Helena Katz Os Primeros 25 Anos Deste Corpo

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    Criao /Dana

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    EMARCARum territrio com um processo autoral talvez constituaum indispensvel mecanismo de sobrevivncia que se aprende coma natureza. Quem atentar para a histria do Grupo Corpo vai en-

    contrar nela esta sabedoria. Parece que estes mineiros descobriram cedo

    que seria preciso se separar do igual para conquistar a chance de ser reco-nhecido. Afinal, como j aprendemos com Lacan, o outro quem valida anossa existncia quando nos devolve o seu olhar. Num mundo onde as in-formaes circulam rapidinho e tendem a pasteurizar os seus habitantes, aidentidade se torna moeda forte.

    Tudo o que posto no mundo deseja nele permanecer e durar, mas ascondies que cercam quem vive no Brasil e faz dana so adversas. Elasobrigam seus artistas a praticarem a criatividade no somente no palco, masprincipalmente fora dele. Aqui, quem faz da dana a sua profisso precisainventar sempre. Tambm por causa disso, a conquista de uma identidade

    conta muito.

    Quando Paulo Pederneiras pediu a seus pais (e ganhou) a espaosacasa onde a famlia morava para fazer, junto com seus irmos tambm envol-

    vidos com a dana, uma escola e depois uma companhia, ningum poderiaprever que os Pederneiras comeariam l, na rua Baro de Lucena 66, naBelo Horizonte de 1971, uma trilha de inauguraes. Os irmos Rodrigo(que se tornaria coregrafo), Pedro (que se transformaria no diretor tcni-co) e Mirinha (ex-bailarina e atual ensaiadora e assistente de Rodrigo), emais um grupo de amigos, entre os quais Carmen Purri (a Macau, ex-baila-rina e hoje tambm ensaiadora e assistente de Rodrigo), levariam adianteum projeto nico. Esse ncleo, ao qual o pintor, escultor e arquiteto Fernando

    Velloso e a arquiteta, designere paisagista Freusa Zechmeister se juntariammais tarde, viria a produzir no uma companhia profissional de dana, masumagriffeem termos de qualidade na rea. O hoje empresrio e produtorEmilio Kalil, que abandonou o jornalismo e sua cidade depois de assistir companhia em Porto Alegre, em 1978, ajudou a consolidar essa marca, poisintegrou-se ao Corpo, que passou a co-dirigir, ao lado de Paulo Pederneiras,at 1989.

    Os primeiros 25 anosdeste CorpoHELENA KATZ

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    Esse ano (1989) demarca a passagem para uma nova estrutura, queKalil ajudou a erguer. Foi quando se iniciou a parceria com a Shell, que se

    constituiria como um marco inaugural no marketing brasileiro. RobertBroughton, ento presidente da empresa, que morava h trs anos no Riode Janeiro e, no Carnaval, desfilava pela Mangueira, decidiu patrocinar ogrupo. Eles surpreenderam o mercado com um indito contrato para trsanos forma encontrada para garantir uma certa estabilidade para o patroci-nado. O relacionamento Corpo-Shell tornou-se um verdadeiro casede muitosucesso, que duraria exatos 10 anos.

    A partir da, o grupo pde, por exemplo, passar a encomendar e lan-ar todas as trilhas dos seus espetculos e produzir seus vdeos. Mas o que adata mais marca o incio de uma trajetria de maior segurana e com

    continuidade. Nessa poca, comearia tambm a definio dos papis doquarteto central que se tornaria o responsvel pelo produto que o pas pas-saria a reconhecer com orgulho e viria a cativar as suas platias.

    Fernando Velloso comeou como iluminador da primeira coreografiade Rodrigo Pederneiras, Cantares, em 1978, e estrearia como cengrafoem Missa do Orfanato, em 1989. Em O Corpo, que estreou em agosto, pelaprimeira vez assinou os figurinos junto com Freusa Zechmeister, h quase20 anos a responsvel pelo que os bailarinos usam em cena (roupas, sapatose cabelos). Freusa aderiu depois de assistir a um ensaio de Internea, em1981.

