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HENRY CORBIN: IBN' ARABI E KHEZR 2012 e.v.

Henry Corbin - Ibn' Arabi e Khezr

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HENRY CORBIN: IBN' ARABI E KHEZR 2012 1 HENRY CORBIN1: IBN' ARABI2 E KHEZR3 (KHIDR; AL-JIDR, AL-JADIR) Fragmento de Henry Corbin, La imaginacion creadora en el sufismo de Ibn 'Arabî. Traduzido para o espanhol por Agustin Lopez e Tabuyo Maria, Destino, Barcelona, 1993. Introdução e notas de Cláudio César de Carvalho, 2012© Tradução por Cláudio César de Carvalho, 2012© Revisão de Lilia Palmeira SOCIEDADE LAMATRÔNIKA® Introdução ao Texto de Henry Corbin está publicado: www.sociedadelamatronika.

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HENRY CORBIN: IBN' ARABI E KHEZR

2012 e.v.

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HENRY CORBIN1: IBN' ARABI2 E KHEZR3 (KHIDR; AL-JIDR, AL-JADIR)

Fragmento de Henry Corbin, La imaginacion creadora en el sufismo de Ibn 'Arabî.

Traduzido para o espanhol por Agustin Lopez e Tabuyo Maria, Destino, Barcelona, 1993.

Introdução e notas de Cláudio César de Carvalho, 2012©

Tradução por Cláudio César de Carvalho, 2012©

Revisão de Lilia Palmeira

SOCIEDADE LAMATRÔNIKA®Introdução ao Texto de Henry Corbin está publicado:

www.sociedadelamatronika.blogspot.com

1 Esta é uma tradução para a língua Braziliana-Portuguesa de um estrato do livro La Imaginación creadora em el Sufismo de Ibn Arabî, por Henry Corbain, Ediciones Destino, Barcelona, Espanha, 1993.

2 Abū Bakr Muhammad Ibn 'Alī Ibn al-'Arabi أبو بكر محمد بن علي ابن عربي الحطمي , nasceu em Múrcia no dia 28 de Julho de 1165 e faleceu em Damasco no dia 10 de Novembro de 1240.

3 O nome Khezr está na linguagem parsi entre os muitos nomes dado para o Deus Interior. Em outros sistemas o mesmo pode ser chamado de, Ishvara pelos Vedantas, Kami-Natureza pelos Xintoístas, Sagrado Anjo Guardião pelos Thelemitas, Augoiedes pelos Neo-platônicos, Grande Espírito ou Nagi Tanka pelos Índios Dakota da América do Norte, Tupã ou Nandheru pelos Índios Guaranis, Khabs pelos Egípcios entre muitos outros nomes.

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INÍCIO

O evento real e vital devia ser semelhante ao que havia determinado sua saída

para o Oriente, e não poderia ocorrer senão por meio da meditação “em torno da Caaba”,

uma vez que este é o “centro do mundo” e um evento como esse não poderia acontecer a

não ser no “centro do mundo”, ou seja, o pólo do microcosmo interior. E ali mesmo onde

mais uma vez o visionário encontrará o Espírito Santo que, ao dar a ordem de

peregrinação, ele se apresenta como parceiro e guia celestial. Veremos mais tarde como

é que esta reunião, a teofania do divino Alter Ego que é a fonte do imenso livro de,

Fotûhât4 livro de revelações divinas que foi recebido em Meca. Esses privigeliados

momentos teofânicos delineam a continuidade do tempo profano, quantificados e

irreversíveis, mas seu tempus discretum5 (o da angelologia6) não está inserido nela. Não

4 Fotûhât el-Mekkiyya é conhecido como o livro Revelações de Meca foi escrito por Mohyiddin Ibn Arabi. 5 Terminologia latina adotada por São Tomás de Aquino em sua Summa S. Thomæ Hodiernis Academiarum Moribus

Accommodata , Sive CursusTheologiæ escrito inicialmente em 1265 até sua morte em 1274, considerado por muitos como o maior compendio sobre os principais pontos abordados pela Teologia Cristã do Ocidente. Três principais temas são colocados por São Tomás neste livro inacabado, são eles: Sobre o Deus Uno e Trino e os Anjos. No original em Latim ele relata: “quio tempus discretum , quod est ejus menfura, ut dictum est,non coexist præteritis & futuris ficut æternitas,quam est menfura scientiæ beatæ.” Segundo o Abade A. Michel é dito sobre o tempus discretum: “Assim, os teólogos procuram uma palavra em latim para expressar essa falta de continuidade em uma sucessão de instantes indivisíveis e tê-la chamado tempus discretum, tempo descontínuo” (The Last Things, by Abbé A. Michel, translated by the Rev. B. V. Miller, D.D. Edimburgi, die 23 Novembris 1929.) Há duas publicações proeminentes da Suma Teológica no Brasil, são as seguintes: Suma Teológica – 11 Volumes, Tradução de Alexandre Corrêa (Edição bilíngue em Latim-Postuguês), Livraria Sulina Editora, Porto Alegre, 1980. E outra mais recente, Suma Teológica – 09 Volumes, Coleção Pensamento Ocidental, Edições Loyola, São Paulo, 2001.

6 Angelologia é o estudo teológico sobre os Anjos e suas naturezas. Etmológicamente a palavra que originou Anjo surge do Grego como άγγελος ou Angelos. Contudo, na tradição tanto hebraica como na corânica há uma relação muito próxima de מלאך ou Mal'akh e ملئك(ة ou Malāīkah com o Anjo, ou seja, identificando-os como uma espécie de “mensageiro”.

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devemos perder de vista ao enlaçar uma teofania com outras, por exemplo, a da jovem

Sofia e o jovem místico do prólogo das Fotûhât. O encontro com as pessoas teofânicas7

sempre implica um retorno ao “centro do mundo” porque ele deve estar no “centro do

mundo” para se comunicar com âlam al-mithâl8. Muitos outros testemunhos dos nossos

xeques9 ilustram esse fato. Finalmente, é na ordem das coisas que a teofania implica que

devemos submeter a característica que define a personalidade de Ibn Arabi, que nos

mostra não só como um discípulo de um mestre humano, como a maioria dos sufis, mas

essencialmente e acima de tudo como o “discípulo de Khezr”.

O DISCÍPULO DE KHEZR

Nós já citamos antes sobre essa qualificação de Ibn Arabi como um símbolo que

rege sua história de vida que nos deu tempo para homologar o seu caso aos sufis

designados como owaysîs10. A condição espiritual em nível individual pressupõe que esta

qualificação, levou-nos a antecipar as escolhas existenciais que fundamentam o feito,

muitas vezes implicitamente, das soluções oferecidas para o problema técnico de

intelecto, ou seja, o problema da relação da alma individual com a Inteligência agente

enquanto Espírito Santo, doador de vida e esclarecedor. Que o Sufismo reconheceu e

7 São aqueles que tiveram algum clímax espiritual, uma espécie de insight ou compreensão do seu Deus Interior ainda que não seu Entendimento. A etimologia da palavra Teofania procede da palavra Grega theopháneia ou theophanía Θεοφάνεια. Contudo, para que essa Teofania tenha validade, é necessário permanecer com a consciência desperta mesmo após o transe místico da experiência alcançada & obtida.

