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  • COMO SE FAZ ANALISE DE CONJUNTURA

    EDITORA VQZE$

    A 1901 N ~ O 19965

    VI

  • Herbert Jos de Souza

    COMO SE FAZ ANALISE

    DE CONJUNTURA

    161 Edio

    \OZES Petrpolis

    1996

  • 1984, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Lus, 100

    25689-900 Petrpolis, RJ Brasil

    Diagramao Valdecir Mello

    ISBN 85.326.0091-3

  • Sumrio

    Introduo, 7 1 Algumas categorias para a anlise da conjuntura, 9 2 Sistema do capital mundial. Dados gerais, 19 3 Sistema do poder poltico transnacionalizado, 25 4 Formas de controle poltico, 33 5 Estratgias em jogo, 39 6 Quadro atual, 45 7 Campos de confronto, 49 8 Um mtodo prtico de fazer anlise de conjuntura com os movimentos populares: a representao da conjuntura, 53

  • Introduo

    No momento em que toda a sociedade brasileira acompanha ativamente o desenrolar dos acon-

    teeimentos politicas, fica evidente que no basta apenas estar com a leitura dos jornais em dia para entender o que est ocorrendo. No volume de informaes que veiculado todos os dias necessrio identificar os ingredientes, os atares, os interesses em jogo. Fazer isso fazer anlise de conjuntura.

    Na verdade a todo momento e em re-lao s mais variadas situaes fazemos "anlises" de conjuntura sabendo ou no, querendo ou no: quando decidimos sair de casa, sair do emprego, entrar num partido, participar de uma luta poli-tica, casar, colocar o filho num colgio, evitar ou buscar uma briga, descansar ou ficar atento, em todas essas situaes, tomamos decises baseados em uma avaliao da situao vista sob a tica de nosso interesse ou necessidade. Nessas decises levamos em conta as informaes que temos, buscamos nos informar, avaliamos as possibilida-des, fazemos hipteses de desenvolvimento dos fatos, das reaes possveis das pessoas ou dos

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  • grupos, medimos a "fora" ou o perigo de nossos eventuais "inimigos" ou dos "perigos" e, a partir desse conjunto de conhecimentos, informaes e avaliaes, tomamos nossas decises.

    A anlise da conjuntura uma mistura de conhecimento e descoberta, uma leitura es-pecial da realidade e que se faz sempre em funo de alguma necessidade ou interesse. Nesse sentido no h anlise de conjuntura neutra, desinteres-sada: ela pode ser objetiva mas estar sempre relacionada a uma determinada viso do sentido e do rumo dos acontecimentos.

    A anlise da conjuntura no somente parte da arte da poltica como em si mesma um ato poltico. Faz anlise poltica quem faz poltica, mesmo sem saber.

    Mas a anlise da conjuntura uma ta-refa complexa, difcil e que exige no somente um conhecimento detalhado de todos os elementos julgados importantes e disponveis de Uma. situa-o determinada, como exige tambm um tipo de capacidade de perceber, compreender, descobrir sentidos, relaes, tendncias a partir dos dados e das informaes.

    No deixa de ser surpreendente que para uma atividade to importante como a de analisar e acompanhar o desenvolvimento da si-tuao poltica e econmica de um pas falte a elaborao de teorias e mtodos especficos. O texto que segue visa oferecer alguns elementos metodolgicos para se analisar a realidade poltica e perceber mais claramente a conjuntura.

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  • 1 Algumas categorias para a anlise da conjuntura

    para se fazer anlise de conjuntura so neces-srias algumas ferramentas prprias para isso.

    So as categorias com que se trabalha: acontecimentos cenrios a tores relao de foras articulao (relao) entre "estrutura"

    e "conjuntura". Cada uma destas categorias merece um

    tratamento parte, mas no conjunto elas pode-riam ser estudadas como elementos da "repre-sentao da vida" ou uma pea de teatro. Essas categorias, por exemplo, foram utilizadas por Marx em seu estudo da revoluo francesa, no "18 Bru-mrio", que constitui um dos mais brilhantes es-tudos de uma situao poltica (uma conjuntura) j realizados.

    Tentemos ver um pouco mais o sentido de cada uma.

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  • a) Acontecimentos

    Devemos distinguir fato de acontecimen-to. Na vida real ocorrem milhares de fatos todos os dlas em todas as partes mas somente alguns desses fatos so "considerados" como aconteci-mentos: aqueles que adquirem um sentido espe-cial para um pas, uma classe social, um grupo social ou uma pessoa.

    Algum pode cair de um cavalo e isso se constituir somente num fato banal, mas se esta a queda de um presidente, provavelmente ser um acontecimento. O nascimento do filho de um rei um acontecimento para o pais, o nascimento do filho de um operrio um acontecimento para a famlia. O beijo pode ser um fato comum mas o beijo de Judas foi um acontecimento.

    Existem ocorrncias que se constituem em "acontecimentos" tais como greves gerais, elei-es presidenciais (principalmente se so dire-tas ... ), golpes militares, catstrofes, descobertas cientificas de grande alcance. Estas ocorrncias por sua dimenso e seus efeitos afetam o destino e a vida de milhes de pessoas, da sociedade em seu conjunto.

    Na anlise da conjuntura o importante analisar os acontecimentos, sabendo distinguir primeiro fatos de acontecimentos e depois distin-guir os acontecimentos segundo sua importncia. Essa importncia e peso so sempre relativos e dependem da tica de quem analisa a conjuntura, porque uma conjuntura pode ser boa para algum e pssima para outros: um ladro que chega num

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  • lugar policiado vai verificar que a conjuntura est ruim para ele naquele dia, a me que chega na praa com seu filho vai pensar o contrrio.

    A importncia da anlise a partir dos acontecimentos que eles indicam sempre certos "sentidos" e revelam tambm a percepo que uma sociedade ou grupo social, ou classe tem da. reali-dade e do si mesmos.

    Identificar os principais acontecimentos num determinado momento, ou perodo de tempo, um passo fundamental para se caracterizar e analisar uma conjuntura.

    b) Cenrios

    As aes da trama social e politica se desenvolvem em determinados espaos que podem ser considerados como cenrios. Ouvimos sempre falar nos cenrios da guerra, cenrios da luta. O cenrio de um conflito pode se deslocar de acor-do com o desenvolvimento da luta: passar das ruas e praas para o parlamento, da para os gabinetes ministeriais e da para os bastidores ... Cada cenrio apresenta particularidades que in-fluenciam o desenvolvimento da luta e muitas ve-zes o simples fato de mudar de cenrio j uma indicao importante de uma mudana no proces-so. A capacidade de definir os cenrios onde as lutas vo se dar um fator de vantagem impor-tante. Quando o governo consegue deslocar a luta das praas para os gabinetes j est de alguma forma deslocando as foras em conflito para um

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  • campo onde seu poder maior. Dai a importncia de identificar os cenrios onde as lutas se desen-volvem e as particularidades dos diferentes ce-nrios.

