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historia
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RESENHA DA OBRA “A REVOLUÇÃO FRANCESA”
de ALBERT SOBOUL
HH 380-A – TEORIA DA HISTÓRIA I (1º semestre/2012)
Professora JUSSARA MARQUES OLIVEIRA MARRICHI – Departamento de História – IFCH/Unicamp
Aluno: MAURIZIO MARCHETTI - RA 942780
A obra escolhida para analisar o método histórico foi a 8ª edição de “A
Revolução Francesa” de Albert Soboul, publicada pela Presses Universitaires
Françaises (PUF), com tradução brasileira feita por Rolando Roque da Silva e
publicada pela Editora Difel, em 2003.
No capítulo intitulado Introdução – Das Causas da Revolução Francesa,
Albert Soboul explica o episódio revolucionário através da transição do
feudalismo para o capitalismo identificando como causas os “antagonismos
sociais” e as “flutuações econômicas e demográficas”.
Nesse rol de causas podemos notar que para Albert Soboul não existem
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personagens históricos responsáveis pelo movimento revolucionário, mas apenas e
tão somente causas sociais, econômicas e demográficas, tanto que raras vezes são
citados os nomes de Luís XVI ou de Robespierre, dando a impressão que os
considera meros detalhes acessórios, quase que irrelevantes e dispensáveis para
explicar o fenômeno histórico. Enfim, a história não é feita pelos Homens, mas
pela sociedade, pela economia e pela demografia. Talvez por isso é que os
personagens tenham ficado em segundo plano.
Essa explicação de Albert Soboul em muito se assemelha ao pensamento de
Platão, para quem o real não são os indivíduos concretos, mas as Ideias. Disse
Platão que sendo as Idéias o máximo de perfeição não precisa mudar nada e por
isso permanecem sempre as mesmas, são estáticas, não se movimentam, algo difícil
de conciliar com a História, que é movimento.
Por isso, talvez seja o caso de comparar com Hegel, que à semelhança com
Platão, também afirma que a realidade não são os indivíduos, mas a Ideia. Mas,
diferentemente da concepção estática da perfeição absoluta de Platão, Hegel
introduz o movimento na Ideia, dando-lhe o nome de dialética.
Isso significa que a Ideia é um processo que começa com a imperfeição e
culmina na perfeição absoluta, naquilo que descreveu como “absoluta imanência
do infinito no finito”, entendendo-se aqui o finito como o imperfeito e o infinito
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como o perfeito e que todo finito contém em si o infinito como a semente
contém uma frondosa árvore. A isso, denominou-se por idealismo lógico.
Segundo Hegel, o idealismo lógico rege toda a realidade, seja a natural, seja
a humana, tudo nada mais seria do que a realização de uma Ideia, desde o
desenvolvimento de uma pequena planta, até o desenvolvimento de uma
civilização, tudo realiza a Ideia. Note aqui que o indivíduo, seja uma planta, seja
uma civilização, não tem papel ativo, mas apenas passivo, pois são regidos por
completo por algo superior e de máxima perfeição, a Ideia.
A explicação das causas da Revolução Francesa, Albert Soboul tem muitas
semelhanças com o pensamento de Hegel, na medida em que os personagens
históricos são meros figurantes das verdadeiras causas que são a sociedade, a
economia e a demografia. Mas também nota-se uma importante diferença entre
Hegel e Soboul, pois enquanto para aquele a realidade última são as Ideias, algo
que está além do mundo, na explicação de Soboul é o contrário, essas causas estão
no próprio mundo, mas não nos indivíduos, e não num suposto mundo das
Ideias.
Nesse momento é que devemos nos lembrar de Karl Marx, que concorda
em quase tudo que disse Hegel, exceto algo muito importante, pois no lugar da
Ideia, Marx colocou a Economia. Aqui cabe esclarecer o que significa a palavra
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Economia para Marx, que aliás é algo bem simples e não faz o menor sentido
querer sofisticar ou complicar. Quando Marx fala em economia está querendo
dizer maneiras como os Homens relacionam-se com a natureza, no sentido de
como os Homens se apropriam na natureza para obter os meios de sobrevivência
material. É a partir desses princípios que Marx explica a História, não são
indivíduos, mas um instinto de sobrevivência material da Humanidade que
desvenda o mistério da História.
