Hal Foster O Artista Enquanto Etnografo

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  • 7/22/2019 Hal Foster O Artista Enquanto Etnografo

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    O ARTISTA ENQUANTO ETNGRAFO

    Hal Foster

    Traduo: Alexandre S

    Reviso : Angela Prada

    FOSTER, Hal. The return of the real: the avant-garde at the end of the century. The MIT

    Press. London; 1996.

    Resumo:Neste ensaio, que se tornou referncia no debate artstico, Hal Foster prope,

    de modo seminal, uma cartografia especfica arte contempornea. Calcando-se em

    "O autor como produtor" de Walter Benjamin, Foster discute e revisa a posio do

    artista como sujeito da obra em sua relao com o outro.

    Abstract: In this essay, which has become a reference in the artistic debate, Hal Foster

    proposes, seminally, a new cartography specific to contemporary art. Basing his assumptions

    on Walter Benjamin's "Author as Producer", Foster discusses and revises the artist's position

    as subject of the work of art in his relationship with the other.

    Palavras-chave :Arte contempornea, crtica, etnografia

    Uma das mais importantes intervenes na relao entre autoria artstica e poltica cultural

    O autor como produtor de Walter Benjamin, apresentado pela primeira vez em abril de1934 sob forma de conferncia no Instituto para Estudos do Fascismo em Paris. L, sob

    influncia do teatro pico de Bertold Brecht e dos experimentos factogrficosde escritores

    soviticos como Sergei Tretiakov, Benjamin chamou o artista de esquerda a aliar-se ao

    proletariado. Na Paris de 1934 este tipo de apelo no era radical, sua abordagem, entretanto,

    era. Pois Benjamin instiga o artista avanado a intervir, como um trabalhador

    revolucionrio, nos meios de produo artstica - para alterar a tcnica dos meios

    tradicionais, e transformar o aparato da cultura burguesa. Uma tendncia correta no erasuficiente, isto seria assumir um lugar ao lado do proletariado i. E que lugar era esse?.

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    Benjamin perguntava em sua escrita mordaz. Aquele do benfeitor, de um patrono ideolgico

    um lugar impossvel.

    Muitas oposies estruturam este famoso argumento. Por detrs do privilgio da

    tcnica sobre o tema e da tomada de posio sobre a tendncia, encontra-se um certo

    privilegiar do produtivismo sobre o proletkult, dois movimentos rivais no incio da Unio

    Sovitica. O produtivismo trabalhou para desenvolver uma nova cultura proletria atravs de

    uma extenso dos experimentos formais construtivistas na produo industrial propriamente

    dita; neste sentido procurou solapar a arte e a cultura burguesas. J o proletkult, tambm

    politicamente comprometido, procurou desenvolver uma cultura proletria no sentido mais

    tradicional da palavra, procurando superara arte e cultura burguesas. Para Benjamin, isto no

    era suficiente: mais uma vez, implicitamente, ele imputou movimentos como o proletkult

    um patronato ideolgico, que posicionou o trabalhador como um outro passivo ii. Apesar de

    difcil, a solidariedade com os produtores, que tinha importncia para Benjamin, era uma

    solidariedade da prtica material e no em temas artsticos ou em forma de atitude poltica

    apenas.

    Um rpido olhar sobre este texto revela que duas oposies continuam a atormentar a

    recepo da arte qualidade esttica versus relevncia poltica, forma versus contedo;

    questes familiares e infrutferas j em 1934. Benjamin procurou superar estas oposies na

    representao atravs de um terceiro termo,produo; mas as oposies no desapareceram.

    No incio de 1980, alguns artistas e crticos retornaram ao Autor enquanto produtor para

    trabalhar questes contemporneas sobre estas antteses (por exemplo: teoria versus

    ativismo).iii No entanto, esta leitura de Benjamin se diferenciava de sua recepo no final da

    dcada de 70; em uma reconstituio de sua prpria trajetria, rupturas alegricas entre

    imagem e texto foram foradas a tornar-se intervenes culturais e polticas. Do mesmo modo

    que Benjamin havia reagido estetizao da poltica sob o fascismo, tambm estes artistas e

    crticos responderam capitalizao da cultura e privatizao da sociedade sob o governo deReagan, Tatcher e Kohl entre outros ainda que essas transformaes tenham dificultado

    ainda mais tal interveno. De fato, quando esta interveno no se restringia ao aparato

    artstico apenas, suas estratgias eram mais situacionais do que produtivistas ou seja, mais

    interessadas em re-inscries de representaesiv dadas.

    Isto no quer dizer que as aes simblicas no causassem efeito; muitas foram,

    especialmente aquelas que ocorreram da metade para o final da dcada de 80, em torno da

    crise da AIDS, direito ao aborto e o Apartheid (Eu penso nos projetos do grupo de artistasACT-UP, os psteres de Brbara Kruger, as projees de Krzysztof Wodiczko). Mas estes

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    no so o meu assunto aqui. Antes, quero sugerir que um novo paradigma estruturalmente

    similar ao antigo modelo Autor enquanto produtor emergiu na arte avanada de esquerda: o

    artista enquanto etngrafo.

    A POLTICA CULTURAL DA ALTERIDADE

    Neste novo paradigma, o objeto de contestao continua sendo, em grande parte, a

    instituio de arte burguesa-capitalista (o museu, a academia, o mercado e a mdia); bem

    como suas definies excludentes de arte, artista, identidade e comunidade. Mas o motivo da

    associao mudou: o artista comprometido batalha em nome de um outro cultural ou tnico.

    Ainda que possa parecer extremamente sutil, esta troca de um sujeito definido em termos de

    relao econmica, para um outro sujeito definido em termos de sua identidade cultural

    bastante significante e irei comentar de forma mais pormenorizada abaixo. Entretanto aqui, os

    paralelos entre estes dois paradigmas devem ser traados, porque algumas pressuposies do

    modelo antigo do produtor ainda persistem, de forma problemtica, no novo paradigma

    etnogrfico. Em primeiro lugar est a pressuposio de que o lugar da transformao poltica

    o mesmo da transformao artstica e que as vanguardas polticas alocam as vanguardas

    artsticas e que, sob certas circunstncias, as substituem. (Este mito bsico s interpretaes

    esquerdistas da arte moderna: idealiza Jacques Louis David na Revoluo Francesa, Gustave

    Courbet na Comuna de Paris, Vladimir Tatlin na Revoluo Russa e assim por diante.)v Em

    segundo, a pressuposio de que este lugar seja sempre um outro lugar, no campo do outro

    no modelo do produtor, junto ao outro social, o proletariado explorado; no paradigma do

    etngrafo, junto ao outro cultural, o oprimido ps-colonial, subalterno ou subcultural e este

    outro lugar, este exterior, o ponto de Arquimedes onde a cultura dominante ser

    transformada, ou, pelo menos, subvertida. Terceira a pressuposio de que, se o artista

    invocado no for percebido como um outro social e/ou cultural, ele ou ela s ter acessolimitado a esta alteridade transformadora e que, se ele ou ela percebido como outro, ele ou

    ela ter acesso automtico. Reunidas, estas trspressuposiespodemconduziraumponto

    menos desejado deconexocom a interpretao de Benjamindoautorenquantoprodutor: o

    perigo, para o artista enquanto etngrafo, de um patronato ideolgicovi

    Este perigo pode originar-se da ciso presumida na identidade entre o autor e o

    trabalhador ou entre o artista e o outro, mas tambm pode originar-se na prpria identificao

    (ou para usar uma linguagem antiga, compromisso) empreendida para superar esta ciso. Porexemplo, o autorproletkultpoderia ser um mero companheiro de viagem do trabalhador no

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    por causa de qualquer diferena essencial na identidade, mas porque a identificao com o

    trabalhador aliena o trabalhador, e confirma mais do obstrui a lacuna entre os dois, atravs de

    uma representao redutora, idealista, ou ento, ilegtima. (Esta alteridade na identificao, na

    representao, preocupa Benjamin quanto ao proletkult). Uma alteridade relacionada pode

    acontecer com o artista enquanto etngrafo em relao ao outro cultural. Certamente o perigo

    do patronato ideolgico no menor para o artista identificado enquanto outro, do que para o

    autor identificado enquanto proletrio. De fato, este perigo pode aprofundar-se quando o

    artista for solicitado a assumir as regras do nativo e informante bem como do etngrafo.

    Resumidamente, identidade no a mesma coisa que identificao e a aparente simplicidade

    da primeira no deve ser substituda pelas efetivas complicaes da segunda.

    Um marxista ferrenho poderia questionar o paradigma do etngrafo/informante na arte

    porque desloca a problemtica de classe e explorao capitalista para a de raa e opresso

    colonialista, ou, de forma mais simples, porque desloca o social para o cultural ou o

    antropolgico. Um ps-estruturalista ferrenho poderia questionar este paradigma pela razo

    oposta: porque no desloca de maneira suficiente a problemtica do produtor, porque tende a

    preservar a estrutura do poltico para reter a noo de um objeto da histria, de modo a

    definir esta posio em termos de verdade e para alocar esta verdade em termos de alteridade

    (novamente, esta a poltica do outro, primeiramente projetada, e ento apropriada, que me

    interessa aqui).