    Numa ditadura militar os cenrios do poder e da luta contra esse poder sero necessa-riamente diferentes dos cenrios de uma sociedade democrtica. Numa, talvez o quartel; noutra, o parlamento, as ruas e as praas.

    c) Atores

    Outra categoria que podemos usar na anlise da conjuntura a de atares.

    O atar algum que representa, que en-carna um papel dentro de um enredo, de uma trama de relaes. Um determinado indivduo um atar social quando ele representa algo para a sociedade (para o grupo, a classe, o pas), encarna uma idia, uma reivindicao, um projeto, uma promessa, uma denncia.

    Uma classe social, uma categoria social, um grupo podem ser atares socias.

    Mas a idia de "ator" no se limita so-mente a pessoas ou grupos sociais. Instituies tambm podem ser atares socm1s: um sindicato, partidos polticos. jornais, rdios, emissoras de televiso, igrejas.

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  • d) Relao de foras

    As classes sociais, os grupos, os diferen-tes atares sociais esto em relao uns com os outros. Essas relaes podem ser de confronto, de coexistncia, de cooperao e estaro sempre revelando uma relao de fora, de dominio, igual-dade ou de subordinao. Encontrar formas de verificar a relao de foras, ter uma idia mais clara dessa relao decisivo se se quer tirar conseqncias prticas da anlise da conjuntura. Algumas vezes essa relao de foras se revela atravs de indicadores at quantitativos, como o caso de uma eleio: o nmero de votos indicar a relao de foras entre partidos, grupos e classes sociais.

    Outras vezes devemos buscar formas de verificao menos "visveis": qual a fora de um movimento social ou poltico emergente? Como medir o novo, aquilo que no tem registras quan-titativos?

    Outra idia importante a de que a relao de foras no um dado imutvel, colo-cado de uma vez por todas: a relao de foras sofre mudanas permanentemente e por isso que a poltica to cheia de surpresas: um candi-dato, um empresrio, um partido politico podem achar que mantm uma relao de superioridade e quando so chamados a demonstrar sua "fora" percebem que a relao mudou e que a derrota ou vitria devem ser explicadas depois ...

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  • e) Anlise de fatos, eventos tendo como pano de fundo as "estruturas", ou articulao entre estrutura e conjuntura

    A questo aqui que os acontecimentos, a ao desenvolvida pelos atares sociais, gerando uma situao, definindo uma conjuntura, no se do no vazio: eles tm relao com a histria, com o passado, com relaes sociais, econmicas e polticas estabelecidas ao longo de um processo mais longo. Uma greve geral que marca uma con-juntura um acontecimento novo que pode pro-vocar mudanas mais profundas, mas ela no cai do cu, ela o resultado de um processo mais longo e est situada numa determinada estrutura industrial que define suas caractersticas bsicas, seu alcance e limites. Um quadro de seca no Nordeste pode marcar uma conjuntura social gra-ve, mas ela deve ser relacionada estrutura fun-diria que, de alguma maneira, interfere na forma como a seca atinge as populaes, a quem atinge e como.

    A isso chamamos relacionar a conjun-tura (os dados, os acontecimentos, os atares) estrutura.

    Alm de considerar essas categorias, exis-tem outras indicaes que devem ser levadas em conta para se fazer uma anlise de conjuntura.

    fundamental perceber o conjunto de foras e problemas que esto por detrs dos acon-tecimentos. To importante quanto apreender o sentido de um acontecimento perceber quais as

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  • foras, os movimentos, as contradies, as condi-es que o geraram. Se o acontecimento aparece diretamente nossa percepo este pano de fundo que o produz nem sempre est claro. Um esforo e um cuidado maiores devem ento ser feitos para situar os acontecimentos e extrair deles os seus possveis sentidos.

    Procurar ver tambm os sinais de sada para o "novo", o no-acontecido, o indito. To importante quanto entender o que j est acon-tecendo estar atento aos sinais dos fenmenos novos que comeam a se manifestar.

    Buscar ver o fio condutor dos aconte-cimentos. No se pode afirmar a priori que todos os acontecimentos "acontecem" dentro de uma lgica determinada, seguindo um enredo predeter-minado. Na realidade, os processos so cheios de sentidos e dinmicas que escapam ou no esto subordinados a determinaes lgicas. Isto, no en tanto, no nos impede de procurar, de pesquisar o encadeamento, a lgica, as articulaes, os sen-tidos comuns dos acontecimentos. Quando somos capazes de perceber a lgica interna de uma de-terminada poltica econmica ficar mais fcil entender o sentido dos decretos, das aes e at mesmo das visitas dos ministros do Planeja-mento ...

    Existem duas leituras possveis dos acontecimentos ou dois modos de ler a conjuntura: - a partir da situao ou do ponto de vista do poder dominante (a lgica do poder);

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  • - a partir da situao ou do ponto de vista dos movimentos populares, das classes subordinadas, da oposio ao poder dominante.

    De modo geral as anlises de conjuntu-ra so conservadoras: sua finalidade reordenar os elementos da realidade, da situao dominante, para manter o funcionamento do sistema, do re-gime. Uma anlise feita tendo como pressuposto uma correo de rota, mas no de direo fun-damental. Esse tipo de anlise parte do ponto de vista do poder dominante e, de certa forma, de-terminar no somente a seleo dos aconteci-mentos e atares a serem analisados, como atri-buir a estes acontecimentos um sentido afinado com. os interesses das classes dominantes. Todo acontecimento uma realidade com wn sentido atribudo, no um puro fato, mas wn fato lido e visto por interesses especficos.

    Partir do ponto de vista dos movimen-tos populares no , obviamente, inventar situa-es, acontecimentos e correlaes de foras que beneficiem o campo popular ao nvel da fantasia e da imaginao dos analistas interessados. par-tir dos acontecimentos ~ocial e historicamente determinados, existentes, concretos, mas perceb-los, analis-los sob a tica dos interesses das clas-ses subordinadas, dado que toda anlise de con-juntura s adquire sentido quando usada como um elemento de transformao da realidade.

