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Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VIII África desde 1935 UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos EDITOR ALI A. MAZRUI EDITOR ASSISTENTE C. WONDJI

HGA I

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  • 1. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da frica HISTRIA GERAL DA FRICA VIII frica desde1935 UNESCO Representao no BRASIL Ministrio da Educao do BRASIL Universidade Federal de So Carlos EDITOR ALI A. MAZRUI EDITOR ASSISTENTE C. WONDJI

2. HISTRIA GERAL DA FRICA Viii frica desde 1935 Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da frica 3. Coleo Histria Geral da frica da UNESCO Volume I Metodologia e pr-histria da frica (Editor J. Ki-Zerbo) Volume II frica antiga (Editor G. Mokhtar) Volume III frica do sculo VII ao XI (Editor M. El Fasi) (Editor Assistente I. Hrbek) Volume IV frica do sculo XII ao XVI (Editor D. T. Niane) Volume V frica do sculo XVI ao XVIII (Editor B. A. Ogot) Volume VI frica do sculo XIX dcada de 1880 (Editor J. F. A. Ajayi) Volume VII frica sob dominao colonial, 1880-1935 (Editor A. A. Boahen) Volume VIII frica desde 1935 (Editor A. A. Mazrui) (Editor Assistente C. Wondji) Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bemcomopelasopiniesneleexpressas,quenosonecessariamenteasdaUNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. 4. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da frica HISTRIA GERAL DA FRICA Viii frica desde 1935 EDITOR Ali A. Mazrui Editor Assistente Christophe Wondji Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura 5. Histria geral da frica, VIII: frica desde 1935 / editado por Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. Braslia : UNESCO, 2010. 1272 p. ISBN: 978-85-7652-130-3 1. Histria 2. Histria contempornea 3. Histria africana 4. Culturas africanas 5. frica I. Mazrui, Ali A. II. Wondji, Christophe III. UNESCO IV. Brasil. Ministrio da Educao V. Universidade Federal de So Carlos Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a Representao da UNESCO no Brasil, a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao do Brasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). Ttulo original: General History of Africa, VIII: Africa since 1935. Paris: UNESCO; Berkley, CA: University of California Press; London: Heinemann Educational Publishers Ltd., 1993. (Primeira edio publicada em ingls). UNESCO 2010 Coordenao geral da edio e atualizao: Valter Roberto Silvrio Tradutores: Lus Hernan de Almeida Prado Mendoza Reviso tcnica: Kabengele Munanga Preparao de texto: Eduardo Roque dos Reis Falco Projeto grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaa e Paulo Selveira / UNESCO no Brasil Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) Representao no Brasil SAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar 70070-912 Braslia DF Brasil Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61) 3322-4261 Site: www.unesco.org/brasilia E-mail: [email protected] Ministrio da Educao (MEC) Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC) Esplanada dos Ministrios, Bl. L, 2 andar 70047-900 Braslia DF Brasil Tel.: (55 61) 2022-9217 Fax: (55 61) 2022-9020 Site: http://portal.mec.gov.br/index.html Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) Rodovia Washington Luis, Km 233 SP 310 Bairro Monjolinho 13565-905 So Carlos SP Brasil Tel.: (55 16) 3351-8111 (PABX) Fax: (55 16) 3361-2081 Site: http://www2.ufscar.br/home/index.php Impresso no Brasil 6. SUMRIO Apresentao....................................................................................VII Nota dos tradutores............................................................................IX Cronologia........................................................................................XI Lista de Figuras..............................................................................XIII Prefcio...........................................................................................XIX Apresentao do Projeto..................................................................XXV Introduo........................................................................................... 1 Captulo 1 Introduo.............................................................................. 1 Sesso I A frica na dcada de conflitos mundiais 19351945........ 31 Captulo 2 O chifre da frica e a frica setentrional............................ 33 Captulo 3 A frica tropical e a frica equatorial sob domnio francs, espanhol e portugus............................................... 67 Captulo 4 A frica sob domnio britnico e belga................................ 89 Sesso II A luta pela soberania poltica, de 1945 s Independncias................................................................ 123 Captulo 5 Procurai primeiramente o reino poltico........................... 125 Captulo 6 A frica setentrional e o chifre da frica........................... 151 Captulo 7 A frica ocidental.............................................................. 191 Captulo 8 A frica Equatorial do oeste............................................. 229 Captulo 9 A frica Oriental............................................................... 261 Captulo 10 A frica Austral.............................................................. 295 7. VI frica desde 1935 Sesso III O Subdesenvolvimento e a Luta pela Independncia Econmica...................................................................... 335 Captulo 11 As mudanas econmicas na frica em seu contexto mundial (19351980)....................................................... 337 Captulo 12 A agropecuria e o desenvolvimento rural....................... 377 Captulo 13 O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano.... 429 Captulo 14 Estratgias comparadas da descolonizao econmica..... 471 SESSO IV Evoluo sociopoltica aps as independncias............... 517 Captulo 15 Construo da nao e evoluo das estruturas polticas............................................................................ 519 Captulo 16 Construo da nao e evoluo dos valores polticos..... 565 Sesso v Mudanas socioculturais aps 1935................................. 603 Captulo 17 Religio e evoluo social................................................. 605 Captulo 18 Lngua e evoluo social.................................................. 631 Captulo 19 O desenvolvimento da literatura moderna....................... 663 Captulo 20 As artes e a sociedade aps 1935..................................... 697 Captulo 21 Tendncias da filosofia e da cincia na frica.................. 761 Captulo 22 Educao e mudana social.............................................. 817 Sesso VI O Panafricanismo: libertao e integrao a partir de 1935..................................................................................... 847 Captulo 23 A frica e a dispora negra............................................. 849 Captulo 24 O Panafricanismo e a Integrao Regional.................... 873 Captulo 25 Panafricanismo e libertao............................................ 897 Sesso VII A frica independente em meio aos assuntos mundiais... 925 Captulo 26 A frica e os pases capitalistas....................................... 927 Captulo 27 A frica e os pases socialistas......................................... 965 Captulo 28 A frica e as regies em vias de desenvolvimento......... 1003 Captulo 29 A frica e a Organizao das Naes Unidas............... 1053 Captulo 30 O horizonte 2000.......................................................... 1095 Posfcio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990.................. 1133 Cronologia dos fatos relevantes............................................................. 1143 Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redao de uma Histria Geral da frica...................................................... 1157 Dado biogrficos dos autores do volume VIII...................................... 1159 Abreviaes e listas de peridicos.......................................................... 1167 Referncias bibliogrficas...................................................................... 1169 ndice remissivo..................................................................................... 1241 8. VIIAPRESENTAO Outra exigncia imperativa de que a histria (e a cultura) da frica devem pelo menos ser vistas de dentro, no sendo medidas por rguas de valores estranhos... Mas essas conexes tm que ser analisadas nos termos de trocas mtuas, e influncias multilaterais em que algo seja ouvido da contribuio africana para o desenvolvimento da espcie humana.J.Ki-Zerbo, Histria Geral da frica, vol. I, p. LII. A Representao da UNESCO no Brasil e o Ministrio da Educao tm a satis- fao de disponibilizar em portugus a Coleo da Histria Geral da frica. Em seus oito volumes, que cobrem desde a pr-histria do continente africano at sua histria recente, a Coleo apresenta um amplo panorama das civilizaes africanas. Com sua publicao em lngua portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar para uma nova leitura e melhor compreenso das sociedades e culturas africanas, e demons- trar a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo. Cumpre-se, tambm, o intuito de contribuir para uma disseminao, de forma ampla, e para uma viso equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da frica para a humanidade, assim como para o estreitamento dos laos histricos existentes entre o Brasil e a frica. O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas contidos nesta Coleo se reveste de significativa importncia. Apesar de passados mais de 26 anos aps o lana- mento do seu primeiro volume, ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundial- mente reconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de trinta anos por mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um comit cientfico internacional constitudo por 39 intelectuais, dos quais dois teros africanos. A imensa riqueza cultural, simblica e tecnolgica subtrada da frica para o conti- nente americano criou condies para o desenvolvimento de sociedades onde elementos europeus, africanos, das populaes originrias e, posteriormente, de outras regies do mundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas recentemente, tem- se considerado o papel civilizatrio que os negros vindos da frica desempenharam na formao da sociedade brasileira. Essa compreenso, no entanto, ainda est restrita aos altos estudos acadmicos e so poucas as fontes de acesso pblico para avaliar este complexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do continente africano. APRESENTAO 9. VIII frica desde 1935 A publicao da Coleo da Histria Geral da frica em portugus tambm resul- tado do compromisso de ambas as instituies em combater todas as formas de desigual- dades, conforme estabelecido na declarao universal dos direitos humanos (1948), especialmente no sentido de contribuir para a preveno e eliminao de todas as formas de manifestao de discriminao tnica e racial, conforme estabelecido na conveno internacional sobre a eliminao de todas as formas de discriminao racial de 1965. Para o Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a cooperao econ- mica e o intercmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa mais um passo importante para a consolidao da nova agenda poltica. A crescente aproximao com os pases da frica se reflete internamente na crescente valorizao do papel do negro na sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no pas e a educao para as relaes tnicas e raciais ganhou maior relevncia com a Constituio de 1988. O reconhecimento da prtica do racismo como crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileira de superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorizao da contribuio africana quando, por meio da alterao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e com a aprovao da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria e da cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica. Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade brasileira por criar, via currculo escolar, um espao de dilogo e de aprendizagem visando estimular o conheci- mento sobre a histria e cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negros no Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas diferentes reas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo, para dar acesso a negros e no negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenas socioculturais presentes na formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento, reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e racial brasileira. Nessa perspectiva,a UNESCO e o Ministrio da Educao acreditam que esta publica- o estimular o necessrio avano e aprofundamento de estudos,debates e pesquisas sobre a temtica, bem como a elaborao de materiais pedaggicos que subsidiem a formao inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos.Objetivam assim com esta edio em portugus da Histria Geral da frica contribuir para uma efetiva educao das relaes tnicas e raciais no pas,conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da Histria e Cultura Afro- brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educao. Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano. Vincent Defourny Fernando Haddad Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao do Brasil 10. IXNOTA DOS TRADUTORES NOTA DOS TRADUTORES A Conferncia de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife- rente daquele que motivou as duas primeiras conferncias organizadas pela ONU sobre o tema da discriminao racial e do racismo: em 1978 e 1983 em Genebra, na Sua, o alvo da condenao era o apartheid. A conferncia de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas,entre os quais vale destacar a avaliao dos avanos na luta contra o racismo, na luta contra a discriminao racial e as formas correlatas de discriminao; a avaliao dos obstculos que impedem esse avano em seus diversos contextos; bem como a sugesto de medidas de combate s expresses de racismo e intolerncias. Aps Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o equacionamento da questo social na agenda do governo federal a implementao de polticas pblicas para a eliminao das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescen- dente padece, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importante das recomendaes da conferncia para os Estados Nacionais e organismos internacionais. No que se refere educao, o diagnstico realizado em novembro de 2007, a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao (SECAD/ MEC),constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan- tes, que concordavam, no tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixo grau de institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional.Entre 11. X frica desde 1935 os fatores assinalados para a explicao da pouca institucionalizao da lei estava a falta de materiais de referncia e didticos voltados Histria de frica. Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponveis sobre a Histria da frica, havia um certo consenso em afirmar que durante muito tempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e eurocntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especial- mente sua histria, uma histria quase inexistente para muitos at a chegada dos europeus e do colonialismo no sculo XIX. Rompendo com essa viso,a Histria Geral da frica publicada pela UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a melhor compreenso das sociedades e cul- turas africanas e demonstrar a importncia das contribuies da frica para a histria do mundo.Ela nasceu da demanda feita UNESCO pelas novas naes africanas recm-independentes,que viam a importncia de contar com uma his- tria da frica que oferecesse uma viso abrangente e completa do continente, para alm das leituras e compreenses convencionais. Em 1964, a UNESCO assumiu o compromisso da preparao e publicao da Histria Geral da frica. Uma das suas caractersticas mais relevantes que ela permite compreender a evoluo histrica dos povos africanos em sua relao com os outros povos. Contudo, at os dias de hoje, o uso da Histria Geral da frica tem se limitado sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos usada pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos motivos desta limitao era a ausncia de uma traduo do conjunto dos volumes que compem a obra em lngua portuguesa. A Universidade Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de Estudos Afrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho de traduo e atualizao ortogrfica do conjunto dos volumes, agradece o apoio da Secretaria de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade (SECAD), do Ministrio da Educao (MEC) e da UNESCO por terem propiciado as condies para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer e ter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legado do continente africano para nossa formao social e cultural. 12. XICronologia Na apresentao das datas da pr-histria convencionou-se adotar dois tipos de notao, com base nos seguintes critrios: Tomando como ponto de partida a poca atual, isto , datas B.P. (before present), tendo como referncia o ano de + 1950; nesse caso, as datas so todas negativas em relao a + 1950. Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as datas so simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz respeito aos sculos,as menes antes de Cristoe depois de Cristoso substitudas por antes da Era Crist, da Era Crist. Exemplos: (i) 2300 B.P. = -350 (ii) 2900 a.C. = -2900 1800 d.C. = +1800 (iii) sculo V a.C. = sculo V antes da Era Crist sculo III d.C. = sculo III da Era Crist Cronologia 13. XIIILista de Figuras Lista de Figuras Figura 1.1 Mapa poltico da frica em 1935...........................................................................5 Figura 1.2 Diante da Sociedade das Naes, o imperador Hail Selassi elevase contra a agresso da Etipia pela Itlia.................................................................................9 Figura 1.3 Em 11 de dezembro de 1960, no bairro de Salembier, em Alger, jovens manifestantes levantam pela primeira vez a bandeira verde e branca da Frente de Libertao Nacional (FLN)...................................................................26 Figura 2.1 O avano das tropas italianas na Abissnia...........................................................49 Figura 2.2 A Frana em combate no deserto da Tripolitnia.................................................51 Figura 2.3 Sayyd Abd alRahman alMahdi em sua partida rumo a Londres, no dia 15 de julho de 1937....................................................................................61 Figura 3.1 Conferncia de Brazzaville, em fevereiro de 1944................................................85 Figura 4.1 Pea de artilharia antiarea manobrada por soldados africanos durante a Segunda Guerra Mundial....................................................................................113 Figura 4.2 O dia da independncia da Suazilndia: o chefe Sobhuza II, o Leo da Suazilndia, passa em revista as suas tropas.....................................118 Figura 5.1 Dedan Kimathi, heri do combate dos maumau pela independncia, capturado em 21 de outubro de 1956 e em seguida executado............................135 Figura 5.2 Argelinos presos durante os levantes de 8 de maio de 1945 na Kabylie.............137 Figura 5.3 Kwame Nkrumah na aurora da independncia de Gana, no Old Polo Ground em 5 de maro de 1957..........................................................................141 Figura 6.1 Congresso do NoDestour em novembro de 1955. No centro, Habib Bouguiba.................................................................................157 Figura 6.2 Em 20 de setembro de 1959, Messali Hadj aprovou a declarao do general de Gaulle a propsito da Arglia............................................................162 Figura 6.3 Farhat Abbas dirigindose multido na ocasio de uma manifestao em Casablanca, em 9 de julho de 1961, na presena do rei Hassan II......................164 14. XIV frica desde 1935 Figura 6.4 PortSad, na zona do canal: a destruio causada pela guerra de 1956..............175 Figura 7.1 Obafemi Awolowo da Nigria, lder do Action Group Part, fundado em 1950....200 Figura 7.2 Nnamdi Azikiwe, governadorgeral da Nigria, acompanhado do duque de Devonshire, em Londres, no dia 10 de julho de 1961.........................................201 Figura 7.3 Congresso do RDA em Bamako, no ano de 1946. direita, Flix HouphoutBoigny; esquerda, Gabriel dArboussier........................................210 Figura 7.4 Sylvanus Olympio, presidente do Togo, proclamando a independncia do seu pas, em 27 de abril de 1960..........................................................................214 Figura 7.5 Mulheres combatentes do Partido Africano da Independncia da Guin e Cabo Verde (PAICG)..........................................................................................221 Figura 7.6 William Tubman, presidente da Libria, em setembro de 1956.........................225 Figura 8.1 Kigere V, ltimo rei do Ruanda..........................................................................254 Figura 8.2 Da esquerda para a direita: Joseph Kasavubu, presidente do Congo, o primeiroministro Patrice Lumumba, e o rei da Blgica, Baudouin, em Lopoldville, Congo, em junho de 1960........................................................258 Figura 8.3 Trs dos chefes da Unio das Populaes de Camares (UPC). Da esquerda para a direita: Ernest Ouandi, Flix Roland Moumi e Abel Kingu.........................................................................................................258 Figura 9.1 O rei Mutesa II, kabaka do Buganda, exilado em Londres.................................272 Figura 9.2 Julius K. Nyerere, presidente da Tanganyika African National Union (TANU)...............................................................................................................276 Figura 9.3 Jomo Kenyatta, presidente do Kenya African Union (KAU), em 1946 ou 1947................................................................................................................280 