    Quem acompanha o grupo desde sempre, consegue identificar algu-mas fases da companhia. A primeira agrupa Maria, Maria(1976) e O lti-mo Trem(1980), e nelas Rodrigo Pederneiras atuava somente como bailari-no. Para coreografar ambas, o convidado foi Oscar Araiz, a figurinha carim-bada da poca e, para a trilha sonora, nada menos do que encomendas decomposies inditas para Milton Nascimento/Fernando Brandt. Emboraapontando para um tipo de entendimento de dana que a companhia viria aabandonar, j sinalizava para uma busca de acabamento e rigor e para umcompromisso com a msica especialmente composta para a dana.

    Ainda dentro da esttica vinculada a Oscar Araiz, mas j sem a suapresena, pode-se lembrar de uma outra fase, que se refere gestao dofuturo coregrafo Rodrigo Pederneiras. Ela comea ainda entre Maria,Maria e O ltimo Trem, com uma obra chamada Cantares (1978). Hainda mais cinco coreografias nesse eixo, produzidas depois de O ltimoTrem, que ningum mais lembra de associar a ele, a saber: Trpticoe Internea(1981), Noturnoe Reflexos(1982), e Sonata(1984).

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    Preldios (1985) muda tudo.Rodrigo comea a ser considerado

    um coregrafo profissional de pri-meira linha e o pas inteiro passa acelebr-lo como um artista em quemapostar. Da at 21 (1992), so 13criaes nas quais rascunha um do-mnio cada vez maior de estruturas eespaos e leva a tcnica do bal cls-sico a se tornar apta a receber conta-minaes transformadoras.

    Preldiostraz a matriz dos flu-

    xos que iro distinguir o modo comoPederneiras iria passar a tratar o pal-co. As terminaes das frases e suasarticulaes surgem l como logo-tipias do seu pensamento coreogr-fico. Da para a frente, so muitas assituaes em que vai exercitar umtalento voltado para as aes do cor-po que dana. Vo surgindo peascada vez mais especializadas na tare-

    fa de propor modos de deslocar con- juntos e de juntar bailarinos.Bachiana, Carlos Gomes Sonata(1986), Canes, Duo, Pas-du-Pont(1987), e Schumann Ballet, Raps-dia, Uakti(1988) vo deixando cadavez mais claro que dois tipos de es-trutura esto convivendo: aquelaonde Rodrigo explora invenes emescala menor (seus instigantes e cada vez mais intrigantespas-de-deux) eoutra, onde trabalha as linhas no es-pao, especialmente os entra-e-saide cena da companhia.

    A certa altura, acontece Mulhe-

    res (1988). Convidada por Emilio

    Kalil, Susanne Linke passa um tempo

    em Beag e monta esta sua coreogra-

    O interesse pela dana foi

    despertado em mim por eles

    DEPOIMENTODEJOSMIGUELWISNIK

    OMPOSITOR, msico e professor de Litera-

    tura da USP, Jos Miguel Wisnik compsa msica do espetculoNazareth, estreado peloGrupo Corpoem 1993. Em seu depoimento

    ESTUDOSAVANADOS, ele fala de sua experincia

    pessoal de trabalhar com a Companhia.

    C

    ESTUDOSAVANADOS Como o senhor v atrajetria do corpo de bal Grupo Corpoden-tro das atividades da dana no Brasil?

    Jos Miguel Wisnik Eu no sou um conhece-dor de dana, mas venho acompanhando bemde perto o Grupo Corpo, h oito anos, desdeque os conheci e fui convidado para fazer amsica do espetculo Nazareth, que teve suaestreia em 1993 e foi produzido em 1992. Ouseja, mesmo no sendo um conhecedor da dan-a at ento, eu no tinha na verdade grande

    aproximao com a dana, eu via poucos espe-tculos a partir de ento, o interesse pela dan-a foi despertado em mim por eles e eu passei aacompanhar de perto o seu trabalho e a acom-panhar um pouco mais as coisas que aconte-cem em dana no Brasil. Do que eu posso di-zer sobre eles nesse cenrio, antes de mais nada, registrar o quanto surpreendente a quali-dade e a consistncia dos espetculos deles, quenos fazem pensar sobre como isso chega a ser

    possvel no Brasil. Realizar-se um trabalhocomo esse, que envolve um esforo continua-do de um grupo muito grande de pessoas: umcorpo de baile com 18 danarinos, coregrafo,equipe de cengrafo, iluminador, direo ar-tstica e tudo o que cerca um trabalho cotidia-no que torna possvel a um grupo desses exis-tir, consolidar-se, ter uma presena forte noBrasil, fora do Brasil. Todas essas conquistas