8 Âlam-al-mithal segundo o Alfabeto Abjad, possui o valor de O fim dos dias (724) indicando uma forma de percepção muito além da consciência ordinária. O fim dos dias está diretamente relacionado com o Livro da Revelação (também conhecido como Apocalipse), principalmente com o Sétimo Cálice no Capítulo XXI, onde o antigo Adeptus, agora como Magister, fala da Nova Jerusalém. Essa Ressurreição tipifica um nível muito profundo de Âlam-al-mithal. Â como primeira vogal está relacionada com o Vazio, o estado de Śūnyatā que está entre a negação e afirmação, como se fosse uma espécie de intervalo interior. Lam que é seu complemento, significa na

Escola Budista do Mahāyāna �������Caminho, contudo ao anexar o  na palavra Lam (Âlam) denota Aquele que trilha o Caminho, neste caso a letra  está como prefixo na palavra, por isso indica o Caminho de Trás ou Inversão dos Sentidos. No que diz respeito a palavra al conota Deus ou Unidade. Mithal possui relação ao Deus Interior, uma vez que mith tipifica uma linhagem de Adepti que possuem a percepção do Sétimo Cálice do Capítulo

XXI em Revelações. Mithal seria a Linhagem dos Santos ou guru-shishya paramparā ������ que são personificações vivas do Deus Interior ou Oculto. Somente os Magister Templi de qualquer sistema pode alcançar & apreender Âlam-al-mithal em sua Totalidade. Outro nome para Âlam-al-mithal é Aqi-Al-Awwal ou Mente Primal.

9 Eu preferi traduzir na forma mais tradicional, ou seja, Xeque, contudo algumas traduções para nossa língua esta é colocada como xeique ou sheik. No árabe é شيخ; e sua tradução shaykh é equivalente a homem sábio ou ancião.

10 A Irmandade de Uwaysiyya é conhecida por diversos Nomes em inumeráveis sistemas de Iniciação, alguns deles relaciono aqui: A.ֺ.A.ֺ. (Astrum Argentum) ou S.ֺ.S.ֺ. (Silver Star a Estrela de Prata que é Sírius), por Anuttara Amnaya no Círculo Tântrico Kaula, no Mito Lovecraftiano é conhecida como Ordem Esotérica de Dagon e a Seita da Sabedoria Estelar, na China como Tai-ping-chouang (Casa da Grande Paz) ou Mou-yang-tcheng (Cidade dos Salgueiros) ambas sendo considerada a Morada dos Imortais.

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aprovou o estatuto dos owaysis (citamos os casos Abû'l-Hasan Kharraqâni e de

Fariduddin Attar), é suficiente para evitar qualquer comparação apressada do sufismo com

o monaquismo cristão11, uma vez que parece este último ser capaz de oferecer algo

semelhante.

Tendo um Khezr como mestre, o discípulo investe na mesma individualidade, de

uma dimensão transcendente e “trans-histórica”. Já não se trata da entrada em uma

corporação de sufis, seja em Sevilha ou em Meca, mas de uma adesão pessoal e

celestial, direta e imediata. O que então continua a ser analisado é o lugar de Khezr na

ordem das teofanias, ou, dito de outra forma, qual é o papel de Khezr como guia espiritual

não terrestre, no que diz respeito as manifestações recorrentes de que essa figura em

que, sob diversas caracterizações, reconhecemos o Espírito Santo, ou, em outras

palavras, qual é a sua relação com a teofania suprema evocada no hadith12 que devemos

meditar aqui:

“Refiro-me ao meu Senhor nas formas mais bonitas”13 (ver a segunda parte, cap.

IV). A questão é equivalente ao analisar se a relação do discípulo com Khezr é

semelhante ao que teria com qualquer outro xeque terrestre visível, o que implica uma

justaposição numérica de indivíduos, com a diferença de que, num caso, um deles não é

perceptível a não ser em âlam al-mithâl. Em outras palavras, Khezr está contido neste

relacionamento como um arquétipo, na medida em que toma esta palavra na psicologia

analítica, ou como uma pessoa distinta e com uma existência contínua? Desta forma, não

coloca essa questão um dilema que simplesmente desaparece tão logo se sinta presente

as respostas as duas perguntas – quem é Khezr? E o que significa ser discípulo de

Khezr? – iluminam-se existencialmente uns aos outros?

Para dar uma resposta completa à questão de quem é Khezr, seria necessário

montar um considerável material de muitas fontes: profetologia, folclore, alquimia e etc.

11 Segundo alguns estudiosos sobre o tema é dito que sua origem foi por volta do século III nos desertos remotos da Etiópia. Eram as primeiras manifestações de um estilo de vida eremitória cujo abrigo eram as antigas cavernas daquela região. Os primeiros monaquistas levavam uma vida ascética e distante da sociedade como uma forma particular de expressão de suas crenças.

12 Hadith الحديث significa um corpo de trabalho que contém lendas, ensinamentos e dados da vida de Mohammed. 13 Essa é uma “visão” quintessencial do Deus Interior, isto quer dizer, uma profunda percepção de quem é ele/a

realmente (EU SOU o Caminho, a Verdade e a Vida). Outra “visão” cognata está escrita no Capítulo XII do Shri Bhagavad Gîtâ, em Vishua Rupa Darshanam (A Manifestação da Forma Divina); Krishna se revela ao chela Arjuna como ele/a real-mente (Mente Real) é, ou seja, a sua verdadeira Natureza Divina.

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Mas já que consideramos aqui, essencialmente, como o mestre espiritual invisível,

reservado para aqueles que são chamados para afiliação direta ao mundo divino, sem

qualquer intermediário, ou seja, sem vínculo que justifique com uma sucessão histórica de

xeques e sem qualquer ensinamento, devemos nos limitar a alguns pontos essenciais: a

sua aparição no Alcorão, o significado de seu nome, seu relacionamento com o profeta

Elias14 e, além disso, a relação de Elias com a pessoa do Imã no xiismo.

Na Surata XVIII (vv. 59-81), Khezr aparece no curso de um episódio de inexplicável

incidentes, que requerem um estudo profundo que exigiria um confronto exaustivo dos

mais antigos comentários corânicos. Lá ele aperece como o guia de Moisés, seu iniciador

“na ciência da predestinação”. Ela revela como depositário de uma ciência divina infusa,

superior a lei (sharî'a). Khezr é, em consequência, superior a Moisés uma vez que este é

um profeta cuja missão é revelar uma sharî'a. Khezr revela precisamente a Moisés a

verdade secreta, mística (haqîqa) que transcende a sharî'a, por conseguinte, também o

espiritual que tem Khezr por iniciador imediato que se encontra emancipado da religião

literal. Se considerarmos que, por meio da identificação de Khezr com Elias, o ministério

de Khezr também está relacionado com o ministério espiritual do Imã, percebemos então

que estamos diante de um dos fundamentos bíblicos que sustentam a aspiração mais

profunda do xiismo. Além disso, a preeminência de Khezr sobre Moisés só deixa de ser

um paradoxo quando considerados a partir deste ponto de vista, caso contrário, Moisés

certamente seria um dos seis proeminentes profetas que receberam a tarefa de revelar

uma sharî'a, enquanto Khezr seria apenas um dos 124 mil nabis que fazem referência as

nossas tradições.

