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José Herculano Pires

 Agonia das Religiões

www.autoresespiritasclassicos.com

 

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Conteúdo resumido

  As religiões são seres sociais que nas-cem, crescem e morrem. São corporifica-ções dos anseios de transcendência inatosno homem. Por que motivo podemos

afirmar que as religiões do nosso tempoestão agonizando? O que virá depois delas?Este livro responde a essas indagaçõesatravés de penetrante estudo do desenvol-vimento e decadência das religiões contem-

porâneas.Nesta obra Herculano demonstra que adecadência das religiões iniciou-se no fim daIdade Média. Com o Renascimento, houve aexplosão cultural e científica iniciada na

Europa, e as religiões simplesmente senegaram a acompanhar essa evolução,mantendo-se na insistência de impor a fécega ao ser humano.

 As instituições religiosas não conseguem

mais acompanhar a nova necessidade doser contemporâneo, que deseja saber o

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porquê de todas as coisas, principalmente

da sua própria existência e do seu objetivofinal, que é a evolução infinita, em todos osângulos – científico, filosófico e moral.

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Introdução – Tempos de Agonia

Capítulo 1 – Agonia das Religiões Capítulo 2 – Religião como Fato Social Capítulo 3 – A Experiência de Deus Capítulo 4 – Experiência no Tempo 

Capítulo 5 – Deus, Espírito e Matéria 

Capítulo 6 – A Criação do Homem 

Capítulo 7 – Do Princípio inteligente 

Capítulo 8 – O Corpo-Bioplásmico 

Capítulo 9 – Dúvida e Certeza 

Capítulo 10 – Magia e Misticismo 

Capítulo 11 – A Cura Divina 

Capítulo 12 – Rito e Palavra 

Capítulo 13 – Revolução Cósmica 

Capítulo 14 – O Problema da Violência Ficha de identificação literária 

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  A Teoria do Conhecimento implica asáreas culturais da Ciência, da Filosofia e daReligião. Mas a partir do Renascimento aReligião se desligou desse contexto. Desen-volveu-se a cultura leiga e as religiões se

encastelaram no conceito de sua origemdivina, decorrente do dogma da Revelação.  A Cultura dividiu-se em duas áreas confliti-vas: a religiosa e a profana.

Descartes proclamou, no Discurso do

Método, a existência de dois tipos humanos(homo sapiens): o dos homens mais do quehomens, que recebiam a sabedoria dopróprio Deus, e o dos homens simplesmentehomens, que buscavam o conhecimento

através da razão e da pesquisa. Kantsancionou, em sua Crítica da Razão, essadistinção que realmente se fazia necessária.Quais foram as conseqüências desseepisódio cultural na crise religiosa contem-

porânea? E qual a solução possível para

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essa crise? Qual a situação atual das

religiões?O inicio da Era Cósmica já produziu pro-fundos abalos e modificações nos doiscampos. Haverá uma possibilidade dereunificar-se a cultura geral da nossa

civilização? Qual a razão das súbitasmodificações nas religiões tradicionais e emsuas próprias teologias? O que significam astentativas de elaboração de um Cristianismo

 Ateu?

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Introdução - Tempos de Agonia

O desenvolvimento da humanidade temsido marcado por fases de agonia e demorte, seguidas de fases mais duradouras deressurreição e reconstrução. As forças quedeterminam essa espantosa sucessãoencontram-se na própria criatura humana.Seria inútil buscarmos uma explicaçãoceleste, fundada nos pressupostos da Ira deDeus ou da Justiça Divina, como seria inútilprocurarmos enquadrá-la nas brilhantesteorias relativas à influência dos ritmostelúricos. A própria doutrina aristotélica dageração e corrupção não poderia dar-nos oselementos concretos do fenômeno. Segundo

Toynbee, as civilizações se desenvolvem naslinhas conceptuais de uma religião funda-mental e entram em agonia quando se esvaio poder vital dessas religiões. A relaçãosociedade-religião parece perfeitamente

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válida, mas não nos oferece o segredo dessa

estranha mecânica da agonia.Os processos sócio-culturais de cada civi-lização têm a sua fonte no homem, pois asociedade se apresenta objetivamente comoum conglomerado humano. Parece evidente

que o ritmo agônico deve estar ligado àsentranhas e ao psiquismo do homem. Comoestamos vivendo, agora, precisamente numadas curvas agudas desse ritmo – talvez amais aguda por que já passou a humanidade

 – o momento é propicio para examinarmos ofenômeno ao vivo, tocando com os dedos osseus elementos determinantes. A agoniaatual das religiões é geralmente consideradacomo resultante da situação crítica dasociedade em seu acelerado desenvolvimen-to tecnológico. O mundo do supérfluo, emcontradição com o mundo da escassez, naestrutura social em que vivemos, levaria acivilização atual a um beco sem saída. Asreligiões agonizam porque o edonismo sociale o correspondente pedantismo cultural

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esvaziaram igualmente as arcas de tesouros

metálicos dos ricos, os baús de crenças ecrendices dos pobres, as esperanças desucesso das camadas medianas da socieda-de, as fontes de riqueza do planeta e atémesmo o balaio de sonhos da Lua e asesperanças de um céu convertido em friosdesertos siderais em que rolam mundosáridos e despovoados.

Inverte-se a tese de Toynbee. As religi-ões seriam produzidas e mantidas pelas

civilizações, como o mel pelas comunidadesdas abelhas. Deus, filho do homem, estámorto, segundo constatam os teólogos maisavançados. E enquanto os religiosos voltama matar-se reciprocamente em nome dodeus morto, as grandes potências dacivilização sem perspectivas preparam osfunerais atômicos da Terra. A opressãoestatal esmaga o homem nas áreas capitalis-tas e socialistas. O Leviatã de Hobbesameaça o mar, a terra e o céu. Comodecifrarmos o enigma desses tempos

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apocalípticos, quando o próprio ato de

pensar parece estar sujeito a controlestelepáticos? Os defensores da liberdadetransformam-se em terroristas e seqüestra-dores ou em líricos distribuidores de floresmurchas, embalsamadas nas palavras mortasde paz e amor. A inocência das criançasdesaparece na voragem da criminalidadeinfantil. E os velhos alquebrados, de olhosvazios, não encontram mais nos templos ossignos da fé que os embalou na infância, naadolescência, na mocidade e na maturidade.Os padres sem batinas e as freiras semhábitos, os monges sem escapulários e assantos cassados em sua santidade já nãopodem consolar os crentes.

O que acontece para que tudo se sub-verta dessa maneira total e violenta? Foi amorte de Deus que esvaziou o mundo ou foio vazio do mundo que matou Deus?

  As estruturas sociais são coercitivas. Do

clã à tribo e à horda, e desta à civilização, alei do aglomerado humano é uma só, mas se

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desenvolve num ritmo de pressão crescente.

  A coerção aumenta na razão direta daestruturação. Da cabana do pagé à sacristiaa religião segue esse mesmo ritmo. Amassificação do homem na sociedademoderna fez o caminho de retorno sobre asconquistas do individualismo ateniense.Esparta suprimiu Atenas. O sonho frustradoda República de Platão já prenunciava oLeviatã de Hobbes. O desenvolvimentotecnológico aumentou a pressão social sabreo homem, como o desenvolvimento dainstitucionalização religiosa gerou o totalita-rismo eclesiástico das grandes civilizaçõesorientais, leviatãs teocráticas, e forjou aengrenagem férrea do milênio medieval. Ossonhos da Renascença, um instante para

respirar, apagaram-se impotentes nas garrasde aço da tecnologia contemporânea. Atorquês social da moral e da religião esma-gou as gerações em nome da utopia conju-gada de liberdade e civilização.

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O desespero existencial de Kierkegaard e

a náusea de Sartre foram os frutos amargosda escamoteação da natureza humana pelahipocrisia farisaica dos formalismos sociais ereligiosos. O homem formalizado perdeu anaturalidade e só teve uma saída para a suaangústia existencial: matar Deus e rebelar-secontra a sociedade. O fato não é novo.Repetiu-se na História, com os episódios derepressão violenta dos rebelados nascivilizações teocráticas e massivas do Egitofaraônico, da Mesopotâmia, de Israel comsuas leis de pureza, da Idade Média e da Era

 Vitoriana na Inglaterra. Os libertinos medie-vais, a prostituição romana, o nudismo decomunidades religiosas que buscavam oestado de graça do paraíso perdido, o

deslumbramento da Europa do Século XVIante a suposta liberdade absoluta dosselvagens da América são antecedentes daera pornográfica que assinala a libertinagemdo nosso tempo.

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desprestigiá-lo na opinião pública, em favor

das conveniências do Estado.  A deformação da criatura humana pelasexigências antinaturais das religiões dá-nos achave do processo cíclico da morte dascivilizações. Isso não quer dizer que tenha-

mos de aceitar as teorias atuais de umapsicologia libertina, mas que devemoscompreender o erro e o perigo das repres-sões extremas em nome da moral e dasreligiões. Podemos compreender claramente

que esse extremismo equivale á medicaçãode disfarce, que esconde o mal permitindo oseu desenvolvimento secreto no organismosocial. A Inglaterra da moral vitoriana estáhoje a braços com a explosão de situaçõesincontroláveis. O seu Parlamento majestosoé levado à adoção de leis e medidas deleté-rias, como as referentes aos problemas dahomossexualidade juvenil.

O ministério dos ciclos agônicos é facil-

mente decifrado quando levantamos amáscara de hipocrisia das sociedades

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antinaturais. O mesmo se dá no tocante às

religiões repressivas, que acabam vencidaspela rebelião dos instintos naturais, agoni-zando no descrédito ou sendo substituídaspor outras. Acusa-se o Cristianismo de ser oresponsável pela universalização da hipocri-sia, mas os próprios evangelhos atestam aatitude racional do Cristo em face dos quepretendiam lapidar a mulher adúltera. Nocaso de Zaqueu, o Cristo aceita a suahospitalidade quando ele promete devolveraos pobres o fruto impuro dos seus roubos.Madalena arrependida tornou-se a seguidoradedicada e a escolhida para ser a primeira avê-lo depois da ressurreição. Não há dúvidaque os excessos repressivos do Cristianismonão foram determinados pelo Cristo, mas

pelos seus apóstolos judeus, contaminadospela hipocrisia farisaica e de outras seitas

  judaicas. O Apóstolo Paulo, o que melhorcompreendeu a posição do Cristo em tantosaspectos, não conseguiu escapar aos

prejuízos do judaísmo, de sua formação

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  judaica, quando se referia aos processos de

repressão, tornando-os ainda mais agudosna religião nascente.

Explica-se a atitude paulina ante as abu-sos e excessos das religiões pagãs, mitológi-cas, em que as práticas fálicas, os rituais

dionisíacos, toda a herança da velha Sumé-ria, da Mesopotâmia, da libertinagem daGrécia e de Roma contaminavam as ingê-nuas comunidades cristãs, ameaçando comos seus excessos os princípios espirituais da

religião nascente. Paulo, extremamentezeloso, apegava-se aos resíduos da suaformação farisaica, agindo com violênciapara impedir que os cristãos retornassem àspráticas da irresponsabilidade moral. Mas háenorme distância entre as mediadas enérgi-cas de Paulo, que não usava a máscara dahipocrisia, e as medidas repressivas que maistarde judaizaram as religiões cristãs. Ele, quecombateu sem cessar os apóstolos judaizan-tes, incidiu no mesmo erro que tantocondenara, mas justificado pelas circunstân-

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cias de uma época de ignorância e de

costumes geralmente condenáveis.O ponto crucial do problema religiosochama-se hipocrisia. E a hipocrisia resultadas atitudes egoístas, da falta de compreen-são do verdadeiro sentido da Religião, que é

caminho e não ponto de chegada da espiri-tualização do homem. Os religiosos quepretendem atingir a santidade do dia para anoite, que se revestem de pureza exterior,encobrindo a podridão interior, são os

hipócritas condenados veementemente noEvangelho. A solução desse grave problema,que responde pela morte cíclica das civiliza-ções, está na compreensão da verdadeiranatureza do homem, do processo natural doseu desenvolvimento espiritual. Os artifíciospurificadores só servem para mascarar osindivíduos pretensiosos. As práticas ascéticasnão podem ser forçadas. As paixões e asinstintos do homem são manifestações deforças vitais que, sob o controle da razão e

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do sentimento, podem e devem guiar o

espírito nos rumos da transcendência.Repetimos agora os ciclos agônicos doOriente, da Grécia e Roma, de Israel, daEuropa Medieval. A explosão pornográficasobrepõe-se aos instintos vitais e aos

controles sociais. E a agonia das religiõesanuncia a morte da civilização tecnológica.Não obstante, há uma esperança para abrilhante civilização condenada. As forças doespírito reagem contra a derrocada moral.

Como na queda de Bizâncio, enquanto osclérigos cantam e pregam em meio àderrocada, há vigias de uma nova eraespreitando o futuro nas almenaras. É o queprocuro demonstrar neste livro, num rápidoconfronto das estruturas envelhecidas comas novas estruturas que nascem da própriaterra, sob os nossos pés. Poluída, envenena-da, devastada, ameaçada, a Terra dosHomens, nossa mãe, convida-nos a subircom Saint-Exupéry para novas dimensões deuma realidade em que estamos perdidos.

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Capítulo 1

 Agonia das Religiões

 As Religiões estão morrendo. Este é umdos fatos marcantes do nosso tempo, maisprecisamente do Século XX. O poder dasReligiões não é mais religioso, mas simples-mente econômico, político e social. As igrejas

se esvaziam, os seminários se fecham, avocação sacerdotal desaparece, o clero detodas elas recorre no mundo inteiro aos maisvariados expedientes para manter seusrebanhos, fazendo-lhes concessões perigo-

sas. Mas todos os expedientes mostram-seincapazes de restabelecer o prestígio e opoder religiosos, servindo apenas de remen-dos de pano novo em roupa velha, segundoa expressão evangélica. Começam então a

aparecer os sucedâneos, milhares de seitasforjadas por videntes e profetas da última

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hora, na maioria leigos que se apresentam

como missionários, taumaturgos populares,místicos improvisados e de olhos maisvoltados para os bens terrenos do que paraos tesouros do Reino dos Céus.

Esses bastardos do espírito, que pululam

por toda parte, caracterizam o fenômenosócio-cultural da morte das Religiões. O fatoé bem conhecido dos que estudam aSociologia da Cultura. Quando um sistemainstitucional esvazia-se no tempo, tragado na

voragem das mudanças culturais, os aprovei-tadores invadem os domínios abandonados esocorrem a seu modo os órfãos em desespe-ro. As grandes revoluções políticas e sociaismostram-nos como as tiranetes do popula-cho assumem as funções dos nobres decaí-dos, substituindo a autoridade tradicionalpelo mandonismo dos clãs ressuscitados.Podemos aplicar ao caso uma paródia daexplicação metafísica do horror ao vácuo,dizendo que as sociedades têm horror aocaos e preenchem a falta de autoridade

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legítima (ou pelo menos legitimada) pelo

autoritarismo dos sátrapas.Esse evidente sintoma de agonia dasinstituições tradicionais está presente emtoda a área religiosa do nosso tempo. É ocarisma das fases de mudança. Não há

dúvida, portanto, de que as Religiõesagonizam. E o responsável por esse fatoalarmante, como sempre, é a própria vítima,que, pela imprevisão, pelo abuso do poder,pelo apego às comodidades institucionais,

deixou-se levar na ilusão de sua indestrutibi-lidade. As próprias Religiões cavaram a suaruína no desenrolar do processo histórico.

  Acomodadas em sua superioridade, confian-tes no privilégio de sua origem e naturezasobrenaturais, recusaram-se a integrar-se nacultura natural, marginalizando-se a simesmas. A evolução cultural alargou pro-gressivamente o fosso entre a Cultura e aReligião, tornando irreversível a situação dasinstituições religiosas. Assim, dialeticamente,o conceito arbitrário do sobrenatural, que

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era o fundamento de sua segurança, tornou-

se o motivo de sua decadência.No Ocidente, os primeiros sinais da crisereligiosa contemporânea surgiram em plenaIdade Média, com o episódio trágico-romântico de Aberlardo, prenunciando a

Idade da Razão. Essa nova fase, que seiniciou com o Renascimento, traria a revolu-ção cartesiana, Rousseau, Chaumette e oCulto da Razão na Revolução, e posterior-mente Augusto Comte e a Religião da

Humanidade. No ano da morte de AugustoComte, em 1857, Denizard Rivail iniciaria naFrança o movimento da Fé Racional. Assim,a França, que centralizava o processocultural no Mundo Moderno, apresenta umaseqüência de tentativas para a integração daReligião no sistema cultural em desenvolvi-mento, sempre rejeitadas pela soberaniaeclesiástica apoiada no conceito do sobrena-tural. Paralelamente aos movimentosrenascentistas da França, desencadeou-se na

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  Alemanha, no Século XVI, o movimento da

Reforma, iniciado por Lutero.No Oriente a reação às religiões tradicio-nais foi mais lenta e tardia, menos precisa edefinida, com menores conseqüências, quesó se acentuaram no Século XIX. Nem por

isso deixou de produzir efeitos que seintensificaram no decorrer desse século até opresente sob influências ocidentais. NaRússia, sob a inspiração francesa de Rousse-au, Tolstoi promoveu a revolução religiosa

do Século XIX, na linha luterana de volta aoCristianismo Primitivo, fazendo uma novatradução dos Evangelhos em sentido místico-racional. Todos esses movimentos revelam ainsatisfação cultural no tocante à soberaniadas Religiões, fundada no conceito dosobrenatural, que as mantinham desligadasdo processo cultural. Ainda no Século XIX aobra de Renan, na França, assinalava atendência do espírito francês, no plano daHistória do Cristianismo, no sentido deestabelecer a verdade sobre os primórdios

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da Religião dominante e retirá-la do campo

suspeito do sobrenatural.Temos, nesse esboço de um vasto pano-rama histórico, a visão objetiva dos proces-sos que vinham preparando, desde os fins domilênio medieval, a derrocada das Religiões.

Em nosso século, o desenvolvimento acele-rado das Ciências, a laicização do Estado eda Educação, a desagregação da família, aexpansão cultural e a rápida modificação doscostumes e do sistema de vida pelo impacto

da Tecnologia – abrangendo praticamentetodo o mundo – fortaleceram a concepçãopragmática e materialista, dando o golpe demisericórdia no sobrenatural e nos sistemasreligiosos que nele se apóiam. A etiologia dadecadência das Religiões torna-se palpável.Seria simples tolice querer negá-la.

Não obstante, o sentimento religioso dohomem não foi aniquilado. Pelo contrário, elesubsiste e vem sendo considerado, particu-

larmente nos países da área dominada peloMarxismo, como um resíduo do passado que

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terá de desaparecer totalmente com o

avanço irresistível da cultura. A própriaURSS, que se desmandou em campanhasviolentas contra a Religião, viu-se obrigada afazer concessões significativas ao chamadoópio do povo. Nos Estados Unidos o Pragma-tismo de William James e o Instrumentalismode John Dewey temperaram a situaçãopermitindo uma espécie de trégua na qual,segundo Rhine, as concepções antípodas dohomem – a religiosa e a científica – podemencontrar-se ao pé do leito de um moribundosem estardalhaço. Mas as atrocidades da IIGuerra Mundial geraram na Alemanha ummovimento de reforma radical das Teologiastradicionais, que se projetou nos EstadosUnidos e vem penetrando sutilmente em

toda a América, através de traduções delivros dos novos teólogos, que anunciam amorte de Deus e pregam a novidade doCristianismo Ateu.

Os teólogos mais uma vez se enganam. A teoria da Morte de Deus, que eles procu-

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ram inutilmente explicar como um aconteci-

mento atual, do nosso tempo, nunca severificou nem pode verificar-se. Deus não éum ser nem é mortal, porque é o Ser

  Absoluto, o Bem, segundo Platão, a IdéiaSuprema de que derivam todas as idéias e,portanto, todas as coisas e todos os seres.Os teólogos da chamada Teologia Radical daMorte de Deus, e seus companheiros deoutros ramos teológicos subseqüentes,sofrem de um processo de alucinação portransferência. Quem está morrendo não éDeus, são eles mesmos e suas Teologias,eles e as Religiões formalistas e dogmáticas.

  A concepção nova de Deus, que nascedos escombros da concepção antropomórficado passado, é a de uma Inteligência Cósmicaque preside a toda a realidade possível. Oscosmonautas soviéticos, depois de umasvoltas ao redor do grão de areia da Terra,declaram eufóricos que Deus não existe, poisnão tiveram o prazer de encontrá-lo nosmicroscópicos subúrbios do nosso planeta.

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Fizeram como o estudante de Eça de

Queiroz, em   A Cidade, que, para provar ainexistência de Deus, tirou o seu relógio-patacão do bolso do colete, diante decolegas, e deu o prazo de alguns minutospara que Deus o fulminasse. Como não foifulminado, declarou que estava provada ainexistência de Deus e guardou o patacão nobolso. Essas piadas servem apenas paramostrar-nos o estado de ignorância em queainda nos encontramos; e para provar, issosim, que estamos mortos em nossa estupi-dez diante da grandeza do Cosmos. Dizerque Deus morreu é como dizer que a vida seextinguiu. O fato de estarmos vivos efazermos essa afirmação já prova o contrá-rio.

Os teólogos radicais são tão radicais quenão admitem a única explicação possívelpara a sua teoria da Morte de Deus. Essaexplicação seria a de que o Deus convencio-nal das religiões morreu, com a idéia hojeinaceitável. Mas eles se opõem a isso e dão

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explicações que ninguém pode entender,

pois só entendemos o que é racional. Oproblema é mais sério do que pensam osteólogos, que fazem piada dizendo colocar oCristo provisoriamente no lugar de Deus, doque resulta o Cristianismo Ateu, últimanovidade das Religiões no Século XX.

  Apesar de tudo isso, verifica-se que oque eles pretendem é colocar o problema daexistência de Deus em termos mais acessí-veis à razão. Essa pretensão coincide com os

objetivos do pensamento francês, naseqüência histórica mencionada acima. Épena que esses teólogos atuais não tenhama facilidade de expressão e a lucidez quecaracterizam o pensamento francês. Se entreeles houvesse um teólogo gaulês, certamen-te lhes explicaria que o conceito celta deDeus devia satisfazê-los. Os celtas, que eramum povo monoteísta como os hebreus eviveram na Antiguidade, poderiam corrigir osteólogos atuais e dar lições de lógica àsReligiões em agonia. Foram considerados

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bárbaros e sofreram na pele a barbárie dos

civilizados romanos, mas Aristóteles afirmouque eles eram o único povo filósofo domundo.

De todo o exposto parece evidente que aagonia atual das religiões nada tem a ver

com a Religião. Sim, porque a Religião éuma das características fundamentais danatureza humana. Parodiando a teoriaaristotélica do animal político, podemos dizerque o homem é um animal religioso. A falsa

teoria do espanto do mundo como origem daReligião, que até mesmo Van Der Leuwainda sustenta, não pode manter-se em pédiante da prova antropológica de que nuncaexistiu no mundo um povo ateu, desde oshomens da caverna até os nossos dias. Aidéia de Deus é inata no homem, comoDescartes afirmou, depois de encontrá-la nofundo misterioso do cógito. É uma idéiaevidente por si mesma e indispensável àcompreensão de nós mesmos e do mundo.

