Hans Kung Declaracao Parlamento Religioes Mundo

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  • 7/21/2019 Hans Kung Declaracao Parlamento Religioes Mundo

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    Hans KngTelogo ecumnico holands e autor de diversas obras, dentre as quais, Projeto de tica Mundial, EdiesPaulina.

    DECLARAO DO PARLAMENTO DAS RELIGIES DO MUNDO

    A histria de um dos documentos maisimportantes do final do sculo XX,

    contada por um de seus principais criadores.

    O Conselho para um Parlamento das Religies do Mundo em Chicago delegou-me a funo dedesenvolver um esboo de uma Declarao das Religies para uma tica Global. Essa foi paramim uma tarefa extremamente difcil. Em todo caso, depois de ter que lidar com os problemassemelhantes durante um semestre inteiro (1992), num colquio interdisciplinar comparticipantes de vrias religies e continentes tive condies de produzir um esboo inicial eenvi-lo a vrios colegas e amigos para correo.Este primeiro rascunho recebeu ampla aprovao daqueles a quem foi enviado. Ao mesmotempo, dezenas de sugestes para correes formais, bem como de contedo, foram dadas.Levei-as em considerao o mais cuidadosamente possvel, num segundo esboo; dessamaneira, o texto ganhou em preciso. Desejo estender meus sinceros agradecimentosqueles que participaram deste importante projeto, seja no colquio interdisciplinar ou emcolaborao desde o incio, por meio de correspondncia.Gostaria de indicar aqui, de modo breve, os princpios que me guiaram nessa tarefa.

    1. Em primeiro lugar, esta deveria ser uma declarao das religies, que poderia mais tarde

    ser seguida por uma declarao geral (como, por exemplo, no mbito da UNESCO).2. Numa declarao para uma tica mundial, o foco no poderia incidir sobre o plano das

    leis, direitos codificados e pargrafos recorrveis (como no caso dos direitos humanos,por exemplo), ou no plano poltico, de sugesto de solues concretas (como na crise dadvida do Terceiro Mundo), mas apenas no nvel tico: o mbito dos valores agregativos,padres irrevogveis e atitudes interiores fundamentais. claro que esses trs nveisesto relacionados entre si.

    3. Houve sugestes para tornar a declarao mais "religiosa". Contudo, novas dificuldadesresultariam da. Se, por exemplo, falssemos "em nome de Deus", a prioriexcluiramos osBudistas. Alm do mais, no h consenso sobre a definio do que "religio". Em todocaso, referi-me claramente dimenso da transcendncia, sem forar a anuncia dosno religiosos, que esta declarao deve incluir.

    4. Por outro lado, houve sugestes para tornar a declarao menos "religiosa". Contudo, seas religies, em essncia, apenas repetissem os princpios da Declarao dos DireitosHumanos das Naes Unidas, tal declarao se tornaria suprflua; uma tica mais doque um conjunto de direitos. claro que nossa Declarao para uma tica Global podeser um apoio tico Declarao dos Direitos Humanos da ONU. De fato, totalmentedesejvel que a UNESCO ou a ONU, assim que possvel, tambm apresentem umaDeclarao para uma tica Global.

    5. A declarao deve ser capaz de produzir consenso. Portanto, devem-se evitarafirmaes que a prioriseriam rejeitadas por uma das grandes religies e,conseqentemente, questes morais controvertidas (como aborto ou eutansia) tiveramde ser excludas.

    6. Esta deve ser uma declarao formulada em linguagem amplamente compreensvel, o queevitar argumentos tcnicos e jarges, e passvel de traduo em diversos idiomas.Parece-me ser mais compreensvel comear com definies negativas e, em seguida,mudar para afirmaes positivas.