Sua genealogia terrestre suscita, evidentemente, um problema que resiste a todas

14 Elias إلياس foi considerado um Profeta por Cristãos, Judeus e Muçulmanos. Elias significa “O Senhor é meu Deus” transliterando do hebraico para nossa língua, no entanto, é uma Fórmula de Iniciação que pertence aos Mistérios do sangue sacrificial uma vez que sua Gematria = 106, i.e. o número de NVN cujo elemento é atribuído a água, e sua representação Yetzirática é (Peixes) que no Livro de Thoth é representado pela Abadia da Morte (ATV XIII). Elias ao aparecer para o Adeptus Minor (por isso Jesus resplandecia como o Sol, i.e.Tiphareth) no Monte das Oliveiras (um dos glifos das montanhas da iniciação) comunicou-o para “deixar este mundo” e cumprir sua Tarefa em Jerusalém. Esta Jerusalém é Celestial, e o caminho que ele/a, o Adepto faz, é montado num jumento, zôo-tipo de Seth que é análogo ao Camelo, pois são animais de grande resistência ao calor e secura. O Adepto precisa estar pronto para atravessar o AMENTA (106). É necessário morrer para viver a vida eterna. Seja Elias como o Khezr do Andarilho, seja uma Fórmula dada pelo seu Anjo Púrpuro, há uma Chave na divisão da Palavra. EL forma 31 que é um dos números de Deus (He dependendo do processo pode ser empregada com o mesmo valor de Aleph = 1), que está como complemento de IAS = 71. 71 é um número muito especial na Magick, ele representa um Portal de acesso aos Planos Interiores chamado LAM, O Caminho. A Fórmula de Elias indica Deus é o Caminho. E como os sufis ensinam, quando você está no Caminho, você é o Caminho. A paranomásia de IAS é ISA ou Ísis, tipificando as Crianças de Ísis, ou todos aqueles que são O Caminho.

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as tentativas por parte do historiador. Algumas tradições o tem considerado como

descendente de Noé, na quinta geração. Em todo caso, estamos mais distantes do que

nunca da dimensão cronológica do tempo histórico, é necessário considerar os eventos

em âlam al-mithâl, de outra maneira nunca acharemos uma justificativa racional para o

episódio corânico em que Khezr-Elias se encontra com Moisés como seu contemporâneo

em questão. O evento envolveu uma sincronização diferente, cuja temporalidade

qualitativa própria asinalamos acima. Além disso, como seguir Khezr “nos passos da

história” no episódio mais característico de sua trajetória? Se diz que ele alcançou a Fonte

da Vida, e bebeu da Água da Imortalidade, e portanto, não conhece a velhice nem a

morte. É o “Adolescente Eterno”. Por este motivo, seria preferível pronunciar Khâdir ao

invés de Khezr em persa, Khidr no árabe explica, de acordo com L. Massignon, o

significado de seu nome como “aquele que enverdece”. Na verdade, ele é associado com

todos os fenômenos do verdor da Natureza, o que não significa que deve ser feito dele um

“mito da vegetação”. Ele careceria de significado, a menos que você presuponha o modo

adequado de percepção do fenômeno que envolve precisamente a presença de Khâdir.

E é esse o modo de percepção que é o coração do problema; o modo de

percepção que é também inseparável da proeminência excepcional, de fato ainda

inexplicada, sobre o fenômeno da cor verde. Esta é a cor litúrgica e espiritual do Islã, é a

cor do Alles, ou seja, a cor xiita por excelência. O XIIº Imã, o “Imã oculto”, o “senhor deste

tempo”, atualmente reside na Ilha Verde, no centro do Mar de Brancura15. O grande sufi

iraniano Semnani16 (século XIV) desenvolveu uma fisiologia sutil cujos centros são,

respectivamente, tipificados “pelos sete profetas do teu ser”17. Cada um deles tem sua

própria cor, e enquanto o centro sutil do arcano, “o Jesus do teu ser”, tem pela cor o negro

luminoso (aswad nûrânî, a “luz negra”), o centro supremo, o “mistério dos mistérios”, o

“Mohammed do teu ser” tem como cor, o verde18.

15 Existe um texto fascinante sobre Ibn Arabi intitulado The Anti-Caliph, Ibn 'Arabi, Inner Wisdom, and the Heretic Tradition. Veja bibliografia.

16 Hadrat Khawaja Sayyad Makhdoom Ashraf Jahangir Semnani (1308-1405) era um santo sufi da Ordem Chishti dos Sufis. Em Urdu se escreve س((ئد مق((دم آش((رف�Sua família se originou a partir de Semnan no Irã. Instalou-se em Kicchocha Sharif, Distrito Ambedkar Nagar, Uttar Pradesh, norte da Índia, e ampliou a Ordem Chishti a um ponto que um ramo desta ordem foi iniciada após ele, que é conhecido como o ramo Ashrafee da Ordem Chishti. Em 765 Hijri nomeou seu sobrinho Abd-ul-Razzaq Nur-ul-Ayn para ser seu sucessor. Ele morreu em 808 do ano corânico e seu santuário islâmico está em Kicchocha Sharif.

17 Os “sete profetas do teu ser” tipifica os sete chakras na fisiologia sutil dos Shastras Tântricos. Estes “sete chakras ou rodas de energia” são os principais nadis que movimentam toda confluência energética na vasta holografia de meridianos que percorre todo corpo sutil do ser humano. Essas rodas de energia são chamadas de profetas pelos sufis iranianos por trabalharem com questões atemporais, sem presença do espaço-tempo determinado pela mente.

18 Quanto ao “o Jesus do teu ser” tipificar o “negro luminoso” ou a “luz negra” tecnicamente seria a representação

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Não é possível, dentro dos limites desta introdução, aprofundar-se nas razões

pelas quais Khezr-Elias ora são associados formando um par, ora são identificados entre

si. As tradições xiitas (especialmente alguns diálogos com o Vº Imã, Mohaminad Bâqir)

apontam alguns fatos sobre as figuras de Elias e Eliseu. Como destacamos aqui sobre a

figura de Khezr-Elias como iniciador para a verdade mística que se emancipa da religião

literal, é o vínculo estabelecido por essas tradições com a pessoa do Imã. É necessário ler

alguns dos sermões atribuído ao Iº Imã para entender o que é o xiismo: há uma força

incomparável no período do Verbo profético em seu lirismo deslumbrante. Já se havia

questionado a historicidade, no sentido comum da palavra, destes sermões, esta

certamente não é, talvez, mais do que o reflexo profano da impressão experimentada sob

a influência destas profetizações que parecem transmitir o Verbo de um Imã eterno e não

as palavras de uma personalidade empírica e histórica. Em qualquer caso, existem, e seu

significado é muito diferente dessa reivindicação política legitimista que tem sido tentado

reduzir o xiismo, esquecendo que é um fenômeno religioso, e que este fenômeno é um

fato primordial e inicial (como a percepção de uma cor ou um som) e que não se “explica”,

fazendo-lo causalmente derivar de algo diferente.

