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8/8/2019 Guiei-me Por Vocês - Colégio Cidade Roda, Redinha
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Guiei-me por vocês
Joana SilvaDébora Fonseca
Jovens autores de histórias
ilustradas
Colégio Cidade Roda
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Já me disseram que um dia serei comparada a Camões, Eça de Queirós ou Pessoa.
Talvez não fosse mau. Para já eu digo não! Sou uma simples contadora de histórias e é
isso que quero continuar a ser. Quero continuar a contar histórias, histórias que fazem
sonhar, histórias que fazem chorar, histórias que põem sorrisos na cara das pessoasque amo, histórias que mais ninguém conta, que mais ninguém vive, histórias da
minha vida, da vida que já vivi e da que um dia hei de viver. Histórias daquilo que sou.
Histórias da vida de quem me ajudou a ser o que sou. Histórias de quem passou por
muito enquanto eu lutava para estar onde estou.
É mesmo por aí que vou, desta vez vou falar de outro alguém, não de mim. Vou contar
uma história que no fundo são seis. Seis pessoas, seis das pessoas que mais amo neste
mundo, seis pessoas por quem faço tudo e dou tudo. Seis histórias, seis mundos, seis
maneiras de viver, seis sorrisos que me fazem sorrir ainda mais e ter orgulho em ter
quem tenho comigo. Seis personagens que se resumem apenas numa. Flávia.
Flávia é a protagonista que vale por seis atrizes com papéis principais na minha vida. É
dela que vos falar e é a história dela que vos vou contar.
1997. Bill Clinton começa o seu segundo mandato como presidente dos Estados
Unidos; a banda “Aerosmith” lança um álbum de seu nome “Nine lives”; a princesaDiana de Gales morre tragicamente num acidente de automóvel em Paris; o Boavista
conquista a 5ª. Taça de Portugal ao vencer o Benfica por 3-2. Podia continuar aqui a
enunciar alguns dos acontecimentos que marcaram o ano de 1997, no entanto, prefiro
destacar apenas seis dias: 22 de Janeiro, 27 de Março, 24 de Maio, 21 de Junho, 23 de
Novembro e 21 de Dezembro. Em todos estes dias nasceu uma parte do todo que a
Flávia agora é.
Não sei sequer como foi o parto, não sei se a mãe teve muitas dores ou se foi cesariana.
Suponho que tenha chorado ao nascer. Também suponho que tenha tido um
crescimento saudável, cheio de risos e brincadeiras, manchas de gelado no vestidinho
branco e birras em tudo o que é lado. Palavrões para começar falar e quedas para
aprender a andar. Até aqui é tudo tão igual a todas as outras miúdas que nem valia a
pena estar a perder tempo a escrever isto, enganam-se! Escrevi-o com muita satisfação
e orgulho porque não é por ter passado tudo o que já passou que não deixa de ser isso
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mesmo, uma miúda como todas as outras embora não sendo nem querendo ser igual a
nenhuma delas.
O silêncio faz eco no meu peito. É agora. Vou mesmo escrever aquilo que não queria.
Aquilo que provavelmente mais me vai custar no texto inteiro. Dava tudo o que tenho
para isto não lhe ter acontecido a ela, preferia
que me tivesse acontecido a mim se soubesse
que ela não chorava todos os dias por causa
disto. Fazia tudo para o que o pai dela estivesse
ainda aqui, ao seu lado a sorrir, a dizer-lhe que
ela consegue tudo o que quer, que é capaz, que é
uma lutadora e que vai ser sempre a sua
menina. Dava a minha vida para ressuscitar a
vida de um pai no coração dela.
Faz dez anos que a vida lhe deu coisas que
nunca esperou e lhe tirou aquilo que nunca pensou. Faz dez anos que o seu pai foi
embora sem nunca mais ser possível que voltasse. Desapareceu noutro mundo e não
pôde regressar nem mais um segundo. Por mais que ela grite para ele voltar, tal não
vai acontecer. Na altura não tinha noção do que estava a acontecer mas se fosse agora
ficava sem chão. O pai era o melhor que tinha, as brincadeiras, as cócegas, os risos
marotos, as noites em que caía da cama e as manhãs em que aqueles braços e aquele
colo quente a voltavam a aconchegar de novo nos lençóis faziam do seu mundo um
mundo encantado do qual não queria sair. Não foi fácil ficar sem tudo isto de um dia
para o outro. À medida que o tempo passa as saudades vão sendo cada vez mais e
embora só tenha quebrado uma vez à frente da sua mãe não deixa de o fazer em
segredo, quando mais precisa de apoio é pelo pai que chama, é no pai que pensa, é ele
o seu porto de abrigo.