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Certas pessoas opiniáticas, muito ciosas

de si mesmas, costumam dizer que Deus nãoexiste porque ninguém pôde provar a suaexistência. A própria Ciência ensina que acausa se prova pelo efeito. Basta-nos olharuma flor ou um grão de areia para sabermosque Deus precisa existir, que existe necessa-riamente. O que não podemos aceitar é oDeus das religiões, porque esse Deus –ilógico e absurdo, como dizia Aristides Lobo

 – pertence a um passado remoto em que ahumanidade necessitava dele. A essência daReligião constitui-se de apenas um núcleo euma partícula, como o átomo de hidrogênio.O núcleo é a idéia de Deus e a partícula osentimento religioso. A Religião verdadeira,que jamais agonizou e nunca morre, tem

nesse átomo simples e puro a sua raizsimbólica.

Mas, para que a Religião possa desem-penhar livremente o seu papel fundamentalna evolução humana, é necessário que areintegremos na Cultura Geral, como uma de

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suas áreas mais importantes. Para livrar o

Conhecimento da dispersão produzida pelasespecializações científicas, foi necessáriocriar-se a Filosofia da Ciência. Para livrar aReligião da pulverização sectária é indispen-sável libertá-la do formalismo dogmático, doprofissionalismo religioso, do fanatismoigrejeiro. A agonia das religiões é determina-da pela asfixia das estruturas antiquadas, doirracionalismo baseado no conceito dosobrenatural e da Revelação Divina. Os doistipos de religião analisados por Bergson, osocial e o individual, devem fundir-se nasíntese da Religião do Homem, que ressaltahistoricamente das aspirações francesas emereceu do poeta bengali RabindranathTagore um estudo lúcido e lírico. O Conhe-

cimento é um todo, é global. Teoria e práticasão verso e reverso de um mesmo processo.O homo sapiens e o homo faber são uma ea mesma coisa: o homem. As especializaçõessão simples formas de divisão do trabalho,

de acordo com as diferenciações de tendên-

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cias individuais. Ciência e Técnica, Filosofia e

Moral, Metafísica e Religião são apenasdivisões metodológicas do campo do Saber,formas disciplinares do pensamento e daação.

  A Era da Comunicação de Massa, que

segundo Mcluhan fez da Terra uma aldeiaglobal, estourou o mundo chinês do passado,de muralhas e mandarinatos. A dicotomiakantiana, que negou a impossibilidade doconhecimento extra-sensorial, foi superada

pelas conquistas físicas e psicológicas dehoje. O sobrenatural mudou de nome, éapenas o natural desconhecido que ainvestigação científica vai rapidamenteintegrando no Conhecimento Global darealidade una. Temos de adaptar-nos àscondições novas e às novas dimensões dohomem e do mundo. As próprias igrejasestão abrindo as portas dos conventos e dosmosteiros para não morrerem asfixiadas. AsCiências rompem com o passado, a Filosofiase livra dos sistemas para enfrentar com

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desenvoltura a problemática do pensamento,

os tabus são esmigalhados pelo homemnovo, os mestres e gurus se fazem discípulosda única fonte real de sabedoria que é aNatureza. O sacerdócio é uma espécie emextinção. Os teólogos foram confundidos porDeus, que não quis entregar-se em suasmãos inábeis.

Se quisermos salvar a Religião, nessemaremoto das transformações que afligemos passadistas, façamos urgentemente a

liquidação das religiões em agonia e man-demos os seus artigos de fé, seus ícones esuas medalhas para o Museu do Homem,como simples testemunhos de um tempomorto.

Tudo isso é aflitivo para os espíritos roti-neiros e acomodatícios, como a mensagemcristã era escândalo para os judeus eespanto para gregos e romanos. Mas osespíritos flexíveis, corajosos, lúcidos, empe-

nhados na busca da Verdade – essa relaçãodireta do pensamento com o real – não se

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atemorizam, antes se rejubilam com a

libertação do homem. Esta é a verdadeflagrante do momento que vivemos: ohomem se liberta de seus temores, da ilusãode sua fragilidade existencial, do confina-mento planetário, do embuste e da hipocrisi-a, para viver a vida como ela é, na plenitudedas suas potencialidades corporais e espiri-tuais.

O homem se emancipa e toma consciên-cia da sua natureza cósmica. Diante dele

está o futuro sem limite, a imortalidadedinâmica e demonstrável que se opõe aoconceito limitado da imortalidade estática ehipotética. Sua herança não é o pecado nema morte, mas a vida em nova dimensão.

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Capítulo 2

Religião como Fato Social

O homem contemporâneo, vivendo nu-ma fase de crise universal, determinada pormudanças rápidas em todos os campos desua atividade, defronta-se com um graveproblema subjetivo: ser ou não ser religioso.

Os estudos sobre a origem e o desenvolvi-mento da Religião, sua natureza, suasignificação para o comportamento humano,seus efeitos na dinâmica social e nosprocessos de renovação das estruturas

econômicas e administrativas da sociedade,bem como no desenvolvimento cultural emais especificamente das pesquisas científi-cas, oferecem-lhe opções contraditórias quenão levam a nenhuma solução, agravando a

crise com o levantamento de novos conflitosaparentemente insanáveis.

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Culturalmente marginalizada, a partir do

Renascimento, a Religião se transformounuma questão opinativa. Para os materialis-tas e ateus é apenas um resíduo do passadosupersticioso; para os pragmatistas, umaquestão de conveniência; para os espiritua-listas, um problema vital, do qual depende aprópria sobrevivência da Humanidade. Asposições opiniáticas, em todas essas áreas,geram a desconfiança e a indiferença no seiodas massas populares, desprovidas deelementos para uma avaliação do problemae muito menos para a sua equação.

O que hoje se convencionou chamar deCiência da Religião, abrangendo váriosaspectos da questão religiosa em diversasperspectivas científicas, fora do camporeligioso, apresenta-se como análise fria doprocesso religioso, com base nos dadosobjetivos da História. Mesmo a Psicologia dasReligiões vê-se obrigada a pairar no planodas estruturas das escolas psicológicas, semmergulhar na essência do fenômeno religio-

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so, sob pena de perder a sua qualificação

científica.  Acontece com a Religião o mesmo queverificamos no tocante ao problema da vida,cuja solução se busca no pressuposto de queo impulso vital se origina no campo dos

aminoácidos. A matéria, considerada como afonte de toda energia – apesar da compro-vação cientifica atual de que é o produto daacumulação energética – mantém-se naposição de geradora da vida. Assim também

se busca o segredo da Religião nas suasformas de manifestação, na sua estrutura eno seu funcionamento, como se ela seoriginasse das entranhas do homem e nãodas profundezas do seu psiquismo. A vida, aalma, o sentimento e o pensamento nãoseriam mais do que epifenômenos, efêmeraseclosões do fenômeno orgânico, destinadasa desaparecer com este.

Não pretendo promover uma revolução

copérnica no assunto, mas apenas mostrar,se possível, a conveniência de uma mudança

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de posição. Basta encararmos a Religião

como um fato social, segundo a tese deDurkheim, sem nos limitarmos aos aspectospuramente estruturais e funcionais do fatoem si, para que as perspectivas da análise setornem mais amplas e flexíveis. Religião eSociedade se mostram conjugadas indissolu-velmente no plano histórico. Se tomarmoscomo exemplo o clã judaico de Abraão, dogrupo étnico dos Habiru, na Caldéia, vere-mos que ali se formava ao mesmo tempouma nova sociedade e uma nova religião queiriam exercer papel fundamental no desen-volvimento da civilização. Ambas, sociedadee religião, nasciam no seio de outra socieda-de e outra religião, organizadas, tradicionais,e delas se distinguiam pelas características

étnicas e pela destinação histórica tipicamen-te carismática, determinada pela tendênciamonoteísta do clã, sob o impulso de crençasque se corporificavam nas manifestações deentidades mitológicas. Abraão, Isaac e Jacó

assumiram a direção do clã e o levariam,

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através do Egito, às terras de Canaã, na

Palestina, na sangrenta epopéia dos relatosbíblicos.

Temos de distinguir no caso dois ele-mentos conjugados que provocam o nasci-mento da nova religião: primeiro, o elemento

étnico, determinante do agrupamento social;segundo, o elemento mítico, determinanteda nova orientação religiosa. Este último nãose mostra como subjetivo, mas caracteriza-se pela sua objetividade. É a intervenção

ativa de influências exógenas na vida do clã,provenientes de manifestações concretas deentidades espirituais. Por mais que issopossa repugnar aos adeptos da interpretaçãopsicológica dos fatos, que só aceitam asmanifestações espirituais como de ordemsubjetiva, os resultados das pesquisasmodernas e contemporâneas no campo dasCiências Psíquicas, atualmente confirmadaspelas pesquisas parapsicológicas, com aanterior comprovação das pesquisas metap-síquicas, mostram que a intervenção espiri-

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tual poderia ter sido objetiva, segundo a

descrição dos relatos bíblicos.  Admitindo-se a realidade dessa manifes-tação concreta, que corresponde a milharesde outras verificadas em todas as latitudesdo planeta, podemos chegar à conclusão de

que as religiões se originam de uma conju-gação de fatores humanos e espirituais,nenhum deles podendo ser excluído daanálise honesta do fato social, sem que sepratique uma violência contra a realidade

mundialmente comprovada. Os fenômenosparanormais aparecem então como oelemento básico do fato social a que cha-mamos religião. E não é possível, nascondições atuais do desenvolvimento dasCiências, mesmo no plano da Física, opor aessa realidade o simples desmentido dosargumentos, sem provas científicas evidentesde sua impossibilidade.

 Assim, a colocação do problema religioso

de maneira opiniática, em termos materialis-tas, pragmáticos ou espiritualistas, nesta

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altura de nossa evolução cultural, correspon-

deria a uma verdadeira heresia científica.Não obstante, o desenvolvimento dasreligiões e sua institucionalização, em todo omundo, oferecem motivos de suspeita aosespíritos objetivos, que pretendem analisá-las no seu estado atual. Nesse processohistórico inserem-se naturalmente oselementos do psiquismo comum, em suasmanifestações pura-mente subjetivas e nãoraro de ordem patológica. Inserem-setambém os elementos psicológicos, hoje bemconhecidos, que determinam a criação dosectarismo religioso e das ordenaçõesinstitucionais, cujos objetivos são caracterís-ticos dos interesses sociais. Posições psicoló-gicas individuais ou de grupos, tradições,

interesses políticos, preconceitos, supersti-ções, interesses imediatistas, às vezes atémesmo pessoais e outros são elementos quese mesclam no processo de institucionaliza-ção das religiões, não raro a partir do próprio

momento e da própria fonte em que elas

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nascem. Mais do que difícil, é quase impossí-

vel distingui-los e precisar a importância quetiveram no processo histórico.

 As religiões se dividem em duas catego-rias fundamentais: as reveladas ou naturais eas inventadas ou artificiais. Independente-

mente das classificações existentes, pode-mos dispô-las nessas duas linhas de analise. A religião natural, neste caso, é a que surgeespontaneamente, entre os povos primitivosou civilizados, a partir do ensino de um

mestre. As artificiais são criadas no meiocivilizado, em momentos de crise religiosa,como no caso do Culto da Razão, de Chau-mette, ou da Religião da Humanidade, de

  Augusto Comte. As reformas religiosas nãocriam tipos novos, apenas modificam os jáexistentes em virtude de divergências ou daverificação de distorções havidas no processode institucionalização. A religião individual,da tese de Bergson, que corresponde àMoralidade da tese anterior de Pestalozzi,não se enquadra nesse panorama por

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constituir uma superação do plano social e

uma libertação total de todo condicionamen-to institucional. Não obstante, pela suaconotação inevitável com a realidade socialem que se insere, embora individualmente,não escapa à classificação geral de fatosocial.

Temos assim uma possibilidade maior deesclarecer o que se pode entender por religião como fato social. Não é apenas umfato isolado que ocorre na dinâmica de uma

sociedade, mas um fato que brota darealidade social como expressão de suaprópria alma, de suas tendências e suasaspirações, na forma de uma síntese concep-tual que engloba, nas suas representaçõessimbólicas e na sua estrutura racional, oselementos básicos do todo social concreto eos vetores ou direções do psiquismo coletivo.Sem essa compreensão intuitiva, e portantoglobal, do fato social da religião, todas asformas de encarar e interpretar o fenômenoreligioso nos levarão fatalmente a condicio-

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namentos restritivos e esquemáticos, que só

poderão aumentar a confusão e agravar aserros cometidos na colocação do problema.

Essa complexidade do fenômeno religio-so parece ,explicar de maneira mais profun-da a marginalização cultural a que a Religião

foi relegada a partir do início do mundomoderno. Confinada nas instituições igrejei-ras, abastardada pelo profissionalismoclerical, transformada em ópio do povo esustentáculo de situações sociais profunda-

mente injustas, catalogada entre os produtosespúrios das fases de ignorância supersticio-sa, revertida à condição de promotora deguerras, massacres e asfixia das liberdadeshumanas, utilizada como arma poderosa nasmais desumanas guerras ideológicas,responsabilizada pelas mais cruéis deforma-ções da criatura humana, a Religião seconstituiu em barreira de todo o progressocultural e foi excluída do mundo da Culturacomo indesejável.

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conflitiva foi o aparecimento de outro mal

necessário, a implantação mundial daEducação Leiga, que frustrou as possibilida-des de reelaboração da experiência religiosapelas novas gerações e determinou asedimentação interesseira da sua posição deambivalência no mundo contemporâneo.Como não podia deixar de acontecer, essaposição ambígua, indefinida e contraditóriaem si mesma, levou a proporções catastrófi-cas a crise das religiões em nossos dias.

Felizmente a natureza vital da Religião,as suas profundas raízes ônticas (e nãoapenas ontológicas) e a sua inelutávelcondição de síntese de toda a realidadesocial, determinaram o aparecimento de umasíntese cultural em que a Religião, reunifica-da à revelia da fragmentação institucionaldas religiões, ressurge entranhada nasubstância do progresso cultural. Nãopodemos tratar da crise das religiões emnosso tempo sem enquadrá-la nas dimen-sões desse fato cultural, onde todos os seus

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problemas se esclarecem de maneira

coerente e profunda. As pessoas integradasno formalismo cultural do século, apegadas aprincípios exclusivistas e alheias à recomen-dação cartesiana contra o preconceito e aprecipitação, certamente rejeitarão comonegativa e parcial a posição que assumo.Mas a coincidência com a verdade histórica(simplesmente incontestável) com a confliti-va realidade cultural dos nossos dias com asperspectivas científicas abertas por essasíntese cultural e já em parte realizadas,asseguram a validade desta interpretação,acima de qualquer facciosismo. Não seriapossível desprezar a evidência dos fatos edas conotações de princípios filosóficos ecientíficos com o panorama real, objetivo,

das mudanças que se verificam dia-a-dia aosnossos olhos, apenas para satisfazer adeterminadas normas convencionais. Acimadas convenções transitórias e das conveniên-cias de acomodação ao impreciso espírito da

época, deve prevalecer o amor à verdade.

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  Acelera-se o processo das mudanças.

  Ampliam-se os conflitos entre o velho e onovo em todas as áreas das atividadeshumanas. Descontrolam-se os sistemas desegurança em todas as instituições. Asreligiões até ontem mais sólidas e poderosasagonizam em seus leitos de riquezas mile-narmente acumuladas. As teologias atéontem inabaláveis, como estrelas fixas dopensamento religioso, estremecem como aunidade pitagórica para desencadear adécada de novos universos. Rasgam-se asfronteiras do tempo e do espaço. O homemse equilibra, nervoso e inquieto, na fímbriatenuíssima da crosta planetária, entre doisinfinitos que se escancaram nos abismos domicrocosmo e do macrocosmo.

Não é essa hora de concessões à igno-rância (ilustrada ou não) nem o momento decachimbadas líricas ao cair do crepúsculo.Estamos na hora da verdade, das proposi-ções claras e precisas, da posição destemidade alerta e vigilância. Precisamos ver, sentir,

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perceber por todos os nossos sentidos e

além dos sentidos, através da intuição e dapercepção extra-sensorial, que as peçasenvelhecidas do xadrez cultural estão sendomudadas no tabuleiro do mundo. Não hámais lugar para as contemporizaçõestranqüilas do passado, que acobertavampiedosamente os germes dos conflitosatuais. Agora os conflitos explodem e temosde enfrentá-los face a face.

Encarando a crise das religiões como um

processo sócio-cultural integrado na realida-de imediata, não podemos escamotear averdade das soluções que já foram propostaspara ela com grande antecedência histórica.Trata-se, por sinal, de um processo cíclicobastante conhecido dos estudiosos daHistória. Só há uma novidade na crise atual:a violenta ampliação das dimensões da crise,que se abre para visões dantescas dopassado e do futuro. No passado, deparamosde novo com as regiões infernais percorridaspelo gênio de Dante; no futuro, com as

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revoadas angélicas da criação artística de

Gustave Doré. Não há o que temer. Opassado agoniza e o futuro nos arrebata,pelas mãos de Beatriz, às regiões celestiais.Estamos pisando no limiar da Era Cósmica eas constelações já brilham aos nossos olhos.

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Capítulo 3

 A Experiência de Deus

Sacerdotes e pastores, homens de fé,sinceros e bons procuraram demonstrar-meque as religiões não estão em crise. Susten-taram que a crise é do homem e não dasinstituições religiosas. As religiões continuam

vivas e atuantes no coração dos crentes –disseram – mas os homens mundanos, quese entregam à loucura do século, conturbama paisagem terrena. É necessário que oshomens busquem a Deus, que tenham a

experiência de Deus. E essa experiência só épossível quando o homem se desliga domundo para ligar-se a Deus através daoração e da meditação. Falaram de milharesde pessoas que, no torvelinho da vida

contemporânea, procuram todos os dias, ahoras certas, o refúgio dos templos ou de

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um quarto solitário para tentar um encontro

pessoal com Deus. Muitas dessas pessoas jáconseguiram a audiência secreta com o TodoPoderoso. São criaturas felizes, iluminadaspela graça divina, que sustentam com sua féinabalável a continuidade das religiões egarantem a sua expansão.

É bom que existam pessoas assim, dedi-cadas vestais que zelam pelo fogo sagrado.São os últimos abencerrages do formalismoreligioso, flores de estufa cultivadas na

penumbra das naves sagradas. Cuidam da fécomo jardineiros especializados que cultivamuma espécie vegetal extremamente delicada.

  Acreditam que os seus canteiros floridosdarão sementes para semeaduras ilimitadaspor toda a superfície da Terra. Não perce-bem essas almas eleitas que cultivamexclusivamente a si mesmas, ocultam naaparência piedosa seus conflitos profundos enada mais fazem do que fugir da realidadeescaldante da vida. Não escondem a cabeça

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na areia, pois mergulham de corpo inteiro no

sonho egoísta da salvação pessoal.  As práticas místicas do passado prova-ram mal a sua eficácia. Do Oriente aoOcidente, multidões de gerações de crentesdesfilaram sem cessar, através dos milênios,

pelos templos de todas as religiões. convic-tas de haverem alcançado a salvaçãopessoal, enquanto hordas ferozes e exércitosem guerras de extermínio brutal cobriam omundo de ruínas, cadáveres inocentes,

sangue e lágrimas. Os que ouviram Deus emaudiência particular não se recusaram apegar em armas para estraçalhar seusirmãos considerados como réprobos e infiéis.Santos Bispos e Padres, pastores calvinistas,crentes populares, fidelíssimos e humildes,não acenderam suas lâmpadas votivas parailuminar as noites trevosas. Preferiramacender fogueiras inquisitórias e, quando osol raiava, submeter piedosamente oshereges à morte redentora do garrote-vil,réplica religiosa à guilhotina profana.

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Lembro-me do episódio histórico de Je-

rônimo de Praga. Depois de haver assistido,pelas grades da prisão, seu mestre JoãoHuss ser queimado vivo em praça pública, foitambém glorificado com a graça especial deuma fogueira semelhante. No momento emque as chamas começavam a iluminar a suafigura estranha, caridosamente amarrada aopalanque do suplício (para salvação de suaalma rebelde) viu uma pobre velhinhaaproximar-se da fogueira com uma acha delenha e atirá-la ao fogo. Era a sua contribui-ção piedosa para a salvação do ímpio.Jerônimo exclamou apenas: “Santa simplici-dade.” Pouco depois estava reduzido acinzas, para glória de Deus, e suas cinzasforam lançadas ritualmente nas águas do

Reno.Todas as formas de culto, todos os ritos,

todos os sacramentos, todas as cerimôniasreligiosas, todos os cilícios foram emprega-dos nos milênios sombrios do fanatismoreligioso, para a salvação da Humanidade. E

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eis que agora chegamos a um tempo de

descrença generalizada, de materialismo eateísmo oficializados, de hipocrisia pragmáti-ca erigida em sustentáculo das religiõesfracassadas. Deus falava diretamente comseu servo Moisés no deserto, falava-lhe caraa cara, ordenando matanças coletivas,genocídios tenebrosos, destruição total dospovos que impediam o acesso dos hebreus àterra dos cananeus, que seria tomada a fiode espada. Deus continua falando emparticular a seus servos em nossos dias, paraa sustentação das igrejas, enquanto o Diabonão perde tempo e alicia milhões de almasperdidas para as práticas do terrorismo, paraa matança de crianças e criaturas inocentes,para assaltos e estupros em toda a face da

Terra. A experiência de Deus sustenta os cren-

tes privilegiados e sustenta suas igrejassalvacionistas. E enquanto não chega asalvação, católicos e protestantes matam-segloriosamente nas lutas fratricidas da

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Irlanda, em plena era das mais brilhantes

conquistas da inteligência humana. Queestranha experiência é essa, que não revelaos seus frutos, que não prova a sua eficácia?Deus estaria, acaso, demasiado velho paranão perceber a inutilidade dos seus métodosde salvação pessoal em audiências privadas?E os seus servidores, os clérigos investidosde autoridade divina para implantar na Terrao Reino do Céu, porque não avisam o velhomonarca da inutilidade milenarmenteprovada de sua técnica de conta-gotas?