    A anlise de conjuntura deve levar em conta as articulaes e dimenses locais, regionais, nacionais e internacionais dos fenmenos, dos acontecimentos, dos atares, das foras sociais.

    IR

  • A importncia dos elementos na anlise de conjuntura depende de cada situao, de rela-o ou posio num contexto mais amplo e mais permanente.

    A anlise de conjuntura de modo geral uma anlise interessada em produzir um. tipo de interveno na poltica; um elemento fundamen-tal na organizao da poltica, na definio das estratgias e tticas das diversas foras sociais em luta.

    Uma questo chave na anlise de con-juntura a percepo da complexidade e da di ficuldade em determinar relaes de causalidade de tipo unilinear, simples. Existe um. elemento constante de imprevisibilidade em relao ao poltica: sua existncia, seus efeitos, suas causas. A ao poltica em si mesma um elemento da realidade poltica: a base da possibilidade de transformaes, de mudana, do surgimento do novo. Falar de uma lgica da ao falar tambm de sua imprevisibilidade.

    As categorias "estratgia" e "ttica" so tambm instrumentos teis para a anlise da ao dos diferentes atores sociais. lf: possvel buscar iden-tificar as linhas gerais de ao, as estratgias em-pregadas por estes atores sociais para conseguir realizar seus objetivos. Poderamos definir estra-tgia como a articulao, a definio de um con-junto de meios, de foras, de elementos tendo em vista realizar objetivos gerais ou "projetas" mais globais que respondem a interesses e objetivos so-ciais, econmicos e polticos de determinadas for-as ou classes sociais.

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  • Se na estratgia observamos os objeti-vos e linhas de ao mais gerais, na ttica obser vamos os meios e formas particulares, concretas de ao, tendo em vista a realizao de estratgias determinadas. Nem sempre, porm, um aconteci-mento, ou um conjunto de aes aparentemente articuladas entre si constituem uma ttica ou uma parte de uma estratgia. Na sociedade, no pro-cesso social, o que acontece no tem que ver necessariamente com uma lgica ou um plano estabelecido. S as teorias conspirativas ou "es-truturalistas" da histria acreditam nisso. Por isso as anlises de conjuntura deveriam estar sempre abertas descoberta de vrias possibilidades e alternativas.

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  • 2 Sistema do capital mundial. Dados gerais

    E... importante relacionar a conjuntura com os ele-mentos mais permanentes, mais estruturais da

    realidade e levar em conta as dimenses locais, regionais, nacionais e internacionais da realidade.

    O sistema do capital mundial se cons-titui no pano de fundo do processo econmico, social e poltico que se desenvolve em nosso pas. O sistema do capital mundial no determina todos os acontecimentos de nossa realidade, mas segura-mente ele um elemento condicionante do con-junto dos acontecimentos que definem o nosso processo histrico. Neste sentido, fundamental ter uma idia global de suas caractersticas e das formas concretas atravs das quais a realidade est relacionada a este sistema.

    DESCRIO DO SISTEMA DO CAPITAL MUNDIAL

    As empresas transnacionais so a ponta avanada do capitalismo contemporneo, elas se caracterizam principalmente:

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  • - pelo uso da tecnologia mais avanada; - pela capacidade fantstica de produzir bens so-fisticados; - em escala de massa e a nvel mundial.

    A lgica do capital transnacional no a maximizao do uso da cincia na produo para atender s necessidades do conjunto da sociedade, mas a maximizao dos lucros.

    O desenvolvimento do sistema transna-cional de produo aprofunda ainda mais e em escala mundial as contradies do modo de pro-duo capitalista: - concentrao dos bens de produo sob o con-trole de uma minoria; - concentrao da riqueza nas mos de pequenas parcelas da populao; - acirramento da competio entre as formas oligoplicas e no-oligoplicas e entre os grandes oligoplios entre si no interior e atravs de sua existncia nas diferentes naes do mundo.

    Uma noo fundamental que o capital mundial no igual soma das corporaes, das empresas transnacionais existentes no mundo ou no interior dos pases, um sistema produtivo articulado em escala mundial sob a liderana das grandes corporaes e bancos transnacionais: - este capital mundial (o sistema produtivo mun-dial) submete a seu processo e integra a milhares de unidades produtivas (empresas) de tamanho mdio e pequeno, independentemente de sua loca-lizao geogrfica, nacionalidade ou propriedade; - nas montadoras de auto, por exemplo, o pro-duto final, o carro, propriedade das transnacio-

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  • nais, mas as peas de tais carros so produzidas (cadeia produtiva) por milhares de pequenas e mdias empresas de autopeas; -um aparelho de TV decomposto em 10.000 peas, produzidas por milhares de empresas que se submetem ao sistema produtivo de algumas poucas montadoras transnacionais.

    As empresas transnacionais esto con-centradas nos palses capitalistas desenvolvidos. Mais de 2/3 dos investimentos transnacionais esto concentrados nestes pases.

    Este sistema se realiza no interior das naes, orienta, reorienta, determina o sentido, o estilo, os limites do desenvolvimento das naes.

    Articula-se, sob formas determinadas, at mesmo com os pases e economias socialistas. Muitas empresas transnacionais produzem hoje no interior dos pases socialistas atravs de contratos reaJizados entre os governos e as empresas.

    LIMITES E CONTRADIES DO SISTEMA DO CAPITAL MUNDIAL:

    - o processo de acumulao assenta-se sobre a explorao do trabalho pelo capital: contradio entre proprietrios dos meios de produo em escala mundial e fora de trabalho viva organiza-dos e definidos a nvel nacional.

    Da o confronto decorrente de expro-priao dos capitais mais dbeis pelos mais fortes, agora estabelecendo-se a nvel mundial.

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  • Outro aspecto importante a contradi-o entre as necessidades e vocao mundial das transnacionais e os limites e necessidades nacio-nais das sociedades onde operam. O capital no tem compromisso com o nacional, com o parti-cular, com as realidades e necessidades definidas a nvel local ou nacional. Sua vocao universal; quer o mundo como seu limite. As naes, os pases devem organizar as respostas s suas ne-cessidades locais, nacionais e a reside inclusive a base de legitimidade de seus sistemas econmi-cos e polticos.

    lgica da acumulao definida a nvel mundial no corresponde, portanto, a lgica de acumulao definida no interior de um pas. Para poder existir nos espaos nacionais, no entanto, o capital mundial necessita do consentimento do poder poltico de cada pas. Deste fato decorrem em grande medida as contradies existentes entre as instncias de poder a nvel mundial e os Esta-dos nacionais transnacionalizados. H uma arti-culao contraditria do poder poltico em escala mundial e nacional.