    Esta declarao foi assinada pela maioria dos quase duzentos delegados das religiesmundiais que participaram do Parlamento das Religies do Mundo, ocorrido no centenrio doprimeiro Parlamento Mundial das Religies, em Chicago, em 1893. O Parlamento das Religiesdo Mundo de 1993 (com a participao de 6.500 pessoas) ocorreu entre 28 de agosto e 4 desetembro de 1993 em Chicago, e esta declarao foi solenemente proclamada em 4 desetembro de 1993.Consideraes explicativasO mundo est experimentando uma crise fundamental: acrise na economia global, na ecologia global e na poltica global. A falta de grandes vises, oemaranhado dos problemas no resolvidos, a paralisao poltica, lideranas polticasmedocres com pouca viso interior e exterior e, em geral, muito pouco senso de bem comumso vistos por toda parte. H muitas respostas antigas para novos desafios.

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    Estamos convencidos da unidade fundamental da famlia humana. Portanto, rememoramos aDeclarao Universal dos Direitos Humanos das Naes Unidas de 1948. Aquilo que elaformalmente proclamou em termos de direitos, gostaramos de confirmar e aprofundar aqui,na perspectiva de uma tica: a integral realizao da dignidade intrnseca da pessoahumana, da liberdade inalienvel, da igualdade de todas as pessoas, e a necessriasolidariedade de toda a humanidade.

    Baseados em experincias de vida pessoal e na histria opressiva de nosso planetaaprendemos:que uma ordem mundial melhor no pode ser criada ou, efetivamente, respeitada apenasor meio de leis, prescries e convenes;

    que a realizao da justia em nossas sociedades depende do discernimento e da prontidoara agir justamente;

    que aes em favor de direitos presumem uma conscincia de dever, e que, portantodevemos nos dirigir tanto s mentes quanto aos coraes das mulheres e homens;que direitos sem moralidade no podem durar muito, e que no haver uma ordem mundialmelhor sem uma tica global.

    No entendemos tica global como uma nica religio acima de todas as demais, e

    certamente no como a dominao de uma religio sobre todas as outras. Por tica globalentendemos um consenso fundamental sobre valores unificadores, patamares incondicionaise atitudes pessoais. Sem tal consenso tico bsico, qualquer comunidade ser cedo ou tardeameaada pelo caos ou ditadura.1. Uma exigncia fundamental: todo ser humano deve ser tratado humanamenteContudo, porque somos todos homens e mulheres falveis, com limitaes e defeitos, eporque estamos conscientes da realidade do mal, sentimo-nos compelidos, em nome dobem-estar da humanidade, a expressar nesta declarao nossas convices sobre quaisdeveriam ser os elementos fundamentais de uma tica global - tanto para indivduos comopara comunidades e organizaes, para Estados como tambm para as prprias religies.Pois acreditamos que nossas religies e tradies ticas, muitas vezes milenares, contmelementos suficientes de uma tica convincente e praticvel para todas as mulheres e

    homens de boa vontade, religiosos e no religiosos, e que podem, portanto, formar umafundao moral comum para uma vida humana conjunta em nossa terra.

    Ao mesmo tempo, sabemos que nossas diversas religies e tradies ticas muitas vezesoferecem referncias muito diferentes a respeito do que til e do que intil para oshomens e as mulheres, o que certo e o que errado, o que bom e o que mau. Noqueremos disfarar ou ignorar as srias diferenas entre cada uma das religies. Contudo,elas no devem nos impedir de proclamar publicamente aquilo que j temos em comumagora, ao que juntos sentimo-nos comprometidos, cada um referindo-se s suas prpriasbases religiosas ou ticas.Estamos conscientes de que as religies no podem solucionar os problemas econmicos,polticos e sociais deste mundo. Contudo, elas podem certamente oferecer aquilo queobviamente no pode ser obtido apenas mediante planos econmicos, programas polticosou regulamentaes legais: podem promover uma mudana na orientao interior, namentalidade, no "corao" das pessoas, e lev-las a uma "converso" de um caminhofalso para uma nova orientao de vida. As religies so capazes de proporcionar spessoas um horizonte de sentido para suas vidas, padres supremos e um lar espiritual. evidente que elas s podem atuar com credibilidade quando eliminam os conflitos queafloram em si prprias, e desmontam imagens e preconceitos, medos e desconfianasmutuamente hostis.Todos sabemos que hoje, como antes, em todo o mundo mulheres e homens so tratadosdesumanamente: so roubados em sua liberdade e oportunidades; seus direitos humanosso pisoteados; sua dignidade humana desprezada. Mas ter poder (para) no significater direito (de). Ante toda a desumanidade, nossas religies e convices ticas exigemque cada ser humano seja tratado humanamente.