Não seria mais certo tentarmos a revisãodos conceitos religiosos que nos deram aherança de tantos fracassos e tão espantosaexpansão do materialismo e do ateísmo nomundo? Todas as grandes religiões afirmama onipresença de Deus no Universo. Nãoobstante, todas consideram o mundo (criadopor Deus) como profano, região em que astrevas dominam e o Diabo faz a incessantecaçada das almas de Deus. É curioso lembrarque nos tempos mitológicos o mundo era

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considerado sagrado, a vida uma bênção, os

prazeres naturais e as leis da procriaçãoeram graças concedidas pelos deuses aoshomens. O monoteísmo judaico, desenvolvi-do pelo Cristianismo, impregnou o mundocom a onipresença de Deus e o mundotornou-se profano. Se Deus está presentenum grão de areia, numa folha de relva,num fio dos nossos cabelos e numa pena dasasas de um pássaro, como, apesar dessaimpregnação divina, o homem se defrontacom a impureza do mundo? Por que estra-nho motivo necessitamos de ritos especiaispara purificar a inocência de uma criança, seDeus está presente no seu olhar puro elímpido, no seu choro, na meiguice do seurostinho ainda não marcado pelo fogo das

paixões terrenas? E porque precisa o cadáverde recomendação, com aspersão de águabenta, se a ressurreição dos mortos se faz,como ensina o Apóstolo Paulo na I Epistolaaos Coríntios e como Jesus exemplificou na

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sua própria morte, no corpo espiritual e não

no corpo material?São esses e outros muitos problemasacumulados nos erros milenares dos teólogosque levam o homem contemporâneo àdescrença e ao materialismo, ao ateísmo e

ao niilismo. São todos esses erros quecolocam as religiões em crise e as levarão àmorte sem ressurreição. Considerando-se,porém, esse estranho panorama religioso daTerra numa perspectiva histórica, à luz da

razão, compreende-se facilmente que oserros de ontem, até hoje sustentados pelasreligiões, foram úteis e necessários nostempos de ignorância, em que os problemasespirituais não podiam ser colocados emtermos racionais. Há justificativas válidaspara o passado religioso, mas não justificati-vas possíveis para o seu presente contraditó-rio e absurdo. A tese, mais do que absurda,do Cristianismo Ateu, com que teólogosrebeldes procuram hoje remendar as vestesesfarrapadas das igrejas, só vem acrescentar

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maior confusão ao momento de agonia das

religiões envelhecidas.O problema da experiência de Deus po-deria ser resolvido com um mínimo dereflexão. Se Deus está em nós, e por issosomos deuses em potência, segundo a

própria expressão evangélica, porquenecessitamos de uma busca artificial de Deuspara termos a experiência da sua realidade?Se fomos criados por Deus e se Deus pôs emnós a sua marca, como afirmou Descartes –

a idéia de Deus em nós, que é inata – já nãotrazemos, ao nascer, a experiência de Deus?E se, no desenvolver da vida humana, ohomem nada mais faz do que cumprir umdesígnio de Deus, assistido pelos AnjosGuardiães, porque tem ele de buscar a Deusatravés de uma prática artificial e egoísta,procurando preservar-se sozinho num mundoem que a maioria se perde irremediavelmen-te? Moisés supunha ter ouvido o próprioDeus no Sinai, mas o Apóstolo Paulo explicouque Deus lhe falara através de mensageiros,

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que são anjos. As pessoas que buscam hoje

a experiência de Deus em audiência privadaserão mais dignas do que Moisés, nãoestarão sujeitas a ouvir a voz de um anjo,que tanto pode ser bom quanto mau, pois aspróprias igrejas admitem que os anjosdecaídos andam à solta pela Terra procuran-do roubar para o Inferno as almas de Deus?Quem estará livre, na sua piedosa tarefa desalvar-se a si mesmo, de ser tentado peloDiabo, que tentou o próprio Jesus nas suasmeditações solitárias no Deserto? 

 As práticas místicas do passado não ser-vem para a era da razão, em que nosencontramos na antevéspera da era doespírito. Orar e meditar é evidentemente umexercício religioso respeitável e necessárioem todos os tempos. A oração nos liga aosplanos superiores do espírito e a meditaçãosobre questões elevadas desenvolve a nossacapacidade de compreensão espiritual. Mas odogma da experiência de Deus através deum pretensioso colóquio direto e pessoal

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as igrejas se anquilosaram em seus dogmas

intocáveis, pois a exegese humana nãopoderia alterar as ordenações ao próprioDeus. Na verdade, a alteração se verificouem vários casos, apesar disso, mas decisõesconciliares puseram a última pá de cimentonos erros cometidos. As estruturas eclesiásti-cas tornaram-se rígidas e as igrejas confir-maram, no seu espírito, a ossatura de pedrade suas catedrais. Vangloriam-se ainda hojeda sua imutabilidade, num mundo em quetudo evolui sem cessar. Os resultados dessaatitude ilusória e pretensiosa só poderiam sernefastos, como vemos atualmente no lento edoloroso processo de agonia das religiões.Incidiram assim no pecado do apego, contrao qual os Evangelhos advertiram os homens.

  Apegaram-se de tal maneira à própria vida,que perderam a vida em abundância queJesus prometeu aos que se desapegassem.

  As liberalidades atuais chegaram demasiadotarde.

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 A palavra dogma é grega e seu sentido

original é opinião. Adquiriu em filosofia ereligião o sentido de princípio doutrinário.Nas Escrituras religiosas aparece algumasvezes com o sentido de édito ou decreto deautoridades judaicas ou romanas. Entre odogma religioso e o filosófico há umadiferença fundamental. O dogma religioso éde fé, princípio de fé que não pode sercontraditado, pois provém da Revelação deDeus. O dogma filosófico é racional, dogmade razão, ou seja, princípio de uma doutrinaracionalmente estruturada. O sentidoreligioso superou os demais por motivo dasconseqüências muitas vezes desastrosas dasua rigidez e imutabilidade. Se falarmos, porexemplo, em dogmática, esse termo é

geralmente entendido como designando aestrutura dos dogmas fundamentais de umareligião. Por isso, a adjetivação de dogmáti-ca, que implica também o masculino, cornonas expressões: pessoa  dogmática, posição 

dogmática ou homem  dogmático, significa

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intransigência de opiniões. O mesmo

acontece com o substantivo dogmatismo,que designa um sistema de opiniões intran-sigentes.

Estas influências religiosas na semânticarevelam a intensidade da rigidez a que as

igrejas se entregaram, através dos séculos edos milênios, na defesa da suposta eternida-de de seus princípios básicos. Temos,portanto, no dogma de fé, um dos motivosfundamentais da crise das religiões em

nossos dias. No Espiritismo, como em todasas doutrinas filosóficas, existem dogmas derazão, como o da existência de Deus, o dareencarnação, o da comunicabilidade dosespíritos após a morte. Muitos adeptosestranham a presença dessa palavra nostextos de uma doutrina que se afirmaantidogmática, aberta ao livre exame detodos os seus princípios. São pessoas aindaapegadas ao sentido religioso da palavra.Não há nenhuma razão para essa estranhe-

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za, como já vimos, do ponto de vista

cultural.O problema da religião no Espiritismotem provocado discussões e controvérsiasinfindáveis, porque essa doutrina não seapresenta corno religião no sentido comum

do termo. Allan Kardec, discípulo de Pesta-lozzi, adotava a posição de seu mestre notocante à classificação das religiões. Pesta-lozzi admitia a existência de três tipos dereligião: a animal ou primitiva, a social e a

espiritual. Mas recusava-se a chamar estaúltima de religião, dando-lhe a designaçãode moralidade. Isso porque a religiãosuperior ou espiritual, segundo ele, só eraprofessada individualmente pela criatura quesuperava o ser social e desenvolvia em si oser moral. Kardec recusou-se a falar emReligião Espírita, sustentando que o Espiri-tismo é doutrina científica e filosófica, deconseqüências morais. Mas deu a essasconseqüências enorme importância aoconsiderar o Espiritismo como desenvolvi-

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mento histórico do Cristianismo, destinado a

restabelecer a verdade dos princípioscristãos, deformados pelo processo naturalde sincretismo-religioso que originou asigrejas cristãs.

Essa posição espírita manteve a doutrina

e o movimento doutrinário em posiçãomarginal no campo religioso. Para osespíritas, entretanto, a posição da doutrinanão é marginal, mas superior, pois o Espiri-tismo representaria o cumprimento da

profecia evangélica da Religião em espírito everdade, que se desenvolveria sob a égidedo próprio Cristo. A religião espírita não seorganizou em forma de igreja, não admitesacramentos nem admitiu nenhuma formade autoridade religiosa de tipo sacerdotal.Não há batismo, nem casamento religioso noEspiritismo, nem confissões ou indulgências.Todos esses formalismos são consideradoscomo de origem pagã e judaica. Entende-seo batismo como rito de iniciação, que Jesussubstituiu pelo batismo do espírito, sendo

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este considerado como a iniciação no

conhecimento doutrinário, feita naturalmentepelo estudo da doutrina, sem nenhum atoritual. Admite-se também que o batismo doespírito, segundo o texto do Livro de Atosdos Apóstolos sobre a visita de Pedro à casado centurião Cornélius, no porto de Jope,pode completar-se, nos médiuns, quando severifica espontaneamente, com o desenvol-vimento da mediunidade.

Essa posição espírita no campo religioso

causou numerosas dificuldades aos espíritasno tocante às relações de instituiçõesdoutrinárias com os poderes oficiais, particu-larmente para a declaração de religião emdocumentos oficiais, para o resguardo dosdireitos escolares em face do ensino religio-so, para a declaração de religião nosrecenseamentos da população, até quemedidas oficiais reconheceram esses direitos.Em compensação, o Espiritismo ficou livredas conseqüências da crise religiosa, quenão o atingiram. Demonstrarei nos capítulos

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seguintes a posição da Religião Espírita em

face dessa crise, que é evidentemente umaposição de vanguarda. Sua contribuição paraa racionalização dos princípios religiosos,para a reintegração da Religião no planocultural, particularmente no tocante aosproblemas científicos da atualidade, érealmente substancial. No campo filosófico aposição espírita é também vanguardeira, poisdesde o século passado sua filosofia seapresenta como livre dos prejuízos doespírito de sistema, conservando-se aberta atodas as renovações que decorrem dedescobertas cientificamente comprovadas.Livre da dogmática religiosa e da sistemáticafilosófica, apoiada inteiramente na pesquisacientifica, a doutrina está de fato a cavaleiro

nas crises da atualidade.

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Capítulo 4

Experiência no Tempo

O homem realiza a experiência de Deusno tempo, ao longo de sua evolução natural.Não se pode ter uma experiência artificial deDeus em alguns minutos ou algumas horasde meditação. Essa experiência é natural – e

de natureza vital –, faz parte integrante davida e da existência humana. Podemoslembrar a expressão de Descartes:   A idéiade Deus no homem é a marca do obreiro nasua obra. Descartes foi o precursor de

Kardec, como João Batista o foi do Cristo.Temos, assim, uma curiosa correlaçãohistórica entre o advento do Cristianismo e oadvento do Espiritismo, que se completa emnumerosos outros aspectos.

Lembrando a teoria da reminiscência emPlatão, em que as almas nascem na Terra

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marcadas pela recordação do mundo das

idéias, compreenderemos mais facilmente aexistência da idéia inata de Deus no homem.Essa idéia inata não é apenas marca, mastambém o marco inicial e o pivô em torno doqual se processa todo o desenvolvimentoespiritual da criatura humana. Podemosacompanhar esse processo desde a adoraçãodos elementos naturais pelo homem Primiti-vo (a partir da litolatria, adoração da pedra ede outras formações minerais) até à eclosãodo monoteísmo, com a idéia do Deus Único,que Kant considerou o mais elevado conceitoformulado pela mente humana. E vemosentão que a idéia de Deus representa,histórica e antropologicamente, uma espéciede marca-passo de toda a evolução do

homem.No episódio do Cógito, da cogitação de

Descartes sobre a realidade ou não daexistência, temos o momento em que eledescobre, no mais profundo de si mesmo,uma idéia estranha, que é a da existência de

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um Ser Absoluto e portanto absolutamente

perfeito. Essa idéia não podia ter sidooriginada pelas suas experiências de serrelativo e imperfeito. Descartes a considerouestranha porque só poderia vir de fora dele,da existência real desse Ser Absoluto.Descobria assim que tivera uma experiênciade Deus, inteiramente independente detodas as suas experiências terrenas.

  A importância desses fatos históricos eculturais foi negligenciada pela cultura leiga

que se desenvolveu na Renascença e deuforma ao mundo moderno. O predomíniocrescente das conquistas materiais daCivilização Ocidental asfixiou essas conquis-tas do espírito. O homem se esqueceu dosignificado desses fatos, desses episódiosculminantes da cultura humana, e asreligiões dogmáticas transformaram a idéiade Deus em simples crença desprovida deraízes experimentais. Coube ao Espiritismorestabelecer a verdade e colocar a experiên-cia de Deus no seu devido lugar, no vasto

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panorama da evolução da Humanidade.

Trata-se da mais importante e profundaexperiência do homem, uma experiência vitalque deverá levá-lo à compreensão da suaverdadeira natureza e do seu verdadeirodestino. Impossível reduzi-la a uma conquis-ta particular e eventual de algumas criaturasque hoje se entregam a práticas de medita-ção.

Claro que com isso não pretendo negarnem diminuir o valor da meditação como

disciplina mental e como recurso de elevaçãoespiritual. Sustento apenas que a meditaçãoé o produto e não a produtora da experiên-cia de Deus, pois essa experiência jámarcava o homem muito antes que elehouvesse adquirido o poder do pensamentoabstrato e pudesse meditar. A vivênciareligiosa, pelo simples fato de ser vivência enão reflexão, é inerente ao homem desde oseu aparecimento no planeta. Essa é umaquestão que hoje se coloca de maneiraevidente.

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  A concepção espírita vai mais longe e

mais fundo, negando ao homem atual odireito de isolar-se do mundo para buscar aDeus e, portanto, de buscar a Deus ou aospoderes espirituais através de processosartificiais. O meio natural de evolução, para ohomem e para todas as coisas e todos osseres, é a relação. Se nos afastamos dorelacionamento social e cultural para noselevarmos, estamos nos colocando emposição errada e tomando um caminhoilusório. A busca solitária de Deus é um atoegocêntrico e preferencial. O místico vulgarnão mergulha em si mesmo para encontrarem Deus a relação com o mundo, como o fezDescartes, mas, pelo contrário, para desli-gar-se do mundo e ligar-se isoladamente a

Deus. Não é guiado pelo amor à Humanida-de, mas pelo amor a si mesmo. Prefereelevar-se acima dos outros para encontrarem Deus o refúgio e a fortaleza em quepoderá construir e usufruir sozinho a sua

felicidade particular. Prefere a fuga ao

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mundo, em termos de superioridade pessoal

e portanto egoísta, anti-religiosa, à ligaçãocom o mundo e com Deus para a realizaçãoda unidade global que é o objetivo dareligião.

 A diferença absoluta entre a posição do

Cristo e a Posição do Buda e das chamadasreligiões orientais é precisamente essa.Enquanto o Buda abandona o mundo parabuscar a Deus na solidão, o Cristo mergulhano mundo para religar os homens a Deus. A

ação do Buda é subjetiva e contrária àexperiência do mundo, enquanto a ação doCristo é objetiva, considerando a experiênciado mundo como necessária ao desenvolvi-mento da experiência de Deus no homem.Meio milhão de pessoas entregues à medita-ção para tentar a ligação pessoal de cadauma delas com Deus não representa umesforço coletivo de unidade – uma açãoreligiosa –, mas a simples coincidência deesforços particulares e isoladas, como vemosna busca do ouro nas regiões auríferas. Não

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se trata, pois, de uma ação coletiva e sim de

milhares de ações individuais e egoístas.Não quero de maneira alguma negar ovalor espiritual do Buda, cuja posiçãocorrespondia á necessidade de orientação deuma comunidade de almas estranhas à

Terra, exiladas em nosso planeta, quetinham por objetivo a volta aos seus mundosde origem. Nesse caso, a negação individualdo mundo (do nosso mundo) tornava-secoletiva em virtude do objetivo comum do

retorno ao paraíso perdido. A teoria espíritada migração entre os mundos – apoiada nateoria cristã das muitas moradas da Casa doPai – é a chave indispensável à compreensãodesse problema.

  A evolução de cada mundo atinge omomento em que a sua população se divideem dois campos bem diferenciados, comovemos hoje na Terra. Um deles evoluiu osuficiente para integrar uma humanidade

planetária superior, o outro continua emestado inferior. A população desse campo

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inferior precisa ser transferida para outro

mundo que esteja no seu nível evolutivo, afim de que as criaturas refaçam ali o tempoperdido. Quando essa população atingir ali,no outro planeta o nível de evolução neces-sário, voltará ao seu mundo de origem.Nessa situação, a vivência isolada naspráticas solitárias da meditação constituiuma recapitulação de aprendizado. Era aessas almas emigradas que o Buda dirigia asua mensagem superior, como outroshaviam feito antes dele.

Em nossa humanidade terrena somentea ação do Cristo – vencendo o mundo,segundo suas próprias palavras – impulsio-nou-nos ao aceleramento evolutivo que vemtransformando a Terra não só nas áreascristãs, mas em toda a sua extensão. OCristianismo institucional, igrejeiro, absor-vendo elementos espirituais das religiõesorientais, que se opunham aos princípios deentrega ao mundo das religiões mitológicas,mergulhou no ascetismo das ordens monás-

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ticas do Oriente e no isolacionismo da

concepção sócio-cêntrica de Israel. As seitascristãs fecharam-se em si mesmas, desde acomunidade apostólica do Livro de Atos dos

 Apóstolos, estabelecendo uma divisãoarbitrária entre os escolhidos de Deus e osabandonados por Ele. A prática do batismodo espírito, do tempo de Jesus, que dava àcriatura a experiência direta da realidadeespiritual, converteu-se nas formas deevocação ritual e privilegiada do EspíritoSanto, que dá ao crente a ilusão de umaseparatividade conferida pela graça. Asigrejas cristãs transformaram-se em ilhas desantidade e pureza em meio à impureza domundo, como a Israel antiga no mundomitológico. A experiência de Deus, pessoal e

intransferível, substituiu a experiência deDeus no mundo, a vivência universal doensino e do exemplo de Jesus. É por issoque os cristãos de hoje se formalizam emgrupos sócio-cêntricos fechados.

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  Ao contrário disso, a revelação espírita

considera a graça simplesmente como aforça que Deus concede ao homem de boa-vontade para vencer as suas imperfeições,seja ele desta ou daquela religião ou denenhuma delas. O batismo exclusivista esectário é substituído pelo antigo batismo doespírito, acessível a todos, não segundo ocritério eclesiástico mas segundo o critériode Deus. Nada exemplifica melhor essaquestão do que o episódio de Atos em que o

  Apóstolo Pedro, em Jope, se recusa aatender o centurião Cornélius, mas advertidopelo mundo espiritual o atende e descobre osentido universal do batismo do espírito.Pedro, ainda imbuído dos princípios isolacio-nistas do Judaísmo, não podia entender que

lhe fosse permitido socorrer uma família deromanos impuros em que a mediunidadeeclodia. Foi necessário que o Espíritoadvertisse – a ele que seguira e ouvira oCristo até o momento da prisão – de que

Deus nada fizera de impuro, para que a sua

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Emmanuel – está sempre e inevitavelmente

propenso a reincidir em seus erros dopassado. A volta às condições da vidamaterial o coloca de novo ante a possibilida-de de desfrutar as oportunidades que lheforam úteis ou agradáveis no passado. Asilusões renascem no seu coração humano. Asperspectivas espirituais se perdem nonevoeiro. Nas religiões formalistas esse apelodo passado adquire muito mais força.

  A luta contra os resíduos do passado

exige oração e vigilância, como Jesusensinou. Não obstante a idealização doDiabo, como personificação mitológica doMal, todas as grandes religiões reconhecemque a tentação está dentro de nós mesmos.Muito mais que a influência dos espíritosinferiores, o que nos arrasta de volta aosvelhos caminhos do erro são as própriastendências que trazemos em nosso íntimo. Aoração consciente, feita com sinceridade efé, areja o nosso íntimo, lança a sua luzsobre as escuras paisagens interiores da

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alma, fazendo-nos discernir o contorno real

das coisas. Nada se modifica em nós, masiluminamo-nos por dentro. E se mantivermosa nossa vigilância na intenção verdadeira deacertar, facilmente veremos o que nosconvém e o que não nos convém. Podere-mos então repetir com Paulo: Tudo me élícito, mas nem tudo me convém. E, seguin-do assim o caminho que a prudência esclare-cida nos indica, tudo modificaremos paramelhor em nós mesmos, tornando-nos aptosa auxiliar os outros a se melhorarem.

Temos a cada instante, a cada minuto,diariamente em nossa vida a experiência deDeus. Porque a própria vida é, em si mesma,essa experiência. Desde o momento em quenascemos até o instante final da nossaexistência estamos em relação permanentecom Deus, não o Deus particular desta oudaquela igreja, mas o Deus em espírito ematéria que se manifesta numa haste derelva, na beleza gratuita de uma flor, nobrilho de uma estrela, num perfume, numa

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voz, numa nota musical isolada, num aperto

de mão e principalmente numa idéia, numsentimento, numa aspiração que brota doanseio de transcendência da nossa alma. Oque nos falta é estar mais atentos, maisdespertos para a percepção conscientedesses múltiplos e infindáveis milagres davida cotidiana. O homem sem Deus ésomente aquele que se nega a aceitar apresença de Deus em si e em seu redor.Para esse homem, a meditação é um ensaiono campo da frustração, um mergulho nomundo opaco do sem-sentido.

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Capítulo 5

Deus, Espírito e Matéria

Para melhor entender-se a expressãoDeus, em espírito e matéria, que usei nocapitulo anterior, – e melhor entender-setambém o problema da experiência de Deus no tempo – julgo necessário tratar dos

princípios da cosmogonia espírita, na qual seintegra a teoria da gênese e formação doespírito. O contra-senso da afirmação bíblicade que Deus criou o mundo do nada, quetanto trabalho deu aos teólogos, é explicado

na revelação espírita pela teoria da TrindadeUniversal. Deus, o Ser Absoluto, é a fonte detoda a Criação. Existindo essa fonte solitária,é logicamente necessário admitir-se um meioem que ela existia. Esse meio, que seria o

espaço vazio, foi considerado o nada. Para

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tratar do Absoluto num plano relativo, como

o nosso, é preciso usar expressões relativas. A concepção espírita do mundo não ad-mite a existência do nada. O Universo épleno – é uma plenitude – não havendo nelenenhuma possibilidade de vácuo. Essa teoria

espírita da plenitude está hoje sendoconfirmada pela pesquisa científica doCosmos. As regiões siderais que poderíamos

  julgar vazias mostram-se como campos deforças, carregadas de energias que escapam

aos nossos sentidos. Esse pré-universoenergético seria o que Buda definiu como omundo sempre existente, que nunca foicriado. Pitágoras, em sua filosofia matemáti-ca, considerou Deus como o número 1 quedesencadeou a década. O UM, númeroprimeiro, existia imóvel e solitário no Inefá-vel (naquilo que para nós seria o nada) enesse caso o nada seria a imobilidadeabsoluta. Houve em certo momento cósmico,não se pode saber como nem porquê, umestremecimento do número 1, que assim

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produziu o 2 e a seguir os demais números

até o 10. Completando-se a década, tivemoso Todo, a Criação se fizera por si mesma, oUniverso surgira e com ele o tempo. É claroque não dispomos de recursos para investi-gar as origens primeiras, e essas teorias nãopassam de tentativas de explicações lógicas,destinadas a nos proporcionar uma basealegórica ou hipotética para uma possívelconcepção do mistério da Criação.

O Espiritismo sustenta a possibilidade de

conhecermos a verdade a respeito, quandohouvermos desenvolvido as potencialidadesespirituais que nos elevarão acima dacondição humana. Enquanto não chegarmoslá, essas hipóteses devem servir paramostrar-nos que dispomos de capacidadepara ir além dos limites do pensamentodialético, além do conhecimento indutivobaseado no jogo dos contrastes.

 Assim sendo, não podemos aceitar a ale-

goria bíblica da Criação ao pé da letra, comoverdade revelada, nem contestá-la orgulho-

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samente com a arrogância do materialismo.

Na posição do crente temos a ingenuidade ena posição do materialista temos a arrogân-cia do homem, esse pedacinho de fermentopensante, como dizia o Lobo do Mar de Jack London. O espiritualismo simplório e omaterialismo atrevido são os dois pólos daestupidez humana. O bom-senso, que é aregra de ouro do Espiritismo, nos livra daestupidez e nos oferece a possibilidade dechegarmos à sabedoria sem muito barulho edisputas inúteis.