    Para o capital transnacional, que plane-ja e opera tendo em vista o longo prazo, a esta-bilidade dos regimes um fator essencial.

    Outra contradio bsica a que se es-tabelece. entre as funes do Estado em relao s necessidades populares e um Estado transna-cionalizado, cuja ordem e lgica internas trans-cendem o espao nacional. Os Estados nacionais passam a desempenhar uma dupla funo trans-nacional e nacional - da qual decorrem novos problemas relativos acumulao e legitimidade.

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  • Como legitimar um Estado nacional que no tem como objetivo central atender os interesses na-cionais?

    O processo de transnacionalizao exer-ce presses visveis no sentido de: mudar o papel do Estado na economia, ora ampliando sua inter-veno direta, ora fazendo-a diminuir. Centraliza o poder estatal no executivo, aprofunda as crises de legitimidade afetando os mecanismos tradicio-nais de constituio e definio do poder do Es-tado.

    ALGUNS DADOS SOBRE O BRASIL E O PROCESSO DE TRANSNACIONALIZAAO - O capital transnacional um dos principais ata-res de nossa economia politica. Ele est presente em posio estratgica nos setores fundamentais da economia. Controla os setores industriais mais dinmicos e praticamente determina a natureza e os rumos de nosso processo econmico. - A dvida externa de 100 bilhes de dlares um problema do sistema financeiro mundial e cor-responde de certa forma a um "crdito" interessa-do concedido ao Brasil como parceiro do sistema e em funo do desenvolvimento transnacionaliza-do. um sinal da fora do sistema financeiro mundial e da debilidade do sistema politico bra-sileiro que foi praticamente ocupado e submetido ao FMI. - A dvida externa brasileira de certa forma , portanto, um indicador do grau de transnaciona-lizao da economia brasileira. - A transnacionalizao capitalista torna evidente e acentua ainda mais as desigualdades econmicas

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  • e soCiais: os mveis salariais, o leque salarial no interior do Brasil e entre o Brasil e outros pases, mesmo entre os subdesenvolvidos, mostram uma situao de extrema desigualdade. A diferena sala-rial entre o trabalhador brasileiro e um americano pode chegar a lOxl. Cerca de 70% da populao brasileira no so mercado para os produtos das transnacionais, particularmente os mais sofisti!:a-dos. Mas mesmo assim existe um mercado de 10 a 15 milhes de brasileiros para as transnacionais que operam no Brasil.

    A transnacionalizao da economia e da poltica um fenmeno que caracteriza o processo brasileiro de forma global e determina o rumo de seu desenvolvimento. Como o Estado transna-cionalizado teve que se impor Nao e se divor-ciou dela, da derivam as grandes questes polti-cas e a origem de suas crises. O Estado brasileiro est sendo dirigido por atores polticos que no tm condies de se apresentar clara e direta-mente sociedade, porque respondem aos interes-ses do grande capital transnacional instalado no pas. A histria poltica de Roberto Campos, Mrio Henrique Simonsen e Delfim N etto ao longo des-ses 20 anos ilustra esse ponto. Enquanto essa situao perdurar ser problemtico instituciona-lizar o poder do Estado. Nacionalizar o Estado passou a ser uma questo fundamental e nova. To nova que para muitos esta proposta pode parecer sem sentido, j que no se consegue pensar um Estado que no seja nacional, por de-finio. A realidade ultrapassou a definio e a transnacionalizao redefiniu a natureza dos Esta-dos nacionais.

  • 3 Sistema do poder poltico transnacionalizado

    E- artificial separar o econmico do politico. O ato de produzir tambm um ato politico.

    O capital uma relao social de produo. Por isso importante perceber o contexto econmico e poltico como duas dimenses de um mesmo fe-nmeno global. Devemos falar, portanto, de um sistema do capital mundial que existe porque tam-bm um sistema de poder politico transnacio-nalizado, que submete os Estados nacionais a sua dinmica, limites e contradies_

    No sistema de poder transnacionalizado o Estado passa por uma srie de transformaes polticas e de modo geral se caracteriza por seu carter centralizado, desnacionaUzado, tecnocrtico e repressivo sob diferentes formas_

    Como um Estado nacional mas est submetido a uma lgica de acumulao transna-cionalizada, a questo central deste Estado passa a ser a da legitimidade e, portanto, o de sua inca-pacidade de institucionalizar-se pelas vias liberais e, particularmente, sua institucionalizao atravs dos processos eleitorais.

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  • O Estado praticamente reduzido ao Poder Executivo federal.

    Centralizado e tecnocratizado o Estado passa a exercer o seu poder atravs de decises autoritrias, com base no uso direto da fora ou no recurso visvel coero armada (Foras Ar-madas) e no uso intensivo dos meios de comuni-cao de massa sob o controle direto e indireto do Estado. O monoplio da produo e difuso da informao, em mos das grandes redes de TV e sob controle do Estado, definem um tipo de poder poltico que tambm escapa s anlises convencionais. Trata-se do poder de "construir o real", de definir o real, de incluir e excluir atares, foras sociais no quadro do real apresentado a milhes de pessoas. As coisas, os acontecimentos, as pessoas, os movimentos sociais, as idias, as propostas, as alternativas existem, ou no, atravs de um nico canal, na ponta do qual se coloca a vontade de um grupo, classe e Estado. Na outra ponta milhes de pessoas recebem o pacote de imagens que se pretende passar como a realidade inquestionvel.

    Neste Estado transnacionalizado, divor-ciado do pas, desaparece a diviso tradicional dos poderes: executivo, legislativo, judicirio. No Brasil principalmente a partir de 1964, o legislativo apre-sentou milhares de projetas de lei sem conseguir transformlos em lei, enquanto o executivo passou a legislar por decreto.

    Da transnacionalizao do sistema de poder poltico e do Estado decorre a impossibili-dade de controlar o poder executivo atravs de

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  • mecanismos polticos sensveis s suas bases na-cionais e populares.

    Neste quadro os movimentos e partidos populares so submetidos lgica das leis de segurana nacional e o povo identificado como inimigo potencial da Nao. As manifestaes dos movimentos populares so tratadas como mani festaes agressivas do inimigo do Estado.

    Os processos eleitorais de modo geral so banidos, por tempo fixado segundo os clculos do poder dominante, ou controlados e manipulados de forma a no ameaar o ncleo central do poder executivo.