    A partir desta perspectiva ps-estruturalista, o paradigma do etngrafo da mesma

    forma que o modelo do produtor, falha ao refletir sobre sua premissa realista: que o outro,

    aqui ps-colonial, l proletrio, est, de alguma forma, na realidade, na verdade e no na

    ideologia, porque ele ou ela socialmente oprimido, politicamente transformador, e/ou

    produtor material. (Por exemplo, em 1957 Roland Barthes, que mais tarde se tornou o mais

    famoso crtico da pressuposio realista, escreveu: H portanto, uma linguagem que no

    mtica, a linguagem do homem enquanto produtor: onde quer que o homem fala de maneiraa transformar a realidade e no mais preserv-la enquanto imagem, onde quer que ele articule

    esta linguagem criao de coisas, a metalinguagem se referir uma linguagem-objeto e o

    mito ser impossvel. Esta a razo pela qual a linguagem prpria da revoluo no pode ser

    mtica.vii). Muitas vezes esta presuno realista composta com uma fantasia primitivista:

    de que o outro, usualmente presumido como algum de cor, possui acesso especial a um

    psiquismo primrio e a processos sociais do quais o sujeito branco de alguma forma

    bloqueado uma fantasia que fundamental para os modernismos primitivistas da mesmaforma que a presuno realista o para os modernismos produtivistasviii. Em alguns

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    contextos, os dois mitos so efetivos, necessrios mesmo: a pressuposio realista em alegar a

    veracidade de uma posio poltica ou a realidade de uma opresso social e a fantasia

    primitivista em desafiar convenes repressivas de sexualidade e esttica. Ainda assim, a

    codificao automtica da diferena aparente enquanto identidade manifesta e o da alteridade

    enquanto exterioridade devem ser questionados. Pois esta codificao poder no somente

    tornar essencial a identidade, mas poder inclusive, restringir a identificao, to fundamental

    para a afiliao cultural e para a aliana poltica (identificao nem sempre patronato

    ideolgico).

    Existem dois precedentes importantes do paradigma do etngrafo na arte

    contempornea nos quais a fantasia primitivista mais ativa: o surrealismo dissidente

    associado a Georges Bataille e a Michel Leiris no final da dcada de 20 e incio da dcada de

    30 e o movimento da ngritude associado Lopold Senghor e Aim Csaire no fim da

    dcada de 40 e comeo da dcada de 50. De maneiras diferentes, os dois movimentos

    relacionaram o potencial transgressivo da inconscincia com a radical alteridade do outro

    cultural. Assim, Bataille relacionou os mpetos auto-destrutivos do inconsciente ao dispndio

    sacrifcial em outras culturas, enquanto Senghor ops uma emotividade fundamental s

    culturas africanas a um racionalismo fundamental s tradies europiasix. Aida que

    revolucionrias nesse contexto, estas associaes primitivistas acabaram por limitar ambos os

    movimentos. O surrealismo dissidente pode ter explorado a alteridade cultural, mas somente

    de forma a satisfazer um ritual de alterao de identidade (a instncia clssica LAfrique

    fantme, onde a etnografia-autoidentitria foi performatizada por Leiris a respeito da

    misso etnogrfica-museolgica de Dakar a Djibouti em 1931).x Da mesma forma, o

    movimento de ngritude tenha reavaliado a alteridade cultural, mas somente em parte ao ser

    constrangido por estaa segunda natureza, e seus esteretipos essencialistas de negritude,

    emotividade, africano versus europeu e assim por diante (tais problemas foram articulados

    primeiramente por Frantz Fanon e desenvolvidos mais tarde por Wole Soyinka e outros).xiNa arte quasi-antropolgica de hoje, a associao primitivista entre inconsciente e o

    outro raramente subsiste nesses formatos. Em alguns momentos, a fantasia tomada como tal,

    criticamente, como em Seen (1990)de Rene Green, onde o observador colocado diante de

    dois fantasmas europeus de uma excessiva sexualidade feminina Africana (americana), a

    Vnus Hottentot, de meados do sculo XIX (representada por uma autpsia) e a danarina de

    jazz do incio do sculo XX, Josephine Baker (fotografada em uma famosa pose, nua), ou em

    Vanilla Nightmares (1986) de Adrian Piper, onde os fantasmas raciais invocados nosanncios de moda do New York Times se transformaram em vrios espectros negros para

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    deliciar e aterrorizar os consumidores brancos. No obstante, em alguns casos, a fantasia

    primitivista se torna absorvida na presuno da premissa realista, de forma que se cr que o

    outro est posicionado dans le vrai. Esta verso primitivista da presuno realista, este

    posicionamento de uma verdade poltica sobre um outro projetado ou uma exterioridade,

    possui efeitos problemticos que vo alm da codificao automtica de uma identidade vis--

    vis a alteridade exposta acima. Primeiramente, esta exterioridade no outra em qualquer

    sentido simplista. Em segundo lugar, este posicionamento da poltica enquanto exterioridade e

    o outro, como uma oposio transcendental, pode distrair da poltica do aqui e agora, de uma

    contestao imanente.

    Primeiramente tem-se o problema da projeo deste outro/fora. Em Time and the

    Other: How Anthropology Makes its Object (1983) Johannes Fabian argumenta que a

    antropologia foi construda em um mapeamento mtico do tempo sobre o espao, baseada em

    duas pressuposies: 1. O tempo imanente para, e portanto coextensivo ao, mundo (ou

    natureza ou o universo, dependendo do argumento); 2. Relacionamentos entre partes do

    mundo (no sentido mais abrangente possvel de identidades naturais e socioculturais) podem

    ser entendidos enquanto relaes temporais. A disperso no espao reflete diretamente, o que

    no significa dizer simplesmente, ou de maneira bvia, a seqncia no Tempo.xii Portanto,

    com tempo e espao mapeados um sobre o outro, l torna-se no passado e o mais remoto

    (medido por algum Mtodo Greenwich de Civilizao Europia) torna-se o mais primitivo.

    Este mapeamento do primitivo era evidentemente racista: no imaginrio do branco ocidental

    seu lugar estava sempre escuro. Mas esta concepo ainda perdura tenaz, por ser fundamental

    para as narrativas da histria como desenvolvimento e da civilizao como hierarquia.

    Essas narrativas do sculo XIX ainda so residuais em discursos como o da psicanlise e

    disciplinas como a histria da arte, que ainda presumem uma conexo entre o

    desenvolvimento (ontogentico) do indivduo e o desenvolvimento (filogentico) das espcies

    (como na civilizao humana, arte mundial e assim por diante). Nesta associao, o primitivo primeiramente projetado pelo sujeito branco Ocidental como um estgio primal na histria

    cultural e depois reabsorvido como um estgio primal na histria individual. (Assim em

    Totem and Taboo [1913], cujo subttulo Alguns pontos de concordncia entre vidas

    mentais de neurticos e selvagens, Freud apresenta o primitivo enquanto uma imagem bem

    preservada de um estgio inicial do nosso prprio desenvolvimento).xiii Novamente esta

    associao entre o primitivo e o pr-histrico e/ou o pr-edipiano, o outro e o inconsciente a

    fantasia primitivista. Apesar de reavaliada por Freud, onde ns, neurticos podemos tambmser selvagens, ou por Bataille e Leiris ou Senghor e Csaire, onde tal alteridade a melhor

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    parte de ns, esta fantasia no desconstruda.E na medida em que a fantasia primitivista

    no desarticulada, na medida em que o outro permanece fundido com o inconsciente, as

    exploraes da alteridade at este momento, iro alienar o ser de um modo antigo, onde o

    outro permanecer como uma das facetas do ser (no importando o quanto este ser sofra no

    processo), mais at do que identificar o outro de novas formas nas quais a diferena seja

    permitida e at mesmo apreciada (talvez atravs de um reconhecimento de uma alteridade da

    identidade).Nesse sentido, tambm, a fantasia primitivista pode subsistir em uma arte quasi-

    antropolgica.

    Por outro lado, existe o problema da poltica deste outro/fora. Hoje, em nossa

    economia globalizada, a presuno de uma exterioridade pura praticamente impossvel. Isto

    no deve implicar em uma totalizao prematura do sistema mundial, mas sim especificar

    tanto a resistncia quanto a inovao enquanto relaes imanentes ao invs de eventos

    transcendentais. H muito tempo atrs Fanon percebeu uma confirmao inadvertida da

    cultura europia na oposio lgica ao movimento da ngritude, mas s recentemente artistas

    e crticos ps-coloniais retirarama prtica e a teoria das estruturas binrias da alteridade para

    modelos relacionais de diversidade, partindo de um espao/tempo discreto para reas

    fronteirias misturadas.xiv

    Esta mudana foi difcil porque caminha no sentido contrrio ao das antigas polticas

    da alteridade. Uma idia bsica para grande parte do modernismo, esta apropriao do outro

    persiste em grande parte do ps-modernismo. Em The Myth of the Other (1978), o filsofo

    italiano Franco Rella argumenta que, tericos to diversos quanto Lacan, Foucault, Deleuze e

    Guatari idealizam o outro como uma negao do semelhante com efeitos deletrios na

    poltica cultural. Este trabalho muitas vezes aceita definies dominantes do negativo e/ou do

    desviante, mesmo enquanto se prepara para reavali-los.xv Da mesma forma, este trabalho

    freqentemente permite a reverses retricas de definies dominantes tomar o lugar da

    prpria poltica. De forma mais generalizada esta idealizao da alteridade tende a seguir umalinha temporal onde um grupo privilegiado como o novo objeto da histria, unicamente para

    ser substitudo por outro, em uma cronologia que pode solapar no somente diferentes

    diferenas (sociais, tnicas, sexuais e etc...) mas tambm diferentes posies no interior de

    cada diferenaxvi. O resultado uma poltica que pode consumirseus objetos histricos antes

    mesmo que eles se tornem historicamente efetivos.