Figura 9.4 O campo de deteno de Langata, aberto pelos britnicos durante a revolta dos maumau, em abril de 1954..........................................................................282 Figura 10.1 Principais recursos minerais da frica do Sul...................................................296 Figura 10.2Robert Mangaliso Sobukwe, presidente e fundador do PanAfrican Congress (PAC), em 1963................................................................................309 Figura 10.3 Massacre de Sharpeville, na frica do Sul, em 28 de maro de 1960................309 Figura 10.4No centro: Eduardo Chivanbo Mondlane, fundador e primeiro presidente da Frente de Libertao de Moambique (FRELIMO), em 1962...................315 Figura 10.5Seretse Khama, prncipe herdeiro do Bamangwato, exilado na GrBretanha, com a sua esposa inglesa, Ruth Williams, e a sua filha, em maro de 1952......317 Figura 10.6Da esquerda para a direita: Sally Mugabe; o primeiroministro Robert Mugabe, o presidente, rev. Canaan Banama, e o vicepresidente, Simon Muzenda, fotografados em 1980, ano da independncia do Zimbbue............323 Figura 10.7 Destacamento da South West Africa Peoples Organization (SWAPO)..........325 Figura 11.1 As reivindicaes territoriais da Itlia na frica (planos de 1940)...................343 Figura 11.2Conferncia da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP), em Viena, no dia 21 de novembro de 1973......................................................351 Figura 11.3O financiamento dos bens de equipamento na frica negra de expresso francesa e em Madagascar, 19461973 (em bilhes de francos CFA constantes em 1960).........................................................................................353 15. XVLista de Figuras Figura 11.4 Os lucros da SCOA, 19101960.......................................................................356 Figura 11.5Investimento e poupana na frica, 19601983, com exceo dos pases exportadores de petrleo...................................................................................365 Figura 11.6Bernardo Vieira, presidente da Guin Bissau, durante encontro com M. A. Queredi, primeiro vicepresidente do Banco Mundial, em outubro de 1988....367 Figura 11.7Organizaes regionais e subregionais em prol da cooperao e da integrao..........................................................................................................369 Figura 12.1 Trabalhadora rural no Marrocos.......................................................................382 Figura 12.2O risco de desertificao na frica, segundo a Conferncia das Naes Unidas sobre a Desertificao, 1977..................................................................401 Figura 12.3 A seca na Arglia, em 1947: carneiros diante de um bebedouro vazio.............402 Figura 12.4Repartio do plantel bovino na frica. Mapa secundrio: principais zonas contaminadas pela mosca tsets.......................................................................405 Figura 12.5 Composio dos fluxos migratrios internacionais da mo de obra africana....408 Figura 12.6 Principais exploraes minerais na frica.........................................................422 Figura 12.7 Repartio das culturas com fim comercial na frica.......................................423 Figura 13.1Usina txtil de processamento de algodo em Mahana, no norte do Egito......447 Figura 13.2 Ondo: uma cidade prcolonial........................................................................463 Figura 13.3Bidonvilles: a. em Lagos; b. Mathare Valley, em Nairbi; c. Belcourt, em Alger.........................................................................................467 Figura 14.1Evoluo na produo alimentcia por habitante: para o conjunto do mundo, PMA e frica (base = 19741976)...................................................................480 Figura 14.2 Repartio regional dos MULPOC...........................................................................492 Figura 14.3 Agrupamentos econmicos regionais na frica.......................................................493 Figura 14.4 Malha rodoviria projetada para a frica do Oeste, CEA/CEDEAO.............494 Figura 14.5Zona de Comrcio Preferencial na frica Oriental e Meridional: projetos de autoestradas..................................................................................................496 Figura 14.5 A barragem de Jinja, em Uganda......................................................................513 Figura 14.6Em cima: a barragem de Akosombo, em Gana. Embaixo: a grande barragem de Kariba, no Zimbabwe...................................................................514 Figura 15.1 Rei Mutesa II, o ltimo kabaka de Buganda, trajando uniforme militar...........521 Figura 15.2Segundo Encontro de Estados Magrebinos, em Marrakesh, 15 e 16 de fevereiro, 1989.................................................................................526 Figura 16.1 Franz Fanon, autor francs nascido na Martinica.............................................572 Figura 16.2 Chegada de Ahmed Ben Bella na Arglia em 5 de julho de 1962...................580 Figura 16.3Amilcar Cabral, presidente do PAIGC, na frente militar oriental da Guin Bissau.....................................................................................................582 Figura 16.4Tom Mboya, antigo dirigente sindical e ministro do Planejamento Econmico do Qunia, assassinado em 1969....................................................589 Figura 16.5 Ahmed Skou Tour, presidente da Repblica da Guin de 1958 a 1984........594 Figura 17.1Repartio do cristianismo, do isl e da religio tradicional africana na frica, segundo estimativas de cada religio.....................................................609 16. XVI frica desde 1935 Figura 17.2Por ocasio de um encontro de telogos do Terceiro Mundo, no Cairo, membros da AOTA visitam o patriarca da Igreja copta do Egito....................615 Figura 17.3Shaykh Ahmadu Bamba, dirigente dos mouros do Senegal, com os seus talaba.............................................................................................618 Figura 17.4O congols Simon Kimbangu detido pelas autoridades belgas em lisabethville (Lubumbashi).............................................................................625 Figura 18.1 Repartio das lnguas oficiais na frica...........................................................638 Figura 19.1 Um gri, tradicional contador de histrias africano..........................................664 Figura 19.2 esquerda: Aim Csaire, escritor francs da Martinica. direita: Lopold Sdar Senghor, do Senegal, membro da Academia Francesa..............666 Figura 19.3Wole Soyinka, da Nigria, recebendo o prmio Nobel de Literatura em dezembro de 1986.............................................................................................669 Figura 19.4Naguib Mahfuz, do Egito, laureado com o prmio Nobel de Literatura em outubro de 1988................................................................................................685 Figura 19.5Molara OgundipeLeslie, da Nigria, professora universitria, poeta, autora de escritos literrios, ensasta e crtica....................................................687 Figura 19.6 Andr Brink, da frica do Sul, escritor antiapartheid......................................692 Figura 20.1 Arte turstica ou arte dos aeroportos............................................................706 Figura 20.2 Arte maconde....................................................................................................708 Figura 20.3 Arteso trabalhando o zinco em Foumban, Camares......................................709 Figura 20.4Na parte superior: Iba Ndiaye, Senegal, com uma das suas pinturas. Na parte inferior: Kofi Antubam, Gana, com uma das suas esculturas.............715 Figura 20.5 Viteix, Angola, com uma das suas pinturas.......................................................717 Figura 20.6 A Orquestra de Fez, no Marrocos: uma orquestra de msica raboandaluz....730 Figura 20.7A cantora egpcia Umm Khulthum em um recital na cidade de Paris em 1967............................................................................................................732 Figura 20.8 Bal africano de Fodeba Keita...........................................................................737 Figura 20.9A arte africana e o cubismo. esquerda: trono real esculpido em madeira: o rei e a sua corte, Kana, Dahomey. direita: Le Prophte, escultura de Ossip Zadkine, 1914.........................................................................................758 Figura 21.1Cheikh Anta Diop, filsofo e fsico senegals, em seu laboratrio no IFAN, em Dakar, Senegal.................................................................................762 Figura 22.1Curso de fsica no Ateneu Real de Lopoldville, Congo belga (atualmente R. D. do Congo)...........................................................................819 Figura 22.2 Escola cornica na cidade de Lagos, na Nigria...............................................824 Grfico 22.1Taxa de escolaridade na frica, 19601980; taxas absolutas de escolaridade ajustadas por grau............................................................................................830 Grfico 22.2Taxa de escolaridade na frica, 19601980; taxas absolutas de escolaridade ajustadas por grau e por gnero.......................................................................830 Grfico 22.3Tendncias dos efetivos na escola primria na frica, 19601980, mostrando a populao em idade escolar primria e os efetivos do ensino primrio, em milhes, assim como as taxas absolutas de escolaridade ajustadas do primrio (em %)..........................................................................831 17. XVIILista de Figuras Figura 22.3 Parte superior: laboratrio de biologia em um instituto de pedagogia, Universidade de Lagos, na Nigria, 1968. Parte inferior: Instituto Politcnico do Qunia, 1968.................................................................................................837 Figura 23.1Algumas grandes figuras da dispora africana, clebres defensores da causa dos negros. Na parte superior, esquerda, George Padmore; na parte superior, direita, Paul Robeson e W. E. B. Du Bois; na parte inferior, esquerda, Marcus Garvey; na parte inferior, direita, Max Yergan..................................858 Figura 23.2 Malcolm X, portavoz apaixonado da luta pelos direitos dos negros................862 Figura 23.3O carnaval de Notting Hill, festival das comunidades antilhanas organizado anualmente nas ruas de Londres.......................................................................870 Figura 24.1Os quatro chefes de Estado do Conselho da Entente aps uma reunio no palcio do Eliseu, Paris, em abril de 1961. Da esquerda para a direita: o presidente de Daom (atual Benin) H. Maga, o presidente da Costa do Marfim F. Houphout Boigny, o presidente da Nigria H. Diori e o presidente de AltoVolta (atual Burkina Faso) M. Yameogo............................879 Figura 24.2Da esquerda para a direita: o presidente tanzaniano