses. No estrei-

    to universo do mercado clandestino de obras

    de arte falsificaes, originais de provenincia

    duvidosa, etc. murmurava-se h muito sobre

    a existncia de um pintor excepcional, capaz de

    reproduzir detalhes de uma tela, aps olhar para

    ela durante alguns minutos. Contudo, o referido

    prodgio no saberia o prprio nome, e aps crises

    de epilepsia, de que padeceria com frequncia,

    apagaria todo o passado recente. Um esquecimento

    muito desejado por certos clientes.

    Resumindo, concluiu Salom: pode dizer-se que

    possuis dois grandes talentos enquanto falsrio:

    Convento de Mafra

  • uma memria prodigiosa, e uma absoluta falta

    de memria. Alm disso no tens nome nem pas-

    sado. No existes.

    E tu?, perguntei-lhe: Qual o teu papel?

    Salom riu-se:

    Eu sou a mulher que se apaixonou por ti.

    Como que algum se pode apaixonar por uma

    pessoa que no existe?

    Apaixono-me mais facilmente pelos sonhos

    do que pela realidade. um dos meus melhores

    defeitos.

    Passava da uma da tarde quando chegmos a Mafra.

    Tens fome?

    Sim, saber que a minha vida era uma aventura

    deixara-me esfomeado.

    Ento vamos primeiro ao Convento da Cerveja.

    A proposta revelou-se acertada. Devormos, numa

    fria de adolescentes, duas generosas pratadas de

    ameijoas Bulho Pato e uma garoupa escalada,

    na grelha, com manteiga de alho. Conversmos.

    Rimos. Finalmente, Salom deu-me a mo e arras-

    tou-me at ao Mosteiro. Percorremos sales e mais

    sales, e ainda outros sales. Telas antigas. Esta-

    tuetas. A reconstruo da cela de um monge.

    Espelhos abissais. Comeava a acreditar que talvez

    estivessemos andando em crculo, ou que o edi-

    fcio fosse infinito, quando finalmente demos

    com a Biblioteca do Convento.

    Jorge Lus Borges gostaria de ter despertado, aps

    a morte, num lugar assim. Impressionou-me a am-

    plido. A luz descendo sobre as severas estantes

    forradas de livros. Morcegos rodopiavam enlou-

    quecidos entre as abbadas.

    Salom requereu um livro. Folheou-o com mos

    de me, at encontrar a pgina pretendida:

    Ora aqui est a frase que eu procurava. Presta

    ateno: deste ltimo lote fazia tambm parte uma

    tela, assinada pelo pintor flamengo Hieronymus

  • Bosch, representando uma bacanal de negros.

    Fechou o volume. Olhou-me muito sria:

    Algumas vez ouviste falar em tal tela?

    No. Nunca. Existem cerca de quarenta obras

    conhecidas de Bosch. Nada que possa ser confun-

    dido com uma bacanal de negros.

    Tens a certeza?

    Certezas, eu? Sou um sujeito que apenas dispe

    de acesso a uma parcela do seu crebro

    Acredito em ti. Vamos. Daqui a pouco tens um

    encontro marcado com o teu passado.

    Segui-a sem compreender. Salom no quis escla-

    recer-me. Regressmos a Lisboa. Cruzmos a ponte.

    Tommos a direco de Setbal. Reconheci a fa-

    chada do Mosteiro de Jesus. Um sujeito j de certa

    idade, muito magro, barba comprida e desgre-

    nhada, estava postado entrada, muito srio, como

    se o houvessem erigido ali, no sculo XV, em con-

    junto com o edifcio. Abriu um sorriso triunfante

    ao ver-me descer do carro:

    Mosteiro de Jesus. Setbal

  • Fbio Borges! Estendeu-me a mo, enquanto

    se voltava para Salom: ele, sim, Fbio Borges.

    Foi um dos meus melhores alunos.

    Aquele nome caiu em mim como uma luz. Re-

    cordei, numa vertigem, os anos da minha meni-

    nice, em Sintra. As visitas ao Castelo dos Mouros.

    O javali que encontrmos no quintal. As garga-

    lhadas do meu pai. A minha me, cabeceira,

    contando-me histrias. A primeira exposio de

    aguarelas. As aulas de pintura histrica, com

    o Professor Varejo, por alcunha o Dom Quixote.

    Atormentou-me logo depois a morte dos meus

    pais num desastre de viao. Voltei a sentir a mes-

    ma dor aguda, e vi a escurido avanando e cobrin-

    do tudo como um fungo. Voltei a viver a queda,

    o vazio, o excesso de lcool e drogas, o blsamo

    feliz do esquecimento.

    Sim, disse. Eu fui Fbio Borges. Infelizmente

    continuo sem saber quem sou.

    Nessa noite dormimos na Quinta do Patrcio,

    junto ao Parque Natural da Arrbida. Salom

    Vila de Sintra Castelo dos Mouros. Sintra

  • apresentou-se: 32 anos, lisboeta, doutorada em

    histria de arte. Trabalhou durante cinco anos

    em Paris, no centro de restaurao do Museu do

    Louvre. H alguns meses uma agncia de seguros

    contactou-a para confirmar a autenticidade do que

    parecia ser o fragmento de um retbulo, at ento

    desconhecido, com a assinatura de Hieronymus

    Bosch. O referido fragmento fora vendido a um

    antiqurio lisboeta por um taxista. Foi ento que

    Salom ouviu falar em mim. Algum lhe disse que

    eu fizera uma cpia perfeita d As Tentaes

    de Santo Anto, encomenda de um prspero

    empresrio angolano. O senhor gosta de impres-

    sionar os amigos exibindo cpias exactas, nos mais

    pequenos detalhes, de telas famosas. Durante

    os anos em que estive mergulhado nas drogas, ainda

    antes de perder a memria, fiz muitas outras

    cpias. Nada de ilegal. Um cidado pode gostar

    de ter em casa cpias de telas famosas. No pode

    comercializ-las como originais.

    Salom foi minha procura por desconfiar de que

    tivesse sido eu a criar a Bacanal de Negros. Tal-

    vez tenha sido, no me lembro. Continuo a no

    me recordar desse perodo em que vagueei, sem

    memria, ou entre a memria e o esquecimento,

    pintando cpias de telas famosas. Passaram-se trs

    meses e no tive ainda nenhuma recada. Instalei-

    -me em casa de Salom. Ela continua a investigar

    a tela de Bosch. A meno, num documento do

    sculo XVIII, a um retbulo tendo por tema uma

    bacanal de negros no suficiente para validar

    a descoberta. Um bom falsrio ter-se-ia apoiado

    numa informao real.

    Recuperei entretanto parte da minha identidade.

    Salom acha que podemos, juntos, criar uma ofici-

    na de restaurao e conservao de pintura antiga.

    Parece-me um bom projecto.

    A gua de um rio guarda memria da nascente?

    Portinho da Arrbida

  • patrimnio 8 9

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    11

    templrios

    ribatejo

    costa azul

    grande lisboalisboa

    O percurso prope uma viagem por lugares,

    monumentos e paisagens que evocam

    a histria da nossa identidade cultural.

    A viagem por estas regies vasta, repleta

    de surpresas e curiosidades e causa, por

    vezes, espanto. De Setbal a Tomar o viajante

    deve deixarse perder para encontrar,

    como sugere Pedro Almeida Vieira, lugares

    com histria, peas de arquitectura nicas,

    paisagens surpreendentes pela sua beleza.

    A melhor maneira de conhecer o esprito

    do lugar dispensar o automvel e deixar

    que os nossos passos se encaminhem para

    a descoberta.

    Patrimnio

  • O mundo como um livro, e aquele que no viaja como se apenas lesse a primeira pgina. Se esta mxima de Santo Agostinho constitui um apelo viagem, para se conhecer

    o mundo, para enfim viver, no menos verdadeira

    e evidente outra frase da poetisa norteamericana

    Emily Dickinson: No h melhor fragata que um

    livro para nos levar a terras distantes.

    Viajar pelo mundo acaba por ser, de facto, semelhante

    viagem pelas histrias desvendadas pelos livros.

    Mas se os livros essas barcas de palavras nos

    transportam para stios mais ou menos distantes,

    metendonos o mundo em pginas de papel, no con

    seguem substituir as visitas. Porm, tantas vezes,

    depois de impelir o nosso esprito a viajar, um escritor

    convence em seguida o nosso corpo a levarnos para

    esses lugares de eleio, para os admirarmos com

    outros sentidos.

    De facto, para nos maravilharmos, basta passar uma

    bela tarde ou dias agradveis numa praia, num monu

    mento, numa zona histrica, numa rea selvagem.

    Podemos passear, vaguear, percorrer e calcorrear qual

    quer stio e de l sair satisfeitos. No entanto, sendo

    certo que os olhos captam as imagens, e os ouvidos,

    o nariz e a pele absorvem outras ambincias, por

    vezes algo falta. Em tantos casos, faltamnos palavras

    para descrever aquilo que sentimos, talvez um guia

    que nos ponha na mente aquilo que, sentindo, gosta

    ramos de dizer. Propomos, por isso, uma viagem

    diferente; uma viagem pelo mundo de uma regio

    esplendorosa atravs dos passos dos escritores.