Não lhe custa falar do pai, custa-lhe acima de tudo quando ouve as outras pessoas
falar de maneira grosseira daquela pessoa que ela tanto queria ter cá e não tem, custa-
lhe que as outras pessoas não dêem valor ao que têm quando ela queria dar valor e
não tem ninguém para o dar. Não deseja o mesmo a ninguém. Deseja que cada um de
nós dê valor ao que com a vida vem.
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A melhor coisa que lhe podem dizer é que é parecida com aquilo que o pai um dia foi,
é por isso que quer fazer sempre tudo para o deixar orgulhoso e para todos se
lembrem daquilo que a sua vida significou e que a morte pensa que levou. Não vai
desistir do seu pai esteja ele onde estiver. É e continuará a ser ele o homem da sua vida.
Mesmo já tendo um príncipe encantado no seu reino nunca desistiu de encontrar
aquele que um dia chegará montado num cavalo branco e a fará sentir Cinderela. Já se
deixou conquistar quatro vezes mas só numa teve noção do que significava o “felizes
para sempre”. Pode não o ser, mas para já o “sempre” continua a sê-lo em todas as
horas.
Aos 15 anos deu o primeiro passo pelos caminhos da paixão e de uma simples troca de
mensagens nasce aquela que foi a sua primeira aventura no sítio mais confuso que
existe em todo um planeta: o amor. Cada caso é um caso mas neste caso o infinito não
passou de sete de meses. Ao fim de sete meses lá acabou o fulgor e a excitação de ter
alguém que nos diga que somos a pessoa mais importante do universo. Os ciúmes e o
controlo eram tantos que acabaram por acabar com o pouco lume que ainda aquecia
aqueles corações. Isso mesmo, a chama apagou. Chorou, não foi fácil mas não desiste
de si nem do sentimento que move o mundo. Venha o próximo.
Tanto o desejou que ele acabou por vir. Sim, veio, mas veio só pela metade. Um ano
passou. Um ano em que houve uma relação não assumida, uma relação que não
passou de um embuste, uma relação que tanto tempo levou para ser construída que a
obra nunca chegou a ser concluída. Conheceram-se através de um amigo comum que
não se lembrou que comum não era sinónimo de nenhum dos dois. Esse esquecimento
fez com que uma amnésia se apoderasse do sentimento destes dois cérebros divididos
entre o significado de amor e de amizade.
De uma grande bebedeira, de uma festa e do facebook resulta o grande amor da sua
vida até hoje. Nessa altura foram só três meses mas foram os três meses mais
apaixonados de sempre. Desta vez era mesmo a sério. Tão a sério que ninguém queria
vê-los bem, felizes e juntos até que a morte os separasse. Desde invenções de traições a
conselhos maldosos dos que os rodeavam, tudo valeu para que terceiros os fizessem
desistir um do outro e conseguiram. Foi a separação que mais lhe custou. A que a fez
cometer mais erros, a que a fez chorar mais e que mais tempo lhe tirou o sorriso.
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Parecia que o mundo tinha acabado e sem ele nada fazia mais sentido mas conseguiu
levantar-se desta grande queda, contou com a ajuda de todos aqueles que a queriam
feliz e mostrou a quem a queria ver mal que independentemente de tudo conseguia
estar bem. Assim fez, ergueu a cabeça e procurou de novo o carinho de alguém.
Encontrou esse refúgio nos braços de alguém do passado. Alguém que antes lhe deu
tudo sem lhe ter dado nada e que agora lhe estava a dar a importância que ela
precisava. Aquele que nunca lhe tinha dito o “sim” nem que fosse artificial mas
também nunca lhe tinha dado o “não” oficial.
O tal indeciso que só lhe dava indecisões
estava agora a confundi-la de novo. A sorte é
que não se voltou a deixar enganar por
muito tempo. Rapidamente percebeu que
nada tinha mudado do passado para o
presente e do presente para o agora. A ilusão
acabou num ápice.
