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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE TECNOLOGIA CURSO DE ENGENHARIA CIVIL Henrique Neuenfeldt do Nascimento BIOCONSTRUÇÃO: SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE Santa Maria, RS 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE TECNOLOGIA

CURSO DE ENGENHARIA CIVIL

Henrique Neuenfeldt do Nascimento

BIOCONSTRUÇÃO: SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA

SOCIEDADE

Santa Maria, RS

2018

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Henrique Neuenfeldt do Nascimento

BIOCONSTRUÇÃO:

SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Engenharia Civil da Universidade

Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como

requisito parcial para obtenção do grau de

Engenheiro Civil.

Orientador: Marcos Alberto Oss Vaghetti

Santa Maria, RS

2018

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Henrique Neuenfeldt do Nascimento

BIOCONSTRUÇÃO:

SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Engenharia Civil, da Universidade

Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como

requisito parcial para obtenção do título de

Engenheiro Civil.

Aprovado em 18 de julho de 2018:

___________________________________________

Marcos Alberto Oss Vaghetti, Prof. Dr. (UFSM)

(Presidente/Orientador)

___________________________________________

Erich David Rodriguez Martinez, Prof. Dr. (UFSM)

___________________________________________

Fernanda Saidelles Bataglin, Profª Ms. (UFSM)

Santa Maria, RS

2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Força Divina e a tudo que ela envolve. Sou grato à Mãe Natureza pela

sabedoria e compaixão em abraçar a minha existência e as demais formas de Vida. Sou grato

pelo presente de estar vivo e pela compreensão, em partes, do viver.

Gracias à toda minha família de sangue e de coração por todos os ensinamentos diretos

e indiretos, em especial ao meu pai Cláudio, minha mãe Cádia e minha irmã Camila.

Agradeço à família de coração, os meus amigos da vida, desde os de infância, de Santiago, até

os de Santa Maria e do mundo a fora, passando pelo Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de

Janeiro, Bahia e por aí vai. Sou grato a todas as pessoas que fizeram parte da minha trajetória

e tocaram e moldaram um pouco de mim para que chegasse até aqui. Em especial à galera que

estava comigo nesses últimos anos de transformação e reconexão: Laura, gracias pelos puxões

de orelha para escrever este trabalho, gracias pelo amor envolvido por me acompanhar nessa

caminhada; fieis do 402, imenso amor e votos de sucesso para todos, aprendi demais com

vocês nesse tempo da faculdade e me identifico muito com cada um, é muita loucura pra

tentar mencionar uma só... para o céu e avante!; república 402, gracias pelas comidas e tragos

compartilhados e por me acolherem sempre; gurizada de Santiago, valeu pelos inúmeros

tragos que foram e ainda virão; coletivo de bioconstrução, gracias e gracias e gracias sempre,

vocês são demais e eu sou apaixonado por cada um do fundo do meu coração.

Gracias aos que abriram as portas para que a Bioconstrução e a Permacultura fossem

uma realidade Viva para os dias atuais.

Sou grato por tudo que vivi e vivo!

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RESUMO

BIOCONSTRUÇÃO: SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE

AUTOR: Henrique Neuenfeldt do Nascimento

ORIENTADOR: Marcos Alberto Oss Vaghetti

O presente trabalho apresenta as técnicas de construção natural e os respectivos

impactos causados pela bioconstrução na sociedade. Com o objetivo de dar ênfase a esse tipo

de construções e romper alguns preconceitos culturais que assolam as edificações naturais,

procura-se esclarecer os métodos construtivos e dar ênfase às qualidades dos materiais

construtivos naturais. Faz-se um esclarecimento a respeito do conceito de permacultura, um

breve contexto histórico das construções e a relação da permacultura com as construções

atuais. A metodologia é estruturada através de revisão bibliográfica, abordando tanto os

métodos construtivos como os materiais que os compõe, além de entrevistas com engenheiros,

arquitetos e demais profissionais que trabalham com esse tipo de obra, com o intuito de trazer

uma visão humana para o trabalho, abordando assuntos de relevância social, como a

autoconstrução, o conforto acústico e térmico das moradias bioconstruídas e o

empoderamento feminino auxiliado por essas obras.

Palavras-chave: Bioconstrução. Construção natural. Permacultura. Materiais naturais.

Autoconstrução. Construção com terra. Técnicas construtivas naturais. Edificação natural.

Arquitetura orgânica.

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ABSTRACT

BIOCONSTRUCTION: ITS TECHNIQUES AND ITS IMPACT ON SOCIETY

AUTHOR: Henrique Neuenfeldt do Nascimento

ADVISOR: Marcos Alberto Oss Vaghetti

The present work presents the techniques of natural construction and the respective

impacts caused by the bioconstruction in the society. In order to emphasize this type of

constructions and to break some preconception that devastate the natural constructions, it tries

to clarify the constructive methods and to emphasize to the qualities of the natural

constructive materials. An analysis is presented on the concept of permaculture, a brief

historical context of the constructions and the relation of permaculture to the present

constructions. The methodology is composed of bibliographical review, demonstrating the

methods and constructive materials. In addition, presents interviews with engineers, architects

and other professionals who work with this natural construction, with the aim of bringing a

human vision to work, addressing issues of social relevance such as self-construction, the

acoustic and thermal comfort of the bioconstructed dwellings, and the female empowerment

aided by these works.

Keywords: Bioconstruction. Natural construction. Permaculture. Natural materials. Self-

construction. Construction with earth. Natural constructive techniques. Natural building.

Organic architecture.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Flor da Permacultura .................................................................................................. 5 Figura 2 - Muralha da China....................................................................................................... 7 Figura 3 - Casa construída em método de terra compactada, em São Paulo .............................. 8

Figura 4 - Estrutura portante em madeira roliça, em Serra Grande, Bahia .............................. 13 Figura 5 - Paredes de vedação: 1) técnica de cordwood; 2) técnica de pau a pique ................. 13 Figura 6 - Sistema construtivo com fardos de palha: 1) estrutura autoportante; 2) estrutura de

vedação ..................................................................................................................................... 15 Figura 7 - Estruturas de telhado em bambu: 1) vista externa sem cobertura; 2) vista interna

com cobertura ........................................................................................................................... 17 Figura 8 - Processo de preparo da mistura de esterco e terra: 1) mistura; 2) depósito e

fermentação da mistura ............................................................................................................. 18

Figura 9 - Esquema de divisão dos tipos de técnicas bioconstrutivas ...................................... 20 Figura 10 - Estrutura em superadobe para contenção da erosão pela ação marítima ............... 21 Figura 11 - Processo construtivo da técnica de superadobe ..................................................... 22 Figura 12 - Sacaria de PEAD-MR para técnica de hiperadobe ................................................ 23

Figura 13 - Processo construtivo da técnica de hiperadobe ...................................................... 25 Figura 14 - Detalhes de instalações hidráulicas e elétricas no hiperadobe ............................... 26

Figura 15 - Intertravamento dos sacos de hiperadobe .............................................................. 26 Figura 16 - Viga de cintamento em estrutura de terra ensacada ............................................... 27 Figura 17 - Vergas e marcos fixados em hiperadobe ............................................................... 28

Figura 18 - Processo reparativo até a fase de reboco da parede de terra ensacada .................. 29

Figura 19 - Tijolos de adobe com formato trapezoidal ............................................................ 30 Figura 20 - Moldes para confecção de adobes ......................................................................... 31 Figura 21 - Processo de confecção de adobes .......................................................................... 32

Figura 22 - Confecção e assentamento de tijolos crus.............................................................. 33 Figura 23 - Trama de pau a pique sendo preenchida por argamassa de vedação ..................... 34 Figura 24 - Esquema de uma estrutura de pau a pique ............................................................. 35

Figura 25 - Tramas de pau a pique ........................................................................................... 36

Figura 26 - Formas de molde para técnica de taipa de pilão .................................................... 38 Figura 27 - Molde e estrutura de pau a pique ........................................................................... 39 Figura 28 - Paredes de vedação de cordwood .......................................................................... 40 Figura 29 - Mulher de Ryan (em azul) pisando argamassa de terra para a vedação do pau a

pique (ao fundo) ....................................................................................................................... 48 Figura 30 - Casa de hiperadobe projetada por Irina para a família de Cintia ........................... 50 Figura 31 - Assentamento de tijolo cozido em argamassa à base de terra ............................... 57

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Efeitos da adição de fibras de coco, sisal e agave na retração da argamassa ......... 14 Gráfico 2 - Consumo de energia para a produção de materiais de construção ......................... 53

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Propriedades resistivas da madeira, aço e concreto ................................................ 12 Tabela 2 - Nomeação da técnica de terra ensacada conforme a sacaria utilizada .................... 23 Tabela 3 - Comparativo de condutibilidade térmica de materiais construtivos ....................... 44

Tabela 4 - Quantidade produzida de cada material, em kg, a partir de 1.000kW .................... 54 Tabela 5 - Consumo de energia de cada material construtivo, comparados ao gasto

equivalente, em litros de petróleo ............................................................................................. 54 Tabela 6 - Emissões de gás carbônico no processo construtivo da argila e do concreto.......... 56

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

CEE-222 Comissão de Estudo Especial de Terra Armada

CE-002:126.012 Comissão de Estudo de Estruturas de Bambu

CB-002 Comitê Brasileiro da Construção Civil

cm Centímetros

CO2 Gás carbônico

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

dB Decibéis

EPI Equipamento de Proteção Individual

FEB Forschungslabor fur experimentelles Bauen – Laboratório de

Investigação para Construções Experimentais

Kg Quilograma

kW Quilowatt

LL Limite de liquidez

m Metros

mm Milímetros

MPa Mega Pascal

Mt Megatoneladas

NASA Agência Aeroespacial Norte Americana

PEAD-MR Polietileno de alta densidade em malha Raschel

PTS Partículas Totais em Suspensão

SNIC Sindicato Nacional da Indústria do Cimento

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1 1.1 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................ 1 1.2 OBJETIVOS ............................................................................................................... 2

1.2.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 2 1.2.2 Objetivos Específicos .......................................................................................... 2

2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 3

3 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................... 4 3.1 PERMACULTURA: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO ............................... 4

3.2 A PERMACULTURA E A CONSTRUÇÃO CIVIL ................................................. 6

3.3 O CONTEXTO HISTÓRICO DAS CONSTRUÇÕES .............................................. 6 3.4 A BIOCONSTRUÇÃO ............................................................................................... 8

3.4.1 Materiais .............................................................................................................. 9

3.4.1.1 Terra ........................................................................................................ 9 3.4.1.2 Madeira ................................................................................................. 11

3.4.1.3 Fibras .................................................................................................... 13 3.4.1.4 Bambu ................................................................................................... 16 3.4.1.5 Esterco .................................................................................................. 17

3.4.2 Técnicas ............................................................................................................. 19

3.4.2.1 Superadobe ........................................................................................... 20

3.4.2.2 Hiperadobe ............................................................................................ 22

3.4.2.2.1 Processo construtivo ...................................................................... 23

3.4.2.2.2 Detalhes construtivos ..................................................................... 25

3.4.2.3 Adobe .................................................................................................... 29 3.4.2.4 Pau a pique ............................................................................................ 33

3.4.2.5 Taipa de pilão ....................................................................................... 38 3.4.2.6 Cordwood ............................................................................................. 39

3.4.3 A bioconstrução no Brasil ................................................................................. 40

4 IMPACTOS DA BIOCONSTRUÇÃO NA SOCIEDADE .............................................. 42

4.1 CONFORTO TÉRMICO DAS MORADIAS BIOCONSTRUÍDAS ....................... 43

4.2 CONFORTO ACÚSTICO DAS ESTRUTURAS BIOCONSTRUÍDAS ................ 45

4.3 A AUTOCONSTRUÇÃO FAVORECIDA PELA BIOCONSTRUÇÃO ................ 47 4.4 A ARQUITETURA ORGÂNICA COMO UM PROCESSO DA

BIOCONSTRUÇÃO ............................................................................................................ 49 4.5 A BIOCONSTURÇÃO E O EMPODERAMENTO FEMININO NAS OBRAS .... 51 4.6 O IMPACTO DOS MATERIAIS: FATORES AMBIENTAIS E DE

SALUBRIDADE .................................................................................................................. 52

4.6.1 A madeira frente aos materiais construtivos convencionais ............................. 53

4.6.2 A terra frente ao cimento: fatores ambientais e salubres ................................... 55

5 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 59 6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 60

7 APÊNDICES .................................................................................................................... 64 APÊNDICE A – MODELOS DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS ................................ 64

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1 INTRODUÇÃO

A bioconstrução é uma das técnicas mais antigas de construção, visto que as primeiras

obras não tinham à disposição os materiais de hoje, como por exemplo o cimento, o concreto

e o tijolo queimado. Entretanto, devido à Revolução Industrial e à ascensão do Ocidente com

a ciência moderna, essa técnica caiu em desuso e a construção, que antes tinha o solo e demais

produtos naturais como matéria prima, agora dava lugar a produtos químicos e

industrializados, gerando resíduos danosos ao meio ambiente e à sociedade.

Sabe-se que os rejeitos de uma obra convencional são um grande problema das

construções atuais, até mesmo pelo fato de o sistema de coleta e tratamento de resíduos serem

ineficazes na maior parte do território nacional. Dito isso, vale destacar a forma de pensar um

projeto bioconstruído. O produto que vem da terra será aproveitado, reduzindo os dejetos

produzidos no canteiro de obra e, pensando anos à frente, quando a moradia ou

estabelecimento em questão já não for mais útil para o aproveitamento da sociedade, esses

mesmos materiais da construção poderão ser absorvidos pelo ciclo natural de vida da Terra.

Métodos construtivos como o adobe, superadobe, hiperadobe, pau a pique, telhado

verde, banheiro seco e tantos outros que se importam com questões socioambientais, surgem

então como alternativa. Segundo Aresta (2014, tradução nossa), concilia-se ocupação

habitacional e consciência de pertencimento à natureza, afinal somos seres vivos e carecemos

de espaço biológico para existir. É possível buscar um equilíbrio entre as nossas ações e o

entorno que habitamos, garantindo a harmonia com o planeta que compartilhamos.

1.1 JUSTIFICATIVA

Avaliar os impactos construtivos de uma obra bioconstruída ajuda a entender a nossa

posição como seres integrantes de um sistema biológico completo nesse planeta. Sendo assim,

entender as técnicas e práticas construtivas naturais integra o engenheiro ao espaço físico e

emocional de uma obra, avaliando os recursos humanos e rejeitos que influenciarão na

construção.

O tema foi escolhido para dar uma visão mais humana e engajada ambientalmente à

Engenharia Civil, tendo a profissão um papel significativo no desenvolvimento social e

ambiental da região em que atua.