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    Isso significa que cada homem - sem distino de sexo, idade, raa, cor da pele, idioma,religio, opo poltica, ou origem nacional ou social - possui uma dignidade inalienvel eintocvel. E todos, tanto indivduos como Estados, so obrigados a honrar essa dignidadee garantir sua efetiva proteo. Os seres humanos devem sempre ser os sujeitos dosdireitos, devem ser os fins, nunca mero meios, nunca objetos de comercializao eindustrializao na economia, poltica e meios de comunicao, em institutos de pesquisas

    e empresas. Tambm em nossa era nenhum ser humano, nenhuma classe social, nenhumgrupo influente de interesses, nenhum cartel de poderosos e igualmente nenhum Estadose eleva acima do bem e do mal. No, todos os homens e mulheres, como seres dotadosde razo e conscincia, so obrigados a agir de forma genuinamente humana, e nodesumana, a fazer o bem e no o mal!Esclarecer o que isso significa concretamente a inteno da nossa declarao.Gostaramos de recordar que normas ticas no devem ser algemas e correntes, masajuda e suporte para os seres humanos, para que eles sempre encontrem e realizemnovamente a direo, os valores, a orientao e o sentido de suas vidas.Para uma atitude autenticamente humana, lembramos especialmente a Regra de Ouro quetem sido mantida em muitas religies e tradies ticas h milhares de anos: aquilo quevoc no quer que seja feito a voc, no o faa a outros. Ou, afirmativamente: aquilo

    que voc quer que lhe seja feito, faa-o aos outros. Essa deveria ser a norma irrevogvele incondicional para todas as reas da vida, para as famlias e as comunidades, para asraas, naes e religies. A autodeterminao e a auto-realizao so absolutamentelegtimas - enquanto no estiverem separadas da responsabilidade individual e daresponsabilidade global, da responsabilidade pelos outros seres humanos e pela natureza.Toda forma de egosmo, contudo, toda auto-referncia, seja ela individual ou coletiva,seja na forma de pensamento de classe, racismo, nacionalismo ou sexismo, deve serrejeitada. Por isso impede os humanos de ser autenticamente humanos.A regra de ouro implica padres muito concretos aos quais ns, humanos, deveramos egostaramos de nos apegar firmemente, pois concernem ao bem-estar tanto dosindivduos como da humanidade. Existem, acima de tudo, quatro antigas orientaes parao comportamento humano, que so encontradas na maioria das religies do mundo.

    Deveriam ser evocadas junto com uma viso para uma ordem mundial melhor.

    2. Quatro diretivas irrevogveis1. Para uma cultura de no violncia e respeito vidaa) Incontveis mulheres e homens, de todas as regies e religies, lutam para levar uma

    vida que no seja determinada pelo egosmo, mas sim pelo compromisso para com osoutros seres humanos e para com o mundo ao seu redor. Contudo, no mundo de hojeainda existe dio, rancor, inveja e violncia sem fim, no apenas entre indivduos mastambm entre grupos sociais e tnicos, classes, raas, naes e religies. Atendncia ao uso da violncia e do crime organizado, equipados com novaspossibilidades tcnicas, alcanou propores globais. Muitos lugares ainda sogovernados pelo terror, e grandes, bem como pequenos ditadores, oprimem seuprprio povo. At mesmo em algumas democracias prisioneiros so torturados, homense mulheres so mutilados, refns so mortos.

    b) Entretanto, nas grandes religies antigas e nas tradies ticas da humanidade,encontramos o ensinamento: no mataras! Ou, em termos positivos: Tenha respeitopela vida! Concretamente, isso significa que ningum tem o direito de torturar, ferir e,certamente, de matar nenhum outro ser humano. E nenhum povo, nenhuma raa,nenhuma religio, tm o direito de odiar, discriminar, e certamente de exilar ou liquidaruma minoria "estrangeira" que seja diferente nos costumes e nas crenas.