    Comecemos ento a viagem pela Arrbida. O poeta

    Sebastio da Gama dizia ser bastante, para muita

    e muito boa gente, usarse duas pernas vigorosas

    e de boa vontade para chegar a esta serra. De l qual

    quer um conseguir ver uma paisagem de asfixiante

    deslumbre, desde o verde da terra at ao azul do mar,

    praias de sonho e preciosidades arquitectnicas e his

    tricas, como o Convento e a Capela do Bom Jesus em

    seu pleno corao. Mas o visitante sentir, por certo,

    outras sensaes se tiver j lido Sebastio da Gama.

    Talvez assim aguarde, de propsito, a chegada da noite,

    quando, de rosado, comea a arroxearse o horizonte

    Convento e Capela do Bom Jesus

    Texto Pedro Almeida Vieira

    Serra da Arrbida

  • patrimnio 0 1

    e a serra se transforma num vulto de sombra parado

    a meio do silncio. Talvez, nesse caso, os sentidos

    fiquem de atalaia para confirmar se os pios de ave,

    como goteiras, piguelingam de quando em quando,

    e de onde a onde. E ento, se a lua surgir, haver

    esperana de ver o mato a desenhar no cho arabes

    cos que j sabemos ler, enquanto o convento empa

    lidece. E assim, como nas palavras do poeta, compe

    netrados da beleza divina (ou franciscana?) das coisas,

    somos a grande porta que se fecha sobre a serra para

    a serra dormir, pela noite longa e azulada de estrelas,

    na sua, meditao que j dura sculos.

    Se a Arrbida sempre fascinou escritores e sobretudo

    poetas das terras do Sado Apenas vi do dia a luz

    brilhante / L em Tbal no emprio celebrado, assim

    escreveu Bocage , no atingiu porm os pncaros

    de outra serra, mais a norte. Sim, viajese at serra de

    Sintra, onde as Naiades, escondidas / Nas fontes, vo

    fugindo ao doce lao, / Onde Amor as enreda branda

    mente, / Nas guas acendendo fogo ardente, como

    glosou Cames nos Lusadas. Neste trono da vece

    jante primavera, nas romnticas palavras de Almeida

    Garrett, pode e deve visitarse a Pena e o seu luxu

    riante parque florestal, o Castelo dos Mouros, os

    palcios da Regaleira e de Seteais, o Palcio da Vila, a

    Quinta de Monserrate e o Convento dos Capuchos.

    Esta lista est aqui desordenada e omissa de muitos

    outros lugares. intencional, porque, na verdade, o

    viajante para conhecer as maravilhas de Sintra tem de

    se perder, para assim achar. S assim talvez consiga

    compreender bem as razes para, h mais de dois s

    culos, Lord Byron lhe ter chamado Glorioso den,

    e William Beckford sentenciado estar ali um vasto

    templo da Natureza.

    Mas, enfim, concedamos algum desconto ao exagero

    dos romnticos mesmo quando, neste caso, at deti

    nham bons e vlidos motivos para tamanha admira

    o , e rumemos ainda mais para norte, para Mafra.

    Aqui encontraremos tambm fartos motivos de admi

    rao. Um convento, que nasceu do ouro e diamantes

    do Brasil, em cumprimento de um duvidoso voto de

    D. Joo V para ter descendncia embora tudo indi

    que que ele pretendeu pagar aos cus a cura da sfilis

    Palcio da Pena

  • de que padecera. Uma tapada de frondoso arvoredo,

    com mais de mil hectares, zona de caa por excelncia

    de reis e que actualmente palco de aces de educao

    ambiental e de lazer, integrando tambm um centro

    de recuperao do loboibrico. Mas Mafra tem sobre

    tudo maior encanto, outro fascnio desde que a pena

    do nosso nico Prmio Nobel da Literatura, Jos

    Saramago, lhe dedicou um inesquecvel romance.

    To belo como o monumento, o Memorial do Convento

    acaba tambm por destacar, num dos seus mais belos

    captulos, a zona de Pro Pinheiro e Cheleiros, de onde

    foi retirada a pedra que se elevou aos cus de Mafra.

    E embora essa zona no possua atractivos de grande

    relevncia pormenor bem compensado na vizinha

    povoao de Negrais, volta de um leito assado no

    forno , merece todavia uma visita de honra. De facto,

    das suas pedreiras no s dali nasceu o Convento

    de Mafra, mas tambm o Aqueduto das guas Livres.

    O aqueduto dos nove mil passos ou nove milhas,

    a distncia entre a nascente das guas Livres, em Belas,

    e Lisboa , tambm j mereceu um romance. Mas no

    por causa disso que deve ser visitado. No antigo local

    onde ficava uma barragem romana, j o humanista

    Francisco dOlanda vira ali a fonte que poderia desse

    dentar Lisboa. Mas a obra, velho pecado lusitano,

    demorou a ser construda: s a meio do reinado de

    D. Joo V se iniciou e, incluindo reservatrios e magn

    ficos chafarizes, apenas se concluiu um sculo depois.

    Porm, este rio de pedra de 60 quilmetros de compri

    mento merece agora uma visita detalhada, desde

    a zona das Mes dgua at aos reservatrios da

    Patriarcal e das Amoreiras, em Lisboa. Mas no apenas

    pelo exterior, mas tambm pelo seu interior, atravs

    de visitas guiadas pelo Museu da gua da EPAL.

    Contudo, mesmo sendo hoje o mais extenso Monu

    mento Nacional de Portugal, a sua parte mais emble

    mtica ser sempre a imponente arcaria de alva

    pedra que atravessa o vale de Alcntara ao longo de

    quase um quilmetro. Concebida por Custdio Vieira

    tambm foi responsvel por construir uma mqui

    na que fez subir os carrilhes de Mafra , esta arcaria

    ficou tragicamente famosa pelos supostos crimes

    cometidos por Diogo Alves nos finais dos anos 30 do

    Convento de Mafra

    Aqueduto das guas Livres

  • patrimnio

    sculo XIX embora, na verdade, ele no tivesse sido

    enforcado por qualquer assassinato a cometido.

    Alis, nem o aqueduto merece tal m fama, antes sim

    as admiraes que muitos famosos viajantes estran

    geiros teceram ao longo dos ltimos dois sculos.

    Por exemplo, o incontornvel Beckford escreveu que

    a sua imponncia enche de assombro, o mdico

    francs Joseph Carrre disse que a se conjugava

    a magnificncia com a beleza, o ousio solidez da

    construo, e o sueco Carl Ruders relatou que a ima

    ginao no pode elevarse a uma concepo to

    sublime como aquela que a realidade apresenta.

    Embora desde os anos 70 do sculo passado o Aque

    duto das guas Livres tenha perdido a funo de dar

    de beber aos lisboetas, a capital temlhe uma dvida to

    grande como o maior arco de pedra do Mundo que se

    encontra na arcaria do vale de Alcntara. Em menos

    de um sculo, desde o final do reinado de D. Joo V, as

    suas guas permitiram duplicar a populao lisboeta.

    E resistir mesmo ao terramoto de 1755, aquele cata

    clismo que dizimou mais de 30 mil vidas e um vasto

    patrimnio. E mudou a face de Lisboa. Sem essa cats

    trofe, a cidade seria hoje bem diferente talvez mesmo

    o pas. Perdeuse o imponente Pao da Ribeira, a pera

    do Tejo e uma imensidade de palcios e templos religio

    sos, bem como as labirnticas ruas da agora Baixa Pom

    balina, onde existiam mais de uma trintena de igrejas.

    No entanto, Lisboa continuar sempre a ser, para

    o turista, um palco de surpresas, a necessitar de esta

    dia prolongada. Para alm dos monumentos, h as

    ruas, as praas, as avenidas, as ruelas, os miradouros,

    a luz, o cu, o sol, o Tejo um todo que vale mais que

    a soma das partes. O turista tem assim que se embre

    nhar, sobretudo calcorrear Lisboa de cima a baixo,

    do castelo at ao rio, para compreender as palavras

    de Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego: Mas

    amo o Tejo porque h uma cidade grande beira

    dele. Gozo o cu porque o vejo de um quarto andar

    de rua da Baixa. Nada o campo ou a natureza me

    pode dar que valha a majestade irregular da cidade

    tranquila, sob o luar, vista da Graa ou de So Pedro

    de Alcntara. No h para mim flores como, sob o sol,

    o colorido variadssimo de Lisboa.

    Baixa Pombalina

  • Escreveu tambm Alberto Caeiro, heternimo de Pessoa

    que pelo Tejo vaise para o Mundo / Para alm do Tejo

    h a Amrica. No entanto, sigamos percurso inverso,

    caminhemos pelo rio acima. Para quem se quiser aven

    turar e deslumbrar, tem uma alternativa ao carro ou

    ao comboio: embarcar numa viagem romntica pelas

    frteis margens do Nilo portugus, segundo as

    palavras de Almeida Garrett na sua obra Viagens

    na Minha Terra.

    Se for esse o caso, tornase paragem obrigatria a

    Reserva Natural do Esturio do Tejo, passando pelos

    mouches, onde se podem observar flamingos e muitas

    outras aves aquticas. Esta viagem pode prolongarse

    mesmo at Valada do Ribatejo, no concelho do Cartaxo.

    E a h sempre possibilidades de fazer uma passagem

    pela aldeia da Palhota. Pequeno aglomerado de cons

    trues palafticas, esta aldeia de pescadores origin

    rios de Vieira de Leiria que aproveitavam a invernia

    para pescarem no Tejo ficou clebre na escrita de

    Alves Redol que, no seu romance Avieiros, retrata

    a vida destes nmadas do rio, como os ciganos na

    terra. Como alternativa ou complemento, podese

    ficar pelo corao do Ribatejo e percorrer, na companhia

    dos trs romances de lvaro Guerra a chamada

    Trilogia dos Cafs , o patrimnio vivo e histrico

    de Vila Franca de Xira e suas lezrias.