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    fia para o Grupo Corpo. Pronto. Era o momento certo para a virada que

    irromperia depois. A informao trazida por ela, do gesto mais dramatizado

    em que a expressividade se acomoda, resultaria em Missa do Orfanato, no anoseguinte. Ou seja, seria preciso um vrus externo ao ambiente que a compa-

    nhia respirava para coloc-la para percorrer outros trilhos. Em Missa do Orfa-

    nato, tambm a culturapop(o Thriller, de Michael Jackson) se faz presente.

    A Criao(1990), Variaes Enigmae Trs Concertos(1991) parecemesgotar um percurso povoado de obras de exerccio de um tipo de maestriaque hoje pode ser entendido como um mapeamento de combinaes ne-cessrio para amadurecer o domnio da herana do bal clssico.

    Com 21, outra poca se instaura e se espraia at hoje. Apenas com aproduo mais recente, O Corpo, com msica de Arnaldo Antunes, brotaum outro algo desse mesmo caldo larvar. Com 21comea a ficar mais claraa obsesso de Rodrigo Pederneiras por decifrar essa tcnica que o alimen-tou a vida toda e que se torna capaz de adentrar numa conversao maisdireta com as danas que no sobem aos palcos dos teatros. Como cabe aum coregrafo que se entende sendo, primeiro, todo ouvidos, ele nos faziapensar que sua tarefa consistia em dar visualidade sua audio. Hoje, omovimento ao qual d nascimento vem claramente salpicado pelo conjuntodos cinco sentidos, e no somente pelo ouvir. A carnalidade cada vez maisclara, a sensualidade cada vez mais expandida, as tribos brasileiras urbanas esuburbanas cada vez mais abrigadas. Sua antena tateia pelas formas, visualiza

    o movimento que estava contido em outro e faz com que ganhe a luz,cheira o que ainda no existiu e passa para ns, seu pblico, o paladar deuma mistura que agora j tem nome: do Corpo.

    Tudo isso clama por doses generosas de energia, por corpos cada vezmais bem preparados. Os elencos que durante estes 25 anos tornaram pos-svel o nascimento da dana de Rodrigo Pederneiras podem ser considera-dos co-responsveis pelo sucesso desse empreendimento. Mas hoje, semdvida, tornam-se cada vez mais co-autores de uma arte que, medida queo tempo passa, vai ficando cada vez mais jovem, falando com pblicos mais

    amplos e dando abrigo a mais tipos de comportamentos. Se era o brejeiroem Nazareth(1993, com uma partitura de Jos Miguel Wisnik que umalio de traduo intersemitica entre Ernesto Nazareth, Machado de Assise msica), e o afro-brasileiro em Benguel(1998, com uma inspiradora com-posio de Joo Bosco), agora a contaminao mais desenfreada que vivedo seu entorno. Basta assistir a O Corpo(2000, com uma trilha na qualArnaldo Antunes trata suas sonoridades como organismo resultante de umpensamento de arquiteto de pulsares e sonares).

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    Isso que todos identificamcomo Grupo Corpo resulta da soma

    dos fazeres do seu ncleo bsico comseus elencos sempre refinados. O re-lacionamento entre Paulo e RodrigoPederneiras, Freusa Zechmeister eFernando Velloso, e mais Macau,Pedro e Mirinha Pederneinas a di-ferena que faz a diferena. Eles pro-duzem um tipo de informao capazde levantar platias mundo afora. Evo promovendo primeiras vezestambm no exterior. Por exemplo,em toda a histria do mais antigo dosfestivais norte-americanos, o respei-tado e hoje histricoJacobs Pillow,nunca uma companhia foi convida-da por dois anos seguidos. Mas oCorpo rompeu a regra. Foi tambma primeira das companhias brasilei-ras a conquistar uma residncia in-ternacional quando Guy Darmet, di-retor da Maison de la Danse, em

    Lyon, convidou-os para l realizaremas suas estrias europias.

