Herbivoria Em Dois Ambientes Com Alta e Baixa Disponibilidade de Nutrientes e Água

  • Upload
    darosaf

  • View
    20

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1Curso de Ps-Graduao em Ecologia - Universidade de So Paulo

    INTRODUOOs danos causados por herbvoros representam uma forte presso seletiva para as plantas (Stamp, 2003). A resposta das plantas frente herbivoria geralmente espcie-especfica, sendo influenciada tanto pelos custos gerados pela herbivoria quanto pelos custos envolvidos na proteo dos tecidos. Duas das principais estratgias de defesa contra herbivoria utilizadas pelas plantas so a produo de metablitos secundrios e o investimento em alta taxa de crescimento (Pugnaire & Valladares, 2007). Os metablitos secundrios reduzem signifi-cativamente a incidncia de herbivoria, mas a pro-duo destes compostos envolve alto investimento energtico por parte da planta (Jolivet, 1998). Em ambientes com alta disponibilidade de recursos, as plantas podem investir tambm no crescimento, de forma que crescem em taxa superior taxa de consumo por herbvoros e, assim, no investem na produo de defesas.

    Duas hipteses tratam do efeito da disponibili-dade de recursos no ambiente sobre a herbivoria. A primeira delas, conhecida como hiptese da disponibilidade de recurso (HDR), prope que, em ambientes com baixa disponibilidade de recursos, as plantas tendem a apresentar baixa taxa de crescimento e alta longevidade das folhas. Dado o alto custo envolvido na reposio de tecidos, plantas de ambientes com baixa disponibilidade de recursos investiriam mais em estratgias de

    RESUMO: A hiptese da disponibilidade de recurso (HDR) prope que, em ambientes com baixa disponibilidade de recursos, a herbivoria seria menor. Por outro lado, a hiptese do estresse (HE) pos-tula que, em ambientes com baixa disponibilidade de recursos, a herbivoria seria maior. Considerando essas hipteses contrastantes, comparamos a herbivoria em ambientes com alta e baixa disponibilidade de recursos. Dado que o costo rochoso apresenta concavidades no solo que permitem o acmulo de serapilheira e gua, este ambiente foi considerado como tendo maior disponibilidade de recursos do que a restinga. Calculamos o ndice de herbivoria para cinco espcies de plantas que ocorrem nos dois ambientes. A herbivoria mdia foi maior no costo rochoso do que na restinga, o que corrobora a HDR e sugere que plantas da restinga investem mais em defesa, uma vez que a reposio de tecidos deve ser mais custosa neste ambiente.

    PALAVRAS-CHAVE: alocao de recursos, dano foliar, hiptese da disponibilidade de recursos, hi-ptese do estresse

    Catalina Zuluaga, Daniel Sartor, Juliana Correia, Mauro Sugawara & Isabelly Silva

    Herbivoria em dois ambientes com alta e baixa disponibilidade de nutrientes e gua

    defesa como forma de minimizar danos causados por herbvoros (Coley & Barone, 1996). A HDR prope uma relao inversa entre disponibilidade de recursos e investimento em defesa A segunda hiptese, conhecida como hiptese do estresse (HE), postula que plantas sob estresse fisiolgico reduzem a sntese proteica e, portanto, possuem mais aminocidos nos tecidos. Alm disso, plantas estressadas teriam menor capacidade de produzir defesas, pois investiriam energia e recursos prin-cipalmente na manuteno da homeostase (White, 1984). A combinao entre folhas mais nutritivas e baixa defesa faria com que plantas sob estresse fossem mais vulnerveis herbivoria (Price, 1991). Tendo em vista que a baixa disponibilidade de alguns recursos, tais como gua ou nutrientes no solo, pode ser estressante (Pugnaire & Valladares, 2007), plantas em ambientes com baixa disponi-bilidade de recursos deveriam apresentem maior herbivoria.

    O objetivo deste trabalho foi comparar a herbivoria em dois ambientes com diferentes disponibilidades de nutrientes e gua. Testamos duas hipteses alternativas: (1) de acordo com a HDR, as plan-tas do ambiente com menor disponibilidade de recursos sero menos consumidas por herbvoros e, (2) de acordo com a HE, as plantas do ambiente com menor disponibilidade de recursos sero mais consumidas por herbvoros.