    Este hegelianismo do outro no ativo somente no modernismo e ps-modernismo;

    pode ser estrutural para o sujeito moderno. Numa clebre passagem em The order of thethings (1966) Michel Foucalt argumenta que este sujeito, que este homem moderno que surge

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    no sculo XIX, difere do sujeito clssico das filosofias cartesiana e kantiana porque ele

    procura sua verdade no no pensado o inconsciente e o outro (esta a base filosfica do

    cruzamento primitivo entre os dois). Um desvelar do no consciente, escreve Foucault, a

    verdade de todas as cincias do homem e por isto que desvelamentos tais como a

    psicanlise e a antropologia so dos mais privilegiadosxvii discursos modernos. Nesse sentido,

    a alteridade da identidade, passada e presente, apenas um desafio parcial para o sujeito

    moderno, pois esta alteridade tambm apia o ser atravs de uma oposio romntica,

    conserva o ser atravs de uma apropriao dialtica, o extende atravs de uma explorao

    surrealista, o prolonga atravs de uma problematizao ps-estruturalista e assim por

    diante.xviii Da mesma forma que a elaborao da psicanlise e antropologia foram

    fundamentais para os discursos modernos (incluindo-se a arte modernista), tambm a crtica

    destas cincias humanas crucial para os discursos ps-modernos (incluindo-se a arte ps-

    modernista); ambos esto em uma relao de ao protelada. Mas, esta crtica, que uma

    crtica do sujeito, ainda est centrada no sujeito e ainda centraliza o sujeitoxix. Em The

    Sauvage Mind(1962), Claude Lvi-Strauss faz uma previso de que o homem ser dissolvido

    numa remodelagem lingustica-estrutural das cincias humanasxx. No final de The Order of

    Things, Foucault reitera este famosa previso com sua imagem audaciosa do homem

    apagado como um rosto desenhado na areia beira-mar. Intencionalmente ou no, poder

    essa virada psicanaltica-antropolgica na prtica e teoria contempornea se estruturar de

    forma a restauraresta figura? No teramos recado novamente naquilo que Foucault chama

    de nosso sono antropolgico?xxi

    Sem dvida a alteridade da identidade crucial para prticas crticas na antropologia,

    arte e poltica; pelo menos em conjunturas como a surrealista, o uso da antropologia como

    auto-anlise (como em Leiris) ou crtica social (como em Bataille) culturalmente

    transgressiva, at mesmo politicamente significante. Mas claramente aqui tambm existem

    perigos. Porque ento, tanto quanto agora, a auto-diferenciao pode tornar-se auto-absoro,na qual o projeto de uma auto-modelao etnogrfica torna-se a prtica de uma auto-

    restaurao narcisistaxxii. Para estar certa, a reflexibilidade pode perturbar pressupostos

    automticos sobre posicionamentos do sujeito, mas tambm pode promover um

    mascaramento deste distrbio: uma tendncia para confisses traumticas na teoria que indica

    s vezes um retorno de uma crtica sensvel, ou a tendncia para relatrios pseudo-

    etnogrficos na arte que, algumas vezes, so relatrios de viagens dissimulados do mercado

    da arte mundial. Quem, na academia ou no mundo da arte nunca presenciou tais testemunhosdo novo intelectual emptico ou destasflneries do novo artista nmade?xxiii

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    ARTE E TEORIA NA ERA DOS ESTUDOS ANTROPOLGICOS

    O que aconteceu aqui? Que desvios de reconhecimento ocorreram entre a antropologia, a arte

    e outros discursos? Pode-se apontar para um teatro virtual de projees e reflexos nas duas

    ltimas dcadas, pelo menos. Primeiramente, alguns crticos da antropologia desenvolveram

    um tipo de inveja do artista (o entusiasmo de James Clifford pelas colagens interculturais do

    surrealismo etnogrfico uma influncia insistente).xxiv E neste processo, o artista tornou-se

    uma paradigma da reflexividade formal, um leitor auto-consciente da cultura compreendida

    como texto. Mas o artista o exemplo aqui, ou seria uma projeo de um ego ideal do

    antroplogo: o antroplogo enquanto um artista da colagem, semiologista, vanguardista? xxv

    Em outras palavras, esta inveja do artista no seria uma auto-idealizao onde o antroplogo

    reconstrudo como um intrprete artstico do texto cultural? Essa projeo raramente para a

    na nova antropologia ou, neste contexto, nos estudos culturais ou em no novo historicismo.

    Muitas vezes, esta interpretao se estende sobre o objeto desses estudos, o outro cultural, que

    tambm reconfigurado para refletir uma imagem ideal do antroplogo, crtico ou

    historiador. Esta projeo no novidade para a antropologia: alguns autores clssicos desta

    disciplina apresentam culturas inteiras como coletivos de artistas ou as l enquanto padres

    estticos de prticas simblicas (Patterns of Culture de Ruth Benedict [1934] apenas um

    exemplo). Mas pelo menos, a velha antropologia projetava abertamente; a nova antropologia

    persiste nestas projees, mas as considera fundamentais/crticas e at desconstrutivas.

    Obviamente, a nova antropologia entende a cultura de forma diferente, enquanto texto,

    o que significa dizer que esta projeo sobre outras culturas to textual quanto esttica. O

    modelo textual supostamente desafia a autoridade etnogrfica atravs de paradigmas

    discursivos do dilogo e da polifoniaxxvi. Contudo, h muito tempo atrs, em Outline of a

    Theory of Practice (1972), Pierre Bourdieu questionou a verso estruturalista deste modelotextual porque este reduzia relaes sociais em relaes comunicativas e mais precisamente

    em operaes decodificadoras e portanto, tornava o leitor etnogrfico mais e no menos

    autoritrio.xxvii De fato, esta ideologia do texto, esta recodificao da prtica enquanto

    discurso, persiste na nova antropologia assim como na arte quasi-antropolgica, da mesma

    forma que nos estudos culturais e no novo historicismo, apesar das ambies contextualistas

    que tambm direcionam estes mtodos.xxviii

    Recentemente a antiga inveja do artista entre os antroplogos inverteu-se: uma novainveja do etngrafo assola muitos artistas e crticos. Se os antroplogos desejavam utilizar o

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    modelo textual na interpretao da cultura, estes artistas e crticos aspiravam a um trabalho de

    campo onde teoria e prtica paream se reconciliar. Muitas vezes, eles esboam indiretamente

    os princpios bsicos da tradio do observador/participante, na qual Clifford aponta um foco

    crtico sobre uma instituio particular e um tempo narrativo que privilegia o presente

    etnogrfico.xxix Contudo, estas apropriaes so somente sinais do direcionamento

    etnogrfico em arte contempornea e crtica. O que impulsiona este desvio?

    Existem muitas instncias de endereamento do outro na arte do sculo XX, muitas

    das quais primitivistas, com estreitas ligaes com a poltica da alteridade: no surrealismo,

    onde o outro representado principalmente em termos do inconsciente; na art brutde Jean

    Dubuffet, onde o outro representa um recurso redentor anti-civilizacional; no expressionismo

    abstrato, onde o outro se coloca como exemplar primrio de todos os artistas; e de forma

    varivel na arte das dcadas de 60 e 70 (a aluso arte pr-histrica em alguns trabalhos de

    site-specific/earthworks, em alguns tipos de arte conceitual e arte crtica institucional o

    mundo da arte visto como um stio antropolgico, a inveno de stios arqueolgicos e

    civilizaes antropolgicas por Anne e Patrick Poirier, Charles Simonds e muitos outros.)xxx

    Assim, o que caracteriza este direcionamento atual, alm de sua relativa auto-conscincia

    sobre o mtodo etnogrfico? Primeiro, como havamos visto, a antropologia pensada como

    a cincia da alteridade; e neste sentido , conjuntamente com a psicanlise, a lngua franca da

    prtica artstica e do discurso crtico. Segundo, a antropologia a disciplina que considera a

    cultura como seu objeto e este campo expandido de referncias o domnio da teoria e da

    prtica ps-moderna (portanto tambm a atrao por estudos culturais e em um grau menor, o

    novo historicismo). Terceiro, a etnografia considerada contextual, uma demanda muitas

    vezes automtica que artistas e crticos atuais dividem com outros praticantes, muitos dos

    quais almejam desenvolver um trabalho de campo no dia-a-dia. Quarto, a antropologia

    pensada como reguladora da interdisciplinaridade, outro caminho habitual na arte

    contempornea e na crtica. Quinto, a recente auto-crtica da antropologia a torna atrativa,pois promete uma reflexividade do etngrafo no centro, preservando um romantismo do outro

    nas margens. Por todas estas razes, investigaes marginais da antropologia, como crticas

    queerda psicanlise, possuem um status de vanguarda: como se, ao longo dessas linhas que

    o arrojo crtico corta de modo mais incisivo.

    Mas, a virada etnogrfica foi confirmada por outro fator, que inclui a dupla herana da

    antropologia. Em Culture and Practical Reason (1976), Marshall Sahlins argumenta que duas

    epistemologias tm por muito tempo dividido a disciplina: uma enfatiza a lgica simblica,onde o social entendido principalmente em termos de um sistema de trocas; a outra

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    privilegia a razo prtica, onde o social entendido principalmente em termos de cultura

    material.xxxi Neste aspecto, a antropologia j participa de dois modelos contraditrios que

    dominam a arte contempornea e a crtica: por um lado, na antiga ideologia do texto, o

    direcionamento lingstico na dcada de 1960 que reconfigurou o social enquanto ordem

    simblica e/ou sistema cultural e antecipou a desintegrao do homem, a morte do autor

    e etc... E por outro lado, no desejo recente pelo referente, o direcionamento para o contexto e

    para a identidade que se ope aos velhos paradigmas textuais e s criticas do sujeito. Com o

    direcionamento para este discurso dividido da antropologia, artistas e crticos podem

    solucionar esses modelos contraditrios magicamente: eles podem assumir os disfarces de

    um semilogo da cultura e de um pesquisador de campo contextual, eles podem perpetuar e

    condenar a teoria crtica, eles podem relativizar e recentralizar o sujeito, tudo ao mesmo

    tempo. No nosso estado corrente de ambivalncias artstico-tericas e de impasses poltico-

    culturais, a antropologia o discurso comprometido de escolha.xxxii

    Novamente, esta inveja do etngrafo compartilhada por muitos crticos,

    especialmente em estudos culturais e no novo historicismo, que assumem o papel do

    etngrafo geralmente de uma forma mascarada: o etngrafo dos estudos culturais vestido

    pobremente como um colega aficionado (por razes de solidariedade poltica, mas com

    grande ansiedade social); o novo etngrafo historicista vestido como um mestre arquivista

    (por razes de respeitabilidade acadmica, mas com muita arrogncia profissional).