Partindo do pressuposto de que o mundodeve ter uma origem e aceitando a idéia deque foi criado por Deus – pois assim oafirmam todos os Espíritos Superiores que sereferem ao assunto e que revelam umasabedoria superior à nossa –, o Espiritismoadmite que a fonte inicial é uma inteligênciacósmica. Mas porque uma inteligência e nãoapenas um centro de forças casualmenteaglutinadas no caos primitivo? Porque oUniverso se mostra organizado inteligente-

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mente em todas as suas dimensões, até

onde podemos observá-lo. Seria ilógico,absurdo, supormos que essa inteligência daestrutura universal, que se manifesta emminúcias ainda inacessíveis à pesquisacientífica, desde as partículas atômicas atéaos genes biológicos e seus códigos admirá-veis, seja o resultado de um simples acaso.Nenhuma cabeça bem-pensante poderiaadmitir isso. A teoria espírita – teoria e nãohipótese, pois esta já provou a sua validadeatravés de todas as pesquisas possíveis –pode ser resumida neste axioma doutrinário:Não há efeito inteligente sem causa inteli-gente, e a grandeza do efeito corresponde àgrandeza da causa.

Colocando assim o problema, sua equa-ção se torna clara. O Espiritismo a elaboraem termos dialéticos: a fonte inicial, Deus,existindo em meio ao inefável, constituído dematéria dispersa no espaço, emite o seupensamento criador que aglutina e estruturaa matéria. Temos assim a Trindade Universal

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que as religiões apresentam de maneira

antropomórfica. Essa trindade não é formadade pessoas, mas de substâncias regidas poruma possível Inteligência, constituindo-seassim: Deus, Espírito e Matéria.

O espírito que a constitui não é uma en-

tidade definida, mas o pensamento de Deusque se expande no Cosmos em forma desubstância. Essa substância espiritualpenetra o oceano de matéria rarefeita,dispersa, e aglutina suas partículas, estrutu-

rando-as para a formação das coisas e dosseres. Da tese espiritual e da antítesematerial resulta a síntese do real, do mundocriado por um poder inteligente.

Qual a razão de ser, o objetivo, a finali-

dade e o sentido dessa Criação? O Espiritis-mo admite que não podemos conhecer tudoisso em nosso estágio de desenvolvimento,mas podemos, através da nossa inteligênciahumana, indagar, perquirir, pesquisar e

chegar a resultados logicamente possíveis.Os dados científicos da Geologia, por

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exemplo, nos mostram a Terra como o

resultado de um longo processo de forma-ção, no qual é evidente a intenção de atingirum tipo de perfeição em todas as coisas etodos os seres. As formas imprecisas egrotescas das primeiras idades do planetavão se aprimorando ao longo do tempo,numa sucessão nítida de fases de elaboraçãocaprichosa. Os dados da Antropologia nosrevelam o aprimoramento do homem nascivilizações sucessivas, a partir das selvas.Os dados da Psicologia nos desvendam osanseios da alma humana, na busca incessan-te de transcendência, de superação do seucondicionamento orgânico-material. Osdados da Estética revelam-nos o anseio debeleza, perfeição e equilíbrio que rege o

desenvolvimento individual e coletivo, oindivíduo e a espécie.

Gustave Geley, em seu livro Do Incons-ciente ao Consciente, propõe-nos uma visãodialética do mundo em que as coisas setransformam em seres e estes avançam em

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direção à consciência. É a mesma visão da

teoria dialética de Hegel. Oliver Lodgeconsidera o homem atual como um processoem desenvolvimento. O Existencialismo, emsuas várias escolas, encara o homem comoum pro-jecto, um vetor que se lança naexistência em busca da transcendência. ParaSartre, o homem se frustra nessa busca e senadifica na morte, se reduz a nada. ParaHeidegger, o homem se realiza no trajetoexistencial e se completa na morte. ParaJaspers, o homem consegue transcender-seem dois sentidos: o horizontal, na relaçãosocial, e o vertical, na busca de Deus. ParaLéon Denis, todo o processo de transforma-ção se explica por esta frase genial:  A almadorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se

no animal e acorda no homem. Para Kardec,a transcendência humana nos leva ao planoda angelitude, pois os anjos nada mais sãodo que espíritos que superaram as condiçõesinferiores da humanidade.

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Temos assim o Universo, com a multipli-

cidade de seus mundos rolantes no espaçosideral, de seus sóis e suas galáxias, comoum fluxo permanente de forças em trans-formação incessante, objetivando a formaçãodos seres e a elevação destes a condiçõesdivinas. Só a hipótese de Sartre admite ainutilidade como finalidade universal.

Os Espíritos Superiores, em suas comu-nicações, desmentem e rejeitam essahipótese negativa, sustentando a natureza

teleológica do Universo. Consideram aCriação como um gigantesco processo quesó pode ser definido corno o fiat em sua faseinicial, quando a Mente Suprema emite o seupensamento para unir essa emanação do seuespírito à matéria dispersa. Depois desseinstante criador desencadeia-se o tempo e énele que o processo criador vai desenvolver-se lentamente através dos milênios. E asuperioridade desses Espíritos não é avaliadapor medidas ou métodos místicos, mas porverificações racionais. Os Espíritos Superiores

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não ensinam apenas através de idéias, mas

também de fatos. Provam, através daprodução de fenômenos paranormais, quepossuem uma ciência muito superior ànossa, um conhecimento do espírito e damatéria que estamos longe de atingir e umacompreensão de Deus que supera de muitoas nossas interpretações antropomórficas daInteligência Criadora. Além disso, as suasprevisões se confirmam de maneira rigorosa,demonstrando que possuem recursos defuturologia muito mais avançados e segurosque os nossos. Suas proposições são aindarelacionadas com os nossos conhecimentos,completando-se na medida em que o nossoadiantamento permite que nos falem arespeito sem provocar dúvidas ou confusões

em nossa mente. A relação de Deus com o Universo não é

apresentada em termos de mistério, mas derealidade verificável. Na Terra, o homemrepresenta o ponto culminante do processoevolutivo. A criação do homem à imagem e

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semelhança de Deus explica-se em termos

espirituais. Porque o homem é o único serterreno que possui mente criadora, pensa-mento produtivo e continuo, psiquismorefinado e complexo, capacidade de percep-ção e de intuição que lhe permitem penetrarna essência das coisas, ultrapassando aaparência ilusória. Feito assim, como umreflexo da divindade, o homem se liga aDeus não apenas pelos laços do ato criador,mas também por afinidade psíquica eespiritual. É um herdeiro de Deus e co-herdeiro de Cristo, como escreveu Paulo, quese prepara para entrar na herança do futuro.

 A relação de Deus com o homem come-ça, portanto, muito antes que ele se definacomo criatura humana. Desde o momentoem que o pensamento de Deus se une àmatéria para modelá-la, e nas fases subse-qüentes, em que espírito e matéria sefundem nas formas substanciais de quetratou Aristóteles, a relação de Deus com ohomem se desenvolve em progressão

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constante. Quando se estrutura a consciên-

cia humana no ser em evolução, a marca deDeus ali está presente, na lei de adoraçãoque é o sentimento inato de sua filiaçãodivina e se manifestará no sentimentoreligioso, base de todas as experiênciasreligiosas da Humanidade. Temos de dividiro conceito da experiência de Deus, em quetanto se apóiam as religiões formalistas, emdois tipos bem definidos de experiência: a deDeus, que começa no fiat, como elementoontogenético (elemento constitutivo daprópria gênese do homem) e a religiosa, quecorresponde às tentativas de uma tomada deconsciência de Deus através de formulaçõesreligiosas por meio de rituais, instituição deigrejas, sistemática litúrgica e sacramental,

organização clerical, ordenações e elabora-ção dogmática. Confundir a experiênciagenética de Deus com a experiência formalda vivência religiosa é característica dopensamento superficial, que facilmente se

acomoda no jogo aparencial das instituições

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da energia existe algo mais, que parece ser

pensamento. A unidade, a coerência, aperfeição dessa concepção espírita do mundoe do homem passam despercebidos notumultuar das teorias absurdas que, comoescreveu Charles Richet, atravancam ocaminho da nossa Ciência. Mas parece jápróximo o momento em que o caminho setornará livre.

Não há lugar, nessa concepção admirá-vel, para o equívoco da contradição Espiritu-

alismo-Materialismo em que até agora nosdebatemos. Espírito e matéria aparecemsempre unidos, interligados e interatuantes,na dialética da Criação. E a negação deDeus, como observou Descartes, é tãoabsurda como pretendermos tirar o Sol doSistema Solar.

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Capítulo 6

 A Criação do Homem

Concedo-me o direito de abstrair-me doproblema de Deus para examinar a questãoda criação do homem. Os cientistas secolocaram precisamente nessa posição eadmitiram a existência de um processo

evolutivo no qual o homem aparece como oresultado de uma filogênese fantástica. Dosanimais inferiores até os superiores, numdesenvolvimento progressivo e complexo, asforças naturais modelaram formas sucessivas

de vida que deram como resultado o apare-cimento da espécie humana na Terra. Asuperioridade do homem ante as espéciesanimais de que ele procederia suscitoudúvidas e debates que permanecem até

hoje. Simone de Beauvoir, discípula ecompanheira de Sartre no campo da concep-

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ção existencialista sem Deus, admitiu que a

palavra espécie não pode ser aplicada àhumanidade, que não é uma espécie animal,mas um devir, algo em auto-evoluçãoconstante e irrefreável. Alfred RussellWallace, êmulo de Darwin no campo evolu-cionista, opôs-se ao materialismo biológicodaquele, sustentando uma posição espiritua-lista. De Spencer a Bergson a concepçãoevolucionista conseguiu firmar-se como amais elevada interpretação da realidade,apesar da insistência das correntes dogmáti-cas-religiosas e das correntes irracionalistasem combatê-la, considerando-a simplesteoria metafísica sem bases científicas.

  Após a segunda guerra mundial e emconseqüência das atrocidades a que grandesnações civilizadas foram conduzidas, opessimismo levou o homem a novas formasde dúvida. Passou-se a falar em mudanças,não em progresso ou evolução. Produto dosusto e da decepção, esse recuo está sendosuperado pelo próprio avanço científico, em

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conjunto. Foi exatamente por isso que se

tornou necessário, após o aparente despres-tígio da Filosofia, ante as conquistas inegá-veis da pesquisa científica, recorrer-se àFilosofia das Ciências para evitar-se afragmentação total do Conhecimento. Só noplano filosófico se tornou possível reajustaras conquistas científicas num quadro geralde interpretação da realidade. Mas existeoutro fator determinante da desconfiançacientífica em relação aos princípios espíritas,que é o instinto de conservação, agentepreservador da integridade do homem e dassuas realizações. Esse instinto, bem manifes-to no sócio-centrismo das instituiçõescientíficas ou de qualquer outra natureza,reage contra tudo o que possa modificar o

saber já considerado como adquirido.Recentemente, o Prof. Remy Chauvin, doinstituto de Altos Estudos de Paris, denun-ciou a existência no campo científico de umaalergia ao futuro, responsável pela rejeição

liminar, sem exame, de toda novidade,

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mesmo que sustentada por cientistas

categorizados. Essa neofobia tem produzidomuitos mártires no campo científico ecultural em geral.

Pouco a pouco, porém, e hoje mais rapi-damente do que no passado, essa posição

acomodatícia vai sendo vencida pelaspróprias exigências do progresso, da evolu-ção científica. Em nossos dias, a descobertada antimatéria, as pesquisas cósmicas, oreconhecimento dos fenômenos paranormais

através da Parapsicologia, a recente desco-berta do corpo-bioplásmico do homem e detodos os seres, o êxito, ainda incipiente mas

  já significativo, das pesquisas sobre areencarnação, a constatação da existência deoutras dimensões da realidade, a evoluçãodo conceito de universos-paralelos para o deuniversos interpenetrados, a aceitação dapluralidade dos mundos habitados e daescala evolutiva dos mundos – proposta hámais de um século pelo Espiritismo – estãoarrancando as corporações científicas de

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suas cômodas poltronas acadêmicas e

lançando-as decisivamente em órbita, nasrotas giratórias do progresso.

Lembro-me de um poema de Rainer Ma-ria Rilke, em que ele se compara a um falcãoque gira em círculos crescentes em torno de

uma torre secular, símbolo de Deus. É umaimagem feliz da evolução, que se processaem espiral. O retorno à barbárie na segundaguerra mundial não representa retrocesso daevolução humana, mas apenas uma curva

decrescente da espiral que tocou os resíduosbárbaros do homem – a região subterrâneados instintos animais – para uma espécie decatarse coletiva. Mas tudo serve para aexploração dos que se entregam ao como-dismo e dos que ainda não conseguiramdesprender o seu pensamento dos objetosmateriais. A História da Matemática nosmostra que o pensamento dos primitivos erade tal maneira apegado ao concreto que, nastribos selvagens, a contagem das coisas nãoexcedia ao número de dedos das mãos, indo

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quando muito até à soma dos dedos dos

pés. A posição dos anti-evolucionistas atuaisassemelha-se, guardadas as distânciasculturais, à dos selvagens presos aos seuspróprios dedos. Temos a prova da evoluçãoem nós mesmos e em tudo o que nos rodeia,mas os espíritos sistemáticos e opiniáticosquerem as favas contadas onde não háfavas.

O Espiritismo ensina que tudo se enca-deia no Universo, numa seqüência constante

de relações. No item 540 de “O Livro dosEspíritos”, obra fundamental da doutrina,encontramos esta proposição: Tudo seencadeia na Natureza, desde o átomoprimitivo até o Arcanjo, pois ele mesmocomeçou pelo átomo. Assim, do átomonasce o minério, deste o vegetal, deste oanimal, deste o homem e deste o Anjo, o

  Arcanjo e quantas criaturas espirituaisquisermos enumerar. Por isso, o sobrenatu-ral desaparece quando admitimos o processocontinuo da evolução. A Natureza nos mostra

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determina o aparecimento das estruturas

atômicas. Os átomos se aglutinam emformações diversas e produzem os elemen-tos minerais. Mas estes elementos não estãomortos, não são estáticos. No seio da suaaparente placidez os átomos continuam empermanente agitação e produzem, quando ascondições se tornam favoráveis, as primeirasformas vegetais. Nestas formas temos onascimento da sensibilidade rudimentar, quevai desenvolver-se até a produção dasprimeiras formas animais. A atividadeatômica transmite-se a essas formas produ-zindo a motilidade, a capacidade de movi-mentação própria, que arranca os animais dosolo e os submete às experiências vitais. Asensibilidade se aguça e se aprimora através

de milênios. Os cérebros rudimentares sedesenvolvem e se enriquecem, o sistemanervoso (desenvolvimento do sistema fibrosovegetal) estrutura-se numa rede sensível,permitindo a organização de um aparelho

cerebral que capta e reelabora os estímulos

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exteriores. Os animais evoluem até o

aparecimento dos primatas, que assinalam osalto qualitativo do cérebro animal para océrebro humano.

Eis, em linhas gerais, nesse esquemasuperficial, o processo de criação do homem.

Quanto mais simples esse esquema, maisfácil para compreendermos a lenta elabora-ção da criatura humana a partir da noite dosprimórdios. É de supor-se que essa criaturagrosseira, elaborada a partir do mineral, não

tenha qualquer outra experiência além dasque enfrentou no processo de sua formação.Mas acontece que o homem se mostradotado de uma inteligência criadora, capazde desenvolvimento sem limites da suaimaginação e – o que mais assombra –dotada de um anseio crescente de elevar-sealém da sua condição humana e atingir umaposição superior de que ele jamais podia tertido algum vislumbre. Quanto mais sedesenvolve, mais se acentua nele o contrasteentre a sua condição primitiva – de bicho da

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Terra tão pequeno, como escreveu Camões –

e os seus anseios insopitáveis de elevação ecomunicação com planos e seres superiores,que ele nunca podia ter visto. De onde vemtudo isso? Supõem os materialistas que setrata de produtos da imaginação excitadapelo medo, num desejo natural de alcançar asegurança através de criações imaginárias.Mas como explicar a coerência dessascriações arbitrárias com os fenômenosparanormais, cuja existência está hojecientificamente provada? Que dizer de umaidéia primitiva, como a de uma duplicata docorpo material que pode projetar-se àdistância, que Spencer atribuiu simplesmenteao sonho, quando esse corpo hoje seconfirma através da pesquisa cientifica no

campo da Física e da Biologia, por pesquisa-dores materialistas?

Esse é o momento em que temos de vol-tar à idéia de Deus inata na criatura humana

 – o Ser perfeito de Descartes encontrado nofundo da sua própria imperfeição – à lei de

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adoração assinalada por Kardec e que

exerceu papel decisivo na orientação dohomem para a sua humanização. O acaso daconcepção materialista transforma-senecessariamente numa inteligência cósmicaa desafiar, por sua grandeza e sua inegávelsabedoria na construção universal, a miserá-vel inteligência humana, capaz de tudoatribuir a um jogo de forças cegas no seio deuma nebulosa. Não precisamos nem mesmopensar nas formações complexas do homemou do anjo. Podemos ficar nos primórdios,examinando apenas a estrutura do átomo, aconstrução infinitesimal desse universomicroscópico, ou melhor, infra-microscópico.Mas se olharmos para cima e pensarmos nossistemas solares, na galáxia e nas super-

galáxias, o absurdo da concepção materialis-ta se tornará simplesmente monstruoso.Sentiremos as orelhas de Midas substituírem,peludas e agudas, as nossas delicadasorelhas humanas.

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E o que dizer da experiência de Deus

procurada através de artifícios religiosos,depois dessa imensa extensão percorridapela humanidade através dos milênios, numaexperiência natural e vital em que as forçasda vida vão brotando do chão do planeta eprojetando-se às profundidades cósmicas? Écomo se milionários ensandecidos resolves-sem juntar-se num quarto escuro, de portase janelas fechadas, para contar os níqueis dobolso do colete a fim de avaliar quantopossuem, para terem a experiência dodinheiro. Basta isso para mostrar-nos a razãoda crise religiosa do presente. Os homenscomeçaram a descobrir que possuem muitomais do que as igrejas lhes podem dar.

Criado do limo da terra, segundo a ale-goria bíblica, arrancado das entranhas doreino mineral, segundo a teoria evolucionistaespírita, o homem está ainda em formação,em desenvolvimento, amadurecendo nasexperiências que enfrenta na existênciacorporal. O corpo é o seu instrumento de

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evolução. Um instrumento vivo e ativo que

ele precisa controlar pela força do espírito.Na proporção em que avança, o espírito seimpõe ao corpo e o domina. A dialética daevolução torna-se nele um processo consci-ente. É o responsável único pelo sucesso oufracasso do seu destino. Deus está nelecomo um poder mantenedor e orientador,mas não punitivo. Ele mesmo se castiga anteo tribunal da sua consciência. Quando sedispõe a progredir, o prêmio que recebe é agraça que o fortalece para que possa vencero mal. Ninguém pode perdoar os seus erros,apagar as suas faltas. Dispõe da jurisdiçãode si mesmo e supera o seu condicionamen-to determinista pelas decisões do seu livre-arbítrio. Juiz e réu ao mesmo tempo, pode

 julgar-se com pleno conhecimento de causa.

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Capítulo 7

Do Princípio inteligente

Tratei até agora da relação direta dopensamento de Deus com a matéria. Essarelação é necessária, da mesma maneira queé necessária a relação direta do pintor com oquadro que ele executa, e portanto do

trabalho que ele realiza no quadro, orientadopelo seu pensamento. Na verdade, o seupensamento se projeta no quadro e ali sematerializa, passa do plano do inteligívelpara o plano do sensível. Ao completar sua

obra, cessa a relação direta ou ativa, maspermanece a relação passiva ou indireta.  Assim, a relação direta caracteriza o ato depintar, ou de criar. Pode-se alegar a existên-cia de intermediários: as mãos, a palheta e o

pincel, a tinta. Mas convêm lembrar quetodos esses instrumentos fazem parte da

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obra em execução, sobre a qual o pensa-

mento do pintor atua diretamente.Na ação de Deus sobre a matéria o pro-cesso é o mesmo. O pensamento divinoaglutina a matéria, dando-lhe estrutura,através da qual temos a passagem do

pensamento do plano do inteligível para oplano do sensível. Uso a divisão de Platãoneste sentido: o inteligível é o intelectodivino e o sensível é o plano do sensório, dassensações humanas. Dessa maneira, Deus

materializa o seu pensamento para atingir asensibilidade do campo material em que ohomem vai ser criado. No fiat ou ato inicialda criação temos a ação direta e ativa dopensamento divino estruturando a matéria.Uma vez formada essa estrutura, surge umelemento novo que é designado pelaexpressão princípio inteligente. O pensa-mento divino ligado à matéria adquireautonomia, sem com isso desligar-se dafonte que o alimenta. Transforma-se namônada, elemento básico e estrutural da

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matéria, de que são compostas as próprias

partículas atômicas. A palavra mônadaprocede de Pitágoras, foi empregada porPlatão como idéia e desenvolvida moderna-mente por Leibniz e Renouvier como umasubstância inteiramente simples (puraindivisível e refratária a qualquer influênciaexterior. A mônada é dotada de uma forçainterior que a transforma, de potencialidadesque se desenvolvem continuamente e decapacidade de percepção e vontade. Asmônadas são diferentes entre si no tocante aessas potências internas.

Estas correlações filosóficas são necessá-rias para entender-se o que é o principiointeligente da concepção espírita. Trata-se,como se vê, do princípio básico de toda arealidade, responsável pela formação dosreinos da Natureza, pelo desenvolvimento davida e de todas as faculdades vitais eanímicas dos seres. O admirável poder deintuição dos gregos captou não só a existên-cia dos átomos, como também a das môna-

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das, que a Ciência atual já está conseguindo

atingir nas profundezas da misteriosaestrutura da matéria, na pesquisa sobre aspartículas atômicas. A teoria espírita doprincípio inteligente é explicada de maneirasintética no “O Livro dos Espíritos”. No item23 dessa obra lemos o seguinte: Que é oespírito? É o princípio inteligente do Univer-so. Seguem-se outras explicações nas quaisa inteligência se define como um atributoessencial do espírito. Geralmente confundi-mos a substância (espírito) com a inteligên-cia, que é seu atributo.

Colocado assim o problema, parece-meexplicada a razão pela qual os EspíritosSuperiores não esmiuçaram essa questãofundamental. Na própria tradição filosófica,desde bem antes da era cristã, já dispúnha-mos dos elementos necessários de intuiçõescapazes de nos fornecerem os dados parauma equação futura. Faltava-nos, porém, odesenvolvimento, que só mais tarde poderiaocorrer, das pesquisas cientificas em profun-

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didade. Atualmente já podemos compreen-

der com mais clareza a dinâmica do processocriador. A teoria filosófica da mônada, queantes poderia ser considerada como simpleshipótese inverificável, adquire hoje a condi-ção de uma teoria científica ao alcance dacomprovação pela pesquisa. Teorias como ado físico inglês Dirac, par exemplo, segundoa qual o Universo está mergulhado numoceano de elétrons livres, ou a dos físicossoviéticos, de que esse oceano parece ser deuma luz violácea proveniente dos primórdiosda criação, mostram-nos as possibilidadesnovas que as pesquisas espaciais estãoabrindo nesse campo. O mesmo se podedizer da teoria dos campos de força quepreenchem todo o espaço sideral.