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1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo geral

O objetivo geral deste trabalho é realizar a revisão bibliográfica e demonstrar o estudo

prático das técnicas de bioconstrução, bem como comprovar a sua eficácia, abordando os

impactos diretos que a construção natural causa na sociedade.

1.2.2 Objetivos Específicos

a) Relatar o estudo prático dos métodos construtivos naturais e compará-lo à

bibliografia;

b) Dar ênfase aos materiais das construções naturais, descrevendo o impacto

socioambiental, comparando-os brevemente aos materiais das obras convencionais;

c) Dissertar sobre temas que ligam bioconstrução e sociedade, como a autoconstrução

natural e a arquitetura orgânica, por exemplo, trazendo uma abordagem prática e

teórica, através de entrevistas com profissionais da área de construção natural e

revisão bibliográfica, respectivamente;

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2 METODOLOGIA

A metodologia do presente trabalho consiste em revisar a bibliografia referente às

técnicas e os materiais componentes das construções naturais, dissertar a respeito desses

métodos e da influência da bioconstrução nos fatores ambientais da construção. Assim,

analisam-se os materiais naturais e faz-se uma breve comparação da terra e da madeira com os

materiais construtivos convencionais.

Em seguida, é traçada uma visão concreta dos impactos causados pela bioconstrução

na sociedade. Por meio de revisão bibliográfica e entrevistas com profissionais e

trabalhadores da área de construção natural, apresentam-se relatos e comparações desse tipo

de obra com as obras convencionais.

Entrevistaram-se 17 pessoas divididas em aprendizes, profissionais de construção,

profissionais do sexo feminino e autoconstrutores, com perguntas específicas direcionadas a

cada um desses quatro grupos de estudo. Ademais, os depoimentos sobre as mudanças

causadas pela construção natural na vida dessas pessoas busca ressaltar o impacto dessa

técnica na vida de cada um, com o intuito de dar uma visão mais humana para este trabalho.

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 PERMACULTURA: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO

Em tempos de avanços tecnológicos e proveitos financeiros, nota-se a necessidade de

resgatar alguns conceitos que valorizem a integração do homem com o ambiente. Segundo

Holmgren (2013, p. 26):

A avalanche de evidências e informação sobre a impermanência de quase todo aspecto da sociedade e da

economia modernas, especialmente devido a ameaças ambientais iminentes, solapa qualquer sensação de

certeza em relação à continuidade da vida cotidiana.

Ainda, de acordo com Strauss (1991 apud MOLLISON, 1991, p. 13) “o nosso erro

mais profundo é o de sempre julgarmo-nos ‘mestres da criação’, no sentido de estarmos acima

dela. Não somos superiores a outras formas de vida”.

Com esse engajamento e preocupação a respeito da vida como um todo, conceitos não

muito recentes, como a permacultura, ganham destaque na relação “homem-natureza”. Como

afirma Mollison (1991), o termo vem não somente de uma contração das palavras permanente

e agricultura, mas também de uma combinação de “cultura” e “permanente”, fomentando a

criação de designs apropriados para ambientes sustentáveis, aliando sistemas ecologicamente

corretos e economicamente viáveis.

Mollison (1991) diz que a “ética é um conjunto de crenças e atitudes morais em

relação à sobrevivência em nosso planeta” e abre os estudos e práticas permaculturais em três

pilares principais:

a) cuidado com a Terra: trabalha-se desde o micro ao macro-habitat, com o cuidado

por todas as coisas, sendo elas vivas ou não, tais como solos, florestas, atmosfera,

animais e águas. O intuito é criar sistemas úteis e benéficos, através de atividades

éticas e de conservação ativa;

b) cuidado com as pessoas: por mais que as pessoas façam parte de um pequeno grupo

em relação à totalidade dos sistemas vivos da Terra, leva-se em conta o tamanho do

impacto causado por essa fração. Suprindo as necessidades básicas de alimentação,

moradia, contato humano saudável, acesso à educação e trabalho satisfatório,

diminui-se as necessidades de práticas destrutivas ao planeta;

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c) distribuição dos excedentes: para atingir os dois primeiros itens, é válido trabalhar

corretamente com os excessos de tempo, dinheiro e energia. Ao atingir as

necessidades básicas e projetar adequadamente os espaços, pode-se expandir as

influências e energias para que outras pessoas atinjam seus objetivos.

A “Flor da Permacultura” (Figura 1) abrange os pontos essenciais de transformação na

criação de uma cultura sustentável. A ética e os pilares permaculturais traçam um caminho em

espiral, partindo de princípios em um nível pessoal e local para um nível coletivo e global. A

permacultura deixa de ser somente a paisagem em si ou as edificações energeticamente

sustentáveis, e passa a ser uma ferramenta de planejamento, manejo e aperfeiçoamento de

técnicas rumo a um futuro sustentável. (HOLMGREN, 2013).

Figura 1 - Flor da Permacultura

Fonte: Holmgren (2013, p. 34)

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3.2 A PERMACULTURA E A CONSTRUÇÃO CIVIL

A permacultura e a construção civil têm discussões em comum, seja pelo

planejamento do projeto, o espaço físico transformado, o manejo de resíduos ou a relação e

cuidado com os trabalhadores e futuros moradores. Tratando-se da fase de planejamento de

projetos, Mollison (1991, p. 91) afirma que “o design eficiente de casas deve ser baseado nas

energias naturais que entram no sistema (sol, vento, chuva), na vegetação à volta e nas

práticas de construção baseadas no bom senso”.

Já Torgal et al. (2009), referindo-se à etapa de execução e sua decorrente criação de

resíduos, diz que a indústria da construção é a atividade que mais consome matérias-primas

no planeta, sendo 3000 Mt (megatoneladas) por ano. Ainda, ressalta-se que o aumento

populacional trará maiores necessidades de edificações, agravando a demanda por matérias-

primas não renováveis e a consequente geração de seus resíduos. Entretanto, hoje “muitas

casas já estão construídas, ou estão sendo construídas, sem nenhum planejamento para a

futura escassez de petróleo e os crescentes preços de combustíveis da atualidade”

(MOLLISON, 1991, p. 91).

Para Neves e Faria (2011), os evidentes problemas ambientais causados pelo homem,

durante o processo de produção do espaço urbano a partir do século XX, sensibilizam a

sociedade a reverter essa situação. Com a crise no sistema construtivo contemporâneo, a

arquitetura e a construção com terra aparecem como alternativa à população.

Observando a Figura 1, nota-se que bioarquitetura, autoconstrução, construção com

terra e palha e arquitetura orgânica e biodinâmica estão entre os princípios da permacultura, e

evidencia-se a busca pelo desenvolvimento de alternativas transformadoras e sustentáveis na

concepção de projetos e posterior execução das obras.

3.3 O CONTEXTO HISTÓRICO DAS CONSTRUÇÕES

“A terra é o material de construção mais antigo da humanidade. A sua utilização

remonta para milhares de anos antes de Cristo, quando os únicos materiais disponíveis eram

os recolhidos da Natureza.” (PONTE, 2012, p. 13).

As primeiras construções, segundo Minke (2015), datam cerca de 9000 anos. No

Turquistão descobriram moradias de terra dos anos 8000 a 6000 a.C. No Egito, sabe-se que as

construções com adobe (tijolos crus) existiram há mais de 3000 anos, como é o exemplo do

Templo mortuário de Ramsés II. A Grande Muralha da China foi construída em taipa de pilão

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(terra compactada) há 4000 anos e posteriormente recebeu revestimento de pedras naturais.

Na Alemanha, o muro de terra mais antigo é a fortaleza de Heuneberg, do século 6 a.C. Na

África praticamente todas as mesquitas foram construídas em terra. Historicamente, as

Américas do Sul e Central apresentam construções estruturadas em adobe, resultantes da

cultura precolombina, além da taipa de pilão, técnica bastante difundida até cair em desuso

pela colonização espanhola.

Figura 2 - Muralha da China

Fonte: http://tripnova.com.br/visitando-a-muralha-da-china-em-badaling/

No Brasil, a influência construtiva a partir da terra crua veio com a colonização,

segundo Filho (1998 apud SILVA, 2000) os índios tinham por característica as construções

advindas de materiais vegetais, tais como palhas vegetais e madeiras. Os europeus e, mais

tarde, os africanos que trouxeram a cultura de estruturas de terra e de pedra, “traduzindo-se

em algo que o historiador Ivan Alves Filho (1978) chamou de ‘a primeira grande

manifestação cultural mestiça do Brasil’, ou seja, a casa de taipa brasileira.” (SILVA, 2000).

Ainda em território nacional, parafraseando Silva (2000), diz-se que as técnicas mais

utilizadas, então, eram a taipa de pilão e o pau a pique. A primeira, por exigir maior

contingente em relação à mão de obra, era destinada para edificações de órgãos públicos,

igrejas e residências das classes dirigentes. Ainda, pelo fato de a taipa de pilão ser mais

resistente, podem-se encontrar seus exemplares sendo utilizadas até os dias de hoje.

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Figura 3 - Casa construída em método de terra compactada, em São Paulo

Fonte: Minke (1994, p. 16)

Com o advento da Revolução Industrial, as construções de terra caíram em desuso,

dando lugar a outros materiais, tal qual afirmam Neves e Faria (2011, p.9):

A partir da segunda metade do século XIX, o uso habitual da terra vai cedendo inexoravelmente ao

aparecimento de materiais de construção industrializados e a terra é marginalizada das grandes obras

públicas e privadas, onde começa a concorrer com o gosto pelos padrões estéticos ditados pelos novos

materiais. Apesar disso, principalmente nos países em desenvolvimento, a terra segue como uma das

únicas alternativas de construção da população excluída do mercado formal de habitação, geralmente

moradores da periferia das cidades e da área rural. Associada a sobrevivência de sistemas construtivos

primitivos, mantida pela necessidade de morar dessas populações, a terra é alvo de pesquisadores que

buscam avançar a tecnologia, através do resgate e conhecimento das técnicas utilizadas no passado e do

desenvolvimento de sistemas construtivos inovadores e coerentes, caracterizados pela simplicidade,

eficácia e baixo custo.

Entretanto, como avalia Dethier (1982, apud SILVA, 2000, p. 8) a construção com

terra “ainda é o sistema construtivo mais utilizado em todo o mundo. Estima-se que cerca de

um terço da população do planeta more ainda hoje em casas feitas de terra crua”.

3.4 A BIOCONSTRUÇÃO

Brasil (2008) afirma que entende-se por bioconstrução os sistemas que conciliam a

construção com o meio ambiente, tanto na escolha dos materiais e técnicas adequados durante

o projeto e edificação, quanto no tratamento de resíduos e eficiência energética durante o uso

do edifício.

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A construção natural vai além das práticas construtivas e abrange o contexto

socioambiental. Segundo Pinto (2013, p.49), “a bioconstrução é um conceito contemporâneo

para designar a consciência atual de que o meio construído deve servir o desenvolvimento da

humanidade de forma harmoniosa, saudável e ecológica.” E, por mais que se trate de um

conceito atual, sabe-se que construir de forma mais natural é uma prática muito antiga, como

explicado no item “3.3 O contexto histórico das construções”.

3.4.1 Materiais

Nas construções naturais e ditas mais sadias para a habitação, Bueno (1995, p. 228)

lembra que “primeiro, devemos exigir dos materiais que sejam sadios, careçam de toxicidade

(declarada ou suspeita) ou de radioatividade (conhecida ou latente).”

Discorre-se, então, a respeito dos principais materiais utilizados nas obras

bioconstruídas.

3.4.1.1 Terra

Quando nos referimos à terra como material de construção, Minke (2015) explica que,

comumente referenciada em termos científicos como barro, é uma mistura de argila, silte,

areia e agregados maiores, como cascalho ou pedras. Usualmente, são adicionadas fibras

naturais ou não à mistura, com a função de diminuir a retração da argamassa, além de

materiais impermeabilizantes, naturais ou sintéticos, como estabilizantes da mescla.

Trata-se de um dos melhores materiais de construção de que podemos dispor amplamente, tanto em suas

versões de terra batida, adobe ou taipa, onde se faz uso em seu estado natural, como em forma de

ladrilhos cozidos sempre e quando a cocção não seja a grandes temperaturas, que cristalizam a argila e

reduzem suas propriedades de material que permite a respiração das paredes, tornando-a mais radioativa.

(BUENO, 1995, p. 231).

Minke (2015) fala a respeito das vantagens da terra quando comparada com materiais

de construção industrializados.

a) construir com terra economiza energia e diminui a contaminação ambiental: ela

praticamente não polui se comparada com os materiais construtivos convencionais,

além de que, no seu preparo, transporte e trabalho, consome apenas 1% da energia

requerida para preparar, transportar e trabalhar um material de uso mais frequente;

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b) o barro é reutilizável: basta triturar e molhar a terra para poder reutilizá-la na

construção. Caso não seja reaproveitada, nunca será um resíduo que contamine o

ambiente;

c) utilizar terra economiza em materiais de construção: caso se utilize o material

escavado do próprio terreno, só é preciso analisar a composição da terra, se for

muito argilosa se adiciona areia, se for pouco argilosa se adiciona argila. Se

comparar com materiais construtivos convencionais, nota-se a diminuição nos

custos e gastos de materiais auxiliares na execução;

d) a autoconstrução é facilitada quando se usa terra: por mais que as técnicas

construtivas com a terra sejam mais trabalhosas na execução, pode-se utilizar

ferramentas mais simples e econômicas em seus processos;

e) a terra preserva a madeira e outros materiais orgânicos: conforme reitera Möhler

(1978 apud MINKE, 2015, p. 18), em contato direto, ela mantém seca a madeira.

Com a capacidade de manter a umidade entre 0,4% e 6% e ter alta capilaridade, os

insetos e fungos, que precisam de pelo menos 14% de umidade, não conseguem

sobreviver;

f) o barro absorve contaminantes: muito se diz que ele purifica o ar, entretanto ainda

não se tem estudos a respeito. Sabe-se que, no caso da água, uma planta estudada

em Berlim remove fosfatos de 600 m³ de água. Com ajuda de solo argiloso, o

fosfato entra em contato com a terra e transforma-se em fosfato de cálcio e é

reutilizado como fertilizante;

g) o barro regula a umidade do ambiente: por ter a capacidade de absorver e soltar

muito rápido a umidade, quando comparado com os demais materiais construtivos,

regula o clima interior. Experimentos na Universidade de Kassel, na Alemanha,

mostram que um súbito aumento de umidade de 50% para 80% faz com que a terra

absorva 30 vezes mais umidade que ladrilhos cozidos num espaço de tempo de dois

dias, por exemplo. Ainda, oferece condições de vida mais saudáveis, pois em casas

de terra a umidade se mantém na faixa de 50% durante todo o ano, oscilando

apenas 5% e 10% desse percentual;

h) a terra armazena calor: nas áreas com grandes amplitudes térmicas, ela equilibra o

clima interno das residências por ser um material denso.