    Se o viajante quiser continuar rio acima, mais para

    montante, e cruzarse de novo com os passos da lite

    ratura, ento Santarm destino obrigatrio. Riqueza

    patrimonial no falta, tendo como ponto forte a arqui

    tectura religiosa de estilo gtico. Mas a h que desta

    car o claustro do renovado Convento de So Francisco,

    palco onde Gil Vicente fez em 1531 um discurso mpar

    de humanismo e de tolerncia perante os padres que

    acusavam os judeus de serem os responsveis pelo

    grande terramoto desse ano.

    Se a busca do viajante no for meramente patrimo

    nial, sugerese tambm um pequeno desvio, a partir

    da Goleg, em direco ao Paul do Boquilobo, uma

    rea classificada como Reserva Natural e Reserva da

    Biosfera pela Unesco. Mas mesmo a tem um outro

    ponto de grande interesse literrio: uma pobre e rs

    tica aldeia, com a sua fronteira rumorosa de gua e de

    Reserva Natural do

    Esturio do Tejo

    Convento de So Francisco

    Paul do Boquilobo

  • patrimnio

    verdes, com as suas casas baixas

    rodeadas pelo cinzento prateado

    dos olivais, umas vezes requei

    mada pelos ardores do Vero,

    outras vezes transida pelas gea

    das assassinas do Inverno ou afo

    gada pelas enchentes. Ou seja,

    a aldeia da Azinhaga, a terra

    natal de Jos Saramago que, no

    seu livro autobiogrfico Pequenas

    Memrias, lhe chamou ainda bero onde se comple

    tou a minha gestao, a bolsa onde o pequeno marsu

    pial se recolheu para fazer da sua pessoa, em bem

    e talvez em mal, o que s por ela prpria, calada, secre

    ta, solitria, poderia ter sido feito.

    Mais para norte, o visitante encontrar tambm mais

    rios que alimentam o Tejo e, em particular, uma terra

    que dessedentou, com a sua Histria e estrias, mui

    tos homens das artes: a cidade de Tomar. Banhada

    pelo Nabo, a cidade dos Templrios bero de Fer

    nando LopesGraa, um dos mais clebres compo

    sitores portugueses do sculo XX, e do historiador

    e romancista JosAugusto Frana sempre foi, com

    o seu castelo, com o Convento de Cristo, com o seu

    rico patrimnio de igrejas e outros faustosos edif

    cios, uma fonte de inspirao de escritores.

    Embora a vasta regio da bacia do Tejo detenha ain

    da muitos mais pontos de interesse e recomendase

    ao viajante que se perca para assim poder descobrir ,

    Constncia merece surgir aqui como ltima recomen

    dao. A antiga vila de Punhete, onde o Zzere abraa

    o Tejo, ter sido assim conta a lenda o local onde

    Lus de Cames escreveu muita da sua poesia lrica,

    inspirado pelas Tgides, as ninfas do Tejo. Aqui, onde

    a escultura de Lagoa Henriques coloca o grande poeta

    portugus a mirar o vale, o viajante pode aproveitar

    o tempo num passeio pelo jardimhorto, onde existem

    as 52 espcies de plantas referenciadas nos Lusadas,

    bem como visitar o Planetrio de Ptolomeu, num audi

    trio ao ar livre. E a, se faz favor, deve agradecer aos

    Cus, Natureza e aos escritores todo o manancial

    de beleza e arte que, agora e amanh, conseguimos

    usufruir e desfrutar.

    Convento de Cristo

  • 01 ArrbidaCalcorrear a Arrbida, desde Setbal at

    ao Cabo Espichel, deve fazerse com

    calma, para tudo se poder desfrutar.

    Se se optar pelo carro, serpenteiese

    ento a estrada, junto s falsias, ou

    sigase pelo interior, passando por Palmela

    e Azeito. Mas o melhor ser estacionar

    e percorrer a p muitas das maravilhas

    naturais do Parque Natural. Patrimnio

    construdo para ser usufruido no

    falta: recomendamse visitas ermida

    da Memria e ao convento de Nossa

    Senhora do Cabo, no Cabo Espichel, ao

    Castelo de Palmela, Quinta da Bacalhoa,

    ao Forte de Santiago do Outo e sobretudo

    ao Convento da Arrbida e capela do

    Bom Jesus, exlibris desta bela serra.Acesso Sesimbra: 382745.83N 90605.19W | Acesso

    Palmela: 383413.01N 85423.83W | Acesso Setbal:

    383102.62N 85424.24W

    02 SintraNo Glorioso den, segundo as

    palavras de Lord Byron, no existem

    dois, nem trs nem apenas uma dzia

    de lugares para se visitar. O viajante,

    mesmo perdendose em qualquer

    recanto, sair daqui com os sentidos

    cheios. Mas sempre conveniente

    um percurso romntico para descobrir

    a feliz simbiose entre a construo

    humana e a criao da Natureza:

    o deslumbrante Palcio Nacional da

    Pena, e o seu parque botnico, o altivo

    Castelo dos Mouros, o enigmtico

    Palcio e Quinta da Regaleira, o char

    moso Palcio de Seteais, o majesttico

    Palcio Nacional de Sintra e o recatado

    Convento dos Capuchos.384754.42N 92317.21W

    03 MafraLigada intimamente ao reinado

    do Rei Magnnimo, D. Joo V, a vila

    de Mafra lugar obrigatrio de visita

    para quem pretende saber para onde

    e por onde escoou muito do ouro

    e dos diamantes retirados das minas

    do Brasil durante a primeira metade

    do sculo XVIII. O grandioso Convento

    de Mafra associa sua riqueza patri

    monial uma das mais impressionantes

    bibliotecas portuguesas. Acoplada

    ao convento, a Tapada, usada ao longo

    dos sculos por monarcas e nobres

    como quinta de recreio e venatria,

    agora um centro de actividades

    Palmela Sintra

  • patrimnio

    de educao ambiental e nicho

    de preservao do lobo ibrico.385612.93N 91938.89W

    04 Aqueduto das guas LivresPercorrendo cerca de 60 quilmetros de

    extenso, com diversas ramificaes, o

    mais grandioso Monumento Nacional

    de Portugal constitui hoje, perdida a

    sua funo de abastecimento de gua

    capital portuguesa, uma das mais impo

    nentes obras de engenharia portuguesa

    anterior Revoluo Industrial. Con

    temporneo do convento de Mafra, a

    sua origem em Belas localizase prximo

    das runas romanas de uma barragem,

    o aqueduto aproveita sobretudo as

    nascentes chamadas das guas Livres.

    Na sua construo participaram os mais

    importantes engenheiros e arquitectos

    do sculo XVII, nomeadamente Antnio

    Canevari, Manuel da Maia, Carlos Mar

    del e Custdio Vieira, este ltimo respon

    svel pela arcaria do vale de Alcntara.

    Em Lisboa, no troo final, tambm se

    deve visitar a Me dgua das Amoreiras

    e o Reservatrio da Patriarcal (no

    subsolo do Prncipe Real), bem como as

    dezenas de imponentes chafarizes (Rato,

    Esperana, Janelas Verdes, entre outros),

    que dessedentaram os lisboetas durante

    mais de dois sculos.384345.55N 91011.98W

    05 LisboaNa capital portuguesa, so inumerveis

    os lugares que merecem uma visita.

    Se certo que o terramoto de 1755

    e muitos incndios foram destruindo

    muito do patrimnio antigo de Lisboa,

    aquilo que resta ainda deslumbra

    qualquer visitante. Se os Jernimos,

    a Torre de Belm e o Padro dos Des

    cobrimentos so monumentos de visita

    obrigatria na parte ocidental, ser

    no corao da cidade que mais se con

    seguir descobrir os encantos da Lisboa

    antiga. Sugerese uma visita ao Castelo

    de So Jorge, depois uma passagem

    pela labirntica Alfama, uma descida at

    Baixa Pombalina, passando de permeio

    pela S, e terminando na zona do Chiado

    e do Bairro Alto. Mas no deve o viajante

    parar por aqui: deve sim continuar sempre;

    visitar os museus, as igrejas, os jardins,

    os miradouros. Enfim, deve caminhar,

    caminhar... e no perder o Tejo de vista.384227.34N 90811.67W

    Lisboa

  • 06 Vila Franca de XiraEsta vila ribatejana pode no ter

    monumentos imponentes, mas tem

    todo um historial de vida, que se acha

    em cada recanto das suas ruas, nos

    cafs, no Tejo e na sua ligao umbilical

    ao mundo taurino. A sua vivncia est

    tambm muito ligada ao mundo das

    letras, da que seja fundamental uma

    visita ao Museu do NeoRealismo

    (ver Lazer), onde se podem visitar

    exposies e conhecer o esplio dos

    principais escritores desta corrente

    literria, entre os quais Alves Redol,

    Manuel Fonseca e Soeiro Pereira Gomes.385715.45N 85922.74W

    07 PalhotaDas vrias aldeias piscatrias que se

    foram criando ao longo das margens

    do Tejo, por pescadores de Vieira de

    Leiria que para aqui vinham enquanto

    o mar estava bravio no Inverno , a

    aldeia da Palhota, no concelho do Cartaxo,

    ficou celebrizada no apenas pelas suas

    construes palafticas mas sobretudo

    por causa da pena de Alves Redol

    no seu clebre romance Avieiros. 390410.35N 84659.48W

    08 SantarmConsiderada a Capital do Gtico, pela

    imponncia de muitas das suas igrejas

    construdas segundo este estilo arqui

    tectnico, o antigo povoado romano

    chamado Scallabis, sobranceira ao

    Tejo, continua a ser uma das cidades

    portuguesas com maior riqueza

    patrimonial. Para alm da alcova

    e muralhas, em Santarm existe um

    grande nmero de templos religiosos

    de rara beleza, destacandose as igrejas

    e/ou convento de Santa Clara, de

    Santo Estvo, de So Nicolau, de So

    Francisco, de Santa Maria da Alcova,

    entre muitas outras.391410.32N 84113.60W

    09 AzinhagaFronteira ao paul do Boquilobo, uma

    das mais ricas zonas hmidas do pas,

    a pequena aldeia da Azinhaga, no

    Santarm

  • patrimnio 8 9

    concelho da Goleg, pode no possuir

    um grande patrimnio arquitectni

    co, mas tornouse recentemente um

    lugar de culto por ser a terra natal de

    Jos Saramago, o nico prmio Nobel

    da Literatura em lngua portuguesa.