É evidente que, diante dessas novas po-sições conceptuais, toda a nossa culturaentra em crise, prenunciando o advento deum novo mundo. A inteligência humana seabre para dimensões mais amplas e profun-das da realidade universal, exigindo a

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reformulação de conceitos e estruturas

culturais envelhecidas. Não podemos maispensar em Deus como uma figura humana,nem do ponto de vista formal, nem dosubstancial. Só podemos considerá-lo comoo Ser Absoluto, como a Inteligência Supre-ma, mas assim mesmo sem lhe atribuirnenhuma das limitações humanas. Osteólogos do Cristianismo Ateu, da TeologiaRadical da Morte de Deus, sentem isso naprópria pele, mas faltam-lhes os dados parauma equação mais positiva do problema.Divagam através de suposições ameaçadorase caem irremediavelmente num torvelinho decontradições. Se tivessem a humildade deconsultar a Filosofia Espírita, essa pedrarejeitada da parábola evangélica, encontrari-

am nela a pedra angular do novo edifício aconstruir.

O Espírito a que a Bíblia se refere emnumerosos tópicos e que nos Evangelhostoma o nome de Espírito Santo é o Espíritode Deus em sua manifestação universal. A

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Criação tem dois aspectos, o material e o

espiritual. O sopro de Deus é o espíritocriado no fiat e o homem de barro, o Adãoterreno, o ápice da criação nos mundos emdesenvolvimento, como a Terra. O sopro deDeus nas ventas do homem de barro, parainfundir-lhe o princípio da vida e da inteli-gência, é a ligação do espírito com a matériana formação da mônada. No pensamentodivino todo o quadro da criação estavapresente desde o princípio. E tudo eraperfeito. A perfeição do ideal constituía omodelo da realidade (o mundo da rés, dascoisas) que devia projetar-se no Infinito. Porisso, as mônadas diferenciadas, com caracte-rísticas específicas, seriam semeadas noespaço, para a germinação lenta, mas

segura e contínua, dos conteúdos essenciaisde cada uma delas. A mônada é a sementedo ser, da criatura humana e divina que delasurgirá nas dimensões da temporalidade.

Não se pode conceber, em nossa relati-vidade humana, mais grandiosa e perfeita

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concepção do ato criador. Podemos pergun-

tar porque Deus, que é o supremo poder,precisa do tempo para realizar essa obragigantesca. Mas o Espiritismo ensina que anossa relatividade decorre de necessidadesnossas e não de Deus. O que para nós sãoséculos e milênios, para Deus pode serapenas aquele instante que, para Kierkega-ard, era o encontro do tempo com a eterni-dade. Um instante de profundidade eextensão imensas, que resume para ohomem todas as suas existências nas duasdimensões do Universo que hoje nos sãoacessíveis: a espiritual e a material.

É, sem dúvida, espantoso pensar, comoGustave Geley, que tudo quanto considera-mos inconsciente, desde o grão de areia aosmundos que giram em torno dos sóis, possuia potencialidade da consciência em desen-volvimento no seu interior. Mas quandocompreendemos que a mônada, síntese deespírito e matéria, é uma unidade infinitesi-mal, sobre a qual se apóia toda a realidade –

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o que corresponde à concepção atômica da

Ciência em nossos dias –, nossa mentecomeça a abrir-se para um entendimentosuperior. Se o poder do átomo nos espanta,a potencialidade da mônada nos aturdiria. Eambos esses poderes nada mais são do quefragmentos do poder de Deus. Quandopensamos nisso, a teoria do princípiointeligente começa a revelar-nos a grandezada doutrina espírita.

E no entanto os seus fundamentos estão

nos princípios evangélicos, sobre os quaismilhares de teólogos, filósofos, místicos epregadores escreveram e falaram semcessar, numa catadupa de páginas e palavró-rios ao longo de dois mil anos? Essa opaci-dade da inteligência humana, esse embota-mento da capacidade de compreensãopoderia fazer-nos descrer das potencialida-des do principio inteligente se não soubés-semos que o instinto gregário do homem oleva à imitação e à repetição dos papagaios.Quando Kardec se atreveu, utilizando-se de

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todos os recursos de sensatez e equilíbrio,

apoiando-se na cultura do Século XIX – paranão provocar reações precipitadas que lheprejudicariam a obra – a publicar “O Livrodos Espíritos”, todos os anátemas daReligião, da Ciência e da Filosofia caíramsobre ele como as bombas norte-americanassobre o Vietnã. Somente agora se abre umaperspectiva favorável, em todos aquelescampos reacionários, para uma possívelcompreensão do seu gigantesco trabalho dereposição das coisas em seus lugares. Masentão aparecem os que pretendem reformar,atualizar e tecnilizar as suas obras ao invésde estudá-las e aprofundar-lhes o sentido.Isso nos prova quanto necessitamos dotempo para que a mônada oculta se abra e

se atualize em nós.Todas as coisas têm sua origem no

mundo das idéias, como Platão, levado pelasmãos de Sócrates, percebeu claramente. Nosplanos superiores do Universo não se usa alinguagem articulada das hipóstases inferio-

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verdade das coisas e dos seres. Mergulha-

mos no eterno, que não é estático e inertecomo o supomos, mas tem a dinâmica e alucidez de que o pensamento nos pode darum vago exemplo. Kardec verificou, em suaspesquisas espíritas, que a esquematizaçãodo sensório humano, com a divisão dasfaculdades sensoriais em órgãos específicose rigidamente localizados no corpo, nãoexiste para os espíritos libertos das impres-sões materiais. Os espíritos percebem, vêeme sentem de maneira global, por todo o seuser em sintonia com toda a realidade. Asdeslocalizações e transferências das sensa-ções nas práticas hipnóticas comprovam, emnosso plano, a veracidade dessa descobertaefetuada nas suas pesquisas mediúnicas. Seu

ensaio sobre a sensação nos espíritos, quese encontra no livro básico da doutrina, éuma peça de esclarecimento lúcido e didáticodesse problema.

  As pesquisas atuais da Parapsicologia,que até agora só puderam refazer o caminho

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percorrido por Kardec, representam uma

confirmação da validade das suas afirmaçõesde mais de um século. Apesar disso, e nointeresse inferior da defesa de posiçõessectárias, toda uma multidão de falsoscientistas se empenha na tarefa ingrata dedesmentir o Espiritismo através de capciososargumentos temperados na panela damentira ou nos caldeirões da trapaçadiabólica. Mas nada disso impedirá que averdade triunfe, pois a verdade é, existe porsi mesma e não pede licença a nenhumcensor religioso ou ateu para se revelarcomo ela é, aos olhos de todos os que sefizerem dignos dela.

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Capítulo 8

O Corpo-Bioplásmico

Quando falei pela primeira vez do corpo-bioplásmico na televisão, uma senhoraestrangeira telefonou ao estúdio do Canal 13(São Paulo) para me fazer uma advertência.

  Achava que a descoberta desse corpo do

homem, dos animais e das plantas, feita porfísicos e biólogos soviéticos, não passava deuma nova armadilha dos materialistas russosna luta contra a religião, com objetivoscertamente políticos. Dizia que conhecera de

perto a manha dos soviéticos, sofrera napele a sua crueldade e não queria me verenganado por eles, servindo como inocenteútil para propagar as suas mentiras no Brasil.Respondi-lhe tentando explicar que se

tratava de um problema científico e nãopolítico, que por sinal nos chegava através

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de informações universitárias procedentes

dos Estados Unidos. Procurei mostrar-lheque uma manobra dessa espécie seria hojeimpossível, diante da dinâmica atual dacomunicação e da possibilidade de compro-vações ou desmentidos de meios universitá-rios de todo o mundo. Nada disso convenceua senhora, que insistiu de maneira angustio-sa na sua advertência. Depois dela, vá-riosoutros telespectadores, na maioria estrangei-ros, telefonaram-me e procuraram-mepessoalmente para fazer advertênciassemelhantes. Isso equivale a uma demons-tração da falência cultural do nosso tempo.Não obstante todo o nosso avanço científicoe tecnológico, a praga da mentira na religião,na política, na administração e em todos os

setores de atividades públicas leva aspessoas a duvidarem de tudo, a verem portoda parte o perigo de manobras comintenções ocultas.

No programa de televisão que deu ori-gem a este livro, no mesmo Canal 13, a

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apresentadora Xênia insistiu na necessidade

de sermos francos ao tratar dos assuntos empauta. Chegou mesmo a declarar quealguém ali devia ter a coragem de dizer averdade sobre o motivo da crise religiosa dosnossos dias. Segundo pensava, essa crisedecorria simplesmente da mentira, comoexplicou num programa posterior. Naverdade, a mentira é um dos motivos dacrise, mas não o motivo básico. Se eupensasse assim, não teria nenhuma razãopara contornar a situação. E que as mentiraspregadas pelas religiões nem sempre sãomentiras, mas enganos decorrentes de faltade compreensão dos problemas essenciaisdo homem. Seria levar muito longe adesconfiança na natureza humana, acreditar

que pessoas crentes em Deus organizassemas religiões com a finalidade de embair opovo. Mas essa é também uma prova doclima de desconfiança da nossa época.Encontramos nas religiões muitas pessoas

cultas, inteligentes, honestas, que acreditam

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piamente nas coisas mais absurdas por

aceitarem a infalibilidade dos dogmas e dasinterpretações escriturísticas.

O problema da descoberta do corpo-bioplásmico situa-se de tal maneira noquadro dos avanços atuais da Ciência,

representando mesmo uma conseqüêncialógica desses progressos, que não poderiasuscitar dúvidas em ninguém medianamenteinformado. A descoberta da antimatéria, aspesquisas parapsicológicas, o desenvolvi-

mento da medicina psicossomática, assondagens cósmicas da astronáutica e outrasprodigiosas conquistas do nosso tempoconduziam naturalmente o homem à desco-berta da sua própria natureza. Imagine-seum mundo em que a Ciência houvesseprovado a indestrutibilidade de todas ascoisas mas continuasse aceitando o dogmamaterialista da destruição total e absoluta dohomem pela morte. Imagine-se a culturaaberta desse mundo endossando o pessi-mismo doentio de Sartre que prega a

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nadificação do homem, a sua frustração total

na morte e considera a doutrina da evolução,do pensamento de Heidegger, como umaqueda no misticismo vulgar. O espetáculo dopensamento sartreano, tão rico em intuiçõesfilosóficas e tão decepcionante na suaconclusão ontológica, esse espetáculodesnorteante da cultura contemporânea seriaum pingo d’água ante esse possível absurdode âmbito universal.

O equívoco marxista do materialismo já

foi ultrapassado pelo desenvolvimentocientífico e filosófico de nosso tempo. Não hámais lugar, na cultura atual, para os dogmasreligiosos e os dogmas materialistas. Entreos cientistas soviéticos é evidente a existên-cia de muitos dissidentes do oficialismo tiposéculo XIX. O interesse atual da URSS pelaspesquisas parapsicológicas é um indícioclaro, indício que a China Vermelha seincumbe de confirmar ao reagir violentamen-te contra ele. Todos sabemos que o Prof.Raikov e outros pesquisadores soviéticos, na

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Universidade de Moscou e em muitas outras

da URSS, entregam-se à pesquisa científicada reencarnação, embora disfarçando-a emanomalia mental que tem de ser esclarecidano campo psiquiátrico. A verdade se revelaem toda parte e, mais hoje, mais amanhã,tornar-se-á evidente.

  As câmaras kirlian, de fotografias sobrecampos imantados de alta freqüênciaelétrica, foram descobertas por acaso pelocasal Kirlian, e os cientistas soviéticos mais

atilados logo perceberam o seu alcance.  Adaptando-a a poderosos microscópioseletrônicos conseguiram descobrir, nointerior dos corpos vivos de vegetais,animais, e homens, uma estrutura de plasmafísico, constituída de partículas atômicas, quese apresentava como um corpo básico esustentador da vida e das atividades vitais epsíquicas do corpo material. A importânciadessa descoberta é de tal alcance que nãopoderia ser negligenciada, pois representauma verdadeira revolução copérnica na

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Física, na Biologia e na Antropologia, para só

ficarmos nesses três campos fundamentais.Mas é bom lembrarmos de passagem o queela representará para a Psicologia, a Medici-na, a Psiquiatria e a Psicoterapêutica emgeral. Basta dizer que os soviéticos jáchegaram a descobrir que o corpo-bioplásmico fornece elementos para averificação do estado geral de saúde docorpo físico, permitindo também a prevençãode doenças e distúrbios nos seres vivos dequalquer natureza. Por outro lado, aspesquisas realizadas nos Estados Unidosconfirmam a descoberta soviética.

Desde o século passado, vários cientistasse empenharam na descoberta de meiospara provar a existência no homem dochamado corpo espiritual ou duplo-etéreo.Em 1943 Raoul Montandon publicou naSuíça. um curioso livro intitulado De la Bêtea l'Homme (Do Animal ao Homem) relatandopesquisas psicológicas que mostram seme-lhanças significativas entre o reino animal e

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o hominal e pesquisas científicas que

provavam a existência nos animais de umcarpo energético. Essas pesquisas sãorelatadas no capítulo intitulado Sobrevivência

 Animal. Várias fotografias batidas com filmessensíveis à luz infravermelha, de grupos degafanhotos e insetos mortos com éter,revelavam ao lado dos animais mortos umasombra semelhante ao corpo morto, enquan-to ao lado dos que não haviam morrido, masestavam em estado letárgico, não aparecia amesma sombra. No capitulo das fotografiaspsíquicas, batidas ocasionalmente ou emsessões mediúnicas experimentais, os anaisespíritas apresentam impressionante volumede casos significativos, cercados de todos osrecursos de garantia da autenticidade do

fenômeno.No caso atual das pesquisas soviéticas,

com aparelhagem técnica de precisão, ademonstração da existência desse corpoextrafísico (para usarmos a expressãoparapsicológica atual) foi decisiva. Os

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soviéticos, operando em comissão científica

oficial, na Universidade de Alma-Ata, noCasaquestão, fizeram experiências commoribundos e conseguiram verificar aretirada total do corpo-bioplásmico dosmortos, cujos corpos materiais só então secadaverizavam. Não tendo sido possívelfotografar esse corpo depois do seu des-prendimento do cadáver, empregaram atécnica de pesquisa por meio de detectoresde pulsações biológicas e verificaram,surpreendidos, que as pulsações captadasindicavam a presença do corpo-bioplásmicono ambiente.

Bastam esses dados sumários ao objeti-vo deste livro. Dados mais completos eminuciosos já foram divulgados entre nóscom a edição da tradução do livro de SheilaOstrander e Lynn Schroeder, pesquisadorasnorte-americanas que entrevistaram oscientistas soviéticos na URSS, e cujo trabalhofoi editado pela imprensa da Universidade dePrentice Hall (USA) e posteriormente pela

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editora Bantam Books, de Nova torque. A

descoberta do corpo-bioplásmico constituiuma confirmação científica, proveniente docampo materialista, da teoria do perispírito.Segundo o Espiritismo, o perispírito é ocorpo espiritual de que tratou o ApóstoloPaulo na I Epistola aos Corintos. Sua funçãoé servir ao espírito como instrumento para asua manifestação nos planos materiais. Éatravés dele que o espírito se liga à matériano processo da encarnação. Durante a Vidaterrena ele é o agente das atividadesorgânicas. Mantém a vida do corpo e servede campo padronizador durante o desenvol-vimento deste, a partir da fecundação,regendo a formação do embrião. Na morte, operispírito se desliga progressivamente do

corpo material, que só se cadaveriza com oseu desligamento total. Na maioria daspessoas o perispírito, após a morte, perma-nece nas proximidades do cadáver portempo mais ou menos longo, em virtude da

atracão que os despojos exercem ainda

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sobre o espírito. Esse corpo é considerado na

doutrina espírita como semi-material,constituído de energias materiais e espiritu-ais em integração. É o corpo da ressurreição,conforme já afirmava o Apóstolo Paulo.

Todas essas características do perispírito 

são confirmadas pelas observações doscientistas soviéticos, que consideraram essecorpo como material, constituído por umplasma físico formado de partículas atômi-cas. Mas um fato intrigante aparece nas

pesquisas soviéticas: esse corpo só pode servisto e fotografado enquanto está ligado aocorpo material. Uma vez desprendido, nãoestá mais ao alcance das câmaras kirlian.Somente os detectores de pulsações biológi-cas podem constatar a sua presença noambiente. As câmaras kirlian, coma já vimos,só podem agir sabre campos materiaisimantados por correntes elétricas de altafreqüência. Desligado do corpo material, ocorpo-bioplásmico ou perispírito não oferececondições para isso. Parece-me evidente o

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motivo por que ele, então se torna inacessí-

vel. Não está mais revestido de um campomaterial, embora contenha em sua própriaestrutura energias materiais. O próprio nomecientifico dado a esse corpo-bioplásmico,mostra a sua função vital e a sua naturezaplásmica. Esse problema entretanto, não ésomente físico. Na proporção em que oespírito, liberto da matéria, vai se integrandono mundo espiritual, seu perispírito vai selibertando dos elementos materiais.

 A descoberta desse corpo pelos materia-listas representa a maior vitória do Espiritis-mo e ao mesmo tempo a conquista maisimportante da nossa era cientifica, pois comela a Ciência terrena dá o primeiro passopara a sua futura fusão com a Ciênciaespiritual. Este é o mais significativo sinal deque estamos entrando na Era do Espírito.Oliver Lodge referiu-se ao túnel mediúnico,uma via de ligação do mundo material com omundo espiritual, acentuando que esse túnelvem sendo cavado dos dois lados pelos

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que nos dará a Religião em Espírito e

  Verdade. Foi essa a profecia de Jesus àmulher samaritana.

Não há nenhuma outra saída para a crisereligiosa do nosso tempo. As teologiasartificiais, como a da Morte de Deus, são

ensaios de vôo cego num céu vazio, nubladopela dúvida. A realidade é uma só. A confir-mação positiva da existência do espírito,através da Ciência em desenvolvimentoacelerado, porá um ponto final nas especula-

ções religiosas. E não há nenhuma outraplataforma, na Terra, para a execução dessareintegração da Religião no campo cultural,além da obra de Kardec. Os homens dofuturo ficarão estarrecidos ao verem quetivemos todos os dados nas mãos para fazeressa integração em nosso tempo e nãoconseguimos fazê-la. Perguntarão a simesmos o que nos faltou e talvez alguémlhes diga: humildade.

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Capítulo 9

Dúvida e Certeza

  A dúvida é uma encruzilhada nos cami-nhos da razão. Quando o pensamento selança na busca de um objeto e depara comdois caminhos divergentes, pode ficarindeciso. Essa indecisão é a dúvida. Para

Sexto Empírico a dúvida é a hesitação entreafirmar e negar, o que vale dizer entreaceitar e rejeitar. Descartes fez da dúvida acondição primeira da busca da verdade,considerando-a como uma suspensão do

 juízo para verificar-se se ele está certo ouerrado. Para John Dewey a dúvida nasce deuma situação problemática estimulando apesquisa. Dessa maneira, Dewey confirma aposição de Descartes, que iniciou a filosofia

moderna com a prática da dúvida metódica.Mas como a dúvida criou muitas dificuldades

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ao pensamento dogmático, as religiões

dogmáticas acabaram por condená-la comode origem diabólica. A frase de Tertuliano:credo quia absurdum (creio mesmo queabsurdo) teve longo curso no combate àsheresias. Como os dogmas eram considera-dos de origem divina, pontos fundamentaisda revelação feita por Deus aos homens,estes não tinham o direito de duvidar,mesmo que os dogmas fossem aparente-mente absurdos.

  Ainda hoje essa posição é comum emnumerosas seitas e religiões, até mesmoentre pessoas cultas. Alega-se que a sabedo-ria humana é loucura para Deus, como Pauloafirmou, o que vale dizer que a sabedoriadivina pode parecer loucura para os homens.No Espiritismo a dúvida é considerada comocondição necessária à busca da verdade.Kardec a aconselha como método decontrole das manifestações mediúnicas e deestudo dos princípios doutrinários. Tendomostrado que os espíritos são criaturas

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humanas desencarnadas, libertas do corpo

material pela morte, e que muitos deles semanifestam para sustentar ainda opiniõeserradas que esposaram na Terra, aconselhaa análise constante e o exame atencioso dasmanifestações, que devem ser rejeitadasquando revelarem conceituações absurdas.

 A crítica se torna, assim, elemento básicoda filosofia e da prática espírita. Mas éevidente que deve ser exercida por pessoasque tenham condições de cultura e bom-

senso para criticar. Descartes afirmou que obom-senso é a coisa mais bem repartida domundo, mas advertiu que o emprego dobom-senso depende de boa orientação doentendimento. Kardec oferece, em toda asua obra, instruções e exemplos para o usodo bom julgamento e aconselha a consulta,em casos de dificuldade, a pessoas reconhe-cidamente capazes de resolver problemascom lucidez. Não havendo no Espiritismodogmas de fé, tudo pode ser apreciado ediscutido em termos de bom-senso ou boa

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razão. Descartes aconselhava a evitar-se dois

elementos perigosos ao raciocínio, que são opreconceito e a precipitação. Kardec acres-centa a necessidade de vigilância no tocanteà vaidade humana, que leva pessoas cultasou incultas a considerar-se capazes dereformulações doutrinárias com base apenasem suas opiniões pessoais.

Estabelecendo o consensus gentium, de  Aristóteles, como regra para aceitação derevelações espirituais, não o fez no sentido

aristotélico do termo, mas em sentidoespiritual, com o nome de consenso univer-sal. A aplicação desse consenso não implicaa aceitação da vox populi ou da opinião dasgentes como verdade, mas apenas acoincidência de manifestações mediúnicassobre o mesmo tema, par médiuns diversos,desconhecidos entre si, em locais diversos eno mesmo tempo. É esse um meio decontrole a ser usado sob as condições deverificação racional do tema e de confrontodo mesmo com os conhecimentos já adquiri-

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dos no meio espírita e na cultura geral.

Levantou, assim, uma barreira à autoridadeindividual de um médium isolado que, pormais famoso e seguro que tenha sido emsuas atividades, nem por isso está livre de sedeixar empolgar por idéias errôneas. De umcritério de verdade que era evidentementede natureza opiniática, Kardec extraiu umanorma inegavelmente válida para facilitar ouso do bom-senso pelos espíritas.

  A necessidade de certeza na orientação

do conhecimento, num mundo em que tudose passa no piano das relações, exige umcritério cientifico de avaliação dos dadosobtidos na prática doutrinária. Ao não aceitara revelação espiritual de maneira gratuita,mas submetendo-a ao controle da razão,Kardec não violentou a intenção dos Espíritossuperiores, que desejavam dele precisamen-te essa atitude. Tanto assim que desde oinicio o estimularam nesse caminho, esclare-cendo que a Humanidade terrena atingira amaturidade suficiente para libertar-se do

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mundo a um progresso cada vez mais

acelerado. A influência do Cristianismoimpregnaria todas as latitudes do planeta,arrancando da apatia nirvânica as grandescivilizações orientais e obrigando-as a seguiros padrões ocidentais. Era necessário que apassividade mística fosse substituída pelaatividade racional, na luta dos homens embusca da compreensão de suas própriasresponsabilidades na direção da vida huma-na.