    Primeiramente, alguns antroplogos adaptaram mtodos textuais da crtica literria de modo a

    reformular a cultura enquanto texto; ento alguns crticos literrios adaptaram mtodos

    etnogrficos de modo a de reformular textos como cultura forada a apequenar-se. E estas

    trocas foram responsveis por grande parte dos trabalhos interdisciplinares em um passado

    recente.xxxiii Mas existem dois problemas neste teatro de projees e reflexos, o primeiro

    metodolgico; o segundo, tico. Se tanto os direcionamentos textuais quanto os etnogrficos

    dependiam de um nico discurso, quo realmente interdisciplinares podero ser os resultados?Se os estudos culturais e o novo historicismo freqentemente trapaceiam um modelo

    etnogrfico (quando no um modelo sociolgico), poderia haver uma ideologia terica

    comum que silenciosamente habita a conscincia de todos estes especialistas.... oscilando

    entre um vago espiritualismo e um positivismo tecnocrtico?xxxiv O segundo problema,

    mencionado acima mais srio. Quando o outro admirado enquanto divertido na

    representao, subversivo no gnero e assim por diante, poderia ele ser uma projeo do

    antroplogo, artista, crtico ou historiador? Neste caso, uma prtica ideal pode ser projetada

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    no campo do outro, que ento solicitado a refleti-la como se fosse no somente

    autenticamente nativa mas, politicamente inovadora.

    Em parte esta uma projeo minha, que a aplicao de mtodos etnogrficos antigos

    e atuais, em muito esclareceu. Mas tambm obliterou muito do campo do outro, e em seu

    nome. Isso o oposto de uma crtica da autoridade etnogrfica, de fato, o oposto do mtodo

    etnogrfico pelo menos como eu os compreendo. E este lugar impossvel, como Benjamin o

    chamou h muito tempo atrs, uma ocupao habitual de muitos antroplogos, artistas,

    crticos e historiadores.

    O LUGAR DA ARTE CONTEMPORNEA

    A virada etnogrfica na arte contempornea tambm direcionada por desenvolvimentos no

    internos a uma genealogia mnima da arte dos ltimos trinta e cinco anos. Estes

    desenvolvimentos constituem uma seqncia de investigaes: primeiro relativos aos

    materiais constitutivos do meio artstico, depois, sobre as suas condies espaciais de

    percepo, e ento das bases corpreas dessa percepo mudanas marcadas pela arte

    minimalista no comeo dos anos 60 at a arte conceitual, da performance, do corpo e a arte de

    site-specific j no incio da dcada de 70. Assim, a instituio de arte no pde mais ser

    descrita somente em termos espaciais (estdio, galeria, museu, etc...); pois era tambm uma

    rede discursiva de diferentes prticas e instituies, outras subjetividades e comunidades. O

    observador tambm no podia mais estar delimitado apenas em termos fenomenolgicos, ele

    ou ela era tambm um sujeito definido em uma linguagem e marcado pela diferena

    (econmica, tnica, sexual e etc...). Obviamente a crise das descries restritivas da arte e do

    artista, identidade e comunidade, foi pressionada tambm por movimentos sociais (direitos

    civis, feminismos variados, polticas estranhas, multiculturalismo) da mesma forma que osdesenvolvimentos tericos (a convergncia do feminismo, psicanlise e a teoria

    cinematogrfica; a redescoberta de Antonio Gramsci e o desenvolvimento dos estudos

    culturais na Gr-Bretanha; as aplicaes de Louis Althusser, Lacan e Foucault, especialmente

    no jornal ingls Screen; o desenvolvimento do discurso ps-colonial com Edward Said,

    Gayatri Spivak, Homi Bhabha, e outros; e assim por diante). Portanto, a arte deslocou-se para

    o campo ampliado da cultura, espao este pensado pela pesquisa antropolgica.

    Estes acontecimentos tambm constituem uma srie de mudanas no que se refere aolugar da arte: da superfcie do meio ao espao do museu, das molduras institucionais para as

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    redes discursivas, a ponto de muitos artistas e crticos tratarem temticas, como desejo ou

    doena, AIDS ou marginalidade, enquanto lugares da arte.xxxv Paralelamente a esta figura do

    lugar tem-se a analogia do mapeamento. Em um momento fundamental, Robert Smithson e

    outros direcionaram esta operao cartogrfica para um extremo geolgico que transformou

    radicalmente a localizao da arte. No entanto, esta localizao tambm tinha seus limites:

    poderia ser reocupada por uma galeria ou por um museu, jogava com o mito do artista

    redentor (um local bem tradicional) e assim por diante. Por outro lado, o mapeamento na arte

    atual tende na direo do sociolgico e do antropolgico, a ponto do mapeamento etnogrfico

    de uma instituio ou comunidade ser uma forma primria de site-specific na arte hoje.

    O mapeamento sociolgico est implcito em algumas artes conceituais, algumas

    vezes em forma de pardia, desde a gravao lacnica de Twenty-Six Gasoline Stations de

    Ed. Ruscha (1963) at o projeto quixotesco de Douglas Hueber de fotografar toda forma de

    vida humana (Variable Piece: 70). Um exemplo importante aqui Homes for America de Dan

    Grahan, um artigo (publicado em 1966-67 naArts magazine) de repeties modulares em um

    projeto de moradias, que reenquadra estruturas minimalistas como objetos encontrados em um

    subrbio tecnocrtico. O mapeamento sociolgico mais explcito em muitas crticas

    institucionais, especialmente no trabalho de Hans Haacke, desde pesquisas de opinio e

    perfis de visitantes de galerias e museus e mesmo denncia de magnatas do ramo de imveis

    de Nova York(1969-73) atravs de cotaes de colecionadores de obras-primas (1974-75) e

    at investigaes sobre as negociaes realizadas entre museus, corporaes e governos.

    Embora este trabalho questione de maneira incisiva a autoridade social, no aborda a

    autoridade sociolgica.

    Isto mais presente em trabalhos que examinam a autoridade articuladora em modos

    de representao documentais. Num vdeo como Vital Statistics of a Citizen, simply obtained

    (1976) e num texto-foto como The Bowery in Two Inadequate Descriptive Systems (1974

    75), Martha Rosler desvirtua a aparente objetividade das estatsticas mdicas sobre o corpofeminino e as descries sociolgicas a respeito de alcolatras indigentes. Recentemente, ela

    tambm dirigiu este uso crtico de formatos documentais para preocupaes geopolticas, que

    h muito tempo direcionam o trabalho de Allan Sekula. Particularmente em uma seqncia de

    trs fotos-textos, Sekula segue os traos da conexo entre as fronteiras alems e as polticas da

    Guerra Fria (Sketch for a Geography Lesson, 1983), uma indstria de minerao e uma

    instituio financeira (Canadian Notes, 1986) e o espao martimo e a economia global (Fish

    Story, 1995). Com estas geografias materiais e imaginrias do mundo capitalista avanado,ele desenha um mapa cognitivo de nossa ordem global. Mas, com suas variaes de

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    perspectiva na narrativa e na imagem, Sekula to reflexivo quanto qualquer novo

    antroplogo, sobre a centralizao deste projeto etnogrfico. xxxvi

    Uma conscincia das pressuposies sociolgicas e das complicaes antropolgicas,

    tambm norteia os mapeamentos femininos de artistas como Mary Kelly e Silvia Kolbowski.

    Assim, em Interim (1984-89) Kelly registra posies pessoais e polticas no interior do

    movimento feminista atravs de uma mistura polifnica de imagens e vozes. Na realidade, ela

    representa o movimento como um sistema de parentesco do qual ela participa como uma

    etngrafa nativa da arte, teoria, ensino, ativismo, amizade, famlia, aconselhamento,

    envelhecimento. Em vrias reorganizaes das definies institucionais da arte, Kobolski

    tambm faz uso do mapeamento etnogrfico de modo reflexivo. Em projetos como Enlarged

    from the catalogue (1987-88), ela prope uma etnografia feminista da autoridade cultural em

    funcionamento em exibies de arte, catlogos, crticas e similares.xxxvii

    Tal reflexividade fundamental pois, como Bourdieu apontou, o mapeamento

    etnogrfico predisposto a uma oposio cartesiana que conduz o observador a abstrair a

    cultura em estudo. Tal mapeamento pode portanto confirmar, ao invs de contestar, a

    autoridade daquele que mapeia sobre o prprio local, de maneira a reduzir a troca dialgica

    desejvel no trabalho de campo.xxxviii Em seus mapeamentos sobre outras culturas Lothar

    Baumgarten algumas vezes, imputado com tal arrogncia. Em muitos trabalhos das ltimas

    duas dcadas, ele registrou os nomes de sociedades indgenas da Amrica do Norte e do Sul,

    geralmente impostos tanto por exploradores quanto por etngrafos, em locais, como a cpula

    neoclssica do Museu Fredericianum em Kassel (Alemanha) em 1982 e na espiral modernista

    do Museu Guggenheim em Nova York, em 1993. Mais do que trofus etnogrficos, estes

    nomes retornam, quase como signos distorcidos do reprimido, de forma a desafiar os

    mapeamentos do Ocidente: na cpula neoclssica, como se declarassem que a outra face da

    Iluminao do Velho Mundo a Conquista do Novo Mundo e na espiral de Frank Lloyd

    Wright, como se demandassem um novo globo sem narrativas do moderno e do primitivo ousem as Hierarquias do Norte e do Sul, um mapeamento diferente onde o construtor tambm

    construdo, colocado em uma paralaxe, de maneira a complicar as velhas oposies

    antropolgicas do ns-aqui-e-agora versus o eles-l-e-ento.xxxix

    Os exemplos de Baumgarten ainda apontam para uma outra complicao: estes

    mapeamentos etnogrficos geralmente so comissionados. Da mesma forma que a arte da

    apropriao da dcada de 80 tornou-se um gnero esttico, at mesmo um espetculo

    miditico, ento, novos trabalho de site-specific muitas vezes parecem um eventomuseolgico, no qual a instituio importa a crtica, seja como um show de tolerncia ou com

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    o propsito de auto-inoculao (contra uma crtica empreendida pela instituio, dentro da

    prpria instituio). Certamente tal posio no interior do museu poder ser necessria para

    tais mapeamentos etnogrficos, especialmente se seu significado pretende ser desconstrutivo:

    da mesma forma que a arte de apropriao, para ocupar-se com o espetculo da mdia teve

    que participar deste; o novo trabalho de site-specific, a fim de remapear o museu ou de

    reconfigurar sua audincia, deve operar dentro deste. Este argumento d suporte ao mais

    incisivo destes projetos, como Mining the Museum de Fred Wilson e Arent they lovely? de

    Andrea Fraser (ambos de 1992).