    O Grupo Corpo vai desenhan-do um mapa onde a dana e o corpoque dana no recitam normas umpara o outro. Os dois vo abrindo es-pao neles mesmos e, nesse movimen-to, conseguem ser a rajada que soprabeleza e prazer por onde passa.

    Helena Katz, crtica de arte, coorde-nadora do Programa de Ps-Graduaoem Comunicao e Semitica da Ponti-fcia Universidade Catlica de So Pau-lo (PUC-SP).

    do Grupo Corponos fazem pensar no s noresultado final que eles apresentam, mas pen-sar que processo possibilitou uma consolida-o desse tipo. No Brasil, em geral, muitodifcil sustentar o trabalho de grupos continua-dos e dar a eles consistncia e qualidade por-que muitas vezes esbarra-se nas condies daproduo que impedem que um trabalho des-se tipo tenha a consistncia que o Grupo Corpotem, graas a uma continuidade. Entretanto,h muitos anos eles o vm fazendo, e vejo queisso s foi possvel porque um grupo extraor-dinrio de pessoas que expandiu um ncleo

    familiar. Acho que por trs disso tem algo domistrio da famlia mineira, porque na verdadeforam irmos que se interessaram pela dana econstituram uma clula inicial de pessoas quepassaram a estudar dana, trabalhar com a danae fizeram um espetculo que tinha irmos eirms atuando como danarinos. Um deles tor-nou-se coregrafo, que o Rodrigo Pedernei-ras. Outro se tornou diretor artstico do gru-po. Tudo isso talvez pedisse algo do tipo odesejo de fazer um trabalho com dana, mas

    tambm essa agregao de tipo familiar que emMinas possvel, no s por ser a famlia Pe-derneiras, mas tambm porque ela acaba con-gregando outras pessoas que tambm passama viver de uma forma de muita sociabilidade,de sensibilidade familiar. Tudo isso muito mi-neiro. L em Minas tm um prdio que elesconstruram. Quanto se chega l, se recebidono em uma sala inicialmente, nem na sala dadiretoria. H uma pequena cozinha onde se

    recebido de maneira muito afetiva, calorosa,pessoal. Acho que quem acompanha o GrupoCorpode perto, percebe o quanto eles conse-guiram criar relaes de muito rigor, de muitacompetncia e, ao mesmo tempo, de muita pro-ximidade afetiva e contagiante. Eles imprimemisso ao trabalho do grupo e acredito ser funda-mental para conseguirem as coisas que eles vmconseguindo.

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    O trabalho deles partiu de uma aproximao experincia mineira. Os pri-meiros trabalhos esto ligados msica mineira, ao Milton Nascimento. O es-petculo Maria, Maria, temas ligados vida de Minas, cultura mineira, m-

    sica mineira, foram a motivao inicial do trabalho deles. Fizeram alguns espet-culos com os quais j se tornaram extremamente conhecidos, mas que estavamfortemente ligados ao testemunho dessa experincia local do mundo de Minas.

    Traduzindo esse tipo de relao pessoal para uma potica e para uma trajet-ria esttica do grupo, acho que inicialmente eles tiveram uma fase bem mineira.Depois, pelo que vejo, percebo, eles procu-raram at se desvincular dessa raiz mineira ebuscaram tomar para si as tcnicas do balclssico, o fundamento do bal clssico, paraconstituir um princpio de dana contem-

    pornea, mas passaram a fazer coreografiasbaseadas no repertrio da msica clssica europia. FizeramA missa do orfana-to, os Noturnos, os Preldiosde Chopin, as Variaes Enigmade Helger. Elesestavam trabalhando e acho que esse foi o momento em que buscaram consti-tuir um repertrio forte de tcnicas ligadas linguagem clssica e contempor-nea, mas de todo modo internacional da dana. Acho que atravs desses espet-culos, o Rodrigo Pederneiras formou-se como coregrafo. E comea uma ter-ceira fase, quando eles voltam a fazer espetculos baseados em msica contem-pornea brasileira, encomendada por eles, que fazem com que tudo o que acu-mularam de experincia com essas peas clssicas seja usado para a criao de