    Alm de um centro da Fundao Jos

    Saramago, aqui pode ser visitada a est

    tua do escritor no largo da aldeia, obra

    em bronze concebida pelo escultor Ar

    mando Ferreira. Mais adiante, situase

    a pequena casa onde nasceu o escritor

    de Memorial do Convento, embora j

    bastante alterada.392059.71N 83158.20W

    10 TomarNa Cidade dos Templrios, banhada

    pelo rio Nabo, so muitos os locais a

    serem visitados. O Convento de Cristo,

    e a clebre janela do Captulo, so

    stios obrigatrios, mas o visitante no

    pode deixar de rumar at ao Santurio

    da Nossa Senhora da Piedade, ao Con

    vento de Santa Iria e igreja da Nossa

    Senhora da Conceio e subir at ao

    Castelo. Recomendase tambm uma

    passagem pela sinagoga e pelo Museu

    Fernando LopesGraa, no edifcio

    onde o compositor portugus nasceu

    em 1906.393613.26N 82446.14W

    11 Constncia Na vila que acolhe a entrada do rio

    Zzere no Tejo, o visitante pode

    usufruir de um povoado inundado

    de Histria, onde se respira Lus

    de Cames em toda a sua plenitude.

    A CasaMemria de Cames local

    obrigatrio, bem como o jardimhorto,

    onde se replicam todas as plantas

    referidas no magistral Os Lusadas.

    Para alm do aglomerado urbano, que

    merece ser calcorreado, destacase

    tambm a beleza da Igreja da

    Misericrdia e a Igreja da Nossa

    Senhora dos Mrtires.392835.80N 82019.05W

    Rio Nabo. Tomar

  • natureza, parques e reservas naturais

    Parques e reservas naturais que so o legado

    extraordinrio e nico da Natureza onde

    podem ser vistos animais e flora no seu

    habitat natural defendido das agresses

    do homem. Em alguns casos estas reservas

    acolhem uma biodiversidade to rara que

    foram declarados Patrimnio Mundial,

    e a podem ser avistadas aves migratrias,

    plantas raras e pegadas de dinossurios.

    Nestas reas protegidas o visitante deve

    cumprir com todas as indicaes no sentido

    da preservao destes habitats e respeito pela

    vida animal.

    0102

    03

    04

    05

    0607

    templrios

    ribatejo

    costa azul

    grande lisboa

    lisboa

    Natureza, Parques

    e Reservas Naturais

  • Texto Pedro Almeida Vieira

    L avoisier postulou, no sculo XVIII, que na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Mas quando visitar uma das sete maravilhas

    naturais da regio de Lisboa e Vale do Tejo, esquea

    esta teoria da fsicoqumica. Opte antes por se des

    lumbrar, tendo sempre em conta que, em reas pro

    tegidas, o objectivo conservar... e sobretudo legar s

    geraes vindouras toda a beleza para ns ofertada

    pela Natureza.

    Das montanhas ao mar, passando pelos esturios do

    Sado e do Tejo, e at mesmo s profundezas da terra,

    em belas grutas, nesta regio o viajante tem muitas

    e variadas paisagens de cortar a respirao, que aca

    bam por se tornar inspiradoras. E ter, por certo,

    a sorte de se cruzar com uma riqueza faunstica

    e florstica que jamais esquecer. Aconselhamse as

    visitas no perodo primaveril para se usufruir de toda

    a fora da Natureza; porm, os sentidos nunca sero

    defraudados em qualquer outra poca do ano.

  • natureza, parques e reservas naturais

    01 Reserva Natural do Esturio do Sado Apenas uma parte desta rea prote

    gida se localiza no concelho de Setbal

    estando a restante distribuda nos

    municpios de Grndola e Alccer

    do Sal. Mas isso no deve ser impe

    ditivo de uma viagem por uma das

    mais importantes zonas hmidas de

    Portugal. Com cerca de 23 mil hecta

    res, a Reserva Natural do Esturio do

    Sado, criada em 1980, integra zonas

    de sapal, de dunas e de guas salobras

    que constituem locais de nidificao

    e alimentao de mais de 200 espcies

    de aves. Sendo uma zona importante

    em termos de peixes, anfbios, rpteis

    e mamferos, a sua maior riqueza

    acaba por ser a clebre colnia

    de golfinhos mais propriamente,

    de roazescorvineiros.383100.87N 85017.26W

    02 Parque Natural da Serra da ArrbidaDominada pela serra da Arrbida

    e pelo litoral da parte sul da Pennsula

    de Setbal, incluindo o cabo Espichel,

    esta rea protegida possui uma das

    mais fantsticas paisagens de Portugal,

    que no deixa ningum indiferente.

    Abrangendo partes dos municpios de

    Setbal, Sesimbra e Palmela, o Parque

    Natural da Serra da Arrbida, criado

    em 1971, ocupa uma rea de cerca

    de 18 mil hectares. Existem na regio

    vastas zonas que mantm um tipo

    de vegetao mediterrnica milenar,

    onde se destaca a flora tpica do

    garrigue (em solos calcrios) e dos

    maquis (em solos siliciosos). Para quem

    se quiser aventurar, mas com o devido

    cuidado para preservar os habitats

    mais sensveis, deve gastar algum tempo

    a percorrer a serra do Risco e Vale

    do Solitrio. Outro local que merece

    visita especial o Cabo Espichel, onde

    o mar e as falsias se encontram em

    harmoniosa beleza.Acesso Sesimbra: 382745.83N 90605.19W | Acesso

    Palmela: 383413.01N 85423.83W | Acesso Setbal:

    383102.62N 85424.24W

    03 rea de Paisagem Protegida da Arriba Fssil da Costa da CaparicaAbrangendo uma faixa costeira e as

    arribas desde a Costa da Caparica

    at Lagoa de Albufeira, esta rea

    protegida, que se estende ao longo de

    mais de 1.500 hectares dos municpios

    de Almada e Sesimbra, destacase

    sobretudo pela extensa faixa arenosa

    associada a um cordo dunar e uma

    escarpa fssil. A zona dos Capuchos

    a parte mais impressionante, com a

    escarpa a atingir cerca de uma centena

    de metros. Merecem tambm uma

    visita os pinhais dos Medos e da Aroeira,

    onde ocorrem a sabinadasareias e a

    aroeira, considerados Reserva Botnica

    desde 1971. Imediatamente a sul,

    encontrase a Lagoa de Albufeira,

    tambm classificada como zona hmida

    de importncia internacional.383629.39N 91211.53W

    04 Parque Natural de Sintra-CascaisEmbora uma vasta zona esteja j domi

    nada por floresta extica mas com

    alguns ncleos no menos belos por

    isso , esta rea protegida, criada em

    1981, concentra a sua maior importncia

    ecolgica no litoral. As praias da Samarra,

    Adraga, Espinhao, Abano e Guia, bem

    como o Cabo da Roca, possuem uma

  • diversidade de plantas de dunas

    extremamente raras. No corao deste

    Parque Natural tambm se pode

    encontrar mais de duas centenas

    de espcies faunsticas, destacandose

    sete diferentes morcegos, a guiade

    Bonelli, o falcoperegrino, o gavio,

    o aor, o buforeal, o corvomarinho

    decrista, o lagartodegua e o toiro.

    Alguns dos monumentos e a rea

    de Paisagem Cultural de Sintra,

    classificada pela Unesco como

    Patrimnio Mundial, encontramse

    aqui inseridos.Acesso Sintra: 384754.42N 92317.21W |

    Acesso Cascais: 384150.46N 92745.92W

    05 Reserva Natural do Esturio do Tejo No imenso mar formado pelo rio

    quando se abraa com o Atlntico,

    o esturio do Tejo no apenas o

    maior da Europa Ocidental. Tambm

    a se encontra uma das mais belas

    e ricas reas protegidas de Portugal.