Silva (2000, p. 7) também defende as construções com terra, evidenciando as suas

qualidades térmicas:

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Além de apresentar bom resultado tanto em regiões de climas secos, quanto em regiões de climas úmidos,

esse material também apresenta eficácia em climas quentes e em climas frios. Quando as paredes são

espessas (40 a 50cm de espessura) garantem a inércia térmica necessária para manter a temperatura

interna constante, a níveis amenos, apesar da temperatura externa estar extremamente alta ou baixa. Essa

inércia térmica garante também a versatilidade do material, no sentido de possibilitar o seu uso em

regiões do planeta, cujos climas sejam tão diferentes entre si, e até opostos.

Em análise a respeito dos produtos e versatilidades advindos da terra como material

construtivo, Silva (2000) ressalta que ela se adapta a diferentes climas e regiões, desde o forte

calor do Oriente Médio e suas regiões desérticas, até a umidade e chuvas constantes na

Inglaterra, por exemplo, sempre dando o tratamento adequado, como execução de beirais

grandes e uso de estabilizantes na argamassa de terra. Ainda, por mais que se apresente ora

na forma maciça, ora de forma fragmentada, o resultado final é de paredes sólidas e muito

resistentes.

Entretanto, como todo material, existem suas desvantagens, sendo assim, o arquiteto

Gernot Minke (2015) faz referência aos três problemas da terra na construção frente aos

materiais industrializados.

a) a terra não é um material padronizado: ela depende do local de extração, logo as

porcentagens de argila, silte, areia e agregados variam. Ao contrário dos materiais

industrializados, não se tem um traço pronto para a aplicação da terra nas

argamassas, por exemplo;

b) há contração do barro no processo de secagem: a argila é umedecida para poder ser

manipulada e, no processo de evaporação da água podem aparecer fissuras. A

retração oscila de 3% a 12% nos processos de utilização da terra úmida, e de 0,4% a

2% nas técnicas que usam terra seca. Para corrigir o problema, pode-se otimizar a

composição granulométrica ou diminuir a relação “água-argila”;

c) o barro não é impermeável: as paredes de terra devem ser protegidas por grandes

beirais e tratamentos superficiais.

3.4.1.2 Madeira

“A madeira é, provavelmente, o material de construção mais antigo dada a sua

disponibilidade na natureza e sua relativa facilidade de manuseio.” (PFEIL, 2013, p.1).

Puccioni (1997, p. 64 apud OLENDER, 2006,) destaca as qualidades e defeitos da madeira

como material construtivo, sendo as vantagens relacionadas aos bons resultados frente à

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compressão, à tração e ao choque, além do baixo peso próprio, bons isolamentos acústico e

térmico, boa trabalhabilidade e bonita aparência. Entre as desvantagens do material, destaca-

se a alta capacidade de comburência, as variações volumétricas frente às oscilações

ambientais e, claro, a suscetibilidade aos ataques de fungos e brocas, por exemplo.

Em relação aos organismos que agridem a madeira, diz-se que é necessário tomar

cuidado com o seu tratamento, pois quando estiver isenta do uso de produtos tóxicos, ela

oferece um ambiente acolhedor. Além disso, quando tratada de forma natural, com ceras

naturais e óleos de plantas, termina por oferecer qualidades neutralizadoras. (BUENO, 1995).

Para Gonzaga (2006 apud BOSSARDI; BARREIROS, 2011) o óleo de linhaça, por ser

secativo, é um dos melhores produtos para impermeabilização e proteção da madeira. Ainda,

Treu et al. (2010 apud BOSSARDI; BARREIROS, 2011) afirmam que a combinação de

cobrecromo proporciona melhor proteção. Já para a preservação, óleos das sementes do nim e

da mamona podem ser uma alternativa.

Em relação à capacidade resistiva, Pfeil (2013) ressalta que, quando comparada com

os outros materiais convencionais, como o aço e o concreto, a madeira apresenta bons

resultados à tração e à compressão.

Tabela 1 - Propriedades resistivas da madeira, aço e concreto

Fonte: Pfeil (2013, p. 1)

Para a bioconstrução, a madeira mostra-se muito útil, seja em modelos estruturais,

compondo vigas, pilares, treliças e outras estruturas para telhado (Figura 4), por exemplo, ou

até para técnicas como o cordwood e o pau a pique (Figura 5). Dá-se ênfase à sua aplicação

no item “3.1.2 Técnicas”.

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Figura 4 - Estrutura portante em madeira roliça, em Serra Grande, Bahia

Fonte: Autor (2018)

Figura 5 - Paredes de vedação: 1) técnica de cordwood; 2) técnica de pau a pique

Fonte: Autor (2018)

3.4.1.3 Fibras

Comumente associadas, na construção natural, às palhas de origem vegetal, podem ser

consideradas fibras as palhas do talo seco, entre a raiz e a espiga de cereais como o trigo,

centeio, cevada, aveia e milho, ou até as próprias plantas fibrosas, como o linho, cânhamo e

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arroz, por exemplo. Trata-se de uma matéria-prima renovável e barata que, através da energia

solar e da fotossíntese, retira minerais e água da terra, compondo-se, assim, de celulose,

lignina e terra sílica, com exterior ceroso e impermeável. (MINKE, 2006, p.17, tradução

nossa).

As fibras vegetais têm relação direta com o melhoramento das argamassas à base de

terra, auxiliando nos seus desempenhos a favor do isolamento térmico e da diminuição da

retração da mistura. Minke (1994) diz que, quando se adicionam fibras como o pelo animal ou

humano, fibras de coco, bambu ou palha vegetal cortada, tem-se aumento no potencial para

que reduza a retração da argamassa de terra. O que ocorre é que os poros das fibras absorvem

parte da água que deixaria a argila durante o processo de secagem. Também, vale destacar que

a adição de fibras agrega coesão à mistura. Como mostrado no Gráfico 1, a adição de fibras de

coco, sisal e agave (fibra de coco, sisal e agabe) reduzem a porcentagem de contração linear

(contracción lineal) das argamassas (mortero) argilosas (arcilloso) e arenosas (arenoso).

Ainda, pelo fato de a areia também auxiliar na diminuição da retração da argamassa, vê-se

que nas misturas arenosas a retração linear é menor.

Gráfico 1 - Efeitos da adição de fibras de coco, sisal e agave na retração da argamassa

Fonte: Minke (1994, p. 48)

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Pode-se ressaltar o uso da palha como um aditivo favorecedor do isolamento térmico e

da diminuição da retração da mistura de terra. “O isolamento térmico do barro pode aumentar

com a adição de aditivos porosos como a palha, algas marinhas, cortiça e outras fibras

vegetais leves.” (MINKE, 1994, p. 56, tradução nossa). Conforme ressalta Bueno (1995), a

palha tem sido amplamente utilizada como isolante térmico em tetos de moradias. Ademais,

as fibras do coco, por exemplo, podem ser utilizadas na estabilização de argamassas para

produção de adobes (tijolos crus). Soares (2008 apud SANTOS, 2017) diz que, em adobes

com 10% de volume desse tipo de fibra, obteve-se um aumento de 25% na resistência em

relação a uma amostra sem fibras, além de diminuir em cerca de 35% a retração, conferindo

maior estabilidade volumétrica.

Além dos exemplos supracitados, a palha tem grande importância em construções de

fardos de palha, como afirma Minke (2006, tradução nossa). Segundo o próprio, há dois tipos

de construção com fardos, as portantes e as que têm estrutura independente, geralmente de

madeira, contando somente com as paredes de vedação de fardos de palha. Nas portantes, a

altura da parede não deve exceder em cinco vezes a sua largura. É fundamental que os fardos

estejam muito compactados e instalem-se estruturas tensionadas, que liguem a viga perimetral

à fundação de concreto. O sistema construtivo é mostrado a seguir, na Figura 6.

Figura 6 - Sistema construtivo com fardos de palha: 1) estrutura autoportante; 2) estrutura de vedação

Fonte: Adaptado de Minke (2006, p. 20-21)

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3.4.1.4 Bambu

Desde os tempos precolombinos que o bambu é utilizado como material construtivo

em diferentes tipos de edificações. Muitos consideram-no um material perecível, mas essa

suposição errônea surge de fatos como a exposição equivocada do material frente à umidade e

a radiação solar, por exemplo, além da perda de conhecimentos construtivos com bambu, que

surtiu efeito com o tempo cronológico. (UBIDIA, 2015).

Com relação ao uso dessa matéria-prima, van Lengen (2014, p. 334) faz a seguinte

análise:

Os troncos de bambu chegam à sua altura máxima depois de 3 ou 4 meses, Depois de crescidos, as

paredes dos troncos vão ficando grossas e fortes. Depois de 3 ou 6 anos, dependendo do tipo de bambu,

os troncos alcançam sua resistência máxima. Só então ele pode ser usado para construção.

Para preparar os troncos, Lengen (2014) cita duas formas, uma através de água

corrente, outra ao ar livre, onde o bambu manterá sua cor natural e não será atacado por

fungos. No método ao ar livre, os troncos, ainda com as folhas, devem ser mantidos de pé

dentro de um cercado até secarem completamente. Faz-se necessário protegê-los da exposição

ao sol, repousando por um período de quatro a oito semanas, dependendo do clima local. Já

com a água corrente, deixa-se o bambu sem as folhas dentro de algum riacho, por pelo menos

quatro semanas.

Em seguida, parte-se para a secagem, que pode ser feita ou ao ar livre, ou com fogo,

ou com ar quente. Para a primeira, os troncos ficam por dois meses em local ventilado. O fogo

é utilizado para dias nublados e/ou para secagens rápidas, assim abre-se um buraco no solo e

reveste-o com tijolos para não perder calor, o bambu vem a 50 cm acima da chama, rodando e

mudando as posições até a secagem completa. Com o ar quente, constrói-se um armazém

coberto de latas pintadas de preto, vidro ou plásticos que deixem o calor passar. Os trancos

ficam repousando e recebendo o calor em local onde as paredes laterais devem ser isoladas

para evitar perdas. (VAN LENGEN, 2014).

A etapa final, segundo Lengen (2014), consiste em preparar os troncos de bambu com

algum líquido protetor que não seja químico, como o bórax, o esterco, a nata de cal, a cera de

abelha e o óleo de linhaça.

Pronto para o uso, o bambu tem diversas aplicações nas obras, compondo estruturas

portantes que, conforme avalia Ubidia (2015), é o caso onde o bambu assume as cargas da

estrutura, com a estrutura sendo construída ou diretamente sobre a base cimentada, seguindo a

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sequência construtiva de pilares e vigas, ou pré-fabricada no solo para posterior encaixe na

base.

Paredes de enchimento também são exemplos de utilização desse material nas

construções, como é o caso das paredes de pau a pique, técnica explicada no item “3.4.2.4 Pau

a pique”. Ainda, pode ser utilizado em estruturas de telhado, além de substituir o aço em

algumas construções.

Figura 7 - Estruturas de telhado em bambu: 1) vista externa sem cobertura; 2) vista interna com cobertura

Fonte: Autor (2018)

“Pelas suas características de ser um material local e renovável, o bambu oferece uma

possibilidade a mais de diminuir o impacto ecológico provocado pelas edificações,

acarretando numa significativa potencialidade para um dos setores mais poluentes do

planeta.” (UBIDIA, 2015, p. 5, tradução nossa).

3.4.1.5 Esterco

De acordo com Santos (2017) o esterco geralmente corresponde ao excremento animal

utilizado como fertilizante agrícola, por ser rico em nitrogênio e fósforo.

Entretanto, ele pode ser muito útil também na construção, uma vez que atua como

estabilizante químico nas argamassas de terra, ou seja, como diz Minke (1994, tradução

nossa), forma compostos estáveis através das trocas de íons entre os minerais da argila e o

esterco. Ainda, Pugsley (2007, apud SANTOS, 2017, p.49) afirma que o dejeto bovino “libera

ácidos que fazem a função do cimento, deixando firme a mistura.”

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Segundo Minke (1994, tradução nossa), ao adicionar esterco nas misturas à base de

terra, deve-se deixar a argamassa repousar pelo período de um a quatro dias, fato que permite

a fermentação do excremento, como mostra a Figura 8, exemplificando o processo de repouso

da mistura em piscinas naturais, no canteiro de obra.

Figura 8 - Processo de preparo da mistura de esterco e terra: 1) mistura; 2) depósito e fermentação da mistura

Fonte: Autor (2018)

Na índia é comum que os rebocos levem altas doses desse material, além disso,

investigações do FEB (Forschungslabor fur experimentelles Bauen – Laboratório de

Investigação para Construções Experimentais) comprovam que, em testes de pulverização de

jatos de água, o reboco de barro erodiu em apenas 4 minutos, enquanto a amostra com 3,5%

com peso de esterco só foi erodir 4 horas depois. (MINKE, 1994, tradução nossa).

Em técnicas como a construção com tijolos crus, Lengen (2015, p. 303) acrescenta que

“o esterco aumenta muito a resistência do adobe, tanto à umidade como o desgaste devido ao

tempo. Além do mais o esterco evita que cupins e barbeiros penetrem as paredes feitas de

terra.”

Santos (2017), através de estudos e ensaios realizados em adobes, concluiu que os

tijolos com adição de esterco bovino tiveram resultados significativos, conferindo-lhes

diminuição da sua massa específica e, por conter fibras, auxilia na diminuição da retração,

além de somar na questão da impermeabilidade. Millogo et al. (2016, p. 1, tradução nossa)

reforça a ideia e diz que “o esterco de vaca reage com caulina e quartzo fino para produzir

amina de silicato insolúvel, que cola as partículas de solo isoladas juntas.”

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Para a mesma técnica, Manette et al. (2015 apud SANTOS, 2017) ressalta que, ao

incorporar 20% de esterco bovino à mistura para fabricar adobes, além da estabilidade

volumétrica, a resistência mecânica subiu de 0,6 para 2 MPa (Mega Pascal).

Por fim, ressalta-se que o esterco de cavalo também pode ser utilizado, entretanto o de

vaca é melhor. Acrescenta-se que a trabalhabilidade do esterco fresco é vantajosa, ao passo

que o seco não tem o problema do odor e tem que ser peneirado para poder usar. (MINKE,

2013 apud DOS SANTOS, 2015).

3.4.2 Técnicas

A bioconstrução divide-se em três tipos de técnicas, de acordo com os métodos

construtivos, tal qual exemplifica Ferreira (2015, p. 34): “monolítica; por unidades ou seja

alvenaria de blocos; por enchimento e/ou revestimento de estruturas portantes.” Entre as

monolíticas, pode-se citar a taipa de pilão, já entre as estruturas por unidade, fala-se dos

adobes ou tijolos crus e, para as estruturas de enchimento ou revestimento, cabe ressaltar a

técnica de pau a pique.