Se pensam que o carrossel que o coração
desta rapariga é iria sossegar agora estão
completamente engados. Ela lá tinha de
experimentar o colo de um novo rapazinho
que a fizesse sentir única. A carência disso
fez com que uma simples amizade se
transformasse numa grande paixão que não
passou disso mesmo, uma paixão, daquelas
que vêm e vão num instante. Outra que não
passou dos três meses. Novamente a
ciumeira e a insistência ridícula num
sentimento de posse deu cabo daquilo que podia ter virado conto de fadas. Lá vai ela
continuando a chorar por este e por aquele até que o tal não apareça. Já meteu na
cabeça que irá ser sempre assim até que também chegue o tal dia.
Enquanto esse não dá sinais de vir de vez, ainda há tempo para dar outra hipótese ao
mesmo de sempre, o mesmo que nunca lhe deu garantias de que a relação estava
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garantida ou não, o que sempre lhe deu esperanças porém sem nunca lhe dizer o que
esperar. Tenho a dizer-vos: terceira hipótese desperdiçada. Mentiras e traições
terminaram com aquilo a que se chama demasiada burrice por voltar a tratar como
prioridade quem já demonstrou demasiadas vezes só saber tratar como opção.
Estamos a chegar à parte que interessa no meio de todo este turbilhão tolo de namoros
falhados com rapazes encalhados. Acha que foi agora. Agora encontrou o homem que
se a levasse à igreja para casar ela diria o sim sem hesitar. Embora já o conhecesse, já
tivesse namorado com ele sente que nunca esteve com esta pessoa. Aquela relação que
um dia todos queriam que acabasse, que tinha mais haters que lovers, que toda a gente
deu o litro para que chegasse ao fim, voltou e voltou muito mais forte. Desta vez
ninguém vai conseguir separá-los. A verdade sobrepôs-se à mentira e ela descobriu
que nunca tinha sido traída e que tudo não passou de um boato de quem dizia querer
o seu bem e no fundo só queria era o que a sua vida tinha e tem. Começaram por
voltar a falar, ir a festas onde sabiam que inevitavelmente se iriam encontrar.
Voltaram a passar tardes juntos, voltaram os beijos surpreendentes no meio do
supermercado que no fundo nenhum dos dois estava à espera, voltou tudo o que
ambos sempre precisaram e que ninguém os deixava ter até que, numa bela tarde, no
meio da rua, surgiu o tão esperado, e ao mesmo tempo inesperado, pedido. Bastou um
simples “sim” para que a história de encantar destes dois começasse de novo.
A partir de agora o céu é o limite, o brilho que vejo nos olhos dela quando o vê diz-me
que devo ter orgulho se um dia eles me deixarem escrever esta história que não era
suposto acontecer.
É claro que ela preferia que tivesse sido assim da primeira vez. Que, por exemplo, eles
se tivessem conhecido porque iam ao portão da escola acompanhar dois amigos quenamoravam e que de cada vez que o faziam o resultado era uma conversa diferente, se
tivessem aproximado e a partir daí o sentimento tivesse evoluído e não porque no
fundo já se conheciam. O problema é que não mandamos no destino e se tinha de ser
assim, assim foi e assim será. Se eles acreditam que foi de vez porque é que eu não hei-
de acreditar? No fundo nada se consegue sem que antes se tenha errado ao tentar. Eles
erraram e estão agora a tentar compensar esse erro. Faz-me feliz vê-los felizes ao
tentar fazê-lo.
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Podia acabar já por aqui mas tenho de contar algo que me faz acreditar que eles foram
mesmo feitos um para o outro. Algo que só podia ter mesmo acontecido àquelas duas
personagens. Naquela tarde, aquilo que era para ter sido apenas um passeio na praia,
de mãos dadas, de brincadeiras com a água gelada e de beijos entre cada uma daquelasalmas apaixonadas acabou em algo parecido com uma série policial com uma pitada
de romance. O carro do seu mais que tudo foi assaltado, levaram tudo o que eles
tinham e só deixaram mesmo o que lá não estava. A polícia foi chamada ao local e eles
lá tiveram de contar o que aconteceu. Foi assim que a Flávia conheceu o pai e a mãe
daquele que é o homem que a faz feliz e ele conheceu a mãe da Flávia. Não foi fácil.
Apoiaram-se um no outro e lá conseguiram ultrapassar mais uma etapa. É assim que
mostram a quem os quer ver desunidos que a união faz a força.
À parte de tudo isto, da falta do seu pai, dos desamores, das paixões e dos
encantamentos, dos assaltos e das provas que o amor realmente pode encontrar-se,
Flávia continua a lutar por aquele que é e será sempre o seu grande sonho: ser médica.