Num desses sermões em que o xiismo mostra a sua capacidade para abranger o

sentido secreto de todas as revelações, o Imã diz os nomes que tem sido sucessivamente

conhecidos por todas as pessoas, tanto por aqueles que tem um Livro revelado (ahl al-

Kitâb) como por outros. Dirigindo-se aos cristãos, declara: “Eu sou aquele cujo nome, no

Evangelho, é Elias”. Aqui, então, é que o xiismo na pessoa do Imã, proclama o

testemunho da Transfiguração, da metamorfose, o encontro de Moisés com Elias-Khezr

como o seu iniciador, na Surata XVIII, tem por antitipo o encontro de Moisés com Elias

(i.e., o Imã) no Monte Tabor. Esta tipologia é uma extraordinária eloquência em relação à

segundo o esquema da Árvore da Vida, da emanação de Da'ath ou Death, a Morte. Esta falsa sephirah não possui uma emanação centrífuga como as demais, sua direção é centrípeta, engolfando até mesmo a luz, esta é a Luz da Consciência do Adepto (LVX) que é vertida para o interior de Si-Mesmo. Na ciência dos chakras seria o equivalente ao Vishuddhachakra ou Centro Laríngeo. Este é conhecido na Tradição Hermética como o Abismo que separa o mundo fenomenal do mundo numenal. Contudo, existe um Luz que não é luz, e essa é representada entre os sufis pela cor Verde, a cor de Khzr. A raiz de Verde – VRD = 210ורד i.e. Aquele que possui a Espada. חרכ��ChRB – Querubi, e nesta está gravada Θέλημα; uma alusão a Kalki. A dimensão desta Obra não foi abarcada por Mohammed, menos ainda pelos seus discípulos. 210 também é valor de NOX (NOTz) ou o Triplo Véu do Vazio (Ain=0), (Ain Soph=00) & (Ain Soph Aur=000), que contem em seu interior a fórmula 0=2. Portanto, o Verde para os sufis owaysîs (aqueles que não possuem Mestres no plano físico), tipifica a Luz Negativa, a Luz que é NÃO. Para transmutar LVX em NOX é necessário que haja a Introversão dos Sentidos. Khezr, o Verde é o Centro ou Pólo que está manifestado na 18ª Surata do Alcorão, intitulada – A Caverna.

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orientação da consciência xiita. Seria fácil reunir provas semelhantes que romperiam

completamente, caso prestássemos atenção, as idéias atuais sobre a relação entre

Cristianismo e Islã quando não se entram em muitos detalhes. O esoterismo ismaelita

conhece outro sermão em que o Imã proclama: “Eu sou o Cristo que cura aos cegos e aos

leprosos (que significa, observa o comentarista, o segundo Cristo). Eu sou ele e ele é eu”.

E se considerarmos que, além disso, o Imã é nomeado com o nome de Melquisedeque é

facilmente detectado a conexão entre esta imamología e cristologia dos melquisedekianos

cristãos que viram neste personagem sobrenatural o verdadeiro “Filho de Deus”, o

Espírito Santo.

Nós colocamos aqui mais do que a recensão de um pequeno número de dados

relativos a figura de Khezr-Elias. Basta colocá-los em relação ao vislumbrar que há uma

vasta soma de experiência humana em torno deste tema. Mas, na presença de tal

complexidade, quando uma figura revela muitas relações e passa por muitas

metamorfoses, a única esperança de chegar a um resultado significativo ocorre conforme

o método fenomenológico. Ele deve descobrir as intenções implícitas da consciência, auto

discernir quando ela mesma se mostra na figura de Khezr-Elias com seus múltiplos

aspectos e conexões. O nosso único propósito, no entanto, ao considerar toda essa

fenomenologia é simplesmente oferecer uma resposta para a questão de Khezr que,

enquanto mestre espiritual invisível do místico que não está subordinado ao ensino de

nenhum mestre terrestre nem de qualquer comunidade, como Averroes admirava no

jovem Ibn 'Arabi. Fenomenologicamente, a questão equivale ao perguntar: O que é ser um

discípulo de Khezr? Que ato de autoconsciência responde ao fato de reconhecer-se

discípulo Khezr?

Nós já sugerimos que a questão levantada pode dissipar o dilema que poderia ser

formulada nos seguintes termos: estamos diante de um arquétipo ou de uma pessoa real?

É facilmente visto a importância de responder em qualquer direção. Se, de acordo com a

psicologia analítica, podemos concluir que é um arquétipo, despertará o temor de que a

realidade do personagem desaparece no esquema da Imaginação, se não do

entendimento. Inversamente, se entendida como uma pessoa, não é possível determinar

a diferença estrutural entre a relação de Khezr com seu discípulo e você pode ter

qualquer outro xeque deste mundo como o seu. Neste caso, a pessoa Khezr,

numericamente um, é confrontado com a pluralidade dos discípulos, numa relação que

dificilmente se encaixa com o sentimento íntimo “do um com o Um”. Em suma, essas

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respostas não são adequadas para o fenômeno da pessoa Khezr.

Pode haver outro caminho para a compreensão do fenômeno como ocorre entre

Sufis. Parece justo que Sohrawardi nos indique, pois sua intenção harmoniza

perfeitamente com a de Ibn Arabi. Em uma das histórias de Sohrawardi que podemos

considerar de “autobiografia espiritual”, intitulada “O Arcanjo Púpuro”19, o místico é iniciado

no segredo que permite atravessar a montanha de Qâf20, ou seja, a montanha cósmica, e

alcançar a Fonte da Vida21. É assustador pensar nas dificuldades de empreendimento,

mas o anjo lhe diz: “Ponha as sandálias22 de Khezr”. E para concluir: “Aquele que se

banha nesta fonte será eternamente preservado de toda mácula. Quem encontrou o

sentido da Verdade mística, chegou a esta fonte. Quando se sai dela, conseguiu a

capacidade que lhe faz semelhante a esse bálsamo de que uma gota depositada na

palma da mão, colocada ao sol, a transpassa. Se és Khezr, tu também podes facilmente

atravessar a montanha de Qâf23”. E o “Relato do exílio ocidental”, descreve a viajem que

conduz ao topo da montanha de Qâf, no sopé da Rocha esmeralda24, o Sinai místico,

onde habita o Espírito Santo, o Anjo da humanidade25, que o filósofo identificou nesta

mesma história como a “Inteligência agente”, na parte inferior da hierarquia das

Inteligências querubínicas. Devemos prestar especial atenção para o elemento essencial

da resposta: “Se és Khezr...”. Esta identificação é coerente com o sentido de que, como

veremos em seguida, dado à Ibn Arabi a investidura do “manto” de Khezr, de acordo com

o sentido geral deste rito, cujo efeito é o de identificar o estado espiritual de quem recebe

19 Outro Nome do Deus Interior. Púrpuro = 442 que é M.A.A.T. ou Magister Templi da A.ֺ.A.ֺ. . 20 Qâf transliterado do Alfabeto Abjad para o hebraico se torna Qoph que representa a Nuca é identificada com a Lua

Minguante, em ambas funções, ilusão & iniciação. Qoph, a Nuca está atrás de Resh, que tipifica a Cabeça, lugar que comporta a consciência do ser humano, o que denota a parte da frente da Cabeça, sempre olhando para adiante. No entanto, seu valor é 100 em ambos alfabetos, que gera כף Kaph, a Roda da Fortuna, o número da perfeita ilusão (10x10). KP é a a união da K(teis) com o P(hallus) ou o Amor com a Vontade gerando a criação da ilusão ou נב (BN), o Filho, a não ser que o Andarilho trabalhe profundamente com a zona do secreto chakra, onde segundo o Livro da Aranha governa o sistema alquímico associado com a magick sexual transcendental. Essa é a verdadeira ALChIMIA. Um dos simbolismos da Montanha da Iniciação é a perfeita União entre as Naturezas, o enverdecimento da montanha é uma analogia profunda desta União ou Bodas Alquímicas (também conhecida como Mysterium Coniunctionis – O Mistério da União). Como Aleister Crowley exclama sobre o ATV XVIII no Livro de Thoth: Quão esplendida é a Aventura!