    Os parlamentos, onde se refletem de certo modo os interesses nacionais e populares, capitalistas ou no, so transformados em instn-cias decorativas, chamados a legalizar os atas do poder executivo ou serem marginalizados do si& tema de poder.

    CONTROLE ESTATAL DOS MEIOS DE COMUNICAO DE MASSA

    Essa uma outra dimenso das trans-formaes do Estado transnacionalizado em suas formas autoritrias e que merece uma ateno especial: - a informao apropriada pelo Estado como elemento fundamental de poder; - so os setores dominantes que geram as ima-gens correntes do pais e dO mundo;

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  • - desenvolve-se o monoplio do executivo na pro-duo e difuso das infonnaes, a partir das quais a realidade pensada sem mecanismos de controle pblico sobre a qualidade ou a veraci-dade destas informaes; - a produo dos dados em grande medida privilgio do Estado. A estatstica deixa de ser confivel para ser uma arma politica; - o Estado, sem fiscalizao e controles demo-crticos, determina quem somos, que produzimos, quanto ganhamos e prognostiga como ser nosso futuro; - a sociedade civil pensada como reflexo do Estado, e se v muitas vezes incapaz de contrapor-se aos dados produzidos e manipulados pelo Es-tado.

    Os movimentos de opos1ao real ao re-gime so tratados segundo os princpios da guerra e no da poltica. No h jogo poltico, mas guerra poltica.

    As instituies militares so colocadas na direo da poltica do Estado por fora da lgica da ordem, sem serem as que realmente dirigem as opes e os destinos do pas. Assumem como profissionais da guerra e da ordem do Es-tado transnacionalizado, caindo prisioneiros da l-gica de um sistema que na verdade os dirige.

    Em um Estado transnacionalizado as lideranas militares que dirigem o poder politico se afastam da sociedade nacional, do Povo e da Nao.

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  • CONTRADIES DESTE SISTEMA

    Este sistema de fato to poderoso apre-senta, no entanto, contradies que trabalham no sentido de sua superao histrica. A primeira sendo a perda da soberania nacional.

    Impotente frente aos centros de deciso econmica e poltica do sistema transnacionaltza do, como Estado nacional ele no pode abdicar de suas funes nacionais e no pode atend-las.

    O Estado passa a promover as condies para que a transnacionalizao se d e administra suas crises j que incapaz de determinar o tipo de desenvolvimento conveniente s necessidades e potencialidades do pas.

    Atravs da retrica dos grandes projetas "hspedes" de interesses transnacionais, o Estado operacionaliza grandes investimentos internacio-nais que so no entanto apresentados como pro-jetas nacionais ou programas nacionais de desen-volvimento.

    A perda da soberania nacional se d em vrias dimenses: econmica, poltica, tecnolgica, cultural e militar. Por isso tambm o nacionalismo militar aparece como um perigo para os interesses transnacionalizados.

    A PERDA DA SUBSTANCIA POPULAR

    Como a lgica do sistema concentra-dora, elitista e tecnocrtica, o Estado no conse-gue camuflar suas polticas econmicas e sociais

  • antipopulares. Enquanto nos pases capitalistas avanados o Estado ainda consegue, apesar das crises, responder a certas necessidades de bem estar social, nos pases de capitalismo atrasado, o Estado transnacionalizado assume caractersti cas perversas em relao a suas polticas sociais, o que aprofunda a distncia entre o Estado e a sociedade civil.

    A deslegitimao crescente do poder na-cional frente s maiorias nacionais provoca um amplo movimento de resistncia e reorganizao da sociedade civil.

    Surgem novas formas de organizao que conquistam espaos de poder fora do Estado, emergem movimentos populares com contedo e formas novas.

    PERDA DA SUBSTNCIA DEMOCRATICA A essncia da crise do Estado a ques-

    to da democracia, que se torna um plo catali-sador, unificador dos movimentos sociais.

    A luta pela democratizao das estrutu-ras de poder e a negao do Estado transnacio-nalizado passa a unificar e a orientar a estratgia global de transformao da sociedade e do Estado.

    Setores majoritrios da sociedade civil se organizam desvinculados e em oposio ao Es-tado, e dessa oposio nasce a negao da ordem autoritria e a proposta democrtica.

    A questo da democracia passa a ser o eiXo unificador da questo nacional e popular: a

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  • conquista da democracia uma condio essencial para a realizao das aspiraes nacionais e po-pulares.

    As formas autoritrias dos Estados trans-nacionalizados variam de ditaduras militares e re-gimes "civis" com forte presena das foras ar-madas na retaguarda da ordem, o que no varia sua contradio com a democracia.

    Todas essas caractersticas e contradies gerais podem ser encontradas nos estados transna-cionalizados, particularmente aqueles com um nvel atrasado de desenvolvimento capitalista. Essa regra geral pode ser aplicada maioria dos estados lati-no-americanos, nas ltimas dcadas.

    A emergncia dos movimentos populares em luta contra o autoritarismo produziu, no entan-to, uma nova etapa de liberalizao dos Estados nacionais que revelam e desafiam o processo de transnacionalizao capitalista. A luta pela demo-cracia passa pela reconquista dos Estados nacionais e por uma nova articulao da economia e da poli-tica a nvel mundial.

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  • 4 Formas de controle poltico

    As formas de controle poltico so mecanismos existentes em cada formao social com o

    objetivo de manter a estabilidade e a ordem dos regimes. O conhecimento dessas formas um ele-mento importante na anlise da conjuntura por-que elas atuam de forma permanente e nem sem-pre so visveis nossa percepo.

    COERO ECONMICA O Estado e as empresas controlam os

    derentes grupos sociais e particularmente as mas-sas assalariadas atravs da coero econmica. Para sobreviver necessrio assalariar-se, portan-to, submeter-se ao poder econmico do Estado ou dos proprietrios privados dos bens de produo.

    H inmeros mecanismos e formas de coero econmica que funcionam nesse sentido dentro da sociedade, controlados pelo Estado, por certas instituies da sociedade civil e pelas em-presas: impostos, taxa~, salrios.

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  • MECANISMOS DE CONTROLE SOBRE A ORGANIZAAO SOCIAL

    O Estado estabelece as regras e as nor-mas do que permitido ou proibido existir como organizao social.