J. Nyerere, o presidente ugands A. M. Obote e o presidente queniano J. Kenyatta, por ocasio da assinatura do Tratado de Cooperao na frica do Leste, em Kampala, no ms de junho de 1967.......................................................................................881 Figura 25.1Quinto Congresso PanAfricano realizado em Manchester, Inglaterra, em outubro de 1945. Da direita para a esquerda, mesa diretora: Peter Milliard, Sra. Amy Jacques Garvey, o prefeito de Manchester e I. T. A. WallaceJohnson...............................................................................................898 Figura 25.2Discurso de abertura da primeira Conferncia dos Povos Africanos em Accra, Gana, em dezembro de 1958.................................................................902 Figura 25.3Na parte superior, esquerda: Dulcie September, representante do Congresso Nacional Africano (CNA) na Frana, assassinada em Paris no ms de maro de 1988. Na parte superior, direita: sulafricano Steve Biko, dirigente do Black Consciouness Movement, assassinado em setembro 1977. Na parte inferior, esquerda: Nelson Mandela, fotografado no incio dos anos 1960, antes da sua condenao priso perptua. Na parte inferior, direita: o chefe sulafricano Albert Luthuli, primeiro presidente do CNA, 19521960............909 Figura 26.1Conferncia francoafricana em La Baule, Frana, realizada em junho de 1990..................................................................................................................932 Figura 26.2Instalao de uma grfica no CICIBA, em Libreville, Gabo, realizada por tcnicos da Mitsubishi Corporation do Japo...................................................934 Figura 27.1O presidente chins Mao Tsetung encontra o presidente Kenneth Kaunda, da Zmbia, em Pequim, em fevereiro de 1974..................................................974 Figura 27.2Anastase Mikoyan, ministro das Relaes Exteriores da URSS, chega em Gana e recebe s boasvindas do presidente Kwame Nkrumah, em janeiro de 1962.............................................................................................................985 Figura 27.3TAZARA (ou Uhuru), estrada de ferro TanzniaZmbia, construda com a ajuda dos chineses. Instalao dos trilhos na fronteira entre a Tanznia e a Zmbia, em setembro de 1973, com a presena de autoridades chinesas e dos presidentes Julius Nyerere, da Tanznia, e Kenneth Kaunda, da Zmbia..........991 Figura 27.4 Tropas cubanas em Angola...............................................................................995 18. XVIII frica desde 1935 Figura 28.1Conferncia da Liga rabe e da Organizao para a Unidade Africana, no Cairo em 1977........................................................................................... 1026 Figura 28.2Fidel Castro, de Cuba, e o Grupo dos Setenta e Sete em Havana no dia 21 de abril 1987........................................................................................ 1037 Figura 28.3Da esquerda para a direita: J. B. Tiw, da Iugoslvia, A. Ben Bella, da Arglia, A. M. Obote, de Uganda e H. Bourguiba, da Tunsia, durante a segunda Conferncia dos pases no alinhados, no Cairo, de 5 a 10 de outubro de 1964.............................................................................................. 1046 Figura 28.4A quarta Conferncia dos Pases No Alinhados, em Alger, no ms de setembro de 1973............................................................................................ 1047 Figura 29.1A regio do Togo em 1919. Declarao francobritnica de 10 de julho de 1919 (segundo E. K. Kouassi).................................................................... 1056 Figura 29.2O CongoLopoldville, atual Repblica Democrtica do Congo (segundo E. K. Kouassi.)................................................................................................ 1062 Figura 29.3Acima, esquerda: Dag Hammarskjld ( esquerda), secretriogeral das Naes Unidas, e Joseph Kasavubu (sentado direita, de perfil), presidente do Congo, durante encontro em Lopoldville (atual Kinshasa) no dia 29 de julho de 1960. Acima, direita: M. Tshomb, primeiroministro da provncia secessionista do Katanga (Shaba), em lisabethville (Lubumbashi), no ms de agosto de 1960. Abaixo, esquerda: Patrice Lumumba, primeiroministro da Repblica do Congo, em julho de 1960. Abaixo, direita: o coronel J. D. Mobutu, chefe do exrcito congols, em setembro de 1960............................ 1067 Figura 29.4 A Arglia (segundo E. K. Kouassi)................................................................. 1073 Figura 29.5O senegals AmadouMahtar MBow, diretorgeral da UNESCO de 1974 a 1987.................................................................................................... 1087 Figura 29.6 O sistema das Naes Unidas......................................................................... 1091 Figura 29.7Sam Nujoma, primeiro presidente da Nambia, e Javier Prez de Cullar, secretriogeral das Naes Unidas, quando da proclamao da independncia da Nambia, em 21 de maro de 1990............................................................ 1093 Figura 30.1 esquerda: a liberiana Angie Brooks, presidente da Assembleia Geral das Naes Unidas em 19691970. direita: a princesa Elizabeth Bagaya, ministra das relaes exteriores de Uganda, fazendo uso da palavra perante a Assembleia Geral das Naes Unidas, em setembro de 1974......................... 1108 Figura 30.2 esquerda: a egpcia Jehan alSdt, eminncia na luta pelos direitos da mulher. direita: a sulafricana Winnie Mandela, militante do movimento contra o apartheid, em Joanesburgo, no ms de outubro de 1985................... 1111 Figura 30.3 O reator nuclear Triga (exZaire e atual R. D. do Congo, 1965).................... 1115 Figura 30.4 A desertificao do Sahel................................................................................ 1120 Figura 30.5 O desmatamento da frica............................................................................. 1121 19. Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espcie esconderam do mundo a real histria da frica. As sociedades africanas passavam por socie- dades que no podiam ter histria. Apesar de importantes trabalhos efetuados desde as primeiras dcadas do sculo XX por pioneiros como Leo Frobenius, Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande nmero de especialistas no- africanos, ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades no podiam ser objeto de um estudo cientfico, notadamente por falta de fontes e documentos escritos. Se a Ilada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como fontes essenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida, negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos que fornece, em suas vidas, a trama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a histria de grande parte da frica, recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendo uma viso no do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que se pensava que ele deveria ser. Tomando freqentemente a Idade Mdia europia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes sociais tanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno em referncia ao passado da Europa. Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram, atravs dos sculos, por Prefcio por M. Amadou - Mahtar MBow, Diretor Geral da UNESCO (1974-1987) 20. XX frica desde 1935 vias que lhes so prprias e que o historiador s pode apreender renunciando a certos preconceitos e renovando seu mtodo. Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado como uma entidade histrica. Em contrrio, enfatizava-se tudo o que pudesse refor- ar a idia de uma ciso que teria existido, desde sempre, entre uma frica branca e uma frica negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se frequentemente o Saara como um espao impenetrvel que tornaria impossveis misturas entre etnias e povos,bem como trocas de bens,crenas,hbitos e idias entre as sociedades constitudas de um lado e de outro do deserto.Traavam-se fronteiras intransponveis entre as civilizaes do antigo Egito e da Nbia e aquelas dos povos subsaarianos. Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve antes ligada quela da bacia mediterrnea, muito mais que a histria da frica subsaariana mas, nos dias atuais, amplamente reconhecido que as civilizaes do continente africano, pela sua variedade lingstica e cultural, formam em graus variados as vertentes histricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laos seculares. Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado africano foi o aparecimento,com o trfico negreiro e a colonizao,de esteretipos raciais criadores de desprezo e incompreenso, to profundamente consolidados que corromperam inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde que foram empregadas as noes de brancose negros, para nomear genericamente os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foram levados a lutar contra uma dupla servido, econmica e psicolgica. Marcado pela pigmentao de sua pele, transformado em uma mercadoria, entre outras, e condenado ao trabalho forado, o africano passou a simbolizar, na conscincia de seus dominadores, uma essncia racial imaginria e ilusoriamente inferior quela do negro. Este processo de falsa identificao depreciou a histria dos povos afri- canos,no esprito de muitos,rebaixando-a a uma etno-histria em cuja apreciao das realidades histricas e culturais no podia ser seno falseada. A situao evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em particular, desde que os pases da frica, tendo alcanado sua independncia, comearam a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercmbios a ela inerentes. Historiadores, em nmero crescente, esforaram- se em abordar o estudo da frica com mais rigor, objetividade e abertura de esprito,empregando obviamente com as devidas precaues fontes africanas originais. No exerccio de seu direito iniciativa histrica, os prprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em bases slidas, a his- toricidade de suas sociedades. 21. XXIPrefcio nesse contexto que emerge a importncia da Histria Geral da frica, em oito volumes, cuja publicao a Unesco comeou. Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa obra, pre- ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os fundamentos tericos e metodolgicos. Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificaes abusivas criadas por uma concepo linear e limitativa da histria universal, bem como em restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel.Eles esfor- aram-se para extrair os dados histricos que permitissem melhor acompanhar a evoluo dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural. Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da diversidade de fontes e da disperso dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas. A primeira fase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentao e de planificao da obra. Atividades operacionais foram conduzidas in loco, atravs de pesquisas de campo: campanhas de coleta da tradio oral, criao de centros regionais de documentao para a tradio oral, coleta de manuscritos inditos em rabe e ajami (lnguas africanas escritas em caracteres rabes),compilao de inventrios de arquivos e preparao de um Guia das fontes da histria da frica, publicado posteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos pases da Europa. Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistas africanos e de outros continentes, durante os quais discutiu-se questes meto- dolgicas e traou-se as grandes linhas do projeto, aps atencioso exame das fontes disponveis. Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e articu- lao do conjunto da obra.Durante esse perodo,realizaram-se reunies interna- cionais de especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970),com o propsito de examinar e detalhar os problemas relativos redao e publicao da obra: apresentao em oito volumes, edio principal em ingls, francs e rabe, assim como tradues para lnguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, o yoruba ou o lingala. Igualmente esto previstas tradues para o alemo, russo, portugus, espanhol e chins1 , alm de edies resumidas, destinadas a um pblico mais amplo, tanto africano quanto internacional. A terceira e ltima fase constituiu-se na redao e na publicao do trabalho. Ela comeou pela nomeao de um Comit Cientfico Internacional de trinta e 1 O volume I foi publicado em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili, peul e portugus; o volume II em ingls,rabe,chins,coreano,espanhol,francs,hawsa,italiano,kiswahili, peul e portugus; o volume III em ingls, rabe, espanhol e francs; o volume IV em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o volume V em ingls e rabe; o volume VI em ingls, rabe e francs; o volume VII em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o VIII em ingls e francs. 22. XXII frica desde 1935 nove membros,composto por africanos e no-africanos,na respectiva proporo de dois teros e um tero, a quem incumbiu-se a responsabilidade intelectual pela obra. Interdisciplinar, o mtodo seguido caracterizou-se tanto pela pluralidade de abordagens tericas quanto de fontes. Dentre essas ltimas, preciso citar primeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves da histria das culturas e das civilizaes africanas. Graas a ela, admite-se, nos dias atuais, reconhecer que a frica foi, com toda probabilidade, o bero da humanidade, palco de uma das primeiras revolues tecnolgicas da histria, ocorrida no perodo Neoltico. A arqueologia igualmente mostrou que, na frica, especifi- camente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizaes mais brilhantes do mundo. Outra fonte digna de nota a tradio oral que, at recentemente desconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituio da histria da frica, permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no espao, compreender, a partir de seu interior, a viso africana do mundo, e apreender os traos originais dos valores que fundam as culturas e as instituies do continente. Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico Internacional encarre- gado dessa Histria geral da frica, de seu relator, bem como de seus coordena- dores e autores dos diferentes volumes e captulos, por terem lanado uma luz original sobre o passado da frica, abraado em sua totalidade, evitando todo dogmatismo no estudo de questes essenciais, tais como: o trfico negreiro, essa sangria sem fim, responsvel por umas das deportaes mais cruis da histria dos povos e que despojou o continente de uma parte de suas foras vivas, no momento em que esse ltimo desempenhava um papel determinante no pro- gresso econmico e comercial da Europa; a colonizao, com todas suas conse- qncias nos mbitos demogrfico,econmico,psicolgico e cultural; as relaes entre a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o processo de descolonizao e de construo nacional, mobilizador da razo e da paixo de pessoas ainda vivas e muitas vezes em plena atividade. Todas essas questes foram abordadas com grande preocupao quanto honestidade e ao rigor cientfico, o que constitui um mrito no desprezvel da presente obra. Ao fazer o balano de nossos conhecimentos sobre a frica, propondo diversas perspectivas sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da histria, a Histria geral da frica tem a indiscutvel vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, sem dissimular as divergncias de opinio entre os estudiosos. Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques metodolgicas amide utiliza- dos na pesquisa sobre a frica, essa nova publicao convida renovao e ao 23. XXIIIPrefcio aprofundamento de uma dupla problemtica, da historiografia e da identidade cultural, unidas por laos de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo tra- balho histrico de valor, a mltiplas novas pesquisas. assim que, em estreita colaborao com a UNESCO, o Comit Cient- fico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuito de aprofundar algumas questes que permitiro uma viso mais clara sobre certos aspectos do passado da frica. Esses trabalhos publicados na coleo da UNESCO, Histria geral da frica: estudos e documentos, viro a cons- tituir, de modo til, um suplemento presente obra2 . Igualmente, tal esforo desdobrar-se- na elaborao de publicaes versando sobre a histria nacional ou sub-regional. Essa Histria geral da frica coloca simultaneamente em foco a unidade his- trica da frica e suas relaes com os outros continentes,especialmente com as Amricas e o Caribe. Por muito tempo, as expresses da criatividade dos afro- descendentes nas Amricas haviam sido isoladas por certos historiadores em um agregado heterclito de africanismos; essa viso, obviamente, no corresponde quela dos autores da presente obra. Aqui, a resistncia dos escravos deportados para a Amrica, o fato tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] poltico e cultural, a participao constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da primeira independncia americana, bem como nos movimentos nacionais de libertao, esses fatos so justamente apreciados pelo que eles realmente foram: vigorosas afirmaes de identidade que contriburam para forjar o conceito universal de humanidade. hoje evidente que a herana africana marcou, mais ou menos segundo as regies, as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir de certas naes do hemisfrio ocidental. Do sul dos Estados-Unidos ao norte do Brasil, passando pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies culturais herdadas da frica so visveis por toda parte; em certos casos, inclusive, elas constituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns dos elementos mais importantes da populao. 2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam respectivamente sobre: no 1 O povoamento do Egito antigo e a decodificao da escrita merotica; no 2 O trfico negreiro do sculo XV ao sculo XIX; no 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; no 4 A historiografia da frica Meridional; no 5 A descolonizao da frica: frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; no 6 Etnonmias e toponmias; no 7 As relaes histricas e socioculturais entre a frica e o mundo rabe; no 8 A metodologia da histria da frica contempornea; no 9 O processo de educao e a historiografia na frica; no 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; no 11 Lbya Antiqua; no 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975. 24. XXIV frica desde 1935 Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relaes da frica com o sul da sia atravs do Oceano ndico, alm de evidenciar as contribuies africanas junto a outras civilizaes em seu jogo de trocas mtuas. Estou convencido que os esforos dos povos da frica para conquistar ou reforar sua independncia, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas especificidades culturais devem enraizar-se em uma conscincia histrica reno- vada, intensamente vivida e assumida de gerao em gerao. Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor e, desde os primrdios da independncia, como presidente da primeira comisso criada com vistas reforma dos programas de ensino de histria e de geografia de certos pases da frica Ocidental e Central, ensinaram-me o quanto era neces- srio, para a educao da juventude e para a informao do pblico, uma obra de histria elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar o continente em sua totalidade. Por todas essas razes, a UNESCO zelar para que essa Histria Geral da frica seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e constitua base da elaborao de livros infantis, manuais escolares e emisses televisivas ou radiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos, da frica e de outras partes, podero ter uma melhor viso do passado do continente africano e dos fatores que o explicam, alm de lhes oferecer uma compreenso mais precisa acerca de seu patrimnio cultural e de sua contribuio ao pro- gresso geral da humanidade. Essa obra deveria ento contribuir para favorecer a cooperao internacional e reforar a solidariedade entre os povos em suas aspiraes por justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto que manifesto muito sinceramente. Resta-me ainda expressar minha profunda gratido aos membros do Comit Cientfico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos diferentes volu- mes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realizao desta prodigiosa empreitada. O trabalho por eles efetuado e a contribuio por eles trazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes, conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a servio da verdade de todos os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecido pela UNESCO, para lograr xito em um projeto de tamanho valor cientfico e cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se s organizaes e aos governos que, graas a suas generosas doaes, permitiram UNESCO publi- car essa obra em diferentes lnguas e assegurar-lhe a difuso universal que ela merece, em prol da comunidade internacional em sua totalidade. 25. XXVApresentao do Projeto A Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso, solicitou ao Diretor-geral que empreendesse a redao de uma Histria Geral da frica. Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit Cientfico Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970. Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da UNESCO, em 1971, esse Comit compe-se de trinta e nove membros res- ponsveis (dentre os quais dois teros africanos e um tero de no-africanos), nomeados pelo Diretor-geral da UNESCO por um perodo correspondente durao do mandato do Comit. A primeira tarefa do Comit consistiu em definir as principais caractersticas da obra. Ele definiu-as em sua primeira sesso, nos seguintes termos: Em que pese visar a maior qualidade cientfica possvel, a Histria Geral da frica no busca a exausto e se pretende uma obra de sntese que evitar o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposio dos problemas indicadores do atual estdio dos conhecimentos e das grandes correntes de pensamento e pesquisa,no hesitando em assinalar, Apresentao do Projeto pelo Professor Bethwell Allan Ogot* Presidente do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica * Durante a XVI sesso plenria do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica (Brazaville, agosto de 1983), procedeu-se eleio do novo Bureau e o professor Ogot foi substitudo pelo professor Alberto Adu Boahan. 