    uma linguagem de dana contempornea brasileira. Isso aconteceu especial-mente quando fizeram um espetculo chamado 21, com msica do msico MarcoAntnio Guimares e tocada pelo grupo UAKTI, em 1992. Trabalharam comuma msica feita com aqueles instrumentos artesanais, com a criao de timbresinstrumentais originais e com aquela linguagem, com aquele pensamento musi-cal muito singular do Marco Antnio Guimares, que fez uma pea toda basea-da em variaes rtmicas sobre o nmero 21. Essas variaes eram ao mesmotempo, eu diria, uma construo neopitagrica, porque fazia a msica se basearnesses nmeros, nas relaes entre o nmero 3 e o nmero 7, portanto, mpa-res, ritmos regulares e quebrados, mas isso tudo profundamente associado auma tradio da msica popular mineira, que tambm aparecia muito forte-

    mente nesse espetculo. Ento, acho que isso levou o Grupo Corpode volta aMinas por um lado, mas num outro plano de construo porque a msica noera mais como as canes do Milton Nascimento que foram feitas para eles,como Ponta de Areiae Maria, Maria, e depois viraram canes importantes emuito conhecidas no Brasil. Eles passaram a fazer essa dana sobre msica bra-sileira contempornea, mas fortemente instrumental, e isso deixou uma marcaque foi um momento de virada ocorrido nesse espetculo 21, que iniciou oprocesso pelo qual eles voltaram a ter um novo tipo de reconhecimento interna-

    acho que inicialmenteeles tiveram

    uma fase bem mineira . . .

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    Machado. Ns nos encontrvamos nessa mesma tenso entre o popular e oerudito e havia muitos motivos que dariam matria para esse tipo de variao.Ento, a msica que eu compus para Nazareth, pode-se dizer que se constituide uma srie de variaes sobre o erudito e o popular vistas a partir da msica deNazareth, com subtexto machadiano e colocada, portanto, para o grupo a questoda dana clssica e da dana popular brasileira.

    Uma vez feito este trabalho, porque o Grupo Corpotrabalha sempre com amsica j pronta, eles no tm coreografias prvias, anteriores msica: a coreo-grafia nasce sempre, todo o espetculo nasce da msica. A msica para eles agrande motivao de tudo. Ento, com base nisso, eles construram o espetcu-lo em todos os aspectos da coreografia, do cenrio, da iluminao, do figurino.Trabalharam sobre essas mesmas variaes, no de uma maneira narrativa, por-que no havia o menor interesse em colocar na cena da dana, por exemplo, o

    personagem machadiano, nada que supusesse que o bal estaria contando umaestria. Na verdade, podemos dizer que esse subtexto, esses motivos machadianosque esto colocados ali, geraram de fato elementos interessantes na dana,

    machadianos, como o duplo, o es-pelho, o trio em l menor, opas dedeux, de trois... esses elementos fo-ram incorporados. Pode-se dizer,so elementos que vm tanto dohomem clebre de Machado, quan-

    to do romance Esa e Jac, de um conto como o Trio em l menor, o Espelho, o

    Tema de Flora, cujas notas Machado de Assis d no romance Esa e Jac, todosesses so elementos que me motivaram na construo da msica e que, como euaprendi a ver, foram sempre captados por eles, de maneira muito sutil e surpreen-dente. Porque aquilo depois devolvido como resoluo, resoluo visual edanante de uma maneira extraordinria. Ento, esse espetculo resultou dessedilogo todo de nveis, digamos, musicais, verbais e no-verbais, e acho que foide uma grande felicidade fazer essa combinao, digamos, entre Minas Gerais,So Paulo, porque um paulista fazendo uma interpretao da msica carioca,oferecida aos mineiros. Acho que de fato o espetculo resulta dessa espcie detriangulao.

