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Lisboa preparaindicador de resistênciasísmica dos prédios
Habitação
ECONOMIA 14 e 15
REABILITAÇÃO URBANA
Lisboa prepara indicador deresistência dos prédios a sismosA câmara de Lisboa e os especialistas do Instituto Superior Técnico estão a criar umametodologia para determinar a capacidade de os edifícios da cidade resistirem a um sismo.O objetivo é que cada proprietário saiba se tem de fazer obras para reforçar a estrutura.
Lisboa continua a ter um número elevado de edifícios pombalinos ou dos chamados gaioleiros, construídos até 1930.
FILOMENA LANÇ[email protected]
Qualé o nível de resistên-
cia de um edifício numa
situação de sismo?
Numa cidade como Lis-
boa, com um historial preocupanteem matéria de sismos e uma per-centagem ainda elevada de edifícios
pombalinos e dos chamados gaio-leiros (construídos segundo regras
idênticas mas mais recentes, até
1930), a pergunta faz todo o senti-do. Por isso, a câmara municipal,juntamente com os especialistas em
sismologia do Instituto SuperiorTécnico (IST), vai disponibilizarum indicador que permitirá atribuira cada prédio um nível de seguran-
ça e aferir a necessidade ou não de
realização de obras de reforço das
estruturais.
A medida foi apresentada no
Congresso Nacional de Sismologiae Engenharia Sísmica, que decor-
reu em Lisboa nos últimos dias de
abril. Num primeiro momento o in-dicador será aplicado nos prédiosmunicipais, que serão uma espéciede "balão de ensaio" e depois a ideia
é que qualquer privado possa reque-rer uma vistoria especializada e serinformado sobre o nível de resiliên-
cia a sismos do imóvel onde habita.
Não se trata "de uma certifica-
ção, mas é uma forma de alertar as
pessoas de que com poucas obras e
um reforço estrutural, podem pre-venir estragos maiores em caso de
sismo", explica Marta Sotto-Mayor,engenheira civil e diretora munici-
pal de Habitação e Desenvolvimen-
to Local na câmara de Lisboa. "O
grande objetivo é mitigar os efeitos",sublinha a responsável.
A ideia é, assim, juntar a infor-
mação que a câmara de Lisboa tem
nas suas bases de dados sobre cada
edifício - nomeadamente plantas,
intervenções e obras realizadas ao
longo dos anos - e os dados recolhi-dos no local por engenheiros espe-cialistas, que estão já a ter formação.
Para calcular o indicador, os es-
pecialistas do IST criaram uma fór-mula que tem por base um vasto
conjunto de dados, desde a zona dacidade onde o edifício está implan-tado, se tem edifícios contíguos ou
não, se num ou mais pisos foram re-tiradas paredes interiores, entremuitos outros.
Mário Lopes, investigador e
professor do IST e especialista em
sismologia, sublinha que se trata de
um "indicador de resiliência e não
uma certificação", porque para uma
certificação "era preciso ver o queestá dentro das paredes". Ora, nemuma vistoria consegue isso, nemnada garante que quem já fez obras
de reabilitação efetivamente colo-
cou todos os reforços que disse à câ-
mara que ia lá pôr. Ainda assim, o
novo iiidicadorjápermi tira aospro-prietários saberem se terão ou não
de tomar algum tipo de medidas
para reforçar os seus imóveis.
Como convencer os
proprietários?
0 indicador esta em fase final deconclusão - neste momento foram
pedidos comentários e sugestões à
comunidade científica - e MartaSotto-Mayor espera que até ao fi-nal deste ano possa começar a ser
aplicado aos prédios da câmara. De-
pois há que avançar para os priva-dos, mas resta saber ainda em quemoldes. "Qualquer um poderá soli-
citar este serviço à câmara", explica
Marta Sotto-Mayor. O preço aindanão está definido, mas "não serámuito elevado" e a ideia é que o ser-
viço sej a muito dirigido a condomí-
nios, uma vez que só olhando paracada fração será possível uma ava-
liação adequada.A diretora municipal admite
que possam vir a ser considerados
benefícios ou uma forma de o mu-nicípio poder colaborar. Por exem-
plo, mediante uma dedução do cus-to no IMI, uma hipótese que esteve
em cima da mesa, mas para a qualnão há ainda qualquer decisão. Umadecisão que, sublinha Marta Sotto-
Mayor, terá de ser "sempre uma de-cisão política".
O projeto não é novo e aproxi-ma-se agora da fase final. Primeiro
Para calcularo indicador,os especialistasusam dadoscomo o local,prédios contíguosou obrasrealizadas.a câmara elaborou uma cartados solos (a anterior tinha mais
de 30 anos) para perceber a sua
composição e depois ser possí-vel investigar o comportamen-to em caso de sismo.
Depois, em paralelo com a
criação do indicador de risco,tem estado a ser preparado um
guia de boas práticas sobre o re-
forço sísmico. "É um guia bas-
tante dinâmico" que pretende"sensibilizar as pessoas na área
da reabilitação" porque "há pe-quenos reforços que podem ser
feitos, sem custos elevados, e
que podem fazer com que, emcaso de sismo, os danos sejammuito menores", alerta MartaSotto-Mayor. ¦
ééÉ uma forma dealertar as pessoasque com poucasobras e um reforçoestrutural, podemprevenir estragosmaiores em casode sismo.MARTA SOTTO-MAYORDiretora municipal deHabitação e DesenvolvimentoLocal na câmara de Lisboa
É um indicadorde resiliência e nãouma certificação,para isso teríamosde ver o ferrodentro das paredes.MÁRIO LOPESInvestigador do InstitutoSuperior Técnico
MÁRIO LOPES PROFESSOR E INVESTIGADOR DO TÉCNICO
"Faz- se o 'peeling' aosedifícios, mas depois sãouns baralhos de cartas"
A reabilitação urbana que está a ser feita é deficitária e não reforça os edifícios paraum eventual sismo, avisa Mário Lopes. É fundamental dar informação ao cidadãocomum e os prédios têm de ser reforçados como um todo e não andar a andar, alerta.