21 Na ciência da simbólica, Fonte da Vida, é um dos epítetos de Binah, a Doadora da Vida, aquela que quando é fertilizada אימא (AIMA) faz jorrar a Semente da Iniciação para aqueles que estejam amadurecidos para o Caminho.

22 As sandálias tebanas por volta de 1.500 anos a.C. eram confeccionadas na forma de Ankh em couro e tiras de papiro. Há relatos sobre a simbólica das sandálias egípcias, já que representavam o Caminho ou Aquele que Caminha. A Ankh é um dos símbolos da Vida que provém de Binah, A Grande Mãe.

23 Quando o Andarilho se torna Khzr, ele encorpora o Vir-a-Ser. “Então, te encontrarás nesse Um eterno, a mais elevada virtude do Amor.” (Jacob Bœme)

24 Veja a Nota 18 sobre o Verde. 25 Aiwass.

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a investidura com o estado espiritual de quem lhe confere26.

Propõe-se que este é o significado a ser dado para ser um discípulo de Khezr.

Agora, se, por um lado, a pessoa de Khezr não for reduzida a um simples esquema

arquetípico, por outro lado, a presença de sua pessoa é sem dúvida experimentada em

uma relação que faz dele um arquétipo; para que esta relação fenomenologicamente se

apresente, precisamos de uma situação que corresponda nos dois termos que a

fundamentam. Esta relação implica que Khezr seja experimentado como uma pessoa e

como um arquétipo simultaneamente como pessoa-arquétipo. Como um arquétipo, a

unidade e identidade da pessoa de Khezr se concilia com a pluralidade de

exemplificações naqueles que por sua vez são Khezr27. Tê-lo por mestre e iniciador é ter

de ser o que ele mesmo é28. Khezr é o mestre de todos os sem-mestre, porque mostra a

todos que um mestre deve ser como ele é: aquele que alcançou a Fonte da Vida, o

Adolescente Eterno, ou seja, como relata Sohrawardi com precisão (“Se és Khezr...”),

aquele que alcançou a haqîqa29, a verdade mística esotérica, dominou a Lei e se

emancipou da religião literal. Khezr é mestre de todos eles, pois mostra a todos como

alcançar o estado espiritual que ele mesmo havia alcançado e tipificado. A sua relação

com cada um deles é a relação do caráter ou exemplaridade com quem o exemplifica.

Isso pode ser tanto sua própria pessoa e um arquétipo, e é ainda a um e outro, como

pode ser o mestre de cada um, como exemplifica muitas vezes os discípulos, sua função

é revelar cada um a si mesmo.

A “direção” de Khezr não consiste, com efeito, em conduzir de maneira uniforme a

todos seus discípulos para com o mesmo objetivo, para uma mesma teofania, idênticas

para todos como se fosse um teólogo propagando seu dogma30. Khezr leva cada um à

sua própria teofania, a teofania que dá testemunho, porque corresponde ao seu “Céu

interior” a forma do seu próprio ser, sua individualidade eterna (ayn thâbhita), ou seja, ao

que Abû Yazid Bastâmî denomina de “a parte atribuída” a cada um dos espirituais 31 e que

26 O Andarilho e o seu Anjo.27 Todo Magister Templi da A.ֺ.A.ֺ., isto quer dizer, todo Iniciado completo acima do Abismo são Khezr.28 Eu sou sozinho: não existe Deus onde Eu sou. (AL, II-23). 29 É a Verdade em sua Totalidade. Para se obter a Haqîqa é necessário alcançar a Experiência Direta com a Verdade. 30 Desvelando essa sentença, Corbin lança ao leitor o processo de desenvolvimento espiritual que segue ao alcance de

cada Andarilho, ou seja, até onde é possível chegar naquela encarnação vigente, até qual Estação o Andarilho pode empreender sua viajem de retorno, a sua busca par excellence. Para essa compreensão, é necessário pesquisar profundamente os três níveis de consciência encarnados neste planeta: Ilíaco (Homem Material); Psíquico (Homem Mental) e Pneumático (Homem Espiritual).

31 Espirituais na terminologia Sufi Iraniana equivale a Pneumático, isto quer dizer, Homens Numinosos, que possuem

Page 12: Henry Corbin - Ibn' Arabi e Khezr

na terminologia de Ibn Arabi, é um dos nomes divinos com que é investido, Nome32 sob o

qual conhece o seu Deus e Deus conhece à ele na correspondência de Rabb e marbûb,

do Senhor do amor e seu servo (cf. Parte I, cap. 1). No léxico Semnâni, este poderia ser

expresso dizendo que o ministério é Khezr para alcançar o "Khezr do teu ser", pois é

nessa profundidade interior, neste “profeta do teu ser”, de onde brota a Água da Vida, no

sopé do Sinai místico, pólo33 do microcosmos, o centro do mundo, etc. Isto concorda bem

com o caso dos owaysîs: Attar, guiado e iniciado pelo ser-de-luz, o “Anjo” de Mansûr

Hallâj, atinge o “Mansur do teu ser” e ele se torna Mansûr no curso de 50 patética34

últimas páginas de seu Haylâj-Nâmah. Isto também é consistente com a afirmação de Alî

Wafâ (século XIV) que para cada espiritual se escuta na voz de um Khezr a inspiração de

seu próprio Espírito Santo, como todo profeta percebe na forma de um Anjo Gabriel, o

Espírito de sua própria profecia. E esta não é mais do que palavras de Abd al-Karîm Jîlî

(que citaremos mais adiante) sobre o Espírito Santo, o Rosto divino de cada ser.

Tornando-se Khezr é ter atingido a capacidade de visão teofânica, para a visão

smaragdina35, para o encontro com o Alter Ego divino no diálogo inefável que o gênio de

Ibn Arabi conseguirá sem dúvida reproduzir.

Mais uma vez, somos encaminhados para a mesma figura cujas recorrências

temos comprovada não somente na teosofia mística mas também entre filósofos, quando,

através dos problemas noéticos36, a figura da “Inteligência agente” aparece como o Anjo

do Conhecimento e da Revelação, isto é, o Espírito Santo (de acordo com sua própria

revelação corânica, que identifica Gabriel, o Anjo da Anunciação, com o Espírito Santo).

Foram ressaltadas as implicações existenciais das soluções para o problema (em Abû'l-

Barakât, Avicena e Averróis), na medida em que o estatuto da individualidade espiritual é

um nível de Consciência Supernal onde neutralizaram suas Polaridades. Esses Homens possuem a Semente de AChMOT que é senão Nechamah, Briah ou Sofia, o Amor.

32 O Nome do seu Deus é sua Fórmula Transpessoal que o levará a sua Expressão e Manifesta-Ação plena no plano desperto, ou seja, no seu dia-a-dia.

33 Qutub é outro Nome dado pelos Sufis para Khezr. Ele é o Pólo ou Eixo do Andarilho. O valor tanto no Abjad como na Gematria Hebraica é 111 .QTB ףטב 111 representa a Unidade na Triplicidade que é o indicativo das Três Supernas: Kether, Chokmah e Binah, formando a Fórmula do Três em Um. Ao dividir 111 em 100 = Q, 10 = Y e 1 = A, forma a raíz QYA cujo significado é Vazio. KIA foi a Fórmula utilizada pelo artista e feiticeiro chamado Austin Osman Spare, e sua pictografia era o Olho, o Olho de Seth ou Zero (0). Este Vazio não se baseia na concepção niilista, uma vez que está entre a negação & afirmação da Existência. Segundo o Livro da Aranha esse é o valor de ENNEA (nove) e também o número de SMAI, um título de Set, que é assim identificado com 9 e com o Nono Arco.