    Depois disso, eles fizeram um espetculo novamente com Marco AntnioGuimares, que instrumentou uma pea de Philipe Glass feita para eles, comsete ou oito peas para bal. Posteriormente tem o espetculo Bar, tambmcom msica de Marco Antnio Guimares. Depois eu voltei a fazer, com o TomZ, a msica do espetculo Parabelo. Trabalhamos com clulas de msicas queesto ligadas ao mundo do serto baiano, do serto nordestino, que vieram porintermdio de Tom Z, sobre as quais construmos tambm uma srie de varia-es que resultaram num espetculo que tem esse aspecto inteiramente voltadopara uma dessas regies do Brasil. No s regio geogrfica, mas regio do

    um paulista fazendouma interpretao da msica

    carioca, oferecida aos mineiros . . .

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    imaginrio brasileiro, regio da vida cultura, uma espcie de indagao sobre oserto, que se traduziu em sonoridade: o modo como escolhemos a sonoridade,o uso dos instrumentos, as vozes, o pilo, o serrote usado como instrumento.Instrumentos de trabalho que ao mesmo tempo produzem no s ritmos, mastambm timbres e melodia. Inclumos tambm vozes e letras, no caso voltandoao mesmo tempo ao carter de msica instrumental e de msica cancional tam-bm. Isso voltou no Parabeloe, novamente, sempre que um trabalho entre-gue ao Grupo Corpo, percebe-se o quanto a resposta depois profundamentesurpreendente pela capacidade de nos fazer ver a msica de uma maneira toclarificadora. Por exemplo... difcil dar exemplos aqui porque no se tem ima-gem para representar isso. H uma passagem no Parabelo, uma cantiga dessasde roda, nordestina, que diz:

    Eu vi o cego lendo a corda da violaCego com cego no duelo do serto

    Eu vi o cego dando n cego na cobra

    Eu vi cego preso na gaiola da viso

    Pssaro preto voando pra muito longe

    O cabra cego enxergando a escurido

    Eu vi o pai, eu vi a me eu vi a filha

    Vi a novilha que filha da novilh

    Eu vi a rplica da rplica da Bblia

    Na inveno de um cantador de cienVi o Cordeiro de Deus num ovo vazio

    Fiquei com frio, pedi pra me esquent

    Parecia-me extremamente difcil imaginar como essa msica poderia serdanada. No entanto, Rodrigo Pederneiras criou uma coreografia ao mesmotempo intrin- cada e singela, baseada num jogo, como brincadeira de crianasde roda, mas com um movimento de braos entrelaados, que criavam essa

    viso de entrelaar do pai, da me, da filha, da novilha que filha da novilh,quase como se fosse assim, do c-

    digo gentico transformado numabrincadeira que se faz pelo jogo debraos e ps. Tudo isso o RodrigoPederneiras faz de maneira inteira-mente intuitiva, que ele no temnecessidade alguma de verbalizar. Acho que justamente esse tipo de sensibilida-de profunda para a captao desses ncleos ao mesmo tempo rtmicos, sintticose semnticos que esto contidos na msica, ele capaz de encontrar solues eque, ao mesmo tempo, respondem quilo que a msica prope e afirmam uma

    parecia-me extremamentedifcil imaginar como essa msica

    poderia ser danada . . .

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    linguagem dele, totalmente original e muito singular. No adiantaria que issotudo existisse se no houvesse uma capacidade de pensar figurinos, luz, esseconjunto, coisa que acontece no caso de haver um diretor artstico como PauloPederneiras, capaz de pensar o processo todo, capaz de pensar a transformaodessa linguagem em realizao mesma no palco. Ento, estou me estendendoaqui na medida em que sou convidado a faz-lo, no s fazendo observaes eum pouco tentando comentar os processos de linguagem, as questes com asquais eles se deparam, mas ao mesmo tempo estou externando o meu entusias-mo pelo fato de ter sido possvel uma conjugao to feliz e to rara de talentoe sensibilidade que consegue fazer com que uma dana acontea.

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    2000 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM OCORPO

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    1993 Jos Luiz Pederneiras - GRUPO CORPO EM NAZARETH

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    1998 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM BENGUEL

    1986 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM BACH

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    1997 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM PARALELO

    1994 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM SETEOUOITOPEASPARAUMBALLET

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    1993 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM NAZARETH

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    1997 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM PARALELO

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    1992 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM 21

    1993 Jos Luiz Pederneiras - GRUPOCORPOEM NAZARETH

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    1993 Jos Luiz Pederneiras - GRUPO CORPO EMACIAO