    Os sindicatos operrios so permitidos, mas suas atividades so regulamentadas por lei, pelo Estado e no pela vontade livre dos ope-rrios. Da mesma forma os partidos polticos, as escolas, as universidades, as empresas e a maioria das organizaes de servio, as editoras, os meios de difuso de massa, so todos organizaes re-gulamentadas pela ao do Estado. Exemplo: as leis sobre sindicato.

    Da mesma forma o Estado probe a existncia de .outras organizaes e atividades que so consideradas ilegais, criminosas ou subver-sivas.

    Desta forma o Estado trata de "orga-nizar" e "desorganizar" a sociedade civil segundo os interesses dos grupos ou classes dominantes, como se essa vontade transformada em lei repre-sentasse a vontade de todos e em benefcio de todos.

    O Estado tambm interfere nos mecanis-mos de representao social e poltica da socie-dade, definindo as regras e as condies da re-presentao, isto , estabelecendo as formas legais atravs das quais os diferentes atores ou sujeitos sociais se constituem institucional e politicamente, e escolhem e elegem os seus dirigentes. Est claro

  • que a essa pretenso do Estado no corresponde necessariamente a capacidade de controlar e de-finir todos os atores e sujeitos sociais, que esca-pam ao seu controle e se constituem numa espcie de sociedade submersa.

    MECANISMOS IDEOLGICOS DE RESIGNAO/ MEDO: DUAS FORMAS FUNDAMENTAIS DE CONTROLE SOCIAL.

    A resignao um dos mecanismos mais eficientes de controle social porque ele se esta-belece no interior, na subjetividade do prprio sujeito social, seja ele indivduo ou classe social. Aceita-se a ordem social, suas leis, seus mecanis-mos, seus horizontes como algo inevitvel e que no tem como nem por que sofrer mudanas. Se existe misria porque assim tem que ser, parte do destino de cada um, a vontade de Deus.

    Atravs da resignao, a vtima se trans-forma em carcereira de si prpria, da sua eficin-cia como arma de dominao. Atravs da resigna-o a ordem se perpetua e afasta do horizonte qualquer possibilidade ou desejo de mudana.

    Na nossa histria social e poltica mi-lhes de pessoas foram trabalhadas por esse me-canismo ideolgico, principalmente atravs de certa ideologia religiosa que ensinava os pobres a sofre-rem com pacincia na terra para se transformarem em herdeiros da felicidade no cu. claro que enquanto isso os ricos viviam a felicidade na ter-ra e nem por isso eram excludos da felicidade eterna. O desenvolvimento capitalista com toda a parafemlia consumista e as transformaes mais recentes no pensamento religioso, particularmente

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  • atravs da teologia da libertao, minaram as bases da resignao e o regime passou a reforar um outro mecanismo de controle ideolgico: o medo.

    Se na resignao a dominao era inter-nalizada na prpria vtima, no medo necessrio criar a idia de um perigo, ameaa, inimigo po-deroso ou fora sem limites que se coloca fora e por cima da vtima. Os grupos sociais ou as pessoas atacadas pelo medo ficam paralisadas en-quanto sentirem que esse inimigo externo os ameaa. Mas retomaro os movimentos quando esse inimigo desaparecer. Da ,que o regime que usa o terrorismo, o medo como arma de controle social deve estar sempre criando as situaes de medo, inventando perigos, explorando as situaes de ameaa, para manter acesa a chama do medo nas pessoas.

    CONTROLE DA INFORMAO A forma de . controle social talvez mais

    eficiente na sociedade moderna a informao. Num pas continental como o Brasil, o Estado tem sob seu controle uma fantstica rede nacio-nal de informaes (TV, rdios, jornais, revistas), articulada s redes internacionais e submetida Lei de Segrana Nacional, Lei de Imprensa e s presses fiscais e financeiras. O Estado, por outro lado, produtor exclusivo e . sem controle por parte da sociedade de. informaes econmi-cas, financeiras, sociais e polticas atravs dos r-gos produtores Gie estatsticas e de todo o aparato

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  • de "inteligncia" militar (Escola Nacional de In-formaes, Servio Nacional de Informaes, Ce-nimar, CIE, CIA e dezenas de outros).

    Neste contexto a identicao destas agncias produtoras de informao e dos interes-ses que elas representam uma tarefa importante para a leitura adequada da conjuntura. Os rgos de inteligncia trabalham com um sentido de "guerra" na produo de informao e de contra-informao, onde o que interessa o objetivo que o rgo persegue e no a existncia do fato, onde predomina a manipulao do dado e no sua veracidade.

    Num regime autoritrio dcil saber se o editorial de um grande jornal est sendo escrito por um rgo de inteligncia, uma agncia de publicidade ou uma grande empresa transna-cional.

    No Brasil este sentido de manipulao j atingiu o IBGE e lanou uma onda de descr-dito sobre as estatsticas bsicas do pas.

    A democratizao do Estado, do regime, passa pela democratizao de todas as agncias e instituies, civis e militares, estatais e privadas que produzem a informao, dado que informao poder e produzir informao produzir as con-dies da. existncia e exerccio do poder poltico.

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  • 5 .Estratgias em jogo

    As idias que apresentamos a seguir constituem apenas um pequeno exerccio de anlise das

    estratgias em jogo e que podemos considerar como uma das formas mais interessantes de se fazer uma anlise de conjuntura, porque a idia de estratgia serve para se identificar as intenes dos grupos e classes sociais e tentar descobrir os sentidos mais globais dos acontecimentos e da ao de diferentes atores.

    Como se trata apenas de um exemplo, vamos dispensar maiores anlises e fiquemos so-mente com o esquema que identifique as estrat-gias existentes no grupo dirigente no poder, grupo dirigente fora do poder e oposio e movimentos populares.

    O fim da forma de dominao autorit-ria, chamada agora de Velha Repblica, abriu cami-nho para uma nova fase de dominao politica libe-ral, a Nova Repblica. Esse foi o caminho brasilei-ro de transio politica da "ditadura" para uma proposta de regime Liberal-Democrtico. A Nova Repblica, no entanto, celebrou seus primeiros pas-sos sepultando seu ator principal, Tancredo Neves. O vice-presidente da Nova Repblica representaria

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  • a continuidade da Velha e teria de encarnar agora toda a esperana democrtica dentro dos limites de uma aliana liberal que nasceu rf.

    Neste quadro de uma pea que apenas comea, as estratgias em jogo no esto claramen-te definidas. Como o jogo apenas comeou, as vises e os atores ainda no se acostumaram ao novo.