    Abrangendo cerca de 14 mil hectares

    de guas estuarinas, incluindo os

    mouches da Pvoa, do Lombo do Tejo,

    das Garas e de Alhandra, bem como

    o sapal de Pancas, esta Reserva Natural,

    classificada desde 1980, encontrase

    ladeada por pequenas reas de

    montado e pinhal manso. Abrangendo

    as zonas ribeirinhas dos municpios

    de Alcochete, Benavente e Vila Franca

    de Xira, aqui existe uma riqueza de

    aves quase inigualvel, chegando no

    Inverno a contabilizarse mais de 120

    espcies de aves, com destaque para

    o alfaiate que atinge no esturio

    do Tejo cerca de 25% da populao

    invernante na Europa , o flamingo,

    o gansobravo, o pilritodepeitopreto

    e o milherango. Alm dos estatutos

    de conservao nacional e comunitrio

    uma Zona de Proteco Especial

    para aves e um stio da Rede Natura ,

    esta Reserva Natural est classificada

    como Reserva Biogentica do Conselho

    da Europa.384525.35N 85737.50W

    06 Reserva Natural do Paul do Boquilobo So apenas 554 hectares, formada

    por uma zona hmida na confluncia

    do rio Almonda com o grande Tejo,

    muito perto da Goleg e a caminho

    da Azinhaga. Mas apesar da reduzida

    dimenso, esta rea protegida, criada

    Esturio do Tejo

    Paul do Boquilobo

  • natureza, parques e reservas naturais

    em 1980, um paraso para muitas

    aves migradoras, incluindo diversas

    espcies de patos, galeires, zarro

    comum, gaivinadospauis, colhereiro

    e piadeira. Nas suas guas, vivem dois

    peixes endmicos lusitanos (o ruivaco

    e a bogaportuguesa) e cerca de duas

    dezenas de espcies de anfbios e rp

    teis, alm de mamferos como a lontra,

    o toiro e o ratodeCabrera.392434.72N 83134.29W

    07 Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros Englobando tambm os planaltos de

    Santo Antnio e de So Mamede, esta

    rea protegida de rara beleza, tanto

    superfcie como no subsolo, devido

    s formaes calcrias e peculiar

    morfologia crsica, onde proliferam os

    poldjes, os campos de lapis, as lapas

    e algares, as uvalas e dolinas, bem

    como uma complexa rede de cursos

    de gua subterrneos, que permitem

    uma fauna especfica, nomeada

    mente caverncola. Aqui se localiza

    tambm os Olhos dgua do Alviela,

    uma nascente que constituiu uma das

    principais fontes de abastecimento de

    gua a Lisboa desde finais do sculo

    XIX at meados do sculo XX. Embora

    vastas zonas no sejam arborizadas,

    encontramse pequenas manchas de

    carvalhocerquinho e azinheira, mas

    existem raras plantas herbceas, entre

    as quais orqudeas e diversas plantas

    aromticas, medicinais e melferas.

    Em termos de fauna, destacase a

    existncia de uma dezena de espcies

    de morcegos que vivem em cavernas.

    Integrado neste Parque Natural, classi

    ficado em 1979, encontrase um Monu

    mento Natural: a jazida da Pedreira do

    Galinha, na vertente oriental da serra

    de Aire, que contm a mais antiga e

    longa pista de dinossurios saurpodes

    conhecida no Mundo, com uma extenso

    Grutas. Serras de Aire e Candeeiros

  • tejo | esse desconhecido 0 1

    01

    02

    0304

    0506

    07

    08

    09

    10

    templrios

    ribatejo

    costa azul

    grande lisboalisboa

    O Tejo que banha Lisboa e cantado por poetas

    continua a guardar alguns segredos que

    Cristina CastelBranco nos desvenda. Este

    um percurso de rio. Mas nas suas margens

    que se encontram os pontos de interesse,

    permitindonos uma outra viso da geografia

    do lugar. As coordenadas GPS fornecem

    os trilhos que nos encaminharo para locais

    de grande beleza natural e construda.

    Paisagem ribeirinha onde persistem sinais

    de actividades industriais, reservas naturais com

    aves e flora, assim como algumas construes

    que so indissociveis da vida do rio, como

    o Aqueduto de Peges ou a Torre de Belm.

    Tejo | Esse desconhecido

  • Texto Cristina CastelBranco

    N a sua desembocadura, em frente Lisboa, o esturio do Tejo tem cerca de 10.000 hectares e passa por 9 cidades, espraiandose numa baa extraordinria

    como imenso espelho de gua donde as cidades se

    vem de uma para a outra margem. Virada a Sul,

    para o rio, a velha colina de Lisboa foi ncleo de ins

    talao humana a depender muito do Tejo, tal como

    as outras cidades que se instalaram volta do rio

    Loures, Vila Franca de Xira, Alcochete, Montijo,

    Moita, Barreiro, Seixal, Almada.

    Nestas cidades existem portos fluviais, pesca artesa

    nal, salinas, moinhos de mar, uma avifauna diversa

    e rica, passeios pblicos ao longo do rio, e uma longa

    tradio de atravessamento do rio por barco. Durante

    o sculo XX nelas se instalaram indstrias pesadas

    que poluram o esturio e reduziram a cadeia alimen

    tar a um estreito leque de espcies.

    A desactivao destas indstrias no final do sculo

    passado, reabre a possibilidade de recuperar o patri

    mnio de pesca e de transportes, de lazer e qualidade

    visual deste extraordinrio mar interior.

    O percurso proposto circula em redor do esturio

    e dever ser feito de barco. Iniciase no Cais das Colu

    nas e entra para o interior rumo a Vila Franca at

    Ponta da Erva, onde se inicia o esturio e o rio alarga

  • tejo | esse desconhecido

    ao encontrarse com o rio Sorraia. Desce depois pela

    margem sul at Alcochete, para a praia do Samouco,

    donde se avistam as colinas de sal, vestgio de uma

    intensa actividade de extraco artesanal. Descendo

    para o Barreiro pode subirse o rio Coina, que entra

    pela terra adentro em direco Serra da Arrbida,

    em cenrios que mantm uma paisagem de quintas

    dialogando com a arquitectura industrial agora quase

    parada.

    A grande surpresa que nos espera pertence ao Seixal

    entrando pelo rio Tejo uma paisagem de dunas

    e pinheiros mansos; a Ponta dos Corvos tem praia

    no lado Norte, j sujeita influncia do mar e, no lado

    do brao de rio, est o sapal. Antigos moinhos de mar,

    fbricas de peixe, e uma vista entre pinheiros e dunas,

    virada para as colinas de Lisboa, colocamna no topo

    da beleza e da magia do esturio.

    A partir desta Ponta o rio estreita e forma um gargalo

    com cerca de 2km entre margens altas. a colina

    de Almada e as arribas a pique que formam o cenrio

    Sul, e o Vale de Alcntara e a serra de Monsanto que

    o rematam a Norte. Passase por baixo da ponte

    25 de Abril e, a poente, o Tejo encontra o mar. A marca

    humana vai at ao Bugio, castelo forte de planta

    redonda.

  • 01 Ponta da ErvaNa confluncia dos rios Tejo e Sorraia

    encontrase a Ponta da Erva, um conjunto

    de terrenos totalmente planos e quase

    sem rvores que integram a Reserva

    Natural do Esturio do Tejo. dos locais

    mais interessantes no pas para observao

    de aves, durante todo o ano. 384957.65N 85812.07W

    02 Salinas de Alcochete Situadas nas margens do rio Tejo, as

    Salinas do Samouco, em Alcochete,

    testemunham aquela que foi durante

    muito tempo uma das principais activi

    dades econmicas do concelho a pro

    duo de sal. A sua riqueza ecolgica

    reconhecida, sendo um excelente local

    para observar aves aquticas.384350.37N 9010.17W

    03 Rio CoinaEntre o Barreiro e o Seixal

    O rio Coina um brao do rio Tejo que

    penetra a sul no territrio e nave

    gvel na mar cheia. A sua histria

    est ligada construo naval durante

    os Descobrimentos Portugueses.

    Ao navegar pelo sapal do Coina, por

    entre ilhotas, possvel observar aves

    migratrias, flora diversificada e runas

    de moinhos de mar. Um barco da

    Cmara do Barreiro oferece viagens

    pelo rio acima e apanhase perto

    da estao fluvial do Barreiro. 383620.81N 9 35.65W

    04 Ponta dos Corvos Entre o Seixal e Almada

    A Ponta dos Corvos uma pequena

    pennsula localizada no Seixal.

    Acessvel a partir de Almada pelo seu

    istmo oeste, um local de indiscutvel

    valor natural e cultural, onde os

    ecossistemas de duna e sapal

    coexistem com as runas das fbricas

    da seca do bacalhau, os moinhos de

    mar, a praia fluvial e as amplas vistas

    sobre Lisboa.383858.04N 9651.70W

    05 Forte do Bugio O Forte de So Loureno ou Bugio foi

    mandado erigir por D. Joo IV para

    garantir a defesa da entrada no esturio

    do Tejo. De planta redonda, funciona

    como um marco no meio do mar,

    a assinalar o final do Tejo. Foi destrudo

    no terramoto de 1755 e reedificado,

    entrando em funcionamento em 1775,

    como farol de auxlio navegao,

    funo que ainda hoje mantm.