34 No espanhol é um adjetivo; diz-se do que é capaz de comover e afetar o ânimo. 35 Do Latim Smăragdĭna, adjetivo que significa de esmeralda. 36 Noética tem sua etimologia na palavra grega νους (nous). Esta ciência define a dimensão espiritual que a

Inteligência (nous) habita na Consciência do homem e seus fenômenos subjetivos. Ressaltando que essa Inteligência é Supernal ou Pneumática.

Page 13: Henry Corbin - Ibn' Arabi e Khezr

determinada pela mesma solução. O ministério de Khezr, como um guia pessoal invisível,

liberto e libertador de todas as servidões legalista e magisterial, harmoniza-se com a

solução por Abû'l-Barakât e por Sohrawardî na pessoa da Natureza Perfeita37, da mesma

maneira para Avicena o “Khezr do teu ser” certamente tomou o nome de Hayy ibn Yaqzân.

O temor de que o Avicenismo Latino sucitou aos ortodoxos no Ocidente, talvez pudesse

ser definido como o medo de ter de reconhecer ministério individual de Khezr. A noética e

a antropologia aveceninas levaram a uma exaltação da idéia de Anjo completamente

incomum para o escolasticismo ortodoxo, embora, de fato, não houvesse correspondência

entre as situações existenciais, idéias e linguagem do avecenismo escolástico.

Este Anjo não é de modo algum um simples mensageiro, que transmite ordens, e

tão pouco se ajusta com a idéia comum do “Anjo da Guarda”, nem do Anjo que se refere o

sunismo quando suscita a questão de superioridade ou inferioridade sobre os homens. A

questão é a seguinte: a forma em que cada um dos espirituais conhece a Deus é também

a forma em que Deus os conhece, porque é a forma na qual Deus se revela em cada um

deles38. Para Ibn Arabi o Anjo representa a correlação essencial entre a forma da teofania

e a forma daquele em que a teofania foi mostrado. É “a parte atribuída” à cada espiritual,

individualidade absoluta, o Nome divino de que é investido39. É o teofanismo essencial40;

cada teofania é como uma angelofania, porque cada teofania se manifesta segundo essa

correlação determinada, e que é essa determinação essencial, sem a qual o Ser divino

permaneceria como o Desconhecido e o Incognoscível41, que é o sentido do Anjo.

Entendido isso, a maneira em que Ibn Arabi como um discípulo de Khezr medita a

filoxenia42 de Abraão (cf. infra Parte I, cap. 1 º, § 3), leva para o centro de sua teosofia e

experiência mística, um segredo que é também o “Peregrino querubinico” de Angelus

Silesius: o significado que tem para o místico, alimentar ao Anjo com sua própria

37 O Notariqon de Natureza Perfeita (NP) implica em um número de grande importância na Tradição oculta, 130. 13 ou 31 tipifica LA & AL (o estado de Ser & o estado Não-Ser) sendo o 0 ou Ovo o Vir-a-Ser. 130 é o Anjo da Redenção

למלאך הגא �(MLAK HGAL) ou um aspecto de Khezr. Natureza Perfeita tem a mesma equivalência dos Perfeitos, a Ordem Secreta dos Cátaros (Cátaro em Latim Bons Hommes que significa dos homens de bem) e que tiveram uma forte influência sufi entre seus membros. Os Perfeitos eram aqueles que alcançavam um nível de Consciência Numinosa.

38 Esse Homem não é individualizado, mas, parte da Mônada ou uma Semente Dela para sua encarnação nos vários mundos e em diversas dimensões que formam o Corpo da Deusa Estelar, Nuit.

39 Sua Grande Obra.40 Na Tradição Oculta é conhecido como o Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.41 O sentido dado por Corbin como Desconhecido & Incognoscível é sob a perspectiva consciencial dos Ilíacos e

Psíquicos de 1° e 2° níveis.42 É o estudo das hipóteses das relações evolutivas e ancestrais dos organismos.

Page 14: Henry Corbin - Ibn' Arabi e Khezr

substância43.

Não precisamos mais do que notar na vida de Ibn Arabi algumas recordações sobre

seus encontros com Khezr. Dois episódios da juventude atestam a presença latente de

Khezr em sua consciência. Esta presença, que se manifestou por uma devoção que

jamais diminuiu, era inseparável do significado de sua pessoa e sua vida, atingiu o seu

clímax no dia em que, em um jardim de Mosul, com um ritual que permaneceu para nós

envolto em mistério, Ibn Arabi foi investido com o “manto” (Khirqa) de Khezr das mãos de

um amigo que havia sido investido pelo próprio Khezr44.

Um encontro memorável ocorreu pela primeira vez nos dias de sua juventude,

sendo estudante em Sevilha, embora só mais tarde foi quando o jovem Ibn Arabi

entendeu com quem havia se encontrado. Ele havia acabado de ter uma forte discussão

com seu mestre (Abu'l-Hasan al-Oryanî) sobre a identidade de uma pessoa que o Profeta

tinha favorecido com sua aparência. O discípulo tinha mantido os seus pontos de vista e

saiu irritado e descontente. Ao dobrar uma esquina, um desconhecido aproximou-se dele

carinhosamente: “Ó Muhammad! Tenha confiança em seu mestre. Foi ele quem lhe disse

quem ele era”. O adolescente, então, voltou os seus passos para anunciar que ele havia

mudado de idéia, mas ao ver-lhe, o seu xeque se antecipou as suas palavras: “É

necessário que te apareça toda vez Khezr para que devas confiar na palavra do seu

mestre?45

43 A substância do homem é a mesma do seu Anjo ou Deus Oculto.44 Jalál-ud-Dín Maulána Rúmí também recebeu sua investidura, mas diretamente de Khezr. Como é dito na transcrição

de duas falas de Omar Ali Shah, em Konya, 1982: “Ao final do Ramadan, Rumi regressou a Qandahar, onde, na Grande Mesquita, se encontra o manto do Profeta, guardado em uma caixa na parede, que não pode ser aberta senão na presença de quatro Sayeds. Naquele ano, quatro Sayeds estavam em Qandahar e decidiram abrir a caixa e tirar o Manto, e todas as pessoas reuniram-se na Mesquita para vê-lo. Rumi, que estava na Mesquita com as demais pessoas, dirigiu-se a alguém a seu lado, a quem não conhecia, e disse: “Amigo, podes levar-me à casa onde estou hospedado, pois fiquei cego?” ― “Não,” disse o homem que se vestia todo de verde, “mas vem comigo e iremos a Konya.”É interessante observar a simbologia do 4 (Quatro Sayeds ou Mestres) que interage com a iconografia cristã dos Quatro Arcanjos e Quatro Apóstolos, e no sentido hermético com os Quatro Elementos, Quatro Dimensões e os Quatro Querubim representados em vários afrescos Renascentistas. A etimologia da palavra Querubim é obscura, mas leva a crer que é anterior a atribuição gráfica judaica como כרוב - keruv ou do plural keruvim. A raíz – כרוביםetimológica desta pode ter como origem a partir da palavra babilônica karabu cujo significado é “um ser abençoado” ou “bendito”. Retornando ao hebraico, a partícula (im) comumente tipifica uma androgenia e também seu plural. No ATV XXI do Livro de Thoth há uma clara correspondência dos Querubim ou de cada Querub com a essência da simbologia e significado da Lâmina.