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    c) Portanto, os jovens deveriam aprender, j em seus lares e na escola, que a violnciano deve ser um meio de resolver as diferenas com os outros. S ento poder sercriada uma cultura de no-violncia. Todas as pessoas tm direito vida, integridade corporal e ao desenvolvimento da personalidade, enquanto no ofenderemos direitos dos outros. claro que onde quer que existam humanos haver conflitos.Estes, entretanto, devem ser resolvidos sem violncia. Isso verdade, tanto para

    Estados como para indivduos, pois os detentores de poder poltico devem sempre secomprometer primeiramente com as solues no violentas, no contexto de umaordem internacional pacfica. E esta tambm tem necessidade de proteo e defesacontra os perpetuadores da violncia. O armamentismo um caminho equivocado, odesarmamento a ordem do dia. No haver sobrevivncia para a humanidade sem apaz.

    A pessoas humana infinitamente preciosa e deve ser incondicionalmente protegida. Mas,igualmente, a vida dos animais e das plantas que coabitam este planeta conoscomerecem proteo, preservao e cuidado. Como seres humanos, temos tambmresponsabilidade pelo ar, gua e solo, com vistas s geraes futuras.A dominao da humanidade sobre a natureza e o cosmos no deve ser propagada, mas,em seu lugar, a convivncia harmnica com a natureza e o cosmos deve ser cultivada.

    Falamos de um respeito vida, a toda forma de vida.d) Sermos autenticamente humanos no esprito das nossas grandes religies e tradies

    ticas significa que, tanto na vida pblica como na vida privada, no devemos serimpiedosos e brutais, mas sim preocupados com os outros e dispostos a ajudar. Todosos povos, raas e religies devem demonstrar tolerncia, respeito, e mesmo altoapreo pelos demais. As minorias - sejam elas raciais, tnicas ou religiosas - precisamde nossa proteo e apoio.

    2. Para uma cultura de solidariedade e de ordem econmica justaa) Incontveis seres humanos, em todas as regies e religies, lutam ainda hoje para

    viver uma vida em solidariedade com os demais, de trabalho e autnticopreenchimento de suas vocaes. Apesar disso, no mundo de hoje existem fome sem

    fim, deficincias e necessidades, pelas quais no apenas indivduos, porm mais aindaestruturas injustas, so responsveis. Milhes de homens e mulheres esto semtrabalho, milhes so explorados, expulsos para a margem da sociedade, com suaspossibilidades futuras destrudas por um trabalho mal pago. Em muitos lugares, oespao entre os pobres e os ricos, entre os poderosos e os desprotegidos, monstruoso. Num mundo no qual o socialismo de estado, bem como o capitalismolucrativo, esvaziaram muitos valores ticos e espirituais por meio de uma visomeramente poltico-econmica das coisas, a avidez por lucros ilimitados, a cobia porpilhagens sem fim poderiam disseminar-se, bem como uma mentalidade materialista, dereivindicaes que constantemente exigem mais dos governos, sem obrigar cada um acontribuir mais. O cncer social da corrupo cresceu tanto nos pases emdesenvolvimento quanto nos desenvolvidos.

    b) Contudo, nas grandes religies antigas e nas tradies ticas da humanidade,encontramos o ensinamento: no roubars! Ou, em termos positivos: s honesto! E,de fato, nenhum homem tem o direito de roubar ou despojar - de nenhuma maneira -outros seres humanos ou o bem pblico. Reciprocamente, nenhum ser humano tem odireito de usar seus bens sem se importar com as necessidades da sociedade. Ondereina a pobreza extrema ocorrero roubos, muitas vezes por necessidade desobrevivncia, se o completo abandono e o desespero esmagador ainda estiveremreinando. E onde o poder e a riqueza so acumulados sem piedade, sentimentos deinveja, ressentimento e, sim, dio mortal, inevitavelmente brotaro nos despossudos.Isso leva todos facilmente a um crculo diablico de violncia e contra-violncia. Noexistir uma paz global sem uma ordem global justa.