    Pode visitarse com autorizao prvia

    da marinha Portuguesa.383937.28N 91756.61W

    06 Torre de Belm A Torre de Belm foi erguida por volta

    de 1500 na margem direita do Tejo,

    perto de Belm, para defender

    a entrada do porto de Lisboa. A sua

    localizao e simblica renascentista

    Salinas do Samouco

  • tejo | esse desconhecido

    marcam a primeira imagem do Tejo

    para quem entra de barco. Encontrava

    se dentro de gua e ao ser restaurada

    nos anos 60, o processo natural do

    movimento das mars foi aproveitado,

    numa soluo em que a gua retida

    volta da base da Torre, mesmo

    na mar baixa, e a torre refletese

    no espelho de gua.384129.54N 91256.96W

    07 Aqueduto dos Peges Situado perto de Tomar, o Aqueduto

    dos Peges foi construdo a pedido

    do rei Filipe II pelo arquitecto Filipe

    Terzi, com o objectivo de abastecer o

    Convento de Cristo, entre 1593 e 1614.

    Com cerca de 6 km de extenso e uma

    altura mxima de 30 m, pode ser per

    corrido livremente, ao longo de uma

    plataforma junto caleira da gua. 393611.43N 82513.65W

    08 Castelo de Almourol Entre Vila Nova da Barquinha e Cons

    tncia erguese imponente no meio do

    Tejo o Castelo de Almourol. O alcance

    da vista fantstico, explicando a sua

    utilizao militar ao longo dos sculos.

    Em Almourol pode apanhar uma das

    chatas ou picaretes que o levar em

    2 minutos at ao castelo.392743.59N 8232.50W

    09 Ilha do Lombo A albufeira de Castelo de Bode,

    pertencente localidade de Serra

    de Tomar, um lugar tranquilo com

    uma envolvente sem igual com vistas

    serranas. Pode pernoitar nesta ilha

    que proporciona diversas actividades

    de lazer, entretenimento e aventura.393630.66N 81613.25W

    10 Quinta da Boavista Localizada no concelho de Santarm,

    num planalto com vista para o rio Tejo,

    a Quinta da Boavista essencialmente

    uma quinta de produo, com vrios

    hectares de terrenos agricultados, olivais,

    florestas e pastagens. Destacamse

    tambm os coches e os lagares antigos,

    a escola equestre e os estbulos. 392889.72N 86261.38W

    Torre de Belm

  • lugares e tradio 8 9

    05

    02

    01

    04

    03

    templrios

    ribatejo

    costa azul

    grande lisboa

    lisboa

    Afastandonos dos grandes centros urbanos

    descobrimos um outro territrio digno de ser

    conhecido. Lugares que ainda guardam sinais

    da sua histria contada atravs dos seus

    monumentos, igrejas, capelas e das tradies

    de cariz popular por onde perpassa o sentido

    de comunidade.

    Caso pretenda conhecer zonas mais calmas,

    afastandose do bulcio das cidades,

    a escolha variada. Basta fugir das vias

    rpidas e deambular dolentemente por

    estradas secundrias. Descobrir riquezas

    patrimoniais e pedaos de Histria.

    Lugares e Tradio

  • Texto Pedro Almeida Vieira

    D urante as invases napolenicas, no incio do sculo XIX, o general francs Foy, ter dito que Portugal Lisboa e o resto paisagem. No

    acredite. Se certo que na capital portuguesa encon

    trar muitos motivos para uma prolongada visita,

    o viajante tem, na regio de Lisboa e Vale do Tejo,

    lugares mais ou menos remotos com uma Histria

    para contar e mostrar, atravs de um vasto patrim

    nio arquitectnico e humano, que revelam um pas

    diversificado que tem, nos seus contrastes, uma das

    suas maiores riquezas.

    E a escolha desses lugares tornase to difcil que

    nenhum guia pode ousar recomendar tudo. Por isso,

    embora o viajante possa sempre seguir o percurso

    proposto, por cinco vilas e aldeias, talvez seja mais

    enriquecedor se, deambulando por entre elas, partir

    descoberta, sem mapa e apenas com um objectivo:

    ver uma regio com tanto para revelar e surpreender.

  • lugares e tradio 0 1

    01 Santo Anto do Tojal Antigamente chamada Santo Antnio

    de Santo Anto do Tojal, esta pequena

    vila do concelho de Loures, talvez pela

    denominao, sempre foi um local

    de descanso dos arcebispos de Lisboa.

    Com a criao do Patriarcado, durante

    o reinado de D. Joo V, o ento

    patriarca, D. Toms de Almeida,

    decidiu melhorar o seu alojamento,

    contratando o italiano Antnio

    Canevari que seria o primeiro

    director das obras do Aqueduto das

    guas Livres. Este arquitecto rgio no

    se poupou ento em esforo para

    transformar um velho solar num

    autntico palcio ao estilo barroco,

    com magnficas salas decoradas com

    azulejos, e criar uma quinta

    sumptuosa, com belos pombais. Para

    abastecer o palcio tambm construiu

    um aqueduto, anterior ao de Lisboa,

    usando as nascentes de Pintus, que

    culminou num majestoso chafariz,

    defronte a uma imponente praa, que

    surge incrustado num palacete anexo,

    a lembrar a soluo arquitectada na

    Fontana de Trevi, em Roma.

    No segundo quartel do sculo XVIII,

    aqui benzeramse os sinos do convento

    de Mafra, que chegaram a Santo Anto

    do Tojal atravs de um brao do rio

    Tranco, ento existente. Um evento

    que agora evocado todos os anos,

    no incio do Outono, com a encenao

    de um desfile setecentista e de uma

    feira tpica daqueles tempos.www.jfsatojal.pt

    385113.11N 90834.51W

    02 Manique do IntendenteSe porventura Pina Manique no

    tivesse cado em desgraa em 1803,

    hoje Manique do Intendente seria um

    plo urbanstico mpar em Portugal.

    Nos tempos de D. Maria I, aps ter

    conseguido um alvar para instituir

    uma vila nos terrenos do seu morgado

    de Alcoentrinho, o todopoderoso

    IntendenteGeral da Polcia pensou a

    criar, a suas expensas, uma autntica

    vila iluminista. Com a ajuda de um

    emprstimo de 32 contos de reis uma

    fortuna para a poca clere

    promoveu o povoamento do seu

    Palcio de Manique do Intendente

  • senhorio, com colonos aorianos, e

    pensou mesmo em a localizar um plo

    da Casa Pia, que fundara uma dcada

    antes. Aprestouse a edificar um

    sumptuoso palcio com igreja central

    e uma praa monumental, a que

    chamou dos Imperadores em honra

    de seis imperadores romanos, que

    davam o nome a outras tantas ruas

    que dali ramificavam. Seria nessa

    praa hexagonal, ocupando quase meio

    hectare, que se localizariam o edifcio

    da Cmara e a cadeia, tendo o

    pelourinho no centro. A demisso de

    Pina Manique, por presso de Frana,

    acabaria por gorar todo este ambicioso

    projecto, mesclado de urbanismo

    barroco e neoclssico. As obras do

    palcio cujo arquitecto, Joaquim

    Fortunato de Novais, era um

    excasapiano que tivera a oportu

    nidade de estudar em Roma nunca

    se concluram, e hoje restam apenas

    as majestosas fachadas, classificadas

    como imvel de interesse pblico.

    Manique do Intendente foi perdendo

    importncia ao longo do tempo seria

    mesmo extinto como concelho em

    1836 , mas merece uma visita por

    ser o smbolo de um sonho no

    concretizado.www.cmazambuja.pt

    391315.79N 85337.25W

    03 Chamusca Nas margens do Tejo, Chamusca vila

    onde a terra e o cu se irmanam.

    Nesta regio ribatejana, o forte pendor

    agrcola, que tem como seu smbolo

    maior a imponente praa de toiros

    construda no incio do sculo XX, em

    estilo neoarbe , encontra

    paralelismo na vasta profuso de

    templos religiosos. Para alm de

    diversas ermidas das quais se

    destaca a de Nossa Senhora do Pranto,

    com uma preciosa coleco de azulejos

    setecentistas a profunda devoo

    religiosa desta vila revelase na

    existncia de outras quatro igrejas,

    duas das quais construdas por

    iniciativa privada em sculos passados.

    Acresce ainda o antigo convento de

    Santo Antnio, junto ponte metlica

    que liga Goleg, construdo no final

    do reinado de D. Manuel I, embora

    hoje seja um edifcio privado. Antes de

    Chamusca

  • lugares e tradio

    se subir para o miradouro do Outeiro

    do Pranto, o visitante deve tambm

    deambular pelo aglomerado urbano,

    recomendandose, como ponto de

    partida, o Largo 25 de Abril, mais

    precisamente o Chafariz da Branca de

    Neve uma designao popular desta

    fonte para a distinguir, pela maior

    dimenso, de outras sete bicas

    (os anes), que em tempos remotos

    abasteciam a populao local.www.cmchamusca.pt

    392134.16N 82850.67W

    04 Sardoal Vila com quase meio milnio de

    existncia, Sardoal um dos mais

    antigos povoados do pas e, por isso,

    apesar da reduzida dimenso, mantm

    traos patrimoniais que remontam

    Idade Mdia. No final do sculo XIV,

    aqui se instalou uma ermida que foi

    crescendo at se tornar numa

    imponente igreja. Mais tarde

    construirseia um mosteiro, em honra

    da Nossa Senhora da Caridade, a que

    se associou um hospital para

    aproveitar a qualidade das guas

    frreas. No patrimnio religioso

    destacase ainda a igreja matriz de So

    Tiago e So Mateus, construda no

    sculo XV, e a Igreja da Misericrdia,

    mandada edificar pelo rei D. Fernando,

    com belssimos painis de azulejos.