Cumprida essa programação, a Terra jáestava, em pleno século XIX, em condiçõesde receber as luzes renovadoras de umadoutrina de unificação espiritual, capaz deguiá-la aos objetivos mais elevados de suaintegração na comunidade cósmica. Muitasinteligências terrenas, aturdidas com asinquietações do nosso tempo, com as crisesameaçadoras de uma fase de transiçãoacelerada, e portanto violenta, perguntam senão estamos errados ao aceitar essa previ-são histórica. O mesmo aconteceu na fase de

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Kardec viu tudo isso com extrema luci-

dez, como podemos constatar na leitura dassuas obras. Por isso não converteu oEspiritismo numa nova religião estática,segundo o conceito de Bergson, mas ligou-oa todos os campos da cultura para que possaagir como uma religião dinâmica, aquelareligião em espírito e verdade de que Jesusfalou à mulher samaritana. Não há razãoalguma para que a religião continue comoum departamento estanque e privado,condicionada em sistemas arcaicos, margina-lizada no campo cultural em favor deinteresses sectários. A religião é um doscampos vitais da cultura e deve integrar-senesta em plenitude. Seus princípios nãopodem manter-se alheios ao progresso geral.

Por isso, o Espiritismo fundou a Ciência doEspírito, que agora está sendo confirmadapelas conquistas mais recentes das ciênciasda matéria. Chegamos tarde à complemen-tação do fiat da criação, mas estamos agora

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no momento em que o espírito se liga à

matéria no campo das concepções humanas. A certeza, em nosso mundo, nunca podeser absoluta. É também relativa, mascorresponde ao máximo possível de exati-dão. Esse máximo é indispensável em todo o

campo do conhecimento. Não poderíamosficar no terreno das hipóteses inverificáveisao tratar de assuntos tão graves como aorigem do homem, sua natureza íntima e seudestino no sistema cósmico. Kardec, à

maneira de Descartes, pôs em dúvida todo oconhecimento religioso. Os fenômenosespíritas, como ele mesmo observou,estavam na moda. Instigado por amigos queconheciam a sua capacidade científica,relutou a princípio – pois duvidara daveracidade desses fenômenos – mas acabouaceitando o convite para comparecer a umareunião. Ali constatou a realidade, mas nãoaceitou a sua interpretação espiritual.Procurou explicar a chamada dança dasmesas como possível efeito de forças

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conhecidas: a eletricidade, a gravidade, o

magnetismo, um suposto poder emanadodas pessoas reunidas para aquele fim eassim por diante. Mas não ficou nas hipóte-ses. Pôs-se a pesquisar. Seu encontro comas meninas da família Boudin, uma de 14 eoutra de 16 anos, médiuns excelentes,permitiu-lhe uma série de experiênciasdecisivas. Foi com elas que recebeu todo otexto de “O Livro dos Espíritos”. Pelas mãosdessas duas mocinhas nasceu o Espiritismo.E renasceu Allan Kardec, o druida das Gáliasantigas, para substituir o Prof. DenizardRivail (seu nome verdadeiro) o discípuloemérito de Pestalozzi e sucessor do mestreno desenvolvimento de sua PedagogiaFilantrópica. Dali por diante, numa seqüência

de 15 anos, as pesquisas prosseguiram, dosquais 12 na Sociedade Parisiense de EstudosEspíritas, por ele fundada e dirigida. Nesseperíodo de 15 anos Kardec elaborou os cincovolumes da Codificação do Espiritismo, três

volumes de introdução à doutrina, um

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manual de introdução à prática mediúnica,

numerosos artigos para a imprensa e osdoze volumes da Revista Espírita, contendoem média 400 páginas cada volume.

Em todos esses trabalhos ele foi sempreorientado pelos Espíritos superiores, como se

pode ver nas suas anotações de ObrasPóstumas. E sua conduta de pesquisador foilouvada pelo próprio Richet, o fisiologista doséculo, que discordava das conclusões deKardec mas reconhecia, em seu Tratado de

metapsíquica, o valor do homem que iniciaraas Ciências Psíquicas na França e no Mundo.Partindo da dúvida, Kardec chegara à certezapsicológica da sobrevivência do homem àmorte corporal. Richet fizera um caminhoparalelo, o da sua especialidade científica,para chegar à certeza fisiológica dos fenô-menos espantosos de materialização. Depoisdele, outros muitos comprovariam a suadescoberta mas não ficariam em meio docaminho. Avançariam como Crookes,Notzing, Zollner, Ochorowicz, Gelei, Osty,

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  Aksakov, até a certeza final de Kardec.

Estava aberta nas Ciências a fronteira daimortalidade. Dali por diante, os que preten-dem reduzir o homem a ossos e cinzaslutariam sem cessar – até mesmo nasreligiões – contra a maior e mais fecundacerteza científica da cultura terrena. DoEspiritismo nasceram todas as ciências doparanormal, até a Parapsicologia contempo-rânea. Mas os inimigos da certeza aindacontinuam, em nossos dias, diante daevidência fulminante das últimas descobertascientíficas – físicas, biológicas, psicológicas eastronáuticas –, a insuflar com suas boche-chas em fúria o fantasma superado dadúvida antimetódica. Fingem não perceberque esse fantasma é um balão furado e de

mecha queimada.  A superação da dúvida no Espiritismo

não se fez através dos métodos subjetivosda meditação religiosa e do êxtase místico,mas do método científico de pesquisa. Foi oque Richet reconheceu e louvou em Kardec,

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corno se vê logo no início do Tratado de

Metapsíquica. Integrado na tradição dabusca metodológica, que vinha do séculoXVI, com a revolução cientifica de Bacon eDescartes, Allan Kardec encarou o problemaespiritual de maneira objetiva e, numaposição tipicamente existencial, criou ométodo apropriado à pesquisa dos fenôme-nos espíritas. Ao contrario do que alegam atéhoje os seus contraditores, demonstrou demaneira exaustiva que os fenômenosespíritas podem ser repetidos quantas vezesfor necessário para a confrontação dosresultados experimentais, como os grandescientistas da época iriam comprovar logo emseguida e como as pesquisas parapsicológi-cas atuais novamente comprovaram e

demonstraram.Essa subversão metodológica no campo

do conhecimento espiritual, até entãosubmetido aos princípios da fé, despertouviolenta reação que ainda hoje não seextinguiu. Kardec partia do homem vivo, do

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homem no mundo, da criatura de carne e

osso para elevar-se a Deus através daindução lógica, desprezando os processosdedutivos da tradição. Atrevia-se a investigaro espírito dos mortos e dos vivos com amesma naturalidade, sustentando que aalma nada mais era do que o espírito queanima um corpo. E ousava dar uma novaexplicação da Gênese que incluía a criaçãodo homem por Deus como um fato natural,dialeticamente explicável. A morte perdia oaspecto misterioso alimentado pelas religiõese os videntes e profetas eram consideradoscomo criaturas em que uma faculdadehumana natural, a mediunidade, havia sedesenvolvido de maneira mais intensa.

Pacientes e incessantes pesquisas – enão revelações místicas – levaram Kardec àdescoberta científica da natureza espiritualdo homem. E a prova de que realmente olevaram foi dada posteriormente pelaspesquisas científicas desencadeadas em todoo mundo e hoje confirmadas até mesmo pelo

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avanço das investigações materiais, por

cientistas modernos que alargam as dimen-sões das Ciências. É assim que a dúvida sobre a continuidade da vida após a mortefoi vencida pela certeza no campo dasinvestigações espíritas. As religiões queignorarem esse fato culminante da evoluçãohumana na Terra acabarão asfixiadas, porfalta do oxigênio da verdade, em seuscírculos estreitos de fanatismo e exclusivis-mo. Não há somente crise nas religiões. hásinais evidentes de agonia.

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Capítulo 10

Magia e M isticismo

O homem primitivo não via o mundo,mas a magia da Natureza. Não tendo ainda opensamento desenvolvido, o raciocíniometodizado, não podia sequer conceber omundo. Tinha mais sensações do que

emoções e mais emoções do que idéias.Seus sentimentos germinavam no planolarvar dos instintos. E os instintos animais odominavam, sem dar lugar aos instintosespirituais. Era mais corpo que alma. Kardec

assinala dois seres na estrutura humana: oser do corpo e o ser espiritual. No homematual esses dois seres se equilibram e a suapsicologia pode ser medida pela predomi-nância de um ou de outro ou pela sua

equivalência. As pessoas em que predominao ser do corpo estão mais próximas do

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primitivismo. Aqueles em que os dois seres

se equivalem apegam-se mais às coisasmateriais e têm dificuldade em conceber arealidade do espírito. As pessoas em quepredomina o ser espiritual dão mais impor-tância às questões espirituais. As primeirasestão apegadas ao passado humano, assegundas à pragmática do presente e asterceiras tendem para o futuro. Mas entreuma e outra dessas posições evolutivasexistem numerosas variações que podem serclassificadas em fases intermediárias demúltiplas nuanças. A escala espírita de “OLivro dos Espíritos” oferece-nos um quadropsicológico geral dessas talvez inumeráveisvariações tipológicas.

  A percepção mágica do mundo (restritaao ambiente tribal ou do clã) levou o homemprimitivo às práticas mágicas. Seu pensa-mento se desenvolvia na experiência,revelando-lhe progressivamente as relaçõesexistentes entre as coisas e os seres.Podemos supô-las assim, como simples

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dados exemplificativos: vida-alimento, bicho-

mato, peixe-água, ave-céu, fruta-árvore,flecha-caça-inimigo, homem-mulher-criança,dia-sol, noite-escuro-lua. Essas relaçõesprimárias lhe davam a possibilidade de agircom eficiência no meio físico. Através delasele começou a agir instintivamente no planoespiritual e nasceu a magia simpática ousimpatética, a arte incipiente de atingir oinimigo através de reproduções de sua figuraem barro ou madeira e de evocar as forçasbenéficas através de símbolos corresponden-tes a elas. Nascia o feitiço e conseqüente-mente o feiticeiro. E de ambos nasceriammais tarde os ídolos, os sacramentos, ossacerdotes e as religiões com seus rituais.Esses processos rudimentares arrancavam o

homem da selva e do gelo e o lançavam nadireção da civilização. Um longo caminho apercorrer no aprimoramento dessas técnicasprimitivas através dos milênios.

Mas os homens não estavam sós nemabandonados a si mesmos em nenhuma

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dessas fases. A idéia de Deus pairava

obscura sobre o fundo nebuloso de suasexperiências filogenéticas e a lei de adoraçãoos levava a reverenciar o mistério da terra,das águas, do céu estrelado, das montanhascoroadas de nuvens. Do fundo escuro dasmatas surgiam o bem e o mal, as forças e osseres benéficos e maléficos. Muitos dessesseres não tinham a consistência das criaturasde carne e osso. Apareciam e desapareciamcomo as chamas noturnas dos fogos-fátuos,Uns os auxiliavam e eram consideradosdeuses benfazejos. Outros os ameaçavam eeram os deuses malfazejos. Espíritos bonsvelavam pelas tribos e orientavam os seuschefes. Pagés e xanãs tinham o dom deevocá-los e consultá-los. Como nas cidades

cósmicas da Grécia arcaica, de que tratouDurkheim, homens e deuses conviviam numaespécie de intermúndio. Essa situaçãoperdurou nas civilizações agrárias, no ciclodas grandes civilizações orientais, no mundo

clássico, gerando as religiões mitológicas

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com seus oráculos e suas pitonisas. No

Judaísmo e no Cristianismo temos a suacontinuidade, o que se pode verificar pelostextos bíblicos e evangélicos.

Já no Paganismo encontramos as práti-cas místicas dos chamados Mistérios, com

rituais específicos para levar os iniciados àrelação direta com o mundo espiritual eespecialmente com Deus. No Egito antigo enas religiões dos impérios americanos dosaztecas, maias e incas havia o emprego de

sumos vegetais que originariam as drogasatuais como a mescalina e o ácido-lisérgico,para a produção do estado de êxtase, que éo fenômeno central dessas práticas. Peloêxtase, provocado ou espontâneo. o místicose desliga de toda a realidade sensível, domundo material, e mergulha no inteligível,no mundo espiritual.

O Misticismo tem suas origens remotasno êxtase dos pagés, que em meio às selvas

procuravam o contato direto com os espíritosprotetores das tribos. O pressuposto do

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misticismo nas eras civilizadas é a possibili-

dade humana de superação dos sentidos eda razão para obter-se o conhecimentosuperior nas fontes divinas. Esse pressupostoconduz os homens a uma fuga da realidade.No Espiritismo as práticas místicas sãocondenadas por dois motivos fundamentais:1º) porque o homem está no mundo paraviver o mundo com o fim de desenvolver, naexperiência da vida de relação, as suaspotencialidades internas; 2º) porque aligação do homem com Deus se faz atravésdo amor ao próximo, na prática da caridade(que é o amor em ação) e de maneiranatural, sem a necessidade de práticasrituais ou do emprego de excitantes dequalquer espécie. As pessoas que conside-

ram o Espiritismo como doutrina místicaconfundem a fenomenologia mediúnica comas práticas do misticismo. Não sabem que amediunidade – como hoje está confirmadopelas pesquisas parapsicológicas – é sim-

plesmente uma faculdade humana natural

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que permite a todos o exercício da percep-

ção extra-sensorial. O misticismo nasceu dasmanifestações naturais dessa faculdade e dafalta de condições culturais para o seuestudo racional. A mística experiência deDeus das religiões dogmáticas depende daspráticas místicas e de uma concepção anti-racional do mundo e da vida. Por issoRanzolli propõe a limitação do termo misti-cismo às filosofias religiosas, substituindo-ono campo filosófico geral por expressõescomo irracionalismo e intuicionismo ousentimentalismo.

O Cristianismo – que os árabes chama-ram religião do livro – utilizou-se, em suaorigem, da mediunidade, mas sua posiçãoem face das religiões anteriores foi nitida-mente racionalista. Todos os ensinos deJesus, mesmo quando ele se referia a Deus,chamando-o de Pai, são racionais. Suacondenação constante do irracionalismo

  judeu foi sempre seguida de explicaçõesracionais, através de exemplos em forma de

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parábolas tiradas da própria vida diária do

povo. Ao tratar do dogma judaico daressurreição ele se referia claramente aonascer de novo, usando exemplos históricoscomo a volta de Elias reencarnado em JoãoBatista. Suas referências às potencialidadesdivinas do homem eram exemplificadas pelosfenômenos produzidos por ele mesmo epelos seus seguidores. Nunca falou da suaressurreição como um privilégio, mas,ligando-a à ressurreição de todos. O Apósto-lo Paulo incumbiu-se de formular a teoriaracional da ressurreição, não da carne, masdo espírito, explicando que o corpo espiritualdo homem, hoje descoberto pelas ciênciascomo corpo-bioplásmico, é o corpo daressurreição.

Esse racionalismo foi posteriormente pre-  judicado pelas influências pagãs e judaicasdo misticismo, que atingiriam nas igrejascristãs um refinamento intelectualistaparadoxal, opondo o intelecto a si mesmo.Todo o esforço de Jesus no combate à

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mitologia foi anulado pelos teólogos, que

transformaram ele mesmo em novo mito,-fazendo de sua natureza humana umaespécie de simples manifestação pragmáticada sua divindade. O Espiritismo retoma atradição racionalista do Cristianismo primitivoe, da mesma maneira que os antigoscristãos, prova na prática os ensinos teóricosde Jesus através das manifestações espíritas,da prova concreta das materializações e dasaparições tangíveis (como a de Jesus paraos apóstolos no cenáculo) dos fenômenos devoz-direta (como o da voz que soou noespaço na hora do batismo) e dos casospesquisáveis de reencarnação, hoje empauta na pesquisa científica mundial. Nadadisso se refere a misticismo, a práticas

místicas através de processos mágicos, deexcitantes específicos e de tentativasantinaturais de transformar o homem vivoem um morto-vivo que nega o mundo paraviver como espírito desencarnado, desligado

dos processos necessários da razão. O

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homem é deus em potência, não em ato, e

não pode querer antecipar a sua atualizaçãofugindo aos compromissos e experiências davida terrena. Seus deveres estão aqui, nestemundo, por enquanto, e suas possibilidadesde evolução, de transcendência, não seencontram na alienação, na fuga, mas naintegração consciente em suas tarefassociais.

O tempo das igrejas está chegando aofim, como chegou o dos Mistérios na Anti-

güidade. Elas foram necessárias e tantoserviram como desserviram à Humanidade,revelando sua estrutura imperfeita como ade todas as obras humanas. Em vão searrogaram investiduras divinas. A mentehumana se abre hoje para novas dimensõese as igrejas não têm condições para acom-panhá-la nesse avanço. A luta sem tréguasque sustentaram e ainda sustentam contra oEspiritismo e em especial contra a mediuni-dade provou a sua incapacidade paraenfrentar os novos tempos. A dinâmica da

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concepção espírita se opõe à mecânica ritual

das igrejas como a Física moderna se opõe àFísica do passado. Na proporção em que ascamadas retrógradas da população terrenavão sendo afastadas do planeta, na sucessãoinevitável das gerações, cresce o esvazia-mento das igrejas e os seminários vão sendofechados por falta de alunos. Foi o queaconteceu com as religiões mitológicas domundo greco-romano. Para poderemsobreviver, as igrejas têm de desigrejar-se,suprimindo o profissionalismo sacerdotal, assuas dogmáticas absurdas, as liturgias vaziasde sentido. Antes que possam pagar essepreço demasiado elevado, as forças daevolução as varrerão da face da Terra. Istonão é uma profecia espírita, é uma profecia

evangélica de Jesus, no episódio com amulher samaritana. Que ninguém me acusede responsável por essa previsão que elasmesmas, as igrejas, por dois mil anosfizeram ler no Evangelho em seus cultos sem

a entenderem. Também não entenderam a

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questão das muitas moradas da Casa do Pai,

nem a do batismo espiritual, nem a donascer de novo, nem a condenação dasexigências rituais dos fariseus. O que podemesperar ou reclamar agora?

Respeitáveis pensadores religiosos, reco-

nhecidamente cultos, não conseguem aindalibertar-se da magia das selvas, cujosresíduos impregnam de misticismo asreligiões em agonia. Esse apego os impedede socorrer as instituições religiosas no

momento crucial. Desesperados, acusam oEspiritismo e os espíritas de incapazes decompreender as sutilezas da fé e exigemprovas materiais do que não é material.Chegam mesmo a considerar como profana-ção a pesquisa espírita dos fenômenosmediúnicos. De outras vezes acusam oEspiritismo de práticas primitivas e o confun-dem com as formas do sincretismo-religiosoafro-brasileiro. O materialismo, proclamam,leva os espíritas a quererem materializarespíritos. Perdem a perspectiva cultural do

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nosso tempo e mergulham no passado,

acusando-nos de uma posição retrógada nocampo do Espiritualismo.

Nossas ligações com a selva realmenteexistem e são as mesmas que constatamosnas religiões em agonia, mas há uma

diferença fundamental entre a nossa posiçãoe a delas: a reelaboração da experiência.Essa reelaboração não foi feita pelas religi-ões, que se limitaram a refinar as práticasselvagens e cobri-las com o verniz da

civilização. Até mesmo a tentativa desubmeter a Divindade ao poder misteriosodos pagés sobrevive em sacramentos dasigrejas, dando aos sacerdotes o poder (quefoi negado aos anjos) de obrigar o próprioDeus a materializar-se em substânciasmateriais do culto, bem como o poder deobrigar o Espírito Santo a manifestar-se nosadeptos para o batismo do espírito.

No Espiritismo, o que sobrevive das sel-

vas é o fenômeno, o fato natural damanifestação dos espíritos através damediunidade, como todos os fenômenos

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Capítulo 11

 A Cura Divina

Para as camadas pobres da população ea gente simples dos bairros elegantes, ondea ignorância anda sobre tapetes de luxo, oEspiritismo não é mais do que uma seita deterapeutas obscuros, de curandeiros bron-

cos. Acredita-se que a única finalidade doEspiritismo é curar por meio de processosmágicos. Mas a cura divina não é privilégiode ninguém. Encontramo-la em todas asreligiões e seitas religiosas do passado e do

presente. E mais ainda a encontraremos nofuturo, mas então já reconhecida como umprocesso cientificamente explicável e nãomais sujeito à exploração dos missionáriospor conta própria que hoje, nas grandes

cidades, enriquecem-se à sombra da igno-rância ilustrada e da miséria analfabeta,

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tendo por patrono o orgulho botocudo da

alta medicina e o comodismo criminoso daburocracia dos órgãos oficiais de assistênciasocial.

Ligo o rádio às 4 da manhã e ouço o lo-cutor anunciar o programa de um missioná-

rio da cura divina. O missionário se apresen-ta declinando o seu título auto-concedido.Sua voz e suas expressões revelam o tipo deignorância radiofonizada. É um ex-trabalhador braçal que descobriu em si

mesmo o meio de superar sua condiçãoinferior. Fala em nome de Jesus Cristo e fazdesfilar pelo microfone várias criaturas dosbairros humildes que relatam as curasdivinas com que foram agraciadas. Alinguagem de todos é pitoresca e emocio-nante. Revela ao mesmo tempo a penúriacultural e a fé ingênua do povo. Algumaspessoas se curaram com o programa derádio, outras com o disco de preces domissionário, outras nas reuniões tumultuosasda igreja, outras, levando peças de roupas

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lenda ou superstição. Temos de usar a

cabeça e livrar-nos da estúpida pretensão desuperioridade cultural em área que nãoconhecemos.

  A terapêutica espírita existe e vive emluta incessante em duas frentes. De um lado

é atacada por associações médicas e deoutro lado pelas igrejas. A burrice e ointeresse profissional estão presentes nessasduas frentes. Entretanto, a terapêuticaespírita não se apóia em pressupostos

ingênuos nem se serve dos processos docurandeirismo. Suas bases teóricas sãocientíficas e seus métodos psicoterapêuticos,como demonstrou Jean Ehrenwald, superamos da psicoterapia científica da atualidade. Oque a prejudica aos olhos dos especialistasnão está nela, mas neles: é o preconceito, anegação apriorística e portanto anticientíficada interferência de influências estranhas nopsiquismo humano. Esse tipo de influências

 já não pode ser negado por ninguém, depoisdos avanços científicos do nosso tempo.

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Somente pessoas desatualizadas cientifica-

mente podem ainda insistir na negação derealidades cientificamente demonstradas eaceitas nos meios universitários maisconceituados do mundo.

Muitos dos casos relatados no programa

de rádio do missionário a que me referi,apesar das circunstâncias simplórias em quese deram, são perfeitamente enquadráveisna terapêutica paranormal, admitindo-se ounão que o missionário seja um sujeito para-

normal. Outros casos se explicam pelaspróprias teorias da psicoterapêutica científi-ca, sem necessidade dos dados da paranor-malidade. Kardec utilizou-se várias vezes dacontribuição de médicos para a verificaçãode casos da chamada mediunidade-curadora,como se pode ver pelas suas relações com oDr. Demeure, relatadas minuciosamente naRevista Espírita. A médium observada peloreferido médico, em sua clínica, era uma

 jovem que curava pelos processos típicos docurandeirismo mais grosseiro, através de

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pequenos grupos ou instituições doutrinárias,

geralmente desprovidas de recursos financei-ros, que agem com absoluta autonomia. Omóvel dessas iniciativas é o desejo deestender a todos os recursos da terapêuticaespírita em conjugação com a medicina.Chega a ser emocionante o empenho nessesentido, quando se sabe que os médicosnão-espíritas, chamados a trabalhar emhospitais espíritas, criam dificuldades ao seufuncionamento e os serviços oficiais proíbemos simples passes e até mesmo as preces norecinto hospitalar. No caso dos hospitaispsiquiátricos o que se passa merecia umlongo estudo. O oficialismo médico egovernamental, embora consciente dasdeficiências da medicina para curar a maioria

dos doentes, fecha-se numa rigidez irracio-nal, negando aos espíritas o direito desocorrer aqueles doentes com seus recursospróprios, que, no máximo, seriam inócuos.