    Em Mining the Museum, patrocinado pelo Museu de Arte Contempornea em

    Baltimore, Wilson atuou enquanto um arquelogo da Sociedade Histrica de Maryland.

    Primeiro ele explorou a coleo do museu (uma minerao inicial). Depois ele retomou

    representaes evocativas de histrias, principalmente afro-americanas, nem sempre

    mostradas enquanto histricas (uma segunda minerao). Finalmente re-emoldurou outras

    representaes que durante muito tempo tinham para si o direito da histria (por exemplo, em

    uma exibio denominada: Trabalho em metal 1793-1880, colocou um par de algemas de

    escravos uma terceira minerao que extrapolava a representao dada). Agindo desta

    maneira, Wilson tambm trabalhou como um etngrafo das comunidades afro-americanas

    perdidas, reprimidas ou por outro lado, deslocadas em tais instituies. Andrea Fraser

    realizou, de forma diferente, uma arqueologia nos arquivos de museu e a etnografia das

    culturas de museu. EmArent they lovely? ela retomou uma legado privado frente ao museu

    de arte da Universidade da Califrnia em Berkeley, com o objetivo de investigar como os

    objetos domsticos heterogneos de scios especficos do museu (de culos a Renoirs) so

    sublimados em uma cultura pblica homognea de um museu de arte genrico. Aqui Fraser

    abordava a sublimao institucional, enquanto Wilson focava na represso institucional.

    Contudo, os dois artistas jogam com a museologia primeiramente para expor e depois re-

    enquadrar os cdigos institucionais da arte e dos artefatos como os objetos so traduzidosenquanto provas histricas e/ou exemplos culturais, investidos de valor e catequizados pelo

    pblico.

    Entretanto, apesar de toda perspiccia de tais projetos, a abordagem desconstrutiva-

    etnogrfica pode se tornar um gambito, um jogo interno que no torna a instituio mais

    aberta e pblica, mas mais narcisista e hermtica, um lugar para iniciados, onde apenas uma

    crtica desdenhosa ensaiada. Ento a ambigidade do posicionamento desconstrutivista, ao

    mesmo tempo dentro e fora da instituio, pode cair em uma duplicidade de pensamento

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    cnico onde o artista e instituio so atingidos de duas maneiras retendo o status social da

    arte e entretendo a pureza moral da crtica, um como complemento ou compensao do outro.

    Estes so os perigos do trabalho de site-specific dentro da instituio; outros surgem

    quando este trabalho patrocinado por agentes externos, geralmente em colaborao com

    grupos locais. Considere o exemplo de Project Unit, um trabalho comissionado de 40 ou

    mais instalaes realizadas para a Unidade de Habitao em Firminy (Frana) durante o vero

    de 1993. Aqui o paradigma quasi-antropolgico atuou em dois nveis: primeiro,

    indiretamente, no sentido de que este projeto de habitao decadente desenhado por Le

    Corbusier foi tratado como um local etnogrfico (teria a arquitetura moderna se tornado to

    extica?); e depois, diretamente, quando sua comunidade, majoritariamente composta de

    imigrantes, foi oferecida aos artistas para um comprometimento etnogrfico. Um dos projetos

    sugere as armadilhas de tal combinao. Aqui, um time neo-conceitual, Clegg & Guttman,

    pediu aos residentes da Unidade para que contribussem com fitas cassete para uma discoteca,

    que foram editadas, compiladas e dispostas de acordo com o apartamento e o andar, enquanto

    um modelo da construo como um todo. Seduzidos pela colaborao, os habitantes

    emprestaram tais 'procuraes' culturais, somente torn-las em artefatos de exibio

    antropolgica. E os artistas por sua vez, no questionaram a autoridade etnogrfica, nem

    tampouco a condescendncia sociolgica envolvida nesta auto-representao facilitada.

    Isto tpico do cenrio quasi-antropolgico. Poucos princpios do participante-

    observador etnogrfico so observados, muito menos criticados e somente se efetiva um

    engajamento limitado da comunidade. Quase que naturalmente, o projeto se desvia de uma

    colaborao para a remodelao do ser, de uma descentralizao do artista enquanto

    autoridade cultural para uma re-estruturao do outro em um disfarce neo-primitivista.

    Logicamente, isto nem sempre o caso: muitos artistas utilizaram estas oportunidades para

    colaborar com as comunidades de maneira inovadora, para redescobrir histrias suprimidas

    que esto situadas de maneiras particulares, acessadas por uns mais efetivamente do que poroutros. E simbolicamente este novo trabalho de site-specific pode reocupar espaos culturais

    perdidos e propor contra-memrias histricas. (Eu penso nas placas afixadas por Edgar Heap

    of Birds que reivindicavam a terra nativa americana em Oklahoma e em outros lugares e os

    projetos desenvolvidos por coletivos como Repo History que apontam para histrias

    suprimidas por debaixo das comemoraes oficiais em Nova York e em outros lugares).

    Todavia, o papel quase-antropolgico estabelecido para o artista pode promover uma

    suposio assim como tambm, um questionamento da autoridade etnogrfica, uma evaso e

    na mesma freqncia, um aprofundamento da crtica institucional.

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    Em Firminy, o modelo etnogrfico foi utilizado para dar vida a um antigo local, mas

    tambm poderia ter sido utilizado para desenvolver um novo. O local e a rotina so pensados

    como resistentes ao desenvolvimento econmico porm, tambm para atra-lo, por isso, o

    desenvolvimento necessita do local e da rotina mesmo que desgaste estas qualidades e as

    torne sem lugar. Neste caso, o trabalho de site-specific pode ser utilizado para fazer com que

    estes no-espaos se tornem especficos novamente, para reendere-los enquanto locais

    estabelecidos e no enquanto espaos abstratos, em termos histricos e/ou culturais.xl

    Assassinados enquanto cultura, o local e a rotina podem ser revividos enquanto um simulacro,

    um tema para um parque ou uma histria para um shopping centere o trabalho de site-

    specific pode se desenhar dentro desta reanimao do local e da rotina, esta verso da Disney

    do site-specific. Transformados em tabus na arte ps-moderna, valores como autenticidade,

    originalidade e singularidade podem retornar enquanto caractersticas dos locais que os

    artistas foram chamados para definir ou embelezar. No h nada de errado com este retorno

    per se, mas os patrocinadores podem considerar tais propriedades precisamente enquanto

    valores especficos a serem desenvolvidos.xli

    Instituies de arte podem tambm utilizar trabalhos de site-specific para o

    desenvolvimento econmico, projees sociais e turismo artstico e em momentos de

    privatizao isto presumidamente necessrio e at mesmo natural. Em Culture in Action,

    um programa de arte pblica: Sculpture Chicago realizado em 1993, oito projetos foram

    realizados ao longo da cidade. Liderado por artistas como Daniel Martinez, Mark Dion, Kate

    Ericson e Mel Zeigler, estas colaboraes serviram enquanto um laboratrio urbano para

    envolver diversas platias na criao de projetos inovadores de arte pblica.xlii Porm, no

    podiam tambm servir enquanto pesquisas de relaes pblicas para as corporaes e

    agncias de fomento. Outra instncia desta ambigidade do servio pblico a designao

    anual da Capital Cultural da Europa. Na Anturpia, a capital em 1993, muitos trabalhos de

    site-specific foram mais uma vez, comissionados. Aqui, os artistas exploraram histriasperdidas mais do que o engajamento das comunidades presentes, de acordo com o tema do

    show: Considerando um situao normal e retraduzindo-a em leituras mltiplas e

    sobrepostas das condies do passado e do presente. Emprestado de Gordon Matta-Clark,

    um pioneiro do trabalho de site-specific, este tema mistura as metforas do mapeamento do

    local e o dtournementsituacionista (definido h muito tempo atrs por Guy Debord enquanto

    uma reutilizao dos elementos artsticos preexistentes num novo conjunto)xliii. Mas,

    novamente aqui, projetos de site-specific impressionantes tambm se transformaram emespaos tursticos e a fratura situacionista foi reconciliada com a promoo scio-cultural.

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    Nestes casos a instituio pode obscurecer o trabalho que a princpio deveria iluminar:

    torna-se espetculo, arrecada o capital cultural e o diretor/curador torna-se a estrela. Isto no

    uma conspirao, nem tampouco uma cooptao pura e simplesmente; contudo, pode desviar

    o artista mais do que reconfigurar o local.xliv Da mesma forma que o autorproletkult, de

    acordo com Benjamin, deve buscar o lugar da realidade do proletariado e sentar s

    parcialmente no lugar do patro, tambm, o artista etnogrfico pode colaborar com uma

    comunidade local, somente para ter este trabalho redirecionado para outros fins. Muitas vezes,

    artista e comunidade esto unidos atravs de uma reduo identitria de ambos; a aparente

    autenticidade de um invocada para garantir a do outro, em uma forma que ameaa ruir

    novos trabalhos de site-specific em identidade poltica tout court.xlv Enquanto o artista se

    encontra na identidade de uma comunidade localizada, ele ou ela podem ser solicitados a se

    posicionarem por esta identidade, a fim de represent-la institucionalmente. Neste caso o

    artista primitivizado, de fato antropologizado assim, a instituio diz: aqui est a sua

    comunidade, personificada em seu artista, agora em exposio.

    De uma forma geral, os artistas mais relevantes esto cientes destas complicaes e

    por vezes, trazem-nas para o primeiro plano. Em muitas performances James Luna expressou

    os esteretipos do ndio nativo americano na cultura branca (o guerreiro ornamental, o xam

    ritualstico, o ndio bbado, o objeto de museu). Agindo desta forma, ele convida estes

    primitivismos populares para a pardia, para jog-los explosivamente de volta platia.