    Num pequeno aglomerado urbano

    que mantm ainda uma traa rstica,

    a presena dos antigos senhores do

    Sardoal, os condes de Abrantes,

    salientase de forma imponente.

    A Casa Grande, conhecida por Solar

    dos Almeidas, um dos exemplos a

    visitar. Mas percorrer a vila, calcorrear

    os jardins pblicos da Tapada da Torre

    e da Praa Nova so outros pontos que

    merecem ser desfrutados.www.cmsardoal.pt

    393159.96N 80936.72W

    05 DornesEncastrada na albufeira de Castelo

    de Bode, a pequena vila de Dornes

    sede de concelho at 1836, com foral

    concedido pelo rei D. Manuel I possui

    um manancial de lendas que

    remontam aos tempos dos romanos,

    dos mouros e dos templrios. Ento

    situada num penhasco, a ter sido

    construda uma terra pelo general

    romano Sertrio, no sculo I a.C.,

    tendo depois dado lugar a outra

    construda pelos Templrios. Consta

    tambm que os mouros tero deixado

    enterrados na sua zona ricos tesouros.

    A sua igreja, em honra da Nossa

    Senhora do Pranto (ou das Dores),

    ter sido mandada construir pela

    rainha Santa Isabel, em 1285, no local

    onde supostamente surgiu a Virgem

    Maria com Jesus Cristo morto nos seus

    braos. A denominao Dornes advm

    mesmo dessa apario, pois o nome

    inicial era Vila das Dores.

    A construo da barragem de Castelo

    de Bode, em 1951, alterou profunda

    mente a envolvente da vila, criando

    uma pennsula rodeada pela albufeira,

    tornando Dornes um local de rara beleza.

    Na estrada que liga povoao de Paio

    Mendes, ao longo de cerca de trs

    quilmetros, encontramse 14

    cruzeiros que representam uma

    viasacra, realizandose todos os anos,

    entre a segundafeira da Pascoela

    e Setembro, diversas procisses em

    honra de Nossa Senhora do Pranto. www.dornes.eu

    394613.27N 81608.22W

  • festas religiosas

    0102

    05

    06

    0304

    07

    templrios

    ribatejo

    costa azul

    grande lisboa

    lisboa

    A herana popular das manifestaes de f

    no deixa de integrar elementos pagos.

    Muitas destas festas de cariz religioso esto

    intimamente ligadas faina agrcola,

    a milagres e pesca, organizandose segundo

    um calendrio que muitas vezes marca

    o ritmo da vida dessas populaes. Algumas

    destas manifestaes tornaramse, pelo

    seu impacto e grandeza, em fortes atraces

    tursticas, como acontece, por exemplo,

    com a festa dos Tabuleiros em Tomar.

    Todas estas festas representam grandes

    manifestaes de imaginao popular, dignas

    da nossa curiosidade.

    Festas Religiosas

  • Texto Pedro Almeida Vieira

    D eus quer, o Homem sonha e a obra nasce assim escreveu Fernando Pessoa. E se Deus sempre foi, num pas marcadamente catlico, uma fonte de inspi

    rao e de auxlio em pocas de angstia e de espe

    rana, o Homem procurou sempre retribuir a ajuda

    divina, criando manifestaes de f embebidas tam

    bm em tradies pags, para que a obra ou seja,

    a produo agrcola e pesqueira nascesse.

    Hoje, embora muitas das festividades religiosas

    tenham j perdido a sua funo primordial, a devo

    o que a ainda se manifesta, associada a actividades

    recreativas, so motivos suficientes para uma visita.

    Sobretudo concentradas na poca estival e durante

    a Pscoa, e incidindo muito no secular culto mariano,

    nestas festas religiosas encontrarse todo o esplen

    dor e aparato que tem atravessado geraes.

  • festas religiosas 8 9

    01 Festa de Nossa Senhora do Rosrio de TriaSetbal | Segunda quinzena de Agosto

    O ponto mais alto destas festas

    a travessia do Sado, depois da reali

    zao de uma missa na igreja de So

    Sebastio em memria dos martimos

    falecidos, sendo a imagem de Nossa

    Senhora transportada num barco,

    desde a Doca das Fontainhas at

    Caldeira de Tria, em companhia

    de dezenas de embarcaes engala

    nadas. Durante dois dias, a imagem

    de Nossa Senhora mantmse em

    Tria. Na primeira noite, h uma pro

    cisso de velas pela praia, sucedendo

    depois bailes e arraiais. No segundo dia,

    ainda em Tria, promovese o concurso

    de Barcos Engalanados, regressando

    todas as embarcaes a Setbal

    nessa tarde, passando ainda ao largo

    do Hospital do Outo, onde se faz

    a habitual saudao dos doentes.www.munsetubal.pt

    383128.26N 85335.03W

    02 Festa da Nossa Senhora da SadeVila Nogueira de Azeito

    Segundo fimdesemana de Setembro

    Em honra da graa de Nossa Senhora,

    pela sua intercesso durante uma peste

    em 1723, esta festa em Vila Fresca de

  • Azeito decorre durante trs dias.

    Do ponto de vista religioso, o ponto alto

    a procisso solene no domingo

    tarde, com a imagem de Nossa

    Senhora a percorrer as ruas da

    povoao, ao som da banda filarmnica.

    Porm, as festividades profanas

    marcam terreno, sendo possvel

    assistir aqui a provas de cavalhadas

    antiga portuguesa, em que os

    concorrentes, montados a cavalo,

    tentam acertar com um varo numa

    argola pendurada num ponto alto. www.munsetubal.pt

    383109.81N 90049.69W

    03 Festas de

    Nossa Senhora da AtalaiaMontijo | ltima semana de Agosto

    Remontando a 1507, quando pere

    grinos, sobretudo empregados da

    Alfndega de Lisboa, acorreram ento

    pequena igreja da Atalaia para pedir

    proteco de Nossa Senhora, estas

    festas ganharam um carcter multi

    municipal. Durante sculos, em finais

    de Agosto, chegaram a ser mais de 30

    as procisses vindas de vrios pontos

    da Grande Lisboa que acorriam com

    crios, a p ou de barco, at s margens

    do Tejo, tendo a igreja beneficiado

    de considerveis obras. Actualmen

    te, apenas cinco confrarias Quinta

    do Anjo, Carregueira, Olhos dgua

    (concelho de Palmela), Azia (Sesimbra)

    e o Crio Novo da Jardia (Montijo)

    mantm a venerao a Nossa Senhora

    da Atalaia, chegando vez e dando

    trs voltas ao CruzeiroMor, subindo

    depois a escadaria at ao santurio,

    acompanhados sempre pela imagem de

    Nossa Senhora da Atalaia, com desfile

    das bandeiras que as identificam. No

    domingo, todas as confrarias partici

    pam numa procisso colectiva e, nessa

    noite, procedese Arrematao das

    Bandeiras, que simbolizam promessas

  • festas religiosas

    a cumprir. No final, realizamse tpicos

    bailaricos nas sedes das confrarias.www.munmontijo.pt

    384220.66N 85828.62W

    04 Procisso da Nossa Senhora dos NavegantesCascais | 15 de Agosto

    Antes de ser terra de reis, Cascais foi

    terra e mar de pescadores. E o mar,

    embora madre, tambm por vezes

    se tornava madrasta. Por isso, a Nossa

    Senhora dos Navegantes foi conhecendo

    uma grande devoo dos pescadores.

    Hoje j so poucos, mas a tradio de

    venerar a padroeira mantevese com

    uma procisso a percorrer as ruas da vila

    at os andores alcanarem as margens

    do Atlntico para um passeio martimo

    engalanado com as cores garridas que os

    homens do mar utilizavam para decorar

    os seus barcos. A meio deste percurso,

    quando a imagem da Senhora dos Nave

    gantes chega Guia, lanada a bno

    ao mar, aos pescadores e ao povo de Cas

    cais. Esta tradio tem, segundo consta,

    as suas razes no sculo XV, quando

    a devoo a So Pedro Gonalves foi

    sendo progressivamente substituda pela

    da Senhora dos Navegantes. A partir

    de 1834 teve um interregno de mais de

    um sculo, quando as ordens religiosas

    foram extintas, mas seria retomada

    em 1942 quando se reconstruram os

    torrees da Igreja de Nossa Senhora dos

    Navegantes.www.cmcascais.pt

    384150.23N 92518.20W

    05 Procisso dos Fogarus Chamusca | Sextafeira de Paixo

    Um dos mais conhecidos actos de devo

    o do pas, esta procisso nocturna

    sai da igreja do Senhor da Misericrdia,

    Festas da Nossa Senhora do Cabo Espichel | PeregrinaesSetembro

    Culto que remonta ainda aos tempos do rei

    D. Joo I, a romaria da Nossa Senhora do

    Cabo Espichel comeou a desenrolarse

    sobretudo a partir do primeiro quartel

    do sculo XV, quando dois saloios da Caparica

    e de Alcabideche ali acorreram aps terem

    tido sonhos coincidentes sobre o aparecimento,

    naquele promontrio do concelho de

    Sesimbra, de uma imagem da Virgem Maria

    com o Menino Jesus ao colo. A seria

    construda uma pequena ermida.

    Em finais do sculo XVII, para melhorar

    a organizao das procisses feitas por uma

    trintena de freguesias dos actuais concelhos

    de Cascais, Sintra, Oeiras, Loures, Odivelas,

    Mafra e Lisboa, seria mesmo criada

    a Confraria de Nossa Senhora do Cabo,

    com estatutos aprovados por bula apostlica.