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    c) Portanto, os jovens deveriam aprender, j nos seus lares e nas escolas, que apropriedade, por pequena que seja, carrega consigo uma responsabilidade, e que seuuso deveria ao mesmo tempo servir ao bem comum. S ento uma ordem econmica

    justa poder ser construda. Entretanto, se a situao crtica dos bilhes de sereshumanos mais pobres, particularmente mulheres e crianas, deve ser melhorada, asestruturas da economia mundial precisam ser fundamentalmente alteradas. Boas aes

    individuais e projetos assistenciais, apesar de indispensveis, no so suficientes. Aparticipao de todos os pases e a autoridade de organizaes internacionais sonecessrias para se chegar a um acordo justo.

    Certamente conflitos de interesses so inevitveis, e mesmo as naes emdesenvolvimento tm necessidade de uma busca nacional de conscincia. Mas umasoluo para a crise da dvida e a pobreza do segundo e do terceiro mundos, que possaser apoiada por todos os interessados, deve ser buscada. Em todo caso, nos pasesdesenvolvidos, deve-se fazer uma distino entre o consumismo justificvel e oinjustificvel, entre o uso socialmente benfico e o no-benfico da propriedade, entre ouso razovel e o uso irracional dos recursos naturais, entre a economia de mercadoorientada apenas pelo lucro ou social e ecologicamente orientada. universalmentevlido: onde quer que os que governam ameacem sufocar os governados, as instituies

    ameacem as pessoas, o poder oprima os direitos; a resistncia - sempre que possvel,no-violenta - deve ocorrer.d) Ser autenticamente humano, no esprito das grandes religies e tradies ticas nomundo de hoje, significa o seguinte:em vez de desperdiar o poder econmico e poltico em batalhas implacveis peladominao, devemos utiliz-lo para o servio da humanidade: num esprito de compaixoara com os que sofrem e com cuidado especial pelos pobres, deficientes, idosos,

    refugiados e os solitrios;em vez de pensar apenas em poder e polticas de poder ilimitado, e nas lutas competitivasinevitveis, deveria prevalecer um respeito mtuo, um equilbrio razovel de interesses eum esforo para a mediao e a considerao;em vez da avidez insacivel por dinheiro, prestgio e consumo, o sentido de moderao e

    modstia deveria voltar a reinar. Pois na avidez os humanos perdem as suas almas,liberdade interior e, portanto, aquilo que os faz humanos.

    1. Para uma cultura de tolerncia e uma vida honradaa) Incontveis seres humanos, de todas as regies e religies, lutam ainda em nossos dias

    para levar uma vida de honestidade e honradez. E no entanto existem no nosso mundode hoje mentiras e imposturas sem fim, fraudes e hipocrisia, ideologias e demagogia:

    olticos e empresrios que usam mentiras como caminho para o sucesso;meios de comunicao de massa que divulgam propaganda ideolgica em vez dereportagens cuidadosas, desinformao no lugar de informao;cientistas e pesquisadores que se entregam a programas polticos ou ideolgicosmoralmente questionveis ou a grupos de interesses econmicos, e que se esforam paraustificar pesquisas e experimentos que violam valores ticos fundamentais;representantes de religies que rejeitam membros de outras como se tivessem poucovalor, e que pregam o fanatismo e a intolerncia em vez de respeito, entendimento etolerncia.b) Contudo, nas grandes religies antigas e tradies ticas da humanidade, encontramos o

    ensinamento: no mentirs! Ou, em termos positivos: diga a verdade! De fato, nenhumamulher ou homem, nenhuma instituio, nenhum Estado, igreja ou comunidade religiosatm o direito de dizer inverdades a outros seres humanos. Isso especialmente verdadepara:

    Os meios de comunicao de massa,aos quais o direito de liberdade de imprensa e dereportagem, para o bem da verdade, assegurado e aos quais, portanto, o posto deguardio concedido; no devem ficar acima da moralidade, mas a servio da dignidade,dos direitos humanos e dos valores fundamentais; devem estar a servio da objetividade,

    lealdade e preservao da dignidade pessoal; no tm o direito de imiscuir-se na esfera darivacidade humana, manipular a opinio pblica ou distorcer a realidade.

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    Artistas e cientistas,a quem liberdade artstica e acadmica assegurada; no estodispensados de padres ticos gerais e devem servir sinceramente verdade.Polticosque, se mentirem para seus povos, desperdiam sua credibilidade e no merecemser reeleitos.Finalmente,representantes das religies.Quando incitam o preconceito, o dio e ainimizade para com aqueles que professam credos diferentes, no merecem adeptos.

    c) Portanto, os jovens devem aprender, j nos seus lares e nas escolas, a pensar, falar eagir conforme a verdade. Todos os seres humanos tm direito verdade. Tm tambmdireito informao necessria e educao, para que estejam aptos a tomar asdecises que sero formativas para suas vidas. Sem uma orientao tica fundamental,dificilmente podero distinguir o importante do insignificante, na atual torrente diria deinformaes. Padres ticos vo ajud-los a identificar quando os fatos estiveremdistorcidos, os interesses velados, as tendncias manipuladas e as opinies tornadasabsolutas.

    d) Ser autenticamente humano, no esprito das nossas grandes religies e tradies ticasno mundo de hoje, significa o seguinte:

    em vez de desonestidade, de uma adaptao vida dissimulada e oportunista, devemoscultivar o esprito da verdade tambm nas relaes dirias entre os seres humanos;

    em vez de espalhar meias-verdades ideolgicas ou partidrias, devemos sempre procurar averdade com uma sinceridade incorruptvel;em vez de confundir liberdade com arbitrariedade e pluralismo com indiferena, elevemos averdade;em vez de correr atrs do oportunismo, devemos respeitar com lealdade e constncia averdade uma vez encontrada.

    2. Para uma cultura de direitos iguais e parceria entre homens e mulheresa) Incontveis seres humanos, de todas as regies e religies, lutam para viver suas vidas

    num esprito de parceria entre homens e mulheres, de ao responsvel nas reas doamor, sexualidade e famlia. Contudo, em todo o mundo existem formas condenveis depatriarcalismo, dominao de um sexo sobre o outro, explorao de mulheres, abuso

    sexual de crianas e prostituio forada. As diferenas sociais neste planeta no rarolevam prostituio como um meio de sobrevivncia, particularmente pelas mulheres dospases menos desenvolvidos.

    b) Contudo, nas grandes religies antigas e nas tradies ticas da humanidadeencontramos o ensinamento: no cometas imoralidades sexuais! Ou, em termos positivos:respeita e ama o prximo! Concretamente, isso significa: ningum tem o direito dedegradar outros a meros objetos sexuais, for-los ou prend-los numa dependnciasexual. A explorao sexual deve ser condenada como uma das piores formas dedegradao humana. Onde quer que - inclusive em nome de convices religiosas - adominao de um sexo sobre o outro for pregada, e a explorao sexual tolerada, ondequer que a prostituio seja promovida, ou que crianas sejam abusadas, a resistncia imperiosa.

    c) Portanto, jovens mulheres e homens deveriam aprender, j em seus lares e nas escolas,que a sexualidade fundamentalmente no uma fora negativa, destrutiva ouexploradora, mas uma fora criativa. Sua funo como formadora da afirmao da vidacomunitria pode ser aplicada, principalmente se for vivida com responsabilidade pelafelicidade prpria e pela do parceiro. A relao entre homens e mulheres tem certamenteuma dimenso sexual, mas a realizao humana no idntica felicidade sexual. Asexualidade deve ser a expresso e a reafirmao de uma relao amorosa vivida emparceria. Inversamente, contudo, algumas tradies religiosas conhecem o ideal de umarenncia voluntria do uso completo da sexualidade; essa renncia pode tambm ser umaexpresso de identidade e uma realizao significativa.