26. XXVI frica desde 1935 em tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela assim preparar o caminho para posteriores publicaes. A frica aqui considerada como um todo. O objetivo mostrar as relaes histricas entre as diferentes partes do continente,muito amide subdividido, nas obras publicadas at o momento. Os laos histricos da frica com os outros continentes recebem a ateno merecida e so analisados sob o ngulo dos intercmbios mtuos e das influncias mul- tilaterais, de forma a fazer ressurgir, oportunamente, a contribuio da frica para o desenvolvimento da humanidade. A Histria Geral da frica consiste, antes de tudo, em uma histria das idias e das civilizaes, das sociedades e das instituies. Ela funda- menta-se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui compreendidas a tradio oral e a expresso artstica. A Histria Geral da frica aqui essencialmente examinada de seu inte- rior. Obra erudita, ela tambm , em larga medida, o fiel reflexo da maneira atravs da qual os autores africanos vem sua prpria civilizao. Embora elaborada em mbito internacional e recorrendo a todos os dados cientficos atuais, a Histria ser igualmente um elemento capital para o reconhecimento do patrimnio cultural africano, evidenciando os fatores que contribuem unidade do continente. Essa vontade em examinar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poder, alm de suas qualidades cientficas, conferir-lhe um grande valor de atualidade. Ao evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia, em uma poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, propor uma concepo particular dos valores humanos. O Comit decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo sobre mais de 3 milhes de anos de histria da frica, em oito volumes, cada qual compreen- dendo aproximadamente oitocentas pginas de texto com ilustraes (fotos, mapas e desenhos tracejados). Para cada volume designou-se um coordenador principal, assistido, quando necessrio, por um ou dois co-diretores assistentes. Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto entre os membros do Comit quanto fora dele, em meio a especialistas externos ao organismo, todos eleitos por esse ltimo, pela maioria de dois teros. Eles encarregam-se da ela- borao dos volumes, em conformidade com as decises e segundo os planos decididos pelo Comit. So eles os responsveis, no plano cientfico, perante o Comit ou, entre duas sesses do Comit, perante o Conselho Executivo, 27. XXVIIApresentao do Projeto pelo contedo dos volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, de uma maneira geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da Histria. o Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o original definitivo. Uma vez considerado pronto para a edio, o texto remetido ao Diretor-Geral da UNESCO. A direo da obra cabe, dessa forma, ao Comit ou ao Conselho Executivo, nesse caso responsvel no nterim entre duas sesses do Comit. Cada volume compreende por volta de 30 captulos. Cada qual redigido por um autor principal, assistido por um ou dois colaboradores, caso necessrio. Os autores so escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum vitae. A preferncia concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequao aos ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto quanto possvel, para que todas as regies da frica, bem como outras regies que tenham mantido relaes histricas ou culturais com o continente, estejam de forma equitativa representadas no quadro dos autores. Aps aprovao pelo coordenador do volume,os textos dos diferentes captu- los so enviados a todos os membros do Comit para submisso sua crtica. Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume submetido ao exame de um comit de leitura, designado no seio do Comit Cientfico Inter- nacional, em funo de suas competncias; cabe a esse comit realizar uma profunda anlise tanto do contedo quanto da forma dos captulos. Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima instncia, os originais. Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou-se necessrio, pois permite assegurar o mximo de rigor cientfico Histria Geral da frica. Com efeito, houve ocasies nas quais o Conselho Executivo rejeitou origi- nais, solicitou reestruturaes importantes ou, inclusive, confiou a redao de um captulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questo ou perodo especficos da histria foram consultados para a finalizao definitiva de um volume. Primeiramente, uma edio principal da obra em ingls, francs e rabe ser publicada, posteriormente haver uma edio em forma de brochura, nesses mesmos idiomas. Uma verso resumida em ingls e francs servir como base para a traduo em lnguas africanas. O Comit Cientfico Internacional determinou quais os idiomas africanos para os quais sero realizadas as primeiras tradues: o kiswahili e o haussa. Tanto quanto possvel, pretende-se igualmente assegurar a publicao da Histria Geral da frica em vrios idiomas de grande difuso internacional 28. XXVIII frica desde 1935 (dentre os quais, entre outros: alemo, chins, italiano, japons, portugus, russo, etc.). Trata-se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada gigantesca que constitui um ingente desafio para os historiadores da frica e para a comu- nidade cientfica em geral, bem como para a UNESCO que lhe oferece sua chancela. Com efeito, pode-se facilmente imaginar a complexidade de uma tarefa tal qual a redao de uma histria da frica que cobre no espao, todo um continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de anos, respeitando, todavia, as mais elevadas normas cientficas e convocando, como necessrio, estudiosos pertencentes a todo um leque de pases, culturas, ideologias e tra- dies histricas. Trata-se de um empreendimento continental, internacional e interdisciplinar, de grande envergadura. Em concluso, obrigo-me a sublinhar a importncia dessa obra para a frica e para todo o mundo.No momento em que os povos da frica lutam para se unir e para, em conjunto, melhor forjar seus respectivos destinos, um conhecimento adequado sobre o passado da frica, uma tomada de conscincia no tocante aos elos que unem os Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudo isso deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre os povos da Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimnio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade. Bethwell Allan Ogot Em 8 de agosto de 1979 Presidente do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma Histria Geral da frica 29. C A P T U L O 1 1Introduo As exigncias da anlise desenvolvida no presente volume conduziram a aqui subdividir a histria da frica em trs domnios: cultural, econmico e poltico. Empregamos a palavra cultural no em sentido estrito, que evoca a experincia artstica, mas em sua acepo mais ampla, voltada aos valores e s tradies. Definimos o domnio econmico como aquele que se refere produo africana e distribuio de bens, mas tambm aquele dos modos de consumo africanos e das modalidades de troca relativas1 a esses ltimos. Por fim, defini- mos a experincia poltica da frica do ponto de vista dos desafios do poder e da autoridade, como tambm do ponto de vista das regras da participao na gesto dos assuntos pblicos. No plano cultural, os temas abordados abarcam todo o horizonte compre- endido entre a religio e a literatura. Em matria econmica, ns tratamos nesse volume,tanto o abastecimento de gua nos campos quanto a busca de uma nova ordem econmica mundial. Finalmente, os temas polticos englobam tpicos to diversos quanto as lutas de libertao na frica Meridional,as revolues sociais em pases tais como a Ruanda e a Etipia, a construo da nao na Tanznia ou os valores polticos no Magreb. 1 No que se refere aos debates econmicos, consultar especialmente os documentos do Banco Mundial, 1989a, e da ONU, Comisso Econmica para a frica, 1989. Introduo Ali A. Mazrui 30. 2 frica desde 1935 Por que escolhemos 1935 como ponto de partida para o perodo estudado nesse volume? Porque a Segunda Guerra Mundial, para a frica, comeou nesse ano. imagem da China, para a qual o conflito no teve incio com a invaso da Polnia pela Alemanha em 1939, mas somente na ocasio da inva- so de seu territrio pelo Japo em 1937, a frica viu efetivamente abriremse as hostilidades em outubro de 1935, no momento da invaso da Etipia pelas tropas de Mussolini. Toda uma sesso do volume consagrada a esta dcada do conflito internacional (19351945) e ns igualmente abordamos a Segunda Guerra Mundial em captulos ulteriores. Retomaremos mais adiante, na pre- sente introduo, esse tema ligado ao conflito mundial em suas relaes com a crise dos anos 30. Os valores, a produo e o poder No domnio cultural, esse perodo da histria da frica corresponde a uma importante fase de africanizao das religies vindas de fora, cristianismo e islamismo. Igrejas crists independentes fizeram sua apario, afirmando sua identidade com maior autoconfiana,particularmente na frica Central e Meri- dional. Quanto ao islamismo, por exemplo, no Senegal, experimentou uma afri- canizao mais profunda, sob influncia de movimentos tais como a confraria moura de Amadou Bamba. No domnio lingustico, a frica, como veremos, deve considerar o papel das lnguas europeias importadas e a utilizao do alfabeto latino no processo de codificao das lnguas nacionais. Fato curioso, no decorrer do perodo aqui abordado, o continente no conheceu no plano lingustico um nacionalismo militante comparvel quele manifesto no plano poltico. Os africanos sentem se menos frustrados pela preponderncia das lnguas da Europa do que pela supremacia poltica dela. Com efeito, se fizermos exceo da Etipia, da Som- lia,da Tanznia e da frica de lngua rabe,a ressonncia emocional do naciona- lismo lingustico apresentase bem mais reduzida na frica, comparativamente ao ocorrido na sia pscolonial.Como assinalaremos mais adiante no presente volume, a frica demonstra maior disposio em acomodarse dependncia lingustica do que ela parece estar pronta a admitir o neocolonialismo poltico. Por outro lado, ainda que expressos muitas vezes em lngua estrangeira, a literatura e o teatro africanos so indissoluvelmente solidrios com a poltica de libertao. No curso desse perodo, o teatro da libertao apresenta incon- testavelmente maior engajamento que o teatro do desenvolvimento. O tema da 31. 