    Por isso, o esquema que propomos apenas um exerccio para ilustrar possibilidades de estudo atravs da identificao de estratgias: A) Composio entre a oposio liberal e os libe-rais dissidentes que romperam com o poder domi-nante. Dentro da Aliana podemos identificar duas correntes principais: a) liberais internacionalistas: setores dissidentes do PDS que ajudaram a constituir a transnacionaliza-o da sociedade brasileira, nos perodos Castelo, Geisel e Figueiredo; b) liberais nacional-reformistas: lideranas de opo-sio ao regime anterior, que expressam aspiraes da classe mdia e das grandes massas marginali-zadas.

    As duas correntes tm em comum o obje-tivo de institucionalizar o regime liberal-democr-tico, que garanta o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Os liberais internacionalistas acentuam a identificao e compatibilidade entre o nosso de-senvolvimento e a dinmica do capitalismo mundial (a ordem mundial benfica ordem nacional). Os liberais nacional-reformistas colocam nfase na necessidade de atender mais dinmica do merca-do interno e s necessidades de reformas estrutu-

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  • rais que integrem no pas real os milhes de mar-ginalizados (a ordem mundial no necessariamen-te benfica ordem nacional). O Brasil vem em 1" lugar, pela ordem.

    As duas correntes aceitam a alternncia do poder como um princpio poltico a ser garan-tido e concordam com um calendrio de institucio-nalizao do pas: 1) Remoo imediata do entulho autoritrio e libe-ralizao do Estado e da sociedade e de suas re-laes. 2) Eleies diretas para prefeitos das capitais e an-tigas reas de segurana nacional. 3) Constituinte. 4) Eleies diretas para presidente da Repblica a ser definida pela Constituinte.

    As divergncias se situam na definio de poltica econmica.

    As estratgias dos liberais-internacionalis-tas a de acertar o passo do Brasil com o mundo capitalista. Para isso fundamental: - pagar a dvida externa; - combater a inflao, reduzir os gastos pblicos, combater a corrupo; - desestatizar a economia; -acabar com todas as restries (reservas de mer-cado, protees alfandegrias, etc.); a atuao do capital transnacional. O mundo um s, assim tambm o capital.

    A estratgia dos liberais nacional-refor-mistas a de rever o modo pelo qual o Brasil se articula com a economia mundial, dando maior n fase s necessidades da sociedade nacional e mais

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  • urgncia ao atendimento das demandas sociais das nossas populaes. Para isso fundamental: - condicionar o pagamento da dvida externa no aplicao de uma poltica recessiva sob imposio do FMI; - combater a inflao sem achatar os salrios; - democratizar a gesto da economia sem sacrifi-car as empresas pblicas; - rever as estratgias de desenvolvimento de for-ma a dar prioridade empresa nacional, ao merca-do interno, criao de empregos e ao combate misria.

    B) Setores dirigentes fora do Poder Com o fim do governo Figueiredo, os se-

    tores dirigentes derrotados refluram para o PDS, o anonimato ou ao velho hbito da conspirao. A estratgia bsica destes grupos a de apostar no fracasso da Nova Repblica e na desestabilizao politica que viria em conseqncia. Na medida em que a dimenso liberal e reformista do regime se acentua, estes setores podero reaparecer no cen-rio em defesa dos "sagrados" princpios da ordem.

    C) Movimentos populares Nos movimentos populares e nas dife-

    rentes organizaes polticas podemos encontrar a coexistncia de 3 tipos de estratgias:

    a) Defensiva - est presente, dominante nos movimentos po-pulares;

  • - os movimentos procuram defender-se dos ata-ques, das situaes graves; - pensam nos meios de defesa; evitam ficar a des-coberto; - no tm proposta de ataque nem alternativa estratgia dominante. b) Reativa - uma estratgia que se d mais ao nvel de oposio poltica; -diante da iniciativa, da ao do governo, faz outra diametralmente oposta; - uma estratgia subordinada iniciativa dos grupos dirigentes no poder. c) Alternativa - uma estratgia que toma iniciativa no plano poltico; - tem uma ao prpria, com importncia original; - existe mais ao nvel da prtica que da formu-lao de polticas e estratgias alternativas; - exemplos no campo do poder local: experincias de conselhos comunitrios e das prefeituras, com participao popular; - CEBs: organizao, formao e participao delas na vida e nas lutas dos movimentos populares; - tais experincias retecem o tecido social a partir de novos valores e objetivos; - uma estratgia alternativa expressa uma viso e uma vontade de transformao global da sociedade; no parece ser ainda a estratgia dominante nos movimentos populares e na oposio brasileira, que fica mais a nvel da resistncia e da posio pura-mente reativa s iniciativas dos grupos dominantes ou do governo; - a importncia desse tipo de estratgia cresce na conjuntura da Nova Repblica.

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  • 6 Quadro atual

    Aspecto importante da anlise da conjuntura a de caracterizar as questes centrais que esto

    colocadas em evidncia na luta social e politica num perodo determinado. Estas questes fazem parte do debate dos partidos polticos, dos sindi-catos, dos movimentos sociais em geral e esto refletidas na grande imprensa. As notas que seguem constituem apenas um exemplo concreto de com-posio de um quadro da situao.

    a) Preocupaes centrais do governo - inflao, dvida externa, gastos pblicos, recesso; - greves, crise social, misria, desemprego; - reforma constitucional; - legitimidade e estabilidade da Nova Repblica; - negociaes com o FMI.

    b) Grandes Projetos - h mais de 35 grandes projetas governamentais em curso, cujas infra-estruturas totais ultrapassam os 300 bilhes de dlares;

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  • vanos destes projetas esto paralisados ou so-frendo graves crises; - a Nova Repblica vai ter que se definir rapida-mente sobre a continuidade ou descontinuidade desses grandes projetas. Vrios deles envolvem srios problemas polticos e sociais, como o Nu-clear, Cerrados, Nordesto, Ferrovia do Ao.

    c) Questo Operria

    - profundas transformaes na classe operria; - no mnimo, um milho de operrios esto em-pregados diretamente nas empresas transnacionais; indiretamente, mais de 5 milhes esto integra-dos -no sistema transnacionalizado de produo in-dustrial; -o achatamento salarial, a inflao, o desemprego, a rotatividade e a recesso esto atingindo dura-mente o movimento operrio; - provvel modificao em profundidade da CLT, com o objetivo de implantar a negociao direta entre patres e empregados, o sindicato por_ em-presa, e - liberalizar a legislao oficial.

    d) Questo Agrria

    criao dos Ministrios do Desenvolvimento e Reforma Agrria com novo ministro e nova poltica; - a questo agrria sai da rea sobretudo militar e assume sua dimenso social e poltica; - novas relaes entre o Estado, a Igreja e o mo-vimento sindicl em relao a propostas polticas

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  • e sociais relativas situao das populaes rurais e questo fundiria; - desenvolvimento das lutas no campo, ocupaes e invases. Violncia contra posseiros e povos in-dgenas; - amplia-se a conscincia da urgncia e importn-cia da Reforma Agrria.

    e) Questo Poltica

    - reforma constitucional; - eleies diretas; - reforma partidria. Surgimento de novos parti-dos e legalizao de partidos polticos comunistas e clandestinos.

    f) Novas relaes entre Igreja e :Estado

    - a Nova Repblica restabelece o dilogo com a Igreja; - novos desafios polticos na relao entre o Es-tado, a Igreja e os movimentos populares.