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Figura 9 - Esquema de divisão dos tipos de técnicas bioconstrutivas

Fonte: Fernandes (2006 apud FERREIRA, 2015, p. 34)

Além das três categorias acima, é de grande importância falar dos métodos de

construção com terra ensacada (hiperadobe e superadobe), bem como a respeito do cordwood.

No presente trabalho, optou-se por dar maior ênfase às técnicas de pau a pique, por sua

importância histórica e larga utilização em território nacional; adobe, devido à sua

versatilidade; e hiperadobe, por ser uma técnica melhorada por um brasileiro e de fácil

execução, bem como por ter sido presenciada de perto pelo autor, em diferentes etapas

construtivas.

3.4.2.1 Superadobe

A técnica teve início com um programa proposto pela NASA (Agência Aeroespacial

Norte Americana), onde o desafio consistia em elaborar um processo construtivo de

residências que pudessem se adaptar ao território lunar. Nader Khalili, arquiteto iraniano,

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criou então o método de construção com terra ensacada e compactada. Os materiais que a

compõe são a terra, de preferência do próprio terreno, areia, quando necessário corrigir o traço

do solo, arames farpados, cimento e sacos de polipropileno, em rolo ou unidade. (GOUVEIA

et al., s.d.).

Conforme aponta Santos (2017, p. 38), “a construção é simples, bastando que a terra

local, umedecida, seja colocada em sacos de polipropileno e então socada (com o auxílio de

um socador) em fiadas com até 20 cm de altura. Fiada após fiada, bem compactadas, a parede

vai subindo. Dos Santos (2015) recomenda o uso de arames farpados entre as fiadas de terra

ensacada, afim de aumentar o atrito entre as camadas e a resistência à tração.

Como bem observado por Gonçalves e Gomes (2015 apud dos SANTOS, 2015, p.

108), apesar de Khalili ter originado a ideia no trabalho publicado no simpósio da NASA,

muito antes já se utilizava terra ensacada e compactada para a construção de barragens,

trincheiras e diques militares, além de ser utilizada para abrigos de construção rápida e outras

formas de arquitetura alternativa.

Figura 10 - Estrutura em superadobe para contenção da erosão pela ação marítima

Fonte: Houston (2013 apud dos SANTOS, 2015, p. 108)

Dos Santos (2015, p. 105) afirma que “com a terra ensacada se podem fazer

fundações, muros de arrimo, paredes portantes ou de vedação, e coberturas em domo ou arco,

ou mesmo toda a edificação com esta mesma técnica.” Segundo Hunter e Kiffmeyer (2004

apud DOS SANTOS, 2015), o solo ideal para preenchimento deve ter até 30% de argila,

sendo necessário o uso de estabilizantes químicos nos sacos de terra que compõem a

fundação, cintas de amarração, domos, arcos e vergas.

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Gouveia et al. (s.d.) aponta que a melhor maneira de aproveitar a estrutura do

superadobe dá-se através de construções em formato circular, pelo fato de ser uma técnica

portante, assim os esforços são melhor distribuídos.

A grande problemática do método é a etapa de acabamentos, onde a terra recebe

chapisco, emboço, reboco e pintura, no entanto, antes de tudo isso, deve-se queimar o plástico

que a envolve, que serviu como forma, caso contrário ele degrada-se naturalmente ou não

oferece camada porosa o bastante para receber a primeira camada protetora, o chapisco.

(GOUVEIA et al., s.d.).

O método construtivo é explicado no item que segue, “3.4.2.2 Hiperadobe”, por

apresentarem características bastante semelhantes.

Figura 11 - Processo construtivo da técnica de superadobe

Fonte: Adaptado de http://www.calearth.org/superadobe-structures-calearth

3.4.2.2 Hiperadobe

A técnica surge a partir do melhoramento do superadobe. Enquanto este necessita de

arames farpados para manter o atrito entre as fiadas, o hiperadobe tem um melhoramento no

tipo de forma, que permite maior adesão entre as camadas, justamente pela abertura

apresentada pelo saco formado de tela plástica de polietileno com alta densidade em malha

Raschel (PEAD-MR).

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Figura 12 - Sacaria de PEAD-MR para técnica de hiperadobe

Fonte: Autor (2018)

Aqui, vale fazer uma ressalva a respeito da nomenclatura. A Tabela 2 explica as

diferenças entre as sacarias individuais e contínuas das técnicas de superadobe e hiperadobe.

Tabela 2 - Nomeação da técnica de terra ensacada conforme a sacaria utilizada

Fonte: Adaptado de dos Santos (2015)

3.4.2.2.1 Processo construtivo

O método construtivo consiste em encher os sacos de malha Raschel com a terra, de

preferência do próprio terreno, composta por uma fração de até 30% de argila. Oliveira (2003)

constata que a camada a ser retirada para aproveitamento na construção deve estar abaixo dos

30 cm, pelo fato de, acima disso, a terra conter matéria orgânica abundante, evidenciando

falta de estrutura resistiva e presença de microrganismos. A umidade, conforme Hunter e

Kiffmeyer (2004 apud DOS SANTOS, 2015), pode estar acima dos 10%, entretanto, ressalta-

se que cada solo tem a sua umidade ótima.

Para Wojciechowska (2001 apud DOS SANTOS, 2015), a grande particularidade da

técnica é que se pode aproveitar materiais de diferentes granulometrias presentes na terra, até

mesmo britas e entulhos fragmentados.

Dito isso, os materiais necessários para executar estruturas nessa técnica são:

a) saco de polietileno;

Sacaria Individuais Contínuo

Polipropileno

Malha Raschel

Terra ensacada Superadobe

HiperadobeBrickeradobe

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b) terra;

c) cone ou funil distribuidor;

d) compactador ou pilão vertical;

e) instrumento para rebatimento lateral;

f) prumo;

Mede-se o tamanho longitudinal da parede em questão. Corta-se o saco com

aproximadamente 60 cm a mais que essa medida, com o intuito de amarrar as duas pontas no

término do enchimento de cada fiada. (GOUVEIA et al., s.d.). Coloca-se a sacaria no cone de

distribuição, que pode ser um balde sem fundo, por exemplo, e a seguir, no começo

determinado da parede, começa a etapa de preenchimento. Segundo Hunter e Kiffmeyer

(2004 apud DOS SANTOS, 2015, p. 141):

Para o preenchimento da sacaria são necessárias pelo menos três pessoas. Uma para segurar o cano com o

saco, sacudir para assentar a terra e caminhar para trás à medida que o saco é preenchido; uma segunda

para receber as latas com terra e despejar no cano; uma terceira para receber as latas vazias, enchê-las de

terra e entregar para a segunda pessoa.

Conforme a altura da estrutura vai aumentando, faz-se necessário aumentar o número

de pessoas para que o trabalho possa fluir com maior dinamismo. As camadas, nessa etapa,

terminam ficando com cerca de 15 a 20 cm de altura. Na ponta, dobra-se o saco, faz-se um nó

ou fecha-o com lacrador industrial.

A etapa de compactação vem com auxílio do compactador ou pilão vertical, onde uma

pessoa vai de uma ponta a outra do da estrutura, compactando com força e impactos

constantes, o ponto é atingido quando a terra emite um som metálico estridente. Hunter e

Kiffmeyer (2004 apud DOS SANTOS, 2015, p. 142) fala sobre a compactação lateral, onde a

“marreta de borracha é uma opção quando se deseja dar às paredes um acabamento liso, mas

afrouxa a lateral dos sacos.” Aconselha-se o uso de um instrumento artesanal de compactação

lateral, sempre verificando o prumo e tendo muito cuidado para fazer um bom trabalho de

compactação nas pontas da estrutura.

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Figura 13 - Processo construtivo da técnica de hiperadobe

Fonte: Autor (2018)

3.4.2.2.2 Detalhes construtivos

Para as tubulações, deixam-se as esperas das hidráulicas vindas do contrapiso. Com os

conduítes elétricos o processo é parecido, dependendo de onde vêm os tubos. Corta-se o saco

com terra e cobre-se a referente tubulação com argamassa.

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Figura 14 - Detalhes de instalações hidráulicas e elétricas no hiperadobe

Fonte: Hunter e Kiffmeyer (2004 apud DOS SANTOS, 2015, p. 144); Autor (2018)

Com relação ao encontro de paredes, dos Santos (2015, p. 145) diz que “os sacos

contínuos devem ser alocados de maneira alternada nas quinas e deve-se evitar que as

emendas fiquem alinhadas verticalmente.”

Figura 15 - Intertravamento dos sacos de hiperadobe

Fonte: Autor (2018)

Por se tratar de uma estrutura portante, deve-se tomar cuidado com o modo de

distribuição das cargas adjacentes aos sacos de hiperadobe. Para dos Santos (2015), a cinta de

amarração é um elemento de grande valia para o completo funcionamento da estrutura, pelo

fato de interconectar as paredes e servir de âncora distributiva das cargas do telhado. O mais

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comum é utilizar concreto armado na sua formação, entretanto, pode ser feita com duas fiadas

de terra ensacada estabilizada, pela adição de cimento ou cal, variando a porcentagem de

estabilizante de acordo com o tipo de terra.

Figura 16 - Viga de cintamento em estrutura de terra ensacada

Fonte: dos Santos (2015)

No caso das aberturas de portas e janelas também deve-se ter precauções com a

presença de vergas, de madeira ou de terra estabilizada, que suportem as cargas. Há a

possibilidade de cortar o hiperadobe e fazer a abertura da janela, bem como compactar a terra

ensacada na volta dos marcos.

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Figura 17 - Vergas e marcos fixados em hiperadobe

Fonte: Autor (2018)

O revestimento, por ser uma estrutura de terra crua e se tratar de um material

expansível, considera-se inadequado o uso de argamassa de reboco de cimento e areia.

Segundo a norma ASTM (2010 apud DOS SANTOS, 2015), esse tipo de reboco irá reter o

vapor de água dentro das paredes, acarretando em saturação da umidade e consequente

dissolução das mesmas. Sendo assim, opta-se por utilizar argamassa à base de terra. Os sacos

de PEAD-MR podem receber diretamente as camadas de terra rebocada, pois oferecem atrito

suficiente para esse tipo de trabalho.

Faz-se necessário molhar a terra antes de receber o reboco, afim de prepará-la para

puxar a umidade da argamassa e se formar um corpo só. Após isso, aplicam-se golpes na

estrutura, com o intuito de compactar a terra lateralmente, evitando a formação de possíveis

pontos frágeis aos quais o reboco não adere.

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Figura 18 - Processo reparativo até a fase de reboco da parede de terra ensacada

Fonte: Autor (2018)

3.4.2.3 Adobe

Os tijolos de adobe (Figura 19) compõem-se de terra crua, no estado plástico, onde

adicionam-se fibras, naturais ou sintéticas. A mistura é colocada em moldes retangulares e

seca ao sol ou em locais com sombra. Para assentá-los, utiliza-se de argamassa de terra,

geralmente a mesma utilizada para fabricar os tijolos. (GONÇALVES, 2005 apud SANTOS,

2017).

A técnica é uma das mais conhecidas, utilizadas e difundidas, sendo comum em

vedações verticais e coberturas de edifícios, por exemplo, é encontrada, historicamente, em

sítios arqueológicos, pirâmides, taludes, torres e muralhas defensivas. “Existem construções

em adobe antigas e modernas, urbanas e rurais, em todas as partes do mundo, regiões e

climas, com exceção dos cascos polares, picos elevados e algumas zonas costeiras”. (FATHY,

1970; CLAVIJO, 2002; HOUBEN; GUILLAUD, 1984; PNUD-UNESCO, 1984;

VIÑUALES, 1987 apud NEVES; FARIA, 2011, p. 16)

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Figura 19 - Tijolos de adobe com formato trapezoidal

Fonte: Autor (2018)

Minke (1994, tradução nossa) afirma que a distribuição granulométrica em tijolos

cozidos convencionais requer altos índices de argila com o intuito de alcançar suficiente

resistência no momento da queima. No caso dos tijolos crus, a presença de percentuais

maiores de argila implica em problemas de expansão e retração, ao molhar e secar o material,

respectivamente.

O autor afirma que, caso o solo não tenha fração de areia suficiente, é necessário

acrescentar areia grossa, com a finalidade de alcançar alta resistência à compressão com um

mínimo de retração. A argila também se faz necessária, entretanto, com o intuito de se obter

boas coesão e manipulação da mistura. “Solos muito argilosos podem ser corrigidos com

areia. Assim é comum, fazerem-se misturas volumétricas, usando-se, por exemplo, duas

partes de solo, uma de areia.” (GONÇALVES, 2005, p. 31).

Para Gonçalves (2005), o solo considerado ideal para essa mistura tem os seguintes

percentuais granulométricos:

a) 20 a 25% de argila;

b) 15 a 20% de silte;

c) 60% de areia;

d) 0% de pedregulho.

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Entretanto, Motta (2004 apud SANTOS, 2017) sugere que o percentual de areia esteja

entre 70 e 80%, compondo a fração de silte e argila o restante. O autor ressalta que, na prática,

verificam-se muitas diferenças nessas dosagens, variando de um solo para outro, por suas

grandes variabilidades granulométricas em função da sua região e origem.

Já para o limite de liquidez (LL), Minke (2000 apud GONÇALVES, 2005) afirma que

o desejável é que esteja na faixa dos 30 a 50%.

As formas que dão as dimensões dos adobes podem ser construídas artesanalmente,

com madeiras de espessura de 10 cm ou um pouco mais. A largura está na ordem dos 20 cm

para atender a regiões de climas severos, porém, 15 cm já atende à boa parte da realidade

brasileira. O comprimento pode estar em torno de 40 cm, sabendo-se que, muitas vezes,

utilizam essa medida como sendo duas vezes a largura. Um bom exemplo são os blocos de 20

cm x 30 cm x 8 a 10 cm (largura x comprimento x espessura). (GONÇALVES, 2005).

Figura 20 - Moldes para confecção de adobes

Fonte: Autor (2018)

O processo de moldagem é manual e inicia com a preparação da superfície plana,

geralmente espalhando uma camada de areia para que os adobes não fiquem aderidos após o

processo de secagem. Molha-se a forma para o barro não ficar grudado na hora de desmoldar,

preenchendo bem os cantos e extremidade. A superfície é regularizada com colher de

pedreiro, régua ou mão e o desmolde é imediato. (NEVES; FARIA, 2011).

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Figura 21 - Processo de confecção de adobes

Fonte: Autor (2018)

Neves e Faria (2011) recomenda que os adobes sequem ao ar livre durante uma ou

duas semanas e, a partir de então, coloca-o de lado até completar a secagem, por 5 a 10 dias,

dependendo do clima local. Em seguida, são empilhados até uma altura de 1,20 m para evitar

que desagreguem com a água da chuva.