3Introduo libertao impregnou especialmente o teatro sulafricano, como veremos na sequncia desse volume. Peas como Sizwe Banzi is dead, de Athol Fugard, John Kani e Winston Ntshona, ou Survival, fruto do Workshop 71, abriram o caminho a toda uma nova gerao do teatro da libertao. At mesmo Ngahiika Ndenda [Eu me casarei quando quiser], pea populista de Ngugi wa Thiongo, trata uma temtica que poderamos considerar antes ligada libertao que ao desenvolvimento, neste caso, a libertao relativa opresso de classe (negros contra negros) e no aquela concernente opresso racial como na frica do Sul (brancos contra negros). Em termos gerais, dependncia lingustica e nacionalismo literrio manifestamse simultaneamente no transcorrer desse perodo na frica. Mas, quando lnguas estrangeiras so empregadas, isso acontece para expressar uma identidade literria deliberadamente africana, dessa forma, no Qunia por exemplo, um autor como Ngugi wa Thiongo busca fundir nacionalismo lin- gustico e independncia literria: sua pea, Ngahiika Ndenda, escrita em lngua Kikuyu est voltada contra o poder africano negro da poca pscolonial de seu pas. Paralelamente a essa tentativa em combinar nacionalismo literrio e nacio- nalismo lingustico, Julius K. Nyerere, na Tanznia, tenta, por sua vez, combinar nacionalismo lingustico e dependncia literria. Sua traduo em kiswahili do Jlio Csar de Shakespeare parece, primeira vista, ir de encontro libertao. Mas o que fez ele seno pedir ao kiswahili para carregar o peso da cultura mun- dial, sem no entanto recuar ante a grandeza de Shakespeare? Em certo sentido, Nyerere dava assim um golpe em benefcio do desenvolvimento, lingustico, neste caso. Se no plano literrio, preocuparse com Shakespeare correspondia, aparentemente, a virar as costas libertao, traduzir um gnio ocidental para uma lngua africana pode ser considerado uma afirmao do desenvolvimento. A traduo por Nyerere do Mercador de Veneza pode igualmente assemelhar se a algo que caminha em sentido contrrio libertao. Mas, ela pertence, sua maneira, ao teatro do desenvolvimento, por duas razes. Primeiramente, a empreitada equivalia a promover a lngua nacional da Tanznia condio de lngua internacional. Em segundo lugar, a escolha do Mercador de Veneza inscreviase no quadro do esforo pela educao econmica da Tanznia, diri- gido contra a explorao. A viso toda de Nyerere em seu Ujamaa consistia em uma luta contra os Shylock desse mundo (mais pagos que judeus). A maneira como ele traduziu o ttulo da pea acomodava esse sentimento: O(s) Capitalista(s) de Veneza (Mabepari wa Vanisi). Ns retomaremos, nos captulos posteriores, o simbolismo do Mwalimu e do Bard na cultura pscolonial. 32. 4 frica desde 1935 Em relao ao domnio econmico,este volume aborda,ao mesmo tempo,os problemas relativos pobreza e ao subdesenvolvimento, tanto em nvel mundial quanto no plano local,ou da microssociedade,pois,se no Ocidente a concorrn- cia equivale ao enfrentamento de capitalistas no campo do mercado de aes, na frica, situase s vezes no nvel da pobreza. Esperamos poder lanar uma luz, nos captulos seguintes, sobre o contexto global do subdesenvolvimento e da misria que castigam o continente2 . Podemos questionar, com relao aos anos 90, se os tempos mais difceis para a frica j se encontram em seu passado. Os dados disponveis, se no trazem uma resposta definitiva, permitem, entretanto, pensar sobre o fato da mortalidade infantil j ter baixado no continente,desde ento,de 40% para 24%. Igualmente, tudo indica que a esperana de vida, outrora da ordem de 40 anos, esteja em vias de aproximarse dos 50 anos. No que concerne a produo de vveres, aparentemente ela teria aumentado cerca de 3% em 1986. Essa evoluo significa que, pela primeira vez em quinze anos,a produo de gneros alimentcios aumentou mais que a populao.Pude- mos tambm observar, em meados dos anos 80, uma mudana no comporta- mento dos camponeses africanos, desde logo atentos s polticas adotadas pelos governos no sentido de melhorar os rendimentos da agricultura. Os captulos consagrados economia permitiro um tratamento do contexto em que se ins- crevem esses problemas3 . Quanto ao aspecto poltico da histria da frica, durante o perodo conside- rado,os principais processos estudados nesse volume so a libertao,a formao do Estado e a edificao da nao. Aps os captulos que tratam da libertao em relao ao regime colonial europeu propriamente dito, mais particularmente ao longo do perodo que vai at os anos 60, ser abordada a poca em que a frica lutou contra governos dominados por minorias brancas, como no Zimbbue. Certamente, sero tra- tadas igualmente nesse volume questes relativas s lutas que se desenvolveram nas colnias africanas, consideradas pela Europa como partes integrantes da metrpole (tal o caso da Arglia e das colnias portuguesas). Finalmente, analisaremos o esforo levado a cabo pela frica na poca pscolonial visando superar as relaes de dependncia ainda subsistentes 2 Consultar J. RAVENHILL, 1986. Eu agradeo tambm Wanjiku Kironjo (Qunia) por sua estimulante contribuio. 3 C. BASSET, 1987. 33. 5Introduo MAR VERMELHO Canal de Suez S A A R A ARGLIA MAURITANIE SUDO FRANCS NGER CHADE TUNSIA LBIA TRIPOLITNIA CIRENICA EGITO SUDO ANGLO-EGPCIO ERITRIA TIGR SOMLIA FRANCESA SOMLIA BRITNICA SOMLIAITALIANA OGADNIA ETIPIA HAUD GEZIRA OUBANGUI- -CHARI NIGRIA DAOM TOGOBRITNICO TOGO COSTA DOOURO ALTO- -VOLTA GUIN FRANCESA SERRA LEOA LIBRIA SENEGAL GMBIA GUIN PORTUGUESA CABO VERDE (Port.) FERNANDO POO (Esp.) Tnger Kenitra MARROCOS RIO DE O URO Casablanca Argel Bizerta Tnis Sfax Trpoli Benghazi Alexandria Cairo Saint-Louis Dakar Bamako Niamei Uagadugu COSTA DO MARFIM Conakri Freetown Monrvia Abidjan Porto Novo Fort Lamy Accra Lom Lagos Yaound Bangui CAMARES BRITNICO Cartum Adowa Jibuti Harar Adis- -Abeba Wal-Wal Kafr al-Dawar FEZZAN F R I C A O C I D E N TA L F R A N C E S A MAR MEDITERRNEO OCEANO ATLNTICO OCEANO NDICO FRICA DO SUDOESTE Zonas sob domnio de Blgica Gr-Bretanha Frana Itlia Portugal Espanha Estados Independentes PRNCIPE (Port.) RO MUNI SO TOM (Port.) GABO CONGO MDIO FRANCS CONGO BELGA UGANDA QUNIA RUANDA- -URUNDI TANGANYIKA ZANZIBAR (G.B.) ANGOLA KATANGA RODSIA DO SUL RODSIA DO NORTE MOAMBIQUE TRANSVAAL SUAZILNDIA BASUTOLNDIA PROVNCIA DO CABO (Dominada pela UNIO SUL- -AFRICANA) UNIO SUL-AFRICANA COMORES (Frana) MADAGASCAR(Frana) MAURCIO (G.B.) REUNIO (Frana) Cabo da Boa Esperana Libreville Campala Lopoldville Brazzaville Luanda Mogadscio Nairbi Dar es-Salaam Elisabethville Antananarivo Lusaka Zomba NIASSALNDIA Salisbria Vinduque Gaborone BECHUANALNDIA Joanesburgo Loureno Marques Cidade do Cabo 0 500 1 000 milhas 0 800 1 600 km FRICAEQUATORIALFRANCESA SEICHELES (G.B.) CAMARES FRANCS figura 1.1 Mapa poltico da frica em 1935.(Fonte: segundo J.Bartholomew,The citizens Atlas of the world, Edimburgo, Batholomew and Son Ltd., 1935, pg. 122123.) Nota: entre 1932 e 1947, o AltoVolta encontravase dividido entre o Sudo francs, a Costa do Marfim e a Nigria. Nessa poca, Ouagadougou no era a capital. 34. 6 frica desde 1935 frente s antigas potncias coloniais: em outros termos, o combate contra o neocolonialismo. Na fase pscolonial, os processos de sucesso poltica no interior dos Esta- dos africanos revestemse de uma particular importncia. Observouse a ocor- rncia em alguns casos de sucesso pstuma natural, isto , sucesso aps um falecimento natural. Dessa forma, Moi sucedeu Kenyatta e Chadli Bendjedid sucedeu Boumediene. Sucesses tambm aconteceram aps um assassinato, uma morte poltica ou um acidente duvidoso. Na ocasio em que alHadji Shehu Shagari chegou ao poder em 1979, trs dentre os seis chefes de governo na Nigria haviam sido mortos desde a independncia, ou seja, uma taxa de regicdio de 50%. Entretanto, desde Shagari, a taxa de regicdio baixou na Nigria, pois nenhum presidente foi assassinado nesse pas nos anos 80. Os casos, porm, de sucesso poltica resultantes de um golpe militar de Estado foram, de longe, os mais frequentes. Acima de setenta golpes de Estado ocorreram no continente desde a independncia, em sua maioria ao norte da linha do equador. necessrio aqui acrescentar as sucesses consecutivas a um golpe civil de Estado (um governo civil sucedendo outro governo civil). Assim, na Uganda, Obote logrou uma revoluo palaciana destituindo em 1966 o pre- sidente, o rei Mutesa, e Lule sucedeu Binaisa, em 1979, aps outro golpe civil de Estado. Certas sucesses produziramse como consequncia de uma verdadeira guerra. Assim se deu a ascenso ao poder de Lule, depois da guerra entre Esta- dos que ops Tanznia e Uganda, em 19781979. Sucesses tambm ocorreram aps uma guerra civil: a tomada de poder pelas tropas de Museveni, na Uganda, depois de Obote e Okello, apresentase como o melhor exemplo. A insurreio popular igualmente desempenhou seu papel nesses proces- sos. O caso do Sudo excepcional a esse respeito. Em 1964, uma insurreio conduzida por civis provocou nesse pas o desmoronamento do regime militar do general Aboud e, em 1985, uma insurreio democrtica de mesmo tipo l tambm derrubou o regime de Nimayr, obrigando os militares a prometer o retorno democracia em um prazo de um ano. A promessa foi cumprida, mas o governo civil no durou. Casos de passagem voluntria de poder dos militares aos civis tambm acon- teceram: o general Obasanjo em 1979,na Nigria,e o capito Jerry Rawlings,em Gana,demitiramse assim em favor de civis (por pouco tempo nesse ltimo pas). Quanto sucesso assegurada por eleies, a esse respeito, Maurice talvez constitua o nico exemplo na frica. No decorrer do perodo da histria afri- 35. 7Introduo cana aqui considerado, os casos de substituio de um governo aps um fracasso eleitoral foram rarssimos.Os captulos que tratam dessa questo,especialmente os captulos 15 e 16, analisam alguns dos fatores que contribuem volatilidade das instituies na frica pscolonial. No entanto,observaramse muitos casos histricos de sucesso poltica advin- dos aps uma demisso ou uma retirada voluntria. O exemplo mais ntido de retirada poltica completa , at hoje, aquele do presidente do Senegal, Lopold Sdar Senghor. Em 1985, Julius K. Nyerere, tambm ele, ofereceu o exemplo de renncia ao mais alto posto de Estado; todavia, durante certo tempo, ele no pde resolver abandonar seu papel no seio do partido nacional, o Chama Cha Mapinduzi (CCM). Igualmente ambivalente foi a retirada realizada de forma ostensiva por Ahmadou Ahidjo, alguns anos antes, na Repblica Unida de Camares. Nos captulos relativos s crises polticas da frica, esperamos mostrar que, no cerne dessas crises, reside especialmente a questo de saber como dar s nossas naes uma maior coeso cultural e como conferir aos nossos Estados uma maior legitimidade poltica, bem como uma autoridade acrescida. A frica do perodo aqui tratado aquela que recebeu em partilha: fronteiras artificiais, exrcitos mal treinados e uma situao econmica de extrema dependncia. Nos captulos consagrados poltica e economia so examinadas algumas dentre as crises acima evocadas, inclusive do ponto de vista das questes cruciais que os direitos humanos engendram na frica pscolonial. Entretanto, dado o carter particular do sculo XX, sculo em que, pela pri- meira vez no curso da aventura humana,a economia e a poltica adquiriram uma dimenso verdadeiramente global, universal, a histria da frica contempornea no pode ser compreendida plenamente seno quando inserida no contexto mais amplo da histria mundial. O que se extrai da histria do perodo observado consiste, por um lado, na maneira pela qual a frica ajudou a Europa a se reu- manizar e, por outro lado, os meios pelos quais a Europa contribuiu para a rea- fricanizao da frica. A histria da descolonizao no sculo XX constituise num dos grandes dramas da histria da humanidade, tomada em seu conjunto. Esse processo colocou em jogo excepcionais contradies4 . 