  As alegações teóricas em contrário não

resistem ao volume de fatos favoráveis aos

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espíritas e particularmente às conquistas

atuais das ciências no tocante à realidadeespiritual.

  A finalidade do Espiritismo não é tera-pêutica, mas cultural. No seu aspectocientífico, no campo específico da Ciência

Espírita, o que importa é a descoberta dasleis naturais do espírito, que não estão aoalcance das pesquisas materiais nem dasindagações teológicas. Descobrir essas leispela pesquisa espírita e os processos de sua

relação com as leis dos fenômenos materiaisé um objetivo que hoje se impõe comonecessidade do próprio desenvolvimentocientífico. A descoberta da antimatéria pelosfísicos mostrou a existência de outro mundoligado ao nosso por um sistema evidente deinterpenetração. A descoberta do corpo-bioplásmico mostrou que esse mundoantimaterial pode ser habitado por sereshumanos dotados de corpos diferentes dosnossos. As pesquisas parapsicológicasmostraram, particularmente através dos

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fenômenos teta (relacionados com a morte e

as manifestações espíritas) a existência derelações entre essas duas populações. OEspiritismo antecipou de um século aspesquisas sobre esses problemas, que sãode interesse vital para toda a Humanidade.

  A terapêutica espírita resulta natural-mente desse conhecimento antecipado, aque somente agora as ciências estãoencontrando acesso. Ela não decorre,portanto, de superstições, hipóteses ou

práticas tradicionais de cura envoltas emmistério, sustentadas por crenças populares.Seus fundamentos são racionais e científicos.É prova de ignorância lamentável confundir-se a terapêutica espírita com o curandeirismoou com as práticas religiosas que se apóiamapenas nos estímulos da fé irracional. Jávimos que a própria fé encontra no Espiritis-mo explicação e definição diversas das quelhe são dadas na cultura materialista e nacultura religiosa. A fé não age nos casos decura como um poder atuante, mas como

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uma base em que se apóiam os poderes do

espírito para agirem com eficácia. O conhe-cimento dos fatores causadores da doença ea descoberta das leis que permitem aaplicação de processos curativos eficientessão os elementos essenciais da terapêuticaespírita. Justamente por isso ela pode e devecomplementar os recursos médicos, como aexperiência secular tem provado.

  Vejamos um caso típico de contribuiçãoespírita em plano concreto. Richet, fisiologis-

ta e médico, prêmio Nobel de sua especiali-dade, descobriu o ectoplasma dos processosde materialização. Geley, também fisiologista

  – e espírita – deu prosseguimento àspesquisas de Richet. Ambos provaram,secundados por outros cientistas eminentes,entre os quais Crookes e Zöllner, que oectoplasma é uma emanação do corpo domédium em forma de um plasma leitoso.Schrenk-Notzing, na Alemanha, conseguiuporções de ectoplasma, colhidas em sessõesmediúnicas experimentais, e submeteu-as a

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exame histológico em laboratórios de Berlim

e Viena, comprovando a sua naturezaorgânica. Várias manifestações espíritasaludiram à possibilidade de aplicaçãoterapêutica desse elemento para a reconsti-tuição de tecidos vivos afetados ou destruí-dos por processos cancerosos. Experiênciasrealizadas atualmente em sessões dematerialização deram resultados animadores.Infelizmente não foram feitas em instituiçõescientíficas. Mas os médicos participantesdessas experiências entendem que, sepesquisadores categorizados tratarem doassunto, abrirão uma nova era no tratamen-to das recuperações consideradas impossí-veis.

Pietro Ubaldi, que apesar de médium nãoera espírita, admite em suas obras que oectoplasma pode ser um ensaio de novaforma de reprodução da espécie, um novosistema biológico em desenvolvimento, quesubstituirá o sistema animal de reproduçãosexual. Todas as pessoas envolvidas nessas

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duas hipóteses são dotadas de cultura

científica. Nenhuma delas apelou paraexplicações sobrenaturais do fenômeno.

  As campanhas clericais contra o Espiri-tismo, apoiadas muitas vezes pelas corpora-ções científicas, alimentaram o preconceito

antiespírita numa sociedade fechada, cujacultura rigidamente estruturada não admitiaincursões estranhas, nem mesmo quandolideradas por expoentes dessa mesmacultura. A luta de Pasteur contra os cabeças-

duras do seu tempo é suficiente paramostrar as barreiras que se levantam quandouma novidade aparece no campo científico.Mas hoje essas barreiras já foram de talmaneira derrubadas dentro da própriafortaleza científica que podemos ter algumaesperança. Parece não estar longe o dia emque o sonho de Kardec será realizado: asciências do espírito e da matéria se conjuga-rão.

Estamos às portas de uma revoluçãocultural decisiva. A terapêutica espírita

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to. Fundam sua eficácia na fé ingênua que

brota do sentimento religioso intuitivo (ouinstinto espiritual) e requerem posturascorporais específicas e elementos materiaiscomo veículos da graça celeste. As religiõesformalistas se acomodam nesses processosda tradição milenar, esquecidas de que ohomem já superou o uso de instrumentosrudimentares nas relações com Deus.

O complicado aparato das religiões má-gicas, que auxiliou no passado o pensamento

humano a desprender-se das entranhas daterra, atualmente impede esse mesmopensamento de atingir a autonomia de quenecessita para librar-se aos planos superio-res da verdadeira vida espiritual. Enquantoos clérigos ilustrados retêm os seus adeptosno emaranhado das práticas rituais, impossi-bilitando-lhes a compreensão verdadeira dosprincípios evangélicos, os missionários porconta própria capitalizam habilmente osresultados dessa retenção indébita atravésdo comércio da cura divina. É uma espécie

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de conluio inconsciente, de que uns e outros

não têm a percepção clara, e cujos resulta-dos, úteis no plano especifico da prática, sãoentretanto prejudiciais no plano geral daevolução humana.

Imantar o psiquismo das camadas ingê-

nuas da população, através de excitaçõesemocionais, ao campo hipnótico dos mitos éo mesmo que incentivar o uso de psicotrópi-cos a pretexto de socorrer o desesperohumano. Na própria Bíblia, os clérigos atuais

(uma espécie social em vias de extinção)encontram a lição arrepiante de Moisés, quepreferiu mandar passar a fio de espada osisraelitas apegados à idolatria e à magiaegípcia, a comprometer o futuro espiritual deIsrael. Hoje não precisamos dessa violênciaassassina; basta um pouco de boa-vontade eraciocínio para se compreender que as raízesamargas do passado podem ser extirpadascom ensinos e exemplos de renovaçãomental.

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O sentimento religioso do homem res-

ponde pelo impulso de transcendência queas filosofias existenciais são unânimes emreconhecer no devir humano, no instintoevolutivo da espécie. O desenvolvimento dalei de adoração, atestado pelas pesquisasantropológicas, o confirma. Não há maistempo a perder com artificialismos supera-dos.

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Capítulo 12

Rito e Palavra

O formalismo das igrejas caracteriza-seprincipalmente pelos seus rituais. Mas todorito implica o uso da palavra. Trata-se deuma conjugação de dois sistemas comple-mentares de comunicação. A eles se junta o

instrumento, na explicação clássica daevolução humana. Foi graças ao rito e àpalavra que o homem ascendeu do primataao sábio. Mas, para dar mais alcance aoprocesso de comunicação, o homem teve de

inventar o instrumento. O fogo, a fumaça,penas de aves nas árvores, estacas no chãoforam os precursores de todos os meios decomunicação à distância de que hoje nosorgulhamos. Mas pouca gente sabe, além

dos círculos restritos de especialistas, que osanimais também se utilizam de ritos e até

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mesmo de palavras em seus processos de

comunicação. No tocante aos instrumentos,eles os trazem no próprio corpo, o que nãoimpede que animais superiores se utilizemtambém de instrumentos naturais, comopedras e varas. Remy Chauvin, biólogo eentomólogo francês da atualidade, em seulivro Les Societés Animales, oferece-nosabundantes informações sobre este assunto.

  A teoria da evolução criadora, de HenriBergson, propõe-nos a tese da infiltração do

impulso vital na matéria em duas direções:uma que leva ao desenvolvimento dosinsetos sociais, outra que resulta no apare-cimento das sociedades humanas. Chauvinchega mesmo a referir-se à civilização dasabelhas, advertindo naturalmente que setrata de civilização de insetos e não humana.Ortega y Gasset discorda do uso do termosocial para os insetos, mas Chauvin, quepesquisou o problema a fundo, não encontraexplicação para o fato de não haverem osinsetos sociais alcançado o plano do pensa-

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mento criador. Chega mesmo a supor que

talvez em outro planeta o tenham feito. Tudoisso pode ser pouco lisonjeiro para o orgulhohumano, mas nem por isso deixa de sersignificativo para os estudiosos da evoluçãohumana na terra. Chauvin é diretor depesquisas do Instituto de Altos Estudos deParis. Menciono esse dado da sua ficha paramostrar a sua qualificação científica.

O que nos interessa neste problema éverificar, através de dados científicos, que o

formalismo religioso, como o social e o daschamadas sociedades ocultas não provêm deuma revelação divina, mas do impulso vitalque, passando através das espécies animais,projetou-se e desenvolveu-se no homem. Osacerdote que se paramenta para umacerimônia religiosa, o maçom que veste osseus símbolos para uma sessão da loja, ouniversitário que enverga a sua beca para aformatura talvez não saibam que repetemprocessos antiqüíssimos – evidentementerefinados pela tradição humana –, que

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procedem de ritos animais de milhões de

anos antes da aparição do homem noplaneta. Isso pode desapontar a nossavaidade, mas servirá para nos lembrar ahumildade. Não somos seres privilegiados naTerra. Somos os últimos rebentos de umaevolução multimilenar daquilo que, noEspiritismo, chama-se princípio inteligente, oespírito que estrutura a matéria e atravésdela se desenvolve, despertando suaspotencialidades ocultas e fazendo-as passarde potência a ato, de possibilidade a realida-de.

Num trabalho curioso sobre a origem dosrituais na Igreja e na Maçonaria, HelenaBlavatsky explica a procedência agrária dosritos principais das religiões e das ordensocultas. Os estudos de James Frazer,François Berge, René Hubert e outrosmostram a relação direta dos ritos humanoscom os ritmos da Natureza: a sucessão dosdias e das noites, dos anos, das estações,das gerações. Esses ritmos naturais parecem

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refletir-se nos mecanismos da vida em

formação e da inteligência em desenvolvi-mento. O instinto de imitação produz osídolos grotescos das tribos e mais tarde asimagens artísticas das igrejas, enriquecidaspela imaginação criadora. Pestalozzi tinharazão em dividir as religiões em duascategorias: as animais e as sociais, quecorrespondem às primitivas e às civilizadas.Nas primeiras ainda imperam os instintosanimais, nas segundas as forças centrípetasda aglutinação social, gerando o sócio-centrismo das culturas antigas. Todas essasreligiões são de elaboração telúrica, ligadasaos ritmos da terra. Mas Pestalozzi, mestrede Kardec, admitia uma religião superior,desligada dos elementos materiais, a que

chamava apenas de Moralidade, para nãoconfundi-la com as anteriores. Essa a religiãoespiritual que seu discípulo iria formular, combase nas revelações dos espíritos. Nela, porser espiritual, não há ritos nem mitos, nem

sacerdotes nem altares, nem mesmo dogmas

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com os movimentos do corpo. Não obstante,

a palavra conserva o domínio da expressãodo pensamento, tendo a mímica e a gesticu-lação como elementos acessórios de expres-são. Não importa que a mímica ou a atitudede quem fala possa, não raro, modificar oprópria sentido da palavra. No centro doprocesso de comunicação permanece apalavra como seu elemento essencial.

O problema da origem da palavra con-funde-se com o da origem da mímica e do

rito. Se apontamos com o dedo um objetoestamos nos referindo a ele. A palavra faz omesmo: refere-se a um objeto. Surgiu,portanto, com o desenvolvimento da inteli-gência e a necessidade de comunicação.Cada palavra é um signo, um sinal, um gestooral. Não apareceu milagrosamente na Terra,mas pelo esforço do homem na elaboraçãodos seus instrumentos de comunicação.

 As religiões formalistas dão à palavra um

caráter divino e consideram os textosreligiosos como a Palavra de Deus. Mas é

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evidente que Deus, o Ser Absoluto, não

necessita dos meios relativos de comunica-ção de que necessitamos. No Espiritismoconsidera-se a linguagem dos seres superio-res como apenas mental. Os espíritos falampor telepatia. A linguagem telepática é a dopensamento puro que costumamos traduzirem palavras. Por sinal que a palavra telepa-tia não quer dizer apenas transmissãomental de palavras, mas transmissão dopathus individual de cada um, de seuspensamentos e suas emoções, de todo o seuestado psíquico num dado momento. Bastaisso para nos mostrar a riqueza da lingua-gem telepática. A palavra de Deus, ou seja, asua forma de expressão, teria de ser aindamuito mais complexa e rica.

Psicologicamente podemos figurar assimo mecanismo da palavra: temos umasensação provocada por estímulo exterior ouinterior, essa sensação produz em nossoíntimo, em nossa afetividade, uma emoção eem nossa vontade uma volição, um impulso

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de expressá-la, que provoca na mente uma

idéia daquilo que sentimos, um conceito quese traduz em um ou vários sons articuladosque constituem uma palavra. Se quisermosgravar essa palavra temos de recorrer àsletras de um alfabeto. Servimo-nos assim dalinguagem oral e da linguagem escrita paradizermos alguma coisa. O pensamento foitraduzido em sons e depois em letras. Comopodemos aceitar que a palavra de Deusesteja num livro? Isso equivale a submeterDeus ao nosso condicionamento humano.

Por outro lado, costumamos dizer que apalavra é criadora, tem o poder de criar. Porisso acredita-se que Deus criou o mundopela palavra. Trata-se de uma alegoria, deuma simples imagem, mas as igrejas exigemque aceitemos essa imagem como realidade.

 A imagem é bela e podemos aceitá-la comaimagem. Deus disse: Faça-se a Terra e elase fez. Mas se tomarmos isso ao pé da letracaímos no absurdo. Deus fala em nossaconsciência e em nosso coração, mas não

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fala por palavras, nem em linguagem

humana. Fala em sua linguagem divina, emsua linguagem de Deus. Podemos compre-ender isso? Sim, se prestarmos atenção àvoz de Deus em nós, que nos fala porintuições, pressentimentos, emoções. Eletoca as nossas teclas internas e soamoscomo um piano. Mas quem poderia escrevero que Ele nos diz? Nós mesmos não o pode-ríamos fazer.

Muitas pessoas ilustradas, doutoradas,

ordenadas em cerimônias religiosas nãocompreendem isso. Esperam a voz de Deuscomo a de alguém que falasse através dalinguagem humana. E podem ouvir uma vozque lhes fala no silêncio, como milhões depessoas ouvem diariamente. As pesquisasatuais da telepatia mostram que isso épossível e até mesmo natural. Podemosreceber comunicações telepáticas de criatu-ras vivas e criaturas que já morreram. E seesperamos a voz de Deus como voz humana,certamente aceitaremos que Deus nos falou.

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De nada valem os rituais pomposos que

só nos lembram as épocas de falso esplendordos homens que se diziam ungidos ecoroados por Deus. De nada vale a leiturados livros sagrados para a nossa salvaçãopessoal, ajeitando-nos comodamente nocarro particular dos eleitos. Deus não quer afidelidade forçada dos filhos que ele crioupara a herança divina através das experiên-cias da vida. Seu plano está evidente noespetáculo do mundo. Passam as gerações eas civilizações na roda das ilusões, mas Deusespera paciente por cada um de nós.Precisamos compreender que somos criatu-ras em evolução e que se Deus nos colocouno mundo não foi pelo pecado ingênuo de

  Adão e Eva, mas porque precisamos evoluir

através das experiências da vida. Todos nósfomos feitos do mesmo barro, segundo aalegoria bíblica que o Espiritismo explica demaneira tão grandiosa e tão lógica. Somospartes da obra de Deus e não fomos desti-

nados à perdição, mas à salvação. Mas não é

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através de ritos e palavras que podemos

livrar-nos de nossos erros. Temos de acertar,de corrigir-nos. Deus nos espera.

Não devemos extraviar-nos nas ilusõesda Terra, para não retardar a nossa evoluçãopara Deus. Entre essas ilusões estão a da

santidade fácil, a da hipocrisia que nos leva aconsiderar-nos melhores que a maioria, a dapretensão de podermos passar através deritos e sacramentos ao mundo dos eleitos, aaudácia de querermos ouvir a voz de Deus

em particular, enquanto ela soa no mundopara todos ouvirem. O maior pecado é o dafuga à vida, às experiências que nos desafi-am. Nascemos para viver a vida e precisa-mos vivê-la sem apego às coisas do mundo,mas sem rejeição ao mundo, que é obra deDeus. Esse difícil equilíbrio é o objetivo danossa ginástica existencial. Jesus preferiuZaqueu e Madalena aos doutores do Templo,não condenou a mulher adúltera nem aenviou aos juizes do Sinédrio, aconselhando-a apenas a afastar-se da vida desregrada.

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Não adianta buscarmos a Deus em longas

meditações, recusando o caminho que elemesmo nos deu para irmos ao seu encontra:o da vida honesta e cheia de amor e com-preensão para todos os nossos companhei-ros da existência terrena. A Terra é a naveceleste que Deus nos deu para alcançarmosas muitas moradas da Casa do Pai.

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Capítulo 13

Revolução Cósmica

Em meados do Século XIX ocorreu umaabertura cósmica para o homem em todos ossentidos. Três séculos após a RevoluçãoCopérnica, que começara a demolir ogeocentrismo de Ptolomeu, Kardec rompia o

organocentrismo da concepção científica dohomem, que tinha em seu apoio a tradiçãoreligiosa judeu-cristã. Nicolau Copérnicoescrevera em latim o seu tratado De Revolu-cionibus Orbium Celestium (Das Revoluções

das Orbes Celestes) que só foi publicado em1543, após a sua morte, e condenado peloPapa Paulo V. Kardec publicou “O Livro dosEspíritos”, em 1857, que também nãoescapou à dupla condenação da Igreja e da

Ciência.

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metafísica do homem. Entretanto, pode-se

aplicar às religiões a advertência de Descar-tes quanto ao perigo de fazer-se confusãoentre alma e corpo. Enquanto para oEspiritismo a alma é o espírito que anima ocorpo, havendo nítida distinção entre um eoutro, as religiões admitem a unidadesubstancial de alma e corpo, de tal maneiraque a ressurreição se verifica no própriocorpo. A complexa teoria de matéria eforma, de Aristóteles, deu muito pano paramanga na teologia medieval, resultando nadoutrina da forma substancial, em queforma é substância e substância é forma. Emconseqüência, matéria e forma se misturame não se sabe como explicar o homem sem asua estrutura orgânica de matéria, pois

chega-se mesmo a sustentar que o homem épó e em pó se reverterá na morte.

Opondo-se a essa posição restritiva, quereduz o homem á condição de bicho daterra, segundo a expressão camoneana, oEspiritismo o reintegra na dignidade de sua

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natureza espiritual e reajusta a sua imagem

no panorama cósmico. A manifestação dosmortos, demonstrando que continuam vivose atuantes noutra dimensão da vida, e quecontinuam a ser o que eram apesar de nãomais possuírem o corpo material, não deixanenhuma possibilidade de dúvida sobre adiferença entre conteúdo e continente, entreespírito e corpo. A confusão de forma esubstância resolve-se com a demonstraçãoda estrutura tríplice do homem: o espírito é asubstância, a essência necessária, o ser doprimado ôntico de Heideggar; o perispírito(corpo espiritual ou bioplásmico) é a formada hipótese aristotélica, o padrão estruturaldos biólogos soviéticos; o corpo é a matériaque nos dá o ser existencial. Essa é a tese

espírita dos dois seres do homem: o ser doespírito e o ser do corpo.

E o não-ser, como queria Hegel, não éum ente especifico e autônomo, oposto aoser, mas inerente ao ser de relação ouexistencial, ligado a ele na existência como

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contrafação, determinado pela oposição da

existência ao ser. É o que vemos no proble-ma da relação Deus-Diabo, em que a figurado Diabo só é tomada em sentido mitológico,nunca real, como personificação das forçasdo passado, que pesam sobre o ser existen-cial, embaraçando-lhe o desenvolvimento. Onão-ser é o que não quer ser, não queratualizar-se na existência, mas permanecer oque era, apegado aos resíduos das fasesanteriores ao ser. Uma das funções do ser éabsorver o não-ser para levá-lo a ser,segundo a tese da passagem do inconscienteao consciente, de Gustave Geley.

É assim que o homem se reintegra, pelaconcepção espírita, na realidade cósmica.Não é mais um ser isolado na Criação,privilegiado pela inteligência e amesquinhadopela morte, não é mais aquela paixão inútil de Sartre que o tempo consome e reduz anada. O homem é a síntese superior produ-zida pela dialética da evolução criadora deBergson nos reinos inferiores da Natureza, a

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partir das entranhas da Terra. No seu curso

de milhões e milhões de anos, a partir damônada oculta na matéria cósmica, impulsi-onado na ascensão filogenética das coisas edos seres, passando pelas metamorfoses deuma ontogenia assombrosa, ele atingiu aconsciência e descobriu a marca de Deus emsi mesmo. Herdeiro de Deus e co-herdeiro deCristo, segundo a expressão do ApóstoloPaulo, o homem não está condenado àfrustração da morte, mas destinado à vidaem abundância na plenitude do espírito.

Não é fácil à mentalidade necrófila de-senvolvida pelas religiões da morte, sob opeso esmagador da escatologia judaica e datragédia grega, compreender essa visãonova do homem como um ser cósmico. Porisso acusa-se o Espiritismo de reativarantigas superstições e voltar à concepção dametempsicose egípcia elaborada pelo gêniode Pitágoras. Não percebe essa mentalidadeque a teoria pitagórica da metempsicoseimpunha-se ao sistema do filósofo por uma

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intuição do seu próprio gênio e pela necessi-

dade lógica. O homem pitagórico antecipou ohomem do Espiritismo na medida possíveldas grandes antecipações históricas. Era umhomem cósmico por antevisão, tão integradoe entranhado na realidade universal que nãopodia escapar do círculo vicioso das formasse não despertasse em seu íntimo ospoderes secretos da mônada. O conceito dohomem em Pitágoras é infinitamentesuperior ao das religiões atuais e ao dasfilosofias do desespero e da morte em nossoséculo.