45 Ele surge quase sempre de forma inesperada quando o Andarilho inicia o Caminho do Camelo .(.ג) GIMEL é A Virgem. O Sagrado Anjo Guardião é obtido pelo Auto-sacrifício e Equilíbrio. (777 veja Bibliografia).

sendo uma das representações & relações de Tzaddi estar acima ,(Tzaddi) צ quando invertida equivale à (Gimel) גe abaixo do Abismo simultâneamente nesta Era de Aquário. GML = 72 formando a Secreta Natureza de Atziluth, uma vez que é a Virgem Sacerdotisa que carrega a Semente de AChMOT em seu ventre. Ela atravessa o Deserto

Page 15: Henry Corbin - Ibn' Arabi e Khezr

Ibn Arabi soube então com quem havia encontrado. Mais tarde, na Tunísia, em uma

noite quente de luar, Ibn Arabi foi descansar na cabine de um navio ancorado no porto.

Uma sensação de desconforto o desperta. Aproximando-se da borda, enquanto a

tripulação está afundada no sono, ele vê alguém que vinha em sua direção caminhando

sobre a água sem afundar, alguém que se aproxima e conversa brevemente com ele

antes de sair rapidamente para uma caverna no flanco da montanha, a vários quilômetros

de distância. No dia seguinte, na Tunísia, um homem santo desconhecido lhe pergunta:

“Bem, o que aconteceu esta noite com Khezr?46”

Vejamos agora, muito mais importante, o episódio da investidura mística, tal como

aconteceu no ano 601/1204. Após uma breve estadia em Bagdá, Ibn Arabi se dirigiu a

Mosul, atraído pelo ensinamento e reputação do mestre sufi Alî ibn Jâmi. Agora, este

mestre tinha recebido diretamente de Khezr “em pessoa” a investidura da jirqa, o manto

sufi. Com ocasião de qual evento teofânico, com qual cerimonial? Ibn Arabi não diz, mas

afirma que a mesma cerimônia foi exatamente observada pelo xeque para conferir-lhe a

sua vez, durante uma liturgia íntima, a investidura do manto místico. Mas é melhor

devolver a palavra à Ibn Arabi.

“Esta consociação com Khezr, escreve ele, experimentou um dos nossos xeques, Alî ibn

Abdollah ibn Jâmi, que era um discípulo de Alî al-Motawakkil e de Abû Abdallah Qadîb Albân.

Ele vivia em um jardim de sua propriedade nos arredores de Mosul. Bem ali, Khezr lhe havia

investido com o manto, na presença de Qadîb Albân. E foi no mesmo lugar de seu jardim em

que Khezr lhe havia investido com o manto, onde o xeque havia me investido, observando

comigo o mesmo cerimonial que Khezr havia observado com ele. Eu tinha recebido a

investidura, mas indiretamente, das mãos de meu amigo Taqioddîn ibn Abdirrahmân, que,

por sua vez, havia recebido de Sadroddîn, o xeque dos xeques no Egito47... cujo avô tinha

recebido das mãos de Khezr. Foi a partir desse momento quando comecei a falar da

investidura do manto e o conferir a certas pessoas, porque eu percebi a importância que

pelo Caminho da Pomba (Espírito Santo) que a fecundou, equilibrando a percepção numinosa na Consciência do Andarilho via a Fórmula de Iniciação (Amor sob Vontade).

46 A simbólica aplicada aqui é perfeita, dando pistas de como Khezr se manifesta aos Andarilhos. 47 Essa sequencia de xeques equivale ao sistema hindu chamado guru-shishya paramparā como apresentei na nota 8

deste texto. Esse espécie de paramparā que sempre está evolvendo em direção à novos paradigmas, quando esse trabalho é feito da maneira correta, há revitalização do ensinamento do seu Instrutor ou Mestre em uma nova rede de entendimento e que será evolvido por aqueles que vierem depois, do contrário todo o processo cessa e se petrifica tornando-se estéril. Uma observação a ser feita, guru-shishya paramparā não é uma sequência linear de Mestre-Discípulo de forma sucessiva, mas há variações em termos de tempo & espaço, ou seja, um Andarilho vivendo no século XXI pode ter como referência ou parâmetro um Mestre como próprio Ibn Arabi que viveu no século XIII, ou mesmo um Mestre pré-cristão como Pitágoras ou Platão. Outro exemplo, seria o Andarilho que é discípulo de algum Mestre mítico como Fu-Hsi. O guru-shishya paramparā permite que você tenha vários Mestres, pois o mais importante disso tudo é que as palavras deles são genuínas flores da Iniciação, possuem o Espírito na Letra, e que marca o campo de luz do Andarilho deste século como uma Benção ou Darsham sem estar presente fisicamente. Essa “Presença” ou “Encontro” ocorre realmente nos planos interiores.

Page 16: Henry Corbin - Ibn' Arabi e Khezr

Khezr atribuia a este rito. Anteriormente eu não falava deste manto que é agora tão

conhecido. O manto é na verdade, um símbolo de fraternidade para nós, um sinal de que

compartilhamos a mesma cultura espiritual, a prática do mesmo ethos48...

E se espalhou entre os mestres místicos o costume de quando constatam alguma

deficiência em um dos seus discípulos, o xeque se identifica mentalmente com o estado de

perfeição que pretende transmitir. Uma vez que essa identificação teve lugar, tira o manto no

momento preciso em que alcança esse estado espiritual, tirando-o cobre com este o

discípulo cujo estado espiritual quer aperfeiçoar. Então transmite49 o xeque a seu discípulo o

estado espiritual produzido em si mesmo, de modo que a sua própria perfeição é realizada

no discípulo. Este é o rito de investidura, bem conhecido entre nós, e que nos foram

transmitidos pelos nossos xeques mais experientes”.

Este comentário em que Ibn 'Arabi mostra a importância do rito de investidura do manto50,

esclarece ao mesmo tempo o seu alcance quando a investidura é recebida do próprio Khezr, seja

diretamente ou através de um intermediário. O resultado do rito da investidura não é apenas uma

afiliação, mas uma identificação com o estado espiritual de Khezr. Depois disso, o Iniciado cumpre

a condição necessária, a mesma que o Anjo indicou à Sohrawardi para superar a montanha de

Qâf e alcançar à Fonte da Vida51: “Se és Khezr...”. A partir daí, o místico é Khezr, alcançou o

“Khezr do teu ser52”. A experiência vivida assim requer, fenomenologicamente, uma representação

em que a presença real de Khezr é experimentada simultaneamente como a presença de uma

pessoa e de um arquétipo, ou, mais precisamente, como um pessoa-arquétipo53. Essa é a

situação que discutimos aqui, mostrando como se dissolve o dilema em termos de lógica formal.

Observemos cuidadosamente o escopo das circunstâncias mencionadas por Ibn Arabi: o

manto pode ser recebido diretamente das mãos de Khezr, ou também por mediação de alguém

que o recebeu de Khezr ou mesmo por alguém que tenha recebido do primeiro intermediário54. Isto

em nada altera o significado trans-histórico do rito, como já tentamos explicar aqui, mas se supõe

inclusive uma surpreendente corroboração deste. A cerimônia da investidura é sempre observada

48 Ethos ήθος, έθος, plural; ethe ήθη, ethea ήθεα é uma palavra Grega originalmente significando características. Ethos está relacionado a cultura de um povo juntamente com suas ideias e crenças.