Entretanto, Corrêa et al. (2005 apud SANTOS, 2017, p. 89) ressalta que “o local de

cura ideal para o adobe é o galpão coberto, por proporcionar perda gradual de umidade e

maior uniformidade na secagem, evitando-se assim o fenômeno da contração e o

aparecimento de trincas, que diminuem a resistência e o aproveitamento da produção.”

Para o uso dos tijolos crus, Minke (1994, tradução nossa) diz que a argamassa para o

assentamento do material é composta por barro, quantidade suficiente de areia grossa e,

opcionalmente, cal hidráulica e fibras. Ademais, pode-se acrescentar pequenas quantidades de

cimento na mistura. As argamassas de cimento não são aconselháveis por serem rígidas e

provocarem fissuras.

Vale ressaltar que o engenheiro Gernot Minke garante a possibilidade de fixar estantes

e quadros nesse tipo de parede, quando a técnica é bem executada, e alerta para a maior

facilidade de se furar um adobe quando comparado a um tijolo cozido.

Ainda vê-se com muito preconceito a técnica, entretanto, como afirma Gonçalves

(2005, p. 29):

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“Os tijolos crus não são resistentes à água como os cozidos, dizem todos, sem lembrar que em muitas

paredes os tijolos, de qualquer tipo que sejam, jamais serão submetidos à ação dela. Com uma proteção

adequada ou com uso de estabilizantes terão a durabilidade necessária. Aliando um material antigo como

a terra com outros modernos como cimento, emulsão asfáltica, etc, pode-se chegar a produtos que,

devidamente estudados, possam inspirar a confiança dos usuários.”

Santos (2017), em experimentos com três tipos diferentes de estabilizantes, reitera o

uso de aditivos, como supracitado por Gonçalves, e destaca o esterco bovino e a fibra de coco

com ótimas capacidades hidrófobas e de diminuição de retração, respectivamente.

E, em relação à resistência, Motta (2004 apud SANTOS, 2017) relata que a resistência

média encontrada em ensaios realizados com adobes é de 2 MPa, superior aos 1,5 MPa vistos

nos valores de resistência dos blocos cerâmicos com furos na horizontal, o que demonstra

uma vantagem construtiva a favor do tijolo cru.

Figura 22 - Confecção e assentamento de tijolos crus

Fonte: Gonçalves (2005, p. 15)

3.4.2.4 Pau a pique

Chamada também de taipa de mão, de sopapo, de sebe ou barro armado, Olender

(2006, p. 46) alerta que “trata-se, basicamente, de uma trama de madeira constituída por paus

verticais (paus a pique) presos, em ambos os lados, a paus horizontais (ripas) sobre a qual é

aplicada manualmente uma argamassa de barro que preenche seus vazios.” Servindo como

elemento de vedação geralmente, o pau a pique, quando visto, aparece em paredes internas

das edificações, mas também pode compor as paredes externas. (BORGES; COLOMBO,

2015).

Conforme Lemos (1979 apud SILVA, 2000) indica, a taipa de mão é, na verdade, uma

técnica de origem árabe e foi trazida ao Brasil pelos colonizadores europeus. Aqui se uniu às

técnicas construtivas indígenas e foi se adaptando ao clima quente e úmido da região Norte.

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Entretanto, é na região Nordeste que os rigores climáticos foram melhor atendidos e a

manifestação do método se expandiu e se tornou, segundo Silva (2000), a técnica mais

empregada entre as estruturas secundárias (que não têm função estrutural) no território

nacional.

Figura 23 - Trama de pau a pique sendo preenchida por argamassa de vedação

Fonte: Autor (2018)

Pode-se falar que a técnica é composta de uma estrutura mestra, que geralmente são

vigas e pilares de madeira; estrutura secundária, que são as chamadas tramas, compostas por

madeiras roliças, ripas e bambus; e material de vedação ou enchimento, composto de terra e,

caso necessário, outros elementos estabilizantes que conferem melhor performance ao barro.

(NEVES; FARIA, 2011).

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Figura 24 - Esquema de uma estrutura de pau a pique

Fonte: Neves e Faria (2011, p. 63)

As estruturas ou tramas de madeira, podem ser simples ou duplas, ou seja, com uma

única fileira de paus verticais ou com fileira dupla. Nas simples, geralmente se alcança uma

espessura entre 15 e 20 cm, já nas duplas, pode-se alcançar até 50 cm, contando com as

camadas de reboco. (OLENDER, 2006).

A trama é feita, inicialmente, por paus verticais fixados na viga superior, geralmente

compostos de madeira roliça. (VANCONCELOS, 1979 apud OLENDER, 2006). A distância

entre as madeiras verticais não deve exceder 1 m.

Os paus horizontais, também denominados ripas ou varas, completam a trama e são

fixados às madeiras verticais. São distanciados entre si em, no máximo, 10 a 15 cm. Melo

(2012) afirma que cada face dos pilaretes verticais deve receber o ripamento horizontal,

formando a estrutura dos dois lados, com espaço para receber a mistura de vedação.

Vale ressaltar que as tubulações elétricas e hidráulicas passam por dentro da trama e as

esperas saem na alturas das tomadas de utilização (Figura 25). As tramas podem aparecer

tanto no formato “vertical-horzintal”, quanto no “entrelaçado diagonal”.

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Figura 25 - Tramas de pau a pique

Fonte: Autor (2018)

Na etapa de enchimento ou vedação, para Neves e Faria (2011), a terra ou barro deve

ser responsável por atender aos requisitos das condições ambientais, funcionando como uma

pele que regula a temperatura, umidade e o som da edificação.

Entretanto, os autores também ressaltam que, com o intuito de a argamassa de vedação

apresentar boas propriedades isolantes, é interessante fazer algumas observações a respeito da

composição granular da terra:

a) areia: de fundamental importância porque é a parte estável da terra. Estudos

apontam um mínimo de 50% de areia;

b) silte: sugere-se uma quantidade abaixo de 30%, visto que não apresenta a

propriedade coesiva proporcionada pela argila, além de auxiliar, quando em

excesso, no processo de degradação da argamassa pela ação da umidade;

c) argila: principal elemento coesivo, permitindo a aderência das fibras na mistura.

Recomenda-se que a porcentagem não ultrapasse os 20%, acima disso termina por

favorecer o aparecimento de fissuras após o processo de secagem.

Ademais, deve-se ressaltar os elementos que podem ser agregados à mistura:

a) fibras: são empregadas para auxiliar na aderência do barro na trama, além de evitar

a fissuração da terra argilosa. Ainda, auxiliam na resistência frente às deformações

elásticas e conferem melhorias na capacidade térmica;

b) cal: auxilia na resistência mecânica, durabilidade e impermeabilidade da argamassa.

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O enchimento vai apresentar fissuras no processo de secagem, mas esse é um processo

natural e, para garantir a qualidade da moradia, seguem-se as camadas de revestimento “que

podem ser o reboco ou o forro, que corresponde a todo tipo de revestimento sólido. Os

rebocos são aplicados em estado plástico, diretamente sobre o enchimento e os forros são

fixados à

estrutura, independentes do enchimento.” (NEVES; FARIA, 2011, p. 67).

O revestimento em reboco é comumente composto de duas camadas: o emboço e o

reboco propriamente dito. A composição do emboço é pensada em função de servir como um

ligante entre o enchimento e o reboco, assim, pode ser composto pela mesma mistura do

enchimento. (OLENDER, 2006). Já o reboco, segundo Neves e Faria (2011), deve ser

pensado para atender aos requisitos de elasticidade e permeabilidade. Pode-se usar malhas

metálicas de metal galvanizado. Ademais, sugere o uso de argamassa natural, à base de terra e

areia, com adições de estabilizantes como o esterco, cal ou cimento, além de fibras.

Em suma, o pau a pique com os revestimentos devidamente elaborados é uma técnica

de grande versatilidade e com algumas vantagens, conforme destacam Neves e Faria (2011):

a) o aproveitamento da madeira e bambu favorecem as condições ambientais, pois

caractecteriza, ao longo da cadeia produtiva, um sistema ecológico e sustentável;

b) se adapta aos materiais disponíveis localmente;

c) é uma técnica que se adapta às áreas instabilidades sísmicas, com desempenho

estrutural e flexibilidade compatíveis para essas regiões;

d) apresenta comportamento térmico e acústico satisfatórios;

e) é considerado um sistema construtivo leve, facilitando o uso em solos com baixa

capacidade de carga.

Porém, por mais que fiquem evidentes as vantagens supracitadas, o pau a pique ainda

é mal visto no Brasil. A estrutura é considerada de baixa renda e comumente associada à

doença de Chagas.

Silva (2000), em estudo sobre a salubridade das construções com terra, explica que,

segundo a cartilha dos médicos do Hospital Evandro Chagas, no Rio de Janeiro, o inseto

responsável pela transmissão da doença vive nas frestas das paredes de qualquer casa mal

cuidada e mal executada, seja ela construída em pau a pique ou em tijolo cozido.

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3.4.2.5 Taipa de pilão

A técnica com terra compactada foi bem conhecida no decorrer de muitos séculos em

todos os continentes do mundo. Antigamente era muito utilizada para se construir muros,

onde consistia em encher uma forma com terra, até a altura de 10 a 15 cm e, em seguida,

compactar camada após camada. (MINKE, 1994, tradução nossa).

Trazendo para a realidade atual, Neves e Faria (2011) dizem que o método é utilizado

para a construção de fundações e paredes, com o solo previamente preparado e posteriormente

compactado. O processo passa pelo destorroar, secar e peneirar do solo e, se necessário,

adiciona-se algum aglomerante à terra, além de água até que se atinja o ponto ótimo de

umidade. Constrói-se uma caixa denominada de mole ou taipal e compacta-se até a massa

específica máxima, com auxílio de compactadores manuais ou mecânicos.

Figura 26 - Formas de molde para técnica de taipa de pilão

Fonte: Minke (1994, p. 60)

É de suma importância tomar cuidado com a granulometria da terra, sendo o solo mais

indicado o tipo arenoso, o que facilita o trabalho, seja na etapa retirada da matéria-prima na

jazida ou no canteiro de obra, como na fase de compactação. (NEVES; FARIA, 2011).

Caracteriza-se por ser um elemento estrutural moldado in loco com altos índices de

resistência à compressão. Devem-se prever elementos construtivos como beirais ou

pingadeiras capazes de garantir a proteção dos topos da estrutura, além de impermeabilizar

bem as fundações, evitando o contato direto desse tipo de construção com o chão, afim de

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proteger a base. O resultado é um design moderno e visualmente excelente. (NEVES; FARIA,

2011).

Alguns países como Estados Unidos e Austrália usam a taipa de pilão com auxílio de

estruturas mais desenvolvidas e industrializadas. Trata-se de uma alternativa para a

construção de muros de barro em relação à construção convencional com tijolos cozidos,

auxiliando não só no ponto de vista ecológico como também econômico. (MINKE, 1994,

tradução nossa).

No Brasil há exemplos como a empresa construtora Taipal, que é membro da

Greenbuilding Council Brasil, organização que fomenta a indústria de construção sustentável.

Visando a utilização da tecnologia a favor da qualidade, a empresa afirma que as vantagens da

construção em taipa inclui a salubridade dos moradores, pelo fato de as paredes permitirem

trocas gasosas entre os ambientes da casa, mantendo a umidade e combatendo, de forma

natural, fungos e bactérias. Ademais, oferece excelente conforto térmico e acústico,

influenciando na economia direta com redução de gastos com energia e circuladores e

condicionadores de ar. (TAIPAL, 2018).

Figura 27 - Molde e estrutura de pau a pique

Fonte:https://maisonsuindara.files.wordpress.com/2014/05/06-taipa-paredes-pneumatico.jpg;

http://ecohabittare.blogspot.com/2013/01/professores-universitarios-da-ufgd.html

3.4.2.6 Cordwood

Conforme analisa Prompt (2012), a técnica baseia-se no assentamento de pedaços de

madeira roliça em argamassa feita de terra. Pode-se comparar, pela similaridade, ao

assentamento de tijolos cozidos em argamassa de cimento. O cordwood pode ser utilizado

para executar paredes de vedação, não sendo responsável por estruturas autoportantes.

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Yvypora (2007) traz a informação de que o método é usado cortando-se madeiras

roliças com 30 ou 40 cm de comprimento, dando assim a largura da parede. Ressalta-se,

também, o uso de uma fiada de arame farpado a cada 45 cm de altura.

Figura 28 - Paredes de vedação de cordwood

Fonte: Autor (2018)

3.4.3 A bioconstrução no Brasil

“A sustentabilidade na arquitetura pode ser lograda de diversas formas, dependendo da

realidade em que está inserida. No Brasil, e mais especificamente no meio rural, a

bioconstrução é sem dúvida a forma mais adequada de se produzir a arquitetura.” (PROMPT e

BORELLA, 2010, p. 3). Conforme Prompt e Borella (2010), no território nacional, a

arquitetura popular foi expressa através da comunhão de diferentes culturas, como por

exemplo o advento indígena, com materiais disponíveis e de acordo com o clima local, além

das construções com terra, que foram amplamente utilizadas no período colonial.

Para os autores, entretanto, a cultura industrial trouxe uma gama de tecnologias para a

construção civil. Cimento Portland, tijolos queimados, e as grandes campanhas para o uso

desse tipo de material e argamassas à base de cimento e areia, são ofertados como o símbolo

da modernidade e do status social.

O interesse pela terra e outros materiais naturais na construção foi perdendo espaço em

território nacional e, consequentemente, a legalidade e normas técnicas a respeito dessas obras

terminaram por não acompanhar o movimento tradicional de construir. De Camillis (2016)

expõe a ideia de que, por mais que sejam de acesso fácil os manuais que ensinam a

bioconstruir, não existem normas técnicas que viabilizem essas obras no Brasil.

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41

Entretanto, vale ressaltar que, em setembro de 2015, o escritório da ABNT

(Associação Brasileira de Normas Técnicas) de São Paulo anunciou a criação de uma

comissão que discutiria a elaboração dessas normas, a chamada ABNT/CEE-222-Comissão

de Estudo Especial de Terra Armada, a qual tem por objetivo a “normalização no campo de

terra armada, no que concerne à terminologia, requisitos, métodos de ensaio e generalidades.”

(ABNT, 2015 apud DE CAMILLIS, 2016, p. 35).

Cabe destacar o trabalho da Comissão de Estudo de Estruturas de Bambu (CE-

002:126.012), “que atua junto ao Comitê Brasileiro da Construção Civil (ABNT/ CB-002) e,

no que depender de seus membros, esse trabalho colocará o Brasil no mesmo passo de países

como Colômbia, Peru e Equador, que já dispõem de normas de construção com o material.”