    A caracterizao das questes centrais constituem s vezes um ponto de partida para se aprofundar a anlise da conjuntura. Seria neces-srio verificar quais as questes mais importantes, como elas se relacionam e quais os desenvolvi-mentos possveis de cada uma delas e suas re-percusses mais gerais.

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  • 7 Campos de confronto

    Um outro aspecto a ser considerado numa an-lise de conjuntura a identificao dos cam-pos de confronto existentes num determinado mo-mento e que caracterizam os tipos de oposio e os conflitos entre os diferentes atares sociais. A identificao dos campos de confronto impor-tante tambm para a anlise da correlao de foras porque o enfoque basicamente o do con-flito. A titulo de exemplo poderamos identificar na realidade brasileira atual os seguintes campos de confronto:

    a) Estado e Sociedade

    liberalizao do Estado, legitimidade da Nova Repblica e as presses pelas eleies diretas-j; - promessas da Aliana Democrtica, discurso do poder e demandas dos movimentos sociais; - as prioridades da Nova Repblica e as urgncias econmicas e sociais da sociedade.

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  • b) Estado e Partidos Polticos - liberalizao da atuao partidria e novo peso do Legislativo dentro do Estado; - desenvolvimento dos partidos polticos e emer-gncia dos partidos clandestinos, at ento repri-midos pelo Estado; - ocupao dos espaos de poder do Estado pelos partidos.

    c) Estado e Igreja - com a Nova Repblica, redefinio das relaes Estado e Igreja. O Estado se reabre influncia poltica da Igreja. Como a Igreja se colocar frente a essa abertura do poder? - a redefinio das relaes entre Igreja e Estado provoca, e ao mesmo tempo depende, da redefini-o da correlao de foras entre as vrias verten-tes (conservadora, liberal e democrtico-popular) da prpria Igreja.

    d) Estado e Empresrios - identificao mais profunda entre o conjunto do empresariado brasileiro e transnacional com as perspectivas da Nova Repblica; - a ao empresarial sobre o Estado amplia seus espaos e aprofunda as presses diretas para defi-nir as polticas governamentais.

    e) Estado e Militares - os militares deixam a direo politica do Estado e se retiram para a linha de manuteno da ordem,

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  • pedindo silncio sobre sua atuao passada na dir& o do Estado e na implantao do regime auto-ritrio; - a Nova Repblica, para ser liberal, no pode coexistir com a tutela militar.

    f) Estado e Foras Polticas Internacionais

    - crise da internacionalizao da economia brasi leira. Redefinio ou reafirmao da hegemonia do capital transnacional sobre a sociedade brasileira; - redefinio das relaes do Brasil com o capital financeiro internacional e com os grandes conglo-merados transnacionais e presses nacionalistas ex-ternas e internas; - liberalizao e abertura da poltica externa bra-sileira versus presses conservadoras; - FMI, Banco Mundial, autonomia ou subordina-o poltica da Nova Repblica.

    g) Estado e Movimentos Populares - a liberalizao do Estado amplia os espaos de ao dos movimentos populares; - novas relaes de conflito e de presso se esta-belecem entre o Estado e a sociedade civil; - ampliam-se os mecanismos de legitimao da ordem liberal, atravs das prticas polticas (elei es) e sociais (polticas de bem-estar, assistncia); - descongelamento e desenvolvimento poltico da sociedade civil; - politizao generalizada das lutas e prticas so-ciais que testam e definem os limites da nova or-dem liberal.

    51

  • 8 Um mtodo prtico de fazer anlise de conjuntura com os movimentos populares: a representao da conjuntura

    urna forma concreta de se fazer urna anlise de conjuntura em reunies organizadas com os

    movimentos populares a de representar a situa-o atravs de um exerccio de "teatro" realizado pelos prprios participantes. Este mtodo j foi aplicado em vrias situaes com xito porque possibilitou uma reflexo coletiva sobre a reali-dade.

    Os passos para se organizar esse tipo de anlise seriam os seguintes: 1. Levantar as grandes questes do momento e list-Ias num quadro-negro, com a participao de todos. 2. Identificar e selecionar as foras sociais que esto diretamente envolvidas nestas grandes ques-tes. 3. Identificar e selecionar os atares (pessoas, lide-ranas) que representam estas foras sociais. 4. Escolher entre os participantes as pessoas que iro representar estes atares sociais. 5. Dispor estas pessoas num palco improvisado e organizar um debate "pblico e aberto" entre esses atares como se estivessem falando para o

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  • conjunto do pas, debatendo suas idias e confron-tando suas posies. 6. O debate ser livre e sem nenhum tipo de dire-o e de interveno do plenrio. Pode ter um tempo de 20 minutos e ser interrompido para que logo depois se faa uma avaliao do que "aconteceu" na representao e comparar isso com o que acontece na realidade.

    As experincias realizadas com este m-todo foram muito interessantes tanto pelo que foi produzido como anlise coletiva da conjuntura, como pela tomada de conscincia dos participantes sobre o seu nvel de informao e conhecimento da realidade. A representao reveladora tambm das atitudes bsicas que temos sobre as diferentes foras sociais que atuam na luta poltica e o quan-to estamos ou somos influenciados pela informa-o e ideologia dominantes.

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  • CapaLombadaFicha tcnicaSumrioIntroduo1 Algumas categorias para a anlise da conjuntura2 Sistema do capital mundial. Dados gerais3 Sistema do poder poltico transnacionalizado4 Formas de controle poltico5 Estratgias em jogo6 Quadro atual7 Campos de confronto8 Um mtodo prtico de fazer anlise de conjuntura com os movimentos populares :a representao da conjunturaContra capa