Basicamente, o que disse Marx é que sem comida, sem habitação, sem água,
sem uma série dessas coisas bem essenciais à própria sobrevivência e à existência
digna, não é possível sequer a vida e seria ilusório pensar que toda a História
pudesse ser reduzida a alguns atos de alguns indivíduos, como se ninguém
trabalhasse na produção dos meios essenciais para a sobrevivência material. E
mais, disse Marx, é exatamente de como cada um pode participar dos frutos dessa
produção de todos os meios de subsistência que será possível entender
adequadamente a História.
Em sua A Ideologia Alemã, escreveu Marx:
A primeira condição de toda a história humana é evidentemente a
existência de seres humanos vivos. O primeiro estado real que
encontramos é então constituído pela complexidade corporal desses
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indivíduos e as relações a que ela obriga com o resto na natureza.
Não podemos fazer aqui um estudo aprofundado da constituição
física do homem ou das condições naturais, geológicas, orográficas,
hidrográficas, climáticas e outras, que se lhe depararam já elaboradas.
Toda historiografia deve necessariamente partir dessas bases naturais e
da sua modificação provocada pelos homens no decurso da história.
Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como
distinção entre os homens e os animais; porém, esta distinção só
começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus
meios de vida, passo em frente que é consequência da sua
organização corporal. Ao produzirem os seus meios de existência, os
homens produzem indirectamente a sua própria vida material.
A forma como os homens produzem esses meios depende em
primeiro lugar da natureza, isto é, dos meios de existência já
elaborados e que lhes é necessário reproduzir; mas não deveremos
considerar esse modo de produção deste único ponto de vista, isto é,
enquanto mera reprodução da existência física dos indivíduos. Pelo
contrário, já constitui um modo determinado de actividade de tais
indivíduos, uma forma determinada de manifestar a sua vida, um
modo de vida determinado. A forma como os indivíduos manifestam
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a sua vida reflecte muito exatamente aquilo que são. O que são
coincide portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que
produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os
indivíduos são depende portanto das condições materiais da sua
produção (MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã,
Lisboa: Presença, volume I, tradução portuguesa por Conceição
Jardim & Eduardo Lúcio Nogueira, 3ª edição, s/d, pp.18/19)
A isso denomina-se concepção materialista da história. Nota-se que o uso
da palavra materialista indica a importância primeira dos meios materiais de
subsistência para qualquer explicação da sociedade. Não tem nisso nada que possa
ser considerado argumento de caráter religioso ou anti-religioso. O que Marx
procurou explicar é como funciona as relações sociais, que não seriam obras de
indivíduos mas de uma força maior, a economia, como algo relativo à
sobrevivência da espécie. Tentar dizer que o uso da palavra materialismo por
Marx seria algo vinculado a questões religiosas é uma clara distorção, má-fé ou
incompreensão dos textos marxistas, que são bem claros a respeito.