Quando Pitágoras falava da música dasesferas não se embrenhava nas superstições,mas abria a mente de seus discípulos para avisão real do Cosmos, que só em nossotempo se tornaria acessível a todos. Maistarde, Jesus também anunciaria as muitasmoradas do Infinito e ensinaria o principio daressurreição e das vidas sucessivas, estarre-cendo um mestre em Israel que não sabiadessas coisas. Já numa fase mais avançada

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da evolução terrena, Jesus não se referia à

metempsicose, mas à palingenesia dopensamento grego, à transformação cons-tante dos seres e das coisas no desenvolvi-mento do plano divino. Nesse mesmo tempo,nas antigas Gálias, os celtas, que para

  Aristóteles eram um povo de filósofos,divulgavam esses mesmos princípios pela vozdos seus bardos, poetas-cantores das tríadessagradas. E entre eles, como um druida,Kardec se preparava para a sua missãofutura na França do Século XIX.

  Vemos assim duas linhas paralelas nafilogênese humana: de um lado temos aevolução do principio inteligente a partir dosreinos inferiores da Natureza, onde amônada, a semente espiritual lançada pelopensamento divino, desenvolve as suaspotencialidades numa seqüência natural emque podemos perceber as seguintes etapas:o poder estruturador no reino mineral, asensibilidade no vegetal, motilidade doanimal, o pensamento produtivo no homem.

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  A este esquema linear temos de juntar a

idéia do desenvolvimento simultâneo detodas essas potencialidades, num crescendoincessante, num processo dialético dedinamismo tão intenso e complexo que malpodemos imaginar. Foi isso que levouGustave Geley, o grande sucessor de Richet,a considerar a existência em todas as coisasde um dinamismo-psíquico-inconsciente querege toda a evolução. Que abismo entre essaconcepção da gênese universal que oEspiritismo oferece e a gênese alegórica dasreligiões! E mesmo em relação à gênesecientífica podemos notar a superioridade daconcepção espírita, que não se restringe àidéia de um processo dinâmico de forçasdesencadeadas no plano superficial da

matéria, mas penetra nas entranhas dofenômeno para descobrir o número, aessência determinante do processo e osobjetivos graduais e conscientes que sãoacessíveis à nossa percepção e compreen-

são. A criação do homem, a sua natureza e o

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seu destino tornam-se inteligíveis. Édipo

decifra os mistérios da Esfinge. Apesar disso, há criaturas que acusam oEspiritismo de doutrina simplória, de simplesabecê da Espiritualidade, curso primário deiniciação nos conhecimentos superiores da

realidade universal. Enganam-se com alinguagem simples das obras de Kardec,através da qual o mestre francês colocou aoalcance de todos, graças a um processodidático dificílimo de se atingir e aplicar, os

mais graves problemas que os sábios dofuturo teriam de enfrentar, como estãoenfrentando neste momento. A simplicidadede Kardec é tão enganosa como a deDescartes. À maneira do Discurso doMétodo, “O Livro dos Espíritos” é um desafiopermanente à argúcia e ao bom-senso dossábios do mundo. Esses dois livros noslembram a simplicidade enganosa dosensinos de Jesus, que os teólogos enredaramem proposições confusas, não compreen-

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dendo o seu sentido profundo e impedindo

os simples de compreendê-lo.Mas voltemos às duas linhas paralelas dafilogênese humana, para tratar da segunda.Na primeira tivemos o processo natural dedesenvolvimento das potencialidades do

princípio inteligente, que podemos compararao crescimento da criança e aos primeiroscuidados com a sua educação. Temos deaguardar o desenvolvimento orgânico dacriança para que as suas possibilidades

mentais se revelem. E temos então deorientar as suas disposições naturais para oaprendizado escolar. O que vimos naprimeira paralela foi exatamente esseprocesso. Quando as potências da mônadaatingiram o desenvolvimento necessário àsua individualização definitiva, como criaturahumana, e a consciência mostrou-se estrutu-rada, começou então o processo da suamaturação e do seu aprendizado. O clã, atribo, a horda, a família e as formas sucessi-vas de civilização representam as etapas da

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segunda linha paralela, em que se verifica o

desenvolvimento cultural. A inteligência, jáformada, vai ser cultivada ao longo dotempo, nas gerações sucessivas. As diferen-ciações monádicas intuídas por Leibniz, comoas diferenciações na constituição atômicaverificadas pela Física atual, respondempelas características diversas e diversificado-ras das criaturas humanas em substância eforma. Essas diferenciações não são apenasindividuais, mas também grupais, determi-nando por afinidade os grupos familiais eraciais. Os elementos da natureza, do meiofísico, e as miscigenações, as misturas raciaise culturais, contribuirão para acentuar asdiversificações no decorrer do tempo. Nota-se a existência de um dispositivo protetor

das raças e culturas em desenvolvimento,nas primeiras fases do processo, com oisolamento dos grupos afins nos continentes.Mas esse dispositivo não é artificial, entrosa-se naturalmente no processo evolutivo, em

que todas as condições necessárias decor-

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rem das variantes evolutivas. São inerentes

ao processo.Quando os vários grupos amadureceramsuficientemente e conquistaram um graurelativamente elevado de civilização, inicia-sea fase das conquistas, da dominação dos

grupos mais poderosos sobre os mais fracos,numa longa e penosa elaboração de novascondições de vida e cultura. Kerschensteinercoloca o problema da cultura subjetiva e dacultura objetiva, a primeira correspondendo

ao plano das idéias, da elaboração intelectu-al, a segunda ao plano da prática, do fazer,das realizações materiais.

E Ernst Cassirer mostra como a culturaobjetiva conserva em suas obras materiais,

gravadas nos objetos, as conquistas subjeti-vas de uma civilização morta. A Renascença,por exemplo, revela como as conquistasespirituais do mundo clássico greco-romanoforam arrancadas das ruínas e dos arquivos

aparentemente perdidos e reelaboradas pelomundo moderno. Dewey, por sua vez,

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acentua a importância da reelaboração da

experiência nas gerações sucessivas. Mas quando chegamos ao ponto em quehoje estamos, prontos para um salto culturalde natureza qualitativa, ainda não podemosconsiderar-nos como obra concluída. Como

observou Oliver Lodge, o homem ainda nãoestá acabado, mas em fase talvez deacabamento. Sim, talvez, porque o nossootimismo e a nossa vaidade podem enganar-nos a respeito do nosso estágio atual de

realização. A própria situação da Terra,isolada no espaço e só agora tentando aexpansão cósmica, deve advertir-nos de queainda não estamos preparados para ingres-sar na comunidade dos mundos superiores.Somos ainda um obscuro e grosseirosubúrbio da Cidade de Deus e só à distânciapodemos vislumbrar o esplendor da luminá-ria celeste na imensidade cósmica. Nossospróprios meios de penetração no espaçosideral são demasiado rudimentares eprecários. Nossos corpos animais não nos

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permitem viver em condições superiores às

da Terra. O desenvolvimento de nossospoderes psíquicos está ainda começando enossa capacidade mental, condicionada porum cérebro de origem animal, não vai muitoalém dos processos indutivos e dedutivos,mal arranhando o litoral esquivo do mundoda intuição. Como assinala Remy Chauvin,nem mesmo conseguimos atingir umaorganização social superior, permanecendoainda num plano de barbárie, estruturadoem princípios ilógicos decorrentes da selva,com o predomínio da força sobre o direito.

Não obstante, estamos avançando maisrapidamente do que nunca. E se a nossavaidade e o nosso egoísmo não nos cegarempor completo, se formos capazes de reco-nhecer no Espiritismo a doutrina que encerrao esquema do futuro, a plataforma espiritual,política e social do novo mundo que temosde construir no planeta – não mais a ferro,fogo e sangue – mas a golpes de inteligên-cia, compreensão e fraternidade, então

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poderemos atingir a maturidade humana.

Caso contrário retornaremos à selva,recomeçaremos de novo o nosso aprendiza-do desde o princípio, reiniciaremos o cursodesperdiçado das instruções superiores. Enão teremos mais em nossa companhia osque souberam vencer, pois cabe-lhes odireito de se transferirem para os cursosuniversitários da Cidade de Deus, em que oPai certamente os matriculará. A escolha nospertence, a decisão é nossa. Deus nosconcedeu, com a consciência, o direito e odever das opções.

Kardec sabia o que fazia, quando evitavaa confusão do Espiritismo com as religiõesdogmáticas e formalistas, sem entretantonegar ao Espiritismo o seu aspecto religioso.Teve mesmo o cuidado de não cortar emexcesso as ligações da doutrina com atradição religiosa, pois sabia que a evoluçãonão pode sofrer, sem graves perigos desolução de continuidade. O princípio espíritado encadeamento de todas as coisas no

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Universo estava presente em sua mente.

Poucas obras revelam uma compreensão tãoclara e profunda da natureza orgânica doUniverso, como a Codificação. E por isso, enão por sectarismo ou fanatismo, que nãopodemos fazer concessões ao passado nocampo das atividades doutrinárias. Avança-mos para um novo mundo que só o Espiri-tismo pode modelar, pois só ele revelacondições para isso em sua estruturadoutrinária. Mas se não procurarmos com-preendê-lo em toda a sua grandeza, é certoque o reduziremos a uma seita fanática decrentes obscurantistas. Evitemos essa quedano passado, para nós mesmos e para omundo. Tenhamos a coragem de avançarsem muletas e sem temor para a Civilização

do Espírito.

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Capítulo 14

O Problema da Violência

Chamamos Civilização do Espírito aquelaem que os poderes espirituais regerão a vidasocial. Para isso é necessário que a socieda-de seja constituída por seres morais,criaturas formadas nos princípios da moral-

consciencial. Essa moral corresponde ao queHubert considera as exigências da consciên-cia. Não se trata, pois, de um conceito demoral metafísica, de uma formulação utópicade sonhadores. Mesmo que o fosse, a

definição da utopia por Karl Mannheim nossocorreria quanto à sua validade. Se asutopias são, como quer Mannheim, percep-ções antecipadas de realidades futuras –possibilidade provada pelas pesquisas

parapsicológicas – nem assim estaríamostratando de hipóteses vazias. Mas quando

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aludimos à consciência estamos pisando na

terra e não olhando para o céu. A consciên-cia é um dado positivo, uma realidadeantropológica e social que ninguém seatreveria a contestar. Ela rege a nossa vida,o nosso comportamento nas relaçõeshumanas e por isso se projeta de maneirainegável no plano do sensível.

Sabemos que a consciência varia degraus no tocante à sua estrutura e à suacoerência. E sabemos também quais os

perigos concretos de uma consciênciaimatura, ainda não suficientemente definida,e portanto frouxa ou incoerente, contraditó-ria, que pode produzir catástrofes no âmbitoda sua influência ou do seu domínio. Asvariações da moral entre os grupos humanose as próprias civilizações decorrem mais daposição da consciência dominante nasociedade do que dos fatores mesológicos esuas conseqüências econômicas. No planoreligioso a consciência é um fator determi-nante da realidade religiosa. A consciência

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  judaica de Saulo de Tarso fez dele um

perseguidor sanguinário dos cristãos primiti-vos, o lapidador cruel de Estevão. Mas, aoajustar a sua consciência aos princípioscristãos, ele se transformou no Apóstolo dosGentios e no maior propagador do Cristia-nismo.

 As exigências da consciência são sempreas mesmas em todos os homens. As varia-ções de graus e de coerência decorrem doprocesso de maturação e das condições de

meio e educação. A consciência amadurecena proporção em que as experiências vãorevelando ao espírito o seu anseio latente detranscendência. A vontade de potência, deNietzshe, é o primeiro impulso que leva ohomem, ainda na selva, a querer sobrepujaros outros, elevar-se acima das condiçõesgerais do meio. Esse impulso se prolongaráno processo evolutivo. O homem se envaide-ce com a sua capacidade de subjugar osoutros, de mandar, de impor medo, respeito,submissão aos demais. Sua consciência se

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interação social, na recíproca das obrigações

e das necessidades, na transformação dosinstintos em sentimentos, irá pouco a poucodespertando-o para novas dimensõesconsciênciais.

  A violência do homem civilizado tem as

suas raízes profundas e vigorosas na selva.O homo brutalis tem as suas leis: subjugar,humilhar, torturar, matar. O seu valor estásempre acima do valor dos outros. A suacrença é a única válida. O seu modo de ver o

mundo e os homens é o único certo. O seudeus é o único verdadeiro. Só o que é bompara ele é bom para a comunidade. Os quese opõem aos seus desígnios devem sereliminados pelo bem de todos. A violência éo seu método de ação, justificado pelo seuvalor pessoal, pela sua capacidade única de

  julgar. Tece ele mesmo a trama de fogo doseu futuro nas encarnações dolorosas queterá de enfrentar. As religiões da violênciafizeram de Deus uma divindade implacável eos livros básicos de suas revelações estão

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princípios errôneos por conveniência. O

espírito se coloca então em luta consigomesmo, negando o seu próprio desenvolvi-mento consciencial e ateando em si mesmo afogueira dos remorsos futuros.

 A Civilização do Espírito se torna, assim,

o resultado de um parto doloroso. Mas,como todos os partos, tem de ser feito. E seacaso for possível o aborto, a civilização sefechará sobre si mesma e todos os respon-sáveis mergulharão com ela nas trevas da

miséria moral. As fases de transição, naevolução dos mundos, são também fases de  julgamento individual das criaturas que oshabitam. Daí o mito do Juízo Final, em quetodos serão julgados. Mas não haverá umTribunal Divino nas nuvens, porque essetribunal está naturalmente instalado naconsciência de cada indivíduo. A presença do

 julgador é onímoda e fatal, porque cada qualserá juiz implacável e inevitável de simesmo.

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 A agonia das religiões é a agonia de um

mundo. Por isso a Terra inteira participadessa mesma agonia. A queda dos deusesmitológicos do mundo clássico foi também aqueda dos grandes impérios. Em vão Césarprocurou desligar-se de Júpiter e aceitar oDeus Único. A conversão do Império foi asua própria morte. A Idade Média procurourestabelecer o reino da violência em nomede Jesus. Durou um milênio, pois a integra-ção dos bárbaros na ordem cristã exigia umareelaboração demorada e um reajustepenoso das contradições culturais. O Renas-cimento marcou o advento do que pareciaser, na verdade, uma civilização cristã. Masos resíduos da violência continuaram afermentar nas novas estruturas sócio-

culturais. A prova histórica de que a carga deviolência era enorme está hoje aos nossosolhos, na explosão de violências em todos osníveis do mundo contemporâneo. Nossaesperança é a de que essa explosão seja a

catarse final. O homo brutalis vai desapare-

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cer. Mas para isso é necessário o despertar

de novas dimensões na consciência atual.Não será sustentando e justificando asestruturas religiosas envelhecidas, submissasàs ordenações do passado bíblico, quefacilitaremos o advento da nova era. Muitomenos pela negação da própria essência, dohomem, através de ideologias materialistas.

 A busca da intimidade pessoal com Deus, emtermos fantasiosos, ou a negação de Deusem nome de uma razão ilógica são formascontraditórias de asfixia da consciência. Arejeição do Evangelho ou a manutenção desua interpretação sectária equivalem igual-mente à negação dos valores espirituais dohomem. A estrutura moral da consciênciaestá delineada de maneira indelével nas

páginas do ensino moral de Jesus. Temos deaprofundar o seu estudo e procurar aplicá-loem nossa vivência social. A civilização Cristãvai sair agora do tubo de ensaio, concretizar-se na forma real de uma Civilização do

Espírito, em que os princípios espirituais se

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encarnarão nas normas de conduta, nas

formas de comportamento do Novo Homem.O problema das relações humanas, colo-cado em forma de etiqueta nas velhascivilizações nobiliárquicas do Oriente e doOcidente, formalizado ao extremo nos

tempos feudais, e convertido em protocolode conveniências no mundo moderno econtemporâneo, terá de voltar ao ponto departida dos ensinos e dos exemplos deJesus. A regra áurea do amor prevalecerá

num mundo regido pela moral consciencial.Porque a primeira exigência da consciênciahumana é a do amor ao próximo, despreza-da e amesquinhada nas sociedades mercená-rias a ponto de levar-nos ao seu contrário –o ódio, essa cegueira do espírito, que gera esustenta a violência no mundo.

O pragmatismo das sociedades contem-porâneas coisificou o homem, o que valedizer que o nadificou no plano moral. Pior do

que a nadificação pela morte, da teoria deSartre, é essa nadificação em vida que reduz

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a criatura humana a objeto de uso. O

homem retorna a condição dos instrumentosvocais de Cícero, um instrumento que fala.Pode ser incluído entre os úteis ou amanuais de Heidegger, objetos manuseáveis. Opublic-relations de hoje é o fâmulo medievalaprimorado pela técnica, domesticado parasorrir e curvar-se em todas as ocasiões, poiso que importa é sempre o lucro, o que vale éa relação social em termos de vantagens,sempre que possível, pecuniárias. Esseaviltamento total do homem abriu ascomportas da violência represada debilmentepelas barreiras artificiais da civilização. Comoestamos vendo no panorama mundial daatualidade, com exemplos gritantes diaria-mente divulgados pelos meios de comunica-

ção, a besta-fera das selvas arrombou as  jaulas convencionais e tripudia sobre afragilidade humana.

Contra essa realidade exasperante, denada valem os sermões, as pregações, asladainhas e outras preces labiais. O mesmo

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indivíduo que se ajoelha diante das imagens,

nos templos suntuosos, volta ao seu postode mando para ordenar torturas canibales-cas. Está certo que Deus o aprova, pois ageem defesa da civilização cristã, aviltandoaqueles pelos quais o Cristo morreu, segun-do lembrou Stanley Jones. No começo doséculo, Léon Tolstoi já advertia que estamosnuma era de nova antropofagia, entãorequintada pelas técnicas modernas. Hoje,na era tecnológica, os instrumentos deopressão, tortura e aniquilamento do homematingiram a máxima perfeição diabólica.Tudo isso porque? Porque a deformação damente e o aviltamento da consciênciadesumanizou o homem.

Seria loucura responsabilizar unicamenteas religiões por essa calamidade. Mas seriahipocrisia querer isentá-las de culpa. Elas seapegaram à matéria em nome do espírito easfixiaram este em suas estruturas pragmáti-cas. Cabe-lhes pelo menos metade da culpa,pois que se fizeram mestras e orientadoras

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uma investidura divina contrária aos princí-

pios fundamentais do Evangelho. A imortali-dade do ser é a sua própria e irreversívelcondenação, ante as leis de Deus inscritasem sua consciência. A vantagem do Espiri-tismo, entre todas as doutrinas filosóficas donosso tempo, é a de colocar os problemas dohomem, mesmo no campo religioso, emtermos de razão e naturalidade, eliminandoos resíduos do sobrenatural que pesaramesmagadoramente sobre o passado, sem cairno ceticismo e no agnosticismo. Essa posiçãosuis generis do Espiritismo permite-lhepreparar o homem atual para uma existêncianormal e digna no futuro, desde que osespíritas, tão sobrecarregados de herançasreligiosas deformantes, não venham a cair

nas mesmas e nefastas ilusões da investidu-ra divina e da institucionalização hierárquicadas religiões da violência. Não escrevi esteensaio com fins proselitistas, pois umadoutrina aberta, sem finalidades salvacionis-

tas, fundada em métodos científicos de

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observação e pesquisa, como o próprio

Kardec afirmou, não é uma caçadora deadeptos. O que lhe interessa não é combateras religiões ou tirar de suas fileiras os quenelas se sentem bem, mas apenas ofereceraos homens de bom-senso uma visãorealista e por isso mais ampla e maisprofunda do homem e do seu destino noespaço e no tempo. Só essa compreensãoracional e superior do Universo, em que ohomem aparece integrado nas leis naturais,poderá modificar a mentalidade confusa econtraditória do nosso tempo e preparar-nospara a Era Cósmica, na qual a Terra sópoderá entrar com a Civilização do Espírito.Nessa civilização, que será a única dignadessa classificação, a única civilização

autêntica, os homens estarão investidos doúnico mandato realmente divino (conside-rando-se o divino como uma categoriasuperior à do humano) que decorre dasexigências de sua consciência moral.

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René Hubert interpreta a Educação, no

seu Traité de Pedagogie Generale, como umprocesso que tem por finalidade estabelecerna Terra a solidariedade de consciências, daqual resultará uma estrutura política e socialque ele chama de República dos Espíritos. Éessa República, em que a rés não se limitaàs coisas materiais, mas se estende sobretu-do às consciências, proclamando o primadodo espírito no planeta, que o Espiritismopretende atingir pelo trabalho e a compreen-são dos homens. Porque a tarefa é nossa enão de entidades mitológicas de qualquerespécie.

Se insisto na tônica do Cristianismo nãoé por menosprezo às demais correntes depensamento religioso, mas porque a experi-ência histórica, apesar de todos os pesares

  já anteriormente referidos, prova quesomente ele mostrou-se capaz de reformularo mundo em sua globalidade. As energiasespirituais e a orientação racional do ensinomoral do Cristo, encerrado no complexo de

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mitos dos Evangelhos, são, segundo enten-

do, os elementos que podem e realmente jáestão balizando o futuro da humanidadeterrena. O importante é chegarmos a essefuturo pelos meios adequados, com omínimo de conflitos criminosos e o máximode compreensão racional dos nosso objeti-vos. Como observou Gandhi em suasmemórias, os meios que nos podem levar àverdade e à dignidade só podem ser verda-deiros e dignos. Esses meios não precisamda justificação dos fins, pois justificam-se porsi mesmos.

 – Fim –

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J. Herculano Pires nasceu em25/09/1914 na antiga província de Avaré, noEstado de São Paulo e desencarnou em09/03/1979, em São Paulo. Filho de JoséPires Correa e de Da. Bonina Amaral Simo-netti Pires. Fez seus primeiros estudos em

  Avaré, Itaí e Cerqueira César. Revelou suavocação literária desde que começou aescrever. Aos 16 anos publicou seu primeirolivro, Sonhos Azuis (contos) e aos 18, osegundo livro Coração (poemas livres desonetos). Já colaborava nos jornais e revistasdas cidades de São Paulo e do Rio deJaneiro. Foi um dos fundadores da União

  Artística do Interior. Mudou-se para Maríliaem 1940 onde adquiriu o jornal DiárioPaulista e o dirigiu durante 6 anos. Com JoséGeraldo Vieira, Zoroastro Gouveia, Osório

  Alves de Castro, Nichemja Sigal, Anathol

Rosenfeld e outros promoveu, através do

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  jornal, um movimento literário na cidade e

publicou Estradas e Ruas (poemas) queÉrico Veríssimo e Sérgio Millet comentaramfavoravelmente. Em 1946 mudou-se paraSão Paulo e lançou seu primeiro romance, OCaminho do Meio, que mereceu criticaselogiosas de Afonso Schimidt, Geraldo Vieirae Wilson Martins. Repórter, redator, secretá-rio, cronista parlamentar e crítico literáriodos Diários Associados onde manteve,também, por quase 20 anos, a colunaespírita com o pseudômino de Irmão Saulo.Exerceu essas funções na Rua 7 de Abril porcerca de trinta anos. Em 1958 bacharelou-seem Filosofia pela Universidade de São Paulo,e pela mesma Universidade licenciou-se emFilosofia tendo publicado uma tese existenci-

al: O Ser e a Serenidade. Autor de 81 livros de Filosofia, Ensaios, Histórias, Psicologia,Espiritismo e Parapsicologia, sendo a suamaioria inteiramente dedicada ao estudo e àdivulgação da Doutrina Espírita, e vários de

parceria com Chico Xavier. Lançou, recente-

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mente, a série de ensaios Pensamento da

Era Cósmica e a série de romances de FicçãoCientífica e Paranormal. Foi diretor-fundadorda Revista de Educação Espírita publicadapela Edicel Em 1954 publicou Barrabás que