49 Transmissão de Poder, que só é efetivado realmente quando o Anjo empodera a Consciência do Andarilho

iluminando-a através de sua total Integração com o Si-Mesmo. 50 A Investidura do Manto só acontece em sua totalidade quando o Andarilho alcança o Equilíbrio de Ruach

sustentando em sua Mente o Conhecimento e Conversação do seu Anjo. 51 Alcançar a Fonte da Vida que é um dos epítetos de Binah é despersonalizar ou des-criar tudo que o Andarilho achava

que era. É transformar sua Mente em um Ponto Nuclear e expandi-lo continuamente para outros universos além do espaço & tempo.

52 “Khezr do teu ser” é o mesmo que o genuíno Thelemita (outro nome para Gnóstico) entende como “Faze o que tu queres deverá ser a totalidade da Lei”.

53 Essa “pessoa-arquétipo” para o Colégio Externo seria um Magister Templi da A. ֺ.A. ֺ. (Astrum Argentum ou Estrela de Prata) ou Uwaysiyya, como é conhecida entre os Sufis Gnósticos.

54 Como se pode observar, há três níveis de recepção nesta sentença. Para um Pneumático avançado, ou seja, pertencente ao 2° e 3° níveis, a investidura ou transmissão se realiza diretamente pelas mãos de Khezr. Quanto aos outros dois níveis não estão ao alcance dos Ilíacos e Psíquicos.

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pelo próprio Khezr: Ibn Arabi o deixa, infelizmente para nós, (sic) envolta em mistério55. Em todo

caso, o ritual implica que a identificação não se destina um estado de espírito ou um estado de

perfeição determinado sobretudo pelo Xeque que transmite a investidura, mas o estado do próprio

Khezr56. Ter um, vários ou nenhum intermediário, a afiliação por identificação com o estado de

Khezr se cumpre na ordem longitudinal do visível para o invisível57, e corta verticalmente a ordem

latitudinal das sucessões, as gerações e as conexões históricas. É uma afiliação direta ao mundo

divino e como tal se mantém, transcendendo todas as obrigações e convenções sociais. É por

isso que o seu significado continua o seu caráter trans-histórico, como um antídoto para a

obsessão pelo “sentido da história58”.

Existe também uma indicação extremamente valiosa que Ibn Arabi tem renovado a

recepção da investidura. Ele tinha recebido uma primeira vez com três intermediários entre ele e

Khezr, desta vez no jardim de Mosul, não houve mais do que um. Isto implica, portanto, a

possibilidade de reduzir a distância, a possibilidade de um “salto”, que tende, no limite, a perfeita

sincronia (como o encontro entre Khezr-Elias e Moisés na Surata XVIII ou no Monte Tabor). Este

sincronismo é uma intensificação qualitativa, que mudando as relações temporais, não é

concebível senão no tempo psíquico puramente qualitativo; no tempo físico quantitativo, contínuo

e irreversível, o proveito desta abordagem crescente é inconcebível59. Se, por exemplo, estivermos

cronologicamente separados de um mestre espiritual por vários séculos, é impossível que um dos

nossos contemporâneos nos aproxime cronologicamente à ele como se fosse o único

intermediário do mestre no tempo. Os intervalos de tempo quantitativo que medem os eventos

históricos não podem ser abolidos, pelo contrário, os eventos da alma são, eles próprios, a medida

qualitativa do seu próprio tempo. O sincronismo impossível no tempo histórico é possível no

tempus discretum da alma do mundo, de âlam al-mithâl. Assim também, com vários séculos de

distância, é possível ser o discípulo direto, sincronicamente, de um mestre que não está “no

passado” a não ser cronologicamente60.

Este é “um discípulo de Khezr” (e é também o caso de todo os owaysîs) e é aqui onde Ibn

Arabi quer conduzir seu discípulo quando ele diz que tal concessão tem uma grande importância

para o rito de investidura do manto e do fato de conferir por sua vez, a outras pessoas. Através da

55 Um dos nomes desta “cerimônia” é a Direta Experiência da Verdade. Esse é o momento em que a Semente de AChMOT se abre e em sua plenitude ilumina a Consciência do Andarilho. Essa iluminação não é um estado de êxtase ou teofânico, mas, sim um estado de Entendimento, ou seja, de quem você é em sua Totalidade.

56 Integralidade do Ser que é o Não-Ser.57 Até certo ponto, contudo, a Fonte envia seu fluxo e torrente de Entendimento sempre do invisível para o visível.58 Não há como exteriorizar tal Experiência & Consciência. 59 Não há como conceber o Incognoscível. Hoje, o processo de Iniciação é muito mais rápido do que no tempo de Ibn

Arabi. O “salto” é permitido devido a transição consciencial que passamos neste período de onda de vida humana. 60 Os ensinamentos que possuam o espírito na letra ou como diriam os sufis em âlam al-mithâl transcendem as

limitações das barreiras do tempo & espaço.

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prática deste rito, sua finalidade, como ele mesmo diz, é levar a cada um de seus discípulos para

o “Khezr do seu ser”. “Se és Khezr...” podes, na verdade, fazer o que Khezr também faz61. E,

basicamente, esta é talvez a razão oculta pela qual a doutrina de Ibn Arabi é tão temida pelos

seguidores da religião literal, a fé que é inimiga histórica de ta'wîl, dogma imposto uniformemente

a todos. Caso contrário, quem é um discípulo de Khezr tem força interior suficiente para encontrar

livremente ensinamentos de todos os mestres. A vida de Ibn Arabi, freqüentando e recolhendo o

ensinamento de todos os mestres do seu tempo, é um exemplo vivo.

Essa vida, cujo sentido tentamos apreender seguindo o ritmo de três eventos simbólicos,

nos revela uma coerência exemplar. No testemunho dos funerais de Averroes, que se converte em

um “peregrino do Oriente” ao chamado do Espírito Santo, temos visto uma exemplificação viva da

“História do exílio ocidental” de Suhravardî. É a Fonte da Vida, o Sinai místico, onde o herói é

conduzido a história, e lá, tendo atingido a Verdade62 esotérica, a haqîqa, cruza e transcende as

trevas da Lei e da religião exotérica, como uma gota de bálsamo transpassa a mão, a luz do sol

que impõem transparência. E foi conduzido para a Fonte da Vida, deixando Andaluzia, pátria

terrena, o “peregrino do Oriente”, Ibn Arabi, o “discípulo de Khezr”.

61 Essa sentença equivale ao verso 60 do Capítulo III do AL : Não há lei além de Faze o que tu queres.62 M.A.A.T. é a Verdade Esotérica, cuja Fonte são as profundas Águas da Vida. Para aquele que bebeu dessas Águas

Primordiais Ele está Morto para os homens Ilíacos & Psíquicos (consciências em Assiah & Yetzirah), contudo, para os Pneumáticos, a Morte é Vida de modo que é sentida assim: Eu sou a chama que queima em cada coração de homem, e no núcleo de cada estrela. Eu sou Vida, e o doador de Vida, contudo por esse motivo é o conhecimento de mim, o conhecimento da morte. (AL, II-6).

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