Eles estão em fase de elaboração de duas normas técnicas, sendo uma de projeto de estruturas

e outra a respeito de ensaios de caracterizações físicas e mecânicas, que devem ser liberadas

já no segundo semestre de 2018. (ABNT, 2018).

Com os estudos em comissões da ABNT em fase de desenvolvimento, o ministro do

Ambiente, José Pedro Matos Fernandes, afirma que “é importante valorizar atividades como

esta de arquitetura e construção em terra, porque estamos a falar de um uso de bens que são

100% naturais, que não causam qualquer resíduo quando deixam de ser utilizadas e que tem

excelentes condições térmicas", além de declarar que o Estado pode ajudar a financiar essas

construções, proporcionando auxílio para que elas se tornem ainda mais eficientes.

(REDAÇÃO, 2018).

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42

4 IMPACTOS DA BIOCONSTRUÇÃO NA SOCIEDADE

Nos tempos contemporâneos, falar de bioconstrução envolve um tabu acerca da

qualidade e salubridade dessas construções. Ouve-se que é moradia subdesenvolvida e

marginalizada, entretanto essas afirmações têm um fundo cultural e, na maioria dos casos,

equivocado a respeito das obras naturais, conforme afirma Silva (2000, p. 37):

Por se tratar de uma tradição oral, os conhecimentos acerca das técnicas construtivas em terra crua, que

foram trazidos até os dias atuais podem ser considerados apenas uma pequena parte desta tradição. A esse

motivo e à industrialização da construção civil deve-se, em parte, o desprezo desses conhecimentos

históricos pelo homem urbano atual.

Entretanto, com a crescente crise ambiental e os impactos sociais causados pelos

métodos construtivos convencionais, faz-se necessário questionar e remodelar os parâmetros

não os métodos naturais, mas sim os que estão em vigor no mercado. Corrêa (2009, p. 37)

ressalta que, no Brasil, a construção civil produz cerca de 850.000 toneladas de entulho por

mês e a ausência de processos de redução, reutilização e reciclagem nas obras de reformas, e

as grandes perdas durante o processo construtivo contribuem para a geração desse tipo de

resíduo.

Ao considerar outro ponto e discorrer a respeito de fatores de conforto das moradias,

portanto humanos, Pinto (2013) salienta que estudos médicos já relacionam a saúde humana

com as residências. Casos como a síndrome do edifício enfermo surgiram no século XX,

comprovando que certas edificações, por questões de ventilação inadequada e excesso de

produtos tóxicos nos materiais interiores, podem levar à ocorrência de fadiga crônica, por

exemplo.

A bioconstrução, então, como afirma Pinto (2013, p. 47), “pretende minimizar o

impacto ambiental das construções gerando desenvolvimento sustentável que não esgote os

recursos do planeta, garantindo equilíbrio no presente e no futuro e favorecendo os processos

evolutivos da Vida.”

Com relação ao tipo de trabalho, Felipe Cielavin, pedreiro e marceneiro que já

trabalhou por oito anos em construção civil em Londres, na Inglaterra, diz que a obra natural é

uma forma mais livre de trabalho e, além de ser uma construção de baixo impacto, nota-se

uma “valorização maior das pessoas envolvidas nos processos de trabalho”. Já Rocio Bua,

arquiteta argentina, diz que trabalhar em obras naturais é resgatar um estilo de vida e afirma:

“sinto uma sensibilidade que creio que nunca tinha sentido na minha profissão. Na construção

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convencional sempre tem um limite na cabeça, um resultado só, mas com o barro não há

limite para nada, tudo que imaginar pode fazer.” (informação verbal)1.

Referente ao desenvolvimento social e à visão mais ampla citada por Rocio Bua, o

engenheiro civil Marcos Botelho traz a reflexão acerca do empoderamento da comunidade

através da bioconstrução, como uma ferramenta para a autoconstrução, dizendo acredita que

as técnicas e os materiais de baixo custo podem auxiliar no processo de pessoas de baixa

renda que pensam em uma casa boa e logo associam àquelas de bloco cerâmico e cimento.

Para ele, é um passo importante reverter os investimentos que iriam para a indústria do

cimento e incentivar a sociedade na utilização de terra para a construção da casa própria.

(informação verbal)2.

4.1 CONFORTO TÉRMICO DAS MORADIAS BIOCONSTRUÍDAS

“A temperatura do ar interno de ambientes fechados está diretamente relacionada às

paredes deste ambiente, pois estas podem transmitir ou receber calor do ambiente.” (SILVA,

2000, p. 56).

Analisando a estrutura, Bueno (1995 apud SILVA, 2000, p. 56) fala das paredes das

residências e acrescenta que:

A condutibilidade térmica das paredes de terra crua é tal, que corresponde à metade da condutibilidade

das paredes feitas de tijolo cozido. Isso quer dizer que as primeiras apresentam um índice de inércia

térmica em suas paredes muito mais elevado do que as segundas. Explicando melhor: a corrente de calor

que atravessa as paredes é conduzida mais lentamente nas paredes de terra crua do que nas paredes de

tijolo cozido, por isso o ambiente interno das construções em terra crua se mantém em temperatura

constante.

1 Entrevista realizada em Serra Grande, na Bahia, com o pedreiro e marceneiro Felipe Cielavin e a arquiteta

Rocio Bua, em maio de 2018. 2 Entrevista realizada com o engenheiro civil Marcos Aurélio dos Santos Botelho Júnior, em Serra Grande, na

Bahia, em maio de 2018.

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Tabela 3 - Comparativo de condutibilidade térmica de materiais construtivos

Fonte: Adaptado de Bueno (1995, p. 240)

Pela análise da Tabela 3, observa-se que, para obter o mesmo isolamento térmico,

precisa-se de 9,5 cm de parede de barro prensado, enquanto, para um mesmo resultado,

necessita-se de praticamente o triplo dessa espessura de parede de concreto (30 cm).

Contextualizando com a realidade atual, onde constroem-se paredes de tijolos cozidos, em sua

maioria, ao compará-lo com o barro prensado, nota-se que, para um mesmo isolamento

térmico, para o primeiro a espessura correspondente seria de 19,8 cm, já para o segundo, a

metade.

Quadro comparativo de condutibilidades térmicas (W / m °C)

condutividade térmica de um material, é a corrente de calor que atravessa

1 m² do referido material com espessura de 1 m e para 1 °C de diferença

de temperaturas entre o exterior e o interior. Expressa-se em W / m °C

λ

2

1

0,7

0,6

0,7

0,5

3,3 a 5,3

19,8

19,8

9,5

7,7 a 11,6

2 a 3,8

Espessura para um mesmo

isolamento térmico (cm)

124

16,3 a 50

27,5 a 30

0,058

0,041

0,036

0,04

0,029

Material λ

1,15

1,15

0,55

0,46 a 0,70

0,12 a 0,23

0,12

Filtro de madeira (Isorel)

Lã de vidro

Lã de rocha

Cortiça negra aglomerada

Espuma de poliuretano

Barro cozido maciço

Vidro

Barro prensado

Gesso

Madeira (balsa: 0,023)

Palha comprimida

Ferro

Pedra

Bioconcreto e concreto

Bioconcreto de vermiculita

72

0,95 a 2,9

1,60 a 1,75

0,31 a 1,19

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45

Ademais, é importante avaliar a diferença da estrutura de barro e terra crua. Segundo

Bueno (1995 apud SILVA, 2000), a parede de terra crua, acima de 50 cm de espessura, atinge

tal resistência que possui características de alta inércia térmica, justamente pela lenta absorção

do calor das paredes grossas. Já o barro, que corresponde à mescla de terra e demais

agregados como palha e areia, por exemplo, não é um bom isolante térmico. Entretanto, a

adição de palha na argamassa de barro confere maior capacidade de isolamento térmico à

estrutura e, tal qual ressalta Minke (2015), quando afirma que o isolamento térmico da

mistura pode ser melhorado quando adicionam-se materiais porosos, como a palha, algas

marinhas, serragem e outras fibras vegetais leves, além de partículas minerais como a argila

ou o vidro expandidos.

À temperatura efetiva de um ambiente relaciona-se a sensação térmica do mesmo.

Entretanto, ela não só é formada pela temperatura interna, mas também por outros dois

fatores: a umidade relativa do ar e a ventilação. Então, o conforto térmico do ambiente

depende do equilíbrio dessas três variáveis. (SILVA, 2000).

Como explicado no item “3.4.1.1 Terra”, o barro auxilia na manutenção da umidade

do ambiente, pois absorve 30 vezes mais umidade que outros materiais construtivos

industrializados, além de mantê-la com valores em torno de 50%. Minke (2015) afirma que

uma umidade relativa acima de 70% se torna desagradável à respiração devido à diminuição

da absorção de oxigênio.

Com relação à ventilação, Silva (2000) ressalta que, em seu estado cru, a argila

mantém a porosidade natural por não ser submetida às altas temperaturas de cozimento,

permitindo a passagem do ar através da estrutura. A característica faz das casas de terra um

exemplo de arquitetura biologicamente saudável, porque a respiração das paredes auxilia na

constante renovação do ar.

4.2 CONFORTO ACÚSTICO DAS ESTRUTURAS BIOCONSTRUÍDAS

Bueno (1995, p. 245) diz que os ruídos em uma edificação têm duas formas de

transmissão: aérea, onde, por reflexão, as ondas sonoras vão do emissor ao receptor,

atravessando obstáculos como paredes e pisos e, nesse caminho, vão sendo absorvidas em

maior ou menor proporção pelos materiais; e material, quando os ruídos são ocasionados por

via aérea ou por aplicação física, como tubulações e passos, por exemplo, e então conduzidos

pelos corpos sólidos, para novamente se tornarem de via aérea e chegarem até o receptor.

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Ainda, diz-se que, para tratar os ruídos, a melhor alternativa é impedi-lo em sua origem,

isolando-o e/ou favorecendo sua absorção, para que não chegue ao possível receptor.

Para Bueno (1995, p. 246) “quanto mais densa e pesada for uma matéria, maior é a sua

faculdade de isolamento acústico: uma parede maciça de 50 cm possui propriedades de

isolamento sonoro muito satisfatórias.” As paredes duplas com vãos de ar no meio não são tão

viáveis para o isolamento sonoro, o melhor seria preencher esse vão com fibras de rocha ou

areia. Além disso, “os aglomerados de cortiça ou os painéis de fibras de madeira oferecem

uma solução adequada e natural” como reforço e, nessa condição, seria possível utilizar uma

câmara de ar intermediária.

Silva (2000) afirma que, através da análise de dados levantados em entrevistas com

profissionais, é possível verificar as ótimas condições de isolamento acústico que apresentam

as casas de terra crua. Em entrevista com a professora Ana Branco, pertencente ao

Departamento de Artes e Desenho Industrial da PUC-Rio, a mesma relatou que, ao dar aulas

em uma sala de aula construída convencionalmente, ficou tão estressada com o alto nível de

barulho a ponto de optar por construir uma sala de aula não convencional no campus da

universidade. A nova sala, com 2,5 m de diâmetro e piso batido de terra, segundo a

professora, favorece a comunicação de 15 pessoas, que se ouvem com facilidade por não

haver a confusão acústica presente na sala convencional.

Diante da entrevista supracitada, Silva (2000, p. 68) traz a observação de que “o piso

de terra, por sua porosidade, absorve o som, de modo que as vozes do ambiente não se

misturam. Em espaços, cujos pisos e paredes sejam lisos, há uma reflexão do som, e o som

refletido se mistura com os outros no ambiente, causando a confusão acústica [...]”.

Segundo Bueno (1995), o som suportado pela população de qualquer país está no nível

entre 35 e 85 dB (decibéis). Entretanto, sabe-se que o limite para um ser humano está na faixa

dos 65 dB e, conforme Bueno (1995 apud SILVA, 2000, p. 67), em “[...] ambientes cuja

superfície das paredes e pisos sejam lisos, esse nível de poluição sonora pode subir e, caso

alcance 85 decibéis, pode causar danos ao aparelho auditivo humano.”

Aplica-se, então, a reflexão às estruturas de terra em geral, onde a porosidade das

paredes de terra crua tem maior capacidade de absorção do som em relação às paredes

convencionais comumente vistas.

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47

4.3 A AUTOCONSTRUÇÃO FAVORECIDA PELA BIOCONSTRUÇÃO

O processo de autoconstrução engloba um desafio que há tempos a humanidade

enfrenta, o de construir o seu próprio abrigo. Neves e Faria (2011) afirmam que a relação do

homem com o material terra, que compõe a maior parte das moradias autconstruídas, sempre

foi uma tradição familiar e faz-se necessário preservá-la. “Sem dúvida, as técnicas vernáculas

são importante aporte para o conhecimento histórico dos processos e o reconhecimento dos

valores históricos e estéticos [...]”.

De acordo com Farias (2002 apud PROMPT, 2012), os métodos construtivos com

terra dão autonomia tecnológica e favorecem a autoconstrução, pois podem ser aprendidos por

pessoas sem experiência construtiva. Weimer (2005, p. 250 apud PROMPT, 2012, p. 68)

reafirma a ideia ao ressaltar que, para construir com terra “as próprias mãos são suficientes”.

Para Randolfo Roberto, biólogo de formação e bioconstrutor por paixão, a sua

autoconstrução foi também um auto desafio pois, no período de 4 meses, ele e mais um

funcionário construíram uma casa de 70 m². O processo envolveu o uso de bambu como

estrutura dos pilares, vigas e telhado, além de tijolos cozidos para vedação, assentados e

rebocados com argamassa de terra e cimento. Segundo ele, a autoconstrução com materiais

naturais facilitou muito na questão financeira. O biólogo percebeu que poderia suprir gastos,

que seriam exagerados, com o uso de terra argilosa no lugar de apenas cimento e

aproveitamento dos recursos locais, como o bambu e a areia locais. O bambu entrou como

uma alternativa pela questão do peso porque uma pessoa conseguia manusear o material e

fixá-lo à estrutura da moradia, além de substituir o aço em determinados locais em que seria

necessário, como por exemplo a fundação. Já a terra e a areia foram experimentadas através

de testes e utilizadas como recurso sustentável e de baixo custo financeiro. O custo final da

obra totalizou R$ 30.000,00. (informação verbal)3.