4 Ns definimos a descolonizao como o processo pelo qual o regime colonial atinge seu fim, as insti- tuies coloniais so desmanteladas e os valores, bem como as modalidades coloniais, so abandonados. Teoricamente, a iniciativa da descolonizao pode ser tomada, seja pela potncia imperialista, seja pelo povo colonizado. Na realidade, a verdadeira descolonizao geralmente imposta pela entrada dos oprimidos em luta. 36. 8 frica desde 1935 Os anos decorridos desde 1935 constituem, em particular, um perodo da histria durante o qual o mundo ocidental relembrou aos africanos,involuntaria- mente, a sua identidade panafricana. Ns sabemos que a identidade nigeriana, queniana ou marfinense no teria existido sem o colonialismo europeu.A Europa , por conseguinte, a me ilegtima da conscincia nacional dos nigerianos, que- nianos e marfinenses; mas poderamos ns igualmente dizer que o imperialismo ocidental o pai ilegtimo da conscincia panafricana? Este volume tambm aborda o aparecimento dessas novas identidades e dessas novas aspiraes junto aos povos africanos. Se, na frica, a conscincia de classe resulta, parcialmente, da intensificao do capitalismo, a intensificao do imperialismo j suscitou em parte, nesse continente, uma conscincia de raa. Da mesma forma que a explorao capi- talista ajuda os trabalhadores a melhor tomarem coletivamente conscincia de si mesmos enquanto trabalhadores, igualmente, o imperialismo europeu contri- buiu, com o passar do tempo, a tornar os africanos colonizados coletivamente mais conscientes de si mesmos, enquanto povo colonizado. nesse sentido que o imperialismo europeu contribuiu, por exemplo, para que o pas Kikuyu reconhecesse nos yoruba como seus irmos africanos e contribuiu para que o povo da Arglia reconhecesse os zulu como compatriotas,em escala continental. claro que os africanos, em suas prprias sociedades e subregies, no necessitaram de ajuda da Europa para conhecer e experimentar, desde muito tempo,a dignidade de sua identidade prpria de Kikuyu,de Amhara,de Yoruba, de Berberes, de Zulu ou de rabes magrebinos. Contudo, quando em seu livro Filosofia da Revoluo, Gamal Abd alNasser convocou os egpcios a se lembra- rem que eles no eram somente rabes e muulmanos mas, tambm, Africanos, se referia explicitamente experincia de luta compartilhada por todo conti- nente contra uma dominao estrangeira. O imperialismo europeu provocou o despertar de uma conscincia continental. A casa imperial da Etipia foi relativamente lenta em reconhecer seu pas como pas africano. Por muito tempo, os soberanos etopes preferiram considerarse como pertencentes ao Oriente Mdio e no frica. Entretanto, ocorre em 1935, ano de referncia inicial para o presente volume, a humilha- o e a ocupao da Etipia pela Itlia, ato de consequncias particularmente dramticas. O restante da frica e todo o mundo negro vibraram de dor pelos acontecimentos. As consequncias desse evento sero estudadas em detalhe em vrios captulos. Esqueceuse s vezes que, a partir de 1935, a Etipia descobriuse, ela pr- pria,como realmente participante da condio africana.De um lado,pelo ann- 37. 9Introduo figura 1.2 Diante da Sociedade das Naes, o imperador Hail Selassi elevase contra a agresso da Etipia pela Itlia. (Fonte: Museu do Palcio das Naes, Genebra. Foto: L. Bianco.) cio da nova invaso italiana,vemos Kwame Nkrumah,ainda jovem,percorrendo a largos passos as ruas de Londres, sem poder reprimir suas lgrimas de clera. A triste notcia tornouse, naquele dia, um estmulo suplementar para a conso- lidao de uma identidade panafricana junto ao jovem Nkrumah. Por outro lado, porm, o imperador Hal Slassi mergulhou em uma expe- rincia similar quela que havia sido imposta a outros soberanos africanos,trinta ou cinquenta anos antes: a ocupao direta de seu territrio e a submisso de seu povo pelos europeus. O imperador foi tambm testemunha da amplitude do apoio manifesto pelos africanos e negros ao seu povo e a ele prprio, perante o desafio imposto pela Itlia. Assim nasceu uma nova conscincia racial na casa real da Etipia, sob o efeito do choque produzido pela descoberta de si mesma, enquanto dinastia africana reinando sobre um povo africano. Em seguida, Hal Slassi iria tornarse um dos pais fundadores do panafricanismo pscolonial e, sob muitos aspectos, seu mais eminente representante. Assim, uma vez mais, os excessos da Europa imperial prepararam o caminho a algo diferentemente positivo, o esplendor de uma nova identidade panafricana cresceu sobre a sr- dida misria do racismo europeu. Este trata da transio decisiva entre a igno- 38. 10 frica desde 1935 mnia dos excessos dos europeus e o esplendor da descoberta da frica por ela mesma. Mas qual foi o efeito inverso,aquele que a frica produziu sobre o Ocidente? Ao combater pela sua prpria independncia, a frica contribuiu tambm para modificar o curso da histria europeia e, inclusive, mundial. Evidentemente, o presente volume coloca nfase sobre os fatos histricos que se produziram no interior do prprio continente mas, tendo em vista que no decorrer desse perodo a frica foi incorporada e participou mais estreitamente do que nunca do sistema mundial, importante lembrar que ela no era simplesmente um continente passivo submetido s aes dos demais. As prprias aes da frica igualmente contriburam para transformar os destinos de outros. Se verdade que a frica foi, enquanto continente, submetida pela Europa, pelo conflito que a forou a se reconhecer a si prpria, por sua vez, a Europa, por sua vez, foi forada, em certa medida, a assimilar a lio de responsabilidade internacional e de humildade democrtica que o desafio africano lhe impunha. Toda a histria da descolonizao no sculo XX tambm deve ser vista como um processo pelo qual os oprimidos acabaram por compreender plenamente quem so eles na realidade, ao passo que os opressores comeavam a aprender sobre a humildade inerente ao sentimento de ter que prestar contas ao mundo inteiro, em matria de humanidade.A histria da frica desde 1935 deve ser recolocada no contexto dessas contradies maiores. Quem so os Africanos5 ? O poeta e diplomata de Serra Leoa, Davidson Abioseh Nicol, escreveu: Tu no s um pas, frica, Tu s uma ideia, Conformada em nossos espritos, cada qual com o seu, Para esconder nossos medos, cada qual com os seus, Para alimentar nossos sonhos, cada qual com os seus6 . Ns retomaremos posteriormente esse leitmotiv particular. Certamente, a frica , ao mesmo tempo, mais que um pas e menos que um pas. Mais de cinquenta entidades territoriais, com fronteiras artificialmente criadas pela 5 Essa parte tem como inspirao A. A. MAZRUI, 1986, captulos 1 e 5. 6 Ver D. A. NICOL, 1969. 39. 11Introduo Europa passaram, no curso do perodo abordado neste volume, a levar o nome de nao. Todas, salvo a Repblica SulAfricana e a Nambia, tinham nos anos 80 aderido a uma organizao internacional denominada Organizao pela Unidade Africana (OUA). Sim, a frica uma ideia, fecundada pelos sonhos de milhes de seres humanos. Como dissemos,uma das grandes ironias da histria da frica moderna reside no fato de o colonialismo europeu ter tido como efeito lembrar aos africanos que eles eram africanos. O maior servio que a Europa prestou aos povos da frica no foi trazerlhes a civilizao ocidental, atualmente encurralada, nem mesmo o cristianismo, hoje na defensiva. A contribuio suprema feita pela Europa diz respeito identidade africana, dom concedido sem amenidades nem inteno, o que no a torna menos real. E isso particularmente verdadeiro no sculo XX. Mas como, ento, a Europa panafricanizoua frica? De que modo pode se dizer que o sentimento de identidade africana, experimentado pelos africa- nos de hoje, nasceu da interao produzida na histria entre eles e os europeus? De fato, certo nmero de processos, ligados uns aos outros, operaramse simultaneamente. Ns os examinaremos mais de perto adiante. Primeiramente e antes de tudo, h o triunfo da cartografia europeia na histria cientfica e intelectual mundial. So os europeus que deram um nome maioria dos con- tinentes e oceanos, a muitos grandes rios e grandes lagos, bem como maioria dos pases. A Europa fixou a posio do mundo de tal forma que ns pensamos o continente europeu como situado acima da frica, no cosmos, e no abaixo dela. Ela fixou o tempo do mundo de tal maneira que a hora universal se deter- mina a partir do meridiano de Greenwich. Ela tambm nomeou os trpicos de Cncer e de Capricrnio. Alm do mais, foram em geral os europeus que decidiram onde terminava um continente do planeta Terra e onde comeava outro. No que concerne frica, eles decidiram que nosso continente acabava no mar Vermelho e no no Golfo Prsico. Os europeus talvez no tenham inventado a palavra frica mas, eles desempenharam um papel decisivo na aplicao desse termo massa terrestre continental por ns hoje reconhecida sob essa denominao. O segundo processo atravs do qual a Europa contribuiu para a africanizao da frica aquele relativo ao racismo. Como o demonstram os volumes prece- dentes,o racismo manifestouse de modo particularmente marcante na maneira pela qual as populaes negras do continente foram tratadas. A humilhao e o rebaixamento de que os africanos negros foram vtimas, por razes raciais, no curso dos sculos,contriburam a levlos a se reconhecerem mutuamente como irmos africanos. 40. 12 frica desde 1935 O racismo estava ligado ao imperialismo e colonizao. A respeito desses ltimos, ns tambm mostraremos, nos captulos ulteriores, que eles deram luz a um sentimento de identidade africana comum e suficientemente forte para permitir a conformao,no curso do perodo considerado,do movimento conhe- cido como panafricanismo. Tratase do que expressava o Tanzaniano Julius K. Nyerere quando declarava: Sobre todo o continente, sem que uma palavra sequer tenha sido trocada de indivduo a outro ou de pas a outro, os africanos olhavam a Europa, observavamse uns aos outros e sabiam que, face ao europeu, eles eram apenas um7 . A conscincia negra, ao sul do Saara, constitui um aspecto da identidade africana mas essa mesma conscincia negra surgiu como uma reao arro- gncia racial dos europeus. Ela atingiu a dimenso continental aps a invaso da Etipia em 1935. A negritude, movimento intelectual e literrio, nasceu da arrogncia cultural especfica do imperialismo francs. Eis o pano de fundo do processo pelo qual a Europa panafricanizou a frica. O perodo da histria sobre o qual versa este volume configura um momento particularmente impor- tante desse processo. A frica na era da globalizao No sculo XX,entretanto,a histria da frica est,na realidade,intimamente ligada s tendncias sensveis em escala mundial. Veremos, mais adiante, como a traduo de Shakespeare em kiswahili, feita por Nyerere, ilustra, no campo literrio, essa conexo planetria. O captulo 29, consagrado A frica e a Organizao Mundial das Naes Unidas, lanar luz sobre o componente poltico dessa ligao viva. O perodo abordado no presente volume comeou no nascer da era nuclear e na emergncia da era espacial, dois dentre os acon- tecimentos que mais radicalmente transformaram a relao do homem com o universo. Outros captulos examinaro essas