    Jimmie Durham tambm pressiona estes primitivismos at o ponto de uma exploso crtica,

    completamente bombstica, especialmente no trabalhos Self-Portrait (1988), onde uma figura

    representa um cacique sbio dono de uma tabacaria, atravs de um texto paradoxal de

    fantasias populares sobre o corpo masculino do ndio. Em seus trabalhos hbridos, Durham

    mistura objetos ritualsticos com objetos encontrados e objetos ritualsticos de uma maneira

    que antecipadamente auto-primitivista e pervertidamente anti-categrica. Estes fetiches

    pseudo-primitivos e artefatos pseudo-etnogrficos resistem a aprofundamentos primitivistas ea antropologizao atravs de uma pardia malandra destes mesmos processos. Todas estas

    estratgias uma pardia do primitivismo, a inverso de papis etnogrficas, brincadeiras

    antecipatrias da morte, a pluralidade das prticas incomodam a cultura dominante que

    depende de esteretipos estritos, linhas estveis da autoridade, ressurgimentos humanistas e

    ressurreies museolgicas de todos os tipos.xlvi

    MEMRIA DISCIPLINAR E DISTNCIA CRTICA

  • 7/22/2019 Hal Foster O Artista Enquanto Etnografo

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    Quero elaborar dois pontos em concluso, o primeiro sobre o lugar da arte contempornea e o

    segundo quanto a sua funo interior de reflexividade. Eu sugeri acima que muitos artistas

    tratam condies como desejo ou doena, enquanto lugares de trabalho. Neste sentido, eles

    trabalham horizontalmente, em um movimento sincrnico da questo social para a questo,

    do debate poltico ao debate, mais do que verticalmente, num comprometimento diacrnico

    com as formas disciplinares de gneros ou mdias postos. Alm do deslocamento genrico

    (discutido no captulo 2) da qualidade formalista para o interesse neo-vanguardista,

    existem vrias marcos desta mudana da mdia-especfica para a prtica do discurso-

    especfico. Em Other Criteria (1968), Leo Steinberg percebeu um deslocamento, nas

    primeiras combinaes de Rauschemberg, de um modelo vertical da tela-enquanto-janela para

    um modelo horizontal da tela-enquanto-texto, de um paradigma natural da imagem

    enquanto uma paisagem emoldurada para um paradigma cultural da imagem enquanto uma

    rede de informaes, a qual ele considerava como inauguradora da produo da arte ps-

    moderna.xlvii Porm, este deslocamento do vertical para o horizontal permaneceu operacional;

    sua dimenso social s foi desenvolvida na pop-arte. A aceitao pelos mass media delineia

    uma mudana na nossa noo sobre o que cultura, assim antecipou Lawrence Alloway h

    muito tempo atrs em The Long Front of Culture (1958). Ao invs de estar congelada em

    camadas de uma pirmide, o pop colocou a arte em uma continuidade da cultura.xlviii

    Assim, se Rauschemberg e companhia buscaram outros critrios alm dos aspectos

    formalistas do modernismo caracterizado pela especificidade dos meios, o pop reposicionou o

    engajamento com a grande arte ao longo de uma longa fronteira da cultura. Esta expanso

    horizontal da expresso artstica e do valor cultural aprofundada, criticamente ou no, na

    arte quasi-antropolgica e em estudos culturais semelhantes.

    Alguns efeitos desta expanso podem ser sublinhados. Primeiro, o deslocamento para

    uma maneira horizontal de trabalho coerente com o direcionamento etnogrfico na arte e na

    crtica: um seleciona um local, penetra em sua cultura e aprende sua linguagem, concebe eapresenta um projeto, para to somente se deslocar para o prximo local onde o ciclo

    repetido. Segundo, este deslocamento segue uma lgica espacial: no se mapeia apenas o

    local, mas tambm se trabalha em termos de tpicos, enquadramentos e etc... (que podem ou

    no sinalizar para um privilegiar do espao sobre o tempo no discurso ps-moderno).xlix

    Agora na ruptura ps-modernista, que associo ao retorno de uma vanguarda histrica, o eixo

    espacial ainda interceptava o eixo temporal, vertical. De forma a expandir o espao esttico,

    os artistas se aprofundaram no tempo histrico e retornaram modelos do passado para opresente, abrindo novos espaos para o trabalhos. Os dois eixos estavam em tenso, mas era

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    uma tenso produtiva: idealmente coordenada, os dois moviam-se juntos, com o passado e o

    presente em paralaxe. Atualmente, os artistas seguem linhas horizontais de trabalho e as

    linhas verticais por vezes parecem estar perdidas.

    Esta maneira de horizontal de trabalhar demanda que os artistas e crticos estejam

    familiarizados no somente com a estrutura de cada cultura de forma suficiente para mape-

    la, mas tambm com sua histria de forma suficiente para narr-la. Portanto, se algum deseja

    trabalhar sobre a AIDS, dever entender no unicamente a amplitude discursiva, mas tambm

    aprofundidade histrica das representaes sobre a AIDS. Coordenar ento os dois eixos de

    vrios destes discursos uma fardo muito pesado. E aqui a cautela tradicionalista sobre a

    maneira de horizontal de trabalhar as novas conexes discursivas podem obscurecer as

    antigas memrias disciplinares deve ser considerada, mesmo que apenas para ser

    contrariada. Implcita nesta acusao que esta mudana tornou a arte contempornea

    perigosamente poltica. De fato, esta imagem da arte dominante na cultura geral, com todos

    os apelos para a purificar a arte da poltica. Tais apelos so obviamente auto-contraditrios,

    mas ainda assim devem ser considerados com o objetivo de serem colocados em questo.l

    Meu segundo ponto diz respeito reflexividade da arte contempornea. Eu tenho

    ressaltado que a reflexividade necessria para a proteger contra uma super-identificao

    com o outro (devido ao compromisso, a alienao, etc...) que pode comprometer esta

    alteridade. Paradoxalmente, como Benjamin indicou h algum tempo atrs, esta super-

    identificao pode alienar o outro mais profundamente se no permitir a alteridade j presente

    na representao. Em face de tais perigos de pouca ou muita distncia eu defendi trabalhos

    paralticos que buscam enquadrar o 'emoldurador' enquanto ele (ou ela) enquadra o outro.

    Esta uma maneira de negociar o status contraditrio da alteridade enquanto dada e

    construda, real e fantasmagrica.li Este enquadramento pode ser simples como uma captao

    fotogrfica, como no projeto TheBoweryde Rosler, ou uma inverso de um nome, como nos

    sinais de Heap of Birds or Baumgarten. Ainda assim, tal re-enquadramento sozinho no osuficiente. Novamente, a reflexividade pode levar ao hermetismo e at mesmo ao narcisismo,

    onde o outro obscurecido, a identidade proclamada; e tambm pode conduzir a uma negao

    de todo o engajamento.E o que a distncia crtica garante? Ser que est noo tornou-se de

    alguma maneira mtica, acrtica, uma forma de proteo mgica, um ritual de pureza? Esta

    distncia ainda desejvel, quanto mais possvel?

    Provavelmente no, mas uma super-identificao redutiva com o outro tambm no

    desejvel. Muito pior, entretanto, a aniquiladora desidentificao do outro. Atualmente, apoltica cultural da esquerda ou da direita parecem emperradas neste impasse.lii Em grande

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    parte, a esquerda se super-identifica com o outro enquanto uma vtima, trancafiando-o em

    uma hierarquia de sofrimento na qual o infeliz possui pouca margem de manobra. Em uma

    maior parcela a direita se desidentifica com o outro, ao qual acusa enquanto vtima e tira

    partido desta desidentificao para construir uma solidariedade poltica atravs do medo e

    repulsa fantasmticas. Diante deste impasse, o distanciamento crtico talvez no seja to m

    idia.

    Hal Foster professor de arte e arqueologia da Universidade de Princeton. Publicou diversos

    livros, entre eles The return of the real (MIT Press), do qual este ensaio faz parte, eArt since

    1900 Modernism, Antimodernism and Postmodernism (Thames and Hudson) junto a

    Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois e Benjamin H. D. Buchloh. Recodificao, editado pela

    Casa Editoria Paulista em 1996, e no momento esgotado, seu nico livro traduzido em

    portugus.

    i Walter Benjamin,Reflections, ed. Peter Demetz, trad. Edmunt Jephcott (New York: Harcourt

    Brace Jovanovich, 1978), 220-38. Exceto quando indicado, todas as referncias subsequentesa Benjamin so deste texto.

    ii Benjamin critica de maneira explcita somente dois movimentos, o ativismo e o NeueSachlichkeit (nova objetividade): o primeiro associado a escritores como Heinrich Mann eAlexander Dblin, que abastece o aparato burgus com temas revolucionrios, enquanto osegundo, associado com o fotgrafo Albert Renger-Patzsch, serve para renovar de dentro -isto , conforme a moda - o mundo como ele . De fato, Benjamin continua relevante aindahoje, este fotgrafo transforma mesmo a pobreza mais abjeta....num objeto de prazer.

    iii Ver por exemplo, Benjamin Buchloch, Since Realism there was.(on the current

    conditions of factographic art), em Marcia Tucker, ed. Art & Ideology (New York: New

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    Museum of Contemporary Art, 1984). Buchloch discute o trabalho de Allan Sekula e FredLonidier em particular.

    iv Autor como produtor aponta para a conjuntura nica do alto modernismo - inovao

    artstica, revoluo social e transformao tecnolgica, mas mesmo a Benjamin estavaatrasado; Stalin condenou a cultura de vanguarda (sobretudo o produtivismo) em 1932, umevento que deve transformar qualquer leitura deste texto. Hoje, faz muito tempo que atriangulao do alto modernismo j acabou: no h mais nenhuma revoluo socialista nosentido tradicional do termo, e a transformao tecnolgica apenas deslocou artistas e crticos

    para longe do modo dominante de produo. Resumindo, as estratgias produtivistas sodificilmente pertinentes quando sozinhas.Vestgios do produtivismo sobrevivem na arte e na teoria do ps-guerra, primeiro no disfarce

    proletrio adotado por escultores como David Smith e Richard Serra, e na produo retricada arte ps-studio e na teoria textual (por exemplo, Tel Quel na Frana). No comeo dadcada de 70, as crticas ao produtivismo emergiram; Jean Baudrillard perguntava se os meios

    de representao haviam se tornado to importantes quanto os meios de produo (ver For acritique of the political economy of the sign, 115-16). Isto provocou uma virada situacionistanos modos de interveno cultural (da mdia, local, endereo, e assim por diante), agoraseguido, como sugiro, de uma virada etnogrfica. (Eu delineio o legado produtivista emSomes uses and abuses of Russian Constructivism, em Richard Andrews, ed.:Ar tinto Life[New York: Rizzoli, 1990].)