Trabalha imenso para o conseguir, nunca desistiu disso e afirma que nunca irá
desistir. É mesmo isso que quer para o seu futuro, mais que qualquer outra coisa, mais
do que qualquer pessoa, quere-o mais do
que tudo. É esse o seu sonho, ter amor ao
próximo por mais que o próximo não
tenha amor ao outro. Ajudar pessoas que
não conhece de lado nenhum, salvar
vidas que nunca viu na vida. Se há coisa
que mais me dá gosto ver é vê-la
descartar tudo por isto. Por mais que
existam pessoas à sua volta que não aquerem ver realizada ela faz questão de
as calar e da melhor maneira que se pode
calar alguém, cala-as com o seu trabalho
e os resultados que consegue obter com
este, o que os outros dizem só a faz
crescer e acreditar mais em si. Faz já
muito tempo que deixou sequer de pensar nisso. Espero que consiga mesmo aquilo que
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quer e que um dia, se eu precisar, venha do Vietname ou do Congo uma médica sem
fronteiras que salve a vida daquela que um dia escreveu a sua história para um
concurso que pode muito bem mudar a dela.
Se lhe perguntarem se ela se arrepende de alguma coisa? Vai responder que só se
arrepende do que não fez. Não se arrepende de ter dado tudo o que tinha e o que não
tinha a quem já fez parte de si, aliás, orgulha-se disso. Não se arrepende de ter amado
demais. Não se arrepende de não dizer que não a nada. Não se arrepende de ter
perdoado quem a traiu, foi isso que a fez mais forte e menos menina no que toca a ser
mulher. Não se arrepende de também ter sido “a outra” todas as vezes que o foi, se o
foi, foi por ainda amar e ter a certeza que não era totalmente indiferente. Não se
arrepende de fazer nada do que fez se era isso que queria ter feito e é assim que vai
continuar a pensar. Não se envergonha de ser quem é nem de todas as suas ações. Vai
continuar a rir cada vez que vir certas pessoas, isso é a prova que é melhor do que elas
e nada o vai mudar. É a prova viva que as super-heroínas existem e não precisam de
saber voar, basta que sejam o que ela é.
Se lhe perguntarem se ela é feliz? A resposta vai ser sim. Há de sempre faltar qualquer
coisa que a irá impedir de se sentir completa e realizada. Apesar de tudo, é feliz porque
tem tudo o que alguém pode desejar com 17 anos.
Tem medos, receios e anseios como toda a gente. Tem medo de amar, apesar de o
conseguir fazer, tem medo de não se casar apesar de ter com quem, tem medo de
perder a mãe e todas as outras pessoas que ama como perdeu o pai, bem como de
desiludir tudo o que tem de melhor no seu mundo. Vive nos eternos “E se?”. A pressão
dos que a rodeiam tornasse difícil mas não vai desistir nem a vai deixar ganhar.
Orgulha-se de ter dado sempre o melhor de si a quem amou e mesmo quando a culpafoi sua fica feliz ao saber que de cada vez que errou pediu desculpa e fez tudo para
que o mesmo não voltasse a acontecer.
É isto que me faz acreditar que tenho diante de mim e numa só pessoa as pessoas mais
maravilhosas que alguma vez imaginei. Nunca pensei que um dia ia escrever o que
aqui escrevi sobre quem escrevi. As pessoas que mais me surpreenderam
transformaram-se numa só para que também eu pudesse retribuir aquilo que sempre
me deram da forma que melhor o consigo fazer: escrevendo as suas histórias.
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É isto também que me faz acreditar que até tu podes conduzir a tua vida de forma
autónoma, sem que os outros toquem no volante que só tu tens mas que não precisas
de usar e apreciem a viagem na mesma podendo também fazer parte dela. O destino
faz mover os motores daquilo a que chamamos de quatro rodas para a felicidade. Elasmovem-se nessa direção se te deixares guiar e se as conseguires guiar de forma a que
só o teu pensamento saiba para onde vais. A Flávia e a história da sua vida
demonstraram isso mesmo. As pessoas que tenho e as suas histórias demonstram-me
isso a cada dia que passa. Estou neste momento a sorrir e a pensar que vou fazer
sempre tudo para as manter nesta vida que conduzo e que me conduz a mim. Eu sei,
pode ser que ainda mude, mas até lá sou só eu e os poucos que ponho acima de tudo.