    Sobretudo no sculo XVIII, estas romarias

    tornarseiam grandiosas, levando

    construo de um santurio, integrando

    hospedarias, com sobrados e lojas, e mesmo

    de um aqueduto no Cabo Espichel, para

    acolher em condies os romeiros com

    os seus crios.

    O culto ainda hoje se mantm, mas

    o momento mais alto ocorre anualmente

    na freguesia, de entre as 26 ainda integrantes

    da Confraria, que teve a honra de guardar

    a imagem de Nossa Senhora do Cabo. Assim,

    em Setembro de cada ano decorrem,

    na parquia estipulada, diversas cerimnias

    religiosas associadas a cortejos, arraiais

    e vrios espectculos recreativos, ao longo

    de quase duas semanas. Em 2011, as Festas

    de Nossa Senhora do Cabo decorreram

    na freguesia de Santa Maria e So Miguel,

    no concelho de Sintra, e em 2012 realizamse

    em LindaaVelha, no municpio de Oeiras.

    Confraria Nossa Senhora do Cabo Espichel

    Estrada Cabo Espichel

    Igreja Nossa Senhora Cabo Espichel,

    Santana Castelo

    2970340 Sesimbra

    Tel: +351 212 680 565

    10

  • encabeada por um grupo de mordo

    mos levando uma imagem de Cristo

    Crucificado, percorrendose as ruas

    da vila em companhia dos devotos que,

    em silncio, seguram fogarus (velas

    acesas colocadas num vaso com pega).

    Esta solenidade est tambm muito

    associada a um suposto milagre ocor

    rido durante as invases napolenicas,

    quando as tropas francesas, do outro

    lado do Tejo, ameaavam saquear a

    pequena vila, tendo um padre apelado

    proteco divina, malograndose

    assim as intenes dos inimigos, que

    pereceram perante uma repentina

    subida do caudal do rio. www.cmchamusca.pt

    392134.11N 82850.74W

    06 Festa da Nossa Senhora da Boa Viagem Constncia | Perodo pascal

    Se a vila de Constncia foi perdendo

    a sua actividade pesqueira, se os

    varinos se extinguiram, a tradio

    continua a manifestarse como se tal

    no tivesse sucedido. Todos os anos,

    desde 1798, durante as festividades

    pascais, a vila de Cames engalana

    as suas estreitas ruas para preparar

    a procisso da segundafeira de

    Pscoa em honra da Nossa Senhora

    da Boa Viagem. O ponto alto ocorre

    nas margens dos rios Tejo e Zzere,

    onde se faz a secular bno dos

    barcos, bem como de viaturas na

    Praa Alexandre Herculano. Em para

    lelo, as festas e actividades culturais

    invadem a vila, com provas desporti

    vas, exposies, concertos musicais

    e folclore e, claro, muitas tasquinhas

    ao longo das ruas engalanadas. www.cmconstancia.pt

    392835.15N 82018.25W

    07 Festa dos TabuleirosTomar | Quadrienal, incios de Julho

    Porventura, a festa religiosa mais

    deslumbrante e grandiosa de Portugal,

    a sua gnese provm dos tempos

    do paganismo, quando o povo fazia

    oferendas a Ceres, deusa romana

    da agricultura. Durante o reinado

    de D. Dinis, estas festas foram

    substitudas por actos de devoo

    crist. Embora tenha evoludo ao

    longo dos sculos, a tradio mantm

    muitas das cerimnias antigas, como

    o cortejo da chegada dos Bois do

    Esprito Santo (Cortejo do Mordomo),

    o Cortejo das Coroas, o Cortejo dos

    Rapazes, a Distribuio do Bodo

    e sobretudo o Cortejo dos Tabuleiros,

    que decorrem em cinco dias diferentes.

    Esta ltima cerimnia o ponto alto

    das festividades, consistindo num

    desfile de raparigas das 17 freguesias

    de Tomar, acompanhadas de rapazes,

    que transportam os tabuleiros

    cestos de vime ou verga ornamen

    tados com flores e pes, rematados

    ao alto por uma coroa encimada pela

    Pomba do Esprito Santo ou pela Cruz

    de Cristo , ao longo de um percurso

    de cinco quilmetros pelas ruas

    engalanadas e com colchas pendentes

    das janelas.

    Estas festividades tm um cerimonial

    complexo, iniciandose no ano anterior

    sua realizao, quando o povo de Tomar

    convocado para uma reunio pblica,

    no Salo Nobre dos Paos do Concelho.

    Nessa altura, havendo opinio favorvel

    do povo, logo escolhido o Mordomo

    e so lanados trs foguetes em sinal

    de anncio pblico.www.cmtomar.pt

    393613.22N 82446.17W

  • festas religiosas

  • cavalo lusitano e toiro

    08

    07

    05

    02

    06

    01

    04 03

    09

    templrios

    ribatejo

    costa azul

    grande lisboalisboa

    A histria de um animal quase mtico, o cavalo

    lusitano, cruzouse com outro no menos

    mtico e ancestral, o toiro. E a histria

    de ambos indissocivel do homem que,

    desde tempos imemoriais, estabeleceu

    laos e rituais de celebrao com estes

    extraordinrios animais.

    Propomos uma visita s mais importantes

    ganadarias. Para isso indicamos as respectivas

    localizaes. Para os amantes da festa dos

    toiros fornecemos o calendrio das corridas

    que se realizam ano aps ano na regio.

    Cavalo Lusitano

    e Toiro

  • Texto Domingos Costa Xavier

    S uposto que tudo se deve excepcionalidade das condies edafoclimticas de toda a regio. Irrealidade ou lenda, certo que j Plnio postulou que os cavalos da Lezria eram to

    geis que se supunha que as guas suas mes eram

    cobertas pelo vento. bonita a imagem, mas mais

    no que, puro testemunho de antanho da funciona

    lidade das montadas lusas.

    Tal qualidade, bem cedo despertou o desenvolvimen

    to das artes equestres, e j em 1318 o mestre Giraldo

    redigia a Arte de Alveitaria, livro que bem analisado

    se revela todo um tratado de Hipologia.

    Continuam os cavaleiros lusos a desenvolver uma

    monte de excelncia, a monte de Gineta, o que pos

    svel justificar a acumulao de saberes que permitiu

    que em 1430 ElRei D. Duarte tenha publicado O livro

    da Ensinana do bem cavalgar, obra que abre as

    portas equitao superior e arte de lidar toiros

    a cavalo.

    Trezentos anos depois, Manuel Carlos de Andrade,

    redige Luz da Liberal e Nobre Arte da Cavalaria

    livro que hoje se considera tecnicamente superior

    aos Princpios da Equitao de Plurinel, durante

    anos a quase bblia dos cavaleiros de escola.

    Esta simbiose entre cavalos e toiros recua ao ano de

    1678, em que Galvo de Andrade publica o Tratado

    de Cavalaria e Toureiro, antecipando em cem anos

    o andaluz Joseph Daza, por muitos considerado um

  • cavalo lusitano e toiro 8 9

    dos primeiros tericos da coisa turica, sobretudo

    por desconhecerem o livro de Andrade e de D. Duarte,

    j atrs citado.

    Continuamos, orgulhosamente, a praticar uma das

    melhores equitaes do mundo, clssica e formal nos

    conceitos, sobretudo com o que faz a Escola Portu

    guesa da Arte Equestre, hoje sediada no Palcio de

    Queluz, onde se pode conhecer o Centro Equestre

    da Lezria Grande (que Lus Valena superiormente

    dirige na proximidade de Vila Franca de Xira), a Escola

    Militar de Mafra e a Charanga da Guarda Nacional

    Republicana, a nica no mundo que toca a galope.

    Quanto ao toiro a histria paralela, mas bem dife

    rente. Tudo comea com os bovinos bravios ( os Oros

    ou Aurorves) to abundantes no territrio, que justi

    ficavam regras para o seu combate, e exemplo de que

    assim era, que se atente no teor do decreto rgio (hoje

    depositado em Lisboa na Torre do Tombo) que faz

    parte do esplio da chancelaria de D. Afonso III, em

    que se normaliza a caa de ursos e de toiros na Serra

    da Arrbida, com o curioso pormenor de estipular

    o nmero de lacaios que cada fidalgo podia levar em

    seu squito, curiosamente oito, nmero que equivale

    ainda aos componentes dos grupos de forcados que

    nas nossas arenas executam as pegas aos toiros.

    Depois, com a fixao territorial e as casas de lavoura,

    tais bovinos ( um quase subproduto da explorao eco

    nmica, face sua rusticidade) assumem a designao

  • de Gado da Terra, e , vo sendo utilizados quer na

    mera alimentao, quer em primordiais eventos tu

    ricos, quer ainda para pagamentos em espcie numa

    altura em que o papel moeda no corria como hoje.

    Foram tais pagamentos, que do meu modesto ponto

    de vista, justificam o incio da Ganadaria de apurada

    bravura em Portugal, dado que os lavradores paga

    vam a cngrua (tributo devido igreja, em regra

    pago no perodo pascal) em cabeas de gado, e os

    monges dominicanos (que sabiam ler) com conven

    to no Monte da Barca, cerca da vila de Coruche, co

    mearam meticulosamente a registar as provenin

    cias do que recebiam e os cruzam