Pois bem, voltando a Albert Soboul notamos que sua explicação das causas
da Revolução Francesa tem fortes vínculos com a matriz marxista, conforme
podemos verificar pela seguinte transcrição:
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O renascimento do comércio e o desenvolvimento da produção
artesanal tinham, não obstante, criado, desde os séculos X e XI, uma
nova forma de riqueza, a riqueza mobiliária, e através dela, dado
nascimento a uma nova classe, a burguesia, cuja admissão aos Estados
Gerais, desde o século XIV, lhe consagrara a importância. No quadro
da sociedade feudal, ela dera prosseguimento ao seu impulso ao
próprio ritmo do desenvolvimento do capitalismo, estimulado pelos
grandes descobrimentos dos séculos XV e XVI e pela exploração dos
mundos coloniais, bem como pelas operações financeiras de uma
monarquia sempre carente de dinheiro. No século XVIII, a
burguesia estava à testa das finanças, do comércio, da indústria;
fornecia à monarquia não só os quadros administrativos como
também os recursos necessários à marcha do Estado. A aristocracia,
cujo papel não tinha cessado de diminuir, permanecia ainda na
primeira escala da hierarquia social: porém se esclerosava em casta, no
momento mesmo em que a burguesia aumentava em número, em
poder econômico, também em cultura e em consciência. O
progresso das luzes solapava os fundamentos ideológicos da ordem
estabelecida, ao mesmo tempo que se afirmava a consciência de classe
da burguesia. Sua boa consciência: classe em ascensão, acreditando no
progresso, tinha a convicção de representar o interesse geral e de
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assumir o encargo da nação; classe progressiva, exercia uma triunfante
atração sobre as massas populares como sobre os setores dissidentes da
aristocracia. Contudo, a ambição burguesa, apoiada pela realidade
social e econômica, se chocava com o espírito aristocrático das leis e
das instituições”. (SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa, São
Paulo: Difel, tradução brasileira por Rolando Roque da Silva, 2003,
8ª edição, p. 9)
Nota-se, mais uma vez, que na explicação de Soboul não há menção a
qualquer personagem histórico, tudo é explicado em termos de que naquela
época quem supria as necessidades materiais da sociedade francesa da época era a
burguesia e que para poder continuar sustentando materialmente a França era
necessário eliminar alguns empecilhos representados por vários resquícios
medievais que deveriam ser eliminados para que fosse possível manter e expandir
a obtenção de meios materiais de subsistência daquela sociedade.
Assim, podemos verificar que Albert Soboul explica a Revolução Francesa
a partir de uma perspectiva marxista, no sentido de que reconhece uma
permanente movimentação – dialética – provocada pela necessidade de se
produzir os meios materiais de subsistência da sociedade – economia (ou
materialismo) – o que poderiamos sintetizar pela expressão materialismo histórico.
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É importante destacar que esse método de Karl Marx não estava restrito
apenas à História, pois sua teoria pretendia explicar qualquer coisa. Tanto que é
por isso que o método mais geral é denominado por materialismo dialético, que
explicaria tanto fenômenos naturais quanto fenômenos sociais. No caso particular
e restrito aos fenômenos sociais, o materialismo dialético tem um nome mais
específico, materialismo histórico, conforme explica Louis Althusser.
Isso significa que não se trata de um método próprio da historiografia, mas é
um método geral que também pode ser aplicado para a historiografia, algo que
poderiamos considerar polêmico se levarmos em conta que Albert Soboul
notabilizou-se como historiador marxista na segunda metade do Século XX,
quando de longa data já estava em voga, há mais de um século, a crença de que a
História teria um método próprio que lhe atribuiria autonomia. O pensamento de
Alberto Soboul vai no sentido contrário, pois, em certo sentido, retorna à
historiografia dependente da filosofia, no caso a filosofia de Karl Marx.
No que se refere à Revolução Francesa, o posicionamento de Albert
Soboul não passou isento de severas críticas, sobretudo por parte dos chamados
historiadores liberais que criticavam a interpretação marxista exatamente por
manter a História como serva da Filosofia, destacando-se os franceses François
Furet e Denis Richet e o britânico Alfred Cobban que insistiam no caráter
eminentemente político da Revolução Francesa, deixando de lado qualquer
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explicação de base social, o que significou uma proposta de retorno à uma
História de personagens e não uma História de forças super-humanas em relação
as quais ao Homem não resta outra alternativa senão a resignação.
Célebre ficou os seguintes dizeres lançadas em meio à turbulência
revolucionária que revelou a crença de que a revolução era o efeito de forças
superiores aos indivíduos, quaisquer que fossem:
Os reis, os aristocratas, os tiranos, sejam quem forem, não passam de
escravos revoltados contra o soberano da Terra, que é o gênero humano e
contra o legislador do Universo, que é a Natureza.
Essa profissão de fé segundo a qual é o gênero humano, e não os indivíduos,
a Natureza, e não a política, que faz a História é de Robespierre, o mais radical
dos líderes revolucionários.
IFCH, 2 de junho de 2012
Maurizio Marchetti
RA 942780
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