Já Gonzalo Nadal Carrara, pedreiro natural da Patagônia, na Argentina, onde,

conforme ele, é muito comum a bioconstrução e a autoconstrução, diz que para fazer as

paredes de uma moradia de 90 m² em 4 meses e com ajudas esporádicas de sua companheira e

filho, ele gastou um total de R$ 3.000,00. A técnica empregada foi o pau a pique, com tramas

de madeira e argamassa de barro. Conforme ressalta Gonzalo, as vantagens da autoconstrução

é que ela oferece independência no processo construtivo. Já a bioconstrução entra com papel

importante pelo fato de possibilitar o manuseio com as mãos sem lastimá-las, como ocorre

3 Entrevista realizada com Randolfo Roberto Barros Filho, em Serra Grande, Bahia, maio de 2018.

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com as construções que envolvem o cimento, o que permite também que os seus familiares

ajudassem a erguer a estrutura de vedação, sendo “muito importante por incluí-los no projeto

e tirar mais tempo com eles”. Ademais, possibilita realizar formas mais orgânicas. Entretanto,

cabe destacar que o tempo cronológico envolvido é maior por ser um método que requer

testes e experiência. (informação verbal)4.

Para Brasil (2008, p.11):

A construção de um ambiente sustentável traz autonomia às comunidades. Uma comunidade com

autonomia é aquela que tem a capacidade de satisfazer as suas próprias necessidades sem depender de

grupos ou pessoas de fora da comunidade. O domínio de técnicas construtivas e a valorização das técnicas

tradicionais são mais um passo rumo a essa autonomia.

Ryan Luckey, músico, ecologista e futuro morador de uma casa bioconstruída, ressalta

a ideia de autonomia ofertada pela bioconstrução destacada por Brasil (2008), dizendo que

pretende ele mesmo “rebocar o material e trabalhar na manutenção da casa, se preciso.” Ele

percebeu que pode construir o sonho da casa própria com a ajuda da família, e se a filha de 3

anos quiser ajudar na construção, tem certeza que não precisa se preocupar com os materiais

que ela está se envolvendo, “porque o pior que pode acontecer é ela ficar suja de terra”.

(informação verbal)5.

Figura 29 - Mulher de Ryan (em azul) pisando argamassa de terra para a vedação do pau a pique (ao fundo)

Fonte: Autor (2018)

4 Entrevista realizada com Gonzalo Nadal Carrara, em Serra Grande, Bahia, em maio de 2018.

5 Entrevista realizada com o músico e ecologista Ryan Luckey, em Serra Grande, Bahia, em maio de 2018.

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49

4.4 A ARQUITETURA ORGÂNICA COMO UM PROCESSO DA BIOCONSTRUÇÃO

A arquitetura orgânica, também relacionada com a arquitetura sustentável, procura

abranger o meio e as pessoas na construção, harmonizando os aspectos internos e externos à

edificação. Conforme Esteves (2008), esse ramo é eleito por Frank Lloyd Wright, arquiteto

estadunidense, como o centro do seu projeto, comparando a casa a um organismo vivo, não

apenas por suas formas irregulares ou demais características físicas que lembrar a natureza,

mas também por fazer uma leitura do ambiente ao redor, considerando os materiais e

características da região.

Já para Kronka (2001 apud SIMÕES, 2009), a arquitetura sustentável pode ser descrita

como uma forma de desenvolver e proporcionar a busca pela igualdade social, valorizando os

aspectos culturais, com maior eficiência energética e diminuição do impacto ambiental, por

meio de soluções adequadas nas etapas de projeto, construção, utilização, reutilização e

reciclagem da edificação.

A bioconstrução e a arquitetura orgânica caminham juntas, ao encontro da diminuição

do impacto ambiental e do melhor aproveitamento dos recursos nas construções. Entretanto,

vale ressaltar que os termos não abrangem somente a execução de projetos, e sim o estudo do

caso desde a sua elaboração até a entrega do resultado final.

Irina Biletska, arquiteta ucraniana que reside no Brasil, diz que optou por trabalhar

com arquitetura orgânica por essa área ter maior relação e integralidade com os seus valores,

de diminuição do impacto ambiental causado pelas edificações e harmonia da estrutura com a

natureza. Em seus projetos, os principais fatores que leva em consideração são a

funcionalidade dos espaços, a vida das pessoas, a sustentabilidade e os aspectos ecológicos.

Ressalta que uma residência pode ser vista como uma fruta que está crescendo, onde tem-se

os fatores externos e internos que influenciam na sua formação. Tanto o vento, a iluminação,

a umidade e a ação da gravidade (fatores externos), como a sucção dos nutrientes e a

circulação interna da árvore (fatores internos) moldam a fruta, tal qual acontece com a

moradia, onde “as forças internas são a vida da família e as dinâmicas internas da casa. Então

esses aspectos se integram numa única forma adequada para a construção no ambiente.” Irina

destaca que a arquitetura orgânica tenta imitar a natureza na sua metodologia de desenho, sem

copiar as suas formas, mas tentando saber como a natureza criaria o ambiente edificado se a

ela fosse atribuída essa tarefa. Entretanto, “sinto que o mercado está voltado para a arquitetura

industrializada que, de fato, corresponde a um aglomerado de objetos industrializados

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organizados da forma mais cômoda para essas estruturas, mas que pouco tem a ver com o ser

humano.” (informação verbal)6.

É claro o valor da construção arquitetada organicamente, não só pelo fato de respeitar

os conceitos da natureza, mas também por levar em consideração o melhor para a saúde dos

moradores. Irina diz que o trabalho com bioconstrução a preenche porque tem muitos

desafios, pesquisas e novas descobertas envolvidos, mas o principal é poder desenvolver a

sensibilidade a respeito do cliente e do ambiente natural: “minha tarefa é cuidar das pessoas

no projeto, e sinto que essas moradias são muito mais saudáveis para as pessoas e local

envolvidos.”

Cintia Oliveira Matos, jornalista e cliente de Irina, afirma que “além do impacto

ambiental e o cuidado por não usar tanto cimento e outros materiais que, com o passar do

tempo, só virariam entulho, a questão visual de um projeto que combina arquitetura orgânica

e bioconstrução é que faz a diferença.” Para ela, estamos tão acostumados a viver e olhar a

construção como quadrados, e viver em uma casa assim ajuda a pensar fora da caixa

literalmente, onde as curvas da casa se combinam com o ambiente externo, por exemplo.

(informação verbal)7.

Figura 30 - Casa de hiperadobe projetada por Irina para a família de Cintia

Fonte: Autor (2018)

6 Entrevista realizada com a arquiteta Irina Biletska, em Serra Grande, Bahia, em junho de 2018.

7 Entrevista realizada com Cintia Oliveira Matos, em Serra Grande, na Bahia, em junho de 2018.

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4.5 A BIOCONSTURÇÃO E O EMPODERAMENTO FEMININO NAS OBRAS

“As mulheres podem executar tarefas de forma igualitária com os homens?”. A

resposta diz que 90% dos gestores de empresa entrevistados refutaram a hipótese, conforme

analisa Santos (2013 apud EINSFELD, 2017).

Trazendo a realidade para o mercado de trabalho e a inserção do feminino em sua

estrutura, RH Portal (2015 apud EINSFELD, 2017) afirma que o processo teve início tardio,

no século XX. No Brasil, consta-se que 41% da força de trabalho é feminina e somente 24%

da população que ocupa cargos de gerência é composta de mulheres. Ademais, esse público

recebe 71% do salário masculino nos casos em que os gêneros ocupam o mesmo cargo.

Com relação ao setor construtivo, Alves (2017) destaca que a presença feminina é

muito inferior à masculina. Entretanto, vale destacar o aumento de 44,5% entre os anos 2007

e 2009, conforme observação do Ministério do Trabalho e Emprego. Hoje, estima-se que mais

de 200.000 mulheres trabalham no ramo, sendo de maneira formal ou autônoma.

Cabe avaliar que, mais importante que os números crescentes de mulheres nas

construções, talvez seja o comportamento desse setor frente à presença feminina no canteiro

de obras. Para a arquiteta Bruna Ferri Viesi, que já trabalhou em construção convencional por

dezoito meses e agora trabalha com obras bioconstruídas há quatro meses, o processo de

abertura para a mulher nas obras naturais “é muito mais intenso e fácil de acontecer”. Para

ela, o canteiro de obras convencional ainda tem muitas questões que colocam o feminino

como uma classe inferior, como o machismo, por exemplo. Já na bioconstrução, por ser um

movimento de resgate das tradições, a mulher tem papel fundamental nessa retomada, assim

como os homens, mas por caminharem lado a lado na construção desse caminho, “a

construção natural oferece mais espaço para a troca e permite à mulher exercer suas tarefas e

mostrar do que ela realmente é capaz.” Ainda, aponta que esse tipo de ambiente pode ser

pioneiro na questão de igualdade de gênero, sendo exemplo para os outros setores

construtivos. (informação pessoal)8.

Bruna Arantes, engenheira civil que trabalhou por um ano em obras convencionais,

reafirma a ideia da arquiteta Bruna Viesi, pois vê a bioconstrução como “um lugar que

oferece menos resistência e abre as portas para a mulher ganhar o seu devido espaço.” Bianca

Carvalho de Carvalho, arquiteta que já trabalhou com vistoria de obra, no setor de qualidade

de uma empresa, ressalta que a bioconstrução engloba muitas discussões que têm sido

8 Entrevista realizada com a arquiteta e urbanista Bruna Ferri Viesi, em Serra Grande, na Bahia, em maio de

2018.

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levantadas ultimamente e encontra mais espaço na obra bioconstruída, já na construção

convencional, por ser menina, as suas opiniões “perante os auxiliares e alguns engenheiros

não tinham nenhuma aceitação.” (informação verbal)9.

Rocio Bua, arquiteta que trabalhou em escritório convencional e na prefeitura de San

Nicolás, na Argentina, durante três e dois anos, respectivamente, lembra das dificuldades por

não poder ir acompanhada para o canteiro de obra. Conta que “tinha uma chefe mulher que

sempre dizia para ter firmeza e caráter forte, se não os pedreiros e os outros oficiais não te

respeitam”, e na construção natural ela se sente muito diferente, pois nota que todos na obra

são a mesma classe e não existe hierarquia: “somos todos os mesmos trabalhando para um

mesmo resultado.” (informação verbal)10

.

4.6 O IMPACTO DOS MATERIAIS: FATORES AMBIENTAIS E DE SALUBRIDADE

A tomada de consciência relativa às limitações de recursos da Terra, e da sua capacidade de regeneração

dos ecossistemas, assim como o seu funcionamento enquanto organismo complexo, levantou questões

que o homem foi tentando responder em diferentes épocas, com base no conhecimento, surgindo nos anos

60 alguns movimentos que se mobilizaram na defesa do ambiente e na crítica ao modelo civilizacional

poluidor e predador de recursos da terra. (RODRIGUES, 2006 apud FERREIRA, 2015, p. 6, tradução

nossa).

Muito do que se fala a respeito dos impactos ambientais referentes à construção parte

da identificação dos materiais que a compõe. Mateus (2004 apud FERREIRA, 2015, tradução

nossa) faz referência ao conceito de materiais ditos ecoeficientes ou ecológicos que, segundo

ele, devem passar pela identificação de suas fases, desde a extração até a sua devolução ao

ambiente. Para tal, observam-se as seguintes características do material:

a) ausência de produtos químicos nocivos à camada de ozônio;

b) durabilidade;

c) poucos gastos energéticos na extração do material e de seus componentes;

d) estar disponível nas proximidades da construção;

e) baixo gasto energético em manutenções;

f) ser composto de materiais reciclados ou que tenham potencial para serem

reciclados posteriormente.

9 Entrevista realizada com a arquiteta e urbanista Bianca Carvalho de Carvalho e a engenheira Bruna Arantes,

em Serra Grande, na Bahia, em maio de 2018. 10

Entrevista realizada com a arquiteta Rocio Bua, em Serra Grande, na Bahia, em maio de 2018.

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53

Assim, para falar do impacto ambiental causado pela bioconstrução, o presente

trabalho traz comparações entre os materiais utilizados em construções convencionais e não

convencionais.

4.6.1 A madeira frente aos materiais construtivos convencionais

“Os materiais de construção naturais, como a madeira, são ótimos do ponto de vista

eco-harmônico. A madeira de construção, até sua disponibilidade para uso, consome a terça

parte de energia que o ladrilho cerâmico, a quarta parte que o cimento [...]”. (BUENO, 1995,

p. 229).

Gráfico 2 - Consumo de energia para a produção de materiais de construção

Fonte: Adaptado de Bueno (1995, p. 229)

Ainda, Bueno (1995) alerta para a quantidade de cada material construtivo, em kg

(quilograma), que é possível produzir com a utilização de 1.000 kW (quilowatt) de energia

térmica, como mostrado na Tabela 3.

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Tabela 4 - Quantidade produzida de cada material, em kg, a partir de 1.000kW

Fonte: Adaptado de Bueno (1995, p. 229)

Analisando o consumo de energia na construção de um salão de 2.200 m² de superfície

na planta, pode-se equivaler os materiais de ao gasto em litros de petróleo. (BUENO, 1995).

Tabela 5 - Consumo de energia de cada material construtivo, comparados ao gasto equivalente, em litros de

petróleo

Fonte: Adaptado de Bueno (1995, p. 229)

Quando a madeira, isoladamente, deixa de ser comparada aos demais materiais

construtivos e, como uma estrutura em si passa a formar uma edificação, por exemplo, faz-se

necessário evidenciar os seus benefícios frente às construções convencionais.

Em relação às obras convencionais de alvenaria, por exemplo, Silva (2000) afirma que

o consumo de tijolos cozidos data cerca de pelo menos 5000 anos e, realmente, os

profissionais de hoje em dia preferem o tijolo cozido ao adobe (tijolo cru), pois o primeiro

apresenta maior resistência às intempéries além de ter as peças mais sólidas. Entretanto, com

a Revolução Industrial sua produção aumentou significativamente.

Mas nem sempre o bônus traz ônus para todas as partes envolvidas. Silveira (1984

apud SILVA, 2000) aponta que para construir uma casa de 100 m² com tijolos cozidos se

gasta o equivalente a 150 árvores na queima deles, quando comparado com uma moradia de

pau a pique – das técnicas naturais em que mais se utiliza madeira para montagem de sua

250

400

500

1.200

Plástico

Cimento

Ladrilho cerâmico

Serragem

Material Produção (kg)

12

40

60

80

Alumínio

Cobre

Aço

Ferro

Equivalente em

litros de petróleoMateriais

Estrutura de madeira (cercas de madeira colada)

Estrutura de aço

Pré-fabricados de concreto

Bastidores de aço com revestimento de alumínio

35.000 litros

74.700 litros

95.400 litros

114.500 litros

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estrutura. Na execução da trama do pau a pique consome-se entre 10 a 30 árvores. Portanto,

diz-se que a produção de tijolos cozidos tem grande responsabilidade a respeito do

desmatamento e “os problemas decorrentes desta ação, como a erosão e a perda de nutrientes

do solo, a desertificação, o assoreamento de rios e lagos, o comprometimento da fauna, a

poluição atmosférica e o aquecimento global.” (SILVA, 2000, p. 8).