FILOMENA LANÇ[email protected]
Lisboavai ter um sismo,
só não se sabe é quando.Mário Lopes, professordo Instituto Superior
Técnico especialista em sismologia,não se cansa de alertar para isso e
integra agora a equipa que, junta-mente com a câmara de Lisboa, está
a criar um indicador que, aplicadoa cada edifício, permitirá saber o
respetivo nível de resiliência a umsismo.
Qual o ponto de situação do
novo indicador que vão criar?0 projeto está quase finalizado.
Queremos criar um indicador de
risco para cada edifício para que o
cidadão comum tenha conheci-mento dos riscos que corre e tenha
motivação para reduzir esses riscos.
Lisboa nunca teve tantasobras de reabilitação. Issoestá a ser tido em conta?
Um dos problemas principaisque ocorrem nas obras de reabilita-
ção é que muitas vezes queremosreforçar e são as próprias pessoas
que vivem nas restantes frações, os
principais beneficiários, que se
opõem. Porque é preciso meter ca-
bos, porque afeta a sua vida. E assim
nada avança. A reabilitação que te-mos é essencialmente fazer o 'pee-ling" aos edifícios. Pô-los bonitos,
com boas condições de habitabili-dade, mas depois, em termos de re-sistência sísmica, muitos são uns ba-ralhos de cartas. E as pessoas vivem
numas armadilhas mortais, só quenão o sabem. Porque se soubessem,
se calhar reagiriam.E acha que vai ser possívelchegar a todos os prédios? Ou,
pelo menos, aos mais antigos?Aideia é começar pelo patrimó-
nio municipal, que já tem muitos
edifícios, e depois estender à cidadeinteira. Não é uma certificação, é umindicador de risco. É dizer ao cida-dão comum, o mesmo que digo amim próprio quando vou compraruma casa para a minha família. Vouver o tipo de edifício, tentar saber al-
guma coisa sobre a construção, verse há irregularidades estruturais queafetem o comportamento do prédio.Mas não consigo ver o ferro que está
dentro dos pilares, portanto não pos-so dizer que sej a uma certificação. É
uma indicação. Probabilisticamen-
te, já me dá algum conforto.
E depois fazer as intervençõesnecessárias? Será fácil con-vencer os condomínios?
Tratar de um andar, em termosde reforço, não serve para nada, por-que o reforço tem de ser ao nível do
prédio. E até por isso é ainda mais
importante que o cidadão tenha co-
nhecimento. É a única forma de
criar essa vontade coletiva. Se eu re-
forçar o 4.° andar, do que é que me
serve, se os pilares do rés do chão se
partirem? O prédio cai na mesma.0 reforço tem de ser na estruturacomo um todo. Por isso é que é ab-solutamente fundamental dar in-formação ao cidadão comum.
Mantém-se ainda em vigor o
regime excecional para a rea-
bilitação urbana, de 2014, quenão obrigaa qualquer reforçoda segurança estrutural e sís-
mica do edifício. Faz sentido
que assim seja?
Essa legislação extraordináriatem coisas boas e más. Concordocom o princípio de que certas coi-
sas tinham de ser aligeiradas parafacilitar a reabilitação. Mas não po-demos fazer um aligeiramento da
segurança, quando os edifícios emsi já de raiz quase não têm seguran-
ça nenhuma. Temos de preservar o
que está bem, mas mudar o que está
mal. E no que diz respeito à resis-tência sísmica, a omissão dessa le-
gislação é total. Permite-se tudo. Pe-
gar em edifícios sem resistência ne-nhuma, melhorá-los e pô-los nomercado e enchê-los de pessoas.
Obter o indicador terá custosfinanceiros elevados?
Estamos a falar de umas cente-
nas de euros para um condomínio.Não é significativo. Em discussões
que já houve, a câmara pôs a hipó-tese de deduzir isso no IMI, mas são
ideias que estão em cima da mesa
para ser estudadas. Pensamos queem poucos anos se consegue fazer
a vistoria aos edifícios de Lisboa oua quase todos. Já começámos a dar
formação aos engenheiros e, se hou-
ver vontade política, em meia dúzia
de anos temos informação genera-lizada. Para o património munici-
pal, apropria câmara toma a inicia-
tiva. Para os edifícios particularespode-se fazer isto de forma obriga-tória, seja por lei, seja em caso de
transmissão de propriedade. Isso
tem ainda de ser estudado e visto
em termos económicos.
Sendo que neste momentonão há apoios públicos paraeste tipo de obras.Neste momento, não. Mas mais
vale as pessoas saberem antes do quedepois do sismo. Ocultar arealidadeà população é o pior que podemos fa-
zer. Porque o problema vai -se pro-pagando. Assim, talvez o conseguís-
semos estancar e começar a resolvê-
-10. Os principais intervenientes têmde estar motivados. E esse são os pro-prietários, as pessoas que lá vivem, o
cidadão comum. Se estes não tive-rem a perceção do risco, o poder po-lítico não consegue contrariar, ou fá-
-lo mal, a muito custo e com poucaeficiência. E ao transmitirmos infor-
mação às pessoas, condicionamos os
próprios políticos, que por vezes são
também vítimas da sua ignorâncianesta matéria. ¦
"A reabilitação que temos éessencialmente fazer o'peeling' aos edifícios."
"Em termos de resistênciasísmica, muitos são unsbaralhos de cartas."