  • 2Curso de Ps-Graduao em Ecologia - Universidade de So Paulo

    MATERIAL & MTODOS

    rea de estudo e coleta de dados

    Realizamos o estudo na praia da Barra do Una, no municpio de Perube, localizado no litoral sul do estado de So Paulo. Coletamos dados em dois am-bientes: uma rea de restinga e um costo rochoso. Nossa premissa que o costo rochoso apresenta maior disponibilidade de recursos, dado que exis-tem concavidades no solo que acumulam nutrientes e gua. Por outro lado, o solo da restinga, por ser muito arenoso, apresenta baixa disponibilidade de nutrientes e gua na superfcie. Em relao s condies ambientais, tais como temperatura e umidade, os dois ambientes podem ser conside-rados similares.

    Em cada ambiente, amostramos plantas de cinco famlias diferentes de modo a minimizar o efeito da dependncia filogentica entre as espcies: Schinus terebinthifolius (Anacardiaceae), Tibouchina cla-vata (Melastomataceae), Guapira opposita (Nyc-taginaceae), Clusia criuva (Clusiaceae) e Myrsine parvifolia (Myrsinaceae). Coletamos amostras de cinco indivduos de cada espcie na restinga e cinco no costo. Os indivduos amostrados de uma mesma espcie estavam a pelo menos a 5 m de dis-tncia um do outro. Para cada indivduo, sorteamos cinco ramos e coletamos, de cada ramo, a terceira e quinta folha a partir do pice. Para espcies com folhas opostas, sorteamos entre as folhas 3-4 e 5-6.

    Usamos o mtodo proposto por Dirzo & Dominguez (1995) para estimar o ndice de herbivoria (IH) em todas as folhas coletadas. Adotamos esse mtodo por ser rpido e eficiente, permitindo a anlise de grande quantidade de folhas em pouco tempo. Clas-sificamos as folhas de cada indivduo visualmente em seis categorias (Tabela 1), sendo o IH de cada indivduo a mdia dos valores das categorias para as 10 folhas amostradas.

    Tabela 1. Categorias utilizadas para calcular o ndice de herbivoria de Dirzo & Domnguez (1995).

    Categoria % de rea foliar consumida0 01 0,1-6,02 6,1-12,03 12,1-25,04 25,1-50,05 > 50

    Anlise de dados

    Calculamos o IH para cada uma das espcies e, em seguida, calculamos a mdia geral do IH dos indivduos na restinga e no costo rochoso. A diferena entre o IH de cada ambiente foi nossa estatstica de interesse. Testamos a diferena do IH do costo e da restinga contra um cenrio nulo, gerado a partir de 10.000 aleatorizaes dos IHs dos indivduos dentro de cada espcie. Calculamos a probabilidade de encontrar valores iguais ou maiores do que a diferena observada, rejeitando a hiptese nula caso a probabilidade calculada fosse menor do que 5%.

    RESULTADOSDas cinco espcies amostradas, apenas S. terebin-thifolius no apresentou diferena no IH entre os ambientes (p = 0,158). As demais espcies apre-sentaram IH maior no costo do que na restinga (T. clavata: p = 0,010; G. opposita: p = 0,013; C. criuva: p = 0,022; M. parvifolia: p = 0,012; Figura 1). A mdia ( DP) do IH foi maior no costo rochoso (2,356 0,840) em relao restinga (1,204 0,358; p < 0,001; Figura 2).

    Figura 2. Boxplot do ndice de herbivoria na restinga e no costo rochoso. As linhas em negrito representam as mdias, o retngulo representa o limite do primeiro e terceiro quantil, as linhas tracejadas representam os desvios padres e os asteriscos representam pontos extremos.

    Figura 1. Mdia do ndice de herbivoria (IH) de cada uma das espcies na restinga e no costo rochoso. As linhas conectam os IHs de uma mesma espcie; a linha tracejada representa a espcie em que o IH foi maior na restinga e as linhas contnuas representam as espcies em que o IH foi maior no costo.