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    A forma de casamento socialmente institucionalizada que, apesar de suas variaes culturaise religiosas, caracterizada pelo amor, fidelidade e permanncia, busca, e deve garantir,segurana e apoio mtuo ao marido, mulher e filhos e assegurar seus direitos. nocasamento que a relao entre a mulher e o homem deve ser caracterizada no por umcomportamento de superioridade ou explorao, mas pelo amor, parceria e confiana. Todasas regies e culturas deveriam desenvolver relaes econmicas e culturais que tornassem

    possvel o casamento e a famlia dignos dos seres humanos, principalmente para as pessoasidosas. Os pais no deveriam explorar os filhos, nem estes os pais; sua relao deveria, sim,refletir respeito, apreo e interesse mtuos.d) Ser autenticamente humano, no esprito das nossas grandes religies e tradies ticas

    no mundo de hoje significa:em vez de dominao ou degradao patriarcal, que so a expresso da violncia e gerama contra-violncia, respeito mtuo, parceria, entendimento e tolerncia;em vez de qualquer forma de lascvia sexual possessiva, ou abuso sexual, respeito mtuo,tolerncia, prontido para a reconciliao e amor. Apenas o que j foi vivido no plano dasrelaes pessoais e familiares pode ser praticado ao nvel das naes e religies.

    1. Uma transformao da conscincia

    Toda experincia histrica demonstra o seguinte: nosso planeta no pode ser mudado, a noser que num futuro no muito distante uma alterao na conscincia dos indivduos sejaalcanada. Isso j foi verificado em reas como a guerra e a paz, ou economia e ecologia. E precisamente em relao a essa mudana interior, a essa transformao da totalidade damente, do "corao", que as religies tm especial responsabilidade. Estamos conscientes,contudo, de que um consenso universal sobre diversas questes individuais e ticascontrovertidas (desde tica sexual e biotica, passando pela tica cientfica e dos meios decomunicao, at a tica poltica e econmica) ser dificilmente conseguido. Em todo caso,mesmo para muitas questes ainda controversas, solues diferenciadas devem serbuscadas no esprito dos princpios fundamentais aqui conjuntamente desenvolvidos.Em diversas reas da vida, j surgiu uma nova conscincia das responsabilidades ticas.Portanto, ficaramos especialmente contentes se o maior nmero possvel de associaes

    profissionais nacionais ou internacionais, como as dos fsicos, cientistas, homens denegcios, jornalistas e polticos, pudessem juntar-se para ditar cdigos de tica.

    Acima de tudo, seria bom se cada religio em particular tambm formulasse sua ticaespecfica: aquilo que ela tem a dizer, sustentado pela tradio de sua f, a respeito, porexemplo, do sentido da vida e da morte; sobre como suportar os sofrimentos e o perdoar asculpas; sobre o sacrifcio desinteressado e a necessidade da renncia, compaixo e alegria.Tudo isso ser compatvel com uma tica global e pode at mesmo aprofund-la, torn-lamais especfica e concreta.Estamos convencidos de que uma nova ordem global s pode ser melhor num mundosocialmente benfico e pluralista, de relaes de parceria e promoo da paz, de respeito aomeio ambiente e ecumnico. Portanto, apoiados em nossas convices religiosas,comprometemo-nos com uma tica global comum e convidamos todas as mulheres e homensde boa vontade a fazer desta sua prpria declarao.

    Nota1. "tica", e no "ticas", o que implicaria grandes detalhamentos. "tica", no singular,

    expressa a atitude fundamental em relao ao bem e o mal e os princpios para coloc-laem ao.