    v Chamar de mito no dizer que nunca verdade, mas questionar se sempre verdade equestionar se ele pode obscurecer outras articulaes do poltico e do artstico. Num sentido, asubstituio da poltica pela arte agora desloca a substituio da teoria pela poltica.

    vi Este perigo deve ser distinguido de a indignidade de falar pelos outros. Numa entrevistaimaginria de 1983 com este mesmo ttulo, Craig Owens chamou os artistas a ir alm da

    problemtica produtivista para desafiar a atividade mesma da representao (em WilliamOlander, ed.Art and Social Change [Oberlin: Oberlin College, 1983]). Apesar da linguagem

    ps-estruturalista, a indignidade de falar pelos outros apresenta a representao como umdeslocamento literal. Este tabu permeou a esquerda cultural norte-americana nos anos 80,onde provocou um silncio censurador tanto quanto um discurso alternativo.

    vii Roland Barthes,Mythologies, trad. Annette Lavers (New York: Hill and Wang, 1972), 146.No s a linguagem revolucionria mtica (aqui tambm machista), mas esta noo de

    linguagem, que se encontra entre o produtivismo e o performativo, praticamente mgica: alinguagem aqui confere realidade, conjurando-a.

    viii Esta fantasia primitivista tambm pode operar em modernismos produtivistas, na medidaem que o proletariado freqentemente percebido como primitivo tambm nesse sentido,negativamente (a massa como uma horda primordial) e positivamente (o proletariado comoum coletivo tribal).

    ix Por exemplo, ver Bataille, The notion of Expendidure (1933) em Visions of Excess, ed. etrad. Allan Stoekl (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985), e Senghor,Anthologiede la Nouvelle Posie et Malagache dExpression Franaise (Paris : Presses Universitaires de

    France, 1948)

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    x James Clifford descreve o texto de Leiris como auto-etnografia em The predicamant ofCulture (Cambridge: Harvard University Press, 1988), 170.

    xi Ver Fanon, The Fact of Blackness, emBlack Skin, White Masks (1952), trad. Charles Lam

    Markmann (New York: Grove Press, 1967), e Soyinka, Myth, Literature, and the Africanworld(Cambridge: Cambridge University Press, 1976).

    xii Johannes Fabian, Time and the Other: How Antropologhy makes its object (New York:Columbia University Press, 1983), 11-12. Para um discusso de mapeamentos correlatos nahistria da arte ver The writing on the wall, em Michael Govan, ed. Lothar Baumgarten,

    America: Invention (New York: Guggenheim Museum, 1993).

    xiii Sigmund Freud, Totem and Taboo, trad. James Strachey (New York: W.W. Norton, 1950),1. Esta estranha associao do selvagem e do neurtico de fato do primitivo, do insano e dacriana foi to fundamental para o alto modernismo que parecia natural. Sua desarticulao

    exporia muitos mitos.

    xiv Entretanto um novo perigo surgiu aqui: uma estetizao, de fato, uma fetichizao designos do hbrido e espaos do "entre". Ambos no apenas privilegiaram a mistura, mas demaneira mais problemtica, pressupunham uma distino prvia ou at mesmo pureza.

    xv Ver Franco Rella, The Myth of the Other, trad. Nelson Moe (Washington: MaisonneuvePress, 1994), especialmente 27-28. Algum pode objetar que esta re-valorao (porexemplo, do black ou do queer) parte de qualquer poltica de representao. Ver StuartHall, New Etnicities, em Kobena Mercer, ed. Black Film, Black Cinema (London: Instituteof Contemporary Art, 1988).

    xvi Por exemplo, o movimento ngritude associou o colonizado e o proletrio como objetos deopresso e reificao (ver Csaire, Discourse of Colonialism [Paris, 1955]), uma afiliao

    poltica que preparou uma apropriao poltica. Em Black Orpheus, seu prefcio para aantologia de Senghor (citado na nota 9), Sartre escreveu: Rapidamente a idia subjetiva,existencial, tnica de negritude passa, como Hegel coloca, para uma idia objetiva, positivae exata do proletariado... De fato, a negritude aparece como um termo menor de uma

    progresso dialtica (xl). A que Fanon respondeu: Fui privado de minha ltima chance... Eento no sou eu quem constri um significado para mim mesmo, mas o significado que jestava l, preexistindo, esperando por mim, esperando por esta virada da histria (Black

    Skin, 133-34).xvii Michel Foucault, The Order of Things (New York: Vintage Books, 1970), 364.xviii Paradoxalmente, esta preservao da identidade pode ter sido provocada por ummasoquismo moral na poltica da alteridade, que Nietzsche atacou em The Genealogy of

    Morals (1887) como o ressentimento funcionando na dialtica entre senhor-escravo. ComoAnson Rabinbach me sugeriu, Sartre exibe este masoquismo em seu famoso prefcio para TheWretched of Earth onde, como numa resposta imputao de uma apropriao dialtica (vernota 16), ele ento prope que a descolonizao o fim da dialtica (1961; trad. ConstanceFarrington [New York: Groove Press, 1968], 31). Sartre ento ultrapassa o argumentoFanoniano de que a colonizao tambm desumanizou o colonizador via um clamor

    masoquista para reduplicar a vingana redentora do colonizado. Seria este masoquismo moraluma verso disfarada de um patronato ideolgico? um ressentimento de segunda ordem,

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    uma posio de poder na falsidade de sua rendio? uma outra maneira de manter acentralidade do sujeito no outro?

    xix Sobre esta questo na psicanlise ver Mikkel Borch-Jabobsen, The Freudian Subject. trad.

    Catherine Porter (Palo Alto: Stanford University Press, 1988). Sou tambm grato a MarkSeltzer, Serial Killers, I and II, emDifferences (1993) e Critical Inquiry (Autumn 1995).

    xx Claude Lvi-Strauss, The Sauvage Mind(Chicago: University Press, 1966), 247. Esta suareivindicao contra a dialtica Sartreana.

    xxi Ver Foucault, The Order of Things, 340-43. Antropologizao a grande ameaa internado conhecimento nos nossos dias (348). Mas esta restaurao pode ser o que a arte quase-antropolgica deseja, e que certamente efetuada em alguns estudos culturais. The Order ofThings termina com a imagem apagada do homem; Crusoes Footprints, a viso geral dePatrick Bantlinger sobre os estudos culturais, termina com suas marcas na areia (New York:

    Routledge, 1990). Esta multiplicidade de homens no pode perturbar a categoria do homem.

    xxii Clifford desenvolve a noo de um auto-remodelamento etnogrfico em ThePredicament of Culture, em grande parte de Stephen Greenblat em Renaissance Self-Fashioning (Chicago: University of Chicago Press, 1980). Este sugere uma existncia deatributos comuns entre a nova antropologia e o novo historicismo. Mais sobre isto, abaixo.

    xxiii Em World Tour, uma srie de instalaes em lugares diferentes, Rene Greenperformatiza este nomadismo do artista reflexivamente. Por um lado, ela trabalha sobre traosda dispora africana; por outro, ela faz um circuito de arte (sua camiseta World Tour brincacom o modelo dos concertos de rock)

    xxiv Em The Predicament of Culture Clifford estende esta noo para a etnografia em geral:No todo etngrafo algo de surrealista, um reinventor e um embaralhador de realidades?(147). Alguns questionaram a reciprocidade da arte e da antropologia no ambiente surrealista.Ver Jean Jamin, Letnografie mode dinemploi. De qualques rapports de lethnologie avec lemalaise dans la civilisation, em J. Hainard e R. Kaehr, eds.,Le mal et la douleur(Neuchtel :Muse detnographie, 1986) ; e Denis Hollier, The Use-Value of the Impossible , October60 (Spring 1992)

    xxv No exclusiva para a nova antropologia, esta cobia do artista evidente na anlise

    retrica do discurso histrico iniciado na dcada de 60. No houveram empreendimentossignificantes, escreve Hayden White em The Burden of History (1966), na historiografiasurrealista, expressionista ou existencialista deste sculo (exceto por novelistas e poetas),mesmo com toda a vangloriadas artisticidade dos historiadores dos tempos modernos(Tropics of Discourse [Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978], 43). Clifford Geetzcoloca a antropologia textual no mapa em The Interpretration of Culture (New York: BasicBooks, 1973).

    xxvi Clifford : A antropologia interpretativa, por visualizar culturas como assemblage detextos... contribui de maneira significativa para a desfamiliarizao da autoridade etnogrfica(The premedicament of Culture, 41).