  • 3Curso de Ps-Graduao em Ecologia - Universidade de So Paulo

    DISCUSSOOs resultados obtidos aqui para cinco espcies de planta indicam que a herbivoria maior no costo rochoso do que na restinga. Essa relao inversa entre disponibilidade de recursos e herbivoria est de acordo com a hiptese da disponibilidade de recursos (HDR). Vale ressaltar, entretanto, que a HDR foi proposta inicialmente com base em um estudo que avaliou o efeito da disponibilidade de luz sobre a herbivoria. Partindo da premissa que a intensidade luminosa na restinga e no costo rochoso semelhante e que a principal diferena entre os dois ambientes a disponibilidade de nutrientes, mostramos que a HDR tambm pode ser aplicada para plantas em reas com diferentes disponibilidades de nutrientes no solo e no apenas para a intensidade luminosa. Fine et al. (2004) tambm avaliaram o efeito da disponibilidade de nutrientes sobre a produo de defesas das plantas em uma rea da floresta Amaznica. Os autores encontraram que plantas em ambientes pobres em nutrientes (solos arenosos) tendem a investir mais em defesa qumica do que plantas em ambientes ricos em nutrientes (solos argilosos). Esse inves-timento diferencial estaria relacionado ao elevado custo de produzir novos tecidos em ambientes com baixa disponibilidade de recursos.

    Folhas em expanso concentram trs vezes mais metablitos secundrios do que folhas maduras, ou seja, mais custoso produzir folhas novas do que manter folhas maduras (Coley & Barone, 1996). Alm de serem menos custosas, folhas maduras sofrem menos herbivoria do que folhas novas, pois possuem menor quantidade de nitrognio e gua e so menos palatveis (Coley & Borone, 1996). Uma defesa eficiente contra a hebivoria seria, portanto, o investimento em defesas nas folhas novas. Su-gerimos que a menor incidncia de herbivoria nos indivduos que ocorrem na restinga seja resultado do maior investimento em defesas em folhas novas. No entanto, como nosso estudo avaliou apenas os danos foliares em geral, so necessrios estudos futuros que comprovem que o mecanismo ligado ao padro encontrado resultado de um maior investimento em defesa qumica dos indivduos da restinga.

    Alm das respostas particulares da planta herbivoria, h mais processos que podem estar envolvidos no padro de herbivoria encontrado. Caso a abundncia das plantas estudadas varie muito de um ambiente para o outro, esperado que a herbivoria seja maior no ambiente em que a planta mais frequente, simplesmente pela maior probabilidade de encontro do herbvoro. Por outro

    lado, a abundncia de herbvoros tambm pode va-riar entre os ambientes estudados. esperado que no ambiente com maior abundncia de herbvoros, a herbivoria seja maior. Assim, estudos adicionais so necessrios para confirmar quais fatores expli-cam o padro de herbivoria encontrado.

    REFERNCIASColey, P.D & T.A. Mitchell. 1991. Comparison of

    herbivory and plant defense in temperate and tropical broad-leaved forest, pp. 26-49. Em: Plant-animal interactions: evolutionary ecology in tropical and temperate regions (P.W. Price, T.M. Lewinsohn, G.W. Fernandes & W.W. Benson, eds.).

    Coley, P.D. & J.A. Barone. 1996. Herbivory and plant defenses in tropical forests. Annual Review of Ecology and Systematics, 27:305-335.

    Dirzo, R. & C. Domingues. 1995. Plant-animal interection in Mesoamerican tropical dry forest. Seasonally dry tropical forests (S.H. Bullock, H.A. Mooney & E. Medina, eds.). Cambridge University Press, Cambridge.

    Fine, P.V.A.; I. Mesones & P.D. Coley. 2004. Her-bivores promote habitat specialization by trees in Amazonian forests. Science, 305:663-665.

    Jolivet, P. 1998. Interrelationship between insects and plants. Library of Congress, Washington.

    Price, P.W. 1991. The plant vigor hypothesis and herbivore attack. Oikos, 62:244-251.

    Pugnaire, F.I. & F. Valladares 2007. Plant ecology. CRC Press, Boca Raton.

    Richards, L.A. & P.D. Coley. 2007. Seasonal and habitat differences affect the impact of food and predation on herbivores: a comparison between gaps and understory of a tropical forest. Oikos, 116:31- 40.

    Stamp, N. 2003. Out of the quagmire of plant defense hypotheses. The Quartely Review of Biology, 78:23-55.

    White, T.C. 1984. The abundance of invertebra-te herbivores in relation of the availability of nitrogen in stressed food plants. Oecologia, 63:93-105.

    Orientador: Braulio Almeida Santos

    _GoBack