Bueno (1995), comparando as propriedades de conforto, cita que a casa de madeira,

frente a outros materiais sintéticos e até mesmo o concreto, tende a ser muito mais saudável,

acolhedora e agradável, seja pelo fato de ser quente e relaxante, ou pela propriedade que ela

tem de filtrar certas radiações e permitir a respiração da moradia.

4.6.2 A terra frente ao cimento: fatores ambientais e salubres

O cimento surgiu em 1824, a partir da queima conjunta de calcário e argila. (SNIC,

2006). Desde então, o produto teve larga escala de utilização, sendo responsável por, segundo

o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (2017), produzir cerca de 45.000.000 toneladas

só no ano de 2017.

Entretanto, sabe-se que os altos níveis de consumo desse material trazem danos

ambientais e para a saúde humana, em locais próximos às fábricas, por exemplo. A indústria

do cimento responsável por cerca de 3% das emissões mundiais de gases do efeito estufa e

aproximadamente 5% das emissões CO2. (MAURY; BLUMENSCHEIN, 2012).

Maury e Blumenschein (2012) alertam que, além do impacto mundial, evidenciam-se

fatos locais, como é o caso de Brasília, onde desde 1995, o Instituto do Meio Ambiente e dos

Recursos Hídricos do Distrito Federal mantém uma rede de Monitoramento da Qualidade do

Ar na cidade de Brasília, fundada no começo dos anos 60. Foram realizados trabalhos de

medição da qualidade do ar e, de acordo com as concentrações dos principais poluentes, os

pontos críticos encontram-se nas regiões de instalação de fábricas de cimento, devido ao

elevado índice de ocorrência de Partículas Totais em Suspensão (PTS). Tais elementos, por

sua vez, causam efeitos significativos à saúde, principalmente em pessoas com doenças

pulmonares, asma e bronquite. Com relação ao meio ambiente, causam danos à vegetação,

deterioração da visibilidade e contaminação do solo.

Já para Bueno (1995, p. 232), o concreto, que é formado por cimento, areia e

agregados como a brita, por exemplo, trata-se de um dos materiais menos vantajosos quando

o assunto é bioconstrução, “devido em parte à toxicidade de algumas substâncias que se

desprendem da concretagem e aos altos níveis de radiatividade que emite quando se

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empregam cascalhos e areias cristalinas (quartzíferas e siliciosas).” Entretanto, o mesmo

relata que os níveis de radioatividade baixam consideravelmente quando se aplicam areias e

cascalhos calcários.

No caso da utilização da terra e consequente diminuição do consumo de cimento em

uma construção, O CONAMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente, (1990 apud DOS

SANTOS, 2015, p. 126) aponta que o solo local é impactado conforme o volume de extração

e a fragilidade do ambiente que se encontra a terra a ser extraída. Em obras de saneamento,

estradas ou nivelamentos de terreno com recorte de encostas, o impacto gerado pelo

movimento de terra deve ser suavizado pelo operador, de acordo com as condicionantes das

licenças de operação, e a terra que sobra é um resíduo a ser descartado de forma apropriada.

Comumente a terra é conseguida pelo preço do transporte e, em tais casos, utilizar a terra na

construção pode ser considerado um serviço ambiental, deixando de ser um impacto.

Em termos de eficiência energética, ASTM (2010 apud DOS SANTOS, 2015, p. 127)

afirma que:

O processo de manufatura (extração e transporte) de materiais de construção de terra é substancialmente

mais eficiente energeticamente por unidade de volume do que a fabricação de alvenaria cerâmica,

terracota ou telhas cerâmicas, ou do que o fabrico de sistemas à base de cimento, como alvenaria de

concreto, concreto pré-moldado. Materiais em terra estabilizada que usam cimento Portland, cal, emulsão

asfáltica ou gesso calcinado são menos eficientes em termos energéticos por unidade de volume do que os

materiais não estabilizados.

Prompt (2012, p. 67) reforça o baixo impacto energético e o reciclo da terra:

As tecnologias de construção com terra apresentam baixo impacto ambiental por sua matéria-prima ser

pouco processada. Têm pouca energia incorporada. O barro não queimado evita o consumo de madeira e

a emissão de gases poluentes à atmosfera. Como geralmente a terra é extraída próxima do local onde está

a edificação, não existem custos ambientais com o transporte. As arquiteturas de terra que não são

estabilizadas por cimentação podem ser recicladas. Ao fim do ciclo de vida da edificação, o material de

construção é reintegrado à natureza.

Levando em conta as emissões de gás carbônico durante o processo construtivo, vale

destacar o comparativo entre a terra e o cimento, mostrado abaixo.

Tabela 6 - Emissões de gás carbônico no processo construtivo da argila e do concreto

Fonte: Adaptado de dos Santos (2015)

Concreto

Argila sem cozer

2,546

0,69

MaterialEmissão de

CO2 (kg CO2 / kg)

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Ademais, Neves e Faria (2011) apontam que as técnicas com barro proporcionam a

participação comunitária e utilização de mão-de-obra local, desenvolvendo o processo de

produção social do habitat. Ainda, caso seja investida a tecnologia certa, podem reduzir

significativamente o custo total da obra.

Faz-se necessário dizer que principais usos da terra em detrimento ao cimento e outros

materiais construtivos convencionais encontram-se nas argamassas e estruturas à base de

terra. As últimas foram esclarecidas no item “3.4.2 Técnicas”. Assim, a partir de então dá-se

maior atenção às argamassas de terra.

As misturas de barro podem ser utilizadas para reboco externo e interno, assentamento

de tijolos e preenchimento de estruturas de vedação. Em casos como o assentamento de

blocos cerâmicos, por exemplo, vale ressaltar o que foi dito no item “3.4.1.5 Esterco”, que o

esterco auxilia na estabilização da mistura e a endurece, pois libera ácidos que o ajudam a

atuar de forma semelhante ao cimento na argamassa.

Figura 31 - Assentamento de tijolo cozido em argamassa à base de terra

Fonte: Autor (2018)

Minke (1994, tradução nossa) considera que os rebocos são compostos por solos com

diferentes proporções de argila, areia e silte, dependendo das propriedades e quantidade

dessas frações. Corrige-se o traço, se necessário, de um solo utilizando areia, água, fibras

como cabelos ou palha vegetal, e aditivos estabilizantes na mistura, tais como esterco e cal.

Ressalta, ainda, a comum adição de cal e esterco nas misturas feitas no período antigo, para

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aumentar a estabilidade da argamassa de reboco, contra a ação da água. O esterco reage com a

cal para formar o albuminato de cálcio, componente não solúvel em água, além de favorecer a

resistência à flexão, aumentando-a.

A adição de cal à mistura úmida proporciona o intercâmbio entre os íons presentes na

cal e na argila, entretanto, o mais importante a ser citado é que a cal reage com o CO2 presente

no ar e libera água, formando calcário. (MINKE, 1994, tradução nossa). Assim, pelo fato do

produto proporcionar resgate de gás carbônico da atmosfera, considera-o um aliado na luta

ambiental.

Para Motta (2004 apud SANTOS, 2017), nas técnicas construtivas que têm a terra

como protagonista, novas propriedades podem ser adquiridas, sendo essas benéficas em sua

maioria. O barro tem a facilidade de ser moldado e permite que se agreguem materiais

naturais a ele, tais como fibras, seivas e óleos, auxiliando no reaproveitamento desses

produtos e aperfeiçoando suas próprias propriedades naturais.

Vale lembrar da questão do conforto e condições de salubridade para o trabalhador. A

argamassa com cimento não dá a liberdade de atuar com as mãos e restringe-se ao uso de

EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) e, sem o uso desses protetores, o cimento é

considerado um material irritante para quem o manuseia. Como afirma Schlottfeldt (s.d., p. 3),

ele “reage em contato com a pele, com os olhos e vias respiratórias” e as reações provocadas

pelo calor e umidade da pele podem levar desde a vermelhidões (eritemas) até inchaços

(edema), eczemas e necrose do tecido. Ainda, a inalação da poeira inerte do material, por um

período entre 10 e 20 anos de trabalho é o suficiente para que as partículas se depositem no

pulmão e acarretem em doenças pulmonares. Em contrapartida, a argamassa de terra

apresenta-se como um material natural e de livre manuseio, como é mostrado na Figura 31.

Felipe Cielavin, pedreiro e marceneiro há mais de 10 anos, agora trabalha em obra

bioconstruída e defende o uso de argamassa à base de terra e esterco que, segundo ele, tem

melhor trabalhabilidade e consegue-se um ótimo resultado com a plasticidade certa. “O

cimento com a areia fica muito duro, com a cal até dá uma ajuda na trabalhabilidade, mas

prejudica muito a pele, já a terra dá gosto de trabalhar porque não prejudica a pele.” O

engenheiro civil Marcos Botelho reitera a ideia de que a mistura com a terra fica com melhor

trabalhabilidade e sente isso diretamente na sua pele, quando trabalha com argamassas à base

de terra ou de cimento. (informação verbal)11

.

11

Entrevista realizada com Felipe Cielavin e Marcos Botelho, em Serra Grande, na Bahia, maio de 2018.

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5 CONCLUSÃO

É notório o imenso impacto causado pela simples existência da vida humana na Terra.

Os setores de produção de alimentos, de bens de consumo e de construção são apenas alguns

dos exemplos dos responsáveis por descartar de maneira inadequada os rejeitos das

produções. Entretanto, chega-se a um ponto da história da humanidade em que não se pode

ignorar os prejuízos ambientais causados pelo consumo desenfreado e a falta de consciência

ecológica. Não há mais como pensar em conciliar a vida na superfície terrestre e o consumo

desenfreado, e dentro desse leque de possíveis mudanças, a construção aparece como um forte

nome para o desenvolvimento social com olhares positivos para a questão ambiental.

Em decorrência dos processos e características da bioconstrução apresentados no

presente trabalho, tais como versatilidade e impacto ambiental dos materiais, impacto social e

cultural das técnicas e metodologias de trabalho, por exemplo, resume-se que esse tipo de

construção já é, há muito tempo, natural dos seres humanos e pode mudar globalmente o

cenário ambiental e social no qual estamos inseridos. A construção natural é uma alternativa

sim, de inclusão social e construtivamente eficaz, caso contrário não seria possível notar

exemplos da antiguidade que ainda exercem sua funcionalidade estrutural e visual muito bem,

como por exemplo a Muralha da China, também demonstrada neste trabalho.

O Brasil ainda tem preconceitos com relação às construções naturais, entretanto

caminha-se a favor de uma realidade mais natural e renovável ambientalmente. Comissões na

ABNT já estudam as normas que possibilitarão as obras construídas com terra e bambu.

Pensando a nível mundial, em alguns países latino-americanos como Peru e Equador e no

continente africano, por conta do menor custo, os adobes de terra, por exemplo, continuam

tendo uma larga utilização. Ademais, em países desenvolvidos o emprego desse material

“vem crescendo por conta do apelo ecológico dos dias atuais.” (GONÇALVES, 2005, p. 15).

Assim, cabe a cada ser humano o próprio despertar para um pensamento mais

verdadeiro de como viver na Terra. Tem-se déficit habitacional por falta de recursos

financeiros para se construir casas convencionalmente e existe, também, o fator poluente

ambiental da construção civil. Deve-se pensar a respeito de uma alternativa que resgata os

saberes ancestrais e pode contribuir para o desenvolvimento socioambiental. Construir de

forma mais natural é uma escolha, não existe construção certa ou errada, o que há, de fato, é

uma consciência capaz de unir a população mundial, a consciência de pensar no próximo

como uma extensão de si, assim como pode-se pensar na natureza como uma extensão da

habitação.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – MODELOS DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS

Foram aplicados questionários a profissionais que trabalharam em uma obra

bioconstruída, no município de Serra Grande, na Bahia. As entrevistas foram realizadas de

acordo com os grupos de pessoas entrevistadas, em voz alta e gravadas em áudio, para os

seguintes grupos de trabalhadores:

a) aprendizes;

b) profissionais de obra (pedreiros, serventes e carpinteiros);

c) profissionais do sexo feminino;

d) autoconstrutores.

O questionário compunha-se de perguntas básicas e específicas, sendo as primeiras

relacionadas à identidade de cada entrevistado, como o modelo de perguntas abaixo:

a) Nome;

b) Profissão;

c) Naturalidade;

d) Residência atual.

As perguntas específicas eram relacionadas aos referentes impactos causados pela

bioconstrução na sua vida, de acordo com o(s) grupo(s) a que ela pertencia.

Assim, para os aprendizes, tem-se as seguintes perguntas específicas:

a) Como você avalia a experiência dessa obra na tua vida, com uma nota de 1 a 5?

Porquê?

b) Como você avalia o impacto cultural desta obra na tua vida, com nota de 1 a 5? Por

quê?

c) Tem oportunidade de trabalhar em outros lugares hoje? Se sim, por que escolhe

estar trabalhando aqui?

Para as profissionais do sexo feminino, perguntou-se:

a) Já trabalhou em construção convencional?

b) Acredita que a bioconstrução tem papel importante no empoderamento feminino?

c) Como acha que a bioconstrução tem ajudado no seu empoderamento?

d) Aponte de 1 a 5, a qualidade de tratamento que recebia na obra convencional.

e) Aponte de 1 a 5, a qualidade de tratamento que recebe na obra bioconstruída.

Já para os trabalhadores profissionais, questionou-se:

a) Já trabalhou em construção convencional?

b) Já trabalhou com argamassa à base de terra?

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c) Em termos de trabalhabilidade, qual argamassa prefere? Sendo elas: à base de

cimento, à base de terra e esterco, à base de cimento com cal, à base de terra,

esterco e cal.

d) Em termos de salubridade, qual argamassa prefere? Sendo elas: à base de cimento,

à base de terra e esterco, à base de cimento com cal, à base de terra, esterco e cal.

e) Qual a principal diferença que você notou nas obras convencionais e na obra

bioconstruída?

f) Já viu mulher trabalhando na mão de obra na construção convencional?

g) Já viu mulher trabalhando na mão de obra na bioconstrução?

h) Pretende continuar trabalhando com a bioconstrução?

i) Prefere trabalhar na obra convencional ou na bioconstruída? Por quê?

Ainda, vale destacar as perguntas específicas feitas aos autoconstrutores:

a) Quantas pessoas participaram da construção?

b) Quanto tempo levou para acabar a obra?

c) Quantos metros quadrados possui a construção?

d) Qual o custo aproximado da obra?

e) Por que escolheu utilizar materiais naturais para construir ao invés dos materiais

construtivos convencionais?

f) Por que escolheu a bioconstrução para fazer a sua casa e não a construção

convencional? Quais as vantagens e desafios desse processo construtivo?

g) Os seus familiares participaram da construção? Qual sentimento envolvido nesse

processo?