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    xxvii Pierre Bourdieu, Outline of a Theory of Practice, trad. Richard Nice (Cambridge:Cambridge University Press, 1977). 1. Os paradigmas discursivos da nova antropologia sodiferentes ps-estruturalistas mais do que estruturalistas, dialgicos mais do quedecodificadores. Mas uma orquestrao Bahktniana de vozes de informante no esvazia a

    autoridade etnogrfica. Em Banality in Cultural Studies, Meaghan Morris comenta: Umavez que as pessoas so ao mesmo ao mesmo tempo fonte de autoridade para um texto e umafigura de sua prpria atividade crtica, a empresa populista no unicamente circular mas(como a maioria das sociologias empricas) narcisista na estrutura (em Patrcia Mellencamp,ed., The Logics of Television [Bloomington: Indiana University Press, 1990], 23).

    xxviii Ver Fredric Jameson,Ideologies of Theory (Minneapolis: University of Minnesota Press,1989). Como percebe Jameson, o primeiro movimento textualista foi necessrio para que aantropologia afrouxasse suas tradies positivistas. Em New Historicism: A comment,Hayden White aponta para uma falcia referencial (relacionada minha hiptese realista)e uma falcia textual (relacionada a minha projeo textual): Da a crtica de que o Novo

    Historicismo reducionista num duplo sentido: ele reduz o social ao status de uma funo docultural, e ento mais alm, reduz o cultural ao status de um texto (em H. Aram Veeser, ed.The New Historicism [ New York: Routledge, 1989], 294).

    xxix Ver Clifford, The Predicament of Culture, 30-32. O presente etnogrfico antiquadoem antropologia.

    xxx Sobre este aspecto da arte conceitual ver Joseph Kosuth, The Artist as an AnthropologistThe Fox 1 (1975).

    xxxi Marshall Sahlins, Culture and Practical Reason (Chicago: University of Chicago Press,1976). Esta crtica foi escrita no pice do ps- estruturalismo, e Sahlins, ento prximo a JeanBaudrillard, favorecia a lgica simblica (lingstica) sobre a razo prtica (marxista). Noh lgica material separada do interesse prtico, escreveu Sahlins, e o interesse prtico dohomem na produo constitudo simbolicamente (207). Na cultura Ocidental, continua,a economia o lugar principal da produo simblica. Para ns, a produo de mercadorias ao mesmo tempo o modo privilegiado da produo simblica, e da transmisso simblica. A

    peculiaridade da sociedade burguesa no consiste no fato de que o sistema econmico escapada determinao simblica, mas que o simbolismo econmico estruturalmentedeterminante.

    xxxii

    O papel do etngrafo tambm permite que o crtico recupere um posio ambivalenteentre o acadmico e outras subculturas como crtica, especialmente quando as alternativasparecem limitadas irrelevncia acadmica ou afirmao subcultural.

    xxxiii Estas trocas no so triviais no momento em que tais posies so consideradas de modoestrito e quando alguns administradores defendem um retorno antigas disciplinas,enquanto outros procuram reter tentativas interdisciplinares sob programas de custo efetivo.Incidentalmente, tais trocas parecem ser governadas por princpios do discurso de vendedorde carro usado: quando uma disciplina exaure um paradigma (texto na crtica literria,cultura na antropologia), ela o troca, passando-o adiante.

    xxxiv

    Louis Althusser, Philosophy and spontaneous Ideology of the Scientists & Other Essays(London: Verso, 1990), 97. A virada etnogrfica em estudos culturais e no novo historicismo

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    raramente questionada. Em Renaissance Self-Fashioning (1980), um texto fundamental donovo historicismo, Stephen Greenblatt explcito: Eu tenho tentado ao contrrio [de umacrtica literria] praticar uma crtica mais cultural ou antropolgica se consideramos aqui porantropolgico, os estudos interpretativos da cultura feitos por Geertz, James Boon, Mary

    Douglas, Jean Duvignaud, Paul Rabinow, Victor Turner e outros. Tal crtica percebe aliteratura como uma parte do sistema de signos que constituem uma dada cultura (4). Istoento, parece um crculo metodolgico: a crtica textual aborda a interpretao antropolgica,mas somente porque seu novo objeto, a cultura, reformulada como texto.

    Para Stuart Hall os estudos culturais realizados no Centro Brimingham desenvolveramuma crtica que ia do literrio para o cultural e posteriormente para a crtica ideolgica, comuma definio muito mais ampla, antropolgica da cultura como resultado (citado emBrantlinger, Crusoes Fotprints, 64). Esta mudana foi tambm bsica para os estudosculturais norte-americanos. Para Janice Radway o Centro Birmingham junto aos estudosamericanos, que tambm foram decisivos para um deslocamento de uma definio literria-moral da cultura para uma outra, antropolgica. Tambm importante foram as crticas

    envolvendo as respostas de leitores, o que preparou as etnografias da leitura dos estudosculturais apropriadamente (Reading the romance [Chapel Hill: University of North CarolinaPress, 1991] 3-4). Aqui tambm, as bases etnogrficas so admitidas, mas no questionadas.A nova antropologia questiona a premissa etnogrfica, claro, mas suas premissas soraramente questionadas, pelo menos quando consideradas nos estudos culturais e no novohistoricismo.

    xxxv Ento por exemplo, John Lindell, um membro do coletivo Gran Fury, disse: Em termosdo meu prprio trabalho, o desejo homossexual um stio, e o mundo gay em sua abrangnciatambm um stio. Novamente estou tentando diluir a noo de um stio fsico: um stio podeser um grupo de pessoas, uma comunidade (Roundtable On Site-Specificity, Documents4/5 [ Spring 1994]: 18).

    xxxvi Para Martha Rosler, ver especificamente 3 Works (Halifax: the Press of Nova ScotiaSchool of Art and Design, 1981); e para Allan Sekula ver Photography Against the Grain:

    Essays and Photo Works 1973-1983 (Halifax: The Press of Nova Scotia School of Art andDesign, 1984) e Fish Story (Dsseldorf: Richter Verlag, 1995). Para Fredric Jameson, sobre omapeamento cognitivo, verPostmodernism (Durham: Duke University Press, 1990).

    xxxvii Para Mary Kelly verInterim (New York: New Museum of Contemporary Art, 1990); e

    para Silvia Kolowski verXI Projects (New York: Border Editions, 1993). Muitos outrosartistas tambm questionam as representaes documentais e/ou trabalham por sobre osmapeamentos etnogrficos (Susan Hiller, Leandro Katz, Elaine Reichek...). Para um resumo,ver Arnd Schneider, The Art Diviners,Anthropology Today 9, n2 (April 1993).

    xxxviii Ver Bordieu, Outline for a Theory Practice, 2.

    xxxix Sobre tais oposies ver Fabian, Time and the Other, e sobre Baumgarten ver meu TheWriting on the Wall em Govan, ed..,Lothar Baumgarten, America: Invention.

    xl Ver as pontuaes de Miwon Kwon em Roundtable on Site-Specificitity. Novamente,

    uma lgica redentora governa muito dos trabalhos de site-specific, dos projetos de retomadade Smithson em diante.

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    xli Uma instncia recente foi The 42nd Street Art Project, uma tentativa conjunta de umaorganizao de arte, de uma empresa de design, e do Projeto de desenvolvimento da 42 rua.Aqui, novamente, haviam trabalhos individuais de esttica e/ou inveno crtica. Apesar

    disso, artes, artes grficas e moda foram organizados de modo a melhorar a imagem de umasrie de imveis notrios adequados para remodelamento.

    xlii Panfleto Culture in Action (Chicago: Sculpture Chicago, 1993), ver tambm Mary JaneJacob et al., Culture in Action (Seattle: Bay Press, 1995).

    xliii Guy Debord, Detournement as Negation and Prelude,Internationale Situationniste, n3[December 1959], reimpresso em Situationist International Anthology, ed. e trans. Ken Knabb(Berkeley: Bureau of Public Secrets, 1981), 55.

    xliv Se a dcada de 70 foi a dcada do terico e a dcada de 80 a do negociante, a dcada de 90

    pode ser a dcada do curador itinerante que rene artistas nmades em diferentes espaos.Com a crise do mercado de arte em 1987 e as posteriores controvrsias polticas (RobertMapplethorpe, arte performtica obscena, Andrs Serrano...), o apoio para a artecontempornea diminuiu nos Estados Unidos. Os fundos tambm foram redirecionados parainstituies regionais, que apesar disso, ainda importavam artistas metropolitanos, comofizeram as instituies europias em que as verbas mantiveram-se relativamente altas. Assim,surge o artista migrante etnogrfico.

    xlv Ver as falas de Miwon Kwon e Rene Green em Roundtable on Site-Specificity.

    xlvi Sobre ciladas e armadilhas ver Jean Fisher,Jimmie Durham (New York: Exit Art, 1989);sobre fingir-se de morta ver Miwon Kwon, Postmortem Strategies, Documents 3 (Summer1993). Novamente, o discurso ps-colonial tende a feitichizar personas como o trapaceiro, elugares como o "entre". Eu foquei artistas americanos nativos, mas outros tambm usam taisestratgias. Em 1993, numa performance em Art in General (New York) Riktrit Tiravanijaconvidou a platia para danar ao som da trilha de The King and I, numa pardia dosesteretipos populares (neste caso, da cultura asitica do sudeste) como uma reverso dasregras etnogrficas. EmImport/Export Funk Office (1992), Rene Green Tambm reverteu asregras etnogrficas quando ela questionou o crtico alemo Dietrich Dietrichsen sobre acultura hip-hop.

    xlvii

    Ver tambm Leo Steinberg, Other Criteria (New York: Oxford University Press, 1972), 82-91; editado em portugus em "Clement Greenberg e o debate crtico", Ferreira, Glria eCotrim, Ceclia org., Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1997.

    xlviii Lawrence Alloway, The Long Front of Culture (1959), em Brian Wallis ed., This isTomorrow Today: The Independent Group and British Pop (New York: P.S. 1, 1987), 31.

    xlix Esta reivindicao feita por crticos como Fredric Jameson e desenvolvida por gegrafosurbanos como David Harvey e Edward Soja.

    l Uma reao similar contra arte deflagrada por polticos aconteceu no final da dcada de 30

    com o surgimento do formalismo americano. Somente, hoje esta reao no requer o tempode uma gerao; pode ocorrer ao longo da Whitney Biennal, como sugerido por sua troca, de

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    engajamento poltico em 1993 para a irrelevncia estilstica em 1995. Ento, o velhoformalismo tambm buscou sublimar a renovao poltica como inovao artstica; a versocontempornea nem ao menos tenta isto.

    li

    Por exemplo, raa um construto histrico, mas este conhecimento no remove seusefeitos materiais. Como um objeto fetichizado, o conhecimento de raa no aniquila acrena (o prazer, de fato) que dela deriva; eles existem lado a lado, mesmo ou especialmenteentre pessoas 'cultas'.

    lii este impasse que provocou uma cultura da abjeo. Por um lado, este culto desgastadocom a poltica esquerdista da diferena e com a dubiedade sobre seus sentimentoscomunitrios. Por outro lado, ele rejeita as polticas direitistas da desidentificao e se aliamaos excludos contra os reacionrios.